zero ano xxxii - 4ª ed. - julho de 2013

16
CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, JULHO DE 2013 - ANO XXXII, NÚMERO 4 BRASIL NAS RUAS Em protestos, manifestantes defendem dezenas de causas. Estudiosos e ativistas refletem sobre o significado histórico da mobilização PÁGINAS 8, 9, 10 E 11 ZERO ENTREVISTA Músico Luiz Meira relembra trajetória e avalia crise atual da produção brasileira PÁGINAS 4/5 ARTE NAS ESQUINAS As histórias de quatro jovens que trabalham nas sinaleiras da Capital PÁGINAS 14/15 PÁGINA 7 Combate à droga precisa de mais verbas e estrutura pública para atender dependentes CRACK EM FLORIANÓPOLIS

Upload: zero-jornal-laboratorio

Post on 09-Mar-2016

276 views

Category:

Documents


39 download

DESCRIPTION

Zero Jornal Laboratório

TRANSCRIPT

Page 1: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

CURSO DE JORNALISMO DA UFSC - FLORIANÓPOLIS, JULHO DE 2013 - ANO XXXII, NÚMERO 4

BRASIL NAS RUASEm protestos, manifestantesdefendem dezenas de causas. Estudiosos e ativistas refl etem sobre o signifi cado histórico da mobilização

PÁGINAS 8, 9, 10 E 11

ZERO ENTREVISTA

Músico Luiz Meira relembra trajetória e avalia crise atual da produção brasileira

PÁGINAS 4/5

ARTE NAS ESQUINAS

As histórias de quatro jovens que trabalham nas sinaleiras da CapitalPÁGINAS 14/15 PÁGINA 7

Combate à droga precisa demais verbas e estrutura públicapara atender dependentes

CRACK EM FLORIANÓPOLIS

Page 2: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Melhor Peça Grá� ca Set Universitário / PUC-RS 1988, 1989, 1990, 1991, 1992 e 1998

Melhor Jornal Laboratório - I Prêmio FocaSindicato dos Jornalistas de SC 2000

Ecos das manifestações na história

JORNAL LABORATÓRIO ZERO Ano XXXII - Nº 4 - Julho de 2013 REPORTAGEM Aline Ribeiro, Ana Paula Mendes, Brenda Thomé, Bruno Batiston, Camila Hammes, Camila Peixer, Carolina Lisboa, Derlis Cristaldo, Emanuelle Nunes, Francisca Nery, Galeno Lima, José Hüntemann, Julia Ayres, Julia Lindner, Laís Souza, Lucas Miranda, Marcela Borges, Mariana Moreira, Nadine Lopes, Nayara Batschke, Pâmela Carbonari, Paula Salvador, Rafael Gomes, Thayse Stein EDIÇÃO Alexandre Brandão, Ana Paula Mendes, Bianca Amorim, Carolina Lisboa, João Schmitz, Julia Ayres, Marília Marasciulo, Merlim Malacoski, Stefany Alves EDITORAÇÃO Alexandre Brandão, Fernanda Pessoa, Ingrid Fagundez, José Hüntemann, Laís Souza, Lucio Baggio, Luisa Pinheiro, Merlim Malacoski FOTOGRAFIA Alenxadre Brandão, Brenda Thomé, Camila Hammes, Camila Peixer, Derlis Cristaldo, Francisca Nery, Julia Lindner, Laís Souza, Marcela Borges, Mariana Moreira, Thayse Stein CAPA Laís Souza INFOGRAFIA Lucio Baggio APOIO Elaine Manini, Luiza Martin, Samira Moratti (NAPG/PosJor) PROFESSORES-RESPONSÁVEIS Ângelo Ribeiro 6504/27/26vRS e Samuel Lima MTb/SC 00383 MESTRANDO EM ESTÁGIO DOCÊNCIA Lucio Baggio MONITORIA Ingrid Fagundez, Luisa Pinheiro IMPRESSÃO Diário Catarinense TIRAGEM 5 mil exemplares DISTRIBUIÇÃO Nacional FECHAMENTO 4 de julho

3º melhor Jornal-Laboratório do BrasilEXPOCOM 1994

Boas práticas jornalísticas

Escrever é um ofi cio que, como qualquer outro, exige o domínio de certas técnicas elementares. Para início de conversa, é neces-sário cultivar um convívio civilizado com o idioma pátrio, com o padrão culto e correto da linguagem. É aqui onde começa a

desgraça, como registrei em recente artigo com o título de Inculta e Bela, “inspirado” no famoso poema de Olavo Bilac (1865-1918): “Última fl or do Lácio, inculta e bela,/És, a um tempo, esplendor e sepultura:/ouro na-tivo, que na ganga impura...”.

Em primeiro lugar, quero deixar claro que considero de boa qualidade o texto do nosso Zero, tanto no que respeita à correção gramatical quanto à “engenharia” frasal, principalmente se levarmos em conta ser este um jornal-escola. Entretanto, creio ser útil transcrever, neste espaço, alguns tre-chos do artigo para sublinhar a atenção que os futuros jornalistas devem dar a certas práticas. O desamor ao idioma pátrio brota na escola funda-mental, prossegue no ensino médio e, não raro, passa impune pelo exame vestibular e estratifi ca-se na universidade. A falência do texto tonifi ca-se, também, graças a manifesta alergia à leitura neste país, que lê pouco e lê mal. E quem assim faz só consegue ter um universo vocabular paupérrimo. Em As Razões do Iluminismo (Companhia das Letras, 1987), Sérgio Paulo Rouanet lembra que antes de 1964 – ano inaugural do regime militar no Brasil –, tínhamos grandes massas iletradas e uma oligarquia pelo menos superfi cialmente culta. “Desde então, reinou a democracia do analfabetis-mo universal”. Há bolsões de resistência, mas o panorama geral é desolador.

Escrever é uma técnica que pode ser assimilada com estudo, paciência, observação e dedicação. Aprende-se a escrever, escrevendo. E lendo, lendo muito e bem. Se houver talento, dom inato, melhor ainda. Quem escreve precisa dominar o vernáculo e a gramática. Quem não tem este domínio, não escreve, só “escrevinha”. Gramáticas, dicionários e muita leitura quali-fi cada são excelentes remédios para curar as mazelas deixadas pela escola.

Durante mais de 15 anos, lecionei Redação Jornalística e Edição em cursos de Jornalismo, e tenho certeza a este respeito. Dos jornalistas, que escrevem para ganhar o pão de cada dia, além da correção, exige-se obje-tividade e clareza na comunicação. Uma linguagem despojada, direta, en-xuta, fl uente. Uma construção frasal sólida para que “a casa não desabe ao primeiro vento mais forte”.

Deles espera-se, igualmente, um nível mínimo de ilustração. Lago Bur-nett (1929-1995), em A Língua Envergonhada (Editora Nova Fronteira, 1991), defi niu ilustração como “uma soma de conhecimentos gerais e atua-lizados, sem especialização nem profundidade, de todo o complexo cultural da civilização, que nos cumpre, no mínimo, defender”. Em relação a isso, nossas redações já viveram tempos bem melhores... Para dizer o mínimo.

Nossa imprensa tem incorporado novas tecnologias com rapidez. Nesta seara, abrem-se perspectivas fascinantes. Mas computadores e outras má-quinas, hoje corriqueiras em qualquer redação, não criam, não pensam, não escrevem. O problema básico é a formação de quem está atrás da para-fernália eletrônica. Na média, os novos jornalistas não escrevem bem, e não preenchem os requisitos mínimos de formação, informação e ilustração. Que os futuros profi ssionais não incidam no mesmo erro.

PS: Na última edição do Zero, um destaque especial para a matéria sobre as benzedeiras

Esta última edição do jornal la-boratório foi pautada na ma-nhã de dia 17 de junho, horas antes das megamanifestações

que tomaram conta das ruas, Brasil afora. Foi o momento da virada, baliza-da por um sentimento claro de solida-riedade aos jovens paulistas que foram duramente reprimidos pela PM daquele estado, dias antes.

O movimento, a partir daí, ganhou novo fôlego e viria a desembocar em protestos ainda mais robustos, em 20 de junho, duas semanas após o início da luta de 150 militantes do Movimento Passe Livre (MPL), à frente da prefeitura de S. Paulo (em 06 de junho). Atento a esses acontecimentos, o Zero mobilizou uma equipe de cinco repórteres para contar a história dos maiores atos pú-blicos em Florianópolis (18 e 20 de ju-nho). Nas Centrais, páginas 10 e 11, você tem imagens e textos que registram esse momento. O Instituto Ibope pesquisou o perfi l desse público e revelou dados fun-damentais (2 mil entrevistas realizadas dia 20/06, em oito capitais): 78% foram mobilizados via Facebook; 6% foram gritar contra a PEC 37, 5% contra os gastos da Copa e 5% por melhorias na educação; 46% nunca tinham protesta-do em público; 43% tinham ensino su-perior completo; 49%, renda de mais de 5 salários mínimos.

A mobilização, construída via redes sociais a partir da questão do transporte público (gratuidade e qualidade do ser-viço), deu espaço a vozes difusas que se somaram ao coro inicial, num cenário marcado pela falta de organização e propósitos comuns. Por isso, é impor-tante destacar a entrevista com Marcelo Pomar. O líder do MPL nos protestos de 2004 e de 2005 revela ao leitor que não acompanhou a origem do movimento uma interessante análise do momento. E indaga: Por que, desta vez, os manifes-tos pelo passe livre ganharam mais sim-patizantes e estimularam outras causas a tomar as ruas?

A partir de julho se vem observando um fi m de ciclo. Os atores políticos tradi-cionais foram arremessados para fora de suas “zonas de conforto”. Quem conse-guir interpretar e trabalhar, corretamen-te, o sentimento emanado das ruas pode ter chance de diálogo, na perspectiva de ser protagonista do aperfeiçoamento da democracia. A presidente Dilma Rous-seff faz pronunciamento ofi cial, reúne todos os governadores e prefeitos de ca-pitais (um acontecimento político raro) e o Congresso Nacional passa a discutir questões suscitadas pelas manifestações.

Mas, como a vida não se resume aos protestos, o Zero foi ouvir também um músico catarinense, o grande Luiz Mei-ra. Ele já acompanhou grandes nomes

da MPB, como Elza Soares, Humberto Gessinger e Gal Costa – com quem atu-almente tem trabalhado e, recentemen-te, fez um grande show em Belo Hori-zonte. A saborosa entrevista está nas páginas 4 e 5.

Seguindo seu compromisso histó-rico com a investigação de temas so-ciais, a reportagem do Zero recolheu as histórias de vida de moradores de rua viciados em crack (página 7). Com olhar apurado, nossas repórteres foram conhecer mais de perto como vivem os artistas de rua, essas fi guras anônimas que fazem pequenas performances nos semáforos para ganhar a vida (pági-nas 14 e 15).

Os números de abril, maio e junho foram impressos em papel, usando ver-ba suplementar, com o apoio decisivo da direção do curso (profes. Aureo e Loca-telli) e direção do CCE/UFSC. Operamos, neste semestre, sem recursos por falta de licitação dos serviços gráfi cos, solicita-dos em 31 de outubro de 2012 à reitoria – e cujo leilão só foi realizado, inexplica-velmente, em 25 de junho. O Zero está pronto desde o dia 4 de julho, esperando autorização ou a assinatura do contrato. A cinco dias do fi nal do semestre e sem nenhuma decisão da reitoria, optamos pela publicação apenas em formato di-gital, em nome da racionalidade no uso de recursos públicos. Boa leitura!

OMBUDSMANMÁRIO PEREIRA

OPINIÃOONDE O LEITOR TEM VOZ

Muita boa a matéria de capa!

Juliana Gomes, jornalista - Rio de Janeiro/RJ

Olá, em primeiro lugar queria parabenizar pelo Jornal Zero, muito conteúdo informativo de primeira, só reportagens instrutivas, educativas, uma pena que um jornal dessa qualidade não seja o Jornal Ofi cial de Florianópolis e ainda temos que fi car lendo coisas da midia comprada.

Adriano Massa, Florianópolis

*O jornalista Mário Pereira é editor de Opinião do Diário Catarinense e foi eleito em 2008 para a cadeira nº8 da Academia Catarinense de Letras.

2 | EDITORIAL

Julho de 2013

PARTICIPE! Envie críticas, sugestões e comentários

E-mail - [email protected] - (48) 3721-4833

Facebook - facebook.com/jornalzero Twitter - @zeroufsc

Cartas - Departamento de Jornalismo - Centro de Comunicação

e Expressão - UFSC - Trindade Florianópolis (SC)CEP: 88040-900

O Zeroooo, querido! Que saudades...

Renata Rosa, jornalista - Florianópolis

Capa gelada e burocrática [da edição de junho]. Mês passado tava melhor.

Marques Casara, jornalista - São Paulo/SP

Page 3: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Africanos enfrentam desafi os na UFSC Sonho de estudar no Brasil esbarra em di� culdades incluindo gastos com aluguel e integração

Os estudantes oriundos de países africanos, acolhidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),

enfrentam difi culdades para acompa-nhar o nível das aulas e sobreviver em Florianópolis. A UFSC abriga hoje 59 alunos africanos através do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) do Ministério da Educação (MEC). Os problemas e desafi os pas-sam por questões como custo de vida elevado, a falta de moradia e difi culda-des de adaptação aos padrões de ensino da universidade.

O estudante de Guiné-Bissau Frist-tran Helder Fernandes, do curso de Ciências da Computação, conta que a primeira difi culdade que passou foi a integração na sala de aula. “Não conseguia entender muitas coisas, pois o meu nível era muito baixo em relação aos brasileiros que estudaram muito para o vestibular. Além disso, o professor ensinava como se eu do-minasse o assunto”. Fernandes conta que evitava fazer perguntas, pois era sempre questionado por professores e alunos se não havia estudado o as-sunto em questão no ensino médio – o que era acompanhado pelas risadas dos colegas. “Hoje acredito estar no mesmo nível da turma, mas só conse-gui isso depois de um ano.”

A segunda difi culdade está relacio-nada à falta de recursos fi nanceiros. Os estudantes africanos com vulne-rabilidade socioeconômica recebem uma bolsa de R$ 622 do Governo Federal, que, no caso de Fernandes, é destinada aos seus gastos com mo-radia. “Passo 30 dias sem ter nada no bolso, coisa que é ruim para um es-

tudante, pois sem dinheiro aumenta a preocupação e vem o stress, que toma conta do nosso precioso tempo de es-tudo”, desabafa. Além disso, como os alunos do PEC-G devem dedicar-se exclusivamente aos estudos, eles não podem trabalhar formalmente para complementar a renda.

A estudante de Cabo-Verde Yara Jassica Almada de Pina, do curso de Administração, explica que o mais di-

fícil é a rotina de provas, trabalhos e seminários da universidade, mais in-tensa do que a que estava acostumada em seu país. Ela garante que só não passa difi culdades fi nanceiras devido à ajuda que recebe dos pais, e, ainda assim, precisa fazer economia e deixar os supérfl uos de lado.

De acordo com a coordenadora dos alunos do PEC-G na UFSC Zul-mira Silva, a maioria dos estudantes africanos intercambistas chegam à universidade por meio do programa. Ela admite a difi culdade que grande parte deles apresenta em acompa-nhar o curso, principalmente no iní-cio. Para Silva, isso acontece devido às defi ciências na base acadêmica do ensino médio em seus países de ori-gem. Somada às diferenças culturais, há ainda as difi culdades com o idio-

Nadine [email protected]

“Meu nível era baixo em relação aos brasileiros que estudaram para o vestibular” Fristtran Fernandes, estudante

Intercâmbio

Julho de 2013

Fristtran Helder Fernandes ouvia risadas de alunos durante primeiro ano

Bren

da T

hom

é/Ze

roPara o estudante Fristtran Helder

Fernandes do curso de Ciências da Computação, uma das soluções para os problemas fi nanceiros enfrenta-dos pelos estudantes do Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) seria a inclusão da Moradia Estudantil como um dos benefícios oferecidos a esses alunos. A coordena-dora do programa na UFSC, Zulmira Silva, diz que, devido à falta de vagas, isso não é possível.

Ela explica que a UFSC disponibi-liza apenas 153 vagas na moradia, e que são destinadas a estudantes bra-sileiros com vulnerabilidade socioe-conômica. Silva salienta que os pais dos alunos estrangeiros que estudam aqui através do PEC-G assinaram um documento na Embaixada do Brasil no país de origem, declarando a ma-

nutenção do estudante no Brasil, uma exigência do programa. “Seria muito importante que a UFSC pudesse dispo-nibilizar vagas na moradia, mas, la-mentavelmente, até o momento, isso não foi possível.”

Apesar de não concorrerem às va-gas da Moradia Estudantil, Silva lem-bra que esses estudantes têm direito a duas bolsas, a Auxílio Promisaes e a Bolsa Mérito. A primeira é concedida pelo MEC a todos os alunos do PEC--G. Já a bolsa Mérito é oferecida pelo Ministério das Relações Exteriores aos que obtêm notas excelentes. As inscrições nos programas de auxílio aos estudantes estrangeiros devem ser feitas na Sinter.

PEC-G não prevê direito à moradia

Intercambistas na UFSC

Fonte: Sinter/UFSC

Principais cursos do PEC-G

Dos 229 intercambistas, 89 são do PEC-G e estão matriculados em 36 dos 56 cursos oferecidos pela UFSC em Florianópolis. Os principais são:

Administração 7 alunos

Medicina 7 alunos

Arquitetura e Urbanismo 5 alunos

Engenharia Civil 5 alunos

Ciências Contábeis 4 alunos

Direito 4 alunos

Engenharia Mecânica 4 alunos

Engenharia Química 4 alunos

Farmácia 4 alunos

7

7

14

9

10

25

1921

2121

38

Neste semestre são 229 alunos estrangeiros em intercâmbio na UFSC. Veja de onde vem a maioria deles. Alemanha

Espanha

Colômbia

Estados UnidosFrança

Portugal

Cabo Verde

Guiné-Bissau

Paraguai

Inglaterra

Itália

11

ma. Apesar de muitos serem naturais de países de língua portuguesa, eles têm seus dialetos usados no cotidia-no, o que implica na compreensão do português falado no Brasil.

De acordo com a coordenadora, percebe-se que, aos poucos, os estu-dantes vão se adaptando à comunida-de universitária e, consequentemente, melhoram o rendimento acadêmico. Silva ainda lembra que o PEC-G não permite o acúmulo de reprovações, o que incentiva os alunos a se dedicarem aos estudos e, assim, permanecerem na universidade.

