z tecnologia e educaÇÃo - trabalho e formaÇÃo docente

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    1181Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1181-1201, Set./Dez. 2004Disponvel em

    Raquel Goulart Barreto

    TECNOLOGIA E EDUCAO:TRABALHO E FORMAO DOCENTE

    RAQUEL GOULART BARRETO*

    RESUMO: Este trabalho analisa as construes tericas e ideolgicasrelativas precarizao de trabalho e formao docente, tendo emvista os discursos que sustentam as polticas em curso. Para tanto, dis-cute: (1) as tecnologias da informao e da comunicao (TIC) comoelo entre globalizao e trabalho docente; (2) o modo de inserodessas tecnologias na chamada sociedade da informao; (3) amaterializao discursiva de tal insero; (4) as conseqncias da re-duo das tecnologias a estratgias de educao a distncia, destacan-do o apartheid educacional produzido; (5) a relao-chave entretecnologias e competncias; e (6) as tendncias detectadas no con-texto atual: a formao baseada em competncias, a nfase nos mate-

    riais instrucionais e a desterritorializao da escola, bem como as pro-postas contra-hegemnicas.

    Palavras-chave: Sociedade da informao. Tecnologias. Competncias.Escola. Trabalho e formao docente.

    TECHNOLOGYANDEDUCATION: WORKANDTEACHER SEDUCATION

    ABSTRACT: This paper aims at analyzing theoretical and ideologi-cal constructions regarding teachers work and preparation, consid-

    ering the discourse of current policies. In order to achieve this aim,it discusses: (1) technologies as a link between globalization andteaching; (2) a discussion on the ways the so-called information so-ciety approaches information and communication technologies; (3)the discoursive dimension of this approach; (4) the reduction oftechnologies to distance learning strategies for teaching certificationand the sort of apartheid it brings about; (5) the core relation, be-tween technologies and competencies; and (6) the trends identified

    * Professora visitante da Faculdade de Educao da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ). E-mail: [email protected].

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    in the present context: competency based education, focus on in-structional materials and displacement of schools, as well as counter-

    hegemonic proposals.Key words: Information society. Technologies. Competencies. Schools.

    Teachers education and work.

    Globalizao e trabalho docente: no enredo das tecnologias

    eja a globalizao, objeto dos estudos reunidos no dossi anteriorda revista Educao & Sociedade(87), caracterizada como constru-

    o ideolgica, seja, como querem alguns, posta como conceitoexplicativo de uma nova ordem mundial, um aspecto desta realidade nopode ser ignorado: a educao como um todo e o trabalho docente, emespecial, esto sendo reconfigurados. Em outras palavras, na perspectivada globalizao1 e do globalitarismo, termo cunhado por Ramonet(1999) para dar conta da espcie de ditadura do pensamento nico queregula a construo ideolgica, a escola deve romper com a sua formahistrica presente para fazer frente a novos desafios. A pretenso, neste

    trabalho, analisar as determinaes (concretas e pressupostas) e os sen-tidos (hegemnicos e em disputa por hegemonia) dessa reconfigurao,tomando por base os discursos que introduzem e justificam as atuais po-lticas de formao de professores.2

    No movimento de reconfigurao de trabalho e formao docen-te, outro aspecto parece constituir objeto de consenso: a possibilidadeda presena das chamadas novas tecnologias ou, mais precisamente,das tecnologias da informao e da comunicao (TIC). Essa presena

    tem sido cada vez mais constante no discurso pedaggico, compreen-dido tanto como o conjunto das prticas de linguagem desenvolvidasnas situaes concretas de ensino quanto as que visam a atingir um n-vel de explicao para essas mesmas situaes. Em outras palavras, asTIC tm sido apontadas como elemento definidor dos atuais discursosdo ensino e sobreo ensino, ainda que prevaleam nos ltimos. Atual-mente, nos mais diferentes espaos, os mais diversos textos sobre edu-cao tm, em comum, algum tipo de referncia presena das TIC noensino. Entretanto, a essa presena tm sido atribudos sentidos to di-

    versos que desautorizam leituras singulares. Assim, se aparentementeno h dvidas acerca de um lugar central atribudo s TIC, tambmno h consenso quanto sua delimitao.

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    possvel afirmar que, no limite, as TIC esto postas como ele-mento estruturante de um novo discurso pedaggico, bem como de

    relaes sociais que, por serem inditas, sustentam neologismos comocibercultura (Lvy, 1999). No outro extremo, o que as novas tecno-logias sustentam uma forma de assassinato do mundo real, com a li-quidao de todas as referncias, em jogos de simulacros e simulao(Baudrillard, 1991). No entremeio, podem constituir novos formatospara as mesmas velhas concepes de ensino e aprendizagem (Moran,2004), inscritas em um movimento de modernizao conservadora, ou,ainda, em condies especficas, instaurar diferenas qualitativas nas

    prticas pedaggicas (Barreto, 2001; 2002; 2003).Em sntese, a presena das TIC tem sido investida de sentidos ml-

    tiplos, que vo da alternativa de ultrapassagem dos limites postos pelasvelhas tecnologias, representadas principalmente por quadro-de-giz emateriais impressos, resposta para os mais diversos problemas educaci-onais ou at mesmo para questes socioeconmico-polticas.

