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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF DIREITO AGRÁRIO E AGROAMBIENTAL NIVALDO DOS SANTOS VALMIR CÉSAR POZZETTI

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

DIREITO AGRÁRIO E AGROAMBIENTAL

NIVALDO DOS SANTOS

VALMIR CÉSAR POZZETTI

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Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem osmeios empregados sem prévia autorização dos editores.

Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie

Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP

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Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP

Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

D597Direito agrário e agroambiental [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: Nivaldo Dos Santos; Valmir César Pozzetti -Florianópolis: CONPEDI, 2017.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-405-1Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas

CDU: 34

________________________________________________________________________________________________

Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Meio Ambiente. 3. Dignidade. 4. Campo. XXVI

Encontro Nacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

DIREITO AGRÁRIO E AGROAMBIENTAL

Apresentação

A edição do XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, ocorrida em Brasília/DF, em

julho de 2017 consolida o Direito Agrário e Agroambiental como áreas de ampla produção

acadêmica em programas os mais diversos, em todos os quadrantes do país.

O grande interesse demonstrado pelos pesquisadores em estudar temas dessas áreas

encontrou, nas sessões do Grupo de Trabalho realizadas no evento, uma enorme

receptividade e oportunidade de discussão.

A obra que ora apresentamos reúne os artigos selecionados, pelo sistema de dupla revisão

cega, por avaliadores ad hoc, para apresentação no evento.

Diversamente do ocorrido em edições anteriores, na atual obra constatamos uma diversidade

temática tal, incapaz de propiciar um bloco de interesse específico dos pesquisadores, senão

que estamos ampliando, cada vez mais, o alcance do Direito Agrário nos temas discutidos.

Apresentamos, assim, os trabalhos desta edição.

O trabalho intitulado “A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO FUNRURAL E SUAS

CONSEQUENCIAS PARA OS PRODUTORES RURAIS: UMA ANÁLISE POLITICA E

JURIDICA DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”, de autoria de Thiago

Henrique Costa Silva e Maria Izabel de Melo Oliveira dos Santos, aborda dados historiais e a

partir daí, procura oferecer suporte teórico apto a demonstrar a necessidade de um olhar mais

cuidadoso ao crescente número de idosos no país e a necessidade de se identificar um custeio

previdenciário ao homem do campo, que lhe assegure existência digna, concluindo, dessa

forma, que a contribuição ao FUNRURAL é constitucional.

Os autores Fernanda Martins Albuquerque Soares e Lilian Pereira da Cunha trabalham nova

discussão sobre a luta pela terra e sua atualidade, no artigo intitulado “REPÚBLICA DE

TROMBAS E FORMOSO – GOIÁS (1950 – 1964): ORIGEM, APOGEU E

CRIMINALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO SOCIAL CAMPONÊS”, que analisa o

complexo de informações sobre a temática dos movimentos sociais ligados ao campo e uma

história de esfacelamento, destacando-se, no estado de Goiás, a luta dos posseiros em

Trombas e Formoso, pelo acesso à terra, e questiona o processo de criminalização do

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movimento social camponês de Trombas e Formoso, indagando se o mesmo representou uma

violência institucionalizada ou apenas uma prática de defesa social para a manutenção da

ordem. Apresenta, portanto, um contexto histórico da gênese e desenvolvimento desta

Republica Campesina.

O papel das unidades de conservação fica evidenciado no trabalho intitulado “AS

RESERVAS PARTICULARES DO PATRIMÔNIO NATURAL E A NECESSIDADE DA

INSTITUIÇÃO DE ÁREAS PRIVADAS AMBIENTALMENTE PROTEGIDAS NOS

IMÓVEIS RURAIS DO SUL DO ESTADO DE GOIÁS”, de André Luiz Duarte Pimentel,

que analisa a necessidade da instituição voluntária da Reserva Particular do Patrimônio

Natural nas propriedades agrárias situadas no Sul do Estado de Goiás, onde tais reservas

inexistem. Destacada a importância da criação volitiva dessas reservas como mecanismo para

o cumprimento e efetividade da função socioambiental da terra e também para a preservação

do bioma Cerrado.

Romulo Cesar Barbosa Marques e Luciana Ramos Jordão brindam seus leitores com um

trabalho intitulado “ASSISTÊNCIA TÉCNICA E EXTENSÃO RURAL NO ESTADO DE

GOIÁS: DESENVOLVIMENTO AGROAMBIENTAL COMO FORMA DE SUPERAÇÃO

DA QUESTÃO AGRÁRI” no qual analisam a assistência técnica e extensão rural no estado

de Goiás, sob o prisma do desenvolvimento agroambiental e a superação da questão agrária;

para isso fazem um escorço histórico da criação de órgãos de assistência e fomento,

discutindo as novas políticas de fomento rural e as necessidades do pequeno produtor

contemporâneo.

Já o trabalho “CORUMBÁ DE GOIÁS: UMA HISTÓRIA DE LUTA NO CAMPO”, de

Natasha Gomes Moreira Abreu e Nivaldo Dos Santos, discute, sob a ótica dos conflitos

coletivos agrários, o direito de posse e proteção jurídica da propriedade da terra e a condição

de atendimento da função social. O estudo é desenvolvido a partir de revisão sobre as teorias

da posse, e a sua repersonalização e, ao final, é debatida a função social nas ações de

reintegrações de posse através do estudo de caso do processo de Reintegração de Posse da

Fazenda Santa Mônica em Corumbá de Goiás, e no final, analisa de forma crítica, a decisão

judicial exarada.

O trabalho intitulado “DIREITO À TERRA E A AQUISIÇÃO DE TERRAS POR

ESTRANGEIROS” é explorado por Isabella Andrade Ferreira Xavier e Vilma de Fátima

Machado, em um estudo que demonstra o quanto as restrições impostas pela lei nº 5.709/71

na aquisição de terras por estrangeiros são importantes para a soberania e segurança nacional

e que, o afrouxamento dessas restrições podem ocasionar a perda da identidade na relação

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entre homem, terra e território, gerando riscos na proteção do patrimônio cultural e nas

reivindicações de terra, por nacionais.

Já o trabalho intitulado “DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA COMO

VERTENTE DO DIREITO AGRÁRIO: A (IN) EFICÁCIA DO SISTEMA NACIONAL DE

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À

ALIMENTAÇÃO DAS PESSOAS CUSTODIADAS”, de José Augusto Magni Dunck,

discute a importância do direito agrário e a eficácia do Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional (SISAN) em formular políticas públicas de desenvolvimento para

concretizar o direito humano, à alimentação adequada, às pessoas privadas de liberdade e

redução da desigualdade social. Com apoio em relatório oficial e realiza diagnóstico sobre a

alimentação dos presos e a eficácia do SISAN. A partir de categorias de Foucault faz debate

sobre a influência do racismo institucional como variável que legitima a ausência de

concretização do direito humano à alimentação adequada a essa parte da sociedade.