Os intercambistas são incentivados pela Secretaria de Relações Internacio-nais da UFSC (Sinter) a procurar apoio pedagógico junto aos colegas, aos mo-nitores, aos professores e à coordena-ção do curso. “Às vezes as difi culdades acadêmicas persistem e os estudantes se sentem pressionados com as regras do PEC-G. Uma delas é porque não po-dem reprovar’’, explica Silva.

O programa foi desenvolvido pe-los Ministérios de Relações Exterio-res e da Educação, e tem apoio de universidades públicas (estaduais e federais) e particulares. O objetivo é oferecer formação superior a alu-nos de países em desenvolvimento de todo o mundo. Na UFSC, além de es-tudantes de nove países africanos, o PEC-G trouxe para a universidade 28 estudantes do Paraguai, Haiti, Guate-mala, Peru, Equador, Bolívia e Costa Rica, além de dois estudantes do Timor Leste, totalizando 89 intercambistas. Para participar, além de comprovar condições de se manter no Brasil, os alunos passam por exames de profi ci-ência em português.

REPÚBLICA | 3

Page 4: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

criou os mecanismos, mas para nós da MPB não está ajudando em nada.

Você acredita que a música tem o poder de melhorar e transformar a sociedade?Acredito que a música é indiscutivel-mente o veículo mais poderoso de transformação e comunicação. Um exemplo que sempre dou em relação à força da música: o Paul McCartney foi fazer, há uns sete anos, o primeiro

show da vida dele na Albânia, que era um país comunista proibido de escutar música ocidental. As pessoas do bloco comunista ouviam os Beatles escondi-do. Quando ele foi lá, 100 mil pessoas foram ouvir e cantaram as letras dele. O problema é que pouca gente sabe utilizar desse poder. O Bono Vox utiliza o poder dele para fazer algo pelas pes-soas. Tem gente que usa a música para falar besteira, babaquice. E a música é um integrador. Você chega em qual-

Mídia não dá espaço a novos talentos Em meio a popularidade do sertanejo e pagode, músico catarinense cultiva as raízes da MPB

Foto

s:Laí

s Sou

za/Z

ero

Quais as lembranças da sua infân-cia e como você iniciou sua carrei-ra na música?Fui criado em Barreiros, São José. Es-tudei no Instituto Estadual de Educa-ção a vida inteira. Tive uma infância boa, muita bicicleta e jogo de botão. Hoje estou com 47 anos, mas comecei a me interessar pela música muito cedo. Aos seis anos eu já tocava e com dez eu queria ser músico. Entre dez a 14 anos eu comecei a ter um inte-resse muito grande pela música bra-sileira. Juntava o dinheiro do lanche que meu pai me dava todo dia para comprar disco de MPB. Naquela épo-ca tinha Milton Nascimento, Elis Re-gina, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Eu digo que o aniver-sário da minha carreira é dia 20 de setembro de 1979, que foi quando eu fiz a primeira apresentação da minha vida no TAC, com o Grupo Desterro.

Seus pais sempre te incentivaram?Minha mãe sempre me incentivou. É minha parceira, minha fã. Meu pai nunca me incentivou pela questão da insegurança na vida profissional do artista. Mas foi ele quem deu meu primeiro violão, de 12 cordas, e o di-nheiro para comprar minha primeira guitarra. Meu pai não apoiou, mas nos momentos que eu precisei, ele sempre ajudou. Quando eu comecei a trabalhar com a Gal Costa, há 16 anos, ele ficou muito orgulhoso. Meu pai era fã dela.

Você fez aulas de música ou apren-deu tocando sozinho em casa?Aprendi um pouco com o meu irmão que tocava em banda de baile e um pouco sozinho. Depois que fui fazer alguns cursos. Eu fiz um curso de har-monia e um de arranjo, mas sou um músico autodidata e intuitivo. A MPB é uma escola de música muito rica. Na década de 80, tinha um livrinho muito famoso chamado Vigu, que saía quinzenalmente nas bancas. Quando o Caetano Veloso, por exemplo, lança-va um disco, saíam no Vigu todas as harmonias no violão, guitarra em ci-fras, a letra e o desenho de como você colocava o braço para fazer o acorde. Aquilo ali ensinou muito músico bra-sileiro a tocar na minha época. Outra

Ana Paula [email protected]

José Hü[email protected]

Julia [email protected]

Marcela [email protected]

4 | entrevistA

Cultura

entrevistA | 5

Julho de 2013 Julho de 2013

coisa que foi importante: toquei muito na noite aqui de Florianópolis. E não era cover, nem sertanejo universitá-rio. A gente ia para a noite tocar Gil-berto Gil, Djavan e sem os arranjos. Não era copiado como hoje. A gente chegava, começava a tocar e todo dia era um arranjo diferente.

Como começou a parceria com a cantora Gal Costa?Em 1997 a Gal Costa precisava de um violonista para três shows em um pro-jeto chamado Festim Bahia, no Rio de Janeiro, em Salvador e em São Paulo. O violonista dela foi para a Marisa Monte e deixou ela na mão, então eu fui fazer esses três shows.

Alguém te indicou?A produtora dela era muito amiga do Paulo Calazans, na época pianista do Djavan e meu amigo. Eu ia muito à casa do Paulinho e ela também porque era vizinha dele. Quando surgiu essa oportunidade, ela me chamou. Fui lá fazer e nunca mais saí.

Você já tocou com a Elza Soares e o Humberto Gessinger. Como é tocar ao lado desses artistas tão renoma-dos? Qual o aprendizado que você traz dessas experiências?Eu acho que tocar do lado desses artis-tas é importante porque te dá bastante visibilidade como músico. São artistas que desenvolvem bons trabalhos, que têm músicas que deixam você mostrar seu lado de bom músico, bom guitar-rista. Agora, para mim, nada se com-para e é tão importante quanto tocar com a Gal Costa.

Na primeira vez que você subiu ao palco com ela, o nervosismo era grande?Fui tocar no Canecão. Imagina, esta-va o João Bosco, o Baden Powell e o Guinga na primeira fileira. Mas eu e a Gal temos uma cumplicidade gigante, é como se tocássemos na sala de casa.

De onde vem a inspiração para as suas músicas?Normalmente, eu componho a músi-ca e depois dou a ideia para o letrista. Não jogo uma música sem letra para o letrista para ele se inspirar e colocar

o assunto que ele quiser. Por exemplo, na música “Desasado” eu tinha termi-nado um relacionamento de quatro anos. Separei da namorada, me ar-rependi, ela foi embora e fiquei igual a um cachorro abandonado na vida, acabado. E eu resolvi fazer um samba mesmo. Na maioria das vezes, eu dou o mote, que é sobre o que eu quero que a música fale.

Você lançou o CD Te chamo felici-dade. Como foi a repercussão? É um ótimo CD que lancei há três anos e já coloquei numa distribuidora de Barcelona, que vende lá na Europa. Mas está muito difícil o mercado para um trabalho como o meu, de música brasileira. Então você vai remando. Não tem gravadora e as que existem não se interessam. Ninguém quer pe-gar o disco de MPB do Luiz Meira.

E lá fora como está? A música bra-sileira é aceita?Lá fora é muito bom. O problema que os músicos brasileiros estão enfren-tando é que agora a Europa está mais quebrada que aqui. Aqui tem dinheiro, mas em sua maioria é sertanejo e pa-gode e lá é só música de qualidade. Eu já viajei para a Europa mais de 20 ve-zes, todo ano eu vou. Mas faz três anos que eu não faço show lá. Está difícil porque o mercado está difícil.

Tem algum cantor da MPB que está começando hoje e você acha que tem muito potencial?Eu te diria que o processo é cruelmen-te lento para o artista da MPB hoje no Brasil. É cruel a quantidade de me-ninada que eu vejo no Rio e em São Paulo ralando, ralando e não acon-tece nada. O cara faz um disco e não tem gravadora. Não tem rádio mais para tocar. Tem uma cantora cha-mada Verônica Ferriani. Essa menina é espetacular, linda, charmosíssima, chiquérrima e canta muito. Ela está ralando há uns sete, oito anos e não acontece nada. Com a Tatiana Parra lá de São Paulo também não acontece nada. E tem gente famosa que está ra-lando também. O Vander Lee, de Belo Horizonte, é meu amigo e tem até a música “Esperando aviões” que ficou famosa. Aquele Alexandre Pires já gra-vou uma música dele. Ele é um cara que está há vinte anos ralando, mesmo sendo conhecido em várias capitais do Brasil. O Zeca Baleiro está aí fazendo sucesso porque há vinte anos, o Marco Mazzola, produtor da Gal, colocou ele no Acústico MTV para cantar a música “Vapor Barato”. Ele é um artista espe-tacular, criativo e se firmou no merca-do. O Lenine, por exemplo, se firmou no mercado há três anos com uma música na abertura da novela. Mesmo assim ele nunca foi ao Faustão, num programa de massa. Aí uns dizem: “e o seu Jorge?”. Mas o Brasil que tem 200 milhões de habitantes não tem como

ter dois ou três artistas de MPB na mí-dia. A mídia tem espaço para tudo e o mercado absorveria tudo.

Como é o espaço nas casas de shows em Florianópolis? Tem al-gum local aqui que você acha que se destaca no apoio à música local?Eu ouvi a minha vida inteira essa choramingação de músico dizendo que não se apoia música local. Músi-ca local é difícil em todo lugar. O Da-zaranha tem um público maravilho-so, que coloca duas, três mil pessoas em todos os lugares que eles vão. Mas, agora, não tem esse lugar aqui. Eu inaugurei o Floripa Music Hall com a Gal Costa. Fomos os primeiros a pi-sar naquele palco. Acho uma lástima o local ter fechado.

Tinham muitos shows de MPB no Floripa Music Hall, mas o preço da entrada era bem alto, assim como acontece com os shows no CIC. Por que o preço desses eventos é tão elevado?Tem dois aspectos: o primeiro é que em Florianópolis não tem uma casa de dois mil lugares. Os shows da Eve-line Orth, por exemplo, custam R$ 150, R$ 200 por aqui porque tem que cobrar isso. Com 900 lugares no CIC e a Fundação Catarinense de Cultura levando uns 50 ingressos, não dá. Se não cobrar R$ 200, o cara tá fazendo filantropia e não ganha nada. Floria-nópolis é a capital do estado e não tem uma casa de dois mil lugares. Outro problema também, que é uma opinião pessoal minha, é que artista de MPB cobra muito caro. Tem uns que metem a faca.

Em sua opinião, o governo dá apoio para a música brasileira?O governo até tem uns projetos inte-ressantes, tipo o da Funarte. O proble-ma é que quem está levando dinheiro do incentivo à cultura no Brasil são os famosos. Ninguém quer dar dinheiro para a MPB, a não ser para o Gilberto Gil que pega projetos milionários tipo a Máquina do Ritmo e a Orquestra Sinfônica da Bahia. Todo mundo quer patrocinar o famoso, ninguém quer patrocinar o Luiz Meira. O governo

“Todo mundo quer patrocinar o famoso, ninguém quer patrocinar o Luiz Meira”

Luiz Meira entrou para o cenário nacional - e mais tarde, internacional - da música ao iniciar a parceria com a cantora Gal Costa, em 1997. Nas-cido em São José (SC), o artista dava seus primeiros passos na carreira aos seis anos, e hoje, com 47, já tocou com Elza Soares e Humberto Gessinger.

Há três anos, lançou o CD Te chamo felicidade, que é distribuído, inclusive, na Europa. Em entrevista ao Zero, o músico critica a qualidade da produção brasi-leira atual e avalia que não tem visto nada de arrebatador por aqui.

quer lugar do mundo e o cara sabe cantar “Garota de Ipanema”, “Chega de Saudade” e a do Michel Teló. Os caras no Sri Lanka estão cantando a música do cara! (risos)

Falamos muito da sua carreira de músico, mas não sobre a de produtor. Quando você entrou nesse ramo?De 15 anos para cá, eu venho produ-zindo discos independentes. É uma das coisas que eu mais gosto de fazer. É como construir uma casa: o alicer-ce, as paredes, a cobertura e o acaba-mento. Você vê aquela produção dia a dia. Eu sinto que de um ano e meio para cá o mercado está meio parado. Agora, estou fazendo a pré-produção para uma cantora do Equador que mora na Espanha.

Do cenário atual, quem você gos-ta de ouvir?Eu ouço muito música flamenca, lati-na, amo de paixão os artistas da Espa-nha. Tanto é que eu tenho até vontade de passar um tempo lá. Tem uma ban-da ótima chamada Ojos de Brujo, que é muito legal. De música brasileira, eu gosto da Céu, mas já gostei mais. Hoje ela anda meio enjoada. Gosto da Verônica Ferriani e da Marina Macha-do, que é lá de Belo Horizonte e canta

com o Milton Nascimento. Lenine eu adoro, né? Para mim, é o melhor de todos e o trabalho mais legal da músi-ca brasileira. Gosto muito das músicas e das letras do Dudu Falcão. Também gosto da Tatiana Parra e da Martiná-lia. Tem um guri que não é de MPB, de Curitiba, que canta em inglês, o Tiago Iorc. Gosto desse menino. Mas no ge-ral, hoje está uma crise, não tem nada arrebatador que me emocione muito.

Mas você acha que não tem nada arrebatador só na música brasi-leira ou em geral?Não, só na música brasileira. Eu não tenho visto nada de arrebatador aqui. Eu gosto do Diogo Nogueira porque ele procura fazer coisa boa. Eu gosto muito do que está no Es-quenta todo domingo, o gordão, o Arlindo Cruz. Mas estou muito liga-do no que acontece fora. A música latina está dando de dez na música brasileira, em produção e criação. No México, tem muita coisa legal. Tipo Maná, Café Tacuba e Tomatito, um violonista flamenco. É legal pra ca-ramba. Outro cara que eu acho top é o colombiano Juanes. Ele é tipo um Bono Vox da música latina.

Você disse que tem planos de mo-rar na Espanha. Quais são seus projetos para o segundo semestre?Dia 12 e 14 de setembro, vou fazer show em Madri. Eu estou com um projeto de ir para a Espanha para con-versar com umas produtoras e fechar um contrato de venda de shows na Europa. Agora, vou a Bariloche, Bue-nos Aires, Montevideu, Brasília e Belo Horizonte para fazer meus shows.

“Não era cover, nem sertanejo universitário. A gente ia para a noite tocar Gilberto Gil, Djavan e sem os arranjos” “É cruel a quantidade de meninada que vejo no Rio e em São Paulo ralando, ralando e não acontece nada”

Page 5: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

criou os mecanismos, mas para nós da MPB não está ajudando em nada.

Você acredita que a música tem o poder de melhorar e transformar a sociedade?Acredito que a música é indiscutivel-mente o veículo mais poderoso de transformação e comunicação. Um exemplo que sempre dou em relação à força da música: o Paul McCartney foi fazer, há uns sete anos, o primeiro

show da vida dele na Albânia, que era um país comunista proibido de escutar música ocidental. As pessoas do bloco comunista ouviam os Beatles escondi-do. Quando ele foi lá, 100 mil pessoas foram ouvir e cantaram as letras dele. O problema é que pouca gente sabe utilizar desse poder. O Bono Vox utiliza o poder dele para fazer algo pelas pes-soas. Tem gente que usa a música para falar besteira, babaquice. E a música é um integrador. Você chega em qual-

Mídia não dá espaço a novos talentos Em meio a popularidade do sertanejo e pagode, músico catarinense cultiva as raízes da MPB

Foto

s:Laí

s Sou

za/Z

ero

Quais as lembranças da sua infân-cia e como você iniciou sua carrei-ra na música?Fui criado em Barreiros, São José. Es-tudei no Instituto Estadual de Educa-ção a vida inteira. Tive uma infância boa, muita bicicleta e jogo de botão. Hoje estou com 47 anos, mas comecei a me interessar pela música muito cedo. Aos seis anos eu já tocava e com dez eu queria ser músico. Entre dez a 14 anos eu comecei a ter um inte-resse muito grande pela música bra-sileira. Juntava o dinheiro do lanche que meu pai me dava todo dia para comprar disco de MPB. Naquela épo-ca tinha Milton Nascimento, Elis Re-gina, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Eu digo que o aniver-sário da minha carreira é dia 20 de setembro de 1979, que foi quando eu fiz a primeira apresentação da minha vida no TAC, com o Grupo Desterro.

Seus pais sempre te incentivaram?Minha mãe sempre me incentivou. É minha parceira, minha fã. Meu pai nunca me incentivou pela questão da insegurança na vida profissional do artista. Mas foi ele quem deu meu primeiro violão, de 12 cordas, e o di-nheiro para comprar minha primeira guitarra. Meu pai não apoiou, mas nos momentos que eu precisei, ele sempre ajudou. Quando eu comecei a trabalhar com a Gal Costa, há 16 anos, ele ficou muito orgulhoso. Meu pai era fã dela.

Você fez aulas de música ou apren-deu tocando sozinho em casa?Aprendi um pouco com o meu irmão que tocava em banda de baile e um pouco sozinho. Depois que fui fazer alguns cursos. Eu fiz um curso de har-monia e um de arranjo, mas sou um músico autodidata e intuitivo. A MPB é uma escola de música muito rica. Na década de 80, tinha um livrinho muito famoso chamado Vigu, que saía quinzenalmente nas bancas. Quando o Caetano Veloso, por exemplo, lança-va um disco, saíam no Vigu todas as harmonias no violão, guitarra em ci-fras, a letra e o desenho de como você colocava o braço para fazer o acorde. Aquilo ali ensinou muito músico bra-sileiro a tocar na minha época. Outra

Ana Paula [email protected]

José Hü[email protected]

Julia [email protected]

Marcela [email protected]

4 | entrevistA

Cultura

entrevistA | 5

Julho de 2013 Julho de 2013

coisa que foi importante: toquei muito na noite aqui de Florianópolis. E não era cover, nem sertanejo universitá-rio. A gente ia para a noite tocar Gil-berto Gil, Djavan e sem os arranjos. Não era copiado como hoje. A gente chegava, começava a tocar e todo dia era um arranjo diferente.

Como começou a parceria com a cantora Gal Costa?Em 1997 a Gal Costa precisava de um violonista para três shows em um pro-jeto chamado Festim Bahia, no Rio de Janeiro, em Salvador e em São Paulo. O violonista dela foi para a Marisa Monte e deixou ela na mão, então eu fui fazer esses três shows.

Alguém te indicou?A produtora dela era muito amiga do Paulo Calazans, na época pianista do Djavan e meu amigo. Eu ia muito à casa do Paulinho e ela também porque era vizinha dele. Quando surgiu essa oportunidade, ela me chamou. Fui lá fazer e nunca mais saí.