    Nas palavras de Mattelart (2002, p. 9), a segunda metade do s-culo XX foi marcada pela formao de crenas no poder miraculoso das

    tecnologias informacionais. Mesmo que, em princpio, parea ingnuo,este ltimo movimento est inscrito em um modo de objetivao das TICinextricavelmente ligado concepo de sociedade da informao, a seranalisada na seo seguinte.

    Tecnologias e sociedade da informao

    Depois do fim da Histria prematuramente anunciado por FrancisFukuyama h alguns anos, o que se revela aqui o engodo do fim do es-pao de um pequeno planeta suspenso no ter eletrnico de nossos moder-nos meios de telecomunicao (...). Na falta de um fim da Histria, assis-timos ao fim da Geografia. (Virilio, 1999, p. 15-17)

    Como corolrio da globalizao, importante destacar a cha-mada revoluo cientfico-tecnolgica como extrapolao conceitualindevida, motivada pelo determinismo tecnolgico (Leher, 2000). As-

    sim, as tecnologias podem no ser vistas como produes histrico-so-ciais, sendo deslocadas para a origem de mudanas que, por sua vez,sustentam a concepo de sociedade da informao.

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    Para caracterizar as simplificaes que fundam essa sociedade, re-corro anlise empreendida por Mattelart (op. cit., p. 73):

    A impreciso que envolve a noo de informao coroar a de socieda-de da informao. A vontade precoce de legitimar politicamente a rea-lidade hic et nuncdesta ltima justificar os escrpulos da vigilnciaepistemolgica. A tendncia a assimilar a informao a um termo prove-niente da estatstica (data/dados) e a ver informao somente onde hdispositivos tcnicos se acentuar. Assim, instalar-se- um conceito pu-ramente instrumental de sociedade da informao. Com a atopia socialdo conceito apagar-se-o as implicaes sociopolticas de uma expresso

    que supostamente designa o novo destino do mundo.

    Nos termos desta racionalidade instrumental, possvel promovero descentramento da categoria trabalho (Antunes, 1999) e at mesmoa sua eliminao, com o adendo de que isso no significa o desapare-cimento da atividadehumana, que pode adquirir a forma das mais diver-sas ocupaes (Schaff, 1995, p. 42). Tambm possvel anunciar umnovo universalismo, unipolar, com o rearranjo geoeconmico do planeta

    em torno dos valores da democracia de mercado. o paradigmatecnoinformacional que, articulado globalizao, permite a referncia sociedade planetria, a partir da suposio da ausncia de um centroidentificvel, de fronteiras e, ainda, de lderes. Ainda de acordo comMattelart (op. cit., p. 172):

    Os discursos que acompanham a sociedade da informao erigiram emlei o princpio da tabula rasa. No h nada mais que no seja obsoleto.O determinismo tecnocomercial gera uma modernidade amnsica e dis-

    pensa o projeto social. A comunicao sem fim e sem limites institui-se3como herdeira do progresso sem fim e sem limites. (...) A prpria noode complexidade pervertida e transformada em libi. Toda atitude con-trria a esse positivismo rapidamente rotulada de tecnofbica ou anti-moderna.

    No movimento de cunho globalitarista, as escolhas so cada vezmais expressas por alternativas e excluses. Impasses, como o sintetizadopor Eco (1977) em Apocalpticos e integrados, adquirem verso atualiza-

    da: plugados ou perdidos. Nessa substituio, alm da inverso do movi-mento, as relaes entre os termos, antes marcadas por e, deslizam paraa resposta nica e o destino idem. Sem mediaes.

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    Em sntese, preciso caracterizar a sociedade da informaocomo uma articulao de empreendimentos tericos, econmicos e pol-

    ticos.4 E, em se tratando dos estudos acerca de tecnologia e educao, importante distinguir os que partem do seu questionamento daquelesque assumem tal sociedade como pressuposto. Porque justamente nonvel dos pressupostos e implcitos que a ideologia opera no discurso.

    Nas tramas do discurso

    Do ponto de vista discursivo, importante sublinhar e analisar os

    deslocamentos de sentido que tm marcado as prticas de linguagem,como manifestaes das novas concepes hegemnicas. O primeiro de-les, na medida em que mais geral, diz respeito ao modo pelo qual asdesigualdades e diferenas esto sendo tratadas. As aluses globalizantesdeixam de incluir expresses como: Primeiro e Terceiro Mundo; pasescentrais e pases perifricos etc. As referncias passam a ser os pases doNorte e do Sul, como se as questes que os distinguem pudessem serreduzidas a coordenadas geogrficas.