Já o estudo jurisprudencial intitulado “EXTERNALIDADES NEGATIVAS

DECORRENTES DO USO DE AGROTÓXICOS E A INSEGURANÇA ALIMENTAR:

UMA ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL”, de Camila

Santiago Ribeiro e Eduardo Gonçalves Rocha, analisa a atuação do Supremo Tribunal

Federal frente aos efeitos negativos gerados pela ampla utilização de agrotóxicos na

produção agrícola, que vem distribuindo ônus para toda a sociedade e contribuindo para o

aumento da insegurança alimentar. As externalidades negativas que têm origem no

agronegócio vão além dos limites econômicos e demográficos da atividade e fazem toda a

sociedade suportar os custos sanitários, ambientais e sociais desse modelo de produção

agrícola. Uma análise das decisões da corte constitucional demonstra como essa questão vem

sendo enfrentada judicialmente.

Os autores Ricardo Araujo Dib Taxi e Liandro Moreira Da Cunha Faro, trazem reflexões

sobre o tema “JUDICIALIZAÇÃO DA QUESTÃO AGRÁRIA E COMUNIDADES

TRADICIONAIS QUILOMBOLAS: O JUDICIÁRIO QUANDO DA ANÁLISE DOS

CONFLITOS TERRITORIAIS”, onde destacam o papel do judiciário nos conflitos que

envolvem direitos territoriais das comunidades tradicionais, observando a tendência do poder

judiciário brasileiro em julgar demandas desta natureza, através de uma estrutura

institucional que provoca violência aos grupos étnicos e seus direitos territoriais.

O trabalho intitulado “O CANCELAMENTO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E SUAS

CONSEQUÊNCIAS NO COMBATE À GRILAGEM DE TERRAS NO ESTADO DO

PARÁ“, de autoria de Dauana Santos Ferreira e Rita De Cassia Ferreira De Vasconcelos,

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explora os conflitos agrários no Estado do Pará, cuja politica governamental é tendenciosa,

privilegiando a classe economicamente mais forte em detrimento dos pequenos proprietários,

populações tradicionais e propriedade coletiva, destacando que, não obstante a CPI da

Grilagem instituída no âmbito do congresso Nacional, o cancelamento de matrícula de

registro de imóveis no estado do Pará não ocorreu de forma efetiva, prejudicando as

populações fragilizadas, originários proprietários da terra.

Já o trabalho de autoria de Ramon De Souza Oliveira, intitulado “O CIRCUITO ESPACIAL

DA PRODUÇÃO DO CAFÉ A PARTIR DO MUNICÍPIO DE PATROCÍNIO/MINAS

GERAIS” traz contribuições sobre a evolução da cafeicultura em Patrocínio, no estado de

Minas Gerais (MG), discutindo a produção de “cafés finos”, modernização da agricultura, a

agricultura científica globalizada.

O trabalho intitulado “CONFLITO COLOMBIANO NO SÉCULO XX: A PERSPECTIVA

DAS LUTAS POR TERRAS E TERRITÓRIOS COMO DIREITO À TERRA E PAZ”, de

autoria de Luís Felipe Perdigão De Castro e Miquelly Barbosa da Silva, aborda a luta pela

terra, o conflito colombiano no século XX, em especial a dinâmica da legislação rural dentro

dos processos de concentração e exclusão no campo. Parte-se, inicialmente, de um breve

panorama histórico para, na sequência, debater as significações das lutas por terras e

territórios, como busca por direitos e identidades sociais. O pano de fundo é a luta por terra

como elemento transversal das violências contra comunidades camponesas, indígenas e afro-

colombianas. O objetivo é discutir as contradições e rupturas que permeiam as disputas e

legislações agrárias da Colômbia.

Na produção intitulada “CONFLITO DE NORMAS NO ART. 4º DA LEI nº 12.651/2012,

CRITÉRIO HIERÁRQUICO E A TEORIA DO MAL MENOR”, de autoria de João Da Cruz

Gonçalves Neto e Lais Machado Papalardo de Moraes Carneiro, os autores analisam o art. 4º

da Lei nº 12.651/2012 e o consideram carecedor de precisão legislativa, o que pode causar

problemas na interpretação normativa e, com isso, graves conflitos agroambientais. A partir

do conceito de Área de Preservação Permanente e da importância de sua manutenção,

entendeu-se que a discricionariedade relativa à extensão da área a ser preservada pode

significar perda do direito pleno de propriedade ou ataque ao meio ambiente preservado.

Estuda-se o caso de antinomia aparente de normas ambientais, a qual pode ser solucionada

pelo critério hierárquico e pela aplicação da Teoria do Mal Menor.

A análise do trabalho intitulado “PERSPECTIVAS PARA O DIREITO

AGROAMBIENTAL A PARTIR DA NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO RURAL”, o

autor João Daniel Macedo Sá, discute as perspectivas do desenvolvimento rural no Brasil;

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identifica como se constrói a noção de desenvolvimento rural e se existe uma questão

estrutural que interliga a pobreza e a concentração de terras no meio rural. Apresenta uma

crítica às políticas públicas com enfoque setorial, por não darem a devida atenção à obtenção,

pelos indivíduos, do conjunto de capacidades e funcionamentos ligados às condições

mínimas para uma vida digna. Por isso, argumenta que as políticas públicas devem ser

pensadas e planejadas de maneira integrada, de modo a buscar essa ampliação das

capacidades humanas.

Os autores Ana Luisa Santos Rocha e José Heder Benatti, no trabalho intitulado “POLÍTICA

NACIONAL DE REFORMA AGRÁRIA E SEUS DIFERENTES INSTRUMENTOS

FUNDIÁRIOS”, discutem os diferentes instrumentos que compõem o rol de projetos da

Reforma Agrária no Brasil, tendo como base a Norma de Execução INCRA nº 69/2008 e os

projetos estaduais no Estado do Pará, demonstrando um aumento gradativo nas categorias

fundiárias e os sujeitos abrangidos nessa política pública.

No trabalho intitulado “PRINCÍPIOS E CLÁUSULAS GERAIS: A QUESTÃO DA

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE” a autora Bárbara Tuanni Veloso da Silva faz uma

análise teórica sobre a função social da terra, e conclui que o direito a ela deve ser aplicado e

interpretado de forma plural, evidenciando o papel do juiz, e de diferentes teorias sobre a

hermenêutica, deixando claro a importância da “terra” para as comunidades indígenas,

demonstrando que para eles há um valor muito maior que o cultural e econômico: um valor

vital.

