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Centro de Tecnologia

COPPEInstituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação em Engenharia

ITCPIncubadora Tecnológica de Cooperativas Populare

Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Apresentação

O Projeto Economia Solidária em Desenvolvimento no Estado do Rio de Janeiro foi implementado no período de janeiro de 2011 a março de 2013, pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/COPPE/UFRJ em parceria e financiamento do Mi-nistério do Trabalho e Emprego/Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) , com o objetivo de promover o fortalecimento do cooperativismo popular e da economia solidária no estado do Rio de Janeiro através de três ações prioritárias:• Fomento à incubadora de empreendimentos econômicos solidá-rios, fortalecendo os seus quadros e aperfeiçoando suas técnicas de trabalho;• Assistência técnica para 17 (dezessete) empreendimentos econô-micos solidários ligados à cadeia da reciclagem;• Capacitação de 35 (trinta e cinco) gestores de políticas públicas a fim de contribuir para a qualificação e ampliação das políticas públicas de economia solidária no estado do rio de Janeiro.Como produto deste trabalho apresentamos o material didático composto por 3 (três) cadernos:

1) Caderno de textos que tratam dos temas como:• A gestão pública para a inclusão social;• Orçamento público, planejamento e participação;• A economia solidária e autogestão: A persistência histórica do trabalho associado;• Economia Solidária: Notas sobre as formas jurídicas dos empreen-dimentos, as relações de trabalho e as políticas públicas. 2) Caderno de manuais que contém informações e forma de aplica-ções na área de gestão sobre os temas:• Organização financeira;

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• Metodologia de Incubação de empreendimentos solidários;• Elaboração do plano de negócio;• Gestão ambiental para empreendimentos solidários.3) Cadernos de oficinas que visam a capacitação e a qualificação de todos envolvidos (empreendimentos, empreendedores, gestores, etc.) no processo de consolidação do debate sobre a economia solidária, trazendo os seguintes temas:• Logística de organização, comercialização e transporte para em-preendimentos solidários;• Logística de segurança do trabalho;• Plano de capital: princípios básicos da contabilidade;• Plano de mercado: identidade visual e marketing para empreendi-mentos solidários; • Redes de parceiros: formação e participação em redes de trabalho;• Cadeia de reciclagem e sustentabilidade de empreendimentos solidários. Acreditamos, como Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares que o material didático ora apresentado contribua para ampliar e consolidar o debate sobre novas relações de trabalho, envolvendo questões como: cooperativismo, Economia Solidária, Mercado, Sustentabilidade, Legislação e oportunidades de geração de trabalho e renda para os empreendimentos e empreendedores.Finalmente, destacamos o nosso compromisso com as diversas formas de organização dos trabalhadores e as culturas locais, é tão grande quanto o compromisso de crescer sem jamais relegar a um segundo plano a sensibilidade.

Gonçalo GuimarãesCoordenador GeralIncubadora Tecnológica de Cooperativas Populares/ITCP

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A gestão pública para inclusão social

O presente texto tem por objetivo apresentar a utilização da ges-tão pública como um instrumento voltado para a inclusão social e salientar a diferença entre políticas públicas e sociais. A partir de uma contextualização histórica sobre o surgimento de políticas públicas voltadas para a gestão pública, abordará os conceitos so-bre inclusão e exclusão, as formas de utilização destas políticas de inclusão e o papel das incubadoras nesse processo.

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O que é gestão pública?

O termo Gestão Pública surgiu com a criação de políticas públi-cas que permitissem, favorecessem e/ou induzissem a inclusão de pessoas que se encontrassem excluídas ou fora do alcance das políticas públicas existentes. Devemos entender primeiramente o problema que queremos ou iremos tratar. Deve-se entender o que é a inclusão social dentro do âmbito político. Para alcançar este entendimento pode-se partir do contexto do Ministério do Traba-lho e Emprego (MTE), que tem como foco central medir as relações entre capital e trabalho. Nessa estrutura se encontram as Secre-tarias do Trabalho que possuem o papel de fomentar o trabalho. Ao modificar o seu nome para Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), passa de um mediador da relação capital/trabalho para o pa-pel de gerenciador de uma política de qualificação do trabalhador, criando uma política local que seja capaz de responder às questões existentes na atualidade sobre a atuação da gestão pública na inclusão social. Nesse ponto, podemos crer que em um período de dez (10) anos, todos os municípios brasileiros, em sua grande maio-ria, terão criado suas Secretarias de Trabalho. A partir daí, se iniciará a estruturação de uma política de fomento ou de qualificação para o trabalho no âmbito municipal. Surge assim um novo debate no Brasil sobre o tipo de política de emprego dos municípios, o que na década de 1970 não se aplicava. A pergunta feita nesse período era: “Qual a empresa que você trará para seu Município? E na década de 1990: “Que trabalho é gerado no seu Município? Nesse contexto, constatamos que a empresa já não é mais sinônimo de emprego. Nesse quadro se insere a discus-

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são que será tratada aqui, a questão acerca dos grupos. Na década de 70, existia o emprego formal, as pessoas se formavam e obti-nham a carteira de trabalho, que era o ideal na época. Porém, uma parte considerável da população, os ditos herdeiros da escravidão no Brasil, nunca teve acesso à carteira de trabalho. Estes não eram incluídos nos indicadores do desemprego. Essa “roda” funciona muito bem para quem se encontra no circuito emprego/desem-prego, na busca pelo emprego formal. Nela o sujeito que atua na informalidade não está neste circuito, porque não é considerado desempregado. O que define esse circuito está baseado na busca pelo emprego formal.Exemplo: Se um indivíduo é biscateiro ou trabalha em obras, não será considerado desempregado. Porque ele não está no circuito do emprego, pois não está na busca pelo emprego de carteira assinada. Nessa perspectiva, quando se fala em emprego/desemprego, falamos de uma parcela da sociedade que nunca esteve nesse circuito. São pessoas com baixo nível de escolaridade, que atuam em subempregos, e se encontram no circuito inferior da economia, desse modo não são considerados no indicador. Para Milton San-tos, o circuito inferior, por um lado, está pautado na apropriação do trabalho desprotegido e intenso, burlando as leis e a fiscalização, constituindo redes de produção em níveis geográficos distintos e se subordinando ao circuito superior. . Por outro lado, engendra alternativas socioeconômicas para homens e mulheres, não de forma imediata, porém integrada ao movimento dos mercados de produção, consumo e financiamento subordinados às grandes em-presas, o que nos oferece uma oportunidade única na leitura sobre o trabalho informal, oriundo do comércio popular, que pode ser encontrado em qualquer centro urbano. Santos (1979), define o cir-cuito inferior na forma de um subsistema, onde a cidade é o órgão central de suas atividades. Dessa forma, essas pessoas se tornam o

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objeto das políticas sociais, porque sempre foram vistas como não-trabalhadores, não inseridos na economia, não empregados, e por fim, por se encontrarem em condições de vulnerabilidade social. Antes de iniciarmos estas discussões, definiremos aqui o que são políticas públicas e políticas sociais.Segundo Gobert, Muller:“Políticas públicas podem ser entendidas como o ‘Estado em ação’, isto é, o Estado implantando um projeto de governo, através de programas de ações voltadas para setores específicos da socieda-de.” (Gobert, Muller – 1987). Ou seja, as políticas públicas podem ser entendidas aqui como responsabilidade do Estado. Essa responsabilidade se dá, desde a implantação e manutenção, até as decisões tomadas e postas em prática por todas as esferas do Governo e as distintas instituições que estão relacionadas a essas políticas. Se por um lado as políticas públicas representam a implantação de um projeto do governo, por outro lado, as políticas sociais são voltadas para ações determi-nantes de um padrão de proteção social do Estado, com princípios baseados em uma redistribuição de benefícios sociais com vista à diminuição das desigualdades originadas pelo desenvolvimento da economia vigente em cada época.

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O que são as políticas de assistência?

São frutos de um trabalho de qualificação profissional de políticas de saúde, mas nunca foram objeto de políticas de desenvolvimen-to (década de 90). Sempre existiu no plano e no contexto das cha-madas políticas sociais uma política da violência, da alimentação, da saúde, mas nunca foram vistas efetivamente na forma de uma política da educação, da tecnologia, da inovação, entre outras, con-sequentemente com um financiamento adequado. Esses “objetos” das políticas sociais representam de 40% a 60% da população, e sempre foram vistos como um problema social, seja pela violência, seja pela condição de vida ou de saneamento, mas nunca como parte integrante da sociedade, originando dessa forma duas ver-tentes: uma, onde as políticas econômicas estão voltadas para as questões do trabalho, contemplando os que se encontram inse-ridos neste circuito, e outra, das políticas sociais que irão atender uma parcela considerável da sociedade, os herdeiros de um mode-lo escravagista, o que nos leva a analisar que as políticas públicas sociais sempre existiram no Brasil. De forma positiva, e/ou negativa, essa estrutura das políticas sociais está muito ligada a suprir as necessidades, até mesmo no âmbito do urbanismo. Tais políticas irão reivindicar as questões relacionadas ao urbanismo e, por outro lado, questões que abordem a parte de assistência social, deixando as perguntas:

• O que essas políticas poderiam efetivamente fazer para essa parte da sociedade até então não contemplada? • Essas políticas são necessárias?

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A resposta é sim, estas políticas são imprescindíveis. Essa parcela da população, sem as políticas de assistência, poderia estar em pontos críticos. O país hoje passa por um processo de profunda transformação que galga os degraus da economia mundial. Nesse sentido, que política social seria capaz de transformar essa parcela da sociedade? Para responder a essa pergunta iremos voltar um pouco na história do país. Até a década de 1960, Delfim Neto, então Ministro da Economia afirmou que: “era preciso o bolo crescer para depois dividí-lo”. Essa frase foi um marco forte, utilizada como a tese do “Milagre Brasilei-ro”, em que o Brasil teria que primeiro se desenvolver, para depois realizar uma distribuição igualitária, tendo como base o grande investimento do capital estrangeiro. No início da década de 1960, a economia do país começou a desacelerar, fazendo surgir dessa ma-neira uma discussão acalorada sobre as reformas realizadas na eco-nomia para a retomada do crescimento econômico. O que levou a essa crise, e de que maneira as políticas e as reformas ajudariam o Brasil a continuar seu desenvolvimento econômico? Nesse perío-do, iniciou-se no país o processo de industrialização, no qual não se dispunha de um planejamento social, agravando cada vez mais as desigualdades existentes. O crescimento industrial se deu por conta da redução do valor das exportações. Surge então a questão: de que maneira as demandas sobre bens e serviços, que não foram afetadas pela crise, poderiam ser resolvidas? Para a resolução desse problema a solução seria o aumento da oferta interna, da oferta de bens e serviços, e por fim, a instalação de novas unidades produti-vas, tendo em vista, que a primeira solução se extinguiria assim que as fábricas instaladas estivessem com sua capacidade máxima de produção. Dessa maneira, a substituição nesse processo das impor-tações se basearia no fortalecimento das duas atividades restantes.Tavares (1972: 117) afirma que:“À medida que se desenvolvia a oferta interna de bens e serviços

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de consumo, surgia uma demanda por novas importações, agora bens intermediários e de capital. A dificuldade em conseguir divi-sas para sustentar as novas importações levava a um novo estran-gulamento externo, que por sua vez induzia uma outra onda de substituições”. Nesse sentido a demanda interna era afetada por problemas estruturais da economia brasileira. Enquanto o processo de subs-tituição avançava, os novos investimentos absorviam muito pouca ou nenhuma mão de obra para as indústrias. Isto é, seria necessária a oferta de empregos voltados para a parcela da população que se encontra fora do mercado formal de trabalho, e desta forma passar a consumir os bens e serviços oferecidos. Mas onde encontrar esta oferta? Com o crescimento em massa da população, a mesma seria encontrada na agricultura, onde a renda resultante alavancaria o crescimento da economia no país. Porém, a estrutura fundiária da época, não oferecia um aumento em relação à produtividade, o que ocasionava a má remuneração do agricultor e o acúmulo de riquezas, o que impedia o consumo dos produtos industrializa-dos. Com o golpe de 1964 e a implantação da Ditadura Militar, a estratégia econômica adotada por Castelo Branco, foi a defendida pelos liberais, que consistia na diminuição de reformas de base e de intervenção do Estado. Assim, em seu governo nomeou alguns liberais para guiarem a política econômica do país, garantindo o poder político para a criação de reformas conservadoras e de um plano de estabilização econômica responsável por um novo mode-lo de crescimento. Vieram as décadas de 70, 80 e 90, o país se desenvolveu, porém não houve divisão alguma. O que fazer agora, nesse novo quadro, para que esse “bolo” possa contemplar a todos? Que política aten-deria melhor a questão que envolve as políticas de inclusão? As políticas sociais mais pungentes e efetivas ou as políticas econômi-cas que reconhecessem esse grupo?

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Devemos lembrar sempre que o grupo em questão vive nas áreas mais pobres, áreas em desfavorecimento econômico. Essa situação trata-se de um problema social ou econômico? Para chegarmos a uma resposta devemos analisar a seguinte questão: se por um lado, a pobreza e a desigualdade são um problema social, será necessá-ria a utilização de políticas sociais para a transformação dessa reali-dade. Caso seja um problema econômico, será preciso a utilização de políticas econômicas para traçar essa transformação. Seguindo essa perspectiva, Hebert de Souza, o Betinho, figura importante na década de 1960, muito mais em 1990, por conta do exílio, acaba por ter um papel de extrema importância ao iniciar um debate no Brasil sobre a situação dessa parcela da população que se encon-tra em vulnerabilidade socioeconômica. Durante um Congresso realizado na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), com a célebre frase: “Quem tem fome, tem pressa”, cria o precursor do Programa Bolsa Família, voltado para atender às necessidades da sociedade civil, baseado no voluntariado e fornecendo respostas aos problemas relativos à questão da fome encontrados no país. Nesse evento, Betinho profere a frase que será utilizada como ob-jeto de análise deste texto: “O trabalhador dentro da fábrica é fator econômico, fora é um problema social.” (sem ano). Ou seja, o desenvolvimento é econômico e a pobreza social. Desta forma, essa divisão do trabalho fica clara quando se tem o traba-lhador inserido no circuito, mas não permite que o mesmo vá além disso. O que gera essa diferença? Esse problema é social ou econô-mico? Por que quando o trabalhador está dentro da fábrica possui um tipo de tratamento, e quando está fora dela o tratamento é ou-tro, ou não existe? Será que não é o modelo de economia vigente que faz surgir essa diferença? A resposta é simples, a pobreza é um problema econômico, pois se reflete na sociedade, e não o contrá-rio. Por este motivo, pode-se afirmar que as causas estruturais da pobreza não são um estado social, e sim econômico.

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Exemplo: Um portador de necessidades especiais, independente de ser pobre ou rico, não terá sua situação resolvida, e sim minimizada de acordo com a situação financeira de cada um. A maneira como a sociedade vai compensar aquela debilidade é uma questão estrutural. Sendo assim, não é através da condi-ção econômica que ela deixará de possuir a deficiência. Por este motivo, existe a política de cotas no trabalho, em concursos, etc., para que os portadores de deficiência possam concorrer às vagas de emprego, as quais eles teriam pouca ou nenhuma chance se as condições fossem iguais. Nesse sentido, não podemos montar uma cooperativa com pacientes do sistema de saúde mental e crer que este empreendimento poderá concorrer de maneira igual com outra cooperativa. Ela deve possuir condições que garantam, por parte do Estado, a ampla concorrência de forma justa e igualitária. Não se pode considerar que tudo é problema social, pois se houver disponibilização de tecnologia, dinheiro e recurso, as necessidades das pessoas serão supridas. Para que tenhamos a certeza de que o problema é social ou econômico, devemos fazer a seguinte per-gunta: ‘se tivermos o dinheiro e a tecnologia o problema será resol-vido?’. Caso a resposta seja afirmativa, o problema não é social. Isso mostra que essas diferenças são problemas econômicos. Dando continuidade a essa discussão acerca da pobreza no plano social, se continuará fazendo políticas de compensação que não apontam para uma mobilidade social onde a condição desigual de concor-rência é o problema social desses grupos. Nesse sentido, é necessária uma política não-social, visto que o social é necessário para compensar as condições imediatas na qual aquela pessoa se encontra. Porém, é preciso políticas socioeconô-micas que reconheçam as diferenças da sociedade, daquele grupo, e tenham condições iguais para que elas possam ter a mesma in-serção na sociedade. Se as reais condições socioeconômicas destas pessoas não forem reconhecidas e a política criada não for dife-

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renciada, estas jamais serão inseridas, pois as condições vigentes não permitem a elas, terem as mesmas condições de pessoas que nascem em uma situação econômica melhor. Nessa linha de atua-ção, é necessária uma política que compense não apenas os aspec-tos sociais da alimentação e da saúde, mas também o nível econô-mico, as desvantagens. Nos dias atuais uma parcela da população não possui título de propriedade. Moram, na sua maioria, em posses. No entanto no Brasil a posse não é reconhecida como propriedade. Essas pessoas possuem um título precário, pois nem sempre quem usufrui a pro-priedade é verdadeiramente seu dono. A mesma pode pertencer à outra pessoa. Nesse contexto, podemos perceber que quando essa pessoa vai montar um negócio, ela necessita do Alvará (Certidão de Nascimento da Atividade Econômica), isto é, não se procura saber se as pessoas que integram tal empreendimento sabem fazer e/ou produzir e vender o produto ou serviço oferecido. O que é exigido apenas é o título de propriedade, e se o indivíduo não o possui não recebe autorização do Poder Público para iniciar suas atividades. Voltando um pouco na história podemos afirmar que esta situação lembra o Brasil Colônia. Até o ano de 1820 a propriedade da terra pertencia à Coroa ou às Capitânias Hereditárias, pois a terra era um bem de família. Com o fim das Capitânias em 1850, é criada a Lei de Terras, onde a mesma podia ser comprada, deixando de fora os herdeiros dos escravos e todo aquele que se encontrava em proces-so de libertação. As lutas para a abolição da escravatura duraram de 1820 a 1880, com a criação de leis como a: Lei Sexagenária (escra-vos com mais de 60 anos eram livres), a Lei do Ventre Livre, etc . Lembrando que esse processo alcançava uma parcela considerável da população, tendo em vista que na época havia mais negros do que brancos no Brasil. Essa parcela negra foi alijada ao direito da terra, porque diferente de outros países, onde a terra é de quem trabalha, no Brasil, pertencia a quem tinha dinheiro para comprá-las

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E obviamente, aqueles que eram oriundos de um sistema econômi-co em que seu trabalho não era remunerado, não teriam dinheiro para comprar as terras. Cem anos depois, continua-se a exigência do direito à terra para se ter direito à economia. Então o ponto básico é imaginarmos como podemos criar empreendimentos populares na economia solidária e tê-lo na formalização da nossa economia quando os atores desse sistema são pessoas que não são titulares de suas propriedades. Este é o ponto zero para se ter o empreendimento. Então, pensar uma política é pensar no por que daquele empreendimento ser informal. E por que é necessário possuir um título de propriedade se na maioria das vezes, o empre-endimento é de prestação de serviços. Pensar uma política pública de fomento é pensar nas desigualdades existentes na sociedade. Na divisão das riquezas, apenas 40% da população detém a pro-priedade, 60% não. Nos dias atuais, a inserção da economia que não acontece através da mão de obra contratada, e sim do empreendimento, requer a propriedade. Já estamos dando a princípio a possibilidade de se ter a formalização da atividade, na medida em que o empreendimento não possui o requisito número um, o título, pois como foi demons-trado anteriormente para se possuir um negócio o empreendedor deverá ter um alvará. E assim, pensar em uma política pública, é pensar em coisas e/ou condições desiguais que possam ser modifi-cadas, e que são a causa estrutural da informalidade no país. Nesse ponto percebemos que na realidade o informal não é o empreendi-mento, e sim o fator cidadão. No Brasil esta informalidade é impos-ta pela antiga Lei da Terra. Nos dias atuais, uma grande parcela da população vive na informalidade, vivenciando uma não-cidadania, sem direito de participação dos fundos. É o que acontece quando não se possui o tal título de propriedade, a pessoa ou o empreen-dimento encontrarão certa dificuldade de legalizar sem o Alvará, e por fim surgirão outros bloqueios. . Como o acesso ao crédito, para

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o qual será necessário um fiador. Porém, este acesso se dá de forma diferenciada, ou seja, se dá através de dois tipos:• Crédito de Consumo - ligado à pessoa física. Exemplo: Financia-mento da compra de um eletrodoméstico.• Crédito Produtivo – refere-se à pessoa jurídica. Exemplo: Compra de máquinas Com a produção atrelada à propriedade da terra da mesma manei-ra que em 1800, temos um país que se encontra na modernidade, em constante mudança. Estas causas devem ser diagnosticadas pelas políticas sociais, o que posteriormente causará consequ-ências no acesso ao crédito, depois à tecnologia. No que tange à tecnologia, o Brasil possui uma divisão gritante entre a política tecnológica e a política de formação. A primeira está voltada para o setor formal, e a segunda direcionada para a pobreza. Então, tem-se a inovação e a tecnologia, seguida por um alto investimento financeiro nas indústrias e pouco ou nenhum investimento, tanto financeiro quanto tecnológico, nos empreendimentos populares, verificando-se desta maneira que o oferecido para estes grupos é apenas a qualificação profissional, ou seja, eles devem aprender a trabalhar. Não há condições de se manter um empreendimento que não possui inovação e tecnologia. Como podemos imaginar que esse empreendimento possa ser inserido na economia com a tecnologia, máquinas e técnicas de mão de obra de vinte anos atrás? Não haverá condições de inserção, pois o mesmo encontra-se em um estado de arte tecnológica com um atraso de dez anos. Só poderemos enxergar de verdade estas pessoas inseridas de fato na economia, se as mesmas estiverem incluídas na tecnologia e na inovação. Se o sistema sempre as mantiver em um nível inferior, seus produtos não terão uma boa qualidade para a comercializa-ção e, posteriormente um aumento da renda. Um belo exemplo se baseia no pobre. Se a pessoa é pobre o trabalho adequado a ela é o de artesão, costureira, catador, entre outros, porque ela tem um

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“jeitinho” especial ou uma habilidade para realizar trabalhos manuais. Isso nos remete à questão de uma política de inclusão. Porém devemos entender que a exclusão que ocorre é a econômica, de falta de acesso aos meios de produção, ao mercado, a formaliza-ção, etc. Se essa situação não for modificada, não haverá a inserção na economia, e não ocorrendo isso, não acontecerá a inserção da sociedade. Não há uma formalidade do empreendimento quando a informalidade é na sociedade. Essa dicotomia vai sempre levar a uma fragmentação, pois possui um avanço econômico, mas não uma mobilidade social. O avanço econômico não é garantia de inclusão social, porque os filhos dos trabalhadores, não irão desfrutar dos benefícios alcan-çados por seus pais. O consumo dá a impressão de mobilidade (status social), mas não há uma transposição dos bens adquiridos. É preciso ter uma estrutura política capaz de atacar essa situação através de linhas de crédito que compensem a condição da pro-priedade, até mudar a lei no âmbito federal. Os órgãos municipais precisam entender que o alvará não pode e não deve ser atrelado à propriedade privada. São necessárias linhas de apoio e fomento, para que estas valham como requerimento de estruturas sociais e de propriedade, as quais esta parcela da população não tem. Nesse sentido, estará sendo criada uma linha de fomento voltada para aqueles que não recebem nenhuma forma de ajuda. Em relação à qualificação para os Centros Tecnológicos e de Inovação, é ne-cessário um avanço capaz de propiciar aos empreendimentos um patamar de resultados que garantam a qualidade de vida daqueles que o compõem. É necessário ampliar a discussão acerca da inovação tecnológica, pois esse tema só é debatido no âmbito da cadeia produtiva. Um exemplo claro aborda a discussão da utilização destas altas tecno-logias na produção do papel branco, porém não surgem possibili-dades de debate sobre a aplicação desta tecnologia na catação de

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papel, que por princípio é um material reciclável. Existe uma tecno-logia de ponta (Primeiro Mundo), para o produto que se encontra no topo da cadeia produtiva, e condições sub-humanas relativas ao trabalho e a produção na base (extrativismo urbano). Nesse senti-do, necessitamos de uma política pública que traga as condições necessárias para que o país consiga alcançar a posição de 5ª eco-nomia mundial, em toda a cadeia produtiva. Caso esta política não consiga transpassar esse ponto, a sociedade permanecerá dividida em uma condição econômica, social e política, de um grupo e/ou massa de pessoas vivendo na informalidade, na não-cidadania, na qual as condições de trabalho são desfavoráveis. Por esse motivo, essa política pública de inclusão deve reconhecer as diferenças e as desigualdades estruturais que existem em nossa sociedade, mas não culpar o trabalhador da condição social em que vive. Entender as causas estruturais que levam ao baixo nível de escolaridade, propor e fomentar ações efetivas que possam transformar essas condições através de políticas direcionadas a esses grupos, isto é, rever as exigências referentes à legalização dos empreendimentos de forma efetiva, para que dessa maneira possa contribuir para a inclusão desses grupos, e não, simplesmente, propor e implemen-tar uma legalização de segunda categoria. As condições de acesso ao crédito também deverão ser revistas para que atendam às ne-cessidades desses grupos com juros mais baixos. Deverá se propor também o fomento voltado para a tecnologia e inovação. A afirmação que utilizaremos neste texto é a de que uma políti-ca de inclusão social é aquela que permite a inclusão econômi-ca daqueles que até então ficavam à margem da sociedade, os considerados vulneráveis socioeconomicamente falando. Nesta perspectiva, a exclusão social é o reflexo concreto, materializado nas diferenças e não apenas na sua origem, ocorridas em nossa economia, que nasce da marginalidade econômica que os remete à exclusão social. Aqui, a inclusão econômica permitirá a reflexão

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social acerca das causas concretas e proporá as condições diferen-ciadas que compensem esses grupos na perspectiva de que em um prazo de tempo limitado, permita aos mesmos o desfrute e o acesso às políticas econômicas existentes no Brasil. Para concluir, analisaremos a partir daqui o papel das incubadoras nesse contexto. Apresentaremos duas questões: • De que maneira essa política econômica, de democratização da economia, pode ser acessada por grupos ou pessoas que estejam nessas condições, denominadas aqui de desvantagens socioeconô-micas?• Quais seriam esses mecanismos? Partimos da premissa de que para se desenvolver uma política, faz-se necessária a utilização de equipamentos de difusão dessa política. Por exemplo, quando se fala que a educação pública é um direito de todos, só será possível ver o Estado fazendo uma política pública de educação a partir de equipamentos públicos de acesso a esta política. O que tentamos explicitar neste exemplo, é que não dá para imaginar educação pública sem escolas públicas. Enten-de-se que para que haja acesso à educação, é necessário o equipa-mento que viabilize o acesso a essa política. Se não há equipamen-tos não há materialidade, não se consegue visualizar a política de desenvolvimento sem um equipamento para o seu funcionamento, com o qual se possa exercer tal política. Não há uma democratiza-ção da inovação e da tecnologia, que não aconteça através de um equipamento público. Hoje os Centros de Pesquisa, os Laboratórios e as Incubadoras são locais de difusão deste conhecimento, porém apenas para as empresas formalizadas e de grande porte. É ne-cessária a existência de ferramentas que realizem a disseminação dessa tecnologia junto aos empreendimentos populares, da mes-ma maneira que as Incubadoras de Empresas são um meio funda-mental para que as empresas de médio e grande porte desfrutem da inovação tecnológica, representando um elemento de fomento.