    Entre as novas tendncias discursivas, merece destaque a relexica-lizao (Fairclough, 2001), que consiste na utilizao de termos histori-camente associados a outras atividades e relaes, como estratgia delegitimao de deslocamentos de sentido, na maioria das vezes inscritosno movimento de comodificao (idem, ibid., p. 255): Processo peloqual os domnios e as instituies sociais, cujo propsito no seja produ-zir mercadorias no sentido econmico restrito de artigos para venda, vmno obstante a ser organizados e definidos em termos de produo, dis-tribuio e consumo de mercadorias.5

    No campo educacional, h algum tempo, tm sido recorrentes ter-mos como: consumidores, clientes, pacotes, produtos etc. Atual-mente, possvel verificar que tal recorrncia funcionou na preparaodo cenrio para o deslocamento da educao mesma para o setor de ser-vios, capitaneada pela Organizao Mundial do Comrcio (OMC), nostermos da sua regulamentao no GATS.6

    Os documentos concernentes formao de professores, comoas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Professores daEducao Bsica, em nvel superior, curso de licenciatura e de gradua-o plena,7 explicitam a aposta na reconfigurao do trabalho, tendoem vista a sociedade da informao:

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    Com relao ao mundo do trabalho, sabe-se que um dos fatores de pro-duo decisivos passa a ser o conhecimento e o controle do meio tcni-

    co-cientfico-informacional, reorganizando o poder advindo da posse docapital, da terra ou da mo-de-obra. (Idem, ibid., p. 9)

    No que diz respeito ao trabalho docente propriamente dito, oabandono da categoria trabalhopelas categorias da prtica, prtica refle-xiva (Freitas, 2003, p. 1.096) tem sustentado a utilizao de expressescomo atividades e tarefas docentes. a materializao discursiva doesvaziamento desse trabalho, com a restrio do professor escolha domaterial didtico a ser usado nas aulas, durante as quais lhe cabe contro-

    lar o tempo de contato dos alunos com os referidos materiais, concebi-dos como mercadorias cada vez mais prontas para serem consumidas(Barreto, 2002).

    A prpria designao professor tem cedido espao a facilitador,animador, tutor, monitor etc. E monitor, nos seus mltiplos senti-dos, pode ser uma imagem-sntese da precarizao do trabalho docente.Consultando os significados dicionarizados da palavra,8 possvel iden-tificar: (1) aquele que d conselhos, lies, que admoesta; (2) aluno que

    auxilia o professor no ensino de uma matria, em geral na aplicao deexerccios, na elucidao de dvidas etc., fora das aulas regulares; (3) ins-trumento que controla o funcionamento de um equipamento ou siste-ma; (4) aparelho receptor utilizado para se supervisionar a qualidade dovdeo e/ou udio durante uma transmisso ou gravao; e (5) dispositivode sada de dados, no qual se visualizam as informaes apresentadas porum computador; a tela do computador.

    Tomando o primeiro e o segundo sentidos, se o professor pos-

    to como monitor, quem ocupa a posio de professor? Uma respostaexplcita pode ser encontrada no siteda Secretaria de Educao a Dis-tncia, do MEC (www.mec.gov.br/seed/linhas.shtm):

    As linhas de ao da Secretaria de Educao a Distncia funda-mentam-se na existncia de um sistema tecnolgico cada vez maisbarato, acessvel e de manuseio mais simples capaz de:

    trazer para a escola um enorme potencial didtico-pedaggico;

    ampliar oportunidades onde os recursos so escassos; familiarizar o cidado com a tecnologia que est em seu coti-

    diano;

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    dar respostas flexveis e personalizadas para pessoas que exi-gem diversidade maior de tipos de educao, informao e

    treinamento; oferecer meios de atualizar rapidamente o conhecimento;

    estender os espaos educacionais;

    e motivar os profissionais e alunos para aprenderem continua-mente, em qualquer estgio de suas vidas.

    Para alm dos semnticos, est posto o deslocamento sinttico

    radical: o sistema tecnolgico, com as qualificaes registradas (pre-o, acessibilidade e simplicidade de manuseio), ocupando a posio desujeito capaz de desenvolver aes estratgicas. No por acaso, a redu-o das tecnologias a propostas de educao a distncia (EAD) tambmest marcada na prpria nomeao da secretaria criada para coordenaras aes ministeriais com relao s TIC.

    Cabe acrescentar, ainda, que, j no Dicionrio Houaiss, o monitor identificado pessoa que organiza, administra e orienta turmas de

    telealunos, promovendo reunies, estudos em grupo, responsabilizan-do-se pelas matrculas, pelos testes preparatrios etc.. Em outras pa-lavras, este sentido est no apenas legitimado, mas sedimentado, do-cumentado em uma obra de referncia.

    O terceiro e o quarto sentidos apontam para um instrumento quevisa ao controle, termo recorrente na atual comodificao do discursopedaggico. Est presente nos programas oficiais e nas pesquisas nelescentradas (Andr, 2004) tambm como regulao ou gerenciamento.

    o que pode ser verificado, por exemplo, nas Diretrizes Curriculares j ci-tadas, quando da explicitao da tarefa mais importante a ser desempe-nhada pelos professores:

    Urge, pois, inserir as diversas tecnologias da informao e das comuni-caes no desenvolvimento dos cursos de formao de professores, pre-parando-os para a finalidade mais nobre da educao escolar: a gesto ea definio de referncias ticas, cientficas e estticas para a troca e ne-gociao de sentido, que acontece especialmente na interao e no tra-balho escolar coletivo. Gerir e referir o sentido ser o mais importante e oprofessor precisar aprender a faz-lo em ambientes reais e virtuais. (Andr,2004, p. 25; grifos meus)

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    O trecho acima elucidativo de uma das aparentes contradiesque fundam as relaes entre tecnologias e trabalho docente. De um

    lado, a abertura para o mltiplo, e, de outro, a legitimao do supos-tamente singular. O trabalho , ao mesmo tempo (supostamente), ex-pandido e reduzido. Ou, em termos mais abrangentes, flexibilizao edemocratizao (supostas) convivem com monoplio e controle.9 Afi-nal, monitorar significa vigiar, verificar (algo), visando a determinadofim. No novo contexto, objetificao e racionalidade instrumental, ar-ticuladas, tambm funcionam para o deslocamento da discusso acercados fins determinados, nas suas mltiplas dimenses.