Você já tocou com a Elza Soares e o Humberto Gessinger. Como é tocar ao lado desses artistas tão renoma-dos? Qual o aprendizado que você traz dessas experiências?Eu acho que tocar do lado desses artis-tas é importante porque te dá bastante visibilidade como músico. São artistas que desenvolvem bons trabalhos, que têm músicas que deixam você mostrar seu lado de bom músico, bom guitar-rista. Agora, para mim, nada se com-para e é tão importante quanto tocar com a Gal Costa.

Na primeira vez que você subiu ao palco com ela, o nervosismo era grande?Fui tocar no Canecão. Imagina, esta-va o João Bosco, o Baden Powell e o Guinga na primeira fileira. Mas eu e a Gal temos uma cumplicidade gigante, é como se tocássemos na sala de casa.

De onde vem a inspiração para as suas músicas?Normalmente, eu componho a músi-ca e depois dou a ideia para o letrista. Não jogo uma música sem letra para o letrista para ele se inspirar e colocar

o assunto que ele quiser. Por exemplo, na música “Desasado” eu tinha termi-nado um relacionamento de quatro anos. Separei da namorada, me ar-rependi, ela foi embora e fiquei igual a um cachorro abandonado na vida, acabado. E eu resolvi fazer um samba mesmo. Na maioria das vezes, eu dou o mote, que é sobre o que eu quero que a música fale.

Você lançou o CD Te chamo felici-dade. Como foi a repercussão? É um ótimo CD que lancei há três anos e já coloquei numa distribuidora de Barcelona, que vende lá na Europa. Mas está muito difícil o mercado para um trabalho como o meu, de música brasileira. Então você vai remando. Não tem gravadora e as que existem não se interessam. Ninguém quer pe-gar o disco de MPB do Luiz Meira.

E lá fora como está? A música bra-sileira é aceita?Lá fora é muito bom. O problema que os músicos brasileiros estão enfren-tando é que agora a Europa está mais quebrada que aqui. Aqui tem dinheiro, mas em sua maioria é sertanejo e pa-gode e lá é só música de qualidade. Eu já viajei para a Europa mais de 20 ve-zes, todo ano eu vou. Mas faz três anos que eu não faço show lá. Está difícil porque o mercado está difícil.

Tem algum cantor da MPB que está começando hoje e você acha que tem muito potencial?Eu te diria que o processo é cruelmen-te lento para o artista da MPB hoje no Brasil. É cruel a quantidade de me-ninada que eu vejo no Rio e em São Paulo ralando, ralando e não acon-tece nada. O cara faz um disco e não tem gravadora. Não tem rádio mais para tocar. Tem uma cantora cha-mada Verônica Ferriani. Essa menina é espetacular, linda, charmosíssima, chiquérrima e canta muito. Ela está ralando há uns sete, oito anos e não acontece nada. Com a Tatiana Parra lá de São Paulo também não acontece nada. E tem gente famosa que está ra-lando também. O Vander Lee, de Belo Horizonte, é meu amigo e tem até a música “Esperando aviões” que ficou famosa. Aquele Alexandre Pires já gra-vou uma música dele. Ele é um cara que está há vinte anos ralando, mesmo sendo conhecido em várias capitais do Brasil. O Zeca Baleiro está aí fazendo sucesso porque há vinte anos, o Marco Mazzola, produtor da Gal, colocou ele no Acústico MTV para cantar a música “Vapor Barato”. Ele é um artista espe-tacular, criativo e se firmou no merca-do. O Lenine, por exemplo, se firmou no mercado há três anos com uma música na abertura da novela. Mesmo assim ele nunca foi ao Faustão, num programa de massa. Aí uns dizem: “e o seu Jorge?”. Mas o Brasil que tem 200 milhões de habitantes não tem como

ter dois ou três artistas de MPB na mí-dia. A mídia tem espaço para tudo e o mercado absorveria tudo.

Como é o espaço nas casas de shows em Florianópolis? Tem al-gum local aqui que você acha que se destaca no apoio à música local?Eu ouvi a minha vida inteira essa choramingação de músico dizendo que não se apoia música local. Músi-ca local é difícil em todo lugar. O Da-zaranha tem um público maravilho-so, que coloca duas, três mil pessoas em todos os lugares que eles vão. Mas, agora, não tem esse lugar aqui. Eu inaugurei o Floripa Music Hall com a Gal Costa. Fomos os primeiros a pi-sar naquele palco. Acho uma lástima o local ter fechado.

Tinham muitos shows de MPB no Floripa Music Hall, mas o preço da entrada era bem alto, assim como acontece com os shows no CIC. Por que o preço desses eventos é tão elevado?Tem dois aspectos: o primeiro é que em Florianópolis não tem uma casa de dois mil lugares. Os shows da Eve-line Orth, por exemplo, custam R$ 150, R$ 200 por aqui porque tem que cobrar isso. Com 900 lugares no CIC e a Fundação Catarinense de Cultura levando uns 50 ingressos, não dá. Se não cobrar R$ 200, o cara tá fazendo filantropia e não ganha nada. Floria-nópolis é a capital do estado e não tem uma casa de dois mil lugares. Outro problema também, que é uma opinião pessoal minha, é que artista de MPB cobra muito caro. Tem uns que metem a faca.

Em sua opinião, o governo dá apoio para a música brasileira?O governo até tem uns projetos inte-ressantes, tipo o da Funarte. O proble-ma é que quem está levando dinheiro do incentivo à cultura no Brasil são os famosos. Ninguém quer dar dinheiro para a MPB, a não ser para o Gilberto Gil que pega projetos milionários tipo a Máquina do Ritmo e a Orquestra Sinfônica da Bahia. Todo mundo quer patrocinar o famoso, ninguém quer patrocinar o Luiz Meira. O governo

“Todo mundo quer patrocinar o famoso, ninguém quer patrocinar o Luiz Meira”

Luiz Meira entrou para o cenário nacional - e mais tarde, internacional - da música ao iniciar a parceria com a cantora Gal Costa, em 1997. Nas-cido em São José (SC), o artista dava seus primeiros passos na carreira aos seis anos, e hoje, com 47, já tocou com Elza Soares e Humberto Gessinger.

Há três anos, lançou o CD Te chamo felicidade, que é distribuído, inclusive, na Europa. Em entrevista ao Zero, o músico critica a qualidade da produção brasi-leira atual e avalia que não tem visto nada de arrebatador por aqui.

quer lugar do mundo e o cara sabe cantar “Garota de Ipanema”, “Chega de Saudade” e a do Michel Teló. Os caras no Sri Lanka estão cantando a música do cara! (risos)

Falamos muito da sua carreira de músico, mas não sobre a de produtor. Quando você entrou nesse ramo?De 15 anos para cá, eu venho produ-zindo discos independentes. É uma das coisas que eu mais gosto de fazer. É como construir uma casa: o alicer-ce, as paredes, a cobertura e o acaba-mento. Você vê aquela produção dia a dia. Eu sinto que de um ano e meio para cá o mercado está meio parado. Agora, estou fazendo a pré-produção para uma cantora do Equador que mora na Espanha.

Do cenário atual, quem você gos-ta de ouvir?Eu ouço muito música flamenca, lati-na, amo de paixão os artistas da Espa-nha. Tanto é que eu tenho até vontade de passar um tempo lá. Tem uma ban-da ótima chamada Ojos de Brujo, que é muito legal. De música brasileira, eu gosto da Céu, mas já gostei mais. Hoje ela anda meio enjoada. Gosto da Verônica Ferriani e da Marina Macha-do, que é lá de Belo Horizonte e canta

com o Milton Nascimento. Lenine eu adoro, né? Para mim, é o melhor de todos e o trabalho mais legal da músi-ca brasileira. Gosto muito das músicas e das letras do Dudu Falcão. Também gosto da Tatiana Parra e da Martiná-lia. Tem um guri que não é de MPB, de Curitiba, que canta em inglês, o Tiago Iorc. Gosto desse menino. Mas no ge-ral, hoje está uma crise, não tem nada arrebatador que me emocione muito.

Mas você acha que não tem nada arrebatador só na música brasi-leira ou em geral?Não, só na música brasileira. Eu não tenho visto nada de arrebatador aqui. Eu gosto do Diogo Nogueira porque ele procura fazer coisa boa. Eu gosto muito do que está no Es-quenta todo domingo, o gordão, o Arlindo Cruz. Mas estou muito liga-do no que acontece fora. A música latina está dando de dez na música brasileira, em produção e criação. No México, tem muita coisa legal. Tipo Maná, Café Tacuba e Tomatito, um violonista flamenco. É legal pra ca-ramba. Outro cara que eu acho top é o colombiano Juanes. Ele é tipo um Bono Vox da música latina.

Você disse que tem planos de mo-rar na Espanha. Quais são seus projetos para o segundo semestre?Dia 12 e 14 de setembro, vou fazer show em Madri. Eu estou com um projeto de ir para a Espanha para con-versar com umas produtoras e fechar um contrato de venda de shows na Europa. Agora, vou a Bariloche, Bue-nos Aires, Montevideu, Brasília e Belo Horizonte para fazer meus shows.

“Não era cover, nem sertanejo universitário. A gente ia para a noite tocar Gilberto Gil, Djavan e sem os arranjos” “É cruel a quantidade de meninada que vejo no Rio e em São Paulo ralando, ralando e não acontece nada”

Page 6: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Enquanto solta a fumaça pela boca, Marília Cavenagui, 18 anos, fecha os olhos e joga a ca-beça para trás. Ela está curtindo

o sabor intenso das essências de menta, laranja e blueberry que colocou no seu narguilé há alguns minutos. Começou a fumar aos 14 em Mogi Mirim (SP), sua cidade natal. Hoje mora em Florianópo-lis, onde fuma todos os dias com as cole-gas de apartamento ou amigos.

Uma pesquisa do Instituto Nacional do Câncer (INCA), feita com pessoas a partir dos 15 anos, mostra que, até 2008, havia 300 mil usuários de nargui-lé no país. Nos últimos anos, o consumo cresceu entre adolescentes e jovens bra-sileiros e o arguile, como também é co-nhecido, passou a integrar cada vez mais as rodas de amigos. Os usuários reconhe-cem que a prática pode trazer riscos, mas acham que as pesquisas exageram.

Segundo o INCA, por ser derivado do tabaco, o narguilé tem nicotina e as mes-mas 4,7 mil substâncias tóxicas do cigar-ro convencional. Pode ser ainda mais prejudicial à saúde, pois a quantidade de fumaça em uma sessão de narguilé – que dura em média uma hora – é supe-rior. Por sessão a pessoa pode inalar uma quantidade de fumaça equivalente a 100 cigarros. O que era visto como uma dro-

ga menos nociva, nos últimos anos vem sendo combatida pelo governo.

Para Cavenagui, o narguilé não tem como ser pior do que 100 cigarros, vis-to que 90% do que é inalado seria ape-nas vapor de água e o resto fumaça. O pneumologista Pablo Moritz, professor da Universidade Federal de Santa Cata-rina (UFSC), diz que a água usada no processo funciona como fi ltro, embora não fi ltre adequadamente as impurezas da fumaça. No narguilé, 5% da nicotina é absorvida pela água. Cavenagui sente falta de pesquisas médicas mais apro-fundadas, pois considera que as atuais não têm dados concretos e seguem uma política antitabagista.

O INCA aponta outro agravante: o carvão em brasa, usado para queimar as essências, produz substâncias canceríge-nas e pode aumentar os riscos à saúde. Moritz diz que a queima de qualquer coi-sa que exista na biomassa pode causar

câncer de pulmão. Por isso, pessoas que cozinharam a vida inteira com fogão a lenha podem desenvolver a doença.

Moritz explica que as substâncias tó-xicas do tabaco geram lesões diretas em toda mucosa com a qual tiverem contato (nariz, garganta, brônquios, pulmão). A maioria é absorvida pelo sangue e causa um processo infl amatório geral. O pul-mão cresce até os 30 anos e depois come-ça a diminuir. “Começando a fumar aos 14, a pessoa vai ter uma redução muito importante do crescimento do pulmão. E lá pelos 50 anos ela vai chegar num pon-to em que tem um pulmão insufi ciente. E daí pra frente vai ser uma doença crô-nica: falta de ar pra tudo, tosse todo dia.”

Nesses casos, o pulmão envelhece rápido após os 30 e, a partir dali, os sin-tomas de doenças podem surgir. “Doença existe sempre. Todo mundo que fuma está infl amando o corpo e vai sofrer as consequências depois. O dano é imedia-to, mas a gente não sente. Tem pessoas que são geneticamente resistentes e o pulmão não é lesado pela fumaça, mas algum outro órgão sim”, alerta. Marília tem consciência do perigo. “Eu estou ciente de que isso não faz bem pra mim e que daqui a alguns anos eu posso vir a ter algum problema de saúde por conta disso. Mas é uma opção minha”, diz.

Julho de 2013

Presença de nicotina aumenta risco de dependência químicaQuem usa narguilé em geral o faz em um contexto social e não como hábito a toda hora e em todo lugar, como os fumantes de cigarro. Segundo a psicó-loga Renata de Cerqueira Campos, es-pecialista em tabagismo e funcionária da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, isso pode passar a sen-sação de que a pessoa não está tendo tanto prejuízo. Além da fumaça, outro motivo de alerta para os narguileiros é a nicotina.

Existem essências sem a substân-cia, mas a maioria tem em média 0,5% em uma caixa de 50g. “A pouca quan-tidade já será sufi ciente para o cérebro tomar conhecimento da nicotina. Vai sensibilizar toda essa região. E aí pode ser que, depois do narguilé, a pessoa acabe buscando o cigarro”, explica a psicóloga.

A nicotina tem um potencial de causar dependência maior do que ou-tras drogas, inclusive a cocaína, pela maneira como atua no cérebro. Após a primeira tragada, ela demora sete se-gundos para chegar à área do cérebro chamada Sistema Cerebral de Recom-

pensa. Quando ingressa, mexe com o equilíbrio da química cerebral e come-ça a fazer parte dela.

O sujeito, então, passa a contar com a nicotina para o funcionamento normal do cérebro. Nessa região, ela libera dopamina, responsável pela sen-sação de prazer e euforia e que pode levar à dependência. Isso acontece de maneira geral com todas as drogas, mas com a nicotina é mais intenso, segundo Renata.

A psicóloga explica que há pessoas que podem não desenvolver dependên-cia, devido a fatores biológicos (a ge-nética pode fazer com que se metabo-lize a substancia de forma diferente), psicológicos e sociais.

O universitário Mateus Maroneze diz só usar narguilé, e não gostar de cigarro. Porém, às vezes acaba fuman-do quando busca essa sensação de re-laxamento. Ele é consciente de que o narguilé pode gerar dependência quí-mica por causa da nicotina.

Derlis [email protected]

6 | CORPUS

Comportamento

Ao contrário do cigarro, a aceitação social e o uso pouco frequente mascaram chances de consumo virar vício

Comum entre jovens, consumo de narguilé é prejudicial à saúdeEm uma hora, usuário inala equivalente a 100 cigarros

Carvão usado para queimar as essências produz substâncias cancerígenas

Conheça as partes do narguiléOriginário do Oriente Médio, esta espécie de cachimbo coletivo pode ser feita de diferentes materiais, tipos e tamanhos

Fonte: Entrevistados, usuários de narguilé / Ilustração de Rodrigo Damati publicada na Folha de S. Paulo

Fornilho ou RoshServe de suporte para o carvão em brasa e de depósito para as essên-cias. É coberto com papel alumínio,

no qual são feitos pequenos furos para permitir a passagem de ar.

PratoSegura as cinzas que caem

do carvão queimado.

MangueiraPor aqui se aspira a fumaça com o gosto das essências e que, em seguida, deve ser solta pela boca. Alguns narguilés possuem entradas para várias, o que facilita as sessões com grande número de pessoas.

Vaso Contém a água que deve servir como � ltro para a fumaça. Alguns usuários costumam substituí-la por lei-te, sucos ou até por bebidas alcóolicas. Os mais comuns são feitos de vidro ou de metal.

CorpoPeça cilíndrica que conduz a fumaça do fornilho até o vaso.

Essência ou fumoDos mais variados sabores (café, menta, frutas), com ou sem nicotina, são queimadas com o calor gerado pelo carvão e produzem a fumaça. Marcas mais conhecidas no Brasil: Afzal, Mizo, All Fakher, Fantasia.

CarvãoExistem carvões especiais para narguilé, de composição e quali-dade variadas (� bra de coco, com ou sem pólvora, etc.). Geralmente vêm em cubos e utilizam-se três por sessão para queimar as essências.

Derli

s Cris

tald

o/Ze

ro

Page 7: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Capital registra 5 mil usuários e uma casa terapêutica públicaNa aparência, semelhanças evi-

dentes: os olhos amarelados, sem brilho; no aperto de mão, o tato áspero, resultado das

queimaduras que surgem ao acender a pedra; na boca, marcas das tentativas de fumar a droga até o último resquício; e nos pés, machucados decorrentes das longas caminhadas feitas em busca de mais. Segundo um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Uni-fesp), o Brasil é hoje o maior consumidor da droga no mundo, com cerca de dois milhões de usuários. As histórias se repe-tem, com relatos de problemas de saúde, violência, abandono e perdas materiais.

Em Florianópolis, o número chega a cinco mil, grande parte vivendo nas ruas, segundo dados da Comissão de Comba-te e Prevenção às drogas da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Jefferson Pereira, de 23 anos, é um deles. Gaúcho de São Leopoldo, conta que conheceu a Ilha há cinco anos e resolveu ficar por sentir que consegue se controlar melhor aqui, sozinho. Conta que conheceu o cra-ck através das “pessoas erradas”, aos 17 anos, e que encontrou na droga uma for-ma de fugir das pressões que vivia den-tro de casa. Soropositivo, parou de usar crack há três meses, sem ajuda médica, por sentir que seu corpo não estava mais aguentando. Ele acaba de conseguir um novo emprego e não descarta a possibi-lidade de internação. Sua meta é se res-tabelecer para, então, voltar a conviver com a filha de dois anos.

“Eles vão para as ruas atrás de liber-

dade, longe de qualquer responsabilida-de. Com o tempo, isso se torna uma pri-são, sem perspectiva de saída”, avalia a psiquiatra Andrea Mendonça, do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Jefferson é um dos frequentadores do Centro de Referência Especializado para Popula-ção em Situação de Rua (Centro POP) de Florianópolis, instituição pública fundada em 2010 para oferecer auxílio em necessidades básicas de saúde como higiene e alimentação. A coordenadora do centro, Rosangela dos Santos, cons-tatou que mais de 70% das pessoas que chegam ao local são como Jefferson: migrantes de outras cidades que vêm à Florianópolis idealizando a cidade como a terra das oportunidades.