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Por esse motivo, é imprescindível a divulgação das Incubadoras Populares (ITCPs), como modelo de transmissão dessa tecnologia, e não como mera qualificação profissional, pois a mesma não será alcançada pelos empreendimentos populares se não for através dessas instituições. Os espaços públicos (Universidades e escolas) são fundamentais para a formação, mas não são suficientes. Nesse contexto, podemos afirmar que uma política pública precede e ne-cessita desses meios para se constituir de uma forma mais real, na medida em que existir centros de formação voltados para a ques-tão financeira de crédito, mas que tenha uma âncora (as ITCPs), que seja fundamental para os empreendimentos populares. Ficando claro que as incubadoras são o elemento chave do que se acredita ser uma política de fomento. O Aurélio (1995), define incubadora como um “aparelho que man-tém condições favoráveis ao crescimento e ao desenvolvimento”. Neste contexto, a ITCP COPPE UFRJ, atua com uma metodologia de incubação baseada em dois eixos de ação: viabilidade cooperativa e viabilidade econômica dos empreendimentos. Esses dois eixos foram escolhidos por conta do caráter dos empreendimentos, ca-racterística de uma empresa e ao mesmo tempo uma associação de trabalhadores que realiza uma aliança entre desenvolvimento eco-nômico, social e político. A incubadora trabalha na viabilidade da cooperativa, no desenvolvimento da cooperativa e na viabilidade econômica das ações voltadas para a geração de trabalho e renda. A primeira metodologia de incubação desenvolvida visava ao fortalecimento, à formação e à qualificação destes grupos e surgiu com a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares CO-PPE UFRJ. Esta ação leva o conhecimento acumulado dentro das Universidades para as cooperativas e a comunidade que existe no entorno. Alia o conhecimento produzido nestas instituições à experiência dos trabalhadores oriundos destes empreendimentos, estimulando desta maneira a construção de políticas públicas

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voltadas para atender às demandas desse público. A vantagem das incubadoras terem suas origens no seio das universidades públicas ou privadas propicia a ampliação dos debates e divulgação dos projetos desenvolvidos junto às comunidades. Com a criação da ITCP COPPE UFRJ e sua divulgação no meio acadê-mico, outras universidades, através da transferência de tecnologia, adotaram a idéia e a metodologia, com algumas adaptações refe-rentes às incubadoras de empreendimentos e, a partir deste ponto, foram formando por todo o país núcleos de formação e qualificação de empreendimentos econômicos, populares ou não; surgindo as-sim a Rede de Incubadoras de Cooperativas Populares – RITCPs. As instituições de ensino são o espaço perfeito para o desenvolvi-mento destas incubadoras por caracterizarem um local que permite uma neutralidade, independente das correntes políticas e teóricas que nelas atuam. Dessa maneira, ao se estabelecer contato com o grupo ou comunidade a ser trabalhada a rejeição é menor, pois des-sa forma por ser considerada um espaço neutro, além da política, os integrantes da comunidade podem crer que não é apenas mais uma manobra para se garantir apoio daquele espaço. Segundo Guimarães (2006), a criação das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, não é a primeira ação de uma universi-dade na comunidade. Tal conjuntura foi, e é favorável porque o grau de violência e de exclusão provoca releituras do quadro social de acordo com as transformações que ocorrem na sociedade. Por conta do perfil multidisciplinar que direciona o olhar da equipe atuante nas incubadoras, para uma formação de opinião e formulação de políticas públicas e novos métodos de atuação da equipe, além do debate sobre o papel a ser desempenhado pela universidade, há a continuidade das ações por conta de suas articulações com os Go-vernos: Federal, Estadual e Municipal, através de projetos voltados para as cooperativas e/ou associações. O trabalho realizado pelas ITCP’s não tem cunho assistencialista

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O mesmo é realizado em uma via de mão dupla, onde a incubado-ra entra com a realização de oficinas de capacitação e assessorias voltadas para a qualificação e fortalecimento dos grupos, enquanto os empreendimentos se inserem com a participação de seus asso-ciados e/ou cooperados visando juntos à inserção dos mesmos no mercado de trabalho. O papel das incubadoras é, em linhas gerais, formar, capacitar, qua-lificar e fortalecer desde gestores públicos, integrantes dos Gover-nos ou não, cooperativas ou qualquer outra forma de associações na temática do cooperativismo popular, tendo como modelo a utilização da economia solidária, em um contexto capitalista que propicia uma exclusão daqueles que não se encaixam neste perfil. Ao atuar nas comunidades através do projeto permite-se a amplia-ção dos conhecimentos das pessoas que atuam na incubadora. Ocorre o amadurecimento como sujeitos capazes de modificar e/ou interferir na sociedade, enxergando o outro como semelhante construindo junto com eles uma identidade individual e coletiva.

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Autores: GUIMARÃES, Gonçalo – Doutor em Planejamento (USP)Coordenador Geral – ITCP/COPPE/UFRJDE PAULA, Viviane – Pedagoga – (UFRJ)

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Biliografia:FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Pau-lo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura)MARQUEZINI, Ana Carolina Torelli. Os dois circuitos da economia urbana na fronteira entre o Brasil e o Paraguai: os casos das cidades gêmeas de Foz do Iguaçu / Ciudad Del Leste e ponta Porã / Pedro Juan Caballero. Anais do XVI Encontro Nacional dos Geógrafos (ENG 2010). Porto Alegre: 25 a 31 de julho 2010. Disponível em: www.agb.org.br/evento/down-load.php?idTrabalho=2423Acesso em: 15 de dezembro 2011.PRADO, Fábio Sá. O “MILAGRE” BRASILEIRO CRESCIMENTO ACELERADO, INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL E DISTRIBUIÇÃO DE RENDA 1967-1973. Disponível em: http://ww2.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/milagre_brasileiro.pdf. Acesso em: 16 de dezembro de 2011.SANTOS, Milton. O Espaço Dividido. Os Dois Circuitos da Economia Urbana dos Países Sub-desenvolvidos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1979 (Coleção Ciências Sociais).SILVA, Jailson de Souza; BARBOSA, Jorge Luiz. O sentido do trabalho Informal na constru-ção de alternativas socioeconômicas e o seu perfil no Rio de Janeiro. Disponível em:http://www.iets.org.br/biblioteca/O_sentido_do_trabalho_informal_na_construcao_de_al-ternativas_socioeconomicas_e_o_seu_perfil_no_RJ.PDF. Acesso em: 15 de dezembro 2011.

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Gestão de Políticas Públicas

Planejamento e participação

Introdução Você está de posse de um manual de orientação. Isto quer dizer que o objetivo deste material não é o de levantar nem acalorar discussões a respeito das melhores e mais convenientes Políticas Públicas. Pretende-se, de maneira objetiva e direta, apresentar defi-nições de vários conceitos e ferramentas operacionais que entram em cena quando se discute, programa e implanta Políticas Públicas. É preciso, para melhor aproveitar as informações elencadas nes-te manual, perceber as fronteiras conceituais e operacionais que distinguem política e administração. Sabemos que as fronteiras definem limites. É o marco que separa e ou diferencia dois objetos (conceitos) próximos, contíguos, que às vezes intercambiam traços, conteúdos, estilos. Seria a política o território das ideias, no qual mentes bem intencionadas projetariam mundos mais justos e equi-librados, enquanto a administração seria uma caixa de ferramentas utilizada para transformar as ideias em objetos, ações e condições? Sim. Dito de maneira simples e resumida, as diferenças entre ambas derivam desta distinção primeira, que coloca uma no campo das ideias, a política, e a outra no campo da prática, a administração. Porém, é nosso dever adverti-lo em relação a um ponto que per-passa o exercício de definição conceitual operado acima. Em Polí-ticas Públicas é importante perceber que a contiguidade entre os dois campos, ideia e prática, raramente é extinta por uma fronteira que dê a uma e a outra autonomia. E isto porque no nascedouro de qualquer política pública, a caixa de ferramenta pertencente ao campo da administração, é posta a serviço da ideia no momento

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mesmo em que esta vem à luz. Não existe Política Pública que espere para ser real. Enquanto não for operacionalizada no mun-do real, não será Política Pública. Conceber uma Política Pública é, imediatamente, pensar nas estratégias e nos recursos para a sua implementação. Talvez resida nesta junção, nesta dependência de uma em relação à outra, a riqueza das Políticas Públicas como instrumental políti-co-administrativo contemporâneo. O tempo urge nos centros e nas periferias do mundo. Se há pressa nas avenidas das megalópoles, uma pressa alimentada pela ambição de conquistas, enriquecimen-to e poder; há muita pressa, também, nos cantões do mundo, onde a fome arde nas barrigas vazias e a próxima refeição não é uma certeza. Atualmente, corremos em busca do que não será encontra-do, mas construído. Os sonhos de outrora são hoje tratados como projetos. E projetos estão no cerne das Políticas Públicas. Se antes sonhávamos com um mundo melhor e mais justo, hoje somos obri-gados e construí-lo. Não há mais a esperança num salvador. Morre o Messias e em seu lugar floresce a consciência de que nas mãos débeis, porém decididas e teimosas, pesará a fadiga de construir o mundo não revelado. O salvador já não é um homem bem criado e nutrido, que do alto de palanques oferece esperança em troca de votos e anuência. Na pressa, alimentada pelo poder ou pela fome, não importa, aprendemos a confiar o futuro à união e à participa-ção. Saímos dos quartos sombrios, onde o sono nos pesava a alma e a espera abria escaras em nossas carnes fracas, para dizer que sabe-mos o que queremos e como queremos. E que mais do que esperar, somos capazes de construir o mundo melhor, aquele que todos os Salvadores ofertaram, mas, contudo, não tornaram presente. Afeitas ao nosso tempo, as Políticas Públicas despontam como o mecanismo fundamental para atendimento das necessidades múl-tiplas que habitam o mundo. A sua eficiência reside, antes de tudo, na abrangência de uma prática que mistura sonho e realidade,

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na implementação que materializa vontades. Sela a sua importân-cia para os dias atuais, a consciência, cada vez mais desenvolvida, de que a desinibição de nossas forças construtivas deve alimentar a marcha indócil de potencialização dos modelos políticos, lapidan-do mais e melhor as ferramentas disponíveis à prática democrática.Mente aberta e mãos à obra.

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1. Como definir Políticas Públicas?

Define-se como o conjunto de ações programadas pelo Estado, nas escalas federal, estadual e municipal, com objetivo de atender a determinados setores da sociedade civil. Elas podem ser desen-volvidas a partir de decisões e alocação de recursos do Estado, em parcerias com organizações não governamentais e com a iniciativa privada.Políticas públicas são decisões de governo que modificam determi-nados cenários, alterando a vida de um conjunto de cidadãos.

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2. De quem é a responsabilidade pelas Políticas Públicas?

O Estado deve propor à sociedade, por meio de políticas públicas, ações preventivas diante de situações de risco, ou transformadoras, nos casos em que se percebe a permanência ou agravamento de problemas sociais. Neste sentido, podemos afirmar que, dotado do direito e do dever de operar o orçamento público, oriundo da pro-dução social, o Estado e seus vários aparelhos é o primeiro respon-sável pela criação e estímulo de Políticas Públicas. Faz parte do seu papel atender às necessidades presentes e futuras da Nação. Porém, no Estado, diversas forças sociais interagem e reclamam seus interesses. Tais forças representam agentes com posições muitas vezes antagônicas e divergentes. Como o Estado não tem condições de determinar e atender aos interesses de todos os setores da população, as Políticas Públicas são de responsabilidade também do cidadão, na medida em que, munido do seu poder de representação e defesa de seus interesses, deve propor ações que garantam seus direitos fundamentais. Atente para o fato eleitoral, e ficará ainda mais claro de que forma podemos atribuir a responsabilidade das Políticas Públicas, de for-ma direta, ao Estado e de forma provocativa, a todo cidadão. Expe-rimentamos a cada dois anos, no Brasil, a agitação das campanhas eleitorais. Na condição de atores de um governo democrático, os partidos lançam candidatos e apresentam as suas plataformas. Os eleitos devem transformar suas plataformas eleitorais em ações. De maneira geral, podemos dizer que esta transformação da proposta em ação fomenta Políticas Públicas. As Políticas Públicas geram consequências na economia e na

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sociedade. Há incontáveis inter-relações entre as forças que se fazem representar no âmbito dos governos. Numa sociedade com-plexa como a nossa, a virtude do equilíbrio é responsabilidade de todos, governo e sociedade. Muitas vezes este equilíbrio é conquis-tado por inflamados debates e posicionamentos divergentes, mas a democracia exige que anseios e necessidades sejam contempla-dos. As políticas Públicas, entendidas como responsabilidade com-partilhada entre Estado e Sociedade, são poderosos instrumentos de equalização dos anseios democráticos.Refletindo o complexo embate entre as forças e os interesses dos atores sociais, está a nítida configuração interdisciplinar que marca a formulação e execução de políticas públicas. Pesquisadores de disciplinas diferentes (antropologia, geografia, economia, plane-jamento, ciência política, sociologia, gestão) partilham tanto da elaboração quanto da análise crítica das Políticas Públicas, contri-buindo para avanços práticos e teóricos. Na esfera do conhecimen-to, podemos definir Políticas Públicas como um saber que busca: a) colocar o governo em ação e b) analisar essa ação.

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3. Para compreendermos Políticas Públicas

3.1 – ElementosEntre vários elementos que compõem as Políticas Públicas, desta-camos os princípios norteadores das ações do poder público. Este precisa agir, alterar a cena onde transcorre a história presente de uma sociedade e todas as suas complexas relações. E não pode agir sem determinar uma diretriz. Portanto, os princípios norteadores compõem o quadro de elementos que devemos compreender quando lidamos com políticas Públicas. Destaca-se, de pronto, o seu caráter norteador. Não fosse ele, poderíamos supor que as po-líticas Públicas são decisões derivadas de contextos emergenciais, com vistas a corrigir uma mazela momentânea, fruto do algum acidente natural ou sócio-político. Mas não. Pelo que vimos até aqui, as Políticas Públicas são voltadas para a correção de cenários duradouros, marcam e objetivam nitidamente corrigir uma situa-ção dada e cristalizada. Certamente que uma Política Pública estabelece uma série de relações entre finanças, políticas, agentes sociais e governamentais. Para que a complexidade da relação entre estes atores não paralise o curso das ações, uma sistematização prévia deve orientar a apli-cação de recursos financeiros, humanos e políticos. Políticas Públi-cas geram resultados avaliáveis. Para que resultados sejam alcan-çados é preciso, ao longo da sua concepção, elaborar, estruturar e distribuir poderes e recursos. Os benefícios sociais e uma avaliação positiva dos resultados da aplicação de uma Política Pública estão na justa repartição de custos e geração de benefícios sociais dura-douros e consistentes.

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Não há mágica. Os interesses particulares dos agentes envolvi-dos, às vezes conflitantes e contraditórios, não serão apaziguados apenas pela beleza de uma proposta. É preciso a mediação da sociedade e de instituições em busca de consenso e legitimação. Assim, os princípios norteadores legitimam as Políticas Públicas e contribuem para sua eficácia.Elaborar Políticas Públicas exige definições. Quem decide, a quem se dirige, quando deve ser executada e quais objetivos se perse-guem. Estas definições estão intimamente relacionadas à maturi-dade das organizações sociais, à cultura política dominante e ao regime político de um Estado. Para que sejam públicas, as políticas devem considerar os resultados, os beneficiários e a participação crítica da sociedade, sob pena de transformar-se em política gover-namental. Portanto, a participação dos beneficiários no debate de elaboração de uma Política Pública é um elemento fundamental para o seu sucesso e abrangência.

3.2 – Objetivos As Políticas Públicas objetivam responder às necessidades seto-riais, principalmente das parcelas da população que acumulam as consequências do descaso, os vulneráveis. Necessidades diagnosti-cadas e interpretadas pelos controladores dos aparelhos de Estado, pressionados e influenciados por uma sociedade civil cada vez mais participativa e mobilizada.Elas objetivam ampliar e efetivar direitos de cidadania, gestados nas lutas sociais e institucionalmente reconhecidos como necessá-rios e urgentes. Há, também, Políticas Públicas focadas na promoção do desenvol-vimento, abrindo novas sendas, com criatividade e inovação, na geração de emprego e renda como mecanismos compensatórios. Ainda outras são necessárias para regular conflitos entre os diver-sos atores sociais que, mesmo hegemônicos, têm contradições de

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interesses que não se resolvem por si mesmas ou pelo mercado e necessitam de mediação.

3.3 – Modalidades de Políticas PúblicasQuando se formula e implanta uma Política Pública, é preciso defi-nir o seu grau de intervenção, abrangência e impactos provocados sobre um público beneficiário. Para tanto, é imprescindível a per-cepção de que as Políticas Públicas não são iguais. Elas são diferen-ciadas por modalidades. Vejamos algumas.3.3.1 – Quanto ao grau da intervençãoa) EstruturalSão as mais robustas e complexas. Tratam de intervir nas estruturas sócias e alterar algumas relações como, por exemplo, as de renda, de propriedade e de emprego.b) Conjuntural ou emergencialSeus objetivos são focais. Embora nem sempre imediatos, os resul-tados programados para as Políticas Públicas emergenciais visam amenizar uma situação temporária, fruto de algum acidente ou consequência do desenvolvimento de situações adversas para setores da sociedade.3.3.2 – Quanto à abrangência dos possíveis beneficiáriosa) UniversaisPara todos os cidadãos de um Estado. b) SegmentadasPara um segmento da população, caracterizado por um fator deter-minado (idade, condição física, gênero etc.)c) FragmentadasDestinadas à grupos sociais dentro de cada segmento.3.3.3 – Quanto aos impactos e o seu papel nas relações sociaisa) DistributivasEm cenários nos quais as condições sócias são marcadas por dife-renças abissais, objetivam a distribuição de benefícios a grupos

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marginalizados . Se os grupos forem apenas beneficiados por pro-ximidades entre governantes, técnicos e beneficiários, o que temos é clientelismo e não Políticas Públicas.b) RedistributivasDiante de diferentes condições, objetivam alterar a distribuição de recursos entre grupos. A equidade é seu mote. Se elaborada e implantada de maneira radical, pode suscitar conflitos de monta. c) RegulatóriasSeus objetivos são amplos e, a médio e longo prazo, transforma-dores. Salientam a necessidade de redefinir regras que regulem os comportamentos dos atores políticos e agentes sociais, de forma que atendam aos interesses gerais da sociedade, beneficiando a todos, e não a determinados grupos.

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4. Dimensões das Políticas Públicas

A sociedade civil, quando chamada a participar do processo de formulação de Políticas Públicas, deve considerar alguns aspectos importantes. Negligenciá-los, é colocar em risco a efetividade do projeto. Observá-los, é aumentar as chances de sucesso e a defini-ção de objetivos afinados com os anseios dos beneficiários.a) IdentidadeA dimensão identitária responde a uma questão geralmente muito cara aos atores sociais. As iniciativas não devem descurar de propo-sições que garantam nos resultados da implantação de uma Políti-ca Pública, assegurar aos beneficiários a identidade coletiva.b) Plataformas PolíticasToda Política Pública é elaborada e implantada em determinada circunstância histórica, o que não quer dizer que ela seja apenas emergencial. O desenvolvimento histórico e social dos atores e grupos envolvidos, a luta pela melhoria de condições de vida, a ampliação na participação decisória, a proximidade e acesso aos recursos capazes de transformar as realidades vigentes compõem o complexo mecanismo de elaboração e implantação de uma Po-lítica Pública. Sendo circunstancial, uma Política Pública coloca-se num cenário no qual as carências, demandas e necessidades sociais estão bem definidas. Neste sentido elas emergem de Plataformas Políticas, constituindo-se em verdadeiros programas de ação, que respondem a um dado cenário.c) Mediações InstitucionaisDiversos atores sociais se defrontam na formulação de Políticas Públicas. Com interesses particulares, valores identitários distintos

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e soluções necessárias em pauta, a mediação institucional se faz presente e imprescindível. d) Dimensão estratégicaAs Políticas Públicas, na sua dimensão estratégica, ocupa um lugar de destaque para a definição de outras políticas e de programas voltados para determinada área. Por representarem uma decisão política e apontarem um sentido para as ações, elas estão na base de vários programas que o Estado, em debate com a sociedade civil, programa e implanta. Assim, a reestruturação de setores pro-dutivos, a organização de áreas de produção, o desenvolvimento de técnicas capazes de incluir produtivamente parcelas periféricas da população ativa podem, com vantagem, se beneficiar de uma definição dos rumos que se pretende imprimir nas políticas sociais, econômicas e culturais. E a bússola deste sentido é a Política Públi-ca. Sua dimensão estratégica pode ser avaliada pela íntima rela-ção que guarda com as plataformas de governo e com os anseios, representados da sociedade civil.

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5. Parâmetros de elaboração, implementação e avaliação das Políticas Públicas

As Políticas Públicas são frutos de complexos entrecruzamentos de interesses e valores de diferentes atores sociais. As mobilizações que a antecedem, as alianças que se estruturam em seu entorno, os acordos que se firmam em prol de sua aprovação e implantação re-fletem, de maneira imediata, a necessidade de se estabelecer uma agenda positiva e dinâmica, encarada como ponto de partida para a resolução de problemas que atingem a sociedade de maneira ge-ral e específica. A sociedade precisa se fazer ouvir. Mais do que isso, ela precisa institucionalizar as suas reivindicações. Como as Políti-cas Públicas são processos dinâmicos, que nascem no transcorrer de um governo e são colocadas em pauta a partir do aparelho de Estado e seus mecanismos de atuação, é na sua formulação, ela-boração e implantação que podemos perceber o intenso diálogo entre Estado, governo e sociedade. Porém, destaquemos o óbvio. Nem Estado, nem governo e nem sociedade são monolíticos e concordantes. Todas as esferas de poder têm uma composição delicada, com forças que atuam em diferentes sentidos. Os setores sociais e suas representações de-vem se articular de forma clara e, às vezes, breve, para enfrentar as diferenças que fazem parte da sua composição. Apesar das diver-gências intrínsecas, um campo de diálogo e reivindicações deve ser abeto para que ventiladas, as políticas públicas possam configurar uma experiência transformadora em consonância com os planos de desenvolvimento do País.Podemos dizer que alguns processos e elementos conceituais são presenças obrigatórias nas Políticas Públicas.