    O quinto sentido aqui listado d conta da face mais visvel dosdeslocamentos operados: a da visualizao das informaes em dispositi-vo de sada de dados. o ncleo da analogia: mostrar o que osprocessadores e as interfaces permitem. Ligar os aparelhos nas tomadas esolucionar as questes previstas. Tem sido esta a tnica dos treinamentose das capacitaes promovidos pelos programas em nvel nacional, comoTV Escola e PROINFO.10 Em nvel estadual, at mesmo na educao bsi-ca, como no caso do Cear e do Maranho, as teleaulas podem configu-

    rar substituio tecnolgica radical.Recusar a analogia e reverter esse quadro requer a formao deprofessores no/pelo trabalho com as TIC e requer que, portanto, no lhesatribua o estatuto de meros instrumentos para quaisquer finalidades.So necessrios professores que tambm no sejam monitorados pelasTIC. Afinal, vale lembrar que o monitor, tecnicamente, perifrico.

    As TIC para a EAD

    Os organismos internacionais tm forado, por meio do estabe-lecimento de condicionalidades para a concesso de crditos e a apli-cao de sanes pelo seu descumprimento (Fonseca, 1998, p. 41), aincorporao das TIC como elemento central de qualquer poltica edu-cacional atenta s transformaes engendradas pela chamada revoluocientfico-tecnolgica e s necessidades da economia. Nas palavras deBarreto & Leher (2003, p. 39):

    Um admirvel mundo novo emerge com a globalizao e com a revo-luo tecnolgica que a impulsiona rumo ao futuro virtuoso. (...) A par-tir dessa premissa, organismos internacionais e governos fazem ecoar uma

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    mesma proposio: preciso reformar de alto a baixo a educao, tornan-do-a mais flexvel e capaz de aumentar a competitividade das naes,

    nicos meios de obter o passaporte para o seleto grupo de pases capa-zes de uma integrao competitiva no mundo globalizado.

    Nesse movimento, tem sido anunciado um novo paradigma educa-cional. O anncio recorrente no sitedo MEC, cuja formulao, vale insis-tir, levou o discurso dos organismos internacionais s ltimas conseqn-cias, posicionando as tecnologias no lugar dos sujeitos. Esse paradigma constitudo pela substituio tecnolgica e pela racionalidade instrumen-tal, est inscrito na flexibilizao, especialmente na precarizao do tra-

    balho docente, sendo coerente com a lgica do mercado: quanto maior apresena da tecnologia, menor a necessidade do trabalho humano. Em ou-tras palavras, prev cada vez menos professores e mais alunos, sob a alega-o de que o desempenho dos ltimos depende menos da formao dosprimeiros e mais dos materiais utilizados.

    A rigor, o discurso do MEC opera duas inverses: substitui a lgi-ca da produo pela da circulao e a lgica do trabalho pela da comu-nicao, na crena de que, sem alterar o processo de formao de pro-

    fessores do ensino bsico e sem alterar seus salrios aviltantes, tudo irbem na educao desde que haja televises e computadores nas esco-las (Chaui, 1999, p. 33). Ademais, no Brasil, h muito poucos kitstecnolgicos instalados, conforme atestam os dados abaixo:11

    Tabela 1

    Kitstecnolgicos nas escolas brasileiras

    Escolas da Educao Bsica - Brasil - 2003

    Regies TotalCom antenaparablica

    Com o kitcompleto(parablica, televiso e videocassete)

    Norte 26.366 4.692 4.109

    Nordeste 91.072 18.090 15.990

    Sudeste 57.098 22.639 21.911

    Sul 27.040 11.385 10.956

    Centro-Oeste 10.349 4.609 4.404

    Brasil 211.933 61.415 57.370

    Fonte: MEC/INEP.

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    Tecnologia e educao: trabalho e formao docente

    Nas propostas dos organismos internacionais, o acesso via Internetao saber universal, que necessariamente ter a sua fonte nos monopli-

    os de saber j existentes, resolveria o problema no apenas da fratura di-gital mas tambm o da fratura social (Mattelart, 2002, p. 173). Nestestermos, formulada a proposta de tecnologias para todos, como supe-rao do chamado divisor digital. Em contrapartida, como afirma Leher(1997, p. 138), o prprio Banco Mundial, ao assinalar que a utilizaodas tecnologias o instrumento privilegiado para inserir os pases nofluxo hegemnico do Tempo, tambm reconhece a inviabilidade de queos pases caracterizados pelos tempos lentos (em desenvolvimento, peri-

    fricos, do Sul) venham a ser inseridos no ritmo acelerado dos pases cen-trais (do Norte).Desse modo, ao passo que so apregoadas novas possibilidades,

    como a superao do divisor digital, instituda, com base na sua pr-pria ressignificao, uma espcie de apartheideducacional em escala pla-netria. Ao passo que o discurso trata da democratizao do acesso, asprticas sociais evidenciam que essa espcie de linha divisria entre osincludos e os excludos no diz respeito a acesso ou ausncia de acesso,

    mas aos modos como ele produzido e aos sentidos de que investido. guisa de ilustrao, segue a imagem de uma capa de TechKnowLogia,12

    publicao on-linevinculada a vrios organismos internacionais.