Finalizando, o autor Olímpio de Moraes Rocha, no trabalho “PROJETOS DE REFORMA

AGRÁRIA VIA DESAPROPRIAÇÃO SOCIAL E EXPLORAÇÃO MINERAL:

DIÁLOGOS JURÍDICOS POSSÍVEIS” faz uma análise sobre o desenvolvimento

econômico, à luz da atividade minerária, destacando os riscos e perigos que a atividade

acarreta, demonstrando o perigo da dicotomia entre os objetivos fundamentais da República:

o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades sociais, destacando o importante

papel da atividade agrária para a manutenção do meio ambiente saudável e com qualidade de

vida.

Assim, a presente obra é um verdadeiro repositório de reflexões sobre Direito Agrário e

Agroambiental, o que nos leva a concluir que as reflexões jurídicas, nessa obra, são

contribuições valiosas no tocante a oferta de proposições que assegurem a melhoria de vida

no campo, o acesso à terra e a dignidade de trabalhadores e produtores rurais, em harmonia

com o meio ambiente e com os demais seres que habitam esse espaço, sendo imprescindível

discutir e assegurar direitos, não só do homem, mas dos biomas.

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Desejamos, pois, excelente leitura a todos.

Prof. Dr. Nivaldo dos Santos

Prof. Dr. Valmir César Pozzetti

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1 Discente de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Agrário, nível Mestrado (UFG). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás - FAPEG. Contato: [email protected].

1

DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA COMO VERTENTE DO DIREITO AGRÁRIO: A (IN) EFICÁCIA DO SISTEMA NACIONAL DE

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL NA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO DAS PESSOAS CUSTODIADAS

HUMAN RIGHT TO ADEQUATE FOOD AS A FIELD OF AGRARIAN LAW: THE (IN) EFFECTIVENESS OF THE NATIONAL FOOD AND NUTRITION SECURITY

SYSTEM IN REALIZING THE PRISONERS' RIGHT TO FOOD

José Augusto Magni Dunck 1

Resumo

Discute-se a importância do direito agrário e a eficácia do Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional (Sisan) em formular políticas públicas de desenvolvimento para

concretizar o direito humano à alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade e

reduzir a desigualdade social. Com apoio em relatório oficial é realizado diagnóstico sobre a

alimentação dos presos e refletida a eficácia do Sisan. A partir de categorias de Foucault faz-

se debate sobre a influência do racismo institucional como variável que legitima a ausência

de concretização do direito humano à alimentação adequada a essa parte da sociedade

Palavras-chave: Direito agrário, Direito humano à alimentação adequada, Pessoas privadas de liberdade, Racismo institucional

Abstract/Resumen/Résumé

The importance of agrarian law and the effectiveness of the National System of Food and

Nutrition Security (Sisan) is discussed in the realization of the human right to adequate food

for persons deprived of their liberty. With support in official report is carried out diagnosis

on the feeding of prisoners and reflected the effectiveness of Sisan. From the categories of

Foucault, there is a debate about the influence of institutional racism as a variable that

legitimates the absence of concretization of the human right to adequate food for this part of

society.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Agrarian law, Human right to adequate food, People deprived of their liberty, Institutional racism

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Introdução

Destacado pesquisador sobre a fome1, Josué de Castro2 (2010, p. 265), depois de

explorar o território nacional, afirma que “o Brasil é realmente um dos países de fome no mundo

atual”. A obra foi publicada em 1946.

No florescer dos séculos XX e XXI, relatórios da Organização das Nações Unidas para

a Alimentação e a Agricultura (FAO)3 apontam que, no período de 1990-1992 e 2000-2002,

havia 22,6 e 19 milhões de pessoas subnutridas no Brasil, respectivamente. Aponta ainda que,

no período de 2014-2016, menos de 5% (cinco por cento) da população brasileira se encontrava

em estado de subnutrição4.

O Brasil, em 2016, atingiu a cifra de pouco mais de 206 milhões de habitantes segundo

a Resolução n.º 04, de 29 de agosto de 2016, da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística (IBGE), publicado em 30 de agosto de 2016, no Diário Oficial da União5.

Entrelaçando-se os dados da FAO e do IBGE sobre fome e população observa-se a

existência estimada de 10 milhões de pessoas subnutridas no país, vale dizer, com carências

proteicas, minerais e ou vitamínicas decorrentes da falta de alimentação adequada (insuficiente,

incompleta e desarmônica). As pessoas que sofrem de uma ou mais destas carências ficam

expostas a outras muitas doenças intercorrentes6.

A constatação é dura diante da condição de abundância do país. A safra de grãos de

2015/2016 foi estima em mais de 210 milhões de toneladas7. A produção de carnes é gigantesca.

O país concorre com a Índia a posição de maior produtor de bovinos do mundo, com mais de

1 Fome extrema a subnutrição. 2 Indicado duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz. Presidente da FAO de 1952 e 1956. 3 Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). 4 Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da insegurança alimentar no

mundo 2015. Fome por país. Disponível em: <http://www.fao.org/hunger/en/>. Acesso em: 11 mar. 2017. 5 Diário Oficial da União n.º 167, seção 1, de 30 de agosto de 2016, páginas 47-65. Resolução n.º 04, de 29 de

agosto de 2016. Disponível em:<

http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?data=30/08/2016&jornal=1&pagina=47&totalArquivo

s=152>. Acesso em: 11 mar. 2017. 6 CASTRO, ob. cit. p. 33. 7 Companhia Nacional de Abastecimento. Acompanhamento da safra brasileira. Disponível em:

<http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/16_01_12_09_00_46_boletim_graos_janeiro_2016.pdf>.

Acesso em: 11. mar. 2017.

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200 milhões de reses8, sendo privilegiado quanto ao volume de recursos hídricos. A reserva de

água doce é de 13,7% da disponível no mundo9.

Apesar da fartura não é demais dizer que os progressos na agricultura não foram

suficientes para alimentar a todos, a grande questão, pode ser parcialmente inerente à técnica,

mas, sobretudo, passa por políticas de desenvolvimento socioterritorial (FERNANDES, 2015,

p. 47).

Se há abundância de alimentos porque há fome e subnutrição em “terra tupiniquim”?

O Brasil é relevante celeiro de alimentos e grande reservatório de água doce. Apesar

disso, muitas pessoas passam fome, ou estão em estado de subnutrição. Então, a grande questão

não é a disponibilidade de alimentos, mas o acesso a eles.

O acesso à alimentação adequada pode ser atingido por meio de políticas públicas.

Entre 2002 a 2014, o país reduziu em 82,1% a quantidade de pessoas subnutridas, enquanto a

América Latina, no mesmo período, reduziu somente 43,1%10. A redução de subnutridos no

país, nesse interregno, é reflexo das ações estatais de redução da pobreza e da fome.

Um dos instrumentos instituídos neste período foi a criação do Sistema Nacional de

Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) pela Lei Federal n.º 11.346/2006, que visa assegurar

a soberania alimentar e o direito humano à alimentação adequada, bem como a constituição da

segurança alimentar e nutricional em conjunto com toda sociedade.