Fabiano Rudá, de 33 anos, é natural de Sorocaba, tem segundo grau com-pleto, três ex-esposas e uma filha de dez anos, com quem mantém pouco conta-to. “Somos trecheiros, nossa vida é feita de trechos, de lugares, viajamos o Brasil todo.” Quando questionado se é usuário, responde num tom conformado: “Não sou eu que uso o crack, é o crack que me usa”.

Para o deputado Ismael dos Santos, presidente da Comissão de Combate e Prevenção às drogas da Assembleia Le-gislativa de Santa Catarina, o crack só é barato em tese. “Apesar de a pedra custar cerca de dez reais, o usuário dificilmente consumirá uma só, chegando a usar dez num único dia.” Ele diz acreditar que a droga é hoje a principal porta para a criminalidade, e que a cada dez crimes

cometidos no estado, sete estariam rela-cionados ao seu uso.

Segundo Mendonça, o crack não pos-sui necessariamente os números mais altos de usuários, mas é a droga que leva aos maiores extremos, além de dificultar a tomada de decisões e, con-sequentemente, a saída do vício. “Normalmente ocorre o aban-dono de toda estrutura social, desde o descui-do físico, até o abandono da casa. É uma substância que chega muito rápido ao cérebro e vicia com a mesma agilidade.” O cra-ck leva dez segundos para fazer efeito, gerando euforia, excitação; respiração e batimentos cardíacos acelerados, se-guidos de depressão, delírio e fissura por novas doses.

“Tenho meu banquinho reservado na rodoviária pra dormir, não me im-porto com isso, é pra lá que vou depois daqui.” Nelson, 50, já perdeu um aparta-mento e dois carros comprando cocaína e crack. Com cursos como Comunicação e Oratória no currículo e com o livro “Quincas Borba” debaixo do braço, tem a fala rápida e o vocabulário amplo. Quando perguntado por que continua consumindo a droga, ele responde: “Pos-so ser sincero? Uso porque gosto”.

Para Antonio Alves, 23, travesti, mais conhecida como Laura Yohana, a sensa-

ção durante o consumo é de bem estar, mas dura pouco. “Sinto como se tudo fosse ficar bem e tivesse uma força me protegendo”. Ela, que já chegou a ficar caminhando três noites seguidas sob o efeito da pedra, teme o momento de

quando para de fu-mar. “Eu sinto mui-ta dor no pulmão, nos rins, no peito e chego a urinar sangue”, completa, mostrando tam-bém diversos cortes nos pés e na perna, sinais das últimas

noites sem dormir que passou cami-nhando. Laura costuma fazer programas para manter o vício e usa todo o dinheiro que recebe para comprar mais droga.

Das 40 Comunidades Terapêuticas disponíveis em Florianópolis, só uma possui convênio com a prefeitura, com vagas apenas para homens. Santos ga-rante que faltam recursos para financiar Comunidades Terapêuticas, por isso, o papel da Comissão é cobrar do governo federal. O deputado revela que, apesar de o Plano “Crack, é preciso vencer” ter sido lançado no final de 2011, nenhuma verba foi destinada ao estado até hoje. A intenção é qualificar as instituições, oferecendo mais oportunidades para os internos durante o pós-tratamento.

Aos 23 anos e com o corpo debilitado, Laura Yohana diz que o efeito de bem-estar da pedra dura pouco e que sente muitas dores quando para de usar; ela se prostitui para manter o vício

Quem chega ao pátio da Casa de Apoio Social ao Morador de Rua, no Estreito, logo se depara com uma mesa, cheia de toalhas e flores colori-das. Atrás da mesa está o artista, José da Paz, de 50 anos, que está na insti-tuição há nove meses. Há quatro ele virou professor de artesanato na Asso-ciação Florianopolitana de Deficientes Físicos (Aflodef).

Ao longo da conversa, uma infân-cia marcada por maus tratos e extre-ma pobreza. Aos oito anos, aprendeu a roubar. Aos 15, ganhou a primeira arma. Assim começou um histórico de prisões e dependência às drogas. Seu primeiro contato com o crack foi em 1992, quando a droga não era muito conhecida no país. “Dez anos depois não tinha mais como fugir, tinha pe-dra por tudo, parecia banana na fei-ra”, conta. Virou trecheiro e resolveu ganhar o mundo. “Chegou um ponto que eu fiquei viciado de uma forma, que toda aquela malandragem que eu tinha foi embora, você pode ter di-nheiro, educação, não importa, ele te destrói, leva tudo”, revela.

Após a morte da mãe, resolveu se tratar. “Quando eu cheguei aqui, eu era um animal, não trocava ideia com nin-guém”. Até o dia em que uma das fun-cionárias o viu sozinho, no lado de fora e disse: “Meu filho, entra que você vai fi-car doente”. Segundo ele, foram essas as palavras que o motivaram a continuar. Seu grande projeto agora é reencontrar a família, continuar dando aulas e jun-tar um grupo de pessoas para recolher usuários de crack das ruas.

Júlia [email protected]

Lucas [email protected]

Dependente emrecuperação vira professor de arte

O Plano “Crack, é preciso vencer”, lançado em 2011, não destinou verba para o estado

Corpus| 7

Crack em Florianópolis

Julho de 2013

Giuliane Gava/Zero

Page 8: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Pluralidade de pautas enfraquece demandas específicas da sociedadeBandeiras diversas dominam atos que começaram pela redução da tarifa

Tarifa zero é alternativa viável para Florianópolis

Em Florianópolis, o Movimento Passe Livre (MPL) defende a administração pública do transporte coletivo e a implantação da tarifa zero, com a extinção da catraca.

Para Roberto Dokonal, integrante do MPL, a implantação da tarifa zero é economicamente viável, pois causaria diversos impactos sobre a vida nas cidades, como melhorias para a mobilidade urbana, diminuição do tempo perdido no trânsito e, com a melhoria no transporte, redução de gastos com viadutos e elevados.

Dokonal argumenta que as consequências da implantação da tarifa zero seriam positivas para o dia-a-dia da população. Para ele, o próprio sistema de transporte coletivo atual funciona como uma espécie de catraca social, que define quem e por onde circula. A atual definição de linhas e horários acaba, muitas vezes, causando a segregação das pessoas, em vez de permitir que todos usufruam da cidade. Por isto, a tarifa zero representaria a libertação dos moradores.

Janice Tirelli, coordenadora do Núcleo de Estudos da Juventude Contemporânea (Nejuc) e professora aposentada de Sociologia e Ciência Política da UFSC, avalia como importante o fortalecimento político da proposta de implantação da tarifa zero, que julga viável técnica e economicamente. “Talvez não seja uma conquista imediata, mas que possa germinar da renovação da organização dos jovens em torno dessa bandeira. O MPL tem ativistas muito preparados, educados politicamente nos princípios de uma autonomia que lhes confere uma credibilidade e convencimento.” (N.B.)

Manifestações

,Julho de 2013

A redução no preço da tarifa do transporte coletivo, que moti-vou os protestos em São Pau-lo, passou a ser apenas uma

das reivindicações dos manifestantes, que exibiram cartazes e gritaram contra a corrupção, por melhorias no sistema de saúde e pela revogação de projetos de lei.

Uma das principais características das manifestações ocorridas em todo o Brasil é a pluralidade de causas defen-didas. Se, por um lado, a diversidade de pautas presentes nas manifestações revela demandas da sociedade que não têm sido atendidas, por outro, pode en-fraquecer lutas específicas.

Apesar disso, em algumas cidades, determinadas causas ganham mais força do que outras. Em Belo Horizon-te e Recife, por exemplo, destacam-se os protestos contra os gastos exorbi-tantes para sediar a Copa do Mundo.

Em Brasília, contra a corrupção. E, em Porto Alegre e Florianópolis, o foco tem sido as questões relativas ao transporte público.

Roberto Dokonal, membro do Mo-vimento Passe Livre (MPL), conta que a manifestação ocorrida no dia 20 de junho no centro de Florianópolis foi organizada pela Frente de Luta pelo Transporte Público, da qual fa-zem parte diversos grupos, inclusive o MPL. A intenção era protestar por causas relativas ao transporte coleti-vo, como a tarifa zero. A Frente havia organizado uma panfletagem para o dia 18, com intenção de divulgar e explicar suas propostas. No entanto, o ato acabou não tendo as condições adequadas, já que o primeiro protes-to na cidade, organizado através da internet por pessoas que não têm li-gação com o movimento, ocorreu no mesmo dia.

No dia seguinte, a Frente promoveu um debate com Marcelo Pomar, um dos fundadores do MPL, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Hu-manas (CFH) da UFSC. O debate estava previsto para a semana seguinte, mas foi adiantado por força das manifesta-ções que já estavam ocorrendo. Pomar fez um breve relato sobre a história do movimento e discutiu questões relati-vas aos protestos com integrantes do auditório. Naquele dia, foi anunciada a revogação do aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Diversas pessoas do auditório lo-tado quiseram participar do debate. Um deles é Danilo Carneiro, que se identificou como membro do Gru-po Tortura Nunca Mais (RJ) e disse também lutar pelo passe livre. Dani-lo expôs sua opinião sobre a impor-tância de ter um foco mais específico

nas manifestações. “Se nós falharmos na atuação e na análise, fatalmente seremos derrotados”, alertou, acres-centando que julga necessário traçar estratégias que tenham como foco a luta pela tarifa zero.

Dokonal considera que, ao longo do período de manifestações, houve um processo de diluição das pautas defendidas pelo MPL. Isto, em sua aná-lise, atende aos interesses de setores que não querem mudanças. Quanto a estas pautas, ele explica que o mo-vimento considera inviável o regime de concessão no transporte coletivo, simbolizado pela catraca. Segundo ele, o sistema promove uma espécie de apartheid social.

“Você aí fardado, também é explo-rado. Você aí fardado, também é explo-rado!” Era o grito da linha de frente da manifestação do dia 18 de junho às 20h20, enquanto as pessoas des-ciam o elevado no final da Av. Osvaldo Rodrigues Cabral. Um pouco adiante, um cordão humano da Polícia Militar travava o caminho que levaria a ponte Colombo Salles, porém alguns mani-festantes pularam o muro do elevado e correram em direção da entrada da ponte, mesmo com os protestos de membros do MPL. A Polícia Militar não entrou em conflito com os 12 mil manifestantes que participavam do protesto e eles ocuparam a ponte Co-lombo Salles. Um pequeno grupo de manifestantes trancou a saída da pon-te Pedro Ivo e começaram a fazer uma roda de capoeira.

A manifestação do dia 18 de ju-nho é o resultado de um evento cria-do no dia anterior (17) pelo usuário

Fernando Bastos Neto. “Cansamos de esperar. A onda de manifestações de Florianópolis começa hoje!” pro-punha Bastos Neto na descrição do evento. Ao contrário do que se suce-deu dois dias depois, a manifestação seguiu inteiramente até a Assem-bléia Legislativa de Santa Catarina, subiu a avenida Mauro Ramos até a Beira-mar e de lá seguiu até a cabe-ceira das pontes.

Foi a manifestação mais pacífica do Brasil até aquela data, exceto por alguns moradores da Av. Mauro Ramos jogarem ovos nos manifestantes. Os Policiais Militares não entraram em confronto em nenhum momento com os manifestantes, mas havia vários da tropa sem identificação. Ao ser ques-tionado, o Coronel Araújo Gomes res-pondeu “Não sei. Pergunta para eles”.

Na noite de 20 de junho, cerca de 60 mil pessoas, segundo cálculos da Polí-cia Militar, ocuparam as principais ruas do Centro de Florianópolis, as pontes Colombo Salles e Pedro Ivo. Foi a maior manifestação realizada em Santa Cata-rina. No país, um milhão de brasileiros de 75 cidades tomaram as ruas e praças. Foi o ápice dos protestos que começa-ram duas semanas antes, em São Pau-lo. Ao motivo inicial - a revogação do aumento das passagens do transporte coletivo na capital paulista- foram so-madas uma série de reinvindicações, das quais se destacaram a melhoria geral dos serviços públicos, sobretudo saúde e educação, bem como o fim da corrupção. Na Ilha, o ato foi marcado pela Frente de Luta pelo Transporte, com apoio do Movimento Passe Livre (MPL), que através do Facebook defen-dia a tarifa zero.

Para impedir que manifestantes fos-sem presos, a Frente conseguiu um ha-beas corpus preventivo, através do juiz Alexandre Morais da Rosa da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que

concedeu um salvo-conduto coletivo, garantindo o direito de manifestação.

Apesar de o movimento ter sido ini-ciado pelo MPL, quem carregava ban-deiras de partidos ou do passe livre foi hostilizado desde o início da concentra-ção no Terminal Integrado do Centro (Ticen), que começou às 16h. Qualquer pessoa que estivesse com uma bandeira que não a do Brasil, era vaiado. “Tinha uma menina segurando uma bandeira do movimento LGBT lá na frente, daí chegou um grupo, bateu nela e pergun-tou ‘o que que você tá fazendo aí, viadi-nha?’”, contou uma estudante da UFSC.

Enquanto os antipartidários grita-vam a palavra de ordem “sem bandei-ras!” os militantes partidários respon-diam com “fascistas!”. Os ânimos só se acalmaram quando os dois grupos seguiram direções diferentes: o grupo que aceitava as bandeiras foi para Pon-te Colombo Salles e os demais seguiram pela ponte Pedro Ivo. A designer Maiari Iasi conta que quem segurava bandei-ras ou usava camisetas vermelhas vol-tou a ser hostilizado na ponte, e muitos deixaram o protesto.

A manifestação não tinha roteiro definido, mas pelo menos duas concen-trações foram organizadas pelo Face-book: uma no Ticen e outra no Shop-ping Iguatemi, no bairro Santa Mônica. Do Centro, a maior parte da manifesta-ção saiu em marcha do Ticen, às 18h05, em direção à Assembléia Legislativa e percorreu toda a avenida Mauro Ramos até o Shopping Beiramar. Nesse ponto, parte seguiu caminhando pela rua Al-tamiro Guimarães e outra protestando na avenida na Beira-Mar. Todos se en-contraram nas pontes, que já estavam ocupadas.

Às 21h20, a maior parte da mani-festação já havia se dispersado, exceto um grupo de 200 manifestantes que persistiram em bloquear o trânsito das duas pontes. Depois de quase cinco ho-ras com os acessos fechados, a Tropa de Choque foi acionada para desobstruir as pontes e entrou em conflito com os manifestantes. Dois policiais foram fe-ridos por pedradas.

Dois dias antes, outra manifestação convocada pelo Facebook reuniu 12 mil pessoas e não houve confronto.

O Brasil vive um momento históri-co: milhares de pessoas saíram às ruas para protestar. A insatisfação nos bra-sileiros veio à tona depois que mani-festantes foram fortemente reprimidos pela Polícia Militar em São Paulo, em 13 de junho, quando protestavam con-tra o aumento das tarifas. A partir daí, em várias cidades do país e do exterior, pessoas se mobilizaram e se somaram aos paulistanos.

Os protestos, inicialmente orga-nizados pelo Movimento Passe Livre, migraram de um caráter apartidário para antipartidário: grande parte dos manifestantes demonstrou um ódio latente por qualquer tipo de organiza-ção política. Para a professora aposen-tada de Sociologia e Ciência Política da UFSC, Janice Tirelli, o grande foco do movimento é, na verdade, a insa-tisfação com o atual sistema político brasileiro, a democracia representati-va. “A população não se sente mais re-presentada pelo regime político que se configurou no Brasil; as pessoas estão esgotadas com os rumos que os parti-dos tomaram.”

É claro que, por se tratar de um movimento amplo e de extrema indig-

nação de parte da população, não se pode ignorar o fato de que toda ação de massa comporta riscos. O campo político é, por natureza, um espaço de disputas. “Onde tem poder tem cons-piração, são grupos diversos que estão nas ruas tentando influenciar o maior número de pessoas. A democracia pres-supõe a tolerância e consideração ao outro, mesmo no conflito de posições”, pondera Janice.

De fato, a partir do dia 18, notou-se um crescimento da violência nas mar-chas, partindo de manifestantes con-tra outros manifestantes com ideias di-vergentes. Para Janice, a intolerância é uma atitude autoritária de pessoas que não têm compreensão histórica da importância das organizações políti-cas. “Acho compreensível essa revolta contra partidos porque eles já não cor-respondem aos objetivos para os quais foram criados, mas isso não justifica a eliminação de siglas das manifesta-ções, porque assim se elimina quem pensa diferente, e isso é fascismo”.

Nos dias seguintes, surgiram análi-ses e desabafos de pessoas aflitas com uma possível articulação de cunho autoritário. Alguns, mais apreensivos,

chegaram a produzir materiais que mostravam suas preocupações com a “invasão” de grupos fascistas, visando um potencial golpe de Estado. Um dos principais argumentos utilizados para defender essa ideia são as informações de caráter antipartidário que circulam na internet, meio em que, muitas ve-zes, os usuários não procuram checar a veracidade das notícias.

Para o professor de Sociologia e Ciên-cia Política da UFSC, Jacques Mick, o risco de o movimento assumir um caráter au-toritário é baixo, já que a população está mais preparada para resistir a uma inter-ferência extremista. “Hoje a sociedade civil brasileira tem um nível de organização e instrução formal maior do que tinha em 1964, a mídia está mais polifônica do que em 64, existem mais meios alternativos para obter informação.”

Mick acrescenta que a elite do Bra-sil está satisfeita com o governo. “O golpe de 64 foi uma jogada das elites articuladas que, descontentes, se alia-ram às Forças Armadas. Neste momen-to, a elite financeira brasileira não está descontente. Se a elite não está descon-tente, não tem transformação substan-cial. Na história do Brasil, só houve transformações profundas quando a elite teve seu interesse contestado”.

Insatisfação com partidos políticos é compreensível, mas não justifica a exclusão de siglas

Protestos revelam crise de representação política

Partidos são hostilizados na Capital

Bruno [email protected]

Nayara [email protected]

Nayara [email protected]

Em primeiro ato, manifestantes de Florianópolis tomam as pontes

Em Florianópolis, na quinta-feira, 20 de junho, cerca de 65 mil manifestantes ocuparam totalmente as duas pontes; quem não participou teve que esperar mais de cinco horas para que a polícia militar liberasse o fluxo de veículos - o que só ocorreu depois da meia noite

Laís

Souz

a/Ze

ro

Thay

se S

tein

/Zer

oLa

ís So

uza/

Zero

Alex

andr

e Br

andã

o/Ze

ro

Laís [email protected]

Quem estava com bandeiras que não fossem as do Brasil era vaiado

Alex

andr

e Br

andã

o/Ze

ro

Movimento se tornou apartidário

8 e 9 | ESpEciaL

Page 9: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Pluralidade de pautas enfraquece demandas específicas da sociedadeBandeiras diversas dominam atos que começaram pela redução da tarifa

Tarifa zero é alternativa viável para Florianópolis

Em Florianópolis, o Movimento Passe Livre (MPL) defende a administração pública do transporte coletivo e a implantação da tarifa zero, com a extinção da catraca.