    Ilustrao 1

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    Raquel Goulart Barreto

    Nessa imagem, importante destacar a multido de rostos mui-to semelhantes, como que brandindo, em gesto idntico, laptopsiguais.

    As diferenas parecem ter sido pasteurizadas. Tudo parece achatado. Astelas em suas mos esto igualmente em branco, como se, a despeitode estarem ligadas, permanecessem apagadas. As mos totalmenteerguidas podem sugerir que as pessoas estejam portando antenas paracaptar o que lhes for enviado, j que os monitores no permitemvisualizar o que quer que seja, para alm da luz branca. a multidoque permanece sem acesso real informao que possa fazer diferena.

    Sem entrar no mrito do possvel engano ou de uma espcie de

    ato falho, importante acrescentar que a citada revista evidencia, nosseus diversos nmeros, uma distino entre as propostas de utilizaodas TIC em pases do Norte e do Sul. Nos primeiros, tm o sentido deagregar novas possibilidades aos processos pedaggicos. Nos ltimos,configuram estratgias de substituio tecnolgica, nas quais a nfase posta na formao de professores a distncia (EAD), identificada, por suavez, certificao em massa.

    As simplificaes e os deslocamentos que tm caracterizado as

    propostas oficiais de EAD expressam o esvaziamento da formao de pro-fessores, progressivamente deslocada para capacitao em servio ouat mesmo reciclagem, visto que a formao inicial presencial noconta com o financiamento internacional alocado nas TIC para a EAD,no garantindo sequer o direito de acesso s tecnologias. J nos braosvirtuais das universidades pblicas,13 na atual formao cindida, as TICesto no centro, as consideraes pedaggicas nas margens e as ques-tes de fundo obliteradas.

    Essa formao esvaziada tambm tem sido marcada por pelo me-nos duas cises importantes. A primeira delas diz respeito dicotomi-zao: formao inicial X formao continuada, em nova feio. Se, atos anos de 1990, o termo formao parecia remeter apenas inicial,agora passa a apontar para a continuada, destinao de quase todos osinvestimentos nacionais e internacionais. Como afirma Torres (1998, p.176): A questo mesma da formao inicial est se diluindo, desapare-cendo. Ao mesmo tempo, a formao continuada fica restrita a capaci-

    tao, treinamento e reciclagem.A segunda ciso corresponde modalidade: presencial X a dis-

    tncia. Na modalidade presencial, as polticas em curso apontam para

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    Tecnologia e educao: trabalho e formao docente

    outra ciso: ensino e pesquisa,14 desqualificando o chamado modelo eu-ropeu de universidade, constitudo pela indissociabilidade de ensino,

    pesquisa e extenso. E, no que tange s TIC, a ausncia de investimentosespecficos e a dotao oramentria minguada sequer garantem o direi-to de acesso. Enquanto isso, na formao a distncia, entre simplifica-es como a mera transposio de aulas para os novos suportes, o acessos TIC fica restrito condio de usurios ou consumidores, at mesmoesta podendo ser perdida ao final do processo, em face das condies ma-teriais de existncia dos sujeitos em formao e da remunerao que per-cebem quando formados.

    Na base dessas cises15 est um modo de objetivao das TIC queno passa pela anlise das condies da sua insero nos processos peda-ggicos como um todo. Assim, por exemplo, em iniciativas que preten-dem potencializar os processos presenciais pelo recurso s TIC, como noscursos chamados semipresenciais, no h um redimensionamento dacarga horria e da remunerao dos professores para incluir o tempodespendido na leitura dos textos dos alunos nos fruns ou em listas dediscusso, na respostas a e-mailsetc. O que o recurso s TIC, na perspec-

    tiva da substituio tecnolgica, viabiliza justamente o oposto: proces-sos de subcontratao, de trabalho em tempo parcial e de terceirizao.Em outras palavras, ficam de fora as condies necessrias apro-

    priao educacional das TIC, j que nenhum dos grupos formado no tra-balho com elas, o que implica superar a seduo por atributos suposta-mente intrnsecos, como atratividade, no privilegiando apenas a interaodos sujeitos com os materiais. O horizonte precisa ser a interao maior: adiscusso (das informaes coletadas e dos processos vividos) para o con-

    fronto dos diferentes percursos (individuais), visando produo (coletiva)de snteses integradoras que extrapolem contedos especficos previstos.Esse horizonte, por sua vez, remete outra superao: a da defesa

    do ensino presencial centrada apenas nas relaes afetivas. O que est emjogo no so simplesmente os afetos possveis, mas a objetividade socialcompartilhada pelos atores das prticas sociais na instituio escolar (Sil-va Jnior, 2003, p. 84): o exerccio da reflexo a partir das condiesconcretas da sua realizao, visando produo de alternativas terico-

    metodolgicas para a aproximao dos objetos.A proposta de formao inicial a distncia, sob o mote da supe-

    rao das distncias geogrficas e das desigualdades sociais, tem filiaes

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    inegveis. Do ponto de vista poltico, est inscrita no conjunto das re-formas estruturais, ainda que o aporte tecnolgico seja incipiente, como

    demonstrado na Tabela 1, e ainda que, do ponto de vista tcnico, noexista o acmulo suposto em vrias manifestaes oficiais, como: As me-tas da Secretaria de Educao a Distncia so, pois, levar para a escolapblica toda a contribuio que os mtodos, tcnicas e tecnologias deeducao a distncia podem prestar construo de um novo paradigmapara a educao brasileira.

