zolin, lúcia osana. os estudes de gênero e a literatura de autoria feminina no brasil

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  • 7/25/2019 ZOLIN, Lcia Osana. Os Estudes de Gnero e a Literatura de Autoria Feminina No Brasil

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    OS ESTUDOS DE GNERO E A LITERATURA DE AUTORIA FEMININA NO

    BRASIL

    Lcia Osana Zolin - Universidade Estadual de Maring (UEM)

    As discusses que envolvem o tema muler e literatura! t"m conseguido

    ocu#ar um es#a$o %astante relevante no meio acad"mico nas ltimas d&cadas' muitas

    so as o%ras #u%licadas so%re o assunto no a#enas nos #a*ses considerados %er$os dos

    estudos +eministas como ,ran$a nglaterra e Estados Unidos mas tam%&m no .rasil/

    muitos so os seminrios que renem anualmente es#ecialistas e sim#ati0antes dessa

    lina de #esquisa/ e cada ve0 & maior o nmero de teses disserta$es artigos e

    monogra+ias que se dedicam ao tema1

    O conte2to em que come$am a emergir os estudos +eministas & marcado #elo

    crescente interesse que a #artir da d&cada de 3456 se o%serva em rela$o 7 questo da

    alteridade! ou se8a da e2terioridade! em rela$o ao que & considerado o centro!

    tanto no 9m%ito social quanto no acad"mico' no que se re+ere ao social os movimentos

    anticoloniais &tnicos raciais de muleres de omosse2uais e ecol:gicos se encarregam

    de em#reender os de%ates/ no 9m%ito acad"mico +il:so+os +ranceses como ,oucault e

    ;errida intensi+icam a discusso so%re a crise e o descentramento da no$o de su8eito

    ()1 ?rata-se na verdade da su#era$o das id&ias estruturalistas

    marcadas +undamentalmente #elas #retenses cient*+icas e #ela no$o de que e2istem

    estruturas que e2#licam a condi$o umana (inclusive no que tange o que seria a

    ess"ncia de cada um dos se2os) em +avor do #ensamento #:s-estruturalista

    +undamentado na descon+ian$a em rela$o aos discursos totali0antes e voltado #ara o

    interesse em indu0ir os de%ates so%re as id&ias de marginalidade de alteridade e de

    di+eren$a1

    @ nesse conte2to ento que a muler tomada como o outro! em rela$o aoomem - sua cultura seus #ressu#ostos est&ticos e ideol:gicos que & considerado o

    mesmo! ou o centro! #assa a atrair #ara si olares interessados em desnudar-le os

    mecanismos que le constituem o modo de ser de estar na sociedade e de se +a0er

    re#resentar se8a na s&rie social com o movimento +eminista se8a na literria um #ouco

    mais tarde com a cr*tica +eminista1

    ;esde a sua origem em 3456 com a #u%lica$o nos Estados Unidos da tese

    de doutorado de Bate Millet intitulada Col*tica se2ual esta vertente da cr*tica literriatem assumido o #a#el de questionadora da #rtica acad"mica #atriarcal1 A constata$o

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    de que a e2#eri"ncia da muler como leitora e escritora & di+erente da masculina

    im#licou signi+icativas mudan$as no cam#o intelectual marcadas #ela que%ra de

    #aradigmas e #ela desco%erta de novos ori0ontes de e2#ectativas1

    =as ltimas d&cadas muitas +ac$es cr*ticas a e2em#lo do que +a0 a Dr*tica

    ,eminista de+endem a necessidade de se considerar o o%8eto de estudo em rela$o ao

    conte2to em que tal o%8eto est inserido1

    =o que se re+ere ao nosso tema o +eminismo entendido como movimento

    social e #ol*tico #s a nu as circunst9ncias s:cio-ist:ricas que envolvem a muler as

    quais +oram tomadas #ela Dr*tica Literria ,eminista como elementos determinantes em

    rela$o ao seu modo de re#resenta$o na #rodu$o literria1 ;o mesmo modo +e0

    #erce%er que o estere:ti#o +eminino negativo largamente di+undido na literatura e no

    cinema constitui-se num considervel o%stculo na luta #elos direitos da muler1

    Estudos acerca de te2tos literrios cannicos em#reendidos #elo +eminismo

    cr*tico mostram inquestionveis corres#ond"ncias entre se2o e #oder' as rela$es de

    #oder entre casais na +ic$o es#elam as rela$es de #oder entre omem e muler na

    sociedade em geral/ a es+era #rivada aca%a sendo uma e2tenso da es+era #%lica1

    Am%as so constru*das so%re os alicerces da #ol*tica %aseados nas rela$es de #oder1