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- Sustentabilidade: Garantia de que ao final de um programa, originário de uma Política Pública, o público beneficiário além de desfrutar dos benefícios programados, conseguirá manter as condições materiais e espirituais para a permanência do bem-estar conquistado.- Democratização: abertura dos canais de manifestação das or-ganizações sociais para que estas possam intervir nos planos de governo, inserindo políticas públicas que transformem cenários negativos a partir do estabelecimento de uma agenda positiva.- Eficácia: que a Política Pública vise e conquiste muito mais do que fatos políticos, levando a bom termo, a partir de boas práticas, a execução de ações que transformem efetivamente os cenários negativos.- Transparência: Processos claros, informações precisas e fontes acessíveis devem permear tanto a elaboração, quanto a implanta-ção de Políticas Públicas. A Transparência é fundamental para que se definam, nos debates e acordos, os papéis, os objetivos, o públi-co beneficiário e os recursos alocados.- Participação: Sem participação ampla dos representantes da so-ciedade civil, a Política Pública se transforma em política de gover-no. Moeda de uma única face, empobrecida pela visão parcial das necessidades de setores sociais.- Qualidade de vida: Embora seja possível afirmar que são amplos e variados os objetivos de uma Política Pública, a qualidade de vida dos beneficiários é o centro de todo objetivo. Portanto, é importan-te mirar com precisão este núcleo do objetivo para garantir que ao final do processo de formulação e implantação, de maneira concre-ta, a vida das pessoas melhore. Esses elementos, se claros e presentes em Políticas Públicas, de-vem ser ainda transportados e expressos em parâmetros objetivos, contribuindo para nortear a elaboração, implantação e avaliação das políticas propostas.

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a) Elaboração de diagnóstico. O diagnóstico deve figurar como um dos fundamentos de qual-quer política pública. Como objetivar a transformação de um cenário sem conhecer a sua constituição e dinâmica? O diagnóstico estratégico visa, sem rodeios, a definição de problemas e a deter-minação de objetivos a serem alcançados para exterminar ou mini-mizar o problema. Quando participativo, o diagnóstico apresenta mais do que interpretações de dados recolhidos, ele traz a voz dos que clamam por mudanças. É também importante, na medida em que revela as dificuldades a serem superadas para a implantação das Políticas Públicas, identifica potencialidades, define necessida-des e permite a interlocução dos atores envolvidos.b) Identificação de experiências É importante fazer um levantamento prévio das experiências aplica-das nos campos correlatos de uma determinada Política Pública. São muitas as possibilidades de ampliar a escala e a qualidade das ações e dos objetivos, partindo do histórico de ações de sucesso ou fracas-so. Os resultados já experimentados devem ser avaliados, servindo de parâmetro para as novas ações, programas e Políticas Públicas.c) Debate públicoMobilizar a sociedade civil, sensibilizar os grupos que serão objeto da uma Política Pública, são atitudes que facilitam a adesão dos be-neficiários às ações. O Debate público tem ainda a função de afinar os interesses das partes, harmonizando objetivos e conjugando forças para que cada ação renda o máximo de benefícios possível.d) DefiniçãoMuitas esferas públicas e atores sociais participam da implantação de uma Política Pública. É importante definir o papel que cada ator deverá desempenhar, bem como escolher, avaliar e definir as ferra-mentas que serão utilizadas no acompanhamento das ações defini-das na elaboração. A falta de definições claras de responsabilidades e ferramentas colocam os resultados em risco.

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e) Detalhamento de modelosPolíticas Públicas se desdobram em programas e programas re-querem projetos executáveis para que os objetivos almejados se realizem plenamente. Desde a identificação das fontes de recursos até os mecanismos de sensibilização e as ferramentas de execução, os modelos devem ser pensados e criticados à luz de experiências anteriores, sempre considerando margens plausíveis de ajustes. O detalhamento dos projetos e das ferramentas facilita a execução e o sucesso de programas sustentáveis e consistentes.f) Sensibilização e publicizaçãoA execução de Política Pública, em geral, se faz através de pro-gramas e projetos. Publicizar as Políticas Públicas e sensibilizar o público beneficiário são dois passos iniciais imprescindíveis para conquistar a adesão dos atores envolvidos e descobrir, entre eles, habilidades específicas que possam facilitar a execução dos proje-tos e melhorar a qualidade dos resultados.g) AvaliaçãoEm um projeto, expressão de ponta de uma Política Pública, não só os resultados devem ser avaliados. Os processos, a execução do projeto, o cronograma físico-financeiro, os resultados parciais e o desempenho dos executores devem ser constantemente acompa-nhados. Quando necessárias, mudanças nos processos devem ser provocadas para preservar os objetivos anunciados pelas ações.

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6. Fases ou Ciclos das Políticas públicas

As Políticas Públicas devem ser entendidas como o somatório de elementos interligados para a consecução de um objetivo de-terminado. Sabemos que estes elementos interligados estão em movimento, o que confere ao conjunto caráter processual. Ou seja: trata-se de um complexo de ideias posto em movimento, em es-paço e tempo determinados. As ações que alimentam um projeto de Políticas Públicas estão associadas à sua concepção e objetivos e requerem executores e parceiros úteis, tais como técnicos, as-sessores, consultores, educadores, patrocinadores e beneficiários. Consultas públicas, debates institucionais, pesquisas de soluções, prazos, definição de recursos são meios de tornar as ações efetivas na busca dos adjetivos previamente anunciados.Assim, podemos dizer que de forma esquemática e sintética, é im-portante observar as fases na execução de Políticas Públicas:a) Formação de agenda. Ponto de partida. É preciso formar a agenda, na qual estejam assinalados todos os passos necessários para a elaboração do projeto ou programa, contato com os parcei-ros, diagnóstico, lançamento de edital, convocação de pareceres técnicos, definição de recursos, público beneficiário, sensibilização, publicização, pesquisa de experiências anteriores, implantação do projeto, monitoramento das ações e avaliação.b) Formulação. Momento específico, no qual se concebe a Política Pública e seus desdobramentos em programas e projetos. Funda-mental para o sucesso da iniciativa, esta etapa requer experiência e sensibilidade dos técnicos envolvidos. Trata-se de uma arte delica-da e fina, na qual se observa, sob várias perspectivas, os resultados

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almejados em função dos atores envolvidos e das necessidades dos beneficiários.c) Implementação. Colocar a mão na massa. É nesta fase que todos os debates, pesquisas, contratação de técnicos, resultados de diag-nóstico e elaboração são transformados em fatos, ganham vida, inva-dem comunidades, realizam obras, aquecem a comunicação e trans-formam o cenário em busca dos objetivos previamente traçados.d) Monitoramento avaliação. Alguns executores de programas e projetos defendem que é a partir da execução que tem início o monitoramento e a avaliação. Discordamos neste ponto. O monito-ramento deve ter início com a formação da agenda. Cada ciclo de uma Política Pública deve ser monitorado e avaliado, como forma de manter todos os elementos que compõem o complexo sistema em sintonia. No final deste manual, abriremos uma discussão específica sobre avaliação de projetos, processos e resultados.

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7. As Esferas de Governo e suas competências no Plano das Políticas Públicas

A seleção de políticas é basicamente atribuição dos Poderes Exe-cutivo e Legislativo e das agências reguladoras; a implementação é responsabilidade exclusiva do Poder Executivo; a avaliação – embora a sociedade tenha papel relevante nessa fase – é função primordialmente das agências reguladoras, do Ministério Público e do Judiciário. a) Competências da União As competências da União quanto às políticas públicas estão mais voltadas para a representação do Estado brasileiro, dentro e fora do seu espaço geográfico. Assim, o Estado, na perspectiva da União, é um centro estratégico que responde às questões internacionais como a preocupação com as atividades nucleares, as políticas am-bientais, os programas de desenvolvimento nacional etc. Entretan-to, antes de tudo, a União volta-se para a defesa nacional (militar) abrangendo desde o direito de declarar guerra até a preocupação com os potenciais energéticos, financeiros e de comunicação.b) Competências dos EstadosOs Estados respondem pelo desenvolvimento regional. Logo, perante as normas federais, os Estados têm o papel de fiscalizar as políticas regionais, além de formular políticas estaduais de acordo com as carências de cada região. Assim, os Estados respondem di-retamente ao governo central, servindo de elo entre os Municípios e a União.c) Competências dos MunicípiosCompetências municipais, estabelecidas na Constituição FederalI – legislar sobre assuntos locais;

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II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência e [...] aplicar suas rendas [...];IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação esta-dual;V – organizar e prestar [...] os serviços públicos de interesse local, incluindo o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;VI – manter [...] programas de educação pré-escolar e de ensino fun-damental;VII – prestar [...] serviços de atendimento à saúde da população;VIII – promover [...] adequado ordenamento territorial [...] do parcela-mento e da ocupação do solo urbano;IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local [...];

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8. Mensuração de Resultados

Mensurar resultados figura entre os elementos constitutivos de uma política pública, e não é difícil entender as razões. Sendo uma ideia transformada em projeto e plano de ação, ao longo do pro-cesso de implementação e depois de sua conclusão, deve-se, de al-guma forma, avaliar os resultados, que estão elencados no bojo do projeto. Ferramentas diversas podem ser colocadas a serviço desta avaliação, sempre tomando o cuidado de manter a base formada por duas linhas: a) a referência deve ser compatível com os objeti-vos anunciados, coerentemente divididos em metas determinadas; b) as ferramentas devem evidenciar parâmetros numéricos. Não que a qualidade não seja observada, porém a quantidade não deve ser jamais descurada, sob pena de se colecionar resultados indefini-dos, incapazes de alimentar novas e mais eficientes políticas públi-cas. Uma política pública deve atingir seus objetivos, medidos entre os beneficiários, e encontrar meios de mensurar os resultados. Vejamos um esquema simples. Depois de elaborada, uma políti-ca pública é anunciada e repartida em procedimentos menores e realizáveis, através de convites, chamadas públicas, lançamento de editais de projeto e estruturação de programas. Em todas as etapas, da elaboração à arquitetura de soluções, é preciso apontar quem são os beneficiários, com o que serão beneficiados e como os be-nefícios serão mensurados. Porém, é preciso que o próprio projeto, célula de realização da política pública, forneça referências para a criação de um sistema de mensuração, realmente compatível e sinergético, em relação aos resultados almejados. Além, dos resulta-dos, outros processos devem ser avaliados ao longo da implemen-

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implementação de uma Política Pública. Os processos arquitetados para a realização das metas são satis-fatórios? Servem bem à construção dos objetivos propostos? E os resultados alcançados, estão dentro de um padrão elevado? Foram alcançados com qualidade e consistência? Os esforços, recursos humanos e materiais, despejados nos processos são compatíveis e bem dimensionados em relação aos resultados alcançados. Lem-bre-se sempre de atrelar a esta avaliação perguntas pertinentes ao tempo de execução. Tempo é um voraz roedor de recursos. Nem por isso corra. O tempo também é um excelente maturador de resultados. Busque a justa medida. Quando a maturação é satisfatória, a qualidade dos resultados é expressiva, sem que para tanto corroa recursos inutilmente. A men-suração de resultados deve considerar a qualidade em suas preo-cupações. O resultado por si só pode ser uma armadilha. Podemos realizar uma meta integralmente, mas os beneficiários podem não sentir, e por isso não desfrutar do benefício! Outra frente que deve permanecer aberta na mensuração de re-sultados, é a da avaliação de impactos. São considerados impactos os resultados de um projeto não elencados em relação aos proces-sos e aos objetivos previamente anunciados. Porém, quando os resultados previstos se consolidam e passam a compor os cenários transformados pela política publica outras transformações ocor-rem, correlatas aos resultados medidos. É como se emergissem, para além dos resultados anunciados, resultados espontâneos, frutos não programados, porém bem vindos, dos processos de implementação.

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Conclusão

Não é de hoje que o conceito de políticas públicas frequenta programas de governos e imprensa, colaborando para o amplo debate social sobre a formação de uma agenda pública que aten-da a diversos interesses. Seja de setores específicos de arranjos produtivos, seja em estratégias para ampliar eficiência e lucro de alguns setores econômicos, seja na execução de ações que minimi-zem situações desfavoráveis, a elaboração e execução de políticas publicas é parte das práticas de governo nos países democráticos. Para tanto, podemos dizer que os cenários econômicos, políticos e culturais estão contidos nos diagnósticos que antecedem a sua for-mulação, conferindo às políticas públicas um caráter de ferramenta de intervenção em realidades que devem ser alteradas. Atualmente existe considerável número de propostas de análise e avaliação de políticas públicas. Um desafio considerável, na medida em que, como já vimos neste manual, elas são resultados da com-plexa interação entre Estado e sociedade. È importante levar em consideração que quanto mais inclusiva, mais eficientes serão as propostas de análise, por levar em consideração a rica e diferencia-da conjunção de atores que provocam as políticas públicas. Uma política pública deve ultrapassar os limites da intervenção do Estado. Não se trata de decisão unilateral, tomada a partir do diag-nóstico de uma situação problemática. E é na maneira como ela é decidida que reside boa parte desta diferença: é resultado de uma definição coletiva do problema, que leva em consideração a viven-cia dos atores diretamente afetados. Na medida em que diversos atores dialogam em torno de seus interesses e propostas de enca-

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minhamento, o problema ganha contornos mais definidos e preci-sos. E estes mesmos atores trabalham na proposição de ações que visam alterar positivamente o quadro. É da interação entre Estado, governo e sociedade que nascem as políticas públicas. É claro que alguns pressupostos devem ser observados para que as políticas públicas funcionem devidamente: um Estado com ca-pacidade de planificar, uma estrutura republicana madura, a garan-tia de direitos plenos de cidadania, a construção de uma agenda social coletiva, o respeito a interesses diferenciados e livres canais de comunicação social. Apontaremos, seguindo Geraldo Di Giovani, as quatro estruturas elementares presentes em todas as políticas públicas. O que facilita a sua formulação e avaliação.a. Estrutura formal: “teoria”, práticas e resultados “Capta, de modo imediato, os aspectos e elementos exteriores da intervenção pública, na medida em que estabelece as relações indissociáveis entre uma “teoria”, um conjunto de práticas e um conjunto de resultados”. (Di Giovani, 22. Grifo nosso)b. Estrutura substantiva: atores, interesses e regras“Em outras palavras, os agentes sociais, os atores, nesse âmbito, pautam suas ações por orientações, condutas dotadas de objetivos implícitos ou explícitos; e, em maior ou menor grau, de alguma racionalidade, que chamaremos aqui de interesses. E, ao mesmo tempo, movimentam-se dentro de um espaço social institucionali-zado por pautas de comportamento de correntes de um conjunto de regras”.(Di Giovani – 22)c. Estrutura material: financiamento, suportes, custos“Para uma maior facilidade de entendimento, podemos dizer que enquanto a estrutura substantiva refere-se aos aspectos sociais e políticos de uma policy, a estrutura material refere-se – em sentido amplo - aos aspectos econômicos. Nesse sentido, os elementos que a compõem dizem respeito à sua exequibilidade e sustentação

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material: financiamento, custos e suportes”. (Di Giovani – 26)d. Estrutura simbólica: valores, saberes e linguagens“Tal argumentação revelou que o campo das polycies é um univer-so povoado por valores, não apenas no sentido das interferências ideológicas na produção do conhecimento científico sobre elas, mas também na sua própria concretização empírica. Em outras palavras, as polycies são realidades sociais orientadas por valores (value oriented). Por outro lado e ao mesmo tempo, são orientadas por conhecimentos racionais (saberes) desenvolvidos na prática de mais de meio século de intervenções do gênero”. (Di Giovani – 28)E importante salientar que para a elaboração e execução de políti-cas públicas, o tempo é um elemento de maturação fundamental. Tanto no cenário onde deve atuar e influenciar, quanto nos basti-dores e debates de sua criação, os resultados serão medidos em função do amadurecimento das ações e dos objetivos propostos. Entre a concepção e os resultados, o tempo cumpre sua função de adensar e aumentar a qualidade dos resultados, numa relação sinergética com o amadurecimento das representações sociais e dos recursos do Estado.

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Autores: EVANGELISTA, Ricardo – Graduado em Administração (UNISUAM)Especialista em Orçamentos e licitações públicas o Ministério da Aeronáutica.MARIELA, Ricardo – Mestre em Historia Social (PUC-RJ)

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Economia Solidária e Autogestão

A persistência histórica do trabalho associado

IntroduçãoEconomia solidária é um termo novo no Brasil. Foi forjado em me-ados dos anos 1990 para tentar sintetizar um conjunto de experi-ências desenvolvidas pelos trabalhadores brasileiros no campo da produção autônoma dos meios de vida, baseada na autogestão, na cooperação e na solidariedade.Ainda que recente, esse campo do trabalho associado possui uma história e uma trajetória na formação da classe trabalhadora no interior do modo de produção capitalista. Trata-se de uma vertente do movimento dos trabalhadores que já teve muita influência no curso dos acontecimentos, especialmente no século XIX, quando esse campo estava associado ao princípio da autogestão.Após a primavera do associativismo, uma mudança de rumo rele-gou as experiências no campo do cooperativismo a uma posição subordinada, tanto no âmbito da estratégia do movimento dos tra-balhadores, quanto na tentativa de alterar a situação de explorados e oprimidos pelo sistema produtor de mercadorias. Durante quase todo o século XX, as cooperativas ficaram como que congeladas e geralmente eram consideradas um setor econômico com pouca distinção em relação às unidades capitalistas de produção, uma vez que estavam afastadas dos ideais de autonomia que haviam mar-cado o período anterior. Vamos agora apresentar uma visão de conjunto desse processo, situando a economia solidária no interior da experiência do movi-mento operário internacional e brasileiro. Trata-se de apresentar um caminho, que sugere que embora a economia solidária e a

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autogestão possam ser consideradas como próprias da classe ope-rária, por sua filiação histórica às lutas e instituições criadas pelos trabalhadores nos últimos dois séculos, esse novo campo econô-mico, social e político difere na sua trajetória por procurar esboçar uma alternativa global civilizatória, com elementos que já nos permitem visualizar seus contornos mais gerais.A partir dessa recuperação histórica tentaremos compreender o desenvolvimento recente da economia solidária e da autogestão no Brasil.

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1. A Economia Solidária na História

Enquanto prática material e social para a produção dos seus meios de vida, a economia solidária e a autogestão são tão antigas quan-to a vida em sociedade. Os vínculos de pertencimento e de interde-pendência, o sentimento de dever para com o conjunto da comu-nidade, as formas ritualizadas de agir e celebrar em conjunto foram se instituindo a partir do desenvolvimento dos processos coletivos para a produção dos meios de vida, criando a possibilidade de articulação entre o passado e o futuro, a materialização da cultura. O processo educativo, originário da humanidade, se efetivou na organização para o trabalho coletivo e a vida em comum.Não foi, portanto, a concorrência e a luta de todos contra todos que nos levou às formas cada vez mais complexas de organização social como as que temos atualmente. Pelo contrário, o desenvolvimento verificado na maneira como vivemos em sociedade só foi possível graças à cooperação e à ajuda mútua de um contingente cada vez mais expressivo de homens e mulheres nos cinco continentes. No final do Século XIX, o príncipe, geógrafo e anarquista russo Pedro Kropotkin defendeu a centralidade da cooperação no desen-volvimento das sociedades humanas, em contraposição aos teóri-cos do darwinismo social, que transportavam a análise da seleção natural de Darwin para o plano da sociedade e estabeleciam o princípio da evolução como o resultado da luta permanente pela sobrevivência, na qual apenas os mais fortes se perpetuam. Kropotkin procurou demonstrar que, no plano da sociedade, o princípio da ajuda mútua e a sociabilidade constituíam o vetor fun-damental de progresso social, na medida em que “a prática da

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da ajuda mútua e seu desenvolvimento subsequente criaram as condições mesmas da vida social, sem as quais o homem nunca po-deria desenvolver seus ofícios e artes, sua ciência, sua inteligência, seu espírito criador.” (1970, 213)A importância da cooperação nos espaços de produção social dos meios de vida foi também percebida por Karl Marx, que estabeleceu as práticas coletivas dos produtores imediatos como a base sobre a qual se vai primeiro processar a produção capitalista de mercado-rias, fundada na propriedade privada dos meios de produção e na mercantilização da vida social. Quando os trabalhadores realizam atividades produtivas em con-junto e de forma combinada, quando cooperam, o resultado é sempre superior ao alcançado quando o mesmo número de traba-lhadores labora individualmente. Essa força produtiva que resulta da cooperação foi o primeiro elemento a ser explorado pelos capi-talistas, que reuniam os trabalhadores em um mesmo espaço para produzirem sob as condições estabelecidas pelos proprietários dos meios de produção.Ainda hoje, não obstante as revoluções tecnológicas dos últimos dois séculos, a cooperação continua sendo força produtiva a ser ab-sorvida pelo capital no seu processo de valorização, pois, para Marx, “a cooperação permanece a forma básica do modo de produção capitalista, embora sua figura simples mesma apareça como forma particular ao lado de suas formas mais desenvolvidas.” (Marx 1983, 266) No espaço das unidades de produção capitalistas, a cooperação entre os trabalhadores se transforma em força produtiva a ser ex-plorada pelo capital. Mas como se trata de um sistema de explora-ção, as formas de inter-relacionamento social que são forjadas pelos trabalhadores no interior dos locais de trabalho, ao mesmo tempo em que fazem funcionar a engrenagem da produção capitalista de mercadorias, estabelecem também formas múltiplas de resistência.