Para Roberto Dokonal, integrante do MPL, a implantação da tarifa zero é economicamente viável, pois causaria diversos impactos sobre a vida nas cidades, como melhorias para a mobilidade urbana, diminuição do tempo perdido no trânsito e, com a melhoria no transporte, redução de gastos com viadutos e elevados.

Dokonal argumenta que as consequências da implantação da tarifa zero seriam positivas para o dia-a-dia da população. Para ele, o próprio sistema de transporte coletivo atual funciona como uma espécie de catraca social, que define quem e por onde circula. A atual definição de linhas e horários acaba, muitas vezes, causando a segregação das pessoas, em vez de permitir que todos usufruam da cidade. Por isto, a tarifa zero representaria a libertação dos moradores.

Janice Tirelli, coordenadora do Núcleo de Estudos da Juventude Contemporânea (Nejuc) e professora aposentada de Sociologia e Ciência Política da UFSC, avalia como importante o fortalecimento político da proposta de implantação da tarifa zero, que julga viável técnica e economicamente. “Talvez não seja uma conquista imediata, mas que possa germinar da renovação da organização dos jovens em torno dessa bandeira. O MPL tem ativistas muito preparados, educados politicamente nos princípios de uma autonomia que lhes confere uma credibilidade e convencimento.” (N.B.)

Manifestações

,Julho de 2013

A redução no preço da tarifa do transporte coletivo, que moti-vou os protestos em São Pau-lo, passou a ser apenas uma

das reivindicações dos manifestantes, que exibiram cartazes e gritaram contra a corrupção, por melhorias no sistema de saúde e pela revogação de projetos de lei.

Uma das principais características das manifestações ocorridas em todo o Brasil é a pluralidade de causas defen-didas. Se, por um lado, a diversidade de pautas presentes nas manifestações revela demandas da sociedade que não têm sido atendidas, por outro, pode en-fraquecer lutas específicas.

Apesar disso, em algumas cidades, determinadas causas ganham mais força do que outras. Em Belo Horizon-te e Recife, por exemplo, destacam-se os protestos contra os gastos exorbi-tantes para sediar a Copa do Mundo.

Em Brasília, contra a corrupção. E, em Porto Alegre e Florianópolis, o foco tem sido as questões relativas ao transporte público.

Roberto Dokonal, membro do Mo-vimento Passe Livre (MPL), conta que a manifestação ocorrida no dia 20 de junho no centro de Florianópolis foi organizada pela Frente de Luta pelo Transporte Público, da qual fa-zem parte diversos grupos, inclusive o MPL. A intenção era protestar por causas relativas ao transporte coleti-vo, como a tarifa zero. A Frente havia organizado uma panfletagem para o dia 18, com intenção de divulgar e explicar suas propostas. No entanto, o ato acabou não tendo as condições adequadas, já que o primeiro protes-to na cidade, organizado através da internet por pessoas que não têm li-gação com o movimento, ocorreu no mesmo dia.

No dia seguinte, a Frente promoveu um debate com Marcelo Pomar, um dos fundadores do MPL, no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Hu-manas (CFH) da UFSC. O debate estava previsto para a semana seguinte, mas foi adiantado por força das manifesta-ções que já estavam ocorrendo. Pomar fez um breve relato sobre a história do movimento e discutiu questões relati-vas aos protestos com integrantes do auditório. Naquele dia, foi anunciada a revogação do aumento das tarifas do transporte coletivo em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Diversas pessoas do auditório lo-tado quiseram participar do debate. Um deles é Danilo Carneiro, que se identificou como membro do Gru-po Tortura Nunca Mais (RJ) e disse também lutar pelo passe livre. Dani-lo expôs sua opinião sobre a impor-tância de ter um foco mais específico

nas manifestações. “Se nós falharmos na atuação e na análise, fatalmente seremos derrotados”, alertou, acres-centando que julga necessário traçar estratégias que tenham como foco a luta pela tarifa zero.

Dokonal considera que, ao longo do período de manifestações, houve um processo de diluição das pautas defendidas pelo MPL. Isto, em sua aná-lise, atende aos interesses de setores que não querem mudanças. Quanto a estas pautas, ele explica que o mo-vimento considera inviável o regime de concessão no transporte coletivo, simbolizado pela catraca. Segundo ele, o sistema promove uma espécie de apartheid social.

“Você aí fardado, também é explo-rado. Você aí fardado, também é explo-rado!” Era o grito da linha de frente da manifestação do dia 18 de junho às 20h20, enquanto as pessoas des-ciam o elevado no final da Av. Osvaldo Rodrigues Cabral. Um pouco adiante, um cordão humano da Polícia Militar travava o caminho que levaria a ponte Colombo Salles, porém alguns mani-festantes pularam o muro do elevado e correram em direção da entrada da ponte, mesmo com os protestos de membros do MPL. A Polícia Militar não entrou em conflito com os 12 mil manifestantes que participavam do protesto e eles ocuparam a ponte Co-lombo Salles. Um pequeno grupo de manifestantes trancou a saída da pon-te Pedro Ivo e começaram a fazer uma roda de capoeira.

A manifestação do dia 18 de ju-nho é o resultado de um evento cria-do no dia anterior (17) pelo usuário

Fernando Bastos Neto. “Cansamos de esperar. A onda de manifestações de Florianópolis começa hoje!” pro-punha Bastos Neto na descrição do evento. Ao contrário do que se suce-deu dois dias depois, a manifestação seguiu inteiramente até a Assem-bléia Legislativa de Santa Catarina, subiu a avenida Mauro Ramos até a Beira-mar e de lá seguiu até a cabe-ceira das pontes.

Foi a manifestação mais pacífica do Brasil até aquela data, exceto por alguns moradores da Av. Mauro Ramos jogarem ovos nos manifestantes. Os Policiais Militares não entraram em confronto em nenhum momento com os manifestantes, mas havia vários da tropa sem identificação. Ao ser ques-tionado, o Coronel Araújo Gomes res-pondeu “Não sei. Pergunta para eles”.

Na noite de 20 de junho, cerca de 60 mil pessoas, segundo cálculos da Polí-cia Militar, ocuparam as principais ruas do Centro de Florianópolis, as pontes Colombo Salles e Pedro Ivo. Foi a maior manifestação realizada em Santa Cata-rina. No país, um milhão de brasileiros de 75 cidades tomaram as ruas e praças. Foi o ápice dos protestos que começa-ram duas semanas antes, em São Pau-lo. Ao motivo inicial - a revogação do aumento das passagens do transporte coletivo na capital paulista- foram so-madas uma série de reinvindicações, das quais se destacaram a melhoria geral dos serviços públicos, sobretudo saúde e educação, bem como o fim da corrupção. Na Ilha, o ato foi marcado pela Frente de Luta pelo Transporte, com apoio do Movimento Passe Livre (MPL), que através do Facebook defen-dia a tarifa zero.

Para impedir que manifestantes fos-sem presos, a Frente conseguiu um ha-beas corpus preventivo, através do juiz Alexandre Morais da Rosa da 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que

concedeu um salvo-conduto coletivo, garantindo o direito de manifestação.

Apesar de o movimento ter sido ini-ciado pelo MPL, quem carregava ban-deiras de partidos ou do passe livre foi hostilizado desde o início da concentra-ção no Terminal Integrado do Centro (Ticen), que começou às 16h. Qualquer pessoa que estivesse com uma bandeira que não a do Brasil, era vaiado. “Tinha uma menina segurando uma bandeira do movimento LGBT lá na frente, daí chegou um grupo, bateu nela e pergun-tou ‘o que que você tá fazendo aí, viadi-nha?’”, contou uma estudante da UFSC.

Enquanto os antipartidários grita-vam a palavra de ordem “sem bandei-ras!” os militantes partidários respon-diam com “fascistas!”. Os ânimos só se acalmaram quando os dois grupos seguiram direções diferentes: o grupo que aceitava as bandeiras foi para Pon-te Colombo Salles e os demais seguiram pela ponte Pedro Ivo. A designer Maiari Iasi conta que quem segurava bandei-ras ou usava camisetas vermelhas vol-tou a ser hostilizado na ponte, e muitos deixaram o protesto.

A manifestação não tinha roteiro definido, mas pelo menos duas concen-trações foram organizadas pelo Face-book: uma no Ticen e outra no Shop-ping Iguatemi, no bairro Santa Mônica. Do Centro, a maior parte da manifesta-ção saiu em marcha do Ticen, às 18h05, em direção à Assembléia Legislativa e percorreu toda a avenida Mauro Ramos até o Shopping Beiramar. Nesse ponto, parte seguiu caminhando pela rua Al-tamiro Guimarães e outra protestando na avenida na Beira-Mar. Todos se en-contraram nas pontes, que já estavam ocupadas.

Às 21h20, a maior parte da mani-festação já havia se dispersado, exceto um grupo de 200 manifestantes que persistiram em bloquear o trânsito das duas pontes. Depois de quase cinco ho-ras com os acessos fechados, a Tropa de Choque foi acionada para desobstruir as pontes e entrou em conflito com os manifestantes. Dois policiais foram fe-ridos por pedradas.

Dois dias antes, outra manifestação convocada pelo Facebook reuniu 12 mil pessoas e não houve confronto.

O Brasil vive um momento históri-co: milhares de pessoas saíram às ruas para protestar. A insatisfação nos bra-sileiros veio à tona depois que mani-festantes foram fortemente reprimidos pela Polícia Militar em São Paulo, em 13 de junho, quando protestavam con-tra o aumento das tarifas. A partir daí, em várias cidades do país e do exterior, pessoas se mobilizaram e se somaram aos paulistanos.

Os protestos, inicialmente orga-nizados pelo Movimento Passe Livre, migraram de um caráter apartidário para antipartidário: grande parte dos manifestantes demonstrou um ódio latente por qualquer tipo de organiza-ção política. Para a professora aposen-tada de Sociologia e Ciência Política da UFSC, Janice Tirelli, o grande foco do movimento é, na verdade, a insa-tisfação com o atual sistema político brasileiro, a democracia representati-va. “A população não se sente mais re-presentada pelo regime político que se configurou no Brasil; as pessoas estão esgotadas com os rumos que os parti-dos tomaram.”

É claro que, por se tratar de um movimento amplo e de extrema indig-

nação de parte da população, não se pode ignorar o fato de que toda ação de massa comporta riscos. O campo político é, por natureza, um espaço de disputas. “Onde tem poder tem cons-piração, são grupos diversos que estão nas ruas tentando influenciar o maior número de pessoas. A democracia pres-supõe a tolerância e consideração ao outro, mesmo no conflito de posições”, pondera Janice.

De fato, a partir do dia 18, notou-se um crescimento da violência nas mar-chas, partindo de manifestantes con-tra outros manifestantes com ideias di-vergentes. Para Janice, a intolerância é uma atitude autoritária de pessoas que não têm compreensão histórica da importância das organizações políti-cas. “Acho compreensível essa revolta contra partidos porque eles já não cor-respondem aos objetivos para os quais foram criados, mas isso não justifica a eliminação de siglas das manifesta-ções, porque assim se elimina quem pensa diferente, e isso é fascismo”.

Nos dias seguintes, surgiram análi-ses e desabafos de pessoas aflitas com uma possível articulação de cunho autoritário. Alguns, mais apreensivos,

chegaram a produzir materiais que mostravam suas preocupações com a “invasão” de grupos fascistas, visando um potencial golpe de Estado. Um dos principais argumentos utilizados para defender essa ideia são as informações de caráter antipartidário que circulam na internet, meio em que, muitas ve-zes, os usuários não procuram checar a veracidade das notícias.

Para o professor de Sociologia e Ciên-cia Política da UFSC, Jacques Mick, o risco de o movimento assumir um caráter au-toritário é baixo, já que a população está mais preparada para resistir a uma inter-ferência extremista. “Hoje a sociedade civil brasileira tem um nível de organização e instrução formal maior do que tinha em 1964, a mídia está mais polifônica do que em 64, existem mais meios alternativos para obter informação.”

Mick acrescenta que a elite do Bra-sil está satisfeita com o governo. “O golpe de 64 foi uma jogada das elites articuladas que, descontentes, se alia-ram às Forças Armadas. Neste momen-to, a elite financeira brasileira não está descontente. Se a elite não está descon-tente, não tem transformação substan-cial. Na história do Brasil, só houve transformações profundas quando a elite teve seu interesse contestado”.

Insatisfação com partidos políticos é compreensível, mas não justifica a exclusão de siglas

Protestos revelam crise de representação política

Partidos são hostilizados na Capital

Bruno [email protected]

Nayara [email protected]

Nayara [email protected]

Em primeiro ato, manifestantes de Florianópolis tomam as pontes

Em Florianópolis, na quinta-feira, 20 de junho, cerca de 65 mil manifestantes ocuparam totalmente as duas pontes; quem não participou teve que esperar mais de cinco horas para que a polícia militar liberasse o fluxo de veículos - o que só ocorreu depois da meia noite

Laís

Souz

a/Ze

ro

Thay

se S

tein

/Zer

oLa

ís So

uza/

Zero

Alex

andr

e Br

andã

o/Ze

ro

Laís [email protected]

Quem estava com bandeiras que não fossem as do Brasil era vaiado

Alex

andr

e Br

andã

o/Ze

ro

Movimento se tornou apartidário

8 e 9 | ESpEciaL

Page 10: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

de, à educação, é um instrumento de democratização. A questão chave, em Florianópolis, através da licitação, seria o fi m do regime de concessão, fazendo com que o transporte público fosse ge-rido pelo governo e não mercantilizado, assim como acontece com a saúde, edu-cação, segurança.

Na grande manifestação ocorrida em 2005, o cenário era bem dife-rente: muitas pessoas de fora do movimento condenavam os ma-nifestantes por estarem atrapa-lhando o trânsito da cidade. Hoje, o que se nota é um grande apoio popular em relação aos protestos. Na sua opinião, o que provocou essa mudança?Não concordo. As manifestações de 2004 e de 2005 tiveram, sim, apoio popular. O que a grande mídia trans-mitiu foi que as pessoas estavam descontentes com os manifestantes, mas essa era uma parcela pequena da população. Fui preso em três ocasiões e levei oito processos nesses dois ma-nifestos. O caso ocorrido em Ribeirão

Preto, em que um manifestante foi assassinado por atropelamento mos-tra que existem pessoas intolerantes, de extrema-direita, que reclamam. É importante lembrar que os protestos são instrumentos de mudança social, que é feito por pessoas, com base no apoio popular.

O foco da manifestação organiza-da pelo MPL, em Florianópolis, no Facebook era: por um transpor-te público de qualidade, além de gratuito. Quais são as principais melhorias que o movimento rei-vindica?A principal melhoria é superar esse regime de concessão que temos hoje. Os empresários ganham com o maior número de usuários, ou seja, com as rodadas da catraca. Então, claro que, para eles, o que vale é mais gente em menos ônibus, com menos funcioná-rios, o que gera mais lucro. A lógica privada é ônibus lotado, poucos horá-rios, poucos trabalhadores, que por sua vez recebem poucos investimentos. O empresário não quer ter custos adicio-nais, com ar condicionado ou mesmo com televisões de LED que informem os usuários sobre onde o coletivo está, que horas ele passará naquele ponto. O transporte coletivo é um direito social, é assim que o movimento entende ele, é um direito elementar como a saúde, a educação. Ele garante o acesso aos demais direitos.

Tarifa zero foi estopim para protestosMarcelo Pomar, um dos fundadores do MPL, compara manifesto atual aos de 2004 e 2005

Julho de 2013

10 | ESPECIAL

Movimento Passe Livre

A principal melhoria para o transporte coletivo em Floria-nópolis é mudar o regime de concessão para iniciativa pri-

vada por um modelo de gestão pública. Essa é a opinião de Marcelo Pomar, líder das manifestações em 2004 e 2005 na capital catarinense e um dos fundado-res do Movimento Passe Livre no país. Nesse momento de protestos generali-zados, Pomar volta a falar em nome do MPL. Em entrevista ao Zero, ele conta o que diferencia as atuais mobilizações das jornadas de anos anteriores, explica como pode ser implementada a tarifa zero e critica a ação de grupos que ele considera de extrema-direita.

No que diz respeito a seu posiciona-mento político, o Movimento Passe Livre (MPL) se alinha à esquerda. Como você avalia a apropriação de discursos do MPL por grupos de direita nas manifestações que estão sendo realizadas em todo o país?Existe uma tentativa de imputar o mo-vimento, canalizá-lo para agendar as pautas fáceis da direita, pegando caro-na. O Movimento Passe Livre é muito mais complexo, tem seus contornos muito bem defi nidos, defendendo ati-vidades apartidárias. Mas, claro que o movimento pela tarifa zero foi o esto-pim para uma vontade de ir pras ruas da população, que está indignada com a atual situação do país.

Diante da diversidade de bandeiras que têm sido levantadas nos pro-testos recentes, qual o peso que as reivindicações do MPL têm tido? Na sua opinião, elas devem ser o foco das manifestações? O foco das manifestações é o transpor-te público gratuito e de qualidade. Mas existem outras reivindicações legítimas. O dinheiro público gasto na Copa dei-xou de ser investido na população. Não vejo problemas em aparecer outras ban-deiras. Nosso país é um dos líderes em desigualdade econômica.

De que maneira o MPL julga que a tarifa zero, ou seja, a extinção da prática de cobrar tarifa nos ônibus, poderia ser viável economicamente?A tarifa zero poderia ser implementada através do Fundo Municipal de Trans-porte e dos impostos municipais, uma graduação do IPTU. Quem tem menos pagaria menos e quem tem mais paga-ria mais. Existem ainda outras manei-ras, através de ISS, Zona Azul, impostos estaduais e federais. As variantes técni-cas são muitas, o maior impedimen-to que temos é a política. A tarifa zero garantiria o acesso das pessoas à saú-

Participação no movimento já lhe rendeu três prisões e oito processos

Laís

Souz

a/Ze

ro Na manifestação de 20 de junho, algumas pessoas estavam pedindo para “separar” quem veio protes-tar pelo passe livre e quem veio por outras causas. Essa divisão foi uma decisão do movimento? Essa foi uma decisão não só do Movi-mento Passe Livre, mas de toda a Frente de Luta [Pelo Transporte Público], um conjunto de organizações. Mesmo de-fendendo o apartidarismo, percebemos que havia gestos de violência contra pessoas que queriam levantar suas bandeiras, muitas pessoas intoleran-tes, com atos fascistas. Esses grupos de extrema-direita vêm com um discurso fácil, sabemos que existe hoje no Brasil uma certa fadiga em relação aos parti-dos, não queremos discutir se isso está certo ou errado. O anti-partidarismo é muito perigoso e vem contra tudo o que conquistamos na história do país. Es-taríamos jogando fora a água da bacia com o bebê dentro se aceitássemos essa situação. A divisão que ocorreu foi en-tre democracia e não democracia, não defendemos qualquer tipo de violência.