Caracteriza-se singular movimento no enfrentamento à fome, desnutrição e demais

infortúnios que, até nos dias de hoje, segunda década do século vinte um, humilham a pátria

brasileira. O sistema visa orientar projetos, programas, ações, metas e objetivos relativos à

produção, distribuição e acesso aos alimentos.

Concebe oportunidade para elaboração de política nacional específica, instruída com

ferramentas de planejamento e controle (diretrizes, metas, recursos, avaliação, fiscalização,

monitoramento etc), constituída de potencial empenho agregado de todas as entidades

federativas e sociedade em geral.

Institucionaliza a política de segurança alimentar e nutricional ao criar o Conselho

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão formado por representantes

8 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Rebanho bovino alcança a marca recorde de 215,2 milhões

de cabeças. Disponível em:

<http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3268&busca=1&t=ppm-

rebanho-bovino-alcanca-marca-recorde-215-2-milhoes-cabecas-producao-leite>. Acesso em: 11 mar. 2017. 9 Ministério do Meio Ambiente. Água, um recurso cada vez mais ameaçado. p. 28. Disponível em: <

http://www.mma.gov.br/estruturas/secex_consumo/_arquivos/3%20-%20mcs_agua.pdf >. Acesso em: 11 mar.

2017. 10 Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. O estado da insegurança alimentar no

mundo 2015. Fome por país. Disponível em: <http://www.fao.org/hunger/en/>. Acesso em: 11 mar. 2017.

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civis e do governo, com atribuição de sugerir rumo a política nacional, controle, participação,

monitoramento e avaliação de políticas públicas, programas e ações de segurança alimentar e

nutricional. Enfim, tem finalidade de estimular a garantia do direito social, humano e

constitucional à alimentação adequada, em gestão de concurso com sociedade civil em geral e

entidades federativas do país dentro do sistema de segurança alimentar e nutricional (Sisan).

O desafio é grande. Os subnutridos estão espalhados em todo o território nacional,

inclusive estão custodiados no cárcere brasileiro. Segundo relatório do Departamento

Penitenciário Nacional (Depen) há mais de 600.000 (seiscentas mil) pessoas privadas de

liberdade nos presídios pátrios, população maior do que a existente em muitas capitais

brasileiras11.

A população carcerária é subnutrida? Existem políticas públicas voltadas à

alimentação adequada das pessoas privadas de liberdade? A criação do Sisan, em 2006, teve

alguma eficácia na efetivação da garantia do direito humano à alimentação adequada a este

grupo de pessoas? Quais circunstâncias obstam a efetivação deste direito?

Pretende-se dar início a discussão destas questões e para isso, inicialmente, é realizado

diagnóstico sobre a alimentação das pessoas privadas de liberdade, delimitado neste trabalho

pela análise dos dados apresentados no relatório do Mutirão Carcerário, coordenado e

executado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicado em 201212.

Entre várias circunstâncias o racismo institucional revela-se o principal mitigador da

efetivação da garantia do direito humano à alimentação adequada a este segmento de pessoas.

A análise do racismo institucional ou de Estado é compreendida através dos estudos de Foucault

sobre Estado e biopoder.

Adota-se a definição de racismo contida no texto do § 2º do artigo 2º da Declaração

sobre a Raça e os Preconceitos Raciais da Organização das Nações Unidas.

Pretende-se discutir a efetivação da garantia do direito humano à alimentação adequada

às pessoas privadas de liberdade, e ainda analisar e discorrer sobre a existência de políticas

públicas, projetos e ações voltadas a este tema após a criação do Sisan. Enfim, discutir como a

sociedade se organiza para garantir alimentação adequada a este grupo de pessoas.

11 Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Levantamento nacional de informações penitenciárias – Infopen.

Junho de 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-

web.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2017. 12 Conselho Nacional de Justiça. Mutirão carcerário. Raio-X do sistema penitenciário brasileiro. 2012. Disponível

em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/mutirao_carcerario.pdf.> Acesso em: 11

mar. 2017.

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1. Direito humano à alimentação adequada como vertente do direito agrário

Segundo consta no texto do artigo 3º da Lei Federal n.º 11.346, de 15 de setembro de

2006, a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso

regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o

acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de

saúde que respeitem a diversidade cultural e que seja ambiental, cultural, econômica e

socialmente sustentáveis.

As escolhas políticas de um país ditam as regras para acesso, produção, distribuição,

preço e qualidade dos alimentos. Nesse contexto o direito agrário exerce grande influência na

satisfação da segurança alimentar e nutricional, entendida como a garantia do acesso

permanente à alimentação de qualidade, isto é, a uma alimentação sadia e equilibrada, capaz de

atender às necessidades nutricionais de toda a população.

O direito agrário disciplina a relação entre ser humano e terra. Desta simbiose origina-

se a produção de alimentos e riquezas em geral. Cabe a este ramo do direito, juntamente com

outros ramos e saberes, o compromisso ético e humanitário de zelar pela segurança nutricional

e alimentar, garantir o direito humano à alimentação adequada a toda população brasileira, sem

discriminação.

Segurança alimentar e nutricional, em síntese, refere-se à maneira de como a sociedade

se organiza para garantir o direito à alimentação a toda pessoa, sem discriminação de qualquer

tipo (VALENTE, 2002, p. 40).

O direito agrário diz respeito à construção normativa de como produzir13, que influencia

diretamente a produção agrária, que se preocupa em o quê produzir e quanto produzir. A

segurança alimentar se satisfaz intensamente dentro deste ramo do direito que, em seus marcos

normativos, disciplina o aumento de disponibilidade, diversidade, nutrição e qualidade de

alimentos, informação sobre sua origem (rastreabilidade), eliminação de resíduos e riscos

indesejados, desperdício, renda dos pequenos e grandes agricultores, acesso à terra, a crédito e

a mão de obra, criação de territórios e sustentabilidade etc (BASSO, 2015).

Ele disciplina a relação entre seres humanos e terra, sem olvidar a complexidade

cultural, étnica e racial da sociedade, e deve ter em vista o bem-estar socioeconômico de todos.

A garantia do direito humano à alimentação adequada é corolário da segurança

alimentar e nutricional que se satisfaz intensamente dentro do marco normativo do direito

13 Reformulação da reforma agrária, com distribuição da propriedade da terra, ou modernização conservadora, sem

distribuição. Uso de transgênicos, agrotóxicos etc, ou agroecologia, agroflorestal etc.

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agrário, ainda que timidamente empregado para essa finalidade diante das contradições

socioterritoriais existentes.