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Essa natureza da cooperação, força produtiva e resistência, cons-titui a dupla face de um mesmo fenômeno, cuja origem está na capacidade dos trabalhadores de se associarem no processo de produção material. Apenas com finalidade analítica se pode sepa-rar essa dupla característica da cooperação. No exterior das unidades produtivas, as infinitas formas de coo-peração e sociabilidade podem assumir objetivos variados, desde o fortalecimento dos vínculos sociais, melhoria das condições de existência, produção e reprodução cultural e simbólica, até formas de resistência ao avanço da mercantilização em todas as esferas da vida humana. Desde o século XVIII, pelo menos, essas práticas de cooperação e sociabilidade dos trabalhadores, enquanto formas de produção material da vida social e resistência ao avanço das relações sociais de produção do capital, se apresentam sob a forma institucional da Associação.Seja no interior dos locais de trabalho ou fora deles - nas comuni-dades, vilas e cidades, regiões, países e no plano internacional, a realização prática do princípio associativo, quando em bases autô-nomas e democráticas, significava de imediato a contestação das relações sociais de produção do capital, na medida em que estas pressupõem que a força de trabalho se comporte como uma mer-cadoria que se lança individualmente ao mercado para ser adquiri-da e sorvida nas unidades produtivas. Desde o início do capitalismo industrial, o princípio associativo se fez presente na prática dos trabalhadores, que buscavam com isso melhorar a sua sorte e fazer frente às duras condições de trabalho. Como que embalados por “febres de coalizão”, os trabalhadores organizavam-se para a resistência e defesa das suas reivindicações mais imediatas enquanto assalariados, constituindo estruturas organizativas que já se aproximavam do tipo sindical. Uniões, Ligas, Grêmios e uma infinidade de instituições materializavam a coo

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peração entre os trabalhadores na busca por melhorias salariais, melhores condições de trabalho e redução das jornadas. (Bruhat 1952, 214-223) Ao mesmo tempo, essas experiências associativas de resistência eram acompanhadas por iniciativas para a produção e reprodução dos meios de vida. Instituições de ajuda ou socorro mútuo, caixas beneficentes, clubes e cooperativas eram criadas por todo o lado, abrangendo desde a assistência aos necessitados, até a organiza-ção para a produção dos seus meios de vida. E o mais importante é que eram formas de organização autônomas dos trabalhadores, geralmente estabelecidas em bases horizontais e contando com a participação ativa dos seus membros. E assim eram mantidas, com espaços regulares de encontros e decisões coletivas, desenvolvendo o socorro mútuo e uma solidariedade prática, tendendo ao estabe-lecimento de ligações cada vez mais ampliadas. Nos surtos de coalizão, as associações mutualistas proliferavam, como que anunciando momentos agudos de lutas e contradições. Tratava-se de instituições criadas para a proteção, seguro e previ-dência dos trabalhadores, abrangendo desde o auxílio funeral, até a ajuda nos casos de doença ou velhice. Mas serviam também para a sustentação dos trabalhadores em greve e a assistência ao de-semprego que sempre resultava desses conflitos. Quando os traba-lhadores precisavam recuar, se voltavam para as formas de ajuda mútua, que eram mais toleradas pelos regimes por também desem-penharem ações no plano da seguridade social. Para Albert Meister, Mesmo quando as sociedades não tinham outro fim senão o socor-ro mútuo, uma solidariedade se desenvolvia entre seus membros e muito rapidamente elas alargavam seus fins para se interessarem também pelas condições de trabalho. A mútua dava então nasci-mento a, e dissimulava, uma sociedade de resistência. Por vezes mesmo uma mútua era criada para esconder uma sociedade de resistência cujo fim era a reivindicação de uma tarifa, de uma escala

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de salários, aos empregadores. (1972, 68) É no interior dessa miríade de organizações criadas autonoma-mente pelos trabalhadores que se vai projetar a economia social, enquanto categoria utilizada primeiramente na Europa para re-presentar essas experiências de produção material da vida social. Nesse campo, a palavra associação assume conotação claramente política, e não raro recorriam à clandestinidade para fugirem às perseguições e aprisionamentos. Várias associações e até coope-rativas de produção, consumo ou crédito foram criadas através de assembleias realizadas em florestas, para escaparem da persegui-ção policial.Na França, os momentos que antecederam os grandes conflitos sociais do século XIX foram sempre acompanhados de um inesgo-tável surto associativista, uma “febre de coalizão” que ia além das formas cotidianas de proteção, produção e resistência. Nestes mo-mentos, a forma associativa passava a significar o meio e o fim para seus membros, que projetavam a partir dela a institucionalização de uma nova realidade social. A necessidade de lutar pela abolição do salariato é que criou essas associações, que rapidamente tomaram a forma de associação per-manente de luta. Por meio da sua prática, a associação pretendia construir uma existência social comum e, ao mesmo tempo, elimi-nar a concorrência que o capital estabelece entre os trabalhadores, substituindo-a pela união operária. (...) E foram as greves e os vários processos de luta de classe que trouxeram à tona a prática dessas associações, tornando-se estas não somente a realidade antagôni-ca ao sistema capitalista, mas também o prenúncio da transforma-ção deste. (Tragtenberg, 1986, 11) É o caso do processo que desaguou na Revolução de 1848, quan-do se conquista o voto universal e amplo debate é instalado sobre o Direito ao Trabalho. Nos anos que antecederam 1848, as mútuas proliferaram por todas as regiões, especialmente no campo da

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produção e do consumo, desde padarias, cordoarias, sapatarias, mercearias etc., como uma “primavera das associações”. O contexto político ajudava, e a questão que “estava no ar”, como uma preocupação profunda para os trabalhadores e para os teóri-cos do espectro socialista, era a organização do trabalho, o debate sobre o “Direito ao Trabalho” veio acompanhado da instauração da república social, do sufrágio universal, do direito à associação (por pouco tempo) e da liberdade de imprensa.A reivindicação pelo direito ao trabalho colocava de imediato a questão da organização do trabalho industrial-fabril. E a nova orga-nização pretendida derivava das experiências associativas realizadas pelos trabalhadores, que forneciam o modelo para a passagem a um novo modo de produção e de vida. (Meister 1972, 83-92)É nesse sentido que Proudhon, deputado eleito nas eleições com-plementares de junho, propõe a criação de um “banco popular mu-tualista” para a organização do crédito pelos próprios trabalhadores, que o fariam funcionar através da autoajuda, evitando intervenções do Estado. Ao mesmo tempo, era contra que as grandes empresas fossem expropriadas pelo Estado, na medida em que, no socialismo,as minas, os canais e as estradas de ferro sejam entregues às asso-ciações operárias, organizadas democraticamente, trabalhando sob a fiscalização do Estado, nas condições estabelecidas pelo Estado, e sob sua responsabilidade. Nós queremos que essas associações sejam modelos propostos à agricultura, à indústria e ao comércio, o primeiro núcleo desta vasta federação de companhias e socieda-des, reunidas pelo laço comum da República democrática e social. (Proudhon 1980, 55-56). O socialismo mutualista de Proudhon não era algo criado ide-almente a fim de ser aplicado em algum momento e lugar. Pelo contrário, tratava-se de uma imagem das aspirações genuínas que moviam os trabalhadores naquele período. Eram ideias que tanto “estavam no ar” quanto eram experimentadas por milhares de

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trabalhadores como prática de resistência e produção dos meios de vida. Desde as lutas dos canuts, nos anos 1830-34, desenvolvidas em Lion, cidade natal de Proudhon, as práticas associativistas dos trabalhadores foram se fazendo mais e mais presentes na estratégia dos trabalhadores. Ao final desse período, que vai até 1851, uma nova onda repressiva se ocupa da perseguição às mútuas e associações em geral. Nesse momento, as associações de produção e de consumo já se encon-travam muito próximas do cooperativismo, e não se colocavam em posição dissociada em relação às demais formas de organização dos trabalhadores, como os sindicatos e o mutualismo de socorro e pre-vidência. Pelo contrário, essas proto-cooperativas estavam inseridas na estrutura do movimento operário, respondiam às mesmas neces-sidades e perseguiam os mesmos fins. (Gueslin 1987, 158-174)Foi esta a imagem que Marx guardou do rápido contato que travou com as associações francesas, conforme registrou nos Manuscritos de 1844. Nesse momento, Marx percebe as associações operárias como o fundamento das relações sociais de produção comunistas, prenúncio da transformação do sistema capitalista. As associações realizavam a unificação entre a luta econômica e a luta política, fa-zendo com que a própria forma associativa se transformasse no seu mais importante conteúdo. Quando os artesãos comunistas se associam, sua finalidade é inicialmente a doutrina, a propaganda etc. Mas com isso e ao mes-mo tempo apropriam-se de uma nova necessidade, a necessidade de associação, e, o que parecia meio, converte-se em fim. Pode-se observar este movimento prático, em seus resultados mais brilhan-tes, quando se veem reunidos os operários socialistas franceses. Já não necessitam de pretextos para reunir-se, de mediadores como o fumo, a bebida, a comida etc. A vida em sociedade, a associação, a conversa, que por sua vez têm a sociedade como fim, lhes bastam. Entre eles, a fraternidade dos homens não é uma fraseologia, mas

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sim uma verdade, e a nobreza da humanidade brilha nessas figuras endurecidas pelo trabalho. (1987, 187)Longe de significarem um mero paliativo às crises econômicas ou res-posta instintiva à situação miserável dos trabalhadores e desemprega-dos, principalmente após os momentos de conflitos mais intensos, as associações de produção e de consumo eram consideradas uma nova forma de organização do trabalho e da economia, através da qual se poderia levar a cabo a emancipação do trabalho, ponto de partida para a transformação social e a abolição do salariato. Os vinte anos seguintes deságuam na Comuna de Paris, de 1871, quando se apresenta um novo surto associativista, já alcançando o plano internacional. As associações, ou o princípio associativo, é nova-mente presença marcante, ao ponto de a primeira organização inter-nacional dos trabalhadores ser chamada de Associação Internacional dos Trabalhadores (1864). Uma nova “febre de coalizão” germina nos bairros operários e nos locais de trabalho, não demorando a se reini-ciar o trabalho de criação de sociedades de poupança e crédito mútu-os, caixas auxiliares e associações diversas de produção e consumo. Já sob o impulso decisivo dos internacionalistas franceses, as socie-dades de resistência e de produção material e social proliferaram quando o princípio associativo atinge um período de maturidade, demonstrando um processo de auto-organização profundo que transborda os interesses econômicos imediatos dos trabalhadores, como salário, melhores condições de trabalho etc. No interior dessas formas diversas de associação de consumo, produção e crédito mútu-os, novas relações sociais são cristalizadas entre os trabalhadores, que começavam com categorias profissionais para logo estender laços de solidariedade para o conjunto dos trabalhadores de uma cidade, um país ou no plano internacional.Traços marcantes da Associação Internacional na França foram os exemplos práticos de solidariedade que eram estabelecidos a partir das inúmeras iniciativas coletivas no plano econômico, sustentando

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greves em outros países e regiões. Para termos uma ideia do espírito que reinava nessas experiências associativistas, destacamos o relato de Charles Keller, frequentador de uma mútua de consumo, o res-taurante La Marmita, animado pelo internacionalista Eugéne Varlin. Tomavam-se refeições modestas, mas bem condimentadas, e a alegria reinava ao redor das mesas. Os frequentadores eram nu-merosos. Cada um ia pessoalmente buscar seu prato na cozinha, e escrevia o preço na folha de controle que entregava acompanhado do dinheiro ao camarada encarregado de recebê-lo. Geralmente ninguém se demorava, para deixar lugar aos demais, e todo mundo saia satisfeito. Algumas vezes, contudo, alguns camaradas prolonga-vam a estadia e discursavam. Também se cantava. O grande baríto-no Alphonse Delacour nos cantava, de Pierre Dupont, o canto dos operários, a locomotiva etc. A cidadã Nathalie Lemel não cantava, ela se dedicava a filosofar e resolver os grandes problemas com uma simplicidade e facilidades assombrosas. (Varlin 1977, 43-44)Era esse o ânimo associativo que reinava entre os trabalhadores de Paris nos momentos que se aproximavam da Comuna. Esse impulso associativo foi precipitado pela guerra franco-prussiana e pelo cerco à cidade, lançando os trabalhadores em um imenso processo de au-to-organização tanto para a defesa de Paris como para a produção da vida social. Não vamos aqui descrever os avanços e criações originais realizados nos 81 dias da Comuna, apenas registrar que ela representa o ápice dessa perspectiva organizativa que unificava as instituições de resis-tência e aquelas destinadas à produção e reprodução autônoma da vida material de social. Dito de outro modo, as realizações da Comu-na projetaram a organização autônoma dos trabalhadores em todos os espaços da vida social, desde a autogestão nas unidades produ-tivas, dos mecanismos de distribuição e consumo, até a organização de uma nova forma de poder político que substituiu o Estado herda-do. A imagem que se apresenta é a de uma projeção das formas

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associativistas dos trabalhadores para o plano social, como uma radical democratização da economia e da sociedade. Nesse momento, já se pode chamar a atenção para duas ques-tões importantes que nos orientam nesse rastro da autogestão e da economia social que vimos perseguindo. Em primeiro lugar, as associações eram instituições que materializavam relações sociais autogestionárias, coletivas e solidárias. Ainda que o termo autoges-tão só tenha surgido na segunda metade do século XX, enquanto prática social ela informa o significado das associações, o conteúdo da transformação social pela qual os trabalhadores lutavam. Em segundo lugar, deve-se registrar que é precisamente esse campo de experiências associativas no plano da produção e do consumo que vai constituir a chamada economia social, como durante muito tempo foi conhecida na Europa. Em alguma medida, as associações de ajuda mútua, produção e consumo que vão conformar o campo da economia social no século XIX apresentam certa vinculação histórica às instituições do antigo regime, como as corporações, as guildas, os colégios roma-nos etc. Nesse sentido, “a economia social, tal qual ela aparece no século XIX, procede de uma démarche de solidariedade. [...] Em outros termos, existiria uma filiação entre as estruturas associativas do Antigo Regime e as estruturas da economia social posteriores.” (Gueslin 1987, p.7) Mas trata-se certamente de instituições que embora partilhassem a mesma denominação estavam inseridas em quadros de luta bastante distintos, e ocupavam nessas lutas também posições diferenciadas. No decorrer dos conflitos sociais que aceleram a formação da classe trabalhadora na Europa, essas instituições da economia social (cooperativas de produção, consu-mo, crédito etc) assumem uma perspectiva de classe, de luta pela transformação social, não se distanciando daquelas instituições cuja natureza era mais imediatamente vinculada ao assalariamento, como as associações de caráter profissional e depois os sindicatos.

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O que queremos destacar é o fato de que a economia social abran-gia, inicialmente, a transformação inclusive das unidades produti-vas capitalistas, com a projeção da prática da autogestão própria das associações para o conjunto da sociedade.Exemplo e ponto culminante desse processo foi a Comuna de Paris, quando o princípio associativo foi alargado para o conjunto da cidade, reorganizando-a por completo. Essa perspectiva estava, por exemplo, nos horizontes do operário encadernador e uma das lideranças mais lúcidas da seção francesa da Internaciona, Èugene Varlin. Em um artigo publicado em 11 de março de 1870, no jornal La Mareillase, expõe Varlin o trabalho associativo que se estava a processar nos meios operários.Devemos nos empenhar ativamente na preparação dos elementos organizativos da sociedade futura, a fim de tornar mais fácil e mais certa a obra da transformação que se impõe à revolução. [...] Mas não devemos crer que tal organização possa ser improvisada facil-mente. [...] É preciso que os trabalhadores, chamados a trabalhar juntos em liberdade e sob uma igualdade recíproca estejam pre-parados para a vida social. [...] Então, as sociedades operárias, sob a forma que existem atualmente, possuem já esta imensa vantagem de habituar os homens à vida em sociedade, preparando-os tam-bém para uma organização social mais ampla. Habituam-se não somente a se porem de acordo e a se entenderem, mas também a se ocuparem dos seus assuntos, a se organizarem, a discutirem, a raciocinarem sobre seus interesses morais e materiais, e sempre do ponto de vista coletivo, já que seu interesse pessoal, individual e direto, desaparece desde que formem parte de uma coletividade. [...] As sociedades cooperativas (de resistência, de solidariedade, sindicatos) merecem nossos elogios e simpatias, já que são elas que configuram os elementos naturais da edificação social do por-vir; são elas que, facilmente, poderão converter-se em associações de produtores, são elas que poderão pôr em ação os instrumentos

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sociais e a organização da produção. (Varlin 1977, 86-90) Nesta passagem, podemos perceber a busca de uma coerência profunda entre meios e fins, estratégia e objetivo, método e fina-lidade. A tarefa de acelerar o trabalho de organização mediante a criação de sociedades operárias aparece como condição funda-mental para evitar que a transformação pretendida perca-se no meio do caminho. A construção pelos trabalhadores das condições para a reversão da engrenagem que os domina e explora tem início antes da própria destruição, no desenvolvimento das novas relações sociais de produção. Essas relações não podem ser impro-visadas a posteriori. Para que a emancipação dos trabalhadores vá além de uma simples mudança da “etiqueta governamental”, as associações de produção devem ter a capacidade de organizar a produção em novas bases e pôr em ação os instrumentos sociais de trabalho. O aprendizado para a reorganização do todo social é realizado através da gestão cada vez mais alargada das suas pró-prias condições de reprodução social. Com o massacre da Comuna e a reorganização do movimento operário no plano internacional, essa perspectiva associativista que marcou a internacional francesa vai ser deslocada no interior da estratégia a ser perseguida no âmbito da II Internacional. Dentre as principais instituições criadas pelos trabalhadores nesse período estão o sindicato, o partido e a cooperativa, esta última será dura-mente criticada até sair de cena, enquanto as duas primeiras for-marão o centro da estratégia do movimento operário durante todo o século XX. Criticava-se, sobretudo, o caráter anódino das coope-rativas frente ao crescimento exponencial das unidades produtivas capitalistas, bem como a suposição de que as cooperativas acaba-vam gerando “egoístas coletivos”, daí a tendência à degenerescên-cia e ao aprisionamento nas relações do mercado capitalista. De um modo ou de outro, vai-se operar um deslocamento da coo-peração e do associativismo operário no campo da produção dos

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meios de vida, que de uma posição central e estratégica que ocu-pavam na I Internacional, vai resultar no seu completo abandono a partir especialmente do Congresso de Marseille em 1879. A ques-tão que foi posta “no ar”, a partir de então, foi a organização dos partidos políticos, cujo exemplo era a social democracia alemã e o fortalecimento das estruturas sindicais do tipo trade unions inglesas. (Joll 1976; Tragtenberg 1986) O que vai acontecer com a economia social? Desde então, e duran-te quase todo o século XX, as cooperativas tomarão um caminho próprio, relativamente autônomo, praticamente sem contarem com o apoio das demais instituições do movimento operário, sendo deixadas à própria sorte. Em 1912, o movimento de origem cristã do cooperativismo francês, animado por C. Gide, vai se fundir como o movimento das cooperativas de origem socialista, representado neste momento por J. Jaurès. (Gueslin 1987 287-307) Neste ambiente e desamparada da estratégia organizativa do movimento operário, a economia social avança lentamente e de maneira quase imperceptível. As elaborações teóricas começam a tratar suas experiências como um campo econômico, como quando Henri Desroche define-a como um “campo intercalar e alternativo entre uma economia estatal ou pública, com estratégia administra-tiva e planificação centralizadas, por um lado, e uma economia pri-vada com estratégia competitiva e livre lucro sobre o livre mercado, por outro.” (1981, 12) A partir de então, a economia social se define como uma espécie de contrapeso relativamente a cada uma dessas estratégias. No século XX, portanto, a economia social passou a ser compre-endida como um conjunto de organizações (mútuas, associações, cooperativas , serviços públicos não governamentais baseados na reciprocidade e na solidariedade etc.) que ocupavam um espaço entre o mercado e o Estado e pretendiam promover uma revincula-ção do econômico ao social. (Latouche 2001, 17-27). Trata-se, nesses

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termos, de um setor econômico que se distingue nos seus princí-pios de funcionamento, sobretudo no que diz respeito à relação entre poder e capital (um homem, um voto), à remuneração do capital e à destinação dos excedentes (reserva indivisível, proprie-dade coletiva). (Bidet 2000, 587-599) Parte-se do pressuposto que a economia é um espaço plural que admite outros princípios de ação para além do mercado, que não visam unicamente ao lucro. Pode-se verificar, por essas rápidas linhas, que o que se passou a chamar de campo da economia social no século XX em pouco ou nada se assemelha ao espírito que animou as experiências asso-ciativas dos trabalhadores no século anterior. Se o mutualismo e o cooperativismo marcaram a primeira Internacional, enquanto ex-periências de produção associativa dos meios de vida que visavam à preparação dos trabalhadores para uma gestão coletiva do todo social, a economia social acabará circunscrevendo suas práticas ao interior das unidades produtivas, descolada das estratégias perse-guidas pelo movimento operário socialista, cuja orientação havia mirado na tomada do poder político como condição única para a transformação social. Nesse sentido, não parece adequado falar de uma “continuidade associativa” ligando as associações mutualistas e cooperativadas do século XIX relativamente à economia social que persistiu a partir do final desse século. Trata-se certamente de formas de organi-zação dos trabalhadores baseadas na construção de interesses comuns e na solidariedade recíproca, mas com funções e objetivos que tornam essas instituições distintas em cada momento consi-derado. Enquanto as práticas associativistas de produção material que vigoraram entre 1830 a 1871, pelo menos, combinavam as funções de organização, produção e resistência, em um quadro de autonomia política, as cooperativas de produção e consumo que são criadas posteriormente no campo da economia social já estão enquadradas no âmbito de uma divisão de tarefas entre os três

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pilares da organização dos trabalhadores: partido, sindicato e coo-perativa. Enquanto o sindicalismo e os partidos políticos puderam prospe-rar e encontrar ressonância para o desenvolvimento das suas fun-ções respectivas, com certa liberdade nos períodos de liberdades democráticas e intensificação da proletarização e urbanização da força de trabalho, as cooperativas encontravam dificuldades para o seu desenvolvimento em regime de concorrência com unidades produtivas capitalistas cada vez mais concentradas e adequadas à vigência da lei do valor. Quanto às cooperativas de produção, especialmente, estas deixa-ram de contar com um cenário econômico ainda marcado pela pre-dominância de pequenas unidades funcionando com um punhado de trabalhadores e alguns mestres. Ficava cada vez mais tênue a possibilidade de ser utilizada como recurso aos momentos de desemprego ou como arma durante uma greve. O investimento re-querido para a montagem de uma unidade de trabalho associado, coletivo e autogestionário passou a ser de maior monta, exigindo igualmente novos canais de escoamento da produção. Além disso, a afirmação do ideal rochdaleano de neutralidade política aca-bou representando um vetor do enfraquecimento político dessas instituições. Normalmente, as iniciativas acabavam restritas à luta na esfera econômica, buscando estratégias de sobrevivência no interior de um modo de produção cada vez mais dominado pelas grandes empresas. Uma vez que as instituições da economia social deixaram de ser o espaço para o desenvolvimento de experiências de autogestão da produção material, essas práticas de cooperação e solidariedade acabaram sendo processadas, sobretudo no interior das unidades produtivas capitalistas. Dito de outra maneira, a autogestão deixa de ser ensaiada naqueles espaços nos quais os trabalhadores pode-riam deter certa autonomia, como nas cooperativas e associações

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ções mutualistas, passando a ser projetada contraditoriamente no interior das das unidades produtivas do capital, marcadas pelo des-potismo, a opressão e a exploração da força de trabalho. Neste novo cenário, uma das primeiras manifestações da autoges-tão econômica e social foi a experiência dos conselhos (soviets), presentes desde as Revoluções 1905 e 1917 na Rússia. Os conselhos, comitês ou comissões de fábrica consistiam geralmente em insti-tuições originais e autônomas da luta dos trabalhadores no interior das unidades produtivas, que tanto visavam à resistência e afirma-ção de um contra poder organizado nos locais de trabalho, quanto projetavam a transformação dos mecanismos capitalistas de poder e sua substituição por uma nova forma de relacionamento social nos processos de produção da vida material.Mas não foram apenas as comissões ou conselhos de fábrica as instituições criadas pelos trabalhadores para dar sentido ao conteú-do do termo autogestão no século XX. Experiências cotidianas, mais ou menos visíveis e de intensidade variada, marcaram a resistência dos trabalhadores nos locais de trabalho, como formas variadas de sabotagem, greves com ocupação das instalações, experiências de gestão direta de unidades produtivas e, em alguns casos, chegando mesmo à projeção da autogestão no âmbito de uma cidade, região ou país. Nessa perspectiva, a autogestão pode ser compreendida como uma tendência histórica do movimento operário, um fenômeno que emerge nos momentos em que o acirramento agudo da luta de classes projeta a autonomia operária para as esferas econômica, política e social. Assim o foi na Comuna de Paris de 1871, na Guerra Civil Espanhola de 1936-39, na Revolução Húngara de 1956, no mo-vimento de maio de 1968 na Europa, na Revolução dos Cravos em 1974 em Portugal, na criação do sindicato Solidariedade na Polônia em 1978, nas greves que embalaram a criação do novo sindicalismo no Brasil a partir dos anos 70, na rebeldia argentina após 2000/2001.