    O novo paradigma assume a reduo das tecnologias a ferramen-tas de ensino a distncia, excluindo justamente os modos da sua apro-

    priao na formao e no trabalho docente. Entretanto, a identificaodas TIC ao seu fundamento tambm constitui uma espcie de metonmia. preciso reconhecer que elas so importantes porque funcionam comoum dos vrtices da triangulao que permite ao Estado ser mnimo, noque diz respeito a investimento, e mximo, quando se trata do geren-ciamento da educao: currculo centralizado (parmetros e diretrizescurriculares), uso intensivo de tecnologias (programas especficos16) eavaliao unificada externa (SAEB, ENEM, ENC e, mais ainda, SINAES).

    Sem dvida, nessa triangulao, as TIC funcionam como um elo,promovendo a ligao entre as pontas e at mesmo a quebra da unidadeensino-aprendizagem, tornando possvel um discurso que destaca ape-nas o segundo elemento do par, ao apontar para a aprendizagem inde-pendente do ensino. Mas s podem faz-lo a partir de uma concepoespecfica de conhecimento, contedo e formao, fundada na noo decompetncia.

    A relao-chave: TIC e competncias

    Para demonstrar que o ncleo slido da proposta de incorpora-o das TIC so as competncias, importante recorrer formulao deLabarca (1995), ento consultor da CEPAL (UNESCO),17 que parte da se-guinte premissa: a produtividade dos sistemas educacionais baixa, emrazo do uso intensivo do recurso humano e do seu corporativismo, queprotege o monoplio docente na transmisso do conhecimento

    (idem, ibid., p. 174). Prosseguindo em direo ao expurgo do profes-sor, posto como tecnologia cara e pouco eficiente, o autor bastanteexplcito com relao aos encaminhamentos (idem, ibid., p. 175-176):

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    Tecnologia e educao: trabalho e formao docente

    Os docentes deixam de ser os principais depositrios do conhecimentoe passam a ser consultores metodolgicos e animadores de grupos de tra-

    balho. Esta estratgia obriga a reformular os objetivos da educao. O de-senvolvimento de competncias-chave (...) substitui a slida formao dis-ciplinar at ento visada. O uso de novas tecnologias educativas leva aoapagamento dos limites entre as disciplinas, redefinindo, ao mesmo tem-po, a funo, a formao e o aperfeioamento dos docentes. (Grifosmeus)

    No mesmo artigo, o autor deixa claro que no mudam substanti-vamente as propostas dos organismos internacionais para os contextos em

    que o acesso sTIC

    mais difcil. O que redimensionado so astecnologias mesmas, sendo defendido o uso de materiais impressos, pro-duzidos em nvel central e distribudos aos professores, desde que acom-panhados de algum tipo de variao em torno de manual de instrues.

    Se, de um lado, a noo de competncia envolve dificuldades te-ricas (Dias & Lopes, 2003), so muito claros os pressupostos assumidosnas propostas de formao baseada em competncias: (1) o ensino podeser decomposto em habilidades e competncias bsicas; e (2) a formaodos professores organizada a partir dessas habilidades e competnciascorresponde ao desempenho docente desejvel. Em outras palavras,trata-se da suposio de que a totalidade (trabalho docente) seja equiva-lente soma das partes. O reducionismo inevitvel, ao passo que a so-fisticao pode ser maior, considerando os novos recursos tecnolgicos quepodem co-operar com as competncias. na articulao do reducionismo sofisticao que est fundada a estratgia de substituio tecnolgica.

    Nestes termos, possvel sustentar a triangulao descrita na se-o anterior. possvel intensificar o uso da fora de trabalho por meio

    de uma suposta revoluo tecnolgica e at produzir evidncias daeficincia dos meios para os fins estabelecidos, uma vez que diretrizes eparmetros definem as competncias a serem desenvolvidas por interm-dio dos materiais produzidos para tanto, sendo estas avaliadas ao finaldo processo.

    Evidentemente, essa triangulao no pode ser concretizada demodo automtico. A proposta de controle esbarra em obstculos pol-ticos e tcnicos que no so facilmente contornveis. Na tentativa de

    viabiliz-la, algumas providncias adicionais tm de ser tomadas. Umadas principais diz respeito implementao de sistemas de avaliao ecertificao por competncia profissional, ora assumida pelo INEP.18

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    Em sntese, atribuir o conjunto das questes atuais relativas aotrabalho docente presena, ou mesmo a um modo de incorporao,

    das TIC tambm contribui para obliterar a anlise poltica das tendn-cias atuais.