    Fe as rela$es entre os se2os se desenvolvem segundo uma orienta$o #ol*tica

    e de #oder tam%&m a Dr*tica Literria ,eminista & #ro+undamente #ol*tica na medida

    em que tra%ala no sentido de inter+erir na ordem social1 ?rata-se de um modo de ler a

    literatura con+essadamente em#enado voltado #ara a desconstru$o do carter

    discriminat:rio das ideologias de g"nero constru*das ao longo do tem#o #ela cultura1

    Ler #ortanto um te2to literrio tomando como instrumentos os conceitos o#erat:rios

    +ornecidos #ela Dr*tica ,eminista (+emininoG+eminista/ muler-su8eitoGo%8eto g"nero

    logocentrismo +alocentrismo #atriarcalismo desconstru$o alteridade etc1) im#lica

    investigar o modo #elo qual tal te2to est marcado #or tais ideologias num #rocesso dedesnudamento que visa des#ertar o senso-cr*tico e #romover mudan$as de mentalidades

    ou #or outro lado divulgar #osturas cr*ticas #or #arte dos(as) escritores(as) em rela$o

    7s conven$es sociais que istoricamente t"m a#risionado a muler e tolido seus

    movimentos1

    =esse sentido o o%8etivo dos de%ates em#reendidos #ela Dr*tica ,eminista

    acerca do es#a$o relegado 7 muler na sociedade %em como das conseqH"ncias ou dos

    re+le2os da* advindos #ara o 9m%ito literrio se os contem#larmos de modo am#lo & atrans+orma$o da condi$o de su%8ugada da muler1 ?rata-se de tentar rom#er com os

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    discursos sacrali0ados #ela tradi$o nos quais a muler ocu#a 7 sua revelia um lugar

    secundrio em rela$o ao lugar ocu#ado #elo omem marcado #ela marginalidade #ela

    su%misso e #ela resigna$o1 ?ais discursos no s: inter+erem no cotidiano +eminino

    mas tam%&m aca%am #or +undamentar os c9nones cr*ticos e te:ricos tradicionais e

    masculinos que regem o sa%er so%re a literatura1 Assim a cr*tica +eminista tra%ala no

    sentido de desconstruir a o#osi$o omemGmuler e as demais o#osi$es associadas a

    esta numa es#&cie de verso do #:s-estruturalismo1

    Fe em seu #rimeiro momento a Dr*tica ,eminista esteve voltada #ara a

    necessidade desmascarar a misoginia da #rtica literria cannica caso de te2tos

    cr*ticos +undadores dos anos 3456 como o de Bate Millet a #artir da d&cada de 34I6

    esta tend"ncia cr*tica se e2#andiu segundo outros direcionamentos' ao inv&s de se

    ocu#ar dos te2tos masculinos #assou a investigar a literatura +eita #or muleres

    en+ati0ando quatro en+oques #rinci#ais' o %iol:gico o lingH*stico o #sicanal*tico e o

    #ol*tico-cultural1

    ?ais en+oques emergem da "n+ase dada a certos as#ectos em detrimento de

    outros1 Mas todos so constitu*dos a #artir da id&ia %sica do #ensamento +eminista'

    desnudar os +undamentos culturais das constru$es de g"nero (o#ondo-se 7s

    #ers#ectivas essencialistas e ontol:gicas dos estudos que a%ordam a questo da muler)

    e #romover a derrocada das %ases da domina$o de um g"nero so%re outro1

    ;ois #:los conceituais so #erce%idos o8e quando se +ala em Dr*tica

    ,eminista' a cr*tica +eminista +rancesa e a anglo-americana1 A +rancesa se ocu#a de

    investigar as liga$es entre se2ualidade e te2tualidade %em como de e2aminar o cam#o

    de articula$es do dese8o com a linguagem visando de+inir os contornos de uma

    #oss*vel escritura +eminina! numa orienta$o claramente #sicanal*tica1

    A anglo-americana da qual deriva aquela #raticada no .rasil ocu#a-se de

    uma gama %astante variada de questes1 As mais de%atidas re+erem-se a' 3) no$es deg"nero classe e ra$a discutidas em con+ronto com a no$o de essencialidade da muler/

    J) no$o de e2#eri"ncia que en+oca as #rticas culturais da muler relacionadas com

    sua #rodu$o literria a +im de recu#erar uma identidade +eminina! e re8eitar a

    re#eti$o dos #ressu#ostos da cr*tica literria tradicional/ K) no$es de re#resenta$o

    literria de autoria e de leitorGleitora/ >) no$o do c9none literrio e cr*tico discutindo a

    legitimidade do que & ou no considerado literrio e denunciando a ideologia #atriarcal

    que o #ermeia e determina sua constitui$o/ ) discute #or +im a #ro%lemati0a$o do

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    #ro8eto cr*tico +eminista no que tange 7s #ossi%ilidades de interven$es nas rela$es

    sociais (UENOZ 344)1

    Uma das grandes conquistas em#reendidas #ela Dr*tica ,eminista desde a sua

    origem em 3456 +oi a de +a0er emergir uma tradi$o literria +eminina at& ento

    ignorada #ela

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    As isoladas a#ari$es de muleres escritoras nos anos K6 e >6 na lista de

    escritores consagrados do lugar nos anos 56 e I6 a uma e2#loso de #u%lica$es'