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Quando a autonomia operária se projeta simultaneamente nos planos econômico e político, quando se coloca em prática a demo-cracia operária, as relações que os trabalhadores estabelecem entre si no processo de luta passam a reorientar a organização do proces-so de trabalho e a instituir práticas autogestionárias. Nesse processo de auto-organização, os trabalhadores criam novas instituições, antagônicas às que fundam o capital e a sociedade contemporâ-nea, como os conselhos, comitês, comissões de fábrica, de bairro etc. Enquanto as lutas estão na fase de ascensão, essas instituições tendem à unificação com outros coletivos em luta. Foi o que suce-deu, por exemplo, na Espanha entre 1936-39, onde o processo de autogestão levado adiante no campo e na cidade foi integrado por um planejamento de baixo para cima em toda a área republicana. (Santillán 1980) Do mesmo modo, após o 25 de Abril de 1974, os tra-balhadores portugueses ocuparam as fábricas abandonadas pelos capitalistas e passaram a reorganizar a produção de forma autoges-tionária. Durante esse processo, no qual cerca de 65% da econo-mia portuguesa ficou sob encargo dos trabalhadores, as empresas autogestionárias realizaram entre si inúmeros atos de solidariedade, desde a troca direta de produtos, desvio de pedidos das grandes para as pequenas, ligações para autodefesa etc., chegando a esbo-çar um mercado de solidariedade. (Faria 2011; Monteiro 1992) Essa parece ser a aspiração profunda da autogestão. O desenvolvi-mento de formas associativas em larga escala, ao estender as novas relações sociais coletivas e igualitárias nos espaços cada vez mais ampliados, rompe com o isolamento e a fragmentação de classe, abole a hierarquia e a disciplina que fundam as relações de explora-ção e dominação. Esse caráter pedagógico profundo da auto-orga-nização nos coloca diante do problema da autoemancipação. É neste espírito que se deve inserir o Maio de 1968 na França, como uma onda de greves nunca vista, mobilizando 10 milhões de grevis-tas, milhões de jornadas de trabalho perdidas. Nesse movimento,

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que não era propriamente de crise econômica, já que aconteceu no final dos “trinta gloriosos anos do capitalismo”, a proliferação de gre-ves com ocupação de empresas revelou “formas de ação e modelos de participação coletivos dos trabalhadores na luta, que ultrapassa-ram largamente a estrutura categorial e minoritária das organizações sindicais.”(MALLET 1973, 301) Nessas greves, o campo de ação dos trabalhadores no interior das empresas registra a tomada de contro-le sobre os despedimentos, sobre a classificação interna das funções, sobre as cadências e a produtividade, sobre as fichas de trabalho e os salários, sobre os horários e a jornada de trabalho. Em vários casos, os trabalhadores recorreram à sequestração dos diretores da empresa para forçar as negociações. Apenas em 1971, dos mais de 4.000 conflitos registrados, 123 ocorreram com a sequestração dos gestores.(DUBOIS 1976, 410)Essas lutas generalizaram-se até abranger o nível da municipalidade. O comitê de greve da cidade de Nantes chegou a controlar, durante alguns dias, a circulação da cidade através de barricadas e da distri-buição de licenças para a entrada e saída. Parece que este comitê chegou a emitir vales-crédito, aceitos como moeda entre alguns comerciantes e agricultores. Em Caen, o comitê de greve proibiu o acesso à cidade durante vinte e quatro horas. (MANDEL 1979, 276)É nesse período que tem início a luta exemplar dos trabalhadores da fábrica de relógios Lip, em Besançon/Fr. Fundada em 1886 pela família Lip, a fábrica passou em 1967 para o controle do grupo suíço Ebauches SA. Os 1280 trabalhadores realizaram intensas lutas entre 1968 e 1973, quando se dá a ocupação com retomada da produção.( ) Em 1968, já haviam ocupado a empresa; dois anos depois, a reocu-param por 16 dias, ocupando as salas da direção. Em alguns casos, chegaram a bloquear as estradas. No abril de 1973, dois administra-

- Nos baseamos aqui em VIRIEU, François-Henri. 100.000 relógios sem patrão: processo LIP. Lisboa: Assírio & Alvin, 1976. LIP: os trabalhadores tomam conta da empresa. Porto: Afrontamento, 1974. E, em LIP: Charles Piaget et lês LIP racontent. Paris: Stock, 1973.

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dores judiciais são designados para tratar da falência iminente da empresa. Os trabalhadores organizam-se. É criado um “Comitê de apoio a Lip”, com a participação da CFDT (Confederação Francesa Demo-crática do Trabalho), CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores) e partidos de esquerda. Uma intensa campanha é organizada para evitar o fechamento da fábrica e os despedimentos. Manifestações na cidade, no consulado suíço, envio de uma delegação de 200 trabalhadores para uma manifestação em frente à sede do grupo Ebauches na Suíça, solidarizando-se com os operários da matriz. Neste período, os trabalhadores controlam a produção, diminuem o ritmo de trabalho e formam várias comissões. No dia 12 de junho, os operários tomam os escritórios, sequestram os administradores e encontram os planos que previam o fechamento da unidade e o despedimento de todos os trabalhadores.Com a fábrica ocupada, apoderam-se dos estoques, escondendo-os fora das instalações, e continuam a produção de forma autôno-ma, ocupando-se também eles próprios das vendas. Visitam outras fábricas em luta para a divulgação e propaganda, conquistando a solidariedade dos trabalhadores de todas as regiões da França. Um operário da Renault afirma que “comprar um relógio Lip é mais do que um apoio financeiro, é também um apoio moral.” Em dois meses, venderam 60 mil relógios, angariando 9 milhões de Francos, com o qual pagam os salários (as chamadas “vendas selvagens”). João Bernardo informa que, durante esse processo, um negocian-te do Kuwait demonstrou o interesse em adquirir 30 mil relógios, com pagamento à vista. Os trabalhadores recusaram a oferta, ainda que lhes pudesse resolver muitas dificuldades, pois “era o ponto de vista social o determinante”, no que continuaram ocupando-se da venda direta dos produtos: “aqueles bens não eram, aqui, incor-porados de valor, mas de outro tipo de relação social, expressa na solidariedade.” (BERNARDO 1991, 337-8) Após 121 dias de greve,

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a polícia invade a fábrica e ocupa as instalações. Os trabalhadores montam uma unidade de produção e continuam a produzir. A luta se estende por muitos meses. Para não nos limitarmos ao caso Lip, vale mencionar o exemplo de ocupação das instalações da Imprimerie Rouennaise (IMRO), na Normandia, em setembro de 1975.( ) Com o fechamento da empre-sa em setembro de 1975, os 120 operários se viram atirados ao de-semprego. Eles já haviam ocupado a fábrica em 1974, quando hou-ve a tentativa de 25 demissões. Após 4 dias de ocupação, venceram e os trabalhadores foram reintegrados. Para o sindicato, “era uma luta aventureira e esquerdista, apesar de termos vencido”. Em junho de 76, realizaram um encontro/festival chamado “Porta Aberta” convidando todos os trabalhadores da França, a fim de populariza-rem a luta. Para os trabalhadores, a ocupação da fábrica já era uma coisa normal nos conflitos internos, “como comer e dormir”. Reali-zaram encontros em vários países (Alemanha, Inglaterra, Bélgica e Itália). Ocuparam a catedral de Rouem e lançaram panfletos. Do mesmo modo, ocuparam um jornal da cidade que não divulgava a luta da IMRO. Para os trabalhadores, “...a nossa preferência é conti-nuar a ocupação. Hoje, realmente vivemos as nossas vidas. Antes, quando estavam aqui os patrões, roubavam-nos as nossas vidas; obrigavam-nos a imprimir coisas que eram contra os interesses da classe operária e portanto contra nós.” “É por causa disso que pensamos que para obter a vitória final significa nem mais nem menos mudar toda a estrutura da socie-dade. Significa lutar contra o capitalismo. Eis porque rejeitamos a ideia de cooperativa de trabalhadores sobre o capitalismo, criando uma cooperativa em cada fábrica, uma pequena ilha de socialismo. Sempre estivemos muito firmes nesta questão - somos fundamen-

- Nos baseamos aqui na entrevista concedida em agosto de 1976 pelos trabalhadores da IMRO ao jornal inglês “Anarchist Worker”, reproduzida no jornal Combate, Lisboa, ano 3, n 46, 01/10 a 14/10/1976.

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talmente contra as cooperativas operárias.” Sobre a organização do trabalho na IMRO, informam que “Com o nosso jornal “Special Licenciaments”, um linotipista será algumas vezes editor, outras vezes impressor; um impressor será algumas vezes editor, outras vezes trabalha com o papel; o tipógrafo será algumas vezes impressor; o impressor será algumas vezes lino-tipista. É a maneira para todos os trabalhadores experimentarem os problemas de cada categoria de trabalho, de verem as condições de trabalho e os salários recebidos. (...) Mas não é, em realidade, possível falar de organização do trabalho, pois cada camada pode ter a inicia-tiva que julga apropriada.” Os trabalhadores da IMRO buscam uma articulação com outras fábricas em luta, estabelecendo ligação com a Lip e a Griffes (Mar-seille) e os sapateiros de Fougeros. Na Normandia, existiam na época outras tipografias ocupadas, e cerca de uma dúzia na França. Parecia que os trabalhadores haviam decido tomar “as suas vidas” de volta. Tornar os locais de trabalho um espaço aberto para a visita e troca de experiência com trabalhadores de outras profissões parece ter sido um aspecto comum dessas lutas, o que rompe completamen-te com o caráter fechado das empresas capitalistas. O mundo da fábrica é fechado em si mesmo, sendo as relações com as outras empresas mantidas no aspecto estritamente comercial. As empresas ocupadas, tanto a IMRO como a LIP, mantinham a porta aberta exa-tamente para permitir que os trabalhadores entrassem em relação direta com outros trabalhadores e categorias, possibilitando a cria-ção de novas formas de luta e a sua propagação para outros setores. Foram esses processos intensos de lutas sociais desenvolvidos no pós-Maio de 68 até meados da década de 70, que propiciaram a propagação do termo autogestão no mundo ocidental. Como vimos anteriormente, o sentido dessas práticas era informado pelas expres-sões associação operária, auto-organização dos produtores, coletivi-zação, gestão coletiva, gestão socialista, etc.

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Mais recentemente, o termo autogestão passa a se tornar corren-te em alguns países da América Latina, especialmente Argentina e Brasil. Isso se deve, fundamentalmente, aos processos de luta realizados desde os anos 80 contra os efeitos desagregadores e excludentes da crise econômica, amplificadas pela onda neoliberal dos anos 1990. Nesses casos, a autogestão apresenta-se inicialmen-te como uma forma de resistência, ao desemprego e à exclusão social, mas que se amplia e fortalece até aparecer como um projeto de novo modo de produção e reprodução da vida em sociedade, a partir de uma Economia Solidária.

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2. A Economia Solidária no Brasil

Assim como iniciamos a primeira parte afirmando que a economia social e a autogestão são tão antigas quanto a vida em sociedade, podemos dizer igualmente que a Economia Solidária é parte in-tegrante da formação social brasileira, do seu imaginário coletivo, sua cultura material e simbólica. Nos últimos cinco séculos, essas formas associativas e cooperativadas estiveram sempre subordina-das e subsumidas aos ímpetos colonizadores e modernizantes, que perseguiram e tentaram eliminar por completo as estruturas so-cietárias dos povos originários e as novas formas coletivas e comu-nitárias existentes, que foram sendo reinventadas como forma de resistência, produção e reprodução dos meios de vida.Na perspectiva da história das lutas sociais no Brasil, entendemos que o campo da economia solidária é diverso e heterogêneo, re-sultado de um processo em curso, de confluência de vários movi-mentos de luta por direitos e pela ampliação da cidadania e expe-riências comunitaristas e autonomistas, como um vale para o qual acorreram vários afluentes até formarem um único e caudaloso rio. Vamos destacar, nesse momento, oito vertentes que confluíram na formação do que conhecemos hoje como campo da economia solidária no Brasil, campo este que ainda está em mutação e am-pliação da sua área de abrangência.1. Formas de organização social dos povos indígenas;2. Formas de organização social quilombola e das comunidades tradicionais;3. Experiências mutualistas e cooperativistas dos trabalhadores urbanos;

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4. Experiências associativistas e cooperativistas dos trabalhadores rurais;5. Apoio às experiências autogestionárias por parte de organiza-ções da sociedade civil.6. Apoio aos projetos comunitários das igrejas;7. Políticas públicas de apoio ao trabalho associado;8. Ações de extensão, ensino e pesquisa das Universidades e Esco-las Técnicas; Nesse momento, não vamos nos deter na recuperação de cada uma dessas vertentes de experiências autogestionárias e da eco-nomia solidária. O que nos importa, sobretudo é percebermos, nas suas linhas gerais, como esses campos de práticas autônomas per-sistiram e se desenvolveram apesar das dificuldades e limites que se apresentam no relacionamento com as instituições do capitalis-mo, suas estruturas e critérios de eficácia. Em primeiro lugar, é importante mencionar que consideramos como vertente da economia solidária as formas de organização dos povos indígenas, baseadas na propriedade comum do solo (em-bora a própria ideia de propriedade do meio natural e dos meios de produção seja para muitos estranha), no compartilhamento das ações necessárias à produção dos meios de vida, tanto material como simbólica, e no cuidado coletivo das crianças e idosos e nas formas educativas dos jovens. Trata-se de uma matriz de produção e consumo que estabelece relações diferenciadas com a natureza, preservando, quando possível, relações sociais igualitárias entre si e autônomas em relação às demais comunidades. A influência indígena na formação da sociedade brasileira foi mais profunda do que as palavras que foram assimiladas à língua ou elementos da sua culinária. A presença de povos indígenas que sobreviveram ao genocídio colonial nos permite pensar no desenvolvimento de formas orgânicas e endógenas de produção e consumo a partir dos interesses e necessidades das comunidades. Estamos redescobrin-

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do a importância da cultura indígena para um projeto de futuro, como vem fazendo de forma acelerada a Bolívia, que inscreveu na sua constituição o reconhecimento à cultura indígena e suas for-mas comunitaristas de produção dos meios de vida. Do mesmo modo, deve-se considerar a influência africana que se materializou na organização dos quilombos, na medida em que resgatam e atualizam as formas coletivas de produção da vida ma-terial e social. Os quilombos e territórios de matriz africana foram espaços de resistência e de luta realizadas pelos negros a partir da associação para a defesa da liberdade e ao mesmo tempo produ-ção das condições para sua reprodução em comunidade. As co-munidades remanescentes de quilombos e demais comunidades tradicionais devem sua sobrevivência às formas variadas de coo-peração que foram instituindo no processo de produção da vida material e social. Nesses territórios de identidade desenvolveram-se instituições próprias para a organização do poder, formas espe-cíficas de divisão do trabalho, incorporando a defesa e a produção cultural e religiosa, ainda presentes em todas as regiões do país. No caso da cooperação e associativismo no meio rural, percebe-se uma forte tradição mutualista e autogestionária entre o campesi-nato brasileiro, independente da região do país. Mas não parece adequado falar de uma tradição . O mutirão, em especial, era e é algo impregnado na cultura camponesa, . O mutirão, em especial, era e é algo impregnado na cultura camponesa, cooperativista, pois se trata de um manancial imenso de experiências associativis-tas, mutualistas, autogestionárias, mas não cooperativistas. Nem mesmo no sul do Brasil se pode falar de uma experiência distinta da existente no restante do país. Apenas para mencionarmos alguns exemplos do significado dessas experiências, basta ler as memórias de Gregório Bezerra, no interior de Pernambuco, para ver como o mutirão e a prática da socialização dos poucos recursos existentes era uma prática co-

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juntar de braços para ajudar em determinadas tarefas de uma famí-lia, ou para a realização de uma obra comunitária, que beneficiará a todos. Em um dos vários relatos dos mutirões presenciados por Gregório Bezerra na sua infância no interior de Pernambuco, en-contramos uma descrição precisa do trabalho associado, coletivo e autogestionário. Tratava-se de um mutirão para limpar um lajeiro de pedras a fim de transformá-lo em uma espécie de cisterna na-tural. O trabalho era imenso, e precisou de dois dias de trabalho de 100 homens e mulheres. Mas as relações sociais estabelecidas para isso eram as seguintes: “Toda a vizinhança apta para o trabalho compareceu ao mutirão, mais de cem pessoas. A comida foi feita em lata de querosene e em tachos. Fizeram a divisão do trabalho para evitar possíveis atrope-los. As turmas de picaretas desagregavam a terra; as equipes de enxadas e de pás removiam-na e transportavam-na em carrinhos de mão, latas, cuias e padiolas. Enquanto isso, a equipe de foiceiros e de arrancadores de toco iam desbravando as ilhotas e removen-do tudo que pudesse perturbar a boa marcha da remoção da terra. Houve uma emulação espontânea entre as turmas que trabalha-vam com carrinhos de mão, pás, picaretas, enxadas, foices, as de banguezeiros.” “Dava gosto de ver o lufa-lufa do vaivém das equipes transporta-doras de terra e o ritmo da produtividade do trabalho em todas as turmas. Todos rindo, brincando, cantando e trabalhando. Cantos e modas, dos mais antigos aos mais modernos, eram entoados. Era uma alegria contagiante, um verdadeiro desafio à própria natureza, que nos castigava tão cruelmente pela fome e pela sede. Era sobre-tudo um desafio aberto e claro à incapacidade dos governantes do país. A massa trabalhadora sabia que aquele reservatório cheio do líquido precioso não seria propriedade privada de um só dono; ao contrário, seria de todos, não somente deles, que trabalhavam no momento, mas de todos os que necessitassem da boa água. Foi na

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verdade uma magnífica demonstração do trabalho coletivo. Eles já tinham rica experiência do trabalho coletivo, em que todos contribu-íram em benefício de todos. Já haviam trabalhado em outros mu-tirões, quer na construção de casas, quer nos trabalhos da lavoura, quer nas grandes derrubadas de matas para os roçados ou nos trans-portes de madeira, ou nas remoções de grandes blocos de pedra. (...)“O trabalho continuava normalmente, ninguém mandava em nin-guém, todos trabalhavam com o mesmo entusiasmo, ninguém fazia ‘cera’ e nem se escoravam uns nos outros. Reinava ordem e trato respeitoso entre todos, coisa muito característica na grande massa camponesa. Cada um dava o máximo de sua força de trabalho.” (BE-ZERRA 1979, 60-1) Os inúmeros elementos conhecidos como característicos da pro-dução autogestionária encontram-se descritos acima. A divisão do trabalho de acordo com as possibilidades de cada um, sua capacida-de e aptidão para tal ou qual tarefa. A alegria que reinava, a cantoria, aproximando o trabalho dos momentos de celebração, de festa. A finalidade do trabalho para além dos seus realizadores, visando ao bem comum, um valor de uso, e não mero valor de troca. Trabalho sem “cera” nem sabotagem, valendo a ajuda-mútua e o respeito a cada participante. Poderíamos citar outros exemplos de trabalho coletivo e autogestio-nário no meio camponês. As memórias de Manoel da Conceição, por exemplo, registradas na obra “Chão da Minha Utopia” (2010), trazem exemplos de ajuda mútua e trabalho associado entre os campone-ses do interior do Maranhão, práticas que foram transportadas para a organização sindical dos trabalhadores, que nesse caso envolvia também o armazenamento coletivo de sementes, organização de mutirões etc. Não é por acaso que Manoel da Conceição atualmente vem lutando pela economia solidária e fortalecendo a União Nacio-nal das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária – UNICAFES.

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Outra importante experiência mutualista esteve presente na for-mação da nova força de trabalho industrial. Como boa parte desses trabalhadores era proveniente da Europa, trouxeram daí várias instituições baseadas no associativismo, no mutualismo e no coleti-vismo. Conheciam certamente a experiência associativista que por lá se processava, inclusive as discussões e estratégias discutidas no movimento em nível internacional. Por certo que tivemos e ainda contamos com instituições de ajuda mútua, animadas pelos pró-prios trabalhadores, como as ligas, os grêmios, as uniões operárias, os jornais, teatros e espaços culturais próprios da classe trabalha-dora. Além da cultura e da prática sindical, esses trabalhadores forjaram associações de todo tipo, desde os mutirões autogeridos, caixas de seguridade, previdência, organizações de cultura e ajuda mútua, até as cooperativas de consumo, produção e crédito etc. A solidariedade, palavra que ganhou sentido através das lutas dos trabalhadores, alcançou nessas instituições um sentido profundo, pedagógico, projeto de outra sociedade.( )Mas não tivemos o desenvolvimento em larga escala do coopera-tivismo de base operária, como forma de resistência autônoma e produção dos meios de vida. Parece-me que isso pode ser expli-cado pelo fato de que, no momento da nossa industrialização, as cooperativas viviam o momento de crítica profunda que marcou o debate sobre o tema na Segunda Internacional, como já menciona-mos. As estratégias perseguidas, então, corresponderam às privile-giadas no plano internacional, seja através dos sindicatos e mútuas, na fase anarcossindicalista, seja através dos partidos, sob a influ-ência da Revolução de Outubro na Rússia. Durante o século XX, a autogestão manifestou-se nos espaços industriais especialmente através das comissões de fábrica, recorrentes durante todo período

- Ver, a esse respeito, importantes publicações do Arquivo Edgard Leuenroth, especial-mente: Cadernos AEL: sociedades operárias e mutualismo. Campinas: UNICAMP/IFCH, v.6, n.10/11, 1999.

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mas efêmeras enquanto forma de contra poder ao despotismo fabril. Apenas com a crise dos anos 1980-90, com a escalada do de-semprego no setor industrial, os sindicados filiados à Central Única dos Trabalhadores – CUT irão apoiar alguns processos de recupera-ção de empresas falidas pelos trabalhadores, um movimento que chegou a ser vigoroso nos anos 1990, mas que atualmente se en-contra em franco refluxo, tanto do ponto de vista da quantidade de experiências como nas orientações políticas que se cristalizaram no âmbito das fábricas brasileiras recuperadas, marcadas muito mais pelo pragmatismo econômico do que inspiradas pela autogestão. (Novaes 2011; Faria 2011) Cabe registrar que a expressão Economia Solidária surge no Brasil a partir do espaço social alcançado pelas experiências de Fábricas Recuperadas nos anos 1990. Coube a Paul Singer cunhar o termo, em dois artigos simultâneos na Folha de São Paulo em junho de 1996, cujos títulos eram “Autogestão contra o desemprego” e “Economia Solidária contra o desemprego”. As experiências de fábricas recuperadas animaram a criação de instituições de representação e apoio, que se juntaram a um con-junto de organizações que já vinha desenvolvendo trabalhos nesse campo, apoiando processos de mutirão de habitação nas periferias das grandes cidades, atuando com catadores de materiais reciclá-veis, desempregados etc. Trata-se de uma vertente que contribuiu para que a discussão sobre a autogestão e o associativismo fosse disseminada em diversos espaços e movimentos sociais. Cabe mencionar aqui o trabalho das igrejas, na sua vertente comunitaris-ta, das pastorais e dos movimentos de base e de luta pelos direitos humanitários e de cidadania. É inegável a contribuição dessas ins-tituições na construção dos movimentos sociais de luta e resistên-cia no Brasil, no campo e nas periferias dos centros urbanos. Essas lutas em defesa dos direitos dos trabalhadores, dos seus interesses imediatos e históricos, da luta pela terra, da agricultura familiar, da defesa do meio ambiente e da democracia participativa, combina-

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naram-se com a estratégia de produção associada e coletiva dos meios de vida, constituindo um eixo fundamental de resistência que conferiu concretude material para o novo projeto de desen-volvimento almejado para o país, além de promoverem projetos alternativos comunitários (os PACs) como forma de enfrentamento à pobreza, através de iniciativas de geração de trabalho, renda e desenvolvimento local. É igualmente desse campo da igreja e das organizações da sociedade civil que vai emergir a experiência do Conjunto Palmeiras, em Fortaleza, que criou o primeiro Banco Co-munitário do Brasil, referência nacional e internacional no campo das finanças solidárias. As políticas públicas também incorporaram, em raros momentos, o apoio ao trabalho coletivo e autogestionário, estimulando a au-to-organização comunitária e formas de democracia participativa em vários aspectos da vida social. A primeira experiência política pública registrada no campo do apoio ao cooperativismo e ao as-sociativismo se deu no município de Lages, no planalto catarinen-se. Na segunda metade dos anos 1990, o prefeito Dirceu Carneiro resolver enfrentar a estagnação econômica e a superexploração do trabalho, incentivando a participação ativa dos trabalhadores nos assuntos do município. A aposta na auto-organização popular envolveu a formação de associações de bairro, de núcleos agríco-las, de conselhos de pais e alunos nas escolas do município, hortas comunitárias, mutirões habitacionais, eleição para as intendentes de distrito, cooperativas de consumo etc. Essa experiência que ain-da hoje é referência no campo das políticas públicas foi registrada por Márcio Moreira Alves no livro “A Força do Povo”, com prefácio de Maurício Tragtenberg. (1980) Na mesma época, Mário Covas, na capital paulista, apoiou a cons-trução de habitações populares em regime de mutirão. A partir da experiência uruguaia, deu-se início ao processo de construção de casas pelas próprias associações de moradores, em regime de mu-

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tirão e autogestão. Esse modelo ganhou fôlego na gestão de Luiza Erundina e chegou a esboçar um sistema no governo Marta Supli-cy na capital paulista. Outras experiências de políticas públicas já voltadas diretamente para a economia solidária foram realizadas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a prefeitura de Belém apresentou um modelo de Banco do Povo, com agentes de cré-dito para dinamizar a economia popular e solidária, bem como a prefeitura e o governo de Porto Alegre, na gestão Olívio Dutra, até chegar ao governo federal, com a criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária, em junho de 2003, sobre a qual voltaremos a falar adiante. Por fim, cabe mencionar, uma das vertentes importantes do cam-po da economia solidária, o papel desempenhado pelas Incubado-ras Tecnológicas de Cooperativas Populares, vinculadas principal-mente às Universidades Públicas e Institutos Federais de Educação Tecnológica. A partir da atuação da COPPE/UFRJ na favela de Manguinhos, no Rio de Janeiro, descortinou-se um amplo horizon-te para a atuação das universidades no campo da economia solidá-ria, através do apoio e fomento a grupos produtivos e territórios de identidade, recebendo para tanto o apoio do Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – PRO-NINC. Atualmente, mais de cem instituições de ensino superior de-senvolvem ações de economia solidária em comunidades pobres, com quatro objetivos principais: formar quadros técnicos e políti-cos para a atuação em economia solidária; desenvolver tecnologias sociais adequadas aos empreendimentos econômicos solidários; testar metodologias de inclusão social e cidadã na perspectiva da economia solidária e; alargar o raio de alcance para a extensão universitária brasileira, provocando o contato sistemático com os problemas sociais que cercam os muros das universidades. Essas diversas vertentes da economia solidária desenvolviam suas experiências com escassos pontos de contato e troca de experiên-

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cias, cada uma seguindo o seu destino próprio, até que conver-giram para a formulação de uma plataforma comum de luta por direitos e reconhecimento. O grande acontecimento que marcou o final dos anos 1990 foi exatamente o encontro entre os principais atores dessas diversas experiências, a organização de momentos de debate e diálogo possibilitados pelas primeiras edições do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. A partir desses encontros e da identificação de uma unidade de propósitos e objetivos co-muns, começou-se a conformar o campo da economia solidária. Em 2003, o mesmo processo que desembocou na criação da Secre-taria Nacional de Economia Solidária - SENAES, em junho de 2003, fez surgir o Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES e a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária.Essa trajetória da economia solidária, que procuramos apresentar até aqui, nos permite afirmar que estamos assistindo à constituição de uma estratégia como uma configuração nova das lutas sociais no Brasil e em muitas outras partes do mundo. Após a conquista das liberdades civis e democráticas, a sociedade brasileira depa-rou-se com a precariedade do direito ao trabalho, favorecida es-pecialmente pela crise econômica dos anos 90 e amplificada pelas políticas de ajuste de corte neoliberal, a reestruturação produtiva e o ataque aos direitos sociais.