    Tendncias atuais

    As formulaes da virada do sculo, ainda que em novas bases, nodeixam de constituir uma retomada das propostas produzidas na dcadade 1970. Mantm-se aqui sua caracterstica fundamental: uma anlise

    da educao desgarrada de seus determinantes histricos e sociais(Freitas, 1992, p. 98). Portanto, assumem cunho marcadamenteneotecnicista, do gerenciamento da educao a partir de competncias(Houston, 1974), passando pela aposta nos materiais ditos auto-instrucionais, at as alternativas de uma sociedade sem escolas (Illich,1973).

    O que h de novo so discursos muito mais elaborados, sob osmais diversos pontos de vista, assim como mais geis na conquista de

    materialidade mais espessa. Assim, nas relaes entre discurso e mu-dana social, a comodificao do discurso educacional ultrapassa oslimites da dimenso simblica e instaura, concretamente, o lugar dasobremercantilizao da educao: os cursos como pacotes, a prestaode servios educacionais, o gerenciamento da OMC. Ou, por outro n-gulo, o campo da ideologia teria sido reconfigurado para promover ascondies mais favorveis s mudanas pretendidas.

    De qualquer modo, as relaes entre discurso e mudana social

    precisam ser objeto de atenta anlise poltica, com o fim dar conta denovos clichs(como pense globalmente e aja localmente) que, circulan-do, contribuem para a produo de um imaginrio o qual faz com queuma interpretao particular aparea como sendo a necessria, ao sus-tentar a legitimao e a fixao de sentidos hegemnicos. Vale lembrarque, do ponto de vista discursivo, ideologia corresponde a hegemonia desentido.

    O sentido hegemnico das TIC aponta para o primado da dimen-

    so tcnica, apagando as questes de fundo. Em se tratando da sua in-corporao educacional, parece no haver espao para a anlise dos seusmodos e sentidos. Na perspectiva maniquesta de plugados ou perdi-

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    Tecnologia e educao: trabalho e formao docente

    dos, quaisquer objees podem ser alvo da desqualificao que marcao segundo grupo. Enquanto isso, no primeiro, as discusses podem ser

    travadas a partir de questes como as diferenas entre aprendizagemcooperativa e colaborativa, ou entre construtivismo e construcionismo(Papert, 1993), nos limites da esfera dita pedaggica, sem remeter ssuas dimenses econmicas, polticas e sociais.

    Neste contexto, importante verificar a afirmao de um novoparadigma, recorrente no sitedo MEC, ou paradigma emergente, em ge-ral associado ao afastamento das objetivaes supostamente marcadas pelasimplicidade, em direo complexidade (Morin, 1998). inegvel a

    hegemonia do movimento de virtualizao do ensino, na perspectiva dee-learning, cuja traduo mais comum tem sido educao a distncia viaInternet: uma forma de aprendizagem em que a mediao tecnolgica destacada, nos mais diversos ambientes de aprendizagem.

    Mesmo sem entrar no mrito da polissemia desta expresso, importante pontuar que ela deixa de contemplar o ensino, concentran-do-se no segundo elemento do par: a aprendizagem. quebrada a uni-dade ensino-aprendizagem, que tem dado sustentao aos mais diver-

    sos estudos acerca das prticas educativas, supondo a aprendizagemsem ensino ou, ainda, o ensino inteiramente identificado aos materiaisque sustentam as alternativas de e-learning. Em qualquer das hipte-ses, essa quebra no pode ser desvinculada do novo lugar do profes-sor, na condio de profissional do ensino.

    Ainda quanto aos clichsem circulao, possvel verificar umdeslocamento significativo de no se aprende apenas na escola parano se aprende na escola, na medida em que remete tendncia de

    desterritorializao da escola. No apenas toda a nfase est sendo pos-ta nos ambientes de aprendizagem, mas os textos j contemplam edu-caes diversas, materializadas nas expresses educao acadmica eeducao corporativa.

    Retomando o ponto de partida deste conjunto de reflexes, possvel afirmar que a desterritorializao proposta no pode ser pensa-da fora dos parmetros mercadolgicos e do pressuposto de que a esco-la deva romper com a sua forma histrica presente para fazer frente aos

    desafios da globalizao. Rejeitando esta lgica, o desafio maior fa-zer frente tentativa de apagamento dos determinantes histricos e so-ciais da escola. Nas palavras de Alves (2004, p. 218):

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    Discutir o papel especfico, hoje, da escola para os vrios grupos, suasmltiplas diferenas e distncias, torna-se neste contexto algo premente

    (...) a escola um espao nico e especial (...) um espaotempo de jun-tar pessoas (...) preciso recuperar o espao do saber, que nada tem a vercom o lugar de uma certa competncia tcnica. (Grifos da autora)

    O que est em jogo no s o discurso competente: Aquele quepode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro ou autorizado (es-tes termos agora se equivalem) porque perdeu os laos com o lugar e otempo de sua origem (Chaui, 1989, p. 7). , entre outras questes, areduo das TIC EAD, como forma material da comodificao. So os

    embates contemporneos entre a proposta de educao como merca-doria e a sua defesa como direito e prtica emancipatria.