Tem-se desafio jurídico pautado no aperfeiçoamento de normas jurídicas agrárias que

garantam, a todos, o direito humano à alimentação adequada. Todavia, somente alterações

legislativas não resolverá a questão. O desafio também é político e social diante das disputas de

modelos de desenvolvimento e de formas de organização da sociedade. Nesse contexto, a

afirmação de que a fome é uma questão política não é dessarroada (CASTRO, 2010).

A formulação e execução de políticas públicas para incentivar a constituição de

territórios alimentares para satisfazer a segurança alimentar e nutricional é programa

imprescindível para assegurar o direito humano à alimentação adequada a todos, direito social

constitucional, inserto no texto do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, alterado pela

Emenda à Constituição n.º 64, de 4 de fevereiro de 2010.

Diante da relevância e seriedade geral do tema, a segurança alimentar merece atenção

de todas as frentes de produção de saber e, nesse quadro, o direito agrário é primacial, já que

trata da relação entre ser humano e terra, fonte de produção de alimentos, enfim, de bem-estar

e de vida (BASSO, 2015, p. 303).

Nesse passo, a Lei Federal n.º 11.346/2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança

Alimentar e Nutricional (Sisan), visa assegurar a soberania alimentar e nutricional e o direito

humano à alimentação adequada em conjunto com a sociedade.

Até que ponto esse sistema influencia concretamente a promoção do direito humano à

alimentação adequada a todos, sem discriminação. O sistema criado é eficaz na efetivação deste

direito às pessoas privadas de liberdade no País?

Este problema é o cerne da discussão inicial pretendida neste texto. Com base no

relatório do mutirão carcerário, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referente

aos anos de 2010 e 2011, são problematizados os dados encontrados relativos à alimentação

desse grupo e, enfim, aferida a eficácia do sistema.

2. A eficácia do Sisan em relação a efetividade do direito à alimentação das pessoas

privadas de liberdade

O direito humano à alimentação adequada não é tema recente no direito interno e

internacional14, a defesa de sua universalidade, inserta no processo de construção teórica de

14 Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 25 (1948); Pacto Internacional de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais, artigo 11 (1966).

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segurança alimentar nutricional sustentável como eixo de desenvolvimento, inicia-se

principalmente nas ideias de Josué de Castro, desde 1930. A partir 198015, com o início da

retomada democrática no país, movimentos discutem ações contra a fome e miséria. A

positivação e exigibilidade deste direito é corroborada com a criação do referido Sistema

Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), em 2006, pela dita Lei Federal n.º

11.343.

Inserido no texto do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, via Emenda à

Constituição n.º 64, de 04 de fevereiro de 2010, o direito humano à alimentação adequada é,

desde então, direito social positivado constitucionalmente. Na legislação infraconstitucional,

ainda que sem muito efeito concreto, mais como legislação simbólica de compromisso

dilatório16, a Lei de Execução Penal, Lei Federal n.º 7.210, 11 de julho de 1984, no texto do

artigo 12, garante ao preso assistência material, incluída alimentação.

Mesmo diante de inúmeras garantias legais o sistema carcerário brasileiro é marcado

historicamente por violações de direitos das pessoas privadas de liberdade, superlotação,

estruturas precárias e improvisadas, insuficiência ou precariedade de alimentação, escassez e

ausência de água potável (água alimentação) etc.

A criação do sistema Sisan, em 2006, ainda não influencia, até a elaboração deste

texto, a realidade no cárcere brasileiro neste tema, visto que ainda não existe política pública

relevante voltada para a área no âmbito do sistema segurança alimentar e nutricional.

Segundo a Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e

Nutricional (Consea) nunca se tratou desde tema específico nas atividades do conselho, muito

embora se considere sua importância17.

O relatório “Mutirão Carcerário” evidencia que à alimentação das pessoas privadas de

liberdade contínua precária, desumana. Enfim, o direito humano à alimentação adequada a esse

grupo de pessoas não é efetivado.

15 Conforme exposto por Dom Mauro Moreli na apresentação do livro “Direito Humano à Alimentação: desafios

e conquistas” organizado por Flávio Luiz Schieck Valente. São Paulo: Cortez, 2002. A 1ª Conferência Nacional

de Segurança Alimentar foi realizada em julho de 1994. 16 Serve para adiar solução de conflitos sociais. A divergência entre grupos políticos não é resolvida via ato

legislativos, que permanece latente. O acordo se funda na transferência da solução do conflito para um futuro

indeterminado. A legislação como formula de compromisso dilatório atenua um conflito político, mas não resolve

o conflito social subjacente. A lei de execução penal foi aprovada em 1984, no penúltimo ano do regime militar

(1965-1985). Sobre o tema, confira: DUNCK, José Augusto Magni. Comentários sobre propostas legislativas e

leis brasileiras à luz da teoria da legislação simbólica. In. SILVA. Denival Francisco da (org. et tal). Sistema

Punitivo: mais amor, por favor. 1ª ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015, p. 117-134. 17 LEÃO, Marília. Secretaria do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Informações

[mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 6 mar. 2017.

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O “Mutirão Carcerário Raio X do Sistema Penitenciário Brasileiro” que analisa o

cárcere brasileiro, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça, sob a supervisão de

magistrados de todo o Brasil, foi realizado durante os anos de 2010 e 2011 e publicado em 2012.

Já na apresentação do relatório, Cezar Peluso, à época Ministro Presidente do Supremo

Tribunal Federal (STF) e do CNJ, se reporta aos humanos privados de liberdade no cárcere

brasileiro como “não raro esquecidos da condição de seres humanos dos que, subtraídos

momentaneamente do nosso convívio, abandonamos depois dos muros” (CNJ, 2012, p. 9).

Ausência ou escassez de água potável, precariedade ou insuficiência de alimentação

fornecida às pessoas privadas de liberdade nas unidades prisionais do país é tema recorrente em

várias passagens do relatório do CNJ18.

Sobre alimentação, incluída em sua definição a água potável, o relatório indica que no

Estado do Acre, um dos mais úmidos e quentes do país, o calor é uma punição adicional para

quem cumpre pena, os detentos convivem com um grave problema de falta de água. (CNJ, 2012,

p. 17).

A água potável é alimento, muita rara no cárcere brasileiro. Até mesmo na região norte,

rica em água doce. A segurança alimentar abrange a ampliação das condições de acesso aos

alimentos, incluindo a água (art. 4º, I, Lei Federal n.º 11.346/2006).

No Estado do Pará, na Delegacia de Marituba, região metropolitana de Belém, o alívio

para o calor intenso e o mau cheiro do lugar era a água que jorrava de uma mangueira o tempo

todo, matando a sede dos detentos e servindo de chuveiro. Água do banho é a mesma de

consumo, origem de diarreias e demais problemas de saúde (CNJ, 2012, p. 37).

Em Rondônia, no Município de Pimenta Bueno, “presos contaram que trabalham para

complementar as refeições” (CNJ, 2012, p. 47). A complementação é adquirida dentro da prisão.