- O Proninc foi criado em 1998, quando foram apoiadas meia dúzia de incubadoras, a partir da experiência da COPPE/UFRJ. Em 2003, a recém-criada Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES/MTE), a Financiadora de Estudos e Projetos, a Fundação Banco do Brasil, o Banco do Brasil e o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida decidiram reativar o programa como resposta às demandas das incubadoras através das Redes. Desde então, e envolvendo cerca de 12 Ministérios e Órgãos Públicos, foram apoiadas mais de 102 incubadoras em todo o País. - Nessa época, um documento materializou essa articulação, publicado no âmbito do Fórum Social Mundial, chamado: Economia Popular Solidária: Alternativa Concreta de Radicalização da Democracia, Desenvolvimento Humano, Solidário e Sustentável. Anteag; Cáritas; CUT/ADS; FASE; IBASE; PACS; SEDAI/RS. Porto Alegre, 2002.

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Ganham projeção, nessa conjuntura, as tentativas de fortalecer ou-tras modalidades de trabalho que não se limitavam às políticas de emprego formal, com carteira assinada. As formas coletivas de tra-balho, baseadas na cooperação autogestionária, desvendaram um campo imenso para a atuação dos trabalhadores, que lhes garantia meios de vida e dignidade. O trabalho associado emerge como es-tratégia que possibilita a articulação de duas grandes perspectivas para o campo das esquerdas:1) A retomada da crítica à organização capitalista do trabalho, marcada pela divisão técnica fragmentadora do trabalho, a rígida hierarquia de poder e controle, o caráter despótico das unidades produtivas, regidas pela racionalidade instrumental etc.;2) O reconhecimento de que era insuficiente a conquista do poder político para levar adiante a transformação social e a emancipação dos trabalhadores, uma vez que a estrutura do Estado capitalista pressupõe a continuidade da acumulação privada do capital.Essas duas vertentes de crítica nos colocaram diante da necessidade de políticas públicas que atuassem no fortalecimento do campo da economia solidária no Brasil e, ao mesmo tempo, apontassem para a necessidade de reformulação do projeto de desenvolvimento nacional a fim de conferir posições mais equânimes entre o espaço do mercado e o campo do trabalho associado quanto ao acesso aos recursos públicos. Esse foi, e ainda é, o principal desafio que se colo-ca para a experiência da SENAES no âmbito do governo federal.

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3. A Economia Solidária no Governo Federal

A criação da SENAES em junho de 2003 no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é parte integrante da história de mobili-zação e articulação do movimento da economia solidária existente no país. Trata-se de um campo recente, que materializa um proces-so intenso de articulação e elaboração por parte das organizações, configurando um movimento em estado ainda “gelatinoso”, cujo programa e estratégia política mais geral estão em pleno processo de construção, mas que já vem se afirmando como novo e impor-tante personagem no debate sobre a questão social no Brasil. Não se trata aqui de apresentar um balanço de conjunto das re-alizações da SENAES neste período, dado o espectro imenso de iniciativas e articulações realizadas, mas sim de expor as ações que se projetaram tanto para o interior do governo quanto com a socie-dade e de como essas ações avançaram em inúmeros diálogos no plano internacional. Na direção de apontar significados das políticas de economia solidária no governo federal, o primeiro aspecto a ser destacado é precisamente a sua constituição no âmbito do Minis-tério do Trabalho e Emprego (MTE). A decisão por situar SENAES no MTE significou imediatamente a sua compreensão enquanto uma política de Trabalho, voltada especialmente para o trabalho associa-do, coletivo e autogestionário. Tal decisão foi importante inclusive para o próprio MTE, uma vez que instalou no interior do Sistema Público de Emprego e das Políticas de Inspeção do Trabalho o deba-te sobre o direito ao trabalho associado, permitindo o início de um processo de elaboração e implementação de políticas públicas de apoio e fomento às formas de trabalho antagônicas e diferentes do

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trabalho assalariado, subordinado, do emprego com carteira assinada. Além disso, a criação da SENAES contribuiu igualmente para que desde logo fosse afastada qualquer possibilidade de que o campo da economia solidária ficasse circunscrito às ações de corte assistencial, como medidas contingenciais resultante da crise do sistema capitalis-ta. Pelo contrário, situá-la no âmbito do Ministério do Trabalho signifi-cou conferir reconhecimento institucional às formas diferenciadas de trabalho e renda, cuja natureza exige políticas específicas que podem e devem dialogar com as outras políticas do campo social, sem se confundir ou subsumir às demais. Nessa medida, a criação da SENAES no interior do MTE fortaleceu a concepção que esteve presente desde o início da construção da Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária, na qual as políticas de economia solidária não se restringem a políticas contingenciais e compensatórias de enfrenta-mento a momentos de aguçamento das crises do capital, pois repre-sentam um projeto que coloca em questão o modelo de desenvolvi-mento hegemônico e aponta para a necessidade de construção de um novo projeto social. Desde a I Conferência Nacional de Economia Solidária (I CONAES, 2006), que o campo da economia solidária já vinha afirmando sua compreensão de que, ante a incapacidade estrutural do capitalismo de retomar de forma sustentável o processo de crescimento, com a preservação do meio ambiente e construção de uma perspectiva de futuro para a humanidade, a economia solidária deveria ser afirmada como estratégia de desenvolvimento, e suas políticas deveriam estar voltadas para o fortalecimento desse novo modo de produção, comer-cialização, consumo e crédito baseado na cooperação, na autogestão e na solidariedade.Esta concepção foi reafirmada pela II Conferência Nacional de Econo-mia Solidária (II CONAES, 2010), manifestando-a da seguinte maneira:“Nos momentos de crise econômica aumenta o interesse pela econo-mia solidária, suscitando o debate sobre o tema. No entanto, a econo-

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mia solidária não deve ser considerada apenas como um conjunto de políticas sociais ou medidas compensatórias aos danos causados pelo capitalismo, nem como responsabilidade social empresarial. Seu desafio é o de projetar-se como paradigma e modelo de desen-volvimento que tem por fundamento um novo modo de produção, comercialização, finanças e consumo que privilegia a autogestão, a cooperação, o desenvolvimento comunitário e humano, a justiça social, a igualdade de gênero, raça, etnia, acesso igualitário à infor-mação, ao conhecimento e à segurança alimentar, preservação dos recursos naturais pelo manejo sustentável e responsabilidade com as gerações, presente e futura, construindo uma nova forma de inclusão social com a participação de todos. Neste sentido, as políticas públi-cas de economia solidária podem ser medidas anticíclicas efetivas, estruturais e emancipatórias que possibilitam um conjunto de micro-revoluções.” (II CONAES, Brasília, julho de2010, p.14.) Como se vê, as resoluções da Conferência materializaram a compre-ensão no campo da economia solidária de que suas políticas buscam um horizonte para além do capital e da sociedade contemporânea, conferindo centralidade ao trabalho associado na estruturação da sociedade do porvir, portanto irredutível a qualquer perspectiva de inclusão produtiva ou empreendedorismo, cujos limites encontram-se circunscritos no interior desse modo de produção. Pelo contrário, a perspectiva apontada pelas duas Conferências Nacionais de Economia Solidária posicionava suas políticas enquanto estratégia de enfrentamento à exclusão e à precarização do trabalho,

Para o Prof. Paul Singer, Secretário Nacional de Economia Solidária desde a sua criação em 2003, o posicionamento da SENAES no âmbito do MTE significou também a amplia-ção da responsabilidade do Ministério, pois “o MTE desde sua criação tem tido por missão proteger os direitos dos assalariados. Os interesses dos trabalhadores não formalmente assalariados não figuravam com destaque na agenda do ministério. Por isso, o surgimen-to da Senaes representou uma ampliação significativa do âmbito de responsabilidades do MTE, que passa a incluir o cooperativismo e associativismo urbano (já que pelo rural continua responsável o Ministério da Agricultura.” - SINGER, Paul. A Economia Solidária no Governo Federal. Revista Mercado de Trabalho. IPEA. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2004.

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a partir das formas coletivas de geração de trabalho e renda, e articulada aos processos democráticos e sustentáveis de desenvol-vimento que visassem à emancipação social, econômica, política e cultural dos seus trabalhadores e trabalhadoras. A criação da SENAES possibilitou a ampliação do espaço social da economia solidária no Brasil e o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o apoio e fomento às formas de organização econômicas baseadas na autogestão, no coletivismo e na solida-riedade. Através do Programa Economia Solidária em Desenvolvi-mento essas políticas possibilitaram o fortalecimento de inúmeras iniciativas econômicas solidárias, e a exposição de outras até então pouco conhecidas. Essas ações e políticas desenvolvidas pela SE-NAES podem ser agrupadas, para efeito apenas analítico, em cinco grandes eixos, como segue:1) Acesso a conhecimentos: envolve desde a criação e desenvolvi-mento do Sistema de Informações em Economia Solidária (SIES), as ações de formação de formadores, trabalhadores/as e gestores públicos de economia solidária, a articulação com o Plano Nacional de Qualificação para a realização dos Planos Setoriais de Qualifica-ção Social e Profissional em Economia Solidária (PlanSeQ EcoSol), o apoio às Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP’s) e as iniciativas no campo da assessoria técnica aos empre-endimentos econômicos solidários. Cabe destacar aqui o esforço para a formação de gestores públicos, nas três esferas de governo, o investimento na formação de trabalhadores e trabalhadoras da eco-nomia solidária, através do Projeto Centros de Formação em Econo-mia Solidária (CFES), e o apoio conferido às Incubadoras Universitá-rias através do Programa Nacional de Incubadoras de Cooperativas Populares, que multiplicou por cinco e superou a marca de cem universidades públicas e institutos federais de educação tecnológi-ca envolvidos com ações no campo da economia solidária.2) Acesso a mercados: abrange os programas de feiras municipais,

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regionais, estaduais, nacionais e internacionais de economia soli-dária, o esforço para a criação de pontos fixos de comercialização dos produtos e serviços dos empreendimentos solidários e a re-gulamentação do Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário (SNCJS), instituído por Decreto Presidencial em 2010. Pouco se conseguiu avançar, neste aspecto, na abertura de espaços para a economia solidária nas compras governamentais, em que pesem as conquistas significativas dos agricultores familiares (com o PAA e o PNAE) e dos catadores de materiais recicláveis.3) Acesso ao capital: envolve o apoio ao denominado campo das finanças solidárias, que abrange as iniciativas de microcrédito solidário, os fundos rotativos solidários, os bancos comunitários e as moedas sociais. Destacam-se, nesse caso, os avanços obtidos no apoio aos Fundos Rotativos Solidários, em parceria com o BNB e a sociedade civil, especialmente no nordeste brasileiro, e o apoio e fomento aos Bancos Comunitários, que passaram de uma única experiência existente em 2003 (Banco Palmas/CE) para mais de 60 experiências atualmente.4) Marco Legal: ponto crucial, e de difícil resolução, uma vez que a fragilidade do movimento repercute na baixa capacidade de mobi-lização na esfera política e legislativa. Houve um retrocesso, logo no começo do governo, com relação à lei de falências, que dificultou o avanço no campo das fábricas recuperadas. O projeto de lei das cooperativas de trabalho tramitou aos solavancos no Congresso Nacional, e agora está parado na Câmara para votação final. Sua aprovação, além de abrir um canal institucionalizado de acesso ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (através do PRONACOOP), pode-ria significar o arrefecimento das medidas restritivas que sofrem as cooperativas autênticas de trabalho, confundidas pela Justiça do Trabalho como cooperativas fraudulentas. Há que se avançar ainda na Lei Geral do Cooperativismo, dado o seu anacronismo e caduci-dade, e na Lei Geral da Economia Solidária, talvez um dos grandes

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desafios para os próximos anos.5) Relações Internacionais: desde o seu início, a SENAES foi convida-da a dialogar com representações de inúmeros países para apresen-tar as experiências desenvolvidas no Brasil, estabelecer cooperações internacionais e participar de fóruns de articulações em outros países e continentes. Nesse aspecto, verificou-se avanços através da articulação da SENAES no contexto da integração regional, com destaque para os espaços institucionais do Mercosul, especialmente através da Reunião Especializada de Cooperativas do Mercosul – RECM, do qual passou a participar a partir de 2007. Além disso, são exemplos de países que solicitaram a participação da SENAES em eventos e espaços de cooperação: Venezuela, Equador, Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia, México, Cuba, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Portugal, Timor Leste, Alemanha, Senegal, Moçambique, Angola, entre outros. O detalhamento de cada um desses eixos poderia revelar um conjunto amplo de ações e iniciativas realizadas pela SENAES neste período, o que não é o nosso objetivo nesse momento. Cabe men-cionar, no entanto, que através da parceria com a sociedade civil e governos estaduais e municipais, as políticas de economia solidária desenvolvidas no governo federal encontraram ressonância na es-tratégia de inúmeros outros ministérios e órgãos públicos. Em mui-tos casos, a cooperação e o diálogo institucional com outras áreas de governo resultaram em parcerias efetivas através da construção de ações conjuntas e/ou a integração de políticas em andamento. Em outras situações, a interação com a SENAES resultou no estímulo para que outras pastas incorporassem efetivamente nas suas ações e políticas a perspectiva da economia solidária. Alguns exemplos:a. No âmbito do próprio Ministério do Trabalho e Emprego, a SE-NAES interagiu e dialogou com várias ações no âmbito das Políticas Públicas de Emprego. Com a Secretaria de Inspeção do Trabalho, construiu uma proposta de um novo marco regulatório para as

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Cooperativas de Trabalho. Além disso, a SENAES dialogou com a inspeção do trabalho no sentido de construir alternativas inclusivas no âmbito das ações de fiscalização e combate ao trabalho escra-vo. Com a Secretaria de Relações de Trabalho participou junto ao Fórum Nacional do Trabalho –FNT na coordenação do chamado GT -8 do FNT, chamado de Micro e pequenas empresas, autogestão e informalidade. Com a Secretaria de Políticas Publicas de Emprego, a SENAES se relacionou ou se relaciona com o Programa Primeiro Emprego, com políticas de microcrédito e crédito aos empreendi-mentos solidários, como o Plano Nacional de Qualificação, entre outros. Avanços significativos foram obtidos no âmbito da Política de Qualificação Social e Profissional, onde a SENAES construiu, em conjunto com a SPPE, ações para a construção de metodologias e materiais didáticos para a formação de trabalhadores associados, através dos Projetos Especiais de Q ualificação (ProEsQ’s), e duas versões do Plano Nacional de Qualificação Social e Profissional em Economia Solidária (PlanSeQ EcoSol), em 2006 e 2008, abrangendo cerca de 16 mil trabalhadores e trabalhadoras nas cinco regiões do país. Por fim, cumpre mencionar as atividades de formação reali-zadas junto aos servidores do MTE, especialmente com os agentes de economia solidária dos Núcleos e Seções de Economia Soli-dária das Superintendências Regionais do Trabalho (SRTE’s), que demonstraram a possibilidade de uma articulação orgânica das políticas de EcoSol no âmbito do MTE.b. Com o Ministério da Saúde, especialmente com a Coordenação-Geral de Saúde Mental, a SENAES interagiu fortemente no diálogo para a construção de alternativas de geração de trabalho, renda e inclusão social para usuários do sistema de saúde mental no contexto da luta antimanicomial. Além disso, dialogou também no sentido de fortalecer as ações de geração de trabalho e renda desenvolvidos nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), contri-buindo na formação de gestores da rede de saúde mental e na

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articulação das Cooperativas Sociais criadas nessa política com os atores da Economia Solidária nos territórios.c. Com o Ministério do Desenvolvimento Social, cabe destacar, em primeiro lugar, o esforço realizado para a construção das políticas de Inclusão Produtiva, tanto com a Secretaria Nacional de Assistên-cia Social como com a Secretaria de Articulação Institucional e Par-cerias. Houve cooperação na construção de editais para prefeituras e governos estaduais na busca por ações no campo da inclusão produtiva e dentro da perspectiva da economia solidária. Desen-volvidas no âmbito da política nacional de assistência social, essas ações visam às alternativas emancipatórias para os programas de transferência de renda. Com a SAIP, foi realizado um importante esforço conjunto para o apoio aos Fundos Rotativos Solidários, particularmente na região nordeste do país. Com a Secretaria Na-cional de Segurança Alimentar foram realizadas parcerias em ações estratégias, como no campo da agricultura urbana, programa de aquisição de alimentos (PAA), restaurantes populares e cozinhas comunitárias, a partir do reconhecimento de que as políticas pos-suíam identidade de propósito e interesses comuns. Com o MDS foram realizados ainda importantes diálogos no âmbito do Comitê Interministerial de Inclusão dos Catadores de Materiais Recicláveis, no desenvolvimento de ações e políticas para o fortalecimento da organização social e produtiva do setor da reciclagem dos mate-riais. Além disso, buscou-se, desde o inicio do governo Lula, dialo-gar no sentido de incorporar a economia solidária como uma ação estruturante e emancipatória nas estratégias de segurança alimen-tar e combate a fome.d. Com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, especialmente com a Secretaria de Desenvolvimento Territorial, foram realizadas importantes iniciativas no âmbito dos Territórios de Cidadania, no apoio e fortalecimento das redes e espaços de comercialização solidários, através das Bases de Serviços de Comercialização da

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Agricultura Familiar, do MDA, e na discussão e impulsionamento da regulamentação sobre comércio justo e solidário, materializado no decreto presidencial assinado em 2010 pelo Presidente Lula.e. Com o Ministério da Cultura, sendo imenso o campo de possibi-lidades para o diálogo e construção conjunta de políticas culturais para o trabalho associado, cabe destacar as experiências das Teias, feiras de cultura e economia solidária que contaram com forte parti-cipação do movimento da economia solidária. Importantes também foram os diálogos estabelecidos entre os Pontos e Pontões de Cul-tura e os atores da economia solidária. Outra interface importante neste campo se deu através das ações de apoio à extensão univer-sitária, em parceria com o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas, que resultaram na Conferência de Economia Solidária da Cultura, realizada em 2010 em Osasco/SP, envolvendo a Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária.f. No Ministério da Educação, a SENAES encontrou, nesses oito anos, enorme receptividade nas Secretarias do MEC, que resultaram em parcerias estratégicas para o fortalecimento da economia solidária e ampliação do campo do trabalho associado nas políticas educa-cionais. Em primeiro lugar, cabe mencionar as parcerias realizadas com a Secretaria de Educação Tecnológica, materializada no Projeto Escola de Fábrica, na incorporação do tema da economia solidá-ria junto à ampliação da rede de Institutos Federais de Educação Tecnológica (IFET’s) e na absorção do trabalho associado no âmbito do programa de certificação de saberes profissionais (Certific). Com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade foram realizadas parcerias efetivas em diversas áreas, com destaque para a incorporação da Economia Solidária como eixo estruturante do Programa Saberes da Terra e os Editais para apoio às atividades de formação de professores de Educação de Jovens e Adultos em Economia Solidária e construção de materiais didáticos (Resolução 51/2008 FNDE/MEC). Cabe mencionar ainda, nessa parceria, o

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avanço obtido nas relações com a Secretaria de Educação Superior, especialmente no âmbito do Programa Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – PRONINC. Neste caso, além de participar do Comitê Gestor do PRONINC, em conjunto com outros onze ministérios e órgãos públicos, além das duas redes de incubadoras, a Secretaria de Educação Superior incorporou o apoio às Incubadoras através do Programa de Extensão Universi-tária - PROEXT, que vem ganhando importância e reconhecimento social através de chamadas regulares com a mobilização crescente de recursos.g. Com o Ministério de Ciência e Tecnologia, cabe mencionar que as parcerias mais efetivas se deram por intermédio da Financiadora de Estudos e Projetos, através de ações no âmbito do apoio à ciên-cia e tecnologia para o desenvolvimento social. A FINEP foi parceira estratégica para a execução de várias políticas da SENAES, especial-mente para o apoio ao PRONINC, o desenvolvimento da área das tecnologias sociais e o apoio ao Mapeamento da Economia Solidá-ria no Brasil.h. Com o Ministério das Cidades foi estabelecido importante diálo-go para apoio aos programas de financiamento de moradias po-pulares, principalmente pelo Programa de Subsidio à Habitação de Interesse Social (PHS). Há um potencial considerável para o avanço da economia solidária nessa área, em especial pelas experiências existentes na construção de moradias populares em regime de mutirão e autogestão. Um exemplo disso é ação que a SENAES de-senvolveu na cidade de São Paulo, apoiando a formação de Bancos Comunitários em quatro mutirões com autogestão e que tem dado frutos positivos. Ao mesmo tempo, essas experiências podem contribuir para o aperfeiçoamento e maior efetividade das políticas governamentais nessa área, através do maior envolvimento das comunidades beneficiárias nas definições relativas às construções das habitações, planejamento dos espaços de geração de trabalho

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e renda e equipamentos públicos, bem como para o controle social da política.i. Outras áreas do governo federal nas quais se verificou importan-tes diálogos e construções intersetoriais com a economia solidária poderiam ser mencionadas, como por exemplo: com o Ministério do Meio Ambiente foram realizadas inúmeras ações no campo da Agenda 21, fazendo confluir a agenda ambiental com a economia solidária; com a Secretária Especial da Aquicultura e Pesca ações foram realizadas para o apoio e fomento ao cooperativismo dos trabalhadores da pesca, inclusive para o apoio à Rede Solidária da Pesca; com a Secretária Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial uma importante articulação foi realizada no âmbito das políticas para as comunidades remanescentes de qui-lombos, resultando na realização da Conferência Temática sobre Etnodesenvolvimento (com FUNAI, MDS, SEPPIR e SENAES); com o Ministério do Turismo foi possível iniciar ações concretas de apoio às formas de turismo solidário; com Bancos Públicos, especial-mente BNB e BNDES foram realizados importantes diálogos para a ampliação da atuação dos bancos de desenvolvimento no apoio e fomento aos empreendimentos econômicos solidários, seja através dos Fundos Rotativos Solidários apoiados pelo BNB, seja através das relações estabelecidas com o BNDES no âmbito do fomento às empresas recuperadas e cooperativas de resíduos sólidos. A partir desse quadro, podemos sugerir que a economia solidária conquistou, nesses oito anos de implantação no governo federal, importantes espaços no âmbito das políticas públicas sociais de trabalho, geração de renda, inclusão produtiva, combate à miséria e à fome, cultura, meio ambiente etc., configurando-se em uma im-portante conquista do movimento da economia solidária no Brasil e dos movimentos sociais que possuem orientação emancipatória, para além do capital e da sociedade contemporânea.Caberia mencionar ainda a disposição e o esforço da SENAES para

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estabelecer um diálogo institucional com inúmeros movimentos sociais do campo e da cidade, com intuito de construir conjun-tamente políticas de apoio e fomento às iniciativas de produção autogestionária de bens e serviços, desenvolvidas por esses movi-mentos e organizações de base popular e comunitária. Para além daquelas organizações e movimentos integrantes do campo da economia solidária, a SENAES realizou um esforço de articulação com a CONCRAB/MST, para o apoio às iniciativas de produção coletiva nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária; com os movimentos de luta pela moradia que incorporam a dimensão produtiva nos projetos de habitação de interesse social; com o movimento dos trabalhadores desempregados, seja nos projetos de frentes emergenciais ou no projeto dos Pontos Populares de Trabalho; com a agroecologia, nas suas diversas variantes; com o comércio justo e solidário; com os fóruns de Educação de Jovens e Adultos, entre outros.Isso significa que passos importantes foram dados para que a economia solidária alcançasse o status de eixo articulador de um amplo conjunto de lutas e movimentos sociais desenvolvidos atualmente no Brasil, apresentando-se como alternativa concreta e emancipatória desses personagens que emergiram com a rede-mocratização da sociedade brasileira e agora almejam ir além, em direção a um novo modo de produção e reprodução da vida social. Em que pese essas conquistas, seu destino e consolidação enquan-to política de Estado, são ainda uma incógnita, permanecendo na dependência da capacidade de mobilização e organização dos atores desse campo para inscrever suas demandas imediatas e históricas na agenda pública.