    Recebido e aprovado em setembro de 2004.

    Notas

    1. Considerando os limites deste artigo, remeto a Limoeiro-Cardoso (1999) e a Hirst &

    Thompson (1998), para anlise circunstanciada de globalizao, respectivamente, comoideologia e como mito.

    2. Este trabalho est reportado a duas pesquisas: (1) Tecnologias da Informao e da Comuni-cao e Educao a Distncia: o discurso do MEC (2001-2003/CNPQ e UFRJ); e (2) Astecnologias da informao e da comunicao nas polticas de formao de professores: os senti-dos da reconfigurao de trabalho-formao docente(2004-2007/CNPQ e UERJ).

    3. Do ponto de vista sinttico, considerando o funcionamento da partcula apassivadora noapagamento do agente e do processo, importante substituir institui-se por instituda.

    4. Lima (2004) aborda esta questo, considerando a atuao de redes como a do Observat-rio Internacional das Reformas Universitrias (Rede ORUS) e da Associao para um Mun-do Complexo da Fundao Charles Leopoldo Mayer para o Progresso do Homem (RedeFPH), ambas presididas pelo idelogo do novo paradigma da complexidade: EdgarMorin. Leher (2004), disponvel em: http://www.andes.org.br/reforma_universitaria_brasil_banco_mundial.pdf, tambm analisa as condies em que foi produzida a interven-o da Rede ORUS no encaminhamento da (contra) reforma universitria no Governo Lula.

    5. Outra traduo para esse processo, centrado na noo de commodities, apresentada porBlikstein & Zuffo (2003): comoditizao, com base em David Noble.

    6. A propsito, ver: www.unesco.org/education/studyingabroad/highlights/global_forum/gats_he/us.pdf.

    7. Cf. Parecer CNE/CP n. 009/2001, disponvel em: http://www.mec.gov.br/cne/pdf/009.pdf,compreendendo 70 pginas, nas quais so explicitados os argumentos que sustentam a ver-so sinttica, formatada como texto legal, aprovada em fevereiro de 2002. Disponvel em:http://www.mec.gov.br/cne/pdf/CP012002.pdf.

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    8. Neste ponto, vale lembrar Vygotsky (1991, p. 125): O significado dicionarizado de umapalavra nada mais do que uma pedra no edifcio do sentido, no passa de umapotencialidade que se realiza de formas diversas na fala.

    9. Mszros (2003, p. 51) afirma: Para mencionar apenas um caso, a Microsoft desfruta deuma posio de quase absoluto monoplio mundial, por meio da qual seus programas ge-ram conseqncias pesadas tambm para a aquisio do equipamento mais adequado. Masalm dessa questo, descobriu-se h pouco um cdigo secreto embutido nos programas daMicrosoft, que permite aos servios militares e de inteligncia dos Estados Unidos espio-nar qualquer pessoa no mundo que seja usuria do Windows e da Internet.

    10 . Ver, especialmente, os textos de Magalhes (Programa TV Escola: o dito e o visto) eCysneiros (Programa Nacional de Informtica na Educao: novas tecnologias, velhas es-truturas), no livro organizado por Barreto (2001).

    11 . Neste ponto, cabem duas observaes: a primeira diz respeito opo pelo sinal codifica-do e a segunda ao nmero sempre maior de antenas parablicas instaladas, mesmo queno haja aparelhos de TV nas escolas.

    12. TechKnowLogia: International Journal of Technologies for the Advancement of Knowledge andLearning. Technologies for All: Issues of Equity (jul.-sep. 2002) .Published by Knowledge Enterprise, Inc. Issue Co-Sponsored by Academy for EducationalDevelopment (AED /USAID).

    13 . Ao passo que as universidades privadas tm tido presena cada vez maior na formao ini-cial presencial, nos cursos de graduao a distncia, marcados por crescimento exponencial(as matrculas passaram de 1.682 em 2000 para 40.714 em 2002), as universidades p-blicas concentram a maioria das iniciativas.

    14 . A propsito, ver o captulo intitulado Condies de produo da formao docente(Barreto, 2002).

    15 . Em correspondncia enviada por um grupo de alunos de uma universidade estadual loca-lizada no sul do Brasil, a propsito de estabelecer interlocuo acerca de livro por mim or-ganizado (2001), uma queixa reiterada d conta de outra ciso, no interior dos cursospresenciais: os mantidos exclusivamente pela universidade, contando com recursos cadavez mais parcos, e os resultantes de convnios com rgos ou entidades, nos quais a pre-sena das TIC garantida pelos aportes financeiros destes ltimos.

    16. TV Escola, Programa Nacional de Informtica na Educao, Programa de Formao de Profes-

    sores em Exerccio, Programa de Apoio Pesquisa em Educao a Distncia e Rdio Escola.17 . Comisin Econmica para Amrica Latina y el Caribe.

    18. Informativo do INEP: O INEP est promovendo, nos dias 8 e 9 de setembro de 2004, noSan Marco Hotel, em Braslia, o Encontro Internacional de Certificao por CompetnciaProfissional. O evento rene diversos segmentos nacionais envolvidos na discusso dotema, que contaro com a contribuio de especialistas internacionais, os quais apresenta-ro modelos e estruturas desses sistemas em seus pases.

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