Nos anos anteriores, nas manifesta-ções, levantava-se sempre a questão da função do cobrador, caso a tari-fa fosse zerada, e que eliminar essa função seria um desejo das empre-sas de transporte. Qual a posição do movimento em relação a isso?O movimento é totalmente contrário a isso. Hoje, nós sabemos que nos locais onde não há cobradores, onde as catra-cas são eletrônicas, aumentaram os ca-sos de assédio e assaltos. O que poderia acontecer é uma reformulação na pro-fi ssão, o cobrador atuaria como agente de bordo, dando mais segurança, aju-dando defi cientes e dando instruções aos passageiros. Num sistema de passe livre, eles apenas mudariam sua característi-ca, mas não perderiam sua função.

Como o movimento viu o preparo e o acompanhamento policial na ma-nifestação? A polícia não poderia reprimir o mo-vimento, considerando as proporções que ele tomou e o número de policiais disponíveis nas ruas. Conseguiriam, no máximo, evitar alguns focos. A orienta-ção era clara, para deixarem a manifes-tação acontecer, eles recebem ordens, tinham um comando, uma orientação governamental. Interessava que o movi-mento seguisse, para eles, a estratégia da vez era deixar desgastar e não reprimir, considerando que temos uma disputa eleitoral em 2014.

Thayse [email protected]

A estratégia da polícia era deixar a manifestação se desgastar em vez de reprimi-la

Linha do tempodia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

dia

6 Primeira manifestação contra o aumen-to da tarifa do transporte público em São Paulo, organizada pelo Movimento Passe Livre. Cerca de 4.000 pessoas participam na ação e a Polícia utiliza gás lacrimogêneo e balas de borracha.

7 Segundo dia de protesto em São Paulo, o confronto com a Polícia acontece novamente e alguns mani-festantes são detidos.

11 Terceiro dia de protesto em São Paulo. Dessa vez, são 3.000 pes-soas nas ruas e o evento começa a repercutir internacionalmente e nas redes sociais. Cerca de 20 pessoas são detidas.

13 No quarto dia de protestos milha-res de pessoas paralisam avenidas em São Paulo. Policiais reprimem o protesto com gás lacrimogêneo e balas de borracha, ferindo mani-festantes e jornalistas. As imagens dos feridos chamam a atenção mundial para os protestos.

15 Presidente Dilma Rousseff é vaiada durante a abertura da Copa das Confederações, em Brasília.

16 Manifestações acontecem na Irlanda e em Nova York.

17 A partir dessa semana, em várias cidades do Brasil, ocorrem protestos nas ruas. O transporte público ainda é o principal motivo das manifestações, mas diversas bandeiras são levantadas.

18 Primeira manifestação em Florianó-polis, com fechamento das pontes de acesso à Ilha. Sete cidades brasilei-ras anunciam a redução da tarifa. No exterior, brasileiros reúnem-se para protestar em Londres e Lisboa.

20 Milhares de manifestantes pros-seguem nas ruas em SP e no RJ, mesmo após a redução das tarifas. Acontece a segunda manifestação em Florianópolis e o primeiro registro do uso de bombas de efeito moral pela Polícia para desbloquear as pontes. Prefeitura de Itajaí anuncia redução da tarifa de ônibus.

21 Dilma faz pronunciamento oficial. Manifestações ocorrem em todo o país e em Paris.

22 Mais de 40 pessoas são presas por vandalismo no Rio de Janeiro e em Curitiba. Imprensa mundial destaca a promessa de Dilma e a pressão da Fifa por segurança. Manifestações ocorrem no Chile.

23 Brasileiros se reúnem em Tóquio para apoiar as manifestaçõs.

24 Prefeitura de Blumenau anuncia nova redução na tarifa. Dilma propõe cinco pactos com a sociedade.

25 Em Florianópolis, manifestantes ligados ao MPL realizam outra manifestação, dando “ultimato” ao prefeito pela redução da tarifa. As pontes não são fechadas.

27 Novo protesto é realizado em Floria-nópolis pelo MPL.

Junho nas ruas

Page 11: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Um grupo de 10 voluntários de Florianópolis saiu às ruas com uma missão na noite do dia 20 de junho: re-distribuir internet para transmitir, via streaming, o protesto. Apesar de al-guns problemas técnicos os impedirem de retransmitir o sinal da “wifinópo-lis” na maior parte do tempo, eram cumprimentados e aplaudidos pelos participantes por onde passavam.

A ação ficou conhecida como Re-volta da Antena, e foi idealizada pelo estudante da UFSC Ramiro Polla que já imaginava usar o sistema para uma manifestação. Após o protesto em São Paulo no dia 11 e o agendamento do ato em Florianópolis para dia 18, ele

viu a chance para testar sua ideia.A Revolta da Antena usa um proto-

colo chamado Mesh, em que todos os que se conectam a uma rede viram um replicador de internet. Os “antenei-ros”, como foram apelidados os volun-tários que carregaram os roteadores grudados em capacetes, usavam uma

bateria de 12 volts na mochila para carregá-los. Quem estava nesse papel, tinha que se comportar. “Tem que en-tender a importância em dar estrutu-ra de internet para a manifestação”, explica Ramiro. Além disso, precisa ficar bem posicionado em relação aos demais, pois a distância máxima que conseguem ficar um do outro é de 50 metros. Também era importante estar acompanhado por uma ou duas pes-soas para impedir que roubassem ou desligassem o roteador.

O protótipo do capacete era de papelão, porém, para a manifestação debaixo de chuva, eles encaparam os roteadores com plástico e os colaram

em um capacete utilizado em obras. A grande dificuldade da ideia era a

liberação de internet por parte dos mo-radores da região central da capital. Seguindo a iniciativa dos paulistanos com a campanha “libere sua wi-fi”, e copiando o seu lema, os revoltosos da antena de Florianópolis panfletaram nas ruas do centro e mapearam os lo-cais onde alguém liberaria a internet, mas a falta de definição de uma rota para a manifestação foi um problema na hora de planejarem e executarem a ação.

O ponto de origem da “vi-ralização” das manifesta-ções foi bem definido no momento em que o Movi-mento Passe Livre sofreu

com a repressão policial em São Paulo no dia 13 de junho. Juntamente com eles, repórteres, cinegrafistas, fotógra-fos e pessoas que não estavam envol-vidas com os protestos também foram alvo da ação da polícia. A partir daí, a grande imprensa que antes tratava os manifestantes como vândalos, passou a tratá-los como ativistas e diminuiu o peso do “vandalismo” no noticiário. Um grande exemplo foi o jornal Folha de São Paulo: no editorial do dia 13 pedia a polícia nas ruas para conter as manifestações, mas mudou com-pletamente o tom nos dias seguintes, após sete dos seus repórteres terem sido atingidos por balas de borracha e spray de pimenta. Foi um ponto de virada no discurso midiático.

Vários fatores contribuíram para isso, segundo Rogério Christofoletti, especia-lista em Ética do Curso de Jornalismo da UFSC. “Os meios de comunicação per-ceberam, através das redes sociais, que eles estavam indo para um caminho sem volta e que iriam brigar com a notícia se continuassem com a mesma cobertura. As redações têm sempre alguém desta-cado para monitorar as redes sociais e isso é bom, ajuda a corrigir rota na co-bertura, pescar assuntos, buscar fontes, aproximar do público, gerar críticas. É um canal de comunicação com diver-sos públicos. Exige um preparo e uma tranquilidade maior dos jornalistas para lidar com isso. Além disso, a imprensa brasileira tem uma postura muito corpo-rativa, auto-centrada.”

A partir de então, com essa mu-dança de angulação, as manifestações começaram a crescer, organizadas

através das redes sociais, e tomaram as ruas. Jacques Mick, pesquisador na área de “Mídia, políticas públicas e participação social”, defende que “a mudança da inflexão midiática aju-dou a vitaminar os protestos de rua, mas esse grupo que foi às ruas nas grandes manifestações do dia 20 de ju-nho é muito desconexo. Era um grupo que estava junto, mas não era unido.”

A grande mídia via-se claramente despreparada para cobrir o que estava acontecendo, principalmente quando cerca de 1 milhão de pessoas toma-ram as ruas simultaneamente e por motivos distintos. Isso fica evidente ao tentar procurar dialogar com lideran-ças onde elas não existiam - ou não apareciam. Fica claro também quando William Bonner apresentava o Jornal Nacional diretamente de Recife (PE), falando da Copa das Confederações, no momento em que algo muito maior estava acontecendo no país. Christo-foletti acredita que “esses episódios demonstram a falta de know-how que a mídia brasileira tem para cobrir mo-

vimentos sociais, ela se desobrigou a lidar com isso há muito tempo.” Mick tem uma opinião no mesmo sentido. Para ele, “a mídia sempre criminali-zou os movimentos sociais e a aborda-gem que dá aos espaços de organização social sempre foi muito enviesada.” Segundo o militante do Movimento Passe Livre, Marcelo Pomar, a grande mídia fez uma cobertura “lamentável”

ao não relatar o que está acontecendo, mas “tentando encaixar os protestos dentro do seu discurso pronto”. “Está muito claro que eles são pautados na-cionalmente e não têm preocupação em reportar a realidade”, afirma.

As manifestações mostraram que havia um descontentamento geral com o discurso vigente na grande imprensa. Carros de emissoras de te-

levisão foram incendiados, repórteres foram impedidos de trabalhar. Alguns profissionais, principalmente da Rede Globo, não conseguiram ficar no meio da massa por muito tempo, sendo ex-pulsos. Christofoletti vê os episódios de violência contra a imprensa como “isolados”, mas que não podem ser ignorados. “Há uma raiva, um descon-tentamento com a cobertura massiva. Não é a melhor maneira de receber um recado, é condenável, mas a violência também é uma maneira de se expres-sar”, explica.

Nesse momento de tensão, é espera-do que a mídia responda transforman-do novamente a sua cobertura, abrindo espaço para debates, reduzindo a carga informativa e superficial. Para isso, deve, segundo Christofoletti, “fustigar a sociedade para a discussão e o debate, sem dizer quem está certo, quem está errado, mas ouvir as diversas vozes. Deve atentar para as possibilidades de as propostas se tornarem algo real, re-alizar uma cobertura mais pró-ativa e ajudar a sociedade a se rearmonizar.”

Com a diminuição gradual na ade-são aos movimentos nas ruas, há uma preocupação de que o discurso da im-prensa volte a ser o mesmo de antes. “A mídia modula a cobertura de acordo com a quantidade de pessoas nas ruas e a natureza do protesto”, diz Christo-foletti. Nesse ponto, Mick acredita que “a mídia deve voltar a criminalizar os movimentos sociais pois sempre o fez e deve voltar a fazê-lo, o que é da sua normalidade”. Resta a questão: o que aconteceu foi um ponto de mudança temporário no discurso, pressionado pela quantidade de pessoas nas ruas, ou terá algum efeito a longo prazo?

Especialistas afirmam que a grande mídia não estava preparada para cobrir e compreender os acontecimentos

Thay

se S

tein

/Zer

o

especial | 11

Eco das manifestações

Julho de 2013

Imprensa também é alvo de críticasPressão popular e jornalistas feridos contribuíram para que mídia mudasse tom da cobertura

Brenda Thomé[email protected]

Globo foi emissora mais criticadaSindicato pede aumento salarial

Alex

andr

e Br

andã

o /Z

ero

Alex

andr

e Br

andã

o /Z

ero

“Revolta da Antena” levou internet para as ruas

Voluntários testam os roteadores

Laís

Souz

a /Z

ero

Rota indefinida atrapalhou a liberação de senhas de wi-fi pelos moradores

laís [email protected]

Page 12: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Aplicativos ampliam segurança na WebFerramentas para dupla autenticação evitam fraudes virtuais e protegem usuários de hackers

Em agosto de 2012, o jornalista Mat Honan foi hackeado: rou-baram sua conta do Google, Twitter e Apple ID. Os dados de

seu celular, tablet e laptop foram apa-gados. Em outubro, o matemático Za-chary Harris virou notícia ao expor a fragilidade da encriptação que ga-rantia a autenticidade dos remeten-tes de e-mail das maiores empresas de tecnologia. Para tanto, ele utilizou serviços de nuvem com grande capa-cidade de processamento, que podem ser “alugados” para realizar ataques de força bruta, quebrando senhas na base de tentativa e erro.

Casos como esses revelam a atual

fragilidade dos sistemas baseados ape-nas em uma senha. Felizmente, Honan escreve para a mais importante revista de tecnologia do mundo, a Wired, e, por conta disso, conseguiu entrevistar aqueles que o prejudicaram, revelando falhas graves nos procedimentos de se-gurança da Apple e Amazon. Já Harris, precisou apenas de três dias de pro-cessamento, ao custo de US$ 75, para conseguir enviar um email para Larry Page (CEO do Google), passando-se por Sergey Brin (cofundador da em-presa). Dois dias depois, a vulnerabi-lidade estava corrigida.

Desde então, essas e outras gran-des empresas estão em uma corrida

para melhorar seus sistemas de login: a maioria passou a oferecer autenti-cação em duas etapas (2FA, do inglês two-factor authentication).

Em teoria, já conhecemos esse tipo de autenticação: é o mesmo que usamos nos caixas eletrônicos, por exemplo. Nesse caso, há algo que o

usuário sabe (a senha) e algo que o usuário possui (o cartão do banco). Além disso, poderia haver também algo que é inerente ao usuário (como sua impressão digital).

Nos smartphones, vários sistemas de 2FA utilizam códigos que se alteram em poucos segundos. Esses códigos po-dem ser recebidos por mensagem de texto, mensagem de voz ou através de aplicativos específi cos.

Na UFSC, o Laboratório de Segu-rança em Computação está desenvol-vendo a 2FA para o Sistema Integrado de Telemedicina e Telessaúde de Santa Catarina. “A princípio pensamos nos médicos que provêm diversos laudos

virtuais por dia, mas depois acabamos descobrindo que eles são apenas uma pequena parcela dos usuários”, expli-ca a pesquisadora Dayana Spagnuelo. Um dos métodos de autenticação uti-liza um aplicativo baseado Google Au-thenticator, mas também será possível receber códigos por SMS.

No Brasil está em desenvolvimento o serviço Pontopass, voltado para em-presas. Criado pela start-up brasileira Pontosec, do programador e hacker Vi-nicius ‘K-Max’ Camacho, o serviço per-mitirá que os administradores tenham mais opções, como restringir o acesso de usuários de acordo com horários e geolocalização, por exemplo.

A primeira grande empresa a ofere-cer este serviço foi o Google, em feve-reiro de 2011. O aplicativo Authentica-tor está disponível para Android, iOS e Blackberry. Funciona da seguinte for-ma: após o preenchimento correto do nome de usuário e senha, o sistema vai pedir um código de verifi cação de seis dígitos. Quem não tem smartphone pode receber os códigos por SMS ou por mensagem de voz. Eles são pedidos ao menos uma vez para cada dispositi-vo (browser ou aparelho).

E se você perdeu o celular ou está sem acesso a ele? Para lidar com essa

possiblidade, existem códigos de back-up. Quando você ativa a 2FA, o Google solicita que você os imprima e guar-de em local seguro (sua carteira, por exemplo). São dez códigos de oito dígi-tos, descartáveis, de uso único. Quan-

do você estiver sem seu celular, basta inserir um desses códigos (e riscá-lo da lista, porque, uma vez utilizado, torna-se inválido). O Registro.BR – responsável pelo registro de domínios no Brasil – utiliza o mesmo sistema de códigos de backup que o Google. Evernote e Dropbox usam códigos de backup diferentes, com 16 dígitos. O primeiro possui apenas 4 códigos nu-méricos e o outro, um alfanumérico.

Não é possível gerar códigos de ve-rifi cação para a mesma conta em mais de um dispositivo simultaneamente. Os códigos mudam a cada 30 segun-

dos, de acordo com o especifi cado no padrão TOTP (Time-based One-time Password). Amazon, Dropbox, Micro-soft, Evernote e Registro.BR também utilizam esse padrão aberto.

No entanto, nem todos os aplicati-vos suportam essa segunda etapa. É o caso dos programas de e-mail. Nestes, a senha comum deixa de funcionar e é preciso criar uma senha específi ca, aleatória. Essa senha precisa ser cria-da dentro das confi gurações de segu-rança da conta.

O sistema de 2FA da Microsoft não dispõe desses códigos. Além disso, a

funcionalidade que permitia que até cinco contas da Microsoft fossem vin-culadas está sendo descontinuada, por segurança. Quem utiliza essa função precisa desvincular tudo para poder ativar o 2FA.

Para os aparelhos que usam Win-dows Phone, a Microsoft criou seu próprio aplicativo de autenticação. Além disso, para Android há outras al-ternativas como o AWS Virtual MFA, da Amazon, e o Duo Mobile.

Galeno [email protected]

Google é pioneiro na oferta do serviço entre as grandes companhias

Empresas em alertaTwitter: Em 22 de maio, passou a disponibilizar o 2FA paraseus usuários. Os códigos podem ser recebidos somente porSMS e apenas para algumas operadoras de telefonia. Para vincular um aparelho de celular à sua conta, é necessário, primeiramente, enviar uma mensagem de texto para o Twitter.

Facebook: Desde abril de 2011 os códigos de veri� cação podem ser recebidos por mensagem de texto ou obtidos através do próprio aplicativo do Facebook, no link Gerador de Códigos.

Apple: Utiliza um código de quatro dígitos, que aparece direta-mente na tela do aparelho, mesmo que esteja bloqueada. Esse serviço existe desde março de 2013 nos EUA e está sendo libera-do aos poucos para os usuários de outros países.

LinkedIn: Lançou seu sistema de 2FA no � m de maio. Funciona apenas por SMS e - diferente do Google e Microsoft - não possui senhas especí� cas para aplicativos que não suportem o 2FA. Nes-ses casos é preciso incluir os seis dígitos após a senha padrão.

PayPal & Ebay: O principal sistema de pagamento online vende um cartão para ser utilizado em 2FA. Custa US$29,95 e tem um display com o código de veri� cação. Há a opção de pedir o disposi-tivo em formato de chaveiro, oval. É possível fazer a veri� cação por SMS, mas por enquanto apenas para contas dos Estados Unidos.