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Breves Considerações

A economia solidária ganhou grande expressão e espaço social nas últimas décadas, dando azo a um vasto campo de experiências e iniciativas de produção e reprodução dos meios de vida estru-turados a partir da propriedade coletiva dos meios de produção, da autogestão, da solidariedade e do coletivismo. Esse desenvol-vimento recente foi impulsionado pela crise estrutural do capita-lismo, vivenciada de forma desigual e combinada tanto no centro como na periferia do sistema e afetou, com intensidade e ritmos di-ferenciados, o conjunto da classe trabalhadora com o crescimento do desemprego, do trabalho precário e ataques aos direitos sociais e trabalhistas arduamente conquistados. Nessa conjuntura, a economia solidária apresentou-se como alternativa, inicialmente a partir de um conjunto de experiências isoladas, mas que conflui para articulações nacionais e um movi-mento que busca afirmar a sua identidade e plataforma de luta e reivindicações. Analisando os elementos comuns dessa identidade no campo da economia solidária, pode-se afirmar que ela ganha fôlego e estrutura em princípios associados a valores humanistas, materializados na efetivação de iniciativas econômica solidárias de geração de trabalho e renda, instituições de assessoria e fomento e políticas públicas nas três esferas de governo. Nessa conjuntura, a economia solidária apresentou-se como alter-nativa, inicialmente a partir de um conjunto de experiências isola-das, mas que conflui para articulações nacionais e um movimento que busca afirmar a sua identidade e plataforma de luta e reivindi-cações. Analisando os elementos comuns dessa identidade no

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campo da economia solidária, pode-se afirmar que ela ganha fôlego e estrutura em princípios associados a valores humanistas, materia-lizados na efetivação de iniciativas econômica solidárias de geração de trabalho e renda, instituições de assessoria e fomento e políticas públicas nas três esferas de governo. As formas coletivas e autogestinárias que caracterizam o campo da economia solidária permitem que se supere positivamente a condi-ção social do assalariamento, evitando-se assim a transformação de miseráveis em trabalhadores que passarão a vivenciar a alienação e a exploração no trabalho. A ultrapassagem desta condição requer a auto-organização do trabalho pelos próprios trabalhadores, que experimentam situações de cooperação produtiva que lhes per-mitem desenvolver suas capacidades e competências das quais podem lançar mão também nos tempos livres, e o resultado é a objetivação do trabalho em um produto reconhecível como sendo o sentido e a finalidade de sua própria atividade, isto é, que sejam produtos socialmente úteis, e não mera riqueza a ser apropriada pelos proprietários dos meios de produção ou, pior, recolhida por um punhado de rentistas e seus prepostos institucionalizados pela mundialização financeira.Isso permitiu, entre outras coisas, que nos oito anos de governo Lula a economia solidária fosse reconhecida e afirmada como um campo econômico que mobiliza milhões de trabalhadores e trabalhadoras que querem trilhar outro caminho, que desejam construir, por livre escolha, novas relações econômicas, sociais, culturais e políticas. Nesse sentido, a economia solidária retoma os ideais que marca-ram a I Internacional, especialmente quanto ao reconhecimento de que a transformação social não pode esperar a conquista do poder político ou a simples derrocada do capitalismo em função das suas próprias contradições. Pelo contrário, o que os internacionalistas franceses demonstraram foi precisamente a necessidade de que as novas relações sociais pretendidas, coletivistas e igualitaristas, se-

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jam experimentadas pelos trabalhadores em espaços cada vez mais alargados da vida social, a fim de que se tornem habituados aos processos autogetionários de produção e reprodução dos meios de vida.O desafio da economia solidária é difundir as práticas de coope-ração e autogestão por inúmeros espaços da vida social, a fim de construir desde já a infraestrutura material necessária para a consti-tuição de um novo modo de produção da vida social.

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Autores: SARDÁ, Maurício – Doutor em Administração (UFSC)Professor Adjunto (UFPB)

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Economia SolidáriaNotas sobre as formas jurídicas dos empreendimentos, as relações de trabalho e as políticas públicas

Estado, regulação jurídica e economia solidária (1)Resumo O presente trabalho tem como tema a economia solidária e a correspondente regulação jurídica em sentido amplo. O objetivo é analisar os limites e as possibilidades que o Direito estatal impõe aos empreendimentos e aos trabalhadores, a partir dos discur-sos que traçam a sua origem, estratégia, programa e perspectiva.

Palavras-chave: Economia Solidária; Estado; regulação jurídica

Apresentação O presente estudo tem como tema a análise dos discursos sobre a economia solidária e o correspondente cenário delimitado pela regulação jurídica. Nesse sentido, vou desenvolver a reflexão sobre os limites e as possibilidades que o Direito moderno, entendido como a regulação produzida pelo Estado, impõe aos empreendi-mentos da economia solidária, a partir dos discursos que traçam a origem, a estratégia, o programa e a perspectiva dessa concepção. Ao falar sobre um tema com tantas disposições visíveis e outras pouco perceptíveis, resolvi fazer um exercício de aproximação e afastamento deste, vamos chamar, enredo. Para ilustrar este exer-cício, vou me apropriar de algumas expressões técnicas do cinema, já que ele é uma forma de “visualizar” pontos de um debate que está em constante movimento, transformação e, por consequência, tem inúmeras concepções fluidas.É possível, adotando a referida técnica, por exemplo, visualizar planos, perceber

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planos, perceber o campo de ação e “congelar” algumas imagens para reflexão. No entanto, gostaria de esclarecer que não há en-volvimento algum desta análise com as discussões das teorias do cinema, sendo apenas uma aproximação de caráter ilustrativo.

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Os discursos sobre economia solidária

Inicio com a “concepção” de economia solidária. A expressão emerge, no Brasil, na década de 1990, com significado e signifi-cantes distintos e, em muitos casos, contraditórios.(2) Pensando no sentido que Jean-Claude Bernard atribuiu à palavra plano ouquadro, como sendo “uma porção de espaço apreendida pela lente e que se vê na tela”(3),podemos pensar em distintos planos para a Economia Solidária. Num primeiro momento, podemos falar de um plano aberto ou geral, em que é possível apresentar um panorama e visualizar o cenário envolvido. Cenário este que se desenvolve a partir dos marcos do Estado e do Direito moderno. Nesse plano aberto, busco os apontamentos realizados pelo Prof. Paul Singer, no livro Intro-dução à Economia Solidária, como se fossem cenas de um filme, sobre a origem, a estratégia, o programa e a perspectiva da econo-mia solidária. A sequência e as cenas do filme remontam às lutas dos trabalhadores durante a revolução industrial, momento em que, para Singer, “a economia solidária foi concebida pelos utó-picos´ como uma nova sociedade que unisse a forma industrial de produção com a organização comunitária da vida social.”(4) O avanço da economia capitalista provocou, com o pacto entre o capital e o trabalho, no chamado capitalismo organizado - utilizan-do de uma expressão de Claus Offe (5) - um refluxo da econo-mia solidária, que durou até a crise do emprego desencade-ada nas décadas de 1970 e que perdura até o momento. O efeito dessa crise foi a reinvenção da economia solidária em outras bases, tendo em vista o fracasso do socialismo soviético e os limites

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limites vivenciados pelos governos e partidos social-democratas na Europa e na América Latina, diante das políticas neoliberais. Tal circunstância modificou o roteiro do filme e a posição da lente da câmera, pois, naquele momento, o foco para a emancipação passou da tomada do Estado para o o fortalecimento da socie-dade civil. (6) Aproximando o quadro, percebe-se que esta reorientação ou reinvenção da economia solidária conduziu a um novo progra-ma que, conforme Singer, utiliza as brechas criadas pelas con-tradições do próprio capitalismo para “desenvolver organizações econômicas cuja lógica é oposta ao modo de produção domi-nante”. Partindo desta aproximação é possível perceber um deta-lhe, apontado por Singer: “o avanço da economia solidária não prescinde inteiramente do apoio do Estado e do fundo público, sobretudo para o resgate de comunidades miseráveis, destituídas do mínimo de recursos que permita encetar algum processo de auto-emancipação.”(7); (sem grifo no original) Ainda de acordo com Singer, a economia solidária apresenta-se ou poderá se apresentar como uma “alternativa superior ao capi-talismo”, pois suplanta a exclusão estrutural proporcionada pela economia capitalista aos sujeitos que têm a vontade de trabalhar. Em outros termos, a economia solidária rompe com o permanente exército de reserva e com as demais explorações decorrentes da re-lação capital e trabalho. Tal fato proporciona um desenvolvimento econômico, social e cultural às pessoas que a praticam, direcionan-do a uma “vida melhor”. Esta expressão está relacionada com a suposta aspiração que estimula a economia solidária, isto é, ampliando o sentido original concebido por Thomas Hobbes, o fim da luta de todos contra todos proporcionada pelacompetição capitalista.(8) Agora vou mudar o foco e fazer um plano fechado no texto contido na página virtual do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil

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(MTE), o qual está vinculada à Secretaria Nacional da Economia Soli-dária (SENAES);(9). Esse texto define a economia solidária como:um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é pre-ciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vanta-gem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem. [...] Implica na reversão da lógica capitalista ao se opor à exploração do trabalho e dos recursos naturais, considerando o ser humano na sua inte-gralidade como sujeito e finalidade da atividade econômica.(10) Aqui vamos congelar a cena! Percebemos que o Estado define o que é economia solidária. Visto isso, vamos pensar que a porção de espaço (os planos e os quadros mencionados acima) apresentado na tela é chamada de campo. A idéia de campo delimita o que está “dentro” e o que está “fora” da tela, no nosso caso, do objeto de análise. Delimitado o nosso campo de ação e analisando os planos apresentados, o aberto e o fechado, percebemos que os principais conceitos ou concep-ções sobre economia solidária, em nenhum momento, refutam ou negam a figura do Estado e a sua principal forma de manifestação, que é o Direito. Ao contrário, como expõem Jean-Louis Laville e Luiz Inácio Gaiger, no Dicionário Internacional da Outra Economia, o desenvolvimento da economia solidária conta, necessariamente, com os recursos públicos do Estado, aplicados sob o princípio da redistribuição, e com “articulações construídas com o poder públi-co, único foro em condições de legislar em favor da equidade.”(11); (12); (sem grifo no original). Interpretando o enredo, observamos que os teóricos da econo-mia solidária (economia dos não-assalariados) reconhecem as atuais instituições políticas do Estado e, consequentemente, dentro desses marcos, por meio de um processo inclusivo, desejam a ampliação da regulação e das políticas públicas em favor dos movimentos que se identificam com a economia solidária.(13)

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Delimitado o campo de ação e percebendo que as políticas pú-blicas serão executadas pelo atual modelo de Estado e que o desejado marco jurídico será determinado pelo Direito moderno, gostaria de realizar uma rápida aproximação, digamos, um zoom, em dois importantes itens do campo. O primeiro, que não é o foco da minha intervenção, está relacionado com as políticas públicas. Analisando o Atlas da Economia Solidária, elaborado pela SENAES, verificamos que as iniciativas que compõem a economia soli-dária estão inseridas na lógica de mercado ao produzirem, distri-buírem e comercializaram seus produtos e serviços para os setores primário, secundário e terciário da economia, respectivamente: agricultura, indústria e serviço. Tal fato evidencia que a elaboração de políticas públicas para os empreendimentos da economia soli-dária deveria girar no campo do desenvolvimento socioeconômico e não das políticas compensatórias ou de assistência social, que, de forma reiterada, observa-se no Brasil (14). O segundo ponto que gostaria de deixar visualizado, nesse zoom, está inserido no texto da Constituição Federal. Exigir um marco jurídico com base no Direito moderno significa, entre outras coisas, observar os princípios e as regras da Constituição. No caso específi-co do Brasil, o Título da Ordem Econômica e Financeira é expresso ao definir a economia brasileira como uma economia capitalista de mercado, ao determinar que se observe, por exemplo, os prin-cípios da propriedade privada, da livre concorrência, da defesa do consumidor e do pleno emprego. Os signos que vão compondo o cenário em que se vai atuar devem estar claros a todos os atores sociais, pois, dessa forma, evitamos que as estratégias adotadas para a atuação tenham sido construí-das em bases irreais ou falsas. Trabalhar dentro do cenário institu-cional é reconhecer que o governo, o parlamento e os tribunais (as instituições políticas) são os veículos para politização dos desejos dos atores sociais. Conforme expõe o Prof. Fabricio Tomio, a “ins-

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titucionalização de políticas públicas sobre a organização cole-tiva da produção, ou economia solidária, envolve os movimentos sociais no processo decisório tradicional do Estado liberal/social/democrático.”(15) Voltando o zoom ao ponto inicial do campo e à luz dos fundamen-tos jurídicos vigentes, é real dizer que esse conjunto de práticas produtivas e laborativas que constituem a economia solidária está organizado em grupos informais, associações, empresas de capital autogeridas ou cooperativas. Independentemente da forma jurídica que as iniciativas organizacionais assumem, o fator orientador para a sua caracterização, como expõe a Profa. Liana Carleial, em Eco-nomia Solidária e Informalidade: pontos de aproximação, proposta conceitual e “novos” desafios para a política pública, é “a gestão coletiva, a propriedade comum dos meios de produção e relações de trabalho normatizadas pelos princípios de autogestão, participa-ção, cooperação, desenvolvimento humano e igualitário” (16) Nesse sentido, vou analisar o cenário em que se encontram os em-preendimentos e “congelar cada cena” para apontar alguns limites e possibilidades, a partir do Direito posto.

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O cenário delimitado pela regulação jurídica

Início com a imagem dos grupos informais que se declaram da economia solidária e que representam 51,81% (11.326) dos empreendimentos que constam no Atlas da Economia Solidária. Congelando a cena é possível ver práticas de gestão coletivas, de socialização dos meios de produção e de trocas despidas de com-plexidades jurídicas. São grupos que iniciam, em muitas circunstân-cias, suas atividades para atender as necessidades de subsistência e, após produzir excedentes, buscam a formalização. Ao ultrapassar o espaço de comercialização comunitário, os em-preendimentos informais encontram, com o tempo, uma barreira política, econômica e social intransponível. Por não serem consi-derados pessoas jurídicas, nos limites definidos pelo Código Civil Brasileiro, encontram dificuldades de diversas ordens como, por exemplo, a impossibilidade de firmar convênios, de acessar rédi-to, de adquirir insumos e de comercializar os bens e os serviços. No exercício das atividades, outras barreiras são comuns a esses frágeis empreendimentos, sem garantia jurídica, tais como: a oferta de contratos com valores abaixo do preço de mercado, sem garantias e sujeita a intervenção dos órgãos de fiscalização do Estado etc. A pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica - IBGE, em 2003, mostra que o Brasil tinha mais de 10 milhões de empresas na informalidade(17) e que essa economia, que teve uma receita de R$ 17,6 bilhões, ocupou um quarto dos trabalha-dores não-agrícolas.(18) Contudo, apesar da expressiva cifra movi-mentada, é importante destacar que 53% das empresas informais não tinha registro contábil algum, que 88%(19) dos empreendi-

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mentos não foram constituídos juridicamente, que 94% não aces-sou linhas de crédito nos três meses anteriores ao levantamento, que a receita mensal média das empresas por conta própria era de R$ 1.164,00 e a despesa mensal média era de R$ 813,00. Avanço o filme e paro nas associações, que representam 36,49% (7.978) dos empreendimentos do referido Atlas. Analiso o cenário que apresenta, de acordo com o Código Civil, as associações como pessoas jurídicas de direito privado. No entanto, a norma que de-limita o cenário é expressa em declarar que as associações consti-tuem-se pela união voluntária de pessoas que se organizem para fins não-econômicos. Essa circunstância retira a possibilidade de esses entes jurídicos comercializarem bens e serviços. No entanto, a forma jurídica de associação continua sendo ado-tada com objetivos econômicos, em virtude, ao menos, de três fatores: a) a primeira aproximação dos trabalhadores com a economia soli-dária ocorre em espaços associativos; b) as associações têm poucas exigências jurídicas e burocráticas para sua constituição; c) alguns Estados brasileiros forneciam notas fiscais para a co-mercialização de bens e serviços por meio de associações. Obser-va-se, assim, uma tendência dos grupos, natural ou forçada pelas disposições do novo Código Civil, de buscar outras formas auto-gestionárias de organização, pois, caso contrário, com o tempo, não encontrarão espaço para a comercialização de seus bens ou serviços, ficando à margem do mercado formal, quer dizer, impedi-das de atuar no cenário delimitado pelo Direito Solto o filme, novamente, até chegar nas empresas de capital au-togestionárias. Estas representam apenas 1,38% (302) dos empre-endimentos do Atlas e, qualquer que seja a forma jurídica adotada, permitem a gestão coletiva do trabalho. Além de criar sociedades de capital autogeridas, os trabalhadores podem assumir, com base

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na legislação vigente, empresas que estejam em processo falimentar ou pré-falimentar. Cito, aproximando o zoom da câmera, o caso da empresa COOPERBOTÕES, localizada em Curitiba, em que os traba-lhadores assumiram, em 2004, durante o processo falimentar, uma das maiores empresa de fabricação de botões da América Latina. O cenário, também, apresenta limites importantes e que devem ser destacados. O principal deles pode ser compreendido e sintetizado no fato de que todas essas empresas são sociedades de capital e não de pessoas.(20) Nesse sentido, em momentos de instabilidade extrema na sociedade, o indivíduo ou o grupo de indivíduos que de-tiver maior capital subscrito terá o direito de decidir e, consequen-temente, determinará os caminhos do empreendimento. Nessas sociedades o que define o destinoé o capital aportado e não a pessoa, fato que exclui o princípio de-mocrático de uma pessoa, um voto. Posiciono o filme no último empreendimento que compõe o Atlas da Economia Solidária, ou seja, nas cooperativas. Essas sociedades, que representam 9,67% (2.115) dos empreendimentos declarados, são regidas por princípios que facilitam a construção de espaços de sociabilidade diversos dos existentes nas demais sociedades de capital; podem permitir a emancipação dos trabalhadores, ante a subordinação, e são organizações que têm, no texto legal, a garantia para o exercício da autogestão. As cooperativas são compreendidas, consoante observou Pontes de Miranda, como uma “sociedade em que a pessoa do sócio passa à frente do elemento econômico e as consequências da pessoalidade da participação são profundas, a ponto de torná-laespécie de sociedade”. (21) O regime jurídico das sociedades cooperativas brasileiras e a sua política nacional foram instituídos pela Lei n.º 5.764, de 16 de De-zembro de 1971, (22) que incorporou, formalmente, as influências do cooperativismo mundial, adotando os princípios cooperativistas

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(23) e estabelecendo que celebram contrato de sociedade coope-rativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. Nos limites conceituais do direito privado, as cooperativas encontram-se no campo das socie-dades de pessoas e não de capital, com forma e natureza jurídica sui generis, de natureza civil, não sujeitas às disposições que regem a lei de falências, tendo regramento específico quanto à dissolução e liquidação. Aqui congelo a imagem e destaco que a existência de uma regula-ção jurídica que garanta o cooperativismo com base na autoges-tão não é sinônimo de que, substancialmente, estejamos falando de uma cooperativa. Visualizem algumas grandes cooperativas rurais que tem, em muitos casos, um número expressivo de traba-lhadores laborando nas fazendas em condições análogas à escrava (colhendo a matéria-prima) e um corpo de funcionários subor-dinado trabalhando nas dependências da empresa (executando todas as atividades de industrialização dos produtos). Entendo que tais sociedades adotam a forma cooperativa apenas para diminuir valor na compra e agregar valor na venda de bens e serviços, desconsiderando, em grande medida, o desenvolvimento social e cultural dos trabalhadores e da comunidade em que está inserida. Diante desta afirmação, faço um feedback para relembrar que a norma que institui o sistema cooperativista nacional (Lei n.º 5.764/71) e os atuais projetos de leis que visam substituí-la têm seu marco conceitual definido pela política econômica do regime militar, com base nas diretrizes da Revolução Verde e da Aliança para o Progresso. (24) Compreende-se, assim, por que o mode-lo de cooperativismo que se consolidou hegemonicamente no Brasil seja o agro-exportador e empresarial, com traços puramente capitalistas.Intervir no cenário é urgente. Contudo, tal ato deve ser precedido

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de um amplo e profundo debate, pensando nos interesses dos su-jeitos que compõem a economia solidária. Um movimento errado no campo jurídico pode representar um refluxo na mobilização dos atores sociais e o fim de muitos empreendimentos.

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O olhar jurídico sobre os atores da relação de trabalho

Um bom campo para se analisar a intervenção no cenário jurídico da economia solidária é o que trata das relações de trabalho. O modelo formal clássico dentro do capitalismo é o que fixa o vínculo empregado e empregador, isto é, o que fixa a relação capital traba-lho. O primeiro (o empregado) detém a força de trabalho e o se-gundo (o empregador) os meios de produção. Na relação jurídica estabelecida entre ambos, o empregado vende a força de trabalho e utiliza os meios de produção do empregador, que paga um salá-rio pelo produto ou serviço realizado e fica com o lucro. A situação descrita expressa o processo de assalariamento e que ocorre dentro das empresas heterogestionárias. A economia solidária, que também está sob os efeitos do capita-lismo, apresenta uma forma de organização distinta. O trabalha-dor detém, em regra, a força de trabalho e os meios de produção, sendo que a relação fixada entre todos dentro do espaço produti-vo coletivo é autogestionária, ou seja, todos detêm poder de voto igual e a partilha dos valores é correspondente ao produto ou serviço prestado. Nesse sentido, inexiste as imagens do empregado e do empregador. O trabalho subordinado existente na empresa heterogestionária cede espaço para o trabalho associado que ocorre na empresa autogestionária. A delimitação dos sentidos das relações de trabalho (subordina-do e associado) é importante no momento da criação de marcos jurídicos para os empreendimentos e os trabalhadores que se declaram da economia solidária, pois a ausência de compreensão impede que se produza uma norma que atenda ao seguimento.