A segurança alimentar e nutricional também consiste na realização do direito de todos

ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem

comprometer o acesso a outras necessidades essenciais (art. 3º, Lei Federal n.º 11.346/2006).

Nos presídios nordestinos, “calor, escassez de água, sujeira e esgoto a céu aberto

revelam a situação crítica das unidades, nas quais os presos precisam disputar um metro

quadrado ou criar esquema de revezamento para dormir” (CNJ, 2012, p. 61).

Na Cadeia Pública de Salvador “a principal reclamação é a falta de água, em meio às

altas temperaturas da capital. Segundo narraram os detentos, a água fica disponível por apenas

15 minutos ao dia” (CNJ, 2012, p. 71).

18 O relatório é mais geral sobre as condições das unidades prisionais, não é específico sobre fornecimento de

alimentação às pessoas privadas de liberdade.

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Na Paraíba “a escassez de água aliada ao clima árido da região agrava a situação dos

que cumprem pena na Paraíba. Na cidade de Cajazeiras, localizada no sertão, não há rede

encanada e a falta de água é frequente” (CNJ, 2012, p. 86).

Na Penitenciária Regional de Patos e Cadeia Pública de Bayeux, ainda na Paraíba, os

presos da também enfrentam o mesmo problema de escassez de água (CNJ, 2012, p.86).

Em Goiás, “o alimento fornecido pelos presídios à população carcerária é insuficiente,

em algumas unidades presos administram cantinas, vendendo comida (...) Institucionalizou-se

que as famílias levem comida (...) aos parentes encarcerados” (CNJ, 2012, p. 123).

No Estado do Paraná, no 12º Distrito Policial, “os detentos são obrigados a tomar

banho de torneira, a comida muitas vezes chega azeda (...). A falta de estrutura leva alguns

detentos a utilizarem as próprias meias como coador de café” (CNJ, 2012, p. 175).

Em Santa Catarina, escassez de água potável estão entre os problemas relatados pelos

presos durante as inspeções feitas pelo CNJ” (CNJ, 2012, p. 189).

A alimentação das pessoas privadas de liberdade é desumana em praticamente todo o

território nacional.

Reitere-se que o texto do artigo 12 da lei de execução penal impõe que “a assistência

material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e

instalações higiênicas”. No entanto, não define a quantidade, periodicidade e qualidade da

alimentação fornecida, a critério de cada Estado.

Não seriam necessárias tais minúcias na lei, pois, obviamente que as pessoas privadas

de liberdade deveriam receber alimentação adequada e água potável, sempre que dela necessitar.

Todavia, em muitas unidades prisionais, ou fóruns criminais, isso não acontece segundo

denúncias do Ministério Público e da Defensoria Pública.

Comida estragada e ausência de água potável significa não ter acesso à alimentação

adequada, fato permanente e contínuo nos cárceres brasileiros. Diante de tamanha omissão do

Poder Executivo, em alguns Estados, iniciativas exigem o cumprimento do direito humano à

alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade.

No Estado de São Paulo, a Defensoria Pública, em março de 2011, ajuizou ação civil

pública para obrigar o Estado a fornecer alimentação aos presos requisitados para participar de

audiências no fórum, que permaneciam todo o expediente sem receber nenhuma alimentação19.

19 MIRANDA, Rafael de Souza. Ação civil pública: alimentação aos presos pelo estado de São Paulo. Revista

Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3583, 23 abr. 2013. Disponível

em: <https://jus.com.br/peticoes/24259>. Acesso em: 23 fev. 2017.

183

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Frente há inúmeros casos semelhantes, em junho de 2012, o Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) aprova a Resolução n.º 2/201220 que impõe à

administração do estabelecimento penal, antes, durante e depois de cada deslocamento para

audiência, fornecer água potável e alimentação suficiente e adequada às pessoas presas ou

internadas, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal.

No interior do Estado de Goiás, em novembro de 2012, o Ministério Público também

ajuizou ação civil pública exigindo do Estado o fornecimento de alimentação adequada e

suficiente às pessoas privadas de liberdade 21.

Em alguns Estados até existe legislação específica sobre o fornecimento de

alimentação às pessoas privadas de liberdade, já que legislar sobre direito penitenciário é

competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal, conforme texto do artigo 24, III,

3ª figura, da Constituição Federal de 1988.

Em Goiás, por exemplo, a Lei Estadual n.º 16.885, de 13 de janeiro de 2010,

regulamentada pelo Decreto Estadual n.º 7.053, de 22 de janeiro de 2010, dispõe sobre o

fornecimento de alimentação a presos provisórios e condenados, sob custódia do Sistema de

Execução Penal do Estado de Goiás, e dá outras providências.

A lei determina que o fornecimento de alimentação diária aos presos, provisórios e

condenados, será feita pelo Estado de Goiás, preferencialmente de forma indireta, por

intermédio do Município onde estiver localizado o estabelecimento prisional que, se aderir ao

programa, receberá recursos para custear as despesas. Se não aderir, o Estado proverá a

alimentação por meio de contrato de fornecimento.

Tudo indica que a lei não surtiu efeitos esperados, visto que, não obstante sua

publicação em 2010, a ação civil pública foi proposta em 2012. Tal fato pressupõe que

alterações legislativas não têm plena eficácia no plano concreto.

Algumas variáveis devem ser analisadas para entendimento da questão. Pesquisa sobre

o sistema penitenciário brasileiro demonstra que “o perfil das pessoas presas é majoritariamente

20 Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução n.º 2, de 1º de junho de 2012. Disponível em:

<https://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/cnpcp-1/resolucoes/resolucoes-arquivos-pdf-de-1980-a-

2015/resolucao-no-2-de-1o-de-junho-de-2012.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2013. 21 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE GOIÁS. Comarca de Rio Verde – Goiás. Processo n.º 201204051474. Ação

civil pública. Autor: Ministério Público do Estado de Goiás. Réus: Estado de Goiás e Agência Goiana do Sistema

de Execução Penal. Disponível em: <http://www.tjgo.jus.br/index.php/consulta-processual>. Acesso em: 11 mar.

2017.

184

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de jovens negros, de baixa escolaridade e de baixa renda”22. Essa conjuntura deve conduzir, no

mínimo, reflexões sobre o sistema penitenciário do País.

A violência do controle social, por meio do sistema criminal, atinge principalmente

pessoas que se encontram em estado de vulnerabilidade socioeconômica.

Teorias criminológicas, como a teoria da defesa social, bem como o discurso científico

do racismo derivado das teorias de Darwin, que naturaliza a inferioridade, e Spencer, que

inspira o evolucionismo social, resiste ao tempo e subsiste no imaginário social, convergindo

no agente do delito a ideia de “inimigo da sociedade”, cassado, combatido, perseguido em uma

verdadeira guerra contra o crime “em defesa da sociedade”. Confronto que somente termina

quando o inimigo é eliminado sumariamente, ou gradualmente. Combate-se o criminoso, não o

crime23.