Casos divulgados na mídia expõem fragilidade dos sistemas com apenas uma senha

Internet

julho de 2013

Ao fazer login,o usuário recebe um código de verifi cação pelo smartphone

Aplicativo baseado no Google Authenticator é uma das opções para proteger o acesso aos dados dos usuários

Bren

da T

hom

é/Ze

ro

12 | TENDÊNCIAS

Page 13: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Por conta de problemas emo-cionais, a fi sioterapeuta Mi-chelle Franzoni, de 35 anos, engordou mais de 30kg e

passou três anos obesa. O turismólogo Mauro Estrêla, 25 anos, sempre esteve acima do peso e chegou a ultrapassar os 160kg. Márcia Loezer, estudante, com 1,61m de altura e 82kg, enquadra--se no grau I de obesidade pelo cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC). As histórias dessas três pessoas se cruzam em um lugar comum: a internet. Todos decidiram mudar de vida, adquirindo hábitos mais saudáveis, e hoje utilizam blogs e redes sociais para compartilha-rem suas experiências com outras pes-soas que desejam seguir esse caminho.

Recentemente, os adeptos do estilo de vida saudável passaram a usar as novas mídias como forma de incenti-var a geração saúde. A moda agora não é mais postar o famoso “look do dia”, as compras do mês e as unhas da sema-na. Estes foram substituídos pelas fotos no espelho da academia, da barriga sarada, receitas de suco verde, lanchi-nhos saudáveis e shakes de proteína. Algumas dessas pessoas tornaram-se tão populares nesses meios que servem de referência para quem quer mudar seus hábitos e ter uma vida melhor.

Michelle Franzoni, de Florianó-polis, é a autora do Blog da Mimis. Quando decidiu emagrecer, fez uma reeducação alimentar, voltou a prati-car exercícios e traçou como objetivo levar uma vida mais saudável. Resulta-do: perdeu 33kg em dez meses, sem ci-rurgias ou medicamentos. “Queria vol-tar a ter uma vida normal. Sou casada e queria ter fi lhos e pensava em como iria criá-los pesando quase 100kg. Eu realmente queria transformar a minha vida de uma vez por todas e não ape-nas emagrecer. Eu desejava outra vida, com qualidade”, conta. Hoje, Franzoni tem mais de 320 mil seguidores nas redes sociais. “Meu objetivo é mostrar para as pessoas que ser saudável é

gostoso. É abandonar o termo dieta e trocá-lo por estilo de vida saudável. A alimentação equilibrada, a prática de atividade física e a busca da qualidade de vida devem ser naturais”, avalia.

O Instagram reúne todo dia mi-lhares de imagens com hashtags – palavras-chave antecedidas pelo símbolo # – relacionadas ao assunto, como #corpoperfeito, #projetobun-dadura, #instafi tness, #projetosaude.

Os usuários da rede criam um diário virtual, onde registram as refeições saudáveis que comem e as atividades físicas que estão praticando. Dessa forma, são inspiração para as pessoas que também querem uma vida mais saudável e servem de motivação para aqueles que têm preguiça de ir para a academia. Afi nal, um corpo sarado e as curvas nos seus devidos lugares não vêm de graça.

Um destaque no Instagram é Mauro Estrêla. Quando notou que as calças número 62 já não entravam mais, o piauiense decidiu que não queria mais engordar. A partir daí, após perder mais de 20kg só com a diminuição da quantidade de comi-da, ele gostou dos resultados e optou por continuar o processo de ema-grecimento. Em menos de dois anos, Estrêla emagreceu 75kg, apenas

com dieta e exercícios físicos. “Foi um processo muito natural. Tracei metas, virou um desafio gostoso de ser alcançado. Não teve nenhum momento em que quis desistir. Como você vai desistir de algo tão benéfi-co, que lhe faz tão bem?”, questio-na. Com mais de 7 mil seguidores, ele aponta a responsabilidade de ser referência para os outros. “Algumas pessoas me param na rua e falam que estou servindo de exemplo. Isso ainda é novo pra mim, mas gosto da ideia. Servir de vitrine pra um grupo de pessoas não é fácil, tem que se po-liciar ainda mais. Não quero ser uma vitrine feia, que não gere desejo”.

Quem ainda está na batalha para emagrecer e conquistar uma vida mais saudável é Márcia Loezer. Em junho deste ano, a paranaense que mora em São Paulo começou a es-crever o blog O fantástico desafi o de perder peso. “Você não nota o quanto está fora do peso até chegar onde eu cheguei. Eu estava muito triste com a minha aparência, perdi grande parte das minhas roupas, minha auto es-tima estava lá embaixo. Decidi que esse será o ano da mudança”, explica. Ela acredita que o blog serve como incentivo para se manter disciplina-da e para dividir suas ideias com os demais. “Não quero decepcionar. E também acho que posso ajudar outras meninas que estão na mesma situa-ção que a minha”.

Franzoni, Estrêla e Loezer sabiam as difi culdades que encontrariam durante o processo de mudança de hábitos. Os três casos se conectam em vários pon-tos, fora a questão do online. Todos ressaltam que a reeducação alimentar é mais importante do que fazer dietas radicais, que a prática de exercícios físi-cos é fator decisivo, que o acompanha-mento de um profi ssional é obrigatório, e que, logo que os primeiros resultados surgem, percebe-se que a sua maior inspiração deve ser você mesmo.

Geração saúde invade as redes sociaisBlogs e Instagram motivam pessoas a mudarem estilos de vida e adquirirem hábitos saudáveis

Foto

s: Di

vulg

ação

Carolina [email protected]

Internet não supre ajuda individual

TENDÊNCIAS | 13

#VidaSaudável

Julho de 2013

Depois de tomada a decisão cons-ciente de que quer emagrecer e ter uma vida mais saudável, o primeiro passo é procurar a ajuda de um profi ssional para acompanhar o processo.“Somente um profi ssional da área, em atendimen-to presencial, saberá avaliar cada caso e, de acordo com o objetivo do cliente, es-tabelecer uma conduta adequada”, ex-plica a nutricionista Fernanda Sanfelice.

O uso das redes sociais para incen-tivar o estilo de vida saudável é válido para servir de inspiração àqueles que

querem se informar. Porém, é impor-tante lembrar que não se deve seguir à risca as dietas e treinos de outras pes-soas. “É muito comum encontrarmos soluções mágicas e dietas milagrosas na internet ou revistas. Porém, deve-mos lembrar que cada pessoa é única, e essa individualidade deve ser respei-tada”, lembra Sanfelice.

Já foi comprovado que o uso de um diário para registrar as refeições au-xilia no controle e na diminuição da ingestão de comida. Nesse caso, o uso

do Instagram, por exemplo, ajuda não só aquele que publica a foto, mas tam-bém aqueles que seguem o usuário e que serão incentivados pela imagem a manter o foco pessoal.

É importante saber discernir quais informações encontradas na internet são verdadeiras ou não. Para isso, é preciso sempre conferir se a fonte ou site são confi áveis.

Michelle buscou qualidade de vida de forma natural e emagreceu 33kg

Per� s servem de inspiração e possuem milhares de seguidores à procura de dicas de comida e de exercíciosPer� s servem de inspiração e possuem milhares de seguidores à procura de dicas de comida e de exercícios

Page 14: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Não são só viajantes, nômades e la-tinos que transformam, através da arte, as ruas de Florianópolis em palcos de teatro e picadeiros de circo. Por trás de fantasias de palhaço, malabares e letras de poesia, encontram-se também estu-dantes universitários vindos de outras cidades que vão às sinaleiras para de-monstrar seus dons e conseguir dinhei-ro para sobreviver na Ilha.

Luisandra, a poeta Em meio à rotina de provas, tra-

balhos e tarefas de casa, Luisandra Junges, estudante de Letras Português da UFSC, ainda consegue tempo para se inspirar e escrever poesias. Após perder uma bolsa oferecida pela uni-versidade, Lui precisava arrumar um emprego para pagar as contas. No entanto, fazia disciplinas de manhã e de tarde, o que acabou restringindo as possibilidades de trabalho. Como já escrevia desde os 12 anos e conhecia um pessoal que vendia poesias na rua, decidiu, há um ano, apostar no talento e ir às sinaleiras. “No início, encontrei dificuldade para abordar as pessoas, tinha receio porque os artistas de rua são marginalizados. Só ia aos carros com a janela aberta.”

Com um sorriso estampado no ros-to, ela conta que só começou a render quando perdeu a vergonha e passou a valorizar o próprio trabalho. “Eu não peço esmola, vendo a minha arte. Te-nho todo um empenho para escrever o poema, para montar, torná-lo apre-sentável”. Na opinião da estudante, a maioria das pessoas com quem con-versa nas sinaleiras não liga para a arte em geral, e principalmente para a poesia, porque ela não está inserida no cotidiano das pessoas. “Quando é ma-labarista ou palhaço, é algo visual, en-tão é bem mais fácil de cativar alguém. Eu chego com um papel na mão, então a pessoa primeiramente precisa ler, para saber se gosta ou não”.

Lui vai quase todos os dias para os semáforos. Atualmente, tem ficado em um próximo ao restaurante Dona Ben-ta, na entrada do Córrego Grande. Para ela, a vantagem de escolher um ponto fixo para trabalhar está no fato de algu-mas pessoas já a conhecerem, e sempre comprarem as poesias. “Assino com o pseudônimo Lola, então volta e meia passa um e grita ‘Oi Lola’, dizendo que lê o que eu escrevo e que adora. Para mim, ser reconhecida pelo que faço é mais gratificante do que o dinheiro.”

A estudante, que trabalha em média duas horas por dia, diz que o dinheiro que recebe com as poesias varia muito. “Dá para ganhar R$ 20 por hora. Estou vivendo só disso no momento, e tenho que pagar aluguel, alimentação, transporte. Minha mãe ajuda um pouco, mas o grosso mesmo vem desse trabalho”. A jovem conside-ra que há falta de incentivo da univer-sidade e que a burocracia atrapalha

inclusive em questões simples, como o apoio para tirar cópias dos seus textos. “No nosso curso tem muita gente que escreve bem, e só temos um período no semestre para mostrar isso, que é na Semana de Letras, quando tem um varal ali no corredor do bloco do CCE. Isso nos desmotiva.”

Guilherme, o palhaço Guilherme Freitas, aluno de Ar-

tes Cênicas da UFSC, nem imaginava a cambalhota que sua vida iria dar quando cursou a disciplina Teatro de Rua e se matriculou na optativa sobre palhaços. Foi nessa época que desco-briu a técnica, aprendeu, apaixonou--se pelo personagem, e resolveu unir o útil ao agradável. “Estava precisando de dinheiro e também tinha que trei-nar, pôr em prática o que aprendi, por isso decidi ir às ruas”. Com o tempo, aprendeu a trabalhar com malaba-rismo também e confessa que, sem os malabares, não teria ido só de palhaço.

Após treinar sozinho em casa e confeccionar o próprio material – três bolinhas que revestiu de borracha –, Freitas ficou quase um ano trabalhan-do na sinaleira da Bocaiúva com a Alves de Brito, perto do Shopping Bei-ramar, sem companhia. Em setembro do ano passado, formou um grupo de teatro (Pachorra Teatro Livre) com duas meninas, Thainá e Rafaela, e co-meçaram a fazer a abordagem juntos, criando algumas cenas para apresen-tar no sinal. “Eu faço malabares, a Thainá (minha namorada) toca es-caleta e a Rafa faz o flag, que são as bandeiras, todos vestidos de palhaços”. O estudante conta que geralmente tra-balhavam quatro horas e que ganha-

vam, no mínimo, R$ 30 por dia, mas que há um mês não vão aos semáforos porque estão envolvidos com um pro-jeto no SESC.

Um ressentimento que o artista carrega é o preconceito com que as pessoas tratam o seu trabalho. “Elas não estão esperando que vá alguém ali no carro fazer uma brincadeira. Geralmente, no trânsito, a cabeça está em outro lugar. E nós temos que ten-tar driblar essa barreira”. Apesar de já ter lidado com muitas janelas fecha-das e de ter levado muitos desaforos, como “vai trabalhar, seu vagabundo”, Guilherme reforça que tem gente que sabe valorizar. Ele lembra de um dia que, depois de duas horas no sinal, só tinha ganhado dez reais e, após fazer uma gracinha para uma menina, ela riu muito. “Quando fui passar no car-ro, ela me deu umas moedas e disse ‘muito obrigada por ter conseguido arrancar um sorriso meu hoje.’ Essas coisas são as que valem a pena. Às ve-zes acontece uma vez ao dia, mas já vale pelo resto”.

Treinado para atuar em 45 se-gundos, período em que o sinal fica fechado, o estudante afirma que às vezes se perde no tempo, mas precisa estar sempre atento porque é perigo-so. “Há pessoas que não respeitam mesmo, passam por cima, batem com o retrovisor na gente, gritam que es-tamos trancando tudo”. No meio de tanto estresse no trânsito, Guilherme explica que o objetivo do grupo é fazer uma abordagem que deixe as pessoas mais leves, trabalhando com a alegria do palhaço, tentando trazer um pouco de leveza para o dia de cada motorista.

Quando questionado sobre o maior sonho dentro da profissão, a resposta vem no mesmo segundo, sem hesitar: ser reconhecido de verdade e poder ter dignidade para trabalhar com arte.

Eles estão nas avenidas, praças, bancos, calçadões e semáfo-ros. Podem cantar, dançar, in-terpretar, tocar instrumentos

ou equilibrar objetos, transformando qualquer ambiente em palco. Para os artistas de rua, não há hora nem local marcado para começar o show. A pla-teia não tem lugares numerados, nem precisa comprar ingresso. Basta parar em um sinal fechado, ou simplesmen-te estar andando nas ruas da cidade.

Em Florianópolis, essas pessoas ajudam a compor o cenário do espaço urbano. Entre o vai e vem de carros, pedestres, feirantes, vendedores am-bulantes e gritos de “compro ouro” no centro da cidade, há sempre o som de uma música ao fundo, o vislumbre de um rosto pintado ou de um acrobata se destacando em meio à multidão. Por trás de cada uma dessas habilida-des há muitas histórias para contar.

Jesus, o músico Sentado em um dos bancos da mo-

vimentada rua Felipe Schmidt, no cen-tro de Florianópolis, Jesus Cavallera toca concentrado seu saxofone. A me-lodia pomposa do instrumento pode ser ouvida a algumas quadras de dis-tância e desperta a atenção dos tran-

seuntes, como da senhora carregada de sacolas que desviou do seu trajeto em direção ao terminal para descobrir de onde vinha a música. “Achei que fosse bandinha marcial”, comenta um pouco decepcionada.

Com uma porção de folhas de par-tituras dispostas pelo chão e uma capa de instrumento aberta para recolher as moedas, Jesus sorri em agradeci-mento aos que deixam alguma contri-buição. O argentino de 26 anos mora há apenas quatro meses em Floria-nópolis, e viu nas ruas uma forma de compartilhar a sua arte com as pesso-as e garantir a sobrevivência na capi-tal. Ao chegar à cidade, trabalhou por um tempo na cozinha de um restau-rante, mas logo percebeu que poderia ganhar mais dinheiro com a música do que com o emprego fixo. “É bem melhor porque ninguém te diz quando tem que tocar, ninguém te pressiona. Você toca quando quer. Sou mais feliz assim.”

O saxofonista aprendeu a tocar em uma escola de música de sua ci-dade natal, onde também participava de uma banda e de uma orquestra fi-larmônica. Fascinado por viajar, Jesus conta que o que mais o encanta nas ruas é a troca de experiências com o

público. “Eu penso que não é o ins-trumento que faz a música, mas sim o que o músico transmite. Ele pode estar tocando uma flautinha, mas se com essa música ele faz as pessoas sentirem algo, ele é dos bons.”

Maximiliano, o malabaristaQuando o sinal fecha ele entra em

ação. Com rapidez e maestria, Ma-ximiliano, ou Max, como prefere ser chamado, movimenta três bastões no ar enquanto desfila entre os carros.

Natural de Buenos Aires, na Argen-tina, o malabarista deixou a cidade onde vivia para viajar pela América do Sul. Veio para Florianópolis há cerca de um mês e meio, e atual-mente mora na Barra da Lagoa com a namorada Paz, que o acompanha nos semáforos fazendo apresentações com fitas. Os dois geralmente traba-lham no sinal do Shopping Iguatemi, no bairro Santa Mônica. O local, que fica próximo da Universidade (UFSC) e é uma das principais vias de acesso

ao Centro, foi escolhido pelo grande movimento de carros.Max aprendeu a fazer malabarismo em suas viagens e, em pouco tempo, o hobby se transfor-mou em profissão. Segundo ele, o que ganha nas ruas é suficiente para ga-rantir a hospedagem e a alimentação, e quando sobra alguma coisa guarda para viagens futuras. Essa maneira diferente de levar a vida a princípio desagradou à sua família, que reagiu mal quando ele resolveu sair de casa há quase dois anos e meio. O malaba-rista conta que hoje sua meta é viajar, conhecer lugares, pessoas, aprender coisas novas, mas que a escolha não é para sempre. “Amanhã, quando isso acabar, volto para a Argentina que é o lugar onde eu tenho raízes para seguir vivendo o resto da minha vida.”

A habilidade já rendeu convites para apresentações em eventos, festas infantis e empresas. Max e a namora-da não restringem o trabalho às ruas, mas têm elas como sua preferência. “Somos apaixonados pela arte na rua. Se ficamos um dia sem vir trabalhar, por causa de chuva ou algo assim, a gente sente que nos falta algo. Por isso temos que unir paixão e trabalho, é o que nos dá energia para continuar to-dos os dias.”

Quando o asfalto é o melhor palcoMúsico, malabarista, poeta e palhaço mostram seu talento nas ruas para ganhar a vida

Poesia e teatro complementam renda

14 | oxigênio

Arte nas esquinas

oxigênio | 15

Camila [email protected]

Marcela [email protected]

Pachorra Teatro Livre traz a alegria do palhaço para o trânsito da Capital

Aluna de Letras Português vende suas poesias para ajudar nas despesas

Mar

cela

Bor

ges/

Zero

Max e Paz veem a arte como forma de viajar e conhecer outras culturas

Cam

ila H

amm

es/Z

ero

Embora prefiram as ruas, Max e a

namorada também fazem apresentações

em eventos

Julho de 2013 Julho de 2013

Lui conquistou os leitores depois de valorizar a qualidade do seu trabalho

Eles lidam com o preconceito do trabalho informal e com o estresse dos motoristas

Cam

ila H

amm

es/Z

ero

Arqu

ivo

Pess

oal

Mar

cela

Bor

ges/

Zero

Page 15: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Não são só viajantes, nômades e la-tinos que transformam, através da arte, as ruas de Florianópolis em palcos de teatro e picadeiros de circo. Por trás de fantasias de palhaço, malabares e letras de poesia, encontram-se também estu-dantes universitários vindos de outras cidades que vão às sinaleiras para de-monstrar seus dons e conseguir dinhei-ro para sobreviver na Ilha.