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Dessa forma, destaco o Projeto de Lei n.º 7.009/2006, apresentado pelo Governo Federal, que visa conceituar e regular as chamadas cooperativas de trabalho (produção e serviço).(25) O texto está escrito sob os fundamentos das legislações que normatizam as re-lações entre capital e trabalho subordinado, desconsiderando que a natureza do trabalho nos empreendimentos da economia solidária é associado. A falta de compreensão das categorias acima gera distorções jurí-dicas que prejudicam os trabalhadores dos espaços produtivos coletivos. Um dos pontos que merece profunda reflexão por par-te dos atores que atuam nos empreendimentos de economia solidária é aquele que determina que as cooperativas devam pagar o piso da categoria ou o salário mínimo aos cooperados. Faço apenas uma pergunta: todos os empreendimentos de eco-nomia solidária pagam todos os meses o valor correspondente ao salário mínimo aos seus membros? Penso que a norma proposta, sem uma política pública efetiva, que inverta bilhões em recursos públicos, impedirá a abertura de novas cooperativas populares, determinará o fechamento ou remeterá para a ilegalidade vários empreendimentos que não conseguirão adequar-se às exigências da norma. Relembro a fala do Prof. Márcio Pochmann, em 2007, em Curitiba, no I Encontro Terra e Cidadania, promovido pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geociências do Estado do Paraná - ITCG. Ele mencionou que a quantidade de recursos públicos efetivamente aplicados na reforma agrária significava, se fossem congeladas as demandas naquele ano, que sua completa implementação levaria 100 anos! Aproximando o cenário da reforma agrária e da economia solidá-ria, pergunto: qual a inversão de recursos públicos necessários para inserir na atividade econômica formal mais de 88% (19.304) dos empreendimentos que se declaram a economia solidária, segun-do os dados constantes no Atlas da Economia Solidária? Observem

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que retirei do cenário as mais de 10 milhões de empresas informais apresentadas na pesquisa do IBGE, restringindo apenas os empre-endimentos declarados solidários.A resposta necessitaria de um estudo interdisciplinar aprofun-dado para se saber o montante necessário, mas para se produzir uma nova história, a ser apresentada em um filme paradigmático, o orçamento de 2009 é insuficiente. Lendo o objetivo e asações26 do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, có-digo 1133, gerido pela SENAES, percebe-se que o orçamento anual aprovado na casa de R$ 85,5 milhões é, digamos, restrito. Destaco apenas duas ações do programa, Desenvolvimento e Disse-minação de Conhecimentos e Tecnologias Sociais Apropriadas à Economia Solidária, código 4827, e Estímulo à Institucionaliza-ção de Políticas Públicas de Economia Solidária, código 8420, para demonstrar que o orçamento anual, respectivamente, de R$401 mil e de R$ 1,5 milhões, tem uma capacidade de impacto reduzida.(27)

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Políticas públicas setoriais e possibilidades de ação

Dentro dos marcos do Estado moderno a forma de se auferir a sua capacidade de ação está no texto jurídico que define as polí-ticas públicas e, consequentemente, o orçamento destinado para a execução das atividades. A combinação entre política pública e orçamento sinaliza a potência da ação do governo para determina-do assunto. Aqui é possível congelar o nosso filme novamente e, a partir do que foi visualizado até agora, fazer a seguinte dedução: a) a economia solidária foi institucionalizada pelo governo federal; b) a institucionalização da economia solidária representou a cria-ção de políticas públicas específicas para os empreendimentos e os trabalhadores; c) a execução das políticas públicas necessita de orçamento; d) a combinação política e orçamento demonstra a força do tema; e) o orçamento público destinado às políticas públicas para a economia solidária é reduzido se for comparado com o orçamento de outros órgão do governo e se tem a pretensão de transformar o país; f ) a dedução lógica é que a economia solidária não está no centro da política do governo. A situação descrita apresenta os limites e as potencialidades de uma ação institucionalizada pelo governo, pois o Estado movi-menta-se por meio de políticas públicas e orçamento específico. Nesse sentido, os atores da economia solidária, no campo jurídico, devem organizar as suas ações a partir da descrição dos elementos que compõem o cenário acima apresentado, ou seja, consideran-

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do as políticas públicas e o orçamento destinado para a ação. Feita a ressalva, vou destacar aqui apenas a política pública e des-considerar o orçamento correspondente. No caso em análise, vou descrever as possibilidades de ação de duas políticas públicas que estão diretamente ligadas ao trabalho associado nos espa-ços produtivos coletivos: a) Política Nacional de Resíduos Sólidos; b) Política Nacional de Alimentação Escolar. A Política Nacional de Resíduos Sólidos foi instituída pela Lei n.º 12.305, de 2 de agosto de 2010, que dispõe sobre os princípios, as diretrizes, os objetivos, os instrumentos relativos à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, as responsabili-dades dos geradores e do poder público, bem como os ins-trumentos econômicos aplicáveis. Pensando nos empreendimentos identificados com a economia solidária, percebo que a norma jurídica contemplou, no âmbito da política nacional, as cooperativas e as associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis. Em outras palavras, o marco jurídico que fixou a política nacional de resíduos sólidos incluiu parte do seguimento dos empreendimentos da economia solidá-ria, isto é, criou política pública específica para os trabalhadores que atuam na reciclagem. Tal medida tem um alcance importante, principalmente, se obser-varmos que nos objetivos da política está a prioridade, nas aqui-sições e contratações governamentais, de compra de produtos reciclados e recicláveis, que é o objeto da ação realizada em muitas cooperativas e associações de catadores. Em outras palavras, os materiais transformados com o trabalho associado nos espaços produtivos coletivos têm primazia no momento das compras públicas, fato que pode impulsionar a organização e a consoli-dação dos empreendimentos. Além disso, o legislador determinou que os governos municipais,

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estaduais e federal, na utilização dos instrumentos da política nacional de resíduos sólidos, devem incentivar a criação e o desenvolvimento de cooperativas e associações para atuar no setor. A combinação da compra pública e do incentivo à criação dos empreendimentos possibilita a construção de um importante canal de fomento aos catadores da reciclagem, de forma a garantir a aquisição de equipamentos que diminuam o impacto negativo do trabalho, ampliem a renda de cada trabalhador e consolidem o empreendimento. A determinação, que possibilita a criação e a implementação de uma política pública específica, é que deve ser o foco de ação dos trabalhadores dos espaços produtivos coletivos, em especial, por que a legislação prevê instrumentos econômicos específicos para os empreendimentos. A efetivação dos instrumentos de-pende da capacidade de mobilização e pressão dos grupos, pois é uma faculdade (e não obrigação) do poder público instituir as medidas indutoras e as linhas de financiamento. Aqui é importante parar e congelar a cena do filme novamen-te, pois o instrumento econômico disponibilizado ao poder pú-blico permite a implantação de infraestrutura física e a aquisição de equipamentos para as cooperativas e as associações de catado-res de material reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas de baixa renda, isto é, permitem um salto qualitativo e quantitativo na atividade dos grupos organizados e na vida de cada trabalhador. Solto novamente o nosso filme para falar da Política Nacional de Alimentação Escolar (Lei n.º 11.947, de 16 de junho de 2009), que também pode contribuir na organização dos empreendi-mentos da economia solidária, na melhoria das condições de traba-lho e no aumento da renda dos trabalhadores.O foco central da política de governo é garantir alimento saudável e adequado no ambiente escolar, no decorrer do ano letivo, inde-pendentemente de sua origem, e garantir sua variedade em toda

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rede pública de ensino. Dessa forma, os estudantes comem diversos tipos de alimentos (arroz, feijão, salada etc.), que respeitam a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, ajudando-os no seu crescimento e no seu desenvolvimento com saúde e, consequente-mente, contribuindo no processo de aprendizagem. É importante parar o filme novamente para destacar que os alimen-tos são para toda a rede pública, que engloba as creches, as pré-es-colas e as escolas do ensino fundamental e médio. O destaque permite perceber o alcance da política pública e os cenários possíveis para os trabalhadores da economia solidária que produzem alimentos, pois do total dos recursos financeiros repassa-dos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, “no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisi-ção de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicio-nais indígenas e comunidades quilombolas.(28)” Realizando uma projeção no cenário nacional do alcance da política pública, podemos perceber que há uma possibilidade real de garan-tia de compra da produção dos trabalhadores associados. O percen-tual de, no mínimo, 30% (trinta por cento) representa um montante elevado pensando que a base de análise é a rede pública do país. Este é um ponto que merece atenção dos trabalhadores dos es-paços produtivos coletivos por dois motivos: por que há política pública e por que há orçamento garantido. Aqui é interessante concentrar a ação para a concretização dos termos contidos na política pública de alimentação escolar, pois, em muitos casos, repre-senta a aquisição de toda a produção de uma unidade familiar, ou seja, a garantia de compra de 100% (cem por cento) da produção. O nosso filme apresenta riscos que possam impedir a concretização da compra pública de alimentos? Sim, e os riscos guardam relação

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com o item ligado à forma jurídica dos empreendimentos. O arti-go 14 da Lei n.º 11.947/2009 diz que a compra de, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos produtos alimentícios pode ser dispen-sada quando: a) existe impossibilidade de emissão do documento fiscal corres-pondente; b) há impossibilidade de fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios; c) existe condições higiênico-sanitárias inadequadas. As três situações representam um limite real à compra dos ali-mentos produzidos pelos trabalhadores da economia solidária. O fato é um alerta e um direcionamento, eis que há política e há orçamento. Contudo, condições objetivas como a impossibili-dade de fornecimento regular dos gêneros alimentícios po-dem impedir a compra dos produtos. O foco das ações dos traba-lhadores, neste caso, deve considerar, também, em curto, médio e longo prazo, os elementos que garantam uma estrutura adequada financiada pelo Estado para a produção, a distribuição e comercialização dos bens.

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Considerações finais

A análise realizada procurou demonstrar que as principais refle-xões sobre a economia solidária, as suas formas jurídicas, os atores envolvidos, a regulação sobre as relações de trabalho e as políticas públicas almejadas, em nenhum momento, negam a figura das instituições políticas do Estado. Como foi possível visualizar, a economia solidária (economia dos não-assalariados) necessita da estrutura estatal existente para consolidar o seu desenvolvimento, fato comprovado com a institucionalização de políticas públicas continuadas a serem gerenciadas, principalmente, em nível na-cional, pela SENAES. Pensar na economia solidária e nas suas formas jurídicas, dentro deste marco institucional, exige que se tenha clareza dos limi-tes e das possibilidades que a normatização estatal impõe aos empreendimentos, isto é, perceber as dimensões e os signos que compõem o cenário em que vai se atuar. Se o caminho é a reforma das regulações para uma ampliação de direitos, nos limites dos marcos institucionais, penso que há um descompasso entre a reali-dade e o desejo, ao se afirmar que a economia solidária é um “jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver” e que é ou pode ser “um modo de produção superior ao capitalismo”. Utilizar o canal decisório tradicional do Estado (governo, parla-mento, tribunais) e exigir um marco jurídico que normatize as políticas públicas ou os empreendimentos da economia solidária, requer dos movimentos sociais que se identificam com a econo-mia solidária uma forte pressão política para uma ampliação signi-

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ficativa de recursos. Dessaforma, além de organizar politicamente as pessoas em tornodo tema da solidariedade, é possível a exis-tência de fundos públicos para a implementação efetiva de me-canismos que consolidem a organização coletiva da produção. A utilização de alguns conceitos técnicos do cinema permitiu visualizar o campo em que se desenvolvem as concepções da economia solidária. Tal opção, contudo, possibilita virar a câmera em 180º e perceber o olhar oriundo do contra-campo de ação, isto é, como a economia capitalista vê e se movimenta em relação à economia solidária. No entanto, deixo essa perspectiva para futuras reflexões.

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Autor: FARIA, Eduardo – Doutor em Direito (UFPR)

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Notas1 A reflexão amplia, revisa, atualiza, apresenta outros contornos e aprofunda a análise rea-lizada na comunicação: SILVA, Eduardo Faria; GEDIEL, José Antonio Peres. Formas jurídicas de empreendimentos solidários no Brasil. Brasília e Quebec: Fórum brasileiro de economia solidária e Chantier de l’économie sociale, 2008. SILVA, Eduardo Faria. Os discursos sobre a economia solidária e o cenário delimitado pela regulação jurídica. In: Simposio depen-samiento latinoamericano XII, y nuevos talleres internacionales de estudios regionales e locales (urbanos), II, 2010, Santa Clara, Cuba. Anais del Simposio de pensamiento latinoa-mericano, XII. Santa Clara, Cuba: Universidad Central “Marta Abreu” de las Villas, 20102 O conceito de economia solidária e, por conseqüência, o seu surgimento como um fator histórico que emerge no século XIX encontra forte divergência entre os economistas. Sobre o assunto, consultar: SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002; e GERMER, Claus. A `economia solidária´: uma crítica marxista. In: GEDIEL, José Antônio Peres. Estudos de Direito Cooperativo e Cidadania. Curitiba: Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, 2007.3 BERNARD, Jean-Claude. Vocabulário. Mimeo. [s/d]. p. 1.4 SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária... p. 115.5 OFFE, Claus e WIESENTHAL, Helmut. Duas lógicas da ação coletiva. In: OFFE, Claus. Pro-blemas estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.6 SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária... p. 109-113.7 SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária... p. 112.8 SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária... p. 114.9 A Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES - foi criada no âmbito do Ministé-rio do Trabalho e Emprego com a publicação da Lei n.º 10.683, de 28 de maio de 2003, e instituída pelo Decreto n.° 4.764, de 24 de junho de 2003, que foi revogado e substituído pelo Decreto n.º5.063 de 08 de maio de 2004.10 MINISTÉRIO DO TRABALHO DO TRABALHO E EMPREGO. O que é economia solidária. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/ecosolidaria_oque.asp> Acesso em: 15 de outubro de 2011.11 LAVILLE, Jean-Louis; GAIGER, Luiz. Economia Solidária. In: HESPANHA, Pedro; LAVILLE, Jean-Louis; CATTANI, Antonio David; GAIGER, Luiz Inácio. (Org.). Dicionário Internacional da Outra Economia. Coimbra: Almedina, 2009. P. 166.12 Jean-Louis Laville e Luiz Inácio Gaiger afirmam que a economia solidária desenvol-ve-se com a combinação de três recursos fundamentais: reciprocidade dos membros; redistribuição dos recursos públicos; venda dos produtos e serviços no mercado. Essa constatação é a base para os dois autores afirmarem a economia solidária está inserida no conceito de economia plural, pois mescla elementos de economia pública e privada. (LA-VILLE, Jean-Louis; GAIGER, Luiz. Economia Solidária. In: Inácio HESPANHA, Pedro; LAVILLE, Jean-Louis; CATTANI, Antonio David; GAIGER, Luiz Inácio. (Org.). Dicionário Internacional da Outra Economia...p. 166.).13 DAHL, Robert. Poliarquia. São Paulo: Edusp, 1997.14 Entendo que manter as políticas públicas direcionada à economia solidária no campo

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da assistência social é uma escolha subótima, a partir do instrumental teórico apresen-tado por George Tsebelis, no livro Jogos Ocultos. É possível que a minha condição de observador não permita que eu perceba todos os jogos que os atores estão participando. Considerando que a economia solidária está direcionada para parcelas miseráveis da população e para grupos atingidos diretamente pela crise do emprego dos anos de 1990, conforme escreveu Singer, é possível que a utilização de medidas compensatórias esteja relacionada, num primeiro momento, com a necessidade de atender às pessoas que não têm nem a capacidade de se organizar politicamente, pois resolver as necessidades bási-cas é urgente. A organização política e economicamente substancial destas pessoas dar-se-ia em um outro momento. (TSEBELIS, George. Jogos ocultos. São Paulo: Edusp, 1998.).15 TOMIO, Fabricio Ricardo de Limas. Estado, políticas públicas e organização coletiva da produção: institucionalização de políticas públicas e processo legislativo. Curitiba: mimeo., 2009.16 CARLEIAL, Liana; CARRION, Rosinha; BAL, Maria Madalena; TOSIN, Marcilene. Econo-mia Solidária e Informalidade: pontos de aproximação, proposta conceitual e “novos” desafios para a política pública. Uma versão deste artigo foi apresentada no XI Congresso da FIEALC (simpósio: El trabajo como base de la política social) realizado em setembro de 2003, no Museu Nacional de Etnologia e na Universidade de Osaka, Suita - Osaka, Japão. Foi também apresentada no I Encontro Paranaense de Estudos do Trabalho, na Universi-dade Estadual de Maringá, no Programa de Pós- Graduação em Economia, em novembro de 2003. p 5.17 O critério para definição de empreendimento informal é distinto entre o IBGE e a SENAES, no tocante à pesquisa e ao atlas. Destaco para exemplificar que o IBGE consi-dera do setor informal apenas “as unidades econômicas não-agrícolas que produzem bens e serviços com o principal objetivo de gerar emprego e rendimento para as pessoas envolvidas, sendo excluídas aquelas unidades engajadas apenas na produção de bens e serviços para autoconsumo.” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIAE ESTATÍSTICA.Economiainformalurbana2003.Disponívelem: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/ecinf/2003/notatecnica.pdf>.Acessoem:16de outubro de 2011.)18 O Brasil, em 2003, tinha 10.525.954 de pequenas empresas não-agrícolas. 10.335.962 das empresas, isto é, 98% integravam a economia informal urbana. O total de pessoas vinculadas ao setor informal era de 13.860.868. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Brasil tem mais de 10 milhões de Empresas na informalidade. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=366&id_pagina=1>. Acesso em: 16 de outubro de 2011.).19 A análise que apresento considera a constituição jurídica como elemento fun-damental para definir o formal e o informal, pois meu campo de investigação é o Direito. O IBGE, em nota técnica, ao definir economia informal urbana, destaca que “embora útil para propósitos analíticos, a ausência de registros não serve de critério para a definição do informal na medida em que o substrato da informalidade se refere ao modo de orga-nização e funcionamento da unidade econômica, e não a seu status legal ou às relações que mantém com as autoridades públicas. Havendo vários tipos de registro, esse critério não apresenta uma clara base conceitual; não se presta à comparações históricas e inter

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nacionais e pode levantar resistência junto aos informantes.” (BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Economia informal urbana 2003.).20 Há situações em que os trabalhadores assumem uma sociedade de capital e a trans-formam em sociedade de pessoas. No Estado de São Paulo, em 2007, a CONFORJA, que atuava no ramo da metalurgia, encerrou suas atividades. Os trabalhadores assumiram e criaram a UNIFORJA - Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhado-res em Metalurgia, que, atualmente, é a maior fabricante de flanges e conexões de aço forjado da América Latina.21 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 3ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. Parte especial. Tomo XLIX. Contrato de sociedade. Contrato de pessoas. p. 429.22 A Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil, entre os artigos 1.093 1.096, trata das sociedades cooperativas. No entanto, o próprio texto legal, além de não apresentar uma alteração substancial com relação ao cooperativismo, dispõe que se aplica o Código Civil às cooperativas, ressalvada a legislação especial. Quer dizer, em outras palavras, que ainda se aplica a Lei n.º 5.764/71 ao cooperativismo, salvo o que foi revogado, expressa ou tacitamente, pela Constituição Federal de 1988 como, por exemplo, a representação do sistema cooperativista pela Organização das Cooperativas Brasileira (OCB).23 Os princípios cooperativos fixados pela Aliança Cooperativa Nacional, no Congresso de Manchester, em 1995, resguardam a fonte de Rochdale, de igual forma que os encon-tros de Paris em1937 e Viena em 1966, são: os princípios do cooperativismo: a) adesão voluntária e livre; b) gestão democrática pelos membros; c) participação econômica dos membros; d) autonomia e independência; e) educação, formação e informação; f ) inter-cooperação; g) interesse pela comunidade. Verificar, igualmente, BOGARDUS, Emory S. Princípios de Cooperação. Tradução de Jacy Monteiro. Rio de Janeiro: Lidador, 1964. p. 24 e seguintes.24 Sobre asinfluênciaseconômicase políticasnaAmérica Latina e, consequentemente, no Brasil, que consubstanciaram a publicação da Lei n.º 5.764/71 e seus desdobramentos posteriores, consultar: SILVA, Eduardo Faria. A organização das cooperativas brasileiras e a negação do direito fundamental à livre associação. Curitiba: UFPR, 2006. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, 2006. 25 O Projeto de Lei n.º 7.009 foi apensado, na Câmara de Deputados, ao Projeto de Lei n.º 4.622, de autoria do deputado federal Pompeu de Mattos (PDT/RS), e, após votação, foi enviado para o Senado Federal. O Senado Federal aprovou, em revisão, nos termos do substitutivo em anexo, o Projeto de Lei da Câmara n.º 131, de 2008 (PL n.º 4.622, de 2004, nessa Casa), que “Dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONA-COOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943.”26 O objetivo do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento era “promover o for-talecimento e a divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando a geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo

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nacionais e pode levantar resistência junto aos informantes.” (BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Economia informal urbana 2003.).20 Há situações em que os trabalhadores assumem uma sociedade de capital e a trans-formam em sociedade de pessoas. No Estado de São Paulo, em 2007, a CONFORJA, que atuava no ramo da metalurgia, encerrou suas atividades. Os trabalhadores assumiram e criaram a UNIFORJA - Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhado-res em Metalurgia, que, atualmente, é a maior fabricante de flanges e conexões de aço forjado da América Latina.21 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 3ª ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. Parte especial. Tomo XLIX. Contrato de sociedade. Contrato de pessoas. p. 429.22 A Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o Código Civil, entre os artigos 1.093 1.096, trata das sociedades cooperativas. No entanto, o próprio texto legal, além de não apresentar uma alteração substancial com relação ao cooperativismo, dispõe que se aplica o Código Civil às cooperativas, ressalvada a legislação especial. Quer dizer, em outras palavras, que ainda se aplica a Lei n.º 5.764/71 ao cooperativismo, salvo o que foi revogado, expressa ou tacitamente, pela Constituição Federal de 1988 como, por exemplo, a representação do sistema cooperativista pela Organização das Cooperativas Brasileira (OCB).23 Os princípios cooperativos fixados pela Aliança Cooperativa Nacional, no Congresso de Manchester, em 1995, resguardam a fonte de Rochdale, de igual forma que os encon-tros de Paris em1937 e Viena em 1966, são: os princípios do cooperativismo: a) adesão voluntária e livre; b) gestão democrática pelos membros; c) participação econômica dos membros; d) autonomia e independência; e) educação, formação e informação; f ) inter-cooperação; g) interesse pela comunidade. Verificar, igualmente, BOGARDUS, Emory S. Princípios de Cooperação. Tradução de Jacy Monteiro. Rio de Janeiro: Lidador, 1964. p. 24 e seguintes.24 Sobre asinfluênciaseconômicase políticasnaAmérica Latina e, consequentemente, no Brasil, que consubstanciaram a publicação da Lei n.º 5.764/71 e seus desdobramentos posteriores, consultar: SILVA, Eduardo Faria. A organização das cooperativas brasileiras e a negação do direito fundamental à livre associação. Curitiba: UFPR, 2006. Dissertação (Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, 2006. 25 O Projeto de Lei n.º 7.009 foi apensado, na Câmara de Deputados, ao Projeto de Lei n.º 4.622, de autoria do deputado federal Pompeu de Mattos (PDT/RS), e, após votação, foi enviado para o Senado Federal. O Senado Federal aprovou, em revisão, nos termos do substitutivo em anexo, o Projeto de Lei da Câmara n.º 131, de 2008 (PL n.º 4.622, de 2004, nessa Casa), que “Dispõe sobre a organização e o funcionamento das Cooperativas de Trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho - PRONA-COOP; e revoga o parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943.”26 O objetivo do Programa Economia Solidária em Desenvolvimento era “promover o for-talecimento e a divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando a geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo

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e solidário.” As ações eram: a) Cadastro de Empreendimentos e Entidades de Apoio para Manutenção e Ampliação do Sistema de Informações em Economia Solidária – SIES; b) Formação de Formadores(as), Educadores(as) e Gestores Públicos para Atuação em Economia Solidária; c) Gestão e Administração do Programa; d) Fomento e Assistência Técnica a Empreendimentos Econômicos Solidários e Redes de Cooperação de Economia Solidária; e) Organização Nacional da Comercialização dos Produtos e Serviços de Empreendimentos Econômicos Solidários; f ) Desenvolvimento e Disseminação de Co-nhecimentos e Tecnologias Sociais Apropriadas à Economia Solidária; g) Fomento à Incu-badoras de Empreendimentos Econômicos Solidários; h) Fomento às Finanças Solidárias com Base em Bancos Comunitários e Fundos Solidários; i) Promoção do Desenvolvimento Local e da Economia Solidária por meio da Atuação de Agentes de Desenvolvimento Solidário; j) Implantação de Centros Públicos de Economia Solidária; k) Recuperação de Empresas por Trabalhadores Organizados em Autogestão; l) Estímulo à Institucio-nalização de Políticas Públicas de Economia Solidária.27 MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Disponível em:<http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/orcamento_09/loa09/loa_VOL_II.pdf> . Acesso em: 30 de outubro de 2011.28 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Lei n.º 11.947, de 16 de junho de 2009. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm>. Acesso em: 30 de outubro de 2011.

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Paulo Victor AncietoRafael Rodrigues NobreRosaura ClenRicardo Mariella da SilvaRicardo Evangelista NetoSergio Paulo Custódio NascimentoVictor UrzuaViviane de PaulaWania Clemente de Castro

Projeto

“Economia Solidária em Desenvolvimento no Estado do Rio de Janeiro”

Coordenação GeralGonçalo Guimarães

Coordenação ExecutivaRojane Fiedler

OrganizaçãoMaria das Graças da Silva

Revisão dos textosMônica Barbosa Cardoso(Letras – Português/Inglês – Faculdades Nilza Thomas de Oliveira Integradas Simonsen)

Projeto GráficoFernanda Pio da Silva Lopes Cordovil

AutoresAndré de Oliveira Daniel Nogueira Edilma Matos de Oliveira Eduardo Faria da Silva Gonçalo Guimarães Maria das Graças da Silva Mauiricio Sardá de Faria Marcelo da Silva CorrêaNilza Thomas de Oliveira

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Parceria

Secretaria Nacional de Economia Solidária

Ministério do Trabalho e Emprego

Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares

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Praça Jorge Machado Moreira, 100

Ilha da Cidade universitária, Rio de Janeiro, RJ

CEP.: 21941-971 - Caixa Postal 68012

55 21 2598-9240 - 55 21 [email protected]

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