O discurso de guerra não permanece somente na linguagem articulada, é “executado”

por meio de políticas de Estado racistas, permeada em todos os Poderes da República, elaborada

e praticada por consenso da maioria dos representantes e membros dos poderes, desencadeando

um poder assassino por meio de todo o corpo social (FOUCALT, 2010, p. 218).

Em geral as agências oficiais de segurança classificam a população brasileira em duas

categorias de pessoas: “as pessoas de bem” (as superiores, puras), não criminalizadas, e “os

inimigos da sociedade” (os inferiores, os impuros), criminalizados.

Os presos são membros permanentes da sociedade. “Os presos, hoje, estão contidos,

amanhã, contigo24”. As ditas “pessoas de bem” não estão a salvo do sistema penal, não são

melhores do que os “inimigos da sociedade”, pois não há garantias de que não se tornarão

“inimigas da sociedade” amanhã, ou até no presente, pois simplesmente, por questões

sociopolíticas, não foram criminalizadas.

Quem são os “inimigos” da sociedade brasileira? Diante desse contexto, uma

indagação resistente persegue a consciência. Os “inimigos da sociedade” são na verdade todas

as pessoas que praticam crimes, ainda que não criminalizadas, ou, em sua maioria, os “inimigos”

são os criminalizados jovens negros, de baixa escolaridade e renda? Esse discurso não pretende

22 Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Levantamento nacional de informações penitenciárias – Infopen.

Junho de 2014. Disponível em: <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/relatorio-depen-versao-

web.pdf>. Acesso em: 11 mar. 2017. 23 Enfrentamento do crime significa prevenção, políticas públicas que interfiram na criminalização de segmentos

mais vulneráveis da sociedade. 24 Palestra realizada pelo Magistrado Dr. Gerivaldo Neiva. Os mutirões carcerários e a crise do sistema

penitenciário. V Simpósio Crítico de Ciências Penais. Sistema punitivo: obscenidades e resistência, em Goiânia -

Goiás, em maio de 2010.

185

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vitimizar, ou discriminar, a população negra do País, mas, sim, discutir uma realidade

terrivelmente concreta.

Passados mais de 120 (cento e vinte) anos de emancipação, ainda que formal, milhares

de brasileiros negros, saqueados de sua identidade e tradições, até agora buscam a aquiescência

de uma maioria branca, continuando, no entanto, a viver num estado de vulnerabilidade

socioeconômica nas extremidades da sociedade brasileira, que lhe nega os recursos materiais e

intelectuais básicos de existência.

O sistema criminal brasileiro se estrutura a partir de racismo, corroborando verdadeiro

racismo institucional. O racismo é variável substantiva no âmbito do controle penal e assim

deve ser entendido para possibilitar a reversão não só do aparato repressivo, mas os termos do

próprio pacto social a que dá sustentação (FLAUZINA, 2006, p.139).

São vários os tipos de racismos. O simples fato do indivíduo ser criminalizado ou

custodiado no sistema prisional o torna pessoa “inferior”, inimiga da sociedade. A inferioridade

surge simplesmente do estado de criminalização ou custódia. A pessoa criminalizada ou

custodiada perde a condição de pessoa humana, ou no mínimo, se torna inferior às pessoas fora

do cárcere, ditas “pessoas de bem”, fato facilmente perceptível no âmbito social do País.

Tal práxis se subsume a definição de racismo contida no texto do § 2º do artigo 2º da

Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Raciais da Organização das Nações Unidas.

O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas nos preconceitos raciais,

os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas

institucionalizadas que provocam a desigualdade racial, assim como a falsa ideia

de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente

justificáveis; manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentárias e

práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos antissociais; cria

obstáculos ao desenvolvimento de suas vítimas, perverte a quem o põe em prática,

divide as nações em seu próprio seio, constitui um obstáculo para a cooperação

internacional e cria tensões políticas entre os povos; é contrário aos princípios

fundamentais ao direito internacional e, por conseguinte, perturba gravemente a paz e

a segurança internacionais (não há negrito no original).

A existência desse racismo institucional, apesar da resistência de alguns atores sociais,

obsta a elaboração e, especialmente, a efetivação de ações inclusivas, como a garantia do direito

humano à alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade, pois, naquela perspectiva, a

pessoa criminalizada, portanto, inferior e “inimiga da sociedade”, pode ser eliminada

sumariamente em ações policiais, ou de maneira lenta e gradual, por meio da fome parcial e

oculta no cárcere25.

25 Falta permanente de determinados elementos nutritivos, em seus regimes habituais, grupos inteiros de

populações morrem lentamente de fome, apesar de comerem todos dos dias (CASTRO, 2010, p. 18).

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A eliminação de pessoas privadas de liberdade nos cárceres brasileiros, ainda que lenta

e gradualmente, por meio da fome, não é circunstancial, na verdade constitui prática política de

Estado legitimada pelo coro da maioria da sociedade brasileira, sintetizada no adágio da

eliminação, “bandido bom é bandido morto”.

Considerando os dados do Infopen os “inimigos da sociedade” brasileira, em sua

maioria26, são os criminalizados jovens negros, de baixa escolaridade e de baixa renda. Estes

dados forçam reconhecer que o adágio da eliminação então equivale em grande medida a “negro

jovem bom é negro jovem morto”.

Como a sociedade brasileira chega a esse limite? Esse racismo institucional sobre as

pessoas criminalização pode ser analisado por meio do processo histórico nacional e de

categorias foucaltianas.

A estatização da vida entrelaçado nas tecnologias de poder desenvolvidas ao longo do

processo histórico, denominadas de poder disciplinar e biopoder, podem ser uma resposta. Nas

palavras de Foucault,

“Temos, portanto, desde o século XVIII (ou em todo caso desde o fim do século

XVIII), duas tecnologias de poder que são introduzidas com certa defasagem

cronológica e que são sobrepostas. Uma técnica que é, pois, disciplinar: é centrada no

corpo, produz efeitos individualizantes, manipula o corpo como foco de forças que é

preciso tornar úteis e dóceis ao mesmo tempo. E, de outro lado, temos uma tecnologia

que, por sua vez, é centrada não no corpo, mas na vida; uma tecnologia que agrupa os

efeitos de massas próprios de uma população, que procura controlar a série de eventos

fortuitos que podem ocorrer numa massa viva; uma tecnologia que procura controlar

(eventualmente modificar) a probabilidade desses eventos, em todo caso em

compensar seus efeitos. É uma tecnologia que visa, portanto, não o treinamento

individual, mas pelo equilíbrio global, algo como uma homeostase: a segurança do

conjunto em relação aos perigos internos” (FOUCAULT, 2010, p. 209).

O desenvolvimento do capitalismo e as ideias iluministas, baseadas na necessidade da

classificação como exercício de poder, produzirão as técnicas de poder, voltadas ao corpo, para

submetê-lo. No Brasil, o corpo dos negros foi treinado e fiscalizado para o trabalho, à base do

chicote, em um ambiente em que o soberano, “em última instância, tem o direito sobre a vida

porque pode produzir sua extinção27”, em “fazer morrer ou deixar viver” (FLAUZINA, 2006,

p. 94.)

“Fora do padrão centralizador que está inscrito na elaboração foucaultiana na análise

das sociedades européias, essa é uma vocação do poder que se faz visivelmente

presente nos limites da instituição escravocrata no Brasil. A partir da premissa

desumanizadora imposta às pessoas escravizadas, as funções de todo o regimento da

vida dentro do privado ou num ambiente público contaminado por seus fundamentos,

sempre estiveram associadas à produção da morte, como forma de garantia material e

simbólica das relações de subserviência, mesmo quando a base de todo o

26 Segundo Ana Luiza Pinheiro Flauzina, “mesmo quando voltado ao controle dos corpos brancos, a movimentação

do sistema penal está condicionada pela dinâmica racial” (2006, p. 127).

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empreendimento estava relacionada à vida. Ou seja, a preservação da existência

humana, indispensável à continuidade do regime de trabalhos forçados, se dava com

os espólios de um direito de espada que, pela sua natureza intrínseca, acaba pendendo

para o lado da morte” (FLAUZINA, 2006, p. 96).

A partir do século XVIII, diante da ascensão das cidades e do aparecimento da

categoria “população” os Estados passam a investir no biopoder, na regulação da vida, na

natalidade, mortalidade, incapacidades, efeitos do meio etc, que serão objetos de conhecimento

e campo de intervenção desse poder. Será a regulamentação da vida por meio de processos

globais, um poder contínuo, científico, que é o poder de “fazer viver”, viver além do tempo da

morte, de assegurar e encompridar a vida. Contrário do poder soberano de “fazer morrer ou

deixar viver”, agora será “fazer viver ou deixar morrer” (FOUCAULT, 2010, p. 207).

Nesse Estado em que o biopoder tem finalidade assegurar a vida, o direito de matar

será legitimado com o racismo, condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de

normalização28. Será o recorte entre quem deve viver ou morrer, uma maneira de inferiorizar

um grupo no interior da sociedade. Ele reativa o modo guerreiro, “se você quer viver, é preciso

que o outro morra”, mas efetivamente estabelece uma relação do tipo biológico. A morte do

outro representa a morte da raça inferior, dos perigos, externos ou internos, em relação à

população e para ela (FOUCAULT, 2010, p. 215).

A morte de pessoas privadas de liberdade nos cárceres brasileiros pela fome total,

parcial ou oculta diz respeito a esse racismo institucional que visa eliminar o outro, “o inimigo

da sociedade”, “limpar” a sociedade das “anomalias”. Várias são as formas de eliminação, deve-

se considerar também a indireto.

“É claro, por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio direto, mas também

tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de multiplicar para

alguns o risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, expulsão, a rejeição,

etc” (FOUCAULT, 2010, p. 217.)

O racismo estrutura os sistemas penais brasileiros, classificados, por Nilo Batista

(2004, p. 105), como colonial-mercantilista, imperial-escravista e republicano-positivista e,

contemporaneamente, o neoliberal. Nesse contexto, ao longo do processo histórico, constatou-

se o racismo como fundamental apoio do sistema criminal, constituidor da metodologia de sua

estrutura, verdadeiro mecanismo de extermínio.

Na atualidade,

28 “A sociedade de normalização é uma sociedade em que se cruzam, conforme uma articulação ortogonal, a norma

da disciplina e a norma da regulamentação. Dizer que o poder, no século XIX, incumbiu-se da vida, é dizer que

ele conseguiu cobrir toda a superfície que se estende do orgânico ao biológico, do corpo à população, mediante o

jogo duplo das tecnologias de disciplina, de uma parte, e das tecnologias de regulamentação, de outra”

(FOUCAULT, p. 302)

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“a guinada neoliberal rumo ao poder, pautando uma necessidade cada vez maior de

exclusão social e eliminação física dos grupos que não se adequam à agenda

globalizante, potencializa os expedientes que vinham sendo cultivados desde o

advento da República para o extermínio da população negra. As imagens e os números

que cercam as condições de vida desse setor estampam esta dinâmica” (FLAUZINA,

2010, p. 100).

O racismo institucional no âmbito do sistema criminal legitima a violação de vários

direitos das pessoas criminalizadas e custodiadas nos cárceres do País, dentre eles, o direito

humano à alimentação adequada. Todavia, o acesso à alimentação adequada deve prevalecer

sobre qualquer outra razão que tenha pretensão de justificar sua negação. Sem alimentação

adequada não há humanidade (VALENTE, 2006, p.37).

Considerações finais

A discussão sobre o tema inicia-se e propõe-se a reflexão sobre a eficácia do direito

humano à alimentação adequada às pessoas criminalizadas, privadas de liberdade, e a análise

das políticas públicas nesta seara.

O Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan), criado na Lei Federal n.º

11.346/2006, que visa assegurar a soberania alimentar e o direito humano à alimentação

adequada, bem como a constituição da segurança alimentar e nutricional em conjunto com a

sociedade, encontra-se abrangido no âmbito do Direito Agrário, podendo ser chamado de

agroambiental-alimentar, que disciplina a relação entre ser humano e terra, da qual desdobra-

se questões inerentes a vivência humana na terra, modo de produzir e todas circunstâncias

inerentes a este dinâmica, que não pode ser olvidadas, como cultura, etnicidade, distribuição de

riqueza, soberania alimentar, produção e acesso à alimentação etc.

A ausência de política nacional, programa ou ação relevante sobre o tema no âmbito

do Conselho Nacional de Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional demonstra a ineficácia

do Sisan no que diz respeito ao acesso à alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade.

A situação é agravada diante do racismo institucional arraigado no sistema criminal

do País e, talvez, não é demais afirmar que tal fato, infelizmente, justifique a ausência de

políticas públicas para área no âmbito do Sisan, sendo a população negra a mais atingida. O

racismo deve ser considerado como variável na elaboração de políticas públicas nesta área.

Conclui-se que, diante da ausência, a elaboração de políticas públicas com a finalidade

de viabilizar o acesso a alimentação adequada às pessoas privadas de liberdade é medida

relevante e urgente, não somente para superar o racismo institucional, mas para garantir

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dignidade às pessoas privadas de liberdade e viabilizar um desenvolvimento social que vise a

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