Luisandra, a poeta Em meio à rotina de provas, tra-

balhos e tarefas de casa, Luisandra Junges, estudante de Letras Português da UFSC, ainda consegue tempo para se inspirar e escrever poesias. Após perder uma bolsa oferecida pela uni-versidade, Lui precisava arrumar um emprego para pagar as contas. No entanto, fazia disciplinas de manhã e de tarde, o que acabou restringindo as possibilidades de trabalho. Como já escrevia desde os 12 anos e conhecia um pessoal que vendia poesias na rua, decidiu, há um ano, apostar no talento e ir às sinaleiras. “No início, encontrei dificuldade para abordar as pessoas, tinha receio porque os artistas de rua são marginalizados. Só ia aos carros com a janela aberta.”

Com um sorriso estampado no ros-to, ela conta que só começou a render quando perdeu a vergonha e passou a valorizar o próprio trabalho. “Eu não peço esmola, vendo a minha arte. Te-nho todo um empenho para escrever o poema, para montar, torná-lo apre-sentável”. Na opinião da estudante, a maioria das pessoas com quem con-versa nas sinaleiras não liga para a arte em geral, e principalmente para a poesia, porque ela não está inserida no cotidiano das pessoas. “Quando é ma-labarista ou palhaço, é algo visual, en-tão é bem mais fácil de cativar alguém. Eu chego com um papel na mão, então a pessoa primeiramente precisa ler, para saber se gosta ou não”.

Lui vai quase todos os dias para os semáforos. Atualmente, tem ficado em um próximo ao restaurante Dona Ben-ta, na entrada do Córrego Grande. Para ela, a vantagem de escolher um ponto fixo para trabalhar está no fato de algu-mas pessoas já a conhecerem, e sempre comprarem as poesias. “Assino com o pseudônimo Lola, então volta e meia passa um e grita ‘Oi Lola’, dizendo que lê o que eu escrevo e que adora. Para mim, ser reconhecida pelo que faço é mais gratificante do que o dinheiro.”

A estudante, que trabalha em média duas horas por dia, diz que o dinheiro que recebe com as poesias varia muito. “Dá para ganhar R$ 20 por hora. Estou vivendo só disso no momento, e tenho que pagar aluguel, alimentação, transporte. Minha mãe ajuda um pouco, mas o grosso mesmo vem desse trabalho”. A jovem conside-ra que há falta de incentivo da univer-sidade e que a burocracia atrapalha

inclusive em questões simples, como o apoio para tirar cópias dos seus textos. “No nosso curso tem muita gente que escreve bem, e só temos um período no semestre para mostrar isso, que é na Semana de Letras, quando tem um varal ali no corredor do bloco do CCE. Isso nos desmotiva.”

Guilherme, o palhaço Guilherme Freitas, aluno de Ar-

tes Cênicas da UFSC, nem imaginava a cambalhota que sua vida iria dar quando cursou a disciplina Teatro de Rua e se matriculou na optativa sobre palhaços. Foi nessa época que desco-briu a técnica, aprendeu, apaixonou--se pelo personagem, e resolveu unir o útil ao agradável. “Estava precisando de dinheiro e também tinha que trei-nar, pôr em prática o que aprendi, por isso decidi ir às ruas”. Com o tempo, aprendeu a trabalhar com malaba-rismo também e confessa que, sem os malabares, não teria ido só de palhaço.

Após treinar sozinho em casa e confeccionar o próprio material – três bolinhas que revestiu de borracha –, Freitas ficou quase um ano trabalhan-do na sinaleira da Bocaiúva com a Alves de Brito, perto do Shopping Bei-ramar, sem companhia. Em setembro do ano passado, formou um grupo de teatro (Pachorra Teatro Livre) com duas meninas, Thainá e Rafaela, e co-meçaram a fazer a abordagem juntos, criando algumas cenas para apresen-tar no sinal. “Eu faço malabares, a Thainá (minha namorada) toca es-caleta e a Rafa faz o flag, que são as bandeiras, todos vestidos de palhaços”. O estudante conta que geralmente tra-balhavam quatro horas e que ganha-

vam, no mínimo, R$ 30 por dia, mas que há um mês não vão aos semáforos porque estão envolvidos com um pro-jeto no SESC.

Um ressentimento que o artista carrega é o preconceito com que as pessoas tratam o seu trabalho. “Elas não estão esperando que vá alguém ali no carro fazer uma brincadeira. Geralmente, no trânsito, a cabeça está em outro lugar. E nós temos que ten-tar driblar essa barreira”. Apesar de já ter lidado com muitas janelas fecha-das e de ter levado muitos desaforos, como “vai trabalhar, seu vagabundo”, Guilherme reforça que tem gente que sabe valorizar. Ele lembra de um dia que, depois de duas horas no sinal, só tinha ganhado dez reais e, após fazer uma gracinha para uma menina, ela riu muito. “Quando fui passar no car-ro, ela me deu umas moedas e disse ‘muito obrigada por ter conseguido arrancar um sorriso meu hoje.’ Essas coisas são as que valem a pena. Às ve-zes acontece uma vez ao dia, mas já vale pelo resto”.

Treinado para atuar em 45 se-gundos, período em que o sinal fica fechado, o estudante afirma que às vezes se perde no tempo, mas precisa estar sempre atento porque é perigo-so. “Há pessoas que não respeitam mesmo, passam por cima, batem com o retrovisor na gente, gritam que es-tamos trancando tudo”. No meio de tanto estresse no trânsito, Guilherme explica que o objetivo do grupo é fazer uma abordagem que deixe as pessoas mais leves, trabalhando com a alegria do palhaço, tentando trazer um pouco de leveza para o dia de cada motorista.

Quando questionado sobre o maior sonho dentro da profissão, a resposta vem no mesmo segundo, sem hesitar: ser reconhecido de verdade e poder ter dignidade para trabalhar com arte.

Eles estão nas avenidas, praças, bancos, calçadões e semáfo-ros. Podem cantar, dançar, in-terpretar, tocar instrumentos

ou equilibrar objetos, transformando qualquer ambiente em palco. Para os artistas de rua, não há hora nem local marcado para começar o show. A pla-teia não tem lugares numerados, nem precisa comprar ingresso. Basta parar em um sinal fechado, ou simplesmen-te estar andando nas ruas da cidade.

Em Florianópolis, essas pessoas ajudam a compor o cenário do espaço urbano. Entre o vai e vem de carros, pedestres, feirantes, vendedores am-bulantes e gritos de “compro ouro” no centro da cidade, há sempre o som de uma música ao fundo, o vislumbre de um rosto pintado ou de um acrobata se destacando em meio à multidão. Por trás de cada uma dessas habilida-des há muitas histórias para contar.

Jesus, o músico Sentado em um dos bancos da mo-

vimentada rua Felipe Schmidt, no cen-tro de Florianópolis, Jesus Cavallera toca concentrado seu saxofone. A me-lodia pomposa do instrumento pode ser ouvida a algumas quadras de dis-tância e desperta a atenção dos tran-

seuntes, como da senhora carregada de sacolas que desviou do seu trajeto em direção ao terminal para descobrir de onde vinha a música. “Achei que fosse bandinha marcial”, comenta um pouco decepcionada.

Com uma porção de folhas de par-tituras dispostas pelo chão e uma capa de instrumento aberta para recolher as moedas, Jesus sorri em agradeci-mento aos que deixam alguma contri-buição. O argentino de 26 anos mora há apenas quatro meses em Floria-nópolis, e viu nas ruas uma forma de compartilhar a sua arte com as pesso-as e garantir a sobrevivência na capi-tal. Ao chegar à cidade, trabalhou por um tempo na cozinha de um restau-rante, mas logo percebeu que poderia ganhar mais dinheiro com a música do que com o emprego fixo. “É bem melhor porque ninguém te diz quando tem que tocar, ninguém te pressiona. Você toca quando quer. Sou mais feliz assim.”

O saxofonista aprendeu a tocar em uma escola de música de sua ci-dade natal, onde também participava de uma banda e de uma orquestra fi-larmônica. Fascinado por viajar, Jesus conta que o que mais o encanta nas ruas é a troca de experiências com o

público. “Eu penso que não é o ins-trumento que faz a música, mas sim o que o músico transmite. Ele pode estar tocando uma flautinha, mas se com essa música ele faz as pessoas sentirem algo, ele é dos bons.”

Maximiliano, o malabaristaQuando o sinal fecha ele entra em

ação. Com rapidez e maestria, Ma-ximiliano, ou Max, como prefere ser chamado, movimenta três bastões no ar enquanto desfila entre os carros.

Natural de Buenos Aires, na Argen-tina, o malabarista deixou a cidade onde vivia para viajar pela América do Sul. Veio para Florianópolis há cerca de um mês e meio, e atual-mente mora na Barra da Lagoa com a namorada Paz, que o acompanha nos semáforos fazendo apresentações com fitas. Os dois geralmente traba-lham no sinal do Shopping Iguatemi, no bairro Santa Mônica. O local, que fica próximo da Universidade (UFSC) e é uma das principais vias de acesso

ao Centro, foi escolhido pelo grande movimento de carros.Max aprendeu a fazer malabarismo em suas viagens e, em pouco tempo, o hobby se transfor-mou em profissão. Segundo ele, o que ganha nas ruas é suficiente para ga-rantir a hospedagem e a alimentação, e quando sobra alguma coisa guarda para viagens futuras. Essa maneira diferente de levar a vida a princípio desagradou à sua família, que reagiu mal quando ele resolveu sair de casa há quase dois anos e meio. O malaba-rista conta que hoje sua meta é viajar, conhecer lugares, pessoas, aprender coisas novas, mas que a escolha não é para sempre. “Amanhã, quando isso acabar, volto para a Argentina que é o lugar onde eu tenho raízes para seguir vivendo o resto da minha vida.”

A habilidade já rendeu convites para apresentações em eventos, festas infantis e empresas. Max e a namora-da não restringem o trabalho às ruas, mas têm elas como sua preferência. “Somos apaixonados pela arte na rua. Se ficamos um dia sem vir trabalhar, por causa de chuva ou algo assim, a gente sente que nos falta algo. Por isso temos que unir paixão e trabalho, é o que nos dá energia para continuar to-dos os dias.”

Quando o asfalto é o melhor palcoMúsico, malabarista, poeta e palhaço mostram seu talento nas ruas para ganhar a vida

Poesia e teatro complementam renda

14 | oxigênio

Arte nas esquinas

oxigênio | 15

Camila [email protected]

Marcela [email protected]

Pachorra Teatro Livre traz a alegria do palhaço para o trânsito da Capital

Aluna de Letras Português vende suas poesias para ajudar nas despesas

Mar

cela

Bor

ges/

Zero

Max e Paz veem a arte como forma de viajar e conhecer outras culturas

Cam

ila H

amm

es/Z

ero

Embora prefiram as ruas, Max e a

namorada também fazem apresentações

em eventos

Julho de 2013 Julho de 2013

Lui conquistou os leitores depois de valorizar a qualidade do seu trabalho

Eles lidam com o preconceito do trabalho informal e com o estresse dos motoristas

Cam

ila H

amm

es/Z

ero

Arqu

ivo

Pess

oal

Mar

cela

Bor

ges/

Zero

Page 16: Zero Ano XXXII - 4ª ed. - Julho de 2013

Homenagens à fl or da pelePara algumas pessoas, marcar o corpo é um jeito de provar amor

Desenhos escolhidos, agulhas esterilizadas e tintas separadas. Ricardo da Silva repete o ritual que o acompanha há 22 anos.

É hora de colocar a máscara cirúrgica, as luvas e ligar o aparelho. O zumbido pode assustar quem chega pela primeira vez ao estúdio de tatuagem, no centro de Florianópolis, mas para a fi lha Eduarda, de 15 anos, não é mais do que um som ambiente. Desde pequena, ela assiste ao pai criando sentimentos e lembranças em forma de fi guras que fi carão para sempre marcadas na pele. A vontade de fazer o mesmo não demorou a surgir e, desde quando tinha 9 anos, começou a pensar nas tatuagens que faria assim que o pai a permitisse.

Foi no ano passado que Ricardo con-cordou em tatuar a fi lha e, de lá para cá, Eduarda da Silva fez sete tatuagens. Com exceção das duas primeiras, todas as outras foram dedicadas a algum familiar. Entre elas, a palavra ‘família’ no pé e, na costela, o nome do pai, que recebeu a homenagem de forma positiva. “É a pro-va de que tudo o que eu tentei ensinar para ela e todo o meu esforço valeram a pena.” As tatuagens

mais recentes são as fotografi as dos qua-tro avós na coxa, que ainda não estão ter-minadas – três rostos ainda precisam de fi nalização e o quarto ainda não foi feito. Depois delas, pretende tatuar os nomes das duas irmãs.

Não foi a toa que Eduarda teve von-tade de registrar seus sentimentos dessa forma. Ricardo tem os rostos das duas fi lhas, quando crianças, tatuados no pei-to para guardar a lem-brança da época. Além disso, tem uma caricatura da atual espo-sa na mão e o nome dela no antebraço. Ele conta que eternizar o

nome do parceiro no próprio corpo é comum, ainda que muitos saibam que há risco de se arrepender. “No nosso es-túdio temos um critério, perguntamos para a pessoa se ela tem certeza e se o relacionamento vale a pena”. O único conselho é não fazer em um local visível, como a dele no braço, já que em pessoas com poucas tatuagens fi ca mais difícil de cobrir com outra fi gura.

Bruna, de 22 anos, e o namorado Jo-nas (nomes fi ctícios), oito anos mais

velho, cuidaram na escolha da parte do corpo em que tatuariam o nome um do outro. Apesar dis-so, ela reconhece que a decisão foi precipitada. A vontade veio no início do namoro, quando ela ti-nha apenas 16 anos. Sem os pais

saberem, tatuou o nome de Jonas na virilha. Eles ainda estão juntos,

mas ela confessa que não faria novamente. “Na época eu

imaginava que a gente nunca terminaria,

mas não dá para saber...”. Bruna já pensou nas possibilidades caso isso acon-

teça, e a opção que provavelmente vai escolher será a de cobrir a tatuagem, ao invés de retirá-la com laser.

No caso de Vitor, de 36 anos, ser ta-tuador há nove anos e presenciar casos de arrependimento não fez com que ele mudasse a ideia de tatuar o nome da namorada e do fi lho, enquanto ela ainda estava grávida, três anos atrás. Ele considera comum homenagear uma parceira, porém, depois que o re-lacionamento acabou, fez outra fi gura por cima. “Me arrependo de ter escrito, porque a cobertura não fi cou legal. Mas se eu vivesse um outro amor a ponto de fazer isso de novo, faria amarradão. Fa-ria até o rosto.” Para ele, querer tatuar o nome de alguém que não é da famí-lia signifi ca que, naquele momento, o sentimento atingiu um estágio de exci-tação e felicidade tão grande que surge a vontade de fazer uma extravagância ou uma surpresa como essa.

A prática se tornou tão comum que, no Dia dos Namorados deste ano, mui-tos estúdios de tatuagem fi caram com a agenda cheia e, inclusive, fi zeram pro-pagandas sugerindo que este fosse o pre-sente. Ainda assim, há quem não cogite tatuar o nome de algum companheiro. A escolha de Marcelo Ozuna, 21 anos, foi pelo nome da própria mãe. Enquanto ela estava em outra cidade, cuidando da sua avó, ele fez a homenagem. No retorno, a mãe viu o nome tatuado no antebraço. “Quando eu falava que ia fazer ela fi cava

louca, mas ela olhou e achou bonita, só disse que não precisava ser tão grande”, lembra-se rindo. Ozuna tem vontade de fazer outras tatuagens, mas nenhuma dedicada a alguém. Para ele, a única possibilidade de ter mais nomes gravados seria de seus fi lhos.

Todos esses casos que demonstram amor por alguém são uma forma de exteriorizar os sentimentos. Francisco Ortega, pesquisador da UFRJ que analisa casos de modifi cações corporais, con-clui em seus estudos que toda forma de marcar o corpo caracteriza uma busca por torná-lo algo singular, personali-zado e exclusivo. A tatuagem soa como algo moderno, mas na realidade é muito mais antiga do que a maioria das pesso-as imagina. Atualmente ela pode exterio-rizar sentimentos ou ter apenas função estética, mas ao longo da história teve diferentes papéis – registrar ritos de pas-sagem dos povos indígenas, representar status ou hierarquia, demarcar grupos sociais e identifi car escravos.

Paul

a Sa

lvad

or/Z

ero

Francisca [email protected]

Paula [email protected]

Tattoos

Ozuna quis eternizar o nome da mãe

Com 15 anos, Eduarda recebeu a permissão do pai para gravar os rostos dos avós na perna

Julho de 2013

Fran

cisc

a Ne

ry/Z

ero

16 | CONTRACAPA

ambiente. Desde pequena, ela assiste ao pai criando sentimentos e lembranças em forma de fi guras que fi carão para sempre marcadas na pele. A vontade de fazer o mesmo não demorou a surgir e, desde quando tinha 9 anos, começou a pensar nas tatuagens que faria assim que o pai a permitisse.

Foi no ano passado que Ricardo con-cordou em tatuar a fi lha e, de lá para cá, Eduarda da Silva fez sete tatuagens. Com exceção das duas primeiras, todas as outras foram dedicadas a algum familiar. Entre elas, a palavra ‘família’ no pé e, na costela, o nome do pai, que recebeu a homenagem

eu tentei ensinar para ela e todo o meu esforço valeram a pena.” As tatuagens

to para guardar a lem-brança da época. Além disso, tem uma caricatura da atual espo-sa na mão e o nome dela no antebraço. Ele conta que eternizar o

Bruna, de 22 anos, e o namorado Jo-nas (nomes fi ctícios), oito anos mais

velho, cuidaram na escolha da parte do corpo em que tatuariam o nome um do outro. Apesar dis-so, ela reconhece que a decisão foi precipitada. A vontade veio no início do namoro, quando ela ti-nha apenas 16 anos. Sem os pais

saberem, tatuou o nome de Jonas na virilha. Eles ainda estão juntos,

mas ela confessa que não faria novamente. “Na época eu

imaginava que a gente nunca terminaria,

mas não dá para saber...”. Bruna já pensou nas possibilidades caso isso acon-

Ricardo homenageou as � lhas e a

esposa com tatuagens

Paula Salvador/Zero