    Naquel de ueiro0 e Dec*lia Meireles ao serem reconecidas nacionalmente a%rem as

    #ortas das editoras a outras escritoras mas & Dlarice Lis#ector quem a%re uma tradi$o

    #ara a literatura da muler no .rasil gerando um sistema de in+lu"ncias que se +ar

    reconecido na gera$o seguinte! (Piana 344 #1 35J)1

    nserida nesse conte2to de mudan$as a literatura %rasileira agrega a si

    outras! vo0es1 =a trila de Dlarice Lis#ector surgem as o8e imortais da Academia

    .rasileira de Letras L*gia ,agundes ?elles e =&lida CiRon seguidas de muitas outras

    escritoras reconecidas como LSa Lu+t Ad&lia Crado

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    travadas com a sociedade maior em que se inserem1 O o%8etivo de Foalter nesse

    sentido & o de investigar as maneiras #elas quais a autoconsci"ncia da muler se

    tradu0iu na literatura #or ela #rodu0ida num tem#o e es#a$o determinados e como ela se

    desenvolveu1

    =o entender da ensa*sta todas as su%culturas literrias como a negra a 8udia

    a canadense a anglo-indiana a americana etc #ercorrem tr"s grandes +ases' a de

    imita$o e de internali0a$o dos #adres dominantes/ a +ase de #rotesto contra tais

    #adres e valores/ e a +ase de autodesco%erta marcada #ela %usca da identidade #r:#ria1

    Ada#tando estas +ases 7s es#eci+icidades da literatura de autoria +eminina tem-se a +ase

    +eminina a +eminista e a +"mea (ou muler) res#ectivamente1

    .aseada neste estudo de Foalter a #esquisadora carioca El:dia Wavier

    (J66J) identi+ica as marcas da tra8et:ria da narrativa de autoria +eminina na literatura

    %rasileira' a +ase +eminina teria se iniciado com a #u%lica$o de Xrsula (3I4) de Maria

    ,irmina dos Neis um dos #rimeiros romances %rasileiros escritos #or muleres e se

    estendido at& 34>> quando Dlarice Lis#ector inaugura sua #rodu$o literria com a

    #u%lica$o de Certo do cora$o selvagem1 ;e modo geral a o%ra clariceana se estrutura

    em torno das rela$es de g"nero que tra0em 7 tona as di+eren$as sociais cristali0adas

    entre os se2os as quais cerceiam quaisquer #ossi%ilidades de a muler atingir sua

    #lenitude e2istencial1 ?rata-se #ortanto de a escritora iniciar a +ase +eminista na

    tra8et:ria da literatura %rasileira de autoria +eminina marcada #elo #rotesto e #ela

    ru#tura em rela$o aos modelos e valores dominantes1 ,ase esta que uma ve0

    inaugurada contou com muitas outras re#resentantes e se estendeu at& os anos 46

    quando come$am a surgir romances escritos #or muleres que se caracteri0am #or no

    mais +a0er das rela$es de g"nero o dado determinante dos dramas narrados

    inaugurando a +ase +"mea em que se #ode vislum%rar a re#resenta$o de novas

    identidades +emininas livres do #eso da tradi$o #atriarcal1;e qualquer modo se8a re#resentando a muler como seres o#rimidos atados

    7s amarras de ideologias como a #atriarcal que su%8ugam o se2o +eminino se8a a

    re#resentando como +iguras enga8adas no #rocesso de trans+orma$o social

    reivindicando o direito de #reserva$o da identidade se8a en+im re#resentando

    muleres li%eradas ca#a0es de decidir o rumo que dese8am im#rimir 7 #r:#ria ist:ria

    o +ato & que a tradi$o da literatura de autoria +eminina est consolidada no .rasil1

    Tra$as aos estudos de g"nero de modo es#ecial 7 critica literria +eminista os#osicionamentos cr*ticos tradicionais que costumavam rotular os te2tos de autoria

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    +eminina como sendo coisas de muler! +utilidades! amenidades! ou coisa assim

    #erderam credi%ilidade1 A muler escritora tem +inalmente seu tra%alo reconecido no

    meio acad"mico o8e consciente de que o valor est&tico da literatura cannica no

    reside a#enas no #r:#rio te2to mas em +atores marcados #or #reconceitos de cor de

    ra$a de classe social e de se2o constru*dos em conson9ncia com os valores da

    ideologia #atriarcal1

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS