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XV Seminário de Teses em Andamento – 2009

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XV Seminário de Teses em Andamento 01, 02 e 03 de dezembro de 2009

Divulgação Científica e Cultural Lingüística

Lingüística Aplicada Teoria e História Literária

Caderno de Resumos

Campinas – SP

Instituto de Estudos da Linguagem – UNICAMP

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Prof. Dr. Fernando Ferreira Costa Reitor Prof. Dr. Edgar Salvadori de Decca Vice-reitor e Coordenador Geral Prof. Dr. Euclides de Mesquita Neto Pró-Reitora de Pós-Graduação Prof. Dr. Ronaldo Aloise Pilli Pró-Reitor de Pesquisa Prof. Dr. Antonio Alcir Bernárdez Pécora Diretor do Instituto de Estudos da Linguagem Profª. Drª. Nina Virgínia de Araújo Leite Diretora Associada do Instituto de Estudos da Linguagem Profª. Drª. Silvana Mabel Serrani Coordenadora Geral da Pós-Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem Prof. Dr. Fabio Akcelrud Durão Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Teoria e História Literária Profª. Drª. Susana Oliveira Dias - Coordenadora Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural Profª. Dra. Tânia Maria Alkmim Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Lingüística Profª. Drª. Terezinha de Jesus Machado Maher Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Lingüística Aplicada

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COMISSÃO ORGANIZADORA

Amanda Bastos Amorim de Amorim (MLL) Ana Carolina Constantini (MLL)

Carlos Felipe da Conceição Pinto (DLL) Débora Cristina Bondance Rocha (MTHL)

Eduardo Alves Vasconcellos (DLL) Elias Ribeiro da Silva (DLA)

Elisa Hickmann Nickel (MTHL) Fernando Simplício dos Santos (DTHL) Gislaine Cristina de Oliveira (MTHL)

Isadora Lima Machado (MLL) Jorge Rodrigues de Souza Júnior (MLA)

Luanda Rejane Soraes Sito (MLA) Maria Cláudia Arvigo (MLL) Mariana Jafet Cestari (MLL)

Marina Lee Colbachini (MDCC) Pablo Picasso Feliciano de Faria (MLL)

Raquel Gomes Marcelino (MLA)

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APRESENTAÇÃO

É com satisfação que a Comissão Organizadora do XV Seminário de Teses em Andamento (SETA) do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP disponibiliza o caderno de resumos da edição 2009 do evento.

O SETA, tradicionalmente, constitui-se em um espaço de discussão das pesquisas de mestrado e doutorado em desenvolvimento nos quatro Programas de Pós-Graduação do IEL: Divulgação Científica e Cultural, Lingüística, Lingüística Aplicada e Teoria e História Literária. Nos últimos anos, no entanto, o SETA também tem contado com a participação de alunos de outras universidades brasileiras. Na edição 2009, há trabalhos das seguintes instituições: UFBA, UERJ, UEL, USP, USP/Ribeirão Preto, UFSM, UFU, UNESP/Araraquara, UNESP/São José do Rio Preto, UFRGS, UESB, UFES, UNEMAT, PUC-RJ, UFSC, UFMS, UFJF.

A Comissão Organizadora do SETA 2009 gostaria de agradecer aos funcionários do IEL, pela colaboração na organização do evento, e ao Centro Acadêmico de Letras e Lingüística (CALL), pelo apoio financeiro.

Gostaríamos, também, de agradecer aos professores da UNICAMP e de outras instituições que se dispuseram a participar do evento como debatedores e dar as boas vindas a todos os participantes do evento, na expectativa de que as discussões sejam produtivas.

A Comissão Organizadora do SETA

Campinas, dezembro de 2009.

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DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E CULTURAL

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Anaíres Feirense de Castro Ramos, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual da Bahia Histórias de leitura - um projeto a ser trilhado Orientador: Paulo Santos Silva

Norteará essa pesquisa a História Cultural, a Sociologia da Leitura assim como discussões sobre os estudos (auto)biográficos, narrativas e oralidade, memória e temporalidade

A pretensão é fundamentar este projeto com os pressupostos da História Cultural, associada, sobretudo a Chartier (2001) que procura examinar as condições possíveis para uma história das práticas de leitura. Aliada à História Cultural, a Sociologia da Leitura contribui com as reflexões da leitura e das práticas de leitura principalmente pelos estudos de Marisa Lajolo, Regina Zilberman e Márcia Abreu.

Essa pesquisa abrange mulheres, em geral, donas de casa a partir de 60 anos, independente da escolaridade, todas participantes do CECREMAM – Centro Cultural Récreo-Educativo Monsenhor Amílcar Marques em Feira de Santana – Bahia. Elas atuam como auxiliares em organização de eventos culturais e/ou como espectadoras desses eventos; considerando não apenas essas atuações e o centro cultural que as permeiam, mas suas experiências individuais e a sociedade em geral como relevantes no processo de formação; oportunizando o processo de aprendizagem de si em meio ao processo de educação informal onde a história em que estão inseridas cruza-se à história individual e vice-versa, ambas interferindo nas representações sociais do ser leitor; e explorando a importância da memória na construção/revelação de identidades.

Desejo, assim, usufruir das discussões acerca da memória social, da sociologia da leitura e das representações sociais como meios para (re)conhecer na intersecção da história cultural e dos estudos (auto)biográficos de que maneira as representações do ser leitor tem contribuído para a formação da identidade de mulheres pertencentes ao CECREMAM, em Feira de Santana.

Objetivo estudar histórias de leitura para compreender como as representações da imagem leitora, cristalizadas socialmente, aparecem em narrativas (auto)biográficas de mulheres senhoras pertencentes a um centro cultural de Feira de Santana a fim de perceber a influência de tais representações no processo identitário dessas mulheres enquanto leitoras.

Como parte da metodologia, colherei narrativas orais sobre histórias de leitura. As narrativas orais retratarão uma experiência pessoal vinculada a experiências de si

e de outrem - memórias dos que viveram os fatos e memórias dos fatos não vividos, memórias individual e coletiva cruzam-se. Rememorar é considerar as experiências individuais e sociais. Rememora-se o que é passado. Assim, o passado estará presente nesse estudo, em lugar privilegiado, ainda que seja considerada a sua recriação, uma vez que ele é visto e revisitado, estando o sujeito no presente.

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O sujeito tende a ocupar-se do passado em intensidades diferentes a depender da etapa em que está na vida. Segundo Ecléa Bosi, em Memória e Sociedade, o velho se ocupa mais dessa tarefa do que um adolescente, imprimindo também uma função social.

"Haveria, portanto, para o velho uma espécie singular de obrigação social, que não pesa sobre os homens de outras idades: a obrigação de lembrar, e lembrar bem. Convém, entretanto, matizar a afirmação de Halbwachs. Nem toda a sociedade espera, ou exige, dos velhos que se desencarreguem dessa função. Em outros termos, os graus de expectativa ou de exigência não são os mesmos em toda parte. O que se poderia, no entanto, verificar, na sociedade em que vivemos, é a hipótese mais geral de que o homem ativo (independente de sua idade) se ocupa menos em lembrar, exerce menos freqüentemente a atividade da memória, ao passo que o homem já afastado dos afazeres mais prementes do cotidiano se dá mais habitualmente à refacção do seu passado."(BOSI, Éclea, 1994, p. 63)

O passado, sob esse prisma, é dinâmico, vivo por estar vinculado ao movimento e

esse à subjetividade do sujeito, bem como à sua história, o seu presente, a objetos... E à função social.

Virão vozes e silêncios contidos nessas vozes ressignificados na passagem do tempo, pelas circunstâncias e subjetividades envolvidas no momento da entrevista, da produção narrativa, do tema narrado.

Ao mesmo tempo “a experiência que passa de pessoa a pessoa” como fonte inspiradora das narradoras continuaria sucessivamente acontecendo na seqüência da pesquisa, também se considerarmos que o pesquisador/pesquisadora é mais uma pessoa a ter acesso às inúmeras experiências contadas e por conseguinte quem tivesse acesso aos resultados desse estudo também. Seria uma cadeia interativa e gradativamente sucessiva inter/entre experiências e subjetividades, inúmeras possibilidades de leitura e recepção, de recorte e reconstrução. Embora não exista a última palavra nas ciências humanas, deve ser observada a responsabilidade do pesquisador enquanto leitor cujo lugar permitirá ou indicará a feitura de recortes, intervenções... Responsabiliza-se também pela exposição explícita da subjetividade de outrem.

"Apresentados na forma de histórias de vida, de relatos biográficos ou como suporte à escrita de textos temáticos, os testemunhos reunidos através da história oral têm em comum a característica de ser uma escrita autobiográfica, ainda que intermediada, ou mediada, por um segundo que entrevista e dá forma à história ou texto."(SILVA, Vera Lúcia, 2006, p. 132)

Nessa pesquisa especificamente a relação com o outro, metodologicamente, far-se-

á por meio de entrevista e narrativas (auto) biográficas dentro da oralidade, sendo possível entrar em contato com a constituição que essas mulheres tem de si enquanto sujeitos que são. Dentro de sua historicidade, de sua biografia se apresentará a consciência histórica de si e de uma coletividade representativa a essas expositoras.

É sabido que todo discurso é atravessado pelo discurso alheio. A relação com o outro demanda a linguagem. Há o caráter interacionista na investigação: entre pesquisa e fonte, fonte e si mesmo, fonte e coletivo no qual estão inseridas/da qual fazem parte. Acrescido a isso o posicionamento da língua enquanto natureza polifônica, da palavra enquanto polissignificante, como não poderia deixar de ser, estará intensamente presente nas subjetividades das experiências, das narrativas, dos muitos eus presentes nesse

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estudo. Nas narrativas que aparecerão em meu estudo, atos particulares serão expostos, porém atos particulares tem um conjunto de dados em que permeiam atos, discursos coletivos.

Por tudo isso, a pesquisa será qualitativa e exploratória por meio de estudos bibliográficos e em campo. Este trabalho vale-se de pressupostos da abordagem (auto)bibliográfica, pois pretende utilizar as histórias de vida de mulheres que compartilham na sua história um mesmo centro cultural.

Ela acontecerá nas seguintes etapas: estudo bibliográfico; escolha dos prováveis sujeitos; acesso ao arquivo documental do CECREMAM, elaboração de ficha cadastral e roteiro para as entrevistas; planejamento das atividades com o grupo de mulheres: apresentação dessa pesquisa/preenchimento da ficha, autorização para as gravações, entrevistas e narrativas orais, transcrição e escritura das narrativas biográficas, análise dos dados.

A metodologia está suscetível à mudança. Sempre em todo processo, a atenção à ética na pesquisa se fará presente.

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Ana Paula Camelo, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas Sons-pensamentos por entre culturas, comunicações e biotecnologias Orientadora: Susana Alves

Em andamento, a pesquisa de mestrado Imagens-escritas (feitas) de sons: Ouvindo as Bio-tecno-logias de Rua, proposta e desenvolvida dentro do programa de pós-graduação em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob orientação dos professores doutores Susana Oliveira Dias e Carlos Alberto Vogt, com financiamento da Fapesp, nasceu a partir do projeto de pesquisa Biotecnologias de rua e de dois dele derivados, Num dado momento: biotecnologias e culturas em jogo e Um lance de dados: jogar/poemar por entre bios, tecnos e logias. A grande aposta desses projetos, desenvolvidos por pesquisadores, artistas e alunos vinculados ao Labjor e à Faculdade de Educação, ambos da Unicamp, esteve focada na criação de artefatos de divulgação científica que explorassem e extrapolassem as potencialidades de múltiplas linguagens e das interfaces entre ciência, arte e filosofia na comunicação da ciência.

Artefatos que apostam numa divulgação científica enquanto divagação, multiplicação e dispersão de sentidos e sensações, que criam “uma quase invasão do público em discussões sobre biotecnologias, mídias e suas intensas intervenções na vida. Público que é autor, contemplador, conhecedor, criador” (VOGT et al, 2008, p. 05).

Os objetivos do projeto Biotecnologias de rua – provocar os participantes do projeto

e o público a pensar acerca dos temas e pesquisas biotecnológicas como potentes elementos nas formas de pensar e sentir a VIDA; provocar o público a refletir e discutir sobre as biotecnologias através e com as imagens, palavras e sons; expor a diversidade de opiniões e interpretações que compõem o debate sobre o tema e desmitificar a ciência como um conhecimento restrito a espaços institucionalizados – proporcionaram o ambiente propício para a expansão dessa pesquisa a partir da inserção de uma nova linguagem ainda não explorada em suas atividades: o rádio. Não com o objetivo de divulgar somente suas reflexões, atividades e resultados, mas como espaço/oportunidade de compartilhamento e estímulo de outras (novas) formas de ver, ouvir, pensar a divulgação científica.

Os estudos teóricos desenvolvidos nos campos da Percepção Pública da Ciência através de Carmelo Polino, Carlos Vogt e Luisa Massarani, e dos Estudos Culturais da Ciência e da Educação, por meio dos escritos de Daniela Ripoll, Maria Lúcia Wortmann, Raymond Willians, mobilizam a reflexão e as escritas a serem produzidas, visando à problematização da possibilidade de invenção de imagens sonoras das ciências em programas de rádio com enfoque nas biotecnologias, em especial os temas eleitos:

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clonagem, células-tronco, transgênicos e reprodução assistida. A aposta está centrada na tentativa de fugir, escapar às representações e insistentes repetições do discurso científico, das imagens e sons remetidos, pelos meios de comunicação, às ciências, às biotecnologias.

A escolha do tema surgiu de um desejo pessoal, da intenção de provocação: provocação de dúvidas, de curiosidade, de interesse e de outras perspectivas sobre o que são, para que servem, por onde estão espalhadas as biotecnologias. Provocação que surge também do desejo de experimentar uma divulgação desprendida de uma avalanche de dados estatísticos e termos técnicos; de imagens cinematográficas que evocam descobertas fantásticas e ideias revolucionárias.

Proliferam, na mídia contemporânea, as previsões de que poderemos, através da genética aplicada à medicina, viver mais e melhor – assim como também proliferam as (im)possibilidades de sermos testados, de conhecermos os nossos riscos e os riscos relativos ao nascimento de nossos filhos, bem como proliferam os imperativos de que devemos nos precaver (RIPOLL, 2007, p. 03).

A partir das informações, sons e entrevistas coletados nas atividades dos projetos e

nas ruas, os programas serão construídos no formato podcast e serão disponibilizados no portal do Biotecnologias de Rua, mais precisamente no blog Calçadão <www.labjor.unicamp.br/biotecnologias/calcadao>, criado para acompanhar e compartilhar o desenvolvimento das ações propostas. Espaço criado para reunir, mas sem prender, as “aglomerações, trânsitos, fluxos de textos, imagens, sons, vídeos numa proposta de laboratório aberto. Um experimentar contínuo de jogos com/pelas escritas, imagens, sons, vídeos” (Blog Calçadão).

A intenção de cada programa será perpassar questões cuja abordagem não é comum em termos de divulgação científica, mas que têm total pertinência e potência: vida, medida, tempo, dados, acaso, arte, querer... Para isso acontecer, escolhemos utilizar não apenas um, mas vários formatos radiofônicos pertencentes ao gênero jornalístico, dentre os quais podemos citar: nota, notícia, reportagem, entrevista, comentário e boletim.

Segundo Barbosa Filho (2003), dentro do gênero jornalístico – cujo objetivo é atualizar o público por meio da divulgação, acompanhamento e da análise dos fatos (p.89), o formato divulgação tecnocientífica “tem a função de divulgar e, consequentemente, informar a sociedade sobre o mundo da ciência, com roteiros apropriados e linguagem que seja acessível à maioria da população" (p.109).

A inserção do rádio no projeto não ficará limitada ao intuito de diminuir o déficit de conhecimento das pessoas, de alfabetizá-las cientificamente, como queria Roquette Pinto, em 1923, quando criou, com um grupo de cientistas e intelectuais, a primeira rádio brasileira com propósitos educativos, culturais e de difusão científica – a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro (atual Rádio MEC). Roquette Pinto acreditava que o rádio, enquanto nova tecnologia na época – posteriormente acompanhado pelo cinema –, “por sua capacidade de alcançar mesmo aqueles mais distantes e pobres” (Rádio Sociedade – Fundação FioCruz), permitiria uma disseminação barata, rápida e fácil dos conhecimentos.

“A partir de agora, todos os lares espalhados pelo imenso território do Brasil receberão livremente o conforto moral da ciência e da arte pelo milagre das ondas misteriosas que transportam, silenciosamente, no espaço, as harmonias” (Roquette-Pinto, 1927, p. 236).

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A ideia defendida por ele de que “no Brasil, o rádio e o cinema têm que ser a escola dos que não têm escola” (MASSARANI; MOREIRA, 2003, p. 50) e adotada por muitos em divulgar as ciências pelas ondas do rádio se modificou no decorrer da história.

Acreditamos na possibilidade e na potência de uma divulgação científica que movimente pensamentos, ideias e que não se limite aos modelos praticados pelos meios de comunicação, que se pautam pelo convencimento, pelas respostas/imagens prontas, ao que é bom ou mal, certo ou errado. Por meio da sinestesia e da sonoplastia, tentaremos fugir das representações e dos sentidos dados e repetidos e, com isso, possibilitar aos ouvintes sentir, cheirar, ouvir e degustar as ciências, as biotecnologias, dentro de outras lógicas.

Encontro-me com a proposta do projeto Biotecnologias de rua, de expor as mesmas como produções culturais e produzir, com elas, novos conhecimentos, explorando as possibilidades e potencialidades do rádio, dos sons.

Referências: BARBOSA FILHO, André. Gêneros radiofônicos: Os formatos e os programas em

áudio. São Paulo: Paulinas, 2003. MASSARANI, Luisa, Moreira, Ildeu de Castro, Brito, Fátima (org.). Ciência e público:

Caminhos da divulgação científica no Brasil. Rio de Janeiro: Casa da Ciência/UFRJ, 2002.

MOREIRA, Ildeu, MASSARANI, Luisa. A divulgação científica no Rio de Janeiro: um passeio histórico e o contexto atual. Revista Rio de Janeiro, n. 11 , set.-dez., 2003. DOSSIÊ TEMÁTICO. http://www.forumrio.uerj.br/publicacoes_fase3_n11.htm

RIPOLL, D. . Testagens Genéticas: poderosas (e arriscadas) armadilhas da mídia contemporânea?. In: 16º COLE -Congresso de Leitura do Brasil, 2007, Campinas, SP. Anais do 16 COLE - Congresso de Leitura do Brasil. Campinas, SP : ALB/UNICAMP, 2007. v. 1. p. 1-9.

VOGT, Carlos et al. Percepção pública da ciência: uma revisão metodológica e resultados para São Paulo. In: Indicadores de ciência e tecnologia do estado de São Paulo. São Paulo: Fapesp, 2005. Disponível em: http://www.fapesp.br/indicadores2004/volume1/cap12_vol1.pdf . Último acesso: mar. 2009

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Juliana Meres Costa, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas

Produção de sentidos em discursos de divulgação cultural

Orientadora: Silvana Mabel Serrani

O presente resumo tem o objetivo de expor o quadro teórico, os objetivos e a

metodologia de análise relativos a uma pesquisa de mestrado em fase inicial. Em poucas linhas, podemos sumariamente afirmar se tratar de um estudo acerca dos modos de produção de sentidos em diferentes veículos de divulgação cultural e de seus significados mais amplos em relação ao contexto sociocultural presente. Para tanto, utilizam-se conceitos da análise do discurso de tradição francesa como categorias de análise.

Em A Ideia de Cultura, Terry Eagleton (2005) explica que as noções de cultura e política se relacionam intimamente, já que é a cultura que nos torna aptos para a cidadania política. Nesse cenário, o autor destaca que nenhum poder político pode se manter por meio de simples coerção, sendo necessária a internalização de leis dentro da própria subjetividade humana. Logo, Eagleton destaca que

Para governar com sucesso, [o poder político] precisa compreender os homens e mulheres no que diz respeito a seus desejos e aversões secretos, não apenas seus hábitos eleitorais ou aspirações sociais. Se pretende regulá-los a partir de dentro, precisa também imaginá-los a partir de dentro. E nenhuma forma cognitiva é mais apta em mapear as complexidades do coração do que a cultura artística. (Eagleton, A Ideia de Cultura, p. 76)

Tendo em mente tal constatação, pretendemos elaborar um estudo acerca de

diferentes veículos de divulgação cultural contemporâneos. Acreditamos que o jornalismo cultural, assim como a compilação da escrita em volumes de antologias, é um gênero que “contribui diretamente para formar e transformar cânones, confirmar reputações literárias e estabelecer ou interferir em práticas letradas de gerações de leitores” (SERRANI, 2008). Assim, se as artes podem ser compreendidas como mapas da subjetividade humana, o jornalismo cultural é a forma de difusão de tais entre seu público leitor. Ao mesmo tempo, tal gênero, ao indicar os artefatos considerados de valor, contribui para a manutenção do pensamento hegemônico, moldando certo tipo de organização social. Com isso, almejamos observar de que forma as problematizações mencionadas são observáveis em revistas de jornalismo cultural de alcance nacional, apontando as semelhanças e diferenças encontradas em diferentes meios de divulgação. Logo, realizaremos um estudo comparativo entre quatro publicações, sendo duas delas presentes unicamente em ambiente virtual, apontando as características dos meios de divulgação e a composição geral das mesmas. Ademais, pretendemos dedicar parte do trabalho à análise da divulgação de poesia nos veículos estudados, com o intuito específico de observar se o suporte eletrônico está acompanhado

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de inovações na materialidade poética ou simplesmente reproduz ou se equipara ao que já era encontrado no veículo impresso.

Para tanto, selecionamos veículos impressos e digitais que se ocupassem somente da difusão de temas ou artefatos culturais e cuja longevidade fosse superior a três anos. As revistas impressas foram selecionadas, ainda, levando-se em conta a abrangência nacional das mesmas e tiragem superior a 20 mil exemplares. Já as revistas virtuais foram escolhidas considerando-se a existência de um conselho editorial e de um órgão privado como patrocinador, como forma de aproximar as condições de produção dos discursos de ambos os tipos de publicações. Desse modo, o corpus de análise é composto pelas revistas impressas de jornalismo cultural Cult e Bravo! e pelas revistas virtuais Cronópios (www.cronopios.com.br) e Sibila (www.sibila.com.br).

A metodologia de análise a ser empregada irá considerar as seguintes noções advindas da análise do discurso de tradição francesa: intradiscurso; interdiscurso; formações imaginárias e formações discursivas. Também consideramos relevantes para a análise inicial do material as noções bakhtinianas de estilo e gêneros do discurso. Para Bakhtin (2003), a escolha de um gênero discursivo pelo sujeito advém de sua intenção de comunicação, e é determinada em relação a quatro fatores: a esfera pela qual o discurso transitará, seu conteúdo temático, suas condições de produção e a composição dos participantes do ato discursivo. Assim, Bakhtin (2003) afirma que o estilo do discurso é definido a partir de concepções que o locutor tem a respeito do destinatário, e que nem todos os gêneros são propícios ao estilo individual. O mesmo autor explica, ainda, que o aparecimento de novas esferas de atividade humana, que possuam finalidades discursivas específicas, está vinculado à formação de novos gêneros de discurso. Desse modo, desejamos observar se a esfera da comunicação virtual, aqui representada pelo jornalismo cultural em meio eletrônico, pode ser entendida como um novo gênero do discurso ou como representação de um gênero já tradicionalmente conhecido, o impresso.

As noções de intradiscurso e interdiscurso também podem nos ser úteis para o mapeamento de semelhanças e diferenças encontradas entre os veículos de divulgação com os quais nos ocuparemos. O discurso presente nos espaços de divulgação cultural, sejam esses tradicionais ou inovadores acontece, como afirma Serrani (2008), “na tensão de ser uma formulação singular (intradiscurso) e, simultaneamente, uma prática social regrada (interdiscurso).” Assim, destacamos a importância das memórias implícitas (interdiscurso) que atravessam o discurso enquanto prática social que segue regras, indicando que nenhuma produção de sentido pode ser entendida como de ordem pessoal ou subjetiva. O entendimento de tal noção nos ajudará a observar como são construídos os sentidos nas revistas de divulgação da cultura, observando aproximações e disparidades.

Da mesma forma, a noção pecheutiana de formações imaginárias nos será útil. Serrani (2005) explica que “no limiar da consciência operam representações que os interlocutores se fazem mutuamente e da enunciação em um contexto dado” (p. 18). Dessa forma, nos processos discursivos operam formações imaginárias que indicam os lugares ocupados por cada participante do processo comunicativo. Em outras palavras, as revistas em questão atribuem a si uma imagem e outra a seu potencial interlocutor, sendo que o mesmo ocorre do ponto de vista do leitor/interlocutor. Com isso, temos estabelecida a importância das formações imaginárias na escolha das memórias discursivas (interdiscurso) a serem mobilizadas para a produção de sentidos nos diferentes tipos de revistas.

Antes de concluir, devemos retornar às reflexões trazidas por Eagleton (2005). Sendo a cultura artística capaz de, ao mesmo tempo, expor características humanas e moldá-las, no

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sentido de criação de um modo de vida baseado no pensamento hegemônico, por consequência, igualmente o fazem os discursos de divulgação de tal produção artística. Eagleton explica que mesmo as “obras de arte que parecem as mais inocentes no que diz respeito ao poder, na sua perseverante atenção aos impulsos do coração, podem servir ao poder precisamente por essa razão” (p. 76). Dessa forma, acreditamos que o estudo das formas de produção de sentidos em artefatos de divulgação cultural possua relevância social, já que remete a mecanismos de controle presentes em nosso cotidiano. Referências bibliográficas BAKHTIN, M. (2003) Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes. EAGLETON, T (2005) A Ideia de Cultura. Trad. Sandra Castello Branco. São Paulo: Editora Unesp. SERRANI, S. (2005) Discurso e Cultura na Aula de Língua. Campinas: Pontes. SERRANI, S. (2008) Antologia: escrita compilada, discurso e capital simbólico. Alea, v. 10, n. 8, jul-dez. SERRANI, S. (2008) Antologias, Discurso e Memória Cultural. O dialogismo em compilações bilíngües de poesia argentina. Aletria, v. 17, jan-jun.

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Leila Cristina Bonfietti Lima, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas Divulgação Científica na Fapesp: veículos e produtos Orientadora: Graça Caldas

A divulgação do conhecimento científico faz-se cada vez mais necessária, dada a importância das instituições relacionadas às atividades de pesquisa em ciência, tecnologia e inovação e a crescente relevância da informação nas sociedades modernas. Na sociedade do conhecimento, o capital cultural da informação é um insumo essencial em todas as relações e redes sociais. Para Kumar (1997) a informação é um requisito de sobrevivência, que permite o necessário intercâmbio entre pessoas e o ambiente em que vivem. No atual estágio da sociedade do conhecimento, a necessidade de divulgação e tratamento da informação científica como instrumento fundamental ao desenvolvimento científico, tecnológico e social cresce cada vez mais. Para Alvim (2003), a sociedade do conhecimento é decorrência principalmente dos avanços ocorridos nas últimas décadas na ciência e nas tecnologias de informação e comunicação, ou seja, com maiores volumes e fluxos de comunicação científica, a sociedade como um todo clama por acesso e uso desse conhecimento científico.

Neste contexto, a divulgação desse conhecimento científico para o público em geral e não apenas entre a comunidade científica, é vista cada vez mais como uma ferramenta de inclusão na sociedade do conhecimento, na qual a comunicação é abordada como um instrumento de disseminação da informação e formação de uma cultura científica. A expressão cultura científica, de acordo com Vogt (2006) engloba em seu campo de significações a idéia de que o processo de desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja por parte da produção, de sua difusão entre pares ou na divulgação para a sociedade, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais de seu tempo e de sua história. Os objetivos dos jornalistas e dos cientistas, de acordo com Caldas (2003), são basicamente os mesmos: o avanço do conhecimento, da divulgação da produção científica e tecnológica e da melhoria da percepção pública da ciência. Neste sentido, a responsabilidade social no processo de democratização da informação científica é papel de ambos.

As agências de fomento estão cada vez mais conscientes sobre a importância da divulgação da produção científica brasileira para a formação de uma cultura científica no país. A formação de jornalistas especializados na cobertura de C,T&I e a profissionalização das Assessorias de Comunicação têm sido fundamentais para a ampliação e a melhoria da qualidade da divulgação científica nos meios de comunicação brasileiros. Este é o caso da Gerência de Comunicação da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que desde 1995 se aprimora na atividade de divulgar ciência. Conhecendo os mecanismos da produção da ciência, a política científica de seu país e com acesso natural aos meios de comunicação, os jornalistas que atuam em Assessorias de Comunicação de instituições de pesquisa e agências de fomento, exercem um papel ímpar na divulgação da

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produção científica. Examinar o papel da Assessoria de Comunicação da Fapesp na consolidação da imagem institucional e no processo de comunicação pública da ciência e analisar a importância dessa divulgação para a formação da cultura científica no país é o objetivo principal dessa pesquisa.

O trabalho será composto fundamentalmente por pesquisa bibliográfica, na qual serão utilizadas fontes primárias e algumas secundárias das áreas de Comunicação, Ciências Sociais e Política Científica e Tecnológica; pesquisa documental com o material cedido pela Fapesp e entrevistas semi-estruturadas (com um roteiro prévio formulado anteriormente e que possivelmente será reformulado após o contato com o objeto de estudo) com assessores e jornalistas da Assessoria de Comunicação da Fundação e também da Revista Pesquisa Fapesp. Trata-se de um estudo de caso de natureza qualitativa, no entanto, em alguns momentos será utilizado o método quantitativo para ilustrar o trabalho da Assessoria em números. Após a observação de campo se dará a sistematização e análise dos registros, para que assim seja feita uma reflexão sobre a importância da atividade de comunicação em instituições de pesquisa e agências de fomento e o papel dos profissionais de comunicação nas organizações de CT&I dentro do contexto da sociedade do conhecimento e da cultura científica.

Para a apresentação no XV Seminário de Teses em Andamento (SETA) será apresentada uma prévia do terceiro capítulo da pesquisa de mestrado, que abordará os produtos e veículos da Assessoria de Comunicação da Fapesp assim como o histórico de criação da Fundação e o início de suas atividades em divulgação científica. Os elementos teóricos que subsidiarão essa parte da pesquisa são conceitos das áreas de Comunicação Empresarial e Institucional, assim como Assessoria de Comunicação e Comunicação Integrada. Por Comunicação Empresarial entende-se um conjunto de atividades, estratégias, processos, produtos e ações desenvolvidas para afirmar a imagem pública de uma instituição ou empresa junto à sociedade e a opinião pública. Essa subárea da comunicação trabalha com diferentes públicos e, por isso, há a necessidade de apresentar diferentes conteúdos, discursos e linguagens para cada um desses públicos. Portanto, essa seção da pesquisa de mestrado pretende analisar, de acordo com os conceitos da Comunicação Empresarial, como a Assessoria de Comunicação da Fapesp vêm trabalhando em seus produtos, veículos e ações de divulgação científica.

Responsável por cerca de 60% do financiamento de atividades de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I) no Estado de São Paulo (IPT, 2007), a Fapesp, criada em 1962, somente iniciou um trabalho mais sistemático de divulgação científica em 1995. Até o início da década de 1990, a atuação da instituição esteve voltada fundamentalmente para a comunidade científica. Com o passar dos anos a divulgação científica da Fapesp ampliou sua abrangência e o seu público-alvo e ultrapassou a etapa inicial de divulgação exclusiva de resultados de pesquisas financiadas apenas pela Fundação paulista, incluindo pesquisas de outras instituições brasileiras com relevância nacional. Atualmente, a divulgação científica da Fapesp é realizada por dois setores distintos. O primeiro deles é responsável pela revista Pesquisa FAPESP e o segundo pela Gerência de Comunicação, que atua de forma integrada, ou seja, realiza atividades de diversos segmentos da área de Comunicação como: Assessoria de Comunicação e de Imprensa, Organização de Eventos, Publicações de livros que reúnem entrevistas e artigos, e Produtos on-line, como a Agência FAPESP de notícias e o portal institucional. Descrever e analisar esses produtos é o objetivo dessa etapa da pesquisa.

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Breve Bibliografia ALVIM, P. C. R. Comunicação da Ciência. In: DUARTE, J.; BARROS, A. T. de. (Org.). Comunicação para ciência e ciência para comunicação. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2003. BUENO, W. da C. Comunicação Empresarial: teoria e pesquisa. São Paulo, Editora Manole, 2003. CALDAS, G. Jornalistas e Cientistas: uma Relação de Parceria. In: DUARTE, J.; BARROS, A. T. de. (Org.). Comunicação para ciência e ciência para comunicação. Brasília: Embrapa Informação Tecnológica, 2003. INSTITUTO DE PESQUISAS TENCOLÓGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO S.A. (IPT) Agenda de competitividade para a economia paulista. IPT: São Paulo, 2007. KUMAR , K. Da Sociedade Pós-Industrial à Pós-Moderna: novas teorias sobre o mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. VOGT, C. (Org.). Cultura Científica : Desafios. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: FAPESP, 2006.

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Maria Lívia Conceição Marques Ramos Gonçalves, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas Visita ao Zoológico: sentidos e representações da cultura contemporânea

Orientador: Antonio Carlos Rodrigues de Amorim Atualmente, os zoológicos contemplam simultaneamente o lazer, o caráter pedagógico e a busca do contato com uma natureza exótica. São instituições configuradas como ilhas no espaço urbano, onde se reunem animais “selvagens” em uma proximidade ímpar, às vezes impossível de ser reproduzida no meio natural (DAL-FARRA, 2007; MARVIN, 1994). Essas condições, e outras particularidades atribuídas aos zôos, despertam as potencialidades que esses locais apresentam para análises de diferentes facetas das relações entre humanos e outros animais. Este projeto de pesquisa de mestrado em Divulgação Científica e Cultural, em desenvolvimento desde março de 2009, sob a orientação do Prof. Dr. Antonio Carlos Amorim (Faculdade de Educação, Unicamp), e com apoio da CAPES (bolsa emergencial entre XX e XX), pretende analisar o comportamento/discurso de alguns grupos familiares em visita ao Zooparque Itatiba, frente a diferentes configurações de recintos dos animais. O objetivo é que essa análise centralize-se em aspectos culturais e possa conduzir a reflexões teóricas sobre representações e significados que são potencializados e/ou (des)construídos, durante a observação dos animais nos zoológicos. A opção em delimitar as observações em função das diferentes formas de cativeiro baseia-se no interesse em proporcionar margens para comparações entre estilos naturalizados e menos naturalizados na disposição dos animais. A intenção que move esse trabalho pretende extrapolar essa variável e considerar outras forças que atuam nesses espaços, a partir de referenciais dos estudos culturais das ciências, e, que poderão estar presentes ou associadas às observações que serão feitas. Dessa maneira, esse projeto aspira dialogar com os múltiplos jogos de representações presentes na passagem de um grupo familiar por um zoológico. A grande atração desses locais sempre foi a exposição de seus animais (GARCIA, 2006). Porém, suas atividades e responsabilidades em relação ao público visitante mudaram com o passar o tempo. Até o século XIX o tema central em um zoológico tinha caráter taxonômico. Na segunda metade do século XX, o caráter taxonômico deu lugar ao ecológico (AURICCHIO, 1999). No final do século XX e início do século XXI o caráter educacional foi atrelado aos zoológicos, a partir do momento em que passam a assumir a responsabilidade como “centros de conservação” (RABB, 2004 apud GARCIA, 2006). Os zoológicos modernos vivem um processo de transformação em busca de cenários mais “naturais”. O foco dessas instituições tem-se deslocado da custódia dos animais em si para representações de seus habitats nativos. Esse processo é resultante de um contexto amplo e reflete mudanças/tendências culturais e históricas encontradas na sociedade. A crescente representação da vida “selvagem” na publicidade, na mídia, nos vídeos documentários, nos filmes, nos desenhos animados, nos livros de fotografia contribui para a construção do que

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é “selvagem” na cultura contemporânea. Assim como, o cenário menos antropocêntrico e mais zoocêntrico, que vem sendo desenhado principalmente desde a década de 70, no que diz respeito às atividades de observação de animais (BEARDWORTH; BRYMAN, 2001; FRANKLIN, 1999).

A nova configuração dos zôos busca atender ao bem-estar animal simultaneamente à sensibilização dos visitantes para seus objetivos conservacionistas, educacionais e recreativos. Dentro desse contexto de alterações gradativas no cenário de seus recintos e em suas metas encontra-se o Zooparque Itatiba –SP. Essa instituição localiza-se nas margens da Rodovia Dom Pedro I (SP- 065), na altura do km 95,5 e conta com uma área de 500.000 m2 onde estão presentes mais de 1400 animais. O Zooparque procura se enquadrar no conceito de zoológico de biomas, no qual os animais são mantidos em recintos bastante amplos que reproduzem os ecossistemas onde as espécies são encontradas na natureza e diversos animais convivem juntos. Na savana africana, por exemplo, encontram-se os rinocerontes brancos vivendo com zebras e aves típicas da África (Fig. 1).

Ao longo de seus mais de 3km de trilha a ser percorrida a pé para observação dos animais, encontram-se diferentes configurações de recintos, e nem todos reproduzem ecossistemas, como a savana africana. Há, por exemplo, um aviário próximo à entrada do parque, onde 19 espécies de aves são mantidas em semi-liberdade. Os visitantes adentram o aviário para observar os pássaros e são separados dos animais por uma pequena barreira de cerca de um metro de altura (Fig. 2). Existe também um corredor onde se encontram uma série de viveiros com macacos aranha de peito amarelo, que podem ser observados através de vidros (Fig. 3). No caso das araras, os animais impossibilitados de voar podem ser avistados reunidos em “ilhas”, sem obstáculos visuais à observação (Fig. 4) Enquanto, as araras aptas a voar são mantidas em viveiros cercados por grades (Fig. 5). A configuração de “ilha” também é utilizada no caso dos macacos-prego, sendo que esses animais ficam separados dos visitantes por um lago. (Fig. 6). A última atração da trilha é um aviário de vôo livre, o maior do país, com mais de 1.400 m2 totalmente cobertos, onde os visitantes caminham entre mais de 500 pássaros, sem barreiras (Fig. 7).

Metodologicamente, neste projeto de pesquisa nos propomos a registrar com uma filmadora e com o uso de questionários e entrevistas semi-estruturadas os discursos de grupos familiares frente aos recintos listados acima. Com a produção de conhecimento através da língua, mas uma vez que todas as práticas sociais transmitem significados, e os significados moldam e influenciam o que fazemos – nossas condutas – todas as práticas têm um aspecto discursivo (HALL, 1997). Já a formação discursiva, também um conceito central para essa abordagem, é compreendida como o conjunto de referências unificadas em torno de um mesmo objeto e estilo que sustenta uma estratégia, um padrão institucional ou administrativo.

Pretende-se que esse material possa movimentar reflexões teóricas e o desenvolvimento desse trabalho no campo dos estudos culturais, para que seja possível pensar sobre a construção histórica e cultural dos sentidos e das representações que atravessam a visita de um grupo familiar ao zoológico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORIM, A. C. R. Nos limiares de pensar o mundo como representação. Proposições, Campinas, v.17, n.1 (49), p.177-194, 2006. AURICCHIO, A. L. R. Potencial da Educação Ambiental nos Zoológicos Brasileiros. São Paulo: Publicações avulsas do Instituto Pau Brasil de História Natural, 1999.

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BEARDEORTH, A; BRYMAN, A. The wild animal in late modernity: the case of Disneyization of zoos. Tourist Studies, v.1, p. 83-104, 2001. DAL-FARRA, R. A. Vitrines vivas: as representações de zoológico na cultura contemporânea. In: WORTMANN, M. L. C.; SANTOS, L. H. S.; RIPOLL, D.; SOUZA, N. G. S.; KINDEL, E. A. I. (Org.) Ensaios em estudos culturais, educação e ciências- A produção cultural do corpo, da natureza, da ciência e da tecnologia: instâncias e práticas contemporâneas. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. FRANKLIN, A. Animals and Modern Culture: A Sociology of Human–Animal Relations in Modernity. London: Sage, 1999. GARCIA, V. A. R. Análise da atividade visita orientada no Zôo de Sorocaba: a partir dos objetos biológicos. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2006.

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Mariana Garcia de Castro Alves, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas O jogo da divulgação: roteiro para uma instalação baseada n’O Oco, de Hilda Hilst Orientador: Alcir Pécora

O trabalho apresentado se propõe a refletir o que é e o que pode a divulgação cultural para embasar uma concepção/projeto em estágio inicial de uma exposição sobre a obra literária da escritora Hilda Hilst (1930-2004).

O intuito é privilegiar sua literatura no roteiro das instalações. A partir de análises do discurso de algumas exposições sobre a escritora, observamos que a divulgação de Hilda como pessoa excêntrica (inclusive a divulgação que ela fazia de si própria) muitas vezes coloca o conhecimento de sua obra em segundo plano.

Apresentaremos um primeiro módulo: projeto de uma instalação de "O oco", do livro Qadós (Kadosh), de 1973.

De acordo com Alcir Pécora, seria um desafio focar a questão literária na obra da escritora paulista Hilda Hilst em vez de permanecer dando valor à sua imagem pública de mulher ousada, original, avançada para a sua época, louca, refinada, explosiva etc. A fixação de uma imagem pública da artista como tipo excêntrico teria predominado largamente sobre o conhecimento de sua obra, comprometendo assim seu tratamento como questão literária. (PÉCORA, 2005).

A divulgação a ser buscada estaria inscrita numa tentativa de não vincular diretamente à pessoa Hilda seu trabalho. Sobre a necessidade de um “impessoal” na literatura, Gilles Deleuze observa:

“Em regra geral, os fantasmas só tratam o indefinido como a máscara de um pronome pessoal ou possessivo: “bate-se numa criança” se transforma rapidamente em “meu pai me bateu”. Mas, a literatura segue a via inversa, e só se instala descobrindo sob as aparentes pessoas a potência de um impessoal, que de modo algum é uma generalidade, mas uma singularidade no mais alto grau: um homem, uma mulher, um animal, um ventre, uma criança... As duas primeiras pessoas do singular não servem de condição à enunciação literária; a literatura só começa quando nasce em nós uma terceira pessoa que nos destitui do poder de dizer Eu (o “neutro” de Blanchot).” (DELEUZE, 1997, p. 13)

É um tratamento de não considerar que se escreva com as próprias neuroses e de considerar, pelo contrário, a literatura como um empreendimento de saúde, que consistiria em “inventar um povo que falta”, no conceito de Deleuze. Em O oco, encontramos: “Se todo mundo tivesse essa minha língua que se faz de repente, o mundo ficaria limpo”. (HILST, 1973, p. 180)

A pergunta que se coloca é como trabalhar essa particularidade da literatura em outros suportes, em outros espaços. A divulgação mata a obra? O que é e o que pode a divulgação?

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A hipótese é de que a divulgação não seja capaz de destruir a obra, que é irredutível em si, mas crie relações no palco complexo do discurso que geram redes de conceitos, próprios das escolhas com as quais os produtos de divulgação foram estruturados.

Essa proposição, no entanto, não nos livra de um certo incômodo. Incômodo que lembra o notado por Adorno ao ouvir a expressão “crítica cultural”. Uma flagrante contradição: “o próprio sujeito [que julga] é mediado até a sua composição mais íntima pelo conceito ao qual se contrapõe como se fosse independente e soberano.” (ADORNO, 1998, p. 7).

Se fizéssemos uma analogia entre a relação arte/filosofia pensada por Zourabichvili e uma relação obra/divulgação, poderíamos dizer que a obra literária aplica-se àquilo que na condição da divulgação resiste à divulgação – assim como a arte aplica-se àquilo que na condição da filosofia resiste à filosofia.

Para François Zourabichvili, é no estabelecimento da relação entre filosofia e arte que a filosofia toma uma nova consciência de si mesma ou de sua condição. De acordo com ele, essa relação é necessária pois a filosofia, em busca de uma relação enunciável com o confuso como tal, encontra na arte a disciplina de pensamento ao qual incumbe essa confusão sensível. Isto é, a arte propõe ao pensamento humano uma segunda via possível: “não mais do confuso ao distinto, todavia, do confuso ao confuso, em uma operação que a eleva em sua própria perfeição (uma “clareza” que lhe é própria)”. (ZOURABICHVILI, 2005, p. 98).

O incômodo permanece: se a literatura resiste ao jogo da divulgação, como jogar? No plano teórico, quais categorias poderiam nos auxiliar nesse projeto com Hilda Hilst, cuja prosa enceta séries de elementos próprios como anarquia de gêneros, múltiplas vozes que se apropriam de cenários do fluxo, personagens incompletas, anti-narradores etc?

Divulgar é vulgarizar. Sempre que o conceito vem à tona, há um jornalista ou um curador para destacar a conotação positiva do termo (vulgarizar no sentido de “tornar público”), remetendo à expressão francesa vulgarisation scientifique.

Divulgar é mediar. Tenta-se refutar o senso-comum que traz o efeito de “tornar de má qualidade”. Todavia, a morte de uma obra, sempre quando mediada, é um espectro que continua a assombrar todo projeto de divulgação. “Como você confronta os heterogêneos? Que regra você inventa? Que regra garante que cada termo não permaneça separado na sua conjunção com o outro, que não há simples choque, mas contaminação? (...) Com efeito, a obra só nos faz jogar quando estamos submetidos a uma regra; sem isso ela apenas é agitação de termos heterogêneos, espécie de coqueteleira para determinações puras entregues como tal.” (ZOURABICHVILI, 2005, p. 107).

Contaminações, fragmentos, metamorfoses. Perversão e não oposição frontal. O roteiro para uma instalação baseada no texto O oco, do livro Qadós, é a experiência inicial desse projeto que, num escopo interdisciplinar, se permite participar do jogo da divulgação literária em espaços expositivos.

Uma aposta na obra literária de Hilda Hilst e em sua literatura que enfrenta fantasmas inalienáveis a um projeto libertador que ao final não se cumpre, acabando por encontrar dolorosamente o nada, o oco.

Uma aposta – pois sempre há “o perigo que a jogada aparentemente certeira não passe de uma pseudo-jogada, e o jogo, de uma ilusão convencida de que se está jogando”. (ZOURABICHVILI, 2005, p. 107).

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BIBLIOGRAFIA ADORNO, Theodor W. Prismas. Crítica cultural e sociedade. São Paulo: Editora Ática, 1998. BATCHEN, Geofrey. Histórias de assombração: os princípios e os fins da fotografia. In: TURAZZI, Maria Ignez (org). Fotografia. N. 27, 1998, p. 46-69. DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed.34, 1992. HILST, Hilda. Qadós. São Paulo: Edart, 1973. PÉCORA, Alcir. hilda hilst: call for papers. Agosto de 2005. Disponível em: http://www.germinaliteratura.com.br/enc_pecora_ago5.htm. Acesso em: 1/10/2008. PELBART, Peter Pál. A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras-Fapesp, 2000. VERGARA, Moema de Rezende. Ensaio sobre o termo “vulgarização científica” no Brasil do século XIX. In: Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 137-145, jul/dez 2008. Disponível em: http://www.mast.br/arquivos_sbhc/352.pdf. Acesso em: 30/10/2009. ZOURABICHVILI, François. O jogo da arte. In: LINS, Daniel (org). Nietzsche e Deleuze. Arte e resistência. Simpósio Internacional de Filosofia, 2005. Rio de Janeiro: Forense Universitária; Fortaleza: Fundação de Cultura, Esporte e Turismo, 2007. Catálogo e fotos da exposição Hilda Hilst 70 anos (SESC Pompéia, SP, 2000) Catálogo da exposição O Caderno Rosa de Hilda Hilst (CEDAE-IEL-UNICAMP, 2005) Catálogo da exposição Exercícios para uma exposição (Teatro Centro da Terra, SP, 2009).

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Maria Siqueira Santos, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Londrina A percepção do outro: a noção de história nas teses dos cursos de Letras Orientador: Rogério Ivano

As ciências humanas apresentam como homem o indivíduo disciplinar (Foucault, 1973-74, p. 72). Nessa frase, Foucault interpreta o conceito de homem elaborado pelas ciências humanas e, no mesmo raciocínio, indica quais as relações de poder que estão em jogo ao se teorizar sobre esse homem. O indivíduo enquanto produto da sociedade disciplinar é atravessado por determinadas práticas discursivas que o narram de maneira singular, própria. Contudo, os mesmos discursos disciplinares que exercem um tipo anônimo de poder de sujeição sobre os indivíduos, criam saberes sobre eles, valores esses que são legitimados com base nos paradigmas da ciência moderna. São esses paradigmas que dão sustentação ao discurso disciplinar. São eles que me darão instrumentos para discutir a respeito do discurso científico predominante nas teses defendidas, nos últimos anos, nos cursos de Letras, sobre a historiografia contemporânea. Tendo em mente essa concepção histórica das ciências humanas, considero a historiografia uma forma cultural que se modifica historicamente, ou seja, que tem sua própria história.

[...] a história é uma forma cultural, através da qual os homens na contemporaneidade se relacionam com seus eventos e com o passado. Uma forma de conhecimento, uma escrita e não ação. (Veyne apud Rago, 1995, p. 73)

Por ser uma forma cultural, a história é entendida, também, como um discurso que

cria sentidos sobre o mundo e que estabelece relações entre tempo presente e tempo passado. Em A história repensada, o historiador inglês Keith Jenkins definiu o conceito de história que ele denomina como “pós-moderno”.

“ [...] a história constitui um dentre uma série de discursos a respeito do mundo. Embora esses discursos não criem o mundo (aquela coisa física na qual aparentemente vivemos), eles se apropriam do mundo e lhe dão todos os significados que têm. O pedacinho de mundo que é o objeto [...] de investigação da história é a passado. A história como discurso está, portanto, numa categoria diferente daquela sobre a qual discursa. [...] Ademais, o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter uma, e apenas uma leitura histórica do passado.” (Jenkins, 2007, p. 23-4)

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Esse entendimento de história como um discurso, ou seja, um construto linguístico humano imbuído de sentidos, é compartilhado por outros teóricos contemporâneos que se debruçam sobre questões referentes à teoria da história, como é o caso do estadunidense Hayden White e da canadense Linda Hutcheon.

White, em um artigo intitulado “Teoria da literária e escrita da história”, publicado em 1991, na revista científica Estudos Históricos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que a história não acontece puramente, ela é feita, produzida. Todavia, o passado, diz ele, só nos chega por meio da linguagem, ou seja, da história. Dessa maneira, não há como o historiador escapar à história se intenciona conhecer o passado, no entanto, ele deve ter em mente que a história não é o passado, é um discurso sobre ele e, por isso, o impregna de sentidos.

Em Poética do pós-modernismo, Hutcheon se propôs a estudar o fenômeno cultural chamado de pós-modernismo. Para tanto, supôs a existência de uma estrutura conceitual flexível que constituiria e conteria a cultura pós-moderna e os discursos referentes e adjacentes a ela. Essa estrutura, seu objeto de estudo, seria, no campo da ficção, a “metaficção historiográfica” (HUTCHEON, 1991, p. 11).

A questão que a autora procura resolver ao longo de seu livro diz respeito às questões epistemológicas referentes à história e a literatura contemporâneas. Qual é o limite entre esses dois campos? Quais as aproximações a os afastamentos que existem entre eles? Será que a diferenciação fato/ficção dá conta de determinar as fronteiras entre historiografia e literatura? As respostas de Hutcheon a essas questões giram em torno da caracterização daquilo que ela chama de pós-moderno e que, de acordo com ela, não funciona dialeticamente. As produções pós-modernas não se propõem a resolver as contradições do contexto histórico-político no qual são construídas, entretanto, são construtos sóciolinguísticos que se auto-representam e que, por isso, são históricos.

Assim, voltando aos conceitos propostos por Foucault, me proponho a discutir as transformações que esse dispositivo disciplinar, que é a ciência historiográfica, percorreu ao longo da episteme clássica e da episteme contemporânea. O objetivo do trabalho é perceber como o discurso historiográfico contemporâneo é recepcionado nos trabalhos feitos por alunos dos cursos de Letras, incluindo nessa categoria a denominação institucional de Letras, Estudos Literários, História e Crítica Literária, Ciência da Literatura, Linguística e Letras, Teoria Literária e Literatura Comparada, entre outros. Para tanto serão analisadas teses defendidas no ano de 2007 que tratam dos limites fronteiriços entre a historiografia e a literatura contemporâneas.

“[...] O que a escrita pós-moderna da história e da literatura nos ensinou é que a ficção e a história são discursos, que ambas constituem sistemas de significação pelos quais damos sentido ao passado [...]. Em outras palavras, o sentido e a forma não estão nos acontecimentos, mas nos sistemas que transformam esses “acontecimentos” passados em “fatos” históricos presentes. Isso não é um “desonesto refúgio para escapar à verdade”, mas um reconhecimento da função de produção de sentido dos construtos humanos.” (Hutcheon, 1991, p. 122)

Os trabalhos que estão sendo pesquisados foram todos financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e abordaram o

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tema literatura e história pós-modernas. A pesquisa foi realizada no banco de teses online da CAPES, tendo sido utilizada as palavras chave “literatura e história”, “pós-modernidade”, “metaficção historiográfica”, “novo romance histórico”. Apesar de a pesquisa ter abrangido cerca de 20 anos, as teses selecionadas foram todas defendidas no ano de 2007.

Os trabalhos selecionados para análise têm os seguintes títulos, autores e instituições de origem, respectivamente: A metaficção historiográfica no romance 'os cús de Judas', de Antonio Lobo Antunes, de Haide Silva, defendida na Universidade de São Paulo (USP); Imagens líquidas na obra de Augusto Abelaira: sujeito e história na pós-modernidade, de Edimara Luciana Sartori, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); A história editada – o novíssimo romance histórico, de Benedito Costa Neto Filho, da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Fronteiras de literatura e história: a escrita de Sérgio Buarque de Holanda em “Caminhos e Fronteiras", escrita por Silvana Seabra Hooper, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Bibliografia Castells, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. Foucault, Michel. O poder psiquiátrico: curso dado no Collège de France (1973-1974). Edição estabelecida por Jacques Lagrange. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 69. (Tópicos) Hutcheon, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Trad. de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. Jenkins, Keith. A história repensada. 3 ed. Trad. Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2007. Rago, Margareth. “O efeito-Foucault na historiografia brasileira”. In: Tempo Social. Revista de sociologia da USP. São Paulo, n. 7, out/1995, p. 67-82. Vasconcelos, José Antonio. Quem tem medo de teoria: a ameaça do pós-modernismo na historiografia americana. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005. White, Hayden. Teoria literária e escrita da história. Obtido em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/132.pdf. Acessado em 30/10/2009.

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Marina Lee Colbachini, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas A crise da representação: avenças e desavenças entre literatura e new journalism Orientadora: Graça Caldas

O presente estudo busca discutir as relações entre jornalismo e literatura, suas especificidades e confluências sob um viés histórico. Para tanto, serão utilizados textos que dialogam com o conceito de mimesis na literatura, seu esfacelamento e a proposição de uma vertente mimética do jornalismo, visto enquanto expressão da realidade, ou ainda, como história do cotidiano.

De forma sucinta, as perguntas que movem a presente reflexão são: em que medida o jornalismo literário se filia à idéia de mimesis e em que medida a literatura busca se afastar dela? Será que jornalismo literário se colocou no papel de salvar a crise da narrativa? Se sim, por quais motivações? E por último, considerando a existência de uma crise da narrativa, quais foram as respostas que o jornalismo e a literatura deram?

A obra Mimesis, de Erich Auerbach, é marco de uma concepção realista da arte, para a qual uma obra só é arte se for imitação ou representação da natureza. Assim, “a representação da realidade na literatura ocidental”, subtítulo do livro de Auerbach, aposta que a literatura tem a capacidade de representar e encenar as características da natureza humana, de elucidar os sentidos das dinâmicas sociais, de traduzir a realidade através da linguagem e de literalmente mostrar por meio dos personagens, suas ações e emoções. Em resumo, o narrador é soberano diante de seu objeto: a realidade.

Em Catástrofe e representação, Márcio Selligman-Silva e Arthur Nestrovski problematizam o conceito de mimesis e a soberania do narrador. A realidade implodida, a perda de referências de sujeitos multifacetados e submersos em catástrofes esfacelam a possibilidade de representação do real, fragmentando-o, não permitindo a sua apreensão e a formação do que Walter Benjamim chamou de experiência, em seu texto “O narrador”. Restam vivências esparsas e sem nexo. Contudo, isto não quer dizer que as obras de arte contemporânea representam o real por trazerem à tona uma realidade multifacetada e afeita às teorias pós-modernas, mas que o próprio conceito de representação foi atravessado pela catástrofe.

Outro ponto salutar é que as obras de arte estão associadas ao seu contexto social e histórico; há um diálogo com o devir histórico da literatura e das demais modalidades artísticas. O questionamento da linguagem e das possibilidades do narrar dialogam com a crise do sujeito e da narrativa discutidas pela filosofia de forma a debater a capacidade e a possibilidade da própria mimesis. Sendo assim, a acusação de que a literatura contemporânea é hermética, como se o hermetismo fosse apenas uma opção beletrista e burguesa, parece-me equivocada. O eu que sofre e questiona suas capacidades de dizer e de constituir experiência sofre em algum lugar. Trata-se de um lugar a ser lembrado.

Em linhas gerais, ao ter as bases de um narrador soberano solapadas, a literatura lança-se num movimento de busca por jogos de linguagem rebuscados, metalinguagens,

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exposição das incoerências do narrar através de narradores que se questionam insistentemente, quebras na temporalidade da narrativa e fragmentação da forma. Já o jornalismo americano, sede das principais correntes jornalísticas que se espalharam pelo mundo, procurou representar, isto é, dar expressão às transformações sociais vividas na década de 60 conforme narradas no livro Radical Chique e o Novo Jornalismo, de Tom Wolfe.

“(...) Os anos 60 foram uma das décadas mais excepcionais da história americana em termos de costume e moral [...]Todo esse lado da vida americana que aflorou com ascensão americana do pós-guerra enfim destampou tudo – os romancistas simplesmente viraram as costas para tudo isso, desistiram por descuido. E restou uma enorme falha nas letras americanas, uma falha grande o suficiente para permitir o surgimento de um desengonçado caminhão-reboque Reo como o Novo Jornalismo”. (2005: página 51)

Para ele, o caminhão reboque que é o new journalism abarca toda esta realidade multifacetada e em profunda transformação, ao passo que o aparente descuido dos literatas forneceu ao jornalismo a possibilidade de combater a crise da narrativa.

Jornalistas como Truman Capote, Gay Talese, Tom Wolfe, dentre muitos outros, filiados a uma concepção de representação da realidade, que é justamente a força motriz do jornalismo convencional, procuraram dar espaço a assuntos inusitados no sentido de dar vida, visibilidade e estatuto de real a sujeitos ou casos muitas vezes esquecidos pela grande imprensa.

Inúmeras obras vinculadas ao new journalism foram construídas por meio de uma apuração demorada de dados e fatos, sendo esta uma das principais características defendidas por seus seguidores. Contudo, as atuais transformações no campo da comunicação, como a digitalização na fotografia, a interação dos internautas e a grande quantidade de canais para produção da informação demonstram de maneira mais evidente que a fidelidade à realidade diz respeito a construtos sociais com múltiplos sentidos e que ela é sempre imaginária mesmo quando não deixa seu caráter de confabulação evidente.

Para a elaboração deste estudo, à luz dos textos teóricos já mencionados, a metodologia utilizada será a mediação entre trechos da obra A sangue frio, de Truman Capote, que propõe o retrato de uma situação bárbara e tida como um expoente do new journalism e trechos de Grande Sertão Veredas, de Guimarães Rosa como por exemplo: “-Eu queria decifrar as coisas que são importantes. E estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for jagunço, mas a matéria vertente ." (grifo meu), que apostam numa problematização da linguagem, do sujeito e das possibilidades do narrar.

Através das ferramentas teóricas pretende-se analisar as avenças e desavenças entre literatura e jornalismo sob um viés histórico. A proposta não é realizar a defesa de uma modalidade ou de outra, mas vê-las, como já dito anteriormente, em suas especificidades e confluências.

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Marina Teixeira Rodrigues, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas A divulgação musical através das mídias alternativas: o MySpace e o rock brasileiro Orientador: Alcir Pécora

Com base num enfoque histórico do processo de popularização da internet como forma de redesenhar a produção e divulgação musical, gerando um modelo diferente daquele baseado nas grandes indústrias fonográficas, o presente trabalho busca compreender de que forma os usos do MySpace e da Rede Mundial de Computadores como um todo repercutiram no trabalho das bandas de rock brasileiras.

Espera-se estabelecer o alcance do MySpace como meio de divulgação de bandas e compará-lo aos resultados obtidos pelas gravadoras nas décadas passadas. Da mesma maneira, acredita-se que o objeto permita refletir sobre os modos de atuação que o mercado fonográfico e os artistas vêm encontrando face às possibilidades trazidas pela internet.

Como efeito das surpreendentes mudanças ocorridas recentemente nas tecnologias de meio digital, nota-se o aparecimento de um novo mercado da música. Em particular, esse processo começa a se evidenciar a partir dos anos de 1990, quando o chamado “mercado independente” começou a ganhar força ao contar com o aparato provido pela internet, que possibilitava uma divulgação de bens produzidos domesticamente, ou fora do mainstream, para públicos muito mais amplos. O domínio das grandes gravadoras passou a ver-se como ameaçado pela troca de arquivos de música pela internet, fenômeno que se difundiu principalmente entre os jovens.

Em 1999, com o lançamento do Napster, programa que permitia a troca de arquivos pela rede, tornou-se muito simples ter acesso às músicas de todo e qualquer artista, com o grande diferencial de não ser necessário pagar pelo serviço. Tamanho foi impacto do fenômeno da troca de arquivos através do modelo peer-to-peer (como é o caso do Napster, Kazaa, eMule e LimeWire etc.) que, segundo uma pesquisa divulgada em 2007 pela IBM Consulting, de 1999 a 2010 as perdas da indústria fonográfica totalizarão aproximadamente US$ 160 bilhões, quantia extremamente significativa tendo-se em vista que, há até bem pouco tempo, os artistas dificilmente alcançariam algum reconhecimento se não tivessem acesso a uma gravadora, que seria a responsável por todas as etapas de impressão e divulgação do seu trabalho. O prejuízo dá testemunho eloqüente da inércia e do aturdimento das gravadoras em relação às novidades do mundo digital.

Criado em 2003 pelos californianos Chris de Wolfe e Tom Anderson, desponta como o site mais acessado mundialmente quando se trata de rede de relacionamentos. Tendo como principal objetivo reunir pessoas ligadas de alguma forma à arte, o MySpace passou a permitir que um ambiente natural fosse criado para que as bandas e artistas se comunicassem entre si, e com um público majoritariamente cúmplice, que aprecia suas criações, composto de jovens de aproximadamente 25 anos de idade. Tamanha foi a interação propiciada pela rede que o MySpace passa a ser um dos locais mais importantes de visitação de todo o espaço virtual, e não apenas musical: um local onde os jovens se

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socializam e compartilham de identidades culturais construídas e reconstruídas facilmente, dada a grande flexibilidade do meio.

O primeiro capítulo da dissertação, do qual tratarei na apresentação do Seminário de Teses em Andamento do IEL, consiste em uma reconstrução histórico da internet buscando compreender os objetivos para os quais foi criada e como tal ferramenta de uso científico e militar passou a ser um dos principais meios de entretenimento do mundo contemporâneo – além do principal meio de difusão de idéias – e como a música passou a fazer parte deste contexto, enfatizando o desenvolvimento de formatos digitais de áudio (como o MP3) que transformaria uma faixa de CD em um arquivo bem menor e com pouquíssima perda de qualidade; a criação do Napster, o primeiro software a permitir a troca destes arquivos entre computadores que estivessem conectados à Rede Mundial de Computadores e a rápida reação das gravadoras a tal prática que parecia se disseminar rapidamente.

Além disso, faz-se importante a análise das relações pessoais, uma vez que com a popularização dos computadores pessoais, mais e mais as pessoas passaram a se relacionar através da internet e, aos poucos, comunidades foram sendo construídas (como as que vemos no mundo real, offline) em um ambiente que, inicialmente, parecia vazio de vínculos sociais. Um ponto muito importante do capítulo a ser apresentado, portanto, é a tentativa de desmistificar a idéia de que as pessoas deixam de ter uma vida “real” ao estarem conectadas à Rede Mundial de Computadores, já que é cada vez mais evidente que a rede possibilita um aumento da sociabilidade ao permitir que as relações sociais deixem de ser territorialmente limitadas, como diversos autores enfatizam há alguns anos. Percebe-se que através da internet, a possibilidade de conhecer pessoas que compartilhem de interesses afins passa a ser muito maior que no mundo “real” e, assim, a troca de idéias (incluindo música) passa a ser global - ao mesmo tempo em que não impede que tais relações possam ser transportadas para o contato face-a-face.

A partir destas análises, será possível perceber a dinâmica de relacionamentos online que permite que a música seja divulgada dentro de uma rede social como o MySpace.

Referências Bibliográficas BAYM, Nancy. “The emergence of on-line community” in Steve Jones (org.) Cybersociety 2.0: Revisiting computer mediated communication and community. Thousand Oaks, CA: Sage. 1998. BRIGGS, Asa e BURKE, Peter. A Social History of the Media: from Gutenberg to the Internet. Cambridge, UK: Blackwell, 2002. BROOKS, Harvey. “National science policy and technological innovation” in Landau, R. e Rosenberg N (orgs.). The Positive Sum Strategy. Washington D.C.: National Academy Press, 1986. CASTELLS, Manuel. A era da informação: Economia, sociedade e cultura – Sociedade em rede. Volume 1. 11ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. CERTEAU, Michel de. A invenção do Cotidiano: Artes de Fazer. Vol. 1. Petrópolis, Vozes, 1994. HALL, Stuart. "A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo". Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 22, nº2, p. 15-46, jul./dez. 1997.

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Disponível em http://w3.ufsm.br/mundogeo/geopolitica/more/stuarthall.htm. Acesso em Outubro de 2008. LIMA, Clovis Ricardo Montenegro e OLIVEIRA, Rose Marie Santini. MP3: Música, comunicação e cultura. E-papers Serviços Editoriais, Rio de Janeiro, 2005. REID, Elisabeth M. "Electropolis: Communication and Community On Internet Relay Chat", University of Melbourne, 1991. apud CLARK, Lynn S. “Dating on the net: teens and the rise of ‘pure’ relationship” in Steve Jones (org.) Cybersociety 2.0: Revisiting computer mediated communication and community. Thousand Oaks, CA: Sage. 1998. RHEINGOLD, Howard. A comunidade virtual. Lisboa: Gradiva, 1996.

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Renato Salgado de Melo Oliveira, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas Divulgação científica e RPG: da utopia à fabulação Orientadora: Susana Alves A proposta do meu projeto de mestrado é um encontro entre o RPG (Role Playing Game) e a divulgação científica. Pressuponho que tal encontro permitirá refletir sobre a divulgação científica como uma ficção que fabule. Uma fabulação inspirada no conceito proposto pelo filósofo Gilles Deleuze (2003). Seria tal encontro capaz de desestabilizar os discursos fixados em uma ordem prévia, ordem daquilo que é reconhecido como o bem divulgar, o bem falar sobre a ciência? Interessa-me pensar na potência do RPG para criar narrativas que rompem com a relação de causalidade, com a continuidade temporal e com uma comunicação baseada na recognição, desmontando as narrativas que predominam nas mídias. Para isso, proponho um estudo que passe pelas relações entre ficção e divulgação científica, mas que fuja à lógica de polarização; que passe pela questão da narrativa, mas problematize o lugar do narrador, a própria noção de narrador; que passe pela mesa de jogo, mas que busque perceber a presença e a ação dos não-humanos (dados, fichas de personagens, livros, objetos presentes no jogo). O projeto insere-se num projeto de pesquisa e extensão maior – Um lance de dados: jogar/poemar por entre bios, tecnos e logias – e pretende ampliar suas possibilidades de pesquisa e atuação no campo da divulgação científica.

Existe na divulgação científica, mais especificamente no caso das biotecnologias, um modelo do que seja divulgar a ciência que se quer predominante. Ensinar o conhecimento, esclarecer as questões, identificar e reconhecer os objetivos e coletar os resultados das ações no público “leigo”. Esse modelo é um lugar de morte, controle e moralização dos discursos e das pessoas. O bom proceder, o bom comer, o bom viver funcionam como alerta para evitar um mal que espreita e ameaça. Ao contrário disso, pretendo pensar o RPG como proliferação, criação, destruição de ideas e de signos. Por isso aposto que o conceito de fabulação escape aos modelos que solidificam o pensar e operam por uma lógica de exclusão (o certo e o errado):

(...) a fabulação nada tem a ver com gêneros, moral, produção de medos científicos ou míticos, que terminam por expor o outro como condenação ou fatalidade. Também não se trata de eliminar a ficção, mas de libertá-la do modelo de verdade que a penetra e corrói, função da fabulação (DIAS, 2008, p.149).

Gregg Lambert (2002), explorando os estudos de Gilles Deleuze, destaca que “a

fabulação implica não um modelo, mas um devir” (p. 138). Contagiado por essa possibilidade, este projeto não se propõe a criar um jogo ou sugerir um modelo, um tipo de narrativa, ou o bom jogar, o certo e o errado ou mesmo uma “aventura” (O RPG é um jogo de construção de narrativas, e cada história criada é chamada pelos rpgistas de aventura.).

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Antes, quer deslizar por entre as frestas e pelas sombras dos livros de RPG. Experimentar, pelo sensível, o que está presente nas crônicas e nos cenários. Nas fabulações que contam lendas de lobisomens e nas imagens que ilustram esses livros. Não traduzir as referências, mas apreender o que ali se constrói, as linhas e as palavras que criam sua própria realidade. Diversos signos potentes na divulgação científica transpassam o RPG que os formula a sua maneira, não como síntese, representação ou referência, mas segundo seus próprios devires. Apocalipse, ficção, realidade, magia, presas, caçadores, cura e doença, mar são alguns exemplos de elementos que implodem esses ditos e pelos quais pretendo errar. O jogo de RPG (a mesa de jogo, local em que se reúnem os jogadores) está repleto de não-humanos, de (arte)fatos. Os dados que traçam o destino dos personagens, as fichas que descrevem os personagens, as lapiseiras, as borrachas, os livros e os desenhos (feitos pelo narrador ou pelos jogadores) que são mapas, e movimentos sobre esse mapa, pelos quais os mestres narram o lugar e sobre o qual, em sua superfície, acontece a narrativa. As fichas de personagens são marcadas pela própria narrativa, por aquilo que se passou em jogo, cada risco feito para os ferimentos sofridos, apagados depois que curados, vão esfacelando o papel, como a carne em resistência a doença e a morte, mas vai fadigando e rasgando. As fichas marcam também o personagem, o descreve, o limita e o possibilita: se o personagem pode correr, pode fugir, pode se esconder? A ficha o diz com que habilidade. Os dados que ao serem jogados dizem o futuro, assim como búzios. Mas os jogadores também influenciam os dados: mente os resultados obtidos, os jogam novamente em cada oportunidade em que escapam (intencional ou propositalmente) da vigilância dos outros participantes. Assim, jogador, personagem e materialidade se relacionam mutuamente, sem hierarquias de poder. Como o não-humano de Pasteur: o fermento (LATOUR, 2001). Que para se tornar ator principal do processo da fermentação precisam interagir: cientista, a Academia e o fermento. Mutuamente, sem hierarquia. Ocorre aquilo que Latour chamou de evento - conceito que este projeto pretende pensar junto com o conceito de acontecimento - após o triunfo do artigo de Pasteur, nem a Academia, nem o fermento, nem o cientista são mais os mesmos, mudaram. O fermento se torna ator do fenômeno, Pasteur recebe os méritos e a Academia muda sua concepção. Assim como o RPG que após a narrativa-evento nada mais é o mesmo, a ficha, o personagem e os jogadores. Nesse encontro entre humanos e não-humanos parece haver uma fabulação, como proponho buscar também entre artefatos e humanos na mesa de RPG. O projeto almeja pensar as potencialidades e limites do encontro entre o RPG e a divulgação científica. Não uma divulgação que obedece a lógica do ensinar e do aprender. Mas uma divulgação que reconhece a ciência como cultura, não só como laboratório. Como materialidade, como discurso, como intenções, como humanos. Uma cultura que não é monolítica, mas híbrida e constantemente dinâmica, onde sua obstrução mesmo que por pouco tempo pode significar uma questão de vida ou de morte. Bibliografia DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo, Editora 34, 1997. DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. Tradução de Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 2003. DIAS, Susana. Papelar o pedagógico... escrita, tempo e vida por entre imprensas e ciências. Tese (Doutorado). Campinas: Faculdade de Educação da Unicamp, 2008. LAMBERT, Gregg. The non-philosophy of Gilles Deleuze. New York and London:

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Continuum Books, 2002. LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora. Tradução: Gilson César Cardoso de Sousa, Bauru, Editora da Universidade do Sagrado Coração, 2001.

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Samuel Antenor, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas

Televisão via Internet para a Divulgação Científica – A interatividade na constituição de um modelo de percepção pública

Orientador: Carlos Vogt

O presente projeto tem por objetivo investigar o papel da interatividade na constituição de um modelo de percepção pública da ciência e da tecnologia (C&T), a partir da divulgação científica de temas da área da saúde veiculados em mídias digitais, especificamente em uma televisão por Internet (IPTV). Para tanto, partimos do pressuposto de que os usuários das mídias digitais, valendo-se de recursos que considerem a troca de informações e a interação entre diferentes agentes, mediada por recursos tecnológicos como a Internet, possam tomar parte na constituição de um modelo participativo de divulgação científica, com a ampla partilha de conteúdos científicos, filosóficos, artísticos e culturais. Sendo assim, um dos pontos centrais dessa investigação será o estudo da percepção pública de temas da saúde utilizando um modelo participativo, que considere a interatividade como um de seus elementos constituintes.

Como metodologia, adotamos o conceito de Cultura Científica, no qual “o processo que envolve o desenvolvimento científico é um processo cultural, quer seja ele considerado do ponto de vista de sua produção, de sua difusão entre pares ou na dinâmica social do ensino e da educação, ou ainda do ponto de vista de sua divulgação na sociedade, como um todo, para o estabelecimento das relações críticas necessárias entre o cidadão e os valores culturais, de seu tempo e de sua história” (VOGT, 2003), visto que esse processo representa a dinâmica constitutiva das relações intrínsecas entre ciência e cultura.

Nesse sentido, como primeira hipótese, pensamos que, em relação aos temas da saúde, uma TV para a divulgação científica via Internet poderia permitir a adoção de uma posição diferente daquela tradição anglo-saxã — em voga na década de 1980 — de estudos sobre comunicação pública da ciência, que definiu esse enfoque como modelo de déficit, no qual “o conhecimento científico constitui um corpo reconhecível de informação codificada e nesse sentido é que se pode medir quanto dessa informação um indivíduo traz incorporado e estabelecer seu grau de déficit de compreensão” (VOGT; POLINO, 2003). Contudo, as perspectivas de ampliação do conhecimento científico por parte do público requerem um entendimento não apenas sobre essas questões, mas, sobretudo, a respeito de todas as implicações, sejam elas boas ou não, da atividade científico-tecnológica no cotidiano das pessoas.

Este modelo, também chamado de modelo linear, ao pressupor que o conhecimento é parte do domínio dos que fazem ciência e a aplicam, limita a maneira como essas informações chegam ao público, hierarquicamente e numa única direção — emissor-transmissor-receptor —, conjugando uma suposta superioridade de quem detém o conhecimento científico com a suposta incapacidade ou limitação de compreensão e interpretação das demais pessoas. Sem trazer para o centro da cena a participação coletiva

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em questões relacionadas à C&T, tampouco fomentando a discussão social e a resolução de controvérsias envolvendo tais temas, pensamos que esse modelo contribui mais para mistificar do que para esclarecer o público a respeito de questões nas quais estamos todos direta ou indiretamente envolvidos.

A justificativa da proposta que aqui fazemos não é, primordialmente, a de combater um modelo linear de divulgação científica, embora esse modelo, cada vez mais, seja retratado como incapaz de atingir os objetivos de inserção do público no contexto da produção científico-tecnológica, conforme atesta Steve Miller (2001), em razão da ausência de mudanças de contexto e de significado, pois, neste caso, a informação passa diretamente do contexto original ao contexto público, desprovida de interpretação. Por essa razão, nossa proposta se pauta, sobretudo, na verificação da aplicabilidade de pressupostos conceituais presentes em outros modelos de percepção pública da C&T, que forneçam subsídios a uma efetiva participação das pessoas nos debates acerca dos riscos, incertezas e controvérsias desse meio. Esta é uma das questões a serem problematizadas durante nossa pesquisa.

Seguindo esse raciocínio, buscamos estabelecer o diálogo entre os diferentes atores da divulgação científica em bases que levem em conta a contextualização de informações e de conhecimentos, para que diferentes níveis de participação possam ser igualmente considerados na construção do discurso de divulgação, ainda que as opiniões não sejam sempre concordantes entre si. A construção desse discurso é o que chamamos aqui de uma certa ampliação da noção de Intellectual Commons, que surge nesse contexto enquanto a própria ciência é realizada, e cujo processo está, também ele mesmo, sendo compartilhado por cientistas e pesquisadores. Este caráter, por assim dizer, participativo do público na construção científica, é o que Gregory e Miller (1998) propõem, ao reconhecerem que a participação pública é um elemento constituinte da ciência.

Em nossa segunda hipótese, pensamos que, na medida em que se abandone a noção de déficit de conhecimento, poder-se-ia promover não só a interatividade entre as várias esferas da sociedade, mas também uma profunda reflexão da parte de todos os envolvidos com a produção e divulgação científicas, no que tange especificamente à área da saúde. Para tanto, pretendemos investigar se – e em que medida – esta participação permite que os cidadãos usuários das mídias digitais “interajam” não apenas com instâncias diversas, mas também entre si. Do mesmo modo, pretendemos investigar se essa participação contribui ou não para o processamento crítico de informações, e se pode ou não reorientar os processos comunicacionais.

Esta questão nos leva a pensar em diferentes possibilidades, considerando que o termo interatividade ressalta a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação (LÉVY, 1999), podendo ser utilizado também para referir-se genericamente à Comunicação Mediada por Computador (CMC) (CASTELLS, 1999) ou, ainda, para denominar os novos serviços decorrentes da fusão de recursos de comunicação e informação em redes eletrônicas integradas como Mídia Interativa (MI) (DIZARD, 1998). Assim, pensamos que essa questão também mereça um aprofundamento e discussão, pois desses referenciais poderiam surgir novas questões para a pesquisa, levando-nos a uma busca por pensar, de modos distintos, a interatividade, a participação, a divulgação científica e as novas mídias, pois, de acordo com Jesús Martín-Barbero (2008), se os meios e os gêneros que os meios produzem estão sendo reinventados a partir da interface da televisão com a internet, estaríamos diante de novos modelos comunicacionais, designados por ele como formas mestiças de comunicação.

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Por fim, vale mencionar que, com base nos subsídios da pesquisa, pretendemos ainda desenvolver uma proposta de divulgação científica dos temas da saúde em uma televisão por Internet, na qual a participação das pessoas – pesquisadores, público e gestores –, configure-se em uma possibilidade de aplicação.

BIBLIOGRAFIA RESUMIDA CASTELLS, M. A Sociedade em Rede (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo, Paz e Terra, 1999. DIZARD, W. J. A Nova Mídia: a comunicação de massa na era da informação. 2ª. Ed. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed. 1998. GREGORY, J., MILLER, S. Science in public. Communication, culture, and credibility. New York, Plenum Press, 1998. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo. Ed. 34, 1999. MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Editora UFRJ, 5ª edição, tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides. 2008. MILLER, S. – Public understanding of science at the crossroads. Science communication, education, and history of science. in: Public Understanding of Science. Institute of Physics Publishing, London, 2001, p. 115-120. VOGT, C. A espiral da cultura científica. ComCiência, jul. 2003. Disponível em: <http://www.comciencia.br/reportagens/cultura/cultura01.shtml>. Acesso em agosto de 2009. VOGT, C. e POLINO, C. (Orgs.) - Percepção pública da ciência, Resultados da Pesquisa na Argentina, Brasil, Espanha e Uruguai, São Paulo, Editora Unicamp, 2003.

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Vivian Marina Redi Pontin, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – Universidade Estadual de Campinas Divulga(riza)ndo corpos e cores: pintando por entre etiquetas, culturas e ciências Orientadora: Vera Regina Toledo Camargo

(Re)produções entorno do corpo espalham-se na divulgação científica e cultural (uma produção que não separa-se da reprodução, pois ambas se valem da criação, experimentação, seriação, homogeneização – fugindo das dicotomias – de corpos numa imagem-escrita que balança entre o óbvio e o diverso). Veículos cuidam exclusivamente desse objeto tão (des)valorizado. Tanto interesse chama a atenção, pois o grau de circulação é ex(in)tenso. E é a construção de imagens e discursos que essa pesquisa quer analisar e recorrer para explicar como a invenção do corpo contemporâneo chegou a tais proporções, discutindo os interesses envolvidos nessa divulgação.

Um corpo todo carregado de adjetivos baliza essa pesquisa e sua sustentação perpassa pela caracterização social a partir de autores como Jean Baudrillard, Guy Debord, Zygmunt Bauman, entre outros.

Com relação ao objeto de análise, partiremos da exposição Corpos Pintados (Parque do Ibirapuera – Oca – Pavilhão Governador Lucas Nogueira Garcez – São Paulo, 2005) - projeto experimental de arte que teve início no Chile (1981), sob a curadoria de Roberto Edwards, o qual convidou artistas a trocarem as telas por corpos nus para uma exposição que percorreu 32 países, com um público de 1,5 milhão de pessoas.

Corpos azuis que posam. Corpos azuis que bailam. Corpos azuis que entrelaçam-se. Mas de que são feitos? São pintados, (tra)vestidos, refletidos, projetados? São humanos esses corpos expostos feito obra de arte entre galerias, pendurados em paredes? Qual a diferença entre esses corpos-dúvidas e a multidão de corpos que passeiam nas ruas todos os dias?

Esses corpos, bem como os corpos-multidão, estão sujeitos à arte, inscrevem e são escritos pela arte, e não é só ela [a arte], mas a tudo que cor-responde à sociedade em que estão (i)(e)(sub)mersos. Um corpo, portanto, inscreve-se e escreve as histórias de sua sociedade. Seu significado tão genuíno (significativo), que invade não só linhas de pesquisas, mas áreas de produção do saber totalmente distintas entre si.

Nas Ciências Biológicas, partem-se os corpos para esmiuçar todos os recortes e, assim, torná-lo legível ao conhecimento do humano. Comparações com animais também são bem-vindas para explicação de reações e analogias. Formar um banco de dados com todas as (im)possibilidades de catalogação de que o humano precisa para (des)conhecer-se.

Nas Exatas, faz-se do corpo um objeto tal qual uma máquina, pois seus movimentos podem ser medidos, angulados e analisados para obter a máxima eficiência, de preferência com menor gasto energético. Computadorizam-se os movimentos e seus números para criar um modelo daquilo que se deseja para o corpo.

Sob o olhar das Ciências Humanas, o corpo molda-se na sociedade em que está inserido. Isso se dá tanto no aspecto positivo, em que há certa plasticidade para que o corpo

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faça parte do contexto em que está inserido, mas há também aspectos negativos, tais como imposições para que este corpo alinhe-se a um modelo previamente descrito, dentro de padrões socialmente impostos.

Mauss (1974) diz que há um “valor crucial, para as ciências do homem, de um estudo da maneira pela qual cada sociedade impõe ao indivíduo um uso rigorosamente determinado de seu corpo” (MAUSS, 1974, p. 2). Essa afirmação nos leva a crer que devemos sim direcionar nossos olhares ao corpo, porém, para tal, há várias lupas que podemos utilizar. Exemplos dessas lupas podem ser: a educação dos corpos; a influência da mídia nos padrões estéticos e de comportamento; a estrutura familiar; aspectos arquitetônicos e de tecnologia como sobre pungentes às maneiras de uso dos corpos; a ética e a moral; o regime político em voga. Este último influencia as concepções de corpo e como as contradições desse mesmo sistema fazem com que tanto as concepções, como as subversões e os usos dos corpos se modifiquem paulatinamente.

O corpo utilizado para imprimir técnicas e representações sempre fez parte da história humana, contribuindo para o estabelecimento das relações sociais, as quais podem ser consideradas simbólicas. Os símbolos presentes nas instituições e nos costumes humanos são construídos socialmente e culturalmente (MAUSS, 1974).

Não há uma relação hierárquica entre o corpo e a cultura, política, economia, mas vertentes de observação. Porém, o que podemos ou devemos ressaltar é que o corpo pode dizer muito mais do que a visão de certos óculos (instituições ou aparatos sociais). Ele traz todos os elementos de que precisamos, para nos debruçarmos em suas nuances, uma vez que todas as manipulações simbólicas em que as ciências visam o humano, na verdade atingem o corpo, desde a fetichização até a dissecação (ALMEIDA, 2001).

Pensando no aspecto tecnológico, há uma importância em conhecermos como se dão os usos dos corpos no momento histórico atual em que a tecnologia está acima dos próprios movimentos corporais (MAUSS, 1974). Isso porque a positividade direcionada ao corpo nas atividades sociais reforça a idéia de que ele é um mero objeto a ser manipulado e apropriado por essas. Fragmentá-lo é, portanto, a forma mais utilizada, creditada e eficaz para dar conta de minudenciar seu funcionamento, tentando torná-lo apto a viver num mundo, em que a velocidade (instantâneo) e o consumo são exacerbados.

“Pode-se afirmar aqui que o corpo vem sendo tanto objeto quanto a vítima preferencial da civilização” (SOARES; ZARANKIN, 2004, p. 25), sendo a maneira como o indivíduo na sociedade faz uso de seu corpo, num contexto histórico específico, simbolicamente constituído, remete a significados distintos ao longo da História, seja limitando suas potencialidades, inviabilizando expressões corporais diferenciadas do homogêneo social; como também servindo de seus padrões (o do corpo) para organizar a própria sociedade.

Outro aspecto relevante é de que, segundo Geertz (1989), a cultura, norteada e legitimada por uma ideologia, define um padrão de significados, envoltos pelo simbólico e materializados pelo comportamento social, o qual opera publicamente, via de regra, e especialmente através de imagens, por isso torna-se meio e alvo de controle social.

O controle dos corpos, sejam eles azuis ou não, se dá de forma sutil quando pensamos na aparência. A liberdade é uma ilusão, que contrapõem-se a submissão dos corpos à imagens e representações.

Mesmo na medicina, uma intervenção direta do/no corpo, o monitoramento é via “inscrição mediatizada dos processos corporais” (VIEIRA, 2003, p. 320), como os raios-X, o eletrocardiograma etc., direcionando os olhares para ele (através da tecnologia),

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exacerbando a forma espetacular de contemplação/representação, bem como o estabelecimento de modelos de corpos que devem ser almejados (corpos saudáveis).

Trata-se de uma presença sempre preocupante por causa da duplicidade, do simulacro que força, diante do espelho, a busca da semelhança. E que traz inquietação ao sugerir, no fundo, a facilidade com que nós podemos ser substituídos por alguma outra coisa ou, talvez, sermos, de verdade, considerados obsoletos, irrelevantes para o funcionamento do mundo. Entre a imagem mais antiga do autômato e essas criações [personagens/criações dos filmes de ficção científica], digamos, pós-modernas, encontra-se a diferença entre a analogia com o humano e a equivalência (VIEIRA, 2003, p. 330).

Fica um questionamento – a sedução da tecnologia e da ciência impulsionadas pela

aparência e que podem unir-se num filme de ficção científica, trazem as conseqüências da submissão da sociedade a elas (tecnologia e ciência), ou/e/versus o fascínio imagético desse poder que ambas exercem na sociedade? (VIEIRA, 2003). Referências ALMEIDA, D. D. M. Corpo, tecnologia, cultura. In: LYRA, B.; GARCIA, W. (org.). Corpo e cultura. São Paulo: Xamã – ECA-USP, 2001. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989. MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU – Ed. da Universidade de São Paulo, 1974. SOARES, C. L; ZARANKIN, A. Arquitetura e educação do corpo: notas iniciais. Rua. Campinas, 10: 23-35, 2004. VIEIRA, J. L. Anatomias do visível: cinema, corpo e a máquina da ficção científica. In: NOVAES, A. O homem-máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. pp. 317-345.

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LINGÜÍSTICA

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Alba Verôna Brito Gibrail, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Fatores sintático-prosódicos no desencadeamento da ordem padrão V2 do português clássico Orientador: Charlotte Marie C. Galves

O resultado da pesquisa que desenvolvo junto ao Corpus Tycho Brahe dos contextos de uso de estruturas de tópico do português clássico mostra que essa gramática tem o comportamento de línguas V2, especificamente, no que diz respeito à tendência de formar sentenças raízes com o verbo flexionado em segunda posição e um constituinte qualquer da oração, inclusive o sujeito, realizado na periferia esquerda, na forma de estrutura de tópico e/ou na forma de estrutura de adjunção. A freqüência elevada de uso de estruturas de tópico e/ou adjunto na ordem padrão V2 com o sujeito expresso em posição pós-verbal, configurando a inversão germânica, é o fator que assegura a ordem SV, projetada com o deslocamento desse constituinte para a periferia esquerda, como uma ordem marcada.

Outra peculiaridade do português clássico, atestada na pesquisa, é a tendência de uso do clítico em próclise nessas sentenças de ordem V2, qualquer que seja a categoria do sintagma pré-verbal. Nas formulações de Galves; Britto e Paixão de Sousa (2005), a ordem de disposição do clítico define a posição interna e/ou externa à estrutura prosódica da oração de realização do sintagma pré-verbal nas sentenças do português dos séculos 16-17. A disposição do clítico em próclise, nessas orações, assegura a posição interna à estrutura prosódica da frase de realização do sintagma pré-verbal; o uso da ênclise, por seu turno, define a projeção do sintagma pré-verbal em posição anterior ao sintagma intoacional da oração. Nas estruturas de adjunção, a variação da posição de realização do clítico define o alinhamento da fronteira prosódica da oração, respectivamente, no segmento mais alto e/ou mais baixo de CP.

O objetivo deste trabalho é apresentar os fatos linguísticos atestados na pesquisa que evidenciam a interação de fatores sintático-prosódicos no desencadeamento da ordem padrão V2 no licenciamento de estruturas de tópico e/ou adjunto, definida pelo uso de clítico em próclise nas sentenças que dispõem deste pronome e, por conseguinte, evidenciam os motivos de variação de uso dessas construções com o clítico disposto em ênclise.

Entre os fatos lingüísticos evidenciados, está a propriedade do português clássico de licenciar o fronteamento do objeto. na forma de estrutura de Topicalização e/ou na forma de Deslocada à Esquerda Clítica, em posição interna e/ou externa à estrutura prosódica da oração. A realização do clítico em próclise é generalizada nas ocorrências que apresentam o objeto fronteado na forma de estrutura de Topicalização, havendo o desencadeamento da próclise mesmo em ambientes não categóricos:

1) Esta singular virtude da caridade lhes quis Nosso Senhor pagar, (CTB-S_001_1556-1632).

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Em contrapartida, o uso de objeto topicalizado na forma de Deslocada à Esquerda Clítica apresenta variação quanto à ordem estrutural de realização do pronome resumptivo. Os dados levantados na pesquisa apresentam ocorrências desse tipo de construção com o pronome resumptivo disposto em próclise e ocorrências com o pronome resumptivo disposto em ênclise. Em condições semelhantes à formação de estruturas de Topicalização de objetos, o licenciamento de Deslocada à Esquerda Clítica apresenta o clítico resumptivo disposto em próclise em ambientes não categóricos: 2) A fragata "Fortuna" a teve ainda melhor do que escreve Lanier, (CTB-V_002_1608-1697)

A forma variante com ênclise tem uso maior no contexto de estruturas paralelísticas.

3) E isto sabe-o Deos e sabe-o Roma (CTB_H-001_1517-1517-1584)

Um outro contexto de variação de uso do clítico em próclise/ênclise é verificado nas ocorrências que apresentam o sujeito fronteado. A variante com próclise é a forma com freqüência maior de uso. (cf. PAIXÃO DE SOUSA, 2004).

4) As tempestades dessa casa me davam mais cuidado (CTB- C_003_1631-1682).

O clítico disposto em próclise nessas construções assegura a posição interna à estrutura prosódica da frase ocupada pelo sujeito fronteado, indicando o mesmo comportamento do objeto fronteado na forma de estrutura de Topicalização em (1), acima. No entanto, como pode ser observado, o sujeito das ocorrências apresentadas em (4) não corresponde à estrutura de tópico e/ou de foco. Esta restrição é confirmada nas ocorrências de sujeito pré-verbal em sentenças sem clítico. O sujeito em posição pré-verbal do exemplo em (5), a seguir, não se comporta como um elemento que carrega o acento enfático e/ou as funções de tópico/foco.

5) e Rafael de Orbino teve n'isso seu louvor (CTB_H-001_1517-1517-1584)

Nessas considerações, argumento que o português clássico licencia sintagmas dentro da estrutura prosódica da oração que não carregam, necessariamente, a função de tópico, nem se caracterizam como adjunto. A função de tópico expressa pelo sujeito pré-verbal é evidenciada nas ocorrências em que este constituinte carrega a função de tópico em contraste:

6) Elle conheciam-se, como homens, Christo conhecia-os, como Deus. (CTB-V_004-1608-1697)

Ainda que o português clássico tenha a tendência de formar estruturas de tópico e/ou adjunto dentro da estrutura prosódica de orações raízes de ordem V2, os dados levantados apresentam essas construções em configuração V3. O fato a ser considerado é a restrição de uso de estruturas de Topicalização de ordem V3 com o sujeito expresso precedendo imediatamente o verbo, e o objeto na categoria de um sintagma referencial. As ocorrências encontradas no corpus com o sujeito sem as funções de tópico/foco em posição pré-verbal, apresentam o objeto direto topicalizado na categoria de elemento não referencial.

7) Tôda a outra dor eu lhe perdôo e o mais que disserem de mim; (CTB-C_003_1631-1682)

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Por outro lado, o português clássico licencia estruturas de Deslocada à Esquerda Clítica no padrão de ordem V3 com o clítico resumptivo em próclise e o sujeito expresso precedendo imediatamente o verbo.

8) E a architectura eu a comparo e lhe chamo pintura encorporada .(CTB-H_001_1517)

A freqüência mais regular e acentuada de estruturas de tópico na ordem V3 com o sujeito pré-verbal sem as funções de tópico/ foco é verificada no contexto em que um sintagma adverbial e/ou preposicional precede o sujeito: 9) e com as tormentas do vício a alma teve naufrágio; (CTB-C_003_-1631-1682)

A presença dessas ocorrências no corpus investigado confirma a propriedade do português clássico de licenciar sintagmas pré-verbais que não carregam a função de tópico e/ou foco, em sentenças de ordem V2/V3, com esses elementos ocupando uma posição dentro da estrutura prosódica da frase diferente da posição de Spec deTopP/Spec de FocP. Perante este fato, proponho, de acordo com a análise oferecida por Roberts (2004, p. 316) para justificar o uso do verbo em segunda posição nas línguas V2, que, nessas ocorrências do português clássico, o sintagma fronteado sem a função de tópico/foco é realizado no Spec de Fin, sendo deslocado para esta posição para satisfazer os requerimentos de EPP. O Spec de Fin é projetado sempre que os alinhamentos das fronteiras prosódica e sintática coincidem; nesse caso, quando a fronteira prosódica está associada com Force. Nas ocorrências nas quais o alinhamento da fronteira prosódica está associado com Fin, o Spec desse núcleo não é projetado. Seguindo, pois, as formulações de Roberts (op. cit., p. 317), assumo que o português clássico, em condições semelhantes às gramáticas genuinamente V2, não impede a concatenação de outros sintagmas em posição mais alta dentro da estrutura prosódica da oração, o que justifica a formação de estrutura de tópico no padrão de ordem V3, conforme é mostrado no exemplo exposto em (7), com o objeto na categoria de um sintagma não referencial topicalizado e o sujeito em posição pré-verbal, ambos os constituintes integrando o sintagma intoacional da oração.

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Alessandra Adorni, Mestrado em Lingüística – USP Ciclo escolar e letramento Orientador: Leda Verdiani Tfouni

Este trabalho tem como objetivo principal investigar se existem diferenças entre as classes de recuperação e as que não são de recuperação, instituídas pelo próprio sistema de ensino, do estado de São Paulo. Visa constatar ainda quais papéis são alocados para os alunos de recuperação “especial”, da 8ª série da Recuperação de Ciclo II, em comparação com outros adolescentes da 8ª série considerada “normal”.

Por último, nosso objetivo também é verificar se as produções escritas desses alunos colocados em classes de recuperação podem ser avaliadas discursivamente como insuficientes, e também se as redações dos alunos de classes “regulares” são superiores às dos primeiros. Utilizaremos as redações do SARESP (Sistema de Avaliação e Rendimento das Escolas de São Paulo), referentes ao ano de 2005, escritas por alunos da oitava série, tanto de classes “normais” quanto de classes de “recuperação”.

Com esse estudo verificaremos se as maneiras de conduzirem os alunos ou não para a etapa seguinte de sua vida escolar são pedagogicamente falhas e politicamente inadequadas, sufocando talvez o projeto pedagógico, podendo trazer consequências desastrosas ao processo educacional.

Para a realização do presente trabalho, nossa abordagem teórico-metodológica seguirá o que preconiza a Teoria do Letramento (Tfouni, 1996, 1998, 1992, 2001, 2005, 2006).

O letramento é um fenômeno de cunho social que salienta as características sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social, é o estado em que vive não apenas o sujeito que sabe ler e escrever, mas todos os indivíduos que vivem na sociedade que é largamente letrada.

Dentro da perspectiva sócio-histórica, argumenta a autora, o que existe de fato nas sociedades industriais são graus de letramento, o que significa que o iletrado não existe em tais sociedades que se organizam fundamentalmente por meio de práticas escritas. É preciso, argumenta Tfouni, trocar iletrado por “mais” ou “menos” letrado, visto que todos são letrados; o que varia é o grau de letramento.

Os estudos sobre o letramento, deste modo, não se restringem somente àquelas pessoas que adquiriram a escrita, isto é, aos alfabetizados. Buscam investigar também as conseqüências da ausência da escrita a nível individual, mas sempre remetendo ao social mais amplo, isto é, procurando, entre outras coisas, ver quais características da estrutura social têm relação com os fatos postos, diz Tfouni.

De acordo com os estudos da autora, os não-alfabetizados têm sim capacidade para descentrar seu raciocínio e resolver conflitos e contradições que se estabelecem no plano da dialogia.

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A explicação para isso, segundo Tfouni, “(...) não está em ser, ou não alfabetizado enquanto indivíduo. Está sim, em ser ou não, letrada a sociedade na qual esses indivíduos vivem. Mais que isso: está na sofisticação das comunicações, dos modos de produção, das demandas cognitivas pelas quais passa uma sociedade como um todo quando se torna letrada, e que irão inevitavelmente influenciar aqueles que nela vivem, alfabetizados ou não”. (1996, p.27). Por todos esses motivos, acreditamos que se considerarmos que o educando vive em uma sociedade permeada por um sistema de escrita cujo uso é amplo e generalizado, e, portanto, sofre a influência (mesmo que indireta) do código escrito, certamente, não o representaríamos como um aluno que chega à escola, desprovido de qualquer conhecimento acerca da linguagem escrita, sem história(s) de letramento(s) alguma(s), sem história(s) de leitura(s), enfim. Dentro desse contexto, cumpre ressaltar que a autora considera fundamental que mostremos aos alunos para que fins a escrita serve, bem como a utilidade social e prática da leitura, pois, de acordo com ela, a escrita “(...) somente faz sentido dentro de práticas discursivas que permitam ao aprendiz olhar a escrita como um mediador entre ele, o mundo e o outro”. (1996, p. 2). Vale dizer, por fim, que, caso esses fatores não sejam observados pelos professores, aqueles inseridos nesse contexto, “(...) o aluno pode até ser alfabetizado, como afirma Tfouni (1996), mas com certeza não atingirá graus mais altos de letramento do que aqueles que possuía anteriormente, visto que a adoção de objetivos distorcidos, sem relação com a natureza intrínseca do ato de ler e escrever, coloca para o sujeito do discurso apenas um lugar disponível, e este é o da reprodução daqueles textos que a escola considera importantes para atingir seus objetivos estritos”. (Tfouni, op.cit.:6). Não podemos ser ingênuos, entretanto, de acreditar que a proposição do letramento possa resolver todos os males do sistema educacional brasileiro. Afinal, como qualquer outra atividade organizada socialmente, o letramento produz sentidos. Esses sentidos se materializam em práticas discursivas, as quais, por sua vez, vão determinar esquemas de papéis, quando colocadas em ação. (Tfouni, 1998). Por essa prática equivocada, em relação aos alunos serem colocados em classes “especiais” para recuperação, como foi dito, o conhecimento letrado do aluno (prévio) não é considerado nesse processo. Pois sempre se espera do aluno que ele seja capaz de aplicar “todas” as regras gramaticais, por exemplo, quando muitas vezes, nem o próprio professor é capaz de fazê-lo. O processo discursivo pedagógico torna-se autoritário e, em função disso, estabelece uma relação de dominação exacerbada sobre a fala do aluno e de exagerada posse de conteúdo por parte do professor, que, sustentado pela metalinguagem e pela apropriação do cientista feita por ele transmite – reproduz saberes científicos institucionalizados que, muitas vezes são inacessíveis, incompreensíveis e sem sentido para o aluno. Como conseqüência disso, ele, o educando, cala-se e recolhe-se ao lugar em que, a nosso ver, a instituição escolar insiste em colocá-lo: o de mero copiador. O professor (o sistema, na verdade) age como se o sujeito estivesse num grau zero de letramento. Dentro desse contexto, diz Tfouni, olhar as perdas e os ganhos trazidos pela escrita, do ponto de vista do letramento, não significa entender que é na escrita que se localiza o problema, mas sim nas condições sócio-históricas, onde os discursos são produzidos e lidos, e nos efeitos de sentido que eles produzem. Concluindo, podemos dizer que investigar o que ocorre nessas classes “especiais”, de uma forma aprofundada, será de extrema importância para o esclarecimento de algumas

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das preocupações modernas com relação ao ensino seriado, agora dividido em ciclos I e II. Além disso, as consequências advindas desse processo mal estruturado e colocado em prática de uma forma desorganizada, trazem sérios problemas aos educandos, daí a importância de se pesquisar a fundo o que acontece dentro dessas salas de recuperação e como uma prática pedagógica bem fundamentada pode contribuir com os educadores e com os educandos, no sentido de levá-los a saírem das posições que os mantêm amarrados a formações discursivas (impostas pela instituição escolar) que entendem a linguagem como literal, com os sentidos colados às palavras e como veículo transmissor de verdades únicas e unívocas. Essas formações discursivas remetem às formações ideológicas (aqui, às que se referem à instituição escolar) que estão à mercê de uma classe social dominante.

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Alessandra Moreno Maestrelli, Doutorado em Lingüística – USP Possibilidades na interface da análise de discurso e da psicanálise para a análise da interrogação de Charles Baudelaire: o trabalho não é o sal que conserva as almas mumificadas? É, afinal, o trabalho remédio ou veneno? Orientador: Leda Verdiani Tfouni

Procurou-se evidenciar a conexão “inconsciente da psicanálise” e “inconsciente da ideologia” a partir dos modos de produção do conhecimento de trabalhadores, nos deparamos com impasses teóricos aos quais respondemos pelos conceitos “modernidade líquida” e “insegurança”; Bauman (2008), bem como na análise de discurso pêcheuxtiana e sua interface com a psicanálise lacaniana.

Analisamos as chamadas 'diretrizes' para o trabalho em saúde – constantes nos manuais do Ministério da Saúde e a produção discursiva dos trabalhadores e a obtenção dos dados constituiu os vários corpora, a saber: manuais do Ministério da Saúde sobre as políticas de consolidação do Sistema Único de Saúde, as leis e diretrizes da saúde pública, em particular a Lei 8080/90; todos de domínio público no Sistema único de Saúde (SUS) e entrevistas realizadas com ex-alunos de um programa de capacitação - treinamento oferecido pelo MS do qual fui tutora de educação permanente a distância.

O corpus analisado é composto pelas chamadas ‘diretrizes’ para o trabalho em saúde - e a produção discursiva dos trabalhadores, obtida durante programas de capacitação e treinamento oferecidos pelo Ministério da Saúde e a análise das marcas lingüísticas encontradas nas entrevistas privilegiou o recalque da subjetividade como trabalho da ideologia, desdobrando outros sentidos singulares, na tentativa de homogeneizar o dizer, contornando assim, o esquecimento nº. 2 de Pêcheux, bem como, os usos da língua em diferentes "posições sujeito", conceito caro à Análise de discurso e o uso dos "genéricos discursivos", cunhado por Tfouni (2003).

Propusemos a escansão de algumas destas construções em análises preliminares dos dados por meio de recortes nos discursos de um dos sujeitos, na tentativa de construção teórica em análise do discurso para a qual cada passo na direção de uma certeza implica um retrocesso; O contraponto entre as formações discursivas privilegiadas por nós, a do discurso oficial dominante, e a outra, constituída por tentativas de resistência e/ou reiteração dos sujeitos, com relação a esse discurso. Uma marca na construção teórica em AD é a de que enquanto pesquisadores, nós também estamos às voltas com o esquecimento nº 1 de Pêcheux e esta implicação é fundamental para a construção do método que é o eterno retorno do recalcado onde o incontornável é a verdade do sujeito.

A lei 8080/90, do SUS preconiza as chamadas diretrizes de humanização, equidade, territorialidade o que encaminhou a análise a partir do discurso ‘universitário’, produtor de burocracia e mantenedor da impossibilidade do sujeito acessar a verdade e produzir um saber. O trabalho da ideologia no discurso dos sujeitos envolvidos é evidenciado com a ilusão de que o trabalho seja a redenção para todos os males e problemas, um fim para

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acessar um benefício maior, o alcance da 'felicidade' e da 'realização’, por esta via, ao que Baudelaire contraria comparando o trabalho ao sal que mumifica almas.

A análise das marcas lingüísticas encontradas nos corpora privilegiou o recalque da subjetividade como trabalho da ideologia, desdobrando outros sentidos singulares, na tentativa de homogeneizar, contornando também, o esquecimento nº. 2 de Pêcheux. Os diversos usos da língua em diferentes são analisados no trabalho, através do conceito “posições sujeito”, conceito caro à Análise de discurso por se tratar de um conceito diferenciado e marcado exclusivamente na análise de discurso pêcheutiana, abordagem à qual nos filiamos. O uso dos “genéricos discursivos”, conceito cunhado por Tfouni (2001); marca uma falta no dizer; recurso lingüístico do qual o sujeito lança mão, de acordo com Tfouni (2001), para tamponar uma falta, fazer um com a língua. Enfatizamos os movimentos de deriva entre formações discursivas antagônicas, que sugerem posições-sujeito alienadas ao discurso do Outro, re-assegurando o (des) conhecimento da dor, pelos sujeitos envolvidos e que ao promover uma saída imaginária os isenta e os exclui do processo de transformação, expressão maior do sucesso do apagamento da luta de classes.

Os sujeitos dos discursos estão a todo o momento a nos implicar como co-autores de sua história e a nos convocar como testemunhas dela. Resta-nos indiciar o trabalho des - subjetivado como ‘veneno’ ao contrário da proposta hegemônica de redenção e ‘remédio’ e concordar com Baudelaire.

O desafio para nós é procurar os giros discursivos no mais de gozar, lugares nos quais a dor encontre seu caminho no registro do simbólico. Valemos-nos também em larga medida, de leituras como as do sociólogo Bauman (1995) nas quais o autor traça contrapontos teóricos para a atualização do mal-estar na cultura moderna; entre os mais pujantes, fazemos uso, em nosso arcabouço teórico, de conceitos como ‘modernidade líquida’ e ‘insegurança’, bem como de suas considerações sobre a ‘religiosidade’ e o enfrentamento da ‘morte na modernidade’, no que cabe ao nosso tema. No entanto, para nós, a insatisfação com as impossibilidades pode ser redimida, por exemplo, pelos processos de saúde e doença, hospitalizações, medicalização enfim, parece-nos que, pela “porta de entrada da saúde pública”, passam mais fantasias e desejos do que se pode eventualmente supor.

Faço notar essas construções em análises preliminares dos dados, tais como no recorte selecionado para este trabalho em que se evidencia o trabalho da ideologia no discurso dos sujeitos envolvidos com a ilusão de que o trabalho é uma redenção, um fim para acessar um benefício maior, o alcance da ‘felicidade’ e da ‘realização’, pela via do trabalho. A estas afirmativas responde Bauman (1995): “(...) as pessoas preferem os hospitais, os novos meios de mantê-las vivas, em aparelhos para terem a sensação de estar prolongando a vida quando se está apenas, prorrogando a morte...” (...) Na sequência selecionada para este início de análise segue um trecho da entrevista gravada e transcrita por mim; a mesma foi realizada em seu ambiente de trabalho que é um serviço público de Atenção Psicossocial (CAPS); após o encunciado: “fale – me sobre o seu dia-a-dia de trabalho, situações às quais você está exposta diariamente”, ao que o sujeito responde por mais de 1 (uma) hora; a marca entr , foi usada para minhas intervenções e o nome Antônia, usado para o sujeito entrevistado: Antônia: (...) “eu vejo assim: o paciente vem aqui, aqui tem psicóloga, fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e psicopedagoga; eles vêm aqui (es)tão na berada... Entr.: Como assim na beirada? (risos).

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Antônia: De cabelo em pé, deseperada por causa de filho, por causa de marido, uma depressão terrível, (es)tão, assim, na beirada do precipício, eles chegam aqui tão desesperado, então, desabam aqui pra nós, nós, cê vê, eu sou escrituraria, mas, eu falo que isso aqui, a gente é um pouco psicóloga, porque você tem que fazer um acolhimento, super assim, humanizado, super humano com o paciente, receber super bem, tenta erguer a auto-estima dele, incutir a idéia de Deus; vai ajudar, a gente faz de tudo, faz o jogo de cintura, assim, né?

Mobilizamos os ‘quatro discursos fundamentais na psicanálise’, de Lacan (1995), para procurar evidenciar que no ‘discurso do capitalista’ a ausência da barra da impossibilidade discursiva pode colocar, entre outros objetos, a religião e a religiosidade como mercadorias acessíveis ao sujeito desejante e consumidor na modernidade.

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Alexandre Tunis Pioli, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Restrições de peso/extensão no fraseamento prosódico em Rikbaktsa Orientador: Maria Filomena Spatti Sandalo Esta pesquisa de mestrado tem como objetivos (i) oferecer uma primeira análise entoacional da língua Rikbaktsa, (ii) partindo de evidências entoacionais e segmentais, propor uma análise da formação de constituintes prosódicos nessa língua, e (iii) oferecer uma comparação entre análises desses fenômenos da interface fonologia-sintaxe a partir dos quadros teóricos da Teoria da Otimalidade e de modelos de fonologia derivacional. Esse último ponto tem como propósito trazer o exercício de comparação entre duas análises diferentes, de onde emergem os ganhos e as perdas no uso de um ou outro modelo teórico. Esta comunicação, em particular, apresenta uma abordagem do fraseamento prosódico em Rikbaktsa, sobretudo do sintagma fonológico e entoacional. Dois passos compõem este percurso: (i) primeiramente, uma abordagem da entoação de sentenças declarativas neutras nessa língua, e (ii) uma análise do mapeamento de sintagmas fonológicos. A comunicação irá focar-se, antendo-se ao critério de concisão, à segunda questão. O quadro teórico fundamental para o trabalho é aquele da interface sintaxe-fonologia, e sobretudo os fundamentos de dois modelos que tratam desse ponto de contato entre os dois componentes da gramática. Nespor & Vogel (1986) e Selkirk (1986, 1995, 2000 e outros) são representantes das duas vertentes do Programa de Pesquisa Gerativo - por um lado a perspectiva derivacional, serialista, e por outro a representacional, paralelista. A distinção entre as duas é relevante para a discussão do trabalho, que pretende oferecer uma comparação entre análises de um mesmo fenômeno sob duas perspectivas. A escolha de uma perspectiva otimalista para uma primeira abordagem das questões de interface não é randômica: trata-se do modelo mais comumente usado para explicar a interação entre efeitos de interface e efeitos de peso/extensão prosódica, já que o último exerce inegável influência sobre o mapeamento de sintagmas fonológicos. Cabe à visão derivacional, em um outro momento, lidar com os mesmos fatores e oferecer seu ponto-de-vista. A análise otimalista do mapeamento de sintagmas fonológicos em Rikbaktsa parte da restrição ALIGN-XP,R, definida abaixo: ALIGN-XP,R = ALIGN(XP,R; p-phrase,R) "A borda direita de cada XP sintático deve ser alinhada à borda direita do sintagma fonológico (p-phrase)" (Selkirk 1995 e outros) A restrição de alinhamento à direita prevê que, na maior parte das configurações sintáticas consideradas neste trabalho, os nós sintáticos terminais serão mapeados em sintagmas fonológicos, o que efetivamente prevê um grande número de casos em Rikbaktsa. Em estruturas Sujeito-Verbo, por exemplo, temos sujeito e verbo fraseados em

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Φs independentes. Há, entretanto, casos mais complexos em que essa restrição apenas não é suficiente. Em todos os casos em que o fraseamento efetivo difere do previsto, é notável que dentre os elementos fraseados em um mesmo Φ um deles é formado por menos de três sílabas. Isso sugere que o fator peso/extensão exerce influência sobre o fraseamento prosódico em Rikbaktsa, algo comum em outras línguas (como o português europeu para o domínio de IntP, cf. Elordieta, Frota e Vigário 2005). Para trabalhar com os efeitos de peso/extensão nessa língua, propomos um critério empírico de extensão, tal como definido abaixo, em que a língua diferencia por natureza palavras curtas de longas: (i) Uma palavra prosódica é curta se é formada por um pé (Σ) (ii) Uma palavra prosódica é longa se é formada por mais de um pé (Σ) Esse critério motivou a proposta de uma restrição Minimum(Φ), baseada nas restrições “Binary(MaP)” de Selkirk (2000), e definida a seguir: Minimum(Φ) Um sintagma fonológico deve consistir de ao menos uma palavra longa. Duas outras restrições mostraram-se úteis ao modelamento dos fenômenos em Rikbaktsa: “Increasing Units”, baseada em Ghini (1993), é agora redefinida em termos de proeminência: Increasing units, sensível à proeminência Em caso de fraseamento assimétrico, o constituinte prosódico Ci mais pesado deve estar alinhado à posição de proeminência de Ci+1. e “Phrase Subjetc”, proposta por nós, contempla a necessidade observada de separar o sujeito dos demais elementos no fraseamento prosódico, comum também a outras línguas. Tal restrição pode ser definida como: PHRASE SUBJECT (PHSUBJ) Introduza uma fronteira prosódica do nível de análise Φ (sintagma fonológico) ou IntP (sintagma entoacional) à direita do XP sujeito. Esta comunicação apresenta, em síntese, uma análise do mapeamento de sintagmas fonológicos e entoacionais em Rikbaktsa. Partindo da evidência entoacional, demonstramos que a restrição ALIGN-XP,R é capaz de mapear um grande número de estruturas prosódicas a partir da sintaxe nessa língua, mas apenas a interação dessa restrição com restrições relacionadas a peso/extensão é capaz de explicar as estruturas resultantes em um grande número de ocorrências. Para além disso, há a especificidade do sujeito, que requer uma fronteira prosódica à sua direita. Essa condição, expressa por PHSUBJ, acima, é crucial para que estruturas bem formadas emerjam. Por fim, demonstramos brevemente a ligação entre a ocorrência de oclusivas glotais e tons de fronteira Hi, que marcam a borda direita de um sintagma entoacional. A abordagem mais simples possível para esse domínio em Rikbaktsa é com o uso da restrição

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*INTBREAK, que considera custosa a inserção de quebras/fronteiras entoacionais em um enunciado. O propósito comparativo entre a abordagem representacional e a derivacional, embora relevante para a pesquisa, não será apresentado nesta comunicação devido às limitações naturais de tempo.

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Aline Peixoto Gravina, Doutorado em Lingüística – UNICAMP A ordem VS e restrições de sujeito nulo no PB: estudo em um corpus diacrônico Orientador: Charlotte Galves

Nessa pesquisa, nosso intuito será tratar da mudança diacrônica, dentro da perspectiva da Lingüística Histórica e do quadro teórico gerativista. O eixo primordial das pesquisas na diacronia são as línguas e suas respectivas gramáticas. As línguas não são estáticas, estão continuamente alterando suas configurações estruturais ao longo do tempo e é essa dinâmica que configura o objeto de estudo da Lingüística Histórica.

Na discussão existente na literatura gerativista, a correlação entre o aumento do preenchimento do sujeito e a diminuição da ordem VS no Português Brasileiro (PB) tem sido tomada como uma evidência suplementar da perda do parâmetro pro-drop. Em trabalhos sincrônicos, o PB é caracterizado como uma língua de sujeito nulo, mas com restrições de contextos (Figueiredo Silva 2000; Barra 2000 e Rodrigues 2004). Ou seja, o sujeito nulo só é utilizado em contextos específicos. Para esses autores, os sujeitos nulos presentes no PB seriam ambientes sintáticos de realizações específicas, que não contemplariam as categorias vazias com um pronome nulo – pro. As categorias vazias encontradas são vestígios de movimento de variáveis ou anáforas.

No trabalho de Gravina (2008) verificou-se ao analisar textos diacrônicos de jornais brasileiros do século 19 e do início do século 20 que outras estratégias de preenchimento estavam sendo utilizadas, além dos pronomes, ou seja, outras expressões nominais anafóricas. No corpus encontrou-se três tipos de sujeitos anafóricos: a) Retomada anafórica do nome; b) Repetição e c) outro tipo de retomada anafórica. Abaixo se tem um exemplo de cada classificação:

a) Retomada anafórica do nome: retomada por algum termo sinônimo ao vacábulo anterior.

[] Maria Santíssima, a creatura privilegiada de Deus, desde o nascimento predestinada a ser Mãe de Jesus, não podia, pela linhagem donde descendia, ocupar um lugar desconhecido entre os mortais [] A Mãe do Verbo Incarnado não seria, então a creatura humana todavia divinisada pela aureola imaculada, que a elevava acima de todas as grandezas e dignidade da terra A Mãe do Verbo Incarnado = Maria Santíssima

b) Repetição: retomada por repetição de vocábulo;

[] Ocupa a atenção dos presentes o Dr. Gerardo Trintade em nome da "S.A.O.P", não obstante se tratar de um orador já consagrado nossa opinião foi a de que o Dr. Gerardo Trindade desempenhou, de maneira impecavel e com grande felicidade, sua missão de orador oficial da solenidade, havendo produzido magnifica peça oratória e sendo que ao terminar referiu-se a D. Helvécio, chamando-o de pelo titulo

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c) Outro tipo de retomada anafórica: retomada do primeiro vocábulo por algum referente, como um pronome demonstrativo. [] Quando a lista foi apresentada a Mr. Currau, perguntou este para que era; respondeo-se-lhe que era para o enterro de Mr. O'Brien, escrivão

Denominou-se como Sujeito Lexical Anafórico essa estratégia de preenchimento do sujeito.

Nesse projeto, pretende-se analisar jornais portugueses contemporâneos aos brasileiros analisados no trabalho de Gravina (2008), com o propósito de averiguar se o fenômeno de preenchimento ocorre apenas nos textos formais brasileiros ou se o Sujeito Lexical Anafórico é uma estratégia estilística do gênero jornalístico e não se caracteriza como diferença do PB para o Português Europeu (doravante PE).

Em relação à ordem, estudos, como os de Berlink (1989), Pilati (2002) e Kato (2003), têm discutido que o PB apresenta restrições para o uso da inversão do sujeito (VS e VOS). A inversão ocorreria apenas com determinados verbos em contextos específicos.

Estudos sobre a ordem VS tentam explicar, entre outras questões, os diferentes comportamentos dos verbos do PB em relação à ordem VS. Esses estudos, tais como Nascimento (1984), Figueiredo Silva (1996) e Kato & Tarallo (2003), levam em consideração o fato de verbos com um só argumento estarem divididos em duas classes distintas: a dos inergativos e a dos inacusativos. Os verbos inacusativos selecionam um argumento interno e os verbos inergativos selecionam um argumento externo. Por terem como sujeitos argumentos selecionados originalmente como objetos internos, verbos inacusativos teriam maior facilidade para licenciar a ordem VS. Os inergativos por selecionarem argumentos externos não apresentariam tal facilidade, e a inversão com esses verbos poderia ser desencadeada por fatores gramaticais. Autores como Kato & Tarallo (2003) afirmam que, geralmente há um elemento à esquerda da oração, quando verbos inergativos apresentam sujeitos pós-verbais.

Nesse projeto, o objetivo principal será analisar a realização dos contextos de inversão do sujeito em um corpus diacrônico, composto por jornais que circularam em todo século 19 e na primeira metade do século 20 no Brasil e em Portugal. Contraporemos os contextos de sujeito nulo/preenchido com as restrições de realização de sujeito nulo e com os contextos específicos de ordens VS e VOS estipulados pela literatura. Outro objetivo desse trabalho será analisar as formas de preenchimento, pois, além do preenchimento pronominal, outras estratégias foram utilizadas para preencher o sujeito, já que no PB, o uso de sujeito nulo se torna restrito com o passar do tempo, mas hipotetiza-se que no PE tal fenômeno não apresente a mesma distribuição, ou seja, o Sujeito Lexical Anafórico não se torne tão preponderante quanto se verificou na história do PB, espera-se se ver uma taxa mais constante. Nossa proposta será correlacionar essas propriedades, a fim de se levantar indícios para se conseguir formalizar a natureza do sujeito nulo e a ordem VS na diacronia do PB.

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Amanda Bastos Amorim de Amorim, Mestrado em Lingüística – UNICAMP A semiologia das afasias à luz das teorias enunciativo-discursivas de linguagem

(projeto da dissertação).

Orientador: Rosana do Carmo Novaes Pinto

O projeto de dissertação a ser apresentado se concentra na área de Neurolingüística de abordagem enunciativo-discursiva - a corrente teórica que defendemos se diferencia da Neurolingüística tradicional por considerar elementos como o contexto social, as condições de produção e as marcas de subjetividade presentes nos enunciados analisados. O objetivo da pesquisa é revisitar criticamente alguns conceitos da semiologia clássica das afasias, que está intimamente relacionada à aplicação de testes-padrão. Questionamos, portanto, metodologias quantitativas, optando por análises qualitativas.

A semiologia atualmente utilizada para a classificação das afasias, na literatura em Neuropsicologia e Neurolingüística, é basicamente a mesma do século XIX, quando se acreditava numa relação direta e unívoca entre áreas específicas do cérebro e as funções complexas, dentre as quais a linguagem. As palavras de Luria (1977: 67) já apontavam para uma preocupação do autor com relação a essa questão:

Contemporary approaches to aphasia do not differ significantly from those formerly described by classical neurologists; Broca’s and Wernicke’s basic views have remained unchanged up to our time. [...] These basic concepts continue to be used, without significant changes, in modern neurological clinics, and although no one now takes the idea of separate centres of higher mental functions and their inter-connexions seriously, no real attempts have been made to revise these tenets of classical neurology. Dentre as questões que pretendemos abordar, destacamos, inicialmente, duas: a

relação entre normalidade e patologia e uma reflexão sobre a metodologia vigente em pesquisas da área que, de certa forma, consolida e é alimentada por essa semiologia.

Em geral, a literatura coloca o normal e o patológico em pólos opostos e estáveis. Essa concepção tem implicações para a semiologia, uma vez que qualquer sinal ou sintoma observado em uma síndrome é tomado como uma alteração de um processo normal e, a ele, é atribuído um nome. A esse respeito, Caplan (1993) afirma que a Neuropsicologia é a área científica em que a semiologia é mais produtiva.

Conceitos propostos por autores como Canguilhem (1995), que entendem a relação normal/patológico como um processo dinâmico e contínuo, permitem que os fenômenos patológicos sejam compreendidos como alterações de processos normais subjacentes, que

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revelariam a busca dos sujeitos por um estado de equilíbrio. Essa reflexão demanda que a semiologia atualmente utilizada seja revista ou ressignificada.

Segundo Porter (1997), um nome para uma doença serve como moeda lingüística, ou seja, uma forma de viabilizar a troca de informações entre profissionais de uma dada área. Mesmo que velhos termos continuem sendo usados, a fim de tornar possível essa comunicação, as teorias lingüísticas podem colaborar agregando novos significados a eles ou sugerindo uma terminologia que privilegie a linguagem e seu funcionamento e não apenas os fatores biológicos que até hoje prevalecem no estudo das afasias.

Um elemento fundamental dessa pesquisa, portanto, será um deslocamento de foco – da lesão para o sujeito, o que tornaria incompatível uma análise que se restringisse ao sistema formal da língua. Uma abordagem dos fenômenos afasiológicos que leve em conta o trabalho realizado pelo sujeito sobre o sistema da língua (Franchi, 1977), como propõem as teorias enunciativas e discursivas, permitiria uma compreensão mais abrangente de um funcionamento real da linguagem (Bakhtin, 1997).

A segunda questão, como apontada anteriormente, refere-se à reflexão presente desde os primeiros trabalhos realizados por Coudry na década de 80, sobre os limites de uma metodologia que consiste de análises quantitativas e estatísticas para os estudos das afasias, baseadas nos resultados das baterias de testes. Apesar de existirem inúmeros protocolos de avaliação, todos têm em comum uma visão restrita do que seja a língua(gem), cujas unidades básicas são palavras e orações. Para ilustrar essa concepção de linguagem e a relevância das classificações dos fenômenos afasiológicos e da própria semiologia, citamos uma passagem da apresentação da Bateria de Boston, na qual os autores apontam para a função dos testes, que vai desde a avaliação até a indicação de procedimentos terapêuticos:

O exame da afasia pode dirigir-se a um dos três objetivos gerais: 1. Diagnóstico da presença e tipo de síndrome afásica, possibilitando inferências

com respeito à localização cerebral. 2. Avaliação do nível de rendimento, tanto para a determinação inicial, como para

detectar mudanças através do tempo. 3. Avaliação global das dificuldades e possibilidades do paciente, em todas as

áreas da linguagem, como guia para o tratamento. (Goodglass & Kaplan, apud Novaes-Pinto, 1999: 126)

O primeiro objetivo caracteriza a posição localizacionista do teste. Com a

tecnologia de imagens de que atualmente dispõem os profissionais, buscar a lesão a partir do déficit supostamente causado por ela já não é mais necessário. Os outros dois objetivos não são plenamente alcançados com essa metodologia, especialmente devido à descontextualização das tarefas e ao fato de trabalhar apenas com algumas unidades do sistema da língua. Além disso, os autores pretendem utilizar os resultados obtidos em tarefas estritamente metalingüísticas como guia para o tratamento em “todas as áreas da linguagem”.

As baterias de testes se servem da semiologia vigente e, ao mesmo tempo, a reforçam, encaixando o sujeito em categorias pré-determinadas e defendendo um modelo que dá conta de um falante ideal e de um cérebro médio, conforme indica Mecacci (1984):

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Há um “outro” cérebro que a ciência não estuda, ou só considera marginalmente. É, em primeiro lugar, o cérebro de cada indivíduo, cada um diferente do outro; e, depois, o cérebro de indivíduos pertencentes a culturas diferentes. [...] A variedade do cérebro dos homens é a fonte do predomínio dessa espécie de animais sobre as outras espécies e a origem das relações sociais e da cultura. A variedade do cérebro humano, porém, é ignorada. Estuda-se um cérebro “normal” que, na realidade, não existe.

Fundamental para criticar essa semiologia é um estudo em que Dronkers (apud

Mansur & Radanovic, 2004), afirma que apenas cerca de 50 a 60% dos pacientes com lesão na área de Broca apresentam “afasia de Broca persistente” e apenas 30% dos pacientes com lesão na área de Wernicke são afásicos de Wernicke crônicos. Há ainda cerca de 15% de pacientes com afasia de Broca crônica que não apresentam lesão na área de Broca e 35% com afasia de Wernicke que não possuem lesão na área correspondente. Esse estudo apresenta um dado alarmante sobre a inadequação da terminologia vigente e aponta para a necessidade de pensar em uma semiologia que dê conta das alterações lingüísticas observadas.

Acreditamos, portanto, que, para tratar dos fenômenos neurolingüísticos, é necessário adotar uma teoria enunciativo-discursiva, que contemple, de forma mais abrangente, tanto os impactos das afasias sobre o sistema da língua quanto sobre questões pragmáticas e discursivas que estão presentes em todos os tipos de afasias e que a semiologia clássica não considera. A presente pesquisa é parcialmente financiada pela Capes.

Referências bibliográficas: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1995. CAPLAN, D. Neurolinguistics and linguistic aphasiology. Nova Iorque: Cambridge University Press, 1993. COUDRY, M.I.H. Diário de Narciso – discurso e afasia. São Paulo: Martins Fontes, 2001. FRANCHI, C. Hipóteses para uma teoria funcional da linguagem. Tese (Doutorado em Lingüística). UNICAMP, Campinas, 1977. FOUCAULT, M. O nascimento da clínica. Forense Universitária. 1998. LURIA, A.R. Neuropsychological studies in aphasia. Amsterdam: Sweets & Zeitlinger B. V., 1977. MANSUR, L. & RADANOVIC, M. Neurolingüística: princípios para a prática clínica. São Paulo: Edições Inteligentes, 2004. MECACCI, L. Conhecendo o cérebro. São Paulo: Nobel, 1984. NOVAES-PINTO, R. Uma contribuição do estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas. Tese (Doutorado em Lingüística). Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, Campinas, 1999. _________. “Avaliação de compreensão de linguagem: análise de resultados obtidos em baterias de testes neuropsicológicos versus análise discursiva de episódios dialógicos”. In: Veredas (UFJF), v. 1/2007, 2007. PORTER, R. “Expressando sua enfermidade: a linguagem da doença na Inglaterra Georgiana”. In: BURKE & PORTER (orgs.). Linguagem, indivíduo e sociedade – história social da linguagem. São Paulo: Editora da UNESP, 1997.

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Amanda Post da Silveira, Mestrado em Lingüística – UFSM Estratégias de reparo na aquisição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB. Orientador: Giovana Ferreira Gonçalves Bonilha

Este projeto de mestrado, em fase de conclusão, está vinculado à linha de Aquisição da Linguagem do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e, mais especificamente, ao projeto Aquisição da linguagem: oralidade e escrita. A nossa finalidade com este trabalho é investigar as estratégias de reparo aplicadas na aquisição do acento primário da língua inglesa como língua estrangeira por falantes nativos de português brasileiro (PB) e, para esse fim, utilizaremos como base a Teoria da Otimidade Conexionista (COT) de Bonilha (2004).

A escolha da COT acontece pelas características de sua fundamentação enquanto teoria de descrição e análise lingüística, tais como prever a interação entre restrições, interação entre os diferentes níveis fonológicos (tais como segmento, sílaba e acento) e, sobretudo, por considerar que as restrições são não só ordenadas, mas também adquiridas no processo de aquisição de uma hierarquia de língua. No caso da aquisição de língua estrangeira, é previsto que os aprendizes venham a adquirir restrições específicas da L2 no processo de aquisição da sua hierarquia.

O processo de estruturação das restrições é explicado por meio de um algoritmo de aquisição da linguagem, (BOERSMA & HAYES 2001) o que representa uma grande vantagem para a compreensão dos dados. O número ainda restrito de trabalhos que investigam a aquisição fonológica do inglês por falantes nativos do português têm mostrado que os aprendizes de L2 aplicam estratégias de reparo baseadas na hierarquia de restrições da L1 em suas produções, evidenciando a militância da gramática da língua materna. Bonilha e Vinhas (2006) e Ferreira-Gonçalves e Post (2007), em trabalhos sobre a aquisição do acento do Inglês como L2, demonstram que algumas produções, mesmo que corretas, evidenciam a predominância de padrões da língua materna, pois as produções estão compatíveis com as formas da língua alvo, ainda que o sistema fonológico que responde pelos outputs produzidos não seja o mesmo nas duas línguas.

Neste trabalho, investigamos a aquisição do acento primário do inglês por falantes nativos de PB, analisando os diferentes tipos de sufixos do inglês quanto ao comportamento destes com relação ao acento da palavra primitiva, especialmente, em palavras que apresentam sufixos que transformam o acento primário da palavra em secundário e que recebem sobre si o acento principal. Dentro desse grupo, faremos o estudo dos sufixos –oon,

-eer, -ee, -ette, -esque, -ese, -ique, -et, -aire, -euse e –eur. Levando em conta o processo de reordenamento de restrições referentes ao acento primário, fazemos a tentativa de caracterizar a hierarquia de interlíngua evidenciada pelos aprendizes a partir das estratégias de reparo aplicadas ao padrão que intentamos observar.

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Para a realização deste trabalho, contamos com a colaboração de dezesseis sujeitos, estudantes de Letras - Licenciatura Habilitação: Inglês e Literaturas da Língua Inglesa de uma universidade federal do sul do Brasil. A coleta de dados consistiu em duas gravações. Na primeira, os informantes leram o instrumento de coleta, composto de 135 palavras (entre palavras sufixadas – sufixos que modificam a posição do acento da palavra primitiva, sufixos neutros e sufixos que recebem o acento primário - e não-sufixadas da língua inglesa) e 135 frases-veículo contendo as mesmas palavras lidas isoladamente. Posteriormente, houve a instrução explícita dos padrões acentuais que apresentaram menor percentual de acertos nas produções dos informantes. A segunda gravação consistiu em nova leitura do instrumento de coleta.

As gravações foram feitas em aparelho digital e tiveram em média 12 minutos cada. As transcrições foram feitas pelo método de oitiva com base no Alfabeto Fonético Internacional, sendo sujeitas a duas conferências por três avaliadores. Posteriormente, os dados receberam tratamento estatístico por meio do software Statistica 7.0 e, para a análise lingüística, foi utilizado o software OTSoft. Observamos que, em ambas as coletas, o padrão que foi menos produzido correspondeu ao oxítono sufixado. Embora as duas línguas sejam sensíveis ao peso silábico, os ordenamentos de restrições responsáveis pela atribuição desse padrão não são similares, o que pode estar acarretando na não aquisição da hierarquia específica da L2 para o referido acento.

Os dados sugerem também que os padrões corretamente produzidos na interlíngua dos informantes parecem dever-se, em grande parte, à militância da gramática da L1 e que os padrões da L2, por conseqüência, podem não estar sendo, de fato, adquiridos. Essa hipótese parece ser confirmada pela emergência da estratégia de reparo trocáica como a mais utilizada nas produções, que se trata do padrão acentual predominante da língua materna, segundo Bisol (1992). No caso específico dos sufixos analisados neste trabalho, observamos que restrições próprias da L2, especialmente, relacionadas à duração das vogais do inglês, em palavras como refugee e montaineer, que não são facilmente percebida/produzida por falantes nativos de PB, segundo Nobre-Oliveira (2007), ainda não foram ranqueadas na hierarquia de interlíngua dos aprendizes. Também apontamos que a baixa freqüência de palavras derivadas por sufixos que recebem o acento primário seja um fator importante para que o padrão oxítono sufixado apresente menor percentual de acertos pelos informantes.

Enfim, o somatório desses fatores parece estar conspirando para que os outputs dos aprendizes ainda não estejam de acordo com a língua-alvo. Os resultados confirmam a adequação de um paradigma cognitivo conexionista para a compreensão de dados de língua real, bem como da Teoria da Otimidade com o fim de formalizar o processamento gradual das hierarquias de interlíngua.

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Ana Luiza Araújo Lopes, Mestrado em Lingüística – UNICAMP A colocação de clíticos em orações dependentes na história do português europeu (séc. 16 a 19) Orientador: Charlotte Marie Chambelland Galves

Este trabalho insere-se no âmbito do projeto temático Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística – Fase II e tem como objetivo investigar as características da sintaxe de colocação de clíticos das orações dependentes na história do Português Europeu entre os séculos 16 e 19. As análises desenvolvidas foram feitas com base nos estudos diacrônicos gerativistas. E as orações que são o objeto deste trabalho foram retiradas de textos que compõem o corpus Tycho Brahe. Os dados analisados neste trabalho foram extraídos de textos escritos por autores nascidos entre 1502 e 1836. As sentenças foram extraídas dos textos automaticamente através da ferramenta corpus search.

Muitos foram os trabalhos no âmbito do referiro projeto temático (Galves, Brito e Paixão de Sousa 2005, Galves, Namiuti e Paixão de Sousa2005; Paixão de Sousa, 2004), mas sempre priorizando a análise de orações principais (Antonelli 2005, Paixão de Sousa 2004, entre outros) tais estudos mostram as mudanças ocorridas no período. Em relação à sintaxe do Português e à mudança entre os séculos 16 e 19, Paixão de Sousa também observa que, ao longo do tempo, o número de orações VS vai diminuindo e de orações SV aumentando, enquanto o número de orações de sujeito nulo é estável. Durante este mesmo período a próclise vai cedendo lugar à ênclise. Paixão de Sousa (2004) afirma que na passagem do PM para PE, a grande mudança que ocorre não é a mudança do lugar do clítico, mas a mudança de um sistema XVS, para uma língua onde a ordem natural é SVX.

Apesar das grandes mudanças ocorridas na sintaxe da colocação de clíticos no PE, as orações dependentes são um lugar onde há pouca variação ao longo tempo. Mas o neste trabalho mostro que a ênclise ocorre em orações dependentes, ao contrário do previsto por análises anteriores da colocação de pronomes clíticos em orações dependentes no PE, assim como nas demais línguas ibéricas postulam que a próclise é a ordem categórica (PE Martins 1994, Galego – Meier (1976), Asturiano (D’Andrés 1993- entre outros). Questionando esta afirmação que na história do PE a próclise em orações dependentes é categórica, mostro que ,embora o fenômeno da ênclise em sentenças dependentes seja pouco atestado nas línguas românicas, ela ocorre no período em questão. Assim como também foi atestada a ocorrência de ênclises em dependentes no o Português Arcaico (Ribeiro 2009) e Português Europeu Moderno (Frota e Vigário 1998). A partir desde ponto foi relevante identificar o contexto, e a motivação para ocorrência da ênclise nesse tipo de oração.

Atesto que a ênclise vai ocorrer em diversos tipos de orações dependentes. Observe: 1. “Seja o que for , é certo que, seVossa Mercê tivesse alguma via para as

conseguir, fazia-me grande serviço para me acabar de ordenar, e tomar estado, já que estou há tantos anos sem o tomar.” ( Antônio da Costa)

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2. “Muitos Portugueses que actualmente vivem, e de mui boa doutrina,

defendem fortemente que se exclua o h, e achei um que sòmente o admitia quando distinguia uma dicção da outra; vg ouve pode significar teve, e também está ouvindo; onde, no significado de teve, punha-lhe o h, para não causar confusão.” (verney)

3. “Diversões exteriores Fica provado na Memória Grande que a primeira hipótesenão pode durar mais de três meses, porque os interêsses das diversas potênciasas obrigam a seguir a impulsão briosa e forte das potências meridionais, e porque, além de todos os motivos grandes que as devem mover, agora mesmo,admirando e obedecendo a Buonaparte, temem-no, detestam-no e, no fundo do seucoração, devem desejar livrar-se dêle” ( Marquesa de Alorna)

4. “Entre as tentações de França àcêrca de nossas conquistas, ouvi dizer em Lisboae aqui, que não deixa de ser uma, e porventura a principal, o Rio de Janeiro,ajudando-se a ambição de uma espécie de justiça, porque antigamente, quandoconquistámos aquelas terras, tomámo-las aos índios e a franceses, que êlesainda não estavam em um lugar do mesmo pôrto fortificados.” ( Vieira cartas)

Como pode ser observado nos exemplos acima, afirmo que a ênclise só ocorre quando há algum elemento entre a conjunção subordinativa e o verbo. O contexto de ocorrência de ênclise é:

Ribeiro (2009) afirma que o para o PA a ênclise só ocorre em orações dependentes quando há um tópico pendente, entre a conjunção e o verbo. Os elementos que encontro nos

� oração encaixada + vcl

� oração encaixada + sujeito +vcl –

� sujeito + oração encaixada +vcl -

� sujeito + vcl -

� Sintagma preposicional +vcl

� sintagma preposional+ sujeito +vcl

� sujeito+ sintagma preposional +vcl 1

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meus dados não são, necessariamente, tópicos, mas sempre são elementos pesados fonologicamente (no sentido de Frota e Vigário 1998). No desenvolvimento deste trabalho busco, portanto, uma resposta na interface sintaxe/fonologia, para explicar o fenômeno da ênclise nas orações dependentes. E tenho como objetivo explicar porque, apesar de todas as mudanças ocorridas na sintaxe de colocação de clítico na história Português, as orações dependentes são um lugar onde observo uma estabilidade ao longo do tempo. Principais referências:

FROTA, S. VIGÁRIO, M. (1998)“Between Sytnax and Phonology: On Phrasal Weight Effects in European Portuguese. Paper given ate 8th Colloquium on Generative Grammar, Palmela GALVES, Charlotte. (2004). Padrões Rítmicos, Fixação de Parâmetros e Mudança Lingüística –Fase II. Projeto de pesquisa apresentado à FAPESP. Campinas, março de 2004. GALVES, C., BRITTO, H. & PAIXÃO DE SOUSA, M. C. (2005) The Change in Clitic Placement from Classical to Modern European Portuguese: Results from the Tycho Brahe Corpus. Journal of Portuguese Linguistics. 4: 1, p. 39-67. MARTINS, A. M. (1994) Clíticos na História do Português. Tese (Doutorado em Lingüística Portuguesa). Lisboa: Universidade de Lisboa. PAIXÃO DE SOUSA, Maria Clara (2004) – Língua Barroca: sintaxe e história do português nos 1600. Tese de Doutoramento, Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. RIBEIRO, Ilza. (2009) “Sobre os usos da ênclise nas estruturas subordinadas no Português Arcaico. VI Congresso Internacional da ABRALIN. João Pessoa.

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Ana Maria Ribeiro de Jesus, Doutorado em Lingüística – USP Neologia e variação terminológica no domínio da Astronomia Orientador: Ieda Maria Alves Nosso projeto de Doutorado tem como objetivo o estudo do fenômeno da neologia e da variação terminológica em português, inglês e francês em termos do domínio da Astronomia. Os pressupostos teóricos de nossa pesquisa foram buscados nos campos da Lexicologia, Terminologia bi- e multilíngue, Neologia e Linguística Computacional, além do corpus de Astronomia Geral. Um dos aspectos mais importantes de uma obra terminológica é a contextualização do termo em situações reais de uso. Por isso, inicialmente, a fim de estabelecer os candidatos a termos, levantamos uma árvore do domínio da Astronomia, verificando o registro do uso real de cada termo, seu contexto e suas ocorrências, tomando como base um corpus especializado (obras científicas de Astronomia), bem como um corpus de divulgação (revistas destinadas ao público amador). Este último, em especial, permite-nos observar alguns processos de formação de unidades neológicas e, mesmo estas, também já surgem, muitas vezes, ao lado de variantes. A partir da busca em um corpus, é possível basear-se em dados e não somente em intuições. A terminologia bi- e multilíngue, em especial, beneficia-se da extração e análise de termos provenientes de corpora, principalmente no que diz respeito à busca de equivalentes de formações sintagmáticas, facilitada pelas ferramentas disponíveis em alguns programas. Em nossa pesquisa, as mesmas diretrizes que foram levadas em consideração para a constituição do corpus em língua de partida foram repetidas na constituição do corpus nas línguas de chegada. Com o corpus em mãos e com a ortografia corrigida, trabalhamos os textos no programa WordSmith Tools e suas ferramentas: WordList, KeyWords e Concord. Para que os textos do corpus de nossa pesquisa fossem representativos, estabelecemos o sistema conceitual da área, em forma de árvore de domínio, com os seguintes grandes campos: 1. Astronomia; 2. Sol; 3. Sistema Solar; 4. Estrela; 5. Meio Interestelar; 6. Via Láctea; 6. Galáxias; 8. Cosmologia. Contamos com o auxílio do Prof. Dr. Jacuqes Lépine, do IAG – USP, para a revisão do mapa conceitual, e estabelecemos as unidades terminológicas em língua portuguesa efetivas a serem incluídas na nomenclatura. Elaboramos uma ficha terminológica, tomando como ponto de partida o modelo proposto por Alves (2006). Com o preenchimento das fichas terminológicas, percebemos que havia outros tipos de relações entre os termos que não apenas as relações lógicas hipônimo – hiperônimo, oferecidas pelo sistema conceitual que elaboramos e expandimos durante a pesquisa. De fato, dentro da perspectiva lógica (gênero próximo + diferenças específicas), tradicional em Terminologia, nem sempre é possível estabelecer os limites do que constitui as características (ou traços distintivos) intrínsecas e extrínsecas do conceito cujo termo está sendo tratado. Percebemos essa situação em nosso trabalho nas seguintes eventualidades: quando há necessidade de se definir termos com significados “mutáveis”; quando o “gênero próximo” e as “diferenças específicas” têm limites pouco definidos ou

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não podem ser claramente estabelecidos; quando se lida com termos do tipo metafórico, subjetivos, além de alguns neologismos. Por isso, foi-nos sugerido a adaptação do sistema conceitual de relações lógicas para um sistema de relações ontológicas. Para o desenvolvimento dessa ontologia, utilizamos o programa Protégé versão 3.4, um editor de ontologias desenvolvido pela Universidade de Stanford. O programa explicita a hierarquia em classes e os indivíduos pertencentes a essas classes. Como resultado, a estrutura de uma classe e as relações entre as classes na ontologia diferem da estrutura de um domínio semelhante em um programa de orientação linear. Esse tipo de representação soluciona um dos problemas que estávamos enfrentando ao trabalhar com um sistema de relações lógicas, por exemplo, quando um termo devia ser classificado em mais de um lugar ou, principalmente, quando não constituísse de uma relação direta com seu hiperônimo, mas uma relação partitiva ou de outro tipo. Para o levantamento inicial dos neologismos do domínio da Astronomia, adquirimos vários números da revista Astronomy Brasil, da Duetto Editorial e Editora Andromeda. Para a mesma finalidade, selecionamos também algumas teses e dissertações recentemente defendidas no Departamento de Astronomia do IAG – USP. Os processos de criação/ ampliação lexical podem ser resumidos em dois: formação dentro da própria língua e adoção e/ou adaptação a partir do conjunto lexical de uma língua estrangeira. Temos como hipótese que, na área da Astronomia, os neologismos do segundo tipo (por empréstimo) são em maior número. Consideramos empréstimo completo aquele em que há a transposição de todo o significado e do significante, com ou sem a tradução, ou seja, “quando um elemento estrangeiro (expressão, conteúdo ou ambos) é utilizado em uma língua e passa a ser codificado por ela” (Alves, 1984). Notamos que, geralmente, os termos mais gerais e que designam objetos astronômicos mais comuns possuem equivalentes em português. Já os neologismos, que por natureza acabam designando objetos recém-descobertos e geralmente mais específicos, são quase que inevitavelmente neologismos por empréstimo em textos científicos. Tal fato parece não ocorrer, entretanto, nos meios de divulgação. Os termos, mesmo criados por pesquisadores brasileiros, surgem geralmente como anglicismos por causa da necessidade de divulgação científica em forma de publicação em periódicos e/ou congressos internacionais. Por isso, algumas vezes, os especialistas da área não se preocupam em traduzir para o português o termo criado em inglês, usando este último mesmo na comunicação entre eles, em textos escritos ou em aulas. Outras vezes, não se tem uma tradução satisfatória do termo para o português e, dessa forma os especialistas optam por manter o termo em inglês, desde que seja aceito pela comunidade. Como, no corpus de divulgação, muitos termos são decalques desses estrangeirismos, é dessa tradução que tendem a surgir os neologismos em língua vernácula. Alguns dos termos analisados possuem denominações metafóricas, como é o caso de júpiter quente; e a maioria apresenta adjetivos que denotam sua principal característica astronômica e/ou física, como ocorre em planeta de período ultra-curto. Quanto ao estudo da variação terminológica, subdividimos as variantes em duas grandes categorias: linguísticas e extranlinguísticas. As variantes linguísticas são determinadas por um fenômeno propriamente linguístico, ou seja, são motivadas por questões internas à língua. Dessa categoria, encontramos variantes morfológicas, ortográficas, lexicais e sintáticas. As variantes extralingüísticas, por sua vez são as que ocorrem no âmbito do uso dos termos, caracterizadas por serem culturalmente marcadas, de acordo com o nível de língua e de discurso em que o termo ocorre. Fazem parte desse grupo as variantes populares, empréstimos e cultismos. Quanto ao estudo das relações inter-línguas, seguimos os pressupostos de Dubuc (1985), Felber (1987) e Alpízar-Castillo (1995) que propõem

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diversos graus de equivalência entre termos de duas línguas em confronto e chegam a resultados semelhantes. Foram detectados quatro tipos de relações entre os termos: equivalência total, intersecção, superioridade e não-equivalência. A indicação de equivalentes em uma obra terminográfica bilíngue ou multilíngue exige extremo cuidado: não basta que os termos sejam fonética e morfologicamente parecidos em língua de partida e em língua de chegada, mas é necessário que haja equivalência entre os conceitos, que os termos indicados como equivalentes pertençam ao mesmo nível de língua e apresentem os mesmos usos.

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Ana Paula Freire Artaxo Netto, Doutorado em Lingüística – INPA O aquecimento global na imprensa: ciência e jornalismo como reguladores sociais de saberes Orientador: Sírio Possenti

Esta pesquisa se propõe a analisar o debate sobre o aquecimento global na imprensa brasileira, tendo como referência a cobertura de dois eventos mundiais: (1) o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado em fevereiro de 2007, e (2) o novo acordo internacional sobre mudança climática, que será firmado na reunião da cúpula da ONU, na cidade de Copenhague, em dezembro de 2009. Nessa perspectiva, pretende-se investigar, à luz da Análise do Discurso (AD) francesa, como circulam os discursos científico e político acerca do tema nos principais veículos impressos do país e em que medida um vai influenciar (n)a tessitura do dizer sobre o outro, numa teia argumentativa que envolve interesses econômicos e políticos diversos. Um aspecto importante a ser analisado diz respeito às controvérsias científicas que circulam por meio da formulação de termos como “alerta” vs “ecoterrorismo” e suas paráfrases, ratificando ou refutando os dados do IPCC. É relevante, nessa discussão, analisar o lugar da ciência nos respectivos enunciados, isto é, como estes se constituem a partir das propriedades de um discurso dito científico, portanto “legitimado”, o que pressupõe como estratégia a deslegitimação de outro. Num certo sentido, ambos os enunciadores reivindicam a “verdade científica” para defender as suas posições. Leituras preliminares indicam que, no embate “alerta” vs “ecoterrismo”, ninguém abre mão desse lugar, ou seja, de falar em nome da ciência como algo irrefutável, “verdadeiro”. Não por equívoco, mas como estratégia de legitimação dos enunciados. E ambos usam como “arma” a dissensão conceitual para a questão. Em outras palavras, esse embate se dá menos em função da disputa pelo sentido de aquecimento global do que em função de ser [o enunciador] reconhecido como a voz legitimada [pela ciência] para falar sobre esse tema. Do ponto de vista da AD, não é a verdade da proposição que um enunciado veicula que vai lhe conferir o critério de cientificidade, mas sim seu sistema de produção. A diferença entre o enunciado científico e outro não científico, portanto, está relacionada não com seus efeitos de “verdade”, mas com suas regras de produção. Dito de outra maneira, não são apenas as intenções que determinam o dizer, há uma articulação entre intenções e convenções sociais. É fundamental, nesse percurso, recuperar a noção de formação discursiva (FD), aqui entendida à luz de Foucault como “um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica geográfica ou lingüística dada, as condições de exercício da função enunciativa”. É pela referência à FD que será possível compreender os diferentes sentidos no funcionamento dos discursos analisados, uma vez que, observando as condições de produção e verificando o funcionamento da memória, pode-se remeter o dizer a uma FD e não a outra para entender o sentido do que está dito. Bakhtin (1992) afirma que o enunciado

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é a língua mais as condições em que o concreto lingüístico foi produzido. Ao aproximar e associar o lingüístico e/ao social, Bakhtin apresenta a necessidade de se buscar as relações que vinculam linguagem à ideologia, que é o que rege as relações sociais. Em última análise, é a ideologia que permite o efeito imaginário de o sujeito se supor o centro do sentido, porque mascara, pela transparência da linguagem, aquilo que chamaremos “caráter material do sentido das palavras e do enunciado” (Cf. Pêcheux, 1990). E nessa tarefa de problematizar os vestígios históricos de constituição dos sentidos na análise do corpus, faz-se necessária uma reflexão sobre o papel da ciência na sociedade e o papel da divulgação da ciência como formadora de opinião. Segundo Guimarães (2001), o movimento de significação que caracteriza a divulgação científica (DC) via jornalismo resulta no efeito de “exterioridade” da ciência. É quando “a ciência sai do seu próprio meio para ocupar um lugar social e histórico da vida cotidiana dos sujeitos”. Entender os mecanismos de funcionamento da DC possibilitará a compreensão do papel fundante na imagem de ciência que circula no imaginário social. Isto porque o discurso da DC estabelece uma relação imaginária entre o divulgador (que pode ser o jornalista ou o próprio cientista) e o público leitor. No jogo de formulações sobre o aquecimento global, essa relação produz um efeito-leitor próprio – e muito fértil para análise – na medida em que, ao se publicizar o embate sobre a (falta) de cientificidade do relatório do IPCC, possibilita ao sujeito-leitor que se configure um sujeito social, vendo-se representado ou no discurso que ratifica ou no que refuta a afirmação do IPCC de que a atividade humana está impulsionando o aumento da temperatura do planeta. Uma análise preliminar dos textos indicou a presença recorrente de três elementos na abordagem jornalística do tema. São eles “desmatamento”, “emissão de CO2” e “sustentabilidade”, sendo os dois primeiros quase sempre associados à concepção de “vilões” do clima. O próprio termo “vilão” já é, a priori, uma fórmula bastante utilizada na textualização jornalística. Partindo da noção de fórmula em AD proposta por Planque (2009), também constitui objetivo desta pesquisa analisar como esses elementos re-significam sentidos já estabelecidos, os já-ditos, e como se articulam produzindo sentidos outros. Nesse percurso, os conceitos de língua, linguagem, texto, sujeito, ideologia, discurso, marcas e propriedades do discurso, autoria, constituição-formulação-circulação serão fundamentais para subsidiar as considerações teóricas propostas nesta pesquisa. O corpus se constituirá de exemplares representativos da mídia impressa (gerais e especializados em ciência), com ênfase para os jornais de maior circulação e influência no Brasil: Folha de São Paulo, O Globo e O Estado de São Paulo, e para as revistas Veja, Istoé e Época, que têm alcance nacional.

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Anderson de Carvalho Pereira, Doutorado em Lingüística – USP Considerações sobre mito e autoria no universo das práticas letradas: panorama geral sobre os rumos da análise de narrativas orais Orientador: Leda Verdiani Tfouni

O objetivo deste trabalho é sinalizar e interpretar posições discursivas de autoria, articuladas com a relação entre memória discursiva, mito e circulação das práticas letradas. Para isto, tomamos o efeito de separação entre mito e verdade, para, de modo contrário, considerar como prática letrada a maneira pela qual as questões trazidas pelos mitos se apresentam sob a forma de narrativas. Para contornar tal separação, queremos mostrar por quais manobras interpretativas o sujeito se posiciona pela autoria, modo pelo qual o mito sob a forma de narrativa torna-se alicerce do saber interdiscursivo. As bases teóricas são a Análise do Discurso francesa (AD) e os estudos sobre letramento. Em relação à metodologia, seguimos o paradigma indiciário de análise proposto por Ginzburg. A partir desses referenciais, consideramos que há uma relação estreita entre a constituição mítica do dizer (a impossibilidade de nele marcar uma origem) e a função do recalque no interdiscurso (esquecimento número um, no sentido de Pêcheux) na estabilização e distribuição dos sentidos. Além disso, entendemos que as produções discursivas disponíveis numa sociedade letrada (orais e escritas) se interpenetram, mesmo que haja desníveis na sua eficácia simbólica, por conta da heterogeneidade na distribuição dos sentidos sustentada pela interdição ideológica aos arquivos. A posição de autoria é uma das maneiras de se indiciar diversas alteridades presentes nessa distribuição do sentido que se articula em práticas letradas. Isto porque conforme a AD, não existe a prática de um sujeito, mas práticas discursivas, que alocam e autorizam a marcação de diversas posições do sujeito do discurso, aqui denominadas práticas letradas. Considera-se assim a autoria como atividade enunciativa ligada à deriva dos sentidos, localizada num movimento de re-significação das práticas letradas e das posições de intérprete por elas disponíveis. No que se refere à impossibilidade de lidar com a origem do dizer, que mesmo assim insiste em sustentar as posições-sujeito por conta do recalque originário, a autoria é tomada principalmente como posição discursiva alienada ao mito individual. Articulando-a com questões referentes ao mito e às práticas letradas, é implicada como posição discursiva marcada pela retroação ao já dito no sentido da partilha desigual do conhecimento. Dentro dessa implicação estão as formas imaginárias (possibilidades e limites) de leitura do arquivo, o qual está disponível conforme uma complexa circulação dessas práticas letradas (que incluem produções de alfabetizados e analfabetos). Concorde essa fundamentação teórica e pelo paradigma indiciário, foi analisado um corpus formado por trinta e quatro narrativas orais produzidas por uma mulher não-alfabetizada e moradora da periferia de Ribeirão Preto-SP, que foram gravadas e transcritas. Nelas, apontamos as marcas, indícios e gestos de interpretação utilizados pelo sujeito-narrador, considerando que o retorno ao já dito ocorre de uma maneira singular, principalmente marcada pela fronteira com os

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discursos semanticamente estabilizados (que cooptam posições privilegiadas de distribuição do sentido, por alimentarem um monopólio das formas de conhecimento) e apontando graus de letramento de natureza vária. Dentre essas marcas sinalizadoras de várias posições discursivas do sujeito letrado, os recortes mobilizados para a análise apresentam: os processos de ressignificação de narrativas já disponíveis na tradição oral; a transmissão de saberes disponíveis na memória discursiva por meio de sua reformulação articulada às estratégias interpretativas em que o interdiscurso (arquivo) conflui para uma estabilidade do fio do discurso (intradiscurso); as fronteiras discursivas marcadas pelas modalizações (comentários, checagens) e reflexões meta-discursivas que o sujeito-narrador sustenta ao longo do fio do discurso; a articulação do efeito de fechamento de genéricos discursivos (máximas, provérbios, ditos populares) e por fim, a distribuição de sentidos por meio de formulações não marcadas pelo sujeito-narrador. Como pano de fundo dessa análise, está considerado que a dimensão mítica do dizer se relaciona com o tratamento do real, necessário de ser incorporado pelo sujeito-narrador, seja por meio de demandas imaginárias dirigidas ao Outro (como no caso das modalizações acima mencionadas, em que a formulação de questões ao interlocutor determina a construção do outro virtual), seja por meio da manutenção de alguns enigmas no fio do discurso; ou ainda, pela articulação entre esquecimento número um e mito individual, na linha do que Lacan denominou de separação entre uma verdade objetiva e sua evidência no plano subjetivo, como se fosse possível separá-las. De volta à relação entre mito e verdade apontada no início, vemos que ela se mostra ao modo de uma contradição que também aparece na relação de alteridade entre oralidade e escrita. Ao apostar nesta alteridade, este trabalho se posiciona num esforço interpretativo de oposição à dicotomia entre as línguas de madeira e as práticas factuais de linguagem, dicotomia esta a que também se filia a cisão entre oralidade e escrita. Desse modo, a relação do sujeito-narrador com a verdade singular da posição de autoria é tecida pela relação entre um mito individual e a forma real dos mitos, na medida em que, ao tomarem forma de narrativa, estes últimos possibilitam o enfrentamento do monopólio do conhecimento e a circulação das práticas letradas (FAPESP).

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Aroldo Leal de Andrade, Doutorado em Lingüística – UNICAMP A subida de clíticos na construção de “união de orações” do Português Clássico Orientador: Charlotte Galves

A subida de clíticos, fenômeno ocorrente em diversas línguas românicas, tem sido

estudada a partir de duas construções diferentes, a “reestruturação” e a “união de orações”. Na reestruturação, um clítico referente ao objeto de um verbo não-finito aparece junto a um verbo regente, de alçamento ou de controle de sujeito – cf. (1). Na “união de orações” o verbo regente é causativo ou perceptivo. Sob o rótulo “união de orações”, incluem-se, a rigor, duas construções: “fazer-infinitivo”, em que o causado (sujeito do infinitivo) é realizado como acusativo ou dativo, respectivamente se o infinitivo é intransitivo ou transitivo – cf. (2); e “fazer-por”, em que o causado é realizado por um oblíquo iniciado pela preposição por (ou de), semelhantemente a uma passiva – cf. (3). Quadro teórico. A pesquisa partiu de análises da construção de “união de orações” apresentadas na Perspectiva de Princípios e Parâmetros (Kayne 1975, inter alia), como também da perspectiva formal para a mudança linguística (e.g. Roberts 2007). Para o estudo quantitativo, seguimos os pressupostos da linguística de corpus (McEnery & Wilson 2001). Objetivos. Deseja-se descrever o fenômeno de subida de clíticos no contexto denominado de “união de orações” no português clássico (séculos XVI a XIX), assim como a natureza da variação aí encontrada, e identificar as diferenças que esse fenômeno apresenta face à construção de “reestruturação”, estudada em fase anterior da pesquisa, a fim de verificar se ambas podem receber uma análise unificada. Metodologia. Foi levantada a literatura de base sobre subida de clíticos e sobre a construção de “união de orações”, a fim de identificar hipóteses de variação e mudança. Em seguida, foram coletadas sentenças de 25 textos pertencentes ao Corpus Tycho Brahe, com auxílio de scripts em Perl, que instanciassem um clítico pronominal (nas várias posições disponíveis), um verbo causativo (fazer, deixar ou mandar) seguido de um verbo infinitivo. Para a tarefa de seleção dos dados, desconsideramos dados com clítico se, como em fazer-se entender e dados com clíticos correspondentes ao causado, pois nesse caso a subida do clítico é obrigatória – cf. (4). Após a classificação das sentenças de acordo com a variável dependente “posição e colocação do clítico” e mais cinco variáveis independentes (contextos de colocação de clíticos, verbo regente, coesão da sequência verbal, morfologia do clítico e função gramatical do clítico), foi utilizado o software Goldvarb para a obtenção de quantificações. Resultados. No corpus coletado, os clíticos variam entre pré- ou pós-verbais ao verbo causativo, sendo exíguos os casos de não-subida (ou seja, de ênclise ao verbo infinitivo). Outra observação digna de nota é a diminuição do uso da “união de orações”, especialmente da primeira para a segunda metade do século XVI. Em ambos esses aspectos, notam-se diferenças face à “reestruturação”, visto que os casos de não-subida são muito mais significativos; além disso, não há diminuição significativa no uso da referida construção. Discussão. De acordo com Gonçalves & Matos (2001), no português europeu

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atual a construção “fazer-por” não é mais encontrada, e “fazer-infinitivo” se limita ao uso com cliticização do causado (sendo marginais os casos em que o causado é realizado por um DP pleno). De fato, os casos de “fazer-por” em autores nascidos no século XIX são bastante exíguos. Pode ser, no entanto, que uma reanálise do papel temático do oblíquo de causador a instrumento, e da função gramatical do clítico de objeto verbal a reflexivo, especialmente com os verbos mandar e deixar, que apresentam outras regências com significado não-causativo, respectivamente: “enviar” e “largar”. A diminuição do uso da “união de orações”, no entanto, parece estar diretamente relacionada à competição entre o uso do infinitivo não-pessoal, requerido pela construção em causa, e os infinitivos com sujeito não-especificado (pessoal ou flexionado). A alternativa de uso do infinitivo pessoal pode ser verificada na chamada construção de “marcação excepcional de Caso” (ECM, em inglês), em que há um sujeito especificado que recebe Caso acusativo do verbo causativo, numa construção bioracional. Já o infinitivo flexionado licencia um sujeito com Caso nominativo, licenciado pela flexão aí existente. De acordo com Martins (2006) o uso do infinitivo flexionado sofre um aumento desde o português antigo. Uma grande quantidade de dados como em (5) sugerem que havia uma ambiguidade entre a construção ECM e “união de orações”, o que deve ter contribuído para a reanálise. Conclusão. Apesar de compartilharem a subida de clíticos, os dados levantados nos levam a pensar que o mecanismo formal que gera esse fenômeno não é o mesmo nas construções de “reestruturação” e de “união de orações”. A competição com infinitivos com sujeito especificado parece sugerir que a estrutura para essa última construção seja bioracional, enquanto a “reestruturação” seria mono-oracional. Consequentemente, propostas para a mudança nos infinitivos em termos de ambiguidade estrutural generalizada como a de Martins (2004) podem ser questionadas, pois se baseiam no pressuposto que a estrutura dos infinitivos e o mecanismo que gera a subida de clíticos são paralelos nas duas construções.

(1) subida com “reestruturação”: Quando nos queremos dar por uma bondade sem

exemplo, dizemos, que não temos malícia alguma (Aires, �1705) (2) subida com “fazer-infinitivo” : E , se isto pode ser louvável , eu o deixo julgar aos

desapaixonados inteligentes. (Verney, �1713) (3) subida com “fazer-por”: porque, mandando-lhe dar polo seu tesoureiro vinte

cinco mil escudos, [...] lhe mostrou aquela quantidade de dinheiro sôbre uma mesa... (Lobo, �1579)

(4) obrigatoriedade da “união de orações” com clítico causado: e a inveja que a acompanha, só lhe faz notar com aversão os bens dos outros... (Aires, �1705)

(5) ambiguidade entre “marcação excepcional de Caso” e “união de orações”: O rei mandou-os formar diante de si, e perante a multidão enorme condecorou-os e abençoou-os a um por um sob uma trovoada de palmas e de vivas,... (Ortigão, �1836)

Referências GONÇALVES, Anabela. & DUARTE, Inês. Construções causativas em Português europeu e

em Português do Brasil. Actas do XVI Encontro da Associação Portuguesa de Linguística. Lisboa: APL, 2001.

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KAYNE, Richard. French syntax: the transformational process. Cambridge, MA: MIT Press, 1975.

MARTINS, Ana Maria. Ambiguidade estrutural e mudança linguística: A emergência do infinitivo flexionado nas orações complemento de verbos causativos e perceptivos. In: BRITO, Ana Maria; FIGUEIREDO, Olívia & Barros, C. (eds.) Linguística Histórica e História da Língua Portuguesa: Actas do Encontro de Homenagem a Maria Helena Paiva. Porto: Secção de Linguística do Departamento de Estudos Portugueses e de Estudos Românicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2004, p. 197-225.

MARTINS, Ana Maria. Aspects of the infinitival construction in the history of Portuguese. In: GESS, Randall S. & ARTEAGA, Deborah (eds.) Historical Romance Linguistics: Retrospective and Perspectives. Amsterdam & Philadelphia: John Benjamins, 2006, p. 327-355.

MCENERY, Tony & WILSON, Andrew. Corpus Linguistics. 2.ed. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2001.

ROBERTS, Ian. Diachronic Syntax. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

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Carlos Felipe da Conceição Pinto, Doutorado em Lingüística - UNICAMP

Línguas românicas, línguas germânicas, movimento do verbo e efeito V2 Orientador: Charlotte Maria Chambelland Galves

A partir dos anos 80, com a Teoria de Princípios e Parâmetros, uma série de estudos dentro do quadro da Gramática Gerativa foi desenvolvido para comparar línguas diferentes e fases diferentes de uma mesma língua. Um dos trabalhos pioneiros nessa linha foi o trabalho de Pollock (1989), que comparava a posição do verbo em francês e inglês, mostrando que o verbo se move a uma posição mais alta em francês que em inglês nas orações finitas.

As línguas germânicas modernas têm mostrado um comportamento especial em relação ao posicionamento do verbo na sentença, que deve estar em segunda posição. A partir daí, muitos estudos propuseram que, nestas línguas, o verbo se moveria para uma posição mais alta que em línguas como o francês, por exemplo. Os exemplos em (1) a seguir ilustram as três possibilidades apresentadas: (1) a. John often kisses Mary. (inglês)

“Juan a menudo besa a María” b. Jean embrasse souvent Marie. (francês) “Juan besa a menudo a María”

(Pollock, 1989, p. 367) c. Diesen Roman las ich schon letztes Jahr

“Este libro lei yo ya en el último año” (Citado em Ribeiro 1995, p. 10-11)

O exemplo (1a) ilustra um caso do verbo em Vº, o exemplo (1b) ilustra um caso do verbo em Iº/Tº e o exemplo (1c) ilustra um caso do verbo em Cº.

Diante disso, o objetivo geral desta tese em andamento é fazer um estudo da posição do verbo na história do espanhol desde o séculos XIII ao XXI e fazer uma discussão teórica sobre o fenômeno V2 nas línguas humanas dentro de uma visão de que movimento de constituinte é utilizado como último recurso para checagem de traços.

Neste trabalho, porém, pretendemos discutir exclusivamente a questão do fenômeno V2 nas línguas humanas.

Em termos gerais, o fenômeno V2 implica na existência de um constituinte, qualquer que seja a sua função sintática, seguido imediatamente do verbo na sentença matriz, como ilustram os exemplos em (2): (2) a. Dos yingl vet oyfn veg zen a kats

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“el muchacho va en la avenida ver un gato”

b. Oyfn veg vet dos yingl zen a kats. “En la avenida va el muchacho ver un gato”

c. az oyfn veg vet dos yingl zen a kats “que en la avenida va el muchacho ver un gato”

(Fontana, 1993, p. 69) Por outro lado, nas orações subordinadas, há uma grande variação na tipologia das línguas V2 até então estudadas. Ribeiro (1995, p. 43) sintetiza quatro tipos de orações subordinadas nas línguas V2:

a) línguas como o alemão, que só admitem V2 em completivas de verbos pontes, sem realização do complementador; b) línguas como o dinamarquês, também com V2 só em completivas de verbos pontes, mas com realização fonética do complementador; c) línguas como o islandês, com construções V2 em qualquer tipo de sentença encaixada e com realização fonética do complementador; d) línguas como o francês medieval, com V2 em completivas de verbos pontes, sendo facultativa a realização fonética do complementador.

Assim, as línguas V2 têm sido classificadas em dois grupos: a) línguas V2

assimétrico, nas quais o efeito V2 se manifesta apenas em orações principais, como algumas línguas germânicas, como o alemão e o holandês. Neste tipo de línguas, o fenômeno V2 é derivado a partir do movimento Iº-to-Cº realizado pelo verbo finito; b) línguas V2 simétrico, nas quais o efeito V2 se manifesta tanto em sentenças matrizes como em subordinadas, tais como o islandês e o iídiche. Neste tipo de línguas, o V2 seria derivado a partir de um IP sincrético, que, se comporta tanto como uma posição A como A-Barra.

A diferença entre esses dois tipos de língua V2 se deve ao fato de que complementizador e verbo competem pela mesma posição. Assim, se o verbo se move para Cº o complementizador não pode ser realizado e se o complementizador está realizado, o verbo não pode se mover.

Tendo em vista uma periferia esquerda fina, como propõe Rizzi (1997), se não houver evidências empíricas de que o movimento do verbo é diferente nos dois tipos de língua, é possível explicar qualquer tipo de língua V2 como tendo movimento de verbo para CP, já que o CP possui várias outras projeções.

Torres Morais (1995) comenta que a presença do efeito V2 nas orações subordinadas com verbo ponte, em alemão, é possível porque o tempo da oração subordinada é independente do tempo da oração principal. Logo, podemos assumir que existe algum traço formal no CP, como categoria funcional, que estaria influenciando na variação do fenômeno V2. Desenvolveremos uma análise na qual tenhamos em conta uma variação paramétrica nos moldes de: 1) sentenças matrizes desencadeariam o V2 categoricamente, porque o verbo é o único elemento que poderia checar esse traço no CP matriz. 2) sentenças subordinadas apresentariam algum tipo de variação nesse traço no seu CP: em algumas línguas, o complementizador satisfaria a checagem desobrigando a subida do verbo; em outras línguas, o complementizador não seria capaz de satisfazer a checagem

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e o verbo se moveria obrigatoriamente nas subordinadas mesmo com a presença do complementizador; e assim por diante.

O segundo ponto a ser discutido está relacionado com a análise de línguas românicas medievais como línguas V2. Fontana (1993) propõe que o espanhol arcaico é uma língua V2 como o iídiche, com simetria entre orações principais e subordinadas. Assim, Fontana (1993) analisa o movimento do verbo no espanhol como V-to-I, sendo que o IP seria uma posição sincrética. A perda do V2 no espanhol, segundo o autor, estaria relacionado à perda do sincretismo no IP.

Esse ponto leva à reflexão do que seria, de fato, o fenômeno V2. Se seria alguma restrição estrutural, de que o verbo deve se mover para C, ou linear, de que, independentemente de onde o verbo esteja, apenas um único constituinte pode precedê-lo.

Procuraremos evidências empíricas a fim de identificar a posição do verbo nas línguas românicas medievais e atuais assim como faremos uma comparação da posição do verbo nessas línguas com as línguas germânicas V2 prototípicas. Vale destacar que o fato de as línguas germânicas modernas não serem línguas de sujeito nulo, ao contrário das românicas medievais, como o espanhol e o português arcaicos, pode oferecer diferenças superficiais na manifestação do fenômeno V2.

Assim, se restrição for linear, podemos supor que o V2 é um epifenômeno que se manifesta de diferentes maneiras e é sensível a outras propriedades da gramática da língua, tal como se a língua é [± pro-drop].

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Carolina de Paula Machado, Doutorado em Lingüística - UNICAMP Os sentidos e o político: os sentidos da palavra preconceito em “Casa Grande e Senzala” Orientador: Eduardo Guimarães

Considerar que uma palavra é política é considerar que ela ou uma expressão ou um texto podem sempre ter outros sentidos, funcionando na heterogeneidade, embora se constituam na busca pela unidade, pelo fechamento a uma interpretação, na homogeneidade dos sentidos. É a partir dessa tensão entre unidade e multiplicidade dos sentidos que simbolizam algo do real, das relações sociais, que outros sentidos vão sendo produzidos. Desse modo, nos inscrevemos no âmbito da Semântica do Acontecimento, estabelecendo um diálogo com a Análise do Discurso.

No caso da palavra preconceito, nosso objetivo é compreender quais sentidos específicos essa palavra adquire e quais são silenciados quando pensamos nela como uma palavra política que simboliza algo das relações sociais brasileiras, no interior de uma discursividade sobre a formação social do Brasil da década dos anos 20 aos anos 40 do século XX, período em que as principais interpretações sobre a sociedade brasileira foram produzidas, marcado por um intenso nacionalismo.

Quais sentidos circulam e quais deixam de circular para essa palavra no funcionamento enunciativo de textos clássicos da disciplina das Ciências Sociais no Brasil, lugar de produção de conhecimento autorizado a falar sobre o assunto e que foram textos que influenciaram a maioria, se não toda, a produção intelectual nessa área que veio depois?

Desse modo, pensar historicamente e politicamente os sentidos de uma palavra através do que ela designa nos textos em que aparece é não parar no sentido etimológico, ou mesmo no sentido dicionarizado. É sair da evidência, é expandir as possibilidades de significação para além dos sentidos evidentes, para além do legitimado, considerando sua historicidade ao circular em importantes textos das ciências sociais sobre a sociedade brasileira. É trabalhar com a dinamicidade da linguagem no seu funcionamento, pensando o sentido como múltiplo, dividido, como possibilidade de ser outro, mas sempre remetido ao real e a história de enunciações da palavra.

Compreender a distinção da política como o que gere o bem comum no Estado de um lado, e de outro, a política como sendo o desentendimento, que é próprio da situação de linguagem (Rancière, 1995) ajudou-nos a pensar, a partir da noção de acontecimento de enunciação e de espaço de enunciação tal como Guimarães (2002) os considera, esse funcionamento político dos sentidos na linguagem. Desse modo, isso permitiu sair da evidência do sentido de uma palavra para compreender que seus sentidos funcionam na pluralidade, na polissemia, na divisão, no conflito, no acontecimento enunciativo.

Zancarini (2008) desenvolve um importante estudo sobre palavras políticas, considerando que o que as palavras significam no interior de obras importantes, como “O Príncipe” de Maquiavel, que buscam compreender um período singular na história de um lugar, estaria relacionado à “qualidade do tempo”, isto é, à conjuntura da qual essas obras

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tratam. Esta relação é importante pois mostra que a linguagem, o que ela significa, está ligada aos jogos de poder, às disputas pelo poder.

Assim, para nós a partir do que a palavra preconceito designa no acontecimento enunciativo, através das relações de linguagem, é que podemos observar seus sentidos historicamente e politicamente constituídos simbolizando algo do real, das relações sociais brasileira num período de grande produção intelectual atrelada a um clima nacionalista.

Levamos em consideração, também, que essas obras são obras produzidas por autores que enunciam como sujeitos no interior de um discurso científico, determinados por outros discursos, e, desse modo, observar o que a palavra preconceito designa é uma forma de compreender como a produção do conhecimento no interior das Ciências Sociais representam a formação da nossa sociedade.

Trazemos então para a análise o que a palavra preconceito designa na obra “Casa Grande e Senzala”(1933) de Gilberto Freyre. Depois pretendemos compará-la com a designação dessa mesma palavra em uma obra anterior de Oliveira Viana intitulada “A evolução do Povo Brasileiro” (1923). Ambas as obras fazem parte de nosso corpus da tese. Elas buscam dar interpretações diferentes para o modo como ocorreu a formação social do Brasil. Viana o faz por meio de um estudo evolucionista considerando a questão da evolução das raças, e Freyre o faz por meio de um viés cultural, embora às vezes, ele acabe trazendo a noção de raça também.

Para realizar nossa análise, consideramos dois procedimentos através dos quais se dá a tessitura textual: a reescritura e a articulação. Através delas, as palavras vão sendo relacionadas umas às outras, produzindo-se, desse modo, relações de sentidos que vão formar sua designação. Traremos aqui somente alguns enunciados em que a palavra preconceito é reescrita na obra de Freyre, um pequeno recorte de seus sentidos nessa obra: “Para o conhecimento da história social de Brasil não há talvez fonte de informação mais segura que os livros de viagem de estrangeiros – impondo-se, entretanto, muita discriminação entre os autores superficiais ou viciados por preconceitos –(...)” “A interpretação, por exemplo , do 1900 brasileiro – das atitudes, das tendências, dos preconceitos da primeira geração brasileira depois do Ventre Livre e da débâcle de 88 (...)” “A falta da gente, que o afligia mais do que a qualquer outro colonizador, forçando-o à imediata miscigenação – contra o que não o indispunham, aliás, escrúpulos de raça, apenas preconceitos religiosos – foi para o português vantagem na sua obra de conquista e colonização dos trópicos. Vantagem para a sua melhor adaptação, senão biológica, social.” “Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América, não com nenhum povo articulado em império ou em sistema já vigoroso de cultura moral e material – com palácios, sacrifícios humanos aos deuses, monumentos, pontes, obras de irrigação e de exploração de minas – mas, ao contrário, com uma das populações mais rasteiras do continente”.

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Observamos, então, preconceito ser determinado por discriminação. Depois, é reescrito por preconceitos religiosos e preconceito de cor, reescrituras cujas determinações trazem dois elementos de sentido para preconceito, a questão da discriminação por conta da religião e por conta da cor da pele.

Consideramos que o sintagma nominal “escrúpulos de raça” também está reescrevendo preconceito. Assim, observamos que, na medida em que preconceito vai sendo reescrito, há uma deriva de sentidos em que eles vão se dividindo, e a palavra preconceito circula, assim, em meio a uma multiplicidade de sentidos.

Desse modo, através dessa divisão de sentidos, preconceito religioso vai ocupando o lugar dos escrúpulos de raça na formação social brasileira a partir do olhar de Freyre.

Na obra de Viana, que enuncia no interior do discurso científico como enunciador universal como se falasse fora da história, a palavra preconceito tem seus sentidos divididos entre reescrituras como “julgamento”, “idéia pré-concebida”, “ação compressiva”, “preconceitos sociaes”, e a relação com a religião e a raça não aparecem como parte de sua designação nesse caso. Nesse caso, observamos que o que preconceito designa não engloba as divisões étnicas e nem as divisões raciais, sendo que os africanos, o homem negro, acaba sendo excluído das relações sociais.

E, na obra de Freyre, também no interior de um discurso científico, a palavra preconceito tem seus sentidos divididos, aparecendo o preconceito religioso como parte de sua designação.

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Carolina Salbego Lisowski, Mestrado em Lingüística – UFSM Discursos testemunhais no processo penal: movimentações e efeitos de sentido. Orientador: Amanda Eloina Scherer

Ao entendermos que a análise do discurso se faz um campo de entremeio entre a Lingüística e estudos como os da História, da Psicanálise, Antropologia, por exemplo, somos permitidos a aproximar a AD e as Ciências Jurídicas para desenvolver o nosso projeto de dissertação, ainda em fase intermediária de desenvolvimento. O referido estudo vem propor uma análise do discurso testemunhal prestado em audiências de processos criminais, a fim de pensar em que medida esses discursos testemunhais instauram certos movimentos de sentido que primam pelo efeito de objetividade, ao mesmo tempo em que são constituídos por discursos outros, terceiros e sendo assim, por diversos sujeitos. Para tanto, utilizamos como base a Análise de Discurso, desenvolvida a partir dos estudos de Michel Pêcheux e Orlandi, sem, contudo, deixar de considerar as contribuições, por exemplo, dos estudos em semântica de Guimarães, os quais nos possibilitam refletir sobre o lugar de enunciação desses discursos testemunhais, além das noções de heterogeneidade mostrada e constitutiva, segundo Jacqueline Authier (2004). O corpus da presente pesquisa foi recortado, em seqüências discursivas, a partir de um arquivo formado por processos que versam sobre crimes contra a vida, e, nessa condição, são decididos também pelos jurados. No arquivo, selecionamos um processo julgado a cada mês de desenvolvimento da pesquisa, desde seu início (março de 2009) até o presente estágio (outubro de 2009). Como requisito para a escolha, esses procedimentos selecionados precisariam tratar de crimes contra a vida e conter discursos testemunhais. Cabe observar que a nossa escolha pelos discursos testemunhais - e não o discurso do réu, por exemplo - não é aleatória, mas explica-se no escopo de propormos um olhar sobre a constituição das provas em um procedimento penal. A produção de provas no Direito destina-se, por excelência, à importante função de aproximar, reconstruir, ao menos em parte, o fato que precisa ser esclarecido no decorrer do processo e, muitas vezes, são os únicos meios para tal. Já a prática forense, por sua vez, cotidianamente, faz com que diversas dessas falas sejam instrumentalizadas, através da transcrição, para que passem a fazer parte do processo. Nesse sentido, acreditamos que há um forte - mas velado - trabalho ideológico, pensado a partir dos aparelhos de Estado, no sentido proposto por Althusser (2008), já que desde sua origem, o fazer jurídico mostra-se vinculados a modelos de verdade e de poder, a partir dos quais os sentidos são encaminhados. Assim, já podemos apontar o fato de que o Direito, a partir do discurso, assegura seu próprio fazer, sua lógica interna estabilizada e os efeitos de não-contradição e segurança que necessita para que permaneça legitimamente reconhecido. Com relação ao atual estágio em se encontra a pesquisa, estamos mobilizando a noção de heterogeneidade mostrada (Authier, 2004) e de lugares de enunciação (Guimarães, 2005), ao dedicamos nossa atenção para pensar, inicialmente, sobre as perguntas elaboradas pelo juiz, no momento de interpelar a testemunha, já que a própria constituição dessas perguntas, acreditamos, pode condicionar os sentidos do que é dito, posteriormente. A partir de

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Guimarães (2005) temos que o “lugar de dizer” – e a maneira, também - constituem sentido em relação ao que é dito, uma vez que afeta tanto o discurso quando a tomada de posição do próprio sujeito. É, assim, um acontecimento, situado historicamente e afetado pela falha e pela ideologia inerentes ao sujeito. Nesse sentido, não podemos deixar de considerar as condições de produção de cada discurso testemunhal, no qual a “mesma” coisa dita em diferentes situações passa a ser outra coisa (e nesse caso a aparente contradição pode ser produtiva.). Partimos, assim, do pressuposto que o lugar de onde se fala é regulador dos sentidos para nos determos, nesse primeiro momento, na materialidade discursiva e, à luz da noção de heterogeneidade mostrada (Authier, 2004), apontarmos algumas elaborações que podem conferir determinados efeitos de sentido ao texto. É o caso, por exemplo, da constituição do discurso da testemunha, ser em grande parte, pelo discurso direto ou com as marcas de primeira pessoa, a fim de alcançar um efeito de autoria e a evidência de que o relato foi somente construído por aquele que falou, sem qualquer outra intervenção. Quer-se, aí, constituir um efeito de objetividade e um simulacro de fidelidade ao que foi dito. Em seguida, a partir da noção de heterogeneidade constitutiva (Authier, 2004) iremos nos voltar ao fio do discurso, propriamente dito, para pensar, a partir dele, sobre as heterogeneidades que não se encerram na ordem da enunciação. Nesse sentido, então que podemos apresentar o andamento do nosso presente estudo, o qual - poderíamos dizer - tem como principal propósito de elaboração propor considerações acerca das movimentações de sentido constituídas/constitutivas em um discurso jurídico. Contudo, não o fazer pela efemeridade do olhar sobre as evidências, mas sim, a partir de um gesto de interpretação que reconhece no Direito o social, o político e o ideológico em pleno funcionamento.

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Caroline Pessalácia Marini, Mestrado em Lingüística – UFU

O funcionamento da linguagem delirante de Louis Wolfson Orientador: Eliane Mara Silveira

O objetivo deste trabalho é investigar as especificidades do delírio na psicose, analisando especificamente a linguagem de Wolfson, autor do livro “Le schizo et les langues” que, segundo o autor, longe de ser uma obra literária, é redigido para tentar acalmar sua angústia e explicar seu processo de construção de uma língua própria. Assim, partindo da relação entre linguagem e psicanálise, recorreremos à teoria saussureana de fundação da lingüística moderna e à teoria psicanalítica lacaniana para explicar o funcionamento da língua e destacar as peculiaridades na psicose.

O mecanismo linguístico, em seu aspecto geral, abarca inúmeros aspectos que se fazem inerentes para o funcionamento da língua. Dentro de um mecanismo geral há diversos processos que se encadeiam formando um sistema linguístico. Assim é em qualquer tipo de estrutura de linguagem, o que diferenciará a forma da qual uma linguagem se articula são as especificidades do funcionamento e encadeamento que compõem uma dada estrutura.

A psicose é uma estrutura caracterizada, principalmente, por particularidades no funcionamento da linguagem. Estas podem ser representadas, no caso da esquizofrenia, por deslizamentos de significantes, significações que apontam para vários lados, criação de neologismos, ou até a criação de uma nova língua, como se observa nos escritos de Wolfson, o que, consequentemente, ocasiona certa precariedade de sentido na linguagem de um sujeito.

Lacan, psicanalista francês, na segunda metade do século XX, proferiu um seminário proposto à explicação do fenômeno da psicose apoiado explicitamente em questões lingüísticas. Nele, Lacan nos explica que a linguagem é a mesma tanto na neurose quanto na psicose, ou seja, o que muda é a forma que tais estruturas se constituem e se articulam. Além disso, pode-se perceber que a estrutura de linguagem que há na psicose é destacada pela presença de delírios: “É justamente em que essa linguagem pela qual podemos nos deixar surpreender no primeiro contato com o sujeito, algumas vezes mesmo o mais delirante, leva-nos a ultrapassar sua noção e, a admitir o termo discurso. Pois, seguramente, esses doentes falam a mesma linguagem que nós.” (1953, p.44)

A linguagem na psicose pode ser considerada discurso justamente pelo fato de haver linguagem, mesmo que ela não instigue o laço social ou a interpretação de um interlocutor, ela pode ser considerada discurso, mas um discurso movido por uma articulação especial e própria.

Se não se compreendesse absolutamente nada do que é dito pelo psicótico, poder-se-ia considerar que se trata de uma outra linguagem, contudo apenas o ordenamento das significações é considerado específico. Em geral, é na fala que aparecem os delírios do sujeito e são eles que mais assustam mesmo sendo fundamentais à estrutura.

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A peculiaridade do discurso se dá justamente por essa fenomenologia presente na psicose. A alucinação verbal ou os delírios são fundamentais, porém não muito bem aceitos, pois os delírios são movidos essencialmente pela criação de uma nova realidade, ou seja, há um buraco deixado pela realidade e, a partir daí, a construção de um universo fantasmático, chamado delírio.

A relação entre delírio e linguagem se faz presente a partir da articulação específica das significações encadeadas pelo delírio, pois “um delírio deve ser julgado em primeiro lugar como um campo de significação que organizou um certo significante, de modo que as primeiras regras de um bom interrogatório, e de uma boa investigação das psicoses, poderiam ser a de deixar falar o maior tempo possível” (LACAN, 1954: 141).

Em termos linguísticos, para se reconhecer as especificidades que compõem a linguagem psicótica, parte-se do funcionamento do delírio, em seu encadeamento peculiar em torno de um significante num determinado campo de significação. Além disso, para haver tal encadeamento são necessárias várias operações que contribuem para o funcionamento peculiar dessa estrutura de linguagem, e, para se articularem esses processos é necessária a linguagem em movimento, ou seja, falar o maior tempo possível.

Desse modo, partindo de tal princípio, deter-nos-e-mos no estudo da escrita enigmática de Louis Wolfson, que recusa a escrita e a fala em sua língua materna e elege outras línguas para executar a função de comunicação, mesmo de modo precário. Wolfson, ao sofrer com seu problema angustiante, resolve escrever sobre seu modo de ‘sobrevivência’, pois julga não suportar nem ouvir o som da língua inglesa, a língua falada por seus pais.

Nesse sentido, é relevante investigarmos o distanciamento de Wolfson de sua língua materna, para que, consequentemente, possamos compreender o funcionamento do delírio no sistema linguageiro da psicose. É importante considerar que o delírio é uma das alternativas oferecidas pela linguagem como tentativa de cura para a psicose, uma tentativa de escapar do buraco deixado pelo real. Nesse caso, compreender o princípio de funcionamento do delírio seria o primeiro passo para a compreensão do funcionamento da estrutura psicótica.

Os processos de conversão utilizados por Wolfson para escapar da língua inglesa são extremamente trabalhosos, posto que nenhum som deve se assemelhar àqueles da língua de sua mãe. Sendo assim, ele cria inúmeras regras de composição de uma nova língua a partir de outras já existentes.

O que mais incomoda o ‘esquizofrênico’, atribuição dada pelo autor a si mesmo, eram as consoantes, principalmente aquelas com uma sonorização forte, pois elas entravam nele ferindo-o. Já as vogais não surtiam o mesmo efeito, uma vez que a sonorização das mesmas seria mais fraca. Assim, quando a língua estrangeira eleita não podia conter o buraco deixado pela língua materna, ele cada vez mais buscava uma outra, chegando a procurar até no alemão ou na língua hebraica um representante que mudaria o significado da consoante que o incomodava. Na melodia de trocas de letras e processos conversivos, Wolfson, vagarosamente, descrevia a construção de uma língua própria. Seu delírio o libertava da relação de objeto com o desejo materno e o impulsionava a ser mestre de uma criação sua. Através das descrições realizadas pelo autor, podemos então traçar inúmeras hipóteses futuramente esclarecedoras acerca do funcionamento do delírio e, consequentemente, da linguagem na psicose.

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Denise Pozzani de Freitas Barbosa, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Africadas do português brasileiro: metodologia e análise de uma variação alofônica gradiente Orientador: Eleonora Cavalcante Albano

A palatalização de /t/ e /d/ é um fenômeno muito comum em vários dialetos do português brasileiro. Descritas muitas vezes como sons com certa instabilidade em suas fronteiras e uma relação temporal complexa, as africadas demandam uma descrição detalhada de sua estrutura. As motivações deste trabalho nasceram da observação recorrente de que uma parte dos falantes mais jovens de Jundiaí-SP começa a produzir algum tipo de ruído ao pronunciar as oclusivas /t/ e /d/ seguidas da vogal alta anterior, especialmente os que estão em contato com dialetos que já produzem africadas pós-alveolares. A intuição inicial foi de que tais falantes tentam disfarçar sua pronúncia, e começam a implantar uma mudança lingüística, que é o nosso objeto de estudo.

Em estudos de caso anteriores, percebemos que as consoantes não se parecem tanto com africadas padrão do português brasileiro, com ruído produzido na região pós-alveolar. Tais africadas têm características contínuas “entre” as oclusivas alveolares e as correspondentes palatalizadas. A partir daí, procuramos não tratar essa variação alofônica de forma categórica e, para compreender essa mudança, seguimos tentando descrever as sutilezas dos processos envolvidos nesse grupo de falantes que produz informações gradientes.

Os resultados anteriores mostraram que, de fato, a implementação da variação inovadora se dá de forma gradiente, e que as diferenças intrínsecas a cada falante podem também dar indícios de diferentes coordenações entre gestos articulatórios. Sendo assim, realizamos uma reflexão detalhada sobre as africadas à luz de um modelo dinâmico de produção de fala, a Fonologia Articulatória, cujas postulações teóricas dão especial importância à dinâmica dos processos fonológicos, em que os fatores tempo e magnitude são relevantes e se relacionam diretamente à idéia de movimento dos articuladores.

Para a pesquisa desenvolvida atualmente, contamos com estudos de caso de cinco sujeitos de Jundiaí, que não realizam africadas ou que as realizam apenas esporadicamente. E, aqui, procuraremos enfocar aspectos metodológicos referentes à coleta de dados e à metodologia das análises em andamento. Para tanto, discutimos mais profundamente três estratégias de coleta de dados empregadas e os parâmetros fonético-acústicos e estatísticos presentes na descrição de tais dados.

A metodologia de análise se dá a partir da investigação dos três primeiros momentos espectrais (curtose, desvio padrão e assimetria) e com medidas de duração do ruído e da vogal seguinte. Além disso, também propomos a manipulação da taxa de elocução como variável independente, que permitirá observarmos o controle articulatório dos falantes em taxas mais altas.

A coleta de dados é longitudinal e conta com duas tarefas. Primeiramente, construímos um corpus para a gravação de dados de fala semi-espontânea dos sujeitos, com

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a leitura de boletins jornalísticos. A estratégia teve por objetivo desviar a atenção dos falantes da própria fala, visto que os boletins apresentavam notícias reais e de relativo interesse. A adoção da estratégia dos boletins procurava deixar a fala dos sujeitos menos artificial; a leitura de frases-veículos ou listas de palavras e não-palavras teria deixado a produção muito engessada. Sendo o objetivo da pesquisa a variação dialetal, acreditamos que essa estratégia tenha sido propícia a captar as nuances do fenômeno, até mesmo por desviar um pouco a atenção dos sujeitos de sua própria fala, já que a situação de gravação de fala, por si, coloca o sujeito em uma posição muito formal.

Para continuar verificando como as africadas dos sujeitos de nossa pesquisa se apresentam no momento de cada coleta, resolvemos também aplicar uma tarefa de repetição, que nos mostrasse como os falantes produzem certas palavras, com oclusivas alveolares antes de [i], a partir de estímulos disfarçados ou encobertos. O objetivo da tarefa é tentar verificar se os sujeitos produzem africadas em uma situação em que vários aspectos relacionados ao acesso lexical são um pouco mais controlados. A tarefa foi dividida em três blocos, nos quais tentamos verificar a influência de aspectos como freqüência de ocorrência da palavra na língua, presença de fricativas adjacentes e posição tônica da oclusiva alveolar.

Por fim, a fim de verificar a influência da taxa de elocução, pediu-se que os sujeitos produzissem uma fala mais monitorada e uma fala mais rápida. Para tanto, foi necessário, então, estabelecer um modo para variar a taxa de elocução que tentasse, da melhor maneira possível, respeitar as diferenças individuais. Apresentou-se um modelo de fala normal, monitorada, seguido de exemplo de fala rápida, de um falante exemplar. A fala modelo foi filtrada, deixando-se somente as frequências de 0 a 900 kHz, para que não houvesse imitação da variante dialetal do falante modelo.

Para a análise dos dados são realizadas correlações de Spearman para a duração entre os segmentos vocálicos e consonantais, a fim de verificar se há sobreposição entre os gestos, e também entre os parâmetros espectrais, para podermos verificar como os parâmetros variam entre si em cada coleta.

Para a análise das produções relacionadas à tarefa de repetição, utilizamos testes estatísticos não paramétricos. Após aferidos os valores dos momentos espectrais, dividimos os dados em três faixas de produção da africada, com base nos valores máximos e mínimos encontrados. A partir disso, cada dado é classificado dentro de uma das faixas, de acordo com seus valores de distribuição de energia no espectro. Após a classificação dos dados, fazemos um teste de significância, o chi-quadrado de Pearson, teste de independência que mostra a associação de duas ou mais categorias nominais variáveis, a partir da contagem dos resultados observados e esperados. Também aferimos os valores do V de Cramer, que mostram a força de associação das categorias. Essas medidas são relevantes porque, além de mostrarem a tendência maior ou menor de cada coleta de se encaixar em uma das três faixas, indicam o tamanho do efeito da amostra coletada.

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Denise Silva, Doutorado em Lingüística – UNESP

Considerações iniciais sobre a proposta de elaboração de um dicionário bilíngüe Terena-Português.

Orientador: Cristina Martins Fargetti

Este trabalho é resultado parcial do projeto de doutorado “Estudo lexicográfico da língua Terena: proposta de elaboração de um dicionário bilíngüe Terena-Português" e tem como objetivo fazer uma discussão sobre os aspectos que serão considerados na elaboração da proposta de um dicionário bilíngüe para a língua Terena. O projeto de pesquisa visa a um estudo do léxico da língua terena, com vistas à elaboração de um dicionário bilíngüe, terena-português. Tal proposta apresenta relevância para a comunidade terena, uma vez que colabora com a documentação e revitalização de sua língua. Os terena vivem em Mato Grosso do Sul, em aldeias, numa situação lingüística variada. Encontram-se nessa região desde o século XVI Embora sua língua tenha alguns estudos esparsos, carece de uma melhor descrição, documentação e análise. Afinal, como têm demonstrado vários pesquisadores, o conhecimento das línguas indígenas permite entrar em contato com fenômenos distintos, muitas vezes só existentes em tais línguas, o que colabora para melhor compreender a linguagem humana, e também para avaliar propostas teóricas nesse sentido, que se queiram abrangentes. Pesquisas apontam que há um longo caminho a ser percorrido em direção a um conhecimento mais amplo das línguas indígenas no Brasil. Do total de cerca de 180 línguas, um levantamento de1995 constatou que: pouco mais de 30 delas têm uma documentação ou descrição satisfatória (algo como uma gramática de referência com textos e, possivelmente, um léxico), 114 tendo algum tipo de descrição sobre aspectos da fonologia e/ou da sintaxe, o restante continuando no limbo do desconhecido. (Franchetto, 2007). Alves (2004) enfatiza que a lexicografia das línguas indígenas brasileiras, é ainda, um dos aspectos menos desenvolvidos da documentação lingüística no Brasil. Das cerca de 180 línguas ainda faladas em nosso território por povos indígenas, para poucas, há dicionários, a maioria dos quais em dimensões modestas. Existe um estudo lexicográfico sobre a língua Terena, Almeida (2005) “O léxico da língua terena: proposta de dicionário infantil bilíngüe Terena-português”; trata-se de uma obra com problemas metodológicos. O dicionário fornece a palavra na língua fonte, a classe gramatical, a tradução em português, é unidirecional, com objetivo de descrever a língua fonte e foi elaborado pela autora, a partir de textos publicados por membros do SIL na década de 60. Em nosso trabalho junto aos terena, percebemos que a língua evoluiu muito, assim, muitos vocábulos foram substituídos por novos, sendo que estes não foram inseridos no dicionário de Almeida, o que o torna inclusive ultrapassado. De acordo com as categorias de dicionários propostas por Landau ((1989), apud Ferreira(2005)), o dicionário de Almeida (2005) apresenta as seguintes características: o dicionário propõe cobrir o léxico da língua fonte, é bilíngüe, não tem características enciclopédicas, descreve a língua sincronicamente e não apresenta definições amplas. A sua organização é por ordem alfabética. Com relação às ilustrações, o dicionário apresenta em vários casos ilustrações para palavras como coral, ácaro, canudo, trem, neve,

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termômetro, bagagem, entre outras, que não precisariam estar ilustradas, pois não são especificamente da cultura Terena, mas palavras bastante conhecidas por pessoas de outras culturas. Sendo assim, seria bem mais produtivo que somente palavras específicas da cultura terena fossem ilustradas no dicionário. Ainda sobre as ilustrações, cabe ressaltar, que o dicionário apresenta imagens estereotipadas, descontextualizadas, com vistas apenas a cultura brasileira. Quanto a questões tipográficas, o dicionário apresenta abreviaturas, possui notação ortográfica, não é silábico (não aponta a divisão de sílabas nas palavras) e não traz a pronúncia. Nossa proposta de trabalho tem como objetivo estudar o léxico da língua Terena, defini-lo e organizá-lo em forma de um dicionário bilíngüe, Terena- português, e para tanto aplicaremos a fundamentação teórica da lexicografia com o objetivo de elaborar um dicionário mais completo, com macro e micro estrutura bem definidas e adequadas. Buscaremos uma adequada definição das classes de palavras e atentaremos, tanto quanto possível, a questões fonológicas, morfossintáticas, semânticas e pragmáticas. Por se tratar de uma língua pouco estudada, julgamos importante discutir informações sobre a fonologia, morfologia e sintaxe da língua para que leitor compreenda a organização e o funcionamento da língua, essenciais para a elaboração do dicionário, tais informações serão baseadas nos trabalhos já existentes: Silva ( 2009) “Descrição fonológica da língua Terena” e Rosa, (2009) “Morfologia da língua Terena”(em andamento), além de outros trabalhos. No entanto, todos os dados serão testado nos trabalhos de campo a serem realizados para esta pesquisa. Procuraremos trazer uma apresentação dos lemas de forma o mais clara possível, inclusive pensamos em adotar a segmentação morfológica, quando necessário. Dessa forma, o consulente visualizará melhor a constituição dos lemas. Diante do exposto, conforme apontou Alves (2004), este projeto contribuirá com os trabalhos lexicográficos, em especial com aqueles voltados a línguas de povos minoritários, como fonte de documentação. O dicionário terena-português se destina tanto ao povo terena quanto aos estudiosos das línguas indígenas brasileiras e a qualquer pessoa que tenha interesse em informações sobre línguas indígenas, especialmente línguas pertencentes a família lingüística Aruak, na qual a língua terena se insere. Tanto a análise lingüística quanto o banco de dados podem servir de base para futuras pesquisas envolvendo a língua e o povo terena, tais como: comparação do terena com outras línguas relacionadas, reconstrução de suas estruturas com a finalidade de se constatar a evolução histórica das línguas que possuem origem comum, verificação de universais categorias gramaticais e o próprio aprendizado da língua terena. Além disso, este trabalho servirá como ponto de partida para a elaboração de materiais didáticos que sirvam de apoio ao ensino da língua terena pelos professores indígenas à sua comunidade. Essas são algumas das possibilidades de utilização da presente proposta de pesquisa.

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Dionéia Motta Monte-Serrat, Doutorado em Lingüística – USP A distribuição social dos sentidos e o discurso jurídico numa perspectiva da teoria do Letramento Orientador: Leda Verdiani Tfouni

Em um evento letrado de audiência perante o Poder Judiciário, as intervenções, feitas pelo juiz de direito, nas falas dos depoentes e a forma silogística que a lei impõe às sentenças são evidências produzidas pelo discurso do Direito, que buscam a transparência na linguagem. Tomamos a Análise do Discurso (PÊCHEUX, 1988) e o Letramento (TFOUNI, 2005) como ponto de partida para questionar e desfazer essa naturalização de sentidos: ou seja, essa “suposta” necessidade da intervenção do juiz nas falas dos depoentes e a forma supostamente “correta” de o juiz proferir sua sentença. Esses estranhamentos nos permitiram observar a constituição do discurso jurídico em um espaço não mais pacífico. O sentido único do discurso do Direito dá lugar ao sentido novo que irrompe durante a audiência. Com a comparação de depoimentos, gravados e transcritos, aos respectivos termos de audiência; e, também, com o estudo de sentenças com estrutura de poesia, pudemos observar a língua sujeita ao equívoco, pois, quando o sujeito jurídico emerge, há a produção de atos falhos, de lapsos, que se contrapõem às qualidades que regem o sujeito de direito. As teorias do Letramento e da Análise do Discurso nos permitem perceber que a língua envolve a constituição dos sentidos e, também, a constituição do sujeito. É essa percepção que nos possibilita diferenciar o conceito de sujeito de direito do conceito de sujeito jurídico, conceito este desenvolvido em nossa pesquisa e ainda não explorado em literatura especializada. Além das percepções trazidas pelo Letramento e pela Análise do Discurso, as pesquisas do grupo AD e suas interfaces tornou possível articular esse novo conceito à psicanálise lacaniana. Sob essa perspectiva, podemos articular conceitos de sujeito e de determinação simbólica, tomando, esta última, não como um “simples acaso” (LACAN [1955] 1998, p. 66), mas como algo imposto por aquele sujeito que ocupa posição de distribuidor de sentidos. No postulado lacaniano o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e supõe um sujeito que não é dono de seu dizer, visto que existe uma barra (o recalque) que separa radicalmente significante e significado. Lacan afirma que o elo que une significante/significado seria uma barra radical e o que se encontra no inconsciente é o significante. Pensamos o significante como um campo híbrido em que atua o político e o acontecimento. Ele se move em uma zona em que a distinção entre ambos não tem literalmente sentido algum. O significado não importa e, sim, quem detém o poder de determiná-lo. Dentro do jogo político, que é dialético, por ser originado pela ideologia, a posição-sujeito distribuidor de sentidos não está disponível para qualquer um (TFOUNI, 1992). O juiz de direito ocupa uma posição-sujeito de prestígio, e tem, portanto, o poder de distribuir sentidos em uma audiência cujos participantes, em regra, possuem o desconhecimento do discurso do Direito (discurso técnico, tomado como recalque), e o desconhecimento dos ritos a serem observados no decorrer desta. Os sentidos que podem advir no sujeito jurídico denunciam o real da luta de classes. O político oferece ao sujeito

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uma “troca por equivalente” (LACAN, 1992), uma medida comum. O acontecimento, como furo na cadeia simbólica em que o sujeito se inscreve, oferece múltiplos sentidos, oferece a deriva e o equívoco: a possibilidade de o sentido vir a ser outro (PÊCHEUX, 2002). O político oferece uma referência desejável e, ao mesmo tempo, destruidora ao sujeito. No aspecto discursivo, o político determina o sentido, produzindo embate entre várias posições-sujeito. Dentro desse movimento, o sentido pode ser favorável ao sujeito, garantindo a identificação, ou pode destruir o sujeito, que, alienado, não chega sequer a emergir de forma singular, permanecendo numa “oscilação patética” (LACAN, 1992, p. 342). Sob essa perspectiva, podemos pensar que a imagem controlada do sujeito de direito dá lugar a gestos do sujeito jurídico no espaço real. A articulação do significante em cadeia produz um sentido particular ao sujeito, abre novas possibilidades de significação. Ao mesmo tempo em que o equívoco e o mal-entendido não deixam o sujeito emergir, há a abertura de possibilidades de significação, visto que, em cadeia, o sujeito pode emergir. Assim, situamos o conceito de sujeito de direito no estádio do espelho proposto por Lacan ([1960b] 1998): pensamos a inscrição do Estado, como grande Outro, junto ao sujeito, pequeno outro. A liberdade de escolha e a autonomia estão no que Lacan (1992) denomina “signo imagem de a”, ou seja, na imagem de sujeito de direito que o Estado oferece, na posição de espelho do esquema ótico. O assujeitamento se dá no que chamamos de sujeito lingüístico e jurídico, que se constitui a partir dessa imagem. A Lei, representando o Estado, traça o caminho do desejo e tem função essencial na determinação do sujeito, aparecendo, para este último como “signo imagem de a”, a imagem especular desejável, destruidora de sujeito de direito. No entanto, o sujeito que emerge durante seu depoimento na audiência, manifesta equívocos, atos falhos, conferindo, no momento da enunciação, um sentido particular ao seu enunciado. No significante há uma “indivisibilidade contingente” e uma divisibilidade “estruturalmente determinada” (MAJOR, 1989, p. 44) e, por mais que o político, por meio do conceito de sujeito de direito, imponha um sentido, há a atuação do imaginário que o revira, rompendo a unidade desse sentido, modificando-o. A subversão do espaço da audiência subverte o sujeito, pois o funcionamento do inconsciente está ligado à questão espacial, quebrando a bidimensionalidade do sujeito de direito. Neste trabalho a bidimensionalidade do discurso do Direito é quebrada por uma terceira dimensão, a do significante, em que emerge o sujeito jurídico. Embora o discurso do Direito - que preconiza língua transparente e sujeito mensurável, predizível - despreze, por meio dos recortes do juiz e do modo silogístico de proferir sentenças, alguns fatos linguístico-enunciativos, estes são relevantes para nossa pesquisa. A clareza e a objetividade, pretendidas pelo discurso do Direito, não se perdem quando o discurso jurídico lança sua âncora na subjetividade encontrada em sentenças (proferidas por juízes e publicadas), com estrutura de poesia, fora, portanto, do silogismo imposto pela lei.

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Dulce Beatriz Mendes Lassen, Mestrado em Lingüística - UFRGS Análise do Discurso: leitura e interpretação em sala de aula Sem orientador

Este texto apresenta o pré-projeto de dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem, “Sala de aula e Análise do Discurso: metodologias de ensino de leitura”, a ser desenvolvido junto ao programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Serão desenvolvidas considerações iniciais sobre a pesquisa à luz dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso (AD) de linha francesa. Já é lugar comum dizermos que um dos maiores problemas do ensino brasileiro se refere à leitura e, conseqüentemente, à interpretação. Muitas são as causas da deficiência que apresentam os alunos no momento que precisam ler e produzir sentidos. Uma dessas causas é um ensino voltado apenas para normas e para decodificações de sentidos já-dados, que se apresentam sob a forma de perguntas como “o que o autor quis dizer?”. Rever o ensino aí instituído e que não tem formado leitores perceptivos e críticos é imperioso, é preciso apresentar propostas que redirecionem o ensino de leitura. Desse modo, estamos propondo nos utilizar do campo teórico da AD, em especial, como esta concebe os processos de leitura e de interpretação para pontuar a sua importância e sua possibilidade de inserção no ambiente escolar, este extremamente necessitado de propostas que dêem aos educandos possibilidades de produzir sentidos outros, de refletir, e não apenas decodificar sentidos já-lá. Esta teoria, embora não seja uma teoria, exclusivamente, destinada a aplicações escolares, tem dado importantes contribuições para os estudos da leitura, que estão proporcionando uma reflexão e um possível redirecionamento do enfoque que é dado, hoje, nas escolas, quando se ensina a ler e a interpretar. Pretendemos aprofundar o estudo sobre os processos de leitura e de interpretação, elaborar metodologias de leitura/interpretação de diferentes materialidades que dêem condições ao aluno de reconhecer que o sentido não está contido no texto, mas é construído por um leitor inscrito em um lugar social e interpelado ideologicamente. Salientamos que “metodologias” significa nosso gesto de analista frente ao corpus a ser analisado, não estamos propondo nenhum método. Por isso, justificamos este estudo pela contribuição que essa teoria pode trazer ao ensino de leitura no Brasil, pois apresentando propostas metodológicas de trabalho em sala de aula utilizando o campo conceitual da AD, estaremos contribuindo para suprir o enorme déficit na prática da leitura pelos brasileiros, problema amplamente discutido na atualidade e que precisa de propostas novas e concretas para ter uma solução. Apresentar metodologias de leitura/interpretação utilizando o campo conceitual da Análise do Discurso é um desafio, pois o quadro do ensino, no Brasil, é desanimador, entretanto, os estudos feitos até agora em relação à produção de sentidos nos mostram que a AD pode contribuir na construção de uma nova metodologia para o ensino de leitura. Compreendemos que o processo de ensino de leitura e, conseqüentemente de interpretação, passa pela compreensão do aluno/leitor de que ele está inscrito em uma formação discursiva, e vai, a partir de um lugar social,

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interpelado ideologicamente e à luz do já-dito ler e interpretar. Precisamos trabalhar a percepção do aluno de que ler é um processo de desconstrução e reconstrução, ou melhor, segundo Pêcheux a leitura é um trabalho de trituração, pois é nas operações de recortar, de extrair, de deslocar, de confrontar que se constitui o dispositivo mais particular de leitura. É necessário que elaboremos propostas/análises de diferentes materialidades que permitam aos alunos perceberem e aprenderem que a interpretação é o processo de construção dos sentidos, não de decodificação das intenções do autor. A interpretação, enfatizam os pesquisadores desta área, está presente em toda e qualquer manifestação da linguagem. Não há sentido sem interpretação. Para a AD, a interpretação está na própria base da constituição do sentido. Não há sentidos dados: estes são construídos por/através de sujeitos inscritos em uma história, em um processo duplamente descentrado pelo inconsciente e pela ideologia. A possibilidade de inserção da AD no âmbito escolar passa por apresentarmos análises/propostas que permitam aos alunos entender que a produção do sentido só acontece por meio de um sujeito, mediante a inscrição em uma formação discursiva e sobre a influência do contexto sócio-histórico. Serão aprofundadas noções tais como formação ideológica, formação discursiva, condições de produção, sujeito-autor, sujeito-leitor, autoria, textualização, efeito de textualização, processo de leitura, processo de interpretação, bem como, discutiremos a possibilidade de trabalharmos com as tecnologias da informática, com o ciberespaço e também com a materialidade hipertextual, que consideramos de fundamental importância, nas condições de produção atuais, para que seja possível desenvolver metodologias que façam com que o aluno entenda que a leitura é produzida em condições determinadas, mobilizando no mínimo duas posições de sujeito (autor e leitor), que o sentido não está no texto, mas é construído por meio da interpretação. Esse tipo de proposta, utilizando o campo conceitual da Análise do Discurso, pode tornar o leitor/aluno mais crítico e reflexivo, não um mero decodificador de textos.

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Eduardo Alves Vasconcelos, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Fontes históricas sobre Cayapó do Sul Orientador: Wilmar da Rocha D’Ângelis

O trabalho desenvolvido tem o objetivo de determinar as relações lingüísticas existentes entre a língua atualmente falada pelos Panará e àquela que foi falada pelos Cayapó do Sul. O contato dos Panará com a sociedade não índia se deu durante a construção da rodovia Cuiabá-Santarém, na década de setenta. Foi o antropólogo Richard Heelas que levantou a hipótese de que estes seriam descendentes dos Cayapó do Sul, mas exatamente, de um grupo que teria fugido do contato com da sociedade colonial, migrando para noroeste e se estabelecendo nas margens do Peixoto de Azevedo. Os Cayapó do Sul, por sua vez, ocupavam ao que hoje corresponde ao centro sul de Goiás, sudoeste de Mato Grosso, noroeste do Mato Grosso do Sul, nordeste de São Paulo e sudeste de Minas Gerais (triângulo mineiro); mantiveram desde o início da colonização do Brasil Central intermitentes conflitos com aqueles que invadiam suas terras, no início do século XX foram dados como extintos. A hipótese de Heelas se baseou na comparação que este realizou entre uma lista palavras coletadas com os Panará do Peixoto de Azevedo e a lista coletada por Saint-Hilaire, no início do séc. XIX, em São José das Mossâmedes, Goiás. Shwartzman (1987) também comparou dados Panará e Cayapó do Sul, porém, servindo-se do vocabulário publicado por Von Martius (1867), que reuniu tanto a lista de palavras de Saint-Hilaire (1848) e Pohl (1832). Mais recentemente, Giraldin (1997) realizou uma importante pesquisa etnohistórico sobre os Cayapó do Sul; sua pesquisa permitiu que encontrasse nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) uma lista de palavras datada de 1911, coligida por Alexandre Barbosa, agrimensor que trabalhava próximo as margens do rio Grande no triângulo mineiro. A lista de palavras de Barbosa com as demais listas conhecidas dos Cayapó do Sul (Saint-Hilaire, Pohl, Lemos da Silva, Kupfer e Nehring) foram a base para a comparação lexical realizada por Rodrigues e Dourado em 1995 e, posteriormente, por Dourado em 2004.

Com este estudo objetiva-se, como exposto, estabelecer, a partir de análise mais detalhadas dos vocabulários disponíveis, quais relações há entre a língua falada por estes dois grupos: se é a mesma língua, que mudanças podem ser identificadas em, pelo menos, dois séculos de distanciamento? Caso não seja, que características lingüísticas tornaram possível a hipótese de Heelas? Para tanto, é proposto um tratamento adequado aos vocabulários conhecidos, acompanhada de uma investigação de possíveis documentos sobre a cultura e língua dos Cayapó do Sul e de comparações com línguas geneticamente relacionadas. As análises fonológicas das línguas Cayapó do Sul e Panará se guiarão, principalmente, mas não exclusivamente, pelas bases do estruturalismo europeu, principalmente nas postulações de Trubetzkoy (1939 [1971]) e Jakobson. E naquilo que eventualmente se mostrar relevante, por algum ganho explicativo, se lançará mão de análises e representações autossegmentais, segundo a vertente das geometrias de traços (em particular aquela proposta em D'Angelis 1998 para as relações entre nasalidade,

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soanticidade e vozeamento). A análise comparativa buscará alguns procedimentos comuns ao método histórico-comparativo e a sua aplicação em estudos sincrônicos, o uso deste método permite evidenciar as correspondências sistemáticas entre os dados comparados, a partir dele é possível estabelecer a comparação dos vocábulos e elementos gramaticais de línguas que têm origem comum (Câmara Jr. 1986:75). Quando o método histórico-comparativo foi postulado pela lingüística do século XIX tinha como objetivos identificar as relações genéticas entre as línguas do mundo e reconstruir um língua comum àquelas agrupadas geneticamente, porém, como esclarece Campell (2004:122), o método comparativo é uma importante ferramenta para diferentes áreas da lingüística.

Nesta comunicação apresento resultados iniciais da investigação sobre a cultura e língua Cayapó do Sul em fonte documentais no Brasil e no exterior. Essas fontes são originárias de documentos oficiais do Brasil Colônia e relatos dos paulistas, eclesiásticos e viajantes que passaram e/ou permaneceram na região antigamente ocupada pelos Cayapó do Sul. A consulta a estes documentos foi, em parte, facilitada pelas comemorações do “500 anos do descobrimento”, pois além do melhor tratamento e meios de divulgação para os documentos nos arquivos e museus brasileiros, foram realizados projetos de catalogação, microfilmagem e digitalização de diversos documentos sobre o Brasil em arquivos europeus: Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão de Rio Branco.

Outra importante fonte sobre o Brasil Central são os materiais da Expedição Langsdorff, liderada pelo Barão Georg Heinrich von Langsdorff. Em 1824, a expedição esteve em Minas Gerais e, em 1826, o grupo partia de Porto Feliz, rio Tiête, para chegar a Cuiabá pelo caminho fluvial. De Cuiabá o grupo seguiria para o Forte São José (Manaus), porém, agora em dois grupos: um que chegaria ao Forte pelos rios Guaporé, Madeira e Mamoré e outro que seguiria pelas cabeceiras do rio Paraguai, atingindo o Tapajós e descendo o Amazonas. Após o reencontro, a expedição seguiria para as nascentes do rio Orenoco, já em território espanhol. Taunay falecera quando tentou atravessar o rio Guaporé após uma tempestade e Langsdorff chega a Santarém já tomada pelos sintomas da Malária, o que impede a continuação da expedição. A maior parte do material da expedição fora enviado para diversos arquivos e museus de São Petersburgo. No século XIX, os diários de Edouárd Menetriés, botânico que acompanhava a expedição, foram encontrados em sebos em Paris. Há notícias que uma parte dos materiais da expedição que estavam em um arquivo na parte baixa de São Petersburgo foi perdida em uma enchente. Somente no início século XX estes documentos começaram a ser analisados, primeiramente, por pesquisadores russos e, depois do Projeto Langsdorff de Volta, última década do século XX, por pesquisadores brasileiros. A investigação sobre fontes históricas ainda considera a pesquisa em arquivos paulistas (Arquivo do Museu Paulista e Arquivo Histórico da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo), arquivos fluminenses (Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional, IHGB, entre outros) e ainda arquivos mato-grossenses e goianos. Nesta etapa da pesquisa ainda serão investigadas as expedição de Castelnau, que fez o percurso fluvial para Cuiabá em 1844. E demais viajantes do século XIX.

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Elisângela Gonçalves da Silva de Andrade, Doutorado em Lingüística – UESB/UNICAMP Construções existenciais com o verbo ser no Português: um estudo comparativo Orientador: Juanito Ornelas de Avelar

Este trabalho faz parte da pesquisa de doutorado, intitulada Construções com o verbo SER Existencial no português, cujo objetivo principal é mostrar que construções existenciais com esse verbo ainda são encontradas no português brasileiro contemporâneo. Assumimos como construções existenciais aquelas que possuem um locativo na posição de argumento externo desse verbo (como dos verbos estar, haver e ter), segundo proposto por Freeze 1992. Tomamos como base para a nossa análise a Teoria Gerativa (Chomsky, 1995), mais especificamente, o Programa Minimalista da Teoria de Princípios e Parâmetros, a visão não-lexicalista da Morfologia Distribuída (Halle & Marantz 1993, 1994; Harley & Noyer 2003), assim como a Teoria unificada das predicações locativas (Freeze 1992; Kayne 1993). A fim de comprovar nossa hipótese, utilizamos como corpora dados escritos do Português Europeu: (a) textos escritos do Corpus Informatizado do Português Medieval – CIPM, entre os séculos XII e XVI (cartas, textos dissertativos e textos narrativos); (b) textos escritos do Corpus Tycho Brahe, do século XVII ao XIX (cartas, textos dissertativos e textos narrativos); (c) textos escritos do VARPORT, século XX (editoriais e notícias); bem como dados orais do Português Brasileiro: dialeto de Vitória da Conquista, Bahia, século XXI. Pretendemos ainda coletar dados escritos na Bahia, assim como dados orais do Português Europeu. Temos ainda como objetivos: (a) verificar o percurso do verbo ser existencial no português, correlacionado com as mudanças sofridas pelos verbos estar, haver e ter; (b) verificar que estratégias são utilizadas (combinação de traços, propriedades do DP argumento interno...) para que sejam obtidos em PF construções com o verbo ser, estar, haver e ter a partir de uma mesma estrutura subjacente. Nosso interesse em estudar esse tema surgiu pelos motivos que expomos a partir de agora. Pesquisas que se voltam para o estudo de estruturas existenciais, normalmente, entre os séculos XIII a XVI, atestam a ocorrência de construções com o verbo ser existencial até o século XV, quando o verbo haver passou a assumir esse papel. Quanto ao Português Brasileiro (PB) atual, os autores afirmam não mais se verificar o emprego deste verbo nesse sentido. Entretanto, em dados do dialeto de Vitória da Conquista, Bahia, chamou-nos a atenção a ocorrência de sentenças, como “Lá no Rio de Janeiro é (tem, há, ta) uma violência terrível”; “São (tem, há) vários fatores que levam a pessoa a entrar na dependência”, em que o verbo ser pode ser substituído por ter, haver e, em alguns casos, por estar, sem ocorrer a alteração do sentido das sentenças. Diante desse fato, apresentamos os seguintes questionamentos: (i) Será que, de fato, o uso de ser existencial se extinguiu no século XV? Em caso afirmativo, como explicar a ocorrência de sentenças como as apresentadas acima no Português Brasileiro Contemporâneo?; (ii) A estrutura, como a observada acima, corresponde à mesma atestada no Português Arcaico e no Português Clássico? (iii) Será que o emprego do verbo ser como existencial não se verifica realmente nos dados do português escrito europeu após o século XV (a partir de

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quando os pesquisadores não mais atestam o seu uso)? De modo a responder a esses questionamentos, estamos analisando dados do português escrito e do português oral supracitados, detendo-nos, no presente trabalho, a compararmos os dados do século XII ao XVI, coletados no Corpus Informatizado do Português Medieval, aos do século XX, coletados no Projeto Análise Contrastiva de Variedades do Português – Varport. No que se refere à Teoria unificada das predicações locativas, Freeze 1992 propõe a existência de um paradigma locativo universal para o predicado locativo (a), o existencial (b) e a predicação com have (c), em que todos se derivam de uma única estrutura subjacente em que a preposição é o núcleo do sintagma predicado: (a) The book is on the bench; (b) There is a book on the bench; (c) Lupe has a book. A construção existencial, em (b), possuindo um sujeito locativo, difere-se do predicado locativo, em (a) pelo Efeito de Definitude: (i) quando o argumento Tema é definido, logo sujeito, é deslocado para o início da sentença, originando um predicado locativo; (ii) quando o Tema é indefinido, permanece in situ, e é o sintagma locativo que é o sujeito, logo, movido para o início da sentença, resultando numa construção existencial; (iii) a mesma estrutura da existencial se verifica na possessiva, com a diferença de que o Tema, nesse tipo de construção, é preferencialmente [+humano]. Seguindo Freeze 1992 e Kayne 1993, considero que os verbos possessivos, copulativos e existenciais derivam de uma mesma forma básica. A melhor maneira para explicar esse processo é adotar os pressupostos da Morfologia Distribuída, segundo a qual, apenas os traços formais são manipulados pelo sistema computacional. Os itens vocabulares só são incorporados na interface fonológica, após a implementação dos procedimentos sintáticos necessários à formação da sentença. Dessa forma, é a manipulação desses traços no decorrer da derivação que vai levar à realização de ser, estar, haver ou ter em construções locativas, possessivas e existenciais. Evita-se, assim, o que ocorre se se assume uma visão lexicalista, que é a alteração do material fonético de uma forma, transformando-a em outra, uma vez que as informações fonéticas já estariam presentes desde o início da derivação.

Referências: CHOMSKY, N. The minimalist program. Cambridge: MIT Press, 1995. FREEZE, R. Existential and other locatives. Language, 68, 1992. HALLE, M; MARANTZ, A., Distributed morphology and the pieces of inflection. In: HALLE, K.; KEYSER, J. (Org.). View from the Building 20. Cambridge, MA: MIT Press, 1993, p. 111-176. HARLEY, H.; NOYER, R. Distributed Morphology. In: CHENG, L.; SYBESMA, R. (Org.). The second Glot International. Mouton de Gruyter, 2003, p. 463-496. KAYNE, R. S. 1993. “Toward a Modular Theory of Auxiliary Selection,” Studia Linguistica, 47:3-31 (reprinted in Kayne (2000)).

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Erik Fernando Miletta Martins, Mestrado em Lingüística – UNICAMP A recategorização metafórica na retórica neopentecostal: considerações teórico-metodológicas sobre a construção e estabilização de referentes Orientador: Edwiges Morato

Para esta comunicação, serão expostos os principais aspectos da pesquisa que realizamos junto à FAPESP (Nível Mestrado; processo 2009/04746-1), intitulada “O percurso sócio-cognitivo das recategorizações metafóricas: construção e estabilização de sentidos na retórica neopentecostal”. O objetivo geral desta pesquisa, cumpre dizer, é explicitar o papel fundamental que o fenômeno da recategorização metafórica possui dentro do ambiente retórico dos cultos das igrejas neopentecostais, posto que: i-) em sua dimensão retórico-argumentativa, é responsável tanto por “sentimentalizar” o ato suasório, quanto por promover uma síntese analógica dos “elementos do foro com os elementos do tema” (PERELMAN & OLBRECHTS-TYTECHA, 1996); ii-) em sua dimensão textual-interativa, é tanto responsável por imprimir uma determinada orientação argumentativa (KOCH, 2004, 2005) aos enunciados proferidos nos cultos, como é uma das principais ferramentas para a construção e manutenção do conjunto de metáforas que fundamentam as verdades teológicas destes ramos religiosos; iii-) em sua dimensão (sócio) cognitiva, a recorrência da recategorização metafórica permite-nos observar como ocorre o processo de alteração de categorias lingüístico-pragmáticas estabilizadas em universos discursivos nem sempre semelhantes ou próximos, propiciando insights cognitivos (KITTAY, 1987) ao fundamentar novas categorias para a criação e estabilização de um universo discursivo próprio a estes ramos.

De um modo geral, apoiamo-nos em hipóteses aventadas dentro da agenda sócio-cognitiva de estudos da linguagem (cf. SALOMÃO, 1999; KOCH & CUNHA-LIMA, 2005), cujos principais postulados apontam para uma relação indissociável entre linguagem e outros aspectos da cognição humana, partindo de um modelo de cognição socialmente constituído, e tomando a linguagem como fruto da interação entre fatores “internos” (ligados às condições biológicas do ser humano) e “externos” (ligados à experiência humana no mundo) (Cf. MORATO, 2007).

Nessa perspectiva “construtivista” (Cf. APOTHELOZ & REICHLER-BÉGUELIN, 1995), especialmente nas pesquisas de crivo textual-interativo, a relação entre uma referência e seu referente (isto é, o objeto do mundo) se dá por meio de constantes negociações e ratificações acerca da natureza referencial. Assim, é uma relação que se dá discursivamente, e, pois, seu objeto não estrutura a realidade de maneira ontológica, antes, é um objeto de estruturação da realidade promovida pela interpretação humana. Mondada & Dubois (1995), entre outros, entendem que um referente deve ser visto como um “objeto de discurso”, definição que privilegia a “construção de objetos cognitivos e discursivos na intersubjetividade das negociações, das modificações, das ratificações de concepções

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individuais e públicas de mundo” (MONDADA & DUBOIS,1995, 2003: 20). Diante deste quadro, a realidade é construída, mantida ou alterada não apenas nomeando-a, mas, sociocognitivamente, na forma como interagimos com ela (KOCH, 2005). Nestas linhas, a referência é constituída a um só tempo por meio de construções culturais e representações sustentadas por atividades lingüístico-textuais, sendo este processo denominado referenciação.

No domínio teórico da referenciação, a categorização resulta da inserção de uma expressão nominal não-ancorada no texto que ativa um determinado objeto de discurso e o aloca em um “endereço cognitivo” (KOCH, 2004: 64) capaz de fornecer, deste modo, uma gama de elementos interpretativos (uma vez que vinculados a esse objeto de discurso) que podem ser estrategicamente selecionados ao longo de suas predicações, revelando-nos parte do “querer-dizer” (KOCH, 2005: 35) dos interlocutores. Assim, das possíveis características referenciais supostamente compartilhadas em uma determinada comunidade de práticas discursivas, aquelas que mais convêm à proposta enunciativa de seus produtores serão as materializadas no desenvolvimento de um texto; partindo de tal postura é possível atribuir uma natureza situada, local e historicamente, ao objeto de discurso ao longo de sua (re)elaboração no fio do discurso.

Já a recategorização deve ser vista como o processo de remissão que resulta numa determinada (re)construção de um referente já alocado na memória discursiva. É uma operação referencial que, ancorada tanto no co-texto quanto no contexto sócio-cognitivo e/ou textual-interativo, não só revela possíveis intenções enunciativas do produtor (como no caso da categorização), como permite, pela observação de sua recorrência, apontar o percurso sócio-cognitivo utilizado por este na sua proposta enunciativa. Este processo textual resulta da inserção de expressões que, ao mesmo tempo que constroem seu objeto de discurso “primário”, são responsáveis pela introdução de objetos de discurso “secundários” (ancorados no “primário”) e ao mesmo tempo novos. Deste modo, a categorização promovida pela ativação e seleção de um conjunto de características estabilizadas toma forma na medida em que as categorizações promovidas pelos seus objetos “secundários” contribuem na recategorização subjacente do “primário”, em especial nos casos de anaforização por associação.

Tendo em mente estas considerações acerca do campo teórico reivindicado, um aspecto relevante para a consecução dos objetivos de nossa pesquisa concerne à incorporação, por parte destas igrejas, de um conjunto de práticas associadas ao universo discursivo, o “ideário” (RODRIGUES, 2003) neoliberal, à crença pentecostal de que os verdadeiros cristãos – aqueles que se submetem ao sacrifício semelhante ao de Cristo – possuem direitos consuetudinários às riquezas terrenas. Conhecida como Teologia da Prosperidade, crença pentecostal de que um fiel deve ser próspero e bem sucedido em seus empreedimentos terrenos, adquire contornos inéditos no ramo neopentecostal, uma vez que pressupõe, por exemplo, o usufruto de bens materiais como algo que não deve ser evitado, mas como algo que atesta a presença de Deus na vida do verdadeiro fiel. Seguindo o esquema do ut des (CAMPOS, 2008) na relação entre o indivíduo e o sagrado, este estado de glória terrena é compreendido e explicado em termos metafóricos, tais como aliança/sociedade com Deus. Assim, ao investir na obra divina, este indivíduo garante proteção contra ataques de entidades malignas – responsáveis por desvios éticos e morais – acarretando em problemas cotidianos comuns a boa parcela da população brasileira, como a miséria econômica e seus efeitos. A exploração retórico-argumentativa destes problemas,

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ao longo dos cultos, dá-se em parte pela interpretação sacralizada de suas causas, e em parte pela oferta de recursos simbólicos que os oradores oferecem para a superação destes.

Com relação à metodologia de pesquisa, seguimos os seguintes passos:

Registro áudio-visual de dez cultos de duas igrejas representativas do neopentecostalismo brasileiro;

i) Cinco cultos realizados pela Igreja Universal do Reino de Deus, capturados

digitalmente via stream no site www.arcauniversal.com.br, entre junho e

setembro de 2007, enquanto parte do programa, também televisionado, “O

Santo Culto em seu lar”

ii) Cinco cultos realizados pela Igreja Internacional da Graça de Deus, registrados em

VHS, como parte do programa “Show da fé” (mesmo período) exibido pela rede

Bandeirantes de televisão, em horário nobre.

Para a composição de nosso corpus, a transcrição destes cultos segue normas adaptadas do projeto NURC (KOCH, 2004). Procedemos, assim, a uma análise interpretativa, de cunho semântico-textual, de dois fenômenos lingüístico-pragmáticos fundamentais aos propósitos enunciativos dos oradores neopentecostais: i) determinação referencial, evidenciado pelo emprego de mecanismos fóricos nominais (re)categorizadores de objetos de discurso (MONDADA & DUBOIS, 2003) ii) metáforas remissivas e predicativas, enquanto materialização (LAKOFF & JOHNSON, 2002) da fusão analógica entre categorias pertencentes ao domínio referencial da Teologia da Prosperidade e ao domínio referencial do ideário neoliberal.

Por meio da leitura de alguns destes dados, traremos para esta comunicação as principais indagações proporcionadas pela referida pesquisa, especialmente no que concerne ao papel assumido pelas recategorizações metafóricas no ambiente retórico dos cultos neopentecostais e sua importância no processo de construção e estabilização de referentes no universo discursivo da Teologia da Prosperidade.

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Fábio Izaltino Laura, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Bases para o estudo da discursivização e sintaticização de quanto a na história do português paulista Orientador: Ataliba Teixeira de Castilho

Nessa apresentação, pretende-se mostrar as idéias de meu projeto de doutorado, que está inserido no projeto temático História do Português Paulista, tendo como objetivo central analisar, em três momentos do português paulista, o comportamento da expressão quanto a nos sistemas discursivo e sintático. Pretende-se também, mais especificamente, (i) descrever e analisar a expressão quanto a para tentar verificar o comportamento dessa expressão nos sistemas discursivo e sintático do português paulista; (ii) relacionar o uso e a mudança lingüística com os aspectos sociocognitivos previstos na Teoria Multissistêmica; (iii) contribuir para o desenvolvimento de descrições do sistema do discurso, tendo em vista a relação entre o uso da língua e a tradição discursiva; (iv) contribuir com estudos referentes à formação de uma língua portuguesa que se caracteriza como português de São Paulo, sendo este tipo de estudo o correlato diacrônico das pesquisas sincrônicas desenvolvidas no interior do projeto da Gramática do Português Falado; (v) dar prosseguimento aos estudos desenvolvidos no mestrado sobre as construções de Tema, restringindo-me, no doutorado às construções de Tema marcado com quanto a, acrescentando-se ainda as idéias da Teoria Multissistêmica para o trabalho com a mudança lingüística e da Gramática Discursivo-Funcional como uma continuação da teoria que foi adotada no mestrado, a da Gramática Funcional. Para a realização do projeto, será levado em conta o corpus mínimo do projeto temático História do Português de São Paulo: Guedes e Berlinck (Orgs 2000) sobre anúncios de jornal; Barbosa e Lopes (Orgs 2002) sobre cartas de leitores e redatores; Simões e Kewitz (Orgs. 2006) sobre cartas privadas e administrativas. Podemos dividir os procedimentos para a descrição e análise dos dados em três fases. Num primeiro momento, será feita uma codificação dos dados de acordo com fatores gramaticais e discursivos caracterizadores de quanto a que parecerem relevantes para o estudo. Depois, numa segunda fase, as ocorrências codificadas na fase anterior serão submetidas ao pacote estatístico VARBRUL para resultados quantitativos do objeto em análise. Numa terceira fase, a partir dos resultados obtidos na segunda, far-se-á uma análise qualitativa dos resultados obtidos para explicar o fenômeno descrito aqui. Do ponto de vista teórico, este projeto vai procurar uma interface entre duas teorias funcionalistas da linguagem, a saber, a perspectiva multissistêmica da língua e as idéias do funcionalismo holandês, representado nas teorias da Gramática Funcional (Dik, 1989 e 1997) e sua continuação na Gramática Discursivo-Funcional (Mackenzie e Gómez-González, 2004 e Hengeveld e Mackenzie, 2008). Para a Teoria Multissistêmica (Castilho, 2006, 2007), os processos de organização da língua em seu dinamismo operam simultaneamente, dinamicamente e multilinearmente e podem ser agrupados em quatro sistemas: lexicalização, discursivização, semanticização e gramaticalização. Esses processos dão origem a produtos entendidos como conjuntos de categorias agrupadas simultaneamente em

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quatro sistemas autônomos: o Léxico, o Discurso, a Semântica e a Gramática. Para o uso eficaz da língua, de acordo com Castilho (2007), a articulação dos processos e produtos se dá por meio de princípios sociocognitivos cujo papel básico é gerenciar e ordenar os subsistemas lingüísticos “garantindo sua integração para os propósitos dos usos lingüísticos, para a eficácia dos atos de fala” (Castilho, 2007, p. 341). De acordo com os dispositivos, há ativação, desativação e reativação de propriedades lexicais, semânticas, discursivas e gramaticais na criação dos enunciados, o que constitui as expressões “postas no ar” pelo falante. Dito isto, é necessário dizer o que é, para a Teoria Multissistêmica, os processos de Discursivização e Sintaticização. Castilho (2006, 2007) entende Discurso tanto como conversação quanto como texto, sendo que o processo de Discursivização é o de criação do texto/conversação, ou seja, texto e conversação são os produtos da Discursivização. Há, nesse sistema, ativação (discursivização), reativação (rediscursivização) e desativação (desdiscursivização). A sintaticização, por seu turno, é um dos processos envolvidos no processo de gramaticalização. O processo de gramaticalização se refere a alterações da estrutura fonológica das palavras (fonologização), alterações na estrutura da palavra, no radical ou afixos (morfologização) e alterações na estrutura da sentença, reanálise e arranjos sintagmáticos e funcionais (sintaticização). O produto da gramaticalização é a gramática, entendida como um sistema constituído pelas estruturas em processo de cristalização que aparecem em três subsubsistemas: Fonologia (estruturas fônicas), Morfologia (estrutura da palavra) e Sintaxe (estruturas sintagmáticas e funcionais da sentença). Também nesse sistema há ativação (gramaticalização/sintaticização), reativação (regramaticalização/ressintatização) e desativação (desgramaticalização/dessintaticização). Do ponto de vista da Gramática Discursivo-Funcional, o componente gramatical está integrado a uma teoria da interação verbal mais ampla, contendo o componente conceitual – as representações conceituais pré-lingüísticas e o local de formulação da intenção comunicativa, representada semântica e pragmaticamente – o componente contextual – a descrição do discurso englobando discurso precedente e situação externa – e o componente de saída – expressão acústica ou gráfica. Há, no modelo uma distinção entre formulação e codificação. A formulação representa as regras de conversão das representações cognitivas em subjacentes pragmática (nível interpessoal) e semântica (nível representacional). A codificação, por sua vez, representa as regras de conversão em representações morfossintáticas (nível morfossintático) e fonológicas (nível fonológico). O nível interpessoal pode ser definido como a descrição das propriedades pragmáticas da expressão lingüística – a representação do conteúdo comunicado. O nível representacional refere-se aos aspectos semânticos da expressão lingüística. O nível morfossintático refere-se à ordem linear das propriedades de uma expressão lingüística. Por fim, o nível fonológico trata do recebimento das informações enviadas dos níveis anteriores e sua conversão em representações fonológicas. Em busca da verificação da lexicalização e dicionarização de quanto a, foi feita uma pesquisa em dicionários monolíngües e etimológicos das línguas latina, portuguesa, espanhola, italiana e francesa. Nesta pesquisa, foi encontrado que a expressão já era utilizada em latim – em textos de Cícero – e datada como uma expressão antiga na língua francesa, o que faz supor que a expressão pode ter seu uso restrito a contextos mais formais da língua.

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Fábio Santiago Nascimento – Mestrado em Lingüística Aplicada – UFSM ‘Gm crops may be harmful to the environment’: modalização nas notícias de popularização da ciência Orientador: Désirée Motta-Roth

Resultados da pesquisa realizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia sobre a percepção pública da ciência (Brasil, 2007) revelam que grande parte da população possui pouco ou nenhum conhecimento sobre ciência no Brasil. Uma das razões centrais apontadas pelos entrevistados para essa falha no processo de difusão do conhecimento científico seria a falta de competências lingüísticas adequadas para a compreensão de textos de natureza científica, conseqüência do ensino deficiente na escola. Nesse sentido, a educação científica é dependente de uma educação linguística, pois a construção de conceitos científicos só é possível por meio da linguagem (VYGOSTSKY, 2001). Numa sociedade caracterizada por rápidos avanços da tecnologia e da ciência, que demanda dos sujeitos uma formação qualificada para o efetivo engajamento nos discursos correntes na sociedade (tais como o da transgenia de alimentos), a necessidade de uma educação linguística voltada para o desenvolvimento do letramento científico (competências de leitura e escrita em ciências ou “literacia científico-tecnológica”) pode ter papel crucial na formação de uma sociedade mais preparada para refletir sobre seus próprios problemas e formular as necessárias soluções. O letramento científico diz respeito à capacidade de leitura e escrita de conteúdos e objetos de natureza científica presentes não apenas em textos propriamente científicos, mas também em textos de Popularização da Ciência (PC), publicados na mídia de massa, disponibilizados em mostras sobre ciência ou em páginas eletrônicas da Internet (ANDRADE, 2003). Tradicionalmente, a PC foi vista como mera simplificação do conhecimento científico (MOIRAND, 2003) caracterizada por dois pólos que se contrapõem: num extremo, o conhecimento científico na sua forma mais “pura e genuína” e, no outro, o conhecimento popularizado, considerado “distorção da ciência” (HILGARTNER, 1990) ou “didatização da ciência” (MOIRAND, 2003). Entretanto, numa perspectiva contemporânea, a PC tem sido definida como um processo de “difusão do conhecimento científico” (BEACCO et al, 2003) no qual os jornalistas reformulam o conhecimento científico de forma a torná-lo acessível para uma audiência não-especializada. Dentre os gêneros discursivos envolvidos no processo, o gênero notícia de PC é construído pelo jornalista, com base numa variedade de vozes e discursos de diferentes setores da sociedade (p. ex. governo, organizações não-governamentais, centros de pesquisa, etc.) que diminuem a autoridade dos cientistas com relação ao conhecimento disseminado, centralizando a mídia e o papel do jornalista como promotor de debates em temas sobre ciência (BEACCO et al, 2002). Dessa forma, alguns autores argumentam que as notícias de PC apresentam as descobertas científicas como “fato”, de forma a atrair a atenção pública (HILGARTNER, 1990; MÜELLER, 2002), contrariando a natureza incerta e questionadora que caracteriza a instância epistemológica da ciência (BARTON, 1993). Considerando tais questões, o objetivo deste trabalho é apresentar os resultados parciais de

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uma pesquisa de Mestrado vinculada ao projeto guarda-chuva (MOTTA-ROTH, 2007) desenvolvido no GT-LABLER (Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação). O objetivo da pesquisa é investigar e descrever os elementos da linguagem que expressam os graus de assertividade em exemplares do gênero notícia de PC. O corpus da pesquisa consiste de 60 notícias, coletadas dos sites ABC Science, BBC News International, Nature e Scientific American, conforme critérios previstos no projeto guarda-chuva. Especificamente neste trabalho, apresentarei resultados parciais da análise realizada com as notícias de PC do site BBC News International. Três procedimentos foram adotados no estudo: a) identificação dos expoentes lingüísticos que apontem para os graus de assertividade (modalização) no gênero; b) análise qualitativa dos expoentes identificados com base em categorias da Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 2004) (sistema de modalidade e a metáfora interpessoal); c) análise quantitativa dos expoentes nos textos; e d) breve interpretação dos expoentes linguísticos e das ocorrências quanto aos sentidos e efeitos no texto em termos dos graus de assertividade e autoridade de escritores quanto às descobertas científicas relatadas, sob a perspectiva teórica da Análise Crítica de Gêneros (SWALES, 1990, FAIRCLOUGH, 1992). Os resultados prévios indicam que a modalização dos enunciados não está restrita ao núcleo do Modo da oração (operador modal finito), mas pode estar espalhada ao longo da oração (conforme já afirmado por Halliday (2004) com relação aos significados interpessoais) e ser realizada por meio de diferentes combinações de operadores modais finitos com Adjuntos de Modo, Metáfora Interpessoal e/ou tipos de processos nas orações (NASCIMENTO & MOTTA-ROTH, 2008). Com relação à ocorrência das categorias de modalização no texto, o título geralmente apresenta pouca ou nenhuma modalização (polaridade) e o lide das notícias apresenta uma proposição (a descoberta científica) modalizada por meio da combinação do operador modal finito com uma oração projetada apresentando processos materiais, relacionais ou verbais. Nesse sentido, a oração projetada não serve apenas para distanciar o falante de seu enunciado, em termos de responsabilidade modal, mas também aponta o grau de comprometimento do falante com a veracidade da informação apresentada. Além disso, há pouco ou nenhum uso de modalização com alto valor de probabilidade nas orações analisadas. No âmbito da Linguística Aplicada, a pesquisa traz implicações para o ensino de línguas, especialmente a língua inglesa, ao possibilitar a construção de uma abordagem de ensino baseada na pedagogia crítica de gêneros discursivos, substituindo o tradicional ensino de modalização com ênfase na forma (por meio de uma lista de verbos modais) pelo ensino que explora os usos dessas categorias da linguagem em contextos específicos, em determinadas práticas sociais.

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Felipe Iszlaji de Albuquerque, Doutorado em Lingüística – UNESP Modelo para um dicionário analógico da língua portuguesa na internet. Orientador: Bento Carlos Dias da Silva

Nossa proposta é a elaboração de um modelo lingüístico-computacional para um

dicionário analógico (BABINI, 2001), com critérios de relevância, que irá integralizar uma plataforma digital de ferramentas lingüísticas, disponível na rede mundial de computadores. Para tanto, iremos utilizar a metodologia de trabalho em lingüística-computacional proposta por Dias-da-Silva (1996, 1998, 2003). No Domínio Lingüístico, nossa proposta nos leva, por um lado, aos domínios da Lexicografia (BORBA, 1993; 2003) e da Lexicologia (BIDERMAN, 1978; 1984; 2001) (focalizando questões que interessem à construção de um dicionário onomasiológico) e, por outro, ao domínio da Lingüística Cognitiva (LAKOFF & JOHNSON, 1980) e, em especial, da Semântica Cognitiva (LAKOFF & JOHNSON, 1980; LAKOFF, 1987; 1993), com particular atenção aos problemas de categorização e da Teoria dos Protótipos (ROSCH, 1978; LAKOFF, 1987; TAYLOR, 1989). No Domínio Lingüístico-Computacional, utilizaremos os princípios da Lógica Difusa (fuzzy logic) e da Teoria dos Conjuntos Difusos (Fuzzy Set Theory) (ZADEH, 1965) para representar formalmente pelo menos parte do conhecimento levantado na fase anterior.

À maneira dos tradicionais Dicionários Analógicos, como o Dictionnaire idéologique: recueil des mots, des phrases, des idiotismes et des proverbes de la langue française classés selon l’ordre des idées, nossa proposta é nos aprofundarmos I) nos problemas de natureza ontológica, ou seja, na relação entre ontologia e léxico (ZAVAGLIA, 2003): representação de estruturas conceituais que sirvam de ancoragem para a estruturação do léxico (JACKENDOFF, 1990; PUSTEJOVSKY, 1995; MILLER & FELLBAUM, 1991); II) nas relações que se instituem entre estas estruturas e as expressões idiomáticas e os provérbios do português brasileiro; de forma a elaborar um modelo linguístico-computacional para um dicionário analógico da língua portuguesa na internet.

Os dicionários analógicos nasceram na segunda metade do século XIX e o médico inglês Peter Mark Roget é considerado o iniciador desse tipo de repertório, com a publicação, em 1852, do seu Thesaurus of english words and phrases, classified and arranged so as to facilitate the expression of ideas and assist in literary composition (ROGET, 1852). Esse trabalho foi traduzido para diversas línguas e utilizado como modelo para várias obras lexicográficas. A denominação dicionário analógico ganhou a preferência dos países de língua latina, enquanto que, nos países de língua inglesa, a tendência foi a de chamar de thesaurus. No Brasil, uma das obras de referência nesse campo é o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa (AZEVEDO, 1983) do professor goiano Francisco dos Santos Azevedo.

O percurso que permite encontrar uma unidade lexical (BORBA, 2003) tendo como ponto de partida seu conteúdo semântico (conceito) faz-se, geralmente, (1) pelo sistema conceitual ou pelo plano de classificação das idéias, normalmente apresentados no início das obras; (2) pela sinonímia; (3) pela antonímia; (4) por analogia (BABINI, op. cit.).

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A compreensão das semelhanças e diferenças, comumente designada sob o termo “analogia” em psicologia e “parassinonímia” em lingüística, é fundamental para o desenvolvimento lingüístico e cognitivo (LAKOFF & JOHNSON, 1980). BARBOSA (1992) define os parassinônimos como lexias (unidade lexical atualizada em discurso; BIDERMAN, 1984) que têm expressões distintas, mas que têm o mesmo recorte conceitual. Essa competência intervém tanto na categorização dos fenômenos do mundo como na organização do sistema lingüístico, que permitem relacionar os termos criados a partir de sua proximidade semântica.

Há uma tendência em destacar que o princípio que rege a categorização e a formação de conceitos é a analogia ou raciocínio analógico (BOISSIÈRE, 1862). A analogia é o recurso que permite colocar dois conceitos em relação, sejam eles mais próximos (parecidos) ou mais distantes (distintos). Ao transferir conceitos de um domínio semântico para outro, pode-se produzir a metáfora. Na visão clássica de metáforas, estudadas desde Aristóteles, estas eram compreendidas como um recurso de superfície, utilizadas intencionalmente na retórica e literatura (RICOEUR, 1975/2000). No entanto, a visão da lingüística cognitiva (LAKOFF & JOHNSON, op. cit.) revolucionou o estudo das metáforas ao propor que a metáfora é conceitual, relacionada às funções de pensamento e de linguagem e, portanto, inerente à cognição humana. Por integrar a cognição, pensar e falar metaforicamente seriam habilidades independentes de intencionalidade e consciência, podendo ser emitidas sem esforço por pessoas comuns. Além disso, nessa perspectiva, nosso sistema conceitual é, em parte, metaforicamente estruturado, ou seja, a metáfora tem uma importante função na formação dos conceitos e da linguagem.

Utilizaremos como objeto de estudo deste trabalho três diferentes campos conceituais (TRIER apud LYONS, 1977), de forma a abranger conceitos distantes e, portanto, ilustrar os diferentes problemas que possam surgir na construção do nosso modelo lingüístico. Trabalhando com os campos conceituais do AMOR, da ARTE e do CORPO HUMANO, pretendemos dar conta de conceitos concretos (que têm referente no mundo) e conceitos abstratos (atos, eventos, estados relacionados a seres, coisas ou a estados de coisas) (BORBA, 2003). A necessidade de trabalharmos com mais de um campo conceitual se faz, igualmente, com vistas a suscitar e explicitar os princípios da analogia, como nas locuções boca de cena, pé de valsa e menina dos olhos, por exemplo.

Ao longo da pesquisa, os conceitos serão estruturados em categorias, subcategorias e, por fim, representados em unidades lexicais. Neste momento, faremos ainda a distribuição dos conceitos lexicalizados nas classes gramaticais (substantivo, verbo, adjetivo e advérbio) ou, no caso dos sintagmas, faremos também a distinção entre locuções, expressões idiomáticas e ditos e provérbios populares.

O subtítulo do Thesaurus of English Words and Phrases de Roget expressa bem o que o autor pretendia com sua obra que, em última instância, é também a finalidade da nossa proposta: classificado e ordenado de modo a facilitar a expressão de idéias e auxiliar na composição literária. Roget expõe esta questão da seguinte forma: “a revisão de um catálogo de palavras de significado análogo vai sugerir, com freqüência, por associação, outras sucessões de pensamento. A apresentação dos assuntos sob aspectos novos e variados pode expandir grandemente a esfera de nossa visão mental” (ROGET, 1925, p. XVIII).

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Fernanda Moraes D Olivo, Mestrado em Lingüística – UNICAMP A mídia e o cordel: discursos que se entrecruzam Orientadora: Suzy Lagazzi

A mídia e o cordel: discursos que se repetem, se entrecruzam e, nesse movimento de repetição e entrecruzamento, se significam. Essa relação entre o cordel e os meios midiáticos, principalmente o jornalismo, foi estabelecida por meio de uma reflexão que faz parte das análises do meu trabalho de mestrado intitulado “O poeta e o imaginário popular do cordel: uma análise discursiva de cordéis a partir da década de 40”1. Em tal trabalho busco compreender o modo pelo qual as representações de questões relevantes de cunho histórico-social são formuladas nos folhetos nordestinos e se tal formulação confere ou não uma posição de porta-voz para o cordelista perante a comunidade. Aqui, irei me atentar mais para a compreensão do modo de formulação das questões sócio-históricas dos folhetos. O corpus é constituído por cordéis produzidos a partir da década de 40 até os dias atuais, que retratam situações de diversos períodos históricos do Brasil, como, por exemplo, histórias sobre a ditadura militar, sobre o impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, sobre o nosso atual presidente, sobre o divórcio no Brasil, sobre métodos anticoncepcionais, sobre as droga, sobre a violência urbana. Ou seja, o corpus abrange uma temática variada para tratar de momentos histórico-sociais relevantes do Brasil. Para a análise desse material, sustentei-me no dispositivo teórico-analítico da Análise de Discurso de perspectiva materialista, que está no entremeio da linguística, do marxismo histórico e da psicanálise, pois considera a incompletude da língua, a não transparência desta, a contradição histórica e o descentramento do sujeito. Na Análise de Discurso, buscamos compreender os efeitos de sentido de uma forma não subjetiva e para tal, fazemos uma análise de forma espiral, um ir e vir entre a teoria e a prática. No meu ir e vir entre teoria e prática, mobilizei, para a análise, os conceitos de Condição de Produção, paráfrase, polissemia e circulação de sentidos. É fundamental, para uma análise materialista, considerar as Condições de Produção (doravante CPs) nas quais os discursos foram produzidos. Compreendo CPs, por meio dos dizeres de Pêcheux (1975) como o lugar institucional, a posição do sujeito e as relações sociais em que o sujeito está inscrito no momento em que ele diz algo. Levar em conta as CPs em uma análise nos permite fazer uma análise não subjetiva da subjetividade. Para compreender a relação entre cordel e mídia, selecionei diversos folhetos produzidos durante um extenso período temporal (década de 40 até os dias atuais) e por ser um corpus tão extenso, houve mudanças nas características dos cordelistas, do público e do lugar de circulação. Assim, é muito importante expor aqui algumas considerações acerca dessas mudanças para um melhor entendimento do meu percurso analítico.

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Os autores de cordel eram homens vindos do povo, geralmente agricultores, habitavam o interior do nordeste brasileiro e não possuíam quase nenhuma educação formal (aquela obtida nos bancos da escola); o público, assim como os autores, também eram pessoas humildes, a maioria era analfabeta que tomava conhecimento dos versos dos folhetos pela recitação feita pelo poeta em feiras e mercados do nordeste brasileiro, lugar de grande circulação de público, de cordéis e de histórias. A partir da década de 70, segundo Curran (1991), houve uma mudança no público, que passa a ser constituído por estudiosos, intelectuais e turistas, além dos sertanejos nordestinos (público tradicional). Houve uma mudança em relação aos cordelistas também, pois muitos migraram para as grandes capitais nordestinas ou cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, começaram a frequentar a escola e alguns chegaram até a cursar uma faculdade e agora eles têm também um maior acesso a informação -em comparação com os da década de 40 até a de 60-, assim como o seu público. Os folhetos quase não circulam mais em feiras e mercados nordestinos, agora eles se encontram nas feiras de grandes centros urbanos, na Internet, na televisão, inspirando filmes como o Auto da Compadecida, e nas escolas, lugar onde discursos de cultura, folclores e preservação de cultura estão em circulação. Essas mudanças são relevantes para compreendermos os sentidos que são postos em circulação nos folhetos e, dessa forma, têm que ser levadas em conta no momento da análise. Durante o percurso analítico, pude observar que há uma relação entre os temas tratados em determinados folhetos e os assuntos veiculados pela mídia. Tal relação se dá em cordéis produzidos por diferentes épocas, não sendo apenas aqueles feitos a partir da década de 70. Devido a esse fato, muitos pesquisadores, como Kunz (2001), afirmam que o cordel tem o caráter jornalístico de informar. Concordo com essa autora no que diz respeito aos cordéis produzidos no início, na região nordestina, onde a população não tinha meios de se informar sobre o que acontecia no Brasil. Porém, com a chegada da televisão e do rádio à grande parte da população brasileira, o cordel não tem mais esse papel social de informar, pois, agora, o que ele traz é uma reafirmação do que já circula na mídia, mostrando críticas já estabilizadas. Ou seja, no cordel não podemos dizer que há o novo, mas a reafirmação de discursos midiáticos. Dessa maneira, as questões sócio-históricas do Brasil trazidas nos folhetos têm a sua configuração pautada pelos dizeres da mídia de massa, como jornais televisivos, por exemplo, configurando sua relação com o senso comum. O cordelista, portanto, fala do comum, do já estabilizado pela mídia, do senso comum. Compreendemos também, por meio de discursos que fazem referência à corrupção, à CPIs, à preservação da natureza, ao ato de votar, à aposentadoria, à pílula anticoncepcional e ao divórcio, questões que foram naturalizadas em discussões sobre a política brasileira, o meio ambiente e a vida social da população. ‘Associa-se a corrupção à política’, ‘no senado todos são ladrões’, ‘a Amazônia é o pulmão do mundo’, ‘a aposentadoria assiste a população’, ‘o uso da pílula anticoncepcional e o divórcio proliferam na sociedade’ são exemplos de dizeres já estabilizados e naturalizados, principalmente pela sua repetição na e pela mídia, o que produz um efeito de senso comum nos dizeres dos cordéis. Porém, tais dizeres repetidos pelos cordéis baseados em discursos estabilizados pela mídia são postos em circulação de uma maneira diferente. Eles circulam em um movimento poético constituído nos cordéis. Dessa maneira, o senso comum é significado de uma forma diferente nos cordéis em contraposição ao que é dito pela mídia devido ao funcionamento da poesia, com o seu movimento rítmico, que coloca os discursos já estabilizados próximo à brincadeira.

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Fernanda Elena de Barros Reis, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Auxiliaridade e posição do clítico pronominal no português brasileiro Orientador: Sonia Maria Lazzarini Cyrino

Neste trabalho, apresento uma discussão preliminar sobre a idéia de no português brasileiro (PB) o verbo auxiliar ser uma categoria verbal (V) que seleciona um núcleo verbal (VP). Como base na análise de Gonçalves (1996), que se insere no modelo de Princípios e Parâmetros, para um auxiliar no português europeu (PE), verifico como pode se dar no PB a aplicação dos critérios por ela propostos. Além disso, apresento um comentário sobre o levantamento inicial de dados do século XIX referente à colocação pronominal em construções com dois verbos, uma vez que esta é característica de um dos critérios que apresenta diferenças mais significativas entre as duas variedades.

A partir da idéia de que um auxiliar deve ser um V que seleciona um VP, Gonçalves (1996) apresenta duas características que, segundo ela, “constituem as grandes propriedades dos auxiliares em qualquer língua natural” (p. 11):

“(i) o auxiliar e o verbo chamado principal têm de pertencer ao mesmo domínio frásico, evidenciando um forte grau de coesão sintática; (ii) o auxiliar é desprovido de uma grelha argumental própria, o que implica que o SN-Sujeito final seja um dependente temático” (p. 10)

A autora, então, propõe um conjunto de critérios que evidenciam tais características para o PE e que podem ser aplicados a verbos que ocorrerem seguidos de outro verbo não flexionado para que se confira se os primeiros são de fato auxiliares ou não e, a partir da aplicação de tais critérios, chega à conclusão de que somente os verbos ter e haver seguidos de particípio podem ser considerados auxiliares no PE. Por outro lado, certos tipos de verbos, como os aspectuais, temporais e modais (como, respectivamente, estar a, ir e poder seguidos de infinitivo) apresentam um comportamento semelhante ao de um auxiliar no que diz respeito à boa parte dos critérios (por isso chamados de “semi-auxiliares” por Gonçalves e Costa, 2002).

O critério que diferencia os temporais (e um dos poucos que diferencia os modais) dos auxiliares é "Obrigatoriedade de subida de clítico para uma posição de adjacência à esquerda ao (primeiro) auxiliar, em condições que determinam a ordem cl-V" (Gonçalves, 1996:11) – ou seja, numa construção com um verbo auxiliar, a ligação do clítico ao verbo principal é agramatical. Para explicar isso, a autora diz que, no caso dos auxiliares, há atuação de uma regra de reestruturação, que transforma o complexo “verbo auxiliar + verbo principal” em um complexo verbal único.

No caso dos modais e temporais, a reestruturação poderia ocorrer ou não. Assim, se há reestruturação, o clítico é ligado ao verbo temporal/modal; se não há, o clítico pode permanecer ligado ao verbo principal. A possibilidade de não sofrer a regra de reestruturação seria justificada pelo fato de esses tipos de verbos selecionarem um complemento frásico que é, no caso, um CP, e não um complemento que não seja frásico, como um VP. Mas o critério mencionado acima apresenta problemas para o PB, já que a colocação pronominal é diferente nas duas variantes, conforme diversos estudos demonstram (por exemplo,

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Galves, 2001), inclusive nas construções com verbos auxiliares e semi-auxiliares: no PB, os clíticos estão sempre ligados em próclise à forma infinitiva do conjunto verbal (como, por exemplo, “Ela tem me ligado bastante”, “Ele vai te buscar hoje” etc.), ou seja, em nenhum dos casos há no PB a obrigatoriedade de ligação do clítico ao verbo flexionado. Este fato indicaria que nem mesmo o ter/haver seguidos de particípio do PB podem ser auxiliar, porque não passam no critério mencionado anteriormente. Mas esta idéia é somente válida a depender da análise do clítico que se adota.

Por exemplo, Duarte, Matos & Gonçalves (2005) propõem que o clítico é uma categoria que deve estar acima de AspP e que, em PB, há um núcleo ativo Asp no domínio do complemento no particípio, o que explicaria a possibilidade de o clítico estar ligado ao verbo principal.

Galves, Torres Moraes & Ribeiro (2005), por outro lado, propõem que a diferença de comportamento dos clíticos em PE e PB é resultado de regras morfológicas que são diferentes para as duas variedades e pela categoria à qual o clítico se liga em cada uma: enquanto na primeira ele se liga sintaticamente a Infl, na segunda a adjunção é feita a V. Se a segunda diferença (que é sintática) entre as variedades for adotada e aplicada à idéia de que o auxiliar é um V que seleciona outro VP, seria possível dizer que o fato de em PB os clíticos ocorrerem ligados ao verbo não flexionado em construções como ter+particípio, ir+infinitivo, estar+gerúndio, não é suficiente para se dizer que o verbo flexionado seleciona um núcleo que seja frásico, uma vez que o clítico não se liga a Infl, e sim a V.

Como a discussão sobre o estatuto do clítico é importante para que se argumente que um verbo seleciona um domínio frásico ou um domínio que não é frásico, e sabendo que sua colocação apresenta mudanças significativas na história do português (como Pagotto, 1996 e Cyrino, 1996 discutem), busquei observar como se dava a colocação pronominal em construções com auxiliares, modais, temporais e aspectuais. Como a literatura consultada sobre posição do clítico na diacronia do PB não apresenta uma divisão por esses tipos de verbo, fiz um levantamento em corpus do século XIX (composto de anúncios e cartas de jornais publicados em São Paulo) buscando somente a posição do pronome em tais construções.

Os resultados mostram que a ligação do clítico com o verbo principal da construção com os auxiliares era marginal (5%), o que não acontece com os temporais (76%) e modais (49%). Por outro lado, observando somente os casos de ligação do clítico ao verbo principal, vemos que a ênclise é majoritária para os temporais e modais – colocação possível no PE. A próclise ao verbo não-finito – posição do clítico no PB em construções com verbo seguido de verbo não-flexionado – são pouquíssimos.

Assim, foram poucos os casos de colocação do PB e relação às outras posições tanto para os auxiliares quanto para os modais e aspectuais, o que faz deles resultados não muito reveladores – principalmente se observarmos alguns exemplos expostos por Carneiro (2005) de dados de cartas escritas entre 1809 a 1904, porque lá podemos encontrar mais casos de clítico ligado ao particípio. Fiz, então, um estudo inicial em parte do corpus que se encontra na tese da autora, para comparar modais, aspectuais, auxiliares e temporais, já que nos resultados da tese não há essa classificação. Os resultados, preliminares neste ponto, indicam que a colocação pronominal típica do PB – próclise ao verbo principal – acontecia numa porcentagem semelhante para os aspectuais, temporais e auxiliares, e menor para os modais. Isso poderia indicar que, mesmo no século XIX, o PB só tinha verbos semi-auxiliares. É preciso, no entanto, estender o corpus a fim de proceder a uma análise mais cuidadosa e ampla, abrangendo, inclusive, séculos anteriores ao XIX.

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Graziela Rocha Reghini Ramos, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Populações indígenas brasileiras: suas línguas e suas escolas Orientador: Angel Humberto Corbera Mori

Para não repetirmos os erros do passado e evitarmos que mais populações sejam extintas, é necessário que as escolas indígenas se voltem para as divisões de trabalho existentes em cada comunidade, evitando-se que a escola sirva como sua porta de saída. Por essa razão, o trabalho a ser apresentado objetiva uma reflexão sobre as finalidades da educação indígena, ou seja, para que e para quem ela servirá, uma vez que a escola deve estar sempre voltada para as necessidades de cada sociedade, o que faz com que seja preciso que continuemos lutando por uma educação diferenciada, não somente por seu bilinguismo, mas também, e principalmente, por contribuir às necessidades de cada um desses povos.

Dessa maneira, pretendo realizar uma análise norteada pelos fundamentos da Linguística em interface com a Linguística Aplicada, uma vez que a língua está entre os principais fatores de diferenciação de tais comunidades, devendo-se considerar a maneira como o ensino de português é referenciado em alguns dos dispositivos proporcionados pelo Ministério da Educação (citados mais abaixo), já que há sim a necessidade de comunicação entre povos indígenas e não indígenas, bem como o acesso aos documentos da nação, que são disponibilizados apenas na língua oficial do país, porém, sempre priorizando a educação na língua nativa do grupo, devendo, portanto, o português ser ensinado na forma de segunda língua.

Partindo desse princípio, serão analisados, portanto, os principais dispositivos proporcionados pelo Ministério da Educação (MEC) como meio de garantir a educação indígena nos termos propostos pela constituição de 1988, uma vez que o ministério é o órgão responsável pela viabilização da educação diferenciada proposta por lei, ou seja, uma educação que busque fortalecer as práticas sociais e a língua materna de cada comunidade, sendo responsável ainda por elaborar e publicar materiais didáticos específicos e diferenciados em que se incluam conteúdos culturais correspondentes a cada comunidade, sempre considerando que a LDB de 1996 coloca que os programas educacionais indígenas devem ser planejados com audiência de suas comunidades.

A ideia de uma educação indígena bilíngue e intercultural já preconizada pela constituição de 1988 e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) foi o primeiro passo para o fim da negação da diferença que por séculos assolou nosso país. Durante quase 500 anos, a educação indígena esteve nas mãos de instituições religiosas que acreditavam (muitas ainda o fazem) que educar era integrar tais povos através da civilização alcançada pela catequização.

Esse integracionalismo e o não reconhecimento das especificidades dos povos indígenas como simples diferenças e não inferioridade foram alguns dos fatores de grande responsabilidade pela diminuição da população indígena brasileira, que hoje é de cerca de 270.000 habitantes (apenas 0.2% da população nacional). Entretanto, apesar de já

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superados pelas leis brasileiras, tais fatores ainda não o foram por grande parte da população não indígena, sendo seus direitos garantidos por lei muitas vezes violados dentro e fora das escolas, já que não raramente os programas de educação escolar desses povos são desenvolvidos por agências antiindígenas.

Assim, a análise dos dispositivos proporcionados pelo ministério, como o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas e de produções referentes ao assunto através da Coleção Educação para Todos, por meio dos exemplares: Formação de professores indígenas: repensando trajetórias, A Presença Indígena na Formação do Brasil, Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: O direito à diferença, O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje e Manual de Lingüística: subsídios para a formação de professores indígenas na área de linguagem, objetiva, primordialmente, a verificação do esforço demandado pela instituição para a realização de sua função perante as comunidades indígenas, a de efetivamente proporcionar a educação diferenciada assegurada por nossa constituição. Além dos materiais acima apontados, intenciono discutir ainda o documento com as propostas levantadas pelo Coneei – Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena – e as estatísticas indígenas mais recentes publicadas pelo MEC e pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Através de tais análises, será possível fazer um levantamento sobre os benefícios alcançados pela educação escolar indígena em nosso país. Entretanto, como todos os documentos a serem discutidos são de autoria do governo, serão ainda apresentadas algumas experiências de educação escolar indígena descritas por autores diversos como meio de demonstrar diferentes possibilidades de escolas, porém, que não devem servir como modelos a serem seguidos, mas sim como inspiração para que cada comunidade possa buscar a melhor maneira de desenvolver o seu ambiente escolar, levando em consideração as suas necessidades específicas bem como os desejos de sua população.

Dessa forma, busca-se com este trabalho contribuir para o fim de uma ideia errônea já perpetuada, a de que os indígenas são seres inferiores, que precisam de ajuda para evoluírem, uma vez que na atualidade evidencia-se o fato de que eles precisam sim de ajuda, mas somente para manterem sua individualidade e sua cultura, mas respeitando-se seus anseios e vontades e trabalhando-se com a autoestima desses povos que já foram esmagados e explorados por tanto tempo.

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Gabriel Leopoldino dos Santos, Mestrado em Lingüística – UNICAMP O tratamento enunciativo da metáfora no estudo da designação do nome “português” na América Latina: um trabalho com política de línguas Orientador: Eduardo Roberto Junqueira Guimarães

O trabalho que ora apresentamos inscreve-se num domínio de estudos da linguagem

que considera, em suas análises, a relação entre língua, história e ideologia. Assim, o sentido da linguagem, para nós, encontra-se nos estudos que fazemos da enunciação enquanto um acontecimento do dizer. Pensar a enunciação enquanto um processo de atribuição de sentidos a um enunciado, a uma determinada forma linguística, é trabalhar, desde o início, com a noção da não-transparência da linguagem. Isso porque a constituição do sentido de um enunciado não se dá somente por meio de relações internas entre as suas formas, mas sim por meio da relação que o linguístico estabelece com a exterioridade que lhe constitui. Dito diferentemente, o processo de atribuição de sentidos a um enunciado envolve pensar a relação entre as formas linguísticas e o acontecimento da enunciação.

Desse modo, nosso objetivo de pesquisa é estudar o funcionamento enunciativo da designação do nome, mais precisamente do nome “português” (ou de sua forma correlata “língua portuguesa”), nas enunciações de falantes-estudantes ou professores de português na Universidade Nacional de Entre Ríos (UNER). Esclarecemos que a UNER está localizada na cidade de Concórdia, na província de Entre Ríos, Argentina. A partir desse objeto específico de análise linguística, queremos desenvolver nosso trabalho em dois momentos: 1. o primeiro deles estará relacionado com um enfoque de natureza teórica que visará aprofundar a construção epistemológica em torno do conceito de designação, levando-se em conta o funcionamento metafórico nos domínios do acontecimento da enunciação. Trata-se, pois, de trabalhar a relação entre metáfora (tal como a conceberemos posteriormente) e acontecimento enunciativo no processo de designação de nomes, em nosso caso, de línguas nacionais; e 2. o segundo momento, de natureza analítica, relaciona-se com o funcionamento enunciativo da designação de “português” na relação política e conflituosa que esta estabelece com a designação do nome “espanhol” (ou de sua forma correlata “língua espanhola”), de um lado, e com designações de nomes de outras línguas nacionais, como a de inglês, a de francês, a de alemão etc., de outro.

Para procedermos às análises dos recortes que faremos do corpus que temos à disposição, que consiste em entrevistas gravadas com estudantes e professores de português no espaço da UNER, utilizaremos procedimentos analíticos da semântica da enunciação, e especificamente da Semântica do Acontecimento: um estudo enunciativo da designação (Guimarães, 2002). Além disso, este trabalho mantém um diálogo com a Análise de Discurso de orientação francesa (AD), conforme teorizada, sobretudo, por Michel Pêcheux (1988, 2006) e Eni Orlandi (1988, 1996, 2005, 2007).

Desse escopo teórico, utilizaremos como noções principais aquelas ligadas, por um lado, à relação entre designação e enunciação, estando o estudo da metáfora, tal qual o

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definiremos mais abaixo, relacionado a esse domínio, e, por outro, à relação entre enunciação e política de línguas específica a essa porção da América Latina. Assim, este estudo, ao mobilizar tais noções, poderá colocar em questão os modos como se tem tradicionalmente considerado o sentido na língua, supondo-o literal e “colado” às palavras que denotam uma certa relação com o mundo, sendo a metáfora, conforme tomada pelos estudos de estilística e retórica, “uma transformação ou desvio do sentido literal, que é compreendido como o sentido ontológico das coisas, dos objetos, dos seres” (Joanilho, 1996, p. 24, Por uma abordagem discursiva da metáfora). Assim, a base para a compreensão da metáfora nessa visão de linguagem atesta para a existência de um sentido literal, anterior à mudança de sentidos operada pelo funcionamento metafórico. Ao trabalharmos a enunciação e a subjetividade (relação entre o sujeito e os sentidos) como conceitos norteadores da constituição dos sentidos das palavras na língua, veremos que a noção de “metáfora” também ganha outro estatuto teórico que difere daquela forma tradicional discutida no início desta nossa exposição. Segundo nosso ponto de vista, a metáfora será concebida como

[...] um movimento de sentido que produz efeitos. Ela introduz um “modo de significar”,

que não é apenas um desvio de sentido, mas a própria instauração de uma subjetividade,

pois, como veremos, uma construção metafórica propõe, através do jogo de posições ou

alternância de vozes-sujeito no enunciado, uma singularidade nos domínios da

enunciação. (Joanilho, 1996, p. 70)

E, para complementar nossa definição de metáfora, citamos o que nos diz Pêcheux (1988, p. 132, Semântica e discurso). A metáfora, para ele, deve ser vista

[...] como processo sócio-histórico que serve como fundamento da “apresentação”(donation) de objetos para sujeitos, e não como uma simples forma de falar que viria secundariamente a se desenvolver com base em um sentido primeiro, não-metafórico, para o qual o objeto seria um dado “natural”, literalmente pré-social e pré-histórico. (os grifos são do autor)

Relacionando-se, então, a metáfora a um processo sócio-histórico de produção de sentidos, tomando-a como um “movimento que produz efeitos”, acreditamos que ela se torna uma ferramenta muito útil para trabalharmos com a designação de nomes de línguas nacionais, sendo a designação de “português” o nosso foco de interesse principal. Pensando-se que a designação “é o que se poderia chamar de significação de um nome, mas não enquanto algo abstrato”, mas sim “enquanto algo próprio das relações de linguagem”, “enquanto uma relação lingüística (simbólica) remetida ao real, exposta ao real” (Guimarães, 2002, p. 9, Semântica do acontecimento), podemos trabalhar essa “significação”, esse “modo de significar” a partir do “jogo de posições ou alternância de vozes-sujeito no enunciado” (Joanilho, 1996, p. 70), mobilizando, dessa forma, o que entendemos por metáfora e o que entendemos por designação. É nessa relação, pois,

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linguística e simbólica, remetida ao real, que faremos funcionar a noção de metáfora no jogo explicativo da designação de nomes.

Procura-se, a partir deste trabalho teórico-analítico, desvelar um tipo de política de línguas que está presente nessa região específica do Rio da Prata e que se nos apresenta como uma região de pesquisa sobre a linguagem que deve ser mais bem compreendida.

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Gabriela Strafacci Orosco, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Vênus e o Amor na obra de Ovídio Orientador: Isabella Tardin Cardoso

A presença da deusa romana Vênus, cujo principal atributo é o amor, na obra do

poeta romano Públio Nasão Ovídio (43 a.C – 18 d.C.) é notável, mais especificamente não apenas quando observamos os poemas elegíaco-didáticos (como Ars amatoria e Remedia amoris), mas também em sua épica, as Metamorfoses. Notamos que tal presença se articula de maneira distinta (e, no que concerne às primeiras referidas, aparentemente contrária), de obra a obra. Mas em uma análise mais aprofundada, verifica-se que a deusa, seja metonimicamente (por exemplo, como sinônimo do substantivo "amor", em Met., III, v. 322-3, ou ainda em Rem. V. 357-8), seja como personagem de aventuras e desventuras amorosas (como por exemplo, na narrativa de um episódio de adultério entre Vênus e Marte, em Met. IV, v. 167-189) abrange muito dapoesia ovidiana e configura-se de diversas maneiras. Na narração dos mitos em Metamorfoses, a deusa do amor não é apenas citada no sentido metonímico, como também é personagem. No poema didático Remedia amoris, Vênus se insinua como (mau) exemplo. Ali, o eu-lírico propõe a cura do amor, e cita a deusa como referência a histórias amorosas malfadadas. Ainda que consideradas parte de um mesmo gênero, em suas obras elegíaco-didáticas, Ars e Remedia, a representação do amor e do modo como a persona do vate o considera não é uniforme. Por exemplo, já se apontou (M. Trevizam, 2003) em Ars amatoria um tratamento intelectualmente mais “objetivo” conferido ao amor, a saber uma visão irônica e alegadamente imparcial de tal sentimento - o que diferiria da posição do poeta como protagonista nas aventuras amorosas das elegias de Amores. O contraste é diferente entre a Ars amatoria e os Remedia amoris, visto que, em cada um dos referidos poemas, a relação dos seres humanos com o amor é, ao menos nomeadamente, apresentada de modos opostos: na primeira, como objeto de uma “arte”; na outra como um mal, uma doença que deve ser curada. Em nossa pesquisa de Mestrado, pretendemos analisar a presença da deusa do amor na Ars, nos Remedia e nas Metamorfoses , focando-nos em passagens específicas desses poemas.

Nesta breve exposição, aparamo-nos, como ponto de partida para a análise comparativa, em uma passagem do livro X das Metamorfoses (v. 298-739) que narra a lenda em que um adultério e um incesto ocorrem, simultâneamente: Mirra apaixona-se pelo próprio pai, o rei Ciniras, e, viabilizado pela ajuda da ama de Mirra, durante a ausência de sua mãe, dá-se o encontro amoroso entre pai (sem o saber) e filha. Como consequências desse encontro, ocorrem a tentativa de Ciniras de assassinar Mirra e a metamorfose da jovem em árvore, propiciada pelos deuses para protegê-la da morte. Da cortiça rompida, sai Adônis, fruto da relação incestuosa entre pai e filha. A bela criança cresce e se transforma em um belo rapaz, que atrai os amores da própria deusa Vênus. A narrativa mítica termina quando Adônis é ferido mortalmente por um javali. Ao vê-lo morto, Vênus desespera-se e pede a Perséfone que transforme o sangue de seu amante em flor. De certa forma, o desespero da deusa (ela mesma afirma que nunca esquecerá a dor sentida com a morte de

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Adônis, em Met. X, 725-6) reforça o preceito do amor como um mal, mas ao pedir a Adônis que não se ocupe da caça, zombando, nesse momento da maneira de vestir-se de Diana (Met., livro X, v. 536), a deusa retoma a rusga existente entre ela e a deusa da caça e, numa leitura intratextual com Remedia, ela contra-argumenta o próprio poeta: o vate ovidiano aconselhara aos mortais que se ocupassem de Diana, leia-se, da caça (Rem., v. 144); Vênus aconselha ao seu amante (também mortal) que não se ocupe de tal atividade. Tal pranto da deusa, ocasionado pela morte de seu amado, é mencionado por Ovídio antes das Metamorfoses (7 d. C.), em Ars amatoria (1 a. C – 1 d. C.), nos livros I e III (v. 75 e v. 85, respectivamente); e a menção ao mito de Mirra também ocorre nessa mesma obra (v. 285-288), quando a voz do eu poético (na figura do magister) afirma que a jovem amara o pai, mas não com o amor conveniente a uma filha, e se encontraria, desde então, aprisionada sob a cortiça, de modo que as gotas que dela gotejam recebem seu nome. Em Remedia amoris também ocorre breve uma menção ao mito de Mirra (v. 99-102), quando o magister afirma que se, por absurdo, a jovem tivesse seguido seus conselhos para se curar da doença amorosa, não teria seu rosto coberto de cortiça.

É perceptível, portanto, que a presença de Vênus é tratada diversamente nas três referidas obras. Até este momento da pesquisa, observamos, tanto na Ars quanto em Remedia amoris, em passagens aparentemente metonímicas, um uso do mito: mas predominantemente como exemplum. No caso de Remedia amoris, Ovídio privilegia personagens de desastrosas histórias de amor, as quais não teriam ocorrido se, por absurdo, tivesse havido a interferência do poeta. Em Ars amatoria, como dito, o amor recebe um tratamento alegadamente objetivo e imparcial, à semelhança de uma técnica que pode ser ensinada (para uma visão crítica quanto a isso, cf. A. Schiesaro, 2002). Os mitos são, mais uma vez, utilizados como exemplum, com que o magister da mensagem didática vai ilustrar para seus discipuli as situações de galanteria que lhes servem de ensinamento: como, nas lendas míticas, comportam-se as mulheres, os homens e os deuses nos momentos que perpassam a conquista amorosa. Surpreende, no entanto, que também as Metamorfoses, obra que trata, em gênero épico, da transformação de tantos deuses e heróis da mitologia greco-romana, venha marcada por tamanha atuação da deusa do amor (A. Barchiesi, 1999). Como mais recentemente se tem ressaltado, a presença ativa de Vênus na narrativa da épica ovidiana se evidencia quando se coteja a versão de diversos episódios mitológicos nessa obra com as encontráveis quer em outros autores antigos, quer em outras obras do próprio Ovídio.

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Giovana Dragone Rosseto Antonio, Mestrado em Lingüística – UNICAMP A patologização de crianças sem patologia Orientador: Maria Irmã Hadler Coudry

Esse texto apresenta um resumo referente ao meu projeto de mestrado, iniciado no

ano de 2009, cuja ideia surgiu do fato de que se tornou comum, em nossos dias, ouvir diagnósticos na área de leitura e escrita como Dislexia, Transtorno de Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade, Transtorno de Leitura, Distúrbios de Conduta (Patologias cadastradas na Classificação Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), publicada pela Organização Mundial de Saúde. Fonte: http://w3.datasus.gov.br/datasus), Dificuldade de Aprendizagem.

Patologias que antes eram conhecidas por poucos, agora são divulgadas pela mídia e pelos profissionais da educação e discutidas por grande parte da população.

Quanto mais essas doenças são expostas na mídia, inclusive em telenovelas (Na novela Duas Caras, exibida pela Rede Globo entre 2007 e 2008, havia uma personagem, Clarissa, diagnosticada como disléxica), um maior número de pais de crianças utiliza os sintomas destas patologias descritas nos diversos meios de comunicação para pré-diagnosticar os próprios filhos, e buscam diferentes profissionais para confirmação dos diagnósticos. O principal objetivo dessa pesquisa, inicialmente, não é o de discutir a validade de tais diagnósticos ou a veracidade dos números publicados como estatística de cada um deles, que parecem ser supervalorizados. Como cuidadora no CCazinho (Alunos de diferentes cursos de graduação da UNICAMP que como eu cursaram a disciplina AM – 035 Leitura e escrita: acompanhamento de crianças e jovens e seguem o processo de alfabetização de crianças e jovens do CCazinho), desde 2006, pude acompanhar uma criança que apresenta diagnósticos médicos de Dislexia e Distúrbio de Aprendizagem que não condizem com a realidade de suas produções, uma vez que estas apresentam desvios próprios dos processos de leitura e escrita.

O que se busca nesse projeto, portanto, é focar na banalização das patologias e no crescente número de diagnósticos formulados por profissionais da área da saúde e de rótulos dados por professores e outros profissionais da área da educação a algumas crianças. Outra face dessa questão é: diagnostica-se a criança e o que isso muda?

Nota-se também que essa preocupação com a "não-aprendizagem" acontece cada vez mais cedo, seja por parte da escola, seja por parte da família. Há casos de crianças de apenas 6 e 7 anos, que ainda estão no processo inicial de aquisição da escrita, e já são rotuladas como atrasadas ou disléxicas, por exemplo.

Por meio do acompanhamento dessas crianças que chegam ao CCazinho, percebemos que um dos grandes problemas da patologização está na marca psicológica negativa que ela traz consigo; absorvendo o rótulo que lhes é dado, o que marca sua história e acaba por dificultar ainda mais o processo de aprendizagem.

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Essa atitude de rotulação se estende à escola, na medida em que fica cômodo encontrar sintomas que enquadrem as crianças com um ritmo diferente de aprendizagem em algum quadro patológico ao invés de trabalhar com cada aprendiz, buscando desenvolver uma solução para o problema. Segundo Coudry e Scarpa (1985, p.86), "o fato é que a escola tem se justificado em muitos de seus fracassos pela confortável atribuição de 'anormalidade' aos que escapam do modelo ditado por critérios estabelecidos pela própria escola".

Como conseqüência dessa situação, os professores rebaixam sua atenção para essas crianças consideradas atrasadas propondo atividades diferentes (mais fáceis), e na maioria das vezes, descontextualizadas e pouco interessantes para aquelas que julgam não ter o mesmo ritmo de aprendizagem da maioria da sala. Dentro desse contexto, cresce a preocupação dos pais em relação ao desempenho dos filhos, aumentando também a procura por profissionais que possam confirmar um diagnóstico que explique o fracasso escolar, sendo o diagnóstico de dislexia, aparentemente, o mais comum. Desse modo, as instituições e/ou profissionais que oferecem esse apoio acabam ganhando espaço, e no Brasil a que mais se destaca é a Associação Brasileira de Dislexia (ABD). Pesquisando o site oferecido pela ABD (Acesso em www.dislexia.org.br) encontram-se subsídios sobre a realização do diagnóstico, critérios principais que compõem a dislexia, depoimentos, vendas de matérias que ajudam a resolver a dislexia; por outro lado, nada se fala sobre os diferentes tipos de dislexia encontrados na literatura, e se mantém uma concepção de linguagem como decorrente do desenvolvimento da criança.

Portanto, esse trabalho buscará analisar os materiais coletados sobre dislexia, comparando aquilo que se divulga sobre tal patologia e as formas de acompanhamento das crianças diagnosticadas com o modo como é realizado o trabalho com a leitura e escrita no CCazinho, embasado na Neurolinguística Discursiva, que por sua vez está embasada teoricamente na concepção de linguagem proposta por Franchi (1977). Para o autor, é por meio da linguagem que o homem organiza suas experiências, além disso, é nela que “se produz, do modo mais admirável, o processo dialético entre o que resulta da interação e o que resulta da atividade do sujeito na constituição dos sistemas lingüísticos, as línguas naturais de que nos servimos” (Franchi, 1977, p.12).

Dessa forma, há uma grande relação entre o sujeito e a linguagem, uma vez que é à medida que se apropria do sistema lingüístico "que [o sujeito] se constitui a si próprio como locutor e aos outros como interlocutores" (FRANCHI, 1977, p.12).

Sendo o sujeito visto como alguém diretamente envolvido com a escrita e inserido em um contexto histórico e social, aquilo que geralmente é encarado como erro para professores e pais ou como doença para profissionais da área de saúde, responsáveis pelos diagnósticos dessas crianças, pode ser visto em sua singularidade, como um dado-achado (cf. Coudry, 1996) ou um indício, de acordo com o paradigma indiciário de Ginzburg (1989).

A proposta desse historiador italiano é de um modelo epistemológico baseado no detalhe, no singular, que mostra muito além daquilo que se vê superficialmente. "Acreditamos, pois, que 'dados singulares' (...) podem ser reveladores daquilo que se busca conhecer a respeito da relação do sujeito com a linguagem" (Abaurre e Coudry, no prelo). Dentro desse contexto teórico, torna-se possível realizar a análise proposta, buscando discutir aquilo que é divulgado pela mídia e proposto pela ABD e pelos profissionais da saúde e da educação.

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BIBLIOGRAFIA ABAURRE, M. B. M.; COUDRY, M. I. H. Em torno de sujeitos e de olhares. (no prelo) COUDRY, M. I. H. O que é dado em Neurolingüística? In: CASTRO, M. F. P. (org.), Método e o Dado no Estudo da Linguagem. Campinas: Editora da Unicamp, 1991/1996, pp. 179-194. FRANCHI, C. Linguagem – Atividade Constitutiva. In: Almanaque, v. 5. São Paulo: Editora Brasiliense, 1977. GINZBURG, C. Sinais – raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Tradução de Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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Graziela de Jesus Gomes, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Aspectos morfológicos e sintáticos da língua Huaripano-Pano Orientador: Angel Humberto Corbera Mori

Este artigo tem como objetivo apresentar alguns dos resultados obtidos de uma pesquisa feita sobre a língua indígena Huariapano, pertencente à família Pano. Esta família lingüística é uma das mais conhecidas da América do Sul e conta com cerca de 30 mil pessoas que habitam a Amazônia boliviana, peruana e brasileira. O referido estudo teve por objetivo principal uma análise descritiva da estrutura morfológica e, dentro do possível, sintática dessa língua. Tradicionalmente, os estudiosos costumavam distinguir a Sintaxe da Morfologia obedecendo ao critério das dimensões dos significantes. Assim, enquanto a Sintaxe estaria voltada para construções maiores do que a palavra (sintagmas, frases, orações, entre outras), a Morfologia cuidaria de construções cujo constituinte máximo seria a palavra, mais especificamente, o objeto dos estudos morfológicos seria o morfema (raízes, sufixos, entre outros). Essa distinção nem sempre é feita com tranqüilidade, o que torna mais conveniente o tratamento da morfologia e da sintaxe em conjunto, assim como foi feito com a análise da língua em questão. Para tanto, os dados lexicais e os textos literários usados para a realização da pesquisa são de Manuel Navarro (1903) e Stephen Parker (1992). Já os de Eugene E. Loos e Betty H. Loos (1980), Norma Fausta e Hiliador Davila (1982), foram usados para fins comparativos, já que se trata de línguas geneticamente próximas ao Huariapano, a saber, Capanahua e Shipibo, todos disponíveis no Instituto Lingüístico de Verano, Lima, Peru. Para tal empreitada, faremos menção de alguns princípios teóricos que nortearam nosso estudo.

Ao longo dos anos, como costuma ocorrer com a maior parte dos conceitos utilizados na Lingüística, várias foram as tentativas por parte dos estudiosos de definir a Morfologia. Assim, de acordo com Nida (1949), compreende o estudo dos morfemas e seus arranjos formando palavras. Para Matthews (1991), Morfologia é o termo utilizado para denominar o ramo da Lingüística que lida com a forma das palavras em diferentes usos e construções; já segundo Bauer (1988), trata-se do estudo das palavras e de sua estrutura, bem como do conjunto de unidades usadas na mudança da forma das palavras. Anderson (1988), por sua vez, conceitua Morfologia como o estudo da estrutura das palavras e do modo pelo qual tal estrutura reflete suas relações com outras palavras em construções maiores, como a sentença, e com o vocabulário total da língua.

Assim sendo, o termo Morfologia tanto pode estar relacionada com uma das partes do sistema de uma língua, quanto (sob um prisma teórico) com um componente da Gramática. Todavia, resguardadas algumas especificações teóricas, todos os conceitos nos direcionam para a idéia de que ao estudarmos a morfologia de uma determinada língua, em termos gerais, estaremos procedendo à análise descritiva da palavra e de seus constituintes estruturais (os morfemas) nessa língua. Contudo, o que especificamente devemos entender pelo termo ‘palavra’, considerando que para caracterizarmos melhor um campo de estudos

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é necessário definir com a máxima precisão seu objeto de estudo? A obtenção de uma resposta clara e objetiva para essa pergunta não tem sido uma tarefa fácil, tendo em vista as várias controvérsias entre os lingüistas sobre a noção de ‘palavra’, como podemos ver em Bloomfield (1933), Anderson (1992), entre outros. Não sendo nosso intuito entrar no mérito dessa discussão, já que tão somente nos interessa caracterizar a palavra no âmbito da língua Huariapano, deter-nos-emos em alguns procedimentos comumente utilizados em descrições morfológicas de línguas naturais para esse fim.

De acordo com a visão tradicional, o termo sintaxe diz respeito à parte da Gramática que estuda a maneira como as palavras, a partir de regras específicas, são combinadas e organizadas visando a constituir sentenças. Assim sendo, o objeto de estudo da sintaxe é a sentença. O problema com este conceito é que, em geral, ele limita os estudos sintáticos de uma determinada língua à mera apresentação de regras que caracterizam apenas uma variedade de tal língua. No tronco indo-europeu, por exemplo, essa variedade é representada pela norma padrão (escrita e utilizada em situações de formalidade). Com isso, tem-se um distanciamento de uma descrição lingüística em toda sua complexidade. Foi nesse âmbito que, historicamente, ocorreram tentativas de tornar a Sintaxe uma disciplina lingüística autônoma que pudesse contemplar de forma mais ampla as realidades lingüísticas. Procurando atender aos objetivos de nosso estudo, apresentamos algumas das propostas que visam a explicar a Sintaxe. Contudo, por motivos práticos, nos detivemos apenas em definições pautadas nas correntes lingüísticas denominadas Formalismo e Funcionalismo.

Dada esta prévia sobre alguns princípios teóricos utilizados no trabalho, outras terminologias teóricas que por ventura não tenham sido mencionadas aqui, certamente serão definidas conforme se faça necessário, na parte introdutória do artigo. Ainda, considerando as sobreposições freqüentes entre a Morfologia e a Sintaxe e, principalmente, as dificuldades em dissociar esses dois níveis lingüísticos em línguas tipologicamente aglutinantes, como é o caso em questão, serão apresentadas as descrições de algumas propriedades sintáticas das categorias e estruturas abordadas.

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Heitor da Silva Campos Júnior, Mestrado em Lingüística – UFES A variação sintática ausência/presença de artigo definido: um estudo de caso na busca da identidade linguística capixaba

Orientador: Lílian Coutinho Yacovenco A presente pesquisa tem por objetivo perquirir, à luz da Sociolinguística

Variacionista, a variação sintática ausência/presença de artigo definido antes de pronomes possessivos e nomes próprios no Português falado na cidade de Vitória, a fim de delimitar, em última instância, a partir de uma metodologia quantitativa de linha laboviana e uma avaliação qualitativa, a tendência capixaba para esse aspecto morfossintático, estabelecendo-o como (um) traço de identidade linguística dentro do cenário nacional em contrapartida a outras tendências registradas em pesquisas realizadas em diferentes regiões do País.

Por se tratar de um fenômeno variável, diversos trabalhos (AMARAL, 2003; CALLOU & SILVA, 1997; CALLOU et al., 2000; COSTA, 2002; SILVA, 1996a, 1996b) que tratam do artigo, especialmente a questão de sua ausência/presença diante de possessivos e nomes próprios, vêm estudando esse caso de variação morfossintática ao longo dos anos, dentre os quais se destacam como referência para esta pesquisa os realizados por Silva (1996a, 1996b) e Callou e Silva (1997).

Destarte, adotando alguns procedimentos já testados por Silva (1996a, 1996b) e Callou e Silva (1997), dentre outros, através da seleção de variáveis linguísticas, tais como presença de preposição, função sintática, status informacional, familiaridade de tratamento e personagem de domínio público, entre outras, e variáveis sociais, tais como escolaridade, faixa etária e sexo, buscar-se-á identificar quais fatores são mais significativos para a configuração da variável dependente presença/ausência de artigo definido diante de nomes próprios e pronomes possessivos.

O interesse primeiro pela adoção do artigo como objeto de estudo, antecedido apenas pelo desejo de se “fazer” sociolinguística variacionista, foi motivado pelo conhecimento de que “O artigo é uma conquista do linguajar do povo. Foi o prestígio popular que impôs aos latinófilos aceitá-lo como legítimo facto da lingua, e investigar-lhe as origens morfológicas e sinctáticas” (COELHO, 1949, p. 42).

O uso do artigo definido diante de possessivo na língua portuguesa tem sido estudado já há algumas décadas com resultados de pesquisa que demonstram que o Português brasileiro se desenvolveu de modo diferente do Português europeu, uma vez que no Brasil emprega-se menos artigo diante de possessivo que em Portugal. Os resultados de diferentes trabalhos em âmbito nacional têm demonstrado também variação na frequência desse uso do artigo diante de possessivos e nomes próprios em diferentes regiões do Brasil. Esses resultados instigam o desejo de verificar se esse emprego se realiza de modo diferente na variedade linguística capixaba em relação à variedade linguística de outras comunidades brasileiras.

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A identidade linguística do capixaba, de acordo com Yacovenco (2009), não é fenômeno sobre o qual se tenha grande conhecimento. Pode-se afirmar, inclusive, que traços característicos dessa identidade não são imediatamente perceptíveis para quem entra no Espírito Santo pela Grande Vitória, nem mesmo para os próprios capixabas. Nesse sentido, alguns trabalhos e projetos têm sido empreendidos no sentido de traçar a identidade linguística capixaba, aos quais este se agrega, visando colaborar para o conhecimento de alguns aspectos morfossintáticos regionais e, num espectro mais amplo, contribuir com uma base de dados maior, isto é, integrar a amostra de dados da variedade linguística da comunidade de fala brasileira.

De acordo com a divisão dialetal proposta por Nascentes (1953), o Espírito Santo comporia, juntamente com o Rio de Janeiro e com parte do leste de Minas Gerias, o subfalar fluminense. Callou e Silva (1997) registram a frequência de 70% de aplicação de artigo diante de possessivos e 43% de realização do artigo diante de antropônimos para o Rio de Janeiro. Segundo a classificação de Nascentes (1953), os capixabas deveriam estar em simetria linguística com os cariocas. A esse respeito, perpassa um dos questionamentos mais proeminentes da pesquisa: essa hipótese procede em relação ao aspecto morfossintático aqui suscitado?

Neves (2000, p. 391) destaca que a presença do artigo definido é determinada pela intenção do falante, bem como pela maneira como o usuário da língua pretende comunicar uma dada experiência. Para a autora, “o uso do artigo é, pois, extremamente dependente do conjunto de circunstâncias, lingüísticas ou não, que cercam a produção do enunciado”. Partindo desse pressuposto, poderíamos supor, como Silva (1996a), que a presença ou não do artigo parece estar relacionada a questões do discurso e a fatores de ordem semântica?

Ao término da pesquisa, a partir das leituras realizadas e dos dados coletados, de um modo geral, pretende-se verificar e/ou validar as seguintes hipóteses: (1) o uso do artigo definido diante de pronomes possessivos e nomes próprios pode se configurar como um traço de identidade linguística capixaba em comparação a outros estados do País; (2) os casos em que os artigos são precedidos por preposição com a qual podem contrair-se não são categóricos na comunidade capixaba, como identificado em cinco capitais brasileiras (CALLOU; SILVA, 1997); e (3) o percentual de uso do artigo na cidade de Vitória (ES) deverá ser menor do que de outras cidades de colonização posterior, como Porto Alegre e São Paulo, já que se acredita que quanto mais antiga for a colonização, menor será a ocorrência de uso do artigo (CALLOU; SILVA, 1997).

Essas hipóteses serão validadas a partir da pesquisa bibliográfica, incluindo aqui a consulta a dicionários e gramáticas, e da coleta de dados oriundos da pesquisa de campo e de entrevistas já realizadas pelo Projeto Português falado na cidade de Vitória (Portvix).

O corpus do Projeto Portvix, composto por 46 entrevistas, permitirá a análise da língua registrada em seu contexto de uso efetivo, propiciando o conhecimento mais aprofundado da realidade linguística da comunidade capixaba, já que se torna passível de ser quantificada e de tratamento estatístico. A esse propósito, cumpre ressaltar que a análise estatística será realizada pelo programa computacional VARBRUL. Análises preliminares de uma amostra-piloto, composta por quatro entrevistas com falantes capixabas, nascidos e moradores da cidade de Vitória, retirada do projeto Portvix, aponta que a comunidade de fala capixaba, no que atine ao uso do artigo definido em determinados contextos, confronta a hipótese inicial de Nascentes (1956), para quem o Espírito Santo estaria em simetria linguística com o Rio de Janeiro e a parte leste de Minas Gerais, apresentando um aspecto peculiar em relação a outras comunidades de fala brasileiras.

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Heliud Luis Maia Moura, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Recategorização e referência em narrativas orais populares da Amazônia: implicações sociocognitivas e cognitivoculturais no processo de construção textual Orientadora: Anna Christina Bentes da Silva

Este trabalho objetiva apresentar um estudo sobre Recategorização e Referência em Narrativas Orais Populares da Amazônia: Implicações sociocognitivas e cognitivoculturais no processo de construção textual. Tendo por base os construtos teórico-metodológicos da Lingüística Textual discutidos por Koch (1991), Koch (1997), Koch (2001), Koch (2005), Koch (2006a), Koch (2006b), Koch (2008), Marcuschi (2006), Marcuschi (2007), Marcuschi (2008) e Adam (2008); assim como pelas concepções de Tomasello (2003), Goffman (1974), Bauman (1991) e Hanks (2008), dente outros autores ligados às ciências cognitivas e aos estudos culturais, as análises em curso têm evidenciado que as narrativas, objetivo do presente trabalho, estão ancoradas em fatores sociocognitivos de natureza cultural, manifestando-se direta ou indiretamente na materialidade lingüística dessas instâncias enunciativas. No âmbito da Lingüística Textual, Koch (2001) afirma que a referenciação constitui uma atividade cognitivo-discursiva e interacional, implementada por sujeitos sociais no quadro de todo um conjunto de intervenientes de natureza também social. Nessa perspectiva, os ´´referentes`` não são´´coisas`` do mundo real ou puramente factual, mas objetos de discurso, construídos no decorrer da citada atividade lingüística. Nesse sentido, Koch (Op. Cit.) chama a atenção para o fato de que, na reativação de referentes textuais, a seleção dos elementos lingüísticos exerce num papel significativo no processo de textualização. Isto envolve procedimentos de (re)categorização desses referentes, diretamente conectados com a natureza da atividade sociocognitiva e com as formas através das quais essa atividade se concretiza em termos pragmáticos e interacionais. Para Marcuschi (2006), operações de enquadre, textualização e referenciação têm a propriedade de determinar domínios referenciais conduzidos lexicalmente ou discursivamente para construir configurações mais gerais, ultrapassando-se a simples coesão pelo encadeamento de elementos linearizados, seja por processos anafóricos ou outras de ligações seqüenciais locais, gerando formações mais amplas e de longo alcance. De acordo com Tomasello (2003), podemos conceber a recategorização e a referência como partes integrantes do sistema cognitivo-simbólico-cultural implementado no transcurso de práticas historicamente situadas. Assim, ´´no transcurso do tempo histórico, os seres humanos criaram em colaboração [...] um conglomerado de perspectivas e interpretações categoriais sobre todo tipo de objetos, eventos e relações, e as incorporaram em seus sistemas de comunicação simbólica chamados de linguagem`` (Tomasello, 2003, p. 237). O corpus da pesquisa é constituído de 100 (cem) narrativas orais, coletadas em 5 (cinco) comunidades rurais do interior do Pará e versam sobre as seguintes entidades míticas: boto, cobra grande, matintaperera, curupira e jurupari. Os informantes são, predominantemente, pessoas de mais de 50 anos e residem, desde que nasceram, nas localidades nas quais a coleta tem sido realizada. A partir das hipóteses iniciais e das análises prévias ainda em curso, é possível

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verificar diferenças na construção da referência dessas entidades, o que vem implicar também diversos modos de categorizá-las, levando em conta os domínios referencial-culturais em jogo nessas narrativas.Em termos de domínios de referência e (re)categorização as entidades míticas em estudo indiciam ou expressam as relações sociais específicas das comunidades das quais as narrativas foram extraídas. Tais relações são reguladas por convenções culturais mais ou menos estabilizadas, no entanto, tais convenções não se expressam diretamente através das interações quotidianas, mas podem ser visibilizadas em nível de materialidade lingüística nas histórias em análise, seja por indiciamento lexical, por processos de metaforização, como por subtendidos ou mecanismos metonímicos ou meronímicos. Assim, as narrativas em estudo podem ser interpretadas como instâncias ou espaços textual-discursivos por meio dos quais é possível compreender: conceitos, preconceitos, formas de pensar e agir, protótipos, estereótipos, enquadres sociais e determinados footings, que têm como propriedade o fato de manifestarem as formas pelas quais uma cultura existe enquanto tal. As narrativas sob investigação não são, portanto, meros artefatos textuais, pois constituem instâncias culturais e discursivas que encampam diferentes valores ligados às diferentes interações existentes numa sociedade. Os padrões e formas textuais apenas reafirmam esses valores, que são passíveis de serem manifestos nas diferentes estratégias comunicativas ou dialógicas, sempre heterogêneas, múltiplas e emergenciadas pelos contextos em que estão situadas.A pesquisa em curso objetiva reafirmar os aspectos citados, muito embora ainda possam se constituir como preliminares, devido o estado inicial em que as investigações se encontram. Vale ressaltar que esta pesquisa é de natureza qualitativa, envolvendo um posicionamento do pesquisador em relação aos dados em jogo. Dado o caráter deste trabalho, a questão da referenciação e da categorização não entram como meras representações à parte do mundo em que os episódios são narrados, mas integram a experiência cultural e social das pessoas que vivem nas comunidades nas quais estes relatos foram colhidos, experiências imbricadas em concepções e ações muito específicas do mundo amazônico, no caso, do interior do Pará. Tais experiências têm suas regulações próprias, demandam comportamentos e atitudes que não são possíveis/passíveis de acontecerem em outros ambientes culturais, pois têm sua lógica própria, seu modo de justificar-se nesses lócus, nos quais as interações têm mediações outras e passam a justificar-se por si mesmas, muito embora, sob o olhar do pesquisador exocêntrico, possam adquirir outras nuances e significações. As 100 (cem) narrativas constituem, portanto, uma maneira de olhar esse universo cultural, que nunca poderá ser igual aos que o habitam quotidianamente, já que o próprio olhar do pesquisador se constitui como apenas uma refração no que concerne às formas de entendimento das ações sociais postas em curso nos ambientes onde essas histórias são contadas.

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Hosana dos Santos Silva, Doutorado em Lingüística – USP O português na imprensa imigrantista Orientador: Marilza de Oliveira

As repercussões gramaticais e pragmáticas decorrentes das mudanças no sistema

pronominal do português do Brasil (PB) têm sido estudadas em repetidas ocasiões e sob perspectivas diversas. As análises voltadas às condições de uso e suas correlações com a dinâmica da mudança das línguas convergem na apresentação de uma variação regional, que possibilita a distinção entre uma variedade brasileira e uma variedade européia. Entre outros aspectos, aponta-se como característica do português europeu (PE) o uso do clítico como complemento verbal, enquanto o PB caracteriza-se pela substituição, cada vez mais freqüente, dos clíticos acusativos de terceira pessoa por uma categoria vazia (objetos nulos), por pronomes lexicais (nominativos) ou por sintagmas nominais anafóricos. No que concerne aos padrões de colocação pronominal, no PE a variante mais comum é a pós-verbal, sendo que a próclise é licenciada somente em algumas construções, geralmente em contextos nos quais atuam os “operadores” de clíticos (quantificadores, negação, alguns advérbios e complementizadores). No PB o clítico acusativo de terceira pessoa ocupa, geralmente, a posição pré-verbal nas sentenças com um só verbo finito e pós-verbal nas sentenças com verbos infinitivos, contexto em que aparece com um onset superficializado. Em início de sentença o clítico o é essencialmente enclítico, podendo ocorrer em posição pré-verbal somente quando há elementos foneticamente realizados à sua esquerda. Com relação aos demais clíticos (me, te, se, lhe, nos), a posição proclítica é generalizada na maioria dos contextos sintáticos. Nesta pesquisa, as questões que envolvem os complementos acusativos de terceira pessoa são analisadas em função dessas diferenças entre o português europeu e o brasileiro. Focalizando as múltiplas tensões que perpassavam a cidade de São Paulo entre o final do século XIX e início do XX, principalmente no que se referem às singularidades da imigração em massa, marcada pela diglossia e pelo embate cultural, este estudo propõe uma caracterização da variedade usada em São Paulo e da variedade usada por imigrantes portugueses radicados no Brasil, visando identificar, na língua escrita desses falantes, propriedades vinculadas ao português brasileiro e/ou ao europeu. O trabalho se inscreve na linha de pesquisa do Projeto “ Formação do português culto paulista escrito: o papel das grandes escolas”, parte integrante do Projeto Temático de Equipe “História do Português Paulista” (FAPESP / Proc. 06/55944-0), que busca prover uma abordagem integrada entre a teoria lingüística e a investigação histórica. Assim, pretendemos encaminhar as discussões sobre a ordem estrutural da língua e as variações específicas de seus usos pelos falantes para um campo de análise em que o fenômeno lingüístico seja apreendido como parte de um amplo processo de experiências dos grupos sociais. Desse modo, no que se refere aos procedimentos metodológicos, marca-se a opção pelo trabalho interdisciplinar, numa perspectiva integrada de investigação, emparelhando, cientificamente, a realidade histórica e a lingüística.

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Para tratamento teórico dos dados lingüísticos, o estudo fundamenta-se na teoria gerativa, especificamente no quadro do Programa Minimalista, conjugado ao construto teórico-metodológico da Sociolingüística Variacionista. Nesta etapa do trabalho focalizamos, especificamente, a imprensa imigrantista portuguesa do início do século XX - um período caracterizado, entre outros aspectos, pela busca da identidade e ascensão da consciência nacional brasileira. Trata-se de um momento em que a herança portuguesa passa a representar o passado a ser superado para consolidação da emancipação do país. Ao mesmo tempo, no além mar, Portugal, imerso em profunda crise social e econômica, arroga os direitos da velha metrópole, visando novamente consagrar-se como nação forte. Nesse sentido, alguns intelectuais portugueses, amparados no conceito de nação “extraterritorial”, encarregam-se da onerosa tarefa de difundir, especialmente nas terras do Brasil, sua ideologia nacionalista, manifesta na dignificação da imagem do português, na valorização de seus feitos passados, no louvor à “pátria-mãe”. Mas o Brasil (ou parte dos brasileiros), avesso a qualquer forma de dominação estrangeira, insiste em buscar sua própria mitologia cultural, cooperando, assim, para acirrar a luta social e política, travada nos mais diversos campos, entre esses “povos irmãos”.

Nesse ambiente hostil e marcado por contradições, a imprensa imigrantista cumpre o importante papel sócio-político de propagar esses ideais, perpetuando e/ou reafirmando os valores e as memórias lusitanas. Assim, essa imprensa coopera para (re)construção da identidade do imigrante português, porque cultiva o sentimento lusitanista, minimizando os efeitos do desenraizamento.

No quadro delineado, permanecem em destaque, ainda, as questões formuladas em torno da relação língua-nação - um dos pontos chave nas discussões sobre identidade. Trata-se também de um momento em que o debate acerca da língua nacional ou língua brasileira, efetivamente diferenciada do português europeu, já ganhara notoriedade, apesar do evidente apelo, não somente por parte dos portugueses, mas também dos nacionais conservadores, à manutenção da uniformidade lingüística entre os dois países. Nesta análise, ainda preliminar, trabalhamos com dados extraídos de edições dos jornais “O Lusitano” e “A Bandeira Portuguesa”, publicadas em São Paulo, em 19/04/1908 e 09/05/1908, respectivamente. Considerando o contexto social e histórico, temos a intenção de apreender traços da variedade lingüística usada por esses imigrantes portugueses radicados em São Paulo. Além disso, questionamos, dadas as diferenças entre o português brasileiro e o europeu, em que medida a língua usada por esses imigrantes é apresentada e/ou recebida como parte da herança portuguesa.

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Irislane Rodrigues Figueiredo, Mestrado em Lingüística – UFES As inserções narrativas como estratégia em editoriais de A Gazeta Orientador: José Augusto Carvalho

Em nossa pesquisa estudamos o processo argumentativo em editoriais do jornal A Gazeta, baseado especialmente na utilização de fragmentos narrativos. Isso configura o nosso objetivo geral. Como objetivo específico principal temos a caracterização do gênero base de análise. O corpus escolhido corresponde a editoriais impressos de uma instituição jornalística presente no Estado do Espírito Santo há mais de 80 anos. O gênero textual foi eleito pela sua representatividade no meio jornalístico, tanto pelo fato de figurar a opinião do jornal, um meio de comunicação bastante acessível, quanto pela questão de ser um gênero que aborda notícias nacionais e internacionais. Além dessas razões, sentimo-nos muito motivados por saber que se trata de um texto veiculador de opinião, rico em vocabulário e em estratégias linguísticas. Para dar início à pesquisa, algumas perguntas nortearam a proposta. Para citar algumas: Que teoria argumentativa utilizar? Que definição de narrativa assumir? Quais os possíveis propósitos do editorialista ao inserir fragmentos narrativos no texto? Como se dá o processo de argumentação a partir das narrativas? Para responder a essas questões, nosso trajeto inicia-se com a exposição de alguns conceitos considerados importantes para uma pesquisa baseada na comunicação, como a noção de língua, de texto, de contexto, etc. Feito isso, passamos ao quadro teórico que nos apoiará durante as análises. Para a pesquisa acerca da Argumentatividade, elegemos a Teoria da Argumentação segundo pressupostos de Perelman & Olbrechts-Tyteca, em O Tratado da Argumentação: Retórica Aplicada (1996) e de Ingedore Koch, em Argumentação e Linguagem (1984), que configuram a primeira parte do capítulo um. Do primeiro livro, consideramos basicamente as exposições que os autores fazem sobre o ato de convencer e de persuadir, as noções de auditório particular e de auditório universal, a explicação do que é fato/verdade e do que é presunção, a questão da adesão do auditório e, finalmente, as técnicas argumentativas ancoradas na lógica e na estruturação do real, sem deixar de considerar como se dá a seleção e a adaptação dos dados, de acordo com a concepção dos autores. Para melhor satisfazer a análise linguística, fundamentamo-nos em Koch (1984) para tratarmos da intencionalidade inscrita na língua, observando a estrutura textual que favorece a argumentação. Entre os recursos argumentativos listados pela autora, damos destaque à “argumentação por autoridade polifônica” e à noção dos “tempos verbais no discurso”. Para ampliar o segundo recurso citado, recorreremos às pesquisas de Weinrich (Estructura y función de los tiempos en el lenguaje – 1968), considerando que a abordagem faz referência tanto ao tempos verbais do mundo comentado quanto do mundo narrado, abrangendo comentários e narrativas. Continuamos o percurso, já na segunda parte do primeiro capítulo, apoiados na Teoria da Relevância, de Sperber & Wilson (2001), na qual os autores destacam as noções de Princípio Cognitivo e Princípio Comunicativo, levando-se em conta que, ao inserir uma informação em um texto, pressupõe-se a sua importância, e que a relevância é maior quando se obtém o máximo de esforço cognitivo sob o mínimo

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esforço de processamento. Finalizando o primeiro capítulo, passamos para a Teoria da Narrativa. Para isso, fundamentamo-nos nos estudos de Labov & Waletzky (1967), Labov (1972) e Carvalho (1995). Esses autores levam em consideração a noção de narrativa mínima e de narrativa completa. Como nosso intuito é reconhecer e analisar as inserções narrativas sob o prisma argumentativo, deter-nos-emos na primeira noção. Considerando que nossa análise tem por base um texto veiculado em jornal impresso, no segundo capítulo abordamos brevemente o domínio discursivo jornalístico, fazendo, inclusive, uma exposição rápida dos gêneros que compõem a parte opinativa dos jornais, e, de forma mais detida, caracterizamos linguisticamente e jornalisticamente o editorial. Para os aspectos jornalísticos, recorremos especialmente aos pressupostos de Beltrão (1980) e de Melo (1985). De acordo com esses autores, os editoriais podem ser classificados observando-se sua estrutura e sua espécie. Estruturalmente, os editoriais têm características específicas, que são: a impessoalidade, a topicalidade, a condensabilidade e a plasticidade. Quanto à espécie, eles podem variar segundo sua morfologia (artigo de fundo, suelto ou nota), sua topicalidade (preventivo, de ação e/ou de consequência), seu conteúdo (informativo, normativo ou ilustrativo), seu estilo (intelectual e/ou emocional) e sua natureza (promocional, circunstancial e/ou polêmico). Para a caracterização linguística do gênero, utilizamos basicamente os estudos de Marcuschi (Produção textual, análise de gêneros e compreensão - 2005), de Bentes (Linguística Textual. In: Introdução à Linguística vol. 1 - 2008) e de Koch (Desvendando os segredos do texto - 2006). Antecipando a análise, no capítulo três descrevemos a metodologia da pesquisa. Para a seleção do corpus, composto por cinco editoriais, recolhemos mais de 100 textos entre os meses junho e dezembro de 2008. Após leitura para confirmação da presença de inserções narrativas, elegemos aqueles que apresentavam partes de narração como principal fato desencadeador de argumentação. Como constatamos que a maioria dos editoriais coletados abordava assuntos de administração pública, de economia e de política, tentamos selecionar o material de análise da forma mais variada possível no que se refere ao âmbito de abordagem, isto é, municipal, estadual, nacional e internacional. O corpus é analisado qualitativamente, sob três aspectos: o jornalístico, o narrativo e o argumentativo. No âmbito jornalístico identificamos os editoriais segundo classificação de Melo (1985) e de Beltrão (1980) no que se refere à caracterização (impessoalidade, topicalidade, condensabilidade e plasticidade); e no que diz respeito à espécie, ou seja, de acordo com a morfologia, a topicalidade, o conteúdo, o estilo e a natureza. Logo após, partimos para a análise narrativa. Nesse ponto identificamos as inserções segundo definição de Labov (1972). Feita a identificação, observamos como elas se ligam aos comentários argumentativos do editorialista através dos verbos do mundo narrado e do mundo comentado, bem como através da inserção de outras vozes no discurso, o que Koch (1984) denomina argumentação por autoridade polifônica. Apoiados no referencial teórico e nas análises propostas, temos observado que as inserções narrativas são uma estratégia argumentativa no gênero discursivo jornalístico editorial porque atuam como instrumento de contextualização, de credibilidade e de argumentação por autoridade polifônica.

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Isadora Lima Machado, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Da utilidade e dos inconvenientes do método para a história das idéias lingüísticas

Orientador: Eduardo Roberto Junqueira Guimarães A partir de autores como S. Auroux, E. Orlandi, E. Guimarães, J-C Chevalier, S.

Delesalle, J-L Chiss, C. Puech, M. Foucault e F. Nietzsche, o trabalho se coloca algumas questões sobre a constituição de uma metodologia específica para a constituição de uma história das idéias lingüísticas a partir de obras. Este trabalho de algum modo se pauta por vazios e por lacunas que o fazer científico instaura quando precisa ser feito. É nesse sentido que fazer história das idéias lingüísticas permite que outros objetos sejam colocados às Ciências da Linguagem. Outros objetos, em geral, acabam por criar outros problemas. E, assim, se consideramos que esses outros problemas pedem outras práticas de análise, fica mais ou menos nítido que se deve refletir sobre essas outras práticas analíticas. Sendo mais particulares, diríamos que o trabalho com a história do saber lingüístico pode ser feito a partir de uma determinada série de obras pertinentes (AUROUX, 1985; CHEVALIER & DELESALLE, 1987; GUIMARÃES, 2004; ORLANDI, 2001, 2002) e, desse modo, precisaremos de uma prática analítica, isto é, de uma metodologia específica, que dê conta, não da totalidade de nosso objeto ou do esgotamento de nossas questões, mas da própria especificidade de nossa disciplina.

Tentando delimitar nosso trabalho, procuraremos de algum modo caracterizar o que entendemos por história. Para tanto, valemo-nos inicialmente das considerações de F. Nietzsche, e sua Consideração Intempestiva II, Da utilidade e dos inconvenientes da história para a vida (1874). Para o filósofo, a história é que precisa servir à vida, e não o contrário. Baseando-se nisso, trata de três formas de história: 1) história monumental, que é a do ser ativo e ambicioso; 2) história tradicional, que é a do ser que tem prazer em venerar e conservar; 3) história crítica, que é a do ser que sofre e tem necessidade de libertação. A história monumental ocorre quando se crê que os grandes momentos formam uma cadeia que prolonga pelos milênios a trave-mestra da história. Na história tradicional, o passado é um antiquário que deve ser conservado no que tem de imóvel. A história crítica surge, nesse contexto, como um terceiro modo por vezes necessário de ler a história. Trata-se do modo crítico no interesse da vida.

Nessa “categorização” tão própria a F. Nietzsche, fazemos ecoar alguns pressupostos da história nova, a saber, o rompimento das cadeias lineares e a invalidação da idéia de um sujeito que é fonte de seu dizer. Desse modo, olha-se para o passado com perguntas presentes, estabelecendo marcos que ali não se encontram per se. As perguntas ao passado partem, assim, do presente. Como afirma Nietzsche (1976), qualquer homem, ou nação, ou civilização tem necessidade do passado, mas não como pensadores que externalizam a vida e nem como indivíduos que apenas querem saber por saber. As necessidades do passado estão submetidas à direção da vida.

É tomando esse cuidado que trazemos à baila o modelo de análise triádica proposto por Auroux (1985) e exposto por Chevalier e Delesalle (1986). Para esse modelo de análise

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que mencionamos, e, portanto, para o fazer específico de história das idéias e teorias lingüísticas deve-se levar em contra três fatores: a história das instituições pertinentes à idéia que se percorre; a história dos acontecimentos contingentes relacionados; e análise do engendramento de teorias por meio de uma leitura atenta dos textos. Esta análise dos textos pertinentes deve ser situada sob dois eixos a saber, o eixo histórico e o eixo sincrônico. Guimarães (2004) entende a análise deste engendramento de teorias como análise de obras pertinentes para determinada idéia.

Já que a história de uma idéia pode ser feita a partir das obras que são importantes – e lembramos aqui que essa importância é determinada pelo historiador a partir de critérios que ele mesmo se coloca, repensamos até que ponto a obra pode ser tida como uma unidade óbvia, como Foucault questiona em Arqueologia do Saber (2007). Foucault (2007), para realizar seu projeto em A arqueologia do saber, coloca em cheque a unidade da obra e do livro, dizendo que “as margens de um livro jamais são nítidas nem rigorosamente determinadas (…), ele está preso em um sistema de remissões a outros livros, outros textos, outras fases: nó em uma rede” (FOUCAULT, 2007, p. 26).

É tomando esses pressupostos teóricos que levamos em conta que uma história das idéias lingüísticas pode ser feita a partir de obras fundamentais. Fundamentais, aqui, obviamente se refere a uma determina idéia ou conceito. Isto é, quando quero fazer a história de uma determinada idéia, ou de um determinado conceito, posso estabelecer uma série de obras que para o historiador são fundamentais. Essa escolha, entretanto, deve partir de um critério. Guimarães (2004), por exemplo, ao fazer história da semântica no Brasil, diz que o percurso que escolheu “é dos autores que produziram obras específicas no domínio dos estudos da significação” (GUIMARÃES, 2004, p. 14). Notamos que esse foi um critério que já instala uma temporalidade específica. O historiador, entretanto, pode instaurar uma temporalidade que pretende percorrer, novamente especificando quais são os marcos que ele próprio estabeleceu para constituir aquela determinada série.

Após a determinação da idéia ou conceito que se pretende percorrer, propomos que sejam feitos os recortes enunciativos, considerando-os sempre na medida em que integram o texto. A análise dessa série enunciativa que o historiador estabeleceu pode ser realizada a partir de inúmeros métodos ou procedimentos, de acordo com a teoria lingüística que embasa o historiador.

A partir desses resultados obtidos pela análise lingüística, começaria então o gesto de leitura. O historiador recorrerá, nesse momento, a algum suporte teórico que interprete os resultados obtidos.

Essa proposta metodológica foi pensada com vistas ao nosso de trabalho de dissertação. Dessa forma, daremos como exemplo o que pretendemos fazer em nossa pesquisa. Estabelecemos um tema, a saber, a função da linguagem na construção do real e das verdades sobre esse real no filósofo alemão F. Nietzsche e de que modo essas idéias ressoam na Lingüística do século XX. A partir desse critério, estabelecemos as obras que estudaríamos, levando em conta apenas as que foram publicadas em vida e pelo próprio autor para as obras de Nietzsche, e obras que tratam do assunto na Lingüística. A partir da leitura das obras, realizaremos os recortes enunciativos, tendo como entrada no texto palavras como verdade, moral e real na medida em que estiverem articuladas com língua ou linguagem. Com a série enunciativa realizada, utilizaremos recursos da semântica argumentativa e da semântica do acontecimento, bem como alguns procedimentos da Análise do Discurso de linha francesa para analisar as séries, levando em conta o que emerge de cada recorte. Por fim, e com os resultados das análises, buscaremos em autores

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como M. Foucault, G. Deleuze e F. Guattarri, dentre outros, suporte interpretativo para a análise, uma vez que são autores que se dedicaram à obra de Nietzsche.

Pensamos que uma metodologia sempre deve ser reformulada a partir do que será analisado. Tomar o cuidado de ajustar o aparato metodológico, modificando-o quando necessário, faz com que o trabalho não se torne uma grade positivista a partir da qual veremos o que queremos ver. Enunciar a metodologia, e tê-la, por outro lado, é de alguma forma compartilhar a interpretação, explicitando seus passos e, desse modo, abrindo-se ao diálogo.

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Jean Paul Campos e Sant’Anna, Mestrado em Lingüística – UNESP O sistema aspectual do Grego Antigo Orientador: Luis Carlos Cagliari Esta pesquisa, em nível de Mestrado, realizada no Programa de Pós-Graduação em Lingüística e Língua Portuguesa, da UNESP-Araraquara e financiada pelo CNPq, é de filiação formalista e utiliza-se da Semântica Formal como metodologia de trabalho. Esta pesquisa insere-se no campo dos estudos aspectuais e estabelecemos como objeto de nossos trabalhos o aspecto verbal, ou seja, a manifestação deste fenômeno no nível verbal. A língua em que a manifestação do aspecto verbal é analisado é o Grego Antigo (GA). Consideramos como GA diferentes momentos dessa língua que vão do período arcaico (aprox. VIII a.C.) até o início da era cristã (meados do séc. I). Nossa investigação pretende propor uma solução para duas questões semânticas que envolvem o aspecto verbal em GA: quais os componentes que exercem papel significativo no processo de composição do valor aspectual no verbo do GA e de que maneira esses componentes se relacionam para compor o valor aspectual do verbo grego. O verbo do Grego Antigo (GA) possui um rico mecanismo aspectual, que carece, desde a antigüidade, de uma explicação clara e precisa de seu funcionamento. O verbo em GA possui quatro formas distintas, quais sejam: Forma de Presente, Forma de Aoristo, Forma de Perfeito e Forma de Futuro. Essas formas verbais são costumam ser chamadas de temas temporais nos manuais de GA, todavia essa denominação se revela inadequada, pois na verdade as formas verbais denotam um valor aspectual, com exceção da forma de futuro que denota tempo. Abordagens contemporâneas do aspecto verbal GA apresentadas Adrados (1992), Rijksbaron (2002), Crespo et alli (2003), não apresentam respostas satisfatórias para as questões colocadas acima. Essas propostas carecem de um modelo sistemático para o cálculo do valor aspectual expresso pelo verbo em GA. Estes autores, ainda que admitam alguns valores aspectuais denotados pelas formas verbais do GA, propõe que o aspecto verbal do GA é primordialmente contextual e por esse motivo consideram-no pouco sistemático. Eles propõem que há usos diversos de cada uma das formas verbais e dos diversos tipos verbais sem que haja uma regularidade em seus valores semânticos. O quadro apresentado por essas pesquisas torna de difícil depreensão o valor aspectual dos verbos gregos, a interpretação dos textos passa a ser neste quadro, pouco clara e com certo tom de ambigüidade. A dificuldade desses autores de determinar com precisão o valor aspectual do verbo grego se encerra no fato de eles não distinguirem claramente os componentes que compõem o aspecto verbal em GA. Há em grego antigo dois elementos que compõe o aspecto verbal: o Aspecto Lexical que é o conjunto de traços semânticos do lexema verbal que permitem classificá-lo em tipos de eventualidades e o Aspecto Gramatical que se caracteriza na língua em questão pelo valor aspectual denotado pelas formas verbais (Presente, Aoristo e Perfeito). Para esta pesquisa adotamos os critérios estabelecidos por Smith (1991) para a classificação dos tipos de eventualidades. Segundo a autora as eventualidades são de cinco

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tipos: States, Activities, Accomplishiments, Achievements e Semelfactives. Propomos que para o cálculo preciso do valor do aspecto verbal do GA, é necessária a adoção de um método que consiste na soma dos dois elementos que compõe o aspecto verbal. O valor obtido por essa soma corresponderia ao valor aspectual expresso pelo verbo em questão. São propostos testes dos resultados em diferentes gêneros textuais compostos em GA. A investigação de processos utilizados para a expressão do aspecto em GA se justifica porque a compreensão do fenômeno aspectual ser fundamental para a interpretação dos textos compostos originalmente em GA, dada a riqueza do sistema aspectual dos verbos dessa língua. Tal pesquisa se torna pertinente à medida que, a partir da compreensão e da conseqüente sistematização de um modelo de funcionamento do aspecto verbal, têm-se recursos eficazes para a tradução precisa dos escritos compostos pelos antigos helenos. Os questionamentos e os resultados obtidos por meio da realização desta pesquisa, também contribuem para as investigações da Gramática Universal, pois sistematiza os mecanismos aspectuais de uma língua natural de grande importância para a formação do pensamento ocidental. Esta pesquisa tem como objetivo geral a compreensão dos mecanismos semânticos utilizados na expressão do aspecto verbal em GA. Como objetivos específicos temos i) compreender o papel do Aspecto Lexical e do Aspecto Gramatical na composição do aspecto verbal em GA, ii) mediantes modernas teorias semânticas explicar os mecanismos de composição do aspecto verbal em GA, visando a uma sistematização dos processos envolvidos, iii) a partir dos resultados obtidos elaborar um modelo de funcionamento para o aspecto verbal em GA Concluímos que o método para o cálculo do aspecto verbal do GA proposto nesta pesquisa, ou seja, o método que consiste em na soma de dois elementos que compõem os traços semânticos do verbo: o Aspecto Gramatical e o Aspecto Lexical, apresenta-se como satisfatório para os propósitos da investigação aqui desenvolvida. Essa conclusão é baseada em testes que foram executados com tal método em textos compostos originalmente em grego. As amostras utilizadas para a verificação da metodologia proposta contemplavam textos que vão da épica homérica aos evangelhos do Novo Testamento, passando por textos dramáticos da tragédia e da comédia e textos filosóficos. Reconhecemos que nosso corpus de análise ainda precisa ser ampliado e diversificado para que os resultados sejam definitivos, porém, pelos resultados obtidos até aqui, julgamos que o método proposto soluciona as questões fundamentais da pesquisa em questão. Assim sendo, mediante os resultados obtidos pela aplicação desse método, propomos uma sistematização do valor aspectual dos verbos em GA afim de que ela sirva como ferramenta para a interpretação dos textos compostos em GA e para investigações sobre a Gramática Universal, em especial sobre a questão do aspecto verbal.

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João Marcos Mateus Kogawa, Doutorado em Lingüística – UNICAMP A Semiologia saussuriana e a constituição do dispositivo da AD no Brasil

Orientador: Maria do Rosário Gregolin Os estudos que temos desenvolvido no Programa de Pós-graduação (Doutorado) em Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP”-, estão vinculados à linha de pesquisa Estrutura, organização e funcionamento discursivos e textuais, mais precisamente, ao projeto de pesquisa intitulado Discurso, história, memória: a constituição de identidades, coordenado pela Profª Dra. Maria do Rosário Gregolin. São estudos que têm como pressupostos teóricos as formulações da Análise do Discurso e que pretendem dar visibilidade: (i) aos percursos da Análise do Discurso francesa no Brasil; (ii) à relação entre AD e uma Semiologia Materialista derivada de certa leitura de Saussure nas décadas de 1960/70; (iii) à relação entre AD e uma Semiologia Histórica proposta recentemente por J. J. Courtine, que inclui não apenas a modalidade verbal da linguagem, mas também as formas não verbais. No prefácio de As palavras e as coisas Foucault (1999, p. 18) afirma que seu trabalho “[...] é antes um estudo que se esforça por encontrar a partir de que foram possíveis conhecimentos e teorias; segundo qual espaço de ordem se constituiu o saber; na base de qual a priori histórico e no elemento de qual positividade puderam aparecer ideias, constituir-se ciências, refletir-se experiências em filosofias, formar-se racionalidades, para talvez se desarticularem e logo desvanecerem.”Com base os trabalhos de Foucault sobre a emergência e a (não) institucionalização dos saberes, representantes de sua fase arqueológica, pretendemos: (i) Mostrar a importância e a forma com que Saussure era re-lido naquele momento da AD; (ii) Demonstrar os diálogos de Escobar com as obras de Pêcheux e Althusser, uma vez que o autor brasileiro cita constantemente as obras dos dois pensadores franceses; (iii) Investigar a pertinência da incorporação de uma teoria semiológica (de base saussuriana?) no interior do dispositivo analítico da AD.Nossa tese procura compreender a emergência da ADF no Brasil. Além dos trabalhos de Michel Foucault – que ajudam a pensar a emergência/transformação de um campo de saber – nossa pesquisa fundamenta-se na história das ideias linguísticas – mais precisamente nas discussões de Simon Bouquet e Cristian Puech a respeito da recepção/utilização da obra de Saussure. Com efeito, houve, nos anos 1960/70, a constituição epistemológica da AD, que se forma a partir da re-leitura de Marx, Saussure e Freud (a Tríplice Aliança). No entanto, esse primeiro percurso da teoria não se disciplinarizou. A história dessa disciplina foi/tem sido o objeto de estudo de importantes estudiosos do contexto francês, tais como: J.- J. Courtine, D. Maldidier, entre outros. No entanto, o mesmo não ocorre com a AD brasileira que “[...] ainda é pouco analisada, pouco conhecida” (GREGOLIN, Foucault e Pêcheux na AD: diálogos e duelos, 2004, p.193). Ao refletirmos sobre os percursos histórico-epistemológicos da disciplina surge a seguinte questão: Em que momento e de que forma essa teoria emergiu no contexto brasileiro? Diante dessa pergunta, Carlos Henrique de Escobar surge como um nome de autor quase impronunciável em nosso meio intelectual.

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Com efeito, ele foi responsável pela primeira recepção da teoria althussero-pecheutiana no Brasil. Ele e um grupo no Rio de Janeiro publicavam artigos em uma revista periódica denominada Tempo Brasileiro (doravante TB), juntamente com traduções de diversos textos de pensadores franceses que participavam ativamente de discussões em torno das teorias da História, do discurso e do sujeito, dentre eles: Althusser, Foucault e Pêcheux. Importante ressaltar que um dos primeiros textos de Pêcheux (“Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social”) foi traduzido na Revista Tempo Brasileiro 30/31 – organizada por C. H. de Escobar – em 1972 e lançado em 1973. Para além dos limites da TB, Escobar publica também vários livros, dentre eles, Proposições para uma semiologia e uma linguística: uma nova leitura de F. de Saussure (1973), em que se constrói a leitura sintomal do CLG. Nesse sentido, o deslocamento para as décadas de 1960/70 – período em que vigorava o regime ditatorial no Brasil – possibilita a reconstituição de um percurso da teoria pouco conhecido, em que a AD se formava enquanto re-leitura da Semiologia saussuriana. Escobar, então professor de Semiologia e Fundamentos Científicos da Comunicação na UFRJ, mostra que a Semiologia não formalizada por Saussure deve ser vista como uma Ciência dos Discursos Ideológicos em estado prático e que é preciso “Constituir os elementos teóricos de uma teoria geral capaz de formecer as condições para a análise das ‘formações discursivas’” (ESCOBAR, “Uma filosofia dos discursos: uma ciência dos discursos ideológicos”, 1972, p. 38). A ideia de conceitos em estado prático é retomada dos trabalhos de Althusser, para quem, a prática teórica deve se libertar do empirismo. Com efeito, para Escobar, a Semiologia apresentada no CLG é alvo de visadas empiristas. Dentre outros trabalhos, o autor critica a leitura barthesiana dessa Semiologia, na medida em que esse modelo trata os signos em circulação no “mundo real”. Sob essa perspectiva, o trabalho de Escobar é justamente constituir um campo científico de estudos sobre o discurso, em que uma teoria das ideologias – materializadas na língua e em outros suportes – ganharia consistência em correlação com uma Linguística científica – re-leitura de Saussure no sentido de libertá-lo da apropriação estruturalista/gerativista – e uma Ciência dos Discursos Ideológicos (Semiologia vista por um viés anti-empirista). Esse retorno da Semiologia encontra eco nos trabalhos de Courtine (Metamorfoses do discurso político: derivas da fala pública, 2006, p. 85) a respeito da Semiologia Histórica. O processo de retomada dessas discussões reitera a problemática atual de inserção de uma teoria semiológica no dispositivo analítico da AD para pensar as novas materialidades.

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Jocineide Macedo Karim, doutorado em Lingüística – UNEMAT O comportamento linguístico do falante matogrossense Orientador: Vandersi Sant’Ana Castro

Este trabalho objetiva analisar o comportamento linguístico das comunidades de

Cáceres e Poconé com relação ao uso das variantes presença e ausência da concordância de gênero na fala dessas comunidades. A abordagem que daremos ao estudo está centrada nas regras sociais que regem a interação comunicativa, na perspectiva da variante de prestígio e variante desprestigiada.

Cada falante é, a seu tempo, usuário e transformador de sua língua. Em razão disso, e para o conhecimento real da cultura de uma determinada comunidade, não basta pesquisar sua história, seus costumes ou modo de viver de seu povo. Faz-se necessário também vivenciar e observar a forma particular da comunidade se expressar através da língua para entendermos a realidade que a circunda.

As variedades linguísticas em nosso país são muito ricas, devido à dimensão territorial, além dos contatos inter-étnicos. Em determinadas regiões do país, as variedades nos colocam desafios como pesquisadores da área da sociolinguística. Em todas as comunidades existem variedades que são consideradas superiores. Há sempre uma ordenação que valoriza as variedades em uso de uma comunidade refletindo a hierarquia dos grupos sociais, ou seja, em uma comunidade existem as variedades de mais prestígio e as variedades de menos prestígio.

No Estado de Mato Grosso existe um campo muito amplo para a pesquisa linguística. O português de Mato Grosso apresenta uma diversidade linguística com marcas das variedades que o formaram, além das marcas dialetais dos imigrantes, provenientes das diversas regiões do país, que para esse estado vinham à procura de riqueza fácil, além das marcas de várias etnias, devido à diversidade de nações indígenas que compõem essa região.

Utilizaremos duas cidades amostrais para representar o fenômeno no Estado, Cáceres, e Poconé, considerando o fato de que o fenômeno da variação na concordância de gênero é próprio das cidades mais antigas de Mato Grosso e que foram colonizadas por europeus. A escolha dessas cidades justifica-se por terem as mesmas características, ou seja, a mesma formação cultural - foram fundadas a partir do século XVIII sob o domínio das coroas portuguesa e espanhola.

A pergunta que norteará o nosso trabalho é: qual é o comportamento social das comunidades de Cáceres e Poconé em relação ao uso da variante não-padrão da concordância de gênero em sua fala? Para a análise utilizaremos um corpus composto por entrevistas e narrativas das experiências vividas pelos informantes, além de informações oriundas de observação participante. Para a definição da amostra básica desta investigação, seguiremos os seguintes critérios: a) que os informantes e seus pais tenham nascido nas cidades de Cáceres e Poconé;

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b) que os informantes pertençam às faixas etárias de 20 a 30 anos; e de mais de 50 anos, sem escolaridade. Optamos por um total de 24 informantes, para representar a cidade de Cáceres e doze informantes para representar a cidade de Poconé.

Em relação às atitudes linguísticas, talvez no dialeto de Mato Grosso os falantes nativos não apresentem um sentimento de rejeição, ou reação em relação à fala do imigrante como o observado por Labov na comunidade de Martha´s Vineyard (Labov, 1972) e sim uma aceitação de outros padrões impostos pelos imigrantes, devido à insegurança linguística em relação ao seu próprio dialeto. Isso é o que pretendemos verificar.

A Atitude do ponto de vista do comportamento linguístico dos falantes de uma língua ou dialeto está correlacionada à organização social e aos valores simbólicos que as variedades linguísticas adquirem frente aos usuários de uma determinada língua.

Segundo Calvet (2002), “existe na sociedade o que poderíamos chamar de olhares sobre a língua, de imagens de língua, em uma palavra, normas que podem ser partilhadas por todos ou diferenciadas segundo certas variáveis sociais e que geram sentimentos, atitudes, comportamentos diferenciados”. Em face da variação linguística, podem-se ter atitudes de rejeição ou de aceitação, consideradas negativas ou positivas, mas que certamente têm influência sobre o modo com que percebem o discurso do outro.

Considerando que os usos da língua variam geograficamente, socialmente e historicamente, da mesma forma varia a norma espontânea, levando a uma mudança também em relação às atitudes linguísticas. Interessa à sociolingüística o comportamento social que essa norma pode provocar, podendo dessa forma se desenvolver dois tipos de consequência sobre os comportamentos linguísticos. Por um lado, o modo como os falantes encaram sua própria fala. E por outro, as reações dos falantes ao falar dos outros. Em um caso ou valoriza-se sua prática linguística ou tenta-se modificá-la em conformidade a um modelo prestigioso. Em outro, julgam-se as pessoas pelo seu modo de falar. Nesse quadro, entendemos que somente a partir de um estudo voltado para os fatores sociais é possível compreender e explicar o comportamento linguístico que os mato-grossenses assumem em relação à variação linguística da região. É precisamente disso que trata esta proposta, que se baseia fundamentalmente nos instrumentos teóricos da Sociolinguística, com o propósito de mostrar o comportamento linguístico do nativo em relação à variação no falar mato-grossense.

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José Simão da Silva Sobrinho, Doutorado em Lingüística – UNICAMP A origem da língua nacional do Brasil: uma questão de política lingüística Orientador: Eni de Lourdes Puccinelli Orlandi

Em minha pesquisa de doutoramento, investigo os efeitos de sentidos do Museu da Língua Portuguesa, por uma análise de seu funcionamento discursivo. Considero, nessa investigação, as relações que esse museu mantém com a história da Língua Portuguesa, da produção brasileira de conhecimento lingüístico, da instituição museu e do processo de formação política e social do Brasil com suas políticas públicas. Metodologicamente, observo o recorte que o museu opera: o que ele mostra como sendo língua e o que não mostra, atentando para os efeitos de sentidos produzidos nesse jogo entre o dizer/mostrar e o não-dizer/não-mostrar. Busco, por esse viés, compreender uma das formas da presença do político na linguagem: a institucionalização do saber sobre a(s) língua(s), que se realiza, por exemplo, na produção de dicionários e gramáticas, na elaboração de diretrizes curriculares para o ensino de língua(s), e, como proponho, na criação do Museu da Língua Portuguesa. Para esta apresentação, elegi a parte de minha tese na qual estou analisando o discurso desse museu sobre a origem da língua nacional do Brasil, a Língua Portuguesa. Até este momento de minha pesquisa, estou compreendendo que, por meio da etimologia, o Museu da Língua Portuguesa constrói uma origem para a língua nacional brasileira que, ao mesmo tempo, a legitima pela filiação à tradição escrita do Velho Mundo e a unifica pela filiação à “tradição” oral das línguas indígenas e africanas. Esse discurso sobre a origem da língua nacional do Brasil se textualiza em três artefatos da exposição permanente do museu: a escultura “Árvore de Palavras” e os painéis “As grandes famílias lingüísticas do mundo” e “História da Língua Portuguesa”. A “Árvore de Palavras”, uma escultura de aço com dezesseis metros de altura, pode ser vista de qualquer um dos dois elevadores panorâmicos. Nas raízes da árvore vêem-se palavras do suposto indo-europeu; no tronco, palavras da Língua Portuguesa; e na copa, objetos que essas palavras representam. O jogo de luzes e sombras produz a impressão de ver palavras em movimento. Na análise tanto desse artefato quanto dos demais, três coisas chamam a atenção: i. a concepção de “palavra” (e de “língua”) como “organismo vivo em constante mudança”; ii. a dualidade e o equívoco que trabalham a questão da origem da língua nacional do Brasil; iii. a articulação entre ciência e representação no discurso sobre a origem da língua nacional num país de colonização. A concepção de língua como organismo em permanente mudança vem do século XIX. A Etimologia dessa época, à qual o museu se filia, sustentava essa concepção de língua. Os estudos etimológicos na Antigüidade grega procuravam conhecer o “sentido verdadeiro”, “original” como meio de se chegar à natureza das palavras. Partindo do pressuposto de que a forma da palavra corresponde de modo natural e efetivo à coisa que designa, buscava-se, pela interrogação do “sentido primeiro”, conhecer a “verdadeira” natureza das palavras. Na Idade Média, os estudos etimológicos se deslocaram dessa orientação mais filosófica desenvolvida na Antigüidade grega. A preocupação não era mais a relação entre palavras e coisas, mas a relação entre as línguas. Estudava-se a origem das palavras buscando

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estabelecer a origem das línguas pelas semelhanças entre elas. Por exemplo, no século XVII, os estudos etimológicos “demonstraram” que o Francês teve origem no Hebraico, considerado, à época, por motivos religiosos, a língua-mãe. O Francês teria se formado do Latim, que, por sua vez, teria origem no Grego, que, por fim, teria vindo do Hebraico. Ficava estabelecida, assim, uma genealogia politicamente conseqüente para a Língua Francesa, que se afirmava, então, como a língua do Estado Francês, concorrendo com várias outras línguas. Os estudos etimológicos passaram a servir de instrumento político para a legitimação (ou o apagamento) de línguas em disputa face ao Estado. No século XIX, associada à gramática histórica, a etimologia passou a conceber a palavra (e a língua) como “organismo vivo em constante mudança”. Nessa perspectiva genética à qual o Museu da Língua Portuguesa se filia na “Árvore de Palavras”, a história da língua é concebida como evolução. A língua nacional do Brasil seria o resultado de uma evolução do suposto Indo-Europeu, a língua-mãe do Latim e do Grego clássicos e de todas as línguas vernáculas da Europa. Pela filiação de sentidos à etimologia do século XIX, o Museu da Língua Portuguesa legitima a língua nacional do Brasil, produzindo uma genealogia que a associa, por origem, às línguas européias, mas, também, às línguas indígenas, representadas pelo Tupi, e africanas, representadas pelo Quimbundo. A questão da origem da língua nacional do Brasil está marcada, desse modo, pela dualidade e pelo equívoco. A língua nacional do Brasil se produz nessa dualidade na qual existe, de um lado, a relação com as línguas indígenas e africanas e, de outro, a relação com a Língua Portuguesa do colonizador. No atual estágio de minha investigação, estou analisando que os painéis “As grandes famílias lingüísticas do mundo” e “História da Língua Portuguesa” também se constituem por uma filiação de sentidos com a ideologia evolucionista que predominou nos estudos da linguagem no século XIX. No final do século XVIII ocorreu uma mudança que se manifestou na ideologia, na filosofia e nas ciências que se desenvolveram no século XIX: já não era suficiente formular regras de funcionamento ou correspondências entre os conjuntos analisados, tornou-se imperativo apreender esses conjuntos num gesto que os colocasse em linha ascendente. Era o historicismo fundado na concepção evolucionista que surgia para se tornar a característica fundamental do pensamento do século XIX, inclusive no campo dos estudos da linguagem. Foi nesse contexto epistemológico que surgiu e se desenvolveu a lingüística comparada e a lingüística histórica, substituindo a ordenação sintática dos gramáticos do século XVIII por uma concepção genealógica das línguas. Os estudos da linguagem do século XIX agruparam as línguas em famílias, estabelecendo-lhes a ascendência, como faz o museu no painel “As grandes famílias lingüísticas do mundo”. Deixando de tomar as categorias lógicas por explicação, a gramática histórica se filiou ao estudo dos seres vivos, dos organismos. A língua passou a ser pensada como “organismo vivo em constante mudança”. A sociedade também começou a ser pensada por esse prisma. Essa mudança epistemológica, o surgimento do historicismo, foi importante para a produção da unidade das línguas nacionais européias. O gesto de agrupar em famílias as línguas que se afirmavam como nacionais, estabelecendo-lhes, pela descrição da evolução de suas formas, uma origem já legitimada, teve como um de seus efeitos o apagamento das várias outras línguas faladas na Europa, como os patois na França, por exemplo. A questão da origem é, portanto, uma questão de política lingüística. É, assim, uma questão do Estado. E fala-se de origem, no Museu da Língua Portuguesa, pela filiação a esse quadro teórico desenvolvido no século XIX, que concebe a história como evolução, que entende a mudança lingüística como o resultado da evolução das formas de uma língua.

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José Edicarlos de Aquino, mestrado em Lingüística – UNICAMP O que há de materno na língua? Considerações sobre os sentidos de “língua materna” no processo de gramatização brasileira nos séculos XIX e XX Orientador: Carolina María Rodríguez Zuccolillo

O trabalho objetiva estudar os sentidos da expressão “língua materna” no período inicial do processo de gramatização brasileira, da segunda metade do século XIX às primeiras décadas do século XX. O corpus estará constituído de gramáticas brasileiras e de discursos proferidos na Academia Brasileira de Letras (ABL), desse período de tempo, que façam uso da expressão em estudo. A perspectiva teórico-metodológica adotada será a da História das Ideias Lingüísticas, tal como trabalhada no Brasil, que leva em consideração não apenas a história dos eventos, mas também a história daquilo que se diz sobre eles. Nessa linha, para atingir o objetivo pretendido, faremos inicialmente um percurso pela história de sentidos da expressão “língua materna”, desde seu aparecimento, no século XII, nos textos da Igreja, até o século XIX, no contexto da formação das nações européias. A partir desse pano de fundo, procederemos a um estudo dos sentidos que a expressão “língua materna” apresenta nas gramáticas brasileiras e nos discursos dos acadêmicos da ABL, no período em foco. Nossa hipótese é de que há regularidades nos sentidos da expressão, que funcionam em termos de oposição a outros sentidos. Um conceito não é apenas uma noção dicionarizada. Assim, quando afirmamos que não existe apenas a história dos eventos, mas também a história daquilo que se diz sobre eles, falar de um conceito, ou antes, falar da história de um conceito envolve pensar três tipos de elementos: “as instituições, os acontecimentos nas instituições que organizam a produção de conhecimento, as obras que formulam este conhecimento, ou dito de outro modo, que resultam do conhecimento produzido” (GUIMARÃES, 2005, p. 11). A expressão “língua materna” está bem longe de ser tão clara quanto os dicionários procuram mostrar. Constituída de “língua” e “materna”, a locução faz rememorar, em cada uma dessas palavras, outros sentidos, também historicamente construídos. Com efeito, o materno da língua se re-significou ao longo do tempo, e, em razão disso, é uma noção cuja unidade e valor operatório devem ser postos em questão. Língua materna até pode ser a metáfora da terra-mãe, língua das origens, significados comumente associados ao termo. No entanto, segundo Urbain (1982), da época do aparecimento da expressão até o século XIV, não havia referência alguma à figura da mãe e, por extensão, a uma língua da terra-mãe ou uma língua das origens. Partindo da ideia de que a metaforização materna da língua naturaliza um conjunto de ideias sobre o modo de vida e as representações sociais de seus falantes, é possível percorrer o caminho da expressão “língua materna” e apontar a maneira como ela esteve ligada ao papel da mulher na sociedade, ao valor dado às línguas regionais, ao prestígio da escrita, aos aspectos estruturantes da relação rural X urbano, à emergência das nações e ao processo massivo de gramatização a partir do renascimento europeu. A partir daí, em concordância com Auroux (2001), para quem a gramatização dos vernáculos europeus é contemporânea de questionamentos sobre a origem desses vernáculos, bem como de suas relações com as

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línguas descobertas em outras partes do mundo, é também possível estudar como a expressão funciona em meio às concepções linguísticas no século XIX que deram sustentação ao projeto gramatical brasileiro. Mãe, mulher, línguas regionais e nacionais, linhagem sanguínea, oralidade, escrita, território, origem: a língua materna teve em torno de si reunidos todos esses elementos atuantes na constituição de dois imaginários: o imaginário de uma língua original e o imaginário de uma língua artificial, a língua da mãe e a língua do pai, a língua della casa e a língua del pane (cf. YAGUELLO, 1992). Por este trabalho inscrever-se num domínio de estudos da linguagem que considera, em suas análises, a relação entre língua, história e ideologia, ao procuramos os sentidos de “língua materna”, o que nos interessa é compreender os acontecimentos que em momentos diferentes da história permitiram fazer essa ou aquela leitura, ou melhor, permitiram que, no nosso caso, a expressão significasse isso ou aquilo. Ao examinar nosso material, não vendo a história como um simples arrolar de dados e fatos, buscamos os espaços de enunciação e as condições de produção que permitiram à expressão “língua materna” se significar e se re-significar no tempo e no espaço. A história dos sentidos de “língua materna” ainda está por ser feita. Este trabalho pretende ser apenas uma pequena contribuição nessa empreitada. Concentrar nosso objeto de pesquisa no processo de gramatização brasileira é solidarizar-se com Auroux (2001) quando ele diz que a gramatização massiva do mundo a partir de uma única tradição linguística inicial, a tradição grego latina, juntamente com a invenção da escrita, teve consequências práticas no modo de organização social dos homens, e, por isso, a importância de compreender esse processo. Buscar os sentidos de “língua materna” no processo de gramatização brasileira é também uma tentativa de trabalhar a questão da língua nos países de colonização, no nosso caso, compreender como língua, cultura popular, aspectos jurídico-políticos, universo religioso, relatos, relação língua/literatura, imigração, migrações, entre outros elementos atuam nas concepções linguísticas das gramáticas produzidas em um espaço de enunciação particular. A constituição de uma língua e a produção do conhecimento sobre essa língua são processos inseparáveis, de forma que, para Orlandi (2001), a articulação desses dois processos “tornaria visível o que é próprio à história do pensamento lingüístico brasileiro já que se trata de um país que, pelo fato da colonização, tem na sua origem uma língua que lhe foi imposta” (p.12). Por outro lado, falar em especificidade, principalmente quando se procura os sentidos de uma palavra ou expressão é trabalhar, desde o início, com a noção da não-transparência da linguagem, o que nos faz considerar que vamos encontrar os sentidos de “língua materna” por meio da relação que tal expressão estabelece com a exterioridade que lhe constitui.

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Juciele Pereira Dias, doutorado em Lingüística – UFSM Lingüística e a gramatização brasileira: por uma relação entre saberes em circulação Orientador: Amanda Eloina Scherer

Temos como objetivo, em nossa comunicação, apresentar o projeto de tese intitulado A escolarização da gramática da língua portuguesa do/no Brasil: Por uma relação entre instituições e saberes linguísticos em circulação. Este, que foi iniciado em março deste ano, tem em sua base uma continuidade da dissertação de mestrado O lugar e o funcionamento do Título pela obra de Mattoso Câmara, defendida no mês de fevereiro, sob a orientação da professora Amanda Scherer, na UFSM. Nossa proposta de tese tem como objeto de estudo o movimento editorial do compêndio gramatical MODERNA GRAMÁTICA PORTUGUÊSA, de Evanildo Bechara e sua fundamentação teórico-metodológica é a História das Ideias Linguísticas no Brasil e a Análise de Discurso Brasileira. Se em nossa dissertação observamos publicações que foram reintituladas ao serem reeditadas, nosso projeto de tese tem entre os objetivos específicos observar os efeitos de sentido do título da publicação em circulação, quem vem sendo reeditada ao longo de aproximadamente meio século. Considerando que a obra de Bechara foi publicada em 1961, pretendemos, em um primeiro momento, focar nossas leituras para fatos e acontecimentos constituintes da década de 60, tendo em vista o período compreendido entre os anos de 1959 (ano em que foi decretada a Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB) e de 2009 (ano da última atualização do compêndio gramatical de acordo com o novo Acordo Ortográfico). Nossa metodologia está dividida em duas partes que se desenrolam articuladas: a primeira é a realização de leituras teóricas sobre conceitos que perpassam a História das Ideias Linguísticas e a Análise de Discurso Brasileira, bem como de trabalhos publicados com as temáticas da Gramatização Brasileira e da institucionalização da Linguística; já a segunda é um levantamento de dados das edições e reimpressões do compêndio gramatical (títulos, subtítulos, anos, cidades, editoras, etc.) e de fatos e acontecimentos constitutivos do seu movimento editorial. No desenrolar das leituras, com base nas leituras de Eni Orlandi (2002, 2007, 2009), Eduardo Guimarães (1996) e Luiz Francisco Dias (2006), fomos levados a observar que o movimento editorial do compêndio gramatical de Bechara não começa com a efetiva publicação de Moderna Gramática, mas tem como horizonte de retrospecção uma adaptação do compêndio gramatical Gramática Expositiva, de Eduardo Carlos Pereira e, por conseguinte, uma relação com a fundação da Gramatização Brasileira. Esta, iniciada no final do século XIX, a partir de publicações como Gramática da Língua Portuguesa, de Julio Ribeiro, segundo Orlandi (2002, 2007), constitui um acontecimento discursivo presentificado na passagem discursiva de dois enunciados: “Língua Portuguesa do Brasil / Língua Portuguesa no Brasil”, quando se passa a produzir um conhecimento de nossa língua em nossa língua e em nosso país, embora tendo sido impressas fora do país. Posteriormente, em 1918, a editora Monteiro Lobato e Cia inaugura a impressão de livros no território brasileiro. A fundação de uma editora independente da tecnologia portuguesa possibilitou a expansão do mercado editorial

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brasileiro, mas poucos anos depois a empresa deu lugar à Companhia Editora Nacional, resultante de uma sociedade entre o escritor Monteiro Lobato e seu sócio Octalles Marcondes Ferreira. A fundação de uma editora brasileira foi significativa nas primeiras décadas do século XX, quando passa a haver uma profusão de compêndios gramaticais, fato que pode ser associado à maturidade da escola brasileira e à fundação das primeiras universidades na década de 30. Tanto os compêndios gramaticais de Eduardo Carlos Pereira (Gramática Expositiva: curso elementar, Gramática Expositiva: curso superior e Gramática Histórica), quanto o compêndio gramatical de Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguêsa) foram editados pela Companhia Editora Nacional. A singularidade estabelecida pela relação entre os compêndios gramaticais dos dois autores trata-se de uma questão de autoria. De acordo com Orlandi, o processo de ruptura que instaura uma nova autoria se dá por uma relação com a Linguística, que está na base da “adaptação” feita por Bechara. O eixo norteador de nosso estudo é a publicação Moderna Gramática Portuguêsa de 1961 em como constitutivos dessa publicação temos saberes linguísticos em circulação sendo normatizados/instituídos por decretos como é o caso da NGB (1959) e da Linguística (1962/1963). Não deixamos de salientar que a publicação de Bechara traz uma definição de língua fundamentada em Edward Sapir, linguista estruturalista americano que trabalhou a relação entre língua e cultura, bem como também traz ideias linguísticas de Joaquim Mattoso Câmara Jr, linguista e estruturalista brasileiro, que nessa época - da publicação de Bechara e da institucionalização da Linguística - desenvolveu estudos sobre uma relação entre língua e cultura. Dentre os nossos objetivos está o de observar como conceitos da linguística estruturalista, que se constituem por saberes sobre língua, foram discursivizados em um objeto histórico compêndio gramatical voltado para o ensino de língua portuguesa na escola e como, ao estar inserido em um movimento editorial, esse objeto histórico passa de um objeto direcionado para o ensino de língua na escola para um objeto que, segundo Dias & Bezerra (2006), sofre uma substancial modificação em 1999 e, sob uma orientação da Linguística Moderna, rompe com um padrão tradicional de gramática.

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Jucilene Oliveira Sousa, mestrado em Lingüística – UFES A expansão do gerúndio no português brasileiro: uma mudança natural

Orientador: Maria Marta Pereire Scherre

Dentre as grandes correntes da ciência da linguagem apresenta-se a Sociolingüística, uma das áreas da lingüística que estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala. A sociolingüística parte do princípio que as línguas apresentam uma face dinâmica oriunda da heterogeneidade que possibilita formas distintas de comunicação que juntas constituem o fenômeno da diversidade, fenômeno este, que dá ao falante a mobilidade que lhe garante trânsito amplo e autônomo pela heterogeneidade lingüística em que vivemos.

A diversidade lingüística tem ganhado, cada vez mais, destaque entre os campos de investigações científicas, por considerar a importância social da linguagem. Assim à luz da Teoria Variacionista, modelo teórico metodológico impulsionado pelo sociolinguista norte americano Willian Labov a partir da década de 60, compreendemos a língua como um sistema de regras variáveis cuja atualização dependerá das circunstâncias lingüísticas e sociais em que o falante está inserido. Para a mencionada pesquisa, optamos pela linha de pesquisa dos Estudos Analíticos Descritivos da Linguagem, por contemplar o funcionamento da língua Portuguesa em suas variedades de uso.

Cientes de tratarmos de um tema de status social negativo cristalizado, que, porém, jamais causará espanto aos que lidam com essa área de estudos da linguagem, por dizer respeito a uma atitude prevista na Teoria da Variação e mudança lingüística posto por Labov (2008, p.19), como um dos problemas envoltos na explicação da mudança em expansão, encontramos a partir da teoria laboviana as justificativas para a busca das origens da variação que envolve as estruturas (verbo + estar + -ndo) e (estar + -ndo), bem como a difusão e a propagação das mudanças nos usos da fala e a sistematização e a regularidade das mesmas. O legado de compreender como se caracteriza a mudança lingüística, verificar seu status social, entender o grau de comprometimento do fenômeno variável no sistema, definir as variantes em competição que se acha em processo de mudança seja no avanço ou no recuo da inovação são ações que se tornaram um desafio ante a “Expansão dos usos do Gerúndio no Português Brasileiro”.

É neste contexto que apresentamos as discussões das perífrases formadas pela variante de (verbo+infinitivo) Vamos enviar o pedido amanhã alternando com (verbo+auxiliar+gerúndio) Vamos estar enviando o pedido amanhã, nas estruturas com noção de futuridade, demarcando, assim, o ponto inicial das discussões popularmente conhecidas como gerundismo. Além disso, expandiremos nossa pesquisa às quase imperceptíveis variantes formadas também pelas perífrases (verbo + estar + -ndo) A gente precisa tá conversando às vezes e (estar + -ndo) Ele agora tá questionando tudo, que podem alternar, respectivamente, com (verbo + infinitivo) A gente precisa conversar às vezes e (verbo + presente) Ele agora questiona tudo, em construções nas quais não se

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configura a noção de futuridade. Consideraremos o que sido rotulado de gerundismo como uma ampliação natural dos usos do gerúndio e o constituímos como o fenômeno que possui diversas formas lingüísticas de uso (variantes), que no ato fala tem alternado ora com o infinitivo, ora com o presente em contextos de usos do Português Brasileiro. Com a pesquisa objetivamos a busca das origens da variação que envolve as estruturas (verbo + estar + -ndo) e (estar + -ndo), bem como a difusão e a propagação das mudanças nos usos da fala cotidiana.

Sabemos que após o Manifesto Anti-gerundismo de Ricardo Freire (2001), surgiram varias opiniões sobre o gerúndio, personagens da mídia, professores, advogados e diversas pessoas expressaram suas opiniões em sites, blogs da internet, programas, reportagens e entrevistas. No entanto, percebemos claramente que por mais que se tenha estigmatizado ridicularizado, o uso do “gerundismo”, o fenômeno tem ganhado espaço nos atos da fala cotidiana, caracterizando uma mudança em expansão.Embora, sujeito a avaliação social positiva ou negativa, sabemos que numa perspectiva cientifica, a estigmatização lingüística e a mobilidade social constituem temas de interesse sociolingüístico quantitativo por denotar a própria mudança em expansão.

Diante de variantes distintas, buscamos um método apropriado para medir na escolha do falante, bem como a freqüência dos usos em termos percentuais, os fatores que influenciam o fenômeno interna e externamente, para entendermos a estruturação e a sistematização do uso. E sob as orientações de Labov (1972) ao assumir o papel de simples investigador que pede uma ajuda para encontrar as diferentes maneiras de fala daquela comunidade, empreendemos a coleta de dados de situações reais e espontânea da fala, é conveniente lembrar que tomamos as devidas precauções para a coleta dos dados por se tratar de uma coleta não ortodoxa, que se diferencia da entrevista formal e se assemelha às observações de situações espontâneas. Atentamos as gravações, a transcrição e a codificação dos dados para que se constituísse o relato fidedigno da realidade.

Para o estudo em questão, coletamos os dados de gravações com durações e contextos diferentes, por isso, para estabelecer uma estimativa do uso do gerúndio o mais aconselhável é submetê-los ao tratamento quantitativo a transformação dos dados em códigos identificáveis de aplicação a versão GoldVarb X do programa Varbrul utilizado por Scherre e Naro (2001), Sankoff, Tagliamonte & Smith (2005); Mollica & Braga (2003); Guy & Zilles (2007) e em muitos outras pesquisas sociolinguistas.

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Júlia da Silva Marinho, doutorado em Lingüística – UNICAMP

Os promptings escrito e falado nas afasias

Orientador: Edwiges Maria Morato O presente trabalho tem como objetivo qualificar e caracterizar a emergência do

prompting na linguagem de afásicos em meio às atividades interativas desenvolvidas no Programa de Linguagem do Centro de Convivência de Afásicos (CCA), localizado no Instituto de Estudos da Linguagem/Universidade Estadual de Campinas (IEL/UNICAMP). Para tanto, tomamos por base no campo da neurolingüística uma perspectiva sócio-interacional (ou sócio-cognitiva) de inspiração vygotskyana. Neste quadro teórico, a linguagem e a interação são essenciais na constituição e organização da cognição humana.

Nosso propósito de empreender um estudo lingüístico-interacional do prompting verbal (oral e escrito), bem como seus ganhos explicativos para o contexto das afasias, surgiu da imprecisão conceitual do fenômeno, em geral tomado como “um auxílio para a inclusão automática de uma palavra, especialmente em tarefas em que devem completar ou concluir uma frase” (Besson & Ardilla, 1998). Não obstante a pouca clareza sobre os aspectos envolvidos em seu funcionamento, tem sido mencionado na literatura neurolingüística quando da referência às estratégias terapêuticas utilizadas na recuperação da linguagem por afásicos ou mesmo quando da observação de conversações espontâneas entre afásicos e não-afásicos. Via de regra, nesses estudos, o terapeuta fornece ou estimula o prompting oral ou escrito ao paciente. Com isso, perdem-se de vista vários aspectos do fenômeno.

Nesse ambiente, não é raro que seja tomado prioritariamente como uma estratégia não natural, e sim finalisticamente orientada pelo terapeuta do afásico, que intervém na possibilidade de execução do intuito comunicativo. O termo prompting, então, é usado para definir o "auxílio" oral dado pelo terapeuta. É considerada uma estratégia de mediação em que o interlocutor pronuncia a primeira sílaba da palavra que se deseja falar com o objetivo de facilitar o acesso lexical pelo paciente (Oliveira, 2007). Contudo, se a interação se der de forma assimétrica, descontextualizada e artificial, o prompting pode ser despojado de um caráter co-construtor que implica em acabamento, no sentido que lhe dá Bakhtin (2000, p.299).

No presente estudo, o prompting é considerado como um fenômeno atinente a práticas lingüístico-interacionais que se realiza através da construção conjunta entre os sujeitos em conversações ordinárias, cotidianas, notadamente, as que se realizam face a face. Não se trata apenas de um método clínico-terapêutico, mas de práticas interacionais que ocorrem nos mais diversos contextos e de diferentes maneiras como, por exemplo, uma palavra que pode vir carregada de significado incitando o interlocutor a falar sobre ela ou algo a ela relacionado; uma música ou uma imagem pode fazer disparar um texto; um gesto ou um meneio de cabeça que podem indicar que partilhamos uma mesma idéia nos

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estimulando a dar continuidade à construção de determinado argumento, e diversos outros disparadores e fenômenos que nos servirão como “gatilho” para a comunicação e a significação.

Aqui, o prompting pode ser considerado, dessa perspectiva, como um processo complexo de co-semioses (fala, escrita, gestos, entre outros) em meio às quais os interlocutores agenciam vários processos de significação que inter-atuam na compreensão e na interpretação do sentido, que nem sempre apresentam-se de forma explícita.

Ao tomar o prompting em suas diversas configurações como fenômeno a ser analisado, principalmente em se tratando da linguagem do afásico, surge outro ponto de essencial importância a ser discutido que é a questão da relação fala-escrita. Aqui, enfatizamos a importância de focarmo-nos na reflexão do prompting no continuum fala /oralidade – escrita/letramento. Apesar de ser um tema que, nos últimos anos, vem sendo explorado enquanto técnica-terapêutica, não tem recebido atenção teórico-metodológica, o que, inclusive, impede que seja analisado de forma consistente em contextos clínicos. Desse modo, justifica-se o empreendimento analítico do presente tema, através da análise das ocorrências do prompting, tendo em vista que o fenômeno permite que reconheçamos o seu estatuto lingüístico-interacional em contextos variados, em meio à co-ocorrência das duas modalidades da língua.

Tendo em vista o exposto até aqui, pretendemos, com este estudo, definir melhor os contornos conceituais do prompting, em suas diversas configurações e modalidades, descrevendo as condições e o contexto lingüístico-interacional propício à ocorrência de tal fenômeno. Como objetivo específico, visamos a caracterizar o que motiva os afásicos a optarem na resposta ao prompting – tanto pela fala, quanto pela escrita ou gesto ao se deparar com dificuldades específicas na produção oral. Para alcançar o objetivo pretendido no âmbito desta pesquisa, pretendemos trabalhar com um corpus de produções verbais orais e escritas extraídas em diferentes práticas e atividades desenvolvidas no Centro de Convivência de Afásicos (CCA).

A metodologia desta pesquisa, com foco nas práticas discursivas entre afásicos e não-afásicos, tem um caráter longitudinal, heurístico e qualitativo. O corpus foi constituído no decorrer de 12 meses, ao longo dos anos de 2008 e 2009, totalizando cerca de 32 encontros. Posteriormente, os dados vídeo-gravados serão transcritos seguindo o sistema de notação instituído pelo Grupo de Pesquisa COGITES (baseada nas convenções de transcrição textuais-conversacionais de língua falada. A partir da transcrição, serão observadas as ocorrências do prompting entre afásicos e não-afásicos e entre afásicos e afásicos, para a descrição e análise das suas características e especificidades.

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Juliana Batista Trannin, mestrado em Lingüística – UNICAMP

Completivas infinitivas de verbos causativos na diacronia do Português Europeu Orientador: Charlotte Galves

Em Português Europeu Moderno (PE), os verbos causativos podem se apresentar

em estruturas de Marcação Excepcional de Caso (ECM), Infinitivo flexionado e construções faire-Infinitive. A pesquisa, de base empírica, visa estudar as construções com os causativos mandar, fazer e deixar com complemento infinitivo na história do Português Europeu. A análise será baseada na fundamentação teórica da Gramática Gerativa, especificamente, a Teoria dos Princípios e Parâmetros.

Os objetivos específicos deste trabalho são: descrever as características da sintaxe dos verbos causativos que selecionam infinitivo na gramática anterior à do PE; analisar as propriedades distintas da gramática que precede o PE no que diz respeito às construções causativas ECM, faire-Inf e Infinitivo flexionado; estudar diacronicamente a evolução dessas construções para localizar uma possível mudança, comparando com os resultados relativos ao PE já obtidos.

O corpus é constituído por 1456 sentenças extraídas de 26 textos de autores portugueses nascidos entre os séculos XVI e XIX, incluídos no Corpus Histórico do Português Tycho Brahe. As sentenças foram classificadas de acordo com a ordem e a marcação de Caso dos constituintes, nas categorias descritas na literatura. A coleta e análise dos dados utilizaram os seguintes procedimentos: a) pesquisa em bibliografia pertinente; b) seleção do corpus; c) quantificação; d) análise e interpretação dos dados.

As construções causativas foram estudadas na literatura por, entre outros, Kayne (1975), Zubizarreta (1985), Burzio (1986), Guasti (1996) e Gonçalves (1999). Kayne (1975) postula para as construções faire-Infinitive (FI) uma estrutura subjacente em que faire seleciona um elemento sentencial, associada a uma transformação que altera a ordem do sujeito e do verbo encaixados. A FI é, segundo o autor, uma regra obrigatória de transformação de movimento do verbo, em que o NP entre faire e o infinitivo acaba por ocupar a posição à direita do objeto não preposicionado do infinitivo ou à direita do próprio V. Uma segunda transformação, A-Ins, obrigatoriamente insere a preposição à antes do sujeito do infinitivo, quando este é seguido por um NP objeto. Quanto às construções faire-Par (FP), o aparecimento da preposição está relacionada à construção passiva.

As construções com verbos causativos são organizadas, segundo Gonçalves (1999), em escala de defectividade: a mais defectiva é a construção fazer-Inf, cujo complemento infinitivo é uma projeção de Caus, e a menos defectiva é a construção de infinitivo flexionado, que é uma projeção de AgrS. Entre as duas está a construção de ECM, cujo complemento é uma projeção de T (defectivo).

Para Gonçalves (1999), existem dois domínios funcionais ativos na construção ECM, cada um dos verbos mantém independência sintática e morfológica, sendo o sujeito encaixado o único constituinte a verificar traços fora do domínio infinitivo. ECM possui T ativo para legitimação do NegP no domínio encaixado, permitindo a ocorrência do

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marcador de negação frásica. Em fazer-Inf, por outro lado, o marcador de negação frásica no domínio encaixado é agramatical, indicando a existência de um só nó T ativo no domínio mais alto.

A construção FI é caracterizada, portanto, pela alteração da organização dos constituintes no domínio encaixado, em que o sujeito ocupa a posição final, depois do complexo verbal. A estrutura ECM, por outro lado, distingue-se pelo fato do complemento infinitivo apresentar a ordem SVO, com o sujeito precedendo o verbo infinitivo. As orações infinitivas flexionadas, por sua vez, diferem das infinitivas simples pela marcação casual: nas primeiras, o sujeito encaixado é marcado por Nominativo pelo infinitivo flexionado e nas últimas, marcado por Acusativo pelo verbo finito da oração matriz.

Quanto ao infinitivo flexionado, Martins (2006) relaciona o aparecimento desta forma verbal em complementos oracionais de verbos ECM com mudanças como a perda da obrigatoriedade da subida do clítico e o surgimento do elemento de negação no domínio infinitivo. A autora aponta o século XVI como momento decisivo para a mudança, que envolve estruturas ambíguas provocadas por elipses em contextos de coordenação e orações infinitivas flexionadas independentes.

Em uma análise preliminar do corpus, a maior parte das sentenças encontradas é constituída de construções FI. No século XVI, as FIs representam 96,6% das ocorrências, 93,3% no século XVII e 88,3% no século XVIII. O número dessas construções aumenta novamente no século XIX, em que representam 96,5% dos dados. Registramos sentenças FI com sujeito nulo (1), sujeito na forma de clítico (2) e sujeito lexical em posição pós-verbal, precedido ou não pela preposição a (3 e 4):

(1) Porém Nero emperador mandou pintar em pano um coliseo de CXXI pés. (F. de Holanda, 1517).

(2) [...] a inconstância ainda que odiosa, nem por isso lhe faltam os motivos, que a fazem justamente ser precisa. (M. Aires, 1705)

(3) Sua Divina Majestade dê a Vossa Mercê aquele ardente amor, que faz correr as almas atrás de seus suaves ungüentos [...]; (A. das Chagas, 1631)

(4) Outro houve taõ pacifico, que fazia exhibir aos passageiros o dinheiro, que levavaõ: (M. da Costa, 1601)

Em relação às construções de ECM, registramos uma baixa ocorrência: 0,2% nos séculos XVI e XVII, e 0,3% no século XVIII. No século XIX, entretanto, não encontramos nenhuma sentença deste tipo. Quanto às construções de Infinitivo flexionado, não registramos nenhum caso em todo corpus.

Encontramos, além disso, diversas sentenças que não podem ser classificadas nos três tipos de construções causativas descritas, pois apresentam ambiguidade linear. No século XVI, essas sentenças representam 3,2% dos dados e no século seguinte, 3,7%. No século XVIII, essas construções representam 11,4% dos dados, mas no século seguinte, esse número reduz para 3,5%.

No que diz respeito ao tipo de sujeito infinitivo nas construções FI, é no século XVIII que podemos observar as mudanças ocorridas. As ocorrências de construções com sujeito nulo diminuem do século XVI (68,1%) para o XVII (59,3%) e reduzem para 37% no século XVIII. No século XIX, porém, a frequência aumenta para 52,7%. Quanto ao sujeito lexical nestas construções, a ocorrência aumenta gradualmente entre os séculos XVI e XVIII, de 10,4% para 21,5%, reduzindo para 18,2% no século XIX.

Diante do quadro apresentado, emergem as seguintes questões relativas às construções causativas do Português Europeu: 1) Qual é o estatuto do complemento

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infinitivo? 2) Como se dá a atribuição de Caso nas construções causativas? Qual é o processo responsável pela formação do predicado complexo? 3) Que tipo de elemento pode intervir entre os verbos? 4) As construções fazer...de/por do Português Europeu deste período são similares às construções faire...par/de do Francês? É possível relacionar os casos de verbos intransitivos com sujeito dativizado à ocorrência de acusativo preposicionado? 5) É possível confirmar a hipótese de Martins (2006) sobre o aparecimento do infinitivo flexionado em completivas de ECM? 6) Como explicar a variação observada nas construções causativas?

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Julie Kellen de Campos Borges, doutorado em Lingüística – UNICAMP (co-tutela Paris III)

Relatar o outro: o “(i)migrante(estrangeiro)” nos boletins de imigração e colonização do estado de São Paulo Orientador: Carolina Maria Rodríguez Zuccolillo

Em nosso trabalho de tese, analisamos como as políticas públicas têm significado os estrangeiros no Brasil, tomando como observatório as práticas instituídas em São Paulo. Nossa opção pelo estado paulista justifica-se pela sua forte representatividade na conjuntura nacional, sobretudo por ser uma das principais entradas para os estrangeiros em território brasileiro. Mais especificamente, investigamos o funcionamento lingüístico-histórico das designações do estrangeiro, tanto nas práticas jurídico-administrativas, iniciadas a partir da segunda metade do século XIX, quanto nas ações consideradas sócio-culturais, instituídas a partir dos séculos XX e XXI. Sob a perspectiva da análise de discurso, analisamos como aquele que vem de fora é designado em matérias verbais e não-verbais produzidas, recolhidas e preservadas por diferentes instituições: a antiga Hospedaria de Imigrantes da capital (1886 - 1887), o Centro Histórico do Imigrante (1986), o Museu da Imigração (1993), entre outras instituições que preservam a memória do imigrante ou conservam fontes sobre a imigração através da manutenção de coleções públicas. O corpus de nossa tese é constituído de boletins emitidos entre 1912 e 1952 pelo Departamento de Trabalho e por outros departamentos que o substituíram ao longo do século XX: Boletins do Departamento do Trabalho (1912 – 1929), Boletins do Departamento de Trabalho Agrícola (1932 -1933), Boletins do Departamento de Terras, Colonização e Imigração (1940 – 1941) e Boletins do Serviço de Imigração e Colonização (1950 – 1952). Outras unidades analíticas são provenientes de leis, decretos, estatutos, periódicos publicados em países estrangeiros: L’immigrant (1908), Le Brésil (1881-1922) e peças do museu da imigração. Considerando que a presença do estrangeiro no Brasil produz sentidos e uma série de relações materiais, questionamos quais sentidos são esses, como o modo de designá-los significaram os modos de administrar a diferença, como esses sentidos se engendraram na relação com o político. Ao tomarmos como unidade de análise os modos de designação do estrangeiro, consideramos que um nome não significa pela repetição estabilizada na história, mas pelas relações de força que estabelece com outros discursos. Em nosso trabalho explicitamos como a palavra “colonização”, por exemplo, significa de um modo no período de colonização do Brasil por Portugal, e, diferentemente, na primeira metade do século XX, período de grande fluxo de imigrantes no Brasil. Analisamos o uso de palavras como “immigrante estrangeiro”, “immigrante subsidiado”, “immigrante espontâneo”, “immigrante avulso” e a ausência da palavra “migrante” nos documentos em questão. De modo geral, o nosso objetivo é compreender como as políticas públicas de imigração determinam quem é estrangeiro, porque determinados sentidos para os estrangeiros se fixam e outros não, em quais filiações de sentidos as designações se inscrevem, considerando suas condições de produção, mostrando seus compromissos político ideológicos. Nesta apresentação gostaríamos de focalizar dois aspectos da tese: (1) como

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compreendemos os processos de designação, denominação e nomeação dentro dos preceitos teóricos eleitos para o trabalho, ou seja, segundo à filiação a uma análise de discurso de cunho histórico materialista. Para tal, discutimos as três noções a partir de formulações teóricas provenientes da lógica, da semântica histórica, da semântica referencial e da semântica do acontecimento, buscando salientar quais são os fios que se articulam, deslocam ou são resignificados no escopo da análise de discurso; (2) explicitar os percursos analíticos referentes ao boletins citados anteriormente, no período de 1912-1952. Mediante os recortes analíticos, desejamos discutir como a noção de república ainda é recente no Brasil e como a noção de “imigração” dá condições dela se desenvolver. Nossa opção por esse momento histórico justifica-se pelo desejo de compreender como o Brasil, uma vez independente de Portugal, coloniza o seu próprio território mediante políticas imigratórias. De modo geral, nossas análises focalizam os relatórios do “movimento immigratório”, do “movimento da hospedaria de immigrantes”, do “movimento da agencia official de collocação”. Já na década de 50, os relatórios do “movimento migratório de nacionais no estado de São Paulo”. Buscamos compreender como se traça a linha designativa entre imigrantes e brasileiros no corpus de trabalho, como se constrói a representação do imigrante no processo de povoamento do Brasil. Ao longo dos quarenta anos que compreendem o período de nossa análise, houveram alterações na periodicidade dos boletins, suspensão de publicações em determinados períodos, substituição de departamentos. Manteve-se, no entanto, em todos os exemplares publicados, os dados estatísticos dos estrangeiros e brasileiros que entravam no estado de São Paulo para trabalhar na indústria ou na lavoura cafeeira, por exemplo. Nosso olhar sob esses relatórios visam perscrutar como o modo de classificar o outro, seja pela descrição, apresentação de quadros estatísticos, ou através de recenseamentos, desvelam tanto lógicas de Estado, quanto representações da brasilidade. Ainda que de modo precoce e inconcluso, parece-nos que é somente a partir da Era Vargas que a palavra “migrante” começa a circular com mais freqüência na sociedade brasileira: à medida que os estados brasileiros já se constituíram e consolidaram, à proporção que o “immigrantes estrangeiros” começaram a se tornar uma ameaça à ordem nacional.

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Karen Alves da Silva, Doutorado em Lingüística –UNICAMP Saussure e a noção de sujeito falante Orientador: Maria Fausta Cajahyba Pereira de Castro

Durante anos e ainda hoje, o trabalho de Ferdinand de Saussure é conhecido pelas

dicotomias a ele atribuídas, especialmente língua e fala, sincronia e diacronia, eixos associativo e sintagmático. Detectar essas dicotomias certamente é possível, mas reduzir as articulações do mestre a uma “abordagem binária” não seria suficiente para esmiuçar uma obra inovadora e altamente complexa. Nas últimas décadas, o esforço de empreender uma análise não reducionista da obra desse autor ganhou vigor e a discussão dos postulados do genebrino, nos últimos anos, se impôs no cenário acadêmico mundial.

Motivada por esse contexto de rediscussão da teorização de Saussure, nossa empreitada, nessa pesquisa de doutorado, tem como objetivo lançar luzes sobre uma das facetas da obra do mestre: a constituição da noção de sujeito falante. Esse tema se nos impôs na sua complexidade à medida que progredia nosso trabalho – iniciado na graduação – com os novos manuscritos saussurianos, os quais não apontam a dicotomia língua e fala enquanto algo tão estável como foi posto pelas leituras rasas da obra de Saussure. Se esse corte não é tão fácil como foi aparentemente pressuposto até então, como se constitui a noção de sujeito falante que desse corte depende?

À luz desse questionamento, percorremos parte da obra de Saussure em busca de encaminhamentos de resposta. Para tanto, não adotamos uma linha teórica específica, mas nos orientamos pelos conceitos propostos pelo genebrino. Afinal, como nosso intuito é percorrer a obra de Saussure para analisar a formulação do conceito de sujeito falante, consideramos adequado nos pautarmos no modo de fazer ciência do mestre. Em outras palavras, partiremos do mesmo ponto de vista adotado por Saussure sobre língua, fala, sujeito falante, dentre outros aspectos relevantes.

A princípio, o material de pesquisa é um corpus composto pelo Curso de Lingüística Geral (2001[1916]), pelos Escritos de Lingüística Geral (2004 [2002]), pelas edições críticas do Curso de Tullio de Mauro (2005 [1967]) e de Engler (1989 [1968]), e por uma edição de alguns manuscritos saussurianos de Harvard feita por Parret (1993[4]) – “ Les manuscrits saussuriens de Harvard”. Já quanto ao referencial teórico, tomamos como base o trabalho de alguns autores, especialmente Godel (1957), De Mauro (1967), Engler (1968), Gadet (1987), Parret (1993[4]; 1995[6]), Trabant (2005), Fehr (2000), Normand (2000) e Bouquet (2000). Selecionamos esses autores porque, atualmente, os consideramos como as principais autoridades no que se refere aos estudos saussurianos, mas essa escolha não inviabiliza que outras referências sejam agregadas ao longo do percurso analítico.

Quanto a esse percurso, ele se justifica pelo objetivo de entender como se configura a noção de sujeito falante em relação ao corte língua e fala. Saussure, em seu Curso de Lingüística Geral (2001 [1916]), nos informa que existe a língua, enquanto algo que é passível de classificação e que não se confunde com a linguagem, e a fala, como a faceta da linguagem que pertence ao campo daquilo que não se pode classificar (acidental).

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Menciona o genebrino: “com o separar a língua da fala, separa-se, ao mesmo tempo: 1º, o que é social do que é individual; 2º, o que é essencial do que é acessório e mais ou menos acidental” (Saussure, 2001 [1916], p. 22).

Mas, o próprio Saussure pontua que a fronteira entre o âmbito social e o individual é “questão difícil de destrinchar” (Engler, 1989, p.284, trad. livre nossa). Dessa forma, a dicotomia língua e fala, mesmo tendo sido um corte teórico necessário para que o construto saussuriano se estabelecesse, pode não ser tomada enquanto algo absolutamente estável e não passível de questionamentos e reformulações. Então, se há, como afirmou Godel (1957 apud Bouquet, 2000, p. 272), uma “fronteira turva” entre língua e fala, como fica o estatuto do sujeito falante, já que “na parte executiva [na fala] 1º o indivíduo permanece senhor” ? (Engler, 1989, p. 40; destaques do autor; trad. livre nossa).

Nessa conjuntura, o sujeito falante seria, do ponto de vista estabelecido pela tradição de leituras de Saussure, aquele que usa a língua para as suas manifestações volitivas que, segundo o Curso, são expressas pela fala, configurando-se, portanto, como sujeito falante e pertencendo somente ao campo da fala. No âmbito da língua, esse sujeito seria apenas seu depositário e a registraria passivamente: [a língua] “trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro” (Saussure, 2001 [1916], p. 21).

Assim, não caberia ao sujeito falante qualquer participação ativa no tocante ao campo da língua, mas como a fronteira entre o que é da língua e o que é da fala permaneceu como algo turvo e de difícil estabelecimento, a posição desse sujeito também restou passível de questionamento.

Um trecho do texto feito por Saussure para a primeira conferência na Universidade de Genebra em novembro de 1891 nos permite refletir sobre a posição do sujeito falante:

Os fatos lingüísticos podem ser tidos como o resultado de atos de nossa vontade? Tal é, portanto, a questão. A ciência da linguagem, atual, lhe dá uma resposta afirmativa. Só que é preciso acrescentar, imediatamente, que há muitos graus conhecidos, como sabemos, na vontade consciente ou inconsciente; ora, de todos os atos que se poderia pôr em paralelo, o ato lingüístico, se posso chamá-lo assim, tem a característica [de ser] o menos refletido, o menos premeditado e, ao mesmo tempo, o mais impessoal de todos (SAUSSURE, 2004, p. 132).

Se o sujeito falante é, como pontuou Saussure, o senhor da parte executiva da linguagem e é na fala que esse sujeito pode manifestar suas expressões volitivas, como dizer que o ato lingüístico é irrefletido e impessoal ? Afinal, a princípio, o fato lingüístico é acontecimento de língua e, enquanto tal, não estaria submetido à vontade individual; já, em contrapartida, o ato lingüístico é execução da língua pela fala e, portanto, refere-se justamente àquilo que é individual: “fala é (...) um ato individual da vontade e inteligência” (Saussure, 2001 [1916], p. 22).

Atribuir ao sujeito falante vontade e particularidade é colocá-lo na esfera de um sujeito psicológico, o que é incompatível com o construto saussuriano. Todavia, seria possível apagar esse sujeito da esfera da língua? Os Manuscritos de Harvard apontam para a presença de uma orelha “que pode naturalmente decidir sobre semelhanças, identidades e

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diferenças de percepções” (Saussure apud Parret, 1993[1994], p. 2002; trad. livre nossa). Essa orelha, para nós, assim como para Parret, está muito próxima à posição do sujeito falante: ela decide/julga o que é da língua a partir da fala.

Assim, o sujeito falante estaria representado pela orelha enquanto aquele que decide. Mas, se considerarmos o questionamento de Saussure sobre os sintagmas – “toda frase será um sintagma. Ou a frase pertence à fala e não à língua. Ou objeção: os sintagmas não pertencem à fala e não estaríamos misturando as duas esferas sintagma-associação? (...)” (Engler, 1989, p. 283-284; trad. livre nossa) –, para nós, mais do que aquele que decide, o sujeito falante poderia se configurar como aquele que transita da esfera da fala para a da língua, quando utiliza os sintagmas. Em busca de luzes para essa nossa suposição que caminhamos atualmente.

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Karla Cristina dos Santos, Doutorado em Lingüística, UNICAMP

Relevância jurídica dos conceitos de significado, referência, contexto e intenção nos casos de injúria qualificada

Orientador Kanavillil Rajagopalan

Esta pesquisa aborda a relação ente injúria verbal e prática discriminatória, tendo em vista as formas qualificadas de injúria, ou seja, aquelas que, segundo a definição do Código Penal brasileiro, utilizam elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou à condição da pessoa idosa ou portadora de deficiência. Seguindo a abordagem austiniana dos atos de fala (AUSTIN, 1976), pretendo comparar como o sistema judicial brasileiro e os movimentos sociais interpretam a relação entre insultar e discriminar. O que se espera com essa investigação é refletir sobre duas tensões básicas do conceito de performativo: a relação entre dizer e fazer e o conflito entre convenções e atos individuais. O entendimento dessas tensões é fundamental para a discussão da relação entre injúria e prática discriminatória. A partir de um levantamento preliminar de dados jurídicos sobre casos de injúria, pretendo apresentar, nesta comunicação, uma análise das categorias semântico-pragmáticas empregadas na (re)constituição dos efeitos ofensivos do ato de fala pelo sistema judicial. As quatro categorias identificadas, significado, referência, contexto e intenção, além de desempenharem um papel fundamental na tradição dos estudos semânticos e pragmáticos, têm grande relevância jurídica nos casos de injúria. A intenção, por exemplo, aparece no meio jurídico sob a forma do dolo. O dolo é a intenção de praticar um ato, mesmo sabendo que ele é contrário à lei, e está relacionado à previsão dos resultados de uma ação e à vontade de obtê-los. Conforme o Código Penal, o crime doloso ocorre “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”. Dessa forma, o dolo é constituído por um elemento cognitivo, o conhecimento de que certo ato é considerado um crime, e um elemento volitivo, a vontade de realizar tal ato. Para haver dolo, é necessário haver consciência do alcance da ação no momento em que ela é realizada. O conhecimento dos elementos descritivos e normativos da conduta criminosa e a previsão da causalidade e do resultado dessa conduta são considerados fundamentais no julgamento dos casos de injúria. Na linguagem jurídica, o dolo constitui o tipo subjetivo da conduta proibida, que inclui vontade, intenção, tendências. O tipo objetivo é a exteriorização da vontade e da intenção por meio de uma ação. No caso da injúria, deve haver uma relação entre um dizer (tipo objetivo) e uma intenção (tipo subjetivo). Para o sistema judicial, alguns elementos são necessários para se definir a intenção injuriosa, entre eles: a) o depoimento das testemunhas, ou seja, das pessoas que estavam presentes no momento em que ocorreu a ação ofensiva e que ouviram as palavras e expressões pronunciadas, bem como presenciaram outras ações subsequentes; b) o nível de conhecimento e de consciência do agente, isto é, o conhecimento do conteúdo das

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expressões; e c) as tendências pessoais de quem pratica a ação criminosa. Para investigar a intenção que motivou a realização de uma ação específica no momento atual, devem-se levar em consideração outras ações realizadas pelo agente em sua vida pregressa. Portanto, num julgamento, não basta que o agente declare qual foi sua intenção no momento da ação. A constituição do ato de fala injurioso não dependerá só da intenção do sujeito que profere a ofensa, mas de como seus interlocutores percebem essa intenção. Tanto nos estudos pragmáticos dos atos de fala, quanto no meio legal, a intenção é uma categoria bastante contingente e que se baseia no conhecimento do significado das palavras e expressões. Dessa forma, os conceitos de significado e referência têm uma participação importante nos julgamentos de casos de injúria. Para que se reconheça uma injúria qualificada por racismo, por exemplo, é necessário que o significado das expressões proferidas esteja convencionalmente associado à produção de um efeito racista e injurioso. Tendo em vista a impossibilidade de definir de forma absoluta o referente de uma palavra ou expressão e o fato de que o conhecimento do significado e da referência do enunciado não é suficiente para definir a força do ato de fala (Austin, 1976), sempre há controvérsias quanto ao sentido da expressão e quanto ao seu efeito injurioso ou discriminatório. Embora muitas vezes o sistema judicial apresente uma concepção bastante logocêntrica de significado e referência, o que os processos por injúria demonstram é que, para o sistema legal, é relevante investigar não apenas “o que foi dito”, mas principalmente “como foi dito”. A apuração dos fatos dentro da ação judicial vai além da identificação dos enunciados, buscando reconstituir as circunstâncias em que eles foram proferidos. O sistema legal leva mais em consideração a imprecisão do significado e a importância de situar a linguagem no contexto do que nossas teorias linguísticas estão dispostas a aceitar. Nesse sentido, as decisões sempre dependem da análise das circunstâncias em que a ofensa foi feita. No entanto, num julgamento de injúria, a apuração dos fatos para se chegar ao contexto de produção da ofensa depende basicamente do testemunho das pessoas presentes na situação. O contexto é reconstruído a partir de perspectivas diversas, de interpretações que procuram recuperar uma espécie de elo perdido entre o efeito injurioso denunciado pela vítima e a sua causa, sua origem: quem disse o que e com qual intenção. Assim como a definição do significado e da intenção é problemática, também não é possível determinar completamente o contexto de um ato de fala. Podemos afirmar, então, que o julgamento dos casos de injúria só é possível devido à existência de uma brecha entre o ato de fala (seu contexto e intenções originais) e seus efeitos futuros. Derrida (1991, p. 13) afirma que “um contexto nunca é absolutamente determinável ou, antes, [...] que sua determinação nunca está assegurada ou saturada”. É essa indeterminação que possibilita o funcionamento da dinâmica do sistema judicial, principalmente no que se refere ao direito de ampla defesa por parte do acusado (que, no caso da injúria, está na possibilidade de negar o sentido ofensivo daquilo que foi dito). Se os contextos fossem inequívocos, toda a argumentação típica dos processos judiciais seria inútil.

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Lara Medeiros Borges Pereira, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Estudo de um caso de afasia a partir da obra A Interpretação das Afasias, de Sigmund Freud. Orientador: Maria Irma Hadler Coudry

O objetivo dessa pesquisa é a realização de um estudo de caso de um sujeito afásico a partir dos estudos de Sigmund Freud a respeito das afasias. Faz-se necessário esclarecer que Freud, amplamente reconhecido como o pai da Psicanálise, fora também um grande neurologista, sendo que tal formação acadêmica e as experiências práticas adquiridas através dela lhe forneceram muitas das bases para o desenvolvimento de sua teoria psicanalítica, sobretudo no que concerne aos atos falhos, lapsos, sonhos e chistes.

Não se pode deixar de apontar que o campo das Neurociências é composto por diversas disciplinas que tentam dar conta dos complexos fenômenos biológicos, psicológicos e sócio-culturais acerca do cérebro e seu funcionamento, dentre os quais se destacam a psicanálise, a neurologia, a filosofia, bem como os estudos relacionados à linguagem. Portanto, para a compreensão de um distúrbio de linguagem decorrente de um trauma, não se pode eliminar os conceitos e categorias psicológicas, psicanalíticas, psicopatológicas e sócio-culturais, mas sim, estabelecer relações entre elas e o funcionamento do sistema neuronal.

Ao iniciar-se nos estudos das afasias, a partir da década de 1880, Freud recorreu a Hughlings Jackson e ao seu modelo de aparato mental. Este estaria subdividido em níveis funcionais, ou seja, apresentaria uma hierarquia de funções estabelecidas a partir da evolução da espécie humana. Com base em seu modelo, Jackson também criou o conceito de dissolução, segundo o qual, em condições patológicas, funções tais como a da linguagem regrediriam para níveis hierarquicamente inferiores, menos voluntários e mais organizados (ver COUDRY, 2009). Suas premissas eram que, apesar dos eventos mentais não ocorrerem na ausência de eventos cerebrais paralelos, a relação entre estas duas séries de eventos não é causal, e que o físico e o psíquico são processos que devem ser concebidos separadamente, como concomitantes.

As afasias eram concebidas por Jackson como transtornos de linguagem, e não apenas de fala, relacionados a um déficit intelectual mais difuso, já que elas incluem muitas vezes a incapacidade de formular frases, e não somente de lembrar palavras. Ele ainda propunha que os aspectos físico e psíquico da afasia fossem considerados separadamente, concebendo, de um lado, a linguagem e a fala e, de outro, sua base física. Sua hipótese teórica geral era que, para compreender o aspecto psicológico da afasia, é preciso atentar para a sintomatologia positiva e negativa, ou seja, há que se considerar sempre as relações dinâmicas entre as funções comprometidas e as funções intactas da linguagem.

Freud observou que muitos sintomas das afasias pareciam compartilhar associações de caráter psicológico mais do que de caráter fisiológico. Isso significa que as parafasias, ao invés de serem “erros” verbais decorrentes de associações de palavras de sons ou significados semelhantes que tendem a substituir a palavra correta, poderiam ter uma

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natureza mais complexa, com a palavra substituta surgindo de alguma associação particular esquecida pelo sujeito. Desta forma, se se deseja entender as parafasias, deve-se olhar não apenas para a anatomia ou fisiologia do cérebro, mas também para a natureza das palavras e suas associações formais e pessoais, para os universos da linguagem e da psicologia, o universo do sentido.

Para o estudo do impacto na linguagem causado por lesões cerebrais, traumatismos crânio-encefálicos ou doenças neurodegenerativas, muitas vezes são utilizados conceitos advindos da psicologia e da psicanálise, tais como os de sujeito, emoção, cognição, pensamento, percepção, consciência, inconsciente, memória, entre outros. Tendo em vista a complexidade dos objetos de investigação dos neurocientistas, eles foram recorrendo paulatinamente às ciências humanas no intuito de obter subsídios para o estudo das inter-relações de dados do comportamento manifesto e estados cerebrais, bem como entre dados relacionados a estados mentais e sua relação com estados cerebrais. A partir de então, passa a ocorrer uma assimilação do léxico e de alguns conceitos da própria psicanálise, teoria que assinala que o sujeito não é uno, e sim dividido, já que é dotado de uma mente regida por conflitos entre o domínio consciente e o inconsciente. Este fato, bem como a possibilidade de aproximação – muitas vezes considerada improvável – entre este campo e o da neurociência, apontam, na realidade, para um parentesco ancestral, o qual a clínica, neurológica ou psicológica, revelou explicitamente, como se pode observar ao longo da obra de Freud.

Procurando sempre uma aproximação entre a normalidade a patologia, em A Interpretação das Afasias Freud procura explicitar como que muitas das alterações de linguagem presentes nos sujeitos afásicos também são encontradas em sujeitos normais, sendo que um dos principais fatores de diferenciação entre os dois estados seria a freqüência em que tais alterações são produzidas em um estado ou no outro. Nesta obra, que consistia em sua tese de doutorado, finalizada em 1891, o então neurologista já trazia alguns dos conceitos que futuramente se tornariam pressupostos básicos da psicanálise, como a relevância das associações para a constituição, organização e recuperação da linguagem dos sujeitos, bem como a importância dos atos falhos e lapsos de linguagem na compreensão da psique.

A metodologia utilizada para a realização da pesquisa de mestrado consiste na leitura e análise da obra A Interpretação das Afasias, bem como de diversas outras obras dos principais autores que abordaram esta temática, tais como Jakobson e Luria, juntamente com o acompanhamento semanal do sujeito estudado. Serão estudadas também obras fundamentais relacionadas à estrutura e o funcionamento do cérebro, tais como Conhecendo o Cérebro, de Luciano Meccacci, e O Erro de Descartes, de Antônio Damásio, entre outras. Concomitantemente, está sendo realizado um estudo rigoroso acerca da teoria psicanalítica freudiana, sobretudo das obras relacionadas mais diretamente a questões de alterações de linguagem, como Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana.

O sujeito analisado (WM), do sexo masculino, tem 46 anos e sofreu um acidente vascular cerebral há dois. Seu acompanhamento longitudinal individual vem sendo realizado desde o mês de agosto de 2009, em sessões semanais de 30 minutos de duração. Em seguida, ele participa das reuniões coletivas promovidas pelo CCA – Centro de Convivência de Afásicos da Unicamp, Grupo II.

A partir do contato e das atividades desenvolvidas com WM, algumas hipóteses acerca de seu caso já puderam ser levantadas. Foi percebida uma apraxia de fala, a qual vem sendo trabalhada durante os atendimentos, através de atividades desenvolvidas

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especialmente para que ele retome a capacidade de articulação das palavras e fonemas, bem como uma possibilidade de agramatismo, que vem sendo objeto de investigação. Já foi possível observar também que as palavras carregadas de sentido e afeto para o sujeito, como o nome de familiares e situações importantes de sua vida, são produzidas e até mesmo escritas com mais facilidade, o que corrobora a tese inicial de que as categorias psicológicas, psicanalíticas e sociais são fundamentais para a compreensão dos fenômenos cerebrais, sobretudo no estado patológico. COUDRY, Maria Irma Hadler. Neurolingüística Discursiva: afasia como tradução. Estudos da Lingua(gem), v. 6, p. 1-20, 2008. DAMÁSIO, Antônio. O erro de Descartes – Emoção, Razão e o Cérebro Humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

FREUD, Sigmund. A interpretação das afasias. Lisboa: Edições 70, 2003.

_______. Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. In: V. VI. Obras Completas de Sigmund Freud, Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1974.

MECACCI, Luciano. Conhecendo o Cérebro. São Paulo: Nobel, 1987.

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Larissa Montagner Cervo – Doutorado em Lingüística – UFSM Sobre história/memória do brasil e do brasileiro pela língua: minha língua, patrimônio nosso Orientador: Amanda Eloina Scherer

O projeto de tese Minha língua, patrimônio nosso, que vimos apresentar neste evento, está em andamento desde o início deste ano de 2009 e versa sobre a língua como patrimônio nacional, com base na sua condição de objeto de museu.

Inscritos na análise de discurso postulada na França por Michel Pêcheux e desenvolvida no Brasil por Eni Orlandi e demais pesquisadores, bem como ligados à linha de pesquisa Língua, Sujeito e História (PPGL/UFSM), buscamos refletir sobre a constituição da língua como um objeto de museu em virtude do Museu da Língua Portuguesa (SP), problematizando a questão do patrimônio especialmente em face da forma-sujeito urbana (cf. Orlandi, 2004). Isso porque entendemos que o gesto de comemoração da língua no museu e, com isso, a representação/instituição do patrimônio muito nos dizem ou nos levam a refletir sobre a relação do sujeito com o Estado, representado/significado na/pela língua portuguesa, e, ao mesmo tempo, com a nação. É pela nossa forma-sujeito histórica que sabemos quem somos e de onde somos; do mesmo modo, sem língua, não temos história nem memória.

Há muitas questões que avultam para reflexão nesse caminho que tomamos. De antemão, a própria constituição da língua como objeto de museu. Um patrimônio é um bem comumente reconhecido e comemorado por uma comunidade, prerrogativa tal que lhe garante características como preservação e continuidade, ou seja, ele constitui-se num jogo em que a memória significa em conjunto com a história por meio de filiações a grupos em relação aos quais esse patrimônio se identifica e por eles é identificado. Contudo, no caso da língua, observamos condições de produção singulares, uma vez que língua só se constitui na relação com o sujeito e pela inscrição na história, de tal modo que, pensada na perspectiva do patrimônio, é preciso que seja narrada/contada no museu a história e a memória do sujeito, ou melhor, no caso de uma língua nacional, de um povo, conjugação sem a qual o patrimônio não passa de mero texto jurídico.

Mas que língua é essa que está no museu? O que dela se conta? No momento em que se musealiza a língua, propõe-se não apenas potencializar a língua portuguesa como também, pensando o sujeito, reconhecer/conhecer/rever a língua pela via da comemoração, gesto que Venturini (2008) explica como fazer crer em processos de identificação que podem intervir no cenário urbano. Por que, nós, brasileiros, precisamos de um museu para comemorarmos a língua portuguesa? Que subsídios a nossa história enquanto nação e a história da língua portuguesa nos dá para isso? Ademais, por que precisamos de um museu para contar a história de uma língua que já tem, de certo modo, suas prerrogativas de conservação e continuidade jurídica e politicamente dadas, em se tratando de uma língua nacional? Talvez, seja a velha problemática da nossa brasilidade em relação à língua portuguesa que ressoe sem cessar na proposta do museu. Somos um país colonizado, diverso linguística e culturalmente, de modo que, mesmo tendo estatuto jurídico na singularidade do brasileiro, na

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nossa cidadania, a língua portuguesa não é a língua materna de muitos, não representa o multilinguismo existente em nosso território. A história e a memória latina dessa língua não necessariamente é a história e a memória que construímos com a língua portuguesa no Brasil. Mas, é ela quem, de algum modo, está no museu, na literatura, na sua diversidade constitutiva via falares regionais, raças, cultura, até mesmo biodiversidade. É a nossa relação de identificação com ela que somos convidados a rever, porque o museu é nosso e a língua também é nossa.

O museu não poupa esforços para tanto. Confrontando a tradicional e popular definição de museu como guardião do ‘velho’, ou depositário da memória (Davallon, 2005), o museu da língua 'guarda' algo vivo e dinâmico, e o faz mesclando os recursos mais primitivos ao high-tech renovável. Boa parte do acervo é interativa e não permanente, se atualiza a cada visita, porque cada entrada no museu é uma proposta de movimentar o cenário que narra a língua na/por ela mesma. Explora-se justamente a materialidade e a plasticidade do objeto museal, a língua, bem tido como vetor do patrimônio imaterial da humanidade (Unesco, 2003). Na relação do simbólico com o político, joga-se com o real e o imaginário do sujeito pela vastidão de possibilidades, pela intensidade e, finalmente, pela impressão de domínio na/pela/da língua, parte do processo de comemoração.

Sendo o museu um entre tantos outros meios políticos de democratização do acesso à cultura, o museu democratiza algo que é nosso, não só porque os bens patrimoniais são nossos, mas porque a língua é minha e é nossa, cada um e todos temos uma relação com ela. A língua não é um lugar que se visita e que tem uma história espaço-temporal determinada, mas a língua que falamos, que decoramos, que aprendemos; também, é a nossa roupagem: é por ela que somos e nos apresentamos, é por ela que somos sujeitos de algum lugar. A língua nos constitui. Assim é que, além do acervo, todo o 'cenário' produz sentido para a comemoração, aliando tradição com história, memória e cultura: os meandros silenciados do projeto de revitalização do bairro e da Estação da Luz, local que abriga o museu; a referência histórico-cultural e a própria arquitetura da Estação; o metrô; e o urbano (Orlandi, 2004), que muito nos diz sobre ordem, desordem, organização na metáfora da língua.

“A língua é o que nos une”, esta é a chamada. Contudo, não só este slogan como o próprio gesto de comemoração envolvem um acordo de olhares, como diria Davallon (1999). Comemorar, para nós, envolve, um gesto de interpretação (Orlandi, 1996), e a aliança entre cultura e espetáculo trabalha na ordem do fazer crer, mas não é necessariamente garantia da significação da língua como patrimônio para o sujeito coletivo, para nós, brasileiros.

Se somos um só pela língua, porque é ela o ponto de confluência do múltiplo, do variado, da desordem, é na nossa cidadania que está-se convidando a pensar. No poder da nossa língua para e entre nós mesmos e, concomitantemente, para os outros, para o que nos é exterior é, ao mesmo tempo, tão importante política e economicamente. Talvez, também, a nossa história e a nossa memória brasileiras estejam sendo atravessadas/constituídas/significadas por uma falta, um devir que é o sonho da identificação plena com a língua nacional, para instituir finalmente uma nossa história, uma nossa memória por essa língua, e não pela diversidade que nos constitui. Reescrever, recontar a história? Reconstituir memória? Questão sócio-histórica, essencialmente da ordem do político (Orlandi, 2001) na língua e no sujeito, e de políticas (Cervo, 2008), há muito nesse processo que se apaga, que se silencia, que busca convencer, mostrar. Esses são alguns dos motes que nos instigam e nos encaminham neste trajeto no qual contamos a história da língua no museu, a língua patrimônio no Brasil.

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Liana de Andrade Biar – Doutorado em Lingüística – PUC-RJ A construção do desvio no discurso prisional: uma análise das narrativas contadas por internos do Complexo Penitenciário de Gericinó Orientador: Liliana Cabral Bastos

A partir do arcabouço interdisciplinar da análise do discurso informada pela sociolingüística interacional, situando-nos mais especificamente no campo das análises de narrativas de histórias de vida (Linde, 1993), apresentamos, nesta comunicação, as primeiras reflexões teóricas e metodológicas de nossa pesquisa de doutorado, que se debruça sobre as narrativas de internos do complexo penitenciário de Gericinó e pretende discutir, a partir das histórias contadas pelos sujeitos apenados, os mecanismos de construção de identidades e pertencimentos a partir dos quais os indivíduos transformam, adaptam, aceitam e reagem a padrões sociais canônicos de comportamento (Bastos, 1999).

No âmbito das ciências sociais, as pesquisas que elegem como objeto o crime e suas causas comumente se dividem entre as teorias sobre motivações individuais e aquelas que consideram a criminalização oriunda de processos históricos; pesquisas que apostam nos fatores socioeconômicos ligados ao processo de modernização como hipótese de causa e aquelas que põem em cheque quaisquer relações determinísticas, apoiadas em pesquisas estatísticas ou etnográficas.

O presente trabalho aborda a violência e seus agentes de uma outra perspectiva. Considerando a criminalização uma construção social simbólica, que se dá dialogicamente a partir dos discursos que emergem de práticas sociais situadas, nosso objetivo é adentrar um espaço institucional em que os discursos sobre a violência se potencializam, uma vez que abriga os protagonistas das histórias sobre o crime, que ademais funciona, ele próprio, como um instrumento violento contra esses mesmos sujeitos: o complexo penitenciário de Gericinó (Complexo de Bangu).

De acordo com Bastos (2003), a narrativa é uma prática social que organiza a experiência humana; a partir dela construímos o sentido de quem somos, de como são nossas relações com o outro e com o mundo que nos cerca. Reconhecidamente, então, essa forma de discurso configura-se como locus de construção identitária (Labov, 1972; Linde, 1993; 1997; Bastos, 2003 entre outros; Mishler, 1986; 2002). Nela organizamos avaliativamente idéias sobre os sujeitos, objetos e ações narradas.

Tendo em vista também as teorias contemporâneas sobre o sujeito na pós-modernidade, interessa-nos investigar, de maneira geral, como os internos de instituições prisionais se constroem identitariamente, em relação ao seu self, ao grupo, à cadeia e às práticas criminais. Acreditamos que a análise das práticas semióticas (produto e fonte das identidades, segundo Bucholtz & Hall (2005)) que emergem de situações de interação sinalizarão respostas nessa direção.

Os estudos sobre identidade tornam-se especialmente interessantes em um contexto prisional porque tais instituições, de acordo com Goffman (1961 e também Foucault, 1987), podem ser comparadas a estufas modificadoras do indivíduo. Alegadamente impermeáveis

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às práticas e costumes comuns à sociedade civil, espaços prisionais apresentariam como princípio destituir seus internos de seus vínculos com a exterioridade, para, com intuito reformador, substituir o caráter “delinqüente” e “desviante” por outro mais “dócil” e “adequado”. As penitenciárias cariocas, entretanto, apresentam particularidades que desafiam a definição generalizante. A divisão e identificação de suas unidades em função das chamadas ‘facções criminosas’, a manutenção das funções e hierarquia entre seus internos, bem como o vínculo oficioso destes com o “lado de fora”, acabam por fazer da cadeia um espaço que não só mantém como potencializa a identidade do ‘grupo’ e o sentimento de pertencimento às organizações do tráfico.

Constituem-se então objetivos específicos de nosso estudo: (i) descrever os modos de elaboração e organização dos episódios narrativos que se concatenam em trajetórias de vida; (ii) analisar, nos mecanismos discursivos de criação de coerência e de avaliação dessas histórias, o modo como as identidades dos internos e dos grupos se constroem e (iii) considerando o contexto e a predominância dos crimes relativos ao varejo de drogas no Rio de Janeiro, comparar a construção discursiva da histórias sobre adesão ao tráfico com aquelas que caracterizam histórias sobre escolha profissional em nossa cultura.

Para tal, empreendemos uma pesquisa de natureza qualitativa, com trabalho de campo de base etnográfica (Erickson, 1990) e discursiva (Gumperz, 1982), realizado no Complexo Penitenciário de Gericinó, ao longo do ano de 2009. Durante esse período, freqüentamos semanalmente o ambiente escolar de uma das unidades prisionais da instituição e interagimos com internos e demais membros da comunidade, tais como agentes penitenciários, assistentes sociais, professores e funcionários da administração.

Foram realizadas, até o presente momento, 6 entrevistas não estruturadas gravadas em mídia digital com consentimento dos internos que dispuseram a colaborar, mediante compromisso de preservação das identidades. A realização de tais entrevistas, especificamente, foi o procedimento a partir do qual se pretendeu coletar as narrativas. Entendendo entrevista como um evento de fala (seguindo Mishler, 1990), isto é, como um evento comunicativo legítimo em que entrevistado e entrevistador engajam-se cooperativamente na produção de significados e interpretações culturais, comumente dessas conversas emergiram histórias de vida (Linde, 1993) como respostas às perguntas formuladas, analisadas à luz do arcabouço teórico supramencionado e dos dados colhidos no estudo de campo de orientação etnográfica.

Atualmente, a pesquisa está em fase de finalização das transcrições das entrevistas gravadas e da definição dos recortes temáticos e categorias de análise.

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Lilian Nunes da Costa – Mestrado em Lingüística – UNICAMP O Anfitrião de Plauto: questões de tradução Orientador: Isabella Tardin Cardoso

Com o intuito de contribuir para os estudos plautinos atuais, propusemo-nos a traduzir e analisar, em nossa pesquisa de Mestrado (apoio FAPESP, processo nº 07/57172-7) a peça Anfitrião. A versão da obra para o português, além de ser útil para nossa investigação sobre a peça, poderia colaborar para tornar esta comédia do autor romano Tito Macio Plauto (séc. III – II a.C.) mais conhecida no Brasil. A celebridade de Anfitrião no cenário poético mundial é inegável: prova disso é que a peça influenciou a obra de diversos autores como – para citar apenas alguns – Camões (O auto dos Enfatriões), Molière (Amphitryon) e Shakespeare (Comedy of errors, também amplamente baseada em Menaechmi, outra comédia plautina). Também no Brasil encontramos influências de Anfitrião em Um deus dormiu lá em casa de Guilherme de Figueiredo. Apesar disso, porém, não se pode afirmar que esta peça de Plauto seja largamente conhecida no país.

Acreditamos que, ao menos em parte, tal desconhecimento é motivado pela inexistência de tradução recente dessa obra para o português brasileiro. Notoriamente, qualquer comédia, geralmente dotada de tom majoritariamente coloquial, exige adaptação da linguagem ao contexto do leitor. Uma vez que expressões idiomáticas coloquiais (como as gírias) variam muito rápido (podendo se tornar obsoletas ou mesmo incompreensíveis de uma década para outra), a compreensão de certos trechos e especialmente os efeitos humorísticos tendem a ser prejudicados se a linguagem utilizada na tradução for temporalmente muito distante do público. Assim sendo, a tradução de O. T. Brito de Anfitrião (1981), por exemplo, publicada há quase 30 anos, pode trazer certas dificuldades ao leitor dos dias de hoje.

A mesma argumentação parece válida para traduções realizadas com linguagem espacialmente distante. Ora, é sabido e muito comentado que o português brasileiro difere do português europeu em muitos pontos. Que se dirá, então, das diferenças entre os coloquialismos que circulam nestes países? A tradução de uma comédia para o português, se a versão for feita com base na variedade européia da língua, então, ainda que relativamente recente (como o Anfitrião de C. A. L. Fonseca, de 1993), pode não facilitar para o público que fala outras variedades do idioma a apreensão de certos efeitos humorísticos: particularidades idiomáticas do português de Portugal tornam mais complexo o resgate do humor pelos leitores do Brasil.

Deve-se levar em consideração, também, que a própria peça, encenada pela primeira vez há mais de dois mil anos, está por si só distante de nosso contexto. Diversas menções e alusões que seriam imediatamente reconhecidas por um romano que freqüentasse os teatros podem passar totalmente despercebidas por (ou mesmo confundir) um leitor de nossos dias. E eis aqui outra questão: o público hodierno é, em geral, constituído por leitores, uma vez que nem sempre são organizadas montagens das peças plautinas. Ora, é muito provável que, durante as encenações da Antiguidade, os espectadores contassem com gestos, figurinos e

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outros recursos cênicos que complementassem as falas das personagens, contribuindo para a construção de sentido e os efeitos de humor.

Em um primeiro momento, lidar com questões de tradução e adaptação da linguagem parece mais simples que trabalhar assuntos diretamente ligados ao contexto romano e aspectos cênicos, já que estes últimos exigiriam soluções paratextuais como estudos introdutórios e notas de rodapé. As particularidades linguísticas, por sua vez, poderiam ser resolvidas na própria tradução, desde que se utilizasse uma linguagem próxima daquela de uso corrente pelo público. O trato da linguagem, porém, está longe de ser simples. Ainda mais no caso do texto de Plauto, repleto de recursos poéticos como repetições, duplos sentidos e efeitos sonoros em abundância, além do uso de léxico específico como arcaísmos, coloquialismos e termos técnicos.

No caso dos efeitos sonoros (aliterações, assonâncias, homeoteleutos etc.), alguns pontos da tradução que engendramos não apresentaram, de fato, grandes dificuldades, dada a proximidade lexical entre o latim e o português. Já em outros a manutenção de efeitos sonoros não pareceu factível por não encontrarmos termos semelhantes em português (referimo-nos à lingua corrente, ao menos). Em alguns casos até seria possível uma tradução um pouco forçada que recuperasse, ainda que parcialmente, a sonoridade do texto latino. Nesses casos, contudo, a fluência e mesmo parte do sentido do texto acabariam comprometidos.

As repetições – recurso estilístico de Plauto, que não hesita em empregar vários termos em versos consecutivos, bem como o encadeamento de termos de valor semântico semelhante – também se mostram difíceis de traduzir em alguns trechos da peça, mas é preciso, sim, realizar um esforço para recuperá-las. Isso porque – é sempre bom lembrar – as repetições existentes na obra de Plauto também servem para estilizar uma linguagem oral, e visavam, a apresentação oral durante o espetáculo. Repetições lexicais também teriam outra razão de ser: aumentar o efeito humorístico ou remeter a outros trechos da peça. Assim sendo, parece adequado mantê-las na tradução, a fim de nos aproximarmos o máximo possível do que tais peças teriam sido à época de sua criação.

Quanto a este ponto, novamente, em alguns trechos a tradução pode fluir de maneira relativamente tranqüila devido à similaridade dos termos nas duas línguas. Mas manter tais repetições também pode gerar dificuldades de tradução (até pela complexidade em encontrar diversos sinônimos na língua para a qual se traduz), ou mesmo um estranhamento estilístico. Nesse sentido, lembremo-nos que tal recurso plautino é mesmo depreciado por não poucos tradutores e estudiosos, que o consideram “ditografia” (i.e. um tipo de corrupção durante a cópia do manuscrito), falta de clareza, de objetividade. E, claro, que se considerarmos uma cena inteira ou a peça completa, por exemplo, torna-se impraticável a tarefa de traduzir sempre pela mesma equivalente em português as palavras repetidas em latim. Além da atenção exigida para localizar os termos e manter a uniformidade de tradução, muitas vezes, não é possível utilizar sempre o mesmo sinônimo, sob risco de afetar o significado das frases em que estão empregados ou efeitos sonoros presentes.

No que se refere ao léxico, também se imagina que a escolha de palavras arcaicas, coloquiais ou técnicas tenha uma razão de ser e, logo, estes termos precisariam ser cuidadosamente vertidos para a língua portuguesa, a fim de preservar, ainda que à custa de algumas adaptações, os efeitos presentes no texto latino. Alguns termos técnicos bélicos que aparecem em Anfitrião, mais precisamente na narrativa de batalha de Sósia, mostram de maneira muito clara o quão necessário é este cuidado na tradução. Quanto aos arcaísmos, o mais interessante é se voltar não para termos arcaicos quanto ao latim clássico, muito

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posterior à época de Plauto; mas concentrar a atenção no uso de palavras que eram arcaicas já à época de Plauto, pois estas sim deveriam trazer algum efeito ao público coevo às peças. Finalmente, temos os coloquialismos, que, como já assinalamos, parecem ser os mais complexos de trabalhar. Apontados com grande freqüência pelos comentadores, expressões e termos qualificados como coloquiais muitas vezes passam despercebidos na tradução, uma vez que o texto plautino em si, com seu caráter de oralidade, já é considerado, em geral, coloquial. Saindo do domínio do léxico, poderíamos lembrar certos cuidados de tradução ainda quanto à sintaxe. Isso porque, como notamos no corpus em estudo, não apenas as palavras podem gerar efeitos poéticos, mas também sua organização e concatenação dentro dos períodos. O foco de nossa comunicação, entretanto, será apresentar e comentar trechos da peça plautina Anfitrião que se mostram exemplarmente desafiadores a uma tradução que procure recuperar, ainda que por meio de adaptações, efeitos poéticos gerados no âmbito lexical.

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Lívia Bertolazzi, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Gênero e multimodalidade: o programa “Manos e Minas” Orientadora: Anna Christina Bentes

Os gêneros do discurso mereceram atenção de estudiosos como Platão e Aristóteles e continuam até hoje sendo objeto de diferentes perspectivas teóricas. Acreditamos que o conceito encontra-se em uma fase de expansão teórica em função da necessidade de estudo sobre os novos gêneros advindos de mudanças culturais e/ou tecnológicas.

Considerando os gêneros como “resultantes de atos historicamente específicos”, bem “como dimensões constitutivas em função das quais a ação é possível” (Hanks, 2008:71), o presente trabalho tem por objeto o gênero programa de auditório “Manos e Minas”, com o objetivo de compreender, a partir da descrição de sua estrutura de produção, em que medida se diferencia e se assemelha dos demais programas de auditório, ou seja, de saber quais são os aspectos de inovação, manipulação e mudança (Hanks, 2008) desse gênero e de que maneira são articulados de modo a possibilitar seu reconhecimento como um gênero televisivo.

Para que tal análise seja possível, propõe-se a comparação entre o programa “Manos e Minas” e o “Altas horas”, exibido pela Rede Globo, também aos sábados, por apresentarem semelhanças quanto a público-alvo e uma proposta semelhante de discussão de temas com a plateia. Essa comparação ancora-se na proposta de Bazerman (2004) de que o entendimento de um gênero, a partir de múltiplos modelos, concorre para o entendimento sobre um gênero não só no que se refere a seus elementos característicos, mas principalmente à compreensão de como esses elementos são flexíveis em qualquer instância e de como podem sofrer modificações.

No que concerne à teoria de gêneros, escolheu-se a teoria dialógica de Bakhtin (2003) de que cada campo de utilização da língua elabora “tipos relativamente estáveis de enunciados”, denominados “gêneros do discurso”, sendo os gêneros, para o autor, vistos nos limites da criação verbal; e a teoria da prática de Hanks (2008: 68), que, a partir de Bakhtin (1986) e de Bordieu (1977), enfatiza que os gêneros consistem em (i) quadros de orientação, (ii) procedimentos interpretativos e (iii) conjunto de expectativas que não pertencem à estrutura do discurso, e sim às maneiras pelas quais os autores sociais se relacionam com a língua.

Tal forma de ver os gêneros, para Hanks (2008), possibilita descrever as práticas comunicativas relacionando descrições de propriedades formais aos aspectos ideológicos e de ação de gêneros específicos, já que os gêneros são concebidos pelo autor como “recursos esquemáticos e incompletos por meio dos quais os falantes necessariamente improvisam na prática” (Hanks, 2008:95) cujos traços “[...] estão vinculados aos atos comunicativos situados” (op. cit.:64), portanto não são nem devem ser tomados separadamente como características pré-definidas, fixas ou imutáveis.

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Além da teoria de gênero de Hanks (1987), interessa também a teoria de Kress e Leeuwen (2001), os quais apresentam uma importante interpretação dos gêneros, diferenciando-se pela preocupação com a questão da multimodalidade, ao postularem que a linguagem verbal não é mais a única responsável pela construção e reconstrução social do significado, tornando-se necessário analisar as maneiras como as semioses estão/são articuladas nos textos de modo a possibilitar a construção e a negociação de sentidos.

O programa “Manos e Minas”, exibido na TV Cultura aos sábados, pode ser classificado, por seus elementos de produção, como um programa de auditório, segundo a teorização postulada por Aronchi de Souza (2004:93-95), de que esse gênero apresenta variedades, tais como: “apresentação de música, comédia, quadros dramáticos, dança e muitos outros recursos”, estando sempre ligado “a um nome, o do apresentador ou apresentadora, que fazem o sucesso do gênero”. Além disso, para o autor, o programa de auditório possibilita a aproximação entre o telespectador e a realidade da produção em televisão, por permitir a entrada do público convidado nos locais de gravação.

Segundo a própria TV Cultura, “Manos e Minas” é dedicado a culturas da periferia nos grandes centros urbanos a fim de mostrar o que a periferia tem de melhor. Para tanto, a estrutura do programa organiza-se a partir dos quadros elementos do Hip Hop: (i) o DJ (responsável pela trilha sonora); (ii) o MC (mestre de cerimônias); (iii) o break (dança de rua) e (iv) o grafite (arte de rua cujo objetivo é o de deixar a marca do grafiteiro em um local). Além disso, pode-se vislumbrar uma interessante integração de recursos verbais e imagéticos (discurso e imagem) que confere a esse gênero a natureza multimodal.

No que se refere ao objetivo de apresentar a periferia e suas práticas, percebe-se a predominância do uso dos tipos do discurso do eixo do expor, teorizados por Bronckart (1999), tanto no teatro - onde é gravado o programa - quanto nos quadros externos apresentados à plateia por meio de telões, quais sejam: Interferência, Buzão, Agenda, entre outros.

Percebe-se, então, que a predominância desse tipo de discurso, cujo objetivo é a transmissão e construção de saberes (Dolz, J. e Scheneuwly, B., 2004), também concorre para o cumprimento do papel ao qual o programa se propõe: divulgar, valorizar e possibilitar o conhecimento do ponto de vista dos próprios sujeitos que participam e promovem práticas sociais, culturais, literárias e musicais vinculadas tanto às comunidades da periferia quanto ao universo do Hip Hop.

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Luana de Gusmão Silveira, Mestrado em Lingüística – UFRGS Uma análise do/sobre o discurso dos principais candidatos à prefeitura municipal do rio grande (PT/PMDB) no período pré/pós eleições. Orientador: sem orientador

Esta pesquisa filia-se à perspectiva teórica da Análise do Discurso de linha francesa, e conforme os pressupostos do filósofo francês Michel Pêcheux, tal teoria contempla o histórico e o ideológico como constitutivos da materialidade lingüística. Ao estabelecer a teoria da análise do discurso, e nela distinguir os três níveis - o lingüístico, o discursivo e o ideológico, Pêcheux deixa claro que a AD, que tem como objeto a análise não-subjetiva do sentido, passa por uma fase de análise lingüística e que nos permite trabalhar em busca dos processos de produção do sentido e de suas determinações histórico-sociais. Dessa forma, instaura-se a possibilidade de assimetria entre os sentidos atribuídos a uma mesma materialidade discursiva. É, portanto, na AD que o presente trabalho se ancora. Com base em tais pressupostos, elegemos como ponto central da pesquisa o discurso político do/sobre os principais candidatos à Prefeitura Municipal do Rio Grande/RS, no ano de 2008. A escolha dos partidos deve-se a uma disputa acirrada entre a coligação “O progresso continua” composta pelo PSDB, PPS, PTB, PSB, PDT, PP, PRB, PR, PSC, PHS e PMDB – cujo candidato a prefeito é Fábio Branco, do PMDB, e membro de uma família que vem se perpetuando no poder municipal nos últimos doze anos – e o candidato da coligação “Frente Popular” composta pelo PT, PC do B, PTC, PCB – tendo como representante o candidato Dirceu Lopes, do PT, o qual instaura um embate, uma oposição, com o poder consolidado. Ao iniciarmos este projeto de pesquisa “dos” e “sobre” os principais candidatos à prefeitura municipal do Rio Grande, partimos de pressupostos como, por exemplo, de que o discurso “sobre”, seguindo as reflexões de Eni Orlandi, é uma das formas cruciais de institucionalização dos sentidos, e é também um lugar importante para organizar as diferentes vozes dos discursos de. Com isto, acreditamos que o discurso político produzido na cidade, em questão, a qual está sob a administração de uma mesma família há mais de doze anos, possa ser objeto de análise e pesquisa. Tal trajetória de permanência no poder pode ser ilustrada da seguinte forma: Wilson Branco (1997); Fábio Branco (2001); Janir Branco (2005); Fábio Branco (2009). É importante ressaltar que no ano 2008, este ciclo familiar ficou “fragilizado” com a candidatura de Dirceu Lopes do PT. O que motiva esta pesquisa, portanto, é o desejo de aprofundar questões teóricas sobre a Análise do Discurso e o de, pelo exame de um tipo específico de discurso, estabelecer relações entre a teoria e a prática analítica. Pretendemos, assim, verificar os efeitos de sentido produzidos no discurso em questão, e buscar por meio da materialidade lingüística, as marcas que produzem e revelam o sujeito político desse discurso, pois é preciso ressaltar que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido. É neste sentido que, conforme Orlandi (1999:17), “o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos”. Desta forma, o sujeito, na perspectiva da AD, não é um

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sujeito-em-si, livre de toda determinação, mas é um sujeito socialmente (culturalmente, historicamente) constituído (determinado). Assim, o sentido de uma seqüência, produzida por um sujeito, só é materialmente concebível na medida em que esta seqüência é concebida como pertencente a esta ou àquela formação discursiva. Isto nos permite considerar o sujeito como uma posição, como um lugar que ocupa para ser sujeito do que diz. O modo como o sujeito ocupa esse lugar não lhe é acessível, da mesma forma que a língua não é transparente nem o mundo diretamente apreensível. Na verdade, tudo é constituído pela ideologia, que, podemos dizer então, é a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos. Quer dizer: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. São pressupostos como esses que levam Indursky (1999:102) a afirmar que “o sujeito ao produzir seu discurso, o faz afetado pela ideologia e pelo inconsciente e, por conseguinte, seu dizer inscreve-se, sem que ele perceba, em uma Formação Discursiva determinada, de onde não só ele retira os elementos de saber que se organizam no interior de seu discurso, como também e, sobretudo, ele se significa ao significar ou re-significar seu dizer”. Além disso, acreditamos que uma pesquisa como a que realizamos e que analisa os meandros de uma campanha política e o discurso político dos seus principais representantes, seja de interesse para o conhecimento da realidade social da cidade em questão. O corpus de análise, neste estudo, será o discurso produzido pelos candidatos, o que constituirá o discurso “de”, através da gravação de programas de propaganda eleitoral gratuita, dos debates e entrevistas concedidas pelos candidatos. O discurso “sobre”, por sua vez, será obtido pela coleta de entrevistas com a população riograndina e do material distribuído pelos partidos no período da campanha eleitoral.

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Luciana Pissolato de Oliveira – Doutorado em Lingüística – USP Aspectos funcionais das metáforas terminológicas em contexto científico e de divulgação científica Orientador: Ieda Maria Alves

O presente trabalho, desenvolvido em nível de Doutorado na Universidade de São Paulo - USP, tem por objetivo analisar as formações terminológicas neológicas, formadas via processos metafóricos, da disciplina Genética Molecular (área-objeto de nossa pesquisa) em diferentes gêneros textuais, quais sejam: o científico e o de divulgação científica, a fim de conhecer suas funções, particularidades e, ainda, sua produtividade em ambos os veículos. Para desempenhar tal tarefa, discutiremos diferentes pontos de vista sobre a questão da motivação e sobre o percurso cognitivo da denominação terminológica, uma vez que grande parte dos conceitos da área é nomeada por similaridade com outros conceitos e/ou processos cotidianos, utilizando-se, portanto, de metáforas em sua formação. Como ilustração, trazemos alguns exemplos extraídos de nosso corpus de trabalho, elaborado em língua portuguesa: DNA lixo, DNA satélite, gene de manutenção, gene repórter, gene saltador, perturbação gênica, vacina de DNA, entre outros. Assim, o motivo pelo qual privilegiamos as formações metafóricas se justifica por duas razões: a) por tais formações serem reconhecidas como o processo mais proeminente e característico da denominação motivada (TEMMERMAN, 2000) e b) por ser a neologia semântica um processo extremamente produtivo para as áreas de especialidade (ALVES, 2000) – característica que observamos, sobretudo nas formações sintagmáticas, durante nossa pesquisa de Mestrado na mesma universidade. O uso metafórico, bastante produtivo nos mais distintos ambientes, se dá por algumas características importantes, como o fato de as metáforas carregarem em si uma função articuladora, clarificadora e desambiguizadora, razão pela qual são difundidas pelos diversos membros da comunidade científica; também se caracterizam por não serem específicas de um único trabalho, nem específicas de autor – como ocorre na literatura, normalmente –, mas são incorporadas em uma teoria científica se são comprovadamente frutíferas, explanatórias e aproximadamente compatíveis com tal teoria; além disso, as metáforas científicas diferem das literais porque precisamente as científicas se convertem propriedade de toda a comunidade científica, e por essa razão, as metáforas formadoras de teorias podem ser, quase sempre, explicáveis, porque não são subjetivas, mas produtos do insight coletivo de toda uma comunidade científica (GIBBS, 1994). As metáforas também desempenham um papel expressivo importante, porque propiciam a expressão de idéias complexas de maneira compacta, difíceis de serem explicadas literalmente, e ajudam a capturar a intensidade de nossas experiências fenomenológicas, invocando várias imagens mentais sobre determinado acontecimento – elemento-chave no processo de entendimento de uma expressão figurativa por proporcionar função mnemônica, enriquecendo o contexto e facilitando a retomada da informação. Ela também pode ativar campos semânticos apropriados em nossa memória, fazendo com que a associemos com outras estruturas mentais pré-existentes (ORTONY, 1975). Uma outra razão para o

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desenvolvimento desse estudo se baseia, ainda, na necessidade de uma investigação terminológica que leve em conta aspectos culturais de identidade linguística (LARA, 2004), uma vez que, por meio da descrição do modus dicendi dessa terminologia, podemos entender como os cientistas brasileiros procedem na denominação de novos conceitos, técnicas e metodologias científicas, e tentar definir, assim, se existe um padrão denominacional comum à esse processo. Outra questão que importa investigar é a qualidade da formação desses neologismos terminológicos, posto que os termos somente serão bem aceitos socialmente e, por sua vez difundidos em seu ambiente científico, se forem bem constituídos (BÉJOINT E THOIRON, 1997). Além disso, cremos que a análise de uma linguagem de especialidade, dentro de um contexto de comunicação de especialidade, deve levar em conta as condições pragmáticas da situação de comunicação, o que se faz possível através da Análise do Discurso. Isso porque é o processo discursivo que atualiza os termos em contexto, onde se desenvolvem fatores de estruturação textual que contribuem para a coesão discursiva e textual. São as relações entre as unidades terminológicas e as diferentes unidades do texto as responsáveis pela coerência discursiva e textual, além de responsáveis por sua estruturação semântica, o que revela a função cognitiva e comunicativa de uma linguagem de especialidade (CONTENTE, 2005). Isso posto, mostraremos que as metáforas desempenham distintos papéis de acordo com seu ambiente de produção e/ou recepção – uma vez que cada gênero textual revela particularidades na veiculação do conhecimento especializado. Temos, a título de exemplo, a seguinte construção discursiva no corpus científico: “Os procedimentos para a realização de um protocolo para a terapia gênica envolvem a introdução do gene de interesse no organismo-alvo, de modo que o primeiro passo consiste no isolamento do gene e seus elementos reguladores.”; por outro lado, no discurso de divulgação científica: “Pega-se um gene capaz de corrigir uma doença e coloca-se dentro de um vírus, um especialista em invadir corpos alheios para infectá-los. Quando se retira a parte nociva do microrganismo, ele pode ser usado como agente para levar DNA curativo para o interior das células de um paciente.” Analisando-se rapidamente, podemos dizer que ambos os textos, que tratam da mesma temática, utilizam-se das metáforas de maneira peculiar – o primeiro exclusivamente na apresentação dos termos da área, e o segundo no próprio corpo do texto, além de vulgarizar as metáforas já presentes na terminologia: organismo-alvo no discurso científico e corpo alheio no de divulgação científica. Finalmente, no desenvolvimento de tais análises combinamos aspectos de diferentes disciplinas, e nos valemos sobretudo dos trabalhos de Cameron (2002) e Rita Temmerman (2000), de viés sócio-cognitivo – que confere relevância aos estudos da metáfora e do pensamento analógico na formação de conceitos técnico-científicos; Gibbs (1994), Lakoff e Johnson (2002), Ortony (1975) e Berber-Sardinha (2007), por seus estudos detalhados em metáfora e formação de conceitos; Alves (2002, 2004) e Kocourek (1991), no que tange à formação de palavras, aos neologismos e sua produtividade para as ciências e Marcuschi (2002, 2005) e Contente (2005), no que se refere aos gêneros textuais e suas particularidades na difusão do conhecimento científico.

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Lurdes Teresa Lopes Jorge, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Sentenças com posse inalienável no português brasileiro- sujeito e tópico Orientador: Mary A. Kato

Neste trabalho, investigam-se estruturas do Português Brasileiro (doravante PB), como as exemplificadas em [1], em que há codificação de posse inalienável. Nessas sentenças do PB, apresenta-se verbo intransitivo – também aceitável sua caracterização com verbo de alternância incoativa – que denota mudança de estado, e – considerando a ordem linear dos elementos na sentença – também se verifica sentença com posição à direita e à esquerda ocupadas. Tais aspectos têm suscitado interesse, em se tratando de uma pesquisa de base teórica gerativista, no que se refere à análise (i) da ordem de colocação dos termos na sentença, (ii) do Caso abstrato dos elementos que ocupam a posição à direita e à esquerda do verbo; e (iii) da concordância dos elementos que codificam possuidor e possuído. Nesse cenário, suscita interesse especial o estatuto sintático do elemento que ocupa a posição à esquerda do verbo e/ou à esquerda da sentença como um todo. Esse interesse especial, que também caracteriza a presente investigação, pode ser creditado ao fato de as construções intransitivas com posse inalienável evidenciarem, como se procurará mostra, uma notável particularidade do PB, comparativamente às demais línguas românicas. Tal particularidade, grosso modo, pode ser apontada como a ligada ao preenchimento, no curso da derivação, de posições tanto do sintagma determinante (DP) como da sentença (CP), sem a interposição de operações como concordância ( doravante, para efeito de simplificação, AGREE). Este estudo encerra, de maneira global, um duplo objetivo: (i) deduzir as particularidades do PB contemporâneo relativamente a seu estatuto dentro do cenário de línguas que realizam sujeito nulo; e (ii) encaminhar uma proposta quanto à distinção entre Sujeito e Tópico no PB (cf. Kato, 1989). A abordagem é feita à luz de assimetrias trazidas pelo novo cenário minimalista (ver Chomsky 2001, 2004; e, em especial, 2005) relativamente a categorias funcionais e lexicais como C(omplementizador), T(empo) e v e v*(erbos leves). Grosso modo, em Chosmky 2005, a relação entre C – núcleo da fase CP- e T, seu complemento, foi redefinida: T herda os seus traços flexionais (traços-φ) de C, e, no curso da derivação, atua na procura (Probe) de elementos flexionais afins apenas derivativamente, como um núcleo substitutivo (proxy head). O modelo de herança de traços traz, ainda, especificação de traços (edge features, doravante, EFs) não-ligados à operação AGREE. Nesse sentido do novo sistema de derivação por fase, EFs são traços retidos em categorias que se designam como núcleos da fase ( phase heads) e se configuram, nesse novo enfoque, como sendo os responsáveis por informação discursiva, entre elas, as relacionadas a Tópico e Foco, por exemplo. Pois bem, esse sistema – cuja motivação conceitual assenta-se na clássica distinção entre posição A e posição A-barra, redefinindo-a, e cuja motivação empírica reside na impossibilidade de haver movimento isolado de T(ense/Inflction) P(hrase), em estruturas em que não se verificam traços de pessoa, de número, nem de tempo (Chomsky, 2005:9) – e, tendo em vista as assimetrias já apontadas acerca de categorias como C e T – permite levantar questionamentos interessantes acerca da propalada relação entre perda de elementos flexionais e a ativação da periferia esquerda da sentença do PB. Para a análise dos aspectos apontados acerca das sentenças do PB com verbos intransitivos em que há codificação de posse inalienável, este

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trabalho vai incorporar, ainda, a discussão sobre: (i) estrutura interna do DP que codifica posse inalienável e posse não-alienável, (ii) a hipótese da analogia entre DP e CP, (iii) e a estrutura de pequena-oração (small-clause), considerando não apenas a realização sintática de argumentos verbais no curso da derivação, mas, em especial, o mecanismo de ativação de concordância com sintagma determinante (doravante DP) que denota posse inalienável. Ainda nessa esteira, a investigação revisita, com base em pressupostos minimalistas recolhidos em sistemas chomskianos já citados, a idéia de Kato (1989) de que a diferença entre as línguas deve ser feita não em termos da distinção das categorias tópico e sujeito, mas em termos do tipo de sujeito (aqui entendido como sujeito gramatical) que as línguas podem selecionar. Essa interação faz-se, ainda, aproveitar da noção de phase heads, de um lado, e de proxy heads, de outro, e, sem perder de vista a intuição chomskiana de que C é o locus tanto de traços- φ quanto de ЕFs, procura motivar a correlação entre movimento de argumentos, preenchimento de posições com elementos lexicais; e possibilidade de se codificar informação discursiva de natureza distinta nesse tipo de sentenças do PB (nessas sentenças, a indicação de possibilidade de leitura com certa pausa entoacional está representada – de maneira informal – a partir do emprego de vírgula):

(1) a. Os meninos quebraram o braço.

b. Os meninos, eles quebraram o braço. c. ??Os meninos, quebraram o braço. d. Os meninos, quebraram o braço deles. e. ??Os meninos, quebrou o braço. f. Os meninos, quebrou o braço deles. g. *Os meninos, o braço quebrou. h. Os meninos, o braço deles quebrou. g. Os meninos, o treinador que quebrou o braço deles. i. Os meninos, o treinador disse que quebraram o braço. j. Os meninos, o treinador disse que quebraram o braço deles. k. Os meninos, o treinador disse que eles quebraram o braço m. Os meninos, o treinador disse que eles, o braço deles quebrou.

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Marcela de Paula Braganholo, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Um olhar para os blogs políticos: práticas e interações. Orientador: Anna Christina Bentes

Em um momento em que a tecnologia se faz presente nas nossas atividades diárias, deparamo-nos frequentemente com novos recursos que modificam as nossas formas de relacionamento, de atuação no mundo e de interação com o meio e com os outros. Nesse contexto, novos gêneros textuais emergem – pois diferentes necessidades e situações de uso da linguagem são criadas –, ainda que conservando características e relações com outros gêneros já bem conhecidos e utilizados. Assim, torna-se relevante o estudo desses novos gêneros, não somente no que diz respeito a questões puramente lingüísticas, mas também, e sobretudo, porque falar em gêneros é falar em práticas, atuação e interação. E, portanto, falar em gêneros é falar sobre um sujeito social, histórico e cognitivo. Dessa forma, estudar os gêneros emergentes é, também, estudar as nossas relações em uma sociedade que cada vez mais se vê mergulhada no mundo da tecnologia, e dependente dela. E é por meio da linguagem – entendida como atividade, prática – que o homem interage, ou, mais especificamente, é por meio de gêneros que ocorre a interação. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo maior analisar as interações no gênero blog político, tendo em vista a relevância da discussão no atual panorama da Linguística, bem como de outras áreas como Linguística Antropológica, Sociolinguística e Linguística Aplicada. O blog vem sendo intensamente discutido sob várias perspectivas distintas, cada qual com um olhar específico, enfatizando elementos pertinentes e relativos a seus problemas teóricos. Trabalhos na área de Teoria da Comunicação e de Jornalismo são abundantes; muitos deles engajados no exercício de compreender a influência dos blogs políticos em práticas como eleições presidenciais, guerras, conflitos das mais variadas naturezas, entre outras. Conforme pesquisas apontam, o blog surgiu primeiramente como um gênero propício à publicação de relatos, passagens e experiências pessoais diárias, corriqueiras. Visto como um desdobramento do gênero diário, o blog rapidamente mostrou ao mundo virtual sua força e, por motivos diversos − como o surgimento de ferramentas que facilitam a criação de um blog mesmo por um internauta sem conhecimentos específicos das linguagens tecnológicas, e também como o fato de serem vistos como possibilidade de dar voz a quem, até então, não tinha –, popularizou-se de tal forma que, em 2007, estimava-se a existência de um universo de quase 112 milhões de blogs (LEMOS, 2009). Conforme Lemos, “a cada dia, são criados mais de 175 mil novos [blogs] e produzidos 1,6 milhões de posts (cerca de 18 por segundo)” (LEMOS, 2009, p. 11). Hoje o gênero blog muito se diferencia das primeiras ocorrências, principalmente no que diz respeito à temática. As pesquisas em diferentes áreas apontam o blog não mais como apenas um desdobramento do gênero diário; nele, é possível encontrar desde posts extremamente subjetivos e pessoais, até textos de cunho institucional, portanto menos pessoais e mais formais. Os blogs políticos, objeto de análise deste trabalho, podem tanto ser mais subjetivos e pessoais, como também podem ser subordinados a determinadas instituições (jornais, empresas, partidos políticos etc). Assim,

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a discussão sobre a emergência do gênero blog se torna pertinente, tendo em vista a abrangência que o tema alcança em relação às possíveis áreas de interesse. O arcabouço teórico da Linguística Textual, no que diz respeito aos estudos sobre gêneros e texto, e as considerações da Linguística Antropológica, mais especificamente os estudos de Willian Hanks (2008) sobre práticas sociais e gêneros, serão a base que fundamentará todo o caminho percorrido neste trabalho. O objetivo é, então, tentar compreender em qual contexto emerge o blog político, e analisar as práticas interacionais neste ambiente digital. Para tanto, será realizada uma análise de cunho qualitativo e descritivo, a fim de que se possa observar o ambiente de emergência do objeto em estudo, levando em consideração aspectos sociais e interacionais. A escolha do corpus se fundamentará em um aspecto referente à sua natureza institucional, levando em conta a existência de um contínuo, na medida em que os blogs políticos podem apresentar traços que os inserem ora em um ambiente mais formal e institucionalizado, ora em um ambiente mais flexível, menos rígido e formal. A hipótese é a de que as práticas interacionais, considerando as relações de poder e as posições tomadas pelos interactantes, refletem o grau de institucionalização dos ambientes estudados. Faremos um estudo comparativo, partindo das diferenças em relação ao grau de institucionalização dos blogs políticos, dando ênfase nos tipos de estratégias que os falantes perseguem e os fins que alcançam, no curso da interação, partindo do pressuposto de que “as posições em um campo estão relacionadas entre si por oposição”, e “os agentes que as ocupam relacionam-se através de disputa e competição” (HANKS, 2008). A pesquisa encontra-se em fase inicial, na escolha do corpus para análise. Dessa forma, como justificativa da relevância da presente pesquisa, lembramos que o texto se apresenta como um “capital cultural”, ou seja, “como um instrumento de autoridade, e como o meio (e a medida) da disputa política” (HANKS, 2008).

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Marcos Roberto Machado, Mestrado em Lingüística – UFES O papel do discurso jornalístico na (des)construção de identidades: a era do petróleo no Espírito Santo Orientador: Julia Maria Costa Almeida

Esta pesquisa surge em um momento de euforia no Estado do Espírito Santo. Euforia que está ligada ao advento do pré-sal – extensa camada de petróleo localizada nos mares brasileiros, da qual parte considerável encontra-se no território capixaba. A descoberta dessa “mina de ouro negro” inseriu o Espírito Santo no contexto nacional e internacional. Esse novo olhar voltado para o estado vem causando certo impacto na identidade capixaba, na medida em que, de um estado que vivia à sombra dos seus vizinhos da Região Sudeste, ele passa agora a ser visto e reconhecido como uma grande potência na produção de petróleo. Nesse sentido, a mídia faz questão de ressaltar sistematicamente, nos discursos que veicula, a importância do Espírito Santo para o Brasil e, sobretudo, para o próprio capixaba. Assim, questiona-se de que forma esses discursos interferem na identidade capixaba? E como se dá esse processo por meio da linguagem? Nossa pesquisa será pautada nos Estudos Culturais, área que nos será bastante útil para depreendermos as noções de identidade necessárias para os propósitos metodológicos deste trabalho, e na Análise do Discurso, uma vez que nosso corpus é constituído de reportagens dos dois maiores jornais do Espírito Santo, A Gazeta e A Tribuna, nas quais o advento do pré-sal é apresentado como a temática principal.

Esse novo momento que vive o Espírito Santo, período de prosperidade com grandes investimentos em serviços públicos anunciadas pelo governo, começou há pouco tempo e está ligado a dois fatores principais. O primeiro diz respeito a uma mudança na política capixaba, de uma época de corrupção desenfreada e escândalos na Assembleia Legislativa, que inseriram negativamente o estado no contexto nacional, o Espírito Santo, hoje, começa a ser visto de forma diferente e o capixaba já percebe esse novo momento. É fato que polêmicas sempre surgirão, mas o estado caminha em direção ao progresso, investindo forte no setor público e numa política de transparência.

O segundo fator que contribui para a construção desse novo momento vivido no estado foi a descoberta da camada pré-sal. Essa camada é um gigantesco reservatório de petróleo e gás natural, localizado nas Bacias de Santos, Campos e Espírito Santo (região litorânea entre os estados de Santa Catarina e o Espírito Santo). Essas reservas estão localizadas abaixo da camada de sal (que podem ter até 2 km de espessura). Logo, se localizam de 5 a 7 mil metros abaixo do nível do mar. A exploração do óleo encontrado nessa camada pode trazer grandes benefícios para o estado, já que os royalties serão da ordem de milhões de reais que deverão ser investidos em infra-estrutura e na melhoria dos serviços públicos.

É claro que explorar a camada pré-sal demanda altos investimentos, sobretudo no desenvolvimento de tecnologias de ponta, e o retorno pode não ser imediato, além disso, ainda não se sabe como será a divisão dos royalties provenientes dessas futuras explorações,

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no entanto, a existência desse petróleo já foi comprovada e este fato já causa impacto nas práticas de construção identitária do capixaba.

É justamente nesse ponto, que nossa pesquisa se insere. Isto é, pensar o estado nesse momento, é levar em conta o atual quadro político e econômico, para assim, entendermos que uma outra mudança também vem acontecendo. Essa, no entanto, é mais sutil, menos visível, mas não menos importante. Trata-se de uma mudança de identidade, ou seja, ao se enriquecer e se livrar da imagem negativa gerada pelas polêmicas na política, o Espírito Santo passa a ostentar outra imagem, não mais aquela de outrora, mas sim uma imagem de sucesso, de riqueza e, como consequência disso, novas maneiras de olhar o estado são observadas, várias imagens são criadas, sobretudo no discurso jornalístico.

No período anterior à descoberta do pré-sal, as imagens que depreendemos do discurso do petróleo veiculados pelos jornais A Gazeta e A Tribuna reforçavam o caráter flutuante da identidade, como defendido por Bauman (2006), já que esse discurso ora construía identidades positivas do estado, ora as desconstruía. Com o advento do pré-sal no Espírito Santo, as imagens mais cotidianamente veiculadas são aquelas que retratam um estado num vivo processo de enriquecimento. Assim, o caráter flutuante da identidade tende a perder força, dando lugar à consolidação de uma identidade positiva: de um estado rico e moderno. Essa pesquisa vai tentar, então, analisar o discurso do petróleo em textos veiculados pelos jornais A Gazeta e A Tribuna, levando-se em conta a construção/desconstrução de identidades. Para tanto, nosso percurso se fará com reflexões sobre a noção de discurso e identidade. Assim, ao nos voltarmos para as análises, tentaremos entender o impacto desse novo momento vivido no Espírito Santo na realidade social e, consequentemente, nas práticas identitárias. Para tanto, em um primeiro momento faremos a leitura e revisão bibliográfica de textos da Análise do Discurso voltados para o entendimento das práticas midiáticas e de textos de áreas afins focados na questão da identidade. Essa leitura objetiva a construção de um recorte teórico pela apreensão das categorias a serem usadas na análise; Num segundo momento, empreenderemos a seleção do corpus que será constituído de: textos dos jornais A Gazeta e A Tribuna do período anterior ao advento do pré-sal (até julho de 2008) e textos dos mesmos jornais posteriores ao advento do pré-sal (a partir de julho de 2008). Esses textos serão de gêneros diversos (reportagens, editoriais, artigos de opinião, entre outros); Em seguida, analisaremos o corpus com base nas categorias apreendidas e discutiremos os resultados. Finalmente, elaboraremos o trabalho final.

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Maria Judith Ismael Righi Gomes, Doutorado em Lingüística – UNICAMP A escola atual à luz da neurolinguística Orientador: Maria Irma Hadler Coudry

Este projeto surgiu a partir de minha experiência profissional no cotidiano de uma escola pública que, como a maioria delas, principalmente daquelas que se situam nas regiões mais empobrecidas das cidades, revela uma realidade que frustra os membros da sua comunidade. Nessa escola, a aprendizagem a qual os alunos têm direito está muito abaixo das expectativas, uma vez que ela não consegue cumprir sua função histórica de ensinar a ler e escrever e trabalhar com seus alunos a diversidade de conhecimentos que é patrimônio da humanidade. Testes nacionais e internacionais de avaliação da educação têm demonstrado as dificuldades do Brasil no cenário mundial e, embora estes testes sejam questionáveis em alguns aspectos, eles não são necessários para demonstrar à população nossos problemas, pois todas as famílias sabem da situação de fragilidade que se encontra a educação de seus filhos e, praticamente, todas as pessoas conhecem alguém que não sabe ler e escrever, rotulado como disléxico.

Pretendo refletir sobre o fracasso escolar apresentado por alunos do Ciclo II, do Ensino Fundamental, pois como professora de Biologia, relaciono o baixo rendimento da produção de conhecimento nesta e em outras matérias às dificuldades que os alunos apresentam na fala, leitura e escrita que se mantêm desde as séries iniciais. Essa reflexão busca uma maior compreensão do problema para propor soluções consistentes e que façam sentido no processo pedagógico. Para tanto, a pesquisa será orientada no sentido de relacionar as medidas educacionais e a situação da escola com trabalhos realizados nas áreas de Neurologia e Neurolingüística.

Os estudos neurolingüísticos revelam, nos processos terapêuticos de patologias que modificam o funcionamento cerebral, a importância da interação entre os envolvidos nesses processos, que são mediados pela linguagem, onde se dá a constituição dos sujeitos, que se tornam integrados aos seus ambientes, uma vez que a linguagem é social e histórica. É nesta medida que podem ser transportados para o processo de ensino-aprendizagem, que se encontra sob problemas de leitura e escrita e no qual os sujeitos necessitam, através da linguagem, sua recuperação social pela aquisição da leitura e escrita e, conseqüente, acesso ao conhecimento.

É reconhecendo o valor da escola como possível produtora de transformações históricas, como lugar de produção de conhecimento, que neste trabalho pretendo fazer uma reflexão sobre nessa instituição como ambiente que pode atuar nas relações entre o cérebro e a aprendizagem, possibilitando que os sujeitos se insiram no corpo social, através da recuperação de seus valores humanos e culturais e ativamente adaptados às suas necessidades de transformação.

Essa reflexão partirá da premissa de que é através das relações do cérebro com o ambiente que o homem se torna um aprendiz. Muitos pesquisadores, Freud, 1891 e 1895; Luria, 1979; Vygotsky, 1896 e 1934; Haase e Lacerda, 2004; Mecacci, 1987, demonstram

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que o cérebro é um órgão altamente complexo, dinâmico e profundamente adaptativo, em ocorrem associações entre as áreas corticais, discutindo mecanismos desenvolvidos pelo sistema nervoso para ser capaz de modificar sua estrutura e função, de acordo com a experiência. Suas células são capazes de se modificar morfológica ou fisiologicamente em função do meio interno ou externo. Essa potencialidade recebe o nome de plasticidade e como, neste caso, ela se dá no neurônio, é conhecida como plasticidade neuronal. A plasticidade neuronal é um conceito de grande importância para pesquisas do sistema nervoso, uma vez que este sistema tem que dar conta da adaptação do organismo ao meio ambiente e é ele que processa e responde às informações do meio. Situações novas provocam reações e configurações diferentes e o cérebro se adapta para fazer frente ao novo e isto é entendido como a capacidade de adaptação do sistema nervoso.

O conceito de plasticidade neuronal permite o entendimento dos processos de aprendizagem, memória e “reconstrução” que capacitam a adaptação dos sujeitos a seus ambientes, bem como às modificações desses ambientes e a compreensão de que a plasticidade não ocorre apenas como uma manifestação reativa a fatos patológicos, mas sim, como uma característica própria do sistema cerebral. O homem, conforme podemos compreender muito bem através do trabalho de Luria (1979) e de outros pesquisadores, tem em sua adaptação a capacidade de sair dos limites do reflexo imediato sensorial da realidade, de refletir o mundo em suas relações complexas e abstratas mais profundamente. Esse reflexo abstrato e generalizado do mundo e o pensamento abstrato realizam-se com a estreita participação da linguagem. É a linguagem que nos dá a estrutura da consciência, sendo ela um sistema complexo de códigos formado no curso da história social. Segundo Mecacci (1987), o cérebro do homem é o mais poderoso dentre as espécies animais, devido à sua grande potencialidade em adquirir da sociedade novas organizações funcionais. O mesmo autor enfatiza o fato de que a estrutura anatômica do cérebro, seguramente, é a mesma há milhões de anos e as transformações se referem ao modo que tal estrutura funciona. De acordo com ele, a escola soviética estabelece que “as transformações das funções cerebrais são determinadas pela sociedade, pela textura das relações sociais em que um indivíduo nasce e cresce” (p. 140). Coudry e Freire (2005) em seu trabalho sobre cérebro e linguagem, destinado à formação de professores, destacam que esse caráter social e interativo é próprio da linguagem e que é pela multiplicidade de interações sociais que se estabelecem através dela que cada um se constitui como sujeito de seu ambiente e aprende, uma vez que a linguagem, em situações interativas, transforma esse sujeito. A aprendizagem de conceitos não é fenômeno já programado na memória genética da espécie humana, mas se constitui em uma possibilidade que é realizada pela influência do contexto social, caracterizado pela linguagem, em que os sujeitos crescem e se desenvolvem (Mecacci, 1987) e para o qual precisam estabelecer um esforço adaptativo. Olhando a escola pública em um contexto de ambiente histórico de aprendizagem podemos perceber que, devidos aos inúmeros problemas a que é submetida, ela se tornou um ambiente muito fechado, padronizado, com interatividade pouco significativa entre os sujeitos envolvidos. Segundo Coudry e Freire (2005), isso reduz a plasticidade do sistema nervoso e, conseqüentemente, as relações entre a linguagem e o conhecimento. Embora o cérebro humano seja o mais poderoso dentre o de todas as espécies, ele é, ao mesmo tempo, o mais impotente se privado das influências sociais. Um homem crescido na floresta, solitário, embora dotado de um cérebro poderoso, não será capaz de interagir com outros

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homens, porque aquele cérebro não adquiriu as conexões que a sociedade dos homens requer (Mecacci,1987). Esses são os motivos que me fazem acreditar que uma reflexão séria e significativa das dificuldades de aprendizagem encontradas na escola, pela sua descaracterização enquanto ambiente educativo, bem como uma reflexão sobre alternativas possíveis para a recuperação de seus valores sociais e humanos, deva passar por uma análise neurolingüística, desenvolvida no Departamento de Lingüística. Sabemos que os fenômenos de plasticidade cerebral são característicos do sistema nervoso e que uma parte significativa dos trabalhos sobre plasticidade neuronal e adaptação foi desenvolvida nas pesquisas em neurolingüística para “reconstrução” desse sistema. Além disso, trabalhos muito importantes têm sido produzidos na área de neuropsicologia com o objetivo de pensar e re-estruturar as condições ambientais para que elas se tornem reais e significativas no acompanhamento longitudinal de afásicos e de crianças com dificuldades de leitura e escrita. Bibliografia COUDRY, M. I. e FREIRE, F. M. (2005) O trabalho do cérebro e da linguagem – a vida na sala de aula.Campinas, SP. Cefiel/IEL/UNICAMP. FREUD, S. (1891) A interpretação das afasias – Um estudo crítico. Lisboa. Marcílio Editori. 1977. FREUD, S. (1950) Proyecto de una psicologia para neurologos. Madrid. Editorial Biblioteca Nueva. 1981. HAASE, V.G. e LACERDA, S. S. (2004) Neuroplasticidade, variação interindividual e recuperação funcional em neuropsicologia. In Temas em Psicologia da SBP. V.12 n. 1. São Paulo. LURIA, A.R. (1979) Curso de Psicologia Geral – Introdução Evolucionista à Psicologia v.1. São Paulo. Civilização Brasileira. MECACCI, L. (1987) Conhecendo o cérebro. São Paulo. Nobel. VYGOTSKY,L.S. (1934) Pensamento e linguagem. São Paulo. Martins Fontes. 1993. _______________ (1896) Psicologia Pedagógica. São Paulo. Martins Fontes. 2004.

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Mariana Jafet Cestari, Mestrado em Lingüística – UNICAMP

Nós político no discurso feminista dos anos 1970 Orientador: Mónica Graciela Zoppi Fontana

Brasil e Argentina compartilham a herança das ditaduras militares e também a resistência dos movimentos liderados ou formados majoritariamente por mulheres que, na defesa dos direitos humanos ou das bandeiras propriamente feministas, constituíram um fato novo, que ainda tem repercussões nos dias de hoje (MORAES, 2003). Para a historiografia, sob as ditaduras militares e sob influência do feminismo europeu e estadunidense, a América Latina viveu a partir dos anos 1970 a denominada “segunda onda feminista”, que marcou o ressurgimento do feminismo latino-americano e conformou um novo sujeito político.

A partir do lugar teórico e metodológico da Análise do Discurso francesa (doravante AD), o projeto de mestrado “Constituição do discurso feminista no Brasil e na Argentina nas décadas de 1970 e 1980”, financiado pela FAPESP, propõe-se a analisar de forma comparativa a constituição do discurso feminista nestes dois países, em especial o discurso em circulação na imprensa feminista alternativa e nos documentos produzidos pelo movimento feminista. Nossa questão teórica centra-se na construção deste lugar de enunciação político das mulheres. Além de trabalhar com o discurso feminista, o projeto objetiva analisar a imagem deste mesmo discurso construída pela mídia destinada ao público feminino, assim como por outros textos em circulação nos grandes jornais impressos do período estudado. Partindo da hipótese de que a imagem do discurso feminista produzida pelos documentos do movimento feminista não coincide com a construída pelas revistas femininas e pelo jornalismo de referência, busca-se compreender qual o efeito de sentido da imagem de discurso feminista posta em circulação por esta grande mídia. Adota-se como pressuposto que mesmo quando se considera “o feminismo como uma experiência histórica que enuncia genérica e abstratamente a emancipação feminina”, este “se concretiza dentro dos limites e possibilidades dados pela referência a mulheres em contextos políticos, sociais, culturais e históricos específicos” (SARTI, 2004, pp.35-36). Em outras palavras, a partir do lugar teórico da AD, considera-se fundamental compreender as condições de produção (CPs) específicas do discurso feminista em análise.

A proposição de CPs do discurso representa um gesto de ruptura epistemológica levado a cabo por Pêcheux (1969) em relação à perspectiva da teoria lingüística, que atribuía ao contexto ou à situação o papel de ¨pano de fundo específico dos discursos¨ (p.74). O autor afirma que as CPs são constitutivas dos processos discursivos (e não exteriores), pois estes somente podem ser definidos ¨em referência ao mecanismo de colocação dos protagonistas e do objeto do discurso¨ (p.78). Tal mecanismo é tomado como o funcionamento de projeções imaginárias de “lugares determinados na estrutura de uma formação social” (p.82) em jogo nos processos discursivos. Mais tarde, Pêcheux (1975) esclarece que as formações imaginárias são ¨efeitos das relações de lugar nas quais se acha

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inscrito o sujeito¨, afastando qualquer análise psicologizante que confunda as relações de lugar do discurso com ¨ o jogo de espelhos de papéis interiores a uma instituição¨ (p.171).

Nos processos discursivos, torna-se possível para os interlocutores a projeção do lugar social da feminista como posição, como formação imaginária. Para parte das mulheres, passa a ser possível atribuir a si mesma e a outras a imagem de feminista. Este lugar de enunciação torna politizado e dizível publicamente o não-dizível até aquele momento. As barreiras do público e do privado são questionadas por este dizer, que rompe e inova diante dos outros dizeres do político que circulavam no Brasil e na Argentina na década de 1970. (CESTARI, 2008)

A prática analítica consiste em um trabalho de descrição da materialidade simbólica do discurso, procurando nas formulações os traços de determinação da memória discursiva, os elementos pré-construídos, as repetições, reformulações e deslocamentos de enunciados já ditos. Nas primeiras análises do discurso feminista brasileiro, a recorrência da mesma forma lingüística, o pronome nós, revelou diferentes funcionamentos enunciativos.

A partir de Benveniste (1966), considerou-se que nós não é uma somatória de “eu + eu”. Nós “é a junção entre o ‘eu’ e o ‘não-eu’ seja qual for o conteúdo deste ‘não-eu’” (p.256). Se for “eu+vós” trata-se de um nós inclusivo (inclui o interlocutor), se for “eu + eles”, de um nós exclusivo (exclui o interlocutor). Ou seja, a passagem do singular eu para o plural não implica apenas multiplicação, mas indefinição, pois “anexa ao ‘eu’ uma globalidade indistinta de outras pessoas”. O nós é, portanto, “pessoa amplificada e difusa” (p.258).

Diversos autores discutem a polissemia tanto lingüística quanto discursiva de nós. No discurso, nós pode ao mesmo tempo referir-se ao locutor e produzir um efeito de difusão a outras pessoas. Está posto o questionamento sobre que pessoas o nós convoca e para quê, sobre a construção de um “locutor coletivo”. Também não é evidente a partir do emprego de nós a constituição do sujeito político, que se posiciona ideologicamente. (GEFFROY, 1985).

A partir da descrição dos funcionamentos enunciativos do nós, pretende-se analisar as relações imaginárias de interlocução – as formações imaginárias do locutor e do alocutário em jogo no processo discursivo. Quais imagens de locutor se constroem no discurso feminista argentino e brasileiro nos anos 1970 e 1980? O que fica excluído do nós no discurso feminista? Como surge o nós no discurso feminista? Locutor e alocutário se confundem como sendo “o mesmo”? Busca-se com estas questões analisar o trabalho do discurso político sobre mecanismos imaginários para produzir a representação de um coletivo de identificação no processo de formação do sujeito mulheres identificadas com o feminismo.

Uma análise preliminar de alguns funcionamentos do nós político do discurso feminista argentino e brasileiro sugerem que estes funcionamentos discursivos são constitutivos de um lugar de enunciação que permite processos de subjetivação na resistência para mulheres identificadas com esta posição. BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística Geral. Trad. M. G. Novak & M. L. Neri. Campinas, Ed. Pontes, 2005. CESTARI, M. J. Imprensa Feminista Brasileira na década de 1970: um lugar de enunciação público e legítimo das mulheres. Língua, Literatura e Ensino, 03, 2008. pp. 107 - 116 GEFFROY, A. Les nous indistincts. In: Mots, Ano 1985, vol. 10, número 1. p.5-8

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MORAES, M.LQ. Feminismo, Movimento de Mulheres e a (re)construção da democracia em três países da América Latina. Campinas, SP: Primeira Versão n21, IFCH/Unicamp, 2003. PÊCHEUX & FUCHS (1975). A propósito da Análise Automática do Discurso: atualização e perspectivas. In: Gadet e Hak (orgs.) Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 3ed. Campinas: Ed. UNICAMP, 1997. pp.163-252 PECHÊUX, M (1969) Por uma análise automática do discurso. In: Gadet e Hak (orgs.) Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas, Ed. Unicamp, 1997. pp.61-162 SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória . In: Revista de Estudos Feministas, maio-agosto, ano/vol.12, numero2. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2004. pp.35-50 ZOPPI-FONTANA, Mónica G. Cidadãos modernos. Discurso e representação política. Campinas, Editora da UNICAMP, 1997.

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Marian dos Santos Oliveira, Doutorado em Lingüística – UNICAMP O conceito de síndrome e as síndromes Orientador: Wilmar Rocha D’Ângelis

Este trabalho é um recorte da discussão travada na tese o sistema fonológico de sujeitos com Síndrome de Down, resultado do Projeto de Doutorado desenvolvido no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na área de Fonética e Fonologia, com interface em Neurolinguística. Na tese, ainda em fase de elaboração, objetiva-se analisar e descrever o sistema fonológico de sujeitos adultos com Síndrome de Down, a fim de determinar possíveis especificidades no sistema vocálico desses sujeitos em relação ao sistema de indivíduos sem a síndrome. Aqui, tentamos problematizar a relação entre o conceito de síndrome, os males não (re)conhecidos, tradicionalmente, como síndromes mas que se enquadram como síndrome se se toma como ponto de partida a definição etimológica e médica do termo síndrome e as síndromes propriamente ditas, isto é, aquelas doenças que são tradicionalmente conhecidas e até mesmo batizadas com o nome síndrome, normalmente acompanhadas pelo nome de quem descobriu e/ou descreveu tal mal, como, por exemplo, a Síndrome de Down. O propósito desse artigo é levantar um questionamento que julgamos ser necessário para se definir o lugar dessa categoria clínica (as síndromes) e o lugar das demais enfermidades na literatura especializada. Tradicionalmente nos acostumamos – o senso comum- a relacionar o termo síndrome a um mal específico que normalmente vem acompanhado do nome de quem o descobriu. Assim, pensamos em West, Parkinson, Down, Tourette e etc como síndromes, mas não pensamos na tensão pré-menstrual como uma síndrome. Contudo, a abrangência do termo síndrome, definido na literatura em geral como um grupo de sintomas co-ocorrentes, isto é, “conjunto de sinais ou sintomas provocados pelo mesmo organismo e dependentes de causas diversas, que definem uma doença ou perturbação” (LUFT, 1991), e ainda na literatura médica como “conjunto de sintomas ou sinais de qualquer estado mórbido que aconteça simultaneamente” (LEITE, 2009, p1), ou ainda, “conjunto de sinais, sintomas, lesões e modificações funcionais ou bioquímicas, os quais, com aparência às vezes disparatada, formam uma entidade reconhecível em virtude seja de sua associação constante, seja de ter sempre a mesma causa, seja ainda porque traduzem o acometimento de um órgão ou de um sistema bem definidos (SILVA, 2006, p. 564)”, extrapola. Nesse sentido, qualquer mal pode ser concebido como síndrome desde que se possa determinar os sintomas que lhe são característicos.

Assim, a síndrome pré-menstrual, ou TPM, se caracteriza por sintomas como “desconforto fisiológico e emocional, nervosismo, depressão, cefaléia (...)” (LEITE, 2009, p1), que aparecem duas semanas antes da menstruação; ou ainda, síndrome “ caracterizada pelo aparecimento ou agravamento de certos sintomas como irritação, inchaços, enxaquecas, agressividade, dores pelo corpo etc. na fase que precede a menstruação. Também conhecida como TPM (tensão pré-menstrual). Causa compulsão, principalmente de doces e chocolates

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(SILVA, 2006, P. 567). Questiona-se, é possível dar à síndrome pré-menstrual o mesmo estatuto da Síndrome de Tourette ou de Down, por exemplo? Esse conjunto de sintomas seria específico do período pré-menstrual? Ou ainda, eles ocorrem exatamente em todas as mulheres quando estas se encontram na TPM? Poderíamos então pensar a síndrome pré-menstrual da mesma maneira que pensamos na de Tourette, síndrome que atinge mais pessoas do sexo masculino e cujos sintomas se organizam em torno de uma desordem neurológica que se caracteriza pela apresentação, por parte do paciente, de uma série de “tiques involuntários, reações rápidas, movimentos repentinos (espasmos) ou vocalizações que ocorrem repetidamente da mesma maneira.” O sujeito que sofre dessa síndrome pode apresentar tiques como: abaixar, pular, tocar coisas repetidas vezes, ter atenção aguçada para detalhes, tendências obsessivas, apresentar vocalizações peculiares, angústia intensa, preocupação exagerada entre outros sintomas que começam por volta dos sete anos de idade, como ocorre em casos como o descrito por Sacks (1995). Assim, também seguindo o raciocínio via definição terminológica, a TPM seria concebida como síndrome, tal como a Síndrome de Down, acidente genético que ocorre durante a divisão celular do embrião, caracterizado pela trissomia do par 21 que acarreta ao indivíduo portador características fenotípicas tais como, hipotonia muscular geral, fenda palpebral oblíqua, prega palmar transversa única, face achatada, ponte nasal deprimida, orelhas com baixa implantação. É natural que a criança com Down apresente um atraso no desenvolvimento psicomotor, o que faz com que as etapas pelas quais toda criança passa sejam mais lentas no caso do Down. Esse atraso psicomotor se reflete no desenvolvimento do equilíbrio, na coordenação dos movimentos, na sensibilidade, no ritmo, no esquema corporal, orientação espacial, bem como em hábitos posturais. É comum que crianças, jovens e adultos Down apresentem dificuldades variadas no desenvolvimento das habilidades lingüísticas. Os portadores da síndrome podem ter a habilidade cognitiva abaixo da média que se configura num retardo mental que varia de leve a moderado. Bem sabemos, parafraseando Novais-Pinto (1999), que a busca pela objetividade na descrição e classificação de fenômenos patológicos, levam os pesquisadores a estabelecer o conjunto de sintomas que compõem as diferentes síndromes até mesmo para que se possa fazer diagnóstico e classificação ou como observa Foucault (1994) ao descrever sintomas, a literatura médica pretende “decifrar a essência da doença”, (p.09). Além disso, não se pode desconsiderar que a terminologia surge de uma preocupação das ciências médicas voltada para a compreensão da doença, e para o desenvolvimento de um jargão técnico que possibilitasse a comunicação médico-paciente, como observa Novais-Pinto (1999). Contudo, em relação às síndromes e o conceito do termo síndrome será que a comunicação médico-paciente fica clara? Longe de apontar respostas, levantamos mais os questionamentos. Referências Bibliográficas BRASIL, Ministério da Saúde. Programa Nacional de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência. Informações Sobre Síndrome de Down: Destinada a Pais/ Programa Nacional de Atenção à Pessoa Portadora de Deficiência; Ministério da Saúde. Brasília, 1994. CASTILHO, J. C. R. Síndrome de Tourette: In: www.netpsi.com.br/artigos/180204_sindrome_tourette.htm - 44k26 /07/079 21:08h.

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DOWN, Síndrome de. In: WIKIPÉDIA: A enciclopédia livre. http://PT.wikipedia.org/ADndrome_de_Down. Acesso em 07/07/09 21:08h. FOUCAULT, M. Doença mental e psicologia. Biblioteca Tempo Universitário,11. Rio de Janeiro, 1994 LEITE, E. M. D. (Org). Dicionário digital de termos médicos. In: WWW. Pdamed.com.br/diciomed_001_15103.php. Acesso em 07/07/09 21:08h. LUFT, C. P. Mini dicionário Luft. São Paulo: Scipione, 1991. NOVAES-PINTO, R. C. A contribuição do estudo discursivo para uma análise crítica das categorias clínicas. Tese: Doutorado. Campinas: Unicamp, 1999. SACKS, O. Um antropólogo em marte: sete histórias paradoxais.1995. SILVA, C. R. L. da. Dicionário da saúde. São Caetano do Sul: Yendis Editora, 2006.

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Maria Paula Fiorim Piruzelli, Mestrado em Lingüística – UNESP Estudo exploratório das ambiguidades linguísticas em córpus paralelo Orientador: Bento Carlos Dias da Silva

Este artigo de divulgação relata a parte inicial da pesquisa de mestrado que se propõe à investigação linguístico-computacional de aspectos do fenômeno conhecido como “ambiguidades linguísticas”, englobando ambiguidades lexicais, estruturais e semânticas, que contribuem para a má qualidade da tradução automática (TA). Localizada dentro do campo de estudos do PLN, processamento automático de língua natural (Dale, Moisl e Somers 2000; Dias-da-Silva 2006), a TA exige a investigação linguística e computacional na elaboração dos sistemas de TA que, com diferentes graus de sofisticação, pressupõem a modelagem da produção e compreensão da linguagem humana para tornar possível a automatização, com qualidade, de aspectos da tradução de textos de uma língua para outra. Atualmente, a relevância desse tipo de estudo pode ser enfatizada pelo grande fluxo de informação que circula no meio digital entre diversas línguas, tornando ainda maior a necessidade da TA e do seu aprimoramento. Nesse contexto, a pesquisa investiga a TA de textos do inglês para o português com vistas a descrever e sistematizar os diferentes tipos de ambiguidade apontados na literatura, fundamentando o estudo nos dois domínios em que este projeto se articula e que fornecem os subsídios teórico-metodológicos da análise da TA enquanto processo e produto: o domínio linguístico e o domínio linguístico-computacional.

Merece destaque informar que um dos aspectos do estudo das ambiguidades linguísticas no âmbito da TA que tem recebido maior atenção é o denominado WSD (word sense disambiguation), ou seja a “desambiguação lexical de sentidos”. A tarefa essencial do aspecto referente à WSD é definida como o processo através do qual é possível identificar os sentidos das palavras dentro de um contexto (Stevenson e Wilks, 2003). Outro aspecto que também tem merecido atenção é o da avaliação de sistemas de TA. Assim, este estudo considera os resultados alcançados pelo Projeto Senseval , um exercício de avaliação que pretende fornecer dados para que seja possível descrever as características de um ou outro aspecto da modelagem da WSD (Kilgarriff, 1998).

Para “catalogar” os principais tipos de ambiguidade e propor sua sistematização, no domínio linguístico, a investigação inclui a descrição do conhecimento linguístico baseada em modelos de descrição léxico-semântica e gramatical necessários para a resolução desse fenômeno. Para a proposição de heurísticas para otimizar a qualidade das traduções, no domínio linguístico-computacional, o trabalho investiga as estratégias computacionais de resolução dos diferentes tipos de ambiguidade catalogados.

Além do estudo teórico, a pesquisa desenvolve um estudo empírico que consiste na análise comparativa entre as traduções de textos realizadas por tradutores humanos (TH) e selecionadas no córpus paralelo COMPARA e as respectivas traduções realizadas pelo sistema de TA do Google .

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Por meio dessa análise comparativa investigam-se os problemas de tradução que se originam no fenômeno das ambiguidades linguísticas com vistas à proposição de estratégias que resolvam ou minimizem os efeitos da manifestação da ambiguidade linguística.

A seguir, apresenta-se o procedimento de análise que está sendo explorado no domínio linguístico da pesquisa e que demonstra um problema causado pela multiplicidade de sentido do item lexical paper. A frase The newspaper boy is late, or perhaps there is no paper today because of a strike, quando traduzida pelo TH, resultou em O rapaz dos jornais [entregador de jornais] está atrasado, ou talvez hoje não haja jornais por causa de uma greve qualquer e quando submetida ao sistema de TA, resultou em O entregador de jornal é tarde, ou talvez não há papel hoje por causa de uma greve. Apesar de o sistema de TA não ter optado pela tradução adequada, testes indicaram que ambos os itens lexicais jornal e papel estão registrados em seu dicionário, o que fornece evidências de que a má tradução não foi causada pela insuficiência deste recurso e sim pela incapacidade do sistema de reconhecer o contexto no qual o item lexical problemático está inserido.

A análise de outros exemplos de traduções com o mesmo item lexical retirados do córpus sugere que o sistema de TA parece seguir algum tipo de modelo de processamento que procura por padrões fornecidos por collocations ou considera o co-texto mínimo do item lexical, posto que, quando as expressões partitivas a piece of /a scrap of ocorrem antes de paper, o sistema sempre fornece a tradução adequada. Observem-se estes exemplos: a frase A stewardess offers him the morning paper, quando submetida ao TH, resulta em A hospedeira [anfitriã] oferece-lhe o jornal da manhã; quando submetida ao sistema, resulta em A aeromoça oferece-lhe o jornal da manhã. A frase He wrote on a piece of paper `Make list ,́ and sellotaped it to the side of the dresser resulta em Escreveu ‘Fazer lista’ num pedaço de papel e prendeu-o com fita gomada a um dos lados do aparador, quando traduzida pelo TH, e em Ele escreveu em um pedaço de papel ‘Faça list’, e sellotaped-lo ao lado da cômoda, quando traduzida pelo sistema de TA. O exame desses exemplos demonstra que o tipo de heurística utilizada pelo sistema foi efetivo nesses dois casos, mas recorrer apenas a essa não será suficiente para resolver todas as ocorrências.

Diferentes fontes de conhecimento que auxiliam no processo de desambiguação podem ser utilizadas pelos sistemas de TA. Elas podem ser de natureza sintática, semântica e/ou pragmática e dentre elas pode-se citar: informação sobre categoria gramatical e collocations, frequência dos sentidos, preferências de seleção, informação sobre domínio, contexto local, etc. Para trazer melhoras nos resultados, muitos desenvolvedores de sistemas de TA combinam as fontes de conhecimento, mas a grande parte do trabalho ainda é voltada para sistemas monolíngues (Specia, 2005; Stevenson e Wilks, 2001).

Além disso, a literatura, para propor soluções para a resolução automática das ambiguidades linguísticas, descreve diferentes estratégias de desambiguação. Destacam-se: uso de estatística léxica e sintática, uso de língua controlada, uso de micro-glossário, uso de contexto mínimo, entre outras. Entretanto, todas elas oferecem limitações, e a incorporação de conhecimento léxico-gramatical e semântico-conceitual suficientemente estruturado não tem recebido a atenção necessária pelos desenvolvedores de sistemas de TA.

A pesquisa encontra-se ainda em fase de desenvolvimento e até agora a literatura dos dois domínios já foi estudada parcialmente. Paralelamente aos estudos, vem sendo feita a coleta dos dados e uma análise superficial dos itens selecionados que inclui a classificação do item lexical em substantivo, verbo, adjetivo ou advérbio, a determinação do tipo de ambiguidade e a comparação com o texto traduzido pelo sistema de TA.

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Futuramente, a coleta dos dados deve ser intensificada até que se alcance um número suficiente de itens lexicais para compor a análise final. Referências Bibliográficas Dale, R., Moisl, H., Somers, H. Handbook of natural language processing. New York: Marcel Dekker, 2000. Dias-da-Silva, B. C. O estudo lingüístico-computacional da linguagem. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 41, n. 2, p. 103-138, 2006. Kilgarriff, A. SENSEVAL: An Exercise in Evaluating Word Sense Disambiguation Programs. In Proceedings of the First International Conference on Language Resources and Evaluation. Granada, Spain, p. 581-588, 1998. Specia, L. Knowledge sources for disambiguating highly ambiguous verbs in machine translation. In Proceedings of the 17th European Summer School in Logic, Language and Information. Edinburgh, 2005. Stevenson, M., Wilks, Y. The interaction of knowledge sources in word sense disambiguation. Computational Linguistics. v. 27, n. 3 p. 321-349, 2001. Stevenson, M., Wilks, Y. Word-sense disambiguation. In: MITKOV, R. (Ed.). The Oxford handbook of computational linguistics. Oxford: Oxford University Press, cap. 13, p. 249-265, 2004.

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Maria Siqueira Santos, Mestrado em Divulgação Científica e Cultural – UEL Estudo exploratório das ambiguidades linguísticas em córpus paralelo Orientador: Rogério Ivano

As ciências humanas apresentam como homem o indivíduo disciplinar (Foucault, 1973-74, p. 72). Nessa frase, Foucault interpreta o conceito de homem elaborado pelas ciências humanas e, no mesmo raciocínio, indica quais as relações de poder que estão em jogo ao se teorizar sobre esse homem. O indivíduo enquanto produto da sociedade disciplinar é atravessado por determinadas práticas discursivas que o narram de maneira singular, própria. Contudo, os mesmos discursos disciplinares que exercem um tipo anônimo de poder de sujeição sobre os indivíduos, criam saberes sobre eles, valores esses que são legitimados com base nos paradigmas da ciência moderna . São esses paradigmas que dão sustentação ao discurso disciplinar. São eles que me darão instrumentos para discutir a respeito do discurso científico predominante nas teses defendidas, nos últimos anos, nos cursos de Letras, sobre a historiografia contemporânea. Tendo em mente essa concepção histórica das ciências humanas, considero a historiografia uma forma cultural que se modifica historicamente, ou seja, que tem sua própria história.

[...] a história é uma forma cultural, através da qual os homens na contemporaneidade se relacionam com seus eventos e com o passado. Uma forma de conhecimento, uma escrita e não ação. (Veyne apud Rago, 1995, p. 73)

Por ser uma forma cultural, a história é entendida, também, como um discurso que

cria sentidos sobre o mundo e que estabelece relações entre tempo presente e tempo passado. Em A história repensada, o historiador inglês Keith Jenkins definiu o conceito de história que ele denomina como “pós-moderno”.

“[...] a história constitui um dentre uma série de discursos a respeito do mundo. Embora esses discursos não criem o mundo (aquela coisa física na qual aparentemente vivemos), eles se apropriam do mundo e lhe dão todos os significados que têm. O pedacinho de mundo que é o objeto [...] de investigação da história é a passado. A história como discurso está, portanto, numa categoria diferente daquela sobre a qual discursa. [...] Ademais, o passado e a história não estão unidos um ao outro de tal maneira que se possa ter uma, e apenas uma leitura histórica do passado.” (Jenkins, 2007, p. 23-4)

Esse entendimento de história como um discurso, ou seja, um construto linguístico

humano imbuído de sentidos, é compartilhado por outros teóricos contemporâneos que se

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debruçam sobre questões referentes à teoria da história, como é o caso do estadunidense Hayden White e da canadense Linda Hutcheon.

White, em um artigo intitulado “Teoria da literária e escrita da história”, publicado em 1991, na revista científica Estudos Históricos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que a história não acontece puramente, ela é feita, produzida. Todavia, o passado, diz ele, só nos chega por meio da linguagem, ou seja, da história. Dessa maneira, não há como o historiador escapar à história se intenciona conhecer o passado, no entanto, ele deve ter em mente que a história não é o passado, é um discurso sobre ele e, por isso, o impregna de sentidos.

Em Poética do pós-modernismo, Hutcheon se propôs a estudar o fenômeno cultural chamado de pós-modernismo. Para tanto, supôs a existência de uma estrutura conceitual flexível que constituiria e conteria a cultura pós-moderna e os discursos referentes e adjacentes a ela. Essa estrutura, seu objeto de estudo, seria, no campo da ficção, a “metaficção historiográfica”.

A questão que a autora procura resolver ao longo de seu livro diz respeito às questões epistemológicas referentes à história e a literatura contemporâneas. Qual é o limite entre esses dois campos? Quais as aproximações a os afastamentos que existem entre eles? Será que a diferenciação fato/ficção dá conta de determinar as fronteiras entre historiografia e literatura? As respostas de Hutcheon a essas questões giram em torno da caracterização daquilo que ela chama de pós-moderno e que, de acordo com ela, não funciona dialeticamente. As produções pós-modernas não se propõem a resolver as contradições do contexto histórico-político no qual são construídas , entretanto, são construtos sóciolinguísticos que se auto-representam e que, por isso, são históricos.

Assim, voltando aos conceitos propostos por Foucault, me proponho a discutir as transformações que esse dispositivo disciplinar, que é a ciência historiográfica, percorreu ao longo da episteme clássica e da episteme contemporânea . O objetivo do trabalho é perceber como o discurso historiográfico contemporâneo é recepcionado nos trabalhos feitos por alunos dos cursos de Letras, incluindo nessa categoria a denominação institucional de Letras, Estudos Literários, História e Crítica Literária, Ciência da Literatura, Linguística e Letras, Teoria Literária e Literatura Comparada, entre outros. Para tanto serão analisadas teses defendidas no ano de 2007 que tratam dos limites fronteiriços entre a historiografia e a literatura contemporâneas.

“[...] O que a escrita pós-moderna da história e da literatura nos ensinou é que a ficção e a história são discursos, que ambas constituem sistemas de significação pelos quais damos sentido ao passado [...]. Em outras palavras, o sentido e a forma não estão nos acontecimentos, mas nos sistemas que transformam esses “acontecimentos” passados em “fatos” históricos presentes. Isso não é um “desonesto refúgio para escapar à verdade”, mas um reconhecimento da função de produção de sentido dos construtos humanos.” (Hutcheon, 1991, p. 122)

Os trabalhos que estão sendo pesquisados foram todos financiados pela

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e abordaram o tema literatura e história pós-modernas. A pesquisa foi realizada no banco de teses online da CAPES , tendo sido utilizada as palavras chave “literatura e história”, “pós-

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modernidade”, “metaficção historiográfica”, “novo romance histórico”. Apesar de a pesquisa ter abrangido cerca de 20 anos, as teses selecionadas foram todas defendidas no ano de 2007.

Os trabalhos selecionados para análise têm os seguintes títulos, autores e instituições de origem, respectivamente: A metaficção historiográfica no romance 'os cús de Judas', de Antonio Lobo Antunes, de Haide Silva, defendida na Universidade de São Paulo (USP); Imagens líquidas na obra de Augusto Abelaira: sujeito e história na pós-modernidade, de Edimara Luciana Sartori, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); A história editada – o novíssimo romance histórico, de Benedito Costa Neto Filho, da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Fronteiras de literatura e história: a escrita de Sérgio Buarque de Holanda em “Caminhos e Fronteiras", escrita por Silvana Seabra Hooper, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Bibliografia Castells, Manuel. A galáxia da Internet: reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. Foucault, Michel. O poder psiquiátrico: curso dado no Collège de France (1973-1974). Edição estabelecida por Jacques Lagrange. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 69. (Tópicos) Hutcheon, Linda. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Trad. de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. Jenkins, Keith. A história repensada. 3 ed. Trad. Mario Vilela. São Paulo: Contexto, 2007. Rago, Margareth. “O efeito-Foucault na historiografia brasileira”. In: Tempo Social. Revista de sociologia da USP. São Paulo, n. 7, out/1995, p. 67-82. Vasconcelos, José Antonio. Quem tem medo de teoria: a ameaça do pós-modernismo na historiografia americana. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2005. White, Hayden. Teoria literária e escrita da história. Obtido em: http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/132.pdf. Acessado em 30/10/2009.

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Michelli Alessandra Silva, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Síndrome do X-Frágil: estudo neurolinguístico Orientador: Maria Irma Hadler Coudry

Este resumo integra meu projeto de doutorado, recentemente submetido ao Programa de Linguística, que tem como proposta de pesquisa o estudo da Síndrome do X-Frágil (abreviada como SXF) a partir dos fundamentos teóricos da Neurolingüística Discursiva (abreviada como ND), baseada, sobretudo, no texto de Coudry e Freire (a sair), de forma a compará-los com o que a literatura neurológica apresenta.

A SXF é uma doença hereditária ligada ao cromossomo X, considerada uma das causas mais comuns de comprometimento intelectual de etiologia genética. Nos últimos anos, estudos (FÉLIX e PINA-NETO, 1998; GUERREIRO et al., 1998; BOY et al., 2001) vêm sendo feitos com a preocupação, principalmente, de descobrir as características clínicas dos portadores dessa síndrome, sendo descritas dentre essas características dificuldades relacionadas à linguagem: fala fora de contexto, dificuldades para manter diálogo e fixar-se em assuntos da conversação, dificuldade para reter informações ou assimilar noções abstratas (como as requeridas pela leitura/escrita: perceber, relacionar e fixar sequências na estrutura de sons e letras com significado), fala perseverativa, entre outras (Fundação Brasileira da Síndrome do X-Frágil, 2008).

Apesar de terem sido feitos muitos levantamentos em relação às características dos portadores da SXF, nota-se a falta de estudos mais aprofundados sobre os desdobramentos dessa síndrome no que diz respeito ao desenvolvimento da linguagem, mais especificamente, ao processo de aquisição e uso da leitura/escrita. Com este estudo, espera-se identificar as dificuldades lingüísticas apresentadas pelos portadores da SXF analisando como e em que condições ocorre o processo de aquisição e uso da escrita/leitura por esses sujeitos, bem como interferir nesse processo de forma que o diagnóstico da patologia não se torne um obstáculo – que mais atrapalha do que ajuda no enfrentamento das dificuldades e particularidades que esses sujeitos podem apresentar – no processo de escolarização.

A metodologia que orienta esta pesquisa tem por fundamento o conceito de dado-achado formulado por Coudry (1991/96), que pressupõe um tratamento discursivo para os dados em sua análise e nas formas de seu acontecimento. Segundo a autora, interpretar um fato como dado requer um método que nasce na prática e que supõe dois tempos: o da ocorrência do fato na interlocução e o da análise do fato transformando-o em dado. Esta pesquisa também se fundamenta na variação funcional do cérebro determinada pela contextualização histórica dos processos lingüístico-cognitivos (VYGOTSKY, 1987, 2000; LURIA, 1981), conforme tem sido formulado pela ND – que se opõe a uma visão de funcionamento cerebral médio, padrão, a-histórico e idealizado. Coudry e Freire (a sair) argumentam pela relação heterogênea entre sujeito e linguagem e não uma relação pré-estabelecida entre a falta (para se atingir a normalidade) e a patologia; importam assim sujeitos comuns marcados por sua relação com a linguagem oral/escrita, práxis/corpo e

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percepção e a reversibilidade de papéis discursivos desempenhados pelos sujeitos, em situações de interlocução, historicamente situadas.

Partindo deste quadro teórico e tendo em vista os objetivos acima referidos, dois portadores da SXF são acompanhados em sessões semanais individuais (com 1 hora de duração) e em grupo (com 2h00 de duração). Ambos fazem parte do Centro de Convivência de Linguagens (CCazinho/IEL/UNICAMP), lugar onde acontecem as sessões. Os sujeitos dessa pesquisa são PM com 10 anos de idade e AS com 14 anos de idade.

PM foi encaminhado para o CCazinho em maio de 2008 por apresentar dificuldades no processo de aquisição de leitura e escrita. Segundo a mãe, ele se apresentou mais lento quanto ao desenvolvimento (em comparação com as duas irmãs) desde o nascimento: demorou a andar (o que aconteceu por volta de dois anos de idade) e a falar (demonstrava alguma compreensão do que lhe falavam, mas não falava). Começou a se expressar com mais precisão fonoarticulatória por volta dos sete anos de idade. Foi diagnosticado como portador da SXF em 2005 e não há conhecimento de outros casos na família. Meu primeiro contato com a criança ocorreu em junho de 2008. Primeiramente foi realizada uma entrevista com a mãe juntamente com PM; na ocasião foi possível observar que PM era bastante tímido e quase não mantinha contato visual. Quando questionado, só falava com a insistência da mãe e com um tom de voz muito baixo (era muito difícil de entendê-lo). Nos primeiros atendimentos individuais foi possível verificar que PM não lê palavras, mas sabe o nome das letras e suas formas gráficas. Escreve palavras quando soletradas e copia palavras. Na maioria das vezes sabe o que as palavras significam e quando não sabe pergunta. PM tem um certo domínio do computador: sabe acessar a internet, pesquisar coisas, jogar, desligar e ligar. AS foi encaminhado para o CCazinho em junho de 2008, por apresentar dificuldade de concentração na escola e atraso na aquisição da escrita/leitura. Trata-se de filho de casal não consangüíneo, com antecedente de primo em primeiro grau materno com a SXF. Por essa razão foi solicitado o exame genético de AS aos 5 anos de idade e descobriu-se que era portador da SXF. Frequentou escola especial e atualmente está na APAE da cidade onde reside. Seu irmão mais novo (hoje com 4 anos de idade) também é portador da síndrome. Em entrevista com a mãe foi relatado que na escola que frequentava eram sempre dadas as mesmas matérias e assuntos. Em nosso primeiro contato, na presença da mãe, pude notar que se tratava de um jovem extremamente tímido, falava muito pouco e, normalmente, fazia uso de palavras soltas e poucas frases simples. No início do atendimento individual, foi possível perceber que apresentava dificuldades em associar nome, som e grafia das letras.

A relevância deste projeto recai sobre a importância de estudos longitudinais para se observar e compreender os processos de aquisição e uso da escrita/leitura para, então, neles intervir, o que poderá promover de forma mais efetiva a escolarização dessa criança/jovem. O que se levanta como discussão é o quanto as dificuldades de PM ou de AS são da ordem do patológico e o quanto fazem parte do processo normal de aquisição e uso da escrita/leitura, bem como de sua exposição à leitura/escrita durante suas vidas, dentro e fora da escola. Essas são questões iniciais que se apresentam como relevantes a serem investigadas durante o desenvolvimento deste projeto de Doutorado, além de outras que surgirão no decorrer do processo.

Referências Bibliográficas

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BOY, R. et al. Síndrome do x frágil: estudo caso-controle envolvendo pacientes pré e pós-puberais com diagnóstico confirmado por análise molecular. In: Arquivos de Neuropsiquiatria, 59(1): 83-88, 2001. COUDRY, M. I. H. O que é dado em Neurolinguística?. In: O método e o dado no estudo da linguagem, Maria Fausta C. Pereira de Castro (org.), Campinas: Editora da UNICAMP, 179-194, 1991/96. COUDRY, M. I. H.; FREIRE, F. M. P. Neurolingüística Discursiva: pressupostos teóricos-clínicos. In: Neurolingüística Discursiva: teorização e prática clínica, Maria Irma Hadler Coudry et al. (orgs), (a sair). GUERREIRO, M. M. Fragile x syndrome: clinical, electroencephalographic and neuroimaging characteristics. In: Arquivos de Neuropsiquiatria, 56(1): 18-23, 1998. FÉLIX, M. T.; PINA-NETO, J. M. Fragile x syndrome: clinical and cytogenetic studies. In: Arquivos de Neuropsiquiatria, 56(1): 9-17, 1998. FUNDAÇÃO BRASILEIRA DA SÍNDROME DO X-FRÁGIL. Disponível em: www.xfrafil.com.br. Acesso em 28 de julho de 2008. LURIA, A R. Fundamentos de Neuropsicologia. São Paulo: EDUSP, 1981. VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1987 (Tradução inglesa dos originais russos de 1930). VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da Linguagem. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes; 2000 (Tradução do original russo Pensamento e Linguagem de 1934).

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Mircia Hermenegildo Salomão, Mestrado em Lingüística – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas – UNESP – São José do Rio Preto A concordância nominal do predicativo na variedade falada na região de São José do Rio Preto Orientador: Roberto Gomes Camacho

A atuação de processos de redução e de supressão de segmentos consonantais em fenômenos redundantes, como a concordância nominal tende a suprimir marcas de pluralidade, provocando a possibilidade de ambigüidade referencial. Um fenômeno fonológico, que reflete simultaneamente um processo gramatical de concordância é o da supressão de /S/, que afeta a marcação de pluralidade no SN. O trabalho aqui apresentado procura investigar, com base nas ocorrências do banco de dados Iboruna, a marcação de pluralidade nas estruturas predicativas sob a luz da perspectiva variacionista, com o objetivo de examinar a possibilidade de esse processo estar correlacionado a motivações em competição, que podem ser de natureza formal ou funcional. Recorreremos a quatro princípios potencialmente motivadores: dois de origem formal e dois de origem funcional. De acordo com a literatura sociolinguística, do ponto de vista das motivações formais, investigaremos a atuação do princípio do Paralelismo Formal (cf. SCHERRE, 1988) e do princípio de Saliência Fônica (cf. LEMLE; NARO, 1976 e 1977). No que se refere à atuação das motivações funcionais será investigada a atuação do princípio da Economia ou Motivação Econômica de Haiman (1980; 1983) e Du Bois (1984) e da Condição de Distintividade de Kiparsky (1971). O trabalho foca-se na tentativa de confirmar se a ausência de marcas de pluralidade em fenômenos de concordância nominal tem sua explicação metodológica situada na repetição de estruturas em paralelismo formal ou se ausência de marcas de pluralidade em fenômenos de concordância nominal deve-se a uma explicação metodológica mais plausível que se situe no plano funcional, devido à ocorrência de redundância. O contexto de redundância diz respeito à possibilidade de presença de marcas formais no decorrer das posições do SN, seguindo as regras de concordância nominal, o que pode se tornar desnecessário, de um ponto de vista funcional. Dessa maneira, o trabalho tem como principal hipótese que marcas redundantes de plural no sintagma nominal sujeito e no verbo podem provocar a ausência de pluralidade no predicativo, visto que uma vez marcada a sentença, esta marcação de plural não precisará se repetir, já que a sentença não corre o risco de se tornar ambígua. Em consonância com essa hipótese, pretende-se verificar se a aplicação do princípio da economia é a explicação mais aceita para esse tipo de variação no predicativo/particípio.

O universo de pesquisa foi composto por ocorrências obtidas em 128 de 152 Amostras Censo extraídas do banco de dados Iboruna. Este banco de dados registra uma variedade do português brasileiro ainda desconhecida: o português falado numa parte da região noroeste do estado de São Paulo, nucleado em torno de São José do Rio Preto e estendida a seis cidades vizinhas: Cedral, Bady Bassity, Guapiaçu, Ipiguá, Mirassol e Onda Verde. Cada Amostra Censo é composta por cinco gêneros textuais: narrativas de

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experiência pessoal, relato de narrativa recontada, relato descritivo, relato de procedimento e relato de opinião. A constituição do córpus pelos cinco tipos de textos possibilita uma ampliação considerável no número de ocorrências, que propicia condições satisfatórias em termos quantitativos para a análise de todas as variáveis dependentes. Em comparação com outros bancos de dados, pode-se dizer que o Iboruna registra um espectro social mais amplo do que outras amostras, principalmente quando comparado ao NURC, à medida que se controlam variáveis estratificadas como sexo/gênero, escolaridade, faixa etária e nível sócio-econômico, além de variáveis não-estratificadas, como a localização geográfica dos informantes. O presente estudo restringiu seu escopo às diferenças de gênero, diferenças de escolaridade (1° Ciclo do Ensino Fundamental, 2º Ciclo do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior) e diferenças de faixa etária (de 16 a 25 anos, de 26 a 35 anos, de 36 a 55 anos e mais de 55 anos). Será analisada também a atuação de doze fatores condicionadores do processo de marcação variável de pluralidade no predicativo, nove deles lingüístico e três extralingüísticos. Os grupos de fatores lingüísticos são: 1) paralelismo formal; 2) paralelismo oracional: marcas do sujeito; 3) paralelismo sintagmático: marcas do verbo; 4) configuração estrutural do predicativo/particípio e 5) saliência fônica da oposição singular x plural; 6) número de marcas precedentes no sujeito e no verbo; 7) tipo estrutural do sujeito; 8) material interveniente entre o verbo e o predicativo/particípio e 9) a variável dependente. Os extralingüísticos, por sua vez, são: 1) gênero, 2) idade e 3) escolaridade. A intenção desse trabalho é estabelecer se há a devida interação entre os dois tipos de motivações (formais e funcionais), assim comparáveis, para ver se elas consistem realmente em motivações em competição para o mesmo conjunto de dados. Além disso, como um interesse teórico, pretende-se discutir se as motivações internas, lingüísticas, para processos de variação devem basear-se em procedimentos tipicamente funcionalistas ou tipicamente formalistas, em contraste com as motivações de ordem externa; neste caso específico, pretende-se discutir se as regras gramaticais que regem o processo de variação enfocado são as mesmas para diferentes agrupamentos sociais de falantes, ou se cada agrupamento social tem sua própria gramática.

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Mirian Cazarotti Pacheco, Doutorado em Lingüística – UNICAMP O discurso narrativo nas afasias Orientador: Rosana do Carmo Novaes Pinto

A literatura neurolingüística tradicional focaliza prioritariamente o conhecimento metalingüístico no estudo das chamadas “patologias de linguagem”, relegando a um segundo plano questões pragmáticas e discursivas que revelam tanto aspectos do funcionamento lingüístico, quanto estratégias alternativas dos sujeitos para driblarem suas dificuldades. Consideramos que uma abordagem neurolingüística discursivamente orientada, como a que é desenvolvida no IEL/UNICAMP, pode contribuir para a compreensão dessas questões.

Bakhtin (1929/1997) postula que o enunciado – unidade real da comunicação – não é organizado somente com os recursos da língua (lexicais, semânticos, sintáticos), mas também pelos gêneros discursivos. Os gêneros do discurso se caracterizam em: gênero de discurso primário, que dizem respeito aos tipos do diálogo oral, como a linguagem das reuniões sociais, a linguagem familiar, a fala cotidiana e gênero de discurso secundário, próprio do romance, do teatro, do discurso científico, do discurso ideológico. Os gêneros primários, que se constituíram na comunicação verbal espontânea, são absorvidos e transmutados para a formação do gênero secundário.

Segundo o autor, as experiências comunicativas reais anteriores é que nos permitem selecionar adequadamente o gênero discursivo, considerando as particularidades do interlocutor e da situação interativa vivenciada.

Destacamos neste estudo o interesse pelo gênero discursivo narrativo. Dentre as possibilidades narrativas, destaca-se a que tem sido chamada de “narrativa

de experiências pessoais”. A definição mais difundida de narrativa é a de Labov (1967, apud PERRONI, 1992, p. 19): “[...] um método de recapitular experiências passadas fazendo corresponder uma seqüência verbal de cláusulas à seqüência de eventos que efetivamente ocorreram”.

Os critérios lingüísticos de identificação de um texto narrativo, segundo Labov (1967,1972, apud PERRONI,1992) são:

a) a existência de dependência temporal entre um evento x e outro y;

b) orações que expressam essa dependência temporal constituída essencialmente por verbos de ação;

c) o emprego do tempo perfeito. (p. 20).

Perroni (1992) amplia as características levantadas por Labov, acrescentando:

d) relato do “inédito”, ou seja, um evento singular dentro da narrativa, digno de ser narrado;

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e) uso de operadores de narrativas: “era uma vez”, para iniciar uma narrativa, ou “acabou a história”, para encerrá-la; “depois”, “e aí” ou “daí”, ligando um evento a outro; uso de prosódia e elementos como entoação, ritmo, velocidade de fala, qualidade da voz de suspense de narrar estórias, que caracterizam o ato de narrar.

Dados obtidos em situações dialógicas com sujeitos afásicos permitem afirmar que um dos gêneros que mais resistem nas afasias é o narrativo, embora certamente a produção de narrativas varie em função, por exemplo, do grau de severidade dos casos. As narrativas, dessa forma, se constituem como um lugar privilegiado para a análise dos impactos das afasias na linguagem dos sujeitos.

Este estudo visa refletir sobre as seguintes questões: Como se dá o funcionamento

do gênero narrativo em sujeitos afásicos? Quais são os recursos lingüísticos verbais e não-verbais dos quais eles se utilizam para narrar? A depender do grau de severidade da afasia, quais os limites impostos ao ato de narrar? Existem limites relacionados a tópicos/temas? Qual a contribuição que a compreensão das características lingüísticas nas afasias – tanto as que dizem respeito ao sistema da língua (recursos fonético/fonológicos e lexicais e regras semântico-gramaticais), quanto as que focalizam a relação da língua com as condições de produção (fatores pragmáticos e discursivos) podem trazer para um direcionamento terapêutico-fonoaudiológico?

A pesquisa será efetuada por meio de seleção, transcrição e análise de dados de episódios dialógicos, produzidos (e registrados em vídeo) em práticas discursivas, concretas, geradas no trabalho desenvolvido no Centro de Convivência de Afásicos (CCA). Enfatizaremos as situações que focalizem o discurso narrativo dos sujeitos do Grupo III. Os enunciados deverão ser considerados em todas as suas formas de manifestação, verbais e não-verbais, segundo uma perspectiva enunciativo-discursiva.

A análise microgenética (VIGOTSKI, 2003) trará aporte para as análises. Ao assumirmos, neste projeto, a concepção de linguagem como atividade interativa e constitutiva do sujeito e ainda que “os dados são os discursos” (ORLANDI, 1991/1996, p. 109) fazemos a opção por uma análise qualitativa dos dados.

Frente às contingências de avaliação, diagnóstico e acompanhamento de sujeitos neurolesados, Morato e Coudry (2000) destacam que o método de investigação longitudinal tem se revelado eficaz, pois além de dar respaldo aos processos verbais, permite apreender a evolução do quadro clínico e a percepção dos processos alternativos de significação utilizados pelo sujeito.

Portanto, os dados selecionados das atividades envolvendo o discurso narrativo possibilitarão uma análise qualitativa, microgenética, por meio de um estudo longitudinal.

Segue-se o relato do caso de um dos sujeitos da pesquisa, CS, para uma análise preliminar.

CS, com 43 anos de idade e ensino médio completo, tinha 37 anos na época em que se submeteu a uma craniotomia fronto-têmporo-parietal esquerda. Como seqüela da cirurgia, apresenta uma afasia que podemos caracterizar como fluente.

Os dados evidenciaram que a dificuldade principal de CS diz respeito à seleção dos elementos lingüísticos, o que o leva a produzir muitas hesitações e pausas, o que por sua vez influencia também a organização sintática. Nos termos de Jakobson, a dificuldade na

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seleção interfere na capacidade de combinação o que, nas palavras de Coudry refletem a projeção dos eixos paradigmático e sintagmático, um sobre o outro. O discurso direto é um recurso muito utilizado na tentativa de driblar suas dificuldades e o gênero narrativo é um lugar propício para seu uso. Quanto à organização da narrativa, nossas análises demonstraram que CS apresentou todas as características que Perroni (1992) descreve como sendo próprias deste gênero: i) a forma verbal no pretérito perfeito, ii) presença de verbos de ação e a concatenação dos eventos, iii) presença do fato inédito, iv) uso de elementos de ligação entre os eventos, v) prosódia e elementos como o ritmo, a entonação - que caracterizam o ato de narrar.

Para o propósito de compreender as características da narrativa de CS e até que ponto a afasia alterou sua capacidade de narrar, é necessário propor uma análise mais detalhada dos processos evidenciados em seus enunciados, como a presença das atividades epilingüísticas, que possibilitam o desenvolvimento de estratégias alternativas de significação e de reorganização do gênero. Segundo Geraldi (1997), as atividades epilingüísticas são as ações que se fazem sobre a linguagem, que estão presentes nos processos interacionais e tomam como seu objeto os próprios recursos expressivos. Tais operações se manifestam, por exemplo, nas negociações de sentido, sendo reveladas na linguagem narrativa de CS, por exemplo, por meio das auto-correções e retomadas. As análises mostram, ainda, que o apoio nos enunciados dos interlocutores é fundamental na produção de seus enunciados e na construção da narrativa. Vale ressaltar que é indispensável para o acompanhamento terapêutico com sujeitos afásicos a compreensão não só das suas dificuldades com o sistema da língua (recursos fonético/fonológicos, lexicais, gramaticais), quanto a compreensão dos aspectos que focalizam a relação da língua com as condições de produção. A construção conjunta dos enunciados – que ocorre também fora do âmbito das patologias - transforma “falantes” e “ouvintes” em verdadeiros parceiros da comunicação verbal (cf. Bakhtin), o que se torna imprescindível para um acompanhamento terapêutico eficiente, que auxilie os sujeitos afásicos na reorganização de sua linguagem, para que alcancem seu querer dizer. (Bakhtin, 1929/1997).

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Pablo Picasso Feliciano de Faria, Mestrado em Lingüística – UNICAMP Propriedades das línguas naturais e o processo de aquisição: reflexões a partir da implementação do modelo em Berwick (1985) Orientador: Ruth E. V. Lopes

Uma teoria da aquisição da gramática, na perspectiva da gramática gerativa, implica tanto a descrição da Gramática Universal (GU) em seu estado inicial, quanto a descrição e explicação do processo que leva a Faculdade da Linguagem (FL) do falante a um estado final (cf. CHOMSKY, 1986), ou seja, a teoria de aprendizagem. Neste sentido, várias estudos já foram feitos (BERWICK, 1985; WEXLER & CULICOVER, 1980; FODOR, 1998; MAZUKA, 1998; entre outros) que buscam compreender e explicar parte do processo de aquisição da gramática. Alguns estudos resultaram em modelos computacionais, com resultados interessantes para a teoria linguística, na medida em que apresentam evidências empíricas para a validade (ou não) de uma série de pressupostos teóricos comumente assumidos na pesquisa gerativa (como o princípio do subconjunto, por exemplo).

Este trabalho inclui uma implementação computacional do analisador sintático e do procedimento de aquisição propostos em Berwick (1985), para uma parte da gramática do inglês. Esta implementação é parte de minha pesquisa de mestrado cujo objetivo principal é refletir sobre algumas propriedades da linguagem e do processo de aquisição, com base nos resultados da implementação. O quadro teórico em que se insere a pesquisa é o da Gramática Gerativa, na linha chomskiana, especialmente Chomsky (1965), ou seja, no âmbito da Gramática Transformacional.

A metodologia utilizada para o desenvolvimento do analisador foi basicamente a de seguir a apresentação feita por Berwick para inferir os detalhes (não explícitos) do modelo em função do comportamento descrito. A primeira etapa foi fornecer como entrada sentenças do inglês, tais quais as descritas pelo autor. Apenas uma pequena parte da gramática do inglês é suportada pelo modelo, no entanto. Em resumo, o que o modelo aprende a processar SNs, SVs, auxiliares, sentenças principais, SPs e sentenças encaixadas. Além disso, o sistema deve processar transformações locais simples, como a inversão sujeito-auxiliar (no inglês) e regras como a de movimento-Qu. Posteriormente, foram apresentadas construções particulares do português brasileiro para termos mais informações sobre as limitações do modelo (para a maioria delas eram esperadas as dificuldades encontradas pelo analisador). Com base no resultado das aprendizagens para os dois conjuntos de sentenças, procedemos à reflexão e discussão de algumas propriedades da linguagem e da aquisição (assumidas no quadro teórico em questão).

O modelo de Berwick tem por finalidade investigar a aquisição da gramática. Sua base é fundamentalmente a Gramática Transformacional (baseada em regras), embora já procure inserir elementos da Teoria de Regência e Ligação e da Teoria de Princípios e Parâmetros. Além da modelagem do analisador sintático, seu modelo postula um procedimento de

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aquisição (ou aprendizagem) que funciona de modo integrado ao analisador. O modelo possui três componentes:

� Um estado inicial de conhecimento. � Um estado alvo de conhecimento. � Um procedimento de aquisição que dirige o sistema do estado inicial para o estado

final. Este procedimento se subdivide em: � Os dados de entrada que o sistema de aprendizagem utiliza. � O algoritmo de aquisição em si. A gramática do falante é construída gradualmente, a partir de informações do

analisador, quando este encontra uma sentença cuja estrutura lhe é parcial ou totalmente desconhecida (ou seja, o analisador não é capaz de fazer a análise). Por este comportamento é que esta abordagem é definida como sendo baseada na análise sintática, ou seja, o aprendizado só pode acontecer a partir de falhas do analisador durante a análise da sentença. Nem sempre, porém, é possível aprender a partir de uma falha: sentenças demasiadamente complexas acabam sendo descartadas para fins de aprendizagem, por exigirem “muitas aprendizagens” de uma só vez. Esta constrição assegura o caráter incremental do modelo de Berwick: só há aprendizagem de uma nova regra por vez, ou seja, se, por exemplo, no momento em que analisador identificar a necessidade de uma nova regra, digamos, de passivização, ele verificar que o sistema de verbos auxiliares ainda é desconhecido, a aprendizagem é interrompida. A tabela a seguir resume o conhecimento dado e o adquirido:

O analisador trabalha com duas estruturas de dados principais: uma pilha para armazenar nós em construção (por exemplo, um SV) e uma área temporária de três células, por onde a sentença “entra”. Como saída, o analisador gera árvores sintáticas para as sentenças que consegue analisar. O estado final da aquisição (ou a “saída” do procedimento de aquisição) é um conjunto de regras gramaticais de base (projeção de sintagmas e anexação de especificadores e complementos) e transformacionais (inserção de vestígios e itens lexicais). Abaixo, uma regra de cada tipo:

Regra de base

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Regra transformacional

Em termos gerais, os resultados obtidos pela implementação se replicaram os resultados apresentados em Berwick (1985). Vários aspectos do modelo, entretanto, colocaram questões interessantes e importantes. Por exemplo, no que se relaciona aos traços distintivos do itens lexicais, não havia uma solução a priori para definir o conjunto de traços, determinar os valores possíveis para cada traço e nem se deveriam ser subespecificados ou valorados negativamente (ou seja, se um verbo, digamos, +progressivo deveria ser marcado também como -finito). Estas são questões difíceis de responder. Aliás, a primeira delas já coloca um desafio enorme, pois a impressão que temos é a de que há traços de natureza distinta (formais, semânticos, etc.) mas não está claro em quê isso deve afetar sua manipulação pelo analisador.

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Paola Goussain de Souza Lima, Mestrado em Lingüística – UNESP/FCLAr A Influência da Posição do Sujeito no Processo de Concordância Verbal em Revistas Orientador: Odette Gertrudes Luiza Altmann de Souza Campos

Este trabalho traz uma análise sociolingüística de estruturas com Sujeito Posposto e a influência das mesmas no processo de concordância verbal na escrita em norma-padrão do Português Brasileiro (PB).

No Brasil, as pesquisas lingüísticas têm apresentado resultados significativos acerca dos fenômenos variáveis na gramática do português. Estas pesquisas comprovam a realidade sociolingüística de nosso país e a sua importância para a descrição da Língua Portuguesa, tanto em sua modalidade escrita, quanto em sua modalidade falada. A linguagem escrita, imposta pela norma contida nas gramáticas tradicionais, distancia-se da realidade da fala dos brasileiros, fazendo com que nos textos escritos surjam estruturas e fenômenos comuns à fala. A transposição fala - escrita, por ser condenada pela norma-padrão, é utilizada, na maioria das vezes, inconscientemente pelos falantes/usuários da língua.

Os funcionalistas Keenan e Comrie (1977 apud Kato, 2005) partindo de dados empíricos, concebem a existência de uma hierarquia de funções gramaticais - se uma dada língua usar uma determinada estratégica de realização em determinado local da hierarquia, esta língua usará a mesma estratégia em todas as outras realizações. Isto é, esta língua terá uma posição linear – os constituintes com mesmo valor sintático tenderão a se posicionar sempre em um mesmo local.

Dentro da posição linear, temos a ordem SVO (Sujeito-Verbo-Objeto) e o deslocamento da posição canônica do Sujeito da oração. Sendo que a partir da segunda metade da década de 80, surgiram várias linhas teóricas que formularam questões mais específicas sobre a investigação desta ordem (Sujeito-Verbo-Objeto) – foi especialmente importante, nesse sentido, o trabalho pioneiro de Eunice Pontes (1986) – e as linhas apontam para uma mudança: o português brasileiro (PB) está se tornando uma língua de sujeito obrigatório .

No PB, de acordo com a Gramática Normativa, a concordância, segundo a ordem SVO, é estabelecida entre o sujeito (S) e o verbo (V): o verbo concorda com o sujeito explícito em pessoa e número (Bechara, 2006, p.17). Eunice Pontes, em O conceito de Sujeito entre os falantes (1985), concluiu em suas pesquisas, realizadas com professores e alunos da UFMG, que a concordância verbal não foi considerada, pelos entrevistados, como sendo um traço de identificação do sujeito dentro de uma oração, enquanto que a posição anteposta ao verbo é dada como um traço do mesmo.

Porém, os usuários da língua tendem a não fazer a concordância SV, quando o Sujeito se encontra deslocado de sua posição canônica, e entendem este termo como não sendo o Sujeito da oração em questão. “Os falantes, de acordo com a pesquisa de Teonila Pinto (1981), tendem a identificar como sujeito o que vem no início” (Pontes, 1985, p.54).

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Perini também aponta a posição posposta ao verbo como um problema para a identificação do sujeito e da CV numa oração: Outra complicação é que o sujeito (isto é, o elemento com o qual o verbo concorda) muitas vezes aparece depois do verbo. (Perini, 2006, p. 109)

Isso ocorre por que o Sujeito, apesar de ser um termo sintático, tem sua função dentro de uma oração explicada, muitas vezes, por elementos semânticos: “sujeito é o termo sobre o qual se faz uma declaração” (Cunha, 1976), por isso encontramos em orações com inversões SVO, a concordância entre OV e não entre SV.

A partir do que foi exposto acima a respeito da ordem SVO e considerando os trabalhos lingüísticos que tratam desta mesma ordem, este trabalho traz uma análise acerca do uso da concordância verbal nas estruturas com Sujeito Posposto em textos escritos em norma-padrão, trabalhamos sob a perspectiva de que ao deslocar-se o sujeito da sua posição canônica – posição inicial na oração – este termo passa a ser entendido como objeto verbal (Pontes, 1986), perdendo a marca de concordância entre esse sujeito, que se encontra posposto, e o verbo. Para esta análise, buscaremos subsídios na Sociolingüística Variacionista e na Gramática Funcionalista.

Conforme Dik (1989 apud Neves, 2001), por adotarmos o ponto de vista funcionalista para este estudo, nossa principal questão de interesse são as “operações” que o usuário faz da língua.

As pesquisas acerca da [não] concordância verbal (Moura, 2001; Tarallo, 1995), quase sempre, analisam a língua falada, deixando de lado a norma padrão, por isso este trabalho traz o estudo de um gênero textual escrito em norma-padrão, a revista – uma escrita voltada à comunicação em massa, de fácil acesso e caracterizada, em livros didáticos e gramáticas, como exemplos de norma a serem seguidos.

Tomamos como variantes a ausência e a presença de concordância verbal nas estruturas com sujeito posposto na língua escrita padrão atual do PB. As orações que contenham a alteração na ordem de seus constituintes serão separadas e analisadas de acordo com as variáveis: tipo de sujeito (simples/composto), tipo de predicado (verbal/nominal/verbo-nominal), tipo de estrutura oracional (OVS/VSO/VS/VOS), tipo de verbo (transitivo/intransitivo),número de argumentos que acompanham o verbo, tipo de verbo (ação, processo, ação-processo, estado) classe do sujeito (pronome/nome próprio/nome comum), definitude do sujeito (ausência/presença de artigo) e animacidade do sujeito (+humano/-humano), papel temático do sujeito (+agente/-agente).

Para tal análise nos utilizamos do Goldvarb (2001), programa computacional estatístico que nos permite analisar dados a partir de porcentagens e de seu peso relativo. Através desse programa traçamos um perfil do uso da CV, quando o sujeito se encontra posposto e expresso, na escrita padrão de imprensa e chegaremos a algumas características sobre a importância da posição do Sujeito para o estabelecimento da concordância verbal.

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Patrik Aparecido Vezali, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Referenciação e Cognição: sobre a dêixis gestual e verbal Orientador: Edwiges Maria Morato

Nosso quadro teórico é composto pela “Lingüística Interacional”, focando os processos lingüístico-cognitivos que emergem na interação face a face, numa perspectiva sócio-cognitiva da linguagem. O propósito é entender os processos multimodais de significação, analisando o fenômeno da dêixis – gestual e verbal. A reflexão e análise empírica da indicialidade justificam-se pelo fato de que estamos teorizando sobre as relações entre referenciação e cognição no campo neurolingüístico. O objetivo de nossa pesquisa é demonstrar que existe uma relação de mútua constituição entre fala, gesto e demais semioses para a própria significação lingüística em interação. Para tanto, nossa base teórica está fundamentada em estudos de Lingüística Textual (principalmente, na tomada da noção de referenciação); de Análise da Conversação (em especial, nas discussões sobre o modelo de transcrição, discussão sobre a interação); de Neurolingüística (ancorada em uma perspectiva sócio-cognitiva da linguagem, que permite rediscutir a semiologia tradicional das afasias e de cognição); de Antropologia Lingüística (especialmente, na tomada da noção de contexto e de centração indicial); etc. Mesmo que essas áreas lingüísticas sejam diferentes em vários aspectos, podemos relacioná-las para a configuração de nossa própria teorização que, devido às especificidades de nosso propósito e de nosso objeto de pesquisa empírica, requisita reflexões que transcendem as áreas específicas citadas. Nesta pesquisa, realizamos uma reflexão teórica sobre a noção de dêixis a partir de uma perspectiva sócio-cognitiva da linguagem (Koch; Cunha-Lima, 2004), bem como das relações entre a língua e outros sistemas semiológicos na significação, principalmente a gestualidade. A perspectiva teórica de base é fundamentada por meio da análise empírica qualitativa de nosso corpus, composto por interações entre pessoas afásicas e não-afásicas, selecionadas do acervo de dados lingüístico-interacionais estudados por pesquisadores vinculados ao Grupo de Pesquisa “Cognição, Interação e Significação” (COGITES), coordenado pela Prof.a. Dr.a. Edwiges Morato, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). As referidas interações que constituem o nosso corpus ocorreram durante os encontros do Centro de Convivência de Afásicos (CCA), no grupo coordenado pela citada professora. Os encontros semanais deste grupo de interação entre afásicos e não-afásicos são filmados e essas gravações áudio-visuais constituem um acervo de dados denominado AphasiaAcervus, (Cogites - Diretório Lattes-CNPq); os dados áudio-visuais que compõem o nosso corpus, foram obtidos no ano de 2004, com o uso de apenas uma câmera (em torno de 100 horas de gravação). A escolha do fenômeno da dêixis, expressão referencial empregada para remeter aos próprios interlocutores ou a referentes que são utilizados no discurso pelo conhecimento partilhado do tempo, do espaço, do discurso e das relações sociais, justifica-se pelo fato de que, por definição, a dêixis é o “ lugar” onde fala e gesto mutuamente se constituem, bem como sua significação é estabelecida pelo seu emprego em uma enunciação, relacionando o sistema lingüístico às particularidades da interação, às

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restrições contextuais, aos “outros” (intersubjetividade). Por outro lado, a escolha do corpus (situações interativas envolvendo afásicos e não-afásicos) impõe-se porque ele pode explicitar, devido à instabilidade lingüístico-cognitiva posta pela afasia, processos praticamente amalgamados nas atividades cotidianas. Na discussão deste seminário, focalizaremos o trabalho de elaboração do Sistema de Transcrição da pesquisa, que visa a dar visibilidade às ocorrências conjugadas entre dêiticos gestuais e verbais, observando a indicialidade na seqüencialidade enunciativo-discursiva; os dêiticos com função interacional – para a coesão argumentativa e textual, para a centração indicial de um corpo situado no mundo de uma cultura em específico. Discutiremos, basicamente, as limitações e vantagens do modelo de transcrição do material gestual proposto por Adam Kendon (2004). Seu modelo responderia as indagações sobre estruturação, dinâmica e gestão da interação, como atestam vários estudiosos sobre linguagem em interação, sobretudo face a face, ainda que muitos o considerem também complexo. De fato, as primeiras transcrições de Kendon (1990), por serem extremamente detalhadas (com marcações para qualquer tipo de movimento, gestual ou não), são consideradas visualmente “sujas” por focarem a ocorrência in situ e não a progressão enunciativa, o que poderia implicar dificuldades quanto à visibilidade do fenômeno em questão. No entanto, seu modelo atual de transcrição da gestualidade, por ser fundamentado na própria enunciação gestual, pode servir de modelo para os nossos propósitos. Como o referido autor foca a própria ocorrência, numa tentativa de tipologizar os gestos realizados no curso da interação, nossa transcrição é adaptada, tendo como inspiração os símbolos propostos pelo autor, alinhados a uma transcrição do material verbal seguindo o “modelo Jefferson” (Cf. Loder, 2008), usado pelos analistas da conversação. Em nosso sistema, uma quarta coluna é adicionada a transcrição, onde marcamos as nossas tipologias gestuais (que parte do corpo é utilizada, que direcionalidade do gesto é empregada, etc.). O movimento metodológico de adaptação de notações de transcrição levou-nos à constatação de que com poucas marcações é possível dar visibilidade a ocorrência gestual. No nosso caso, focalizamos os gestos de cabeça e mão, seguindo a proposta de Kendon (2004). Isso nos auxiliou na própria observação do dado áudio-visual, já que nosso corpus é composto por interações coletivas, em torno de oito participantes ou mais e gravada com apenas uma câmera, o que dificulta a visualização de várias ocorrências, principalmente o direcionamento do olhar e certos movimentos corporais. O importante neste ponto é ressaltar que a transcrição é influenciada por nossa postura teórica, tendo em vista a necessidade de dar visibilidade e possibilidade analítica ao fenômeno teorizado. Como também o tratamento que o corpus recebe e a maneira de obtenção dos dados influencia a teorização lingüística. Pela transcrição adaptada podemos visualizar ocorrências interessantes que podem provar a nossa tese: os dêiticos gestuais são semelhantes aos dêiticos verbais, na enunciação eles apresentam as mesmas funções, muitas vezes ocorrem no lugar da fala, em outros momentos eles complementam a fala. Outra semelhança observada é a polissemia; um mesmo gesto, como o apontar, é empregado em situações diferentes com significações diferentes, pode indicar espaço, tempo ou pessoa. No entanto, a dêixis gestual não é só apontar, observamos ocorrências interessantes em que um dêitico verbal é conjugado com um gesto metafórico expandindo o sentido da enunciação, em outros casos a gestualidade aparece conjugada com elementos verbais não dêiticos tendo, para a interação, uma função indicial. Outra constatação interessante é a de que a dêixis anafórica não é somente interna a língua, assim como a função dêitica na fala, por seu lado, não se restringe a uma função exofórica de apontar para o exterior da língua, para um referente sempre fora da enunciação. O

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fenômeno é complexo e envolve relações cognitivo/corporais mais amplas, que podemos denominar de “centração indicial”, não sendo somente restrita ao sistema lingüístico. Na Neurolinguística, geralmente, o dêitico verbal é visto como compensatório nos casos em que a língua aparece alterada em decorrência de algum acidente cerebral; ao analisarmos os nossos dados, observamos que a gestualidade indicial tem a mesma função dos dêiticos verbais mesmo com as alterações ocorridas em casos de afasia, apraxia, disartrias, paresias, etc.; os dêiticos verbais não podem, pois, em função de sua plurifuncionalidade ou heterogeneidade textual, serem tomados sempre como meramente compensatórios, eles, na realidade, são construtores de referentes na interação. Enfim, o propósito desta apresentação é mostrar e comparar modelos de transcrição, discutindo como foi o nosso percurso de elaboração do Sistema de Transcrição do material verbal conjugado com a gestualidade no âmbito de nossa pesquisa.

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Paula Chiaretti, Doutorado em Lingüística – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rib. Preto - USP Genéricos discursivos em livros de autoajuda: identificação e vulgarização científica Orientador: Leda Verdiani Tfouni

O doutorado em curso desde março de 2009 surge em continuidade à pesquisa sobre subjetividade/subjetivação e genéricos discursivos desenvolvida até o momento ao propor articular, a partir da Análise do Discurso Pêcheutiana (AD) e da Psicanálise Lacaniana (PL), os processos de assujeitamento e alienação do sujeito a partir de dois processos principais, um ideológico e outro inconsciente, tomando como objeto de investigação o discurso de livros de autoajuda. Estes livros são contemporâneos ao surgimento do “indivíduo livre e autônomo” como peça central da cultura ocidental. Pêcheux, entretanto, retoma a obra althusseriana para propor uma teoria não-subjetivista da subjetividade, na qual o sujeito seria situado em um lugar ao mesmo tempo em que este processo de assujeitamento é dissimulado para ele, fornecendo, portanto, uma ilusão de autonomia de um sujeito que funciona por si mesmo. Sendo assim, os livros de autoajuda podem ser considerados lugares privilegiados de observação desta identificação e assujeitamento, uma vez que se trata de um discurso universalizantes, que tenta incluir qualquer singular em seu genérico. Desta maneira, este discurso se aproxima à noção de genérico discursivo, que se caracteriza por sua capacidade de síntese de valores sociais e por seu sentido naturalizado. Ao recorrer a este tipo de discurso logicizante, composto muitas vezes por fórmulas fixas (que podem ser aproximadas a provérbios e máximas), o sujeito, frente ao real de língua, pode se refugiar no campo do Outro. O apagamento das marcas de enunciação, por sua vez, fornece como possibilidade o efeito de produção de um sujeito universal, que por ser qualquer um, ou todos, pode se identificar ao leitor. O genérico discursivo é um tipo de discurso que possibilita poucos espaços de questionamento e reformulação polissêmica, uma vez que produzem um efeito de transparência e evidência de sentido e verdade. Segundo a AD, este apagamento do processo de constituição do sentido faz com que o sujeito se reconheça e venha a ocupar o lugar ao qual é chamado no discurso. O sujeito, entendido como uma posição discursiva, por meio da interpelação pela ideologia, reproduz sentidos. Para entender, entretanto, de que maneira este processo de identificação se dá, esta pesquisa tenta compreender e aproximar conceitos da Psicanálise Lacaniana, proposta por Pêcheux como a teoria que atravessa toda a análise do discurso uma vez que os processos de constituição de sujeito e sentido são de natureza inconsciente. Os títulos de livros de autoajuda causaram um estranhamento na medida em que pudemos encontrar uma espécie de regularidade/repetição sintática composta por “como” seguido por um verbo (“como ser”, “como ganhar”, “como fazer”), que demonstram uma tendência à prescrição, dando a entender que esta questão será respondida de forma prática no livro, já que “Como”, que poderia ser parafraseado por “de maneira”, “de que forma”, “que passos seguir para”, produzindo um efeito de sentido de uma espécie de receita, ex: “Como preparar um assado”. A sintaxe aqui é tomada como um acesso importante ao funcionamento discursivo uma vez

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que está relacionada ao esquecimento número 2, proposto por Pêcheux como a ilusão de que haveria uma correspondência exata entre o que o sujeito pensa e o que ele diz. Tomando a determinação, Haroche (1992) propõe que haveria uma sequência histórica que levaria a uma autonomia aparente do sujeito: a “determinação religiosa”, a “ institucional”, e por fim, onde acreditamos se localizar a determinação dos livros de autoajuda, a “individual”. Sendo assim, este tipo de discurso não surge a partir de si, trata-se de um intradiscurso, o fio do discurso (o aqui e agora do discurso), que retoma um interdiscurso, ou pré-construído. Os livros de auto-ajuda também costumam receber a denominação de livros de psicologia popular (cf. CHAGAS, 2001), neste sentido, podemos supor que o interdiscurso retomado no intradiscurso deste tipo de publicação é o da Psicologia, uma vez também que muitos deles tratam de temas como pensamento, motivação, atenção, etc. Sendo assim, trata-se de um tipo de reformulação que pretende levar ao público leigo conhecimentos do campo da ciência. Esta reformulação teria, segundo Authier-Revuz (1985), uma estrutura ternária onde EU digo a VOCÊS o que ELES dizem, entretanto, o que se observa é que na sua enunciação, o sujeito aparece como origem do dizer, o que se relaciona ao esquecimento número 1, proposto por Pêcheux, visando o apagamento da evidência de heterogeneidade deste discurso. Além disso, deverão ser tratadas as possibilidades de aproximação teórica entre as duas teorias (AD e PL), tarefa deixada por Pêcheux, com o auxílio da topologia como é proposta por Jacques Lacan. Topologia, de acordo com Chamama (1995, p. 212), é uma “geometria flexível que trata matematicamente das questões de vizinhança, de transformação contínua, de fronteiras e de superfície, nem sempre fazendo intervir a distância métrica”. De modo geral, a topologia vai tratar da constituição do sujeito na sua relação com o Outro, em um processo de borda. Este ramo da matemática é tomado por Lacan a partir de 1962 para que pudesse referenciar suas invenções. Além disso, o uso da topologia pode ser justificado dada a insuficiência da língua para a criação de um modelo explicativo (CAPES).

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Paulo Medeiros Junior, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Relativas Livres do Português – Sintaxe e Diacronia Orientador: Mary Aizawa Kato

Sentenças como as que se encontram entre colchetes em (1) e (2) são chamadas Relativas Livres (RLs). Orações Relativas Livres são frases relativas que não remetem, no contexto sintático relevante, a um antecedente nominal expresso, mesmo sendo construções sintáticas iniciadas por um “pronome relativo”.

Três propostas de análise têm norteado as discussões até aqui: a Hipótese de Base, tal como formulada em BRESNAN & GRIMSHAW (1978), segundo a qual, RLs seriam derivadas sem movimento, com a palavra-Wh que as integra sendo geradas na base (a estrutura é a que se vê em (3)); a Hipótese do Comp, delineada em GROOS & RIEMSDIJK (1981), a qual prevê que o CP de um RL seja transparente e que sintagmas-Wh em Comp possam ser acessados para a satisfação dos requerimentos do predicador da matriz (estrutura em (4)); e a hipótese do DP, defendida por CAPONIGRO (2001) e MARCHESAN (2008), CITKO (2004), MEDEIROS JUNIOR (2005), segundo a qual, RLs em posição argumental são DPs com um D vazio e um CP complemento, (idéia representada pelos diagramas em (5), (6) e (7).

A hipótese de trabalho desta pesquisa é que a derivação sintática de RLs envolve um processo de incorporação dos núcleos funcionais C e D (cf. MEDEIROS JUNIOR (2005)), que se supõe estarem diretamente implicados no processo de relativização (cf. KAYNE (1994)), fato que seria sugerido por questões empíricas como as que se mostram em (8) e (9). Como se vê, as posições sintáticas correspondentes ao antecedente da relativa e ao elemento relativizador encontram-se bloqueadas para inserção de qualquer tipo de morfema. Entende-se que esse processo de amálgama sintático se deva à presença de um traço de afixo nos núcleos funcionais das projeções vazias que encabeçam RLs estando esse traço específico diretamente relacionado à presença de um sufixo nulo do tipo -ever, que se supõe integrar o sintagma-Wh de toda construção RL do português. Essa questão também estaria diretamente implicada com o fato de RLs do português apresentarem uma interpretação preferencialmente universal para o sintagma-Wh que as integra, conforme observado em MEDEIROS JUNIOR (2006). A derivação de um RL em português é demonstrada em (10).

Evidências translingüísticas que dão suporte a essa hipótese podem ser observadas em fatos como o de, em língua inglesa, RLs do tipo Wh-ever apresentarem quantificação determinantemente universal (cf. DAYAL 1997, TREDINNICK 2005, GROSU & LANDMAN 1998). Além disso, no persa (cf. TAIGHVAIPOUR (2005)), RLs apresentam uma parte sintagmática e uma parte sentencial. A parte sintagmática sempre contém uma palavra que apresenta o prefixo hær- (-ever), o que evidencia que nessa língua específica, toda RL é uma sentença do tipo Wh-ever; o dado em (11) demonstra a estrutura de RLs no persa.

Há questões cuja resposta se pretende perseguir no desenrolar desta pesquisa:

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1. O que há com a sintaxe de relativas livres que, diferentemente de interrogativas

indiretas, não autorizam o pied-piping da preposição? (cf. (12) e (13)). 2. O que há com RLs infinitivas, que contrariamente a RLs finitas autorizam o pied-

piping da preposição? (cf. (14)). 3. O que diferencia a estrutura de RLs típicas da estrutura de pseudo-clivadas

especificacionais, considerando que ambas as estruturas parecem apresentar comportamento sintático-semântico distinto? (cf. PINTO (2007) e RESENES (2008)).

Quanto à abordagem diacrônica, uma avaliação preliminar parece sugerir que RLs

não apresentam, no português clássico, a mesma estrutura proposta para sua análise nos dados atuais do PB (a saber, a hipótese de amálgama sintático dos núcleos C e D).

MEDEIROS JUNIOR (2009) argumenta que dados como (15) podem sugerir que RLs do português clássico apresentem uma constituição do tipo [o Ø [que]], que teria evoluído para [o que] por meio de um processo de reanálise/gramaticalização da estrutura. Esse processo de mudança, segundo o autor, teria sido disparado pelo progressivo apagamento da preposição que intervém entre o determinante e o relativizador (já amplamente discutido em trabalhos como TARALLO (1984)), num sinal evidente de que se trata de unidades lexicais distintas (como se vê em (14)).

As questões que se busca responder quanto à diacronia são as seguintes: 1. Está mesmo correta a hipótese de que RLs apresentavam em fases anteriores de

desenvolvimento do português, uma estrutura distinta da que se lhes atribui atualmente?

2. Entende-se que a estrutura atual de RLs se deva à presença de um sufixo nulo do tipo ever, responsável também pela interpretação universal atribuída a RLs. Se as construções antigas não apresentavam a confluência de núcleos e, portanto, não continham um sufixo nulo do tipo -ever, que tipo de interpretação as pseudo-clivadas predicacionais recebiam então?

3. Qual a relação entre as mudanças observadas e o fato de o composto [o que] ter perdido no PB o traço [+humano] que detinha em estágios anteriores do português?

As investigações do trabalho têm como arcabouço teórico a Teoria de Princípios e

Parâmetros da gramática gerativa, em seu quadro investigativo mais recente conhecido como Programa Minimalista.

O trabalho estrutura-se em duas partes: a) uma que investiga as questões formais concernentes ao fenômeno e b) uma que investiga aspectos diacrônicos do português no que toca o fenômeno em foco. A pesquisa diacrônica encontra-se em fase de coleta de dados.

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KAYNE, Richard. The Antisymmetry of Syntax (Linguistic Inquiry Monographs, 25). Cambridge, MA: MIT Press, 1994. MARCHESAN, A. C & MIOTO, C. As Relativas Livres Infinitivas no PB. In Anais do XXIII Encontro Nacional da ANPOLL. UFG, Goiânia, GO, 2008. MEDEIROS JUNIOR, P. Relativas Livres: Uma Proposta para o Português. In Revista de Estudos da Linguagem, UFMG. Belo Horizonte, MG, 2006. _________ Sobre Orações Relativas Livres em Posição de Adjunto: Considerações sintático-semânticas sobre as Construções com Quando e Onde. In: Revista de Estudos da Linguagem, v. 17, nº 1 UFMG, Belo Horizonte, MG, pp. 47-67, 2009. _________. Sobre Sintagmas-Qu e Relativas Livres no Português. Dissertação de Mestrado. Universidade de Brasília – UnB, DF, 2005. PINTO, C. F. da C. Uma análise das construções de clivagem e outras construções focalizadoras no espanhol atual. 189f. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2008. RESENES, M. Sentenças Pseudo-Clivadas do Português Brasileiro. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis, 2008. TAGHVAIPOR, M. Persian Free Relatives. In: MULLER, S. (ed.). Proceedings of the HPSG 05 Conference. Department of Informatics, University of Lisbon, 2005. TARALLO, F. L. Relativization Strategies in Brazilian Portuguese. PhD dissertation, University of Pennsylvania, 1983. TREDINNICK, V. On the Semantics of Free Relatives With -ever. Doctoral Dissertation, University of Pennsylvania, 2005.

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Phellipe Marcel da Silva Esteves, Mestrado em Lingüística – UERJ “Nunca foi tão fácil ler jornal”: o povo entre compêndios gramaticais, manuais e jornais Orientador: Vanise Gomes de Medeiros

Este trabalho é uma apresentação, em linhas gerais, dos princípios que têm norteado minha pesquisa de mestrado. Nela, tenho observado — mediante leituras e dispositivos teóricos da análise do discurso francesa (Pêcheux) reterritorializados no Brasil por Eni P. Orlandi — como um certo sentido pejorativo de povo e de popular percorre diferentes discursividades e se toca entre diversos lugares de enunciação e formações discursivas — sejam esses lugares: jornalístico, gramatical, de livros de não ficção (relato documental).

Iniciamos a análise dos termos povo e popular a partir de uma longa discussão sobre os sentidos que os instrumentos de gramatização (gramáticas e dicionários, que funcionam, segundo Auroux, como formas tecnológicas de descrição e instrumentação de uma língua) dão a variedade linguística, atrelando esses sentidos aos de norma (culta, padrão, língua exemplar ou comum) e aos de erro.

Uma das questões mais abordadas foi: de que forma as gramáticas, estejam em abordagem sincrônica ou diacrônica, trabalhando com estruturalismo ou outra corrente linguística, vão fixando os conceitos de certo e de errado, o que acarreta, ao mesmo tempo, uma exclusão e silenciamento de algumas formas da língua. Nesse ínterim, por motivos abordados na dissertação, foram selecionadas sequências discursivas de três distintas gramáticas: Rocha Lima, Bechara e Celso Cunha & Lindley. Nesse percurso, percebeu-se uma voz anterior ao discurso gramatical de cada um, resistindo ou se aliando, num movimento que só poderia ser interdiscursivo. Estudando os diferentes períodos da gramatização brasileiros, chegamos a uma voz que poderia ser a perscrutada nos gramáticos anteriores: a voz de Joaquim Mattoso Camara Jr. De livros seus também foram extraídas sequências e analisadas, verificando a interface entre aqueles gramáticos e esse linguista-gramático que parece ter sido uma grande influência aos outros. Segundo Eduardo Guimarães, em História da semântica: sujeito, sentido e gramática no Brasil, Celso Cunha, Bechara e Rocha Lima são provas de que uma certa abordagem gramatical desenvolvida (e associada já a uma tradição) por Mattoso continuará a ser produzida.

Com as análises sobre a variação e o sentido de erro em Mattoso, por exemplo, descobrimos que as três categorias de erro coincidem — MAS NÃO COINCIDENTEMENTE! — com as três categorias de variação. E mais: dá-se uma ênfase a um tipo específico de erro, que cai exatamente nas variações de cunho mais social (e essas são chamadas, entre outros nomes, de diastráticas).

Mas como esse sentido de povo que já está incluído no discurso gramatical — e linguístico, veremos — “traslada” para o discurso jornalístico? E como entender esses sentidos? Segundo nossas análises, eles passam de uma posição enunciativa para outra; como deslizamentos (Orlandi) parafrásticos dos outros que já foram percebidos nos discursos vistos antes — e a discussão aqui não é da ordem da anterioridade do discurso,

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mas da ligação existente entre as diversas materialidades discursivas, mediante a posição de onde são enunciadas. Dessa forma, chegamos ao que se tem de mais próximo de um instrumento de gramatização nas instituições jornalísticas (e cabe a discussão: seriam esses instrumentos realmente de gramatização?): os manuais de redação e estilo. Nossa questão é: esses manuais abordam a questão da variedade da língua ou a deixam abandonada, em detrimento da unidade, em nome de uma padronização de forma que faz parte dos valores disseminados pela categoria profissional jornalística: sujeitos que fazem uso de uma língua imaginária (em contraste com a língua fluida: Orlandi, 2007)? Os manuais escolhidos foram os dos jornais O Dia, Folha de S.Paulo, O Globo, por motivos que serão explorados na dissertação de mestrado.

Para compreender o funcionamento dessa translação de sentidos, tenho me centrado na análise de três meses (2008) de edições de um jornal carioca, o Meia Hora de Notícias (do grupo O Dia), sem, contudo, excluir outros números que possam abonar meu trabalho. Ao longo da análise, foi percebido que era de extrema importância entender o funcionamento dos sentidos dos jornais populares já em circulação no Brasil, e qual era o sentido dado a popular, nesses casos: popular como nacional, popular como pobre, popular como marca identificatória etc. Claro que essa classificação em jornal popular foi também uma questão, e os critérios para arrojar todos os diários no mesmo bojo foi outra. Por isso, buscamos o primeiro número do jornal Meia Hora e enxergamos nele alguns enunciados que percorrerão suas várias edições, como “Nunca foi tão fácil ler jornal”. Essa pretensa facilidade se coaduna de forma indissociável ao sentido pejorativo de popular, no caso do jornal. Lembremos que o jornal Meia Hora foi alvo de nossas análises graças ao efeito que causa no leitor: muitas vezes riso, surpresa, sensações adversas. O jornal mantém um vínculo muito próximo a vários outros discursos, como o religioso, o musical, o erótico. E o uso de imagens e ambiguidades é um elemento significativo que vai muito além do acessório.

A pesquisa se encontra, atualmente, na análise de livros de não ficção (essa terminologia será também uma de nossas preocupações) cuja temática envolve os grupos sociais associados ao tal povo pejorativo. Quais são seus predicados, quais são os predicados de sua(s) língua(s)?

É necessário que se deixe claro: toda esta pesquisa é extremamente contemporânea, e, entre outros esclarecimentos, buscamos entrever de que forma os sentidos de popular ultrapassam a proposta de cada posição: nas gramáticas, a aceitação da diferença; nos jornais, a concentração em um público-alvo ignorado pela mídia hegemônica até então; nos livros de não-ficção, o retratar de uma realidade triste, mas que deveria ser combatida. Seriam esses os únicos sentidos contidos em nossos corpòra?

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Priscilla Barbosa Ribeiro, Mestrado em Lingüística – USP A ordem de constituintes sentenciais em documentos da Escola Normal da Capital: amostras de um registro formal Orientador: Marilza de Oliveira

A ordem de constituintes sentenciais é um tema que já foi abordado em muitos estudos e ainda gera muito interesse entre os lingüistas. Os trabalhos diacrônicos sobre o assunto apresentam resultados que indicam uma tendência à predominância da ordem SV no português brasileiro (PB) atual em contraposição à seqüência verbo-sujeito, mais usual em séculos anteriores (cf. Berlinck: 1989, Duarte: 1992, Torres Morais: 1993, e outros).

O trabalho de Berlinck (1989) revela a ocorrência de uma reanálise dos fatores condicionantes da variação ao longo dos séculos analisados (XVIII, XIX e XX). Inicialmente mais funcionais, os fatores mais relevantes passaram, com o tempo, a apresentar um caráter mais formal. O cruzamento das variantes em programa estatístico mostrou haver menos estabilidade e maior intensidade de interferências nos resultados do século XIX. Em consonância com essa verificação, Torres Morais (1993) identifica a predominância de realização de sujeito posposto no português arcaico e aponta os séculos XVIII e XIX como períodos de transição no que se refere à ordem dos constituintes. Nesse momento passa a haver uma maior competição entre as variantes ‘sujeito posposto ao verbo’ e ‘sujeito anteposto’, conseqüência da intensificação do uso da ordem SVX. É justamente nesse período conturbado na história do fenômeno da ordem no PB, na passagem do século XIX para o XX, que situamos nossa pesquisa. Enfocando a posição do sujeito em relação ao verbo, pretendemos analisar a freqüência de ordenações realizadas e levantar os fatores lingüísticos relacionados às ocorrências encontradas. Nosso estudo é baseado em um corpus de natureza formal, diferentemente dos trabalhos anteriormente realizados sobre o mesmo tema e recorte temporal, que têm como base textos de caráter mais informal, de gêneros nos quais o viés da modalidade escrita é minimizado, tais como cartas pessoais e comédias. Baseamos o tratamento teórico dos dados nos princípios da teoria gerativa, sem descartar as contribuições que outras teorias podem oferecer, ampliando as possibilidades de compreensão e análise do objeto em questão (Berlinck et alii: 2001).

Os dados do corpus que utilizamos foram extraídos de documentos escritos entre 1890 e 1900 na Escola Normal da Capital São Paulo (ENC), posteriormente nomeada Caetano de Campos e popularizada como tal. Os documentos utilizados como fonte foram produzidos por professores e diretores da Escola, homens públicos de prestígio na época, o que caracteriza esse material como sendo a expressão de um padrão lingüístico culto. Buscamos, portanto, relacionar fatores de ordem histórica, social e cultural à formação, transformação e expansão do português culto paulista. Inserida no âmbito do Projeto Formação do Português Culto Paulista: o papel das grandes escolas, ramificação do Projeto Temático História do Português Paulista (FAPESP 06/55944-0), a pesquisa visa

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compreender a formação e variações da língua portuguesa no contexto de formação da sociedade paulista.

O momento histórico recortado para análise foi palco de grandes transformações políticas, sociais e culturais que tiveram repercussão no plano lingüístico. A língua vernacular, contextualizada num quadro social altamente heterogêneo do ponto de vista lingüístico, se reformulava. Em outra via, a cosmopolitização de São Paulo refletia-se na formalidade das relações sociais, particularmente as de caráter institucional, nas quais se empregava uma linguagem mais elaborada. Assim, ao mesmo tempo em que se constituía uma variedade lingüística paulista, surgiam os textos modelares de língua, representantes do padrão culto.

O intenso movimento migratório para São Paulo no século XIX, particularmente entre as décadas de 70 e 80, provocou a triplicação do número de habitantes na cidade, chegando a aproximadamente 60 mil (IBGE: 2003. Estatísticas do século XX). A presença na cidade de paulistas vindos do interior e de estrangeiros insere-se com grande importância num contexto cultural de (trans)formação de identidades. Assim como o imigrante era influenciado por elementos da língua e cultura nacionais, o paulistano, no vernáculo, era permeável às influências externas e cioso em preservar o padrão culto do português.

Esse contexto sócio-cultural foi marcado pela insuficiência das escolas e do ensino público, que em seus primeiros anos de existência revelou-se extremamente deficiente, conforme apontam vários registros (cf. Marcílio: 2005, Bauab: 1972, Tanuri: 1979). Porém, o elevado contingente populacional que São Paulo recebeu em fins do XIX e sua assunção a centro político e econômico demandavam a implantação e expansão de uma escola de qualidade, cuja sustentação estaria nas escolas normais, formadoras de professores.

As duas primeiras tentativas de implantação de uma Escola Normal, realizadas ainda na época do Império, tiveram pouco sucesso. Em 1880 foi inaugurada a terceira Escola Normal pública de São Paulo, que ganhou bases firmes com a reforma encabeçada pelos republicanos em 1890. Tendo se consolidado no contexto de transição da Monarquia para a República, a instituição de ensino mostra-se altamente relevante, posto que, além de instrumento de higienização no âmbito cultural, serviu também como uma forma de representação simbólica do novo regime, que não contou com a adesão ou participação popular em sua implantação e nem mesmo nos anos que se seguiram (J.M.Carvalho: 2007).

Pretendemos discutir os dados lingüísticos encontrados e analisá-los tendo em vista o contexto sócio-histórico e cultural delineado no momento de consolidação da ENC como instituição pública de ensino, e como instituição vinculada a um determinado ideário político. Vale ressaltar que a Escola era importante formadora e difusora de modelos pedagógicos e lingüísticos, dado que seus alunos, quando formados, tornavam-se professores.

Considerando que, assim como ocorre com outras instituições, a vida cotidiana e administrativa de uma escola se reflete em seus documentos de arquivo (Mogarro: 2005), buscamos, além de dados para composição do corpus, registros sobre práticas e relações pedagógicas e administrativas da ENC com o intuito de melhor contextualizar a instituição e o momento a que se refere o estudo. A realização do levantamento das características do ambiente escolar e suas práticas objetiva situar o fenômeno da ordem de constituintes sentenciais em seu contexto de produção, considerando as relações pedagógicas, políticas e valores sócio-culturais implicados.

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Quezia dos Santos Lima, Mestrado em Lingüística – UNEB Discursos identitários de mulheres independentes: heterogeneidades discursivas na construção da imagem de si Orientador: Gilberto Nazareno Telles Sobral

A pesquisa em questão pretende analisar os discursos de mulheres independentes financeiramente que participam de entidades em defesa dos direitos da mulher. A proposta com esse trabalho é analisar como são construídas as imagens de si, através do discurso. A partir de noções como heterogeneidade discursiva, de Authier-Revuz e da noção de ethos discursivo, objetiva-se entender como as diferentes vozes estão constituídas para a construção do ethos. A pesquisa está sendo realizada através de entrevistas com mulheres independentes e representantes do gênero feminino, a partir de gravações de áudio, com perguntas previamente elaboradas, a fim de obter um corpus para a análise. Após cinqüenta anos de lutas em defesa dos direitos das mulheres, o movimento feminista possibilitou diversas rupturas na sociedade moderna. Esse movimento abriu para a discussão assuntos que antes eram vistos como da ordem da natureza: a divisão de gênero, homem e mulher, agora é pensada como uma construção social e não como essência dos seres humanos. A partir desses novos caminhos abertos pelo feminismo, a mulher conquistou mais espaço na sociedade e passou a ocupar cargos que eram apenas de homens. Devido a isso, muitas acreditam que já chegaram a um status de igualdade social em relação ao sexo masculino. Apesar desses avanços, a maioria delas continua ocupando uma posição à sombra do homem. Mesmo atuando fora de casa, as mulheres ainda carregam a responsabilidade das atividades domésticas, constitui-se aí um fenômeno pós-moderno: a dupla jornada de trabalho. Muito se tem estudado sobre os impactos desse movimento na sociedade, de que forma os homens, a mídia em geral se adaptaram a esses novos comportamentos. Considerando o discurso construído historicamente e perpassado pela ideologia, entende-se que discursos machistas continuam a circular na sociedade, mesmo após as conquistas feministas. O interesse com esta pesquisa, no entanto, é estudar de que maneira esses discursos estão presentes em falas de mulheres independentes e como contribuem para a construção de identidades de gênero. Na Bahia, há instituições que foram criadas para defender os direitos das mulheres, a fim de buscar a igualdade de gêneros. Na área do direito, nos partidos políticos, nas universidades, na saúde, sempre há um setor especial para políticas afirmativas. As mulheres que estão à frente desses órgãos são algumas das responsáveis pelas mudanças que estão ocorrendo na sociedade. Quem são elas? De que maneira são construídas as suas identidade de gênero? Na dissertação de mestrado será analisado o discurso dessas mulheres: independentes financeiramente, representantes do gênero feminino, as quais são consideradas modelos a serem seguidos. Seis entrevistas serão gravadas com aparelho de áudio, através de perguntas relacionadas ao trabalho e sobre o cotidiano, bem como pontos de vista a respeito da mulher e dos movimentos sociais. O critério para a seleção do corpus é a escolha de mulheres graduadas, que atuem em entidades de defesa dos direitos das mulheres. Buscaremos entender como se dá a

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heterogeneidade discursiva através das falas dessas mulheres, a fim de que possamos analisar a construção do ethos discursivo, o qual pode ser entendido como a imagem de si que é construída através do discurso. O locutor não precisa fazer uma apresentação de si para que essa imagem seja construída. Através do discurso é possível identificar o ethos que, muitas vezes, não é o visado. O locutor pretende fazer uma imagem e inconscientemente produz um discurso que leva a construir um ethos totalmente diferente. Direcionar o trabalho para a análise do discurso de mulheres independentes, na identificação de características linguísticas discursivas que indiquem como são construídos os ethe discursivos, possibilitará entender de que maneira os discursos feministas e machistas se fazem presente nas falas dessas mulheres. Após meio século de lutas e mudanças radicais na relação de gênero, como mulheres, que de alguma forma contribuem para essa mudança através de trabalhos de representação do gênero feminino, constroem suas imagens? Ainda são poucas as mulheres que atingiram destaque socialmente, mulheres que têm visibilidade por seu perfil de liderança, de profissionalismo, teoricamente são as responsáveis pela formação ideológica dos alunos, eleitores e subordinados. Na tentativa de entender como se dá a construção da imagem dessas mulheres, propõe-se com esse projeto, verificar como os discursos identitários são constituídos. Entender porque as mulheres, apesar de estarem em uma posição de igualdade social e intelectual à do homem, ainda assim, em seus discursos, assumem inconscientemente posições sujeitos de discursos que reforçam a ideia de supremacia dos homens. Entender como se dá a heterogeneidade no discurso é entender que há um exterior que constitui o discurso, que sempre nas palavras, outras palavras estão ditas. O discurso não é transparente, traz consigo dizeres outros que o sujeito pode ignorar, acusar ou simplesmente aceitar. Os conceitos de Authier-Revuz, a qual se apóia no dialogismo bakhtiniano e no sujeito clivado lacaniano, contribuirá para perceber como se dá o processo de subjetivação das mulheres independentes através do discurso. Visto que muitas vezes os discursos produzidos são divergentes daquilo que “intencionalmente” querem dizer. Entende-se então como um sujeito descentrado, clivado pelo inconsciente, o qual não é a origem do que diz, pois as palavras são inevitavelmente as palavras dos outros.

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Rafaella Elisa da Silva Santos, Mestrado em Lingüística – UNEB Direitos humanos para humanos direitos?: uma proposta de análise Orientador: Gilberto Nazareno Telles Sobral

Pretende-se, com este trabalho, traçar o percurso a ser trilhado em dissertação visando compreender quais são e como operam as formações discursivas e as múltiplas vozes presentes nos discursos para a emergência de sentidos sobre direitos humanos, em uma comunidade do site de relacionamentos Orkut, a partir do escopo teórico-metodológico da Análise do Discurso pechêuxtiana. Selecionou-se a temática direitos humanos por ser esta categoria compreendida, por pesquisadores como Micheline Ishay, Fábio Konder Comparato e Maria Victória de Mesquita Benevides Soares, como universais, apresentando como pressuposto a vida e devendo ser atribuídos a todos os seres humanos, por ser única a natureza humana, diferindo-se dos direitos inerentes à condição de cidadão, oriundos de um ordenamento jurídico nacional. Todavia, não parece ser essa a direção dos sentidos que emergem da comunidade Direitos humanos para humanos direitos, alvo de análise do trabalho dissertativo. Nela, os direitos humanos apresentam-se relacionados a elementos diversos, sobretudo aqueles tidos como moralizantes, elevando este “aconselhamento” jurídico à categoria normativa, portanto orientadora das práticas sociais, apresentando, assim, os sentidos construídos desta temática, nessa comunidade, o objetivo de alterar a estrutura social e jurídica da sociedade brasileira. Assim, indicamos que compreender a relação entre os sujeitos e os direitos humanos e suas discursividades é compreender o funcionamento não apenas significante, mas também referente ao modus vivendi, à sociedade e à constituição básica de seus integrantes, enquanto seres humanos, norteando as primeiras, as mais elementares de suas práticas. Entretanto, para compreensão dos sentidos emergidos na comunidade destacada, um elemento é fundamental, pois o modo como é compreendido influencia o processo de construção de sentidos sobre tais direitos: o que é humano, por ser o ser humano o beneficiário desses direitos. Assim, também serão discutidas na dissertação algumas possibilidades arroladas pela Antropologia Filosófica para a compreensão desse elemento, a partir da leitura de Battista Mondin, em duas de suas obras e Pedro Dalle Nogare. Outro elemento fundamental a ser discutido na dissertação, a partir das indicações de José Augusto Lindgren Alves, é a questão da universalidade dos direitos humanos, considerada como elemento fundante desses direitos, mas também criticada do ponto de vista político, e, principalmente, na comunidade em questão, afinal a universalidade poderia ferir a soberania de algumas nações e interferir em algumas culturas. Para este estudo é importante a resposta a esse questionamento, pois parece que na comunidade do Orkut em questão a universalidade, uma das grandes características que conferem diferente estatuto aos direitos humanos em relação à cidadania, é propositadamente apagada, inserindo os sentidos em formações discursivas diferentes daquelas que abrigam os dizeres dos pesquisadores acima citados. Assim, questiona-se: são universais ou não tais direitos? Ressalta-se ainda a pretensão em fazer uma breve discussão sobre o conceito de dignidade humana, haja vista ser esse o elemento direcionador da

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construção desse escopo jurídico, o objetivo de existência dessa categoria e por ainda haver divergências sobre quais são os direitos humanos básicos. Do ponto de vista teórico, um dos objetivos da dissertação é discutir a noção de formação discursiva (FD), oriunda de Michel Foucault, retrabalhada por Michel Pêcheux, à luz do Materialismo Histórico. Essa noção, que aparece na Análise do Discurso (AD), em 1971, sofre atualmente severas críticas no seio da AD como a feita por Marlene Teixeira (2005), que a considera um elemento homogeneizador dos discursos. Por outro lado, pesquisadores como Roberto Baronas (2005) e Freda Indursky (2007) repensam a permanência da FD na teoria de Pêcheux. A dissertação discutirá ainda algumas propostas de reconfiguração da noção, como a empreendida por Sônia Branca-Rossof (2008) que sugere, apesar de indicar a ineficiência da formação discursiva diante de discursos não-institucionais, a relação da noção aqui discutida com a de gênero do discurso trabalhada por Mikhail Bakhtin (2003), proposta interessante e que na dissertação será aplicada, principalmente pela natureza do suporte dos discursos a serem analisados. Outro aspecto a ser discutido, na tentativa de contribuir com a reconfiguração da noção é a aliança com a idéia, também trabalhada por Pêcheux, em 1977, de que a ideologia não é idêntica a si mesma, sendo assentada na divisão, ou seja, a ideologia é heterogênea em si mesma. Partindo desse pensamento e na idéia de Pêcheux de que uma FD é elemento composicional de uma Formação Ideológica, pretende-se tentar mostrar que a formação discursiva não é elemento homogeneizante, sendo possível de ser trabalhada. Para finalizar a discussão sobre os sentidos acerca dos direitos humanos, pretende-se discutir a noção desenvolvida pela lingüista Jacqueline Authier-Revuz sobre heterogeneidade discursiva, sobretudo por buscar a presença de discursos outros no fio do discurso em questão, destacando as outras vozes que constituem tais discursos. Ademais, através da noção proposta por Authier-Revuz, almeja-se também a desconstrução da noção de formação discursiva como elemento homogeneizante, indicado acima como um dos principais objetivos teóricos da dissertação. A idéia de que os discursos não são fechados e, portanto, são atravessados por outros elementos discursivos, leva-nos a crer que as formações discursivas, que indicam os sentidos possíveis ou não, também não podem ser estruturalmente fechadas, como postulou Pêcheux (1983). Na dissertação, então, objetiva-se com a noção de Authier-Revuz entender a relação entre a presença de determinadas vozes no discurso e a constituição estrutural das formações discursivas.

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Raquel de Fátima Cruz Oliveira, Mestrado em Lingüística – USP Pensando em nada: uma análise das negações do português arcaico Orientador: Marcelo Módolo

O presente trabalho tem como anseio estudar as negações do período arcaico dos escritos lingüísticos do português através de estudos sobre a gramaticalização de uma partícula negativa em especial: o rem, grandemente presente em cantigas dessa época. Mas, como traz Mattos e Silva, “Por que estudar hoje o português arcaico?” (MATTOS E SILVA, 2006, p.15)

Aqui considerado com início no começo do século XIII, o português arcaico apresenta um sem número de características que, aos olhos dos lingüístas versados em estudar as épocas passadas, perfazem um tesouro de rico valor. Marcado por diversos acontecimentos histórico-sociais, que repercutem no modo como a língua foi se firmando diante do quadro lingüístico mundial e por se tratar de uma fase em que a normatividade ainda não se faz presente, havendo o registro, pois, das variações quanto ao falar das diversas regiões da Península Ibérica na qual está inserido, há um vasto campo no qual se embrenhar e que carece de estudos, uma vez que, excetuando-se Mattos e Silva, aqui no Brasil, os demais estudos acerca desse período são poucos e, quando se procura saber mais sobre as negações que se fazem presente na época, parca é a bibliografia encontrada.

Com o intuito de preencher essa lacuna é, pois, que nasceu este projeto. E, tendo nascido, se deparou com uma lacuna maior ainda: para onde foi a partícula negativa rem, herdada do latim res e que teve seu significado mudado de coisa para nada, não subsistindo, porém, no português? Temos res na língua galega, mas por que não temos res na língua portuguesa se, num dado momento, exatamente o estudado aqui, elas se fazem uma?

Ora, rem, significando nada, provém da expressão latina res nata, tendo como significado primeiro coisa nenhuma (CUNHA, 2007, p.543). Por ter sido muito tempo usado em conjunto com negativas, rem acabou adquirindo “carga” negativa, até vir a significar, por si só, nada em línguas como o galego (rem), o francês (rien) e o catalão moderno (res). Entretanto, no espanhol tal partícula era pouco usada já na sua fase arcaica, segundo nos atesta Casagrande (1973), e no português acabou desaparecendo já antes dos tempos do cronista Fernão Lopes (KROLL, 1952, p.02).

Em qual período da língua portuguesa o rem se perdeu? Por que a preferência por nada em detrimento de rem? Muito usado no português arcaico, como se deu sua saída do palco lingüístico?

Os estudos que visam analisar as negações dessa época da língua portuguesa ainda são bastante tímidos. Muito se tem falado acerca do enfraquecimento de uma das partículas negativas nas construções de dupla negação no português atual, mas pouco (ou até mesmo nada) se tem dito em relação a esse período lingüístico tão rico e precioso como é o do nascimento da nossa língua escrita. Como nos coloca Mattos e Silva, “os problemas da história presente são muito mais urgentes de serem equacionados e explicados do que os

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da história pregressa” (MATTOS E SILVA, 2006, p.16). Contudo, continua ela, “nada, ou quase nada, nas línguas se perde, tudo se transforma e é observando o passado que se podem recuperar surpresas que o presente, com freqüência, nos faz” (op.cit).

A língua está em constante mudança, impulsionada pelas necessidades discursivas e essa mudança se dá de modo gradual, caso contrário, os discursos seriam inteligíveis e os interlocutores ficariam sem compreender um ao outro e sem saber como se comunicar. A essa mudança é dada o nome de gramaticalização, que Martelotta coloca como sendo

uma manifestação do aspecto não-estático da gramática, uma vez que ela demonstra que as línguas estão em constante mudança em conseqüência de uma incessante busca de novas expressões e que, portanto, nunca estão definitivamente estruturadas (MARTELOTTA et al., 1996, p.49).

As mudanças nas línguas ocorrerem, então, dessa necessidade de compreensão do outro e estruturas advindas do discurso (menos rígidas, por conseguinte) que, com o passar do tempo, constituem a parte sintaticamente gramaticalizadas (mais rígidas).

Nos textos sobre gramaticalização a língua é postulada como uma combinação linear de itens separáveis. Isto acontece quando falamos ou quando escrevemos, mas fala e escrita são produtos lingüísticos, e a gramaticalização é o estudo do processo lingüístico e não do produto. (MÓDOLO, 2004, p.93)

Em meio a tantos pensares, o presente projeto visa analisar, utilizando-se dos estudos sobre gramaticalização, o processo pelo qual passou a partícula rem do português arcaico, nascida no latim com um significado diverso do encontrado naquele período, vindo a perder seu uso no português atual (pela preferência a nada), não obstante, permanecendo em algumas línguas românicas. Muito embora “o conhecimento de qualquer estágio passado de qualquer língua – se ela é documentada por algum tipo de escrita ou de inscrição – é sempre fragmentado, porque fragmentário é o espólio de que dispõe o pesquisador” (MATTOS E SILVA , 2006, p.34), podemos dizer que temos, do português arcaico, um vasto corpus, contando com 1679 textos líricos catalogados em três cancioneiros, a saber: o Cancioneiro da Ajuda, do fim do século XIII, e os Cancioneiros da Biblioteca Nacional de Lisboa e o da Vaticana, do começo do século XVI, “embora descendentes de uma compilação de meados do século XIV” (MATTOS E SILVA, 2006, p.22), os quais apresentam os seguintes gêneros: cantigas de amigo, de amor e de escárnio ou maldizer. Também há muitos documentos em prosa não literária, como leis, testamentos e afins. E, por fim, temos também a prosa literária: hagiografias, a “Demanda do Santo Graal”, Livro de Linhagens etc. Dispondo, então, desse corpus, é pretenso neste projeto selecionar, dentre as inúmeras possibilidades, cantigas de vários gêneros e também excertos de prosa, ampliando ao máximo a diversidade literária para enriquecimento da análise e procurar investigar a negação e o funcionamento da mesma, atentando, principalmente, para as ocorrências em que rem se fizer presente. Cabe aqui, também, uma ressalva: assim como cita Casagrande em sua tese, não é de interesse, em um primeiro momento, estudar aqui a negação dita morfológica (manifesta

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com prefixo), mas sim, a negação ao nível sintático, “embora seja importante observar que o português medieval contém muitos vocábulos latinos com prefixo negativo e muitos outros formados no próprio idioma” (CASAGRANDE, 1973, p.01).

Sobre nada é este projeto e, muito embora passível de trocadilho, eis que é esse seu objeto de maior interesse.

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Renata Gaspar Nascimento, Doutorado em Lingüística – PUC-RJ Eu, nós, a gente ...“tamo junto e misturado”: estratégias discursivas na ocupação do espaço midiático pela transformação social Orientador: Inés Kayon de Miller

No presente trabalho, apresento os resultados preliminares do projeto de pesquisa de minha tese de doutorado que tem como objetivo alcançar uma compreensão mais aprofundada da relação entre mídia e movimentos sociais, com ênfase no papel de indivíduos reconhecidos como líderes desses movimentos, a partir de sua performance discursiva em interações midiáticas. Para tanto, como base no método tridimensional para uma análise crítica do discurso, Fairclough (2001), desenvolvo a análise das narrativas de resistência materializada na participação em um programa televisivo de um dos representantes do movimento Hip Hop no Brasil, o rapper MV Bill - também fundador da Central Única das Favelas (CUFA), escritor e cineasta, nacional e internacionalmente reconhecido por sua luta por transformações sociais, especialmente as relacionada às diferenças sócio-econômicas, ao preconceito racial e à violência urbana. MV Bill se apresenta como um ator social particularmente interessante para meu estudo, por ter conquistado espaço significativo na agenda midiática, bem como pela manutenção desse espaço, participando ativamente de programas televisivos e matérias jornalísticas em geral, seja debatendo questões relacionadas aos problemas sociais ou apresentando seu trabalho artístico. Diante disso, o corpus da minha pesquisa é composto pelo programa ‘Câmara Ligada’ que foi ao ar no dia 11 de fevereiro de 2007, tendo como tema a violência, cujo título é ‘Só Deus pode me julgar’, sendo esse também, o título de uma das composições de rapper MV Bill. Nesse programa, participam como convidados / entrevistados para discutir o tema, o próprio rapper e ativista social MV Bill e a delegada da polícia civil e atual deputada federal do Rio de Janeiro, Marina Maggesi. O auditório é composto por jovens que participam do Projeto de música do Varjão e por alunos do Instituto de Ensino Superior de Brasília (IESB). A gravação do programa que compõe o corpus deste estudo foi obtida no site da Câmara dos Deputados (http://www.camara.gov.br/internet/TVcamara/) no dia 04 de abril de 2007. A transcrição da íntegra do programa foi feita com base nas convenções dos estudos de Análise da Conversação (Sacks, Schegloff & Jefferson, 1974; Atkinson & Heritage, 1984), incorporando símbolos sugeridos por Schiffrin (1987), Tannen (1992) e Gago (2002), no total de 1585 linhas de transcrição. Para a apresentação dos resultados preliminares da pesquisa, escolhi um recorte do corpus referente ao primeiro bloco do programa. A interação materializada nesse trecho da transcrição se dá, de forma direta, entre MV Bill e a apresentadora do programa. Esse recorte do corpus se apresenta como um momento particularmente produtivo para minhas análises pelo tema proposto para discussão (relação com a mídia e financiamento para as ações da CUFA) e pela ocorrência de estratégias discursivas por parte dos interactantes que oferecem oportunidade de explorar significantemente as categorias e conceitos que proponho como instrumentos de análise, abrindo o caminho para os objetivos que pretendo alcançar. Para a análise das

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narrativas, complemento o quadro teórico-metodológico adotando a proposta de Edwick e Silbey (2003) acerca da narrativização das estruturas sociais em estórias de resistência às autoridades legais com foco nas alternâncias pronominais, De Finna (2003); Wilson (1990); Zupnick (1994). A partir da perspectiva da Sociolingüística Interacional, Bateson (2002); Goffman (2002), considero as alternâncias pronominais como estratégias de negociação de identidades que revelam os papéis assumidos no formato de produção, bem como a dinâmica do enquadres e alinhamentos em contextos interacionais. A análise da narrativa que apresento neste estudo parte da compreensão de que narrar atos de resistências em ambientes midiáticos potencializa seu poder de transformação social dado o número imprevisível de interlocutores a serem alcançados através de sua (re)transmissão pelos meios técnicos dos quais a mídia dispõe. Por sua vez, a motivação para o desenvolvimento dessa pesquisa reside no fato de que a massiva circulação de imagens, ações e informação torna decisiva a participação dos elementos de diversas naturezas que ocupam o espaço midiático na construção de nós mesmos e do(s) outro(s), na atribuição de papéis sociais a grupos e indivíduos e na determinação /transformação de nossos modos de agir e pensar. Conseqüentemente, a luta por direitos e pela divulgação da pauta reivindicatória por parte de grupos excluídos passa a se relacionar diretamente com os processos comunicativos, na medida em que a mídia se tornou o principal meio de (re)conhecimento e (auto)visibilidade nas sociedades contemporâneas. Meu interesse neste momento volta-se, portanto, para o processo de construção de identidade de atores sociais que, como porta-vozes reconhecidos de grupos engajados na reivindicação por maior igualdade em nossa sociedade, participam de interações no campo midiático na busca de espaço para a exposição, debate e divulgação da agenda de uma coletividade por eles representada. Por fim, espero como minha pesquisa, poder contribuir para que diferentes atores sociais possam melhor compreender, de forma crítica e consciente, a importância da mídia (e dos que nela atuam) para o estabelecimento, manutenção e/ou transformação das condições sociais no atual contexto de profunda redefinição de conceitos e valores que caracterizam o momento histórico do qual estamos participando.

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Sérgio Nunes de Jesus, Doutorado em Lingüística – UFRGS De sujeito falado a sujeito falante: a interpelação do aparelho policial para obtenção das materialidades discursivas nas práticas de violências sociais contra a mulher Orientador: Ana Zandwais

A presente proposta de pesquisa fundamentar-se-á em pressupostos da Análise do Discurso: Althusser (1985), Pêcheux (1987), e em pressupostos da Enunciação, Ducrot (1987) e Guimarães (1995), para investigar como o sujeito que pratica atos de violência contra a mulher fala, ou seja, responde aos interrogatórios da Polícia, em virtude das acusações que lhe são feitas pelas mulheres e por testemunhas de suas agressões. Assim, a metodologia a ser instituída será a bibliográfica e, ao mesmo tempo de campo ao evidenciar as formas das distintas enunciações abordadas por um “sujeito” que “reclama” uma ilusão de verdade contraditória em seus deslocamentos discursivos na produção de um sentido que só existe na relação ao outro – pelas forças e seus imaginários constituídos nessa relação. Para tanto, a noção de ideologia e suas relações serão fundamentais para o trabalho, pois quando se fala de Ideologia – deve-se lembrar que as ideologias têm materialidades. A primeira pode ser identificada, neste estudo, por meio do Aparelho Ideológico de Estado – o Aparelho policial -, a segunda, está relacionada aos enfrentamentos de um sujeito que é falado e interpelado a se tornar sujeito falante na Tomada do depoimento (TD) perante a autoridade policial. Discutiremos também a questão da violência contra a mulher e por qual o motivo ela se multiplica na sociedade, principalmente nos seios das famílias menos favorecidas – embora haja também um grande número desse tipo de violências em famílias de classe média alta. Nesse sentido, a TD do sujeito-investigado/falado no decorrer da pesquisa será revista por meio da “ruptura” na língua – abordando as Materialidades Históricas (acontecimento) ≠ Materialidades Linguísticas (estrutura) e suas cenas enunciativas na construção dessas materialidades discursivas. Sendo assim, abordaremos também de que maneira as Práticas Sociais (ou seja, praticada como aparelho ideológico de estado (AIE) de uma formação ideológica (FI) como: Tomada do Depoimento – Intimações – Perícias – Diligências – Busca e apreensão) são ineficientes pela falta de efetivo (pessoal) que não é investido por esse aparelho de Estado. E os Saberes Sociais (que são próprios de uma formação discursivos (FD) e, ao mesmo tempo, identificados na formação ideológica como: Zelar pela ordem – Zelar pelos bons costumes – Agir de maneira preventiva – Fazer valer os deveres do cidadão – Cumprir a lei) - pois o papel da Polícia como AIE é de se investir nas formas de cumprimentos/práticas (FI) e dos saberes (FD) desse aparelho. Para tanto, a ideologia que se manifesta dentro das Práticas/Saberes, interpelará os indivíduos em sujeitos e é por essa interpelação que ele constrói o seu próprio conceito de ideologia. Logo, essa relação da convenção de “indivíduos” em “sujeitos” é que caracteriza o “processo da interpelação” – pelo viés da formação ideológica, que são idênticas as lutas de classe, de maneira efetiva numa FD e heterogênea. De acordo aos pressupostos anteriormente abordados, essa identificação são “domínios de saberes” inseridos e presididos numa FI ou outra. A presente proposta de pesquisa é relevante, uma vez que é a partir do discurso que

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se evidenciará a construção da imagem dos depoentes: sujeito-investigado/falado e do sujeito-vítima/denunciante, na TD, nos Inquéritos Policiais dos quais se realiza a partir de sentidos que se constituem nos valores morais e éticos desses indivíduos - da mesma forma o pensamento/verdade/linguagem transforma a cultura tanto pelo meio da linguagem quanto por meio de gestos e ações. É importante levar em consideração que a área de interesse a ser investigada se constitui em função dos princípios da Análise do Discurso (AD), tendo como delimitação temática: A interpelação do aparelho policial para obtenção das materialidades discursivas nas práticas de violências contra a mulher. Assim, a escolha do problema surge como base estrutural da enunciação na oralidade/textualização na TD e por se tratar de um assunto pouco estudado no viés dessa perspectiva discursiva, torna-o relevante e adequado às propostas inter e extra-discursivas na abordagem da subjetividade do discurso, possibilitando desenvolver um estudo em que as indagações poderão ser verificadas dentro das abordagens da problemática ao longo da pesquisa. O sentido das palavras serão constituídas pelos contextos transcritos no Inquérito Policial como prática social. O aspecto ideológico é dialético, pois aparecerão dentro da linguagem prismas de grande valor (como ser da linguagem), à medida que a linguagem se diversificar num dado momento desses enunciados na TD, observando pontos do objeto de estudo – por exemplo: a escolha vocabular feita pelo escrivão (discurso policial); as estratégias discursivas da vítima (depoente) com vistas à defesa e acusação ao sujeito-investigado/falado; o uso da dêixis como recursos argumentativos; e as marcas de subjetividade no Discurso policial e a subjetividade decorrente nas diversas formas ao enunciar um relato na TD. Os resultados serão obtidos a partir da comparação das TD, bem como das materialidades constituídas como provas condenatórias do sujeito-investigado/falado pelas violências cometidas e enunciadas paradoxalmente na TD que serão classificadas para melhor compreensão em: ponto de vista lingüístico ou relatado e ponto de vista discursivo ou referido.

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Solange Aparecida Gonçalves, Doutorado em Lingüística – UNICAMP Marcadores posicionais ou aspectuais? Uma discussão no Kaingang Sul... Orientador: Wilmar da Rocha D’Angelis

Este trabalho integra parte das minhas pesquisas de Doutorado (IEL/Unicamp) que pretende descrever o sistema tempo / aspectual (e modal) na língua Kaingang Sul (Jê, Tronco Macro-Jê) a partir da observação de seu emprego em contextos discursivos (orais e escritos).

A expressão destas categorias na língua Kaingang é decisiva para o entendimento dos sentidos pretendidos pelos falantes. O conhecimento ou esclarecimento do funcionamento e das inter-relações dessas categorias depende de um estudo que tome a língua em sua operacionalidade efetiva, em seu uso real, discursivo. Para explicar essas relações minha pesquisa tem utilizado dados provenientes de textos escritos e transcrições de gravações orais que foram produzidas de forma espontânea. As gravações em campo, junto a comunidades Kaingang do Rio Grande do Sul foram feitas em abril e julho/agosto de 2008 nas quais auxiliares de pesquisa, entre falantes nativos, colaboraram na primeira tradução para o português. Também se incluem no corpus textos em Kaingang produzidos em outros lugares e circunstâncias, que basicamente são: a) gravações de entrevistas e depoimentos de indígenas Kaingang, em fita cassete ou em vídeo, por pesquisadores independentes, b) textos produzidos por professores Kaingang em outros estados (Santa Catarina) e publicados em processos independentes àqueles do contexto já mencionado e c) outras fontes produzidas por professores ou outros falantes Kaingang. Atualmente, com a colaboração de falantes nativos, estão sendo feitas discussões de dados sistematizados.

A língua Kaingang classificada na família Jê (RODRIGUES, 1999) é falada por um dos cinco povos indígenas mais populosos do Brasil, representando cerca de 45% de toda população dos povos de língua Jê (D’ANGELIS, 2002). Os Kaingang Sul englobam as comunidades do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e representam 70,5 % da população total estimada atualmente em cerca de 30.650 pessoas. São mais de 4.000 indivíduos em Santa Catarina e mais de 17.500 no Rio Grande do Sul. Dada a extensão na distribuição geográfica desse povo, ainda que seja possível falar-se de “uma língua Kaingang”, nem sempre é possível falar de determinados fatos lingüísticos como fatos “da língua Kaingang”. Wiesemann (1971 e 2002), utilizando critérios mais propriamente geográficos, afirma que as comunidades Kaingang desenvolveram cinco dialetos. D’Angelis (2008) discorda desta classificação, apontando que “embora didática, não é segura ou razoável em muitos aspectos”. Alternativamente – e tratando, em seu trabalho, da Fonologia do Kaingang – D’Angelis emprega uma distinção macro-dialetal: Kaingang PR, Kaingang SP e Kaingang Sul. Ressalto, então, que em minha pesquisa acompanho esta classificação quando me refiro à língua Kaingang.

Nesta comunicação faço um pequeno recorte do meu projeto ao tratar dos Marcadores Posicionais que aparecem no corpus.

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Há, na língua Kaingang, algumas partículas derivadas de verbos, que indicam a posição física daquilo a que se referem (humano ou não-humano). São elas: i) nĩ - derivada do verbo ‘sentar’ ii) nỹ - derivada do verbo ‘deitar’ iii) jẽ - derivada do verbo ‘estar em pé’ iv) sa - derivada do verbo ‘pendurar’. Assim, por exemplo, podemos ter um enunciado como (1) (1) Kyrũ ta rẽgró ko jẽ, pĩ rã. rapaz ms feijão v. comer MP fogo perto ‘O rapaz está comendo feijão perto do fogo’. no qual a presença de jẽ mostra que ‘o rapaz está comendo em pé’. Entretanto, se no mesmo enunciado a partícula jẽ fosse substituída por nĩ, a tradução (literal) seria ‘o rapaz está comendo sentado’.

Essas partículas (principalmente nĩ e nỹ) podem ter outros usos no Kaingang, mas quando utilizadas com este sentido indicado acima, ou seja, considerando uma característica de posição física, tenho me referido a elas como Marcadores Posicionais. Se pensarmos em termos das várias definições para Aspecto (embora não-consensuais entre os lingüistas); parece possível sugerir que, de algum modo, a expressão aspectual é uma indicação da perspectiva do falante ao fazer uma proposição ou um enunciado. Neste sentido, poderia ser levantada a questão se estes marcadores posicionais na língua Kaingang não seriam, então, marcadores aspectuais, ou em outras palavras, se eles teriam o mesmo uso destes últimos.

Nesta comunicação sustento que, embora possa ser uma opção discursiva do falante Kaingang acrescentar ou não essa informação em sua fala, esses marcadores Posicionais parecem não denotar a mesma perspectiva de quando se utilizam os aspectuais. Ainda o que se poderá verificar a partir dos exemplos arrolados é que, assim como os diferentes marcadores utilizados na língua Kaingang, os Posicionais também não são obrigatórios. Entretanto, quando ocorrem junto de outros marcadores aspectuais, parecem ocupar determinada posição fixa relativa a estes.

De qualquer forma, uma análise mais sistemática se faz necessária para justificar a opção em utilizar esta nomenclatura ou, se for o caso, rever minha posição. Para isso julgo importante buscar possíveis concepções teóricas e diferentes tratamentos dados para a ocorrência de fatos semelhantes que possam ser encontrados em outras línguas (indígenas ou não) e que se apresentem em outros trabalhos. Necessário, então, fazer esse levantamento.

Finalmente chamo a atenção sobre a importância da apresentação destas ocorrências na língua que mostram inegavelmente que estes e outros marcadores tempo-aspectuais contribuem significativamente na organização do discurso Kaingang. Então, compreender melhor seus usos e inter-relações é relevante para uma maior compreensão da própria língua e das línguas da família Jê.

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Sonia Maria Sellin Bordin, Doutorado em Lingüística – UNICAMP A questão da atenção nos diagnósticos da área de leitura e escrita Orientador: Maria Irma Hadler Coudry Tem havido nos últimos anos um aumento na realização de diagnósticos na área de leitura e escrita para crianças e jovens brasileiros procedentes de escolas públicas e particulares. Os diagnósticos mais realizados nessa área, a partir da entrada da criança na escola, são: Dislexia, Transtorno e Déficit de Atenção (com ou sem) Hiperatividade (TDAH); Distúrbio de Aprendizagem (DA); Alteração de Processamento Auditivo; Distúrbio de Leitura e Escrita; Disfunção executiva. Dentre tais diagnósticos, a Dislexia, o Transtorno e Déficit de Atenção e o Distúrbio de Aprendizagem, estão entre os mais encontrados e todos têm em comum uma prevalência maior entre os meninos. Dentro desse contexto, a proposta geral da pesquisa é a de que, a partir do acompanhamento e análise dos processos de fala, leitura e escrita de 5 crianças/jovens do Centro de Convivência de Linguagens – CCAzinho –, possa se chegar à descrição e solução das questões apresentadas por estes e observar o lugar (e movimento) do diagnóstico na relação criança/jovens – família – escola. Esse trabalho está sendo realizado sob a perspectiva da Neurolingüística Discursiva (ND), sustentando a hipótese de que o próprio modelo de investigação heurística que ilumina o processo de avaliação permite a esse mesmo sujeito um trabalho interativo, por um lado, e reflexivo, por outro, com e sobre a linguagem de forma a enfrentar suas dificuldades.

A hipótese geral da pesquisa é de que as práticas discursivas orientadas pela ND darão condições para a criança/jovem compreender e falar sobre o seu próprio processo de leitura e escrita, refletir sobre a sua relação com a escola e sobre a importância social da leitura e escrita. A hipótese específica é a de que na medida em que a criança, a família e a escola entendam o percurso social, emocional e neurológico que constituem a atenção, favorecerá na criança a auto-regulação, comportamento tão necessário segundo Vygotsky (1934/1979) para que ocorra aprendizagem e consciência.

O termo Dislexia define a dificuldade apresentada pela criança na área de leitura, escrita e soletração que aparece no início do aprendizado. Por Transtorno e Déficit de Atenção entende-se a dificuldade que uma criança, jovem ou adulto tem para manter um tempo adequado de atenção em determinado foco – se distraem facilmente e se mostram desorganizados, esquecidos, com dificuldade para acabar tarefas. Há ainda casos em que a hiperatividade e a impulsividade estão associadas ao quadro de desatenção. O Distúrbio de Aprendizagem, como o próprio nome indica, está em relação direta com uma alteração no percurso de aprendizagem da criança. No entanto, observa-se que o uso desse termo remete a equívocos constantes na medida em que ele aparece como sinônimo de outras expressões: Déficit de Aprendizagem, Transtorno de Aprendizagem, Dificuldade de aprendizagem, Discapacidade, entre outras. E todas essas patologias trazem um aspecto em comum: o problema de atenção apresentada pela criança/jovem. Em virtude disso, deu-se no Brasil (e no mundo) o aumento do consumo da substância metilfenidato com o nome comercial de

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Ritalina e Concerta, indicada especialmente para o tratamento do TDAH, mas também recomendada para os outros diagnósticos citados. A venda desse medicamento passou de 71 mil caixas em 2000 para 731 mil caixas em 2004, estimando-se que entre 2004 e 2008 (dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ ANVISA, 2008) houve um aumento de 930% no uso desse produto, ministrado primariamente para regular a atenção de crianças em idade escolar. Luria (1981) a partir do estudo investigativo em que acompanhou como se dão os processos de aquisição de leitura e escrita em crianças de idade pré-escolar, afirma que quando uma criança entra na escola, já leva um conhecimento prévio de habilidades culturais resultante de técnicas que a criança usou ao aprender a lidar com os complexos problemas de seu ambiente que precisa ser valorizado. Para este autor a criança não pode ser moldada pelo professor segundo a forma que ele preferir (p.101).

Vemos então que o desenvolvimento da criança se dá entrelaçada com o social, cultural e histórico. Nessa perspectiva, a maturidade neurofisiológica de uma criança ao nascer é apenas um ponto ótimo para uma série de acontecimentos cerebrais que estão por vir. Temos funções neurológicas que se iniciam no 5º mês gestacional e só se completam após os 20 anos de idade, como é o caso da mielinização das vias acústico - visuais. Quando vemos uma criança de 4 anos controlando absolutamente seu xixi e cocô, dormindo em sua cama, cumprimentando as pessoas, sentando-se a mesa, conversando ao telefone com a sua mãe, temos a impressão de que ela está completa. E de fato está para os seus 4 anos. Mas, seu cérebro ainda tem muitas partes imaturas, dentre estas o lobo frontal. Essa porção cerebral que fica atrás da testa, no interior do nosso crânio, é responsável pela regulação da vida em grupo e é o ultimo lobo a completar a maturação, o que acontece entre 5 e 7 anos de idade.

Então, a atenção auditiva, visual e as funções mentais superiores, como a memória, a linguagem, a atenção seletiva, vão se estruturando desde antes de a criança nascer e vão se desenvolvendo após esse nascimento se a criança se constituir como importante para alguém e ganhar um lugar no mundo social. Por que falamos que mesmo a memória da criança se inicia antes de ela nascer? Pelas histórias que contamos a ela sobre a sua gestação, sobre os primeiros meses de sua vida, que ela repetirá mesmo sem se dar conta de que não é possível conferir se foi assim mesmo que aconteceu. Dessa perspectiva, o prestar atenção em algo não é um acontecimento que ocorre de uma hora para outra. Há sobre isso um efeito de continuidade que uma criança vai experimentando através das relações com os pais, irmãos, com os grupos sociais que faz parte e com a cultura. Na nossa cultura é um indicador da atenção da criança o tempo que consegue permanecer em frente à televisão, em contrapartida, o tempo que essa mesma criança consegue esperar para ser atendido em algum pedido seu, não é. A atenção vista assim é uma atividade mental, neurológica e social que começa a ser desenvolvida quando a criança nasce, e já há sinais evidentes de sua presença antes disso: estudos indicam que a criança quando nasce já conhece algumas vozes que estiveram perto dela no período gestacional.

A proposta parcial dessa tese, portanto, é estudar o fenômeno da atenção, que na composição de tais diagnósticos aparece sempre como um indicador do comportamento da criança/jovem efetivado pelos pais e professores, iniciado, geralmente, na idade em que seus filhos e alunos começam a freqüentar a escola.

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Taís Bopp da Silva, Doutorado em Lingüística – UFRGS Composição em português brasileiro: análise via restrições Orientador: Luiz Carlos Schwindt

O trabalho ora proposto objetiva investigar o estatuto prosódico, morfológico e sintático das palavras compostas em português brasileiro (doravante PB), e traduzir a relação entre esses três módulos numa gramática unificada. As principais teorias que fazem parte de nosso aparato teórico são a Teoria dos Constituintes Prosódicos (Nespor e Vogel, 1986) e a Teoria da Otimidade (Prince e Smolensky, 1993; McCarthy e Prince, 1995). Também são de grande importância as idéias de Aronoff (1976) e de Basílio (1980) sobre produtividade em formação de palavras. Nosso estudo tem como ponto de partida as análises de Lee (1995) e de Moreno (1997) para os compostos do PB, as análises de Vigário (2003 e 2006) para o português europeu, bem como o estudo levado a cabo por Peperkamp (1997) para os dados do italiano. A partir desse background, analisamos um corpus constituído de cerca de 600 vocábulos compostos do PB, os quais foram coletados de revistas de circulação nacional, do portal de buscas Google e do banco de dados do Projeto VARSUL (Variação Linguística Urbana do Sul). A razão de escolhermos fontes como revistas e internet se apóia no pressuposto de que esses meios são meios criadores e difusores de novos vocábulos do PB, bem como constituem o lugar de uso de vocábulos vigentes da língua. Quanto à busca no banco de dados VARSUL, selecionamos 16 entrevistas, sendo essas divididas igualmente entre falantes adolescentes com pelo menos seis anos de escolaridade e falantes de nível universitário. Esse perfil de informante se justifica na medida em que pressupomos que a formação de novos compostos se dê na esfera dos falantes mais jovens e mais escolarizados. Após a coleta, os dados foram submetidos a uma detalhada descrição morfológica, fonológica e sintática. Assim, partindo do princípio segundo o qual compostos possuem uma caracterização morfológica, uma caracterização fonológica e uma caracterização sintática, nossa análise busca averiguar a interface da fonologia com a morfologia e com a sintaxe. Nesse sentido, será discutido o isomorfismo entre estas três categorias na formação de palavras compostas em PB, ao mesmo tempo em que procuraremos delimitar quais as configurações de compostos que parecem ser as mais produtivas nessa língua. A partir da descrição do vocábulo composto quanto aos seus estatutos prosódico, fonológico e sintático, procuramos responder às seguintes perguntas: (a) como dar conta de estruturas recursivas dentro da hierarquia prosódica, levando-se em conta os princípios de boa formação dessa hierarquia, estabelecidos na Strict Layer Hypothesis? (b) como distinguir sequências compostas, aquelas que têm distribuição de átomo sintático, de sequências eventuais, as quais se configuram como XP’s? (c) dado o caráter híbrido da composição, bem como o de certos afixos que apresentam características prosódicas de palavras, onde se estabelecem as fronteiras entre palavras compostas e palavras afixadas? (d) sob quais critérios podemos nos apoiar para considerarmos uma configuração como tendo maior ou menor grau de produtividade no âmbito da composição? (f) que tipo de gramática é capaz de explicar a

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composição, levando em conta a interface fonologia-morfologia-sintaxe nela envolvida? Tal gramática pode abrir mão de regras e de níveis? Essas perguntas motivam a busca de uma explanação para os mecanismos subjacentes aos processos de composição não só em PB, mas ao processo de composição enquanto fenômeno presente nas línguas naturais em geral. Acreditamos que a Teoria da Otimidade é a teoria que está mais bem aparelhada para nos apontar alternativas de análise, uma vez que prevê avaliação em paralelo, adequada para lidar com fenômenos de interface, como é o caso da composição. Para tanto, os padrões de produtividade serão expressos em termos de restrições violáveis. No momento atual de nossa pesquisa, pretendemos discutir em que medida tal teoria pode prover as restrições adequadas para a resolução dos problemas relativos ao tratamento das palavras compostas. É necessário saber de que modo GEN (Generator) é capaz de gerar restrições que façam referência aos três módulos da gramática considerados em nosso estudo (fonologia, morfologia e sintaxe), a fim de podermos romper com uma tradição de análise dos compostos que faz uso de níveis (como a análise de Lee, 1995, que divide os compostos em lexicais e pós-lexicais) e de recursos had hoc (como o loop, utilizado na análise de Moreno, 1997). Traduzindo essa problemática em objetivos mais específicos, presentes nesta etapa do estudo, colocamos as seguintes questões: (a) é possível promover o afrouxamento de certos princípios norteadores das teorias representacionais, transformando-os em restrições violáveis? (b) qual o estatuto das restrições geradas a partir de esquema chamado Alinhamento Generalizado, frente a outras restrições da gramática dos compostos do PB? (c) em que medida a Teoria da Otimidade é adequada para lidar com a questão de produtividade em termos de rankings? Acreditamos que o debate promovido por essas perguntas possam promover a melhoria de nossa análise, bem como levantar outras questões importantes relacionadas à temática dos vocábulos compostos.

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Taís da Silva Martins, Doutorado em Lingüística – UFSM Trajetos de Pesquisa: nomeação e designação no processo de disciplinarização Orientador: Amanda Eloina Scherer

O presente trabalho objetiva apresentar os trajetos que estamos percorrendo para a escrita de tese ora intitulada Nomeação e designação no processo disciplinarização: a política de um nome. Tal trabalho visa à compreensão da constituição do processo de disciplinarização de uma ciência, em nosso caso a Linguística, por meio dos movimentos de nomeações e de designações que ocorrem no interior das instituições acadêmicas. Neste momento de nossa pesquisa estamos realizando recortes do arquivo que já possuíamos (constituído durante a escrita de nossa dissertação) para configuramos um novo corpus – que até o momento está composto por documentos institucionais tais como, programas e bibliografias de disciplinas referentes aos primeiros anos em que nomeações de disciplinas voltadas aos estudos do discurso aparecem nas grades curriculares de duas instituições de ensino superior que, pioneiramente tiveram cursos de doutoramento em seus programas de pós-graduação em Letras, a saber, a Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) e a Universidade Federal do RS (UFRGS). Isto, a fim de traçarmos um panorama histórico que constitui, antes de mais nada, ‘redes de memória’ que, quando nos pusemos a ouvir, ‘falam-nos’ da história. Compreendemos que esse trajeto que realizamos por entre os arquivos, nos permitirá apontar que conceitos, que teóricos, que sujeitos mobilizam e são mobilizados durante a disciplinarização dos estudos do discurso no RS. Buscamos, em nossa tese, a tecer uma relação entre AD e História das Idéias Lingüísticas (doravante HIL), pois é nesse entremeio que nos inscrevemos teoricamente. Inserimo-nos em uma perspectiva teórica que pode ser entendida ao modo de uma articulação entre AD e HIL, tal como formula Nunes ao afirmar que “há uma produtividade específica quando a AD se posiciona no entremeio com a HIL” (2007, p.03). Nessa perspectiva teórico-analítica, o analista lança sobre o corpus um olhar diferenciado do pesquisador que faz a historiografia de uma disciplina, na medida em que não (só) ‘conta’ uma história, mas se insere em ‘uma’ história para movimentá-la, para indagá-la, para pôr em diálogo os arquivos que a constituem, para trazer outros à tona, para instaurar uma ‘historicidade’, tendo em vista que a questão que se coloca não é a de linearidade temporal, e sim a temporalidade que constitui o texto (cf. Orlandi, 1996). Entendemos também que o aparato teórico-metodológico da HIL nos possibilitará circunscrever um trajeto por entre os arquivos documentais que materializam o percurso dos estudos do discurso no RS. Destacamos que a questão por nós levantada sobre a constituição disciplinar dos estudos do discurso no RS será abarcada por uma questão teórica que diz respeito à constituição disciplinar contemporânea, a qual acreditamos nos permitirá compreender de que forma uma ciência, uma teoria, um campo do saber é disciplinarizado (a). Cabe ressaltar ainda que, ao tratarmos da problemática da disciplinarização, temos como pressuposto teórico as reflexões de Chiss e Puech (1999), que consideram que a noção de disciplina não possui no campo da historiografia e da epistemologia dos conhecimentos o mesmo prestígio que uma teoria, um saber ou uma

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ciência, já que estas noções fazem parte de uma “metalinguagem historicamente construída”, seus conhecimentos são avaliados através de critérios já postos, por meio de modelos anteriormente pré-estabecidos. Propomos, para trabalharmos com esta questão disciplinar, analisar a constituição política do jogo das nomeações e renomeações que permeiam o processo de disciplinarização dos estudos do discurso no RS. Nomeações que, para nós, levam a designações, mas não como conceitos sinônimos. Com isso, consideramos que diferentes designações podem estar carregadas com um mesmo sentido ou com sentidos diferentes, o que não modifica o objeto e sim as formas de apresentação (e de representação) desse objeto. E, que o movimento de nomeação e renomeação de uma disciplina faz parte de uma política que busca renomear para poder designar de outra forma. Ao renomear os conceitos mobilizados também são outros. Essas renomeações podem levar a uma nova designação. A importância de conhecermos este processo de nomeação/designação destas disciplinas nos programas de pós-graduação do RS se dá também porque entendemos que é a partir destas (re) nomeações que ocorre a disciplinarização. Ao analisarmos estas significativas variações que ocorreram tanto nas designações das disciplinas quanto nos conceitos mobilizados no interior de seus programas, entendemos que se fará necessário em nossa tese apresentarmos as recorrências tanto de conceitos como de nomeações, pois, para nós, é através destas que poderemos entender o processo de disciplinarização dos estudos discursivos em nosso estado e consequentemente compreendermos os recortes que ocorrem durante o processo de disciplinarização de um campo do saber específico, a AD. Ressaltamos que utilizamos como pressuposto teórico, para tratarmos da questão da nomeação e designação, os estudos de Guimarães (1995; 2002). O autor, ao tratar da referência de um nome próprio, afirma que esta ‘resulta do sentido do nome constituído por seu funcionamento no acontecimento enunciativo’. Para Guimarães (2002), este acontecimento constitui o próprio passado, isto é, o que um nome refere hoje é o que uma nomeação passada nomeou. Tomando tal afirmação em consideração, e transpondo essa questão dos nomes próprios de pessoas para o nome de uma disciplina, compreendemos que os sentidos dados por determinada disciplina e o que ela significa em determinada instituição, em determinada época, é resultado de “toda sua história de nomeações, renomeações e referências realizadas com suas temporalidades próprias” (Guimarães, 2002, p.42). Acreditamos ainda que, a ausência de uma reflexão sobre a história produz demarcações territoriais que multiplicam os rótulos a partir de deslocamentos, inversões, apagamentos do percurso de construção dos conceitos e de seus formuladores. Considerando isto, um dos objetivos principais de nosso estudo, é o de assinalar como os profissionais que, no estado do Rio Grande do Sul, primeiro trabalharam com os estudos do discurso, designaram-no e configuraram-no e com isso, tomaram parte no processo de disciplinarização deste campo do saber em nosso estado.

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Talita de Oliveira, Doutorando em Lingüística – CEFET-RJ (UnED de Nova Iguaçu)/PUC-RJ Performances narrativas e a construção da identidade institucional do CEFET/RJ (UnED de Nova Iguaçu) Orientador: Liliana Cabral Bastos

Boa parte da pesquisa contemporânea em Ciências Sociais e em Estudos da Linguagem tem chamado atenção para a centralidade das narrativas na constituição dos sujeitos e da realidade social (cf. Bastos, 2005; Bauman, 1986; Bruner, 1997; Linde, 1993). Cada vez mais, advoga-se que, para se compreender o mundo social, é preciso ouvir e estudar as histórias das pessoas que vivem nesse mundo. A chamada virada narrativa (cf. Riessman, 1993) procura, de alguma forma, suprir a lacuna deixada por uma forte tradição positivista de investigação, que trata a linguagem sob uma perspectiva representacionista, e passa a olhar para o modo como os seres humanos operam na cultura e criam suas identidades por meio do discurso. Como aponta Bastos (2005: 74), “as estórias estão nas mais diversas instâncias de nossas vidas e estudar essas estórias é uma forma de compreender a vida em sociedade.” Segundo Moita Lopes (2001: 65), “na dinâmica de se relatar o que se passou, as identidades sociais surgem”. Isso implica dizer que há uma forte imbricação entre o ato de narrar histórias e a construção de identidades sociais, ou, conforme aponta Riessman (1993: 11), “ao contar sobre uma experiência, também estou criando um self – como quero ser reconhecido por eles”. Nesse sentido, o conceito de performance (cf. Bauman, 1986; Richards, 1999; Oliveira & Bastos, 2001) faz-se bastante pertinente, uma vez que nos possibilita compreender as narrativas como atuações dramatúrgicas (cf. Goffman [1975] 2007) que dão forma às relações sociais cotidianas. O termo performance é concebido por Bauman (1986) como uma forma de se observar a comunicação humana para além do seu conteúdo referencial, chamando atenção tanto para a expressão da narrativa quanto para o próprio narrador. Para o autor, toda performance narrativa é, necessariamente, situada e determinada pela audiência e por condições sócio-históricas específicas. O ato de narrar (ou a performance da experiência pessoal) não se dá em campo neutro e isento de crenças e valores. A performance narrativa e, consequentemente, identitária ocorre em meio a embates discursivos e ideológicos, a relações sociais complexas permeadas por redes institucionalizadas de relações de poder (cf. Langelier, 2001).

Uma vez que nossas narrativas não podem ser consideradas isoladamente e, em geral, relacionam-se a pertencimentos identitários coletivos, é fundamental considerarmos a performance como uma ação discursiva também atribuída a grupos sociais e a instituições. Quando um indivíduo narra episódios passados, ocorre um investimento discursivo na produção e manutenção da identidade de uma coletividade. Em instituições, por exemplo, as narrativas dos seus membros funcionam como um elo entre as representações tradicionais do passado institucional e o modo como seus atores sociais usam, alteram ou contestam esse passado (cf. Linde, 2009). A memória institucional, portanto, não está

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congelada em um passado estático e fossilizado, mas está em permanente ressignificação. Nesse sentido, é fundamental que se lance um olhar sobre as narrativas que as pessoas contam sobre a instituição e sobre si próprias dentro da arena institucional; assim, será possível se produzir inteligibilidade sobre o modo como o passado institucional é preservado e remodelado no discurso de seus atores sociais.

O objetivo deste trabalho é apresentar parte da pesquisa que tenho desenvolvido no doutorado em Estudos da Linguagem na PUC-Rio. Sob a orientação da professora Liliana Cabral Bastos, meu estudo almeja investigar as narrativas de construção da identidade institucional da Unidade de Ensino Descentralizada (UnED) de Nova Iguaçu do CEFET/RJ (escola integrante da rede federal de ensino), bem como buscar uma reflexão sobre a relevância social de tal instituição na contemporaneidade (em especial, na Baixada Fluminense). Sou professora de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira dessa instituição desde 2004, primeiro ano de funcionamento da UnED de Nova Iguaçu. Assim, creio ser, também, importante uma reflexão acerca do delicado papel de ser eu, ao mesmo tempo, pesquisadora e nativa, e em que medida essa condição também levaria a um processo de auto-descoberta. Em outras palavras, como a investigação a identidade da instituição pode ser, ao mesmo tempo, como uma tentativa de juntar os fios tecidos na minha trajetória profissional e pessoal. Dois eixos principais nortearão a presente discussão. O primeiro diz respeito à “etnografia da performance oral” (Bauman, 1986: 2), principal ferramenta de que me utilizarei para a análise de dados oriundos de entrevistas com os atores sociais da instituição. O segundo relaciona-se à reflexão sobre a observação participante (cf. Duarte & Gomes, 2008; Velho, 2008 [1981]; Whyte, 2005 [1943]) como modo significativo de se produzir conhecimento sobre a vida social.

Esse trabalho é orientado por uma visão de que as narrativas não representam uma realidade extra-discursiva. Ao invés disso, corroboro com a perspectiva adotada por Riessman (1993: 4-5), quando diz que “as histórias dos informantes não espelham o mundo “lá fora”.” As narrativas que criamos são versões parciais do mundo social e são entrecortadas por nossos posicionamentos político-ideológicos, o que implica dizer que “os enredos não são inocentes” (Riessman, 1993: 65). As “verdades” construídas via padrões narrativos são sempre parciais e instáveis, suscetíveis a questionamentos e releituras. Não importa se há uma mentira ou uma verdade a ser revelada: “o evento narrado (...) emerge na performance” (cf. Bauman, 1986: 6). Além disso, a instituição aqui investigada será contextualizada em um universo de tensões e ressignificações. Apontarei as principais vantagens e limitações no desenvolvimento da minha pesquisa, tendo em vista que sou uma nativa estudando um contexto que conhecido e vivido por mim. No trânsito entre a familiaridade e o estranhamento, percebo-me em um permanente estado etnográfico (cf. Duarte & Gomes, 2008) dentro da instituição e entendo que, como pesquisadora/nativa, vivencio, também, um processo de auto-descoberta.

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Thiago Alves França, Mestrado em Lingüística – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Dizer e memória: a G Magazine em dois anos de circulação Orientador: Maria da Conceição Fonseca-Silva

Baseados em pressupostos da Análise de Discurso de linha francesa, bem como em alguns conceitos foucaultianos, discutiremos a G Magazine enquanto lugar de dizer e memória acerca da homossexualidade, considerando que tanto as materialidades linguísticas quanto as imagéticas são materializações de enunciados, os quais circulam socialmente, em um jogo entre memória social e sua materialização discursiva.

Pegando emprestado de Nora (1993) a categoria lugar de memória, e empregando-a como suporte de análise discursiva, assim como o fez Fonseca-Silva (2007) com Claudia, Nova e Playboy, entenderemos a G Magazine como lugar de memória discursiva, servindo a revista de suporte para materializações verbais e não verbais, bem como para efeitos de sentido.

Baseados em Foucault (1969), dizemos que se tratam de materializações de enunciados, mas para conceber uma análise de discurso também aplicável a materialidades imagéticas, é a Pêcheux (1999) que recorremos, para quem tanto o linguístico quanto o pictórico são atravessados por outros discursos que garantem a não transparência das materialidades, suscitando, assim, uma análise por via de um dispositivo discursivo de verificação.

A G Magazine, que se constitui enquanto segmento específico de mercado, define quais enunciados podem ser por ela veiculados, em um movimento de seleção que diz respeito ao público-alvo ao qual essa revista quer atingir. Por meio desta seleção, que é feita por antecipação de quem sejam os leitores da revista, de quais coisas sejam para eles desejáveis etc., o periódico define um ethos que o caracteriza diferenciando-o de outros segmentos, ao mesmo tempo em que tal movimento de seleção também organiza filiações de sentido sobre os processos de subjetivação.

O corpus da pesquisa é constituído pela revista G Magazine, de 1997 a 2009. O recorte feito para esse texto, no entanto, considera apenas os dois primeiros anos de sua circulação: da primeira edição, de outubro de 1997, à vigésima quarta edição, de setembro de 1999. A partir deste recorte, e por meio da análise de suas materialidades, é possível capturar, de alguma maneira, o que é presumido em relação aos seus leitores; de outro modo, dizemos que é possível capturar as antecipações, as quais motivam a constituição de um ethos.

A G Magazine não materializa corpos nus quaisquer; isto quer dizer que há um critério que se estabelece conforme o que fora antecipado junto às formações imaginárias. O pressuposto é que a exposição de corpos nus configura-se como atraente ao público se feita, sobretudo no ensaio principal, com corpos que podem ser vistos em outros lugares de visibilidade, destacando-se a vontade de vê-los despidos e a real possibilidade de admirá-los por inteiro neste periódico autorizado

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A visibilidade de corpos é valorizada no periódico já na maneira como se configura sua capa, com formulações linguísticas e imagéticas que incitam a visualização de corpos nus, e corpos nus bem trabalhados fisicamente, torneados, avantajados. A naturalização de que esses são os corpos desejáveis pelos leitores da G não é formulada apenas nos ensaios fotográficos.

A seção Globetrotter, na qual o periódico sugere de forma privilegiada um turismo que tem de ser compatível com o público da revista, indica que o prazer de ver corpos esculturais é tamanho, que as viagens turísticas acabam também sendo justificadas por essa possibilidade voyeurística, de modo que a busca pela exibição de corpos “apolônicos” não está circunscrita ao nu dos modelos que se exibem nos ensaios.

Há, assim, como o investimento em duas posições que se constituem simultaneamente: aquela de quem se quer o corpo esculpido e os dotes físicos feitos observáveis, que chamaremos exibicionista, e a outra posição, daquele que deseja tais corpos torneados, que sente prazer ao vê-los, mas da qual pouco se faz referência ao próprio corpo, o voyeur.

É nessa segunda posição, de voyeur, que dizemos que o leitor da revista é subjetivado, pelo menos no recorte do corpora que realizamos para esse texto, e é baseados em tal recorte que afirmamos que na G funciona o exibicionista, que se deixa fotografar para servir aos apetites simbólicos, mas que o lugar do leitor é o de consumidor dos corpos espetacularizados, daquele que se satisfaz ao consumir a exibição que lhe condiciona a existência; de outra maneira, dizemos que os corpos são exibidos porque existe quem os consuma simbolicamente, de maneira que o exibicionista (o ensaio e seu espetáculo dos corpos) existe porque existe também o voyeur (o leitor da revista).

Considerar que a revista se constitui enquanto lugar de dizer e de memória acerca da homossexualidade é entender que nesse lugar se materializa aquilo que circula socialmente sobre a homossexualidade, e que, por sua vez, não se pode materializar tudo, visto que há um ethos sendo constituído, que restringe algumas possibilidades em seu movimento de seleção. Entendê-la como lugar de memória discursiva é também perceber que efeitos de sentido são produzidos neste lugar dentre os quais identificamos uma posição-sujeito atravessada por enunciados do obsceno, sendo marcada, sobretudo, pelo voyeurismo como prática de si.

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Vivian Antonino da Silva, Doutorado em Lingüística – UFBA A concordância nominal em predicativos do sujeito e em estruturas passivas na fala popular urbana de Salvador Orientador: Dante Lucchesi

A língua portuguesa possui um sistema de regras de concordância, nominal e verbal, que é redundante, fato que facilita a ocorrência da flutuação da aplicação destas regras. Com relação à concordância nominal no PB, tem-se também a hipótese de que a categoria gramatical do número sofre muito mais variação que a do gênero, sendo o primeiro fenômeno difundido em todas as variedades do português e o segundo restrito apenas a algumas comunidades afro-brasileiras, onde houve uma situação mais intensa de contato entre línguas. Certamente, a concordância de número é mais afetada devido ao seu caráter muito mais redundante que a de gênero, já que, dentro de um SN, quando se quer dar a idéia de plural, quase todos os elementos se flexionam em número, diferentemente do que ocorre na flexão de gênero no SN, em que se flexionam apenas determinantes, adjetivos de tema em –o e um número reduzido de nomes. Muitos trabalhos já desenvolvidos dão enfoque à concordância de gênero e de número que ocorre nos SN’s, porém esta pesquisa se dispõe a investigar a concordância nominal em estruturas um pouco menos exploradas, as de predicativos do sujeito e de voz passiva.

Sabe-se que, no Brasil, durante período da colonização, houve um massivo contato entre línguas africanas, indígenas e a língua portuguesa, a língua do colonizador, que gozava de prestígio social. Tal situação poderia “conduzir à formação de uma língua historicamente nova, denominada língua pidgin ou crioula, ou à simples formação de uma nova variedade histórica da língua que predomina na situação de contato” (Lucchesi, 2000, p. 99). Assim, defende-se a hipótese de que, ainda que não tivesse sofrido uma crioulização, o PB foi bastante alterado devido a um processo de transmissão lingüística irregular e, como de costume nestas situações, houve uma redução da morfologia flexional da língua alvo. A realidade lingüística hoje observada no Brasil se apresenta de forma bipolar, com uma norma culta e semi-culta, típica dos segmentos urbanos escolarizados de um lado, e, de outro, uma norma vernácula, composta pelos padrões coletivos da maioria da população brasileira, que se apresenta com um nível muito baixo de escolarização.

É sabido que durante um período de tempo muito longo, as normas vernáculas se isolavam, de certa forma, em regiões do interior do país e em regiões mais isoladas, porém, no século XX, mudanças foram acontecendo e tal realidade foi sofrendo transformações. Houve uma maior difusão dos meios de comunicação em massa, uma maior migração de pessoas da zona rural em direção aos centros urbanos e um acesso um pouco maior às instituições de ensino público fundamental; e isto faz com que não olhemos para a relação rural/urbano como uma dicotomia estanque, mas sim como um continuum de formas. Nesta pesquisa, investiga-se principalmente a hipótese de que o falante popular da variedade urbana do português do Brasil está em um ponto, no continuum de formas lingüísticas, consideravelmente distante do ponto em que se encontra um falante popular de uma

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variedade rural isolada. Espera-se encontrar, na fala popular urbana, ao se comparar com resultados de trabalhos desenvolvidos no português afro-brasileiro e na fala popular urbana do interior do estado da Bahia, um índice de aplicação de regra de concordância nominal em predicativos do sujeito e em estruturas passivas maior do que aquele observado nos citados trabalhos, observando-se um processo de difusão de padrões lingüísticos que parte dos grandes centros urbanos para o interior do país. Poder-se-á observar resultados claros que delineiam um continuum de formas que parte de uma variedade de língua mais isolada e segue até uma variedade urbana, seguindo uma jornada do campo para a cidade e mostrando um processo de difusão lingüística que segue em sentido inverso.

Para realizar tal análise, faz-se uso da Teoria da Variação, de orientação laboviana que, por considerar a língua um fenômeno heterogêneo, trata a mudança lingüística através do estudo da variação sincrônica observável na fala. Na composição do corpus, foram selecionados, baseados em critérios sociais e geográficos, quatro bairros de Salvador e um da região metropolitana, com o cuidado de serem bairros de massiva ocupação popular e que estivessem distribuídos de forma a contemplar todas as áreas da cidade, desde a orla ao subúrbio ferroviário. Dos cinco bairros, serão analisados neste trabalho apenas dois: Cajazeiras, um dos bairros mais novos, e Itapuã, tradicional bairro da orla marítima soteropolitana. Os informantes foram divididos em três faixas etárias (I- 25 a 35 anos; II- 45 a 55 anos e III- mais de 65 anos), por sexo e deveriam ter nascido no bairro, quando se tratava de um bairro antigo, ou estar lá há pelo menos 15 anos, quando se tratava de bairros novos, como Cajazeiras, que teve sua expansão na década de 1980. Em cada bairro foram feitas 12 entrevistas, seguindo a orientação loboviana de conduzir a interação como uma conversa despretensiosa, com o objetivo de buscar a fala vernácula do informante. Para quantificação dos dados, lançou-se mão do pacote de programas VARBRUL, que é responsável pelo cruzamento dos dados.

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Yves Figueiredo de Oliveira, Mestrado em Lingüística – UFES Autoridade proverbial: interação entre argumentação por autoridade e provérbios no gênero textual carta do leitor Orientador: José Augusto Carvalho

Em sua obra Elementos de análise do discurso, o linguista José Luiz Fiorin postula que o objetivo maior de todo ato comunicativo é persuadir o interlocutor a aceitar o que está sendo comunicado. Nesse sentido, “o ato de comunicação é visto como um jogo de manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite.” (2004, p. 52).

Em certos domínios discursivos, com a finalidade de enfatizar ainda mais tal característica persuasiva da comunicação, a argumentação por autoridade é frequentemente utilizada, mesmo que involuntariamente. Nessas situações geralmente são feitas referências nominais a especialistas em suas respectivas áreas de conhecimento, categorias profissionais e/ou acadêmicas, ou até mesmo a publicações consagradas.

O fato instigante em relação em relação ao tema exposto é a particularidade do aspecto polifônico dos provérbios, ou seja, estão inseridos na coletividade social e, apesar de não se constituírem argumento centrado em apenas um locutor ou grupo específico, aos quais se faz referência, funcionam como importante recurso argumentativo de caráter coletivo.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é analisar a elocução de provérbios na produção de discursos argumentativos, a fim de demonstrar sob a perspectiva teórica de Oswald Ducrot (1987), Chaim Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca (1996), que o emprego de provérbios, especialmente no tocante à argumentação por autoridade, se constitui como um primoroso recurso de construção e meio de prova a favor de uma tese.

Na primeira fase do presente trabalho objetiva-se fazer o levantamento de material bibliográfico sobre o tema, assim como sobre os questionamentos sobrevindos ao problema de pesquisa formulado. Para isso, far-se-á necessária a utilização de diversas fontes teóricas – livros, artigos e publicações, nacionais e internacionais. A segunda etapa consiste no levantamento e coleta de corpus investigando o emprego de provérbios no discurso, utilizando o gênero textual Carta do Leitor. Estão sendo analisadas as publicações diárias da seção “Cartas dos Leitores” do Jornal O Globo, periódico de grande circulação no Estado do Rio de Janeiro, com distribuição para todo o país. O terceiro estágio consistirá na organização e análise, ou seja, no tratamento dos dados e informações colhidos, para posterior elaboração e produção do relatório final.

Partimos, então, valendo-nos do conceito de heterogeneidade enunciativa, que repousa sobre a argumentação de que sempre há a pressuposição de uma condição da leitura dialógica, “admitindo mais de uma ‘voz’ do discurso” (CARDOSO, 1999:65). Essa noção tende a nos remeter à conceituação de polifonia, teoria postulada por Bakhtin, que pressupõe o discurso do outro em qualquer enunciado. Aplicados à temática principal deste trabalho, os provérbios carregam, dada a sua essência coletiva, importantes traços de heterogeneidade, como afirma Maingueneau sobre a impossibilidade, em sentido estrito, de

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citação de um provérbio, de relatá-lo, “[...] pode-se apenas referi-lo a um Outro absoluto no qual estaríamos incluídos por direito” (MAINGUENEAU, 1997: 102).

Trabalhamos, ainda, com a conceituação de argumentação por autoridade, que se constitui como uma importante ferramenta de persuasão. Isso se deve, entre outras causas, a seu caráter ambíguo na enunciação. Segundo Maingueneau (1997) esse caráter dúbio se dá porque “o locutor citado aparece, ao mesmo tempo, como o não-eu, em relação ao qual o locutor se delimita, e como a ‘autoridade’ que protege a asserção” (MAINGUENEAU, 1997: 86). O referido autor evoca, ainda, que a citação de autoridade nada mais é, em matéria de discussão, que o nome de um ausente.

Oswald Ducrot, em O dizer e o dito (1987), aborda a argumentação por autoridade como um modelo que possui duas etapas básicas. Em primeiro lugar, o locutor mostra um enunciador, que Ducrot afirma poder ser o próprio locutor ou outra pessoa, asseverando “P”. Em seguida, o locutor apoia sobre essa primeira asserção uma segunda, relativa a uma outra proposição chamada “Q”. Assim, de início, o locutor insere em seu discurso “uma voz que não é forçosamente a sua – responsável pela asserção de P” (DUCROT, 1987: 143) ocorrendo, de um lado, uma identificação com o sujeito asseverador de Q e, de outro, a existência de uma correlação entre as proposições P e Q.

Segundo a abordagem de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), em relação à argumentação por autoridade, muitos argumentos são influenciados pelo prestígio, que, por definição, “é uma qualidade da pessoa que se reconhece por seus efeitos” (1996: 345), e há uma série de argumentos cujo alcance é, em sua totalidade, condicionada pelo prestígio. Os mencionados autores pontuam que a palavra de honra, proferida por alguém, “como única prova de asserção, dependerá da opinião que se tem dessa pessoa como homem de honra” (1996: 347).

Regina Rocha (1995) defende o poder argumentativo do provérbio, expondo que a citação de um provérbio, que geralmente se baseia no fato de ser um enunciado genérico, resulta, em determinados casos, em uma estratégia em que o locutor se exime de falar algo usando como escudo um provérbio, que, por sua natureza de verdade geral, não faz referência explícita. Desse modo, o locutor, no emprego de um provérbio no discurso, terá necessariamente a intenção de atingir um determinado alvo. Devido a esse aspecto do dizer sem dizer, de sua condição de verdade incontestável, advinda de uma fonte de sabedoria admitida como indefectível, assim como suas características mnemônicas, como já anteriormente exposto, é que para a referida autora o provérbio é uma “arma apreciada na argumentação” (ROCHA, 1995: 151).

Por fim, Grésillon e Maingueneau (1984) assertam que os provérbios podem ser tratados como discurso relatado por excelência, mais precisamente, como um caso de polifonia, porque não se retomam os propósitos de um outro específico, mas sim de “todos os outros, fundidos nesse ‘agente’ característico da forma proverbial” (GRÉSILLON & MAINGUENEAU, 1984: 112, tradução nossa). Desse modo, a responsabilidade de proposição de um provérbio se mistura a todas as outras vozes que o proferiram antes.

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LINGÜÍSTICA APLICADA

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Adilson Donizeti Biazotto, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A utilização de Filmes em sala de aula de Língua Estrangeira: Percursos no processo de significação Orientadora: Carmen Zink Bolognini

Este trabalho de pesquisa em andamento, tem o objetivo de colocar em circulação/ discussão alguns conceitos dos campos da Ciência da Linguagem, estudados durante esse primeiro ano de/ no curso de pós graduação da Unicamp. Utilizando o arcabouço teórico da Análise de Discurso(AD), de origem de linha francesa, agora denominada materialista, aplicaremos seus conceitos na sala de aula de língua estrangeira, no nosso caso a Língua Inglesa. Analisaremos como o funcionamento discursivo acontece a partir de filmes, ferramenta metodológica amplamente utilizada em sala de aula e dita como motivadora.

Desse modo, nos propomos a investigar: 1) O discurso pedagógico, 2) O funcionamento discursivo na sala de aula ( de Língua Estrangeira ), 3) Os processos de significação da ferramenta metodológica filme e por fim, 4) O funcionamento de Formações Imaginárias e Formações Ideológicas do filme Turistas.

Orlandi ( 2003) afirma que um discurso é um efeito de sentidos e não transmissão de informação. Há então, segundo a autora, um jogo ideológico o qual apresenta sua característica principal: a dissimulação, dos efeitos de sentido os quais viriam sob a forma da informação, de um sentido único, e na ilusão discursiva dos sujeitos de serem a origem de seus próprios discursos. Uma vez que nossas condições de produção envolvem a sala de aula de língua estrangeira, e as relações acontecem no âmbito social, a autoridade do professor é um fator presente. Desse modo, seu discurso é carregado das significações de efeitos de verdade, os quais interpelarão os sujeitos nesta posição aluno a deslocarem ou re-estabilizarem os sentidos postos em circulação.

Nesse jogo discursivo, as concepções de sujeito e ideologia são essenciais para entendermos tal funcionamento. O sujeito para a AD é aquele que é chamado a ser sujeito pela linguagem, ou seja, ele é interpelado a ser sujeito por ela. Desse modo, o assujeitamento seria uma condição para que o funcionamento dos dispositivos de interpretação aconteça. Pêcheux (2007) utilizando como base as concepções abordadas por L. Althusser a respeito das determinações impostas ao sujeito, nos diz que a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos. A noção de ideologia, a partir da linguagem, nos mostra que sua função é a não ocultação, mas a de uma prática de interpretação necessária entre a linguagem e mundo ( Orlandi, op cit ). O funcionamento discursivo dá-se na ordem simbólica, em uma relação com o mundo. Nesse lugar, temos o funcionamento das Formações Imaginárias.

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Esse trabalho tem como corpus um filme produzido em 2006 pela 2929 Productions A Wagner/ Cuban Company , cujo titulo no Brasil foi Turistas, A escolha do filme deu-se por uma questão de possíveis equívocos do olhar do outro sobre o Brasil.

John Stockwell e Michael A Ross, respectivamente diretor e roteirista do filme, contaram a um jornal americano, Los Angeles Times, como a idéia de fazer o filme surgiu.

Ambos viajavam pelo litoral da Bahia quando ouviram sobre um mito na América Latina, onde pessoas eram seqüestradas a fim de terem seus órgãos retirados. Ambos, diretor e roteirista enfatizaram durante a entrevista seus desejos em fazer um filme muito próximo da realidade.

Nossa primeira discussão, nesse ponto da pesquisa, é questionar as concepções de realidade postas em circulação pelos ‘idealizadores’ do filme. A literalidade re-inscreve a transparência do discurso, o qual tem como cenário, contraditório, de filmagem um local e o mito um qualquer outro local da mencionada América Latina. Entretanto, a credibilidade da ferramenta fílmica legitima os sentidos postos em circulação: ‘Estrangeiros, cuidem-se quando viajarem a América Latina’. A concepção de verdade na materialidade dos significantes em um filme se faz presente uma vez que o telespectador toma os eventos desse filme como verdade. Assim como em outro qualquer como num filme de ficção cientifica onde temos uma cena de uma nave espacial deslocando e ouve-se o som da espaçonave; tal deslocamento jamais produziria algum som, pois o espaço é um vácuo, não há a propagação do som, entretanto, qual filme retiraria o som de tal cena, colocando em perigo a veracidade da cena?

Outra questão que gostaríamos de abordar, a qual é parte significante na teoria da AD, é a Questão do silenciamento. Orlandi (1992) em seu livro As Formas do Silêncio, considera o silêncio como um positivo constitutivo da linguagem, ou seja o silêncio é construção, primeiro vem o silêncio, o silencio fundador. A partir do silêncio originaria o sentido. A autora faz uma distinção entre silêncio e silenciamento. Há dois tipos de silêncio: 1) local, que seria equivalente a censura, e 2) constitutivo, para dizer, precisa-se não dizer. Desse modo o sujeito interpelado pela linguagem, em seus funcionamentos ideológicos, diz algo sempre silenciando outras coisas. Retornando ao nosso corpus, as significações postas em circulação pelo filme a respeito da América Latina, do Brasil e dos brasileiros, são ditas de um modo, os quais produzem efeitos de sentidos uns, os quais sempre silenciam outros sentidos. D/Nesse funcionamento discursivo se constitui o deslocamento e as re-estabilizações de pré-concebidos, os quais no jogo discursivo das antecipações, re-direcionam o percurso dos discursos e as relações políticas dos interlocutores.

Como este trabalho ainda está no início da sua investigação, não temos como apresentar resultados. Esperamos nos debates do evento, receber sugestões para o andamento do mesmo.

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Alessandra Sartori Nogueira, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas O papel da língua materna na aquisição de vocabulário no ensino de ILE Orientadora: Linda Gentry El-Dash

Este trabalho está ainda em sua fase inicial. Sua finalidade é pesquisar aspectos envolvidos na aquisição de vocabulário no ensino/aprendizado de inglês como língua estrangeira (ILE) a partir das atitudes dos participantes da pesquisa, que serão professores e alunos de cursos de Letras e de escolas de idiomas. Mais especificamente, interessa-nos entender como os participantes do processo de aprendizagem de língua inglesa consideram o papel da língua materna (LM) na aquisição de vocabulário. Uma vez que a pesquisa se preocupa com a subjetividade dos participantes, será utilizada a Metodologia-Q, através da qual são revelados seus perfis atitudinais.

Nosso interesse pela LM vem de sua importância histórica. Discussões sobre o uso ou não de LM têm destaque na história do ensino de línguas, ora ocupando posição privilegiada, ora sendo rejeitada, dependendo da abordagem em vigor. Do século XVII ao XIX, o modelo de ensino/aprendizado de línguas conhecido era aquele utilizado para ensinar latim clássico nas escolas, que enfatizava o exercício mental da aprendizagem. Esta abordagem era conhecida como método gramática-tradução (a distinção entre abordagem e método surgiu mais tarde). Ensinava-se através da tradução de textos clássicos e de estudos de regras gramaticais explicadas na LM, o que lhe garantia um papel importante. No final do século XIX, com uma demanda pela proficiência oral, alguns estudiosos passaram a tentar desenvolver a fluência na língua oral. Nesse momento da história do ensino de línguas, surgiu o método direto, que tinha como meta o aprendizado da LE pela LE, sendo a LM proibida. Dentro dessa abordagem a ênfase estava na língua oral. Nos EUA, embora o método direto tenha sido introduzido em 1878, não recebeu muito apoio das autoridades educacionais, pois os professores disponíveis não eram fluentes o suficiente nas LEs para ensinar pelo método direto. Decidiu-se, assim, por desenvolver a proficiência na leitura, abordagem em que o uso da LM é encorajado. Durante a II Guerra Mundial, entretanto, o exército precisou de falantes fluentes em várias línguas e, não os tendo encontrado, financiou o desenvolvimento de uma abordagem própria, conhecida como abordagem audiolingual. Esta era uma re-edição do método direto, igualmente dando ênfase à língua oral, porém refletindo as teorias da psicologia da época e partindo do conhecimento das duas línguas para fazer análises contrastivas de ambas, a fim de prever erros e assim evitá-los. Nos anos 1970, a abordagem audiolingual começa a receber críticas, principalmente em razão de seu viés comportamentalista. A abordagem comunicativa surge, então, como uma resposta às falhas da abordagem audiolingual. O foco, que antes era na forma, passa a ser no significado da língua, e o uso de LM é novamente criticado por dois motivos principais: encorajar o uso excessivo de LM em sala de aula e nutrir a idéia de que há um equivalente em LM para tudo que há na LE. A abordagem comunicativa inicia, sem fechar, o mais recente ciclo na história do ensino de línguas, configurando, igualmente às anteriores, como uma reação a outra abordagem

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então vigente. Esse breve histórico mostra que há um “vai-vem” em relação ao uso de LM, às vezes o rejeitando e às vezes o encorajando. Quanto ao vocabulário especificamente, não houve, durante muitos anos, nenhum interesse especial na sua aprendizagem. As menções ao vocabulário se limitavam a discutir se deveria haver lista para memorização de palavras ou se estas deveriam aparecer contextualizadas. Mais recentemente (desde meados dos anos 1990), surgiram estudos que se preocupam com a aquisição de vocabulário. Interessantemente, alguns argumentam contra certas críticas feitas ao uso de LM, sugerindo que esta pode ser uma importante ferramenta auxiliar. Dentre estes, há pesquisas que constataram não haver diferença significativa na aquisição de vocabulário entre grupos que utilizaram dicionário bilíngue (LE – LM), grupos que utilizaram dicionário monolíngue (LE – LE) e grupos que inferiram o significado das palavras pelo contexto sem utilização de dicionários. Há, ainda, estudos cujos resultados sugerem pouca eficácia da técnica de inferir o significado através do contexto; argumentam que aquilo que já é conhecido e, portanto, exige menos esforço mental – no caso, a tradução do vocábulo – é retido e lembrado por mais tempo. Todavia, nenhum estudo partiu da percepção dos sujeitos envolvidos no processo, ou seja, os próprios alunos e professores. Perguntamo-nos, portanto, como os participantes do processo de aprendizagem de LE (sejam professores, sejam alunos) percebem a aquisição de vocabulário e o que eles pensam dos benefícios possíveis do uso de LM para este fim; também nos interessa em quais situações a LM seria útil e em quais situações ela atrapalharia. Para esse objetivo, utilizaremos a Metodologia-Q, definida como um método para o estudo científico da subjetividade, entendida neste contexto como as atitudes dos participantes do processo. Caracteriza-se por um conjunto de procedimentos que revelam os perfis existentes entre os participantes, agrupando-os de acordo com as atitudes que compartilham em relação ao objeto de estudo. Os resultados dessa parte quantitativa da pesquisa serão utilizados para uma análise qualitativa. Em outras palavras, além de possibilitar o uso das técnicas da estatística clássica para agrupar os participantes que efetivamente compartilham um dado ponto de vista, a Metodologia-Q fornece informações relevantes para uma análise qualitativa mais rica e aprofundada. Embora não possa ser definida como essencialmente quantitativa nem qualitativa, essa metodologia reúne vantagens de ambas. A pesquisa procederá da seguinte maneira: primeiramente, serão realizadas entrevistas do tipo grupos focais, que envolvem entrevistas em grupo (número ideal, de 4 a 8), em que o pesquisador figura como mediador de um debate sobre o assunto de interesse. O objetivo dos grupos focais é incitar discussões iniciais para levantar aspectos relevantes sobre o tópico em estudo e assim obter opiniões as mais diversificadas possíveis. As entrevistas serão gravadas e, das transcrições, serão retiradas frases que explicitem as opiniões dos participantes. Dessa seleção de frases serão escolhidas de 36 a 50 para comporem o quadro de afirmações para a Metodologia-Q. Em seguida, serão selcionados aproximadamente 50 indivíduos, incluindo uma larga gama de participantes que representam opiniões variadas sobre o assunto. Serão solicitados a distribuir num tabuleiro as afirmações geradas pelas entrevistas, classificando-as num ranking quasi-normal entre aquilo com que menos concordam (lado esquerda do tabuleiro, números 1 e 2) e aquilo com que mais concordam (lado direito do tabuleiro, números 10 e 11). As afirmações sobre as quais os participantes não tenham opinião ou sintam-se indiferentes ficam mais ao centro do tabuleiro (números 3 a 9, de acordo com suas prioridades). Os resultados serão digitados num programa de software que realizará as análises estatísticas. As análises revelarão e agruparão as pessoas segundo as suas atitudes compartilhadas, formando perfis que destacam diferenças e semelhanças entre elas. Os resultados serão por nós interpretados, gerando uma análise qualitativa aprofundada sobre os aspectos envolvidos no processo de ensino/aprendizado de vocabulário e o papel da LM, a partir do ponto de vista dos participantes desse processo.

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Ana Paula de Lima, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A avaliação nos livros didáticos de inglês para crianças: considerações iniciais Orientadora: Matilde Virgínia Ricardi Scaramucci

O interesse pelo processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras para crianças, em especial da língua inglesa, tem sido crescente nas últimas décadas, não apenas no Brasil, mas em nível mundial (COSTA, 2008). As pesquisas realizadas na área de Linguística Aplicada discutem, entre outras questões, a validade de se iniciar o ensino de língua inglesa cada vez mais cedo (ASSIS-PETERSON e GONÇALVES, 2000/2001; SANTOS, 2005), problemas relacionados à formação de professores (PIRES, 2004) e a falta de parâmetros oficiais que orientem o referido ensino (ROCHA, 2006), fazendo com que sua difusão ocorra de forma desconexa nas escolas brasileiras (ROCHA, 2007).

As pesquisas revelam, ainda, que poucos são os estudos sobre o livro didático de língua inglesa para crianças (RAMOS e ROSELLI, 2008) e sobre avaliação para essa faixa etária (SCARAMUCCI, COSTA e ROCHA, 2008), dados que nos chamaram a atenção, tendo em vista a forte influência que o livro didático exerce no processo de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (CORACINI, 1999) e a formação precária do professor de línguas no que concerne à avaliação (SCARAMUCCI, 2004).

Assim, feitas as considerações acima, esta pesquisa, ainda em fase inicial, pretende analisar as avaliações propostas por livros didáticos de língua inglesa voltados para alunos do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, a fim de observar se os construtos que as orientam estão em consonância com os objetivos de ensino propostos pelos livros didáticos e com o que se considera apropriado para a condução do ensino de língua inglesa para crianças no Brasil.

Para tanto, faz-se necessário, além de discutir algumas questões relacionadas à aquisição de línguas e ao ensino de língua inglesa para crianças no contexto educacional brasileiro, selecionar e analisar livros didáticos voltados para alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental, identificando seus objetivos, as visões de linguagem e de ensino-aprendizagem, os conteúdos, as atividades, como os livros didáticos são explorados e, concluindo, apontando se eles atingem os objetivos propostos. Esses critérios para análise de livros didáticos foram propostos por Ramos (2003, apud RAMOS e ROSELLI, 2008) e utilizados pelas autoras para analisar cinco livros de ensino de língua inglesa para alunos da 1ª série do Ensino Fundamental (2º ano, de acordo com a nova nomenclatura).

Pretendemos, ainda, discorrer acerca de aspectos teóricos referentes à avaliação. Trataremos da importância da avaliação de línguas (MCNAMARA, 2000) e de seu papel na formação do professores (SCARAMUCCI, 2006), apresentaremos os diferentes tipos de testes (MCNAMARA, 2000; HUGHES, 2003) e focalizaremos nas pesquisas sobre avaliação de rendimento (LUCKESI, 1996), efeito retroativo (ALDERSON e WALL, 1992; SCARAMUCCI, 2004), avaliações alternativas (HAMAYAN, 1995) e avaliações de

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crianças aprendendo línguas (HUGHES, 2003; IOANNOU-GEORGIOU e PAVLOU, 2003; REA-DICKINS e RIXON, 1997; SCARAMUCCI, COSTA e ROCHA, 2008), visando observar como as características específicas dessa faixa etária influem no processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira, bem como na avaliação. Pretendemos, também, verificar quais os efeitos retroativos que a avaliação de rendimento pode causar.

Após apresentar algumas das questões que pretendemos explorar no arcabouço teórico, apresentamos aspectos referentes à natureza da pesquisa. O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa que, de acordo com Bogdan e Biklen (1998), apresenta as seguintes características: a) tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental; b) é descritiva; c) a preocupação essencial do pesquisador qualitativo é o processo e não apenas os resultados; e d) o pesquisador utiliza um enfoque indutivo na análise dos dados.

Como instrumento de coleta de dados, utilizaremos a análise documental, uma técnica de abordagem de dados qualitativos que apresenta muitas vantagens. Baseadas em Guba e Lincoln (1981), Lüdke e André (1986) apresentam algumas dessas vantagens das quais destacamos: a) o fato de os documentos serem uma fonte estável e rica; b) o custo dos documentos é, geralmente, baixo, requerendo apenas investimento de tempo e atenção do pesquisador para selecionar e analisar o que for mais relevante; c) trata-se de uma fonte não-reativa, que permite a obtenção de dados quando a interação com os sujeitos pode alterar seu comportamento e seus pontos de vista; d) como uma técnica exploratória, indica problemas que devem ser mais bem explorados através de outros métodos e pode também completar as informações obtidas por meio de outros instrumentos de coleta; e) da análise documental podem ser retiradas evidências que fundamentem as afirmações e declarações feitas pelo pesquisador.

Ressaltamos que, como a pesquisa ainda encontra-se em estágio inicial, nesta apresentação abordaremos algumas questões referentes ao ensino de língua inglesa para crianças no contexto educacional brasileiro que motivaram o desenvolvimento da presente pesquisa. Trataremos da importância da análise de livros didáticos de língua estrangeira e da avaliação no processo de ensino e aprendizagem de línguas. Apresentaremos a natureza da pesquisa, o instrumento de coleta de dados a ser utilizado e, por fim, alguns livros didáticos voltados para o ensino de inglês para crianças em escolas regulares do Ensino Fundamental I.

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Ana Claudia Cunha Salum, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas (Im)possibilidades de (re)configurações e deslocamentos nos processos identitários emergentes de relações em comunidades virtuais de professores de inglês Orientadora: Maria José Coracini

Esta apresentação objetiva relatar parte da minha pesquisa de doutorado que está em andamento e que tem como foco a constituição identitária do professor de inglês em momentos em que escreve de si em comunidades virtuais de relacionamento. Tal escrita de si (que se dá por meio da troca de experiência, de orientações, de esclarecimentos e conhecimentos) nos possibilita rastrear as representações de aluno, de professor e de língua constituintes do imaginário do professor de inglês. Nossa motivação para esta pesquisa se dá a partir da observação do aumento de comunidades virtuais de relacionamento que se direcionam a professores de inglês e, ainda, do interesse crescente desses professores escreverem de si, transmitindo e compartilhando informações, conhecimentos, dicas e experiências, aspectos que se relacionam não apenas ao fazer do professor de inglês, mas, também, a aspectos da ordem do ser professor de inglês, seus anseios, dificuldades e receios. Esperamos contribuir com os estudos sobre a constituição identitária do professor de inglês e, para tanto, propomo-nos a: problematizar a virtualidade como um espaço de autonomia e liberdade de seus usuários, para que possamos compreendê-la como um espaço em que o sujeito, é, também, determinado e atravessado pelo outro que lhe é anterior e exterior; desestabilizar o caráter utilitarista da Internet, reconhecendo-a como um espaço propício para se perceber traços da constituição identitária do professor de inglês e, ainda, deslocar as noções de sujeito logocêntrico e de identidade estável, única, verdadeira e acabada, que têm norteado as pesquisas em torno do ensino e aprendizagem de línguas. Coracini (2007) considera a identidade do professor de língua (materna e estrangeira) complexa e tensa, feita de imagens e valores que se chocam e unem, pela memória, o passado, o presente e o futuro, o dentro e o fora, o novo e o velho, o saber e a ignorância, o certo e o incerto. Os objetivos específicos desta pesquisa são: entender o modo como as identidades são constituídas a partir de uma “nova” forma de estar/sentir-se junto propiciada pelo ciberespaço; observar possibilidades de (re)configurações identitárias de professores de inglês em momentos em que escrevem de si em sites de relacionamento virtual;rastrear, por meio da escrita de si, as representações de professor de inglês sobre si e sobre o outro (aluno, professor e língua) e, ainda, investigar os tipos de laços sociais que se estabelecem em comunidades virtuais de relacionamento destinadas a professores de inglês. Procuramos responder as seguintes perguntas de pesquisa, das quais parte a análise dos registros coletados: Como se dá a escrita de si em comunidades de relacionamento virtual de professores de inglês? O que essa escrita desvela da constituição identitária do professor? É possível depreender indícios de (re)configurações e deslocamentos identitários desses professores? Como o professor de inglês representa, por meio da escrita de si na

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virtualidade, o fazer do professor e o ser professor de inglês? Que tipos de laços sociais são estabelecidos em comunidades virtuais de relacionamento destinadas a professores de inglês? A coleta de registros para a composição do corpus de pesquisa foi realizada em dois sites de relacionamento virtual denominados Orkut e ELT on-line community (British Council). No primeiro, os relatos advieram de Fóruns de discussão de seis comunidades de professores de inglês. Já em relação ao ELT on-line community do site British Council selecionamos tópicos de discussão que nos possibilitavam atender aos objetivos desta pesquisa. Uma vez escolhidos os enunciados que farão parte do corpus da pesquisa, nossos gestos de interpretação procuram observar as representações que constituem o imaginário dos professores, para delinear as regularidades discursivas dos relatos escritos, cujas brechas nos permitem identificar lampejos da(s) subjetividade(s) desses professores. O acesso aos fragmentos, aos resíduos, ao que sobra e ao que falta na língua nos proporcionará um suporte para essa análise, visando a rastrear os processos identitários de professores de inglês inseridos em contextos virtuais de relacionamento: dessa forma, objetivamos questionar o que nos apresenta como evidente e problematizar o que nos parece natural. Partimos do pressuposto de que a comunicação mediada pelo computador pode servir como um lugar para o indivíduo explorar diferentes aspectos de si mesmo, para reconstruir ou ter novas experiências de identidade, mudando a maneira de pensar e sentir (TURKLE, 1996). Apesar desse pressuposto, fazemos a hipótese de que em comunidades virtuais de relacionamento de professores de inglês é possível perceber traços de uma identidade que se constrói ora na direção de se tornar igual, ora na direção de se distinguir, ou melhor, a constituição identitária desse professor se dá em um espaço (confuso e tenso) entre o mesmo e o diferente, o velho e o novo, a criação e a cristalização. Como referencial teórico nos apoiamos em estudos de Derrida, Foucault, Coracini, Lacan, Authier-Revuz, dentre outros, ao tratarmos de noções como identidade, heterogeneidade constitutiva, representação, laços sociais e práticas discursivas. Para esta apresentação, selecionamos excertos que constituem três eixos de análise da tese, a saber: A (in)cansável busca pela unidade; A escrita de si na virtualidade e a espetacularização do mal-estar do professor e da profissão.

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Ana Silvia Andreu da Fonseca, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas O rap e a revelação do herói urbano, híbrido e multicultural Orientadora: Terezinha J. M. Maher

A tese de doutorado de minha autoria, intitulada Rap na escola: possível revelação de vozes e identidades, que caminha agora para sua reta final, defende a necessidade de inserção de produções culturais outras, que não as canônicas, no caso o rap nacional, no currículo do Ensino Médio, em escolas públicas. Tal aplicação se daria no ensino de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira devido ao próprio caráter poético desse tipo de produção, às suas estruturas narrativas, à atualidade e pertinência de muitos de seus temas, à sua sintaxe próxima à oralidade, porém escrita, às suas filiações lexicais e à sua abrangência dentre as populações urbanas jovens. O rap, enquanto subsídio temático e de apoio, pode ajudar a revelar, e privilegiar, vozes e identidades que normalmente não são consideradas na escola, em termos curriculares.

Em meu trabalho, o discurso do rap, e do movimento hip-hop como um todo, é caracterizado como sendo “por natureza” urbano, híbrido e multicultural. Via de regra ele não é percebido como um tipo de texto merecedor de ser incluído no currículo de Língua e Literatura (A. C. Bentes, 2004), embora muitas pesquisas acadêmicas sobre ele tenham proliferado nos últimos anos nas universidades brasileiras. Há, além disso, uma crença generalizada entre os professores de que todas as letras de rap fazem apologia da violência. Esforço-me, com o aparato teórico-metodológico da Lingüística Aplicada de cunho interdisciplinar, em desconstruir tal visão e, assim, poder justificar a inclusão curricular do rap.

Meu trabalho está situado, portanto, no contexto das teorias (i) do currículo (T. T. Silva, 2005), (ii) do discurso – sobretudo no que tange à questão da identidade – e (iii) dos estudos culturais /multiculturais (N. Canclini; S. Hall; M. Lopes).

O corpus é constituído pelas próprias canções, pois, por recorte metodológico, não analiso rappers, mas raps. Metodologicamente, minha opção é por uma análise qualitativa e interpretativa do corpus. Também utilizo materiais jornalísticos relativos ao tema, pois não se pode estudar um fenômeno cultural híbrido, ao mesmo tempo popular e de massa, sem considerar os meios de comunicação e a indústria cultural.

Espero, assim, que o conjunto dos dados analisados instrumentalize o professor de Língua e Literatura do Ensino Médio para fazer suas próprias análises e a proceder à aplicação conforme lhe for mais conveniente, ou seja, de acordo com o contexto em que atua – nível dos alunos, características das classes, das escolas, do contexto urbano etc.

Embora esta aplicação possa ser dirigida a escolas particulares, tornando seu currículo mais crítico, focalizo a escola pública. Chama a atenção o fato de hoje, no Brasil, 80% dos estudantes, contando todos os níveis, estarem em escolas públicas, segundo a UNE e a Folha /UOL Educação. A cada ano, só no estado de São Paulo, o

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mais rico da federação, 450 mil alunos concluem o Ensino Médio na rede pública. Estranhamente, essa maioria é tratada como minoria (T. Maher, 2007), por se encontrar num lugar de interlocução desprovido de poder (L. Althusser, 1998; M. Pêcheux, 1995).

Esforço-me em demonstrar que a revelação de novas vozes e identidades pode se dar, acima de tudo, por uma nova posição discursiva do jovem aluno das escolas públicas possibilitada pela análise das letras de rap: a do herói. Tratei desse tema já no XIII SETA, em 2007, ao me referir aos caracteres do herói trágico, nos termos da Poética de Aristóteles. Neste, dou continuidade à “revelação do herói” baseando-me em “Dialética da malandragem”, ensaio de Antonio Cândido publicado em O discurso e a cidade (1993).

O malandro, como anti-herói, tem sua origem, segundo o crítico literário, nos romances picarescos, sobretudo espanhóis, dos séculos XVI a XVIII. Eram romances narrados em primeira pessoa por pícaros, um tipo inferior de servo, normalmente ajudante de cozinha, que muda de senhor a senhor, ganhando experiência sobre a sociedade no geral, sendo sempre amável e risonho, e que se torna malandro por defesa.

Com certa filiação dos romances picarescos, tem-se, no Brasil, Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antonio de Almeida, de 1853, espécie de romance marginal, com tons satíricos, em que o protagonista, o anti-herói Leonardo, aproxima-se dos pícaros por ser malandro, mas o é, ao contrário dos aventureiros espanhois, por nascença. A ele, segue-se, em 1928, do modernista Mário de Andrade, Macunaíma, “o herói sem nenhum caráter”. A dialética da malandragem, porém, não parou. Décadas depois, forma-se entre nós um novo anti-herói, mistura do primeiro grande malandro da novelística brasileira, Leonardo, e da preguiça tediosa de Macunaíma: o “Gerson”. Este porém, mais do que uma criação literária, uma representação, exemplificava parte do caráter de nosso povo.

Fiz esse breve intercurso para poder mostrar que o “herói” retratado no rap nacional vai contra o típico brasileiro que “leva vantagem em tudo” e que se convencionou afirmar como representante de nossa brasilidade mais ou menos bem-sucedida. A “Lei de Gerson”, como ficou conhecida, dominava o imaginário do país campeão do mundo em futebol, enquanto nos porões da Ditadura Militar milhares (ou seriam milhões?) eram presos, torturados e mortos. Ainda mais: sob o “Pra frente, Brasil” da propaganda nacionalista, corroíam-se instituições que garantiriam um presente e um futuro ao país – a escola pública e os salários dos professores, a divisão de terras e de rendas como um todo, o auxílio a algumas populações do Nordeste que se viam ultrajadas pela seca, pelo coronelismo e pela necessidade de migração e submissão às intempéries urbanas do Centro-Sul, com destaque para o subemprego e a vida em favelas e/ou periferias de pouca estrutura.

Menos de uma década depois da abertura política, na gestão da então petista Luiza Erundina, uma nordestina, na cidade de São Paulo, de 1989 a 1992, foi encontrada uma grande vala clandestina no Cemitério de Perus, onde corpos haviam sido enterrados nos anos anteriores sem identificação ou qualquer ritual. O achado se tornou assustador também por fazer o elo entre passado e presente – a já finada ditadura e os então dias atuais –, uma vez que uma parte dos corpos era de desaparecidos políticos dos anos 1970, mas outra era de corpos de indigentes, ou seja, mortos sobretudo pela fome e pela violência urbana. A melhor referência de fácil acesso que há sobre esse fato histórico se encontra no relatório produzido pelo site DHnet – Direitos Humanos na Internet: www.dhnet.org.br/dados/relatorios/dh/br/jglobal/redesocial/redesocial_2001/capi_avala.htm.

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O discurso do rap nacional é ao mesmo tempo neto, filho e irmão dos efeitos tanto da ditadura quanto do descaso. E, além de “responder” às conseqüências negativas da ditadura e do que se tornou a sociedade brasileira mesmo depois dela, nosso rap parece distinguir o “herói sem nenhum caráter” – como Leonardo, de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, Macunaíma, do livro homônimo de Mário de Andrade, ou ainda o “Gerson”, aquele que só quer se dar bem, “certo?” – do herói do tipo guerreiro, aquele que não fraqueja, nem no enfrentamento de situações adversas. Segundo a letra de “Vida Loka Parte II”, dos Racionais MCs, de 2002: o guerreiro de fé nunca gela / não agrada o injusto e não amarela / o rei dos reis foi traído e sangrou nessa terra / mas morrer como homem é o prêmio da guerra.

A canção faz referência a Jesus Cristo (“o rei dos reis”) e a São Dimas, o bandido que também foi crucificado e, arrependido pouco antes de sua morte, iluminou-se, tornou-se santo. Os Racionais parecem querer mostrar, com essa simbologia, que sempre é tempo de se arrepender do “querer levar vantagem sem escrúpulos” para se tornar de fato um herói: Aos 45 do segundo arrependido / salvo e perdoado é Dimas, o bandido / É loko o bagulho, arrepia na hora / Dimas, o primeiro vida loka da história. Os traços fundamentais do estereótipo do brasileiro, portanto, foram com o rap bem mais além do herói sem caráter.

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Andréa Márcia da Cruz Gobira Alves, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Federal da Bahia As contribuições do discurso intercultural para o repensar de crenças sobre o aprendizado da língua inglesa: Um estudo de caso sobre alunos cotistas da UFBA Orientadora: Denise Chaves de Menezes Scheyerl

A pesquisa a ser desenvolvida surgiu da necessidade e importância de se observar a influência de temas culturais e identitários na promoção de uma verdadeira reflexão acerca do aprendiz e suas crenças para o desenvolvimento de seu aprendizado da língua inglesa.

Tomando-se como base a possível interferência das crenças de aprendizagem de Língua Estrangeira em atividades desenvolvidas no contexto de sala de aula, o objetivo geral da pesquisa constitui em verificar e descrever a(s) contribuição (ões) da abordagem de temas interculturais em sala de aula para o repensar de crenças sobre o aprendizado da língua-alvo.

Os estudos desenvolvidos sobre crenças de aprendizagem desde a década de setenta, no início com mais intensidade na área de educação que na área de ensino de línguas, aumentaram consideravelmente nos anos 90 e trouxeram contribuições importantes para a compreensão da relação existente entre crenças de aprendizagem de alunos de língua estrangeira e suas práticas e discursos em sala de aula.

Em 1985, o termo ‘crenças’ sobre aprendizagem de línguas aparece, pela primeira vez, em Lingüística Aplicada. No Brasil, foi somente na década de 90 que o conceito se desenvolveu, passando a ser visto também como “uma das forças operantes no modelo de operação global do ensino de línguas capaz de influenciar todo o processo de aprendizagem de uma Língua Estrangeira” (ALMEIDA FILHO, 1993). Desde então, percebemos que esse conceito, bastante complexo em função da profusão de termos existentes para referi-lo, tem despertado o interesse em Lingüística Aplicada, por parte de um número cada vez maior de pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

Para Barcelos (2001, p.73) as crenças são definidas como idéias, opiniões e pressupostos que alunos e professores têm a respeito do processo ensino/aprendizagem de línguas, formulados a partir de suas próprias experiências. Sob o ponto de vista de Pagano (2001, apud SILVA, 2005, p.9), as crenças seriam “todos os pressupostos a partir dos quais o aprendiz constrói uma visão do que seja aprender e adquirir conhecimento”.

Diante disso, torna-se evidente que crenças nascem do resultado da interação do indivíduo com o contexto, bem como da sua capacidade de refletir e pensar sobre o que o cerca. Em face das diversas mudanças que cada ser humano vivencia, observa-se, atualmente, uma sociedade que passa por rápidas e drásticas transformações impostas por uma realidade historicamente construída. Assim, considerando-se que o mundo social é feito de indivíduos e os significados são construídos por eles, que interpretam e re-interpretam esse mundo à sua volta, de acordo com suas crenças, não se pode conceber que haja uma realidade única, mas várias realidades, nas quais o processo de aquisição de uma

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língua estrangeira também passa a ser visto por uma nova ótica, com diferentes interpretações.

Nesta perspectiva, é possível encontrar um forte aliado no ensino de uma língua estrangeira, hoje não mais limitado apenas à aplicação de métodos e à utilização de materiais didáticos, mas também embasado na proposta do discurso intercultural e na idéia de um sistema educacional capaz de proporcionar ao aprendente um posicionamento crítico para assumir seus diferentes papéis numa sociedade sempre em mudança. Ainda que tais mudanças requeiram processos de construção de novos conhecimentos que, certamente envolverão o repensar de antigos valores e crenças, e “pressupostos culturais sobre como aprender línguas” (BARCELOS, 1995, p. 40), a possibilidade de experimentar a vida de outros para além da vida local, é hoje, talvez, a grande contribuição do mundo contemporâneo e do aprendizado de uma língua estrangeira.

Reconhecendo assim, a importância da reflexão do aprendiz diante do seu processo de aquisição da língua inglesa, acreditamos que se o aluno compreende melhor as suas crenças e adotar um posicionamento crítico em relação a elas, ele poderá minimizar suas dificuldades e desenvolver ações mais positivas, na medida em que estará não só demonstrando entendimento de seus próprios sentimentos, valores e opiniões, mas também agindo sobre eles.

O interesse em estudar as contribuições do interculturalismo para o repensar das crenças trazidas pelos alunos cotistas para o contexto de sala de aula, surgiu da necessidade de se entender estas crenças como recursos de que os alunos lançam mão, por vezes inconscientemente, para dar sentido e lidar com contextos específicos de aprendizagem.

Assim sendo, há indícios de que podemos então encontrar no discurso intercultural, ferramentas que podem ajudar o aluno a re-interpretar suas experiências e a rever as suas próprias crenças a respeito do seu processo de aquisição da língua inglesa. O que implica em dizer que através da aplicação e discussão de atividades e textos voltados para uma consciência intercultral, aliados ao ensino dos aspectos linguísticos da língua, o aluno terá a possibilidade de construir um posicionamento crítico diante do seu próprio universo linguístico-cultural, e a sua concepção acerca do aprendizado da língua inglesa poderá então ser fortemente influenciada.

O discurso intercultural, ao proporcionar o desenvolvimento de habilidades que ajudam o aluno a chegar a conclusões que o leva a uma maior conscientização do seu próprio eu como ser intercultural, respeitando as diferenças, evitando-se julgamentos, generalizações, inferências e desenvolvendo o sentimento de tolerância em relação ao outro, ao que parece, este mesmo discurso poderá também contribuir de maneira decisiva para uma mudança de comportamento do aprendiz diante de suas próprias crenças e das crenças de seus interlocutores.

Ademais, a pesquisa visa a propiciar a um grupo de alunos cotistas da Universidade Federal da Bahia, bolsistas vinculados ao Núcleo de Extensão do Departamento de Letras Germânicas (NELG – UFBA), reflexões sobre a aprendizagem da língua inglesa, e a obter contribuições para professores de língua inglesa, mais especificadamente aqueles que desenvolvem trabalhos junto a esse programa. Por acreditar que “(...) as ciências sociais e as humanidades devam se transformar em terrenos para conversas críticas sobre a democracia, a raça, o gênero, a liberdade e a comunidade” (DENZIN e LINCOLN, 1998) e que, o trabalho do pesquisador deve se constituir em “um olhar” e “um perguntar” (ERICKSON, 1981), definimos a pesquisa desenvolvida, de natureza qualitativa de cunho interpretativista.

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Carla Gumieri Furlan, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A constituição da memória discursiva no desenho animado Os Simpsons Orientadora: Carmen Zink Bolognini

Refletimos, nesse trabalho, sobre a construção do imaginário do que é ser brasileiro e o que é o Brasil, assim como suas conseqüências, dentro da sala de aula de ensino/aprendizagem de Língua Inglesa (LI) como Língua Estrangeira (LE) para brasileiros. Para tal reflexão, analisamos o desenho animado Os Simpsons, focando-nos mais especificamente, no episódio em que tal família visita o Brasil (Blame it on Lisa). Visando a alcançar a historicidade, a discursividade em nosso objeto de estudo, além de nos apoiarmos nos estudos produzidos no âmbito da Lingüística Aplicada, apoiamo-nos, também, nas contribuições teóricas da Análise de Discurso (AD) tal qual proposta por Pêcheux, na França, e por Eni Orlandi, no Brasil. Metodologicamente, a AD, como coloca Orlandi (1987), traz a possibilidade de trabalharmos nosso objeto de estudo enquanto texto, sem que cada unidade que o compõe perca sua especificidade, além disso, este texto, na AD, como propõe Pêcheux (1969), é percebido enquanto unidade pragmática, ou seja, unidade que deve ser referida ao conjunto de discursos possíveis a partir de um estado definido de condições de produção, em cujo processo de significação entram elementos do contexto situacional. Para tal análise, sustentamos nossos estudos, metodologicamente, também no pressuposto epistemológico denominado paradigma indiciário, discutido por Ginzburg (1990). Este paradigma apresenta como ponto essencial a capacidade de trabalhar sobre os indícios, os sinais, como um instrumento que permite decifrar a opacidade ideológica da realidade, tornando possível, assim, “remontar uma realidade complexa não experimentável diretamente pelo homem a partir de dados aparentemente negligenciáveis” (Ginzburg, op.cit.:152). Em nosso trabalho, consideramos os indícios, aos quais o autor faz referência, na lingüística, como marcas na materialidade da linguagem, seja esta verbal ou não-verbal: cores, movimento das personagens na tela, gestos e a composição destas. Indícios importantes ao nosso trabalho como uma forma de apreender certos efeitos de sentido nos discursos do episódio do desenho animado em questão e não outros.

Uma questão primordial para nossa pesquisa é pensar o modo de funcionamento da Mídia televisiva, uma vez que nosso objeto de estudo circula através desse meio, e à partir do modo desse funcionamento refletimos sobre a construção das imagens / estereótipos do Brasil e do brasileiro. Orlandi (2004) coloca que se sobressaem duas características desse meio: a produção do efeito documental do testemunho, uma vez que se produz a sensação de estar presente, de olhar a distância o fato documentado como se presente nele e a produção do efeito de urgência, uma vez que ela instantaneiza os fatos, os fatos parecem sempre estar acontecendo no momento divulgado. Tais características desse meio, segundo Orlandi (op.cit.), colocam os sujeitos em uma situação paradoxal ao historicizar seu

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instrumento e, ao mesmo tempo, produzir o efeito de des-historização no espectador: este é subtraído de sua temporalidade, de sua história. Orlandi (op.cit:136), neste sentido, constata que a Mídia produz, através de seu funcionamento, a memória coletiva. Como explica a autora, todo dizer se produz na relação entre memória discursiva (interdiscurso) e formulação (intradiscurso), sendo que o primeiro é determinado pelo segundo, a TV, no entanto, funciona exclusivamente sob a formulação. Como conseqüência, uma formulação se estende sobre a outra, não atingindo o nível da constituição do sentido de modo que não se sai do mesmo. Sabemos que a memória na AD é o interdiscurso: o que foi e é dito sobre um determinado assunto, mas que ao longo do uso esquecemos. Esquecemos, segundo a autora, como foi dito, quem o disse e em que circunstâncias, ficando apenas o já-dito sobre o qual construímos nossos sentidos. Assim, a TV, continua a autora, trabalha para que o ‘conteúdo’ esteja sempre lá, bloqueando a historicidade e os deslocamentos dos sentidos, produzindo repetição sem memória, e, ao titubearmos à beira do sem-sentido, discursos disponíveis com seus conteúdos já-lá é o que nos vem a memória. Assim, o alcance de divulgação da TV que impressiona assim como a maneira que se dá a constituição de sentidos nesta, faz nos pensar na homogeneização de sentidos e, assim na constituição da memória coletiva. Esta forma de interdição dos sentidos, pela qual funciona a TV, constrói a memória embasada na impressão que sabemos de algo, no interdiscurso. A TV, como coloca Orlandi (2005), reduz a memória a uma sucessão de fatos com sentidos (dados) constituindo sujeitos quando, na realidade, o que se tem são fatos que reclamam sentidos.

Faz-se importante, assim, lembrarmos do silenciamento em relação à constituição de nossa brasilidade. O brasileiro, como coloca Orlandi (1990), assim como o Brasil, sempre foi falado por outros. Por discursos fundadores, como nos lembra a autora, que surgem por um processo simbólico, no qual, nem sempre é a razão que significa, mas o inconsciente e a ideologia. Assim não é a cultura ou história factual, mas a das lendas, dos mitos, da relação com a linguagem e com os sentidos que significam e constroem a identidade de um país e de seu povo através de uma ordem de discurso. No entanto, concretizam-se como espaços de identidade histórica: memória temporalizada, que se apresenta como legítima. Vale ainda ressaltar que os discursos fundadores irrompem no processo significativo de tal modo que pelo seu próprio surgir produz sua ‘memória’, temporaliza. Assim, ele sustenta o sentido que surge e se sustenta nele. Intervém no já-dito e produz uma memória, como todo discurso, instalando as condições de formação de outros discursos, como coloca Guimarães (2005.): a latência de futuro, filiando-se à sua própria possibilidade. A ruptura é possível por que segundo Pêcheux (1991) não há ritual sem falhas, sendo possível, assim, uma ruptura. Instauração de uma nova ordem de sentidos. O que caracteriza como fundador é que ele cria ma nova tradição, ele re-significa o que veio antes e institui aí uma memória outra. No entanto, percebemos tal deslocamento de sentidos através da televisão dificultado por, como coloca Orlandi (2005), esta ser múltipla em seus meios, mas produzir uma homogeneização de seus fins, fato que mostra a diferença entre produtividade e criatividade. No processo criativo, em relação à linguagem, haveria um investimento no mesmo que desloca, trabalhando o diferente, a ruptura; no processo produtivo, teríamos a variação do mesmo em série, não se sai do mesmo espaço dizível, se explora as múltiplas formas de apresentar este mesmo: como um instrumento marcado pela produtividade percebemos a TV como um lugar de interpretação extremamente eficaz. É este um dos pontos primordiais para nosso trabalho: haveria, em nosso material de estudo, deslocamentos em relação à representação da brasilidade?

Exemplo para análise:

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- Homer- Oh, that poor little boy. We got to find him. How many people live in Brasil? - Lisa- 150.000 people. - Homer: Ohh!!(horrorizado) - Bart- We ‘ve got to find him! (silêncio e cara de espanto da família) - Bart- What? I’m really concerned! (silêncio e cara de espanto da família) - Bart- Fine. I want to meet monkeys.

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Carmelice Aires Paim, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Adolescentes negros no Estado de São Paulo: Representação de si e construção de identidades Orientadora: Roxane Helena Rodrigues Rojo

Na fase atual da sua manifestação, as pesquisas em Lingüística Aplicada (doravante LA) vêm abrangendo contextos sociais e educacionais cada vez mais significativos, o que tem resultado na emergência de novos núcleos de interesse e produção investigativa. Sendo assim, os estudiosos da área propõe um modo de produção de conhecimento, mais comprometido com questões da vida social. Dentro dessa perspectiva, no contexto da alta modernidade, as discussões que enfatizam “o papel das trocas lingüísticas na constituição das identidades (de sexualidade, raça, gênero, etc), tem emergido como temáticas importantes [...]” (ROJO, 2008: p. 256) nas pesquisas desenvolvidas no campo dessa disciplina. Entretanto, tais estudos ainda não foram suficientes para mapear a diversidade de questões envolvendo as identidades no âmbito da globalização, uma vez que no contexto das transformações globais, os processos que envolvem a identidade passam a envolver também uma série de outras questões referentes à cultura, e às mudanças sociais de modo geral, a exemplo das alterações espaciais (grandes migrações) que tem ocorrido em várias regiões do mundo, provocando alterações que afetam simultaneamente o comportamento social e a cultura, levando o indivíduo a problematizar sua “relação consigo próprio ao mesmo tempo que com sua cultura e sua linhagem ”(Agier. 2001; 03).” Inserido neste universo teórico, o presente trabalho objetiva analisar os elementos formadores do discurso identitário dos adolescentes afrodescendentes de uma escola de pequeno porte, no interior paulista, buscando observar os referenciais etno-raciais utilizados por tais sujeitos no momento de construir posições de identidades. Vale lembrar que a identidade será aqui problematizada como uma noção complexa, não essencializada, pluri-dimensional e que mantém estreita relação, com a história, com a cultura, com a linguagem e com as experiências comuns ocorrentes na vida cotidiana; ao passo que, o termo etno-racial será utilizado com o sentido de uma “herança configurada em torno tanto das especificidades biológicas quanto das culturais, religiosas, dentre outras”. (Ferreira 2000, p. 68) compartilhada por um grupo particular. Partindo de tais perspectivas, a proposta investigativa ora apresentada, delineia-se como um objeto relevante para os estudos da LA, uma vez que, reafirma a importância da LA enquanto disciplina voltada para investigação e resolução de questões de ordem histórico-sociológica e favorece a ampliação das discussões em torno das questões sociais que envolvem a linguagem, enfatizando a posição desta como disciplina de natureza aplicada. Isso é possível, à medida que o objeto a ser focalizado nesta pesquisa, além de constituir-e como objeto complexo, que exige uma postura dialógica com outras disciplinas, (sociologia, história, geografia, antropologia), é também “um problema com relevância social suficiente para exigirem respostas teóricas

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que tragam ganhos às práticas sociais e a seus participantes, no sentido de uma melhor qualidade de vida [...]” (ROJO, 2008, p. 258). Um outro fator que a torna relevante o presente trabalho está no fato da linguagem, ter importância significativa nos processos de emergência e manutenção das identidades, considerando-se que as estas são fundamentalmente “o resultados de atos de criação lingüística” (SILVA, 2000, p. 77). Partindo dos pressupostos que reafirmam o contexto familiar como um locus de manutenção dos elementos culturais da população afrodescendente no Brasil, a investigação ora apresentada foi desenvolvida por meio de um estudo de caso, construído a partir de narrativas (história de vida) dos sujeitos entrevistados na pesquisa. Para tanto, utilizamos como elementos norteadores das nossas investigações, as seguintes questões de pesquisa: (1).Como os adolescentes negros brasileiros têm se posicionado frente as questões raciais que envolvem a pós-modernidade, visto que tais questões apontam tanto para a criação de identidades defensivas quanto para a fragmentação das paisagens culturais relativas a etnicidade? (2).Quais são os elementos étnicos, sociais e culturais, presentes nos discursos desses adolescentes, que podem afetar o processo de construção de suas identidades? (3).Quais são as posições assumidas por esses adolescentes diante dos fatos sociais inerentes ao seu grupo etno-racial? A metodologia de pesquisa é de cunho etnográfico, uma vez que não foi organizada “com o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses” (BOGDAN, 1994, p. 16) e se preocupa em focalizar a “percepção que os participantes têm da interação linguística e do contexto social em que estão envolvidos” (MOITA LOPES, 2003, p. 22). Os dados coletados abrangem um total de seis (06) horas de gravação dos depoimentos dos adolescentes. Como parte integrante dessa metodologia, foram utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: (a) atividades escritas; (b) entrevistas semi-dirigidas e; (c) gravações em áudio. Num procedimento dinâmico interacional, norteado por entrevistas semi-dirigidas, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas, buscamos traçar/apreender o modo como esses adolescentes representam a si mesmos ao construir as suas narrativas de vida. Priorizou-se tal modalidade de entrevista -também classificadas como “entrevistas em profundidade” ou ainda “entrevista de estrutura flexível” (BOGDAN, 1994, p. 17)-, considerando-se que o “caráter flexível desse tipo de abordagem permite aos sujeitos responderem de acordo com a perspectiva pessoal, em vez de terem que se moldar a questões previamente elaboradas” (BOGDAN, 1994, p. 17) e também devido importância da auto-narrativa no processo de construção das identidades pessoais, uma vez que, as narrativas, no que diz respeito ao processo organizacional do discurso, tem “um potencial de criar um sentido de nós mesmos ao permitir que negociemos e construamos nossas identidades sociais por meio dos eventos narrados” (MOITA LOPES, 2002, p. 143). A escolha da análise discursiva como parte fundamental da metodologia desta investigação se deu com base numa concepção que vê essa modalidade discursiva como importante instrumento para as pesquisas que focalizam o discurso como ponto fundamental na construção dos significados sociais e das identidades. A análise dos dados foi feita com uso de técnicas de análise discursiva, observando-se o modo como os sujeitos da pesquisa escreviam ou falavam sobre si, sobre o seu grupo etno-racial ou sobre outros grupos. Como complementação dessa técnica, foram utilizados aportes teóricos da literatura concernente às questões propostas nesta investigação. Assim, a narrativa de si foi tomada como um processo que se constitui como uma exploração dos elementos culturais e sociais sobre os quais os adolescentes negros constroem suas identidade, ao passo que, a ênfase metodológica foi direcionada para relação entre o sujeito, discurso e alta-modernidade.

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Chris Royes Schardosim, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Federal de Santa Catarina Pensando os processamentos linguístico e cognitivo da leitura Orientadora: Leonor Scliar Cabral

O projeto de pesquisa apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Linguíst ica na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestrado, tem por objet ivo estudar as dificuldades de compreensão leitora em alunos de 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola da rede pública de Florianópolis. Percebe-se escola um problema, apontado por professores e alunos, sobre a leitura: Não entendi o que está escrito? Não sei como contar isso; Não sei o que quer dizer; Os alunos não sabem fazer interpretação de texto. Esses questionamentos, que são constantemente feitos, denotam que os alunos não conseguem compreender o texto que lêem, nem elaborar a escrita de um texto coeso e coerente. Esses dados não partem apenas do senso comum, de uma visão empírica da realidade. Pesquisas recentes (PISA, 2000) apontam que apenas 57% dos alunos que completam o ensino médio conseguem atingir o nível pleno de alfabetização e que o Brasil tem uma das piores médias nos resultados de testes de leitura. Esses testes de leitura indicam que há sérias dificuldades em resgatar informações explícitas no texto, incompreensão de dados simples trazidos pelo texto e capacidade reduzida de estabelecer relações entre as ideias apontadas no texto lido e as inferências às quais o leitor pode chegar. Para entender essas questões, serão estudadas teorias sobre aspectos linguíst icos e cognitivos envolvidos no processamento da leitura a partir de teorias de Linguíst ica Textual, Linguíst ica Aplicada e Cognição. O estudo será conduzido através de pesquisa de t ipo intervencionista e experimental, onde serão feitas testagens de leituras com os alunos e intervenções nas estratégias de ensino-aprendizagem. Constata-se, pelo contato diário com os alunos em sala de aula e pelas pesquisas divulgadas, que os alunos têm dificuldades em compreender o que lêem e de fazer inferências. As testagens irão delimitar as principais dificuldades dos alunos e apontar caminhos para aplicar estratégias de leitura. As dificuldades dos alunos serão estudadas, após homogeneização dos grupos controle e experimental através do Questionário Psicossociolinguíst ico de Scliar-Cabral, com base em pré-testes de leitura, aplicação de estratégias de leitura que visam aprimorar a proficiência em leitura e pós-testes para verificar as diferenças de processamento no ato de ler entre os alunos que cujas estratégias foram aplicadas e os que não tiveram intervenções. Por isso nos propomos analisar as dificuldades em leitura apresentadas pelos alunos para fins de diagnóstico e consequente proposta intervencionista de ensino de leitura, baseados na linguíst ica aplicada e na psicolinguística. Dentre as habilidades envolvidas na leitura estão a decodificação, os processos ascendentes, descendentes e em paralelo, a retomada de referentes, os articuladores textuais e a inferenciação.

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Serão analisadas cada uma dessas capacidades, tendo em vista os aspectos linguísticos e cognitivos envolvidos no processo. O trabalho de campo, de coleta de dados será realizado ao longo do ano let ivo de 2010. Em 2009 está ocorrendo a revisão de literatura, o levantamento do quadro teórico que servirá de base para a elaboração das estratégias e das intervenções. Até o presente momento, as teorias analisadas foram Van Dijk (1978), Street (1984), Charolles (1987), Soares (1992), Barton (1994), Kleiman (1995), Leffa (1996), Terzi (1997), Britto (1997). Esses diferentes autores tratam, resumidamente, de macro e microestrutura, progressão referencial, referenciação e retomada de referentes, esquemas cognitivos de leitura, condições do ensino no Brasil, proficiência de leitura, letramento e inferenciação; temas essenciais à pesquisa. Trata-se a leitura como se fosse uma tarefa simples, onde bastaria o domínio do código para ter-se proficiência na leitura, aqui entendida como a capacidade de ler sem auxílio de um mediador, compreendendo o texto, estabelecendo relações, recuperando as referências (Charolles, 1987) e fazendo inferências. Essas diversas habilidades e capacidades cognitivas que o processo de ler envolve devem ser desenvolvidas e orientadas por um mediador (professor) de maneira a tornar o aluno um leitor independente. Para isso as aulas de leitura devem ser assentadas em teoria sobre leitura, para elaborar estratégias que auxiliem os alunos a compreender, atribuir sentidos e inferir. Deve-se pensar nas perguntas que devem ser feitas para mediar o processo de construção de sentido, as informações que o aluno deve localizar para entender o texto, as relações que deve estabelecer para apropriar-se dele. A leitura envolve um processo criativo, onde o leitor torna-se autor ao construir o sentido. Para tal, ele tem que passar por vários passos, da pré-leitura à leitura, atribuindo a significação básica a cada palavra reconhecida no texto, articulando os sentidos das palavras nas frases nominais e verbais, nas cláusulas e parágrafos. A coerência ocorre na pré-leitura, quando o leitor acessa e ativa o esquema cognitivo conforme o gênero textual, e decorre da construção de sentido na leitura. É imprescindível que a escola torne esse aluno um leitor proficiente, capaz de ler sozinho, garantindo “a todos o acesso à escrita e aos discursos que se organizam a partir dela” (Britto, 1997, p. 176). Para isso são necessárias situações de uso da leitura, vivenciar seu uso, mediar a vida pelo texto. É necessário entender como esses processos funcionam e como o cérebro vai aos poucos criando conexões entre os saberes e construindo o conhecimento. Um aprendizado não é estanque, ele é um constructo de vários processos, onde se estabelecem relações, sendo necessário um ambiente propício que possibilite o avanço, por exemplo, de retroalimentações múltiplas, até que se dê o processo. Como exposto anteriormente, o projeto está na etapa de levantamento do quadro teórico. Para a dissertação espera-se apresentar a teoria analisada, descrever e analisar os dados levantados, delinear os testes e as estratégias de leitura e, conforme o sucesso da intervenção, postular uma metodologia de ensino de leitura.

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Claudiomiro Vieira-Silva, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Currículo e ensino de língua portuguesa no Paraná: O percurso de uma história Orientadora: Roxane Helena Rodrigues Rojo

Este texto visa a apresentar um panorama geral de nossa pesquisa para a tese de doutoramento, destacando o tema, os objetivos, o quadro teórico e a metodologia adotados em seu desenvolvimento e também demonstrar, especificamente, para a apresentação neste seminário (SETA), o estado atual de desenvolvimento de nossa investigação. Vamos, portanto, à explanação:

Com uma filosofia de formação continuada que pretende superar as formas tradicionais de capacitação de professores até então desenvolvidas, a partir de 2003, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED/PR) instituiu uma nova proposta de capacitação para seus professores: a autocapacitação por meio da produção, de forma colaborativa, de material didático-pedagógico. Esta política de valorização e formação continuada dos professores tem por fundamento a parceria entre o Ensino Superior e a Educação Básica na construção de estratégias e de material didático que intervenham positivamente na formação dos professores, por meio da pesquisa, e na construção de saberes significativos a serem desenvolvidos em sala de aula na educação básica.

Na intenção de estudar, discutir e analisar essa política de formação continuada e, consequentemente, a tentativa de melhoria no ensino de Língua Portuguesa na Educação Básica, propomo-nos a investigar como a produção de material didático pode se configurar em um espaço de formação continuada e de valorização dos professores da Educação Básica e, ao mesmo tempo, compreender como a relação entre as teorias, os saberes e as experiências do professor se manifesta no material didático produzido.

Para isso, nossos objetivos, geral e específicos, estão assim organizados, respectivamente: geral: analisar relatos, entrevistas e materiais didáticos produzidos por professores de Língua Portuguesa (LP) da rede pública estadual do Paraná que participaram do curso de formação continuada – Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)– no biênio 2007/2008, discutindo a contribuição da experiência de produção de material didático no processo de formação continuada do professor de LP e na compreensão das relações entre as teorias, os saberes e as experiências no ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa; específicos: i) analisar, no material didático produzido, nas entrevistas e nos relatos, indícios da relação entre a teoria e a prática na formação de professores de LP; ii) identificar se o corpus apresenta indícios que caracterizam o professor produtor como um “professor-autor” de conhecimentos e dos saberes a serem transpostos em sala de aula de LP; iii) analisar as escolhas e a organização dos temas de língua/linguagem transpostos no material didático produzido pelos professores; iv) investigar que vozes aparecem no enfoque e na organização dos temas de língua/linguagem presente no material produzido.

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A partir desses objetivos, as perguntas de pesquisa que pretendemos responder são as seguintes: 1. Qual a contribuição desse tipo de curso e atividade (produção de material didático) para a formação do professor de Língua Portuguesa?; 2. Como a experiência da produção de material didático repercutiu na formação do professor-autor de LP?; 3. Que indícios presentes no material produzido, nas entrevistas e nos relatos apontam para a relação entre a teoria e prática na formação continuada de professores de LP?; 4. Que indícios, depreendidos do corpus de análise, caracterizam o professor produtor como um “professor-autor”? Como esses indícios se manifestam?; 5. Quais características presentes no corpus de análise demonstram as escolhas – teóricas, metodológicas, ideológicas – do professor produtor sobre os temas de língua/linguagem escolhidos para serem transpostas?; 6. Que vozes aparecem no enfoque e na organização dos temas de língua/linguagem presente no material produzido? Como essas vozes se manifestam?

Esta pesquisa centrada na área da LA, especificamente no ramo da formação do professor de LM, seguirá abordagens metodológicas que são próprias do paradigma qualitativo e interpretativo, já apontado por pesquisadores como Moita Lopes (1996), Cavalcanti e Moita Lopes (1991), Kleimam (2001), Celani (2002), entre outros. A trajetória de investigação percorre a análise de um corpus composto por dois conjuntos de textos: 1º - um conjunto de quatorze unidades didáticas produzidas por professores; 2º - um conjunto de textos escritos e orais resultantes de relatos e de entrevistas realizadas com quatorze professores (autores das unidades didáticas a serem analisadas) que participaram do curso no biênio 2007/2008. Pretendemos trabalhar com material de LP colhido junto a dois professores que realizaram o curso (PDE) em cada uma das sete universidades públicas do estado do Paraná (duas federais e cinco estaduais). Assim totalizaríamos um número de quatorze unidades didáticas, quatorze entrevistas e quatorze relatos. Com o relato pretendemos identificar a trajetória profissional dos professores e como foi para eles o processo de formação, voltar à universidade para estudar, pesquisar e produzir o material didático; com as entrevistas queremos identificar e compreender como o professor estabeleceu a relação entre a teoria e a prática na produção do material, bem como identificar os motivos que o levou a escolher determinados objetos e metodologia de ensino para comporem suas unidades didáticas; com o material didático pretendemos identificar as vozes sociais que permeiam a escolha e a organização dos objetos transpostos.

As análises pretendidas terão como princípio teórico norteador, referenciais que giram em torno de: i) formação de professores. Ao analisarmos a produção do professor, procuraremos demonstrar traços que valorizem o trabalho do professor como autor dos saberes a serem transpostos à sala de aula. Essa reflexão será embasada em discussões que abordem a questão da formação e do letramento do professor e terá, em princípio, respaldo em: Andrade (2004), Celani (2002), Kleiman (2000, 2001), Magalhães (2001), Nóvoa (1992) Nunes (2001), Rojo (2001, 2006[2000], 2008) Signorini (2000, 2006), Tardif (1991, 2000); ii) professor-autor. A noção de professor-autor será estabelecida a partir de indícios de singularidade discursiva, da criatividade e da capacidade do professor produtor em “orquestrar” as diferentes vozes sobre as concepções de língua/linguagem e de ensino de LP com a prática/experiência de sala de aula. Nessa discussão, definiremos a noção de autoria (professor-autor) nos valendo da teoria de Bakhtin (1992[1920/1924], 1988[1924]), das discussões de Alves Filho (2005), Authier-Revuz (1998), Fiad (1997) e Possenti (1988, 2001, 2002a, 2002b); iii) apreciação valorativa. Para analisarmos, no discurso dos professores e no material produzido, o que motivou as escolhas e a organização dos

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objetos/temas transpostos no material didático utilizaremos das teorizações de apreciação de valor de Bakhtin/Volochínov (1995 [1929]).

Para a apresentação nesta edição do SETA, pretendemos demonstrar e discutir – o primeiro capítulo de nossa tese - parte da história do currículo e do ensino de LP no Paraná, desde o seu surgimento, em 1846, até nossos dias. Para isso, demonstraremos, brevemente, o levantamento de dados e as análises prévias dos currículos que organizaram e organizam o ensino de LP nas escolas do estado, procurando destacar as vozes sociais, as forças centrípetas e centrífugas que regem a construções dos currículos ao longo desse período. Nesse sentido, destacaremos, por um lado, a imposição e as forças externas (teorias, ideologias políticas, sistemas governamentais, etc.) à escola que “forçam” um ensino de LP centrado na unificação e na tentativa de igualar os conceitos estruturais, no repasse de regras de língua/linguagem e na universalização das realidades. Por outro lado, jogaremos luz para movimentos de elaboração de currículos de LP que procuram “dar voz” aos professores, valorizando-os como partícipes do processo de discussão e de construção dos currículos. Essa discussão se embasa em: Petitat (1994), Soares (2002), Silva (2001), Bakhtin/Volochínov (1995[1929]), Coll (1992), Razzini (2000), Rojo (2001, 2006, 2008), Geraldi (1984).

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Denise Souza Rodrigues Gasparini, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Língua Materna, Língua Estrangeira e Psicanálise Orientadora: Maria Rita Salzano Moraes

O presente trabalho pretende oferecer uma reflexão teórica que contribua para a discussão da Lingüística Aplicada no que ser refere ao ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras e, para tal, se propõe a discutir a relação destes idiomas com a língua tida como materna para um falante, analisando os efeitos que esta, enquanto constitutiva do sujeito de linguagem, pode ter no processo de aprendizagem daquela.

Filiada ao arcabouço teórico da psicanálise, nesta pesquisa pretendo situar a língua materna e a língua estrangeira frente a este campo de conhecimento, indicando alguns dos deslocamentos que estes termos recebem ao serem abordados ante as hipóteses de haver inconsciente e um sujeito a ele atrelado e de este inconsciente ser estruturado como uma linguagem: isto é, obedecendo as mesmas leis de funcionamento daquela, as leis do significante, conforme o ensino de Jacques Lacan (Cf. Lacan, 1985).

A relação entre a língua materna e a língua estrangeira, quando consideradas sob o ponto de vista da teoria psicanalítica, torna-se essencial e indissociável, tendo em vista que a primeira é tomada por esta corrente como a responsável pela tessitura do psiquismo do sujeito e como a entrada no campo simbólico que possibilita o encontro com qualquer outro idioma. Mais que isso, de acordo com a teoria psicanalítica não há nada para o ser humano fora da linguagem, encarnada na língua materna, sendo esta a responsável por construir e organizar para ele tudo o que é da ordem de sua realidade.

Levando em conta, então, que a constituição do sujeito por linguagem, esta presentificada em sua língua primeva, ocorre de maneira única em cada um: Lacan afirma que cada sujeito é responsável por tecer seu nó (Cf. Seminário 21, inédito), e que é esta língua, com seus traços singulares, que abre os caminhos para os demais idiomas, proponho considerarmos que, tanto quanto a língua da primeira infância, o idioma estrangeiro também é acolhido por cada sujeito de maneira totalmente particular. Moraes salienta este mesmo ponto ao apontar que graças à “anterioridade lógica da inscrição da linguagem no sujeito, cada um se encontra na Língua Estrangeira de maneira única, a sua” (p. 01).

Tendo em vista esta dependência do idioma estrangeiro em relação à língua materna do sujeito, pretendo com este trabalho, acompanhando a sugestão de Christine Revuz (2002), “contribuir na compreensão daquilo que se põe em movimento para cada sujeito dado, ao enfrentar uma segunda língua chamada estrangeira” (p. 216). Para tal, parto da hipótese que prevê que o que se reposiciona aí, diante do idioma outro, são marcas mais originais e íntimas do sujeito, suas inscrições mais pessoais, as que lhe são até mesmo desconhecidas, mas nem por isso deixam de ser determinantes. Tais marcas são traçadas pelas palavras e pelos sons da língua materna, matéria significante para o sujeito, e também pelos afetos neles impregnados.

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Como, então, considerar que o encontro do sujeito com um outro idioma, encontro este disposto a romper e/ou abalar as estruturas constitutivas, pode ser anódino? Seja para o sujeito que se rejubila com o contato com a língua estrangeira, seja para aquele que sofre com o embate travado em seu aprendizado, algo se coloca em movimento, algo se desloca e oferece conseqüências. São estes efeitos, alegria ou pavor, que nos interessam compreender.

As salas de aula de idiomas, quer em escolas regulares (públicas ou privadas) quer em institutos de idiomas, estão repletas destas situações tão diversas em relação ao encontro com o idioma estrangeiro: em um mesmo ambiente, com o mesmo professor e as mesmas abordagens, técnicas, atividades, enfim, com o mesmo trabalho em relação à língua estrangeira, alguns alunos se destacam por rapidamente se apropriarem da nova língua, utilizando-se dela de forma criativa e desembaraçada, enquanto outros se mostram refratários a esse aprendizado, em constante desconforto diante da nova aquisição lingüística. Isso se deve às “diferenças muito nítidas entre uma pessoa e outra” (idem: 214), às experiências impares do sujeito com sua própria língua e à sua constituição, pelo idioma materno.

Em Melman (1992: 31) encontramos o apontamento de que a diferença entre as línguas materna e estrangeira se situa, para o sujeito de linguagem, em um plano afetivo. Revuz (2002: 229) indica a língua materna como podendo ser, para tantos, aquela que persegue e coage, e é como que confrontados com a negatividade implicada nestes significantes2 que determinados sujeitos se posicionam em relação a ela. O contato com a língua estrangeira para estes, que sofrem com os efeitos de sua língua primeira, será jubiloso, nela eles imaginariamente se verão capazes de falar sobre si e sobre sua subjetividade de uma maneira que sua língua da primeira infância jamais permitiu.

Aos que se situam no outro extremo desta situação, aqueles que têm em sua língua materna a suposição do porto seguro de termos, expressões, sentidos e afetos a ela circunscritos, oferecendo ao sujeito a ilusão de poder falar tudo sobre seu desejo, com autoridade, em primeira pessoa, o embate com a língua estrangeira é de outra ordem. A aproximação com a língua estrangeira se configura como ameaça de ruptura com o tudo o que a língua primeira representa, e este aprendiz se sente ameaçado nesta situação e tende a evitar as situações de contato e confronto com tal idioma ou mesmo a boicotar, inconscientemente, seu aprendizado.

Diante de tais perspectivas, colocam-se, ainda, duas questões das mais importantes aos envolvidos no trabalho com o ensino de línguas estrangeira: A primeira diz respeito à abordagens e método de ensino: O que dizer a eles frente a hipótese do sujeito ser constituído por linguagem e ter um encontro singular, somente seu, com a língua estrangeira?

A segunda, fruto do meu embaraço diante de todas estas questões, convoca os professores de idiomas: Basta afirmar que é a modalidade de inscrição e a constituição do sujeito por/em sua língua materna são as únicas responsáveis pelo sucesso ou fracasso do aprendiz, eximindo-se, assim de qualquer responsabilidade?

São questões ainda sem resposta e estas, talvez, jamais surjam. O importante, porém, é que elas abrem espaço para a reflexão e discussão acerca da língua estrangeira e de seu ensino e aprendizagem.

2 Indico algumas das definições dicionarizadas destes termos para destacar suas significações usualmente negativas: Perseguir – Seguir ou procurar alguém por toda a parte com freqüência e importunidade / Procurar fazer a alguém todo o mal possível / Molestar, fatigar / Importunar. Coagir - Constranger, forçar pela lei ou pela violência (Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa – Cf. bibliografia).

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Elaine Botelho Corte Fernandes, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Um estudo sobre práticas de numeramento-letramento de surdos: Investigando questões de lingua(gem), cultura(s) e identidade(s) Orientadora: Marilda do Couto Cavalcanti

Sabemos que já há algum tempo as discussões sobre Educação Especial acontecem na academia e nos encontros, congressos e demais eventos por ela promovidos e, conseqüentemente, tais discussões invadem as produções acadêmicas de alguns pesquisadores. Também a mídia, de um modo geral, dedica algum espaço ao tratamento de questões ligadas aos chamados “deficientes” ou ainda, aos denominados “portadores de necessidades educativas especiais”. Desse modo, parece que a existência de pessoas que, até então, eram invisibilizadas, começa a ser percebida pela sociedade mais ampla e deixa de ser algo restrito aos espaços acadêmicos. Contudo, muitos entraves ainda podem ser facilmente encontrados quando focamos a educação de tais pessoas, indicando a existência de uma infinidade de fatores que necessitam ser (re) descobertos, (re) discutidos e (re) pensados. Vale mencionar que o próprio momento sócio-histórico atual no qual, ações governamentais decorrentes das pressões exercidas por determinados grupos em favor de certos interesses ligados à pessoa surda – como a criação da lei federal 10.436 de 24 de Abril de 2002 na qual ocorre a oficialização da LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) ou a promulgação do Decreto 5.626 de 22 de Dezembro de 2005 que trata da obrigatoriedade da inserção de disciplinas relacionadas à LIBRAS nos cursos de formação de professores – são imagem e reflexo do próprio momento oportuno no qual a surdez ganha maior destaque. Entretanto, uma maior visibilidade não significa uma educação de melhor qualidade para tais pessoas. Assim, diante das inúmeras possibilidades que se apresentam, este trabalho se refere ao tema “surdez” e pretende discutir a participação de surdos em práticas de numeramento-letramento, ou seja, a participação de pessoas surdas em práticas sociais que envolvem a leitura, a escrita e os conhecimentos matemáticos. De um modo geral, pretende-se com esse estudo conhecer melhor aquilo que se refere à pessoa surda e aos seus processos de aprendizagem, pensando principalmente no que se refere à Educação Matemática. Considerando aspectos lingüísticos, pedagógicos, políticos e sociais, o trabalho parte de uma discussão teórica que abriga conceitos como culturas, línguas/linguagens, identidades e representações. O trabalho fundamenta-se ainda em pressupostos teóricos que consubstanciam: o letramento, o numeramento, a Etnomatemática, e as questões sobre bilingüismos e contextos de minorias. Buscando compreender os significados que os próprios participantes da pesquisa apresentam dos fenômenos estudados, o trabalho segue uma abordagem qualitativa com base nas idéias de Erickson (1984, 1989). O interesse pela pesquisa decorre de uma experiência profissional de oito anos enquanto professora de matemática e física da rede estadual de ensino de São Paulo, o que possibilitou a constatação de que grande parte dos professores de tal rede

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ainda continua alheia às discussões sobre essa temática. O interesse pela pesquisa também advém de inquietações suscitadas em dois cursos de especialização – em Educação Especial e em Educação de Surdos – e ainda, dos próprios resultados da Dissertação de Mestrado. O estudo torna-se relevante devido à preocupação com a escassez de trabalhos envolvendo o tema, visto que os conhecimentos matemáticos são pouco tomados como objeto de discussão no campo da Educação Especial, sobretudo, no campo da Surdez, onde a prática pedagógica parece indicar que a elaboração da escrita e da leitura transforma-se na maior preocupação em detrimento da matemática que é relegada a segundo plano. Entretanto, acreditamos que as práticas de letramento e as práticas de numeramento estão entrelaçadas e por essa razão, ambas necessitam ser investigadas. Insistimos em dizer que é indispensável a análise das práticas referentes aos conhecimentos matemáticos de pessoas surdas e, ainda, o questionamento de representações que remetem tanto ao sucesso quanto ao fracasso de pessoas surdas na disciplina Matemática. Não é segredo que a atual legislação brasileira sugere o atendimento preferencial de surdos na rede regular de ensino na chamada “inclusão”, contudo, muitos surdos são recebidos também por “escolas especiais”, principalmente, nas séries iniciais. Entretanto, existem ainda outras instituições não-escolares que também desenvolvem atividades educativas com os surdos, visando uma melhor inserção destes na sociedade. Sem enumerar as vantagens e desvantagens de cada uma dessas três realidades, por não ser esse o objetivo do trabalho, mas, ao mesmo tempo, sem negar a importância de se conhecê-las, enfatiza-se que o presente estudo focará, principalmente, a análise de algumas práticas realizadas em um contexto escolar específico no qual a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a língua de comunicação e instrução, ao qual denominaremos “contexto de Educação Bilíngüe”, visto que o mesmo é perpassado ainda pela língua oficial do Brasil, ou seja, o Português. Contudo, é preciso lembrar que outras línguas/linguagens também se fazem presentes nesse contexto onde jovens e adultos surdos de diferentes séries buscam apoio para a realização de suas tarefas escolares nas diversas disciplinas. Vale ressaltar que, não pode ser excluída, momentaneamente, a possibilidade de um direcionamento para outras práticas desenvolvidas no exterior da instituição escolar, pela consideração de que o “aprender” não ocorre somente na escola e de que, mesmo em contextos não-escolares, os surdos entram em contato com os mais variados tipos de conhecimentos e, em especial, os conhecimentos matemáticos. Podemos dizer que o presente trabalho focará inicialmente as formas de participação de jovens e adultos surdos em práticas de numeramento-letramento em um espaço específico de uma instituição escolar, podendo ainda ser expandido para as práticas dos surdos em outros contextos, com o objetivo de analisar alguns dos significados produzidos pelos surdos e por seus interlocutores, no que se refere à escola, à aprendizagem, à matemática e à própria surdez, para que assim seja possível iniciar uma reflexão sobre a Educação Matemática dos mesmos. Enfim, deseja-se com essa pesquisa apresentar uma contribuição aos cursos de formação de professores (em especial, as Licenciaturas em Matemática), abordando questões ainda não muito comuns em tais cenários, com o apontamento de alguns possíveis direcionamentos, promovendo visibilização e reconhecimento desses “outros”, tentando estabelecer discussões que considerem as relações de poder presentes no processo de numeramento-letramento de pessoas surdas.

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Eliana Kobayashi, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Considerações sobre o processo avaliativo em língua inglesa em um contexto empresarial Orientadora: Matilde Scaramucci

A importância da língua inglesa na sociedade atual parece ser uma questão bem aceita diante da necessidade que as pessoas possuem em utilizá-la de diferentes formas no dia a dia, dependendo de seus papéis sociais e faixas etárias. Essa situação tornou-se ainda mais evidente com o processo de globalização que afetou o mercado de trabalho brasileiro. Como conseqüência, as empresas têm estabelecido entre os seus critérios de seleção profissional, a avaliação em língua inglesa dos candidatos que, por sua vez, buscam preparar-se para enfrentar testes e entrevistas em inglês para atender tais expectativas. Entretanto, esses processos seletivos não apresentam contornos bem definidos, visto que questões como quais tipos de testes são utilizados, habilidades lingüísticas avaliadas e critérios de correção são algumas das dúvidas que muitos candidatos possuem. Este estudo tem como objetivo investigar esses e outros aspectos fundamentais para a compreensão do processo avaliativo conduzido em uma empresa. Entre eles estão as visões de proficiência e de linguagem existentes, a questão da validade de construto dos testes aplicados, a análise de uso da língua e os momentos de uso da avaliação. De acordo com Scaramucci (2000), o termo proficiência tem sido usado de duas formas: não técnica e técnica. A primeira indica conhecimento, domínio, habilidade e, quando relacionado à segunda língua ou língua estrangeira, as pessoas geralmente cometem julgamentos impressionistas, tendo como referência o controle operacional do falante nativo ideal. Dessa forma, a proficiência parece ser vista como um conceito absoluto, ou seja, uma pessoa é ou não é proficiente. Para a autora, na forma técnica, a proficiência é um conceito relativo que considera a especificidade do uso futuro da língua. Portanto, haveria uma gradação com níveis conforme a situação específica para qual um teste foi proposto. Além disso, um dos principais aspectos da avaliação é a sua validade, um conceito que passou por reformulações e que hoje é visto como um conceito unitário. De acordo com Bachman (2000), a validade é um argumento em relação à interpretação de um teste e seu uso, sendo que a validade de construto funcionaria como um guarda chuva abrangendo a validade de conteúdo, correlação, assim como as conseqüências de uso de um teste.Quanto a sua metodologia, esta investigação pode ser classificada como um estudo de caso de natureza qualitativa, pois propomos a coleta sistemática de dados em uma empresa para a compreensão de suas ações no presente com o propósito de contribuir para suas ações futuras. Dentre as seis vantagens do estudo de caso apresentadas por Alderman et al (1976), duas são consideradas como principais neste estudo. A primeira está relacionada com a sua forte ligação com a realidade, que atrairia os envolvidos na pesquisa por meio da identificação com os problemas levantados, e a segunda é a possibilidade do surgimento de

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idéias produzidas pelos estudos de caso que podem ser utilizadas para o desenvolvimento de funcionários, avaliação formativa e políticas educacionais. Para a coleta de dados foram utilizados questionários distribuídos aos funcionários, entrevistas com os profissionais envolvidos nos processos seletivos, além da análise de outros materiais institucionais da empresa. Consideramos também que neste estudo a triangulação, mais especificamente de fontes e métodos, possui um papel fundamental para a validade da análise a ser realizada. Os resultados iniciais demonstram a existência de vários instrumentos de avaliação utilizados pela empresa, como teste escrito e entrevista oral em processos seletivos, além dos testes escritos e orais aplicados no curso de inglês subsidiado pela empresa para seus funcionários. Além disso, foi identificado um descompasso entre os objetivos de uso da língua estabelecidos pela empresa e os tipos de testes adotados. Pelas características do contexto estudado, defendemos a avaliação de desempenho (Mcnamara, 1996) como a forma mais adequada de medir capacidade de uso da língua inglesa. De acordo com o autor, há duas diferenças básicas entre esse tipo de avaliação e a avaliação tradicional, que é baseada em uma visão de linguagem estruturalista e que busca medir o conhecimento da língua. A primeira é que o candidato deve realmente desempenhar uma atividade pela qual será avaliado, e a segunda é a existência de um processo de análise de tal desempenho. Devido as especificidade das situações de uso da língua dentro da empresa, argumentamos a favor da avaliação para propósitos específicos, conforme as duas principais razões levantadas por Douglas (2000). Segundo o autor, os desempenhos lingüísticos variam conforme contexto e tarefas do teste e, portanto, um teste deve envolver o candidato em tarefas em que sua proficiência e conhecimento da área interajam com o conteúdo do teste. A segunda razão é a de que a linguagem técnica possui características que as pessoas que atuam em determinados campos como acadêmico ou profissional, devem dominar, pois permitem uma comunicação mais precisa. Esperamos que este estudo possa contribuir para a compreensão de alguns dos vários aspectos envolvidos em processos de avaliação em língua inglesa, trazendo colaborações principalmente para as empresas e profissionais que atuam em processos seletivos.

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Elias Ribeiro da Silva, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Exames de proficiência em língua inglesa e política linguística no Brasil Orientadora: Matilde Virgínia Ricardi Scaramucci

Nos últimos anos, vem-se verificando um crescente interesse por questões de política linguística (language policy) entre os pesquisadores de diferentes áreas das Ciências Humanas, particularmente entre aqueles envolvidos com o ensino/aprendizagem de línguas. Para Rajagopalan (2008), isso se deve, principalmente, a dois fatores: o enfraquecimento das fronteiras nacionais desencadeado pela globalização e a expansão internacional da língua inglesa, fenômeno que, para muitos autores, ameaça a sobrevivência de línguas minoritárias em diferentes países.

Esta comunicação integra uma pesquisa de doutorado na área de Linguística Aplicada, cujo objetivo principal é discutir a política linguística da língua inglesa em vigor na sociedade brasileira contemporânea. Parte-se do pressuposto que existe uma política linguística da língua inglesa em funcionamento no Brasil e que os “processos” relacionados ao ensino/aprendizagem dessa língua (o ensino de inglês na Rede Oficial de Ensino e em Institutos de Idiomas; a produção e/ou importação de materiais didáticos para esse ensino; a implementação de exames de proficiência nessa língua; entre outros) integram essa política.

Assume-se que essa política é disseminada e (re)afirmada na estrutura social por meio de mecanismos de política lingüística (SHOHAMY, 2006). Nessa pesquisa, focalizam-se, particularmente, aqueles mecanismos que integram a chamada política linguística educacional (Educational Language Polícy), isto é, os mecanismos de política linguística que estão diretamente relacionados à Educação Linguística. São eles: 1) a legislação educacional brasileira relativa ao ensino/aprendizagem de língua estrangeira; 2) livros didáticos de inglês produzidos por autores brasileiros e utilizados em escolas da Rede Pública de Ensino; e 3) o vestibular e exames internacionais de proficiência em língua inglesa. Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa documental de caráter qualitativo.

Nesta comunicação, objetiva-se, especificamente, discutir o papel desempenhado pelo vestibular e por exames de proficiência em língua inglesa (como, por exemplo, TOEFL e IELTs) na política linguística da língua inglesa em vigor no Brasil. Em outras palavras, discute-se como esses exames de proficiência, dentro de suas especificidades, atuam como mecanismos da política linguística brasileira da língua inglesa. Assumir que a avaliação de línguas (language testing) é um instrumento de política linguística implica uma concepção ampliada de política linguística, a qual será delineada a seguir.

Segundo Calvet (2007, p. 11), deve-se entender a política linguística como “a determinação das grandes decisões referentes às relações entre as línguas e a sociedade” enquanto a implementação de uma política linguística recebe o nome de planejamento linguístico (language planning). Spolsky (2004), por sua vez, denomina a manipulação intencional da língua de gerenciamento linguístico (language management). Pode-se

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afirmar, a partir desses dois autores, que a política linguística, tradicionalmente, refere-se à intervenção consciente de um agente em uma língua ou contexto linguístico.

A política linguística, entretanto, também pode existir independentemente de um grupo (de um agente) que a promova. Na realidade, ações oficiais no sentido de promover ou denegrir uma língua podem não funcionar ou funcionar no sentido contrário ao pretendido. A esse respeito, Spolsky afirma que “[...] a política linguística existe mesmo onde ela não foi explicitada ou estabelecida oficialmente. Muitos países, instituições e grupos sociais não têm políticas linguísticas formais de maneira que a natureza de sua política linguística deve ser derivada a partir do estudo de suas práticas e crenças linguísticas. Mesmo onde há uma política linguística formal, seu efeito nas práticas linguísticas não é garantido nem consistente” (SPOLSKY, 2004, p. 08).

Em países em que não há uma política linguística oficial (em sentido forte), como é o caso brasileiro relativamente às línguas estrangeiras, a descrição da política linguística da comunidade torna-se muito mais complexa. Para Spolsky (2004) e Shohamy (2006), deve-se focalizar, nesses contextos, as práticas linguísticas (language practices) e as crenças sobre a(as) língua(s) (language beliefs) para descrever a “real” política linguística da comunidade. Como se pode observar, o foco, nessa concepção ampliada de política linguística, desloca-se do texto legislativo para a vida social.

As práticas sociais e as crenças (ou mitos) relacionadas à língua(gem) ocupam um lugar central no modelo de política linguística proposto por Spolsky (2004) e Shohamy (2006), uma vez que, para esses autores, as crenças levam à constituição de uma “ideologia consensual”, o que pode levar à atribuição de valor positivo e prestígio a uma língua e a determinados usos linguísticos. Nessa direção, Spolsky afirma que “essas crenças derivam das práticas e, ao mesmo tempo, as influenciam” e que a “ideologia linguística ou crenças designa o consenso de uma comunidade discursiva acerca do valor a ser atribuído a cada uma das variantes ou variedades linguísticas que compõem seu repertório” (SPOLSKY, 2004, p. 14). Na descrição de uma política linguística, é importante considerar, então, a conjuntura mais ampla na qual ela se desenvolve.

O modelo de política linguística proposto por Spolsky (2004) apresenta três componentes principais: crenças (beliefs), práticas (practices) e gerenciamento (management). As crenças se referem às ideologias sobre a língua(gem) que subjazem à política, enquanto as práticas linguísticas se relacionam à ecologia linguística de uma região e focalizam as práticas que, de fato, ocorrem na comunidade, independentemente da política linguística oficial em vigor. O gerenciamento linguístico, por sua vez, refere-se aos atos específicos que objetivam manipular o comportamento linguístico.

Shohamy (2006) amplia o modelo proposto por Spolsky (2004) ao introduzir o conceito de mecanismo (mechanism) ou dispositivo político (policy devices). Os mecanismos são os canais por meio do quais as políticas são introduzidas e incorporam as “agendas ocultas” (hidden agendas) da política. Essas agendas compreendem, segundo Shohamy, os objetivos não explícitos de uma política linguística. Relacionam-se, portanto, aos objetivos e interesses velados que subjazem à implementação de medidas de política linguística.

Com se pode observar, Spolsky (2004) e Shohamy (2006) postulam uma política linguística disseminada no tecido social e que atua por meio do circuito: crenças linguísticas ⇔ práticas sociais relacionadas à linguagem ⇔ gerenciamento linguístico. Trata-se, portanto, de um modelo circular de política linguística: a política fomenta crenças, as quais desencadeiam práticas sociais e essas reforçam a política.

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Com base no modelo de política linguística exposto acima, parece correto afirmar que o vestibular e os exames internacionais de proficiência em inglês atuam como mecanismos da política linguística da língua inglesa no Brasil, na medida em que eles ratificam o valor social conferido à aprendizagem dessa língua pela sociedade brasileira. No caso do vestibular, o Estado Brasileiro, ao avaliar os candidatos ao ensino superior público quase que exclusivamente em inglês, está enviando uma mensagem clara à população acerca de qual língua importa do ponto de vista social e econômico.

Quanto aos exames internacionais de proficiência, sua atuação vincula-se ao capital simbólico relacionado a esses exames. Considere-se, por exemplo, que um diploma de proficiência em inglês outorgado por uma universidade inglesa ou norte-americana tem mais valor entre os profissionais da área de ensino/aprendizagem de línguas do que um diploma de Graduação em Letras (Inglês). Outra evidência do valor simbólico conferido a certificação internacional de proficiência em inglês é justamente o fato de os Institutos de Idiomas estarem se voltando, nos últimos anos, para os adolescentes e pré-adolescentes enquanto consumidores desses exames (Apoio: CNPq – Processo no. 140306/2007-2).

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Fernanda Costa Garcia, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Livros Didáticos de Língua Portuguesa: O multiculturalismo em análise Orientadora: Roxane Rojo

A proposta deste trabalho é apresentar a análise de unidades e/ou capítulos de Livro Didático de Língua Portuguesa (LDP) no tange à abordagem multicultural. Partindo de uma investigação de base qualitativa interpretativa, verificaremos de que maneira são trabalhados os textos que abordam o multiculturalismo, tendo em vista tanto a perspectiva recomendada pelos PCNs de 3º e 4º ciclo do Ensino Fundamental, como os critérios de análise adotados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O LDP, sendo o resultado de um trabalho coletivo histórico, calcado no interior de uma determinada cultura, que, por vezes, compõe-se a partir de múltiplas culturas que se entrecruzam (ou não), precisa contemplar trabalhos a partir questões atuais em relação à temática do multiculturalismo no contexto da contemporaneidade. Mesmo porque, muitas vezes, o livro didático acaba sendo o único material de leitura disponível na casa de grande parte dos estudantes, o que redobra a importância da qualidade e diversidade dos textos que serão fundamentais no processo de letramento desses alunos. Entretanto, é baixa a representatividade, nos materiais didáticos, de outros contextos regionais e culturais que não os de contextos urbanos e sulistas. Além disso, as variedades lingüísticas também não se encontram devidamente representadas nos textos selecionados dos LDP. Em outras palavras, faltam ainda trabalhos mais efetivos no que se refere à pluralidade cultural e linguística, de modo que possam colaborar no combate a preconceitos de tais ordens. Contudo, recentemente, maior atenção tem recebido a referida problemática, pelo menos com relação a algumas iniciativas que buscam práticas educativas mais apropriadas, como, por exemplo, as recomendações fornecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), as quais enfatizam a importância do trabalho com a pluralidade cultural existente no Brasil, bem como a promulgação de leis que estabelecem o trabalho com a diversidade cultural e racial nas práticas escolares. Com a promulgação da Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003, alterando a Lei 9.394/96, tornou-se obrigatório, nos currículos dos níveis Fundamental e Médio, em estabelecimentos oficiais e particulares do país, a inclusão da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. E, em 2008, ocorreu a promulgação da Lei 11.645, que visa garantir, também, o estudo da história e cultura indígena. Assim, já está instituída a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” na rede de ensino. Por tudo isso, nos remetemos à Silva (2007), quando este afirma que a igualdade não tem como ser alcançada exclusivamente através da igualdade de acesso a um currículo hegemônico. A igualdade depende, sim, de efetivas modificações do currículo existente. Desse modo, um ensino de língua portuguesa que se queira crítico, não pode mais deixar de abordar questões de multiculturalidade, tão presentes em nossa sociedade. Portanto, nossa preocupação com o multiculturalismo presente nos LDP. A compreensão que temos acerca

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do multiculturalismo vai ao encontro da definição encontrada por Hall (2006, p. 50), segundo o qual podemos compreender o multiculturalismo, grosso modo, como um conjunto de “estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais”. Ou seja, modos de solucionar conflitos existentes em sociedades nas quais diferentes comunidades culturais se relacionam mutuamente, estabelecendo trocas, ao mesmo tempo em que procuram construir uma vida em comum. Mas, se pararmos para refletir, concluiremos que contatos e trocas entre sociedades já existiam num passado mais distante. No entanto, mais recentemente, presenciamos a acentuação dessas interações. A democratização do acesso à escola a partir dos anos sessenta foi apenas um primeiro passo rumo à mudança no retrato educacional brasileiro, bem como no que se refere às interações estabelecidas por diferentes comunidades culturais neste cenário anteriormente restrito a uma elite. Faz-se imprescindível, assim, uma revisão no modo de encarar a questão nas instituições educacionais. E, apesar da temática multicultural representar um princípio mínimo comum entre as mais variadas correntes, não deixa de haver três diferentes e principais perspectivas em torno da educação multicultural que, segundo Kubota (2005, p. 31) são: a conservadora, a liberal e a crítica. A perspectiva conservadora defende modelos eurocêntricos de práticas educacionais e julga o multiculturalismo como causador de divisões na sociedade (KUBOTA, 2005, p. 31). Já, a abordagem liberal, baseia-se nas ideias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre culturas (SILVA, 2007 a, p. 88). E o multiculturalismo crítico ou revolucionário preocupa-se com “o poder, o privilégio, a hierarquia das opressões e os movimentos de resistência” (McLAREN, 2000, apud, HALL, 2003, p.53). Os estudiosos dessa perspectiva “argumentam a favor de estudos e ações educativas que contribuam para aumentar a consciência das formas de dominação, isto é, que contribuam para desvelar as estratégias utilizadas – na mídia, nos livros didáticos, nas interações em sala de aula, em cursos de formação para a docência etc. -, para construir, ou justificar, discursivamente, uma pretensa superioridade de indivíduos ou grupos sociais em relação a outros” (MAHER, 2007, p. 264). De acordo com Kubota (2005, p. 40), o multiculturalismo crítico deve se destinar a todos os alunos, tanto aqueles que fazem parte das minorias, quanto os das maiorias, com o objetivo de desmistificar o saber hegemônico e desmontar a hierarquia social, racial e econômica. Deve-se, então, enfocar aquilo que Maher (2007) chama de educação do entorno para a diferença linguística e cultural para que seja possível, também, levar a transformação para fora da sala de aula. “Transformação social envolve uma via de mão dupla: não apenas as pessoas da periferia devem gerar vozes insurgentes, mas também o centro deve atender a tais vozes” (Kubota, 2005, p. 47). A educação do entorno, de acordo com Maher (2007, p. 268), tem como meta efetivar uma convivência respeitosa tanto no que se refere às especificidades culturais quanto às linguísticas de grupos minoritários. A educação do entorno se faz, portanto, imprescindível para que todos tomem consciência de que operamos “com representações sobre o outro e que as representações que faz das culturas e dos falares minoritários não são nunca verdades objetivas ou neutras, mas, sim, construções discursivas” (MAHER, 2007, p. 268). Assim, LDP mais preocupados em realizar trabalhos de qualidade acerca do multiculturalismo podem colaborar para a educação do entorno. Por isso, nos importamos, tanto em analisar os trabalhos com a diversidade linguística, com o multi/plurilinguismo, bem como com a diversidade cultural, o multiculturalismo, já que acreditamos que essas temáticas se complementam umas às outras.

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Jorge Rodrigues de Souza Júnior, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A literatura e o teatro argentino no ensino de espanhol a brasileiros: um enfoque multidimensional-discursivo Orientadora: Silvana Serrani

Em nossa comunicação apresentaremos o trabalho que está em andamento em relação à análise que realizamos em dois livros didáticos de espanhol, utilizados em contexto formal de aprendizagem dessa língua a brasileiros no Ensino Médio e à complementação didática com obras teatrais argentinas, que realizamos para unidades didáticas desses livros. A favor de uma prática de ensino de espanhol em que não haja apenas visões comunicativistas e normativas de língua, nossa investigação tem por objetivos: examinar a apresentação de textos literários (tipos, quantidade e modos de exposição), em livros didáticos utilizados em contextos formais de aprendizagem de Língua Espanhola para brasileiros, observando, também, as atividades propostas em relação a esses textos; e estudar elementos específicos do gênero teatral em relação ao ensino de espanhol. Para tanto, o foco estará na elaboração de complementação didática de unidades dos livros que compõem o nosso corpus, segundo critérios multidimensional-discursivos (SERRANI, 2005), ilustrando especialmente com antologias de teatro argentino.

O ensino de língua espanhola em nosso país requer práticas distintas de outras línguas estrangeiras, devido à imagem de facilidade que essa língua possui entre os brasileiros (CELADA, 2002; BRASIL, 2006 & SERRANI, 2008); conforme como o sujeito-aprendiz (e também o professor) souber lidar com esse imaginário, ao entrar em contato com o real dessa língua estrangeira, tal fator poderá causar efeitos de sentido nesse sujeito-aprendiz que poderão levar o seu processo de aprendizagem do espanhol ao “êxito” ou ao “fracasso” (colocamos aspas nesses termos por considerarmos, a partir da perspectiva da Análise do Discurso, de que é interditado ao sujeito o pleno domínio da linguagem, um lugar de intencionalidade, impossibilitado a ele o papel de dono de seu discurso).

Durante muitas décadas imperou o imaginário de que o espanhol era uma língua fácil e que seu estudo, para o brasileiro, não era necessário (CELADA, 2002). Essa imagem, gerada pelo senso comum e que passou ao meio acadêmico, baseava-se no discurso de que a diferença entre as duas línguas estaria em algumas palavras: naquelas que, no campo dos estudos de línguas, são chamadas de falso-cognatos. Esta idéia, já pensando estritamente no plano dos estudos da linguagem, reduzia o caráter destas línguas ao de dois estoques lexicais (idem), e o aprendizado de uma língua ao exercício de decorar certas palavras. Também esteve em voga estudos e análises contrastivos entre as duas línguas e, como aponta Serrani, a proposta desses estudos era a de “contrastar

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sistemas lingüísticos, desconsiderando muchas veces contextos y posiciones enunciativas” (2008b).

Postulamos uma prática de ensino de língua estrangeira que não se paute somente por uma única concepção de linguagem, em que haja abordagens da alteridade e da diferença constitutivas de um processo de ensino de espanhol a brasileiros; nos pautamos por uma perspectiva discursiva da linguagem, em uma prática de ensino de língua na qual não haja uma dicotomia entre língua/literatura, pois a diferença é constitutiva da língua: relações de confronto, de resistência, possibilidades de significação, que legitimam certos sentidos e silenciam outros; como, em sua maioria, os materiais didáticos estão pensados sob o enfoque comunicativo, em que a apresentação dos temas a serem estudados se dá a partir de situações comunicativas e descontextualizadas, pensamos nosso trabalho com os textos dramáticos como acesso à manifestação do equívoco, do não-estabilizado, como lugar de memória e de acesso aos diferentes sentidos que constituem um discurso, que mobilize o sujeito-aprendiz nesse processo de submeter-se à aprendizagem de uma língua estrangeira, aberta às diferentes possibilidades de significação.

Propomos as obras de teatro como espaço de memória discursiva, refletindo sobre o seu papel à luz de um currículo multidimensional de ensino de línguas, como apoio à prática do professor em sala de aula, conforme Serrani (2005), que postula que complementos culturais e de língua-discurso sejam cruciais nas práticas de ensino de línguas. Um currículo que seja elaborado de acordo com critérios multidimensional-discursivos (idem) é abordado conforme componentes interdependentes, rompendo com uma prática que se apresente somente sob uma concepção de linguagem, (cf. SERRANI, 2005), os quais apresentamos a seguir.

O componente intercultural é o espaço no qual o sujeito-aprendiz terá oportunidade em estudar não somente a cultura da língua estrangeira, mas também os grupos e sujeitos pertencentes a esse “mundo novo”, assim como as práticas discursivas que o envolvem; pode-se trabalhar o conteúdo específico de linguagem juntamente com o que se trabalhará neste componente, evitando que a aula de língua seja somente uma prática normativista. É aconselhável que o professor parta do contexto cultural do aluno, para que este possa ter um olhar mais sensível ao outro da língua estrangeira.

Sob esse componente podemos traçar três eixos temáticos (Ibid, p. 31-32), a partir dos quais o texto literário poderá ser trabalhado sob o componente intercultural: 1. Territórios, Espaços e Momentos (de que lugar sócio-espacial o texto foi produzido?); 2. Pessoa e Grupos Sociais (não somente identificar os grupos sociais presentes no texto, mas também uma oportunidade para que os alunos trabalhem com textos produzidos por diferentes grupos sociais, ademais de ter acesso a materiais que apresentem um olhar a grupos não presentes nos livros didáticos); 3. Legados Sócio-culturais (é a oportunidade de o aluno não somente acessar conteúdos enciclopédicos, mas também de ter acesso a uma cultura e a um universo distinto do seu, que funcionará subjetivamente no aprendiz em seu processo de aprendizagem, mobilizando-o no mundo da língua estrangeira).

O componente língua-discurso traz um olhar discursivo sobre a linguagem e também toda a teoria que estamos apresentando neste trabalho: a língua é tudo o que representa o sistema fonológico e morfossintático, o que se representa na esfera da materialidade lingüística, no fio do discurso; o processo discursivo refere-se às posições enunciativas, que ocorrem em contextos sócio-históricos e subjetivos em toda produção verbal. Mas esses são processos interdependentes, ou seja, a língua ocorre em processos

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discursivos, mas estes não podem acontecer sem a materialidade lingüística: é a alteridade intrínseca da linguagem. Neste componente o sujeito-aprendiz terá consciência em relação à diversidade lingüística de uma língua, à heterogeneidade que a constitui, às diferentes condições de produção do discurso, de como é realizada a tomada de palavra pelos falantes e em quais situações é permitido dizer determinados discursos (e de que lugares esses discursos são produzidos: em uma escola existem discursos distintos dos que ocorrem em uma instituição jurídica ou comercial, por exemplo).

O componente das práticas verbais é o espaço em que se trabalham as atividades mais recorrentes em uma aula de língua: produção oral e escrita, compreensão auditiva, leitura e também tradução, pois, apesar de que somos contra a uma prática que esteja baseada somente na metalinguagem e no normativismo, o sistema da língua não está separado das condições de produção do discurso; a materialidade lingüística forma base dos processos discursivos. Ademais, a tradução ajuda o aluno a compreender que os sentidos dos discursos são distintos nas duas línguas e que o significado das palavras, muitas vezes, não é literal à primeira vista.

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Júlia Antônia Maués Corrêa, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A professora leitora na Amazônia: narrativas, identidades e travessias Orientadora: Ângela Kleiman

A tentativa de entender Belém, cidade de entrada da Amazônia pelo lado noroeste,começa pelos bairros localizados ao longo da entrada do Rio Guamá – Bairros do Jurunas, da Condor e do Guamá -, entre o núcleo mais antigo da cidade (bairro da Cidade Velha) e um dos bairros mais valorizados (Batista Campos) a poucos quilômetros do Campus Universitário do Guamá (UFPA). Nesses bairros multifacetados, que congregam uma população de aproximadamente 200 mil pessoas, em grande parte oriundas das ilhas que se espraiam em frente à Belém, numa área de cerca de 220 hectares (dos quais 85% são alagáveis), os lugares chamam atenção, entre outras coisas, pela grande quantidade de festas populares e religiosas, pelas formas de lazer, folguedos e brincadeiras de rua, pelo movimento constante e diuturno de pessoas indo e vindo, do trabalho para as festas, das festas às feiras e mercados, das feiras aos encontros para comer e beber e, de novo, de volta ao trabalho (não necessariamente nessa ordem).

Considerando o modo de vida dessa população urbano-ribeirinha como uma situação peculiar de contrastes e diferenças em relação às demais regiões do Brasil e que estabelece um conjunto de identidades que precisam ser analisadas e (re) conhecidas, selecionamos um desses bairros – o da Condor – para entender a articulação entre duas dimensões: a dimensão sócio-educacional das práticas de letramento, numa de suas escolas, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Sílvio Nascimento, articulada à dimensão sócio-cultural de trabalho, lazer, religião, participação-política, valores e natureza.

O espaço escolar foi escolhido já que considerarmos a escola, na nossa sociedade, a principal “agência de letramento” (KLEIMAN, 1995) ou uma “agência cultural e de letramento” (THADEI, 2006) cuja função é proporcionar aos seus alunos o contato com práticas de letramentos diversas, especialmente aquelas mais prestigiadas socialmente. Nesse processo, o papel do professor é fundamental como aquele que deve não só ter domínio da leitura e da escrita como também maneiras de como ensiná-las, a fim de que possa ser capaz de auxiliar seus alunos a participar de práticas diversas. No entanto, tornar as práticas de ensino das populações urbano-ribeirinhas de classes sociais menos privilegiadas mais produtivas e interessantes, deixando vir à tona a alegria natural da simplicidade dos folguedos, dos mistérios do imaginário e da construção social da vida ordinária dessa população, articulando-as com a massificação de outras culturas, o que tornaria cada vez mais híbrido e plural experienciar o cotidiano social do lugar, nos espaços escolares do ensino fundamental, nesses bairros da periferia, é algo extremamente custoso a todos aqueles que constroem e reconstroem o currículo escolar. Isso porque permanece a intenção de forjar a escola como coisa séria, como espaço de veiculação dos saberes e conhecimentos reconhecidos pela cultura dominante, como lugar de mira e

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alcance aos grupos privilegiados socialmente ou para aqueles “trânsfugos” de classe (LAHIRE, 1998) que irão além da escola, apesar dela mesma. São “aqueles que são chamados, conforme as situacões, de “desclassificados pelo alto”, os “desenraizados”, os “autodidatas”, os “bolsistas, os “portentos”, que saíram de suas condições originais pelo caminho escolar (LAHIRE, 2002: trad. 42).

Defendemos à articulação entre cultura e escola nas práticas de letramentos que circulam no ensino fundamental, segundo as conclusões geradas a partir da pesquisa “A aquisição da leitura nas séries iniciais: o ensino de língua portuguesa no Ensino Fundamental” financiado pela UNAMA – FIDESA (2004-2005). O projeto, que utilizou uma metodologia de cunho etnográfico, para, durante quatro meses, observar as práticas de letramento do Ciclo Básico I, que engloba as turmas de Alfabetização, de 1ª. e 2ª. séries da Escola Sílvio Nascimento, do bairro da Condor, com direcionamento teórico e a perspectiva metodológica interdisciplinar da lingüística Aplicada, foi uma iniciativa para tentar entender a materialidade das práticas pedagógicas que circunscrevem o cotidiano de professores, alunos, técnicos, pais e outros, das escolas públicas de Belém, Estado do Pará.

A escola SN faz parte do Distrito Administrativo do bairro do Guamá, no bairro do Condor. Nesse cenário, os principais eventos de letramento observados - práticas de letramento exercidas pelas professoras alfabetizadoras em formas de interação mediadas pela leitura e a escrita da 1ª. e 2ª. séries do Ciclo Básico I - nas salas de aula foram direcionando nossos questionamentos quanto aos processos de formação de leitura daqueles professores, tendo em vista o quadro sociocultural em que esses atores se inseriam.

Em termos científicos, é dentro da reconstrução de uma situação social contraditória complexa que alguém pode entender ao mesmo tempo (um esclarecendo o outro) “o ponto de vista de quem observa” e o “ponto de vista” daqueles que participam, por exemplo, das ações escolares, sendo que esses “pontos de vista” fazem parte das lógicas sociais que tomam corpo ali. Nesse sentido, nossas observações mostram as formas ‘como’ olhamos essa realidade e as injunções sociais que constituem a participação coletiva nessas ações, como parte das lógicas do contexto sócio econômico do território de periferização da cidade de Belém, onde se localiza a escola e onde se processa a ação docente dos seus professores.

Diante desses fatos, defini o quadro desta pesquisa com um campo de objetos – as ações docentes na sala de aula e a constituição de leitura comum e cotidiana das professoras praticantes dessas ações; uma linha de pesquisa – formação do professor; uma tarefa teórica - a elaboração de um modelo de análise como afirma Certeau, esboço de “uma teoria das práticas cotidianas (1994: 16) “para extrair delas as maneiras de fazer” sob a ótica dos estudos dos letramentos, que possa reconstruir as ações docentes segundo as condições materiais de suas realizações. E, mais importante, que recoloque em cena um recorte de entendimento de uma prática de letramento na Amazônia paraense, que no rol das demais práticas da escola pública brasileira, é discriminada socialmente como uma prática de fracassos.

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Leila Guaracy Peres Taves, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A Valorização do Ensino Formal na Aprendizagem de Inglês como Língua Estrangeira Orientadora: Linda Gentry El-Dash

O principal objetivo deste estudo é explorar as atitudes dos estudantes de Ensino Médio em escolas particulares sobre a aprendizagem do Inglês como língua estrangeira em ambientes informais, ou seja, fora da sala de aula. Os diferentes pontos de vista foram identificados através do uso da Metodologia “Q”.

A Metodologia “Q” utiliza-se de uma técnica controlada que propicia a revelação de pontos de vista subjetivos compartilhados, logo ela é usada para identificar agrupamentos de pessoas em relação as suas opiniões, atitudes e crenças subjetivas. Ela foi introduzida por William Stephenson na década de 30 como uma variante do uso da análise fatorial, na qual o indivíduo se torna a variável ao invés dos itens; dessa forma os fatores que surgem são capazes de mostrar padrões de pensamento empiricamente fundamentados que são compartilhados entre os indivíduos. Com o objetivo de preservar a subjetividade dos participantes estudados, a Metodologia “Q” faz com que os indivíduos classifiquem afirmações representando posições distintas de maneira que o resultado reflita suas atitudes.

Essas opiniões sobre a aprendizagem de Inglês fora da sala de aula foram identificadas em discussões em grupos focais, realizadas entre estudantes do Ensino Médio em escolas particulares e cursos livres. A partir dessas discussões, foram selecionados 57 itens que refletiram uma gama ampla dessas ideias para compor o instrumento da metodologia. Esses itens mostraram os pensamentos dessas pessoas sobre o tópico abordado; foram mencionados: filmes e seriados, viagens e intercâmbios, uso do computador, música e leitura, como também a questão do registro linguístico e a situação de aprendizagem. Participaram 67 estudantes, sendo 36 da 1ª Série e 31 da 3ª Série do Ensino Médio em duas escolas particulares. Os resultados foram sujeitos à análise fatorial e cinco pontos de vista distintos foram identificados.

Os sujeitos do primeiro ponto de vista são pessoas que acreditam que existem várias maneiras de se aprender Inglês fora da sala de aula. Eles vinculam a aprendizagem aos games, filmes, seriados, música e viagens internacionais. Para eles a prática, sob diversas formas, gera a aprendizagem. Foram denominados “Valorizadores da Prática”.

Os sujeitos do segundo ponto de vista são pessoas que acreditam nas viagens para fora do país para a aprendizagem do Inglês. Para eles, o que importa é conseguir falar, usar a língua. Tal posição parece ser reforçada pela valorização da oralidade em geral e pelo contato com a cultura nativa. Para eles, a aprendizagem se torna concreta se você estiver em um país onde a língua nativa seja o Inglês. Foram denominados “Valorizadores de Viagens”.

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Os sujeitos do terceiro ponto de vista são pessoas caracterizadas pela clara oposição que fazem entre atividades que geram prazer e aquelas de caráter obrigatório geradas, a maioria das vezes, pela escola. Demonstram não querer ser obrigados a realizar atividades que exigem o uso do Inglês, mas apreciam atividades como música, filmes e uso da Internet quando vinculadas ao prazer. Aparentemente, eles não se interessam nem pelo Inglês, nem pela escola. Foram denominados “Desinteressados”.

Os sujeitos do quarto ponto de vista são pessoas que valorizam a educação formal e o compromisso com a escola. Eles acham que se aprende a língua na escola, estudando e consideram que isso pode ser feito aqui no Brasil. Eles também percebem um caráter prazeroso na leitura. Foram denominados “Valorizadores do Ensino Formal”.

Os sujeitos do quinto ponto de vista são pessoas que acreditam principalmente no esforço pessoal e na força de vontade para a aprendizagem da língua. Eles acreditam em uma motivação interna independente de onde estejam e creem que investindo se consegue. Para eles, a aprendizagem depende do aprendiz. Foram denominados “Valorizadores da Dedicação”.

Dentre os cinco pontos de vista apresentados, o quarto merece certo destaque porque nossa experiência profissional tem nos mostrado a desvalorização da escola em seu papel de formação por parte de um grande número de alunos. Muitos deles reclamam e sentem-se desmotivados com a estrutura escolar e a instituição tem recebido cada vez mais críticas. Ao tentar entender como ou se a aprendizagem do Inglês fora da sala de aula acontece, supúnhamos a existência de alunos que se sentem desconectados da importância da sala de aula para a aprendizagem de línguas. Entretanto, os alunos que pertencem a esse quarto perfil mostraram-se conscientes da importância do ensino formal, sentindo a necessidade da escola para a estruturação de seu conhecimento. Valorizaram também as regras gramaticais e as leituras para a aquisição de vocabulário. Aparentemente, não se mostraram alheios à música, filmes e viagens internacionais, mas acreditaram na capacidade individual para se aprender a língua aqui mesmo no país, através de um ensino formal. Outro dado interessante com relação a esse quarto perfil é que o número de alunos pertencentes a esse perfil é bem maior na 1ª série se compararmos com a 3ª série do Ensino Médio, fato que talvez possa sugerir que o desinteresse pela escola aumenta com o tempo passado nesse ambiente de aprendizagem formal da língua inglesa.

A Metodologia “Q”, portanto, combina aspectos qualitativos e quantitativos com as entrevistas em grupos focais e as interpretações dos perfis representando os aspectos qualitativos enquanto que o aspecto quantitativo é refletido no registro das reações às afirmações em forma quasi- normal possibilitando o uso da análise fatorial.

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Lílian Abram dos Santos, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Oralidades e escrita na produção escrita em português como segunda língua por alunos wajãpi Orientadora: Tereza Maher

Este trabalho apresenta uma análise preliminar de textos escritos, em contexto escolar, em língua portuguesa como segunda língua por professores, agentes de saúde e pesquisadores Wajãpi. Trata-se, portanto, de uma pesquisa cujo contexto foi, mais abrangentemente, a Educação Escolar Indígena, e mais especificamente, a aquisição do português escrito por alunos Wajãpi. O presente trabalho é parte da análise que compõe minha tese de doutorado Aprendendo a palavra nova. Modos de escrita na produção de textos em português como segunda língua por jovens Wajãpi.

O objetivo da pesquisa, da qual este trabalho é parte integrante, é verificar os recursos textuais utilizados por esses autores, bem como as marcas de oralidade, do português e do wajãpi, presentes nesses textos. Embora a pesquisa acadêmica sobre Educação Escolar Indígena venha aumentando sensivelmente nos últimos dez anos (GRUPIONI, 2008), ainda é pequeno o número de pesquisas que aborda o ensino de línguas e, mais especificamente, a aquisição de uma segunda língua escrita. Espera-se que a tese possa contribuir, no âmbito acadêmico, para os estudos de aquisição de segundas línguas escritas e, no âmbito da educação lingüística para índios, que seus resultados possam subsidiar propostas pedagógicas de ensino da modalidade escrita do português para povos indígenas que vivem contexto sociolingüístico semelhante ao dos Wajãpi.

Os autores dos textos analisados são Wajãpi, habitantes do Estado do Amapá, bilíngues em wajãpi, língua da família linguística Tupi-Guarani, e português. São professores, agentes de saúde e pesquisadores ainda em formação, realizada pela organização não-governamental Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena – Iepé, em parceria com diversos órgãos governamentais brasileiros. Desde 1995 desenvolvo pesquisas com as línguas dos Wajãpi e desde 1998 participo de sua formação lingüística, atuando como professora da área de línguas nos cursos de formação realizados pelo Iepé, predominantemente nas disciplinas Língua Portuguesa como segunda língua e Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa como segunda língua.

Ao longo de minha experiência profissional, fui recolhendo o material escrito produzido por esses alunos não somente nas aulas de língua portuguesa como segunda língua, mas também nas aulas de história e antropologia, disciplinas que exploram bastante a linguagem escrita desses alunos à medida que solicitam a produção de textos sobre determinados campos do conhecimento wajãpi. Tal material constitui o corpus de minha pesquisa. Como esse corpus foi coletado em contexto escolar, cabe adiantar que a educação formal para os Wajãpi existe há aproximadamente 20 anos e que esse povo tem predomínio

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absoluto de práticas sociais orais; apenas uma pequena parcela da população wajãpi participa de eventos de letramento.

Durante as aulas de português como segunda língua, dadas por mim para esse grupo de alunos wajãpi, o emaranhado das línguas – língua wajãpi e variantes da língua portuguesa – e modalidades – oral e escrita – que eu pude presenciar, mostrou-me um material lingüístico complexo e, à primeira vista, de difícil interpretação. A produção escrita em segunda língua de meus alunos Wajãpi demonstrava tanto a proficiência de seus autores na tentativa de dar sentido ao que queriam relatar por escrito quanto a presença de marcas do português oral e de outras marcas discursivas recorrentes que não me pareciam típicas da escrita elaborada por falantes nativos do português.

A assunção de que os textos analisados constituem objetos de pesquisa complexos devido à própria complexidade de sua linguagem levou-me ao campo investigativo da Lingüística Aplicada, mais precisamente, a Lingüística Aplicada definida por Moita Lopes (2007, p.103) como ideológica e indisciplinar. Indisciplinar porque

para dar conta da complexidade dos fatos envolvidos com a linguagem em sala de aula, passou-se a argumentar na direção de um arcabouço teórico interdisciplinar. Isso acarretou a compreensão de que o tipo de conhecimento teórico com o qual o lingüista aplicado precisaria se envolver, para tentar teoricamente entender a questão de pesquisa com que se defrontava, atravessava outras áreas do conhecimento.

A complexidade dos textos aqui analisados provém de um conjunto de variáveis

diretamente relacionadas ao autor – Wajãpi, bilíngüe, e ao contexto de produção – escolar. Como nos alerta Signorini (1998), tais variáveis, inerentes ao uso real da língua, não são vistas pela Lingüística Aplicada como externas e residuais ao sistema da língua em questão (SIGNORINI, 1998, p. 102), ao contrário, essas mesmas variáveis não só impregnam as formas lingüísticas em uso como também as constituem e, portanto, vão também constituir a especificidade da língua em estudo (Ibid., p. 103). Para a Lingüística Aplicada o estudo de práticas específicas de uso da linguagem em contextos específicos (SIGNORINI, op.cit., p.101) não é um campo investigativo transparente ou neutro (idem) e, portanto, a língua que emerge dos textos-objetos desta pesquisa não deve ser compreendida, nos termos de Signorini (Ibid., p. 101) como um híbrido purificado, isto é, no qual foram desemaranhadas as linhas do objetivo e do subjetivo e do social.

Para este trabalho, apresentarei a análise de alguns textos procurando compreender neles aquilo que Corrêa (2004) entende por "modo heterogêneo de constituição da escrita", ou seja, "o encontro entre práticas sociais do oral/falado e do letrado/escrito, considerada a dialogia com o já falado/escrito e ouvido/lido" (CORRÊA, 2004, p.9). Corrêa procura entender esse encontro e dialogia em textos argumentativos de alunos letrados; minha proposta é usar o mesmo componente teórico para buscar compreender a interação entre fala e escrita, e destas com o já falado/escrito, no processo de textualização realizado por pessoas com pouquíssimo contato com as práticas sociais letradas.

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Luanda Rejane Soares Sito, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas “ tendo a sua própria letrinha... é um peso maior”. Análise de práticas de letramento a partir da produção local de atas e agendas Orientadora: Ângela Kleiman

Este trabalho corresponde ao nosso projeto de mestrado, o qual tem por objeto investigar as práticas de letramento no processo de regularização territorial em uma comunidade quilombola. O recorte que trago para esta comunicação é uma análise documental dos escritos produzidos na comunidade, decorrentes do processo de titulação das terras.

O contato com a comunidade participante desta pesquisa foi mediado pelo Instituto de Assessoria a Comunidades Remanescentes de Quilombos, que assessorava a constituição da Associação Comunitária local. Essa assessoria era decorrente do processo de titulação de suas terras com base no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Desde o final da década de 90, o estado do Rio Grande do Sul iniciou o processo de regularização de seus territórios remanescentes de quilombo. Com isso, essas comunidades – agora constitucionalmente chamadas quilombolas – se inseriram em contatos e disputas com novos atores representantes de entidades civis e instituições públicas, emergindo como agentes políticos. Entre as instituições públicas, estão o Ministério Público, na área jurídica; o INCRA, na regularização e titulação, Prefeituras locais e as Universidades, na elaboração de laudos; entre as entidades civis estão os movimentos sociais, como o Movimento Negro, na assessoria e mediação desses contatos.

Este projeto, iniciado na iniciação científica, realizada entre 2005 e 2006, teve como objetivo maior entender as práticas de escrita locais num contexto de disputa por terras, envolvendo identidades quilombolas. Nessa pesquisa anterior, observou-se que a visibilidade e o contato com a escrita aumentaram no âmbito da Associação Comunitária local, organização construída por conta do processo de titulação das terras que exigiu práticas letradas para sua administração. Junto a isso, observou-se que a exigência da ata por parte dos agentes institucionais públicos provocava tensão entre a concepção de confiança local, baseada na oralidade, e o valor de confiança dos agentes públicos externos, calcado na escrita.

Considerando essas observações, a análise deste projeto tem como foco o modo pelo qual as práticas de letramento, geradas no processo de luta pela titulação da terra, contribuem para o uso da escrita na comunidade. Para isso, buscamos entender a constituição dessa Associação Comunitária em uma Agência de Letramento e analisar eventos de letramento vivenciados por lideranças dessa comunidade quilombola em processo de regularização fundiária. Inserida no grupo Letramento do professor,

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coordenado pela Profª. Angela Kleiman, esse projeto alinha-se à orientação teórica e epistemológica da vertente sócio-cultural dos Estudos do Letramento (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995), no campo aplicado dos estudos da linguagem (MOITA LOPES, 2006). Em nossa investigação, que utiliza metodologia qualitativa (DENZIN & LINCOLN, 2006), foram empregados métodos etnográficos de observação participante e entrevistas semi-estruturadas; além de contar com documentos produzidos por moradores da comunidade e com dados audiovisuais de interações.

Para as análises, o foco está nas situações de uso da escrita, assim como na própria produção escrita decorrente desses eventos. Em outras palavras, olhamos para interações na quais a escrita é integrante da natureza das interações dos participantes e de suas estratégias e processos interpretativos, ou eventos de letramento (HEATH, 1982). A partir dessas situações observadas, entrevistamos os participantes para conhecer seus valores, crenças e concepções acerca de seu uso, suas práticas de letramento, bem como analisamos os escritos que produzem por conta da luta pela terra. Sobre a noção de práticas de letramento, Street afirma que ela deve ser entendida como um conceito mais amplo que do evento de letramento, por envolver tanto os comportamentos quanto as conceitualizações relacionados ao uso de escrita e/ou da leitura (STREET, 1993).

Para as análises interacionais, lançamos mão do aporte teórico-metodológico da Sociolingüística (RIBEIRO & GARCEZ, 2002), para lidar com o nível da microinteração. Subsidia esta pesquisa a noção de linguagem bakhtiniana, pela qual tomamos a leitura, assim como a linguagem, como uma ação dentro de um contexto histórico para concretizar-se. Ou seja, os usos da linguagem que ocorrem em uma interação estão imersos (e emergem) em um contexto sócio-histórico. Nesta orientação, a própria noção de diálogo é ampliada, pois compreende o conceito de refração, que é o processo no qual o signo passa a ser algo apenas ao vincular-se a outros enunciados, justamente porque as significações não estão dadas no próprio signo. A refração nos propõe entender as significações como “construídas na dinâmica da história e estão marcadas pela diversidade de experiências dos grupos humanos, com suas inúmeras contradições e confrontos de valorações e interesses sociais” (FARACO, 2009, p. 51). Essa concepção de diálogo inclui também a ideia de diálogo face a face, que será utilizada para as análises interacionais; pois, para o Círculo de Bakhtin, o diálogo pode ser compreendido num sentido mais amplo, ou seja, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas que estão face a face, mas como toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 1995, p. 107).

A partir dessa concepção ampliada de diálogo, vamos olhar para o como a disputa pela terra está se refratando nos textos que são produzidos no local. Para isso, vamos observar dois gêneros locais: os cadernos e as atas. O primeiro deles, o “caderninho”, é um gênero local existente há muitos anos. Quando observei seu uso, na casa das lideranças locais ao longo do trabalho de campo, percebi que os caderninhos traziam práticas de escrita muito antigas, bastante relacionadas ao trabalho e à administração da terra. O caderno, visto aqui como um suporte, possui diferentes gêneros e mostra usos locais de escrita vinculados às práticas sociais de trabalho e controle financeiro. O segundo deles é a ata, que possui uma estrutura composicional bem delineada, com abertura, descrição dos presentes no evento, pauta, discussões, encaminhamentos, fecho e assinaturas. As atas passaram a fazer parte das escritas na comunidade por uma exigência da negociação pelo título da terra: para dialogar com os agentes externos, tinha de ser representados pela Associação Comunitária. Sua escrita é atividade das secretárias da Associação, função sempre ocupada por mulheres jovens que dominam a escrita. Isso é uma estratégia bastante

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usada localmente: distribuir as funções que exigem escrita para os mais escolarizados. Esse gênero emergiu com a Associação e, ao longo dos seis anos da Associação, foi mudando muito. Desde as primeiras atas, que se distanciavam da estrutura composicional do gênero do tema e só focavam atividades com agentes externos, um segundo momento em que as atas aproximavam-se da estrutura composicional, mas não davam conta do tema, até as mais atuais que não só aproximam-se da estrutura, como do tema e dão conta de retratar ações mais cotidianas localmente, como a organização de festas e eventos na comunidade. Nas análises iniciais, percebemos processos de apropriação e mudança nos gêneros que emergiram nesse contexto de atuação política vivenciada pela comunidade.

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Mara Regina Silveira, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A constituição do sujeito de terceira idade através da análise de propagandas Orientadora: Carmen Zink Bolognini

A terceira idade é o segmento populacional que mais cresce no Brasil. Com a mesma velocidade vem surgindo uma demanda por políticas públicas e educacionais para atender à necessidade de reinserção social desta parcela da população.

No Brasil, mesmo com o crescimento do número de idosos e da criação de documentos legais como a Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso, ainda são raros os materiais didáticos de ensino de línguas estrangeiras (LE) que contemplem a heterogeneidade das formas de envelhecer.

Este trabalho levou em conta os elementos considerados anteriormente e propõe-se a discutir sobre o tema por meio de propagandas veiculadas na mídia impressa nacional e dados de pesquisa oriundos da observação de nossas aulas de LE – inglês para a terceira idade de uma escola de idiomas municipal situada no interior do estado de São Paulo. Analisando estes fatos de linguagem à luz do arcabouço teórico da Análise de Discurso materialista (AD) exporemos parâmetros para a construção de um projeto de ação educativa gerontológica em LE.

Este trabalho propõe a investigação sobre a constituição do sujeito de terceira idade hoje e a criação de materiais autênticos para o ensino de inglês como língua estrangeira (doravante LE) a este público. De acordo com pesquisas realizadas em LEs para a terceira idade (Pizzolatto 1995, Conceição 2000, Guimarães 2006, Sardo 2007) são ainda escassas as oportunidades de estudar uma LE em um ambiente voltado às necessidades das pessoas nesta faixa etária, uma vez que esses pesquisadores acreditam que os aprendizes de terceira idade possuem características específicas de aprendizagem.

Nossa pesquisa, ancorada ao quadro teórico da AD, trabalha com a concepção de sujeito constituído por e interpelado ideologicamente pelo discurso. Dessa maneira, estamos procurando regularidades, que indicam o funcionamento da linguagem e suas formas nos limites de uma formação discursiva. Uma formação discursiva, segundo Orlandi (1999), define tudo o que pode e deve ser dito em determinadas condições de produção.

Para a AD, o discurso é palavra em movimento, uma prática de linguagem (Orlandi 1999). O discurso é considerado um objeto sócio-histórico, no qual a linguagem é a materialização da ideologia. A linguagem não é transparente e não há uma relação de equivalência entre linguagem/pensamento/mundo. Ainda em AD, aprende-se que não há sentidos em si, mas sim, que eles ocorrem a "relação a". Os sentidos se determinam pelas condições em que são produzidos (Orlandi 2001: 164).

Pêcheux (1969) definiu o conceito de formações imaginárias em seus estudos. Para o autor, o locutor é mobilizado pela imagem que tem, de seu interlocutor e do objeto do

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discurso e, também, pela imagem que ele mesmo tem de si, que ele imagina que seu interlocutor tem de si mesmo e do objeto do discurso. Orlandi (2006) afirma que essas imagens são fundamentadas na posição social do sujeito. Assim, ao falarmos com uma pessoa de terceira idade, a imagem que fazemos dela é, devido à nossa constituição pelo discurso, e devido aos limites de nossa formação discursiva, possivelmente, a mesma imagem que todos os sujeitos que ocupam a mesma posição-sujeito fazem.

Em nosso trabalho, percebemos dois aspectos de construção de sentidos no e pelo discurso. O primeiro deles é a constituição das identidades sociais dos sujeitos através do discurso. E o segundo, que nos mostra que o discurso contribui para a construção de conhecimentos e crenças, sendo considerado, assim, um discurso fundador.

Percebendo a mídia como uma instituição social, escolhemos como nossos fatos de linguagem a serem analisados algumas propagandas voltadas às pessoas de terceira idade. Essas propagandas são consideradas, aqui como discursos fundadores institucionalmente determinados (Orlandi 2001), que estabilizam sentidos. O discurso publicitário sobre a terceira idade é visto, neste trabalho, como ferramenta de uma prática discursiva da propaganda, constituindo-se, portanto como uma prática social.

A mídia e o jornalismo possuem um papel central na legitimação de discursos ao veicular representações de idosos exercendo a função de ponto de referência, ou seja, a constituição de um imaginário a respeito da velhice é resultante de uma atribuição de sentidos feitas às suas imagens veiculadas socialmente. Assim, podemos afirmar que não há construção de sentidos alheia ao discurso. O discurso midiático e jornalístico funciona retirando partes da história, encenando-as e introduzindo-as no discurso pré-construído, estabelecendo uma coerência e instituindo uma realidade a respeito da velhice a partir desta construção, tornando-se assim um discurso fundador do espaço social e construtor de imagem(ns) da velhice.

Nosso interesse em melhor compreender o funcionamento da linguagem jornalística advém do fato de que, ao enunciar a terceira idade em uma sociedade marcada pelos valores da cultura exclusiva capitalista, que visa resultados, produzem-se efeitos de sentidos que, de um lado, possibilitam-nos compreender a construção de alguns discursos fundadores dos discursos (re)produzidos na atualidade; de outro, oferecem importantes elementos linguísticos e discursivos que nos permitem analisar os vestígios que atravessam e constituem os movimentos identitários da terceira idade.

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Márcia Andréa Almeida de Oliveira, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Formando o professor para usar o Livro Didático: desafios e possibilidades Orientadora: Roxane Rojo

Neste trabalho, com base nas propostas teóricas de Bakhtin (1993, 1997, 1999), de Vygotsky (1984, 2003), do interacionismo sociodiscursivo – proposto por Bronckart (2007) e seguidores, como Schneuwly & Dolz (2004) – e na didática de línguas (TARDIF, 2002; CHEVALLARD, 1985; DEVELAY, 1992; DABÈNE, 1995), pretendemos tanto verificar de que modo o professor usa o livro didático (doravante LD), como desenvolver um modelo didático e uma sequência didática deste gênero, com o objetivo de favorecer a apropriação de saberes a ele relacionados pelos professores participantes da pesquisa. Para tanto, propomos uma situação de pesquisa, que suponha, além de pesquisa qualitativa e de cunho etnográfico, intervenções nas práticas de sala de aula que favoreçam a mudança e a promoção dos professores a um melhor domínio do LD.

No que concerne ao andamento da pesquisa, estudos preliminares apontam que o LD possui relevância social, na medida em que o uso que se faz desse mega-instrumento pode influenciar na qualidade do ensino de língua portuguesa e, por conseguinte, no desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos. Além disso, percebemos que são poucas as pesquisas sobre o uso dele em sala de aula; sendo a maioria delas de cunho descritivo, isto é, busca explicitar os tipos de propostas para o trabalho com os conhecimentos linguísticos e com a compreensão e produção oral e escrita, como verificamos nas obras de Dionísio e Bezerra (2002) e Rojo e Batista (2003), entre outros. Rojo e Batista (2007), por exemplo, através de uma pesquisa survey a respeito dos estudos realizados no Brasil sobre o LD da Educação Básica, ressaltam que estes se inserem em diversas áreas do conhecimento, principalmente, na das Ciências de Linguagem. De acordo com os autores, em torno do LD, há dois tipos principais de pesquisa: a pesquisa diacrônica e a pesquisa sincrônica, a qual constitui a maior parte dos estudos feitos. Afirmam ainda que 46,80% dos trabalhos dedicam-se à análise de conteúdos e da metodologia, e 7% focalizam no uso do livro em sala de aula ou na escola. Em relação a este último dado, os autores destacam que as pesquisas sobre o uso do LD emergiram entre 1996 e 2003 e que o percentual refere-se ao uso pelo aluno e pelo professor, e a diferentes campos de conhecimento.

Por meio de um levantamento sobre pesquisas em torno do uso do LD, verificamos também que há uma carência quanto à formação do professor no que concerne ao conhecimento sobre o LD, como a pesquisa de Oliveira (2007) demonstrou. Segundo a autora, as questões ortográficas direcionam a forma de apropriação dessa ferramenta semiótica pelos professores de 4ª série (envolvidos no estudo), uma vez que as atividades construídas a partir do texto focalizavam nas relações grafofonêmicas. Sua pesquisa revelou que os docentes raramente usavam o LD e, quando o faziam, privilegiavam a seção do texto para tratar de questões gramaticais e que aquele adotado nas turmas observadas não funcionava como o

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regulador dos conteúdos nem como o protagonista em sala de aula. A autora afirma ainda que parece haver certo desconhecimento dos professores participantes da pesquisa em relação ao material com qual trabalham, o abandono dos livros atuais adotados pelas escolas, e um trabalho centrado na atividade de cópia do quadro e no ensino de metalinguagem. Os resultados da pesquisa, desenvolvida por Oliveira (2007), apontam ainda que o livro, nas turmas observadas, exerce a função de apêndice: é usado em função do conteúdo previamente definido pelos professores. Além disso, a autora menciona que eles frequentemente tomavam outros LD para preparar suas aulas (quando faziam!), assim estas ganhavam um formato semelhante ao do livro usado como referência: tópico gramatical, texto (geralmente poema) e perguntas de identificação de itens gramaticais. Refletindo sobre isso, podemos dizer que o professor já “internalizou” (CORACINI, 1999) um modelo de ensino, aquele presente nos livros, publicados principalmente nas décadas de 80 e 90 – que se diferem, em organização e abordagem teórico-metodológica, daqueles distribuídos atualmente pelo Programa Nacional do Livro Didático –, e o reproduz nas aulas.

Nossa pesquisa tem demonstrado ainda que o LD ocupa um lugar privilegiado nas práticas educativas escolares. Sabemos que ele, em algumas escolas, é o único instrumento presente, podendo contribuir para um melhor ensino, se consideradas as suas especificidades. Ademais, o livro, muitas vezes, serve como fonte de informação para o aluno, pois, ainda que o professor não o trabalhe em sala, ele funciona como uma fonte de pesquisa, como apontam os dados de Oliveira (2007). Por meio das entrevistas com dois alunos de cada turma observada (totalizando 12) e das visitas às bibliotecas das escolas, a autora percebeu que o aluno frequentemente consultava outros LD presentes na biblioteca da escola para fazer tarefas escolares e que gostava de ler, em casa, as histórias lá presentes. Isso mostra que o livro não só tem função de acervo na biblioteca, como também atravessa as fronteiras da sala de aula, exercendo a função de um “livro-texto”.

Além disso, verificamos que, embora o LD apresente deficiências (por exemplo, quanto às atividades voltados para o trabalho com o oral), é possível aproveitá-lo em sala – principalmente quando a produção de outros materiais é inviabilizada por questões econômicas, de formação etc. – de forma que as aulas de língua portuguesa não sejam centradas na metalinguagem.

Neste estudo, procuramos ainda aprofundar nossos saberes a respeito da formação do professor. Consultamos, por exemplo, Tardif (2002) que, ao refletir sobre a formação de professores, argumenta ser necessário levar em consideração os saberes oriundos do trabalho docente e de sua prática cotidiana. Para o autor, o saber docente é um saber plural, advindo da formação inicial e continuada, dos saberes disciplinares, curriculares e das experiências, o que requer a capacidade de dominar, integrar e mobilizar estes saberes, enquanto condição para sua prática. Defende que o saber está tanto do lado da teoria quanto da prática e que os conhecimentos só existem em um sistema de práticas. Segundo ele, o projeto pedagógico do professor traz marcas de sua individualidade e de diversidade de olhares, oriunda das interações das quais participou no âmbito da escola, da família, da universidade etc. Os estudos feitos até o presente momento permitem-nos afirmar que a apropriação/internalização do LD pelo professor faz-se necessária, pois ele medeia as estratégias de ensino, materializa as práticas de linguagem e prefigura ações de linguagem. Ações essas que implicam diferentes capacidades: “adaptar-se às características do contexto e do referente (capacidade de ação), mobilizar modelos discursivos (capacidades discursivas) e dominar as operações psicolinguísticas e as unidades linguísticas (capacidades linguístico-discursivas)” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004, p. 52).

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Maria Cristina Komatz Domitrovic, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas As posições-sujeito-autor em Pais brilhantes, professores fascinantes: o processo de atribuição de sentidos ao discurso pedagógico sobre educação circulante no Brasil Orientadora: Carmen Zink Bolognini Através deste estudo, que se insere na perspectiva teórica da Análise de Discurso Materialista, doravante AD, temos o objetivo de evidenciar o processo de atribuição de sentidos ao discurso pedagógico sobre educação no Brasil em circulação nos últimos anos. A AD provocou deslocamentos na forma como se pensa a noção de leitura. Assim como Orlandi, entendemos o discurso como efeito de sentido entre locutores e como imbricação inescapável entre língua e história. Da transparência, do sentido naturalizado, do identificar-se com a leitura, que apaga o efeito da alteridade, possibilitou-se um deslocamento para a opacidade, para a observação dos movimentos da interpretação, para uma leitura que trabalha o efeito de alteridade. Assim, enquanto analistas do discurso, entramos “no discurso da Análise de Discurso”, através da teoria e da análise, procurando uma leitura diferenciada, que estabelece uma relação com o funcionamento do discurso (cf. Orlandi, 2008, p. 21). Podemos afirmar de forma concisa, que esta é, em si, a nossa metodologia.

Procedemos à nossa análise a partir da construção de um dispositivo teórico mediador de nosso gesto de interpretação, que por sua vez leva à “construção de um dispositivo analítico fundado na noção de efeito metafórico”(Orlandi 2005). Enquanto analistas do discurso, tratamos de fatos e dados (Ginzburg, 1990) da linguagem presentes no texto, em sua materialidade lingüístico-discursiva e não do que está fora dela, de maneira sublimar ou oculta (Bolonhini, 2007). Dados empíricos não têm pertinência na AD, uma vez que implicam em separações entre objeto e sujeito, entre interioridade e exterioridade, entre concreto e abstrato, inviáveis da perspectiva da AD. Consideramos os dados como já sendo resultado de uma construção, pois estes já pressupõem um gesto teórico, uma interpretação. A exterioridade é constitutiva do discurso, sendo que nele o homem produz a realidade com a qual se relaciona (cf. Orlandi, 2004). Entendemos que a língua, em si, funciona ideologicamente, sendo que pensamos também a ideologia a partir da linguagem como um mecanismo que estrutura o processo de significação (Orlandi, 2005), e não sociologicamente enquanto algo que dissimula a realidade ou representa uma visão de mundo. Isto nos pode permitir, como diz Orlandi (2005), “atravessar o efeito de transparência da linguagem e a literalidade do sentido” através de nosso gesto de interpretação. Para nosso trabalho buscamos insumos, principalmente, nos textos de Eni Orlandi, Carmen Zink Bolonhini, Eduardo Guimarães e Maria José Coracini entre os pesquisadores nacionais, bem como na obra de Foucault e Althusser.

A participação do Brasil no PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos promovido pela OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)

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desencadeou e ainda vem desencadeando o que Orlandi (2007, p. 59) denominou “um processo de produção de sentidos” a respeito do qual levantamos alguns questionamentos: Que sentidos sobre educação vêm circulando no país nestes últimos anos? Ou ainda, como vem se dando a “legitimação do processo histórico da leitura” destes textos (Orlandi, 2006b, p.214)? Como estes textos sobre educação vêm sendo compreendidos? Partindo do pressuposto de que a unidade de sentido da enunciação, enquanto “um acontecimento de linguagem perpassado pelo interdiscurso” é um efeito do modo de presença das posições de sujeito no acontecimento enunciativo (Guimarães, 1995, p. 67-70), o principal aspecto de nossa investigação são as possíveis posições de sujeito-autor nos recortes de discurso selecionados para compor nosso corpus. O ponto de partida para a nossa análise são recortes do livro Pais brilhantes, professores fascinantes de Augusto Cury, escritor brasileiro que mais livros vendeu no país em 2005. Pais brilhantes, professores fascinantes (doravante Pb, pf), teve 800.000 cópias vendidas até meados de 2007, sendo até então, o segundo maior sucesso de vendas do autor, segundo o site www.terra.com.br/istoegente/edições. Trata-se, portanto de uma obra de ampla penetração e circulação em nossa sociedade, direcionada principalmente a pais e professores. Embora os livros de Augusto Cury apareçam na sessão Esoterismo e Auto-ajuda na listagem dos mais vendidos, o livro Pb, pf da Editora Sextante, é por ela classificado como um livro de Educação. Este aspecto será considerado em nossa análise, para a qual traremos como contraponto, por suas diferentes condições de produção, textos sobre educação estadunidenses, finlandeses e brasileiros veiculados em sites oficiais dos respectivos países, pois estes nos permitirão um deslocamento em direção a outras formações discursivas, e conseqüentemente a outras posições-sujeito.

Nosso posicionamento teórico nos possibilita problematizar os sentidos estabilizados que circulam em nossa sociedade, com suas instituições, entre elas a família e a escola, afetando não só os dizeres, mas também os processos de identificação dos sujeitos contribuindo para que sentidos já estabilizados sejam mantidos (Bolognini, 2007), quando a questão educação está em pauta. A partir da problematização da “tendência à homogeneização de tudo e de todos”, poderemos viabilizar rupturas e deslocamentos (Coracini, 1999), que poderão, por sua vez, propiciar, principalmente a sujeitos-leitores-professores a produção de outros sentidos para os discursos circulantes sobre educação. Partimos de duas perguntas de pesquisa principais e uma secundária: 1. Qual o modo de presença (Guimarães,1995) das posições do sujeito-autor no(s) discurso(s)? 2. Como este modo de presença das posições está relacionado com as instituições? 2a. Como os efeitos de sentidos produzidos por este(s) discurso(s) se relacionam ao processo de identificação dos sujeitos-professores? Assim, analisamos a posição discursiva do sujeito-autor, enquanto ideologicamente orientada, em suas relações com as instituições família, escola e Igreja.

Nosso interesse por um projeto que envolvesse a análise de discursos sobre educação da perspectiva da AD surgiu por acreditarmos que a análise de como os discursos sobre educação funcionam pode levar professores a questionamentos sobre o que parece óbvio e imutável em nossa sociedade (Coracini, 1999). O óbvio e o imutável permeiam as práticas discursivas na educação, através de modelos do que seria aprender ou ensinar corretamente, do que seria ser um bom professor ou um bom aluno do que seria um aprendizado eficiente que convenha a todo o sistema (cf. Andrade, 2008).

Entendemos que um aprendizado que convenha ao sistema implica num processo de ensino–aprendizagem que favoreça a estabilidade das relações de poder. Para Althusser (2003), é a escola que garante a estabilidade das relações de poder em uma sociedade,

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funcionando como Aparelho Ideológico de Estado. Ou seja, a educação formal, respaldada no saber científico, assevera a inquestionabilidade das verdades e uma interpretação única para os fatos e para o mundo (cf. Coracini, 1999).

Embora se tenha refletido muito sobre educação, entendemos estas reflexões como formas de reflexão já estabelecidas, por terem seu processo de significação estruturado pela ideologia conveniente ao sistema. Nosso posicionamento teórico propõe reflexões problematizadoras, que contemplam “o fragmentário, o disperso, o incompleto, o não transparente” (Orlandi, 2006b, p. 11-12), permitindo a explicitação do processo de atribuições de sentidos ao discurso pedagógico, aquele que se profere sobre a educação e aquele que se profere na educação.

Finalmente, entendemos ser importante salientar que a AD, conforme Possenti (2009, p. 14), baseando-se na teoria de Pêcheux não pretende julgar uma determinada leitura como sendo mais adequada do que outra, entretanto propõe-se a explicitar os caminhos que um leitor percorre ao atribuir determinados sentidos a um discurso. E ainda, uma vez que o conhecimento da língua em si não garante a leitura de um texto, diferentes leituras são possíveis.

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Marluza Terezinha da Rosa, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Ser/estar em (trans)formação: mo(vi)mentos identificatórios Orientadora: Maria José Coracini

Nesta comunicação, apresentaremos o andamento de nossa pesquisa, trazendo para discussão a análise inicial de alguns recortes do corpus que estamos construindo. O desenvolvimento de nosso projeto advém do interesse em compreender as possíveis intervenções do discurso acadêmico-científico na constituição de identidades. Com esse propósito, dispomo-nos a observar tal discurso a partir de seus bastidores, ou seja, considerando o processo de formação do pesquisador e não o produto de sua pesquisa. Buscaremos colocar em jogo os movimentos e embates que permeiam as práticas de habilitação para a pesquisa, contemporaneamente, potencializando sua problematização.

Para que possamos assim proceder, direcionaremos nosso olhar para o discurso de estudantes de pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento, no nível de doutorado, vinculados a instituições de ensino superior localizadas no Estado de São Paulo. A esses estudantes, propomos chamar de pesquisadores-em-formação.

Acreditamos que o gesto de nos voltarmos para o discurso desses interlocutores, por meio de uma perspectiva que o toma de dentro, já que também estamos imersos nesse processo, potencializa uma tomada de posição desconstrucionista frente ao edifício logocêntrico em que se tem pautado a produção do conhecimento científico. Desse modo, esta abordagem pode ser profícua no âmbito acadêmico atual, pois possibilita desestruturar as evidências, nas quais, muitas vezes, sustentamos nosso dizer, fato que nos conduz a questionar e a problematizar a construção de nossos próprios saberes.

Para o desenvolvimento de nossa pesquisa, tomamos como condições de produção a possível efervescência de uma nova ordem científica (a qual Sousa Santos (1988) chamou de ciência pós-moderna) e partimos do pressuposto de que as representações, ancoradas em relações imaginárias (acerca da ciência, do pesquisador/cientista e do fazer científico) são determinantes na constituição da identidade do pesquisador-em-formação. Esta consiste, em linhas gerais, na imaginarização de si mesmo, enquanto eu (enunciador), e do outro. No dizer desse enunciador, o falar de si pode ser compreendido como a construção de uma ficção, a qual consiste, sempre, em uma interpretação de outras interpretações (cf. FOUCAULT, 1987 e CORACINI, 2007). A construção dessa verdade ficcional acerca de si deixaria entrever uma tentativa (ou um desejo) de homogeneidade, de totalidade e de unidade. Desejo de representar a si mesmo como uno e único e de ser representado pelo outro da mesma forma, pois o falar de si só significa a partir da relação com esse outro.

Com base nesse pressuposto teórico, formulamos a hipótese de que a identidade do pesquisador-em-formação se constitui em um movimento de aproximação-afastamento com relação a uma imagem espectral de cientista/pesquisador, a qual seria construída por

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representações que possuem, como matriz especular, o paradigma dominante da/na ciência moderna.

A fim de desdobrarmos tal hipótese, levantamos os seguintes questionamentos: 1) qual é a imagem que os referidos estudantes de pós-graduação fazem do processo de formação e preparação para a pesquisa científica, a partir de seu fazer enquanto pesquisadores, filiados a determinados domínios de saber? 2) que efeitos o fato de estar em formação produz na construção imaginária que esses estudantes fazem de si ou do que seja ser cientista/pesquisador? 3) que traços de uma memória discursiva acerca da cientificidade são atualizados no dizer dos participantes? 4) é possível depreender indícios de singularização na materialidade linguístico-discursiva, por meio da qual os participantes constroem essa representação/ficção de si?

Ancorado em tais questionamentos, nosso trabalho visa a contribuir para as reflexões que discutem as políticas de formação e de preparação para a pesquisa, no Brasil, trazendo subsídios que permitam compreender os efeitos do atravessamento do processo de formação na constituição identitária do pesquisador.

Temos como objetivos específicos: a) questionar como se dá a constituição da identidade do pesquisador-em-formação, na relação com a discursividade em que este se insere; b) problematizar a influência de fatores constitutivos do processo formador na representação de si e do fazer científico, a partir do dizer desses interlocutores; c) articular o modo de formulação desse discurso a diferentes representações de cientificidade que o sustentariam; e d) indagar a respeito das (possíveis) formas de emergência da subjetividade no falar de si e sobre o processo de formação.

No que concerne à metodologia do estudo, o corpus a ser analisado será composto por entrevistas realizadas com estudantes de pós-graduação, conforme mencionamos. Estipulamos um número inicial de quinze entrevistados, que poderá ser redefinido no decorrer da pesquisa. As entrevistas serão ancoradas na questão-chave: Eu sei que você desenvolve um trabalho de pesquisa, vinculado a um curso de doutorado. Como você vê e como você se vê nesse processo? Entendemos que a formulação dessa questão norteadora permite tangenciar, no dizer do sujeito, múltiplas possibilidades de identificação e, consequentemente, de significação de si, por meio de, também múltiplas, posições assumidas no discurso.

Em um primeiro momento (fase em que estamos), realizaremos contatos com os interlocutores a serem entrevistados, solicitando sua colaboração para o andamento deste trabalho, bem como procederemos à realização das entrevistas, interpelando-os a falar sobre o processo de formação em que se encontram. As referidas entrevistas serão gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas.

Em um segundo momento, após transcritas, as entrevistas realizadas serão submetidas à apreciação dos entrevistados, para, então, construirmos nosso objeto de análise. Este será composto por recortes a serem destacados das entrevistas, bem como por apontamentos, também gravados em áudio e devidamente transcritos, decorrentes das impressões de leitura que o entrevistado será interpelado a fazer, a respeito de seu próprio dizer. Procederemos no gesto de recortar, dando ênfase ao modo pelo qual, ao falar de seu processo de formação e de seu fazer, enquanto pesquisador, o sujeito (se) diz e (se) significa. Esse gesto primará, portanto, pela escuta, ou seja, tomará o discurso não apenas pelo que o sujeito diz, mas, sobretudo no que ele diz, conforme destaca Tavares (2007).

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Noemia Fumi Sakaguchi, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Alfabetização em Português como Língua Estrangeira Orientadora: Raquel Salek Fiad

A Alfabetização em Português como Segunda Língua é um tema que vem sendo negligenciado tanto no meio acadêmico quanto no meio escolar. Crianças estrangeiras usuárias de alfabeto não-latino são forçadas a recorrer a aulas particulares com professores que, sem alternativas no mercado, utilizam o tradicional ‘método da cartilha’. No presente trabalho, apresentaremos alguns recortes acerca do processo de ‘alfabetizar letrando’ (v. SOARES, 2006) um grupo de crianças coreanas (entre 7 e 10 anos) que frequentaram nossas aulas de apoio de língua portuguesa (doravante LP) no transcorrer do ano letivo de 2007. Visávamos reverter a condição de “alunos copiadores” em que se encontravam: condicionados a fazer cópias passivas e sem atribuição de significado à escrita, concebida como um gesto puramente mecânico. O estudo foi norteado pela perspectiva do Modelo dos Contínuos de Biletramento de Hornberger (HORNBERGER, SKILTON-SYLVESTER, 2000; HORNBERGER, 2002, 2003, 2004) e contou com a contribuição de diversos campos de estudo: Aquisição da Escrita em Língua Materna (ABAURRE, 1986, 1987, 1988; ABAURRE, CAGLIARI, 1985; ABAURRE, FIAD, MAYRINK-SABINSON, 1997, 2003; CAGLIARI, 1998, 2000, 2007; DE LEMOS, 1983; FERREIRO, 1978; FERREIRO, TEBEROSKY, 1985; SILVA, 1989, entre outros), Aquisição de Segunda Língua (CORDER, 1981, 1992; ELLIS, 1985; GASS, SELINKER, 1994, entre outros) e Educação Bilíngue (BAKER, 1988, 1996; CUMMINS, 1984, 1986, 2003; CUMMINS, SWAIN, 1986; HORNBERGER, SKILTON-SYLVESTER, op.cit.; HORNBERGER, op.cit.; MAHER, 1998, 2007a, 2007b; SKUTNABB-KANGAS, 1981, entre outros), necessários para compormos um corpo teórico que abrangesse o intricado contexto da pesquisa. Com tantas variáveis em jogo, os dados gerados precisavam ser constantemente revisados e analisados, de modo a determinar o encaminhamento do estudo e a elaboração das práticas de letramento propostas. Destarte, adotamos como metodologia de pesquisa o estudo de caso, mais precisamente, a pesquisa ação (v. STENHOUSE, 1983). Era nosso propósito sanar problemas detectados desde o início do curso: as evidências indicaram que o uso exclusivo da cartilha pelos professores particulares visando à “escrita perfeita” resultou na automatização de cópias passivas e na avaliação por meio de ditados – mediante o uso de palavras descontextualizadas e pouco relevantes para a sua realidade, transformando o ato de escrever em um verdadeiro trabalho de Sísifo, em que acertos e “erros” resumiam-se a cópias. A frustração e a falta de motivação logo assolaram os alunos; seria necessário um longo processo “terapêutico” para superar os traumas e os estigmas criados e atribuir à escrita em LP alguma representatividade. Foi preciso ponderar, ainda, uma série de questões concernentes a backgrounds educacionais, sociais e culturais distintos, além da óbvia barreira linguística. Enquanto os alunos se debatiam com o imperativo grafocêntrico

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escolar e com as habilidades cognitivas acadêmicas exigidas pelas disciplinas de suas respectivas séries, apenas iniciavam o aprendizado das habilidades de comunicação interpessoal. Esta, evoluía lentamente, dadas as limitadas fontes de ‘insumo compreendido’ e ‘interação negociada’ (v. GASS, SELINKER, 1994). A LP padrão à qual os alunos eram expostos em sala de aula não se configurava como insumo compreendido, pois não era uma linguagem simplificada e relevante, tampouco negociada entre os participantes. Além disso, a LP padrão distinguia-se consideravelmente da LP oral à qual tinham acesso através das conversas informais com os colegas e, sobretudo, da interlíngua que produziam. “Seu português” era “diferente”, e a consciência deste fato gerava enorme desconforto – quando não gerava provocações por parte de outras crianças mono/bilíngues. As raras oportunidades de acesso à interação negociada eram normalmente restritas ao breve contato com as professoras – de sala e da aula de apoio –, visto que a maioria das crianças teve dificuldade em fazer amizades. A somatória de todos esses fatores reforçava ainda mais o sentimento de prostração. Visamos modificar este quadro através da construção de uma relação legítima com a escrita em LP, transformando-os em sujeitos que refletissem e atuassem sobre o objeto linguístico, capazes de atribuir uma função social à leitura/escrita. Para isso, acreditávamos na garantia ao aluno do direito à palavra, e isto só seria possível com a ‘escrita espontânea’ (FERREIRO, TEBEROSKY, 1986; DE LEMOS, 1983; ABAURRE, CAGLIARI, 1985; CAGLIARI, 1998; ABAURRE, 1986; ABAURRE, 1988; SILVA, 1989; CAGLIARI, 2000, 2003) e a derrubada da ‘grande divisa’ oralidade versus escrita. A ‘interlíngua’ (gramática individual, instável e dinâmica, distinta da língua materna padrão e da língua-alvo padrão) dos alunos seria o ponto de referência para elaborar hipóteses sobre a escrita. Ao valorizarmos, portanto, aquilo que dominavam – e não o contrário – os alunos se desprenderam gradualmente das cópias passivas. A riqueza das produções escritas a serem apresentadas não está na procura por erros ou no julgamento sobre esta ou aquela escolha, e sim, na própria possibilidade de escolha individual dos alunos, na chance de manifestarem suas hipóteses, de manipularem a escrita no novo alfabeto, de se libertarem dos modelos prontos, e, principalmente, no resgate de sua dignidade, ora através da exploração de seu conhecimento linguístico e de mundo, ora através da possibilidade de atuar sobre o interlocutor utilizando tais conhecimentos, atribuindo à escrita uma função social.

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Olívia Augusta Niemeyer Santos, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A experiência do limite: a tradução de “La Vérité en peinture” Orientadora: Maria Viviane do Amaral Veras

Minha tese pretende considerar a experiência da tradução de La Vérité en peinture (Paris:Champs-Flammarion, 1978), em seus vários aspectos, e reconhecer, na singularidade desse ato tradutório, algumas das questões e pressupostos que percorrerem o pensamento ocidental: a oposição fora/dentro; a possibilidade/impossibilidade do encontro com o outro; o mito da origem e a restituição como apropriação.

Em 1980, Jacques Derrida escolheu 10 de seus livros já publicados (seus “rebentos mais radicais”) para apresentar como defesa de doutorado por “mérito de publicação”. Entre os escolhidos, encontra-se La Vérité en peinture. A tradução desse livro me deu a oportunidade de levantar questões sobre limites, origem, hospitalidade, autoimunidade, como nos protegemos de e nos abrimos para o outro, para o estrangeiro. Em seus pontos limites, aqueles que resistem mais explicitamente à passagem para outra língua, a tradução de La Vérité en peinture pode ser considerada um operador apropriado para refletir sobre alteridade em seus diversos aspectos. Essa experiência-limite revela tanto a importância e a potência dos estudos da tradução para a reflexão desconstrutivista quanto à importância e a potência da reflexão de Jacques Derrida para os estudos da tradução.

Para Derrida, é preciso pensar a tradução, o encontro com o absolutamente outro, não pelo viés da reconciliação ou da tolerância – uma relação de força, unilateral, de cima para baixo, que impõe condições e exige a adaptação do outro a minha tradição - mas como uma experiência-limite: tentar dizer aquilo que chega até nós e que não dominamos. A tradução hospeda o original, o estrangeiro, e experimenta suas aporias, suas exigências, permite que a potência do limite atue nesse confronto com o outro, anunciando e provocando (por um processo de autoimunidade) a abertura para a alteridade incontornável do estrangeiro.

Neste trabalho trata-se, no fundo, e sempre, da questão dos limites entre línguas, das fronteiras entre original e tradução. Trata-se de ficar atenta à passagem entre o francês e o português na tradução de La Vérité en peinture, preocupando-me em justificar (e autorizar) minha tradução, mesmo quando coloco em dúvida sua possibilidade. Trata-se de indagar o que está em jogo quando se fala de fronteiras, de limites, de passagem entre as diversas línguas que cruzam o texto derridiano, sem esquecer que, em La Vérité en peinture, o francês faz lei e a tarefa da tradutora é prestar atenção e tributo à diferença entre essas duas línguas, aceitando e problematizando toda expressão “quase-intraduzível”. Trata-se, em suma, de trazer, para “dentro” do português, a questão da traduzibilidade de uma língua “fora” de suas fronteiras linguísticas, de considerar cuidadosamente os limites do ato tradutório. Limite e não morte dessa tarefa já que, nesses pontos limites, impõem-se principalmente a análise da importância da potência do limite na tradução e o limite dessa mesma potência. Não fazer a experiência da potência do limite seria edulcorar, explicitar ou simplificar o texto original

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com uma tradução que não se arrisca a dar um passo além nem avança sobre o território estrangeiro. O limite da potência do limite seria ultrapassar o ponto em a experiência da tradução se extravia, a tradução se torna errada/errante, a tradutora perde seu rumo e desorienta seus leitores.

É importante considerar, entretanto, que, quando se fala em ultrapassar os limites do original, não se trata de um “jogo” sem regras em que qualquer tradução/interpretação seria possível, mas essas regras não podem ser estabelecidas formalmente, já que são flexíveis e dependem, no limite, de uma relação de força que dá ou não o aval para que algo de “fora” contamine o que está sendo cuidadosamente guardado “dentro” de limites necessários.

A passagem entre fronteiras é sempre problemática, ela se anuncia por um “passo”, uma oscilação entre a possibilidade de passagem e sua negação, como dá a ler o termo “pas”, em francês, muito utilizado pelo filósofo (e dá a ver também a tentativa, por parte da tradutora, de destacar o que o verbo “passar”, em português, pode ter de negativo). A linha que delimita uma língua da outra, a alfândega, a polícia, o visto, o passaporte, a identidade do autor e da tradutora, tudo isso é feito por uma fronteira inefável, problemática. O transpor dessa fronteira, pela tradutora, não é uma escolha, algo que se pode ou não fazer, já que o limite não se deixa produzir como um conceito, com determinações bem enquadradas, emolduradas, nem mesmo como uma tese que vise a conclusões definitivas e demonstráveis. É mais próximo de um sentimento de abismo, de um vácuo que se anuncia a cada “passo”.

Podemos levantar questões sobre a ultrapassagem dos limites entre original e tradução a partir da metáfora biológica da autoimunidade, como foi criada por Derrida em seus últimos livros: Voyous, na entrevista “Auto-imunidade: suicídios reais e simbólicos” e em Foi et Savoir, em que o filósofo francês examina questões políticas, teológicas e filosóficas com ênfase nos conceitos de soberania, identidade, democracia, em como os herdamos e como os transformamos. Derrida argumenta em torno das aporias inerentes a esses conceitos tradicionais, ressaltando um processo de “autoimunidade” que os ameaça, mas que, ao mesmo tempo, permite a sobrevida desses mesmos conceitos.

Para tanto, o filósofo recorre a noções que se encontram fora dos limites da filosofia, importando um conceito da Biologia: nosso corpo possui um sistema imunológico que evita que algo de “fora” - que o estranho ou o estrangeiro (um vírus ou uma bactéria, por exemplo) - entre “dentro” dos limites do corpo e o destrua. Entretanto, em algumas ocasiões, entra em funcionamento um outro sistema autoimunológico, que ataca ou enfraquece esse mesmo sistema imunológico, permitindo que o de “fora” invada os limites do “dentro”. Mas essa invasão não é sempre ou não é somente uma ameaça, um perigo. É também o que permite, por exemplo, a aceitação de um enxerto ou de um órgão retirado de outra pessoa. Permite que algo de “fora” salve o paciente. Possibilita, portanto, uma sobrevida. Sobrevida do corpo e, utilizando o conceito de autoimunidade de forma mais ampla ou como uma metáfora para o que acontece no embate entre autor e tradutor, sobrevida do texto original.

Neste trabalho, a metáfora biológica da autoimunidade, utilizada por Derrida em seus últimos textos, vai ser o ponto de partida para comentar a tradução de La vérité en peinture, procurando articular os quatros capítulos do livro com quatro questões tradutórias: 1. a fronteira entre original e tradução; 2. o ponto limite; 3. o paradigma e seus desdobramentos e 4. a restituição do texto “a quem de direito”, ao autor. Não se trata, entretanto, de apagar as diferenças entre original e tradução, mas de problematizar essa diferenciação, ou, para ficar “dentro” da metáfora política/biológica de Derrida, de examinar suas fronteiras.

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Patrícia Nogueira da Silva, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Os “problemas de aprendizagem” nas classes de alfabetização: silenciamento de singularidades Orientadora: Maria José Coracini

A alfabetização é um período específico do processo de escolarização, constantemente discutido e repensado em função de questões peculiares referentes à aquisição da leitura e da escrita. As dificuldades que podem ser encontradas nesse momento de dupla aquisição acarretam entraves ao aprendizado dos alunos ao longo de seu percurso escolar, ao trabalho de ensino do professor e à atuação de outros profissionais na interface com a Educação.

O processo de alfabetização, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, é definido como “ato ou efeito de alfabetizar, de ensinar as primeiras letras” e, de acordo com o Dicionário Aurélio, “ensinar ou aprender a ler e a escrever (com a devida compreensão das palavras e do contexto)”. Inserção da criança na cultura, sistematização das linguagens utilizadas no cotidiano que incluem letras e números, acesso à sociedade letrada, interpretação do que pode ser lido e escrito por todos aqueles que pertencem ao grupo dos alfabetizados: estes parecem ser os principais objetivos de tal processo.

Partindo de uma perspectiva mais complexa, fundamentada no olhar psicanalítico, a alfabetização pode ser considerada como uma das portas de entrada do sujeito na linguagem. Um processo que permite sua inserção na rede simbólica dos discursos sociais que determinam sua constituição enquanto sujeito e sua relação com os diversos dizeres vigentes sobre o mundo. Essa é a concepção de alfabetização escolhida para nortear a pesquisa.

O objetivo desse trabalho é apresentar e discutir alguns pontos da pesquisa em andamento: o quadro teórico-metodológico e recortes do dizer de professores das classes de alfabetização sobre a temática escolhida – os “problemas de aprendizagem”.

Essa pesquisa pretende problematizar a naturalização do discurso psicológico no campo pedagógico, determinante nas representações desses professores sobre os “problemas de aprendizagem”. Fundamentada na psicanálise e na perspectiva discursiva, essa pesquisa procura investigar como essas representações, manifestas na materialidade lingüística, podem incidir na relação entre professores e alunos e em seus modos de subjetivação.

O aumento do número de pais, procurando pela clínica de psicanálise, com o objetivo de diagnosticar e “solucionar” os supostos “problemas de aprendizagem” de seus filhos, despertou o interesse pelo tema.

Atualmente, podemos observar nas escolas como os saberes da medicina e das ciências humanas, legitimados e autorizados pela academia, produzem conceitos que são disseminados nos cursos de graduação e formação continuada de professores. A Psicologia

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e até algumas noções de Neurologia embasam os discursos sobre os chamados “problemas de aprendizagem”, expressão que ganhou caráter e denominação médica – os distúrbios ou transtornos: quadros clínicos que autorizam, em última instância, o uso de medicação associado ao acompanhamento psicológico. Na medida em que estes procedimentos se intensificam e se naturalizam no contexto escolar, abre-se espaço para essa pesquisa.

A escolha pelas classes de alfabetização surgiu em função da maior freqüência de encaminhamentos de alunos que se encontram nessa etapa da vida escolar, período marcado por peculiaridades. Sabemos que a curiosidade e o prazer pela descoberta acompanham o ser humano, mas a entrada na escola exige da criança uma passagem da aprendizagem pela via do lúdico para uma outra forma de saber sistematizado de acordo com as regras impostas pelo adulto. Nesse momento, muitas vezes, surgem obstáculos: crianças que se recusam, de modo inconsciente, a aprender.

Assim, quando nos debruçamos mais atentamente sobre o cotidiano escolar e os freqüentes impasses do processo de ensino-aprendizagem, em especial nas classes de alfabetização, em função do que destacamos acima, pensamos na relevância de uma investigação a respeito do imaginário de professores-alfabetizadores sobre sucesso e fracasso no campo da aprendizagem.

A decisão de apresentar um pequeno questionário e, em seguida, entrevistar os professores das classes de alfabetização decorreu da possibilidade de os mesmos manifestarem, na materialidade lingüística, suas representações sobre os “problemas de aprendizagem”.

Tentando mobilizar o imaginário desses professores quanto ao processo de alfabetização e aos problemas que decorrem desse mesmo processo, reunimos algumas respostas que partiram das questões que se seguem: (1) Fale a respeito do processo de alfabetização; (2) O que você pensa sobre os “problemas de aprendizagem”?

O corpus dessa pesquisa é composto de recortes selecionados entre as respostas às questões acima mencionadas e as entrevistas semi-estruturadas que foram gravadas com os mesmos professores, retomando as temáticas abordadas anteriormente. A análise da materialidade lingüística é fundamentada nas teorias do discurso e em algumas noções da psicanálise e se dá através de uma problematização teórica e analítica dos registros, tendo em vista um gesto de interpretação.

Assumimos, nessa pesquisa, a denominação de inibição intelectual trazida pela psicanálise, descartando dificuldades de ordem sensorial, lesional ou genética e contrariando a terminologia “problemas de aprendizagem” em que o aspecto cognitivo ganha maior relevância. Aprendizagem envolve desejo, remete às relações consigo e com o outro. Quando irrompe uma inibição intelectual a pulsão de saber é interditada em função de conflitos inconscientes que demandam um “nada saber”. De acordo com nossos pressupostos teóricos, acreditamos que esse rótulo “problemas de aprendizagem” é colado naquele aluno que se diferencia dos demais, desconsiderando o que há de subjetivo, silenciando as singularidades que povoam uma sala de aula.

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Paula Baracat De Grande, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Co-construção identitária na interação: argumentação e embate na construção da filiação teórica Orientadora: Ângela Kleiman

O trabalho tem como objetivo apresentar uma parte da análise de dados de minha pesquisa de mestrado, em fase de conclusão, sobre a construção de identidades profissionais de professores em uma experiência de formação continuada. A pesquisa tem como objetivo geral investigar o processo de construção de identidades profissionais de professores em um curso de formação continuada, realizado dentro do programa Teia do Saber. Consideramos as identidades como construídas e reconstruídas nas práticas discursivas e, portanto, múltiplas (HALL , 1998). A pesquisa assume que o processo de formação profissional é identitário (KLEIMAN, 2005; MERTZ, 1992) e pretende entender como vão se co-construindo as identificações dos professores e formadores com práticas, conceitos, teorias, já que a construção identitária se dá na relação e no embate entre os co-enunciadores – formadores e professores. A pesquisa, de caráter qualitativo-interpretativista (MOITA LOPES, 1994; DENZIN e LINCOLN, 2006), parte da perspectiva sociocultural dos Estudos de Letramento (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995; COLLINS; BLOT, 2003) e da concepção de linguagem dialógica do Círculo de Bakhtin (BAKTHIN, 1988, 2003; VOLOSHINOV, 1995). A perspectiva sociocultural dos Estudos de Letramento, caracterizada como socioantropológica e etnográfica, implica olhar e interpretar as práticas sociais que envolvem a escrita, como o caso de um curso de formação, a partir da situação em que tais práticas ocorrem, pois considera que as práticas de letramento em que os sujeitos se engajam são situadas, dependentes dos contextos e mudam conforme a situação de comunicação. Essa perspectiva procura “flagrar e compreender as atividades de leitura e escrita no âmbito das práticas sociais em que ocorrem” (MATENCIO, 2009, p. 5), o que permite a investigação dos usos efetivos da linguagem, em diferentes grupos e por diferentes sujeitos. Tal compreensão dos usos da língua coaduna-se com a compreensão de que a linguagem nunca se dá no vazio, mas sempre numa situação histórica e social concreta, através da interação (VOLOSHINOV, 1995), concepção esta advinda dos estudos do Círculo de Bakhtin.

O curso observado, oferecido pelo Grupo Letramento do Professor do IEL/UNICAMP entre junho e novembro de 2006, teve como foco noções e conceitos dos estudos da linguagem para professores alfabetizadores e se baseou em três principais frentes teóricas: a concepção de linguagem do Círculo de Bakhtin, a abordagem sócio-cultural dos Estudos de Letramento e a os estudos sobre os aspectos sócio-cognitivos da leitura (VALSECHI, 2009). Nesse contexto, diferentes vozes relacionadas a conceitos, teorias e práticas concernentes à profissão docente emergiam no discurso de professores e formadores engajados no processo de ensino/aprendizagem. As construções identitárias no

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curso de formação continuada revelam as vozes que circulam na formação e na prática do professor, com as quais ele se identifica ou não. Conhecer essas vozes e entender esse processo é importante para repensar a atuação dos formadores de professores e refletir sobre como melhorar a interação entre esses diferentes agentes na formação continuada. O conceito de vozes sociais vem da perspectiva bakhtiniana, que defende que a dialogicidade característica da língua referente aos enunciados de outrem pode ser compreendida a partir do conceito de vozes sociais, discutido no estudo do romance de Bakhtin (1988). No “plurilinguismo social” da língua, os diferentes discursos admitem uma variedade de lugares de enunciação, ou de vozes sociais. Definidas dessa maneira, as vozes podem ser surpreendidas na enunciação (VÓVIO, 2007) ao identificar os discursos que circulam e as significações apropriadas sobre um determinado objeto. A interação em sala de aula de um curso de formação continuada se caracteriza como institucional por apresentar metas específicas do encontro social em andamento e por identidades institucionais específicas que os participantes tornam relevantes ao construírem a interação (GARCEZ, 2002, p. 58); ou seja, a meta de um curso de formação continuada – ensino-aprendizagem de determinados conceitos e/ou teorias de uma determinada perspectiva relacionada à prática docente – restringe condutas e construções identitárias. Uma das peculiaridades da interação institucional, estudadas por Garcez (2002) a partir do referencial da Sociolinguística Interacional e da Análise da Conversa Etnometodológica no que se refere à interação em negociação comercial, é a atividade de argumentar. De acordo com Garcez (2002), a negociação e argumentação na interação institucional têm características distintas da argumentação em conversa cotidiana, pois os participantes se orientam para a necessidade de alcançarem um alinhamento em relação à questão em disputa e, nesse processo, ao invés de qualificar suas posições como opiniões pessoais, “argumentadores-negociadores devem apresentar razões, dar satisfações, ou prestar contas, por seu não-alinhamento com a outra parte” (GARCEZ, 2002, p.67). Em interações institucionais, a necessidade de alcançar um alinhamento em relação à questão em disputa faz com que os participantes se empenhem em determinar o encerramento de suas sequências argumentativas. Nesse ponto, os participantes acabam por construir uma juntura conversacional em que há duas versões discursivas para um mesmo estado de coisas do mundo (GARCEZ, 2002, p.63). A análise a ser apresentada enfoca um dado de interação entre professores alfabetizadores e formador, marcada pelo conflito, em que há um embate argumentativo entre os co-enunciadores. O debate entre formador e professoras alfabetizadoras nos excertos de interação apresentados ocorre justamente para determinar se as diferentes partes – formador e professores – estão ou não falando a partir de uma mesma perspectiva, sobre um mesmo estado de coisas do mundo. A partir dos condicionantes institucionais da interação em sala de aula de um curso de formação continuada, em que as professoras alfabetizadoras são posicionadas como alunas e lidam com conceitos novos, da área da linguagem, uma abordagem que difere de sua formação inicial, analiso como os participantes negociam sentidos, como argumentam para defender posições e teorias e como, nesse processo, constroem identidades profissionais. Tais argumentações são construídas através do alinhamento a valores, crenças e interesses particulares envolvidos na formação e atuação docentes. Nesses momentos de embate, marcado pelo uso repetido do operador argumentativo “mas” pelos co-enunciadores, que contrapõe argumentos para conclusões contrárias (GUIMARÃES, 2002; KOCH, 1992; MAINGUENEAU, 2002), as professoras constroem uma orientação argumentativa contrária a do formador e, como efeito, formam um coletivo entre os professores em oposição a ele. Nesse processo de

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construção identitária, há a filiação teórica a uma outra perspectiva de um outro curso de formação continuada. Essa filiação e explicitação de um outro modelo de formação, baseado em outra perspectiva teórica, leva à discussão sobre os conceitos não compatíveis que estão na base do embate entre formador e professoras. A partir da análise dessa interação, é possível perceber que não ocorrem ajustes entre as perspectivas dos participantes a fim de alcançar a construção conjunta de sentidos. Ao não se alinharem na negociação de sentidos e não resolverem a disputa em questão, formador e professoras alfabetizadoras trazem diferentes vozes sociais para a argumentação, as quais apontam para discursos divergentes sobre o que é uma aula de leitura e, por conseguinte, algumas noções que subjazem essa concepção, como a de texto e a de leitura.

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Pedro Lazaro dos Santos, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas Falar Inglês é Preciso: Errâncias no Ensino/Aprendizagem do Inglês no Ensino Médio Orientadora: Maria Viviane do Amaral Veras

A pesquisa em andamento tem como base o aluno de ensino médio e o discurso em sala de aula de inglês como língua estrangeira, analisando de que maneira a globalização afeta a(s) identidade(s) dos mesmos. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais um dos objetivos do ensino de Língua Estrangeira no Ensino Médio é o de formar alunos capazes de se comunicarem nessa língua, tendo como modelo o futuro profissional bi e mesmo trilíngüe. Tal objetivo não é alcançado devido a alguns fatores importantes na formação dos alunos, como: a crença dos próprios professores de que seu trabalho não é legítimo, de que o aprendizado de língua estrangeira somente se dá em escolas de idiomas e de que esse deve ser o modelo de ensino a ser adotado. Acrescente-se a isso a influência da escola, da família e da mídia nesse processo, colaborando (ou não) com a construção da imagem que o aluno venha a ter de si mesmo e a conscientização dos próprios alunos que, pouco a pouco, vão compreendendo que o inglês não é um objeto-mercadoria (commodity) pronto para ser adquirido e utilizado, mas algo que depende de uma aprendizagem que, na grande maioria das vezes, não ocorre. Observar até que ponto os alunos são influenciados por esses fatores na constituição de sua(s) identidade(s) é o objetivo primordial deste trabalho, além de analisar o aluno inserido num mundo globalizado e cada vez mais dependente da aprendizagem de uma segunda língua.

Para os objetivos específicos, a pesquisa buscará analisar como uma idéia que é atribuída ao ensino de Língua Estrangeira (LE) nas escolas públicas pelos próprios professores afeta o entendimento dos alunos sobre sua identidade, perante o aprendizado dessa mesma LE. Também, verificar como a própria escola, a família e a mídia colaboram ou não para a perpetuação desse paradigma, sabendo que sua ideologia é expressa na linguagem do aluno inserido nessas instituições. Além disso, a pesquisa trará meios de refletir sobre a influência da globalização na vida e na formação dos alunos de ensino médio, encarados como mão-de-obra pronta a ser utilizada. E, finalmente, aumentar a compreensão sobre o ensino de inglês como um processo de aprendizagem e não como um objeto-mercadoria (commodity) pronto para ser consumido e utilizado.

Para compor o corpus da pesquisa, será estudado um grupo específico de participantes, de maneira observacional. Os participantes são jovens em situação de vulnerabilidade social entre 16 e 19 anos que participam de um programa de ensino de inglês como língua estrangeira em uma organização internacional e laica, sem fins lucrativos, que atua em diversos países. Esses alunos estão matriculados no ensino médio, regular ou técnico, e têm inglês como disciplina curricular.

A presente pesquisa qualitativa e de cunho etnográfico será colocada em uma perspectiva antropológica interpretativista, pois, as práticas sociais podem ser vistas como

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formas de expressão que sempre têm algo a ser dito sobre algum aspecto do ambiente social no qual se inserem. Essa abordagem promove a etnografia de descrição densa, a qual leva em conta as diversas estruturas conceituais e significativas que moldam as ações humanas. A descrição densa consegue diferenciar ações, as quais parecem ser iguais, mas têm significados diferentes.

Adota-se, portanto, uma abordagem discursiva de sentido e de sujeito, a qual postula que os sentidos de todo e qualquer discurso são constituídos no interdiscurso, entendido como o conjunto do dizível, o exterior de um discurso que determina o que é ideologicamente formulável em um discurso determinado.

Quanto à questão do sujeito inserido e interagindo com a sociedade, aproximei-me da teoria não-subjetivista da subjetividade de Pêcheux e da teoria dos Aparelhos Ideológicos de Estado de Louis Althusser. Com base nessas teorias é possível ver as interações do sujeito, como indivíduo guiado por intenções, com a família, a escola e a mídia, que funcionam pela ideologia.

No âmbito da teoria do discurso, sua constituição, sua interação com as memórias discursivas e sobre os interdiscursos provenientes das interações entre professor e aluno, me voltarei ao pensamento de Michel Foucault sobre o discurso, como uma reverberação da verdade e sobre como tudo pode tomar a forma do discurso. Importante, também, para essa pesquisa é a Noção de Interdiscursividade, falando sobre a heterogeneidade da identidade do discurso. Sobre a interação entre o sujeito e a situação e sobre como a memória aciona as condições de produção, me basearei nas noções de Condições de Produção, Formação Discursiva e Interdiscurso trabalhadas por Norman Fairclough.

Em relação à globalização, partirei do princípio de que esse fenômeno não é recente e que as identidades culturais estão sofrendo mudanças em conseqüência desse acontecimento global, e que a globalização tem um impacto sobre as identidades nacionais. Também, para analisar meus dados, me voltarei à importância da aprendizagem da LE e ao fenômeno de internacionalização da língua inglesa em nosso mundo.

Elementos da Análise de Discurso Crítica e dos Estudos Culturais foram utilizados como base teórica para o delineamento da pesquisa e do primeiro questionário respondido pelos participantes. Na primeira parte da pesquisa, que envolve a seleção dos participantes, foram utilizados questionários com perguntas abertas; na 2ª parte da pesquisa, que está em vias de se realizar, será utilizada a observação das aulas de inglês dos participantes envolvidos com o início da pesquisa, através de gravação em áudio e notas de campo.

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Raquel Gomes Marcelino, Metsrado em Lingüística Aplicada – Universidade Estadual de Campinas A proficiência do professor de inglês como língua estrangeira: algumas considerações Orientadora: Matilde Virgínia Ricardi Scaramucci

Pesquisas sobre a formação do professor de inglês como língua estrangeira (Bertoldo, 1995; Basso, 2001; Carvalho, 2008; dentre outras) têm demonstrado as dificuldades dos cursos de Letras em cumprir satisfatoriamente o seu papel formador. Em 1996 a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) extinguiu a obrigatoriedade de currículos mínimos dos cursos de Ensino Superior e, em seu lugar, foram estabelecidas as diretrizes curriculares objetivando a flexibilização dos cursos. Segundo as Diretrizes Curriculares para os cursos de Letras (DCL), esses deverão ter estruturas flexíveis ficando a cargo das Instituições de Ensino Superior definições como o perfil, a carga horária e as atividades curriculares do futuro profissional.

Uma análise das DCL mostra vagueza com relação a uma questão que é central nessa discussão, ou seja, a caracterização do nível de proficiência do futuro professor de inglês. Scaramucci (2000) aponta que não se poderia pensar em políticas lingüísticas para o ensino de língua estrangeira (LE) ou em políticas para a formação do professor em contextos de ensino sem a necessidade de pensarmos em um conceito de proficiência norteando as decisões tomadas. A autora observa que, em geral, o conceito de proficiência que tem fundamentado muitas práticas tem sido um conceito de proficiência vista de forma absoluta, baseada naquela do falante nativo ideal. No entanto, temos não apenas uma única proficiência, mas diversas, dependendo das especificidades da situação de uso da língua. Ainda, segundo a autora, mais adequado seria pensarmos em uma proficiência definida de forma relativa, que deveria incluir o propósito ou a finalidade da situação-alvo.

A atividade de ensinar uma LE deve ser considerada uma situação específica, que tem propósitos específicos e requer, portanto, um determinado nível ou níveis de proficiência. Nesse sentido, buscaremos desenvolver esse trabalho na perspectiva do inglês para fins específicos, por seus aspectos centrais que são: atender às necessidades dos aprendizes em situações de trabalho ou de estudo; relacionar os tópicos de seu conteúdo com atividades e profissões determinadas; e deter-se na língua apropriada para essas atividades e profissões (Elder, 1994; Celani, 1997; Basturkmen & Elder, 2004). Assim, faremos um levantamento de necessidades de uso da língua na situação-alvo baseando-nos em Ellis (1988); Elder (1994); Carvalho (2008); e em minha experiência como professora de inglês já tendo atuado na escola pública, particular e instituto de idiomas.

Tendo como fundamentação teórica o acima exposto, objetivamos em nossa pesquisa de mestrado: i) analisar competências e habilidades que devem constituir o perfil do graduado em Letras, segundo as DCL, para entender o que esses documentos definem em relação à proficiência do professor que está sendo formado; ii) analisar currículos de três faculdades de Letras para inferir que conceito de proficiência tem fundamentado esses

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currículos e quais são as características dessa proficiência; iii) com base em um levantamento de necessidades de uso da língua na escola pública, propor diretrizes específicas para a proficiência do professor, que poderão ser usadas na elaboração de um currículo ou na elaboração de um exame de proficiência que poderá ser utilizado como instrumento redirecionador dessa formação.

Embora o professor que está sendo formado atue em diferentes contextos, nos restringiremos ao contexto da escola pública, que é o que se encontra em situação mais precária, visto que as autoridades educacionais dão pouca ênfase a esse âmbito de ensino (Celani, 2003). A população mais afluente, como pude constatar em minha prática docente, além de estudar em escolas particulares, busca o conhecimento da LE em institutos de idiomas ou até mesmo em países onde o inglês é a língua materna. Portanto, não há uma real preocupação por parte dos sujeitos envolvidos (pais, alunos, escola particular, governo) nesse contexto de ensino em relação à qualidade da formação do professor de inglês e do ensino dessa disciplina. Quanto aos institutos de idiomas, conforme venho observando ao longo dos anos em minha prática, os professores não precisam necessariamente ter graduação em Letras. Desde que tenham experiência de ensino, nível avançado no idioma, geralmente comprovado através de uma redação, de uma entrevista e da apresentação de um certificado internacional recente de proficiência, poderão fazer um treinamento e ser contratados. Carvalho (2008) salienta que o fator lingüístico é mais importante no processo seletivo de professores atuantes em institutos de idiomas, enquanto que, na escola pública e particular não é considerado como um aspecto decisivo. A autora esclarece que em escolas públicas e particulares a qualificação exigida para a atuação no mercado de trabalho é a Licenciatura Plena em Letras.

No tocante à metodologia, a pesquisa define-se como interpretativista de natureza qualitativa e de cunho etnográfico (Erickson, 1986; André, 2005; Denzin & Lincoln, 2006). A pesquisa qualitativa adota uma visão epistemológica que valoriza a maneira própria de entendimento da realidade dos participantes. Os instrumentos para a coleta de dados são de cunho etnográfico uma vez que faremos uso da análise documental e de entrevistas. Neste estudo, os documentos que utilizaremos como fonte de informação serão: a) DCL, especificamente a subseção 2 da segunda parte, onde constam as competências e habilidades do graduado em Letras; b) carga horária do componente curricular de língua e literatura inglesa de três cursos de Letras escolhidos a partir dos conceitos atribuídos pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), em 2005.

O ENADE avalia o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação, o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias ao aprofundamento da formação geral e profissional, além do nível de atualização dos estudantes com relação à realidade do Brasil e do mundo. Os conceitos utilizados no ENADE variam de 1 a 5, sendo que, à medida que esse valor aumenta, melhor é o desempenho no exame. Do total de 714 cursos de Letras avaliados no ENADE/2005, 287 cursos obtiveram conceito (3). No Brasil todo, dezessete cursos atingiram o conceito máximo (5) e apenas seis cursos obtiveram o conceito mínimo (1). A maior parte dos cursos situa-se na região sudeste. Sendo assim, selecionamos três cursos localizados nessa região levando em consideração o conceito de desempenho dos alunos no exame. Foram escolhidas três instituições nas quais ao desempenho dos estudantes foram atribuídos os conceitos cinco (5), quatro (4) e três (3). Poderemos, dessa forma, analisar e fazer algumas interpretações acerca da visão de proficiência das instituições em questão.

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Além da análise documental, o levantamento de necessidades de uso da língua na situação-alvo será submetido a três lingüistas aplicados envolvidos na formação de professores de LE, que posteriormente serão entrevistados para propor elementos que devem fazer parte do desenvolvimento do perfil de proficiência do professor de inglês nos cursos de Letras.

A comunicação tem por objetivo apresentar as linhas gerais e os primeiros resultados da nossa pesquisa de mestrado.

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Rita de Cássia Rodrigues Oliveira, Mestrado em Lingüística Aplicada – Universidade do Estado do Rio de Janeiro Leitura na Internet: O projeto de um estudo exploratório aplicado à área de E/LE Orientadora: Cristina de Souza Vergnano Junger

A proposta deste trabalho é apresentar o projeto que traz as diretrizes básicas para o desenvolvimento da investigação de mestrado intitulada Como os professores de E/LE interagem com o não-verbal em ambiente virtual: Um estudo exploratório sobre processamento leitor e TICs. Essa investigação esta inserida no “Projeto Interleituras: interação e compreensão leitora em língua estrangeira mediadas por computador”, sob a coordenação da professora doutora Cristina Vergnano Junger, desenvolvido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. O fato que motivou a investigação que será apresentada parte de uma observação prática do processo de busca de materiais didáticos na Internet executada por professores de espanhol num centro de recursos didáticos de espanhol.

Os objetivos gerais são acompanhar e analisar o processamento leitor de professores de espanhol como língua estrangeira (E/LE) em ambiente virtual, enfocando a leitura ou não leitura do não-verbal na Internet. Os objetivos mencionados têm a função de nortear a resolução dos problemas de pesquisa, a saber: (a) como se dá a leitura do não-verbal nos textos de Internet; (b) em que medida essa leitura (ou não leitura) contribui para (ou compromete) a construção do sentido e o alcance dos objetivos estabelecidos para a leitura pelo leitor.

Esta pesquisa de mestrado é exploratória, com dados observados. O enfoque de análise será qualitativo. Terá como corpus os dados observados, ou seja, o resultado do acompanhamento do processamento leitor de textos não-verbais, realizado pelos docentes de E/LE convidados a participar como informantes, em ambiente virtual da Internet. O acompanhamento das leituras será realizado de duas formas: por um lado, tendo a presença da pesquisadora, que registrará a atividade num diário e, por outro, através do auto-registro, em protocolo escrito de leitura, preenchido pelo próprio informante durante seu trabalho.

Para coletar os dados, teremos como ferramenta os protocolos de leitura (Cavalcanti, 1989) e uma entrevista inicial. A seleção dos informantes leva em consideração: (a) viabilidade de contato entre eles e o pesquisador, já que este trabalha no projeto de extensão que tem como público alvo professores de E/LE já formados ou em formação; (b) pertinência e caracterização (para a pesquisa, é relevante que os docentes atuem em diferentes níveis de ensino e tenham níveis distintos de faixa etária e de formação acadêmica).

Uma pesquisa preliminar na literatura especializada em Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) na educação permitiu perceber que, no que tange ao ensino de línguas estrangeiras, os trabalhos divulgados estão à margem do que se pretende discutir nesse projeto de mestrado. Grande parte dos trabalhos está voltada para aplicações ao

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ensino do inglês, e não do espanhol. Muitos apresentam os problemas pelos quais os professores passam, mas não detalham ou se aprofundam no tema, nem em soluções. Conforme podemos perceber nas palavras de Buzato (2001), os estudos não especificam efetivamente o tipo de problema enfrentado pelo professor pouco familiarizado com computadores na interação com a máquina e com o texto no ambiente eletrônico. Não foi encontrado até o momento dissertação que verse sobre leitura do não-verbal em ambiente virtual vinculado à formação de professores de línguas estrangeiras, especificamente o espanhol.

Como fundamentos teóricos, adotamos duas perspectivas possíveis para a compreensão leitora a sócio-interativa (Kleiman, 1996. Nunes, 2005) e a enunciativa (Maingueneau, 1996. Vergnano-Junger, 2001). Quanto à leitura em ambiente virtual, dentre os autores que estudam a questão, adotaremos Vergnano-Junger (2009) devido ao aprofundado nas reflexões sobre o tema.

O não-verbal ainda carece de leituras específicas sobre sua inserção na Internet e questionamentos quanto às conseqüências do novo suporte tecnológico.

O estímulo para desenvolver o tema da leitura surgiu ao longo do bacharelado em Letras na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), como bolsista de iniciação científica do CNPq (I.C.) nos projetos a seguir: a) Leitura e Ensino de Espanhol como Língua Estrangeira: uma abordagem integrada quantitativo-qualitativa, em 2006; b) Compreensão leitora e ensino à distância: procedimentos sistemáticos de pesquisa bibliográfica e documental, em 2007, sendo indicado ao Prêmio Destaque do ano na Iniciação Científica. Também com base no tema da leitura, juntamente com a bolsista Isis Batista Pinto, houve o desenvolvimento da monografia de final de curso “Comprensión Lectora y EAD: un análisis de propuestas didáctico-pedagógicas de cursos libres de E/LE” (Oliveira & Pinto, 2007).

O direcionamento para a questão do ambiente virtual foi possível a partir de algumas observações informais realizadas no espaço de um dos projetos de extensão do Instituto de Letras da UERJ – em que foi possível perceber as dificuldades de alguns professores de ELE no acesso à Internet (MMM- Malha Multimídia). Colaboraram para enriquecer as reflexões sobre ambiente virtual as discussões com a equipe de pesquisa do Projeto Interleituras.

Este projeto de mestrado, além de ampliar a literatura sobre o tema, pretende estimular outros professores e pesquisadores a problematizarem questões do cotidiano, cuidando para que a educação no âmbito das línguas estrangeiras no Brasil possibilite a plena formação de cidadãos, comumente veiculada nos diversos documentos educacionais, como as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Medio (OCNs) e os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (PCNs).

Carlos Monereo e Marta Fuentes Agustí (2005) orientam os professores no sentido de elaborar para seus alunos planos de busca de informação em Internet, alertando que a maioria dos estudantes do Ensino Médio em Barcelona termina seus estudos sem que ninguém tenha indicado como podem e devem usar a Internet como fonte de informação. No Brasil, a questão não é diferente. Como pode um professor de ELE orientar seus alunos nesse sentido se ele não teve essa orientação na graduação, licenciatura e pós? Urge, então, pesquisar sobre a Internet como auxílio para o professor de línguas estrangeiras e oferecer subsídios para que as discussões da academia passem à formação docente inicial e continuada.

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Shirley Lima da Silva Braz, Doutorado em Lingüística Aplicada – Universidade do Estado Do Rio de Janeiro Neologismos na área política: uma visão léxico-discursiva na primeira década do século XXI Orientador: André Crim Valente

Os neologismos na área política nacional, na primeira década deste século, são examinados em perspectiva léxico-discursiva. A partir da coleta de um corpus jornalístico, analisam-se seus processos de formação, em contexto mais amplo. É possível, portanto, investigar o real propósito de determinadas enunciações, pois o falante dispõe do sistema da língua para a criação de novos vocábulos – prefixos e sufixos que indicam ideologias, estados e resultados, com significados muitas vezes esquecidos no tempo e que são recuperados para traduzir novas realidades. Opta-se, portanto, pela aproximação das palavras levando sempre em conta quem as produz, em que momento histórico (Brasil da primeira década do novo século) e de que forma dialogam com as imagens de nação no período estabelecido, tendo em vista que os sentidos dos quais elas se revestem só se concretizam por meio do sujeito que as toma.

Pensar em língua implica pensar em poder. A linguagem em si é uma estrutura que constitui (ou institui) poder. Não é à toa que costumamos dizer: “Fulano tem voz”, ou seja, ele exerce influência sobre seus interlocutores. Segundo Teun van Dijk, “quanto menos poderosa for uma pessoa, menor seu acesso às várias formas de escrita e fala. No fim das contas, os sem-poder ‘não têm nada para dizer’, literalmente, não têm com quem falar ou precisam ficar em silêncio quando pessoas mais poderosas falam, como no caso das crianças, dos prisioneiros, dos réus e (em algumas culturas, incluindo algumas vezes a nossa) das mulheres” (DIJK, 2008: 44). Ora, a linguagem se constrói e também representa o sentido das relações sociais, tanto é que os vocábulos representam e incorporam as marcas de processos políticos, sejam totalitários, sejam democráticos. Nesse sentido, toda e qualquer mudança na sociedade se reflete – e é refletida – na língua. Segundo G. Matoré, “é a partir do vocabulário que tentaremos explicar uma sociedade. Também poderemos definir a lexicologia como uma disciplina sociológica que utiliza o material linguístico que são as palavras [...] Propõe a noção de palavra-testemunha (uma palavra que simboliza uma mudança social que “marca uma virada”) e a noção de palavra-chave (uma palavra que exprime de maneira sintética a época estudada, como, por exemplo, honestidade no século XVII” (MATORÉ apud CHARAUDEAU, 2004: 358)

E eis que nos deparamos com o fenômeno da neologia, o qual, durante tanto tempo, foi rechaçado. É possível afirmar que somente nos finais do século XIX e no início do século XX, em razão dos adventos tecnológicos, é que começou a se formar uma corrente mais “favorável”, ou seja, menos crítica (no sentido negativo) à adoção dos neologismos.

Quando nos dispomos a observar as inovações lexicais, é possível listar um sem-número de incidências. Novas realidades... novas palavras... Novas realidades políticas...

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novas palavras... Não se pode negar que as mudanças sociais estão profundamente associadas à criação lexical, o que, logicamente, motiva relações interdisciplinares. A palavra é um instrumento de manipulação e nenhuma escolha lexical é gratuita.

Em época de eleição de Barack Obama, nada melhor para ilustrar essa produtividade linguística do que o verbo obamar, criado pela cantora Mart’nália “para definir a ‘babação’ em torno do novo presidente americano” (Manchete “Todo mundo ‘obamando’”, O Globo, 14 de novembro de 2008, Coluna “Gente Boa”, por Joaquim Ferreira dos Santos). Ou, ainda, uma referência à boa forma física do novo presidente americano – um bom exemplo de produtividade lexical na língua inglesa –, pec-tacular (trocadilho que, em nossa língua, poderia ser traduzido por “espeitacular”) (Época, 29 de dezembro de 2008, p. 33). Que tal obamaniana? Trata-se de uma referência à era pós-Bush, ou seja, a era obamaniana (O Globo, 22 de fevereiro de 2009). Os candidatos-repolho também chamam a atenção em época de eleição presidencial norte-americana (O Globo, 28 de outubro de 2008), com explicação no corpus apresentado ao final deste artigo. E, voltando ao Brasil, que tal discursômetro? Sim, um estudo para avaliar quais são as palavras mais usadas no discurso de nosso atual presidente (Época, 29 de dezembro de 2008). Ou, em época de eleições municipais, com o estreito relacionamento entre governadores e prefeitos eleitos, o termo govereito – mistura de governador com prefeito? (O Globo, 29 de outubro de 2008), também com explicação no corpus apresentado. Estadolatria, uma alusão a um discurso do presidente Lula, no qual estava presente a crença de que todo progresso só existe se for gerido e controlado pelo governo (Época, 7 de setembro de 2009).

Em um país como o nosso, em que as crises políticas são constantes e o cenário político é frequentemente alterado pelos escândalos, nada melhor para entendê-lo do que voltar nosso olhar para a linguagem. Mas não basta um simples olhar para as palavras em si. É necessário examiná-las no contexto em que são produzidas, quem é seu enunciador, quem é seu enunciatário, qual é o veículo em que circula, ou seja, quais são as circunstâncias que cercam sua produção e sua recepção. Assim, deve-se analisar essa produção neológica como formações discursivas, ou seja, é necessário que nos aproximemos dessas palavras levando sempre em conta quem as produz, em que momento histórico e de que forma dialogam com as imagens de nação no período estabelecido, tendo em vista que os sentidos dos quais elas se revestem só se concretizam por meio do sujeito que as toma.

A escolha de um corpus midiático para a abordagem deste tema se justifica porque é no cotidiano que se torna possível a observação do processo contínuo de mudança social, às vezes lento, outras vezes célere. E em Bakhtin e em seu entendimento acerca da ideologia do cotidiano é que vamos buscar subsídios para o exame e a compreensão da dinâmica proposta, dentro de uma perspectiva interdiscursiva, que vai imprimindo às palavras – tanto às já existentes quanto àquelas que estão sendo criadas – os novos sentidos, tendo em vista que cada discurso em si abarca vários discursos sociais, de várias áreas, dependendo do momento histórico focalizado.

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TEORIA E HISTÓRIA LITERÁRIA

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Alessandra Alves Carneiro, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo Vira e mexe, Indianismo: Sousândrade e Gonçalves Dias Orientador: Vagner Camilo

A proposta desta exposição é apresentar resultados parciais da pesquisa de Mestrado em andamento sobre O Guesa de Sousândrade. Nascido no Maranhão, o poeta Joaquim de Sousândrade (1832-1902) debutou na literatura em 1857, com Harpas Selvagens. Contudo, sua obra mais ousada é O Guesa, poema épico em treze cantos, publicado em Londres entre os anos de 1880, que constitui o corpus deste trabalho. Destacar-se-á o segundo canto do referido poema atentando para o tema indianista e o seu diálogo, sobretudo, com Gonçalves Dias. De acordo com perspectiva de que o indianismo não foi mero elemento estético-literário, pois esteve subordinado aos interesses do Segundo Reinado, discutimos as bases políticas da representação do índio na literatura romântica e as figurações do mesmo em Sousândrade e Gonçalves Dias. Ambos os maranhenses apresentam-se muitas vezes como vozes destoantes no coro indianista regido pela Coroa ao lançarem mão da imagem do índio degradado para criticar a política Imperial, embora possuíssem relações diversas com Dom Pedro II.

Na ânsia de equiparar o nosso país qualitativamente à Europa e visando um modelo estrangeiro, os nossos escritores teriam versado sobre o índio bravo e guerreiro na selva paradisíaca como forma de exaltação do que seria característico do Brasil; um meio de afirmar que, apesar de recém-independente, o nosso país possuía uma história e cultura própria. Desse modo, muitas vezes, nos parece que os poetas românticos foram ingênuos ao transplantarem um modelo europeu de herói romântico -cavaleiro medieval- para os trópicos num ímpeto nacionalista. Porém, de acordo com Nelson Werneck Sodré, o motivo do indianismo não foi só o nativismo, pois esse foi senão um dos traços que motivaram seu êxito. O indianismo foi “a manifestação de uma sociedade de senhores de terras, de regime de trabalho servil, em que apenas se esboça a classe intermediária...” (SODRÉ, 1969, p.269)

Ou seja, o triunfo do indianismo se deu porque a sociedade brasileira pós-independência não havia mudado em nada, muito menos no seu sistema servil, e o indianismo serviu para mascarar isso. A Independência somente inseriu o Brasil escravocrata na Economia Internacional. O índio se tornou figura central na literatura porque o escravo representava o último escalão da sociedade, portanto não poderia ser tema e muito menos herói. Sodré chega a afirmar que questionar a inautenticidade do índio romântico é inútil. Seria um aspecto secundário se ele era ou não como o retratavam os escritores, já que o principal seria compreender que o índio bem poderia ter sido como figurou na literatura indianista, cujo objetivo subjacente era a legitimação do Estado e o desenvolvimento socioeconômico. Todavia, é possível discordar de Sodré justamente nesse ponto, uma vez que pensar na inautenticidade literária do índio romântico é uma tarefa que possibilita entender mais profundamente a política Imperial do Segundo Reinado, além do papel dos escritores no aparelho estatal. Se por um lado o índio era exaltado como emblema

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da nação (em construção), por outro, as providencias do Império em relação às comunidades nativas eram todas com o intuito de tomar posse de suas terras e as submeter como mão de obra, sob o argumento que de isso era civilizar. De fato, civilizar os índios significava impor-lhes leis e obrigá-los ao trabalho, como afirma Manuela Carneiro da Cunha (1998, p.142). Além disso, na defesa do estabelecimento e expansão do Estado Monárquico, em inúmeros casos, a população indígena foi dizimada.

Tendo como via o quadro teórico exposto, procuramos discutir as bases do discurso indianista em Sousândrade e Gonçalves Dias, visto que ambos os maranhenses lançaram um olhar crítico para a política imperial. Gonçalves Dias viveu de empregos públicos e sob o mecenato de Dom Pedro II, ao passo que Sousândrade teve um pedido de bolsa de estudos negado, o que lhe valeu uma aversão irredutível à Monarquia. Talvez por isso Sousândrade critique abertamente o imperador no canto II de O Guesa. Por outro lado, Gonçalves Dias, no início de sua carreira literária na corte, deixa entrever sua critica ao Governo Imperial, à estrutura social do país e à situação do indígena. Podemos verificar o dito na obra em prosa intitulada Meditação (1846) e na primeira edição das Poesias Americanas dos Primeiros Cantos (1846), que trás um poema posteriormente suprimido nas demais edições. Trata-se de O morro do Alecrim, poema que problematiza, assim como em Meditação, os efeitos catastróficos da colonização lusa, os quais ainda eram sentidos no Brasil Império. Todavia, o indianismo gonçalvino tornado canônico trata de um índio já tido como morto no século XIX: o índio guerreiro na selva paradisíaca até o contato com o branco colonizador. Desse modo, o que acaba se verificando na poesia indianista de Gonçalves Dias é, mormente, “efeito poético” e “exotismo” em oposição à tradição européia (CANDIDO, 2007, p.405), o que dificulta perceber as bases políticas do indianismo romântico e o compromisso da literatura com a criação de mitologias que legitimassem o status quo.

Tendo por pressuposto que o Indianismo não foi apenas tendência nacionalista, mas projeto político do Segundo Império para manter a estrutura social escravista do Brasil independente e mascarar a situação dos povos marginalizados, como índios e mestiços, fazemos uma leitura comparada entre Sousândrade e Gonçalves Dias observando o intertexto que há entre o primeiro com o segundo e as variantes do discurso indianista em ambos. Para tanto, faremos uma leitura comparada entre o canto II do poema O Guesa, de Sousândrade, e o poema O Morro do Alecrim, seguida de comentários sobre fragmentos de Meditação, de Gonçalves Dias. Referências citadas: CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: Momentos decisivos. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2007. DIAS, Antonio Gonçalves. Primeiros Cantos. Rio de Janeiro: E. e H. Laemmert, 1846.

____________. Meditação. In: Obras posthumas de A. Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Garnier, 1909.

SODRÉ, Nelson Werneck. História da literatura brasileira : seus fundamentos econômicos. 5ª Ed. Civilização Brasileira: RJ, 1969. SOUSÂNDRADE, Joaquim de. O Guesa. São Paulo: Annablume (selo demônio negro), 2009.

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Aline Amsberg de Almeida, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas “The Fat Man in History” – Da obesidade à antropofagia Orientador: Marcio Orlando Seligmann Silva No projeto de mestrado “A plasticidade do corpo nos contos de Peter Carey”, proponho analisar os contos reunidos no volume The Fat Man in History, do australiano Peter Carey, edição de 1993. O projeto visa a fazer um estudo do corpo e questões relativas e ele dentro dos contos, bem como problematizar a relação entre o corpo e a subjetividade e relacionar a modificação e mutação do corpo às teorias pós-modernas. David Le Breton explica que o corpo é o "rascunho a ser corrigido", complementando a afirmação de Peter Pál Pelbart de que "o eu é o corpo", ao referir-se à relação entre o ser humano e o corpo na contemporaneidade. Tal relação está presente na obra de Peter Carey, especialmente nos contos reunidos no livro The Fat Man in History, como "The Chance", "Do You Love Me?" e "Peeling". The fat Man in History destaca-se no do contexto da obra do autor por dar relevância ao corpo e mostrar, de maneiras diversas, sua plasticidade e variações. Nesta fala, apresento a análise do conto de mesmo título dado ao livro, The Fat Man in History , que conta a história de seis homens gordos que moram na mesma casa. Na análise, focalizo os temas da aceitação/rejeição do corpo gordo na sociedade - principalmente através da linguagem -, a ambigüidade do estigma carregado pelos personagens gordos, assim como a questão da antropofagia e sua relação com a produção de subjetividade(s). A história dos homens gordos se passa após uma revolução não especificada no texto. Os homens passaram a ser rejeitados pela sociedade após a referida revolução e, então, vivem sem emprego e numa espécie de gueto. Os homens formam sua própria sociedade na casa, vivendo daquilo que podem roubar, pois a maioria deles não tem de onde tirar dinheiro. Formam, assim, o grupo denominado e conhecido por “Os Homens Gordos Contra a Revolução” e, além de alimentos, procuram roubar explosivos para detonar alguns pontos da cidade. Segundo Denise Bernuzzi de Sant’Anna, os corpos gordos são comumente associados à lentidão, ao contrário do corpo magro, que é geralmente visto como ágil e veloz. Pensando nisso, percebo as indicações de lentidão na narrativa, fazendo também associações com outras obras como O Martírio do Obeso, de Henry Bèrraud, e o conto “A Mulher Ilustrada”, escrito por Ray Bradbury, obras que também trazem o gordo à literatura. Denise Sant’Anna mostra como o corpo gordo significa a demora do olhar, a lentidão da espera, o acúmulo de curvas, dobras e relevos. Nesse sentido, o excesso que um corpo carrega funciona como media, aquilo que está no meio, entre, e, embora faça comunicação, dificulta a passagem. Um corpo gordo é um corpo de olhar mediado e não imediato, no sentido de que o olho precisa enfrentar seus relevos, que causam dificuldade e constituem obstáculo ao olhar. Um media para ser transpassado. Já Claude Fischler pontua que os obesos não são tolerados pela sociedade contemporânea lipofóbica, porém, o gordo carrega uma ambivalência: ele caminha entre o gordo simpático

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e o gordo repugnante. Fischler aponta para o fato de que aquilo que um indivíduo toma para si numa sociedade dotada de recursos finitos – no contexto do conto “The Fat Man in History”, penso que seja a comida – acumula-se e compõe o corpo deste indivíduo, de certa forma denunciando-o por tornar visível essa apropriação da parte que cabe a cada um. Ou seja, à figura duplamente estereotipada do gordo é atribuída uma suspeita de que aquele corpo maior do que a maioria dos outros corpos tomou para si mais do que a parte que lhe era cabida. Tomou o que era de outrem. Roubou. O gordo, portanto, é visto na sociedade, segundo Fischler, como um transgressor de leis não escritas. Além de tomar para si mais do que lhe cabe como parte sua, transgride as regras do comer e beber, do prazer, do auto-controle, entre outras regras implícitas do comportamento social e coletivo. Ao obeso cabe a responsabilidade, se não o dever, de devolver à sociedade o que lhe tirou. Daí surgem os bons gordos, aqueles seres que inspiram lealdade, diversão, bondade. No final do conto, os personagens lançam um “raciocínio”, que explica como verdadeiro ato revolucionário o ato de comer o outro. Não qualquer outro, como aponta Sueli Rolnik, pois isso seria canibalismo, mas comer algum ex-participante da revolução, deixando que o corpo aproveite tudo aquilo que é bom do alimento e excretando tudo o que for ruim, não prestar. No conto, temos o consumo literal da carne humana; e, fora dele, como aponta Sueli Rolnik, o consumo cultural do outro que possibilita a hibridização do antropófago, a contestação da idéia identitária como algo imutável e essencial ao indivíduo. No lugar, entra uma subjetivação constantemente reconfigurada através de agenciamentos, criações e recriações num processo cartográfico de desterritorializações e reterritorializações.

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Ana Cláudia Romano Ribeiro. Doutorado em Teoria e História Literária — Universidade Estadual de Campinas O hermafrodita como metáfora política no século XVII francês Orientador: Carlos Eduardo Ornelas Berriel

O trabalho que apresento aqui é parte da minha tese de doutorado, orientada pelo prof. Carlos E. O. Berriel, cujo objeto é a tradução para o português e o estudo da utopia francesa A Terra Austral conhecida, de Gabriel de Foigny, publicada em 1676. Nesta utopia é descrita a sociedade que habita a Terra Austral, localizada, como seu nome indica, no único continente que, à época em que esta obra foi escrita, ainda não havia sido explorado pelos europeus, chamado nos mapas da época de terra australis incognita, representado por uma enorme massa de terra. Em uma época em que os relatos de viagem conheciam certa voga editorial, pode-se imaginar a curiosidade que tal obra teria despertado em seus leitores, curiosidade aumentada pelo fato de o autor descrever estas terras como uma espécie de paraíso habitado por seres perfeitos, dotados de completude não apenas espiritual, mas também física, ou seja, seres andróginos, que Foigny chama de “hermafroditas”.

A figura do hermafrodita é recorrente na literatura do século XVII. Alguns exemplos, restringindo-nos à França e à literatura utópica e panfletária, são, além da utopia de Foigny, A Ilha dos Hermafroditas, texto de inspiração utópica atribuído a Artus Thomas e publicado em 1605, em O outro mundo, de Cyrano de Bergerac, publicado em meados no século XVII, e também os panfletos políticos L’Anti-hermafrodite (1606) e L’hermaphrodite de ce temps (1611). Parto da hipótese de que a recorrência da figura do hermafrodita como tema literário na literatura utópica do século XVII francês – de 1605 a 1676 – indica a recorrência de uma dada situação política. Mais precisamente, trata-se de responder à seguinte pergunta: Que realidades persistentes o hermafrodita metaforiza?

Antes de respondê-la, é preciso esclarecer que um dos usos do termo hermafrodita que se encontra no século XVII francês era o uso pejorativo, que tem seu sentido explicitado no mito do hermafrodita contado por Ovídio, nas Metamorfoses: a ninfa Salmacis se apaixona pelo jovem Hermafrodita, filho de Hermes e de Afrodite, quando ele vem banhar-se nas águas de seu lago; não obtendo reciprocidade, ela pede aos deuses que juntem seu corpo ao dele, numa operação de hibridização sexual. O ser híbrido que resulta desta união, chamado de hermafrodita, é, portanto, o produto da junção forçada de dois sexos. Diferente da figura do andrógino, símbolo da harmonia dos opostos em um ser uno, o hermafrodita simboliza a reunião artificial de partes em conflito permanente, representando uma união estéril, indicada pelo efeito desvirilizante das águas onde se deu a hibridização.

O simbolismo do hermafrodita como expressão da oposição de forças aplica-se, como lembra Claude-Gilbert Dubois, a uma vasta gama de representações no campo do imaginário. Interessa-nos, no âmbito desta tese de doutorado, afirmar que este símbolo se presta para metaforizar três realidades essenciais do Antigo Regime, que trataremos aqui.

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1) O poder real absoluto. Burguesia e nobreza são forças decisivas no processo de consolidação do absolutismo (que começa por volta de 1500 e culmina em Luís XIV). A figura do hermafrodita seria a representação metafórica do poder real absoluto que, para existir, precisa que coexistam em equilíbrio delicado e inconstante estes dois pesos políticos: uma nobreza decadente, cada vez mais esvaziada de suas funções, e uma burguesia ascendente, que sustenta a existência da monarquia absoluta fornecendo funcionários e recursos. A predominância ou a supressão de uma ou de outra classe representaria uma ameaça ao poder real absoluto ou mesmo à própria existência do rei. A predominância da burguesia poderia acarretar, em última instância, a supressão da monarquia (como aconteceria na Revolução Francesa); a predominância da nobreza era uma ameaça ao poder absoluto do rei, já que poderia conduzir à monarquia parlamentar (afinal, estava fresca a lembrança da Fronda, ocorrida entre 1648 e 1653, e dos acontecimentos de 1649, que levaram à decapitação de Carlos I da Inglaterra). O rei, portanto, para perpetuar seu poderio absoluto, precisava manter vivas estas duas classes, alimentando seu antagonismo e controlando sua autonomia. Ele fazia isso de diversos modos, entre eles o oferecimento de vantagens como o acesso a postos administrativos e a títulos de nobreza, para a burguesia, e a transferência de recursos (vindos da burguesia) e de favores diversos, para a nobreza. A permanência da metáfora do hermafrodita, indicaria a permanência desta situação política baseada na incompletude do poder das classes essenciais do Antigo Regime, em benefício da completude circunstancial do poder do rei absoluto.

2) O burguês e o nobre. A figura do hermafrodita como metáfora da hibridização das classes nobre e burguesa. Vejamos dois exemplos: 1) o rei Henrique IV, que ficará conhecido como “rei burguês” no século XVIII pela simplicidade de sua vida (a referência à poule au pot, o fato de brincar com seus filhos), e que se opõe a uma casta de jovens nobres reputados efeminados, cuja representação encontramos na Ilha dos Hermafroditas; 2) o bourgeois gentillomme (“burguês fidalgo”) de Molière, que também simboliza a hibridização do “burguês” com o mundo dos “invités de salons précieux” (Chrysale, das Femmes savantes, os raisonneurs e as maîtresses de maison burguesas contra os petits marquis, os pedantes e poetas dos salões précieux). Segundo Dubois, o bourgeois gentillomme, com seu gosto pelas roupas finas e posturas afetadas, trai um desejo de amaneirar-se; para ele, justamente esta população de “amaneirados” marca a persistência de um “maneirismo” no século XVII francês, que se contrapõe a um “barroco” e a um “classicismo” que simbolizam valores mais sólidos, não puramente formais.

3) Os libertinos e os infiéis. O hermafrodita como metáfora do hibridismo religioso da França dos séculos XVI e XVII, onde encontramos a coexistência católicos, huguenotes e deístas. O termo hermafrodita foi usado por parte dos apologistas católicos mais intransigentes para insultar huguenotes, também chamados de infiéis e de libertinos. O padre Garasse, em sua Doctrine curieuse des beaux esprits de notre temps (1624), uma das mais importantes obras de ataque ao libertinismo, denominava os protestantes “hermafroditas”. Os deístas eram atacados de ambos os lados: os controversistas da Reforma, como Duplessis-Mornay, ou da Contra-Reforma, como Du Perron se voltavam contra os resquícios do naturalismo neo-pagão humanista, cristalizados no deísmo, fortemente presente no século XVII francês. Os chefes das igrejas católica e huguenote eram incisivos em seus discursos, debatendo entre si de um modo quase fanático. Do lado católico, Du Perron desenvolvia uma ação missionária ofensiva. Do lado reformado, d’Aubigné criticava os que passavam de uma religião a outra sem verdadeira convicção e

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em função das circunstâncias. René Pintard cita o uso do termo “homo duplex” na literatura do século XVII, aplicado aos que eram obrigados a manter a aparência de conformistas para preservar sua liberdade de pensamento e de investigação intelectual. O tema do deísmo e do cristianismo (seja ele católico ou huguenote) aparece de modo explícito na Terra Austral conhecida, de Gabriel de Foigny. O deísmo é amplamente discutido em um diálogo entre dois personagens, Nicolas Sadeur, o protagonista e Suains, um velho austral, seu guia e protetor.

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Ana Cecília Agua de Melo, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas O lugar da Ópera dos mortos de Autran Dourado Orientadora: Orna Messer Levin

A pesquisa versa sobre a obra do escritor mineiro Autran Dourado (1926). Desde o

início optei por me fixar na ficção longa, embora a produção do autor se estenda também pelo conto. Tendo estreado em 1947, com a novela Teia, Autran segue em atividade até os dias de hoje, mas, a meu ver, a porção mais significativa de sua obra se concentra nos anos 60, com A barca dos homens (1961), Uma vida em segredo (1964), Ópera dos mortos (1967) e O risco do bordado (1970). O “ensaio-fantasia” Uma poética de romance, de 1973, tentativa na linha dos escritores-críticos, próxima do trabalho desenvolvido contemporaneamente por Osman Lins, é como que uma súmula do percurso. Em 1975 Autran oferece aos alunos de Letras da PUC do Rio de Janeiro um curso em que expõe seus próprios processos de criação, mostrando o modo como foram elaborados seus principais romances. Tanto Uma poética de romance quanto Matéria de carpintaria, reunião de anotações para o curso, junto com a qual o ensaio-fantasia ganharia nova edição, testemunham que o ápice do prestígio de Autran coincidiu com a voga dos estudos estruturalistas nos cursos de Letras brasileiros, de modo que a impressão que se tem, passadas duas décadas, é que livros como A barca dos homens e Ópera dos mortos se adequavam aos anseios dos professores mergulhados nas teorias. Esse dado me parece muitíssimo importante para uma reavaliação do lugar de Autran Dourado em nossa ficção. Partindo do período de elaboração de A barca dos homens, boa parte dos anos 50, considero que é cabível dizer que a porção que me interessa da obra de Autran Dourado descreve um arco que vai das manifestações críticas do grupo concretista ao ápice das análises estruturalistas. É patente que Autran não permaneceu indiferente às tomadas de posição dos concretos, tendo ensaiado uma resposta pessoal, ainda que modesta. Do mesmo modo, Uma poética de romance pode ser lido como uma tentativa de responder à maneira estruturalista de ler o texto literário. Uma discussão sobre a novela Uma vida em segredo foi o meu primeiro passo na aproximação mais direta da obra de Autran. Meu foco, então, era tentar esclarecer a natureza do diálogo estabelecido com Un coeur simple. É de notar que a familiaridade entre os dois textos parece ter sido algo posto à baila pela crítica, à qual o escritor respondeu ironicamente, assumindo o “plágio involuntário”. Esse nível de discussão, que implica uma ênfase sobre o texto literário como testemunho da leitura de outros textos, conviveu, na minha discussão, com um primeiro esforço de situar o contexto histórico-social a que alude a matéria da novela. Essa convivência de níveis de análise constitui um ponto ainda a ser equacionado no trabalho. Em seguida recuei até um livro anterior, Tempo de amar, de 1954. Publicado depois das “novelas de aprendizado” (como Autran veio depois a denominar Teia e Sombra e exílio), o romance me chamou a atenção pelos ecos do “coração selvagem” de Clarice.

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Tratava-se de uma ficção em que eram visíveis as marcas do abalo provocado, na época, por Perto do coração selvagem (1944) e O lustre (1946). Cheguei à conclusão de que, em que pese o impacto de Clarice, Tempo de amar empresta suas linhas-mestras do modelo do Ciclo da cana de açúcar. O destino do neto de fazendeiro das Minas Gerais se submete com docilidade à aproximação com o universo de José Lins do Rego, o que reafirma o dado, que não é surpreendente, de uma forte linha de continuidade com o romance de 30. Com efeito, penso que a nossa ficção contemporânea se liga às diversas vertentes que nos vêm dos anos 30 e que é útil deixar de lado subdivisões e considerar “contemporânea” toda a prosa de 30 para cá. Ao empreender a análise de A barca dos homens eu me preparava para enfrentar um ponto que considero decisivo: Autran Dourado quer ser, em sua ficção, um leitor da grande ficção modernista, aí compreendidos Joyce, Faulkner, Virginia Woolf. Seu empenho no domínio da técnica do fluxo de consciência é enorme, saltando aos olhos de quem lê Uma poética de romance. Assim, diante da Barca dos homens, o meu olhar se dirigiu para os resultados alcançados no manuseio desta e de outras técnicas associadas ao romance moderno. É sabido que as experiências com o contraponto, a técnica cinematográfica etc. vêm de Oswald de Andrade (como já testemunha a Brigada ligeira de Antonio Candido, preciosa reunião de críticas de rodapé publicada em 1945) e se ramificam por Érico Veríssimo, Lúcio Cardoso, Jorge Amado e vários outros, ficando fora de dúvida para mim que a leitura da obra de cada um desses escritores só tem a ganhar em interesse quando os livros são vistos como imersos nessa grande corrente. Essa é a minha ambição com Autran Dourado, o que impõe dificuldades para o desenvolvimento do trabalho, visto que o olhar para esse conjunto de textos não pode tomar o espaço da atenção devida à obra particular que é, de fato, o meu objeto. A análise de A barca dos homens ainda está em andamento. Gastei um bom tempo experimentando pequenas análises comparativas com Mar morto (1936), de Jorge Amado, e O resto é silêncio (1943), de Érico Veríssimo, de modo que o exame da organização interna do livro ainda está por ser completado. Desde o princípio eu considero O risco do bordado como o livro mais bem realizado de Autran Dourado. Como eu já havia passado, mesmo que um tanto superficialmente, por A barca dos homens e Uma vida em segredo, percebi que devia passar por Ópera dos mortos, para entender o lugar desse livro no percurso até O risco. É o que estou fazendo no momento. Novamente, deparo com o interesse de Autran pela técnica do fluxo de consciência e mais uma vez vejo que o problema é situar os limites dos resultados obtidos. A minha estratégia de análise é, primeiro, abstraindo um pouco as questões de forma, explorar brevemente a proximidade da organização social recriada no romance com a visão cristalizada na obra de Gilberto Freyre, sobretudo em Sobrados e mucambos (1ª. ed.: 1936). Em seguida, postos os dados da história social, parto para uma avaliação de como estes são rearranjados pela organização interna da narrativa.

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Ana Maria Formoso Cardoso e Silva, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas A dinâmica da criação de Marco Zero, de Oswald de Andrade Orientador: Vera Maria Chalmers

A comunicação aqui proposta visa apresentar, em linhas gerais, parte dos resultados obtidos com o desenvolvimento do projeto de Doutorado “O percurso de um projeto de Oswald de Andrade: memória da criação de Marco Zero”. Nossa pesquisa se centrou no estudo do referido romance a partir dos manuscritos que hoje constituem o Fundo Oswald de Andrade, do CEDAE/ IEL-UNICAMP, com o objetivo de perceber a criação literária em movimento, ou seja, os caminhos que o texto e o próprio projeto da obra percorreram ao longo das duas décadas em que Oswald se ocupou de Marco Zero, de 1933 a 1953. Por trabalharmos com um conjunto documental que, apesar de bastante rico, está muito aquém de abarcar tudo o que o escritor produziu neste período e também por abordarmos a obra em estado de construção, sem contornos definidos, não poderíamos aderir a uma teoria da narrativa para chegar a uma interpretação fechada do texto dos rascunhos, das notas, das versões e dos outros tipos de documento. É evidente que a análise do conteúdo destes nos leva obrigatoriamente a acionar conceitos usados quando se analisam narrativas dadas como terminadas, produtos difundidos por edições, afinal, é nessa direção que caminhou o esforço do escritor; porém, como a perspectiva adotada é a do processo de criação (e não a do produto), a interpretação de cada registro se faz em função do lugar que ocupou ou que possa ter ocupado na trajetória da escrita. Este modo de proceder bem como outros aspectos metodológicos se embasaram nas recomendações e nos estudos de crítica genética, sobretudo os da França e do Brasil. Inicialmente, para que o percurso da criação pudesse ficar mais claro, procuramos, o quanto possível, organizar cronologicamente os manuscritos e também os excertos do romance que Oswald publicou em periódicos. Isto, juntamente com informações obtidas pela leitura de depoimentos do escritor ou de pessoas próximas a ele, levou-nos a dividir o tempo da escritura em três grandes períodos: um primeiro, nos anos 30, em que, segundo testemunhos, ele escreve profusamente em dezenas de cadernos, dos quais infelizmente uma parte ínfima de folhas esparsas se encontra no CEDAE; um segundo momento, em que Oswald se concentra na preparação para publicação dos dois primeiros volumes, A Revolução Melancólica (1943) e Chão (1945), e ainda um outro, em que ele inicia a redação do terceiro volume, Beco do Escarro, empenho este que vemos esmorecer conforme acompanhamos os registros manuscritos. Desses três períodos, escolhemos destacar o intermediário, seja pela quantidade de material disponível, seja porque a escrita resultou na edição dos textos; porém, vale ressaltar o interesse dos outros momentos para a reconstituição da memória da criação. O material dos anos 30, impresso na sua maioria, revela o entusiasmo de Oswald com a obra e seu esforço em divulgá-la antecipadamente. Adepto ao comunismo desde 1931, ele quer mostrar sua visão da sociedade traçando um panorama desta, especialmente em terras

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paulistas, após a crise de 1929, e para isso cria uma grande quantidade de personagens, alguns dos quais posteriormente serão modificados ou descartados. Várias mudanças também ocorrerão no plano geral da obra, pelo menos no que diz respeito ao número, à ordem e aos títulos dos volumes. Pode-se dizer que foi uma fase de criação pulsante, com grande afloramento de idéias, mas, ao que parece, sem uma organização ou uma disciplina que direcionassem a escritura para um projeto claro de edição. Em relação ao terceiro período, o grande caderno dedicado à redação de Beco do Escarro se inicia com texto passado a limpo,sugerindo haver uma direção na escrita, mas a narrativa se interrompe após 17 páginas e a escrita passa a se fazer nas páginas finais, em textos com pouca ou nenhuma conexão entre si e com personagens que antes não haviam aparecido no panorama de Marco Zero. Parece, portanto, não haver aí também um programa claro de redação, o que não impede Oswald de registrar, paradoxalmente, entre suas anotações, um plano da obra em que revela a intenção de que a narrativa do quinto volume se estenda até 1950. A intenção se limitou ao registro, já que os três últimos volumes não foram publicados, o que certamente se deve a vários fatores, entre os quais podemos supor o desalento provocado pela ruptura com o Partido Comunista. Quanto à fase de redação de A Revolução Melancólica e Chão, os manuscritos revelam uma série de ajustes no texto narrativo, que vão desde a simples alteração de palavras ou a inversão de frases dentro de um segmento (nível microgenético) até o deslocamento de grandes trechos de um capítulo para outro e o replanejamento da sequência e dos títulos dos capítulos (nível macrogenético). No material referente ao primeiro volume, vê-se sobretudo o primeiro tipo de alteração, já que o conjunto documental se constitui essencialmente de folhas soltas, às vezes reunidas em pequenas sequências. Já o material de Chão, reunido sobretudo em dois cadernos, um de mais de seiscentas páginas e outro, menor, com uma versão de um dos capítulos, permite ver o quão frequente foi o rearranjo das partes do texto, seja dentro de um mesmo fragmento narrativo, seja no interior de um capítulo, seja de um capítulo para outro, tudo isso certamente com consequências para a composição do enredo, dos personagens, do tempo, do espaço e do foco narrativo. Tais alterações evidentemente não são exclusivas do processo de criação de Marco Zero, mas acreditamos que elas se deram de modo intensificado na composição da obra em grande parte pelo caráter cinematográfico da narrativa, que apresenta quadros justapostos, revelando a preocupação de Oswald de Andrade com a montagem. A abordagem dos manuscritos em nosso projeto de Doutorado quer ressaltar, com as análises das alterações feitas pelo escritor, que o dossiê genético de Marco Zero, além do seu valor documental, tem muito a contribuir para o estudo do autor, do contexto e da obra editada.

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Andrea Zeppini Menezes da Silva, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo A construção da nacionalidade em Machado de Assis e Dostoievski Orientador: Bruno Barretto Gomide

Esta pesquisa tem como objetivo fazer uma comparação entre Machado de Assis e Dostoiévski quanto à questão da nacionalidade, tomando por base o ensaio de crítica literária Instinto de Nacionalidade, do autor brasileiro, e o Discurso a Púchkin, do russo. Analisar os dois textos dentro do contexto da obra de cada autor, bem como no debate da época a qual pertencem para em seguida compará-los, são os passos desta pesquisa. Como principais referências teóricas, Roberto Schwarz, Antônio Cândido, Joseph Frank e Isaiah Berlin.

Instinto de Nacionalidade é um ensaio de crítica literária, escrito por Machado de Assis a pedido de José Carlos Nunes, que editava em Nova Iorque a revista O Novo Mundo. O ensaio foi publicado no número 24 da revista, que saiu em março de 1873. Neste ensaio, Machado dá uma visão geral do que acontecia na literatura por aqui. A primeira parte trata do “ instinto de nacionalidade”, para em seguida se deter mais especificamente no romance e no conto, na poesia, no teatro e na língua. Este ensaio foi uma espécie de divisor de águas da crítica literária. Escrito ainda no horizonte romântico, que tomava a literatura como instrumento de construção da nacionalidade e como critério literário à “cor local”, Machado rompe com esse paradigma e abre a literatura para um mundo de possibilidades. Desde a vinda da corte portuguesa para cá, em 1808, mas, sobretudo com a Independência, em 1822, houve a necessidade de construção de uma nação independente de Portugal. Era preciso justificar ideologicamente essa nação, criar uma tradição: este foi o projeto do romantismo brasileiro. Machado participa deste projeto, ao mesmo tempo em que o desconstrói, negando sua exclusividade (WEBER, 1997). No lugar dos índices de nacionalidade românticos como a natureza, o índio, tradições e mistura de raças, é outra coisa o que se deve exigir do escritor:

Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçam doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem de seu tempo e de seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. (ASSIS, 1944, p. 139)

O “sentimento íntimo” seria a síntese do “instinto de nacionalidade”, que era algo já existente na literatura nacional e se caracterizava como a busca de “vestir-se com as cores do país” (ASSIS, 1944, p. 133). O “sentimento íntimo” encerra o nacional, digamos assim, e abre a possibilidade da literatura brasileira para toda matéria passível de se tornar literatura, sem que ela deixe de nos expressar. Ou seja, para Machado, “a identidade

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nacional é sentida e concebida como um processo vivo, isto é, de infinitas virtualidades embora bem determinado, que se reinventa a qualquer propósito” (SCHWARZ, 2002, p.137)

Para Machado, a autonomia do pensamento nacional é um processo longo, que se concretizará um dia: “Esta outra Independência não tem sete de setembro nem campo do Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo” (ASSIS, 1944, p.133). O autor afirma a fé na literatura brasileira: seus defeitos viriam principalmente da falta de maturidade, que o tempo e uma boa crítica literária (ainda inexistente) se encarregariam de corrigir.

O Discurso a Púchkin foi proferido por Dostoiévski em 8 de junho de 1880, como parte da celebração na inauguração da estátua de Púchkin. É um texto bem diferente do ensaio machadiano: se o ensaio brasileiro abre a literatura e a idéia de nacionalidade para infinitas possibilidades futuras, Dostoiévski coloca em seu discurso o destino da Rússia com um sentido único e bem determinado, onde Púchkin encarnaria profética e poeticamente a “idéia russa”, ou seja, a missão de unificar os povos sob a fraternidade russa.

A Rússia, também periferia em relação à Europa, teve que se haver com a questão da nacionalidade em relação à cultura européia. Entre o Oriente e o Ocidente, como se colocar? No início do XVIII, as reformas de Pedro I com vistas a uma modernização forçada, criaram a servidão e um abismo entre a classe letrada, que se ocidentalizou, e o povo. A vitória sobre Napoleão em 1812 possibilitou à Rússia se ver como potência e foi crucial para o processo de tomada de consciência da questão nacional. A obra de Púchkin data desta época. Dostoiévski divide a obra do poeta em três períodos: imitação do estrangeiro, volta aos valores tradicionais e encarnação de características de outros povos, tornando-se representante deles, num movimento que deixa claro o embate entre o local e o de fora, o nacional e o universal, que é próprio de uma cultura periférica. Púchkin é o poeta nacional porque encarnaria em si os valores verdadeiramente russos: a tradição popular, o cristianismo e o dom da “sensibilidade universal”, traço fundamental que permitiria ao homem russo assimilar em sua cultura os traços dos outros povos, o que faria da Rússia a portadora da palavra nova da “fraternidade universal”. Dostoiévski aspira ao universal, como se o verdadeiro russo fosse universal. É disto que trata o Discurso a Púchkin.

Apesar das diferenças de perspectivas e conclusões, os autores tem que lidar com questões parecidas, como a construção de uma nação periférica que passa pela consolidação de uma literatura “independente”. A preocupação de Machado no ensaio é com a literatura, empobrecida, a seu ver, por uma visão romântica que a transformava em instrumento político, limitando o que se poderia escrever a traços de “cor local”. Dostoiévski, por outro lado, estava discutindo com os populistas, sua preocupação era com a missão da qual se achava imbuído: trazer os jovens para Cristo e para os valores russos, evitando o terrorismo e a revolução numa época conturbada de transição. Púchkin e a literatura são meios para que ele veicule sua idéia de missão da Rússia.

Com todas as diferenças, esses textos nos ajudam a pensar as questões que se colocavam para os intelectuais russos e brasileiros do final do XIX, momento em que o movimento do capital promovia transformações na vida dos países periféricos. A idéia de construção da nacionalidade traz em seu bojo as questões da modernização, do atraso e das compensações imaginárias; as idéias importadas ou “fora do lugar” em relação à cultura local; o problema da cisão social provocada pela escravidão e pela servidão; o papel da literatura no processo político e social das nações periféricas. Além disso, como o

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“sentimento íntimo” de Machado, abrindo a literatura brasileira aos temas universais, dialoga com o dom da “sensibilidade universal” russa, uma espécie de vocação para a universalidade através da fraternidade? São estas as questões que a presente pesquisa procura discutir. Referências ASSIS, Machado de. “Crítica Literária” in: Obras completas Vol. 29. W. M. Jackson. Rio de Janeiro. 1944 BERLIN, Isaiah. Pensadores Russos. São Paulo. Companhia das Letras. 1988 NOVIKOVA, Olga (org.). Rusia y Ocidente. Madri. Tecnos. 1997 SCHWARZ, Roberto. Que horas são? São Paulo. Companhia das Letras. 2002 _________________. Ao vencedor as batatas. São Paulo. Editora 34. 2000 WEBER, João Hernesto. A nação e o paraíso. Florianópolis. Editora da UFSC. 1997

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Carlos André Ferreira, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas A produção literária de Caio Fernando Abreu e a epidemia de HIV/AIDS Orientador: Eric Mitchell Sabinson

O principal objetivo deste trabalho é analisar três romances, cujos temas giram em torno da AIDS, produzidos por escritores que já haviam iniciado suas carreiras como ficcionistas quando da chegada do HIV ao Brasil. Também tentaremos compreender em que medida a AIDS influenciou a produção dos autores das obras em questão: Onde andará Dulce Veiga? (1990), de Caio Fernando Abreu, Alegres e irresponsáveis abacaxis americanos (1987), de Herbert Daniel e Vista do Rio (2004), de Rodrigo Lacerda.

Os três autores elencados souberam como poucos em se tratando da relação entre literatura e AIDS, fazer a conexão, nem sempre evidente, entre a doença física, causadora dos males do corpo, e a doença psíquica, responsável por alterar a maneira das pessoas se relacionarem. Isso sem falar na releitura, feita pelos romancistas, do espaço urbano e da noção conhecida de tempo: ambas aparecem transfiguradas, em visível estado de deterioração, o que nos permite afirmar que, no trato literário de Abreu, Daniel e Lacerda, a AIDS pode aniquilar não apenas o ser humano, mas sim levar à morte coisas não tão facilmente palpáveis, casos de espaço, tempo e emoções.

Justamente por esta razão optamos por deixar de lado obras de cunho mais autobiográfico, mesmo porque não temos interesse em analisar textos de autores que jamais haviam pensado na questão do HIV em seus atos criativos. Evidentemente, não podemos negar que inúmeras narrativas sobre a AIDS começaram a surgir no mundo e no Brasil pouco depois das primeiras notícias publicadas na imprensa a respeito da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. No entanto, a maioria desses textos fazia pouco mais do que relatar experiências pessoais dos autores a partir do momento em que estes se descobriram infectados pelo HIV. Embora reconheçamos relevância de tais relatos, a tarefa de escrever algo do tipo “minha vivência com o vírus da AIDS” é bastante diferente de tentar descobrir qual o sentido de produzir literatura num tempo marcado por um vírus disseminador de uma moléstia incurável e mortal, trabalho desenvolvido por Caio Fernando Abreu, Herbert Daniel e Rodrigo Lacerda.

Isto nos coloca diante do contexto histórico de produção de cada um dos três romances, ou seja, o Brasil do final da década de 1980 e início da de 1990. Depois vinte e um anos de ditadura militar (1964 – 1985) o país atravessava um momento que, se não era tão turbulento quanto o dos anos de totalitarismo, não podia, de forma alguma, ser classificado como de bonança. Basta lembrar da recessão econômica, da inflação galopante – em alguns momentos chegando a quase mil por cento ao ano -, da campanha pelas Diretas Já (1984), reivindicando o direito ao voto direto para presidente da república e da morte do presidente Tancredo Neves, em 1985. Tancredo, eleito, ainda de modo indireto, pelo congresso nacional, em meio a grande otimismo, faleceu antes de assumir o cargo, e

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grande consternação tomou conta do povo brasileiro, ao lado, é claro, de uma boa dose de negativismo. Negativismo, diga-se de passagem, agravado pela chegada da AIDS.

É claro que a AIDS não gerou, apenas, crises de negativismo; a doença, com todo o estigma social a ela ligado, com sua capacidade de desencadear uma paranoia coletiva e atingir os relacionamentos entre as pessoas, culminou na angústia representada pelo perigo do contato sexual e amoroso. E de que forma a vida é possível numa época em que o amor significa sentença de morte? E datada, ainda por cima?

As tentativas de resposta a estas indagações fazem parte dos enredos dos romances que formam o corpus analítico deste trabalho. Todos apresentam algumas características em comum, dentre elas, a reflexão do lugar do escritor num mundo caótico, amedrontado e abalado em suas estruturas pela presença de um vírus letal; a tarefa nada cômoda do produtor de literatura, marcado que é pela chaga da palavra escrita, de ter de dialogar com as intempéries de seu tempo e procurar respostas sabidamente inexistentes; a destruição dos relacionamentos afetivos por conta da AIDS; a morte social ocorrendo antes da morte física do soropositivo e, vale lembrar, a destruição da noção de tempo e de espaço proporcionadas pelo HIV.

Para esta 15ª edição do SETA, preparamos uma apresentação centrada nos principais pontos acerca do estudo sobre Onde andará Dulce Veiga? (1990), de Caio Fernando Abreu. Seu pioneirismo em termos de literatura de AIDS se dá por ter sido ele o primeiro escritor brasileiro a perceber que algo tão grave quanto a morte de pessoas estava acontecendo no período em que foram noticiados os primeiros casos de AIDS em nosso país. Não é à toa, portanto, que as primeiras abordagens literárias no tocante à síndrome tenham partido dele. Em sua visão a simples possibilidade de a liberdade sobre o corpo e as relações afetivas e sexuais serem afetadas pelo vírus HIV seria responsável por transformar os seres humanos em zumbis, privados, para sempre, do prazer do sexo, este, agora, inexoravelmente ligado à morte.Em suma, Caio tinha plena consciência do que estava acontecendo nas relações humanas naquele período sem tratamentos eficazes para a AIDS. Porém, neste caso, a consciência da situação não oferece nenhum arremedo de cura. Restam, então, a dor, a desilusão, o desespero e a ausência de qualquer forma de esperança.

Na tentativa de ilustrar como a AIDS é trabalhada na produção literária do autor, optamos por fazer, num primeiro momento, uma breve releitura dos volumes de novelas Triângulo das águas, de 1983, e de contos Os dragões não conhecem o paraíso, de 1988. Em ambos os livros, discussões no tocante a perda da esperança e o lugar do humano na nova realidade marcada pela epidemia de HIV/AIDS, são esboçadas com considerável sucesso. Todavia, é no romance de 1990 que Caio Fernando Abreu colocará da maneira mais bem acabada a angústia humana num mundo que parece ter sido abalado em todas as suas estruturas pelo vírus HIV: a condução do fio narrativo, a construção do enredo, o cenário em que se dão os acontecimentos, a relação dos personagens com seus anseios e frustrações e uma quase insuportável sensação de que qualquer o amor sexual implica em sentença antecipada de morte convivem com a inevitável busca por uma esperança que qualquer ser humano empreenderia em semelhante contexto. Procuraremos demonstrar em nossa apresentação como esses conceitos são trabalhados no referido romance.

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Carlos Augusto de Melo, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas PRIMEIRAS HISTÓRIAS LITERÁRIAS NO BRASIL Orientador: Francisco Foot Hardman No Brasil oitocentista, as histórias literárias fizeram carreira, como veículo discursivo historiográfico de invenção, afirmação e convalidação da tradição cultural e literária nacional, especialmente, pelos fortes vínculos institucionais que possuíram. É nesse momento que encontramos alguns historiadores aspirando trazer a público a história oficial sobre o conjunto da literatura nacional que contribuísse para a projetada História Geral do Brasil. Desse esforço intelectual, tivemos três exemplos bem-sucedidos de histórias literárias: o Curso Elementar de Literatura Nacional (1862), de Cônego Fernandes Pinheiro; O Brasil Literário (1863), de Ferdinand Wolf e o Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira (1866-1873), de Sotero dos Reis. A história dessas primeiras narrativas é uma das mais interessantes da nossa história cultural e não tão simplória como parece demonstrar os pequenos resumos que, ao longo dos anos, fizeram sobre as mesmas. Elas participam do exercício historiográfico geral a serviço do poder imperial; envolvem-se em questões diplomáticas e políticas civilizatórias; relacionam-se com o saber didático e institucional; misturam-se com as tarefas da crítica literária da época que, naquele momento, também está se formando; trazem modelos de historiografia que combinam a tradição retórica com o pensamento cientificista que começava a entrar em voga naquele período; e, além de outros aspectos. Desse modo, o intuito desse trabalho é apresentar uma idéia geral de minha Tese de Doutorado, intitulada “A Formação das Histórias Literárias no Brasil: a contribuição de Cônego Fernandes Pinheiro (1825), Ferdinand Wolf (1796-1866) e Sotero dos Reis (1800-1871)”, sob orientação do prof. Dr. Francisco Foot Hardman, que traz uma leitura crítica sobre essas narrativas precursoras, como formadoras da tradição de histórias literárias e, por conseguinte, de historiografia literária nacionais no Brasil. E, com isso, o objetivo é contribuir para a revisão de nossa historiografia literária do século XIX. Nesse sentido, pretende-se percebê-las a partir de suas características discursivas, teóricas e metodológicas, aplicadas ao estudo histórico da literatura nacional, como, por exemplo, à construção da periodização, à aplicação da análise literária, à conceituação de “literatura nacional”, entre outros aspectos. A tese encontra-se em fase de conclusão. Ela foi configurada em seis capítulos: 1) no primeiro, há a reflexão sobre o panorama histórico e cultural que impulsionou o aparecimento das histórias literárias, como, por exemplo, as medidas institucionais que, sob o impulso do nacionalismo e da idéia de civilização, propõem a criação de uma nação brasileira através dos resultados do trabalho historiográfico de intelectuais em grandes estabelecimentos oficiais, como o Arquivo Público, o IHGB e o Colégio Pedro II. Também a proposta do governo que envolve a oficialização da história dentro de outros campos de conhecimento como o educacional em que esses dois campos de poder parecem ser necessários para o estabelecimento da instrução e ordem nacional e, de algum modo, explica o surgimento da disciplina da

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história da literatura nacional que recebe os mesmos comandos historiográficos. 2) nos três capítulos subseqüentes, encontram-se as análises individualizadas das três narrativas. Primeiro, o Curso Elementar é formulado no âmbito nacionalista do conservadorismo monárquico e trabalham o passado colonial e seus vínculos com o passado político e literário da Metrópole como realmente necessários ao estabelecimento da ordem, unidade e engrandecimento cultural. Ele segue os parâmetros históricos e culturais instituídos e aparece como instrumento funcional da política institucional, uma vez que é gerado no seio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, bem como nos ideais do pensamento educacional do Colégio Pedro II. Já O Brasil Literário é uma história literária escrita pelas mãos estrangeiras. Ele representa a formação das histórias literárias no Brasil a partir da preocupação de legitimação da história cultural e literária que, na maioria das vezes, precisou do forte condicionante “olhar estrangeiro”. E, nesse aspecto, propõe-se trabalhar o “instinto de civilização”, pertencente à revelada “idéia de nação” do romantismo, e que transparece nos discursos de intelectuais brasileiros. O Curso de Literatura Portuguesa e Brasileira exemplifica a solução de história literária da província brasileira. Ele é fruto do grupo maranhense “Atenas Brasileira” e da educação ludovicense que modelam uma historiografia literária nacionalista, lusófila e vernácula. A obra apresenta aspectos de conceito literário, de divisão historiográfica e constituição do cânone brasileiro que se relacionam diretamente com a tendência de estudos clássicos de literatura; 3) no quinto capítulo, fazemos uma reflexão geral a respeito das características dessas histórias literárias, com objetivo de formar uma idéia de história literária oitocentista do Brasil. Com as propostas desses três historiadores, a história literária brasileira começou a ter um corpo mais definido. A partir de 1862, os interessados pela literatura brasileira poderiam consultar tais obras que ofereciam propostas acabadas de uma narrativa contínua a respeito do processo de formação da literatura nacional. Nesse sentido, por exemplo, as histórias de Cônego Fernandes Pinheiro e, também, de Sotero dos Reis se aproximam enquanto postulados didáticos gerais em prol de uma educação cívica, monárquica e nacional dos estudantes brasileiros, mas se afastam ao passo que, em alguns momentos, apresentam perspectivas metodológicas diferenciadas de compêndio didático ao que se refere principalmente à aplicação da leitura e análise literária das obras, ou seja, da crítica literária. Elas se aproximam ainda pelo espírito nacionalista-conservador que fazia crer na necessidade do estudo compartilhado entre as literaturas de Portugal e do Brasil, diferenciando-se, porém, na formação do cânone dessas mesmas literaturas. O estrangeiro Ferdinand Wolf é um caso mais particular em comparação as essas outras duas anteriores. Ele apresenta uma obra diferenciada, mais pelo aspecto conceitual do que metodológico. O Brasil Literário é uma obra sem pretensões didáticas, mesmo que, como afirmamos acima, venha servir de compêndio escolar nos colégios brasileiros do século XIX e a diferenciação do que seja compêndio e história literária ainda estivesse se modelando. Ainda que envolvido com o poder conservador, ela difunde uma historização apenas do patrimônio literário dito brasileiro; 4) por fim, o último capítulo estuda a construção da idéia de história literária ao longo do século XX e XXI e seus subseqüentes desdobramentos, configurados nos discursos da maioria dos críticos literários como a crise historiográfica. Com isso, essa Tese pretende contribuir para a reavaliação das histórias literárias, bem como da historiografia literária no Brasil.

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Carlos Junior Gontijo Rosa, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas. O criado nas obras mitológicas de Antônio José da Silva Orientador: Alexandre Soares Carneiro

Antônio José da Silva (1705-1739), o Judeu, é considerado por muitos críticos o

melhor dramaturgo português, depois de Gil Vicente. Morreu aos 34 anos, vítima do Santo Ofício. Sua vida foi muito atribulada: por duas vezes vítima das torturas da Inquisição contra hereges, toda sua obra foi escrita no intervalo entre as prisões. São comédias leves, “sem subentendidos humanitários e pseudofilosóficos”, trazendo sempre um final feliz, no qual as pancadas distribuídas entre as personagens são do tipo “que alegra, provocando os aplausos de um público simples” (PICCHIO, 1969: 195). Sua obra foi escrita para ser representada por bonifrates no Teatro do Bairro Alto, ambiente freqüentado pelo povo e a burguesia portuguesa desde a dominação espanhola. Que temos notícia, Teófilo Braga, estudioso do século XIX, foi o primeiro crítico a perceber o valor da obra do Judeu, quando diz que “o imbróglio das Comédias de Goldoni impeliram [Antônio José] a essas paródias da Comédia popular com figuração mitológica, temperando situações burlescas com a graciosidade de trechos líricos” (BRAGA, 1909: 110). A relação com o teatro e a ópera italianos é fortemente marcada nas obras do autor, mas a produção artística italiana era, no início do século XVIII, elemento da cultura de elite e nos teatros populares prevaleciam as representações dos teatros de capa-e-espada espanhóis. Tal gênero teatral agradava ao público simples da Lisboa setecentista, e nosso autor apreendeu recursos também desse modelo de teatro para cumprir o papel de “promover a gargalhada franca do povo” (ASSIS, 1942: 305). Machado de Assis, no final do século XIX, também teceu críticas a respeito de Antônio José, a qual contrapõe ao ponto de vista de Teófilo Braga, dizendo que “suas analogias podiam ser um elemento de prova, mas desacompanhada de outras não faz chegar a nenhum resultado definitivo” (p. 305). O romancista brasileiro acredita que Antônio José “pertence à família dos poetas cômicos – com a circunstância que era um desperdiçado” (p. 301), porque se rendia ao “gosto próprio e das platéias” (p. 307) para compor suas óperas. Assim, encontramos nas peças desse autor teatral um texto vivaz e jovial, aspectos por vezes ressaltados na crítica machadiana. Ao que concerne os aspectos históricos da biografia do dramaturgo, Picchio afirma que “a heresia reincidente de que a Inquisição acusava o pobre Antônio José não transparece de modo algum das suas obras” (1969: 188). Acreditamos que a produção artística do autor não necessita do apoio de sua sofrida vida para ser reconhecida enquanto arte e a consideramos produto estético de valor, carente de análises dignas. Ao todo, o Judeu compôs oito comédias em português e uma – El prodigio de Amarante – em espanhol. Quase todas utilizam mitologias na elaboração de seus enredos e personagens, adidos a “uma imaginação bizarra e um estro satírico há muito tempo ausentes

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dos palcos portugueses” (p. 188). O autor usa dos caracteres e passagens míticas para compor seu teatro, que é chamado joco-sério “por lembrar os recursos híbridos da tragicomédia, nessa mistura entre a elevação do trágico e o realismo do cômico” (PEREIRA, 2007: 28). Ainda que utilizando os caracteres mitológicos, “retrata os tipos populares, empregando em situações grotescas ou pícaras os seus modismos peculiares da língua portuguesa” (BRAGA, 1909: 109). Em todas as suas obras percebemos a influência exercida pelo criado para o entendimento da peça. Responsáveis pelas maiores trapalhadas dentro do enredo, são eles quem tiram o público do seu estado de passividade diante da representação e o faz se envolver verdadeiramente com os temas tratados. Além disso, o texto trata da atualidade de forma direta e a linguagem utilizada pelas personagens evoca “uma linguagem áulica, recheada de conceitos e metáforas de linhagem barroca, mas os criados, os plebeus e as mulherzinhas riem-se de tais afetações. A linguagem que usam é direta mas nunca licenciosa” (PICCHIO, 1969: 193). Os textos de Antônio José dispõe de temas já conhecidos e, para compreensão do mito tratado, as personagens principais não poderiam ser descaracterizadas. Vemos, no entanto, que os seus criados possuem diversas características que facilitam o acompanhamento do enredo pelo público. Ressaltando os criados, nosso objeto de estudo no teatro do dramaturgo português, observamos que “só aparentemente os nobres dirigem o desenvolvimento da ação, já que, na verdade, ficam em posição de dependência ao pretenso subordinado, o criado, que é o verdadeiro condutor do enredo” (PEREIRA, 2007: 42). O criado, chamado de gracioso, pode ser considerado remanescente do teatro espanhol, que historicamente dominou Portugal até o final do século XVII. Pereira pensa o criado como “eixo da tessitura do discurso literário” e “fio condutor das ações” (1985: 30). Sendo assim, a linguagem das peças se configura como a maior fonte de comicidade e também uma das chaves para o entendimento do universo dramático do autor. A fim de completar o quadro de análises sobre as obras de Antônio José, pretendemos estudar a possibilidade que o caráter do criado exerça a função de condutor do público através do enredo, mesmo não sendo o protagonista da peça. Embora seja conhecido que “o criado gracioso é o condutor da sátira política ao Portugal de seu tempo” (PEREIRA, 2007: 42), analisaremos este caráter pela sua função dentro da ação cênica da obra, ação que confere comicidade à mesma e a carrega de verossimilhança e identificação com o público a que era destinada. Continuando uma vertente pouco estudada, pretendemos focar esta pesquisa em sua obra, porque acreditamos que suas peças trazem contribuições para os estudos e produções artísticos relacionadas a elas. Assim, este projeto tem por objetivo principal analisar o uso da personagem do criado nos enredos mitológicos do Judeu, partindo da hipótese de que esta personagem era o responsável pela aproximação entre o público e o enredo da peça. A pesquisa até agora desenvolvida demonstra que poucos estudos consideram a função do criado, quando este não ocupa o posto de protagonista dentro de um enredo. Acreditamos que o criado desempenha, nas obras de Antônio José, a função de personagem-narrador. A linguagem utilizada pelo criado e os jogos de cena que propicia atrairiam não só a atenção e interesse do público, como também auxiliaria na compreensão da história contada. A partir da comparação com outras personagens, perceberemos a popularização do tema através do tipo estudado. Baseados na compilação de Paulo Roberto Pereira (2007) para Anfitrião ou Júpiter e Alcmena e na de José Roberto Tavares (1957) para os textos auxiliares Os Encantos de

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Medeia, As Variedades de Proteu, O Precipício de Faetonte e O Labirinto de Creta, analisaremos em primeira instância o contraste com outras versões dos mitos narrados, a fim de delimitar as personagens mais fielmente caracterizadas e aquelas que não seguem rigorosamente o mito tradicional – no nosso caso, com atenção especial para os criados.

Posteriormente serão observados, dentre os aspectos cênicos do texto, a função do tipo específico do criado dentro da ação cênica da obra. Neste momento, também serão analisadas as personagens dos criados em sua relação com o público, a partir de parâmetros como identificação de linguagem e de linha de pensamento. Nossa hipótese é que tais aspectos deste caráter levariam ao maior envolvimento do público com o enredo da peça.

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Carolina Correia dos Santos, Doutorado em Teoria e História Literária — Universidade de São Paulo Indagações acerca dos narradores em Os Sertões e Cidade de Deus Orientador: Marcos Piason Natali

Minha pesquisa, intitulada “Entre o tempo e o espaço: um estudo sobre a literatura dos excluídos” tem como eixo organizador a comparação entre dois romances da alcunhada “literatura marginal” – Cidade de Deus e Capão Pecado – e Os Sertões, num primeiro momento, e num segundo, entre os dois “romances marginais” e três obras da literatura afro-americana da década de 1940: Native Son e Black Boy, de Richard Wright, e Invisible Man, de Ralph Ellison.

O objetivo que norteia este eixo dividido em dois momentos comparativos é o entendimento das obras marginais no que elas podem significar dentro da história literária brasileira, assim como num quadro mais geral, como parte de um impulso presente em diversas histórias literárias do mundo. Este impulso a que me refiro é o de escritores pertencentes a comunidades subjugadas que, no entanto, a partir de determinado período passam a escrever e publicar livros. Estes tornam-se, por sua vez e como decorrência das circunstâncias materiais, a ser o espaço onde a identidade e a consciência do subalterno – do negro nos EUA, do favelado e, muitas vezes, negro no Brasil – serão desenvolvidas. A comparação que extrapola os limites do estado-nação, nesse ponto do projeto, têm, essencialmente, dois motivos para existir. O primeiro é a identificação de semelhanças entre os momentos históricos das duas comunidades. No Brasil, é certo, esta é a primeira vez que a literatura de favelados, ou ex-favelados, passa a existir como movimento (e não como obras isoladas, quadro no qual Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, se insere). O segundo motivo, intimamente relacionado ao primeiro, é a proximidade temática entre as obras, que nos leva a cogitar a existência de similaridades nos processos de segregação nos dois lugares e com os dois grupos, e a compreensão que pode ser gerada pela constatação da contigüidade ou distância formal entre os livros. Possíveis conseqüências da comparação das obras são: 1. a compreensão das relações entre as identidades e consciências individuais e coletivas construídas e os estados-nações nos quais as comunidades se inserem e assim talvez o deslocamento da noção de nacionalidade como organizadora fundamental da construção identitária de grupos sociais num mesmo país; 2. a contestação da tradição e história literárias nacionais como principais e únicos espaços de diálogos das obras; 3. o questionamento da idéia aparentemente ainda vigente da “democracia racial” no Brasil.

O primeiro momento comparativo poderia conformar, depois do quadro promissor figurado na leitura comparativa entre os “marginais” e os “afro-americanos”, uma contradição. No entanto, há algo de extremamente inquietador para as Letras brasileiras na obra de Euclides da Cunha que, assim, parece incorporar uma parte da discussão acerca da literatura marginal. Colocada de modo geral, essa inquietação tem a ver com o

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“hibridismo” do livro, com a impossibilidade de classificá-lo, única e exclusivamente, como obra literária e com a disputa, portanto, entre os campos de saber sobre o domínio de Os Sertões. Neste sentido, a literatura marginal tem sido avaliada por boa parte da crítica a ela destinada como “documento”. Qual seria, afinal, o problema de entender essas obras como literatura? Qual seria a vantagem, por outro lado, de ter Os Sertões como obra pertencente ao sistema literário brasileiro? Que fatores, resultantes da interpretação, corroboram com a leitura das obras como literatura e que outros com a leitura como “documentos”?

Essas questões podem levar a indagações acerca do campo literário como campo de poder e à contestação da idéia de que a literatura mais abarcaria que excluiria – isso quereria dizer que ao campo literário é submetido tudo aquilo que notadamente é excluído de uma taxação certeira por parte de outro campo (história, sociologia, filosofia). Se a literatura não pode e efetivamente não aceita, por meio de suas teorias, determinados textos, então, o processo classificatório existe. A “etiqueta” “literatura” ou “literário” seria garantida por meio de critérios que, portanto, devem ser investigados. As obras de Euclides, Paulo Lins e Ferréz, nesse contexto, oferecem-se como palco para este exame.

Talvez, extrapolando os limites do estudo sobre os textos literários e projetando-o como metáfora de um projeto intelectual de país, os limites do sistema literário brasileiro deixam entrever os contornos de uma idéia de nação. Daí, a necessidade de conformação ao sistema – homogeneização, assimilação – para aceitação ou não de algo ou alguém. Por isso, quem sabe, a crítica sobre Os Sertões ser, como afirma Luiz Costa Lima, tão majoritariamente uníssona desde a publicação do livro. Também é possível que derive desta acepção a compreensão de Cidade de Deus como atualização da dialética da malandragem por Roberto Schwarz.

Além da discussão sobre os limites do campo literário e toda a possível contenda gerada por ela, há, indubitavelmente, no estudo comparativo entre as três obras, a chance de debater o que se deu do processo modernizador brasileiro: suas características e o papel do estado na formação da nação. Pois se na instituição da República, o estado lidou com os indesejáveis a baionetadas, dizimando Canudos, hoje, ele age de forma a contê-los, confinando-os às favelas e criando mecanismos (ou os espaços para que eles existam) de segregação social.

O trabalho a ser apresentado, focará nos livros de Paulo Lins e Euclides da Cunha, posto que Cidade de Deus e Os Sertões têm, especialmente, muito em comum. Ambos os escritores juntaram o material no qual desembocará seus livros em pesquisas “em campo”. As duas obras se dedicam, em algum grau, a explicações de recentes momentos históricos brasileiros e ao entendimento do funcionamento das relações estabelecidas entre os participantes desses momentos. Os conteúdos provenientes das pesquisas e da compreensão dessas relações estão, assim, formalizados nos livros que, ademais, tentam abarcar comunidades inteiras, fato reiterado pelos títulos. Essas constatações suscitam questões acerca do foco narrativo e do comportamento do narrador dos livros. Tendo garantido, ainda que problematizado, algum nível de literário, as duas obras permitem uma análise que visará entender o procedimento de seus narradores tentando perceber a conexão que ele estabelece com o narrado.

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Charles Albuquerque Ponte, Doutorado em Teoria e História Literária — Universidade Estadual de Campinas. Do sincretismo no cinema estadunidense como ampliação do público consumidor Orientador: Fabio Akcelrud Durão

A pesquisa tem como objetivo principal investigar a repetição como construção e destruição de elementos totalizantes na trilogia Pânico, explorando três tipos de repetições dentre as possíveis na trilogia: a repetição de componentes estruturais nos três filmes, de elementos próprios na forma de simulacro e de pastiches de outros produtos culturais. Cada um dos recortes está ligado a um objetivo específico, respectivamente: discutir como a repetição de componentes narrativos, nos três filmes, constrói e, simultaneamente, destrói uma estrutura total; explorar a fetichização dos elementos fílmicos mediante veiculação de pequenos simulacros (hiper-realismo), bem como por meio da tentativa de realizar um wrapping da macro-narrativa pelas micro-narrativas; pensar como a repetição de elementos de outros filmes, em forma de pastiche, sobrepõe valores ambíguos em relação à corroboração de um cânone cinematográfico. Além disso, há um viés de gênero cinematográfico, sempre buscando implicações comerciais na veiculação de produtos conhecidos, segundo a lógica da Indústria Cultural de Adorno e Horkheimer (1985). O trecho que vai ser apresentado abaixo é um excurso do segundo capítulo, de componentes estruturais, que trata do sincretismo de gêneros na trilogia.

O cinema sempre foi considerado uma arte sincrética, que congrega diferentes fontes e mídias tanto em termos composicionais quanto temáticos. Primeiramente, isso se deu pela combinação de imagens, movimentos, sons e palavras, que fez uso do avanço tecnológico nos últimos séculos. Em um segundo nível, temático-formal, há uma tendência da indústria cultural a promover ora uma fusão, ora uma filtragem de diversos gêneros no cinema, visando, com ambas as opções, aumentar o público consumidor, conforme sua necessidade. Para o cinema de horror, essa lógica pode ser facilmente aplicável. Na década de 1930, quando houve a primeira onda do gênero no cinema, o cômico convivia facilmente com o medo da plateia (cf. MADDREY, 2004). Nas décadas de 1940 e 1950, tentou-se manter um tom único de tensão e medo, com menos sucesso que outros gêneros. Se há filmes nos quais o suspense e o horror dão o tom da narrativa por completo, com leves momentos de romance, a pretensão à seriedade foi logo minada pela falta de recursos (a esse respeito cf. HUTCHINGS, 2004). Num movimento de retorno, após a virada do cinema arrasa-quarteirão, os filmes de horror se fundiram a outros gêneros com mais facilidade. Desta forma, o objetivo deste trabalho é promover uma discussão dessa recombinação na trilogia Pânico (1996; 1998; 2000), pensando qual a função comercial que esse núcleo sincrético tem na promoção do filme como um produto da indústria cultural. Para isso, exploraremos, principalmente, o horror, o enredo detetivesco e a comédia romântica nos filmes. A hipótese de leitura é que o sincretismo atinge seu ápice nos personagens Dwight ‘Dewey’ Riley (David Arquette) e Gale Weathers (Courtney Cox), sendo simultaneamente, vítimas

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em potencial, investigadores e também o par romântico da trilogia. Como parâmetros de análise, serão investigados os seguintes componentes estruturais: os enredos dos três episódios, divididos em seus componentes mínimos, o foco narrativo (narrador-câmera) e sua relação com as personagens e a composição de quadro conjuntamente com a montagem. Além disso, para a discussão do posicionamento mercadológico do sincretismo, serão observados os comerciais televisivos do terceiro capítulo da série, enfocando a forma de promoção dos filmes e a motivação (no sentido formalista) dos arranjos narrativos (adaptados para a teoria do cinema por BORDWELL, STAIGER & THOMPSON, 1985). Concluindo, percebe-se, primeiramente, que os elementos sincréticos da trilogia são uma recauchutagem de outras narrativas fílmicas, levemente modificados. Os enredos mesclam o chamado cinema slasher da década de 1980 (cf. DIKA, 1987) e as histórias de detetive (cf. TODOROV, 2006), com elementos pontuais pertencentes a comédias românticas. Para o foco narrativo em relação a personagens, o narrador-câmera adequa-se ao gênero principal daquela cena: quando o filme está num momento mais próximo do horror, a câmera ora acompanha a heroína, ora aparece em planos subjetivos, geralmente na mão, de acordo com a convenção do cinema slasher de anunciar com isso a presença do assassino (cf. HUTCHINGS, 2004; para a simultaneidade entre focalização e narrador-câmera no cinema, v. CHATMAN, 1990); em cenas de enredo detetivesco, a câmera acompanha os dois detetives na investigação, sendo focalizada pelo olhar do casal; finalmente, nos momentos de comédia romântica, a narração distancia-se um pouco do casal que cumpre essa função, como padrão em comédias. Por fim, a composição de quadro e a montagem segue a mesma diretriz do foco narrativo, sintaticamente criando choques no horror, ação nas descobertas investigativas e proximidade/antagonismo nas idas e vindas românticas. A confirmação dos motivos comerciais do sincretismo também se dá no formato da propaganda dos filmes. Os comerciais para veiculação na TV do Pânico 3 lançam mão das ideias de que, por um lado, todos irão gostar do filme e, por outro, que o produto que estarão consumindo congrega vários em um só, fazendo crer, motivacionalmente, no sacrifício dos aspectos estéticos em detrimento da comercialização (cf. ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Pode-se confirmar no não aprofundamento das relações desse tipo de pastiche, mas, ao invés, a construção de uma colcha de retalhos esquizofrênica onde as diferentes tendências convivem, mas não se mesclam; assim, os filmes passam invariavelmente a impressão de que há dois conflitos independentes, interno e externo, e que eles não pertencem, pelo menos em sua constituição formal, à mesma narrativa. Além disso, há nesse empilhamento de elementos outra lógica do capital que permeia essa variedade de gêneros em um único produto: o princípio propagandístico do mais-por-menos: ao comprar o ingresso para um filme, o espectador é seduzido pela ilusão de que levará um produto sem faltas, que o completaria (cf. BAUMAN, 2008) e simultaneamente, ou justamente porque, ofereceria um conjunto de diferentes emoções, ou, grosso modo, vários filmes pelo preço de um.

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Damares Barbosa Correia, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo RÉQUIEM PARA O NAVEGADOR SOLITÁRIO: ROMANCE TIMORENSE DE LUÍS CARDOSO Orientador: Hélder Garmes

A proposta geral, roteiro da literatura timorense de língua portuguesa, visa a análise das obras de autores timorenses, em língua portuguesa. No estudo das obras dos autores nascidos no Timor, verificamos que o conflito bélico é um tema recorrente, em virtude das guerras e conflitos sofridos pelo povo timorense. Vários autores, sobretudo portugueses, descrevem mesmo à luz da vertente histórica os dias em que o território timorense foi invadido, por aliados e japoneses, durante a Segunda Guerra Mundial. Tal episódio, relatado à época, ficou esquecido até meados dos anos 80, quando veio à luz e foi resgatado pelos portugueses. Desde então, historiadores do mundo, sobretudo portugueses, pesquisam e publicam temas relacionados aos fatos mencionados. Também o escritor timorense Luís Cardoso usou o tema da Segunda Guerra Mundial em seu último livro, Réquiem para o navegador solitário, como veremos então. Partindo-se do contexto da política salazarista, que pretendia manter a neutralidade portuguesa a todo o custo, durante a época da guerra e, também, a política a que estavam submetidas as colônias portuguesas à época, analisamos alguns aspectos concernentes à temática histórica, conflito mundial, descritos no romance de Luís Cardoso. Para tanto, além de abordar a temática da guerra, analisamos a obra literária do autor timorense, que utiliza o episódio bélico como pano de fundo para seu romance. Em Réquiem para o navegador solitário a protagonista Catarina, filha de um chinês, residente na Batávia, fica noiva de um comerciante português, que é o capitão do porto de Díli, quando este firma sociedade com o pai de Catarina. Após firmarem contrato, o noivo parte para o Timor e Catarina começa a se preparar para o casamento. Porém, a sociedade comercial começa a entrar em decadência e o pai de Catarina, com o intuito de assegurar o capital investido, manda a filha a Díli em busca do noivo e, também, sócio. Ao aportar em Díli, com um livro de Alain Gerbault nas mãos, Catarina pensa que ali encontrará seu príncipe encantado, mas percebe que caiu numa armadilha e acaba encontrando vários degredados, pessoas politicamente engajadas, que formavam a população do Timor Leste à época. Quando finalmente acha o noivo, que está devendo seu pai, Catarina é tratada como uma cobradora ou inimiga. E, ao partir para Goa, o noivo a deixa grávida e com a Fazenda Sacromonte para ser reconstruída e administrada. Partindo em busca da fazenda, reconhece o Administrador Malisera, que na verdade tem a posse da fazenda e, conforme Catarina, quer trocar o nome do local, chamando-a Fazenda Boaventura. Marcelo ou Malisera, podem ser a mesma pessoa, um espião ou um refugiado da Guerra de Manufahí. Com a recuperação da fazenda, Catarina volta para onde está seu filho e é apresentada aos japoneses que querem plantar algodão, comerciantes da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho. Mais tarde, com a captura de Marcelo ou Malisera, Catarina é tomada como espiã

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dos estrangeiros (holandeses e japoneses) e tenta recuperar seu filho, que fora raptado. Quando está iminente a invasão dos japoneses em Díli, durante a Segunda Guerra Mundial, Catarina encontra Alain Gerbault, autor do livro que trouxera de casa quando viajou para Díli. Alain Gerbault, o navegador, entra na vida de Catarina como um príncipe encantado, recebendo os cuidados da moça até o instante de sua morte. O Réquiem de Luís Cardoso, é narrado em primeira pessoa pela protagonista Catarina, uma chinesa que recebeu educação européia, vivia na Batávia com os pais e é obrigada a enfrentar perigos extremos, quando vai à Dili encontrar seu príncipe encantado. Ao longo de sua trajetória, as situações pelas quais é submetida, Catarina relata a situação política instaurada após a Revolta de Manufahí, comandada por Dom Ventura e, ainda, o limiar da invasão japonesa no Timor Leste, durante a Segunda Guerra Mundial. Há também alusão aos japoneses, que laboravam na Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho, pois Catarina é insistentemente procurada por japoneses, que pretendiam plantar algodão nas terras dela. As diversas guerras e rebeliões são um tema recorrente na obra de Luís Cardoso. Como acontece no livro Requiem para o navegador solitário, as guerras e revoltas também serviram como pano de fundo para os romances anteriores de Luís Cardoso, a fim de retratar os fatos ocorridos com o povo timorense. Com a Segunda Grande Guerra e a invasão japonesa ao Timor, os grupos internos acabam travando combate. Estes são a Coluna Branca, comandada pelo Lavadinho, e a Coluna Negra, liderada pelo irmão de Catarina, que chega da Batavia para vingar a morte de seu pai. A Coluna Branca realiza, portanto, verdadeiros massacres. É durante um desses ataques que Catarina acaba perdendo o seu filho Diogo. Esse episódio, ocorrido de 30 de setembro para 01 de outubro de 1942, ficou conhecido como o Massacre de Aileu. O uso de tais elementos na narrativa, confere um aspecto crítico ao texto de Luís Cardoso, pois o romance acaba denunciando os acontecimentos à época, durante o período entre guerras.

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Daniel Santana de Jesus, Doutorado em Teoria e História Literária - Universidade de São Paulo O verso decassílabo em Aureliano José Lessa Orientadora: Cilaine Alves Cunha

O objetivo deste projeto é verificar como, nos poemas de Lessa em que há o verso decassílabo, dá-se tanto uma aproximação quanto um afastamento em relação à norma neoclássica. Levar-se-á em conta, nesta pesquisa, que este afastamento no tocante ao padrão neoclássico constituiria, por sua vez, uma aproximação em relação ao romantismo. Quanto ao embasamento teórico desta pesquisa, já há bibliografia selecionada sobre romantismo e neoclassicismo. No entanto, não se descarta a necessidade da leitura e fichamento de textos sobre versificação das línguas românicas e sobre o decassílabo. Quanto à metodologia, esta consistirá na análise dos poemas. Segue, abaixo, a exposição do projeto propriamente dito.

O poeta romântico Aureliano José Lessa foi amigo de Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães no período em que esteve na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Uma análise temática de uma coletânea com cinquenta e cinco poemas do autor permite identificar temas como o amor, o sofrimento em geral, a contemplação da natureza, reflexões sobre a efemeridade da vida e algo de uma visão cômico-satírica.

Já uma análise formal dos textos do livro de Lessa revela o fato de o decassílabo, metro privilegiado na poesia portuguesa e brasileira desde o classicismo, ser o metro mais frequente em seu livro. Esta constatação será a base para outra análise, empreendida a seguir.

Levando-se em conta o discurso consolidado no romantismo de que a poesia era expressão da vida interior do poeta, pode-se pensar que uma consequência lógica deste postulado é a expressão poética ser independente do normativismo neoclássico – este, visto como contexto em oposição ao qual o romantismo definiu-se como movimento. Mas tal consequência não se verificaria irrestritamente nas realizações literárias concretas dos autores românticos. Percebe-se, antes, em Lessa não só um afastamento, mas também uma aproximação em relação à norma neoclássica.

A combinação de decassílabos e hexassílabos em uma mesma estrofe é bastante comum em Lessa. Tais combinações eram usadas na composição de odes por um poeta importante do neoclassicismo português como Filinto Elísio. A ode, por sua vez, é um gênero de composição que, em sua proposta mais tradicional, seleciona tanto um assunto elevado quanto um tratamento sério. Além disso, o verso decassílabo era considerado o mais adequado para a ode no neoclassicismo.

Nos poemas em que Lessa combina decassílabos e hexassílabos, pode-se notar a escolha de um assunto elevado e tratamento sério na contemplação do cosmo, por exemplo, em “O sol”: “Olho do céu, insana consciência/ De toda a criação,/Quem és, brilhante enigma? Ó Providência,/ Quanto é fraca a razão!”. Nesta passagem do poema fica clara a elevação do estilo a partir de imagens para o sol que enaltecem seu lugar privilegiado no cosmo e uma grandeza excelsa o bastante para não permitir o exame da reflexão humana.

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Por outro lado, a gravidade do tratamento atinge grande pessimismo – que seria um lugar-comum romântico - em “Desesperança”: “Se deve evaporar-se em esperança/ A f’licidade que ante nós avança/ Como a nuvem nos ares;/ Se ela em meu peito já não mais se aloja,/ Que te hei de dar? – aos pés da cruz te arroja,/ Pede-me só pesares!”. Poder-se-ia pensar em um afastamento da norma neoclássica se se admitir que um tratamento que envolva grande subjetivização não seja adequado à forma ode e ao verso decassílabo.

Quanto ao grupo de poemas de Lessa constituído pelos outros textos que contêm versos decassílabos, identifica-se, por exemplo, uma ode como “À tarde”, na qual predomina uma exaltação da natureza: “Mãe da melancolia, ó meiga tarde,/ Que mágico pintor bordou teu manto/ Coas duvidosas sombras do mistério?...”. Nesta passagem, notam-se a gravidade da sugestão da melancolia e o engrandecimento do objeto representado (a tarde) a partir da sugestão de sua incomensurabilidade – como percebida pela voz do poema - na associação com o aspecto do mistério. Estes elementos de gravidade de tratamento e engrandecimento, no contexto do comentário acima, apontam para um padrão neoclássico.

Mas, em um poema como “Mensagem”, no lugar da seriedade preconizada pelo neoclassicismo para o decassílabo, nota-se o que seria a participação deste metro em um esquema extremamente melódico: “Conta-lhe quanto/És inconstante,/Sem um instante/Jamais parar:/Que tal ingrata,/Ela me mata.../Coas asas liba o pólen da cheirosa/Rosa/Que no jasmíneo seio a donzela/Zela,/Mostra-lhe esquivo perto o mais orlado/Lado”. Neste poema de amor, que já não conta com o tratamento sério da ode, a estrofe com versos decassílabos vem logo após uma estrofe constituída de tetrassílabos - cuja leitura, desta última estrofe referida, sugere ritmo muito marcado. Na combinação destes decassílabos com monossílabos em uma mesma estrofe, pode-se notar que as duas últimas sílabas (contando as átonas) dos decassílabos coincidem foneticamente, em grande medida, com a palavra que constitui o monossílabo. Percebe-se, nesta coincidência, uma espécie de eco, efeito sonoro muito notável.

Até o presente estágio deste estudo, trabalha-se com a ideia de que o elemento da musicalidade seria instrumento privilegiado para a estilização de temas não tão nobres tradicionalmente; e que uma entoação mais próxima daquela da prosa seria mais verificável no tratamento de temas ditos mais elevados. Neste caso, ter-se-ia que tomar cuidado com a ideia da musicalidade como instrumento privilegiado da poesia romântica. Na história da versificação em língua portuguesa poder-se-ia deduzir um contínuo desenvolvimento melódico do verso. Tal progressão começa no Trovadorismo e já está bastante avançada quando o romantismo define-se como movimento. ABRAMS, M. H. The mirror and the lamp: romantic theory and the critical tradition . London: Oxford University Press, 1953 [reimp. 1971], p. 21-22. ISBN: 978-0-19-5011471-6. ELÍSIO, Filinto, pseud. Obras completas de Filinto Elísio. Braga: Edições APPACDM Distrital de Braga, 1998-2001, tomos I, III, IV, V e XI (Obras Clássicas da Literatura Portuguesa. Século XVIII). LESSA, Aureliano José (1828-1861). Poesias. Edição, apresentação e notas por José Américo Miranda. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, 159p. VERNEY, Luís António. Verdadeiro método de estudar. Edição organizada pelo professor António Salgado Júnior. Lisboa: Sá da Costa, 1949-1952, volume II, p. 298-299.

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Danilo de Oliveira Nascimento, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Cenas Pitorescas da Infância e da Adolescência nas crônicas de Raul Pompéia Orientador: Mário Luiz Frungillo

Nesta comunicação apresentamos o resultado preliminar e parcial da pesquisa sobre o tema infância e adolescência na não-ficção e na ficção de Raul Pompéia (1863-1895). A comunicação, portanto, restringe-se à apresentação de um dos capítulos da tese de doutoramento intitulada Representações da Infância e da Adolescência na República de Raul Pompéia, tese cujo objetivo geral é identificar a imagem de tais faixas etárias na obra do escritor, considerando aspectos de ordem estética, sexual, social e política, este relacionado especificamente ao momento de proclamação da República no Brasil. O capítulo, cujo título se indica acima, delimita como corpus de análise e interpretação as crônicas de Raul Pompéia publicadas em vários jornais no final do século XIX, entre eles destacam-se A Gazeta de Notícias, Jornal do Comércio, Estado de São Paulo, Diário de Minas entre outros, durante os anos de 1889 a 1895.

Reconhecido como escritor de ficção a partir da publicação de O Ateneu, Raul Pompéia escreveu e publicou também as novelas Uma Tragédia no Amazonas, As Jóias da Coroa, Clarinha das Pedreiras, A Mão de Luís Gama, contos e Canções sem Metro, textos em que se percebe a presença constante de personagens na infância ou na adolescência, vítimas de maus tratos no âmbito familiar; vítimas ou atores de crimes sociais e caracterizados a partir da relação com o narrador – voz masculina adulta – ou de personagens masculinos mais velhos, relação que acentua a erotização da infância e da adolescência, em específico da adolescente, no que tange a “desvios de comportamento” ou perversões sexuais.

Logo após a publicação de O Ateneu em maio de 1888, Raul Pompéia, aos 29 anos de idade, abandonou a ficção para se dedicar à imprensa, especificamente à redação e publicação de crônicas políticas e sociais, de crítica de arte e literária em vários jornais da segunda metade do século XIX. Crimes contra a juventude e infância e adolescência criminosas assim como educação da juventude brasileira são temas freqüentes de suas crônicas durante o período de Proclamação da República e apontam, por isso, para a existência de uma estrutura em que se percebe a relação de interesse entre os donos de jornais, os cronistas e os leitores ávidos por notícias de roubos e raptos de adolescentes, exploração de trabalho infantil, pedofilia, agressão contra crianças; menores de rua e a delinqüência juvenil, tudo noticiado sob a escritura de folhetim e do fait divers.

O registro dos crimes da e contra a juventude, por se tratar de documento social e histórico e, portanto, material que representa o passado da infância e da adolescência “refeito como fatalidade” (Freitas, 1997, p. 255), não deixa de representar também a convivência com o estado de violência estabelecido e do qual, de alguma forma, o cronista se torna parte. Neste sentido, tais crônicas sobre crimes contra as faixas etárias e crimes da

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juventude podem exemplificar a chamada “violência simbólica” (Freitas, 1997, p. 255). Violência simbólica não apenas no que diz respeito à representação violência física, psicológica e moral contras as crianças e adolescentes do “mundo real”, mas também traduzida no próprio modo de representar tais faixas etárias.

Fatos descartáveis e problemas sociais permanentes nas “folhas passageiras”, papel lido para embrulho e assuntos contemporâneos: “Suicídios, facadas, histórias de roubo arrebicadas de circunstâncias como nos romances, o ideal do noticiário” (Pompéia, 1981, p. 67, Vol. 9). Relatos criminosos e criminais sob o signo dos faits divers, único registro sensacional no jornal que nunca envelhece (Meyer, 2005, p.99). Relatos que corroboram para a fixação da memória coletiva, para a permanência do tempo e para a sua violenta renovação diante dos olhos dos leitores atuais. Se a crônica, na concepção de Arrigucci, renova “um teor de verdade íntima, humana e histórica” (Arrigucci, 1987, p. 53), nas crônicas pompeianas, essa renovação significa permanência e insolubilidade daqueles problemas sociais.

Fatos criminosos sob o registro das especulações, das bisbilhotices, dos boatos e adequados ao espetáculo das notícias diárias é matéria fundamental das “variações da crônica ligeira” (Pompéia, 1981, p. 43, Vol. 6) e sob os “comentários de expectativas fantásticas” (Pompéia, 1981, p. 215, Vol. 6), e desse modo, apropriação do sucesso de leitura na imprensa francesa da primeira metade do século XIX: a “literatura pitoresca”, que se nutria de dados estáticos da criminalidade urbana parisiense, especialmente no que se referia ao abandono de crianças, infanticídio e suicídio. Registro de crimes escritos em função da opinião, e à medida da curiosidade e do gosto públicos, expressão da cultura popular e também espécie de tema e de substrato das grandes obras literárias. Essa literatura pitoresca ao transformar o tema criminal em literatura do crime “au cours de ces annés” coloca-se como “célébration du crime” e se confunde como “documentation litteráire” e registro “d´amuser”, enfim: littérature pittoresque instiga o “goût pittoresque” e ao mesmo tempo é produto dele (Chevalier, 1978, p. 33-131).

Neste contexto de apropriações culturais e de produtos culturais, o registro de pequenos delitos de crianças abandonadas, suicídio de adolescentes e demais atrocidades cometidas pela juventude e contra ela compõe aquilo que o cronista denomina de tópicos pitorescos da “vida cronicável”, a recorrência diária desses tipos de relatos é sinal evidente, para Raul Pompéia, de que o “Rio de Janeiro cresce e a seara aumenta das colheitas do pitoresco e do dramático” (Pompéia, 1981, p. 43, Vol. 6). Tais expressões pejorativas constantemente utilizadas pelo cronista e relacionadas a um dos “grandes gêneros populares do século XIX”, (Meyer, 2005, p. 157) não esvazia a realidade representada, muito pelo contrário representa “maravilhosamente uma semana ao sabor da época” (Pompéia, 1981, p. 67, Vol. 9). Neste caso, a ironia desencadeia uma espécie de “exagero amplificador” (Meyer, 2005, p. 160) detalhes do fato relatado cujo objetivo é atrair a curiosidade dos “leitores pitorescos”.

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Davi Siqueira Santos, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual Paulista A AMÉRICA LATINA, NOSSA AMÉRICA E ARIEL: posicionam entos contestatórios à política pan-americana na virada do século XIX para o XX. Orientador: Luiz Roberto Velloso Cairo

“ A América Latina: males de origem (1905) de Manoel Bomfim e os possíveis diálogos com José Martí e José Enrique Rodó” é o abrangente título dado a presente pesquisa desenvolvida em nível de mestrado sob orientação do Dr. Luiz Roberto Velloso Cairo, dentro do programa de pós-graduação em Literatura da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, sendo financiada pela FAPESP.

Em um primeiro momento procurou-se investigar, com base em um estudo mais concentrado na primeira obra de Manoel Bomfim (1868-1932), quais seriam os percursos porque passaram os povos latino-americanos ao longo do processo de formação e estabelecimento como nacionalidades autônomas e independentes. Com este estudo inicial pretendíamos discutir o progressivo processo de consolidação das diferenças entre as Américas, isto é, o surgimento de marcas identitárias distintas relacionadas aos americanos do Norte ou Anglo-Saxões, de um lado, e aos Latino-Americanos, de outro. O projeto buscava encontrar, mais especificamente, o que seria para Bomfim seu conceito de ser americano e pertencer à América, em um momento em que as relações entre os países do continente se modificavam e assumiam novas configurações.

Contudo, ao longo das leituras, fomos percebendo que o contexto histórico em que Bomfim escreve sua obra, no que diz respeito à política externa entre os países latino-americanos, vem a ser um fator de singular importância, uma vez que, justamente no começo do século XX, intensificam-se as discussões baseadas em um projeto pan-americano sob a liderança dos EUA, que ganhará corpo e significados expressivos mediante ações práticas.

Este projeto pan-americano dividiu os intelectuais brasileiros em dois grupos, como bem observa a historiadora Kátia Gerab Baggio em A ‘outra’ América: a América Latina na visão dos intelectuais brasileiros das primeiras décadas republicanas (1998). De um lado, os opositores à política pan-americana são representados por nomes como Eduardo Prado, Oliveira Lima, José Veríssimo e Manoel Bomfim, enquanto, defendendo a bandeira de integração econômica com a América do Norte estão intelectuais como Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Artur Orlando e Silvio Romero.

O objetivo do projeto ante a tão instigante disputa intelectual entre grupos, é o estabelecimento de relações que ultrapassem as fronteiras brasileiras, reunindo assim em torno de Manoel Bomfim outras intervenções críticas que permitam um diálogo maior com autores hispano-americanos do período. Deste modo, mantendo o estudo pautado na primeira obra de investigação histórico-social do pensador sergipano, procuraremos correlacioná-la com outras abordagens, como a do uruguaio José Enrique Rodó (1871-1917) cuja análise a respeito das relações entre América Latina e EUA, presentes em seu ensaio

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“Ariel”, influenciou diversas gerações uruguaias e latino-americanas de maneira geral, bem como ainda destacar o ponto de vista cubano, uma vez que esta região insular, estratégica e extremamente visada no contexto em questão, teve em José Martí (1853-1895) uma potente voz crítica de contestação aos intentos dominadores norte-americanos.

Dessa maneira, como é possível perceber, nos posicionaremos em meio a um viés crítico contestador e contra-discursivo à política pan-americana, buscando perceber em que medida estes intelectuais foram opositores à crescente onda de intervenção externa sobre os países latino-americanos e em quais momentos divergiram seus posicionamentos.

A riqueza de seus textos, no que concerne aos recursos estilísticos empregados, é outro traço que também desejamos chamar atenção neste trabalho. A linguagem elaborada via estas três diferentes fontes de conhecimento, apresenta-se em suas particularidades. O cubano, pioneiro neste arranjo de intelectuais que conjugamos, traz em seu artigo “Nuestra América” uma quantidade notável de metáforas, citações bíblicas, fabulares, entre outras incorporações de elementos expressivos para a elaboração de um texto singular, como é possível perceber no fragmento seguinte:

“Já não podemos ser o povo de folhas, que vive no ar, carregado de flores, estalando ou zumbindo, conforme a acaricia o capricho da luz, ou seja, açoitado ou podado pelas tempestades; as árvores devem formar fileiras, para que não passe o gigante das sete léguas! É a hora da avaliação e da marcha unida, e devemos marchar bem unidos, como a prata nas raízes dos Andes”. (MARTÍ, 1983, p.194)

Já o ensaio-poético do uruguaio José Rodó, tem sua fonte de inspiração em um dos últimos trabalhos de Shakespeare, A Tempestade (1611). Nesta peça se destacam dois personagens, Calibã e Ariel. O primeiro, metade homem metade monstro (o pai era um demônio marinho, não se sabe se peixe ou anfíbio; a mãe, chamada Sicorax, era uma feiticeira argeliana), não possui um comportamento moral admirável, revelando sempre sua natureza rebelde e corrupta, ainda que tenha recebido uma educação primorosa de Próspero – o grande sábio e gerenciador da ilha. Ariel, por sua vez é um espírito prestativo que lidera um grupo de anjos e trabalha fervorosamente para Próspero objetivando a tão almejada liberdade.

Desta relação bipolarizada entre Ariel e Calibã, Rodó percebe existir um traço de semelhança no que se refere ao relacionamento conflituoso estabelecido dentro do continente americano. Propõe, então, aproximar a imagem de Calibã com os EUA enquanto Ariel seria a representação da América Latina. Percebemos assim um especial emprego da linguagem neste processo de comparação entre os personagens shakespearianos e uma América dividida entre materialismo ao norte e espiritualidade ao sul. Por fim temos o texto de Manoel Bomfim que, como já observaram Flora Süssekind e Roberto Ventura no ensaio “Uma teoria biológica da mais-valia?”, faz uso singular da linguagem, na medida em que opta por pensar nas relações desiguais entre metrópole e colônia em termos de parasitismo social. Assim o explorador transforma-se em parasita, e o explorado, em parasitado. Nota-se também em Bomfim a proposta de dividir a sociedade em dois grupos de interesses conflitantes; processo de certo modo parecido com o empregado por Rodó quando propõe separar utilitarismo de espiritualismo. No entanto, para Bomfim, a América Latina seria a representação do corpo parasitado, espoliado, devastado por um predador sanguinário, o parasita. Na passagem de grande teor metafórico

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a seguir, cujo objetivo é descrever o estágio final de um ato de devastação intensa em terras americanas, podemos observar a consideração feita acima:

“(...) qual o lugar onde um rancho de selvagens devorou uma colméia: ramagem da árvore abatida para do seu côncavo tira-se o cortiço; restos de casulos rotos por onde saem larvas mortas e pólen ainda não elaborado; restos de mel que escorreu dos lábios famintos e trêmulos de voracidade; frangalhos de corpos (...), o incêndio com que o selvagem se delicia no fim do repasto, para ver arder, numa chama só, a cera dos favos vazios, a lenha do tronco, o ramalho e a folhagem, as larvas e os corpos ainda trêmulos...” (BOMFIM, 2005, p.111).

Com base no exposto, procuraremos desenvolver uma pesquisa que não apenas busque pensar as relações sócio-políticas presentes no contexto de afirmação de um projeto pan-americano, mas que, sobretudo, investigue o discurso crítico dos autores acima mencionados, levando em consideração o emprego de uma linguagem repleta de intencionalidade expressiva.

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Débora Cristina Bondance Rocha. Mestrado em Teoria e História Literária — Universidade Estadual de Campinas. Primeiras consultas registradas a romance na Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro (1833-1840) Orientadora: Márcia Abreu

Com a vinda da corte portuguesa ao Brasil em 1808, ocorreram importantes mudanças políticas, econômicas e sócio-culturais. No que diz respeito ao último aspecto citado, foi significativa a transferência para os trópicos da Real Bibliotheca da Ajuda de Portugal, que posteriormente teve seu nome alterado para Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro (atual Biblioteca Nacional). A instituição era considerada a “Alfaia preciosa da Coroa”, conforme revela o Estatuto da Real Bibliotheca de 1821.

Nesta biblioteca real, que se tornou pública, a prioridade no que tange à composição do acervo parecia se distinguir das demais instituições de leitura que surgiram ao longo do Oitocentos no país. Visando a atrair um público cada vez maior, estas instituições apostavam em obras de caráter popular ou títulos que fossem de necessidade de seus frequentadores. Enquanto isso, a Bibliotheca Nacional e Pública ostentava o poder da realeza com livros, o que significava adquirir obras de prestígio, por vezes raras, com ricas encadernações, ornadas de gravuras, obras com altos custos de produção e compra pelo bem simbólico que representavam (BOURDIEU, 1989 e 1996; CHARTIER, 1999). Contava ainda com inúmeras doações, inclusive de títulos que já tinham sido censurados pela coroa, e foi beneficiada por resoluções e leis que garantiam que ao menos um exemplar de todas as obras impressas em terras brasileiras fosse doado à Biblioteca (SCHWARCZ, 2002). O romance, gênero estudado nesta pesquisa por estar em processo de consolidação no Brasil em meados do século XIX, não ocupava essa categoria distinta. Ademais, a qualidade do papel e o formato dos livros deste gênero, em geral, obedeciam às regras de menor custo, buscando atingir mais e mais pessoas.

Tentando seguir a proposta de Darnton (In: BURKE, 1992) ao unir história e teoria literária, esta pesquisa procura analisar esse ambiente tão singular de mediação de leitura a partir da história de sua instalação no Brasil, seu acervo e, principalmente, por meio de dados coletados dos Códices de Consulta Pública. Este documento foi criado em 1833 pelos funcionários da casa, com vistas a minimizar as perdas que o acervo vinha sofrendo. Para isso, eram registrados os nomes dos frequentadores e os títulos por eles pedidos. O procedimento foi mantido até 1856 e resultou em uma fonte riquíssima de informações para a história do livro e da leitura, composta de quatorze livros.

Em geral, os Códices apresentam dados padronizados. No início de cada dia era escrito o nome da instituição, seguido do dia da semana e a data com dia, mês e ano. Abaixo, em duas colunas, eram relacionados, à esquerda, o nome dos “senhores” que frequentavam a instituição e, do lado direito, as obras requisitadas. Diferentes caligrafias

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são encontradas ao longo de cada um dos Códices de Consulta Pública, às vezes até no mesmo dia, o que aponta para a existência de mais de um funcionário responsável pelo serviço.

Para a dissertação foram recolhidos todos os dados referentes a Belas Letras, já que um dos objetivos deste trabalho é comparar os pedidos de romance a outros gêneros para analisar se o número de consultas a romances era expressivo ou não na época. Além deste, outros gêneros literários, como a poesia e o teatro, foram incluídos na classificação de Belas Letras.

A variedade de informações possíveis de encontrar com relação às obras requeridas é grande. Por vezes, as anotações são compostas não apenas dos títulos solicitados pelos leitores, mas também trazem o nome do escritor. Outras, junto ao título, consta o nome do tradutor, sem que o tenham identificado como tal (como alguns títulos vertidos por Bocage). Tais dados não são uma constante na maioria dos registros, no entanto, é possível sugerir que a escolha por determinada tradução tenha sido uma exigência do leitor, já que essas informações constam apenas na nota de certos frequentadores, por outro lado, também se pode pensar que alguns consulentes não davam importância à questão autoral ou mesmo o bibliotecário que fez a anotação.

Devido ao fato de a nomenclatura do gênero romance, sua estrutura e o variável número de páginas serem bastante irregulares no período, como notaram Abreu (2003) e Souza (2007), inicialmente foi incorporada sob esta denominação prosas de ficção em geral, seguindo a sistematização dessas pesquisadoras. Assim, para a coleta de dados foram procuradas obras cujos títulos fossem compostos por nomes próprios (muitas vezes femininos), “palavras relacionadas a casais apaixonados, à virtude ou à amizade” (SOUZA, 2007), títulos que contivessem as palavras “aventuras”, “cartas”, “contos”, “história”, “novela” ou “romance” e ainda os que tivessem subtítulos precedidos pela conjunção “ou”, uma vez que não era possível conhecer todos os títulos de romances publicados até então.

Em Belas Letras foram incorporadas obras como o relato de viagem com passagens ficcionais Viajante Universal, que ficaram de fora da contagem dos títulos pertencentes ao gênero romance.

Um número expressivo de pedidos em quantidade e frequência ocorreu em relação a “Obras [completas] de (nome e/ou sobrenome do autor)” - o que impede de saber qual foi a obra realmente requerida para leitura. Tais dados foram recolhidos e inseridos em Belas Letras quando se tratavam de escritores que produziram Belas Letras, ainda que também tivessem outro tipo de produção, como no caso de Chateaubriand, Rousseau e Voltaire. Entre as obras escritas por Rousseau, há romances como a Nova Heloise (1761), assim como Chateaubriand escreveu Atala (1801), René (1802), Les Natchez (1826), As aventuras do último Abencérage (1826), Os mártires (1809). Voltaire também compôs os romances: Alzire (1736), Cândido (1759), Mérope (1743), O filho pródigo (1736), Maomé (1741), O mundano, O ingênuo (tradução portuguesa de 1834). Contudo, foram incluídos como romance apenas as anotações destes escritores em que os títulos foram mencionados.

A análise aqui apresentada fará parte do segundo capítulo da dissertação (Entre as paredes da Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro, romances... (1833-1856)) que está dividida em três períodos: 1833 a 1840 – com o início dos Códices, encerrando com a explosão do romance-folhetim; 1841 a 1848 – encerrando com o início do interesse dos consulentes por obras nacionais (a data da primeira consulta na Biblioteca a um romance produzido no Brasil é em 12 de janeiro de 1848); 1849 a 1856 – em que obras aqui

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produzidas disputam a preferência do público com as estrangeiras, até o fim dos registros nos Códices em 1856.

O que se pretende apresentar no XV SETA é uma primeira análise dos pedidos a títulos de romance na Bibliotheca Nacional e Pública de 1833 a 1840. Assim, este trabalho tem como finalidade identificar a preferência dos leitores de romance da instituição, verificar se os títulos e/ou os escritores mais solicitados eram ou se tornaram canônicos, notar se os requerimentos se direcionam para algum tema específico, perceber se as consultas eram a produções recentes ou mais antigas, e ainda tentar observar se tais pedidos eram de obras já comentadas (ou ignoradas) pela crítica (estrangeira ou nacional) que tais consulentes poderiam ter acesso e se estes comentários tinham um ponto de vista favorável ou contrário ao título em questão.

Agradeço o apoio financeiro a esta pesquisa à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

Fonte:

Códices de Consulta Pública da Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro. 1833-

1856. Ms./BN I- 4, 16, 7-20.

Referências Bibliográficas:

ABREU, Márcia Azevedo de. Os caminhos dos livros. Campinas: Mercado de Letras, 2003. BOURDIER, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. (Trad.: Maria Lucia Machado) São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ________. __________. O poder simbólico. (Trad.: Fernando Tomas) Rio de Janeiro; Lisboa, Portugal: Bertrand Brasil: DIFEL, 1989. CHARTIER, Roger. (Trad.: Maria Manuela Galhardo). A história cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Lisboa: Difel.1999. DARTON, Robert. “História da Leitura“. In: BURKE, Peter (org). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora UNESP, 1992. SCHWARCZ, Lilia Moritz; AZEVEDO, Paulo Cesar de; COSTA, Angela Marques da. A longa viagem da biblioteca dos reis. Do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. 2a reimpressão. SOUZA, Simone Cristina Mendonça de. Primeiras impressões: romances publicados pela Impressão Régia do Rio de Janeiro (1808-1822). Tese apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Teoria e História Literária. Orientadora: Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu. Campinas, 2007.

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Débora Racy Soares, Doutorado em Teoria e História Literária - Universidade Estadual de Campinas Desencontros Marcados: notas sobre Beijo na Boca de Cacaso Orientadora: Vilma Sant’anna Arêas

Os objetivos da pesquisa de doutorado intitulada Beijo na Boca: adesão e superação de limites de um poeta e de uma geração são: (i) efetuar a leitura analítica do livro de poemas Beijo na Boca (1975) de Antônio Carlos Ferreira de Brito (Cacaso), com a intenção de definir o lugar deste livro na produção poética do autor; (ii) compreender a trajetória poética de Cacaso, com todas as suas contradições e peculiaridades, atentando para as mudanças estéticas e suas variantes formais; (iii) situar Beijo na Boca no âmbito da coleção em que foi lançado – a Vida de Artista – definindo as propostas estéticas desta coleção; (iv) entender pontos consoantes e dissonantes: (a) Beijo na Boca em relação à produção poética de Cacaso; (b) Beijo na Boca em relação aos demais livros da coleção “Vida de Artista”; (c) as propostas estéticas da coleção “Vida de Artista” em relação a outras produções da chamada “geração marginal” da década de setenta. Em termos metodológicos, a pesquisa está embasada em alguns textos fundamentais de poética, crítica cultural, psicanálise, nos ensaios críticos de Cacaso, reunidos em Não quero prosa (1997) e também nos escritos de alguns poetas de sua geração (Ana Cristina Cesar, Francisco Alvim, Glauco Mattoso). Textos dispersos em jornais e revistas da época (Opinião, Movimento, Almanaque, Argumento, Tempo Brasileiro) também serão consultados. Nossa intenção é refletir sobre Beijo na Boca, terceiro livro de Cacaso, procurando demonstrar que a escolha do tema amoroso, além de dar tônus aos versos, funciona como estratégia lírica. Ao inaugurar, neste livro, uma poética desencontrada, antes, dissimulada, o poeta comprova que – em versos – as “aparências” podem “enganar” e, ao mesmo tempo, “desenganar”. Posto de outra forma: ao ensinar a desconfiar “das coisas tal como aparecem”, o sujeito lírico problematiza a possibilidade de representação poética, causando uma espécie de curto-circuito semântico interessante, do ponto de vista da composição estética. Em Beijo na Boca “não há”, como observou Clara de Andrade Alvim, “afirmação que se fixe como a derradeira”, o que gera uma poética em desconcerto, moldada por “problemas de nomenclatura” e “desencontros marcados”. Ancorada em uma espécie de double bind constitutivo, essa poética volteia entre a necessidade de dizer e sua impossibilidade, entre a vontade de lembrar e os recalques da memória. No limite, ela (re)vela sua dificuldade em libertar a fala poética na linguagem, pela linguagem, ecoando uma perda fundamental. Pois é certo que o poeta precisa enfrentar a necessidade imperativa de enunciar e também lidar com uma impossibilidade fundante de “dar nome aos bois”. Há momentos, contudo, em que estes versos encenam uma dialética poética sem síntese, portanto, sem superação. Quando a escolha entre dois poemas, entre dois amores, colide com a impossibilidade de opção, a linguagem é tensionada pela ironia instrumental, geradora de ambigüidades semânticas. A desestabilização dos sentidos, decorrente do recurso irônico, permite ao poeta pôr o dedo em feridas que ultrapassam os limites do

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coração. Assim, resolutos na irresolução, alguns versos deste Beijo na Boca amplificam certas contradições constitutivas, coaguladas no binômio amor/dor. Escavando, no limite, a ferida aberta entre o mundo e a linguagem, o poeta põe em crise o próprio signo. Ademais, pondera sobre o alcance da palavra poética e de sua capacidade de mediação entre dois universos: o real e o fictício. Ao desestabilizar a ancoragem segura dos conceitos, esse sujeito dissemina dúvidas e incertezas em uma lírica que já nasce desconfiada. O signo em crise vacila, em Beijo na Boca, entre a ambivalência semântica – poeticamente produtiva – e a paralisação problemática dos sentidos – desafiadora para a análise. Portanto, a articulação desse movimento fundamental, que sustenta tal lírica conflituosa, repercute na constituição do sujeito lírico. Às voltas com problemas de identidade, esse sujeito constituir-se-á precariamente e procurará se afirmar, amorosamente, no embate com a alteridade. No entanto, a imagem alheia revelar-se-á espelho baço: os olhos da amada, vazados pela falta de reflexo, se convertem em instrumento poderoso para a reflexão. A identidade lírica sofre, portanto, os abalos da ausência da imagem do outro, sentido como falta que não ama. Desse modo, a ruptura da imagem especular é ratificada pela forma fragmentária dos versos. Se estes versos desenganam, prevenindo de qualquer ilusão, também ensinam a desconfiar das palavras, produzindo incertezas que, no limite, levam a uma sensação angustiante que pode ser pensada através do conceito de Unheimlich. Alheia a qualquer idealização, essa lírica (des)amorosa funciona ao revés: nela há um desconstruir permanente da concepção platônica de amor, entendida como fusão de duas metades. O sujeito lírico fragmentado – “parte que se reparte” – desconfia de qualquer possibilidade de totalização. Sob o pretexto do mote amoroso, dispõe-se a testemunhar - como testis e superstes (mártir, sobrevivente) – impossibilidades interditas em poemas problemáticos. Nesse sentido, Beijo na Boca é cheio de “segundas intenções”, aparentemente não-formuladas. A impossibilidade fundante de “dar nome aos bois” gera “desencontros marcados” que mobilizam questionamentos não só epistemológicos, mas também hermenêuticos. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

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Deise de Oliveira, Mestrado em Teoria e História Literária — Universidade de São Paulo. O Russian Booker Prize e o mercado literário Orientador: Bruno Barretto Gomide Nosso projeto de pesquisa consiste na discussão sobre a literatura e cultura contemporânea na Rússia, especialmente a questão do pós-modernismo, por um recorte específico: a análise das obras ganhadoras do concurso Russian Booker Prize, com enfoque no processo de classificação adotado pelos júris, bem como pela construção de um apanhado geral da premiação na Rússia. Quanto à metodologia, analisaremos, em um primeiro momento, os pensadores e críticos mais representativos desta “prosa alternativa” ou pós-moderna, sempre com um embasamento histórico. Diante disso, entender o indivíduo pós-soviético será de fundamental importância para lidar com os temas e as personagens dos romances vencedores. Em um segundo momento, nosso trabalho será o de investigar os critérios utilizados pela banca, a fim de tentar encontrar (se houver) algum ponto comum entre algumas das obras ganhadoras. Pensar em tais pontos será de suma importância para compreender os sistemas de valores dos críticos envolvidos neste processo de premiação, além de colaborar para o enriquecimento de uma nova abordagem analítica da nova literatura russa e de alguns de seus nomes mais prolíficos.

O Russian Booker Prize foi criado em 1992 com a intenção de premiar o melhor romance de ficção em língua russa, independentemente da nacionalidade do autor. Entre 2002 e 2005, seu nome foi mudado para Booker–Open Russia Literary Prize, a fim de melhor agradar seus patrocinadores (Open Rússia NGO). Por fim, após a prisão do presidente da instituição patrocinadora, o nome original foi novamente adotado.

O cronograma da premiação consiste em quatro partes etapas: anúncio do concurso (em março); anúncio da “lista longa” (entre junho e julho); anúncio da “lista curta” (em outubro); e finalmente a cerimônia final da premiação do ganhador. Todos os anos, o júri nomeia os seis melhores romances escritos – que já ganham mil dólares cada – para concorrer ao prêmio de 15.000 (quinze mil) dólares. O concurso fez com que os estudiosos de todo o mundo olhassem para a terra de Tolstói com outros olhos: apesar de a literatura russa ser célebre pelos cânones, a cena literária ainda existe, e os autores continuam produzindo romances de qualidade.

Depois da consagração do Russian Booker Prize, outros concursos foram pelo mesmo caminho e obtiveram certa importância, tais como: o Little Booker Prize, Anti-Booker Prize e, por fim, o Solzhenitsyn Prize (financiado pelo próprio autor).

A Rússia se mostrou o campo perfeito (e aberto) para se consagrar uma versão nacional da célebre premiação – já que não havia muitos concursos do gênero, diferentemente dos outros países do Leste Europeu, cujos concursos, no entanto, já estavam saturados de alguma maneira. Além disso, trazer o Booker Prize para a terra natal de aclamados escritores e dramaturgos seria uma maneira de mostrar que esta nova geração, mesmo após a dissolução da União Soviética, continuava sendo uma referência.

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Além disso, destacaram-se novos escritores russos – que já não estavam conseguindo vender livros como outrora. Com livros colocados entre os melhores da premiação, seus romances tiveram a oportunidade de sair do limbo, tornando-se conhecidos pelo grande público. A “realidade” do mundo contemporâneo já não é mais ditada pela censura. Sendo assim, esta nova realidade não é a mesma do mundo moderno. Neste novo mundo, o conceito de ‘hiper-realidade’ – trazido pelo semioticista Umberto Eco e pelo filósofo Jean Baudrillard – nos mostra que a cultura de massa inventou uma nova maneira de ver o mundo; uma maneira que não é necessariamente a verdadeira, mas apenas outra, sendo muitas vezes mais verossímil que a suposta visão do real.

Torna-se, então, evidente o motivo da crescente expansão dos romances policiais no mundo russo contemporâneo: neste tipo de narrativa, o escritor cria um tipo de realidade que só é possível dentro do novo mundo construído pelo poeta (hiper-realidade). Logo, o quebra-cabeça e a solução do problema se tornam mais importantes que as próprias técnicas narrativas. Durante a época soviética, os escritores ligados à União dos Escritores Soviéticos, criada em 1932, no geral, tinham certos privilégios, inclusive, alguns conseguiam viver da literatura. No entanto, com a dissolução da URSS, os escritores perderam o seu prestígio e sua função de “líderes” da população. A literatura estrangeira era muito mais valorizada pelo mercado interno, e, com isso, os escritores russos que não emigraram começaram a ter problemas para sobreviver. Conseqüentemente, a premiação surgiu como um alívio, pois agora eles poderiam adquirir respeito e também mais publicações. Pascale Casanova afirma que existe um “mundo literário” – chamado por ela de “República Mundial das Letras” – onde os textos literários aparecem dotados de uma estrutura coerente e global. Segundo a autora, a crença nesta universalidade pode ser muito bem ilustrada pelo prêmio Nobel, que mostra a existência de um espaço literário mundial. Talvez seja possível defender a tese de que os concursos literários, de maneira geral, indicam a existência de um espaço literário mundial – independentemente de tais concursos se localizarem no centro ou nas periferias “culturais”.

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Delvanir Lopes, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de São Paulo Solombra: da sombra à claridade Orientadora: Ana Maria Domingues de Oliveira

A geral da pesquisa é o estudo sobre a obra Solombra, última publicação ainda em vida de Cecília Meireles (1901-1964), em 1963. De início nos amparamos no fato de que são poucas as referências críticas encontradas acerca da obra. A grande parte dos trabalhos sobre a poetisa detém-se em suas primeiras obras, Viagem (1939), Mar Absoluto e Outros Poemas (1945). Outro fator importante está na chave de leitura que propomos para auxiliar na leitura de Solombra: a chave filosófica, que difere de todos os ensaios e tese encontrados por nós, a respeito não só de Solombra, mas da obra ceciliana. Nos estudos em que há um trabalho mais denso da obra de Cecília, o tratamento dado pelos críticos ora volta-se para os aspectos lexicais dos poemas, ora trabalha com a recorrência de temas dentro da obra, ou ainda outras alternativas de interpretação, como o trabalho com as metáforas, as imagens simbólicas e os binômios presença-ausência.

O que propomos com Solombra é um estudo em que a filosofia da existência, na figura de Martin Heidegger (1889-1972) nos auxilia, com suas reflexões acerca do tempo, dos sentimentos de angústia, do estar-no-mundo, da transcendência, da poesia e da morte, a melhor compreender a poesia de Cecília Meireles. A temática desenvolvida por Heidegger vem ao encontro da poesia de Solombra, desvelando-a, já que esta também traz as mesmas temáticas que as do filósofo alemão. Mas o existencialismo é apenas um ideário no qual buscaremos auxílio para a decifração dos profundos estados de alma que Cecília Meireles apresenta em Solombra. Desse modo, os conhecimentos filosóficos vem em apoio à poesia, como meio não para explicá-la ou como sistema que pretenda reduzir-se à uma leitura da “poética existencial” de Cecília, mas como instrumental para ajudar a compreendê-la melhor. Não é intenção constatar que a poesia de Cecília é um gênero híbrido do tipo “pensamento poético”, mas constatar que o intercâmbio de filosofia e poesia é possível e que ambos podem aprender com isso.

A poesia de Cecília é enigmática em Solombra para clarificar o ser. Ela quer mostrar o conflito e as situações angustiantes e concretas que o eu-lírico vivencia, e para o qual se torna porta-voz do plano transcendente. A poesia questiona a realidade, busca respostas, se angustia, dialoga com o ser, entra no âmago do ser humano, vasculha sua alma e procura desvelar os seus segredos. Por isso, temas tão intrínsecos como a angústia e a aproximação da morte, consciência da efemeridade do mundo e ânsia pela transcendência, vivência de situações limítrofes e busca de sua decifração, são recorrentes em Solombra.

São obras de Martin Heidegger utilizadas nesse estudo: Ser e Tempo, da chamada primeira fase, em que a preocupação é com o Dasein e sua existência; e A origem da Obra de Arte, Hölderlin e a essência da poesia e Carta sobre o Humanismo, diretamente relacionadas ao fazer poético em que o filósofo procura harmonizar a arte poética à verdade, mostrando a poesia como veículo que possibilita a revelação ou abertura do ser. E o poeta,

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enquanto vate, é que realiza essa epifania do ser, pela poesia. Quando Heidegger para a reflexão ontológica que tem a linguagem como fundamento, é porque acredita que aí está a “resposta” que permite a plena aletheia do ser. Na poesia, a linguagem passa a ser o próprio ser e para encontrá-lo é preciso “habitar” nele. O poeta é o “pastor do ser” e como mantém uma relação direta com ele, é guarda da verdade. O desvelar –aletheia- do ser ocorre dentro do que Heidegger chama linguagem autêntica: a poesia, que é a casa do ser. A partir dessa averiguação, o ser torna-se iluminador da existência, clareador da verdade.

O estudo de Solombra está estruturado em três capítulos principais. O primeiro em que procuramos apresentar uma panorâmica da relação entre poesia e pensamento, buscando mostrar o que há de pensamento em Cecília e o que há de investigação poética na filosofia. O segundo e terceiro capítulos mesclam-se e referem-se ao título da obra, que Cecília diz ser um arcaísmo que significa sombra, embora os estudiosos digam que a origem do termo é controversa e pode representar um acoplamento entre sol e sombra. No segundo capítulo, a leitura de Solombra será voltada ao caminho que leva da “sombra à claridade”, em que salientaremos os temas mais relacionados ao existir, validados pela conceituação heideggeriana do Dasein, da temporalidade e da morte. Buscaremos entender os campos semânticos voltados mais à noite, ao escuro, à melancolia, evidenciando que todas estas instâncias são consideradas como passos para a claridade e não um fim em si mesmas, dissonando da crítica ceciliana quase geral que os amplia em detrimento da esperança e transcendência. Trabalharemos com o dualismo de sombra, mostrando o fato de que ela só existe por haver a luz, e que isso também é o que acontece em Solombra, onde o Dasein (que podemos também chamar de sujeito lírico) busca a sua autenticidade e o seu relacionamento, o mais próximo possível do ser. Alcançar a autenticidade e a relação com o ser só é possível pela temporalidade e morte.

No terceiro capítulo a proposta é mostrar, na obra ceciliana, a claridade e o desvelamento, ampliando o estudo sobre a poiesis, a aletheia e a possibilidade de transcendência do ser. Este capítulo não deve ser entendido como oposição ao primeiro, mas um acréscimo, salientando que, se no capítulo dois, como o próprio Heidegger sugere, é o Dasein (eu-lírico) é que procura o ser, no último capítulo é o ser que se manifesta ao Dasein, na figura do poeta, pela poesia.

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Ednaldo Cândido Moreira Gomes, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Mediar é preciso: a sátira oitocentista de Correia de Almeida e a literatura luso-brasileira Orientador: Paulo Elias Alane Franchetti

A crítica literária atual tem freqüentemente destacado a importância da reavaliação de autores e obras do contexto literário brasileiro. O retorno ao texto daqueles autores considerados secundários suscita questões valiosas para uma melhor compreensão da literatura em geral.

Esse objetivo de reavaliação nos permitiu produzir um trabalho dissertativo que resgatou a crítica literária dispersa de Bernardo Guimarães e procurou detectar a ironia com que o autor se expressava frente às manifestações estético-literárias do romantismo brasileiro.

Esta comunicação parte de uma pesquisa em desenvolvimento e nasce da ânsia de conhecer mais detalhadamente a fase da literatura brasileira conhecida como Romantismo. Para isso, procura-se preencher uma lacuna analítica referente à literatura satírica do século XIX, especialmente em Minas Gerais.

O corpus dessa pesquisa centraliza-se na imprensa oitocentista preservada pelo Arquivo Público de Mineiro e na obra de Correia de Almeida, autor chave: quer pela extensão da obra publicada pela Laemmert, quer pela variedade de assuntos que analisava satiricamente em seus 22 livros.

Em formas gerais, o quadro teórico dessa pesquisa relaciona-se com a poética: enquanto análise do conjunto da obra de Correia de Almeida pela “tentativa de explicar os efeitos literários através da descrição das convenções e operações de leitura que os tornam possíveis” (CULLER, 1999, p. 72); e o da retórica: que é o estudo dos recursos persuasivos e das técnicas de linguagem e pensamento que podem ser usadas para construir discursos eficazes. (CULLER, 1999, p.72).

Nesse sentido, o trabalho proposto procura analisar e mapear uma vertente retórico-poética cuja concepção de criação literária defendia em seus pressupostos duas matrizes principais: a) o conhecimento da tradição clássica e sua assimilação crítica. b) a necessidade de um trânsito intelectual entre os escritores pertencentes à língua portuguesa; i.e., a defesa implícita (e, em alguns momentos, explícita) de um diálogo crítico com os pressupostos temáticos, estilísticos e ideológicos utilizados na elaboração da matéria literária produzida entre os anos de 1854 até 1905 no Brasil e em Portugal.

Além da hipótese principal – de que a obra de Correia de Almeida manteve um diálogo com a tradição literária luso-brasileira e que por isso se diferenciou da proposta romântica de Gonçalves de Magalhães, de “substituição de Portugal pela França como matriz e guia do desenvolvimento cultural da jovem nação americana” (FRANCHETTI, 2007, p.11) – acresce-se, nesta pesquisa, verificar a procedência da hipótese de que a

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província de Minas Gerais no século XIX viveu anos de silêncio até um derradeiro ‘canto do cisne’ artístico na década de 1890 (BROCA, 1991, p. 146).

Os procedimentos metodológicos deste trabalho abordam desde um viés descritivo até um viés analítico. Em síntese procura-se: a) mapear a temática literária debatida e publicada na imprensa do século XIX em Minas Gerais, principalmente, na imprensa literária da capital Ouro Preto e de outras cidades; b) analisar a poética de Correia de Almeida e seu papel dentro da configuração cultural da época – enfatizando os aspectos condizentes ao diálogo estabelecido com as concepções estético-literárias de grupos hegemônicos da literatura brasileira e da literatura lusitana. Por fim, pretende-se resgatar os textos satíricos representativos para uma possível edição crítica.

Por ora, pode-se afirmar que essa vertente literária subjugada pela tradição historiográfica pode ser lida hoje como uma poética fundamentalmente crítica que aponta as contradições de um dos momentos ímpares da modernidade literária, a saber: a possibilidade de coexistirem duas diferentes literaturas numa mesma língua escrita, o que afastaria e desconstruiria a perspectiva de que a literatura, sobretudo, deveria servir como um instrumento pedagógico de legitimação do Estado-nação.

Tal concepção contribuiu para equacionar as perspectivas historicistas e as visões retórico-poéticas da literatura, uma vez que pretendeu estabelecer um vínculo com a tradição clássica e objetivou desconstruir criticamente os protocolos e as diretrizes formais, temáticas e conceituais dos vários discursos oitocentistas; majoritariamente, do discurso literário, político e cultural.

Portanto, acredita-se que o esquecimento analítico relegado a esses textos são devido a seu afastamento de qualquer totalitarismo de natureza estético-ideológica, – antilusitanismo e aceitação acrítica do modelo francês – do que da ausência de uma reflexão crítica mais apurada acerca dos pressupostos e dos modelos de composição da matéria literária e dos problemas concernentes à representação textual.

Ressalte-se, ainda, que o embasamento inicial deste trabalho condiz com algumas propostas de pesquisas atuais, quais sejam:

a) Quanto ao critério da modernidade da literatura brasileira e quanto à investigação da vertente latinizante da poesia no Brasil: Abel Barros Baptista (2005) e Franchetti (2007).

b) Quanto ao mapeamento da influência da escolarização retórica na literatura brasileira do século XIX: Acízelo (1999).

c) Quanto ao hiato analítico apontado por Antonio Candido no prefácio do livro Arcádia: tradição e mudança. Nesse tópico merece destaque a assertiva que vai ao encontro desta pesquisa: a necessidade de investigar a correlação entre a produção literária brasileira à produção literária portuguesa. Em outras palavras, o investigador deve possuir como pressuposto básico as ligações orgânicas entre as duas literaturas para, assim, obter uma compreensão mais ampla de uma época literária, especialmente, do século XIX até o início do século XX. Nas palavras de Antonio Candido: [...] “é possível imaginar uma revisão da nossa historiografia literária segundo uma perspectiva de fusão, não de separação, relativamente à portuguesa. Neste caso, veríamos, por exemplo, que é difícil compreender direito a obra dos nossos poetas românticos sem recorrer à dos ultra-românticos de lá; ou, quem sabe, avaliar devidamente o tom dos escritos polêmicos de Oswald de Andrade sem pensar nos de Fialho de Almeida. Nesse sentido, alguns jovens críticos já percebem que a fase inicial do Modernismo pode ter devido bastante a Cesário Verde e até Antônio Nobre”. (CANDIDO, 1995, p. XV).

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Elen de Medeiros, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Trágicos e tragédias: a elaboração rodriguiana Orientador: Vilma Sant’Anna Arêas

A pesquisa de doutorado, que está agora em sua fase final, tem por objetivo principal investigar a concepção do sentido trágico na obra dramática de Nelson Rodrigues. Para tanto, foi preciso partir de conceitos filosóficos de trágico, vinculando-os a certa estrutura de tragédia (clássica ou moderna) utilizada pelo dramaturgo, bem como à recorrência ao senso comum atribuído à palavra “tragédia”. Aliás, a multiplicidade de sentidos desta palavra na modernidade propicia inúmeros questionamentos a respeito da produção dramática e teatral que lemos e vemos. Uma vez que não é mais possível definir gêneros isoladamente após o marco tradicionalmente aceito do romantismo, temos de pensar, sempre, na mistura. Assim, em se tratando do teatro brasileiro moderno, Nelson Rodrigues torna-se um dos principais questionadores das marcas genéricas no texto dramático ao caracterizar suas peças como “divina comédia” ou “farsa irresponsável”. Ou seja, o dramaturgo “brinca” com gêneros dramáticos, invertendo funções e mesclando elementos de um gênero em outro. Essa “brincadeira” inspirou o questionamento principal desta tese: como o texto dramático rodriguiano pressupõe a tragédia? Há realmente elementos trágicos, ou da tragédia clássica, que poderiam auxiliar na sua construção dramática? Como se forma a tragédia moderna no teatro de Nelson Rodrigues? As várias hipóteses foram surgindo aos poucos, peça a peça. Com isso, aquele lugar-comum de que Nelson era obsessivo e repetia inúmeras vezes uma “forma” não se sustenta: ao contrário, cada peça é um caso específico de uso estrutural. Evidente que, tematicamente, o dramaturgo repete os mesmos motes: sexo, traição, homossexualidade, pedofilia, casamento, família etc. No entanto, uma vez ligados a formas diferenciadas, as peças não são repetitivas. A hipótese principal, para a qual as análises convergem, é de que Nelson Rodrigues funda seu texto trágico pela mescla com o gênero cômico. Não é simplesmente uma mistura sem propósito. O uso de recursos tradicionais da comédia, aliado à tragicidade presente na maioria das peças, provoca uma forte oposição interna e estrutural. No entanto, nesta oposição, os elementos que se confrontam não se anulam, ao contrário, estabelecem um jogo estético que permeia a obra e que se torna o grande eixo de desenvolvimento da ação central. Trata-se de uma “ambivalência trágica”, de acordo com a interpretação nietzschiana da tragédia, uma ambivalência estrutural que, por si só, é capaz de gerar um conflito interno nas peças rodriguianas. No entanto, estabelecido esse ponto principal, surgiram os problemas quando percebi que a estrutura não se repete, existindo um tipo de ambivalência trágico-cômica para cada peça. Por isso, foi preciso selecionar alguns textos e analisá-los para verificar quais são os principais recursos utilizados pelo autor.

O estudo genérico deste teatro se embasou na idéia central de que Nelson Rodrigues possuía um projeto estético claro para sua dramaturgia: escrever tragédias. No entanto, este

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gênero sofreu alterações significativas na história dramática e, hoje, há diversas linhas de reflexão a seu respeito. George Steiner, em A morte da tragédia, por exemplo, é categórico em afirmar que ela não existe e não é possível o desenvolvimento deste gênero na modernidade; como contraponto, Raymond Williams escreveu Tragédia moderna, em que defende a possibilidade de um texto dramático ser denominado tragédia mesmo no mundo contemporâneo. Assim, ainda que opostas, as duas linhas de pensamento são estudadas para fundamentar teoricamente as análises desenvolvidas. Além disso, é fundamental abordar também questões concernentes ao sentido cômico e ao melodrama presentes em seus textos, aspectos tão caros ao autor.

Nelson Rodrigues, com seu forte instinto teatral, vislumbrou na tragédia a possibilidade de reconhecimento e canonização de sua obra, vinculando-a, assim, a uma dramaturgia universal e considerada grandiosa. Por isso, em três de suas peças é possível encontrar referências ao gênero clássico de forma clara: Álbum de Família, Anjo Negro e Senhora dos Afogados. Recursos estes que não são utilizados, necessariamente, em sua forma reconhecida; eventualmente, o autor inverte suas funções dentro da estrutura dramática, ironizando-as ou utilizando-as para ironizar. Já em A falecida e em O beijo no asfalto, peças construídas sobre as bases do fait divers e ambientadas no subúrbio do Rio de Janeiro, as referências à comédia e ao melodrama são mais freqüentes e os recursos trágicos, camuflados.

Das 17 peças do dramaturgo, foram escolhidas cinco para o desenvolvimento argumentativo da tese: Senhora dos Afogados, Álbum de Família, Anjo Negro, A falecida e O beijo no asfalto, por entender que nelas está representada grande parte dos elementos utilizados pelo autor para a construção do sentido trágico, seja partindo de uma estrutura trágica ou de um formato cômico. Nesta comunicação será apresentada a análise baseada em Senhora dos Afogados, pois nela estão presentes inúmeros recursos de construção do sentido trágico que servirão como exemplo do objetivo principal da tese. Esta tragédia também é representativa do projeto do qual falei anteriormente, que foi aparentemente alterado ao longo dos 40 anos de produção, mas que manteve constante o sentido de que a vida é feia, vil e trágica.

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Elisa Hickmann Nickel. Mestrado em Teoria e História Literária — Universidade Estadual de Campinas. Apontamentos sobre os funcionários públicos de Cyro dos Anjos e de Lima Barreto Orientador: Francisco Foot Hardman

O projeto de pesquisa propõe um estudo comparativo das obras de Cyro dos Anjos (1906 – 1994) e Lima Barreto (1881 – 1922) centrado no tema do funcionário público. Os dois autores criaram personagens que trabalham na burocracia de Estado e relatam o cotidiano desse mundo. A pesquisa pretende analisar as relações entre os personagens-funcionários e deles com o mundo que os rodeia, paralelamente a um estudo do tipo ideal burocrático weberiano, modelo perseguido já então pelo Estado brasileiro e caracterizado pela impessoalidade, racionalidade e universalismo de procedimentos. Já no projeto, entretanto, constata-se uma predominância de patrimonialismo e de relações de favor na obtenção (e também no dia-a-dia) dos cargos públicos, tanto nos romances como no mundo fora deles da época, hipótese que se queria averiguar durante a pesquisa. Além disso, percebe-se também uma diferença significativa entre a forma de os personagens dos dois autores lidarem com essa questão: enquanto Belmiro (de Cyro dos Anjos) é marcado pela introspecção e pela ausência de reflexão a esse respeito, os personagens de Lima Barreto comentam atitudes de burocratas e se posicionam, opinam sobre elas.

Cerca de um ano e meio depois, a pesquisa está sendo preparada para a qualificação, com um primeiro capítulo já escrito sobre Cyro dos Anjos. Para o Seta 2009, são dois os pontos principais que se deseja discutir, já conclusões parciais da pesquisa: primeiro, que Silviano, o amigo de Belmiro com tendências fascistas, constitui uma espécie de consciência do protagonista desse romance de Cyro dos Anjos, e está sempre a revelá-lo para si mesmo e para o leitor. Essa afirmação, que decorre da leitura de autores como Roberto Schwarz, João Luiz Lafetá e Luís Bueno de Camargo, implica alinhar Belmiro ao pensamento conservador da época; o lirismo do personagem, entretanto, não permite que essa ideologia seja ostensiva, e seus pensamentos se voltam sempre para sua interioridade, seus problemas privados, sua busca de plenitude aliada à incapacidade de ação. São raros os momentos em que ele fala sobre seu próprio tempo, mas, quando o faz, é sempre com um tom cordial, que se opõe aos conflitos que vão pelo mundo e muitas vezes se recusa a enxergá-los. É nesse sentido que Silviano muitas vezes formula explicitamente pensamentos que são também de Belmiro: essa tendência surge já no primeiro capítulo do romance, que, segundo Lafetá, é crucial e revela muito do andamento da narrativa que se seguirá, além de características do próprio Belmiro. Entre outros temas, é Silviano quem fala claramente da busca pela plenitude e da opção por não agir, renunciando à vida no que ela tem de excitante já que não é possível obter essa plenitude; é Silviano também quem afirma, sendo depois citado por Belmiro, que revoluções e guerras constituem reajustamentos, operações da economia da espécie, que servem para destruir o excesso de indivíduos que perturba o equilíbrio social. Belmiro concorda com essa idéia, mas ao mesmo tempo invoca uma “simpatia humana”, afirmando que os indivíduos se sobrepõem à massa e que não podem ser encaixados em doutrinas, classes ou categorias, pois

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são mais do que isso. A realidade é que ele pouco se importa com o outro, a não ser que esse outro seja um familiar, um amigo ou um conhecido. É a lógica do pessoal que domina nele e graças a qual podemos declará-lo conservador; essa mesma lógica lhe dá vantagens e privilégios no exercício e na obtenção de seu cargo de amanuense.

O segundo ponto que se deseja discutir no Seta é a afirmação de que o assunto do funcionário público constitui uma chave para compreender tanto O Amanuense Belmiro como a literatura de Lima Barreto – não por constituir temática principal ou mesmo prioritária na obra dos dois autores, mas por ser um tema entre outros discutidos por eles que nos ajuda a compreender a forma de eles fazerem literatura, um bem diferente do outro. No caso de O Amanuense Belmiro, quando examinamos a relação de Belmiro com seu trabalho e constatamos a distância entre ela e o tipo ideal burocrático weberiano, ao lado de uma aproximação maior do tipo ideal patrimonial, marcado pelas relações pessoais, esclarecemos também muito do caráter e da forma de agir de Belmiro nos outros aspectos de sua vida. Além disso, perceber a lentidão com que se davam as transformações na administração do Estado no sentido de se tornarem mais racionais, e o quanto de conciliação com o passado houve na chamada “Revolução” de 30, ajuda a compreender a existência de um Belmiro lírico: o mundo não é mais o mesmo, mas também não mudou o bastante para impedir sua acomodação em um emprego público graças à indicação de conhecidos.

Na obra de Lima Barreto, por outro lado, de acordo com Nicolau Sevcenko, percebem-se duas dimensões visíveis: uma que trata da temática do poder e de seu efeito de separação, discriminação e distanciamento entre os homens, e outra que retrata a experiência dolorosa dos humilhados e ofendidos por esse mesmo poder, realçando a dignidade e o impulso fraternitário deles. Essas duas dimensões estão presentes na maioria dos temas discutidos pelo autor, dos preconceitos contra negros e mulheres às reformas da cidade do Rio e às revoltas populares, passando pela vida dos jornais e dos literatos e também pela dos funcionários públicos. No caso deste último tema, percebe-se na obra de Lima por um lado uma crítica da discriminação e dos privilégios que aconteciam no exercício e na obtenção dos cargos públicos, indo contra preceitos de universalismo de procedimentos e meritocracia claramente estabelecidos pelo governo, e por outro uma discussão da distância entre as preocupações do governo e os problemas da sociedade da época para as classes mais baixas, bem como os casos de burocratas indiferentes a problemas humanos ou preocupados com questões pouco práticas. O tema do funcionário público, assim, além de ser exemplar dessas duas dimensões na obra dele, é também expressão concreta do projeto literário de Lima Barreto, para quem a literatura deveria ser militante, ou seja, tratar de questões da época, além de ter como objetivo aproximar os homens, fazendo com que eles se entendessem e comunicassem melhor e aumentando a solidariedade entre eles. Obras citadas no resumo: ANJOS, Cyro dos O Amanuense Belmiro. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. CAMARGO, Luís Gonçalves Bueno de Uma história do romance brasileiro de 30. Campinas: IEL – UNICAMP, 2001. Tese de doutorado em Teoria e História Literária. LAFETÁ, João Luiz À sombra das moças em flor: uma leitura do romance “O Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos IN: LAFETÁ, João Luiz (PRADO, Antonio Arnoni: org.) A Dimensão da Noite e outros ensaios. São Paulo: Duas Cidades e Ed. 34, 2004. SCHWARZ, Roberto O Pai de Família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. SEVCENKO, Nicolau Literatura como Missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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Eloisy Oliveira Batista, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas. Os capítulos de uma pesquisa sobre a constituição do "eu" em Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos. Orientador: Márcio Orlando Seligmann Silva

Em minha dissertação, estudo a construção do "eu" na escrita autobiográfica de Graciliano Ramos, que, em Memórias do Cárcere assume os papéis de escritor, autor, narrador e herói. Cada um desses elementos é desenvolvido como tema propulsor de outras questões sugeridas pela obra. A seguir, apresento o resumo de cada um dos capítulos em fase de elaboração.

O capítulo "Escritor - História de vida" relaciona importantes acontecimentos da vida de Ramos com o momento histórico correspondente, percebendo em que medida essas histórias caminham lado a lado e em que medida se distanciam ou se chocam.

O confronto com a história não tem o intuito de inserir a escrita de Ramos num contexto documental. Pelo contrário, o próprio autor nega levar ao leitor uma visão histórica dos acontecimentos. Entretanto, entendemos que a contextualização é uma ferramenta na compreensão dessa narrativa, por isso, os fatos históricos recebem tratamento equivalente aos fatos cotidianos da vida do escritor coletados em seus livros de memórias e em biografias.

Além disso, compreendemos que essa obra tem também um papel histórico, sob uma nova perspectiva. Trata-se da noção de exposição, com sentido semelhante ao que Seligmann-Silva observa com relação a obra de Walter Benjamin:

Benjamin não pretende no seu trabalho recontar a história do século XIX, mas sim, mostrá-la. Ele ainda esclarece que essa ex-posição (no sentido forte do termo Dar-Stellung, que também significa representação teatral: montagem) não visa nem à descoberta de eventuais verdades (‘Ich werde nichts Wertvolles entwenden’, ele afirma), nem tampouco a atingir alguma formulação universalizante – o fim que normalmente se espera de qualquer análise científica. Uma história que é exposta via imagens permanece aberta, não resolvida, passível de infinitas atualizações. Benjamin não pretendia mostrar os ‘grandes feitos’ do período enfocado, mas sim os seus ‘trapos e lixos’. (SELIGMANN-SILVA, 2007, pp. 39-40)

É justamente essas infinitas atualizações que tornam tão rica a obra abordada. Uma

escrita documental pode se tornar ultrapassada diante de novas descobertas; algo que não ocorre em uma obra que realiza uma reflexão sobre a situação apresentada, sobre si mesma e sobre o homem, de modo que não há possibilidade de uma atualização que a substitua, já que as atualizações estão previstas nas diversas leituras potencialmente presentes.

Em "Autor - Memória e ficção", consideramos que, devido a temática dessa dissertação - em linhas gerais: o discurso autobiográfico em Memórias do Cárcere -, é

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essencial observarmos o papel da memória nas tramas dos romances ficcionais desse autor, especialmente naqueles escritos em primeira pessoa - Caetés, São Bernardo e Angústia -, pois neles podemos identificar um discurso do "eu" a ser confrontado com a escrita de si na obra estudada nessa pesquisa. Infância será também evocada, atentando para seu caráter híbrido, semelhante ao das Memórias.

É importante mencionar que a exclusão de Vidas Secas nessa análise não deve ser entendida como a negação de que haja nela uma discussão sobre memória. Pelo contrário, essa discussão se evidencia quando é enfocada a limitação que há, do ponto de vista da linguagem, nos personagens vivendo a situação-limite da seca. O empobrecimento do uso da linguagem causa a restrição da recordação e a ênfase no presente, o que intensifica o processo de desumanização dos personagens.

Nos interessamos especialmente pelos romances narrados em primeira pessoa, pois consideramos que a memória tem papel na definição de identidade de seus protagonistas. O que não se aplica a Vidas Secas, obra cujos personagens não possuem consciência da própria história, onde há, portanto, a narração do sujeito sem história, sem discurso e sem memória. Observamos que as diversas ocorrências do narrador-personagem no conjunto de sua obra pode ser entendido como um princípio de sua compreensão da literatura. Ramos é defensor de uma literatura que lide com uma verdade. Não a verdade factual, evidentemente, mas alguma verdade sobre o ser humano e as suas inquietações. No capítulo "Narrador - Escrita autobiográfica", notamos que Ramos, ao desenvolver essa obra inacabada, prioriza a narrativa de uma experiência, ou seja, ele não busca respostas nem justiça. Portanto, o "eu" que se apresenta é mais importante do que a matéria apresentada e dele depende todo o desenrolar da memória, pois ele é o sujeito pesquisado e aquele que elabora esse sujeito. Assim, tentaremos desvendar, através do modo de narrar as experiências, o "eu" que fala nessa narrativa.

Do mesmo modo que Benjamin considera o narrador a chave para a leitura de um romance (1980), procuramos perseguir a construção do narrador de Memórias do Cárcere, pois percebemos que essa obra não sendo um romance - nos termos tradicionais - é, no entanto, um texto escrito por um grande romancista, que não poderia deixar de utilizar em sua escrita da memória as estratégias da ficção que ele domina.

É primordial perceber como esse narrador se projeta como herói; assume a voz do respeitável autor e conta as experiências verídicas do escritor. Vozes não estanques, que aparecem unidas na constituição de um "eu" bastante complexo. Faremos, então, um percurso pela experiência narrada, sem perder de vista o foco no modo de narrar a si mesmo enquanto presidiário, pois é esse o propósito central da obra, conforme o próprio título "Memórias do Cárcere" sugere. Para isso, serão solicitados teóricos que abordam a questão do tempo, como Henri Bergson e Santo Agostinho; estudiosos da autobiografia, como Jean Starobinski e Philippe Lejeune; filósofos que refletem sobre a memória, como Paul Ricoeur e Walter Benjamin; e pensadores da literatura de testemunho, como Márcio Seligmann-Silva; para citar os já visitados.

Em "Herói - Narrativa de uma prisão", seguiremos como pauta alguns importantes acontecimentos narrados para, a partir disso, propormos uma reflexão a respeito da definição do "eu".

Dentre esses acontecimentos, podemos citar: o momento da prisão, as razões apontadas para a causa de seu encarceramento, que gera uma reflexão sobre o seu próprio passado; os deslocamentos de cadeias e as angustias geradas pelo desconhecido; episódios

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que provam a generosidade de pessoas até pouco tempo desconhecidas, que levam Graciliano a se perguntar qual seria o seu procedimento em situação semelhante; a proximidade da morte, devido a fragilidade de sua saúde, num ambiente sem perspectivas de tratamento médico; entre outros.

Além de episódios, como os citados, esse capítulo abordará também a questão da obra inacabada. Nas primeiras páginas de Memórias encontramos a seguinte citação: “ Estou a descer para a cova, este novelo de casos em muitos pontos vai emaranhar-se, escrevo com lentidão – e provàvelmente isto será publicação póstuma, como convém a um livro de memórias.” (vol 1, p. 8).

Comentário intrigante, pois a publicação póstuma aconteceu e com a anterior autorização do autor. Foi publicada, com um único capítulo faltante, que, segundo relato de seu filho Ricardo Ramos, traria as “sensações de liberdade”.

Essa forma de publicação gerou muita polêmica, especialmente quanto ao questionamento de sua originalidade, mas pouco se disse a respeito dos sentidos produzidos pela situação - conscientemente ou não - no contexto exclusivo de um livro de memórias.

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Enéias Farias Tavares, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Federal de Santa Maria A arte de William Blake: intertextualidade e intermidialidade no exercício da tradução literária Orientador: Lawrence Flores Pereira

O objetivo deste trabalho é apresentar o projeto de tese intitulado “A arte de William Blake: intertextualidade e intermidialidade no exercício da tradução literária”. Nossa proposta inicial é apresentar um estudo que perceba as relações temáticas, estilísticas e poéticas entre a pintura e a poesia do artista inglês, além de ofertar uma possibilidade de tradução literária para alguns de seus livros, muitos dos quais ainda não vertidos para o português brasileiro. Entres esses, América uma profecia, Europa uma profecia, A canção de Los e os livros de Urizen, Los e Ahania. Como hipótese inicial, acreditamos que a observação das ilustrações dos livros iluminados de Blake – observação norteada pelos apontamentos de David Erdman, Saree Makdisi, David Bindman, Alcides Cardoso dos Santos e Andrea Lima Alves, entre outros – possa contribuir e até mesmo alterar nossa atividade tradutória na medida em que a arte composta do autor sustém uma relação dialógica entre texto e imagem.

Sob a ótica textual, primeiramente é necessário perceber como Blake se insere na tradição literária de seu tempo, sobretudo pela leitura de textos literários, como o bíblico, o de Spencer e o de Milton; textos filosóficos, como os de Ficino, Locke e Berkeley; textos místicos ou visionários, como os de Paracelsus, Boehme e Swedenborg. Em vista desse quadro de relações textuais na obra de Blake, a primeira instância dessa pesquisa, privilegiará o que compreendemos por relação dialógica entre textos, ou intertextualidade, na acepção de Kristeva. Tal relação, sobretudo em Blake, não é perpassada apenas pelo eixo da influência literária, mas recebe o estatuto de embate intelectivo e temático, estilístico muitas vezes, na oposição que o poeta apresenta entre as idéias desses autores e as suas. Famosa é a crítica de Blake dedica a Milton e Swedenborg em Matrimônio do céu e do inferno, até então suas principais influências no campo de reflexão e composição poética e espiritual.

Do ponto de vista imagético, observaremos como Blale alterou uma representação pictórica canônica nas figuras de artistas renascentistas italianos como Michelangelo e Rafael, e de seu contemporâneo Henry Fuseli, tendo por objetivo o aprofundamento de uma mitologia própria. O artista, longe de apenas imitar ou copiar a temática ou o estilo desses pintores, apropriou-se de muitas das idéias e tropos visuais desses mestres, porém investindo-as de vitalidade e tonalidades pictóricas próprias. Nesse aspecto, além de casar artes opostas, como poesia e pintura, Blake foi pioneiro em unir a tradicional arte renascentista com o ímpeto de inovação que mais tarde marcaria o Romantismo como um todo.

Nossa metodologia prevê três abordagens de estudo: uma contemplação histórica do período e dos dados biográficos do autor; uma fundamentação crítica e teórica que demonstre em que medida sua obra problematiza tanto o pensamento sistemático religioso anterior ao seu tempo quanto a ênfase racionalista do iluminismo do século XVIII; por fim, um trabalho de tradução poética de obras que ainda não foram vertidas para o português brasileiro, sendo que

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essa última parte do trabalho comporá os apêndices da tese. Como princípio metodológico da tradução, demonstraremos como as gravuras que acompanham o texto de Blake modificam nossa compreensão do texto fonte e de que modo alteram a versão final desses livros.

Sobre os dois conceitos que perpassam nossa hipótese inicial, podemos afirmar que intertextualmente, Blake propõe um diálogo com a poesia judaica e com a arte Greco-latina, com os sistemas cristãos e com os conceitos filosóficos de seu tempo, além de convergirem nele uma série de personagens, mitos e estórias literárias que formaram a consciência artística da cultura ocidental. Por outro lado, quando visto sob a ótica da intermidialidade, encontra-se no artista inglês um poeta pintor ou um pintor poeta e em seus livros iluminadas, uma obra híbrida que é tanto livro ilustrado quanto pintura textual, uma mescla de gravação manual, impressão mecânica e pintura tradicional. O desafio é convergir essas múltiplas relações inter-textos e inter-mídias numa tradução também múltipla de sentidos. Como objetivo posterior, almeja-se a publicação da tradução com a reprodução das lâminas originais, nos modelos de edição americano e inglês.

Conhecer a obra de Blake, seja em forma impressa nas edições da Thames & Hudson ou em formato digital ao acessar o Blake Archieve na internet, ainda é, passados duzentos anos de sua produção, uma experiência de apreensão artística inusitada e enriquecedora. Acreditamos que a pertinência de nosso trabalho esteja tanto em aprofundar os estudos de Blake no Brasil quanto em ofertar ao público de nosso país o acesso à arte original de Blake, como já está acontecendo em outros países, como Portugal, por exemplo, em que as traduções de Blake feitas por Manuel Portela são acompanhadas das imagens originais do artista.

Para a nossa comunicação no XV Seminário de Teses em Andamento da Unicamp, pretendemos apresentar um exemplo dessa relação entre texto e imagem e como tal leitura modifica o exercício tradutório. Para tanto, usaremos as lâminas seis, oito e dez de America uma profecia, livro que Blake compôs em 1794.

Referências Bibliográficas ALVES, Andrea Lima. “Oposição é verdadeira amizade”: Imagem poética e pictórica no livro O Matrimônio do Céu e do Inferno de William Blake. Dissertação de Mestrado, Instituto de Estudo da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2001. ___. A interação entre texto e ilustrações no Illuminated books de William Blake pelo prisma da obra America, a Prophecy. Tese de Doutorado, Instituto de Estudo da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2007. BINDMAN, David. Blake as a painter. In: EAVES, Morris (ed) The Cambridge companion to William Blake. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. BLAKE, William. The complete Illuminated Books. London: Thames & Hudson, 2000. BLAKE, William. The poetry and prose of William Blake. David V. Erdman (editor) e Harold Bloom (commentary). New York: Doubleday & Company, 1965. DAMON, Foster. A Blake Dictionary. London: University Press of New England, 1988. ERDMAN, David. (org.) The Illuminates Blake: William Blake’s Complete Illuminated Works with a Plate-by-Plate Commentary. Nova Iorque: Dover Publications, 1991. KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974. MAKDISI, Saree. The political aesthetic of Blake’s images. In: EAVES, Morris (ed) The Cambridge companion to William Blake. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. SANTOS, Alcides Cardoso dos. Visões de William Blake. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. Referência Digital The William Blake Archive (www.blakearchive.org)

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Esequiel Gomes da Silva, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual Paulista Representações das companhias teatrais européias no “De palanque”, de Artur Azevedo Orientador: Silvia Maria Azevedo

Na revista de ano O Bilontra, os autores Artur Azevedo e Moreira Sampaio criaram alguns personagens destinados a contar aos espectadores/leitores o nascimento do periódico Diário de Notícias, cujos progenitores teriam sido os jornais Brasil e Folha Nova. O novo periódico começou a circular no início de junho de 1885, tendo a tipografia à rua do Ouvidor, nº 118. Nele, o primeiro dos autores citados, utilizando o pseudônimo de Eloi, o herói, inaugurou uma seção chamada “De palanque”, com um programa jornalístico bastante genérico. Em nosso projeto de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-graduação em Letras, na Unesp, temos como um dos objetivos fazer uma coletânea das crônicas escritas nessa seção, entre junho de 1885 e junho de 1886, primeiro momento de colaboração de Artur Azevedo no Diário de Notícias. Junto à mencionada coletânea, está sendo realizada uma leitura através da qual almejamos compreender as opiniões do dramaturgo maranhense nos mais diversos campos: político, social, artístico e cultural. Para a realização da pesquisa, partimos dos textos originais disponíveis em coleção microfilmada, no Arquivo Edgard Leuenroth, na Unicamp, e estamos fazendo a referida leitura relacionando texto e contexto histórico-cultural. O conhecimento desse contexto é importante para que possamos perceber em que medida os acontecimentos da capital do Império influenciaram na elaboração das crônicas do autor em questão. Vale ressaltar que os artigos que compõem nosso corpus não são conhecidos em sua totalidade, visto que tiveram apenas trechos citados em trabalhos como O carnaval das letras (1994), no qual o historiador Leonardo Pereira utiliza trechos de crônicas de vários jornalistas como fonte de pesquisa para a História Social. Detalhando um pouco mais, de todas as crônicas selecionadas para essa Dissertação, em aproximadamente 70% delas, o redator privilegiou as manifestações artísticas – a pintura, a escultura, o teatro, a música e a literatura – como área de atuação. É claro que também não foram esquecidos assuntos como epidemia de febre amarela, assassinatos, enchentes e falta d’água, que afetavam diretamente a vida da população. Contemplando essas duas esferas – a cultural e a social – como matéria jornalística, o cronista satisfazia o gosto de dois tipos de leitores: o primeiro tipo, mais letrado e preocupado com as minúcias da vida cultural e, o tipo mais comum, com menos escolaridade, mas que também se identificava com os relatos de Artur Azevedo, uma vez que via os assuntos que faziam parte de sua realidade comentados no jornal. Enfim, esses são alguns pontos que justificam nossa escolha pelas crônicas de Artur Azevedo e que estamos desenvolvendo em nossa pesquisa. Para esta comunicação, no entanto, restringimos o corpus aos artigos nos quais o jornalista maranhense escreveu sobre as companhias dramáticas européias que visitaram a capital do Império na época para a qual nos voltamos. Por ter apresentado um programa jornalístico tão amplo, o próprio Artur

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Azevedo reconhecia sua preferência por assuntos relacionados ao teatro. Segundo ele, essa predileção acontecia porque o Rio de Janeiro atravessava um período de efervescência teatral. Partindo da idéia de que o teatro é o espelho da civilização, criticá-lo, analisá-lo e animá-lo, seria a obrigação de todos aqueles que desejassem vê-lo erguido à devida altura, assim pensava o autor de A Capital Federal. A referência à necessidade de ereção acontecia em virtude da concepção que se tinha de que a arte nacional estaria esfacelada. O tal esfacelamento seria em conseqüência do gosto da população pelos gêneros alegres – a opereta, a mágica e a revista de ano – e também pelo excesso de traduções de textos do repertório europeu. Esse repertório chegava aos palcos nacionais através das grandes companhias portuguesas, italianas e francesas que aqui aportavam todos os anos, mas também através das próprias empresas ‘indígenas’. Esse período que escolhemos para estudo foi especialmente importante para os espectadores de teatro porque tiveram a oportunidade de assistir as atrizes Eleonora Duse e Sarah Bernhardt representando pela primeira vez em palcos brasileiros. Aquela, atriz italiana, visitou o Brasil duas vezes, em 1885 e 1907. Essa última, de origem francesa, aqui esteve em 1886, 1893 e 1906, como lembra João Roberto Faria (2001). Além dessas duas estrelas, os fluminenses tiveram ensejo de aplaudir a portuguesa Lucinda Simões, que vinha à capital do Império com mais regularidade que outras atrizes de igual mérito. Levando-se em consideração a existência de um repertório mais ou menos comum – Alexandre Dumas Filho, Victorien Sardou, Emilio Augier, Otavio Feuillet, Georges Ohnet, Henri Meilhac, Ludovic Halevy – às empresas que nos visitavam, os espectadores tinham a chance de apreciar vários modos de interpretação de uma mesma peça, por diferentes artistas. Há que se considerar também que essas várias performances de um mesmo personagem serviam como modelo de interpretação para os atores de um país que, como se sabe, não tinha sequer uma escola dramática. É sobre a dinâmica teatral envolvendo as empresas do Velho Mundo que falaremos na comunicação, cuja proposta ora apresentamos.

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Fábio José Santos de Oliveira. Mestrado em Teoria e História Literária — Universidade de São Paulo. A PORTA DE CHEGADA É A MESMA DE SAÍDA Orientador: Betina Bischof

O objetivo de nosso texto é analisar a relação entre homem e ambiente em Graciliano Ramos (Vidas secas, especificamente) e em Cândido Portinari. Ao longo de nosso estudo, podemos perceber como essa interação aponta para o sufocamento e o opacamento dum homem muitas vezes subordinado ao arbítrio das decisões de que tem poder em nossa sociedade. Portanto, essa imbricação (homem/ ambiente), apesar de aparentemente só formal, demonstra mesmo em suas entrelinhas tais repercussões sociais. Sobre Graciliano Ramos, temos como suporte teórico Antonio Candido; sobre Candido Portinari, temos Annateresa Fabris. Nosso trabalho parte de particularizações do conteúdo, as quais são sempre contrapostas com fins à defesa das premissas gerais. Isso tudo, tendo por base pesquisas documentais (se necessário) e bibliográficas.

Confissão ou ficção (fazendo uso de conceitos de Antonio Candido), transparece na obra de Graciliano Ramos uma desconfiança em relação ao meio urbano (na verdade, no sentido de quem de tudo desconfia, ou melhor, de quem confia em pouca coisa). Esse senso de suspeita também ocorre em Vidas Secas (com Fabiano, no caso). Retraído por desconfianças de tudo e de todos, Fabiano recolhe-se consigo. E ele se “reconhecia inferior”, ou melhor, “um bicho”. Mas semelhante julgamento de si passa por um conceito que vem de cima, dum sistema em que há os que mandam e os que obedecem. Opressão e submissão. É o que ocorre quando recebe o salário por seus serviços. O que mais espanta é que o patrão usa artifícios legais: são os juros o que rói o valor a pagar. Nesse sentido, a obra evidencia a ilegalidade dos que se articulam com as complexas razões legais a fim de nunca perder seu tanto, usufruindo a mais do que por justiça deveria.

Não é à toa, portanto, que as ações de Fabiano estejam subordinadas às decisões arbitrárias do patrão. É claro que essa submissão mesma a tais decisões ocorre não só com o patrão (vide também o caso do soldado amarelo). Fabiano é um indivíduo cujos direitos falham, porque ainda vigora no país o alarme da injustiça político-social. Num país onde os poderosos mandam e os fracos, não vendo alternativas, apenas obedecem, visto que precisam daqueles de algum modo, e tal parece ser a sina. Formalmente, as vontades de Fabiano falham diante do arbítrio do patrão, à semelhança de seus raciocínios, que falham diante da menor dificuldade reflexiva. A vida lhes é dificultosa e cheia de entraves da mesma forma como os pensamentos encontram dificuldades até para se mostrarem mínimos. E eles se embaralham feito os de sinha Vitória. Feito os meninos na lama. Indistinção. Quase a não-haver fronteira entre um e outro, demonstrando assim uma existência arbitrária, no mesmo passo do jugo de quem manda dentro dessas circunstâncias. Em Vidas secas e em Portinari, a aproximação do homem à face do ambiente vai de acordo com a denúncia dessa diluição social do indivíduo, tendo em vista o próprio predomínio da

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arbitrariedade do desejo alheio, ou seja, dos que representam o latifúndio, dos que representam o poder estatal.

O que é interessante em Portinari é que, com o tempo, ele vive a aventura de dissolver a paisagem e/ ou o homem nela exposto, nunca o fazendo completamente. Quer dizer, há instantes em que o ambiente se dissolve e parece aplacar também as figuras humanas. Estas persistem, porém. Para termos uma ideia mais precisa do apego deste pintor paulista à figura: analisando bem algumas suas telas abstratas, podemos perceber um ou outro traço delatando a presença, ainda que mínima, de um figurativo. O que a bem dizer lembra Graciliano Ramos, que, buscando um antípoda à caracterização do homem (a animalização ou a coisificação), consegue na verdade indicar mais precisamente o ser humano, uma vez que expõe os percalços de essência social que rodeiam a figura animalizada ou coisificada.

Em Cândido Portinari, pois, há muitas ocasiões nas quais a ação pictórica e plástica estabelece um exercício entre o figurativo e o abstrato. Tal embate já presente na série de inspiração picassiana, diríamos que reconhece também outras configurações, que fazem desse traço de pintura mais do que desejo de não se apropriar inteiramente duma influência alheia. Tanto é assim que na Série Bíblica, esse detalhe, embora evidente, é passível de desapercebimento, dada a confusão de linhas, a compenetração cubista das formas e a expressividade dos tons. Um conjunto que, pela força deformadora do todo, tende a chamar a ver o cuidado pelos horrores propositais. Na fase cristalina, a limpidez da tela dá a entender, obviamente, a malha cubista que se insinua, porém ela mesma não é suficiente para ofuscar a contradição mais nítida entre o figurativo do primeiro plano e a abstração geometrizante do fundo disperso. Essa característica é perceptível ainda nas telas onde não há somente placas geométricas, mas também, em paralelo ao “expressionismo” anterior, uma distorção de formas que garante, pela segurança na dispersão dos corpos pelo espaço, a evidência de que aí o não-figurativo também se faz presente. O otimismo aparentemente nítido em virtude do clareamento dos tons (presente na última fase de Portinari), ao mesmo tempo em que desafoga um pouco dos nós no que se refere à tenebrosidade anterior, garante uma preocupação temática que direta ou indiretamente aparecerá por escolha própria. Em muitas dessas telas de derradeira fase, o conjunto às vezes resulta em trabalhos que parecem não ser tão bem satisfatórios esteticamente se temos por vista os resultados anteriores. Não obstante, não negamos o caso de essas telas representarem, ainda assim, um esforço de preservação do humano, que é o esforço mesmo de preservação do figurativo. O ambiente se dissolve ou se demuda, segue rumo ao desaparecimento, porém o homem está lá; se não inteiro, preservado. Algo semelhante às animalizações e coisificações em Graciliano. É bem verdade que diversos na aparência, mas iguais em sua base. Dessa forma, desenha-se no espaço da obra de ambos um mundo opacado e de ofuscamento, caracterizado pela ausência de contornos políticos. O que se dá a ver na impotência mesma das figuras portinarianas diante de sua diluição no espaço (muito embora elas se preservem) e na impotência mesma da família de Fabiano, de quem sequer os pensamentos se firmam com precisão, dado o travamento não-raro constante.

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Fernando Góes, Mestrado em Teoria e História Literária. Universidade Estadual de Campinas PONTOS DE VISTA EM A OSTRA E O VENTO Orientador: Paulo Franchetti

O presente texto é parte integrante de um estudo que se realiza no romance A ostra e o vento de Moacir C. Lopes. O objetivo geral do trabalho é analisar esse romance tomando por fio condutor a metáfora do mar procurando, desse modo, descrever o tratamento da temática marítima na obra. Neste estágio da pesquisa, busca-se realizar uma comparação entre o romance A ostra e o vento e o filme homônimo dirigido pelo cineasta Walter Lima Jr na tentativa de melhor compreender a principal diferença entre as duas obras que é a mudança promovida pelo cineasta no ponto de vista adotado pelo autor do romance. Indiretamente este estudo também serve para se entender até que ponto o filme serviu para livrar a narrativa de Lopes do esquecimento.

Não está, esta etapa da pesquisa relacionada diretamente à problemática da metáfora do mar, contudo serve ele a um melhor entendimento do curso dessa narrativa de Lopes dentro da historiografia literária brasileira e também permite uma compreensão melhor da estrutura do romance A ostra e o vento, sobretudo da categoria narrador/ponto de vista. Para a realização de tal estudo serão utilizadas, principalmente, as seguintes obras: Criação e técnica no romance de Moacir C. Lopes de Michael Fody III, A retórica da ficção de Wayne C. Booth, Discurso da narrativa de Gérard Genette, Introdução à Literatura Fantástica de Tzvetan Todorv e outras obras que servirão também à análise do ponto de vista no romance A ostra e o vento e no filme de Walter Lima Jr.

Lopes escreveu vários romances, no entanto, mesmo tendo sido considerado por alguns como bom romancista, apenas uma única narrativa conseguiu de fato certo êxito editorial, trata-se de A ostra e o vento (1964). Essa obra foi a mais importante, sem dúvida, da carreira literária de Moacir, uma vez que é a narrativa mais conhecida dentre todas as que, até esse momento, ele escreveu.

Todavia, é importante esclarecer que apesar de A ostra ter se tornado um romance de certa forma conhecido tal não se deve à crítica literária aplicada à narrativa, pois poucos críticos se debruçaram sobre a obra de Moacir. Dentre estes, podem-se destacar os brasileiros Fernando Py e M. Proença que chegaram a escrever sobre o autor, ainda que pouco. E merece destaque também alguns norte-americanos, como por exemplo Michael Fody, que tomaram conhecimento dos romances de Lopes na década de 70 e passaram a estudá-los em suas universidades, sobretudo o romance A ostra considerado o mais bem construído.

Após essas pesquisas norte-americanas da obra de Moacir Lopes, centradas, sobretudo, em A ostra e o vento, o autor cearense, apesar de continuar escrevendo e produzindo, não mais foi estudado de forma profunda e inclusive o romance A ostra acabou esquecido pela crítica. Porém, em 1998, o cineasta Walter Lima Jr. adaptou essa narrativa para o cinema obtendo grande sucesso de bilheteria e recebendo vários prêmios.

Junto com o êxito do filme houve, evidentemente, uma divulgação, ainda que indireta, do nome de Moacir C. Lopes e mesmo de suas outras obras. Ainda é cedo talvez para apontar o real

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alcance dessa divulgação e qual seu impacto no estudo crítico acerca de Lopes e de sua produção literária. Mas certamente o filme contribuiu e contribuirá para tais análises, apesar de não ter sequer motivado a produção de uma nova edição de A ostra.

Contudo, o objetivo maior do presente estudo não é sondar esse impulso que o longa-metragem de W. Lima deu às pesquisas acerca das narrativas de Lopes. O que mais se pretende aqui é fazer certa comparação entre o longa-metragem e a narrativa e verificar na leitura feita de A ostra e o vento pelo cineasta certo equívoco na associação da história de Marcela, a protagonista, com a loucura. Mais precisamente, busca-se aqui mostrar como a maneira encontrada por Walter Lima Jr. de contar a história está fundamentada em uma interpretação peculiar da categoria narrador/ponto de vista, a mais complexa, sem dúvida, do romance.

O que faz o cineasta é excluir um dos narradores da história. Em A ostra há dois narradores sendo que um, o principal, é onisciente e dono do relato, ou seja, organizador daquilo que é contado. O outro, de nome Saulo, é um ser fantástico, personagem da história e muito próximo da protagonista. O que é possível entender por meio da leitura do romance é que Saulo sobreviveu aos acontecimentos que levaram Marcela à morte e depois contou parte dessa história que, posteriormente, foi aproveitada por outro narrador.

Na leitura de Walter Lima, Saulo é apenas uma criação mental de Marcela que, abalada pelo isolamento na ilha, acabou criando certo ser imaginário para se relacionar. Porém, no discurso do romance não é isso que se tem. Lá Saulo tem voz e poder de narrar. Mesclando sua voz com a do narrador onisciente. Ele é um eu independente que vive dentro e fora do corpo da protagonista. A força fantástica dessa narrativa, portanto, vem desse narrador fantástico que, no filme, é apenas fruto de uma patologia psicológica.

Não se trata, contudo, de estudo que desmereça o filme ou que o coloque abaixo da narrativa. A obra de Lopes é muito aberta no que diz respeito ao seu desenlace e pode mesmo permitir várias leituras. E o próprio cineasta admite ter se afastado um pouco da obra de Lopes para criar outra, processo, aliás, natural quando se adapta qualquer narrativa ao cinema, pois todo filme originado a partir de uma obra literária acaba sempre revelando, em maior ou menor intensidade, a leitura feita pelo cineasta.

Contudo, pautando-se pelo discurso da narrativa não é possível excluir todo o maravilhoso de A ostra e o vento e simplesmente aceitar a loucura de Marcela. O filme narra de modo diferente sua história, sendo que esta diferença centra-se, sobretudo, na questão do narrador/ponto de vista. O longa explica de modo racional os acontecimentos da Ilha dos afogados enquanto que no romance a história termina no maravilhoso ou mesmo permanece no fantástico.

O porquê de Walter Lima ter assim entendido a história é algo que não compete a esta pesquisa. Mas é interessante notar que essa maneira de se ler A ostra concede ao filme certa originalidade e demonstra que este longa-metragem não se prendeu ao objetivo, talvez impossível, de se adaptar a narrativa literária tal como ela é. Todavia, Walter Lima Jr, é importante ressaltar, direcionou sua narrativa da história de Marcela para a loucura, fazendo adaptações para tal. A maior delas é sem dúvida a exclusão do segundo narrador. O mesmo não aconteceu com os estudiosos americanos que, ao contrário do cineasta, excluiu em suas interpretações de A ostra o narrador onisciente e deixou apenas Saulo tornando a história extremamente confusa. O que se quer dizer com isso é que o filme A ostra e o vento pode ser diferente do romance ao equiparar Saulo apenas como uma projeção de Marcela, mas ele é uma leitura coesa e bem estruturada do romance de Lopes. Tem-se, portanto, duas obras denominadas A ostra e o vento ambas contando a história de Marcela em sua Ilha dos Afogados, mas cada uma com seu ponto de vista.

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Fernando Simplício dos Santos, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Dyonelio Machado e as alegorias da história: a (re)significação do passado e a arte como expressão crítica. Orientador: Francisco Foot Hardman

A pesquisa de doutorado intitulada “Fluxo e refluxo: história, alegoria e política em Dyonelio Machado” pretende formular um estudo comparativo dos textos mais expressivos do autor, a fim de sugerir uma sistematização de seu método artístico. Considerando um quadro teórico que abrange desde as obras de Tácito, Aristóteles e Cícero até as de Walter Benjamin, Georg Lukács e Peter Burke, um dos objetivos do trabalho é investigar determinado jogo literário que, valendo-se de um movimento atemporal, rompe com a cronologia linear da história, ao representar a expansão do cristianismo, vinculado à exploração econômica e ao autoritarismo modernos. Nesse sentido, sublinhado por trocas de imagens e formas discursivas, pode-se ordenar como método analítico um tipo de “fluxo e refluxo” histórico-literário, sendo que, sobreposto a certa leitura alegórica, uma de suas principais funções é relacionar tradição e modernidade; repressão e resistência; religião e revolta.

Por ora, a presente proposta analisa alguns trechos dos romances Deuses Econômicos (1966), Sol Subterrâneo (1981) e Prodígios (1980), destacando algumas funções da referida estratégia de interpretação. A partir desta, entre outras observações, é possível identificar uma crítica que, direcionada diretamente ao Principado de Nero (54-68 d.C), questiona de maneira figurada a política da Era Vargas (1930-45/1950-54) e da Ditadura Militar (1964-84). Além disso, examina-se a maneira pela qual o intelectual pode ser representado como agente eficaz de transformação, em meio às divergências do poder. Por exemplo, a trajetória dos dois protagonistas (do filósofo Evandro e do literato Lúcio Sílvio) é passível de ser comparada com a de Jesus Cristo e do apóstolo Paulo, demarcando, por conseqüência, outras analogias com histórias de homens perseguidos por ditaduras modernas. Nesse caso, a imagem mais freqüente dos textos é a do encarcerado ou a do exilado, punido por causa de suas manifestações contrárias ao status quo.

De modo geral, as recorrentes metáforas elaboradas no decorrer de todas as composições indicam leituras que configuram uma singular alegorização do Brasil da época. Não por acaso, alguns projetos artísticos dos anos 1960-70 sustentavam que, por meio da experiência estética, era possível transformar o pensamento de boa parte da sociedade, sublinhando ao mesmo tempo a necessidade de uma práxis fundamentada na política; arte e resistência estavam estritamente correlacionadas.

Na trilogia romanesca, as ideologias referentes ao tempo da enunciação aparecem confundidas com as imagens evocadas pelo passado longínquo e vice-versa, especialmente buscando um tipo de renovação estética muito criativa. Assim concebida, por tratar de significações que englobam um minucioso trabalho com a linguagem, a arte literária visa sondar desdobramentos de uma possível cadeia de associações históricas e, sobretudo,

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simbólicas. Às vezes, o próximo e o distante podem caminhar em conjunto, comunicando-se ou buscando certo tipo de fusão. Signos esparsos, mas análogos entre si, apontam para uma cascata de imagens que ajudam a desvendar significados subjacentes aos textos. Entretanto, a sua função não é apenas burlar determinada censura. Com isso, é possível formular um jogo entre Sensus litteralis versus Sensus allegoricus que ressaltaria a potencialidade do próprio fictício.

As características que evidenciam a citada tática de composição literária, associando (artística, crítica e implicitamente) os contextos em questão, podem ser avaliadas por vários pontos de contatos em comum, tais como: o controle da cultura; a destruição de livros e de objetos artísticos; os atentados às instituições oficiais, vistos como formas de protestos; a perseguição dos intelectuais e dos cristãos: com inúmeras prisões, interrogatórios, torturas, assassinatos e desaparecimento de civis; a crise econômica de cada governo mencionado; os variados golpes políticos que visam à sucessão imperial ou presidencial; o culto às personalidades públicas; as promessas de progresso, interligadas à propaganda partidária sensacionalista, entre outras coisas. Sem dúvida, tudo isso condiz com uma reformulação alegórica e problematiza conflitos entre classes sociais divergentes.

É importante salientar que a teorização filosófico-literária da alegoria é muito complexa e não pode ser avaliada somente como uma seqüência metafórica, assim como muitos estudiosos da retórica clássica a classificam. Atualmente, algumas correntes teóricas ainda costumam interpretá-la como um simples efeito de cunho moral, relativo à formulação artística das fábulas. No entanto, muitos não consideram que, para um pensador como Walter Benjamin, a alegoria não se torna unicamente uma figura cujo papel é adornar o discurso, mas é sobreposta à arte principalmente como crítica expressiva. Por extensão, por meio da acepção benjaminiana do termo, nota-se que as ruínas (representadas nos romances pelas cidades completamente destruídas, bem como pela queda de seus governantes) podem alegorizar tanto a decadência do Alto Império, quanto a desintegração da própria Era Vargas. Em outras palavras, no que concerne à Antiguidade, a trilogia traça a desestabilização do Principado de Nero, especialmente devido aos golpes de sucessão, inerentes a regimes de exceção. Por sua vez, no contexto histórico dos livros de Dyonelio Machado, sabe-se que, embora houvesse uma tentativa de renovação, pautada na reforma econômica, agrária e urbana, os turbulentos impasses políticos desestruturaram todos os setores sociais, econômicos e culturais.

Em Deuses Econômicos, Sol Subterrâneo e Prodígios, existe uma relação entre história ficcional e História como alegoria que pode ser considerada — pelo menos no campo da literatura brasileira — como inovadora, uma vez que a crítica ao Imperium Romanum, à Era Vargas e à Ditadura Militar é justaposta à crise religiosa do primeiro século, por exemplo. Além do referido movimento atemporal de “fluxo e refluxo” permitir uma interpretação que reavalie a gênese do sistema totalitário em suas raízes mais profundas, não deixando de reexaminar às nossas próprias origens mitológicas, filosóficas, religiosas e literárias, a apreciação sugerida também colabora para problematizar uma ideologia dominante que, através dos tempos, insiste em velar um tipo de poder contraditório. Portanto, acontecimentos históricos e ficção fundem-se para elaborar novos sentidos à narrativa ficcional, não deixando de expor uma crítica contundente.

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Gabriela Soares da Silva, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo A constelação do capribúfalo, de Fazil Iskander: tradução e comentário Orientador: Noé Silva

Este trabalho se propõe a traduzir do russo para o português a importante obra de Fazil Iskander A constelação do capribúfalo (1966). Essa proposta se baseia no caráter inédito desse escritor no Brasil e na sua grande importância, não somente para a literatura russa, devido ao papel crítico que desenvolveu durante período Khruchiov, mas também para a literatura contemporânea de um modo geral, ao renovar o gênero satírico, ampliando-o através de novas formas de narrar.

Dentre os nossos objetivos estão: a tradução direta do russo, acrescentando ao texto, sob a forma de notas explicativas, suportes necessários para o entendimento das especificidades da língua e das marcas da cultura de origem; a elaboração de comentários analíticos sobre o processo tradutório, explicitando as soluções e critérios adotados para as adaptações das características de estilo de Iskander; preparar uma introdução para contextualizar o autor e a novela escolhidos dentro do período histórico em que se inserem, isto é, a década de 60; o desenvolvimento de um ensaio crítico sobre A constelação do capribúfalo buscando entender o uso específico do fantástico, da sátira, do cômico e do grotesco no contexto das questões políticas e culturais da época e as repercussões de Iskander na literatura russa contemporânea.

Para tal, os métodos utilizados estarão centrados nas teorias e práticas de tradutores e pesquisadores da área de língua russa. É o caso de Boris Schnaiderman, Aurora Bernardini, Arlete Cavaliere, Noé Silva, Homero Freitas de Andrade e Paulo Bezerra.

É uma constante na produção desses pesquisadores o conceito de “fidelidade” ao texto original. O que se tem em mente ao falar em “fidelidade” não é somente a sustentação da integridade e do significado das palavras, mas justamente a tentativa de chegar a um sentido próximo do original. B. Schnaiderman exemplifica, no ensaio sobre a tradução do conto “O senhor Prokhártchin”, de Fiodor Dostoiévski, como o processo de análise e interpretação do texto é necessário para traduzir com maior propriedade o “espírito” da obra em russo.

Depois de lidar com o texto [original] quase diariamente, durante alguns meses, e de aplicar a ele diferentes procedimentos de análise, pareceu-me ter fundamentado, bem ou mal, uma conclusão de algum interesse: o da proximidade de Dostoiévski da linguagem poética (...) Tudo isso tornou mais consciente o meu trabalho de tradutor. (SCHNAIDERMAN, 1986, 57)

Arlete Cavaliere assinala, a respeito da prosa gogoliana, a necessidade de

compreender e tentar recuperar, recriar a “informação estética” na tradução. No caso específico de Gógol, segundo a tradutora, isso se refere ao “gesto sonoro” retratado por Boris Eikhenbaum (“Como é feito O capote de Gógol”). Da mesma forma, em Iskander

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será necessário um esforço para tentar recuperar as diferenças de tom entre as passagens líricas e cômicas que dividem o texto, não somente na voz do narrador, mas nos poemas, slogans e músicas relacionados ao capribúfalo, além da dinâmica apresentada pela narrativa ramificada.

Para atingir tais metas é por vezes necessário exceder os limites da língua na tentativa de melhor captar o que o texto original propõe. Nesse sentido, Paulo Bezerra, no ensaio “Nos labirintos da tradução”, fala sobre a importância de, em alguns casos, não seguir rigorosamente as regras da língua portuguesa, na tentativa de resgatar o estado psicológico do narrador (2005, 44). Com base nesses critérios, na tradução de A constelação do capribúfalo não serão feitos “polimentos” em relação à linguagem e à estrutura do texto.

No âmbito teórico, esta pesquisa se alicerça na leitura de trabalhos sobre a teoria da sátira, do cômico, da paródia, do grotesco e do fantástico visando uma melhor compreensão e definição desses conceitos e o quanto eles são aplicáveis ou não ao escritor e, nesse sentido, quais as inovações existentes em A constelação do capribúfalo. Os principais teóricos utilizados serão Vladímir Propp, com Comicidade e riso (1992); Leonid Erchov, Satira i sovremennost’ [A sátira e a contemporaneidade](1978); Wolfgang Kayser, O grotesco (1986); Tsvetan Todorov com Introdução à literatura fantástica (1992); e Mikhail Bakhtin com trabalhos relacionados ao cômico popular e a carnavalização como, por exemplo A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais (1987) e Problemas da poética de Dostoievski (2008). Como bibliografia mais atualizada, o livro de Linda Hutcheon Uma teoria da paródia (1985). Além disso, também serão utilizados pesquisadores e teóricos brasileiros que estudam esses temas e que se voltaram diretamente para a literatura russa: é o caso de Paulo Bezerra com a tese de Livre-Docência Dostoiévski: “Bobók”; Arlete Cavaliere com os trabalhos relacionados a Gógol e mais recentemente com a também tese de Livre-Docência Teatro russo: percurso para um estudo da paródia e do grotesco; e a produção de Homero F. de Andrade a respeito da sátira de Mikhail Bulgákov.

E, finalmente, materiais específicos sobre A constelação do capribúfalo e o autor de um modo geral. Para tal serão utilizados como trabalhos-chave o livro da importante pesquisadora russa Natalia Ivanova, Smiekh protiv strakha, ili, Fazil Iskander [O riso contra o medo ou Fazil Iskander] (1990) que promove uma leitura do escritor como uma sátira ao poder governamental fazendo relações diretas entre a obra e a política da época; o livro de Erica Harber, The Myth of the Non-Russian – Iskander and Aitmatov’s Magical Universe (2003) que prioriza elementos ignorados por Ivanova, como o fantástico, por exemplo; e as teorias sobre a especificidade do discurso e da linguagem de Iskander feitas pela professora e pesquisadora de literatura russa, emigrada da URSS para os EUA, Marina Kanevskaya.

A constelação do capribúfalo é uma novela (de aproximadamente cem páginas) em que o escritor narra a criação de um novo animal que estaria destinado a promover uma revolução econômica no país. O livro começa com o narrador, um jovem repórter, contando como foi demitido da redação de um pequeno jornal, no interior da Rússia. Toda a narrativa transcorre num tom irônico, a personagem-narrador, tecendo entre um acontecimento e outro, introduz o primeiro contato com a história do capribúfalo, encontrada numa pequena notícia de jornal. O animal é criado a partir de experiências genéticas envolvendo o cruzamento de uma cabra com um búfalo selvagem. Essa iniciativa financiada pelo governo prometia enormes benefícios, pois o capribúfalo poderia proporcionar mais carne, mais

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leite e mais lã do que outros animais, além de possuir maior capacidade reprodutiva. Desse modo, estariam resolvidos os problemas de escassez alimentar, introduzindo o país numa nova realidade de prosperidade.

A recepção do híbrido é inusitada, não provoca revolta ou estranhamento, mas, ao contrário, o animal é aclamado pelos órgãos governamentais, pela imprensa e, enfim, pela população. A febre gerada pela utopia de um futuro bem-sucedido faz com que comecem a surgir slogans, poemas em ditirambos, músicas e hinos em homenagem ao capribúfalo, criando um verdadeiro culto ao animal.

Iskander utiliza-se da sátira para “destronar” o poder governamental, o riso adquire um papel desafiador, põem em questão as ambições da ciência, o deslumbramento da imprensa e dos artistas, além da credulidade da população. É um riso que pretende questionar uma ordem estabelecida, um modo de dessacralizar certezas para se opor a elas e, quem sabe, buscar uma nova verdade.

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Geraldo Witeze Junior, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Sobre a utopia, Marx e Dom Quixote Orientador: Carlos E. O. Berriel

A presente pesquisa teve início com o romance Dom Quixote como seu objeto, especificamente um episódio do segundo livro em que o escudeiro Sancho Pança se torna governador de uma ilha chamada Baratária. A hipótese era que esse episódio poderia ser considerado uma utopia.

Para testar essa hipótese comecei a percorrer autores que tentavam definir ou delimitar a utopia, especialmente enquanto gênero literário. O significado da palavra utopia havia mudado radicalmente desde que fora cunhado por Morus. Eram vários os pontos de inflexão, no entanto as críticas à utopia feitas por Marx e Engels no século XIX pareceram determinantes para a mudança radical de sentido. Tornou-se imperioso, assim, passar a uma leitura dos textos desses dois autores que criticassem a utopia. Assim, o trabalho se tornou algo bastante diferente do início: passou a ser uma busca teórica de delimitação do significado da utopia, mas sem abandonar o objeto de estudo, o episódio da ilha Baratária.

A palavra utopia hoje é sinônimo de impossível, de devaneio, algo com que nenhuma mente séria perderia seu tempo. É usada para desqualificar o discurso de um oponente, como se fosse o avesso do realizável. Diversos autores já se ocuparam de traçar a evolução do termo e é inegável que o primeiro sentido percebido hoje é bem diferente da ilha “não-lugar” descrita no pequeno livro do século XVI. A origem do desprezo que se passou a ter pela utopia está na interpretação que os marxistas fizeram sobre as críticas de Marx e Engels. E aqui chegamos num ponto crucial.

Para escrever sobre Marx e Engels é importante, antes de mais nada, fazer algumas ressalvas. Primeiro há que se diferenciar os escritos de Marx, os escritos de Engels e seus escritos conjuntos. É um erro comum considerar que os dois pensadores sempre sustentavam exatamente as mesmas posições, ou que depois da morte de Marx, Engels não se diferencia dele. Assim são três tipos de escritos: os de Marx , os de Engels e os de Marx e Engels. Não é que as obras estejam totalmente dissociadas, isso seria um exagero e também um erro, mas é preciso fazer essa distinção para evitar erros de interpretação, como tratar palavras de Engels como se tivessem sido proferidas por Marx – esse é, talvez, o equívoco mais comum. Outra ressalva necessária é a de distinguir os marxistas de Marx. Nem sempre o que os marxistas dizem segue a trilha de Marx. Muitas vezes acontece inclusive o contrário, chegando ao ponto de alguns marxistas sustentarem posições explicitamente condenadas pelo próprio Marx. Neste trabalho as obras de Marx são chamadas marxianas. As de outros autores que tratam de Marx e sua obra ou que dizem seguir sua teoria são marxistas.

Pois bem, lendo os escritos de ambos sobre a utopia e percebi que a unanimidade do marxismo ortodoxo não encontrava fundamento no que Marx escrevera. Longe de desprezar

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as utopias e os utopistas, Marx os cobria de elogios. Ele foi educado pelo pensamento utópico, o tomou como base e tentou ir além. Percebi também que havia uma diferença entre os textos escritos por Marx, os escritos por Engels e os assinados por ambos. Engels menciona constantemente a ciência e quer construir um pensamento social baseado nela, ou seja, está perfeitamente afinado com o darwinismo social surgido no século XIX. Quando escrevem juntos, a ciência também ocupa lugar proeminente, como no Manifesto Comunista. Porém, quando Marx escreve sozinho, a ciência perde lugar para a história.

Marx se preocupa sobretudo com o movimento da história, com a observação dela para estabelecer um método revolucionário. Suas teorias partem dessa observação, com a consciência de que ele mesmo era parte da história. É verdade que ele e Engels têm muitas coisas em comum, e que criticaram a utopia – essencialmente os utopistas de seu tempo, com destaque para a tríade Saint-Simon, Fourier e Owen – por sua falta de método. Mas enquanto Engels pensa que o problema está no fato de a utopia não ser científica, Marx critica a ausência de movimento. É importante ressaltar que estão criticando a utopia como projeto político. É depois da morte de Marx que Engels publica seu opúsculo Do socialismo utópico ao socialismo científico, em que expõe suas posições e relega a utopia ao desprezo. O marxismo ortodoxo parece ter absorvido acriticamente essa ideia como se fosse de Marx. O problema é que essa posição está muito mais relacionada a disputas políticas dentro do movimento socialista do que a uma análise detida dos textos e uma reflexão sobre o tema. De qualquer forma uma breve leitura dos textos de Marx que criticam a utopia deixa claro que ele está muito longe de desprezar o pensamento utópico e não ver nele nenhum valor. E, indo além, se Marx se baseava nas utopias e o marxismo ortodoxo as despreza, então é possível enxergar aqui uma associação: ao criticar as utopias e taxá-las de conservadoras, coisa que o próprio Marx não fez, esse marxismo ortodoxo está sendo ele próprio conservador.

A partir disso pude voltar a discutir o significado da utopia com mais propriedade, repassando textos que buscavam uma resposta teórica para a pergunta “o que é utopia?”. Já que seu aspecto crítico com relação à sociedade de seu tempo é indiscutível, o eixo central da discussão é ver a utopia apenas como gênero literário ou como projeto. É verossímil supor que tenha elementos de ambos, mas as fronteiras exatas permanecem em questão. A utopia, no entanto, não é uma panaceia para todos os problemas da humanidade, que fique claro.

Esse mesmo debate nos leva de volta ao Quixote, pois ali questões semelhantes são feitas: o engenhoso fidalgo é só um louco que sai pelo mundo cometendo disparates ou há algo de questionador em suas atitudes? Tanto em dom Quixote como nos primeiros escritores de utopias se mostra com força a individualidade criadora do renascimento italiano, remetendo diretamente à dignidade do homem de Pico Della Mirandola. A loucura tem papel fundamental no Quixote e também na Utopia, o que nos leva a Erasmo, amigo de Morus e grande influência na Espanha de Cervantes, como ensina Marcel Bataillon. Com isso finalizamos nosso grande caldo de autores.

A questão que fica posta é a seguinte: quais são as possibilidades humanas? O que é possível fazer como indivíduo e como sociedade? São questões essenciais, postas no Renascimento e que continuam ecoando em nossa época. Somos conduzidos à história para respondê-las, mas a literatura tem aí papel fundamental, e nesse encontro trilhamos nosso caminho.

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Giseli Cristina Tordin, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Ausência e palavra na tessitura de “Todos los veranos”, de Haroldo Conti, e “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa Orientador: Miriam Viviana Gárate

A obra contística de Haroldo Conti (1925-1976) é pouco conhecida e estudada pela crítica literária. No Brasil, apenas há uma tese de doutorado, de Graciela Ravetti, defendida na USP em 1995, cujo estudo concentrou-se na análise dos quatros romances de Conti. A pouca atenção dada ao escritor argentino deve-se, conforme nos esclarece Cordeiro (1996), ao momento conturbado em que Conti escreveu grande parte de seu trabalho: os anos de 1950 a 1970. Deve-se acrescentar a isso o que nos esclarece Ángel Rama: muitos escritores produzem sua obra longe da urbe e dos grandes centros editoriais, como foi o caso do escritor argentino nascido em Chacabuco, o que, de certa maneira, contribui para que as tiragens sejam escassas. Além disso, Emir Rodriguez Monegal acrescenta que alguns escritores argentinos dos anos de 1955 a 1965 contrapunham-se aos escritores anteriores, como Martínez Estrada, Borges e Mallea, cujas obras eram mais conhecidas e aclamadas pela fortuna crítica. A preocupação fundamental da chamada geração de “Los Parricidas”, à qual pertenceu Conti, era a de, segundo Cordeiro (1996, p.16), evidenciar as idiossincrasias de uma realidade determinada, centrando o olhar “hacia adentro”. Outro fator que favorece o “esquecimento” da obra contiana concerne ao silêncio imposto pela ditadura militar. Nos primeiros meses da ditadura, Conti é sequestrado e ainda hoje figura na lista dos desaparecidos políticos. Desde o seu desaparecimento até os anos de 1990, nenhuma antologia de contos seleciona narrativas de Conti. Somente em 1975, um ano antes do período de maior acirramento das forças políticas, uma antologia intitulada “Narradores argentinos de hoy I” inclui dois contos de Conti: “Ad Astra” e “Los novios”. Apenas em meados da década de 1990 a editora Emecé publica em um volume único os contos completos, reeditando-os em 2000 e 2005. Não obstante esta publicação seja tardia, de alguma maneira isso pode retificar a injustiça da pouca difusão da obra de Conti, além de poder propiciar o advento de novos estudos da obra do escritor de Chacabuco. O objetivo deste trabalho é analisar a obra contística de Haroldo Conti e compará-la com alguns contos brasileiros, considerando as diferentes estratégias dos narradores que buscam resgatar um modelo de identificação. Compõem esta análise três eixos a partir dos quais se vislumbram diferentes perspectivas dos narradores na obra de Conti. As narrativas “Las doce a Bragado”, de Conti, e “As voltas do filho pródigo”, de Autran Dourado fazem parte do primeiro eixo que analisamos. O segundo eixo de análise é composto pelos contos “Todos los veranos” (Conti) e “A terceira margem do rio” (Guimarães Rosa); e o terceiro eixo, “Como un león” (Conti) e “Frio” (João Antônio). Até o presente momento foram analisados os três eixos. A pesquisa encontra-se na fase de concatenação destes eixos por meio da análise dos demais contos de Haroldo Conti, que passam a integrar a dissertação. Como sustentação teórica utilizaremos, além dos estudos desenvolvidos por Emilce A. Cordeiro (1996), Rodolfo

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Benasso (1961), Marinis (1999), Aníbal Ford (1984), a obra de René Girard (1961), Mensonge romantique et verité romanesque. Alguns trabalhos que se propõem a analisar a obra contiana buscam, muitas vezes, os acontecimentos históricos que foram “convertidos” por Conti em matéria literária. Um exemplo claro é o conto “La causa”, analisado por Marinis (1999) em sua tese de doutorado. A perspectiva do contista dá visibilidade a personagens oriundas de setores sociais de menos prestígio e aos espaços periféricos onde vivem. São apresentadas nas narrativas as estratégias de sobrevivência de personagens que, ligadas ou não a uma forma de trabalho, precisam vencer uma violência com a qual constantemente se deparam. Estas características, muito perceptíveis na obra de Conti, são as mais frequentemente estudadas, o que faz com que os trabalhos desenvolvidos atenham-se aos aspectos sociais que a obra alude. Não negando as análises que têm como fundamentação teórica a história social, política, antropológica e filosófica, o objetivo do trabalho é investigar como a constituição do narrador enquanto sujeito é realizada segundo os desejos que provêm das personagens que lhes são mais caras. Tomamos como referencial, portanto, não os fatos históricos e sociais com os quais evidentemente a obra de Conti dialoga, mas, sim, uma perspectiva intimista. Nossa sustentação teórica provém da própria literatura, cujos contos servem de subsídio para que averiguemos de que forma é construído este retrato humano em meio aos desejos e vicissitudes que cercam as personagens. Propomos apresentar no Seminário de Teses em Andamento o segundo eixo que analisamos, que é composto pelos contos “Todos los veranos” e “A terceira margem do rio”. Nosso intuito é compreender de que forma os narradores constituem-se como sujeitos, tendo o pai como modelo, ou seja, um exemplo a ser seguido ou, pelo menos, entendido. Para tanto, os narradores precisam lidar com um aspecto negativo que é vislumbrado pelas outras personagens dos contos: a loucura. O pai de “Todos los veranos” realiza com frequência uma viagem sem rumo. Apesar disso, tanto suas tentativas quanto suas palavras estão distantes, na visão do narrador-protagonista, do descompromisso, da vadiagem, ou da loucura. No conto de Rosa, o constante bordejar também ganha qualificativo de “desvario”, o que faz com que o filho vitupere com veemência: “Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos” (ROSA, 2005, p.81). No primeiro eixo analisado, os narradores de “Las doce a Bragado” e “As voltas do filho pródigo” também não veem algum grau de loucura ou alguma patologia que determine os gestos de seus tios, gestos estes que, aos olhos das outras personagens, são justificados por certo desvario ou ausência de uma percepção centrada da realidade. Ao contrário, as viagens ou corridas sem rumo realizadas por Zózimo e Agustín, respectivamente, despertam nos sobrinhos-narradores o fascínio. Eles não apenas querem ser como seus tios: querem tocá-los, entendê-los intimamente e compartilhar seus segredos. Em todos estes contos, os narradores subvertem a normalidade e a mesmice com que as personagens-modelares são vistas e julgadas pelos outros. Observamos ainda que tanto em “Todos los veranos”, no qual o pai escolhe caminhos que assinalam o afastamento do sujeito para pontos indeterminados, destituídos, inclusive, de uma dimensão temporal, quanto em “A terceira margem do rio”, a vida desenvolve-se em um ponto destituído de localização. No conto de Rosa, A “suspensão da existência” abarca pai e filho: eles se despojam da vida no interior da costa e passam a viver em outra dimensão de espaço. O filho começa a acompanhar o pai de longe, na busca do indecifrável. Já em “Todos los veranos”, o filho ora entende o pai perfeitamente, ora é surpreendido pelo seu silêncio e distância. Ele se depara, ao final do conto, com a total suspensão da existência de seu pai que, fechado em si mesmo, parece esperar todos os acontecimentos que fatalmente se concretizarão.

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Gislaine Cristina de Oliveira. Mestrado em Teoria e História Literária — Universidade Estadual de Campinas. Brecht, Adorno e alguns motivos comuns para propostas que se opõem Orientador: Fábio Akcelrud Durão

No ano de 1998, em decorrência das festividades do centenário do nascimento de Bertolt Brecht (1898-1956), muito foi publicado e discutido em todo o mundo sobre o autor alemão. “O método Brecht”, de Fredric Jameson, é mais um livro que debate a atualidade da obra do dramaturgo no fim do século XX e propõe um novo olhar para o que seria um “método” brechtiano. No entanto, o crítico americano já nos apresenta o interesse por Brecht em nossos dias de forma bastante polêmica ao vincular esta questão a um debate sempre espinhoso no que se refere à arte: o debate sobre sua utilidade. Brecht é conhecido como o poeta marxista, que aponta todas suas armas para o capitalismo e suas decorrências bárbaras e que pretende nos mostrar a todo tempo o caráter transitório da dominação. Mas, de acordo com Jameson, vivemos em tempos ainda mais anticomunistas do que os do dramaturgo, e é essa constatação que parece fazê-lo se perguntar pela utilidade daquela proposta artística e ao mesmo tempo apresentar respostas numa complicada demonstração de como as lições e ensinamentos de Brecht podem compor um método ou postura que se confundirá enfim com a própria dialética. O projeto de mestrado inicialmente apresentado ao departamento de Teoria e História Literária do IEL – Unicamp tinha como objetivo geral discutir a recepção de “O método Brecht” entre os críticos brasileiros e, ao estudar os textos produzidos por teóricos, críticos e diretores teatrais no Brasil no final da década de noventa, observar como eram abordadas as questões sobre a atualidade e utilidade da obra do dramaturgo alemão. No entanto, após alguns ajustes, optou-se por manter apenas o estudo detalhado do ensaio de Jameson, que, como seus demais livros, contém infindáveis referências e que percorre caminhos tortuosos deixando por vezes o leitor em dúvida sobre o que realmente o autor estaria defendendo ou se estaria ele realmente defendendo algo. Além do estudo sobre O método Brecht, a nova proposta contempla a leitura de uma ou duas peças do dramaturgo tendo em mente os produtivos comentários do autor americano. O trabalho em andamento a ser apresentado no X SETA trata-se de um estudo de A peça didática de Baden Baden sobre o acordo, que procura observar nesta obra, contrariamente às expectativas criadas pela relação conflituosa entre Brecht e Adorno, algumas afinidades entre a filosofia divulgada pelo jovem poeta em sua dramaturgia e uma das reflexões centrais de Dialética do Esclarecimento de Adorno e Horkheimer. Tal estudo, iniciado em disciplina do programa de mestrado, está sendo desenvolvido para posterior incorporação à dissertação e, sendo assim, deverá ser acrescido da contribuição do olhar de Jameson para o que foge ao estereótipo brechtiano nesta aproximação. Adorno, que compõe o núcleo duro da Teoria Crítica juntamente com Horkheimer e que, em geral, é considerado um filósofo subversivo e pessimista, defende que a obra de arte seja autônoma – e só assim ela poderia trazer o mundo para dentro de si, na

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possibilidade da contestação/resistência. Em suas palavras: “o conteúdo de uma obra de arte começa sobretudo ali onde a intenção do autor termina; ela se extingue no conteúdo” (Adorno, 1973:08). A autonomia da arte se oporia ao processo operado pela Indústria Cultural de incorporação da lógica mercantil na própria produção do objeto artístico, do cálculo do efeito (lucro) nesta produção (Adorno, 1994:94). Nesse caso, uma obra que pretende e planeja o engajamento político, por não ter autonomia, em verdade também terminaria por antecipar seu fracasso e falsidade (Adorno, 1973:58). O filósofo, de certa forma, olha para as obras se perguntando o que seria arte e o que não seria e tem como crivo o respeito a leis internas da própria composição artística. Para ele a estética seria um dos únicos domínios da vida moderna que poderia preservar a utopia, uma outra relação possível, justamente pela característica do belo de não servir pra nada, de ser gratuito. E, dessa forma, ele realiza uma séria crítica à proposta brechtiana e ao discutir um de seus textos A santa Joana dos Matadouros afirma que “A instrumentalização da arte sabota o seu protesto contra a instrumentalização”.

Enquanto isso, ainda que a macieira em flor desperte o interesse de Brecht, somente as mazelas sociais o levam à escrivaninha. Suas propostas de teatro épico ou dialético pretendem conscientemente formular o teatro para o homem dos novos tempos, o homem da idade científica. Ele pretende criar algo novo em oposição ao drama e que seja anti-ilusionista, instrutivo e prazeroso/divertido. Em toda a sua teoria do teatro épico, e mais tarde dialético, há uma defesa do distanciamento/estranhamento e da presença necessária de uma racionalidade por trás do trabalho artístico que facilmente tornam-se objeto de questionamento para os adornianos. O que politiza o teatro de Brecht não é sua circulação, mas a própria produção, que, segundo Adorno, já estaria “contaminada”. Seria difícil refletir sobre esses dois autores sem lembrar da relação de ambos com as guerras, com o fascismo, do exílio e também da experiência soviética e do stalinismo. Cada qual com seus recursos visualizou e discutiu o desenvolvimento do capitalismo, o advento de uma racionalidade destruidora e saídas possíveis. O tema do progresso e da racionalidade é central nos escritos de Adorno em A dialética do esclarecimento e também é foco da peça de Brecht que escolhemos para melhor observar neste trabalho e que já havia sido escrita quase 20 anos antes, em 1929. Podemos notar neste texto que Brecht compartilha da crítica feita pelos teóricos do Instituto de Pesquisa Social à filosofia iluminista. Já não era mais possível sustentar a crença de que seguramente, mesmo que aos poucos, a história se tornaria razoável, ou manter a crença na positividade dessa razão. Aquelas idéias de progresso (“vamos nos emancipar, tornar-nos maiores, deixaremos de ser tutelados”) que podemos verificar em Kant (1985) também parecem ser objeto de crítica nesta peça do dramaturgo marxista.

Se naquele momento a idéia de progresso estava em baixa, Brecht também percebia que o fim para o qual caminhavam não necessariamente jogaria uma luz sobre a história precedente. E, ainda que defensor da racionalidade, como o próprio Adorno também o foi, manifestou essa crítica ao desvio/deformação da racionalidade na peça que observaremos, e antes mesmo da ascensão do nazismo na Alemanha. Essa crítica justificava-se primeiramente pelo uso efetivo da tecnologia de aviação – que ele considerava um grande passo da humanidade – para finalidades destrutivas.

Com este estudo de A peça didática de Baden Baden sobre o acordo, pretende-se compreender alguns temas comuns presentes no teatro épico de Brecht e nas formulações filosóficas da Teoria Crítica. Para isso é possível aproveitar algumas das reflexões

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suscitadas por O método Brecht e é fundamental, de forma alguma, tentar diluir ou minimizar as diferenças entre os autores e suas conhecidas desavenças.

Obras citadas no resumo:

ADORNO, Theodor W. – A indústria Cultural. In: Theodor W. Adorno: sociologia. Org.: Gabriel Cohn. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1994.(pp. 93-99)

________ Para um retrato de Thomas Mann. In: Notas de literatura. Trad.: Celeste Aída Galeão e Idalina Azevedo da Silva. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. (pp. 7-15)

________ Engagement. In: Notas de Literatura. Trad.: Celeste Aida Galeão e Idalina Azevedo da Silva . Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1973. (pp. 51-71)

ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad.: Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar, 1985.

BRECHT, Bertolt. A peça didática de Baden-Baden sobre o acordo. In: Bertolt Brecht. Teatro completo, em 12 vol. Trad. Fernando Peixoto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. (pp. 187-211)

JAMESON, Fredric. O método Brecht. Trad. Maria Sílvia Betti; revisão téc. Iná Camargo Costa. Petrópolis: Vozes, 1999.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: que é esclarecimento? In: Textos seletos. Trad. do original alemão por Raimundo Vier, Floriano de Sousa Fernandes; introdução de Emmanuel Carneiro Leão 2a ed., Ed. Bilíngüe. Petropolis : Vozes, 1985 (pp. 100-117).

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Jacimara Vieira dos Santos, Doutorado em Teoria e História Literária — Universidade Federal da Bahia. Terra Papagalli e Meu querido canibal: percorrendo os caminhos da Literatura e da História. Orientadora: Maria de Fátima Ribeiro

A presente pesquisa tem por objetivo investigar os intercursos da Literatura e da História em Terra papagalli e Meu querido canibal, obras literárias contemporâneas que revisitam a História do Brasil Colônia, bem como perceber o modo como a ironia e o humor constantes nas citadas narrativas rasuram as estratégias discursivas da História oficial. Os dissensos despertados pela Literatura em relação à História mostram-se, nas obras aludidas, como veículos de contraposição à memória forjada no discurso oficial, revelando um hiato entre visões estereotipadas e várias representações questionáveis – o que, na perspectiva pós-colonial, não significa apenas propor uma nova versão da história, mas, também, atentar para o fato de que o dominador aciona documentos da cultura para corroborar seu lugar hierárquico. Para dar conta da problematização da tríade História, Literatura e Memória, as elaborações dos Estudos Culturais apresentam-se como uma importante contribuição teórica para elucidar questões sobre a narratividade das nações, os encontros, os choques e os hibridismos entre as culturas, assim como possibilitam investigar as representações culturais e as suas implicações subjacentes. A fim de desenvolver análises e reflexões sobre História e Literatura, pretende-se recorrer às teorias que tratam da Meta-história e de seus entrelaçamentos, e, também, aos postulados da Teoria e da Historiografia Literárias, perpassando, ainda, outros caminhos interdisciplinares. No plano metodológico, deve-se pautar pela capacidade de adaptação e proveito das fontes, por isso, pretende-se o estudo bibliográfico dos assuntos centrais da pesquisa, eventuais consultas a acervos, entre outras possibilidades que se mostrem pertinentes ao estudo. A ampliação vertiginosa dos campos interdisciplinares e transdisciplinares a que assistimos nos últimos tempos estimula cruzamentos temáticos complexos e importantes. Deste modo, as considerações em torno da História e da Literatura abrem espaço para que possamos examinar seus pontos de aproximação e de distanciamento, havendo, provavelmente, uma maior incidência de eventos que reforçam mais a primeira em detrimento do segundo. Ao se arrogar o título de verdade, amparada, principalmente, por seu estatuto de Ciência, a História suscita a aceitação de seus postulados sem maiores precauções, em detrimento da Literatura, que por seus enlevos imaginativos e ficcionais é passível de certo desprestígio enquanto forma de apreensão e de interpretação da história, tendo na verossimilhança o ponto de sua suposta vulnerabilidade. Entretanto, faz-se presente a necessidade de interrogar-se acerca desses preceitos, uma vez que o modelo verbal, na narratividade histórica, passa por uma textualidade como estratégia de explicações, indicando vários pontos de comunicação com a Literatura. Por outro lado, também a ficção literária utiliza-se de rastreamentos históricos e age retroativamente na memória historiográfica oficial,

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propondo e fomentando releituras e investigações. Em Terra Papagalli e Meu querido canibal encontramos subsídios para analisar os intercursos da Literatura da e História, perscrutando as narrativas acerca da vida do Brasil Colônia em seus primeiros tempos, tornando viável a possibilidade de redefinição da relação significante com um presente disjuntivo e com as versões oficias acerca do passado. Com isso, vislumbramos versões que pedem reflexões acerca das marcas que a colonização instaura no Brasil e, por conseguinte, no jogo dinâmico entre a memória e o esquecimento que fazem parte de todo esse processo, tendo como um relevante recurso discursivo a ironia. Retomando o referencial histórico acerca do processo de colonização do Brasil, encontramos nas duas obras sobre as quais se pretende tratar (Terra papagalli, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta; e Meu querido canibal, de Antônio Torres) substratos para nossa análise, pois que se apresentam enquanto potenciais desencadeadores de ruptura e questionamentos acerca da História oficial: Terra Papagalli põe em xeque o projeto colonial português em terras brasileiras, recorrendo ao humor e à ironia, anunciando em seu subtítulo: narração para preguiçosos leitores da luxuriosa, irada, soberba, invejável, cobiçada e gulosa história do rei do Brasil, em que pese nossa atenção aos pecados capitais aludidos, como a desafiar o caráter cristão-católico sob o qual se assentavam as pretensões coloniais de Portugal. Coadunando com tais aspectos, Meu querido canibal recua temporalmente ao século XVI para propor uma revisão da História oficial, sem temer reintegrar a etnia indígena através de seu personagem central, o índio Cunhambebe, agindo na direção de uma re-significação da memória do vencidos. Desafiando a suposta (e Positivista) noção de objetividade da História, Antônio Torres assume suas tendências e suas simpatias, prenunciando sua predileção (Meu querido) e fazendo uso recorrente, em sua narrativa, do advérbio presumivelmente. O percurso narrativo de Torres passa pelos documentos oficiais, embebe-se da oralidade dos remanescentes das comunidades indígenas alocadas no Rio de Janeiro nos tempos atuais e revela seu trajeto no final do romance, no excerto Leituras canibalizadas, aduzindo ao teor antropofágico também vislumbrado em Terra Papagalli – sinal de contato importante frente às intenções de nosso trabalho. Os elementos que formam as estruturas da subjetividade de uma época, em uma dada cultura, implicam certo enquadramento da realidade, de modo que as proposições que emanam do discurso oficial ganham, nessa realidade, o valor de verdades inquestionáveis. Os imbricamentos entre História e ficção nos romances aludidos mostram-se, assim, como meios de refletir acerca dos processos móveis de significação e re-significação dos sujeitos históricos.

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Jáder Vanderlei Muniz De Souza, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo

Nocturno de Chile: literatura e história Orientador: Laura Janina Hosiasson

Falar sobre as relações entre literatura, política e história, não significa a defesa

intransigente de uma forma redutiva de ver a literatura, mas, apenas a afirmação de que elas acontecem, inevitavelmente. Não é necessário, portanto, a abordagem de eventos históricos ou assunção explícita dessa ou daquela ideologia para que a obra se configure como um espaço político. A produção escrita, e aqui nos referimos, evidentemente, ao trabalho de produção literária, certamente exige competência, habilidade e, por que não dizer, aptidão; entretanto, nenhum produto literário pode ser encarado como o mero fruto de uma inspiração, ou, o resultado natural de um grande talento. Escrever requer intenção, objetivos, projeto, planejamento, compromisso. É nessa gama de implicações que o texto literário se configura como uma iniciativa fundamentalmente política, sob a égide dos interesses daquele que a empreende. É, portanto, bastante enriquecedor para o diálogo crítico com a obra literária, seja qual for a sua origem, o conhecimento das nuanças da relação que a mesma estabelece com a política do seu tempo. Ler um texto literário implica uma séria relação com o contexto histórico-político-social, sem o qual a sua realização não seria possível.

Desse modo, é preciso ter sempre presente que qualquer análise apenas interna do texto, sem as relações com as formações ideológicas, com as condições de produção do discurso levará a cortar a relação deles com o processo histórico daquela sociedade e com a sua apropriação por parte do sujeito. Assim fazendo, estaríamos impedindo a possibilidade de inter-relacionar as várias formações discursivas/formações ideológicas e, portanto, estaríamos impedindo uma reflexão crítica sobre a práxis, ela própria – reflexão crítica – parte dessa práxis. Baccega (1998, p. 48)

Afora as considerações acerca da inevitável relação entre literatura, política e história, faz-se necessário separar um espaço de atenção às diferentes formas em que essa relação pode se dar, considerando que diferentes autores assumem distintas posturas ao dialogar com a sociedade, e que o contrato que estabelecem com a mesma possui, em cada circunstância, regras específicas, estabelecidas conforme seus interesses e necessidades. Se a obra reflete, inevitavelmente, o contexto social do qual emerge, é preciso notar que nem sempre a possibilidade de vislumbrar no texto a presença de um mundo concreto é fruto de um mero reflexo, de uma ação involuntária. Se a obra é uma construção arquitetada, fruto de um projeto previamente objetivado, a presença do fato histórico em suas linhas pode ir além da espontaneidade e se concretizar como uma releitura intencional e direcionada. O

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fazer literário apresenta, assim, uma forte capacidade de intervenção política, sendo um espaço onde o acontecimento histórico é refratado. “Mais do que o poder persuasório da literatura sobre seus leitores, o que está em jogo na parceria sociedade/literatura é o poder performativo da literatura”. Lajolo (1997, p. 80). O literato apresenta a sua visão dos fatos, rediscute ou reafirma o que já foi dito e propõe ao interlocutor um novo encontro com a história. “O discurso literário é, portanto, a realidade refratada ideologicamente e submetida a uma conformação artística”. Baccega (1998, p. 44).

Afirmar que a obra literária emerge de um contexto específico é também considerar a sua construção como um projeto peculiar, filiado à leitura e à posição que o autor assume na conjuntura histórica em que está inserido. Concebemos, assim, o produtor literário como um ser ideológico, que pode diferenciar-se no meio artístico-social não apenas por aspectos formais, mas, também pela postura que assume e pelos compromissos que carrega. Entretanto, esses compromissos estabelecidos pelo literato, que podem ser de classe, gênero, etnia, ou tantos outros, devem ser precedidos e subsidiados por um compromisso maior, o compromisso com a literatura. Quando falamos em compromisso social, em ideologias, falamos da força política da literatura, que permeia a história e se faz contaminar por ela; no entanto, para se configurar como tal, a literatura carece, além dessa força política, de pressupostos estéticos, que vão diferenciá-la do discurso unicamente histórico, psicanalítico, religioso, etc. Conforme Baccega (2003, p. 74) “fazer literatura, diferentemente de fazer história, supõe uma consciência estética que permite ao artista se colocar certos problemas sobre a realidade que ele vive ou que lhe é relatada e responder artisticamente a estes problemas”. É a chamada literariedade do texto para a qual o atributo estético apresenta-se como elemento indispensável. O compromisso com a literatura consiste em fazer com que ela tenha razão de ser, dialogando com a vida, numa relação para a qual a obra deve lançar-se de uma posição clara e bem definida, a de partícipe do mundo das artes, onde a forma constitui-se em uma primeira exigência. “Se não se levar em consideração essa consciência estética, o indivíduo/sujeito estará fazendo história e não literatura” (BACCEGA, 2003, p. 73), fator que não deve ser relegado a segundo plano, uma vez que “querer reduzi-la – a literatura – ao estudo de uma destas componentes, ou qualquer outra, é erro que compromete a sua autonomia e tende, no limite, a destruí-la em benefício de disciplinas afins” (CANDIDO, 1975, p. 33).

Elucidar as relações entre Literatura e História no romance Nocturno de Chile, buscando, a partir daí, compreender o modo como Roberto Bolaño re-significa a imagem política e pessoal do ditador Augusto Pinochet e os anos 1970/80 no Chile, refletindo, assim, sobre a relevância da obra literária para a discussão de valores sócio-culturais, o que apenas se torna possível no encontro entre obra e leitor.

Realização de ampla pesquisa bibliográfica, a fim de selecionar títulos relevantes acerca de nosso objeto, definindo aqueles que serão utilizados, direta ou indiretamente, na construção do trabalho.

Leitura minuciosa do material selecionado, com a realização de fichamentos e, num segundo momento, produção de um resumo crítico para cada texto lido, intentando refletir e desenvolver um conceito sobre o tema em questão, considerando, também, a contribuição de cada um desses autores para o nosso trabalho.

O presente trabalho será estruturado em quatro partes: a primeira parte compreende o fazer literário e o ofício do escritor, buscando fornecer uma idéia clara do modo como os concebemos, o que, por sua vez, orientará nosso encontro com o texto de Roberto Bolaño. A segunda etapa dará conta de uma reflexão acerca da História, desenvolvida a propósito

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de estabelecimento de um norte, uma vez que ao longo do trabalho estaremos não apenas apontando para a disciplina, mas, mantendo uma relação muito próxima com a mesma. Num terceiro momento, apoiados nos conceitos desenvolvidos anteriormente e nas pesquisas realizadas, empreenderemos uma reflexão teórica sobre o enlace entre Literatura e História, reflexão que subsidiará posteriormente nossa análise do trabalho de Bolaño.

A quarta parte do trabalho, que constitui-se em seu cerne, realizará um exercício analítico da construção literária de Roberto Bolaño, buscando esclarecer o modo como o autor empreende em Nocturno de Chile, a partir da utilização de cenários, período e personagens históricos, uma atividade política de questionamento de uma época e de seus protagonistas, sobretudo o gal. Augusto Pinochet.

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Jaqueline Castilho Machuca, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Clarice Lispector para além de uma literatura introspectiva Orientadora: Suzi Frankl Sperber

O trabalho aqui proposto é apenas uma parte da pesquisa, que está em andamento, e propõe a discussão entre A Hora da Estrela (1998), de Clarice Lispector e seu filme homônimo, de Suzana Amaral (1985). É fato que as relações entre cinema e literatura não se reduzem apenas a aspectos estruturais, mas também a tópicos históricos e culturais. Assim, é de suma importância a compreensão das condições de produção, neste caso, ligadas à produção artística de cada autor: Clarice Lispector e Suzana Amaral. Assim, nesta breve apresentação proponho a discussão de algumas características da obra clariciana. A crítica trouxe à tona muitos aspectos intimistas de suas obras, contudo pretendo trabalhar aspectos sociais, ainda que por vezes apareçam de forma sutil, presentes em alguns contos: “A menor mulher do mundo”, conto de Laços de Família (1998); “Viagem a Petrópolis”, texto presente em A Legião Estrangeira (1999 a); “A procura de uma dignidade” e “A partida do trem”, ambos contidos no livro Onde Estivestes de Noite (1999 b). Assim, como referencial teórico, proponho a leitura de duas obras de Berta Waldman: Entre passos e rastros: presença judaica na literatura brasileira contemporânea (2003) e A paixão segundo C. L. (1993). Além destes, será fundamental um artigo de Suzi Frankl Sperber “ Jovem com ferrugem”(1983). De Neiva Pitta Kadota usaremos: A tessitura dissimulada: o social em Clarice Lispector (1997). Também um livro crítico de Olga de Sá: Clarice Lispector: A travessia do oposto (2004).

Escrever é sempre trabalhar com a linguagem. Escrever textos bons, com alcance de público e benquisto por estudiosos, vai além do simples trabalho com as palavras: o autor deve tocar em temas polêmicos sem necessariamente falar deles explicitamente. Exceto A Hora da Estrela (1999), parece-me que as demais obras de Lispector nunca receberam grande destaque como obras sociais, sendo que o romance de 1977 seria o único a abordar a problemática social, através da personagem Macabéa. Sim, até certo ponto isto é fato, visto que tal obra é uma crítica social explícita, latente, urgente. Mas há mais o que se falar sobre a obra de Lispector, além de apenas enquadrá-la dentro da literatura intimista: é preciso mostrar como ela transforma a linguagem em porta para a leitura das entrelinhas. Há alguns desses textos em que a problemática social fica mais evidente que em outros. Um deles, “A menor mulher do mundo”, conto de Laços de Família (1998), exemplifica bem o social em Clarice Lispector. Seu enredo conta com dois personagens centrais: o explorador francês Marcel Petre e sua “mais nova descoberta”, a menor mulher do mundo “uma mulher de quarenta e cinco centímetros, madura, negra, calada.” (LISPECTOR, 1998 , p. 68), que passou a ser chamada por ele de Pequena Flor. Tendo sua foto publicada “ no suplemento colorido dos jornais de domingo, onde coube em tamanho natural.” (LISPECTOR, 1998 , p.70) Pequena Flor passou a ser alvo de comentários, todos eles carregados de um tom irônico e, por vezes, hipócrita e preconceituoso. É por

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intermédio de tais apontamentos que conseguimos notar a visão que se tem daquele que é diferente: “(...) a gente brincava tanto com ela! A gente fazia ela o brinquedo da gente, heim!” (LISPECTOR, 1998 , p. 71) .

Outras personagens e situações abarcam temas sociais, como em contos nos quais os protagonistas são idosos. Para tanto escolhemos três textos: “Viagem a Petrópolis”, texto presente em A Legião Estrangeira (1999 a), traz uma mulher idosa, pobre, que sem família nem dinheiro, vive de favores “(...) achava sempre lugares para dormir, casa de um, casa de outro.” (LISPECTOR, 1999 a, p. 57). Aqui, temos uma personagem, Mocinha (Margarida) que “era pequena e realmente não precisava comer muito” (LISPECTOR, 1999 a , p. 57) sendo vista como um peso para a família de Botafogo, com a qual vivera nos últimos tempos, é mandada para a casa da “cunhada alemã”, onde ela não é aceita. Passeando pela estrada de Petrópolis, desfrutando de sensações diversas, Mocinha tem como desfecho a morte “a velha encostou a cabeça no tronco da árvore e morreu.” (LISPECTOR, 1999 a, p. 64). Neste conto dois pontos são evidentes: a problemática dos idosos, representados por Mocinha, muito velha, sem trabalho, sem família, sem bens; e a pobreza, como causa primária da necessidade para ela viver de favores, já que não tinha outra maneira de sobreviver. Neste caso específico, da marginalização, ainda há o aspecto da escassez financeira, que submete Margarida às caridades. Portanto, além de marginal e pobre, a protagonista do conto é idosa, características reunidas em uma personagem completamente desprezível aos olhos da sociedade. Outros dois contos, “A procura de uma dignidade” e “A partida do trem”, ambos do livro Onde Estivestes de Noite (1999 b), também discutem a problemática do idoso. Neles temos pontos em comum: os “outros”, ou seja, os “não idosos”, não os notam ou incomodam-se com a presença deles “Dona Maria Rita pensava: depois de velha começara a desaparecer para os outros, só a viam de relance.” (LISPECTOR, 1999 b, p. 24). Além disso, suas personagens principais são mulheres, com família, mas que têm consciência da posição e da condição que ocupam na sociedade. Em “A procura de uma dignidade”, por exemplo, temos uma mulher de quase setenta anos, que, após ter ficado perdida no “Estádio Maracanã” tem sua angústia relatada frente ao labirinto que parece ser sua vida, através de reflexões do narrador acerca de sua situação enquanto mulher, velha, apaixonada por Roberto Carlos “Nos homens velhos bem vira olhares lúbricos. Mas nas velhas não. Fora de estação. E ela viva como se ainda fosse alguém, ela não era ninguém. A Sra. Jorge B. Xavier era ninguém”. (LISPECTOR, 1999 b, p.17)

Nos quatro contos citados brevemente acima, percebemos uma construção interessante quando pensamos na exclusão daquele que é diferente. Além de tal exclusão estar carregada de um aspecto social, voltado para a não inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho e/ou na vida social, percebemos a visão que o outro, pressionando o marginal, tem daquele que não se encaixa nos padrões do mercado e da “possível” vida social. Nestes contos de Clarice há uma reflexão sobre como tais mulheres se sentem em relação a essa sociedade que as pressiona de forma mascarada.

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João da Silva Ribeiro Neto, Doutorado em Teoria Literária e História Literária. O sujeito oblíquo nas Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos Orientadora: Vera Maria Chalmers Graciliano Ramos tem a imagem de um escritor “engajado” e social, por fazer parte do grupo de romancistas regionalistas nordestinos da década de 30. Graciliano é “engajado” e é social, mas é mais que isso. É um escritor reconhecido pela grande qualidade estética de suas obras, e muito especialmente pela qualidade do seu texto. Seu estilo tem características inovadoras demonstradas por inúmeros estudiosos e é o primeiro escritor brasileiro a transformar o menos em mais, através de um estilo sintético, seco, depurado, com frases curtas e sem enfeites, que levaram alguns críticos a associarem a “secura” do mesmo à “secura” da paisagem nordestina e à “secura” de personagens como Paulo Honório ou Fabiano. Entre os poetas, primeiro Murilo Mendes diz: “Funda o estilo à sua imagem:/ Na tábua seca do livro/ Nenhuma voluta inútil./ Rejeita qualquer lirismo./ Tachando a flor de feroz.”. E João Cabral complementa: “Falo somente com o que falo/ Com as mesmas vinte palavras/ girando ao redor do sol/ que as limpa do que não é faca.”. Fora esses atributos, e inserido no contexto deles, Graciliano é um escritor cujas narrativas contêm uma dimensão psicológica ainda insuficientemente estudada, mas reconhecida, de que se destaca especialmente o romance Angústia, narrativa de atmosfera dostoievskiana, em que os acontecimentos se passam quase totalmente na mente do personagem narrador, num clima noturno de pesadelo. A qualidade “psicológica” deste romance, todavia, não é o único exemplo. Todas as narrativas de Graciliano podem ser abordadas do ângulo psicológico. É inovador um personagem como Fabiano, ou Sinhá Vitória, ou os meninos, personagens que em Jorge Amado, José Lins do Rego ou Raquel de Queiroz teriam apenas uma dimensão social. Em Graciliano são psicologicamente ricos. São como algumas empregadas domésticas de origem nordestina de Clarice, especialmente Macabea. Há um parentesco entre Fabiano e Macabea. Fabiano e família estão próximos demais da natureza, numa interação que os aproxima dos animais, mas nos quais Graciliano vê a dimensão humana, transferindo-a ao animal, num movimento contrário ao dos escritores naturalistas e dos escritores regionalistas nordestinos, que aproximam os humanos dos animais. Essa qualidade, digamos, “psicológica”, da obra de Graciliano pode ser observada em todas as suas narrativas, contos, romances e livros de memórias, como Infância e Memórias do Cárcere.

Nossa intenção é analisar a noção de sujeito em uma perspectiva psicanalítica. Analisar o aspecto específico da presença do “estranho” no outro, em algumas passagens das Memórias, e que identificaria a presença do sujeito atravessado pelo inconsciente.

Memórias do Cárcere é um livro escrito por um ficcionista. Nele se percebem os fatos “reais”, o “documento”, apresentado quase sempre na forma de uma narrativa que assume um caráter “ficcional”. No seu primeiro livro de memórias, Infância, a ambiguidade é tanta que o livro pode ser lido tanto como documento como pode ser lido como um livro de ficção. Nas Memórias prevalece o caráter documental, mas o narrador é um sujeito

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atravessado pelo inconsciente. Todavia, este é um livro que se pretendia como uma “denúncia” ou um “documento histórico”, de um momento histórico, em que milhares de pessoas foram encarceradas como repressão ao levante comunista de novembro de 1935. Muitos intelectuais que não tinham relação direta com os fatos foram presos sem mandado judicial entre os quais Caio Prado Jr, Paulo Emílio Salles Gomes, Dionélio Machado, Aparício Apporelly, Eneida, Eny da Silveira, punidos pelas “obras” intelectuais que produziram, e não pela ação política efetiva.

Ter sido preso sem razão já cria uma situação literalmente kafkiana pela semelhança com o romance O Processo, como apontou Antonio Candido no seu ensaio “Da ficção à confissão”. Muitos críticos vêem este romance como prenúncio do que aconteceria na Alemanha nazista, com a qual o governo de Getúlio flertou. Graciliano vive algumas situações ao longo dos dez meses de encarceramento que contêm um clima de ficção, de fantasia, de absurdo, próprios mais da literatura ficcional do que de um livro de memórias, que pressupõe um pacto de narração da “verdade” com o leitor. O trabalho propõe-se a abordar a descrição de três personagens, o capitão Lobo e os ladrões Gaúcho e Cubano. Simultaneamente à percepção desses personagens pelo sujeito da narração memorialística, faremos uma abordagem de como Graciliano fala do homossexualismo na prisão, fenômeno visto de início de uma perspectiva de rejeição. A rejeição do militar, dos ladrões e do homossexualismo, expressa de maneira enfática e preconceituosa, evolui para uma aproximação curiosa, surpreendida, num processo de narração detalhada das idas e vindas, das hesitações, das descobertas, em que o retrato dos personagens passa do borrado sem nitidez para uma complexidade marcada por aporias. O capitão Lobo aparece no início das memórias como um militar gentil, atencioso, que contrasta com o dos outros militares com os quais o narrador se depara ao longo dos relatos. O militar afirma que discorda totalmente das ideias de Graciliano, mas que as respeita e tenta entabular um diálogo com o escritor, que resiste. Ao ser transferido do quartel do Recife para o porão do Manaus, o militar lhe oferece dinheiro como empréstimo, prevendo que Graciliano iria passar por dificuldades ao longo da prisão. O narrador Graciliano não consegue conciliar esse comportamento solidário com a identificação do militar com o regime repressor que o encarcerara ilegalmente. No final das memórias, Graciliano fica indignado com a possibilidade de ser transferido para a prisão da ilha Grande, onde ficavam os presos comuns. Achava indigna a convivência dos presos políticos com os bandidos. Considerava um processo de degradação, que recusava conscientemente, numa manifestação que continha medo e preconceito ao mesmo tempo. As vicissitudes do quotidiano da Ilha Grande tornam-no amigo de dois bandidos, Gaúcho e Cubano, que lhe relatam suas vidas e se mostram solidários com suas dificuldades, agindo de tal maneira que se pode dizer que a vida de Graciliano foi salva por eles. Essa recusa transformada em aceitação é um processo claro de passagem de uma postura de estranhamento a uma postura de aproximação e familiarização que faz Graciliano tornar-se amigo deles, após a libertação, segundo relato de seu filho, o também escritor Ricardo Ramos. Amigo deles e do capitão Lobo. Com relação aos homossexuais, Graciliano memorialista afirma seu “asco”, sua recusa em aceitá-los, e passa por um longo processo de observação detalhada e de reflexão, até começar a considerar a possibilidade de aceitá-los e entendê-los. Aqui, não se trata da relação com um personagem “estranho”, mas de um comportamento “estranho”, que acaba por se tornar familiar pela sua mera presença. O processo de reflexão leva-o do estranhamento à familiaridade, pela análise e interpretação.

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O Graciliano Ramos das Memórias do Cárcere viaja por muitos territórios estranhos além destes enumerados e meu trabalho de doutorado pretende estudar o caráter atravessado desse sujeito que narra uma experiência concreta de uma perspectiva de compreensão em que o sujeito se pretende sempre uno, coerente, consciente, íntegro e se percebe sempre dividido, incoerente, esfacelado, atravessado pela dúvida e pelo inconsciente.

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José Carlos Felix, Doutorado em Teoria e História Literária - Universidade Estadual de Campinas / Universidade Estadual da Bahia Videodrome: centralidade temática na filmografia de David Cronenberg Orientador: Fábio Akcelrud Durão

Dentre os inúmeros signos que constituem a crise da modernidade, o declínio do indivíduo, acompanhado da falência das utopias e demais pilares do pensamento moderno como ‘razão’, ‘universalidade’ e ‘progresso’, engendrou uma nova configuração identitária, não mais pautada na “ilusão acalentada pela filosofia tradicional sobre o indivíduo e a razão” (HORKHEIMER, 2007), compreendida como fundamental “instrumento do eu”, mas na emergência do corpo como locus identitário. Para Eagleton (1998), “o sujeito pós-moderno, diferentemente de seu ancestral cartesiano, é aquele cujo corpo se integra a sua identidade”, sendo esta fusão não um mero elemento retórico, uma vez que, na sociedade contemporânea, o corpo adquiriu o status de objeto de salvação e findou por substituir a “alma nessa função moral e ideológica” (BAUDRILLARD, 2007).

As representações identitárias compreendidas a partir do corpo, seja ele humano, sobre-humano, artificial ou não, em geral todos aqueles que figuram na sociedade pós-industrial, têm sido também uma constante na produção cinematográfica, extrapolando frequentemente a já tradicional circunscrição destas representações aos gêneros de ficção-científica ou de horror (BAECQUE, 2008). Nesse âmbito, o cinema contemporâneo tem desenvolvido “uma obsessão com o reposicionamento e a redefinição do que é humano, da imagem problemática do que é ser humano” (VIEIRA, 2003), produzindo um sem-número de filmes nos quais identidades são construídas a partir de “imagens e representações de um duplo”, cujo resultado pode ser um ser híbrido, um andróide, um cyborg ou ainda, um novo ser qualquer (CONRICH, 2000), acentuando, assim, um sentimento de ‘inquietante estranheza’ denominado por Freud de unheimlich. Ao mesmo tempo, observa-se nessas narrativas fílmicas uma marcante tendência à indeterminação corpórea e, por conseguinte, identitária resultando em um descompasso entre o esquema e a imagem corporal, já que o indivíduo “não pode se servir da experiência passada para saber o que deverá fazer para que o outro o reconheça” (COSTA, 2004).

Nesse contexto, os filmes do diretor canadense David Cronenberg caracterizam-se como instigantes exemplos acerca das questões corpóreas dada sua obsessão por essa problemática através suas representações e desdobramentos do corpo, ao mesmo tempo em que as articulam ao atual debate sobre a posição do indivíduo diante da estrutura social e tecnológica da sociedade contemporânea. Desde seu primeiro filme, Stereo (1969), até o recente lançamento de Senhores do Crime (2007), Cronenberg construiu uma narrativa temática, marcada pela constante diluição das fronteiras comumente erigidas por categorias culturalmente determinadas: identidade, sexualidade, subjetividade e sociedade. Seja filmando o próprio material ou adaptando obras de outros autores, o espaço narrativo dos filmes de Cronenberg ocupa-se, a rigor, da elaboração de um cenário distópico em que a condição dos indivíduos é mediatizada por corporações, em geral na forma de mass mídia

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(JAMESON, 1995), como uma força ubiquamente intrusiva e diluidora da identidade humana. Todavia, mesmo a relação indivíduo-corpo sendo recorrente em sua filmografia, três filmes do diretor, Videodrome, Crash e eXistenZ chamam a atenção por abordarem a experiência humana numa espécie de obscura e descontínua simbiose entre corpo, mercadoria, máquina, mídia, e tudo mais produzido sob a égide do capitalismo tardio. Nesses filmes, Cronenberg constrói um cenário pouco palatável e estranho, tanto do ponto de vista da estrutura narrativa de filmes comerciais, quanto da tradicional tipologia de gênero de ficção científica ou de horror na qual comumente seus filmes são classificados.

O presente trabalho pretende apresentar uma elaboração acerca das principais questões relativas à questão corpórea engendrada na narrativa fílmica de Cronenberg. Para tanto, tomarei como objeto de investigação o filme Videodrome (1982) a fim de observar os principais traços narrativos e temáticos sob os quais sua filmografia se construirá, a saber: a resistência dos filmes de Cronenberg precursores a Videodrome em abordar a subjetividade a partir de uma protagonista; o conflito entre indivíduo e corporações predadoras; a posição do sujeito na era eletrônica, e na interface da tecnologia com o ser humano. Vale ressaltar tais questões configuram-se como um ponto de partida que afeta radicalmente a lascívia e a concupiscência das personagens, tanto através das infindáveis mutações corpóreas quanto das enfermidades delas advindas; dessa contingência, emergem as instâncias reveladoras de uma nova subjetividade, circunscrita a outras esferas de compreensão de realidade.

No que tange a questão metodológica, o corpus da pesquisa encontra-se delimitado aos filmes Videodrome, Crash, eXistenZ, (embora, para essa apresentação, estarei restringindo a discussão apenas ao primeiro), todos dirigidos por David Cronenberg, e, em especial, aos aspectos que possibilitem o escrutínio da posição do indivíduo a partir do corpo: a indeterminação de oposição hierárquica entre indivíduo e produtos da indústria cultural, as relações entre indivíduo e corpo no contexto da sociedade do capitalismo tardio e os desdobramentos dessas relações em níveis de realidade mimeticamente construídos. Além disso, a fim de assegurar a complexidade da análise, o foco metodológico da pesquisa centrar-se-á em dois eixos: um textual e outro social. A preferência por esse procedimento deve-se ao fato de que, via de regra, a crítica de cinema, especializada em abordar a temática do indivíduo, corpo e sociedade, costuma elaborar painéis com vistas à produção cinematográfica de um país (BAECQUE, 2008) ou da obra de um diretor em particular (BEARD, 2006).

O eixo textual objetiva tecer considerações acerca da linguagem cinematográfica, estabelecendo uma relação analítica entre elementos estáticos (composição de personagens e mise-en-scène / composição de quadro) e componentes narrativos como: narrador-câmera e montagem. Nesse eixo, utilizaremos uma bibliografia que articula teóricos específicos de análise fílmica com aqueles circunscritos à teoria literária e narratologia. O campo de análise cinematográfica é composto por teóricos de orientação formalista, como Bordwell e Thompson (1997), ou ainda com a atenção voltada para a narratividade do cinema, a exemplo de Branigan (1992) e Chatman (1990). Contudo, há autores cujos trabalhos na área de teoria literária podem ser aplicados, de modo abrangente, à narrativa fílmica, como Genette (1983) e Booth (1983). Por tratarmos de objetos produzidos no interior da indústria cultural, tais noções servirão de ponto de partida para uma análise da maneira pela qual categorias textuais (narrativa, personagens, espaço) reconfiguram-se no contexto da produção fílmica contemporânea (BORDWELL 2004; PARENTE, 2004).

O eixo social abarcará um aporte teórico que articula questões sociais e estéticas. Para isso, utilizaremos teóricos que analisam o conjunto de questões atinentes à relação

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indivíduo, corpo e sociedade contemporânea e pós-moderna, atreladas ainda ao consumo, às imagens, à lógica do capitalismo tardio e a transformação da realidade em mercadoria, tais como: Jameson (1990, 2006), Bauman (1997), Baudrillard (2007) e Lyotard (2006). Além disso, os filmes que constituem o corpus da pesquisa serão estudados a partir do debate estabelecido pela teoria crítica acerca das práticas e dos produtos culturais produzidos sob a égide da indústria cultural e que suscitam, portanto, uma discussão sobre as várias questões relativas ao papel da cultura de massas e a arte na sociedade contemporânea, discussões basilares nas obras de Benjamin (1989, 1994), Adorno (2000, 2006) e Horkheimer (2006, 2007).

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Josiane Maria Bosqueiro, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas. Breve contextualização da poética inicial de Alejandra Pizarnik Orientadora: Miriam Gárate

No nosso trabalho, em fase de conclusão, traçamos um estudo do momento inicial da poesia de Alejandra Pizarnik (1936-1972) que compreende os seus textos dos anos 50 La tierra más ajena, La última inocencia e Las aventuras perdidas.

A dissertação está dividida em três partes. Na primeira esboçamos uma apresentação da poeta argentina, de sua bibliografia, de seu entorno literário e da tradição à qual está vinculada. Na segunda procuramos ressaltar o papel que a repetição desempenha na configuração desta voz, à luz do conceito freudiano de pulsão de morte e demonstramos como o tema central desta lírica, a morte, se articula em forças de espelhamento (desdobramento do eu lírico em si mesmo) e circularidade (tentativas do eu lírico em se recompor, diante de sua fragmentação, procurando a totalidade perdida) estruturando a tensão poética.

Na terceira parte traduzimos os poemas que foram analisados neste trabalho, tentando explicitar as escolhas e possibilidades implicadas na tarefa de traduzir. O presente resumo atém-se a uma breve contextualização da poética inicial de Alejandra.

A tradição argentina contempla diversas vozes poéticas produzidas por mulheres que aludem sutilmente a elementos relativos ao universo feminino e, por vezes, remetem explicitamente à condição feminina. Conforme o século XX avança, avoluma-se o contingente de mulheres a se dedicar à arte da escrita no país. São recorrentes no cânone os versos da pioneira Alfonsina Storni (1892-1938), que já cantava na alvorada de 1910; em seguida Norah Lange, que, como Alejandra, morreu em 1972 e recentemente vem sendo redescoberta e fez parte do período da geração da vanguarda poética de 22. Tal geração desdobrou-se em tendência martinfierrista, nacionalista, nos anos 30, com Silvina Ocampo, María de Villarino, autoras respectivamente de Enumeración de la Pátria e de Nuevas Coplas del Martín Fierro, e Carmen Gándara.

Posteriormente este cenário contemplou as poetas da chamada Geração de 40, María Granata, Silvina Bullrich e Olga Orozco – que estreou com a obra Desde Lejos, em 1946. Neste período, conhecido como ‘terceiro momento vanguardista’, havia a influência de Neruda, Rilke, Hölderlin, Cernuda e Rimbaud e diversas linhas poéticas, como o neo-romantismo, definido por “um extremo subjetivismo elegíaco ligado à subjetividade e à individualidade” (Bella Jozef, Poesia Argentina 1940-1960, p.18).

Na época da estréia de Pizarnik, dois grupos marcaram forte presença no cenário das letras argentinas: de um lado, o dos surrealistas, liderado por Aldo Pellegrini, que em 1928 fundara a revista Que sob pseudônimos de Adolfo Este e Filidor Lagos, e de outro, o do Invencionismo, cuja revista Poesía Buenos Aires, era encabeçada por Raúl Gustavo Aguirre. Porém graças a uma flexibilidade de posturas ante um e outro movimento depois do

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manifesto de Edgar Bayley em 1945 no caderno Invención, que prescrevia ser este último movimento uma oposição à arte figurativa, houve um intercâmbio artístico.

Segundo Bella Jozef, o movimento invencionista não era de distanciamento do surrealismo, mas de superação do “irracionalismo para alcançar nova revalorização da razão, com uma poesia cerebral, libertando-se da retórica tradicional e mantendo a importância dos elementos inventivos do poema”.

A dificuldade de situar esteticamente a produção de Pizarnik, talvez também se deva a esse fluxo, pois a movimentação entre os grupos gerou enriquecimento de contato com as vertentes poéticas de então: Alejandra, além de manter relações com o grupo de Poesía Buenos Aires, como mostram seus diários, cartas, sua biografia, e sobretudo o lado exato, cerebral de seus poemas mais breves, tem influências surrealistas quanto ao impacto de suas imagens – também graças à oficina com Juan Battle Planas – e neo-românticas, cuja melancolia seguiu ecoando depois dos anos 40.

Graças a essa multiplicidade de vertentes a que a poeta estava exposta e das quais acabou apropriando-se em alguns elementos, os críticos têm certa hesitação em vinculá-la a alguma escola literária ou grupo específico. Contudo, em inúmeras tentativas, esta obra tem sido situada ora como poesia da geração 60 e neo-romântica, ora como surrealista (dado o interesse de Alejandra Pizarnik pela arte surrealista) e, mais recentemente, como neobarroca.

Uma parte dos críticos também propõe a leitura biográfica dos textos pizarnikianos, ou seja, articulam o universo poético do eu lírico diretamente ao universo real da vida da poeta – o que tem contribuído para aumentar o interesse por sua vida (uma vez que em torno dela criou–se um mito nas letras argentinas, pela sua condição de mulher, judia e filha de imigrantes, a polêmica acerca da sua sexualidade e, sobretudo, o suicídio), em detrimento de sua poesia em si.

No panorama mais recente, dos anos 50 em diante, encontramos, entre outras, as obras de Juana Bignozzi e Susana Thénon, Diana Bellessi, María del Carmen Colombo, Beatriz Guido, Maria Elena Walsh, Amélia Biaggioni, Elizabeth Azcona Cranwell e Alejandra Pizarnik em reconhecidas antologias como Puentes Pontes, que destacam traços distintos entre tais autoras. É válido reconhecer a singularidade pizanikiana neste contexto, e saber que Alejandra se interessou pela poesia praticada por mulheres, sobretudo pela de Olza Orozco e Elizabeth A. Cranwell, dentre as citadas, pois com ambas manteve amizade e intensa troca de idéias.

Embora a poética pizarnikiana não tenha nenhum compromisso político com o feminismo, Alejandra sentiu o impacto da recepção das idéias feministas em voga em meados do século XX em sua vida cotidiana e as mesmas interferiram em seu comportamento, como nos mostram alguns registros biográficos sobre sua forma de se vestir e sobre a adoção de certos hábitos, então chocantes para a sociedade.

Em sua literatura, reconhecemos a representação de seu eu lírico através de figuras femininas evocadas por pronomes pessoais femininos, substantivos comuns femininos, como ‘menina’, e pelos nomes próprios ‘Alejandra’ e ‘Alicia’. Apesar disso e da ligação de Alejandra com as autoras que a precederam ou que lhe foram contemporâneas, não podemos vincular essa escolha ao feminismo, no sentido do engajamento político, visto que não notamos traços de embate social nos seus livros, uma vez que o eu lírico pizarnikiano é solitário e configura-se sozinho em seu mundo particular. Porém, podemos aproximar esta escolha a um âmbito mais filosófico de exaltação da condição existencial e da finitude da vida, representada por uma figura feminina, e mesmo ao caráter neo-romântico de isolamento do mundo, mas não à condição feminina em si mesma.

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Juliana de Oliveira Lopes, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Humanismo na Teoria da História e na Literatura Inglesa: o hábito da imitação da tradição clássica e a obra de Robert Burton Orientador: Carlos Eduardo Ornelas Berriel

Este trabalho que é parte da dissertação que escrevo sob orientação do Prof. Dr. Carlos Berriel tem por objetivo final entender alguns aspectos da introdução da obra Anatomy of Melancholy (1621) de Robert Burton (1577-1640), a saber, Democritus to the Reader, uma vez que esta acompanha uma tradição estabelecida no período Tudor da Inglaterra de imitação do período clássico. Para tanto, a metodologia utilizada é o diálogo entre os campos da literatura, filosofia e história, com pesquisa de fontes primárias – como o próprio texto de Robert Burton o é, e discussões com a crítica literária e filosofia já produzida referente aos temas estudados.

Democritus Junior, a máscara utilizada por Robert Burton para abrir seu tratado sobre a melancolia, presta homenagem a Demócrito de Abdera – filósofo atomista que viveu entre os séculos V e IV a.C, também conhecido como o filósofo do riso. A escolha de Democritus de Abdera não é por acaso e nem novidade na escrita renascentista. Este mesmo filósofo fora citado por Erasmo em seu Elogio da Loucura: “(...) Estas são tamanhas loucuras que um Demócrito só não bastaria para delas zombar. (...) A vida inteira do herói não passa de um jogo da Loucura.” (ERASMO, São Paulo: 1997). Segundo Puttenham, esta forma de alegoria na escrita forma um construto lingüístico que na tentativa de obter uma multiplicidade de sintagmas num mesmo texto abarcará elementos da metáfora, enigma, parêmia, ironia e sarcasmo (PUTTENHAM, Cambridge: 1936). O riso de Democritus na obra de Burton encontra a ambiguidade característica da ironia citada por Puttenham, já esta é enlaçada com um lamento enrustido. O lamento de Burton reside exatamente no pesar por seus contemporâneos não entenderem que de nada vale tantos tratados filosóficos para reformas políticas sem se atentarem para o fato para sua condição miserável de homens amaldiçoados pelo pecado original e que só encontrarão o total gozo e paz no reino celestial. Robert Burton argumenta ser a melancolia inerente a quem tem o caráter da mortalidade – uma idéia associada ao pesar cristão da queda do homem que doravante é separado de seu criador, sendo que o único alento é reconhecer sua pequenez ante Deus para que não sofra a condenação – no caso explanado por Burton com a figuração da loucura. Entretanto, esta melancolia seria um disposição transitória, ou seja, enquanto se vive na Terra – o mundo do pecado, no qual não foi ainda alcançado o Paraíso. É como se pudéssemos pensar a melancolia como um estado de ânimo circunstancial, e embora ainda persistindo como uma ideia de enfermidade, pois liga-se doravante à loucura, no Renascimento inglês ganha um conotação lírica. Il Penseroso (1645) de John Milton (1608-1684), por exemplo, é uma celebração da melancolia e, ao mesmo tempo, o retrato de um melancólico que é contemplativo e saturnino: Hail, divinest Melancholy!/... Thee bright-haired Vesta long of yore/ To solitary Saturn bore. Em Hamlet, o personagem-título de Shakespeare enreda-se como alguém que sofre de distúrbios mentais tais quais são

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apresentados por Timothy Bright (1550-1615) em seu Treatise of Melancholie (1586). Reconhecer sua miserabilidade e humilhar-se diante de Deus é o que parece mover Robert Burton a criar na introdução de seu tratado uma espécie de utopia, revestindo-a de sarcasmo a fim de não somente rechaçar o pensamento político da utopia, bem como fazer uma apologética ao cristianismo.

No entanto, Robert Burton, embora seja um clérigo anglicano evangelizador, não deixa de ser um humanista. Este ser humanista, na concepção de Paul Oskar Kriteller (KRISTELLER, New York: 1979), no contexto de meados do século XV é o professor e estudioso de humanidades, ou studia humanitatis. O termo Humanidade do Renascimento é aquele associado aos tempos de Cícero, revivido por Petrarca no já século XIV e melhor delineado no XV com estudos da gramática, retórica, poética história e filosofia moral. Portanto, ser humanista não se configura na totalidade do pensamento renascentista, ao contrário, é apenas uma pequena parte.

A imitação de Robert Burton, entretanto, não consiste apenas em sua alusão a Demócrito de Abdera, por pelo menos dois motivos: 1. Sua obra é uma miscelânea de citações de filósofos gregos e latinos, uns mais familiares, outros menos, e como diriam os críticos de Burton anteriores a Charles Lamb (1775-1834), é, na verdade, uma espécie de arremedo de um livro de sabedoria ou uma enciclopédia; 2. Robert Burton, em sua escrita, não meramente reproduz textos clássicos, mas argumenta de forma a torná-los modelos de imitação para o uso presente.

Desta forma, existe na cultura letrada inglesa dos séculos XVI e XVII formas criativas de adaptações dos textos clássicos a serem imitados, e tendo como forte componente a sátira de Luciano – o que se reflete inclusive na Utopia (1516) de Thomas More (1478-1535), que devendo muito a seu patrimônio intelectual como Platão e sua República, mas ao mesmo tempo satirizando de uma forma completamente peculiar sua Inglaterra hodierna, parodiando-a no Livro I da Utopia. O humanista inglês constantemente fará uma nova literatura – no caso de More, nem platônica nem luciânica, mas sim um gênero inteiramente novo.

Esta alternância entre uma inspeção constante do presente calcada na revisitação do passado clássico configurar-se-á numa teoria da história que é ao mesmo tempo arte literária, substituindo a tradição da verdadeira religião – sobretudo na Europa pós Contra-Reforma – por uma organizada e sistemática ciência, tendo na história o campo da expressão e argumentação. Em outras palavras, a retórica alia-se à filosofia – um ideal de Cícero, ícone e modelo humanista – e critica, inclusive, a escolástica aristotélica. E uma vez que há já no XVI uma Inglaterra protestante, muitos escritos render-se-ão à influência do calvinista Justus Lipsius (1547-1606) e sua obra On Constancy (1584), o pilar fundador do Neoestoicismo na Europa e muito influente na concepção teológica e cosmológica dos letrados que se formariam na Inglaterra, sobretudo a partir da dinastia Tudor, incluso Robert Burton, que tanto exalta a obra de Demócrito, o atomista apolegeta da cosmogonia do acaso, e influência dos estóicos latinos (helenistas) do século III a.C. – estes últimos pais do Neoestoicismo de finais do século XVI e início do XVII. Esta fusão do cristianismo com o fatalismo estóico não é apenas encontrado em tratados de pensadores protestantes anglicanos como Robert Burton, mas permeará a tradição historiográfica inglesa tudoriana. Esta é um tipo que imitação chamada de transformativa, pois a total reinterpretação do passado traz ao presente algo completamente irreconhecível (CARROL, Oxford: 2000). Saber da existência deste irreconhecível pode ser um caminho para entender a polissemia do texto de Robert Burton.

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Juliano Antunes Cardoso, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul A poética metafórica de Lobivar Matos: Profecias de um Areôtorare Orientadora: Kelcilene Grácia-Rodrigues

O escopo deste projeto é pesquisar a obra do poeta Lobivar Matos (Corumbá, 11/01/1915 – Rio de Janeiro, 27/10/1947). Deste modo ele terá como objetivos gerais resgatar a poesia deste poeta, fazendo a sua revisão crítica para que, com isso, se possa encaixar a obra lobivariana no cânone literário brasileiro. A partir destas metas gerais, buscar-se-ão os seguintes objetivos específicos:

• Demonstrar, analiticamente, a ars poetica de Lobivar Matos; • Analisar, sob a luz da metáfora, as obras Areôtorare (1935), Sarobá (1936),

de Lobivar Matos, atentando para o valor estético da poesia do escritor sul-mato-grossense.

Para que estes objetivos sejam alcançados, a pesquisa se baseará no levantamento, em bibliotecas ou na internet, da fortuna crítica sobre Lobivar Matos e sobre suas obras Areôtorare (1935), Sarobá (1936). Feito isso, haverá a busca do referencial teórico mais relevante sobre a metáfora, que será utilizado para a reflexão proposta sobre a poética de Lobivar.

Um rápido olhar sobre a metáfora apontará primeiramente para os conceitos fundamentais de Aristóteles (1964, p. 33), pois nos seus estudos ele define que “metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou de uma espécie para outra, por analogia.” Essa definição é o que tem orientado todos os estudos posteriores. Como afirma Grácia-Rodrigues (2006, p. 186), “Aristóteles foi o primeiro estudioso a conceituar a metáfora, e suas proposições têm validade até aos nossos dias, constituindo, ainda que seja para serem refutadas, a fonte de toda discussão posterior sobre o assunto.”

Massaud Moisés (1997, p. 121) diz que “a metáfora se monta em torno de uma comparação, explicita ou implícita, entre dois vocábulos ou frases, de que resulta a transformação de sentido de cada membro e o nascimento de um sentido novo, proveniente da totalidade do enunciado.”

Xavier (1978, p. 80) distingue metáfora em três funções, sendo a primeira a “transposição do significado do plano sensorial para o conceitual”; a segunda a “transposição de significado no mesmo plano existencial”; e a terceira a “transposição do plano subjetivo para o objetivo”. Contudo, vê-se nessas funções apenas uma releitura da definição clássica de Aristóteles.

Embora sempre levando em consideração as raízes aristotélicas, os estudiosos procuraram suplantá-las em seus trabalhos. Pfeiffer (1964, p. 32) procurou apontar que “a autêntica metáfora nunca surge apenas de uma comparação consciente.”, pois, segundo o crítico, a metáfora não se trata “de uma justaposição de dois conteúdos objectivos ligados posteriormente por meio de comparação, de um <<tal como>> mas sim de que um dos

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conteúdos apenas existe em, com e por meio do outro.” (PFEIFFER, 1964, p. 32). Nessa mesma esteira, os estudos de Candido (2006, p. 151) apontam que o “homem forma imagens para dar vazão a necessidades profundas, e elas são carregadas de um valor simbólico que escapa ao seu elaborador.”

Não obstante a importância do processo de formação das metáforas, é o seu resultado que dá o valor poético. Nas palavras de Moisés (1997, p. 114), “a poesia é a expressão do ‘eu’ por meio de metáforas”. O “que faz, portanto, que os vocábulos organizados em texto sejam poéticos ou não? A resposta que vimos dando se resume numa só palavra: a metáfora.” (MOISÉS, 1997, p. 116).

O caráter sintético e elíptico da poesia, que a torna ao mesmo tempo hermética e fascinante, advêm também da metáfora, pois num “verso construído como enunciado direto da idéia requer mais palavras para atingir o que pretende do que um verso construído por metáforas – que podem em muito poucas palavras condensar uma alta carga expressiva.” (CANDIDO, 2006, p. 154).

Segundo Moisés (1997), o fato característico de um poema ser um objeto estético inenarrável sob outras formas se deve também à metáfora, pois “o sentido de uma metáfora literária recusa qualquer tipo de paráfrase [...] a metáfora é o termo próprio que designa um objeto novo concebido pela imaginação criadora.” (MOISÉS, 1997, p. 129).

Se a metáfora é característica básica da poesia, ela também pode ser o que separa o joio do trigo dentre os poetas, pois, segundo Moisés (1997, p. 129), nos poetas maiores “a metáfora cumpre uma função, é meio de um fim além de fim em si própria”.

Tendo-se feito uma mínima definição de metáfora e também demonstrado sua importância na poesia, podemos dizer que a metáfora é a figura de linguagem básica para a poesia, logo, é peça chave para a sua compreensão e, por extensão, para a compreensão da poética de todo autor. Com Lobivar Matos não é diferente, destarte, faz-se necessário um estudo sobre a metáfora em sua poesia.

A maneira como Lobivar manejou a metáfora em sua poesia pode, sobre a luz dos teóricos do assunto, indicar-nos o processo pelo qual sua poesia se concebeu, seu valor estético e perenidade. A poesia simples “realista” do poeta poderá ser revelada em suas significações mais sutis, mostrando-se, deste modo, toda a potência da carga expressiva contida em sua poética. Bibliografia

ARISTÓTELES. Arte retórica e Arte poética. Tradução Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo: Difel, 1964.

CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 5.ed. ão Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006.

GRÁCIA-RODRIGUES, Kelcilene . De corixos e de veredas: A alegada similitude entre as poéticas de Manoel de Barros e de Guimarães Rosa. 2006. 313 f. Doutorado (Doutorado em Estudos Literários). Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara.

GRÁCIA-RODRIGUES, Kelcilene; RAUER (Rauer Ribeiro Rodrigues). De Xaraés, grande mar, eis o poeta Lobivar: do prefácio-profecia ao comício-poesia. In: I Seminário internacional de Estudos Fronteiriços, 2008, Corumbá. (Apresentação de trabalho).

MATOS, Lobivar. Areôtorare. Rio de Janeiro: Pongetti, 1935.

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MATOS, Lobivar. Sarobá. Rio de Janeiro: Minha Livraria, 1936.

MOISÉS, Massaud. A criação poética. São Paulo: Melhoramentos; Ed. da Universidade de São Paulo, 1997.

PFEIFFER, Johannes. Introdução á Poesia. Tradução de Manuel Villaverde Cabral São Paulo: Publicações Europa – América, 1964. XAVIER, Raul. Vocabulário de poesia. Rio de Janeiro: Imago; Brasília: INL, 1978.

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Karina Magno Brazorotto, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas. Os truques de Horacio Quiroga: uma releitura do texto “El manual del perfecto cuentista”

Orientadora: Miriam Viviana Gárate

Proponho uma releitura do texto “El manual del perfecto cuentista” (1925) de

Horacio Quiroga, tendo como referência o texto “Filosofia da Composição” de Edgar Allan Poe. Para que isso seja possível, utilizo de base teórica o capítulo “Gênese dum poema” contido no livro Para uma teoria da produção literária de Pierre Macherrey (1972). Segundo Macherey, em sua analise do texto "Filosofia da Composição" de Edgar Allan Poe, o que este autor faz é um conto, pois nele estão presentes elementos ficcionais que fazem com que o texto “Filosofia da Composição” possa ser lido como uma ficção. Partindo dessa idéia, pode-se dizer que os autores que se utilizam desse mecanismo em seus textos possibilitam dois vieses de leitura: o viés ficcional – como o faz Macherey – como também o viés normativo.

Normalmente, esses textos são lidos pela crítica somente pelo viés normativo, elencando os textos de Edgar Allan Poe e de Horacio Quiroga sobre a produção do conto como pertencentes à Teoria. No entanto, se fizermos o deslocamento de leitura dos textos sobre o conto desses escritores do viés normativo para o viés ficcional podemos admitir a possibilidade de que haja ambigüidade nos textos de ambos autores e, assim, fazer uma releitura que abranja outras possibilidades de análise, a qual poderá explorar a riqueza da produção destes em sua totalidade.

Tal deslocamento pode desfazer a idéia de que Horacio Quiroga seja um “regionalista rígido”, como Angel Rama o classifica (cf. Rama, 1982). Esta ambigüidade é extensível aos contos que a crítica considera fronteiriços, como Ponce de León e Lafforgue, que ao recopilar os contos de Quiroga no livro Todos los cuentos (1996), criou uma seção para os textos que a classificação é ambígua, denominando-a de “textos fronteiriços” e afirmam que a criaram para “uma valorização literária e filosófica dos textos”. Os “textos fronteiriços” pertenceriam, segundo eles, a um gênero híbrido, ou seja, os seus textos apresentam características de conto e crônica e, desta forma, pode se dizer que esta ambigüidade de classificação e a utilização do gênero híbrido já é uma característica de Quiroga. Wilson Alves-Bezerra em seu livro Reverberações da fronteira em Horacio Quiroga (2008) também relê Quiroga pela perspectiva da fronteira e, em seu trabalho, a ambigüidade se apresenta como a marca fundamental de Quiroga.

Outro ponto que proponho de analise é o deslocamento semântico que Horacio Quiroga fez das preposições de Edgar Allan Poe sobre a produção do conto, criando assim suas receitas de como se tornar “um perfeito contista”. Horacio Quiroga se apropria dos enunciados de Poe, toma características particulares da elaboração do poema-narrativo “O

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corvo”, e postula uma regra geral e básica para se elaborar contos. Essas características presente no “Filosofia da Composição” são formuladas independentemente do tempo, do lugar e de condição de produção. Já no “El manual Del perfecto cuentista”, Horacio Quiroga coloca em cena as condições de produção, quando diz que os truques que postulou facilitarão “na confecção caseira, rápida e sem falha dos melhores contos argentinos”. Também Quiroga diz que a idéia de que existiam as regras, ao alcance de todos, para escrever contos, não partiu só dele, mas de muitos contistas que o procuravam para contar os seus dramas quando estavam escrevendo um texto.

O deslocamento que Quiroga faz em relação à proposta de Poe a destitui de um âmbito lógico, científico (características atribuídas aos textos de Poe) para o âmbito popular, já que, segundo Horacio Quiroga, todo escritor que sabe como irá começar e terminar o seu conto terá êxito ao colocá-lo no papel. No entanto, ao colocar essa idéia no âmbito popular, ela poderia ser rechaçada pelo seu público-leitor, mas o escritor uruguaio, sabiamente, dá essa regra como uma autoridade no assunto, pois sempre foi contista e se coloca no papel de mestre, o qual é o detentor do saber, e ensina, didaticamente, para o seu público-leitor como escrever contos e ter êxito. Quiroga ao se apropriar das proposições de Poe para elaborar as suas receitas não se coloca no mesmo papel que Poe. O narrador de Poe não será um mestre como é narrador de Quiroga, mas um filósofo. A relação que Poe estabelece com o seu leitor é hierárquica, distante. A relação entre Quiroga e seu leitor é dialógica, pois o narrador irá manter um diálogo com o leitor e, assim, o trará para sua obra como parte integrante dela.

Em resumo, pretendo traçar quais são as diferenças fundamentais dos escritos sobre o conto de Edgar Allan Poe e de Horacio Quiroga. Verificar como Horacio Quiroga se apropria e traz para sua realidade as proposições feitas por Poe. Como a estratégias de elaboração dos textos “Filosofia da Composição” e “El manual del perfecto cuentista” possuem elementos ficcionais, possibilitando uma análise além do âmbito normativo, o ficcional e, assim, analisar como cada escritor elaborou o narrador de seus textos e qual é a relação que desenvolve com o seu público-leitor.

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Leandro Thomaz de Almeida, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas A moral como critério estético nos romances naturalistas Orientadora: Márcia Azevedo de Abreu

Ao travar contato com críticas literárias de meados do século XIX, percebemos que a moral exercia um papel predominante – junto com a questão do nacionalismo e a atenção aos manuais de retórica – na avaliação dos romances. As críticas lançadas nos periódicos elogiavam as obras que “premiavam a virtude e condenavam o vício”, mote que serviu também para justificar a existência desse gênero literário. Com a entrada em cena dos romances naturalistas, os quais aparentemente tinham deixado em segundo plano as preocupações com a moral, passaram a predominar, entre a crítica que se fortaleceu nesse período e adentrou o século XX, aspectos formais e sociológicos de avaliação, ainda que a moral não tenha sido deixada de lado completamente. Há, contudo, um período de transição entre essas duas matrizes da crítica: esse momento, que se dá no último quarto do século XIX, apresenta uma variação no uso do conceito de moral, tanto por parte da crítica quanto nos próprios romances. É o uso da moral enquanto critério estético e conceito com um sentido variável, a proposta investigativa deste projeto. Baseando-nos no quadro teórico da História da Leitura, esperamos esclarecer os usos e os sentidos da moral nos romances naturalistas, lançando mão, para tanto, de pesquisas que esclareçam o sentido atribuído à moral tanto por críticos literários de finais do XIX, quanto por discursos de outro gênero (filosóficos, sociológicos, medicinais etc), como se verá mais detalhadamente a seguir. A priori, iremos nos deter em três romances: Livro de uma sogra, de Aluísio Azevedo, A carne, de Júlio Ribeiro, e O missionário, de Inglês de Sousa. A seu modo, cada uma dessas obras permite a constatação de que o conceito de moral é utilizado e compreendido de um modo diverso do que predominou, grosso modo, em romances tipicamente românticos, como Os dois amores, ou O moço loiro, de Joaquim Manuel de Macedo. Não tendo sido meramente descartada, como poderia sugerir uma visão apressada sobre o Naturalismo, a moral ainda é muito presente nesses romances. Não mais, contudo, aquela ligada a conceitos religiosos ou intimamente associada às convenções sociais. Percebe-se que a moral é compreendida como uma espécie de comportamento condizente com a natureza humana, o que tornaria imoral os acordos artificiais da sociedade quando, por exemplo, exigia a fidelidade conjugal, não obstante o desgaste de uma relação matrimonial que já não mantém o fervor dos anos iniciais. Assim se expressa Palmira, no romance de Aluísio Azevedo, quando pensa sobre as dificuldades que a filha enfrentará se optar por um casamento convencional: “Ora, se tudo aquilo que for contra a natureza é imoral e vicioso, o nosso casamento é, passada a crise do primeiro filho, nada menos do que uma condenável imoralidade”. Perceba-se que imoral, aqui, é aquilo que, em nome das aparências exigidas pela sociedade, reprime a natureza: “Se o casamento é imoral porque é contra as leis da natureza, o celibato casto também o é pela mesma razão”. Casamento e castidade tidos como imoral: estamos diante de uma concepção de moralidade que merece

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ser investigada, dado seu caráter polêmico em relação ao que vigia em muitos romances de algumas décadas atrás. O referencial teórico que propomos para abordar essa questão é aquele apontado por Roger Chartier, quando mostra a necessidade de “inscrever as obras nos sistemas de restrições que limitam, mas que também tornam possíveis sua produção e sua compreensão” (À Beira da falésia: a história entre certezas e inquietude). Isso significa “determinar os efeitos próprios aos diferentes modos de representação, de transmissão e de recepção dos textos e, portanto, uma condição necessária para evitar todo anacronismo da compreensão das obras”. A investigação a respeito da concepção de moral presente nos romances naturalistas nesse final de século XIX no Brasil se daria em cotejo com campos distintos do literário, tais como o filosófico, o estritamente moral, o médico. Gostaríamos de ler os romances naturalistas inteirados das discussões e conceitos sobre a moral presentes no momento de sua produção. Como disse Robert Darnton, “dessa forma, seria possível comparar os leitores implícitos dos textos e os leitores efetivos do passado, e a partir dessas comparações desenvolver uma história de uma teoria da reação do leitor” (O beijo de Lamourette). Resguardaríamo-nos, assim, tanto de anacronismo, pois não projetaríamos sobre os finais do XIX concepções atuais de moralidade, bem como de mera hermenêutica. Fazemos referência aqui à distinção proposta por Jonathan Culler. Segundo ele, a poética “considera os sentidos como aquilo que tem de ser explicado e tenta resolver como eles são possíveis”, já a hermenêutica “começa com as formas e procura interpretá-las, para nos dizer o que elas realmente significam”. As perguntas da poética, assim, são: “O que faz com que esse trecho num romance pareça irônico? O que nos faz simpatizar com esse personagem específico? Por que o final desse poema é ambíguo?” A hermenêutica, por sua vez, “começa com os textos e indaga o que eles significam, procurando descobrir interpretações novas e melhores”. Queremos investigar, acreditando que assim fazemos jus ao sentido atribuído por Culler ao termo “poética”, os usos e sentidos da moral na crítica e no romance naturalistas, à luz dos usos e sentidos da moral em outros discursos presentes na sociedade.

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Luciana Ornelas Martins Assis, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Federal de Juiz de Fora Da heroína virtuosa ao herói sem nenhum caráter: uma leitura do inconsciente cultural brasileiro através da literatura

Orientadora: Teresinha Vânia Zimbrão da Silva Nesta tese de doutorado procuro aprofundar a pesquisa que realizei em minha dissertação de mestrado, onde investiguei o inconsciente cultural brasileiro em Macunaíma, de Mário de Andrade, e nos contos Nau Catrineta, O Outro e O Cobrador, de Rubem Fonseca. O conceito de inconsciente cultural foi desenvolvido pelos pós-junguianos a partir do conceito de inconsciente coletivo desenvolvido por Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica. Busco, através do estudo do registro literário do inconsciente cultural brasileiro manifesto nessas quatro narrativas, representantes de momentos diferentes de nossa literatura e escritas em períodos distintos de nossa história, elucidar de que forma construímos nossa auto-imagem, se houve mudanças em nossa auto-representação durante o período de tempo que separa essas obras e o que essas mudanças podem representar, assim como reconhecer nossas sombras: os elementos que reprimimos no imaginário de nossa identidade, que deixamos à “margem da estrada”, a espera de serem iluminados. Objetivo, também, verificar de que forma o Brasil vem cumprindo seu processo de individuação ou o “tornar-se si mesmo”, do ponto de vista cultural, desde que se tornou politicamente independente.

A psicologia junguiana considera que além do inconsciente pessoal - que se forma a partir do contato do homem com o meio, sendo substancialmente diferenciado em cada pessoa - o ser humano possui dois outros níveis de inconsciente: o inconsciente coletivo, pertencente a toda espécie humana, que já nasce com a criança, sendo invariável de uma pessoa para outra, e o inconsciente cultural - também coletivo, que varia de acordo com a cultura a que determinado grupo pertence.

A partir do conceito de inconsciente coletivo, do qual derivou o conceito de inconsciente cultural, a Psicologia Analítica trouxe fundamentos para uma nova forma de olhar e de compreender a complexa relação entre indivíduo e sociedade e entre psicologia e história, ao afirmar que tanto a vida individual quanto a vida coletiva são regidas por arquétipos e obedecem, praticamente, às mesmas leis. Assim, da mesma forma que é possível analisar a psique de um indivíduo é também possível conhecer a psique de um povo. Jung considerou a obra literária uma forma privilegiada de manifestação do inconsciente, não apenas do artista que a escreve, mas também da coletividade que ele representa. Através do diálogo entre a literatura e a Psicologia Analítica que estabeleci em minha dissertação, foi possível verificar, dentre outras coisas, que a sociedade brasileira, nascida sob o signo da violência contra o outro, vem perpetuando essa violência inaugural, desde o século XVI, em suas mais diferentes manifestações, sem conseguir romper com a

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herança sombria que lhe foi legada por seus colonizadores. Macunaíma e os contos fonsequianos representam diferentes registros literários dessa violência. Mário de Andrade nos apresenta em sua obra, publicada em 1928, o herói sem nenhum caráter. Quase cinqüenta anos depois, Rubem Fonseca nos apresenta, como protagonistas de seus contos, o herói mau caráter. A partir do estudo interdisciplinar que desenvolvi em minha dissertação, foi possível constatar que a violência que caracteriza a obra de Rubem Fonseca também se encontra em Macunaíma e que essa violência não é somente uma característica da Modernidade ou da Pós-modernidade, mas está presente na sociedade brasileira desde o seu nascimento, perpetuando-se entre nós como uma herança sombria que nos foi legada por nossos colonizadores, fazendo parte de nosso inconsciente cultural. Para ampliar a pesquisa sobre o inconsciente cultural brasileiro registrado através da literatura, incluí, em meu projeto de tese, o estudo da Carta de Caminha, do romance Iracema - de José de Alencar, e do livro Cidade de Deus, de Paulo Lins. Através da Carta de Caminha, pesquiso as manifestações do inconsciente cultural do “pai dominador” – o colonizador português. Em Macunaíma, os episódios da eliminação de Jiguê - o irmão índio do “herói de nossa gente”, e da eliminação de Maanape – o irmão negro, que se tornaram a “segunda cabeça do urubu rei” remetem-nos ao romance Iracema, de José de Alencar. Segundo Jung, assim como as pessoas, individualmente, as sociedades e as épocas também têm suas tendências e atitudes características. E onde há tendência, afirma Jung, há também a exclusão de um elemento em favor de outro, o que significa que muitos elementos que poderiam participar da vida da coletividade são impedidos de fazê-lo por serem incompatíveis com as atitudes gerais daquela sociedade e daquela época. Por serem não-condizentes com a perspectiva consciente, esses elementos são reprimidos, “varridos” para o “porão do inconsciente” daquela sociedade e se tornam suas sombras. Através das artes, dentre as quais Jung destacou a literatura, é possível conhecer as sombras de uma coletividade. Para a Psicologia Analítica, a sombra é um arquétipo que representa os conteúdos que uma pessoa ou uma sociedade rejeitam e reprimem e que, por essa razão, tornam-se inconscientes. Ela é o lado não-reconhecido pela psique, mas não é menos real do aquele que se manifesta. Os conteúdos reprimidos não deixam de existir e possuem grande influência sobre os conteúdos conscientes, ou seja, sobre a vida da pessoa ou da coletividade que os reprimiu. Em Iracema, o índio também é eliminado. Em ambas as obras, a cultura indígena se torna uma sombra da sociedade brasileira. No entanto, a figura do negro, que em Macunaíma é representada por Maanape, em Iracema não é mencionada, sequer, para ser eliminada. Essa questão pode nos proporcionar uma série de reflexões sobre o inconsciente cultural brasileiro expresso pela literatura durante o período do Romantismo e as transformações que ocorreram nesse inconsciente no intervalo de tempo que separa as obras de José de Alencar e de Mário de Andrade. Em Cidade de Deus, Paulo Lins narra as transformações sociais pelas quais passou o conjunto habitacional Cidade de Deus: da “pequena” criminalidade dos anos 60 à violência generalizada dos anos 90. Pretende demonstrar, através dessa obra, que as sombras da sociedade brasileira, cujos registros literários são estudados através da Carta de Caminha, de Iracema e de Macunaíma – irrompem através do relato desse livro, retomando a violência original colonizadora com outras feições e matizes.

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Em cada obra estudada é dado destaque à trajetória que seu personagem central – seu herói, ou heroína - percorre. Para Jung, o inconsciente coletivo, como também o pessoal, é formado por arquétipos: imagens latentes, que ganham conteúdo de acordo com as experiências de um indivíduo ou de uma sociedade. Assim, o herói (ou o arquétipo do herói) de uma sociedade terá as características por ela valorizadas. A partir das contribuições da Psicologia Analítica, busco destacar a trajetória do herói em cada obra, analisando a gradação da heroína valorosa, personificada em Iracema, para o herói sem nenhum caráter, representado por Macunaíma, para o herói mau-caráter delineado em Zé Pequeno.

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Luciana Rueda Soares, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Câmpus de Três Lagoas – CPTLU/UFMS A construção das personagens em Madona de Páramos, de Ricardo Guilherme Dicke

Orientadora: Kelcilene Grácia-Rodrigues

O trabalho a que nos propomos pesquisar nesta tese de mestrado é sobre o escritor cuiabano Ricardo Guilherme Dicke. O objetivo deste é realizar, inicialmente, a apresentação do mesmo mostrando o levantamento da fortuna crítica que aborde o autor e suas obras. Também será realizado um estudo sobre a construção do fluxo de consciência de suas personagens no decorrer da narrativa. A metodologia seguida será de coleta e seleção da fortuna crítica, levantamento e análise de dados, leitura e fichamento de material teórico-metodológico utilizado para elaboração da teses, análise do fluxo de consciência das personagens do livro “Madona de Paramos”.

Dono de uma prosa cheia de personagens que resistem às turbulências de uma vida rude e cheia de mazelas, Magalhães (2002, p. 54) afirma sobre que “[...] Os personagens apresentados no romance são, na verdade, os sobreviventes do sonho, ou antes, um pesadelo...”. Assim, as personagens dickeanas fazem parte de dois universos distintos ocupando o mesmo espaço, mas se referem a um tempo em que presente/passado/futuro fundem-se e se completam. Magalhães (2001, p. 208), afirma que as personagens criadas por Dicke são “[...] sobreviventes do Sistema ou de si próprios, transitam entre o divino e o selvagem, o real e o surreal, sufocados pelo peso da existência”. O “Sistema”, citado por Hilda Magalhães, pode muito bem ser entendido como aquele imposto ao povo do sertão pelo poder agrário, em que os latifundiários dominam os trabalhadores, subjugam as mulheres aos seus desejos e coagem as crianças. No final, todos são oprimidos pela violência.

Dicke foi e é considerado um dos maiores expoentes da literatura brasileira produzida na atualidade. Sua vida e obra como escritor e artista plástico ainda são desconhecidas pelo grande público. Recluso e contemplativo. É um escritor que deixou-nos como legado uma produção instigante e peculiar. Em seus textos, fala de um outro povo brasileiro, que vive no interior, afastado da turbulência dos grandes centros, mas que nem por isso deixa de ter a beleza e a complexidade.Vivendo os conflitos e os dramas de uma sociedade formada a partir da miscigenação de raças e da multiplicidade de culturas que se fundem formando um só povo do sertão.

“Guimarães Rosa sabia quem era Ricardo Guilherme Dicke!” Esta afirmação, publicada constantemente em notícias vinculadas sobre o escritor na internet, leva-nos a refletir como somos adeptos a conhecer a cultura dos grandes centros e abandonar nossa própria. Assim, lemos Graciliano Ramos com afinco; Machado de Assis faz-nos suspirar e rir de suas histórias ambíguas e cheias de charme; Mário de Andrade possibilita-nos a pensar em como somos frutos de uma mistura de raças que vai muito além da miscigenação genética. Sabemos tanta coisa sobre os grandes escritores do eixo Rio - São Paulo e como fica a literatura da nossa terra? Afinal, a região Centro-Oeste também faz parte do Brasil.

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José Mesquita, Lobivar Matos, Cavalcante Proença, Dom Aquino, João Nunes da Cunha e Manoel de Barros, o mais famoso expoente da literatura sul-mato-grossense, são frutos nascidos, crescidos e amadurecidos em nosso quintal literário. E, mesmo assim, a não ser que sejam leituras obrigatórias de vestibular, como ocorre no caso de Manoel de Barros, são poucos os que têm interesse em conhecer suas produções literárias.

Com Ricardo Guilherme Dicke não é diferente. Filho de João Henrique Dicke, de nacionalidade alemã que fugira da Segunda Guerra para o Paraguai, com Carolina Ferreira do Nascimento Dicke, Ricardo Dicke nasceu em uma vila chamada de Raizama, localizada na Chapada dos Guimarães, no Estado de Mato Grosso, em 16 de outubro de 1936.

Em meados dos anos 70, viveu no Rio de Janeiro, ganhou prêmios literários, tornou-se artista plástico, jornalista e, antes que os olhos atentos dos críticos e demais apreciadores da literatura da época pudessem perceber, retirou-se do cenário literário carioca. Retornou às raízes mato-grossenses, instalou-se em Cuiabá, tornou-se um porta-voz do povo do sertão. Lá, foi professor, jornalista e pintor. Questionado sobre sua volta às origens, pelo jornal eletrônico Diário Popular, em 12 de novembro de 2006, o escritor fez a seguinte observação: “A época de Albert Camus e de Jean-Paul Sartre acabou. Creio que a filosofia só serve mesmo é para filosofar... Lugar mais adequado para escrever, é o quartinho que tenho nos fundos da minha casa”.

Depois de anos de obscuridade, em 2005, os romances: Rio abaixo dos vaqueiros (2000) e O salário dos poetas (2001) obtiveram o reconhecimento junto ao público da França e de Portugal. A obra O salário dos poetas foi adaptada e encenada pelo grupo teatral, de resistência cultural e de linguagem experimental, O Bando, de Portugal, comandado pelo diretor João Brites. Assim, Dicke retorna em grande estilo à mídia. Homenagens, reportagens, prêmios, estas foram as notícias que tivemos de Dicke até seu falecimento em 09 de julho de 2008, em Cuiabá/MT, devido a uma parada cardiovascular. Infelizmente, não pôde ver sua obra ser reconhecida pela comunidade literária brasileira.

A linguagem utilizada nos livros de Dicke é densa, forte, quase agressiva. Impõe-se ao leitor, fazendo com que não consiga se dispersar enquanto lê. Tomemos como exemplo o fragmento de Toada do esquecido & Sinfonia Eqüestre: “[...] Os desertos cansam. E a fadiga de viver nos desertos tem o valor das adorações sagradas a Deus, aos santos e aos anjos e arcanjos.” (DICKE, 2006, p. 137)

Talvez seja pelos temas turbulentos que permeiam a obra de Ricardo Guilherme Dicke, são poucos os que se aventuram a analisar seus livros. Percebemos, ao consultar o banco de teses da CAPES, que a maioria das pesquisas acadêmicas que utiliza as produções literárias de Dicke como objeto de estudo volta-se para os enfoques sociológicos presentes nas narrativas do escritor, como, por exemplo, os trabalhos Gilvone Furtado de Miguel, com O entre-lugar de oposições do sertão: um estudo do romance Madona de Páramos (2001) e O imaginário mato-grossense nos romances de Ricardo Guilherme Dicke (2007), Juliano Moreira Kersul de Carvalho, com Do sertão ao litoral: A trajetória do escritor Ricardo Guilherme Dicke e a publicação do livro Deus de Caim na década de 60 (2005), Wanda Cecília Correia de Mello, com De autores e autoria: um recorte acerca da construção do campo literário em Mato Grosso (2006) e Everton Almeida Barbosa, com A transculturação na narrativa de Ricardo Guilherme Dicke (2006).

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Luciano de Souza, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo

Simpatia pelo Diabo: um estudo sobre Satã em A Hora do Diabo, de Fernando Pessoa Orientador: Lílian Lopondo

Partindo de uma interpretação da figura de Satã enquanto símbolo literário, o

objetivo do presente trabalho é desenvolver uma análise acerca da representação desta personagem em A Hora do Diabo, de Fernando Pessoa.

A matéria da qual o autor lusitano se ocupa em seu diabólico conto é o encontro, em um cenário onírico, entre Satã e uma mulher chamada Maria, que carrega em seu ventre uma criança a quem o Demônio declaradamente se dirige em sua fala. Este arrazoado do Diabo, que desde o princípio assume um tom de monólogo – ocasionalmente entremeado por breves intervenções de Maria –, não exprime claramente as intenções de Satanás ao abordar mãe e filho. Por essa razão, para se apreender os possíveis desígnios do Príncipe das Trevas na narrativa, é necessário examinar não somente seu discurso, mas cuidar também das considerações do narrador, assim como do breve, porém elucidativo diálogo do filho – já adulto – com a mãe.

Pretende-se alcançar o escopo referido por meio de uma leitura analítico-comparativa do discurso de Satã, na medida em que os monólogos que constituem esse discurso aliam ao lastro ocultista presente no conto tantas outras referências à tradição histórico-literária que tem por objeto o topos do Diabo e que são, outrossim, igualmente significativas para o devido entendimento do texto segundo a abordagem proposta.

Com efeito, a prosa de A Hora do Diabo se sobressai por uma singularidade que lhe é imanente e que se apresenta em vários níveis, dentre eles, o estrutural (por ser uma peça literária em prosa de um autor que se exprimiu sobretudo em versos), o semântico (já que esta narrativa alia à figura do Diabo a temática ocultista que permeia a escrita de Pessoa) e mesmo o hermenêutico (considerando que o conto de certa maneira ainda passa despercebido aos olhos da crítica especializada).

Tendo sido publicado em 1988 por obra de Teresa Rita Lopes, a partir de seu trabalho de seleção e organização de textos fragmentários constantes do espólio de Fernando Pessoa, A Hora do Diabo trata-se, em verdade, de mais um de tantos outros projetos pensados porém não consumados do poeta – assim como seu Fausto, com o qual, inclusive, o conto mantém elos estreitos. Importa assinalar, aliás, que a ascendência do Demônio na obra de Pessoa de forma alguma se limita unicamente a esta narrativa, pois, como já foi apontado por alguns de seus estudiosos – como a já citada Teresa Rita Lopes e o francês Robert Bréchon –, com freqüência Satã se manifestava nos escritos do poeta.

Esta obsessão de Fernando Pessoa por Satanás mostra uma faceta oculta do poeta, apresentando-o como mais um exemplar daquela estirpe de escritores cuja produção espelha um fascínio pela figura do Diabo. De fato, os autores que se dedicam a esse “satanismo literário” – verdadeiros iniciados nos mistérios da literatura – sabem que é nos tortuosos recônditos da mente humana que Lúcifer encontrou refúgio após sua mítica expulsão das esferas celestiais. E, ao fazer do imaginário dos homens seu pandemônio, o

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Diabo passou a inquietá-los com sua enigmática figura, inflamando-lhes o intelecto e, por conseguinte, tornando-se o cerne de discussões travadas não somente em âmbito religioso, mas também filosófico e artístico.

É notadamente nos domínios da literatura que se observa, desde sempre, uma significativa recorrência do Príncipe das Trevas, seja ela fundamentada na tradição teológica do cristianismo ou decorrente de uma perspectiva heterodoxa. Por essa razão, partindo desse axioma, o projeto ora apresentado foi redigido com o intento de desenvolver um trabalho de pesquisa pensado e desenvolvido a partir de uma proposta que se ocupa das representações literárias da figura do Diabo em suas diversas manifestações, de modo a compreendê-las como expressões decorrentes de determinadas conjunturas socioculturais ou mesmo do próprio substrato intelectual e artístico que embasa a poética de um autor. Em ambos os casos, o que se busca é compreender o Demônio enquanto um símbolo literário que deixa atrás de si as fronteiras dos textos religiosos em que se originou para alçar vôo rumo à infinitude das searas literárias.

Mas as artimanhas do Diabo se fazem em legião e, muito antes de desenvolver o recorrente hábito de se apossar da pena de literatos como Fernando Pessoa, o Tentador se fez insinuar, desde seu incerto nascimento, nas intricadas tramas que moldaram o tecido social do mundo ocidental. Em verdade, a figura do Demônio, desde seu surgimento na teologia judaico-cristã, atua, de modo enfático, em um contexto maior e muito mais significativo no processo de desenvolvimento do modus cogitandi do Ocidente. De acordo com os preceitos cristãos, o Diabo caracteriza-se como paradigma definitivo e origem inconteste daquilo que se convencionou chamar de Mal na mundividência ocidental. Todavia, Satã há muito transpôs os textos religiosos em que se originou, vindo a permear as mais variadas manifestações culturais em épocas diversas e permitindo que se observassem, nesse percurso histórico, determinados matizes que revelavam uma labilidade peculiar.

De modo explícito ou implícito, todas essas questões permeiam A Hora do Diabo. Todavia, é sabido que o mistério não contempla a revelação plena e, da mesma forma, a exegese da narrativa não traz respostas definitivas ao final de um sinuoso trajeto em que, no plano ficcional, o pensamento esotérico e a literatura de Fernando Pessoa se coadunam sob o signo do Diabo. Como em uma peça encenada na aurora do mundo, as ações de cada personagem são entrevistas por uma neblina diáfana que se precipita sobre a luciférica prosa do autor português. Porém, considerando a abrangência do misticismo e do simbolismo pessoano, é possível imaginar que aquela neblina decerto se origina na mesma estação das brumas que, em “Nevoeiro” – poema que sela a Mensagem –, precede e anuncia o advento do Encoberto. Entretanto, a nebulosidade que paira neste conto que Pessoa consagra a Satã prenuncia não um tempo de despertar, mas, antes, um tempo de adentrar nos domínios do sonhar para lá vislumbrar, em um colóquio iniciático, a fecundação do poeta-gênio.

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Lucineia Alves Dos Santos, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Motta Coqueiro, A Fera de Macabú, literatura e imprensa na obra de José do Patrocínio Orientador: Jefferson Cano

Em 12 de setembro de 1852, uma família de colonos foi assassinada brutalmente nas

redondezas de Conceição de Macabú, município próximo à cidade de Macaé, norte fluminense. A família era composta por oito pessoas, entre as quais havia crianças e adolescentes. O fato foi descoberto após vários dias. A primeira notícia publicada sobre o crime foi em 26 de setembro de 1852 no Diário do Rio de Janeiro, posteriormente muitos foram os jornais que registraram a “carnificina” e apontavam seus pontos de vista àquele acontecimento.

A família morta morava como agregada nas terras do fazendeiro Manoel da Motta Coqueiro. Em um período anterior ao morticínio, o chefe da família, Francisco Benedito, teria emboscado e surrado o fazendeiro, pelo provável envolvimento amoroso deste com sua filha mais velha. Assim, as autoridades entenderam que Motta Coqueiro fora mandante do bárbaro ato; dois homens livres e alguns escravos do fazendeiro, teriam sido seus autores. Manuel da Motta Coqueiro, Flor, Faustino e o escravizado Domingos, foram julgados e condenados à pena última.

Durante os transmites jurídicos, os jornais frequentemente noticiavam fatos relacionados ao crime e ao julgamento dos réus, isto ocorreu entre os anos de 1852 a 1855. A imprensa engajava-se em formar a opinião pública sobre o assunto. A opinião era unânime: Manuel da Motta Coqueiro seria o mandante do terrível ato.

Quase 23 anos após a execução do fazendeiro, José do Patrocínio escreveu o romance: Motta Coqueiro ou A Pena de Morte, publicado em folhetim no jornal Gazeta de Notícias, entre os dias 22 de dezembro de 1877 a 03 de março de 1878.

Dias antes do folhetim de Patrocínio ser publicado, o assunto que permearia o romance, estava sendo amplamente discutido: a pena de morte. Os jornais da corte e jornais locais publicavam diversos artigos a respeito do assunto. Havia notícias da pena capital estrangeira e nacional. Mas a mais discutida era a última, abordada sempre com o caso Motta Coqueiro.

Os jornais, na maioria das vezes, expunham a trajetória do processo Motta Coqueiro, seu resultado e a aparição de um culpado da morte da família de Francisco Benedito, mais de 20 anos após a execução do fazendeiro. Entre essas e outras notícias, surgia o anúncio do folhetim escrito por José do Patrocínio. A Gazeta de Notícias apresentava o romance como um relato de toda a verdade sobre a história de Francisco Benedito e Manuel da Motta Coqueiro. O jornal começou a publicar notícias de outros periódicos que faziam comentários do folhetim. O Diário do Rio de Janeiro também deu sua contribuição nos dias 22, 23 e 24 de dezembro fazendo anúncio do romance.

Em 31 de dezembro foi publicado na Gazeta de Notícias, um artigo do Rezendense que abordava a obra de Patrocínio. O periódico relatava que a Gazeta de Notícias enviara um dos redatores para recolher dados sobre o crime que levou à execução de Motta Coqueiro. A pesquisa resultou no folhetim Motta Coqueiro ou A Pena de Morte. No artigo havia um

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comentário sobre a obra, onde dizia-se que “a narrativa era cheia de interesse” para aqueles que valorizam a vida do próximo. O Rezendense segue o artigo, tecendo mais elogios à atitude da Gazeta de Notícias por apresentar sua contrariedade à pena capital através de seus artigos e do desenvolvimento de um romance a partir do assunto.

Podemos verificar que o folhetim de José do Patrocínio foi visto como uma bandeira contra a pena capital. Além disso, o assunto pena de morte foi muito discutido próximo à publicação do folhetim.

Este foi um panorama geral de nosso estudo. Visto isto, temos como objetivo a abordagem entre a imprensa e a literatura através do já citado romance, Motta Coqueiro ou A Pena de Morte. Esta obra possui uma estreita relação com a imprensa, a partir do momento que foi inspirada em fato verídico noticiado por vários periódicos. Após 22 anos da execução dos supostos culpados, o crime tornou-se notícia novamente, pois muitos intelectuais defendiam em 1877, a abolição da pena de morte e usavam como exemplo Manoel da Motta Coqueiro que, provavelmente, fora vítima de um erro judiciário. Este aspecto ficou mais evidente após a publicação de um telegrama na Gazeta de Notícias, onde constava a confissão de um moribundo que dizia ser o verdadeiro assassino da família de Francisco Benedito. Assim, analisaremos os artigos publicados em alguns jornais da corte, entre os anos de 1852 a 1855 e 1877. Apresentaremos também alguns aspectos do processo-crime de Motta Coqueiro. A obra de José do Patrocínio nos servirá como base, nela abordaremos a ocorrência do assassinato da família e o patíbulo de Motta Coqueiro e as personagens que são peças fundamentais, pois marcam o pensamento da sociedade daquele momento. As personagens foram criadas a partir de nomes que constavam no processo-crime. Elas possuem características expostas a partir dos ideais pré-abolicionistas, bem como as políticas racistas de embranquecimento social que desembarcaram no Brasil com as teorias da evolução das espécies de Darwim e o determinismo de Spencer.

A metodologia deste trabalho é a pesquisa em fonte primária, pois o fato que leva à elaboração do romance de Patrocínio, vem da imprensa. O próprio romance teve sua primeira edição em folhetim.

Os dados levantados na pesquisa, advêm dos periódicos: O Jornal do Comércio, Diário do Rio de janeiro, A Gazeta de Notícias, Jornal da Tarde. A consulta foi feita em edições dos anos de 1852 a 1855 e 1877. Alguns destes jornais transcreveram artigos sobre o crime ou andamento jurídico, de periódicos locais, como do Aurora Macaense (1877, Cruzeiro (1852), Gazeta Popular de Macaé (1877), Monitor Campista (1852), O Rezendense (1877). Os primeiros jornais citados, foram consultados em forma de microfilmes, no acervo AEL- Arquivo Edgar Leuenroth (UNICAMP), entre abril de 2008 a julho de 2009. Também foi feita uma breve pesquisa na Biblioteca Nacional , onde foram encontrados dois artigos na Seção de Periódicos: Gazeta de Notícias (1855) e Jornal do Comércio (1855). Ainda na cidade do Rio de Janeiro, foi consultado no Arquivo Nacional, o processo-crime em que foram réus, Manuel da Motta Coqueiro e outros, incluindo traslado do referido processo (1853-1854). Foram visitados espaços na cidade de Macaé, como: Solar dos Melos, um memorial, e a Biblioteca Pública Municipal Dr. Télio Machado, sede da Fundação Macaé de Cultura, onde consultou-se os livros: Coisas e Gente da Velha Macaé e Histórias Curtas e Antigas de Macaé, ambas de Antonio Alvarez Parada, Evocações-Crimes Célebres em Macaé, de Antão Vasconcellos e por fim Roteiro Documental para a História de Macaé- coordenação de Paulo Knauss. Além das obras citadas, foram utilizados livros sobre história da imprensa, literatura, entre outros, que serão apresentados oportunamente na referência bibliográfica.

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Manuela Cunha de Souza, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade do Estado da Bahia Mulheres-damas em diálogo: cenas e enredos da prostituta de rua à ficção de Herberto Sales Orientador: Verbena Maria Rocha Cordeiro

O projeto intitulado “Mulheres-damas em diálogo: cenas e enredos da prostituta de rua à ficção de Herberto Sales” objetiva analisar, a partir do diálogo entre narrativas de vida de prostitutas da cidade de Salvador e de Maria (protagonista de “A prostituta” de Herberto Sales), os lugares identitários, sociais e simbólicos que essas mulheres ocupam, seja no mundo cotidiano/real, seja no mundo ficcional.

A pesquisa se assenta em três perguntas-eixo que se articulam entre si: quais as imagens que as prostitutas assumem na realidade e na ficção, tendo como cenário as histórias de vida de um contingente de garotas de programa de Salvador e a protagonista de “A prostituta”? Em que condições essas mulheres – garotas de programa – constituíram suas vidas e ingressaram nesse mundo, dito marginal, em contraponto com a mulher Maria, do mundo ficcional? E em que medida a vida cotidiana dessas mulheres “reais”, de hoje, se aproximam, se cruzam ou se distanciam de Maria, personagem do romance em questão?

Em um primeiro momento, haverá um encontro individual de sensibilização ao tema e para dar algumas orientações sobre como produzir a escrita de si (uma narrativa sobre sua história de vida focalizando, no caso dessa pesquisa, seu ingresso na prostituição, fatos marcantes, reconstruindo sua trajetória através da memória); será dado um prazo de mais ou menos 15 dias para que elas entreguem os escritos. Após prévia análise do material recebido, caso haja a necessidade de preencher alguma lacuna que tenha ficado nas suas narrativas, será feita uma entrevista narrativa. Essas histórias de si serão entrecruzadas com obra “A prostituta”, observando os objetivos propostos por essa pesquisa.

Herberto Sales (1917-1999), baiano de Andaraí, publicou sua última obra, “A prostituta”, em 1996. De obras infantis às de denúncia social, o autor mostra-se, como ele próprio define na contracapa desse livro, “o mesmo romancista (a mesma alma) em cada um dos entre si tão diferentes romances que escrevi”. Em “A prostituta”, Herberto busca dar continuidade a uma personagem retirada de “Os Corumbas”, de Amando Fontes, publicado em 1933, ao contar a trajetória de Maria Corumba, moça recatada, trabalhadora de uma fábrica que cede aos encantos do Sargento Marinho e dessa relação ela torna-se mãe solteira renegada pelos pais, sendo obrigada a mudar-se para casa da madrinha. Sem perspectivas, ela decide ir a Salvador prostituir-se para juntar dinheiro e descobre, nessa sua caminhada, os códigos que regem a prostituição, em especial, como portar-se para ser uma “profissional” de sucesso. Mas esse é um caminho tortuoso, ela cai em algumas armadilhas desse “novo mundo”, mas também conta com o apoio de alguns amigos da Pensão Andaraí. A tragédia torna-se uma história com final feliz: o casamento de Maria com Estevão - rapaz que a galanteava desde que se mudara para casa da madrinha.

Da ficção à realidade, podemos encontrar histórias parecidas com a da personagem em questão: o sonho de encontrar um cliente que as tire dessa vida, a dificuldade em relacionar-se

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com pessoas dos mais diferentes perfis, a entrada na prostituição etc. Nesse sentido, este projeto visa também identificar as interseções que há nessas histórias, além de verificar suas representações de si e da sociedade. Para tanto, serão selecionadas oito garotas de programa com o apoio da Associação de Prostitutas da Bahia (APROSBA).

A referida dissertação dividi-se em três capítulos. No primeiro intitulado a mulher no palco da prostituição será tracejado o percurso que os sujeitos dessa pesquisa atravessaram até chegar ao mundo da prostituição observando, em especial, como elas se referem (vítima ou algoz de sua situação, ou a nuance entre eles), analisando o entre-lugar que as garotas de programa transitam, desfazendo-se de homogeinizações (identidades fixas) e (pré)conceitos. Serão discutidas, através das narrativas biográficas, como elas se (de)mostram como mulher, para além de uma dicotomia entre a mulher pura, “de família” e a prostituta. Sobre a narrativa e seus elementos, serão especialmente utilizados, como base teórica, os estudos de Paul Ricoeur, Ecléa Bosi e Eliane Lopes. Já para alicerçar a análise das representações das prostitutas, utilizar-se-ão, em especial, os estudos de Simone Beauvoir, Nancy Qualls-Corbett e Margareth Rago. O segundo capítulo, O jogo do prazer: a sociedade sobre o olhar da prostituta, observará, a partir das narrativas biográficas dos sujeitos pesquisados, como elas se relacionam com clientes de todos os tipos (diferentes sujeitos), estando à mercê de exploração, abusos e violência. Sendo assim, este será um espaço para analisar a representação que as prostitutas têm da “sociedade”, referindo-se aos clientes, os (possíveis) cafetões, policiais etc. Para basilar essas análises, serão considerados também as pesquisas de Simone Beauvoir, além dos estudos organizados por Dalcastagné e Amara Lúcia. No terceiro capítulo, Diálogo de narrativas do “real” à ficção, será estabelecido um entrecruzamento entre as falas das prostitutas e a história de Maria - personagem de A prostituta. Nesse capítulo, será observada, além dos pontos de confluência e divergência das vivências, a relação entre o real e a ficcional que existe tanto no romance quanto nas histórias contadas pelas garotas de programa. Para tanto, serão considerados aspectos como a memória, resignificação das experiências etc. Um elemento interessante nessa interseção é que a obra conta uma história, que mesmo não deixando explícito o ano que as personagens “viveram”, aconteceu no início do século passado, visto que o comportamento das personagens e alguns lugares que ambientaram a história remetem à década de 40 do século passado. Dessa forma, pretendemos investigar se as práticas e as representações sociais são as mesmas ou se mudaram ao longo do tempo. Para tanto, os estudos de Margareth Rago, que analisa a prostituição entre 1890 até 1930; e Muzart, que trabalha com a mulher na literatura, serão base teórica. Já Antônio Candido, Terry Eangleton e Forster alicerçarão a análise do livro no que se refere às questões teóricas do campo literário e do romance, em especial.

Ao longo dos séculos, a mulher ocupou vários papeis: ora era vista como esposa, a dona-de-casa, a procriadora; ora ocupava o papel de trabalhadora, “independente”, que lutava pela “liberdade” feminina. Entretanto, hoje, muitas vezes, é ela uma das maiores “inquisidoras” das prostitutas - não considerando a liberdade que estas têm sobre seu corpo. A necessidade de buscar uma única forma de ser mulher, consequentemente, também de ser prostituta, generaliza a múltiplas identidades que um sujeito assume a depender de seu local social e contexto, tentando homogeneizar a diversidade, criando equívocos e preconceitos a quem não segue o papel pré-estabelecido. Logo, todo o comportamento fora do esperado é tido como errado e depreciado socialmente. Uma das formas de a sociedade hierarquizar a imagem da “mulher santa” em detrimento da “pervertida” é criar mitos e agregar a imagem da segunda às doenças, ao submundo, ao sujo, ao feio. Dar espaço para a fala das prostitutas é uma forma de observar as representações sobre sua condição sócio-cultural, seus lugares, visando desfazer estereótipos, reconfigurar conceitos, principalmente extinguir, ou, ao menos, minimizar, tais preconceitos.

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Marcela Verônica da Silva, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual Paulista

Vila Rica: do histórico ao literário Orientador: Carlos Eduardo Mendes de Moraes

O presente projeto de pesquisa tem como objetivo dar continuidade aos estudos relativos à obra acadêmica de Cláudio Manuel da Costa, poeta mineiro, conhecido por ser um dos maiores representantes da expressão árcade brasileira. Em um primeiro momento foram estudadas algumas correspondências assinadas pelo autor em questão endereçadas a membros da Academia Brasílica dos Renascidos (1759), bem como um Juramento, os Apontamentos para se unir ao catálogo dos acadêmicos supranumerários da Academia Brasílica dos Renascidos e o drama O Parnaso Obsequioso, que, apesar de pertencer a outra agremiação, a Arcádia Ultramarina, também mantinha as marcas do academicismo vinculado aos mesmos referenciais retóricos de composição. Este projeto, por sua vez, propõe analisar o poema Vila Rica, e seus textos complementares: o Prólogo, a Dedicatória e o Fundamento Histórico, além de algumas notas explicativas que constam no texto. Nesse sentido, os aspectos que deverão ser discutidos são a orientação formal que os compõe, baseada nas retóricas e nas poéticas antigas, a transposição do histórico (Fundamento Histórico) para o literário (poema Vila Rica) e a associação entre as pesquisas realizadas para a composição da obra e as pesquisas realizadas por Cláudio Manuel da Costa enquanto acadêmico. Tal documentação terá como fonte as obras de Inventário dos Manuscritos avulsos relativos a Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Caio Boschi (1998); O movimento academicista no Brasil de José Aderaldo Castelo (1969-71); A Academia Brazilica dos Renascidos: sua fundação e trabalhos inéditos de Alberto Lamego (1923); Esquecidos e Renascidos de Íris Kantor (2004); Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos de Yêdda Dias Lima (1980); Fontes do Caramuru de Carlos de Assis Pereira (1971); Poesia dos Inconfidentes de Domício Proença Filho (1996), entre outros. Cláudio Manuel da Costa, que ficou conhecido por sua produção poética árcade teve seus primeiros estudos realizados no Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro, e como era costume da época, sendo de família abastada, mudou-se para Coimbra onde freqüentou o curso de Cânones. A formação na Universidade de Coimbra lhe permitiu integrar-se às normas de orientação de estudos vinculadas aos jesuítas, que compunham a essência da Academia Real da História Portuguesa, de Lisboa, que deu origem às Academias Brasílicas da Bahia - a Academia Brasílica dos Esquecidos (1724) e a Academia Brasílica dos Renascidos (1759). Nelas, as práticas de escrita previam compromisso com a retórica antiga, para composições em prosa, e com a poética antiga e contemporânea, para as composições de caráter circunstancial, por meio das quais se desenvolveriam os torneios literários previstos em estatutos ou nas rotinas das agremiações acadêmicas. O período na Europa também foi responsável pelo seu contato com as idéias iluministas e com a prática de uma nova corrente literária que havia se formado: o Arcadismo.

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Com essa formação, Cláudio Manuel da Costa pôde figurar entre os principais pensadores da Academia Brasílica dos Renascidos, de 1759, na qual ocupou a função de acadêmico supranumerário, participando como sócio correspondente e também, posteriormente, pode fundar uma agremiação, a Arcádia Ultramarina, de 1768, originária do período iluminista e responsável por instaurar o estilo árcade no Brasil-Colônia. No corpus serão explorados tanto os elementos formais de composição baseados nas retóricas e poéticas quanto os elementos históricos que aparecem descritos ao longo do poema e do Fundamento Histórico, cuja construção pode estar atrelada às pesquisas executadas no âmbito da Academia Brasílica dos Renascidos. Com a execução deste trabalho, pretende-se apresentar a obra de Cláudio Manuel da Costa a partir de um viés acadêmico, mostrando, com base em elementos presentes nos textos, características que evidenciem um tipo de escrita baseada em fontes buscadas na época em que o poeta exercia a função de sócio correspondente da Academia Brasílica dos Renascidos, além de marcas que relacionam estes textos à Arcádia Ultramarina. A essência da discussão girará em torno da determinação dos elementos históricos e dos elementos artísticos que compõem a obra, fazendo provar que os elementos artísticos, dos quais o autor lança mão dependem de uma carga igual ou superior de elementos históricos, para que a consistência da composição, ainda que detenha intenções artísticas, compreenda certo “decoro” nas informações veiculadas pela narrativa. Para auxiliar no entendimento de questões políticas e econômicas de Vila Rica, será utilizada a obra Erário Régio de 1768 que é um importante documento em que constam alguns acontecimentos importantes que marcaram a história desta cidade. Além do recurso a esta obra, documentos de diversas naturezas devem compor a busca das fontes que orientaram a elaboração da obra, pois algumas citações de Cláudio Manuel da Costa atestam a sua participação tanto na política local (Secretária do Governo), como em sua carreira como poeta árcade.

A importância de se estudar os autores que viveram no Brasil no século XVIII relaciona-se com a necessidade de compreendermos as nossas raízes históricas e literárias, interligadas por diversas atividades, entre as quais a ação dos letrados desse tempo. Importa, com o conhecimento dos modelos emulados e dos conteúdos apresentados discutir a efetiva participação de Cláudio Manuel da Costa no âmbito da língua e das idéias, efetivando a sua contribuição para a escrita do Brasil colonial.

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Marco Aurélio Pinotti Catalão, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas O vazio como método Orientadora: Miriam Gárate

Através de uma análise dos quatorze livros publicados pelo poeta argentino Roberto Juarroz (1925-1995), pretendo investigar a tese de que a imagem do vazio não é apenas uma metáfora central em sua obra poética, mas funciona como um autêntico método de investigação da realidade. Para tanto, analisarei de que maneira se configura essa imagem ao longo de toda a obra, se há uma coerência na sua utilização, e em que medida é possível rastrear os antecedentes literários de tal procedimento. A pesquisa se dividirá em duas partes principais: a primeira investigará a forma como se configura a imagem do vazio na obra de Roberto Juarroz, enfatizando o diálogo que se estabelece com alguns textos do Budismo Zen e com a obra de Antonio Porchia; a segunda apresentará uma antologia bilíngüe traduzida e anotada, não apenas de todos os poemas citados neste estudo, mas também daqueles considerados pela crítica como os mais representativos do autor.

A partir de um rastreamento exaustivo de todos os momentos em que a imagem do vazio aparece ao longo da obra de Juarroz, analisarei as diferentes acepções e sentidos que ela adquire em cada poema, investigando se há uma passagem gradual do “vazio estéril” para o “vazio pleno”, ou se os dois aspectos se alternam indiscriminadamente. A análise comparativa com outras obras permitirá uma compreensão mais clara acerca dos procedimentos estilísticos utilizados por Juarroz para configurar sua poesia como um instrumento de interrogação e experimentação da realidade.

Numa obra vasta como a de Juarroz, que compreende quatorze livros publicados ao longo de quase quarenta anos, é particularmente significativa a unidade de estilo e de propósito que a define. Com uma poética caracterizada pelo despojamento, pela ausência de “alardes expressivos” (e mesmo de artifícios formais mais corriqueiros, como a rima, a aliteração e a métrica regular), seus textos rigorosamente construídos, quase sempre fundamentados numa estrutura simétrica, suscitam uma leitura especialmente atenta para os mínimos matizes de sentido. A clareza de sua expressão, aliada ao caráter reflexivo dos poemas, que se apresentam como uma indagação constante acerca da realidade e dos seus fundamentos, fez com que esta poesia fosse caracterizada como “filosófica”, “cerebral”, “abstrata” e até “mística” por parte da crítica. Contudo, como mostraremos adiante, nenhum desses adjetivos a define de maneira correta.

O caráter unitário da obra do poeta, manifesto no próprio título de seus livros (Poesía vertical, em 1958; Segunda poesía vertical, em 1963; e assim sucessivamente, até Décimocuarta poesía vertical, publicado postumamente em 1997), propiciou uma série de estudos que apontam para alguns elementos recorrentes em sua poética: a reflexão acerca da criação literária e dos limites da linguagem; a busca pela transcendência e a constatação de sua impossibilidade; a presença de elementos da cultura oriental, especialmente do Budismo Zen; a recorrência de algumas metáforas como o silêncio, a morte e o vazio. No

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entanto, não há, até agora, um estudo que estabeleça uma síntese entre esses diferentes aspectos.

Considero particularmente elucidativo sobre o significado das metáforas espaciais do vazio e da verticalidade um artigo escrito por Juarroz em que ele analisa a obra de outro escritor, o ítalo-argentino Antonio Porchia (1886-1968), com quem o poeta conviveu por vários anos. Nesse artigo, intitulado “Antonio Porchia o la profundidad recuperada”, ele define a profundidade (que considera como característica essencial da obra de Porchia, mas que está também na base do adjetivo “vertical”, que nomeia sua própria obra) como “vazio afirmativo”: “A profundidade é risco. De quê? De não encontrar nada” (“Antonio Porchia o la profundidad recuperada”, in: Poesía y creación. Diálogos con Guillermo Boido). Em outro momento, Juarroz afirma que “a obra de Antonio Porchia veio me confirmar na busca disso que chamei o vertical”.

Embora muitos críticos tenham assinalado a importância literária e biográfica da convivência de Juarroz com Porchia, não há um estudo de fôlego sobre as principais convergências e divergências entre as suas obras. A afirmação de Juarroz segundo a qual a “correspondência espiritual” dos dois poetas não se manifestaria no aspecto formal parece ter sido tomada pela crítica como fato, sem uma análise mais detida. Um dos objetivos deste trabalho será justamente empreender essa análise, identificando como a obra de Juarroz não apenas partilha uma série de convicções e de preocupações temáticas em comum com a de Porchia, mas como ela também se apropria de uma série de procedimentos formais presentes em Voces, único livro publicado pelo ítalo-argentino.

A própria recepção crítica de suas obras é outro elemento comum entre Juarroz e Porchia: a linguagem poética despojada, o silêncio de ambos em relação às turbulências políticas e sociais pelas quais a Argentina passava no momento em que eles escreviam, acabaram convertendo-os em figuras estranhas no meio literário do país. No entanto, como procuraremos demonstrar em nosso estudo, a imagem do vazio está estreitamente vinculada a uma interpretação da sociedade contemporânea como local de alienação e desgarramento do homem.

Em outras palavras, não se trata de uma fuga, mas de um aprofundamento do real. Nos poemas de Juarroz (como nos aforismos de Porchia), o confronto com o vazio acaba sendo uma forma de problematizar a realidade aparente, com o intuito de revelar seus aspectos menos evidentes: “a poesia tem como objeto imediato produzir uma fratura e esta consiste em quebrar a escala consuetudinária, a escala repetitiva, apequenada do real. É abrir a realidade e projetá-la em escala maior”. No entanto, ao mesmo tempo em que se busca um conhecimento da realidade, postula-se a dificuldade (e, em última instância, a impossibilidade) desse conhecimento. A poesia é uma “harmonia que nunca se consuma”. Assim, o vazio espreita não apenas o real, mas a própria palavra.

É nesse sentido que a poesia de Roberto Juarroz, embora não tenha como principal objetivo a experimentação de novas técnicas poéticas, revela-se fundamentalmente moderna, uma vez que se apresenta sempre consciente dos limites da linguagem. Como observa Rodríguez Padrón, o que esta poesia revela “não é a solução do enigma, mas o aparecimento de novas — e mais vertiginosas — interrogações”. Assim, embora esta obra não proponha, a exemplo das vanguardas, uma nova linguagem poética, há nela uma busca constante por um discurso mais flexível e sugestivo, com o intuito de promover a “liberação do pensamento lógico”, considerado pelo poeta como inadequado para dar conta da experiência da verticalidade. Deve-se notar, contudo, que não se trata simplesmente de uma queixa da inadequação da linguagem diante da multiplicidade do mundo, segundo os

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moldes românticos, mas da tentativa de “alterar substancialmente a realidade e nossa percepção dela”.

Aqui chegamos ao centro desta poesia que põe em xeque a própria noção de centro: a indagação poética se define como uma forma de criação, de invenção do real. Numa de suas reflexões sobre a criação poética, Juarroz afirma: “Nada está terminado: a realidade se cria. A poesia consiste nisso: criar mais realidade, agregar realidade à realidade” (Poesía y creación. Diálogos con Guillermo Boido). Contudo, para que essa criação não seja mera redundância, é fundamental que ela se fundamente naquilo de que a vivência cotidiana tenazmente tenta se afastar: a morte, o silêncio, o vazio.

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Marcus Vinícius Da Silva, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Adoniran Barbosa: a construção de um sambista autêntico Orientador: Mário Luiz Frungillo

Este trabalho propõe uma reflexão sobre os elementos temáticos e estéticos presentes nas canções de Adoniran Barbosa, essencialmente em suas letras, que despertaram interesse de seus mediadores no processo de resgate do samba “autêntico”, durante o processo de redefinição da MPB, que se deu entre os anos 60 e 70. Para isso, pretendo observar as letras de suas canções presentes nos quatro primeiros LP’s: Adoniran Barbosa 1974, Adoniran Barbosa 1975, Adoniran e Convidados, em 1980, e Documento Inédito, em 1984. Esse recorte visa levantar quais foram os possíveis critérios de escolha das canções por seus produtores culturais, e analisar, a partir dos contextos político, econômico e sócio-cultural, que fatores possivelmente influenciaram na concepção dessas obras. (Apenas para citar alguns nomes importantes que serviram como mediadores de Adoniran: os produtores João Carlos Botezzelli (Pelão) e Fernando Faro; os jornalistas Zuza Homem de Mello, Tárik de Souza, José Ramos Tinhorão, Eduardo Martins, Dirceu Soares; o crítico literário Antonio Candido, além de artistas como Elis Regina e Carlinhos Vergueiro).

A dissertação, em princípio, está dividida em duas partes. A primeira parte é composta por dois capítulos. O primeiro, já concluído, abrange os aspectos teóricos de análise da obra de Adoniran. Nesse capítulo, procuro contextualizar o artista como parte do processo de racionalização da indústria cultural no Brasil – a partir dos conceitos frankfurtianos – e como esse processo, que acontece em concomitância com um momento de grandes tensões políticas e ideológicas, durante o regime militar, facilita a consolidação de um cenário único e propício para a formação da MPB renovada. O resgate da figura de Adoniran nesse momento, na minha perspectiva, tem um significado político, ideológico e cultural bastante importante e singular no processo de construção e consolidação da música e da cultura brasileira.

No segundo capítulo, pretendo fazer um levantamento das principais críticas feitas sobre os álbuns que fazem parte do corpus da análise, essencialmente presentes em periódicos e nos encartes de seus LP’s, com o objetivo de revelar de que maneira os intelectuais e críticos de música influenciaram na construção da presença de Adoniran na tradição do samba. Tenho como plano realizar entrevistas com dois importantes mediadores culturais de Adoniran: Antonio Candido, que escreveu um artigo publicado no encarte de seu segundo LP, Adoniran Barbosa 1975, e João Carlos Botezzelli, produtor de seus dois primeiros LP’s.

Já na segunda parte da dissertação me dedicarei à análise das canções presentes no corpus, procurando desenvolver, em três capítulos diferentes, três debates recorrentes no contexto da MPB renovada, que podem ser discutidos a partir da obra de Adoniran: trabalho x malandragem, tradição x progresso, e som local x som universal. No primeiro

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capítulo, o objetivo é realizar uma leitura das canções de Adoniran que reflete um caráter de resistência à ordem vigente e à ética do trabalho, mas ao mesmo tempo caminha em rumo contrário ao discurso da malandragem tradicional dos sambas cariocas. É uma outra forma de resistência, que assume caráter de denúncia ao universo suburbano do trabalho. O segundo capítulo diz respeito essencialmente a uma postura crítica e contrária ao ideal de progresso assumido pela elite paulistana, que entendia São Paulo como a locomotiva do país desde o início do século. É possível entender nas canções de Adoniran um olhar bastante ácido e pessimista no que diz respeito a esse ideal de progresso que se concretiza no espaço urbano de São Paulo, em detrimento a uma saudosa tradição que cada vez mais se perde. Já no último capítulo, pretendo desenvolver um debate político e estético bastante importante no cenário da música brasileira desse período, anos 60 e 70, que retoma os conceitos de nacional e popular desenvolvidos por Mário de Andrade, e bastante assimilados pela ala nacionalista da MPB. Esse debate diz respeito à oposição entre o som local, representado pela MPB renovada, e o som universal, que tem a “Jovem Guarda” como seu principal representante até o evento da “Tropicália”. Várias composições de Adoniran assumem uma postura bastante afinada à ala nacionalista da MPB, apresentando uma visão depreciativa com relação ao som universal produzido pelos mentores da “Jovem Guarda”.

Nessa comunicação, apresentarei os primeiros resultados do desenvolvimento do primeiro capítulo da segunda parte, no qual pretendo analisar as letras das canções a partir do debate entre trabalho e malandragem. Procurarei demonstrar que, apesar da postura apolítica que o sambista assume, suas canções refletiam um caráter de resistência extremamente relevante aos produtores culturais da esquerda nacionalista. Essa resistência, no entanto, segue um rumo contrário àquela proposta tradicionalmente pela figura do malandro no plano dos valores estereotípicos. Seus sambas se ocupam antes em retratar o mundo suburbano do trabalho do que o mundo marginal da malandragem. Ao mesmo tempo, seus temas também tomam rumos inversos à invenção da paulistaneidade. Assim, os personagens de Adoniran, ao contrário do malandro, são sujeitos que estão inseridos no universo da ética do trabalho e da ordem pré-estabelecida. Mas esse universo aparece filtrado por um olhar crítico e de denúncia, invertendo o sentido da positividade do trabalho. Aquilo que parece conformismo, ingenuidade e alienação, portanto, assumem caráter denunciativo no que diz respeito à ideologia da dominação.

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Margarete Nascimento dos Santos, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade do Estado da Bahia Texaco: história de uma saga ou relato de vidas? Orientador: Edil Silva Costa

Este trabalho de pesquisa tem como objetivo realizar estudo e análise sobre a obra Texaco do escritor martinicano Patrick Chamoiseau. Publicada em 1992 e ganhadora do Goncourt, maior prêmio francês de literatura, essa obra chama atenção e ganha destaque porque conta a história da construção e formação de um bairro tradicional de Fort-de-France, capital da Martinica. Esse bairro conhecido como Texaco é de fundamental importância para a construção da identidade Martiniquense, uma vez que ele se torna símbolo de resistência e guarda a memória de uma comunidade descendente de quilombolas. Nesse sentido a análise dessa obra se torna interessante, pois é possível perceber esses vários elementos que a constitui: a história, a memória e a ficção. Tudo atrelado sob o viés da narrativa. Em Texaco a narrativa é fundamental, pois é ela, através do relato da personagem central, que conta a história da construção do bairro. Questões sobre identidade, cultura e oralidade também se fazem presente nessa obra e serão analisadas no decorrer do trabalho. Devido a riqueza de temas encontrados se faz necessário a delimitação dos temas a serem discutidos. Este trabalho pretende assim analisar a obra sob a perspectiva de sua composição: romance histórico ou narrativa mítica? ; sob a ótica da sua construção narrativa, analisando o papel da mesma para a coesão da obra e como referência para tradições orais; e por fim as questões ligadas à formação da identidade cultural e a luta pela sobrevivência da comunidade apresentada. O primeiro momento desse estudo terá como objetivo trazer uma discussão acerca do romance histórico e da narrativa mítica. Para tal será apresentado o conceito de romance e o que caracteriza uma determinada obra como romance histórico ao mesmo tempo em que será apresentado o conceito de narrativa e o que caracteriza uma narrativa como mítica. A apresentação de tais conceitos é essencial para a análise à que esse capítulo se propõe, pois a obra que será utilizará como corpus deste projeto, Texaco, é compreendida como fronteiriça entre o real e o ficcional. Portanto para a compreensão do romance é preciso a fundamentação teórica acerca dos conceitos acima mencionados. Para ajudar na busca de respostas às essas questões sobre a narrativa de Texaco, será tomado como referencial teórico autores como Roger Chartier, Peter Burke, Eric Hobsbawm e Paul Veyne, que discutem as relações entre a história e ficção no romance, além de teóricos como Mircea Eliede e Jean-Claude Carrière que falam sobre o mito, a realidade e sua presença na contemporaneidade. Em um segundo momento surge discussão acerca da narração, mais especificamente as narrativa oral, essa que é uma das formas mais primitivas de comunicação, onde o contato entre narrador e ouvinte é o mais importante. Se fazer verossímil e credível é objetivo de quem narra. A conquista da credibilidade do ouvinte é o que realmente importa. É por esta razão que no segundo capítulo o tema a ser tratado será a narrativa oral e o seu papel na manutenção da memória coletiva nas comunidades.

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Discutiremos sobre como essas narrativas possuem valores e servem de referência para o seu grupo e como isso reflete na postura e no comportamento desses participantes. Narrar é de certa forma guardar, é criar elos e manter a tradição cultural. Texaco através da sua narrativa nos apresenta como é importante o papel do narrador, do guardado da história de um determinado local. Autores como Walter Benjamin, Robert Sholes e Zilá Bernd serão utilizados como referências para melhor compreensão do papel da narrativa e sua configuração na oralidade. Por fim no terceiro momento pretende-se tratar as questões ligadas a formação da identidade cultural de um grupo social partindo da idéia de memória para essa construção coletiva. Autores como Stuart Hall, Cancline, Home Bhabha e Barbero serão utilizados como auxílio na compreensão da discussão acerca de cultura e a sua relação na formação da identidade local. Percebe-se em na obra a necessidade do autor de reavaliar os valores culturais que lhes foram impostos pelo colonizador e de valorizar os costumes que lhes são naturais e presentes através da tradição popular. Durante muitas décadas as formas consideradas impuras eram afastadas do rol da Tradição Literária Brasileira, a preocupação com o estético e o formal fazia com que as produções menores e independentes não encontrassem o seu espaço na Academia. É apenas a partir da década de 50 que essa realidade dá seus primeiros passos em direção a mudança. O diferente, o menor, a tradição oral e popular que até então era desprezada encontra o seu lugar dentro da produção literária, começa então uma abertura para essas formas que por um período da história da literatura foram desprezadas e pouco valorizadas. O papel que Patrick Chamoiseau atribui a Texaco é justamente esse, o de construção da identidade cultural do povo martiniquense. Como isso é apresentado e desenvolvido no decorrer do romance é o que se pretende discutir neste capítulo final.

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Maria Inês Parolin Almeida, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas ANTÔNIO VIEIRA E A TÓPICA DO UT PICTURA POESIS NO XVII Orientador: Antônio Alcir Bernardes Pécora Este meu projeto tem como objetivo o preparo de uma edição comentada de alguns Sermões do Pe. Antônio Vieira (1608-1697), escolhidos para este fim. Tal seleção deverá ser comentada através de uma série de notas e introduzida por um estudo sobre a tópica do ut pictura poesis no sermonário do autor, em sua relação com algumas preceptivas retórico-poéticas e pictóricas que circularam no XVII. Interessam-me sobretudo os chamados “Sermões panegíricos ou em honra de Santos”, entretanto, estão concorrendo ao cotejo os Sermões em que a tópica em questão demonstrar-se fundamental para a estrutura da argumentação. No estágio atual, ainda iniciante, trabalho com as seguintes peças: Epifania (1633), Sermão de São Sebastião (1634), Sermão de São José (1642), Sermão das Chagas de São Francisco (1646), Sermão do Santíssimo Sacramento (1645), Sermão de Santo Antônio aos Peixes (1654), Sermão da Sexagésima (1655), Sermão do Bom Ladrão (1655), Sermão do Espírito Santo (1657), Sermão de Santo Inácio (1669), Sermão de Santo Antônio (1670), Sermão de S. Francisco Xavier (Acordado)(12, Sua Proteção) (1691). Os Sermões encomiásticos de Santos católicos são espaço privilegiado de significação no conjunto da oratória sacra do autor, tendo em vista a problemática que me interessa. Seja pelo que tais Sermões dissimulam engenhosamente apresentar de teor político, seja pelo que a persona do Santo significa nesse mesmo conjunto e na política cristã que se deseja eficaz. Pécora (1994:94) afirma que a obediência exemplar do religioso o torna modelo para “a identificação das possibilidades concretas de efetivação do vínculo humano-divino”. Ao considerar que um dos deslocamentos teológico-políticos promovidos por Antônio Vieira seja a alteração do aspecto contemplativo da ação da Igreja no mundo para uma militância desta na história dos homens, a persona do Santo torna-se uma das figuras-chaves na incorporação dessa ação política. Ao mesmo tempo, penso que a montagem do corpus a partir da escolha de Sermões proferidos em tempos e lugares diversos – por sua vez pressupondo e constituindo espectadores e destinatários variados – pode trazer à tona uma discussão interessante diante de um conjunto tão extenso e longevo de textos, como é o caso da sermonística de Vieira. O estudo que faço está em estreita relação com o que concebeu Pécora (op. cit), essencialmente no sentido das três premissas que estabelecem o padrão de legibilidade dos textos de Vieira: a) a unidade teológico-retórico-política dos Sermões; b) nestes, a encenação do sacramento católico que compõe a teatralização da fé; c) a noção de presentificação da ação do divino em meio ao universo do humano nessas peças. Esse padrão concebe que os Sermões são construídos a partir de um eixo de unidade em que especularmente se tabulam o aspecto teológico e escolástico da Igreja da Contra-Reforma. Assim, em sentido amplo busco compreender o lugar ocupado pelo autor na catolicização da tópica, de tão grande fortuna em sua época. Em âmbito mais localizado, investigo 1) como Vieira mimetiza e emula os procedimentos da pintura em sua prática

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discursiva, ou seja, como ele compõe o quadro, a cena discursiva, e/ou o que tecnicamente entra em jogo na composição da persona que elogia. Interessa-me aqui perceber o engenho dos padrões retóricos da ekfrasis e do discurso epidítico. E 2) em conseqüência, busco compreender como, ao fazê-lo, o autor estabelece diálogo com algumas preceptivas que regulavam as práticas sociais de representação de seu tempo, quero dizer, investigo como o artifício fala de si na representação e a posição retórica vai instituindo uma ética e um padrão político. Do meu conhecimento, o diálogo com essas fontes não foi ainda constituído mais profundamente no estudo da oratória sacra de Vieira, apesar de algumas vezes referido. Hansen (1994:33) aponta para essa necessidade quando expõe que Antônio Vieira, por exemplo, no Sermão da Sexagésima (1655), cita a Arte dello Stile Insegnativo, de 1647, da autoria de Sforza Pallavicino. A mesma necessidade é apontada por Vieira Mendes (1991:21). A partir de uma leitura ainda iniciante, penso que a inserção da produção do sermão sacro de Vieira no debate em torno do ut pictura poesis aponta para a revisão de questões importantes relativas às práticas de representação luso-brasileiras, na construção de um verossímil que leve em conta os condicionamentos materiais e institucionais dessas práticas, “seus códigos bibliográficos” e as preceptivas que sistematizam a sua invenção, levando a sério as formulações de base que articulavam as significações discursivas da época. A instituição retórica é, assim, considerada em sua dimensão mimética e prescritiva, o que é fundamental para seu estudo no XVII. Além disso, também de maneira apenas introdutória, posso dizer que essa tópica no Seiscentos sustenta as bases da representação, e em sendo assim, materializa em alguns aspectos a estrutura e funcionamento da moderna racionalidade de Corte dos Estados absolutistas. O ut pictura poesis regula o ponto fixo do Juízo necessário ao engenho do orador e especularmente necessário à prudência do cortesão, efeito de destinatário (ouvinte/leitor) constituído pelo gênero. Acredito assim que, ao construir a imago do Santo, Vieira engenhosamente está construindo a imagem do homem virtuoso do seu tempo.

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Maria Ivone Souza Melo, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade do Estado da Bahia Rastros de leitores: traçando a história da leitura em Cora Coralina Orientadora: Verbena Maria Rocha Esse trabalho aborda os relatos de aprendizagem da escritora Cora Coralina. Em seu livro de poemas Vintém de cobre: meias confissões de Aninha-(1985), ela confessa: “A maior dificuldade pra mim sempre foi escrever bem./A minha maior angustia foi superar a minha ignorância.” Nesse mesmo livro Cora também exalta a memória da sua grande e única mestra e oferece as páginas desse livro à sua escola primária. Nesse sentido, perguntamos: Como pessoas, no passado, constituíram-se leitores? Como se constitui o gosto pela leitura? Qual é o lugar do ensino na escolha das leituras? Quais as lembranças das leituras escolares? Diante dessas questões que suscitam um problema de pesquisa, este estudo intitulado “ Rastros de leitores: traçando a história da leitura em Cora Coralina” pretende retomar a obra autobiográfica de Cora Coralina, Vintém de cobre: meias confissões de Aninha-(1985), buscar no conteúdo dessa produção relatos de aprendizado, registros de imagens de leitura e representações do ato de ler na infância que se articulem com trajetórias retrospectivas do acesso ao saber ler, desvelar as condições pelas quais essa escritora produziu diferentes modos de ler, identificando seus efeitos e por que motivos lia isto ou aquilo. Desta forma, através da historiografia literária voltada para as memórias de leitura, torna-se objetivo deste trabalho investigar de que maneira esse sujeito que, apesar de ter tido uma infância longe dos bancos escolares, mais tarde virá a se destacar no mundo das Letras, constitui-se leitor. E, nessa trajetória, tentar construir uma análise que permita conhecer traços do processo de sua formação leitora. No lirismo contido em Vintém de cobre: meias confissões de Aninha, obra declaradamente autobiográfica de Cora Coralina, a autora traz passagens da infância que retratam cenas dos seus primeiros contatos com a leitura e concede ao leitor detalhes da sua infância e adolescência que representam uma riqueza de informações sobre o cotidiano onde se desenrola o itinerário escolar da personagem. Ela relata acontecimentos que, na hipótese de uma base autobiográfica do texto, devem ter ocorrido no período que vai do final do século XIX a início do século XX. Para abordar todos os aspectos desse estudo, optou-se por apresentar a escrita do projeto Rastros de leitores: traçando a história da leitura em Cora Coralina , sistematizada em três capítulos. O capítulo inicial será dividido em duas partes. A primeira parte discutirá as relações entre memória, leitura e literatura, destacando a origem desta relação, como também as questões que envolvem os relatos autobiográficos da infância. Como recurso de análise dos fundamentos, Maurice Halbwachs (2006), em A memória coletiva, oferece significativo apoio, no qual ressalta que a memória individual constitui-se em datas, eventos, marcos históricos e pessoas, que estruturam simultaneamente a memória coletiva as quais são fundamentais na compreensão das narrativas. Suporte precioso para este estudo também é oferecido em Fraisse, Pompougnac e Poulain (1997), Representações e imagens de leitura, que avaliam como as

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representações dos relatos autobiográficos se inscrevem nas práticas sociais; e Jacques Le Goff (1993), que comenta sobre a necessidade de que os estudos históricos se interessem pelo homem cotidiano e aponta como indicativo desta tendência o crescente interesse pelo nível dos costumes. Na segunda parte do capítulo será explorada a questão interdisciplinar, conjugando a leitura com fatores socioculturais e/ou históricos, numa dada sociedade, a exemplo das práticas de leitura, como propõe Roger Chartier (2001), e dos estudos mais recentes no campo da Sociologia da Leitura. O segundo capítulo apresentará um aprofundamento da trajetória escritora, com base nos enxertos retirados da obra, Vintém de cobre: meias confissões de Aninha (1985), nas diferentes fases: infância, adolescência e vida adulta, no que ela aponta para a formação do gosto, hábitos e práticas de leitura. Visualizar as questões que ancoram essas categorias permitirá a realização da orientação teórica e metodológica que discorrerá sobre essa formação. Nesse sentido, Philippe Ariès (1981) traz subsídios teóricos relacionados às categorias sociais de gênese recente: infância e adolescência. A fundamentação da categoria criança também encontra subsídios em História das crianças no Brasil, organização de Del Priore(2008). Para a categoria adulta serão coletadas as informações do Museu Casa de Cora Coralina, na cidade de Goiás (GO). Com base nos estudos teóricos de Abreu (2003) e Zilberman (2003), é possível situar a época em que viveu o sujeito em estudo, bem como as normas de acesso à leitura da época em que a obra foi escrita. Para entendimento dos costumes da época vivida pela autora em estudo, se faz necessário uma abordagem das idéias que formam o cotidiano do homem, esboçando assim um perfil cultural, pois, segundo Agnes Heller(1989), o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade.O terceiro capítulo traçará uma contextualização geral da obra em estudo, sua história de produção, de publicação e a trajetória sócio-familiar da escritora e poetiza Cora Coralina. Um coleta de dados no Museu Casa de Coralina e outras fontes seguras possibilitarão o cumprimento dessa etapa do trabalho.

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Mário Gregório Diniz, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Um lugar para um desconhecido: aspectos da relação da obra de Allyrio Meira Wanderley com a literatura nacional Orientador: Mário Luiz Frungillo

Neste resumo está esboçada, em termos gerais, a dificuldade em se trabalhar com um romancista e crítico literário que, por razões ainda a serem estudadas, ficou de fora do cânone artístico e intelectual estabelecido. O nome Allyrio Meira Wanderley (1906-1955) hoje não diz absolutamente nada nos meios acadêmicos; tampouco figura qualquer representação, ou na história intelectual brasileira – seja ela sobre o pensamento da esquerda entre os anos 1930-1950, onde ele atuou – ou na história literária do mesmo período, com a qual contribuiu com quatro romances publicados e larga participação em jornais de crítica. A dificuldade reside, especificamente, em se encontrar uma maneira (o termo mais apropriado seria uma brecha) pela qual se possa mostrar, mesmo apesar do cânone, a importância da obra do paraibano Allyrio Wanderley. A resistência persiste e ela é possível de se observar dado o desinteresse ainda em reconhecer o papel desses anônimos que foram solapados do plano do presente, talvez por contingências histórico-sociais, talvez por opção intelectual do próprio escritor em permanecer anônimo, na história da literatura brasileira. Podemos, neste caso que temos em mãos, mais do que mostrar um método de pesquisa, falar da dificuldade de método. Uma rápida observação na maneira de tratar a crítica e a literatura do período em que Allyrio escreveu para o periódico carioca pertencente aos Diários Associados, O Jornal, (entre os anos 1945-1948, sob o pseudônimo de Monte Brito ) ressalta como suas opções ideológicas o levaram a fazer oposição a nomes àquela época já consagrados na intelectualidade nacional, como Adonias Filho, ou mesmo que começavam a se afirmar e se afirmaram posteriormente, como Antonio Cândido. Sobre este, Allyrio acusa-o de ter escolhido, como sendo o melhor, o que na verdade havia de pior na obra de Oswald de Andrade. Diante de exemplos como esse pode-se perguntar realmente qual seria o interesse em revisar a historiografia literária se, com essa revisão que adicione os elementos dissonantes, tais como Allyrio Meira Wanderley ou outros, os componentes consagrados na atualidade seriam postos em questão. Talvez deixá-la como está fosse mais cômodo. O bloco canônico tende a se fechar cada vez que se perscruta o modo como ele se formou. Ademais, este e outros exemplos nos fazem pensar também que, dependendo da perspectiva ideológica do escritor, ele realmente optou por quedar-se anônimo. Outra rápida observação na vida intelectual de Allyrio nos dá a impressão de uma falta de interesse com a própria obra. Não porque este punha em descrédito o que produzia, mas talvez porque seu posicionamento frente ao momento contemporâneo o levasse a vê-la como transitória (de fato, a opção marxista de Allyrio e o contexto histórico de seus anos lhe puseram na fé da iminente transformação completa da sociedade), de modo que seu pensamento não deveria criar algo permanente. Seus romances, em último caso, eram expressão de um mundo em ruínas que, tão prontamente viesse abaixo por completo, não

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teriam significado algum para o futuro. No máximo, o que sua crítica e sua literatura tinham a fazer, como missão aceita, era acelerar esse processo de derrocada. Daí porque, de maneira aparentemente paradoxal, havia a urgente necessidade de escrever, para comunicar a todos a boa nova, e ao mesmo tempo o descaso com a própria obra para não torná-la algo fixo (tenha-se em vista que Allyrio jamais publicou uma segunda edição de qualquer livro seu). Todavia, o futuro que ele tanto esperava não vingou e sua produção, à revelia de outras questões que também contribuíram para seu desaparecimento no quadro dos escritores brasileiros, sobreviveu. E esta nos tem colocado diante de verdadeiros impasses. O primeiro deles é, sem sombra de dúvida, o quê trabalhar nele – qual aspecto dela –, e o segundo é como. Já expressamos que este resumo atesta muito mais um problema de método que mesmo uma proposta em se trabalhar autores desconhecidos. Naturalmente, pode-se objetar que, por se tratar de um, o mais normal é torná-lo conhecido mediante um esforço por recuperar seus ensaios, romances, críticas e também aquilo que se disse sobre ele, enquanto vivo ou postumamente. Mas a questão toda não se resume assim. Em geral, o que se busca, depois que se reúne todo esse material de pesquisa, é colher e salvar dele somente aquilo que, aos olhos do que a recente historiografia literária considera como válido, confirma o que já se estabeleceu como salutar para a compreensão da literatura brasileira. O intuito quase sempre é comparar e dizer qual a validade, a contribuição das idéias daquele escritor esquecido para o que terminou resultando no que hoje conhecemos como literatura brasileira. De fato, não há como fugir às comparações. É preciso ter um parâmetro. Só que ele comumente serve como escala para medir o quanto tal autor estava ou não correto. É preciso, no entanto, comparar mas resguardar a particularidade das suas idéias. Nas instituições acadêmicas, a ênfase dada não apenas em reforçar o cânone construído, mas em fortalecer a idéia de que algo só ganha relevância se passar pelo seu crivo (já que algumas delas se imbuíram de compreender o Brasil) muitas vezes engessa a possibilidade do surgimento de outros discursos e outras propostas de crítica e compreensão da literatura nacional. Pelas lentes dessas academias, na melhor das hipóteses, o que se pode afirmar é a existência de um “cânone de exceção”, ou seja, de um conjunto de escritores ou obras que, quando equiparados ao discurso destas instituições que comprovam determinado projeto da literatura nacional, confirmado nos seus estudos sobre determinados autores ou críticos, se colocam como minoria que não possui condições nem recorrência suficientes para relativizar a existência deste projeto. É desse modo que uma obra como a de Allyrio Meira Wanderley, acentuadamente marcada pela inexistência de uma idéia de brasilidade e contra a qual se lança com todos os recursos – tomemos o exemplo do seu ensaio As Bases do Separatismo (1935), um ensaio onde defende a autonomia das cinco regiões do país como países independentes – apresenta problemas de método para ser pesquisada. É possível afirmar que sua proposta estava incorreta somente se tomarmos como certo o discurso majoritário que, através de grandes lutas ideológicas e políticas, firmou a unidade nacional (Allyrio teve seu livro cassado pelo governo Vargas o qual, como a revisão historiográfica recente tem demonstrado, foi um dos maiores impulsionadores dessa anti-dispersão do país). Pelo mesmo período, no plano intelectual da defesa da brasilidade, temos a fundação da USP, a publicação de textos como Casa Grande & Senzala e Raízes do Brasil, além da busca dos modernistas de São Paulo em sistematizar o “abrasileiramento do Brasil”. Convém dizer que não visamos apresentar Allyrio como aquele que põe em xeque estas propostas, mesmo porque seu livro citado não possui uma pesquisa tão larga quanto seus contemporâneos Sérgio Buarque de Hollanda e Gilberto Freyre. Mas sua importância é dada pela dissonância que afirmou; expõe que tanto a

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literatura nacional quanto a idéia de nação não se construíram tão lineares como costumamos ver hoje. Diante destas questões, pensamos ter explorado neste resumo um pouco dos problemas gerais e específicos de nossa pesquisa, demonstrando possibilidades e entraves para ela, ou pelo menos tentamos despertar a curiosidade para a obra deste prosador e crítico literário paraibano.

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Meriele Miranda de Souza, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual Paulista O Papel da Religião em Gargantua (1534) de François Rabelais: Referências e Intertextos Bíblicos e Mitológicos Orientador: Maria Lídia Lichtscheidl Maretti

François Rabelais representa o esboço do que vem a ser o estado de espírito de um

povo reprimido e subjugado pelos ideais impositivos da Igreja Medieval. No entanto, sua representação não se configura por meio de uma crítica severa e desnuda; antes, é mascarada pelo riso zombeteiro e escarnecedor que se estabelece por meio da paródia e da sátira dos costumes e do discurso dos representantes clericais. Seria justamente esse caráter jocoso e bufão da obra rabelaisiana que levaria muitos dos seus estudiosos a encará-la como uma obra despretensiosa, cujo interesse seria exclusivamente o de causar o riso em detrimento de uma visão militante acerca da obra de Rabelais como, por exemplo, sua visões críticas em relação à sociedade, religião e política tratados sob o viés do riso. Apenas a partir do século XX, no entanto, críticos como Abel Lefranc (1953), Bakhtin (1996) ou Erich Auerbach (1981) conseguiram ver na obra rabelaisiana algo mais do que o simples riso zombador, desvendando o aspecto crítico e até mesmo regenerador de suas imagens. Lefranc interpretou as formas de crítica e oposição à Igreja, vendo em Rabelais um exímio opositor ao Cristianismo, chegando a julgá-lo um acirrado militante ateu. Bakhtin, por sua vez, percebe o aspecto regenerador de suas críticas, já que as imagens populares de Rabelais servem não só de oposição aos dogmas cristãos como também configuram uma nova forma de ver o mundo, advinda dos ideais renascentistas. Auerbach aponta o estilo mimético, plural e multifacetado de sua obra, herdado dos sermões das ordens mendicantes da Idade Média, retomados pelos humanistas como forma de oposição satírica à Igreja. Nesse sentido, considerando a relevância social e ideológica da obra rabelaisiana, neste trabalho propomo-nos a localizar e analisar os intertextos das fontes bíblicas e mitológicas em Gargantua (1534), buscando sua significação e função crítico-ideológica tais como, por exemplo, na apropriação de excertos bíblicos como forma de paródia satírica às práticas cristãs e na recorrência às antigas fontes mitológicas como recurso estilístico e meio de oposição à visão centralizada restrita da Igreja Medieval. Para esse fim, abordaremos, em primeira instância, os estudos teóricos e metodológicos dos aspectos envolvidos na pesquisa, tais como os ensaios Palimpsestes (1982) de Gérard Genette, Introdução à Semanálise(1974) de Julia Kristeva, La seconde main ou le travail de la citation (1979)de Antoine Compagnon e o artigo “A estratégia da forma” (1979), de Laurent Jenny, para tratar da questão da intertextualidade. Acerca da paródia, utilizaremos, inicialmente, como parâmetros teóricos para nosso estudo as obras: A Teoria da Paródia (1985) de Linda Hutcheon e Paródia, Paráfrase e Companhia (1985) de Affonso Romano de Santana. Também abordaremos os ensaios Aula (1978) e Mitologias (1980) de Roland Barthes para tratar das relações entre linguagem e poder e os estudos Mito e realidade e Le sacré et le profane (1965) de Mircea Éliade; além de Mito e sociedade:a mitanálise e a sociologia das

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profundezas (1983), de Gilbert Durand, O universo, os deuses, os homens (2000) de Jean-Pierre Vernand e o artigo ““Littérature et mythe” (1971) de Northrop Frye, que abordam a questão do mito e da Mitologia greco-romana. Em segundo lugar, para uma reflexão crítico-analítica da obra rabelaisiana abordaremos estudos de fundamental importância para sua compreensão tais como A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto e François Rabelais (1996), de Mikhail Bakhtin, o capítulo “O mundo na boca de Pantagruel”, de Mimeses (1981), de Erich Auerbach, O problema da incredulidade no século XVI: a religião de Rabelais (2009) de Lucien Febvre, o ensaio De la Bible à François Villon – Rabelais Franciscan (1986) de Étienne Gilson, assim como os estudos paratextuais de Yara Frateschi Vieira em introdução à edição de 1986 de Gargantua e os de Élide Valarini Oliver, tradutora do Terceiro Livro (2006).

No desenvolvimento de nossa pesquisa, em primeira instância, faremos a leitura e anotações sobre os aspectos religiosos em Gargantua . Essa leitura considerará:

1) Os intertextos e referências bíblicas observadas no romance; 2) As demais formas de comentários e críticas relacionados à religião cristã,

considerada aqui como uma mitologia; 3) As referências e os intertextos da Mitologia grega e romana, bem como de outras

religiões mencionadas na obra. Em segunda instância, faremos a leitura e anotações de obras referentes à

abordagem teórica e metodológica do assunto, já citadas acima, repetindo o mesmo processo em relação aos estudos de abordagem crítico-analítica da obra rabelaisiana.

Com base na importância dos aspectos religiosos na obra rabelaisiana, como forma de crítica à visão medieval, e nos aspectos mitológicos como meio de resgate do clássico e configuração de novas visões de mundo, em nosso estudo, objetivamos:

1) Analisar primeiramente os intertextos da Bíblia em Gargantua, destacando as funções crítico-ideológicas desses elementos tais como a paródia satírica aos dogmas e práticas cristãs;

2) Analisar as referências e críticas cristãs tais como alusões e comentários críticos dos personagens ou do narrador acerca dos preceitos da igreja e suas significações na obra;

3) Analisar os intertextos mitológicos assim como as simples referências ao universo da Mitologia, ressaltando sua função de resgate da cultura clássica e contribuição à pluralidade de estilos do autor como forma de abertura de possibilidades de visão do mundo e do homem.

Nossa pesquisa pretende - além de analisar os intertextos e referências bíblicas e mitológicas da obra de Rabelais, ressaltando suas significações crítico-ideológicas - estabelecer uma visão geral do papel da religião em Rabelais através de uma abordagem geral da fortuna crítica rabelaisiana, traçando um histórico analítico das visões de seus críticos sobre as imagens religiosas evidenciadas em sua obra.

Em suma, considerando as funções ideológicas dos intertextos, através de sua análise pretendemos proporcionar uma visão mais ampla das influências das novas idéias renascentistas sobre o contexto literário do século XVI através da obra rabelaisiana em detrimento da visão limitada da Idade Média. Vale lembrar também a relevância dos estudos acerca da obra de Rabelais devido a sua grande importância no contexto literário francês do século XVI.

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Moizeis Sobreira De Sousa, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade De São Paulo O diálogo de Camilo Castelo Branco com a tradição ficcional setecentista de Voltaire Orientador: Paulo Fernando da Motta de Oliveira

O presente trabalho tem por objetivo apresentar o projeto de doutorado O diálogo

de Camilo Castelo Branco com a tradição ficcional setecentista de Voltaire, ainda em fase inicial de desenvolvimento. Este projeto é o desdobramento de um estudo mais amplo, em execução há cinco anos, que visa a mapear o espaço reservado a Camilo Castelo Branco no cânone literário português, como também as principais tendências interpretativas legadas pela tradição dos estudos camilianos. Esteado nesse estudo, desenvolvido em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da Faculdade de Letras da USP, pressupõe-se que a implantação do romance em Portugal, resultado, em grande parte, dos esforços da pena camiliana, foi possível graças ao diálogo que essa pena travou com a tradição narrativa do século XVIII, em particular com a obra de Voltaire, proeminente autor setecentista. Levando em consideração esse aspecto, o referido projeto tem por objetivo estudar a possível relação estabelecida por Camilo com a obra do autor francês.

O desenvolvimento desta pesquisa se dará basicamente através de rastreamento, leitura e análise da bibliografia existente sobre as seguintes obras: Cenas da Foz (1857), A Queda dum Anjo (1866) e A Mulher Fatal (1870), A Caveira da Mártir (1875), A Brasileira de Prazins (1882), do romancista português e Zadig ou la Destinée (1748), Candide ou l’Optimisme (1759), L’ingénu (1767) e La princesse de Babylone (1768), do autor francês, bem como artigos existentes sobre a narrativa camiliana e voltaireana. Inicialmente será feito um levantamento, utilizando a base de dados Dedalus, que possui a referência das obras depositadas nas bibliotecas da Universidade de São Paulo. Em seguida, será utilizada a base Porbase, detentora da maior parte das referências das bibliotecas portuguesas.

A ficção camiliana testemunhou, ao longo de seu extenso conjunto, três fases cruciais para a tradição do romance português: ascensão, maturação e consolidação. O autor de Amor de Perdição reúne em torno de si um conjunto de fatores que permitem a formulação da tal hipótese. Em primeiro lugar, ele concebe um projeto estético-literário independente de uma matriz ideológica, política e religiosa específica. Ao contrário dos escritores que o antecederam (tenha-se mente Garrett e Herculano), Camilo não coloca Portugal como uma questão central, tendo em vista a elaboração de um plano que colmatasse a decadência pátria. Diferentemente desses escritores, ele parece ter deslocado seu interesse das questões políticas para a elaboração de uma reflexão programática (no interior e/ou paralelo aos seus textos ficcionais) acerca da narrativa romanesca, o que lhe permitiu esboçar e levar a cabo um projeto de implantação do romance.

Outra razão que pode ter contribuído para que o romance português tenha surgido na ficção camiliana está na trajetória artística de seu autor, iniciada nos jornais. Por natureza, o gênero jornalístico é palco onde interagem diversas variedades discursivas. Eis

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uma das lições que o romancista aprende nas gazetas e aplica no romance, que, como se sabe, reclama para si uma linguagem múltipla, esteada numa acentuada multiplicidade de gêneros discursivos. Outro aspecto que caracteriza a imprensa é modo como ela apresenta a realidade: quotidiana, fluída, às vezes, reinventada, muito similar ao que a construção romanesca exige. Possivelmente, é através dessa característica que a pena camiliana aprendeu a representar a vida portuguesa sob um viés trivial, algo que não tinha sido feito antes do autor de A Queda dum Anjo. Um terceiro aspecto do discurso jornalístico diz respeito à sua capacidade de criar novos subgêneros, tais como o folhetim, a crônica, o artigo, a nota, o registro necrológico, entre outros. Ora, o romance se funda, em certo sentido, na incorporação de diversos gêneros narrativos, traço não negligenciado por Camilo.

Embora tenha ascendido no século XVIII na Inglaterra e na França e no século XIX em Portugal, o romance inscreve-se numa vigorosa tradição que estende raízes desde a Antiguidade , até chegar à Idade Moderna, pós-revolucionária. Tentar refazer integral e detalhadamente esse longo percurso seria tarefa certamente fadada ao insucesso, não obstante, é possível fazer um recorte temporal menor, tendo em vista a melhor compreensão desse fenômeno que revolucionou a ordem discursiva. No caso de Portugal, cuja ascensão do romance se deu em meados do século XIX, em estreita articulação com a prática romanesca franco-inglesa do século XVIII, parece ser de grande proveito estabelecer um diálogo com este século.

Particularmente, Camilo Castelo Branco aproveitou largamente o pecúlio oferecido pela literatura setecentista nos seus romances. De antemão, convém notar que esse procedimento o distanciou dos modismos da sua época e garantiu aos seus textos certa independência em relação aos movimentos literários vigentes no século XIX, como também das propostas regeneradoras desses movimentos. Indo mais adiante, é possível supor que esse diálogo apresentou a Camilo subsídios para a implantação de um projeto romanesco em Portugal, permitindo-lhe ainda preencher, mesmo com uma grande defasagem temporal, o vácuo deixado pela quase total ausência de prosa ficcional no século XVIII português. Se o autor de Coração, Cabeça e Estômago revolucionou a ordem discursiva do seu país, esse feito se deu a partir de um duplo movimento. Primeiro: ele se volta para a contemporaneidade, implantando definitivamente o romance, modalidade ficcional da qual não se podia mais prescindir. Em seguida, se desloca em direção ao passado, para recuperar e/ou estabelecer a produção em prosa que não vingara a seu tempo, reunindo condições que favoreceram o cumprimento do seu projeto romanesco.

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Nádia Nelziza Lovera de Florentino, Mestrado em Teoria e História Literária - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul A configuração textual em Mar paraguayo, de Wilson Bueno Orientador: Antonio Rodrigues Belon Este trabalho apresenta as considerações iniciais e a proposta de pesquisa da dissertação a ser apresentada ao Programa de Pós-graduação – Mestrado em Letras/ Área de Concentração: Estudos Literários da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – Campus de Três Lagoas, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Rodrigues Belon. Tem como objetivo explorar a complexidade artística que envolve a obra Mar Paraguayo, de Wilson Bueno, relacionando o estudo da instância narrativa e do monólogo interior, enquanto detalhes internos que compreendem sua unidade estrutural, à constituição da protagonista em sua dimensão mensurável, ampla e fundamental. Também pretende sistematizar a obra narrativa em questão a fim de analisar sua linguagem e perspectivas, além de depreender as inter-relações culturais e sociais nela suscitadas e destacar sua relevância na produção literária atual. Assim, busca-se uma análise estrutural que facilite a compreensão dos aspectos internos de Mar paraguayo, possibilitando nas questões estéticas e formais uma reflexão dialética, humana, social e cultural de seus componentes estruturais. A manipulação artística é, sem dúvida, a pedra de toque de toda obra literária, pois, a partir dela, a trama, a enunciação e a própria estrutura textual ganham corpo e sentido. Ora, perceber toda a sua complexidade em um determinado livro é, certamente, uma tarefa complicada, senão impossível. Expoente dessa exploração de recursos estéticos na criação de obras singulares do ponto de vista linguistico, literário e artístico, Wilson Bueno, escritor contemporâneo, começou a publicar nos anos 80. É autor de Bolero’s Bar (Criar Edições, 1986), Manual de Zoofilia (Noa Noa, 1991), Ojos de água (El Território, Argentina, 1991), Mar paraguayo (Iluminuras, 1992), Cristal (Siciliano, 1995), Pequeno tratado de brinquedos (Iluminuras, 1996), Meu tio Roseno, a cavalo (Editora 34, 2000), Cachorros do céu ( Editora Planeta, 2005), Diário vagau (Travessa dos Editores, 2007), Pincel de Kioto (Editora Lumme, 2007), Canoa canoa (Verbena Ediciones, 2007) e A copista de Kafka (Editora Planeta, 2007). Wilson Bueno também atua intensamente como cronista e colaborador em diversos periódicos, tendo seus trabalhos publicados semanalmente na Folha do Paraná e em O Estado de S. Paulo, dentre outros. Em Mar paraguayo, romance constituído de uma série de peculiaridades, dentre as quais se ressalta a língua, o escritor ultrapassa as barreiras gramaticais e, poeticamente, mescla idiomas para, literalmente, borrar quaisquer fronteiras. Nesta obra, Espanhol, Português e Guarani deixam suas particularidades, se interligam e se aliam ao “buenês” para dar voz às memórias e confissões de uma prostituta paraguaia velha que vive em Guaratuba. Na busca por uma melhor compreensão da voz narrativa, os esclarecimentos sobre a instância narrativa e o monólogo interior apresentam-se como aspectos relevantes na articulação do narrador e do protagonista enquanto unidade ontológica. A análise ancora-se nas propostas teóricas de Gerard Genette, Jean Poullion e Norman Friedmann e nas explicitações de Carlos Reis e

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Ana Cristina Lopes, Ives Reuter e Massaud Moisés. Para ter sentido, toda teoria deve ser articulada ao texto literário, pois é ele o centro da manipulação artística. A teoria existe em função da obra literária e não o inverso. Nessa perspectiva, articulando a teoria de Genette e Poullion a esta obra, podemos categorizar um narrador autodiegético, situado no nível intradiegético e cuja perspectiva passa pelo narrador-protagonista – visão com (focalização interna fixa). Já segundo a classificação de Norman Friedman, temos claramente a narração de um eu como protagonista, que se encontra limitado a seus próprios pensamentos, sentimentos e percepções. Há que se considerar que, em qualquer narrativa, a focalização escolhida diz muito de sua constituição e significado. Toda perspectiva é reveladora, pois a partir da apresentação do narrador aparecem com relevância – ou não – as demais personagens. O fato de a história ser contada por um narrador onisciente, por uma personagem ou pelo protagonista traz à luz a estratégia de manipulação artística e transforma o curso de apresentação da diegese. No livro escolhido, a escolha da perspectiva passando pelo narrador é fundamental para dar ênfase à sua composição e significação. Nesse relato, temos uma mulher estrangeira expondo suas memórias de prostituta, em uma sociedade regida, sobretudo, pela moral cristã capitalista, onde a liberdade de expressão feminina ainda não atingiu o auge da igualdade de sexos. A técnica do monólogo interior revela-se imprescindível na composição do narrador em Mar paraguayo, pois todo o discurso é organizado de forma a expressar os pensamentos, as sensações, as memórias e, sobretudo, as confissões da narradora. Os relatos da marafona confundem-se com lembranças e desejos, como se ela se dirigisse a si mesma na ordem caótica de seu pensamento, principal característica do fluxo de consciência. Esse monólogo pode ser considerado indireto, na medida em que apresenta certa sequência ou concatenação de imagens, sensações e anseios. Por fim, após esses breves esclarecimentos, pode-se dar ênfase à relevância deste trabalho, uma vez que possibilita a análise de uma obra contemporânea, no sentido de explorar aspectos estruturais que facilitem a sua compreensão e inseri-la em uma totalidade, em uma corrente crítica que revele sua importância e peculiaridades. Nesse sentido, pretende-se ir além da análise formal do texto adotando a pesquisa bibliográfica e a reflexão dialética como formas de se tecer um trabalho atualizado, proveitoso e válido para o nosso tempo.

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Paulo Roberto Barreto Caetano, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas. Filicídio: a tábua solene que se incendeia em Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. Orientador: Mário Frungillo

O termo ‘monstro’, desde o dicionário até o senso comum, diz respeito a seres que apresentam, basicamente, uma forma incomum. Segundo o Novo Dicionário Houaiss, o vocábulo designa: “ser disforme, fantástico, ameaçador, geralmente descomunal, (...) que remota à mitologia. Indivíduo muito ruim, cruel, desumano, atroz.” (Houaiss, 2001, 1955). Para a Teratologia, é o feto, ou criança, que apresenta anomalia(s) de desenvolvimento tal, que o torna(m) disforme e, geralmente, só lhe permite(m) vida breve; aberração; além daquilo que é muito grande ou fora do comum. Para além da acepção do dicionário, a literatura oferece um sem número de definições ou configurações de monstros. O corcunda de Notre Dame, os vampiros, Dráculas e múmias são alguns dos monstros recorrentes na literatura e no cinema.

Partindo desses exemplos, faz-se necessário expor que a pesquisa em questão tem como foco analisar a construção dos personagens em Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar à luz do conceito de “monstro”. Acredita-se que em tal romance é possível associar a noção de monstruosidade a André e a seu pai. O primeiro, representando a liberdade, irrompe como uma figura que foge à moral pregada pelo pai, por meio, por exemplo, do incesto e da fuga à paciência preconizada; já o segundo, por sua vez, representando a tradição, aparece como personagem opressor, disseminando uma “ideologia” pautada no equilíbrio e no comedimento.

Tendo em vista esses conceitos e exemplos, é possível afirmar que a pesquisa objetiva ir além dos estudos em que se analisa a definição do que seria um monstro. O objetivo é trazer uma discussão, num âmbito em que dialogam literatura brasileira e teoria da literatura, sobre a representação do monstro a partir da construção dos personagens no livro Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar. Assim, tal pesquisa justificar-se-ia não só pelo fato de discutir a intangibilidade do conceito de literatura (o que permite a concepção de literatura como monstro, já que uma característica do ser monstruoso é dificuldade de descrevê-lo, de apreendê-lo), mas também de analisar como se dão processos de exclusão social, visto que o tema que percorre o romance em questão é a atemporal luta entre tradição e liberdade. Isso porque o pai, personificando a tradição, pode aludir ao contexto repressivo no Brasil em que o livro foi escrito – década de 70 – o que permite um diálogo com História e Sociologia. Desse modo, a associação do conceito do termo “monstro”, a partir do conjunto de ações, falas e idiossincrasias dos personagens pode apontar não só para o abuso da força verbal e física (representada na figura paterna), como também para questões de cunho moral, como no caso dos incestos feitos pelo protagonista, André.

Por outro lado, fulgurando como um belo discurso sobre o tempo e o tratamento que os homens deveriam dar ao mesmo, a fala do pai corrobora para a difusão de preceitos como, por exemplo, o comedimento, a prudência. Para tal, o uso de anáforas, assim como

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no texto bíblico, ajudam no desenvolvimento de um texto coeso que assim se faz sem ser repetitivo. Leyla Perrone Moisés, no Cadernos de Literatura Brasileira, expõe tal procedimento: “Num registro bem diverso, o tom profético das falas do pai é obtido pelo recurso à anáfora, próprio dos textos sagrados.” (Moisés, 1996, 67). Destarte, os sermões configuram-se como representação dos ditames da tradição, como elemento de solidificação da gravidade paterna, como opressão para o “galho” esquerda da família. A força do discurso, então, emerge como recurso fundamental na construção do personagem.

Diferentemente de André, os sermões do pai apontam para uma perspectiva de manutenção da ordem. Exemplo disso é detalhado na parábola do faminto. História em que um desfavorecido bate à porta de um suposto generoso governante, “o rei dos povos, o mais poderoso do universo”. (Nassar, 1989, 77), acontece nesse episódio a descrição de um comportamento tido como exemplar de subserviência como requisito indispensável ao gozo e à sorte. O esfomeado, ao entrar no jogo do anfitrião, aparentemente, negando sua pungente fome, faz, com a mímica da degustação, a encenação do teatro das castas sociais. A confirmação do elogio à paciência, faz-se como camada inicial para a difusão do discurso da ordem vigente: “O faminto, dobrando-se de dor, pensou com seus botões que os pobres deviam muita paciência diante dos caprichos dos poderosos.” (Nassar, 1989, 81 – 2). A relação doador-carente contribui para a manutenção da hierarquização social pautada no nível econômico. Aquele que detém tal abastança pode se colocar na posição de fornecedor, aquele que teria vencido os percalços do acaso, sendo supostamente melhor que o outro que não teve boa sorte ou não soube aproveitar-se dela. Assim, com a recepção do faminto, o “rei dos povos” endossa seu lugar de dominação. Para Ivete Walty, “o saber é uma forma de poder (...) quase sempre repetindo a relação colonizador / colonizado. A relação entre criança e seus pais (...) entre o discípulo e seu mestre envolve a submissão dos primeiros à dominação dos segundos. (Walty, 1985, 77). É possível então dizer que não só a relação entre o rei anfitrião e o faminto “apadrinhado” pressupõe a preservação de tal hierarquização, mas a consistente expressão de tais ideias pelo pai, usando da autoridade que lhe é atribuída, ajudam na instauração desse ideário. Ajudam ainda na instauração da figura paterna como provedora, como elemento situado no lugar da ordenação. Desse modo, a parábola do faminto e o sermão sobre o tempo servem como estratégias do enunciador para colocar-se como aquele que, pela contenção, pelo suposto equilíbrio, não sucumbiu aos apelos da ansiedade e, por tal, também, senta à cabeceira: chefia a casa. Na comunicação em que se propõe apresentar, é intento expor uma análise acerca desses personagens com base no que Antonio Candido discorre acerca de exemplaridade na “sintetização de situações-limite”, ou seja, os episódios referentes a ambos parecem sugerir uma intensificação das reações e emoções, sendo estas, estopim para uma possível associação dos mesmos com seres dotados de monstruosidades. Seja esta pela violência (assassinato), pela violação a leis morais (incesto).

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Priscila Nascimento Marques, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade São Paulo Espelhamento e distorção: a construção da subjetividade do Raskólnikov de Crime e castigo em seu diálogo com Svidrigáilov Orientador: Bruno Barretto Gomide

A pesquisa de mestrado intitulada Polifonia e Emoções: um estudo sobre a construção da subjetividade em Crime e castigo de Dostoiévski, à qual dei início no segundo semestre de 2007 junto ao Programa de Literatura e Cultura Russa da FFLCH-USP, tem como objetivo geral a elaboração de uma análise do romance Crime e castigo, a partir do referencial teórico-metodológico proposto por Vigotski (1999 e 2001) em seus textos sobre arte e psicologia. Tenciona-se, mais especificamente, concentrar os esforços no estudo do protagonista da referida obra, isto é, buscar compreender como se dá a construção de sua subjetividade no texto. Para Leonid Grossman, o mundo dostoievskiano é marcado por uma particularidade: sua unidade orgânica, já que “os tipos aos quais o romancista se afeiçoara não conheceram jamais o isolamento, a separação, o rompimento com toda a família das suas personagens. Eles faziam eco uns aos outros e estavam ligados pelos fios de uma ininterrupta proximidade interior” (Grossman, 1967, p. 136). Assim, tem-se que para uma satisfatória compreensão do personagem Raskólnikov é imprescindível visualizá-lo em suas relações intersubjetivas. Considerando isso, as análises desenvolvidas na dissertação estarão divididas em capítulos, cada qual destacando duas “vozes” (a do protagonista e a de outra personagem, com a qual ele dialoga), com vistas a explicitar contradições e implicações que esses diálogos suscitam no processo de autoconsciência de Raskólnikov.

Partindo da indissociabilidade do par forma-conteúdo (prerrogativa essencial do método proposto por Vigotski), a especificidade do fenômeno artístico não será negligenciada na escolha do enfoque e procedimentos de análise, isto é, trabalhar-se-á com a obra respeitando suas propriedades intrínsecas. Dois autores se constituem como referências dentro dessa perspectiva: Vigotski (1999 e 2001) com sua psicologia da arte e Bakhtin (1997), o qual destrinchou as propriedades do romance dostoievskiano e elencou suas características fundamentais. As idéias de Vigotski serão importantes para a orientação metodológica, e não na forma de construtos teóricos que se pretende verificar na ficção analisada. A psicologia propriamente dita deve derivar do texto, particularmente, de sua construção formal. Bakhtin, por sua vez, aparecerá como pano de fundo teórico, isto é, teremos no horizonte as noções de polifonia e de diálogo, mas não buscaremos comprová-las (já que este foi o trabalho do próprio Bakhtin), de modo que, nas análises, a interlocução teórica será significativamente ampliada, considerando críticos que dedicaram trabalhos especificamente à Dostoiévski e Crime e castigo, mais ou menos congruentes à visão bakhtiniana.

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Como se sabe, o conceito de romance polifônico é chave na interpretação que Bakhtin faz da produção de Dostoiévski. As principais idéias que permeiam esse conceito são o diálogo e o processo de autoconsciência. A primeira delas, crucial na polifonia, aponta para uma pluralidade de vozes (eqüipolentes e plenivalentes) que se entrecruzam e interagem entre si e consigo mesma, de tal forma que o romance se constitui num grande diálogo entre os personagens e no interior dos mesmos. Corrobora essa visão a idéia de Vigotski de que, dado o princípio construtivo que se refere ao fato da obra de arte poder extrapolar os limites do esperado, o herói configura-se em alguém dinâmico, que sofre modificações de caráter ao longo da trama (Vigotski, 2001, p. 292). Esse modo de construir as personagens e suas idéias promove o processo de tomada de consciência.

Dessa forma, faz-se necessário considerar o protagonista de Crime e castigo na forma pela qual ele é apresentado ao leitor, isto é, de acordo com a perspectiva polifônica. Para Bakhtin, “a personagem de Dostoiévski é toda uma autoconsciência” (Bakhtin, 1997, p. 50), a qual “focaliza a si mesma de todos os pontos de vista possíveis” (Bakhtin, 1997, p. 48). Partindo desse princípio, a dissertação busca analisar o processo de tomada de consciência em sua maneira dialógica e polifônica, considerando as várias vozes que dialogam entre si em busca da verdade. Entretanto, observa-se que a verdade objetivada não é uma assunção monológica, derivada da consciência do autor, trata-se, contudo, da “verdade da própria consciência do herói” (Bakhtin, 1997, p. 55). Em Crime e castigo, conforme aponta Bakhtin, “tudo está em oposição a essa consciência [de Raskólnikov] e nela refletido em forma de diálogo. Tudo que vê e observa [...] é inserido no diálogo, responde às suas perguntas, coloca-lhe novas perguntas, provoca-o, discute com ele ou confirma suas idéias.” (Bakhtin, 1997, p. 76). Assim, os outros personagens farão parte da análise enquanto representantes de facetas da subjetividade de Raskólnikov, os quais aparecem em sua consciência para mostrar-lhe sua própria multiplicidade e inconclusibilidade, auxiliando-o, dessa forma, no seu processo de tomada de consciência de si, dos outros e do mundo.

Na presente comunicação apresentarei, em linhas gerais, a análise do par Svidrigáilov/Raskólnikov, a qual foi feita mediante um corte transversal, que levou em conta todas as ocorrências dessa personagem ao longo do romance. Foram registradas todas as menções a Svidrigáilov, independentemente de haver contato pessoal com Raskólnikov, ou seja, consideraram-se também as passagens em que ele surge em meio ao fluxo de pensamento do protagonista e os (poucos) momentos em que são retratadas em sua ausência. Buscou-se “amarrar” essas ocorrências, numa tentativa de estabelecer uma continuidade de análise que capte os movimentos afetivos e reflexivos de Raskólnikov em relação a este seu duplo, e, assim, compreender de que modo eles catalisam seu processo de autoconhecimento e proporcionam a construção de sua subjetividade para o leitor no romance.

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Rachel Hoffmann, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de São Paulo As faces da ironia na obra de José Cardoso Pires: o caso de O anjo ancorado Orientadora: Sônia Helena de O. Piteri

Os textos de momentos distintos da obra de José Cardoso Pires chamam atenção para as diferenças entre a manifestação da ironia em algumas de suas primeiras publicações, como O anjo ancorado (1958) e Jogos de azar (1963), coletânea que reúne alguns dos contos anteriormente publicados em Os caminheiros e outros contos (1949) e Histórias de amor (1952), e as formas de expressão do irônico apresentadas em algumas das produções posteriores, como: Dinossauro Excelentíssimo (1972), E agora, José? (1977), O burro em pé (1979), Alexandra Alpha (1987), A república dos corvos (1988) e Lisboa, livro de bordo (1997). Desse modo, pautando-se em Torres (1967), entende-se que, em um primeiro momento, parte da produção cardoseana conteria uma ironia ligada a certo grau de fingimento do narrador e a uma ocultação do jogo de forças das personagens, sob um véu de pseudo-elementarismo, apresentado principalmente pela contenção descritiva. De maneira diferente das narrativas iniciais, Dinossauro excelentíssimo (1972) promoveria uma mudança significativa no modo de articulação do discurso irônico de Cardoso Pires, modificação também verificada em alguns dos textos de O burro em pé (1979) e d’ A república dos corvos (1988). A esse respeito, Petrov (2003) não deixa de notar, nesses últimos livros, a tentativa de criação de um tom jocoso e muitas vezes sarcástico. Nesse sentido, o crítico chega a afirmar que, de forma distinta da brevidade e secura anteriores, o tom “folgazão” e “chocarreiro” dessas novas produções seguiria o lema “para grandes males, grandes risos” (CRUZ, apud PETROV, 2003, p. 46). Partindo dessa percepção da mudança do discurso irônico ao longo da escrita de Cardoso Pires, este trabalho propõe o estudo dos recursos que permitem a visualização de diferentes faces da ironia na obra do escritor português. Além disso, intenta-se explorar as implicações de sentido promovidas pela adoção de procedimentos correlatos como a paródia, o cômico, o humor, a sátira e a caricatura. Entende-se ainda que o estudo de alguns dos textos cardoseanos mostra, em conjunto, uma insistência em certos temas, figuras e procedimentos, os quais criam paralelamente eixos possíveis de abordagem da escrita do autor. Assim, foram selecionados para análise, na tese, os textos “Carta a Garcia”, de Jogos de Azar (1963), “Uma simples flor nos teus cabelos claros”, de Histórias de amor (1952), O anjo ancorado (1958), “Dinossauro excelentíssimo” (versão publicada em 1979), Alexandra Alpha (1987), “Lá vai o português”, de E, agora, José? (1977), Lisboa, livro de bordo (1997), “Por cima de toda folha”, de O burro em pé (1979) e “A república dos corvos”, do livro homônimo de 1988. Desse modo, verifica-se nas três primeiras narrativas citadas, a expressão de uma ironia menos explícita, baseada na ação das personagens e no reconhecimento dos papéis contrastantes desempenhados por elas. No segundo grupo de três textos, nota-se que a ironia, de modo cada vez mais incisivo, aparece como instrumento de reflexão dirigida a uma situação política específica de Portugal, a ditadura salazarista. Por fim, o último grupo

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de obras se liga não apenas pela presença do viés irônico mais marcado, mas também por um recurso de intertextualidade: todas apresentam, com maior ou menor insistência, peripécias de uma mesma personagem: o corvo Vicente. Para a realização de nossas análises, fundamentamo-nos principalmente nos livros A ironia e o irônico (1995), de Muecke, Ironia em perspectiva polifônica (1996), de Brait, Uma teoria da paródia (1989) e Teoria e política da ironia (2000), de Linda Hutcheon, para o entendimento da ironia nas narrativas. Também nos basearemos nos estudos de Pirandello, O humorismo (1996), e Minois, História do riso e do escárnio (2003), para relacionarmos a ironia ao humor, já que tais recursos apresentam-se de forma quase indissociável em alguns textos. E por fim, estudaremos os livros de Propp, Comicidade e riso (1992), de Bergson, O riso (2004), e de Hodgard, La sátira (1969), para estabelecer o diálogo entre a ironia e a sátira, bem como para refletir sobre a produção do efeito cômico, presente paralelamente a outros recursos. Os estudos de Hutcheon auxiliarão também na abordagem da paródia, procedimento constante em alguns textos. Como a tese está em andamento, apresentaremos, em nossa fala, apenas a leitura de O anjo ancorado (1958). Nessa narrativa visualizam-se, de um lado, as impressões de um casal de burgueses em visita a uma pequena cidade, chamada São Romão; de outro, mostram-se as reações dos moradores com relação à chegada dessas personagens. Ao longo da exploração dos diálogos do casal, vai se notando pouco a pouco uma ironia dirigida a ele. Aqui o discurso irônico é utilizado pelo narrador como forma de reflexão crítica a respeito dos papéis desempenhados pelo homem e pela mulher em relação à realidade que os rodeia. Nesse sentido, percebem-se, no personagem masculino, resquícios de um pensamento “marialva” ou machista, além de se notar que a personagem feminina, tão aparentemente ciente de seu papel de mulher emancipada, é visivelmente ignorante em relação aos problemas sociais de São Romão. Com relação aos moradores da aldeia, dois personagens se destacam: o menino das rendas e o velho do perdigoto. Por meio do embate entre o casal, o menino das rendas e o velho do perdigoto, mostram-se as diferenças entre os recursos mobilizados pelas personagens para lidarem com suas diferentes carências. Assim, enquanto o menino vende as rendas para sobreviver, o velho manipula os turistas, obrigando-os a comprar o pássaro para impedir a morte do perdigoto. Paralelamente, a mulher, em visita a aldeia, tenta constantemente estabelecer um diálogo com o homem que, de forma mecânica, dirige sua energia a outras atividades. Na observação dessas ações, percebe-se de que maneira as relações entre o casal e os moradores são mediadas pelo dinheiro enquanto o contato entre o homem e a mulher se dá por meio da simples aceitação ou completa refutação do discurso do outro. Em último grau, a ironia na observação de tais acontecimentos, baseadas na compra e na renda, ou ainda, no engajamento ou no alheamento, denuncia de modo incisivo a alienação das personagens com relação a elas mesmas e ao seu papel na sociedade.

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Ramon Domingues Maia, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campina Oswald, o projeto pau-brasil e o pensamento social brasileiro Orientadora: Maria Eugenia Boaventura

Este trabalho pretende apontar para uma pesquisa que promova um conjunto de análises do Manifesto da poesia pau-brasil (1924) e do livro de poemas Pau-brasil (1925), de Oswald de Andrade. Buscaremos, também, estabelecer as homologias entre estes textos e aqueles consagrados como a clássica interpretação do Brasil, especialmente, Casa-grande & senzala (1933), de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, e Formação do Brasil contemporâneo: colônia (1945), de Caio Prado Jr. O norte de nossa investigação indica uma íntima conexão entre o modernismo e a prosa de pensamento social. Em favor desta hipótese, temos a consideração mais geral de Antônio Candido, em Literatura e sociedade, “A alegria turbulenta e iconoclástica dos modernistas preparou, no Brasil, os caminhos para a arte interessada e a investigação histórico-sociológica do decênio de 30” (CANDIDO, 1980, p. 125). Trata-se de conceber os ensaios de interpretação do Brasil acima referidos como uma malha textual que aprofunda e alarga os horizontes do projeto pau-brasil de Oswald. Precisamente, mais do que convergências isoladas e tópicas, nossa pesquisa pretenderá considerar o Manifesto e Pau-brasil como um tecido feito de palavras, o que significa compreender o aspecto aforístico de um e, o mecanismo das pausas, da enumeração e do jogo das vozes dos poemas, de outro. A prosa de pensamento social será, por sua vez, tomada como ensaio. Isto implica em interpretar Casa-grande & senzala, por exemplo, no horizonte de uma negativa à teoria e à ciência organizadas, Da mesma forma, Raízes do Brasil será considerado na sua recusa a uma historiografia sistemática. Formação do Brasil contemporâneo: colônia, a despeito de todo seu esforço pré-científico, parece pôr em relevo certo discurso descontínuo, além de seu assunto abordar a recuperação de um da história da formação da nação. A análise da estrutura profunda dos ensaios, assim concebidos, nos autoriza ao estudo comparado com o projeto pau-brasil, marcado pela idéia de fragmentação, pelo levantamento de problemas de modo livre e pela recusa ao fechamento da questão da formação do Brasil. O horizonte proposto é o de se conceber o pensamento social clássico brasileiro como extensão e alargamento do intento oswaldiano.

Parece haver, a nosso juízo, um grande número de possibilidades de investigação, pelo menos a partir deste ponto, das relações intertextuais entre a poesia pau-brasil e a prosa de Casa-grande & senzala; particularmente relacionando os sememas “mulato”, “professor”, “aluno” “negro” e “branco”, em Oswald, e as categorias “senhor” e “escravo” em Gilberto Freyre. Poderá ser investigado, inclusive, se há um equilíbrio ou um desajuste entre os pólos antagônicos. Torna-se necessário identificar a possibilidade da viabilidade de tal tese e o modo de posição dos pólos em Oswald. Inicialmente, podemos dizer que nossa disposição procedimental na análise das categorias e dos sememas será diferente da que

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lança mão da análise sintática, tal como indicamos para uso no estudo do conjunto dos poemas. Aqui, efetuaremos uma análise das unidades semânticas, uma vez que aquelas noções apontam para uma relação entre sentido e contexto, ou seja, referem-se a posições diante da história. A estreiteza das relações entre o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda e a poesia de Oswald de Andrade pode parecer mais evidente devido à ativa militância literária de ambos os escritores na fase heróica do modernismo brasileiro. Antônio Arnoni Prado, em “Raízes do Brasil e o modernismo” (1998), tenta mostrar aquilo que Sérgio identifica como a atribuição da cultura brasileira ao “prestígio universal do talento” que “não significa/.../propriamente amor ao pensamento especulativo, ‘mas amor à frase sonora, ao verbo espontâneo, à erudição ostentosa.’” (PRADO, 1998, p. 213). Talvez esse dado acerca da cultura brasileira seja, de modo contumaz, característico do pensamento de Sérgio Buarque. Por seu turno, Oswald parece caminhar no mesmo sentido da detecção da "erudição ostentosa" no interior de seu projeto pau-brasil.

Com efeito, este não é o único ponto para onde convergem Oswald e Sérgio. Muitos outros deverão ser arrolados no percurso de nossa pesquisa, entre os quais, o tema da aventura. A tentativa de definição do ethos do aventureiro em Raízes do Brasil abre um campo de confluências que se estende pelo conjunto dos poemas pau-brasil. Oswald lança mão, especialmente, da estilização e da paródia dos relatos dos conquistadores, do turismo investigatório do eu-lírico no interior do “Roteiro das Minas” e da suposta reconstrução da história em “Poemas da colonização” – artifícios potencialmente paralelos à ética da aventura.

Finalmente, uma análise comparada entre a poesia oswaldiana e o ensaísmo de Caio Prado Jr. em Formação do Brasil contemporâneo: colônia poderá revelar, à primeira vista, posições diametralmente antagônicas. Preside o intento do ensaísta o gosto pela sistematização de uma interpretação do Brasil. Valendo-se do materialismo histórico, Caio Prado tenta oferecer uma visão fechada, coesa e logicamente suficiente da formação da nação. Contrariamente, o projeto pau-brasil de Oswald está intimamente relacionado com a negação do sistema, com o apreço pela linguagem aforística – especialmente a do Manifesto da poesia pau-brasil – que, por sua vez, aponta todo o programa na direção de uma escritura fragmentária. Por outro lado, não poderemos eliminar do nosso horizonte possibilidades de convergências entre o livro de Caio Prado e o projeto modernista. Basta ver que em ambos os esforços compreendem a formação do Brasil como um longo processo desde a colônia. Além disso, deverá ser verificado o peso dos fatores externos que cada um dá no movimento da formação, considerando as especificidades dos diferentes discursos.

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Raquel Ripari Neger, Mestado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas A poética tabaquista na São Paulo do século XIX Orientador: Mário Luiz Frungillo

Muito já se estudou acerca da vida literária e dos costumes românticos, desde o que os poetas liam, bebiam e vestiam até suas preferências gastronômicas e sexuais. No entanto nenhum estudo mais acurado foi feito acerca do tabaco, enquanto elemento de construção simbólica do corpus poético romântico. Neste tocante, encontrar bibliografia sobre o assunto é tarefa tão árdua quanto desafiadora. A importância do charuto no cerne da poesia da segunda geração romântica, embora tema rico e relevante, consiste em campo ainda virgem e inexplorado pelos acadêmicos. Ciente dessa lacuna, o projeto propõe-se a identificar, analisar e interpretar as poesias da geração byroniana, pautando-se nos significado que o charuto adquire em seu no bojo. Para tanto, parte do princípio de que o mesmo possui uma tradição, história, e glamour indissociáveis da produção literária nacional e do processo de ‘re-europeização’ observado no Brasil, principalmente a partir de sua Independência. Vício inquebrantável dos mais ilustres poetas, nos cafés, nos salões, nas agremiações ou nas óperas, o charuto torna-se, no século XIX emblema de uma classe boêmia, lírica e transgressora. Nesse período um cisma partidário divide os adeptos do fumo no país em dois grupos distintos: os tabaquistas, defensores do rapé e os fumistas, adeptos do charuto. Os mais renomados poetas e romancistas brasileiros compram a briga, defendendo cada qual ou o rapé ou o charuto em inúmeras crônicas, poemas, peças e folhetins. Mas seria na poesia que o enaltecimento ao charuto consolidar-se-ia de forma mais consistente, rica e apaixonada, sobretudo na segunda geração romântica. Nela, o charuto aparece de modo sistemático, recorrente e incisivo, ora como tema, ora como metáfora, cantado menos em função de seu caráter político do que lírico. Ele ocupa papel de destaque na poética byroniana, enquanto metáfora do amor e do ‘medo de amar’, expressão da efemeridade, do místico e do onírico. Na pauta da poesia romântica o charuto possui uma dimensão e simbolismo que ultrapassam sua evocação meramente ilustrativa, decorativa ou aleatória. Neste contexto, a brasa incandescente e seu formato fálico remetem ao fogo lúbrico das paixões, sua fumaça etérea e efêmera traz à tona o rosto da mulher amada , seu aroma inebriante transporta o apreciador a uma esfera divina e mística. Um ponto crucial a ser estudado é a relação estabelecida entre o literato e o seu charuto. Como ela se reflete em seu processo criativo, sua vida pessoal e amorosa? Em que medida é fonte de amparo, escapismo e sublimação de seus desejos? Qual sua ligação com o mundo exterior e o ‘universo íntimo’ do poeta? Imbuído de uma certa áurea divina, sacra e mística, teria o charuto o poder de inebriar o vate, conduzindo-o para fora de si mesmo? Qual dos românticos teria empregado com maior freqüência a imagem do charuto em seu escopo poético? De modo sistemático, recorrente e incisivo, o charuto aparece - ora como tema, ora como metáfora – nas poesias da segunda geração romântica. Nas obras de Álvares de Azevedo, Fagundes Varela,

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Junqueira Freire e Bernardo Guimarães, mais do que simples recurso estilístico, o charuto legitima antes um estado de espírito, uma filosofia de vida. A escolha de seu formato, tipo ou tamanho torna-se para os poetas algo tão íntimo e passional quanto a escolha da musa inspiradora ou da mulher amada. Assim como o modo de preparo, as propriedades do solo, o clima, a qualidade da semente e a seleção da matéria-prima influem na qualidade do charuto; também a inspiração, os recursos estilísticos e as rimas influem na excelência da poesia. Neste sentido, o blend e o bouquet de um havana equivalem à métrica e lirismo de um soneto. Despindo-se de sua função decorativa e utilitária, o charuto incorpora-se, funde-se e confunde-se com a proposta da segunda geração romântica, sendo indissociável dos grandes temas de subjetividade que os perpassa.

Para viabilizar essa proposta o projeto baliza-se em três etapas distintas. A primeira centra-se na leitura da produção poética romântica, mapeando e selecionando apenas os poemas nos quais haja explícita referência ao charuto. Nesse tocante será analisada a obra poética de autores da geração byroniana, a saber, Álvares de Azevedo, Fagundes Varela, Casimiro de Abreu, Bernardo Guimarães, Junqueira Freire e Sousândrade entre outros. Nessa etapa pretende-se identificar e interpretar o simbolismo e o imaginário romântico acerca do charuto, destacando sua relação com os temas do desejo e da sexualidade nele presentes. A segunda fase do trabalho consiste na contextualização do período literário estudado e na qual floresceu e se desenvolveu a geração byroniana. Para tanto será feito uso de bibliografia acerca da vida literária no período, com ênfase no estilo, temática, peculiaridades, influências e origens do movimento romântico no Brasil. Tal etapa deverá viabilizar uma maior acuidade histórica na interpretação do material poético reunido. Uma pesquisa que pode lançar luz sobre os pontos centrais do trabalho é a análise das marcas, tipos e modelos de charutos nacionais e importados, consumidos no país durante o século XIX. Tal pesquisa faz-se necessária, uma vez que muitos poetas românticos, não raro, citam em seus versos nomes e marcas de charuto da época. Já a última etapa engloba a utilização de material iconográfico, como litografias, anilhas, rótulos, estampas e selos de charutos comercializados no Brasil oitocentista, visando ilustrar a argumentação sobre o imaginário romântico e sua esfera de representação do desejo e da sexualidade. Neste particular, a análise do material constitui preciosa e relevante fonte de referência acerca do objeto, no que tange a seus aspectos históricos e sociais.

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Rebeca Alves, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual Paulista Uma abordagem panorâmica sobre O selvagem da ópera, de Rubem Fonseca. Orientadora: Maria Lídia Lichtscheidl Maretti

A presente pesquisa tem como objetivo estudar alguns elementos decorrentes da narrativa d’O selvagem da ópera (1994), de Rubem Fonseca. Neste romance, Fonseca (1925-) volta à segunda metade do século XIX com o intuito de vasculhar a vida gloriosa, ainda que cheia de percalços, do compositor Antônio Carlos Gomes, autor de O guarani e de outras óperas hoje praticamente esquecidas. Por meio de capítulos curtos, o autor revela desde os bastidores da Corte no Rio de Janeiro e a relação que o músico mantinha com o Imperador-mecenas, até suas conquistas no mundo operístico italiano. O autor investe, ainda, no hibridismo genérico, uma vez que mescla gêneros como a biografia e o argumento cinematográfico, além de nos envolver no processo de montagem de uma ópera. O livro é considerado um texto que deve servir de base para um filme de longa-metragem, o que o transforma num romance imagético, isto é, conta com um narrador que propõe, assim como a metaficção (HUTCHEON, 1991) presume, tornar explícitos o ato de produção e as prováveis formas e lugares onde cada ação da narrativa deve acontecer. Portanto, em vista desses muitos elementos narrativos, sobretudo pelo seu caráter histórico, podemos encará-lo como o que Linda Hutcheon chama de romance histórico pós-moderno (1991), ou, como foi batizado pelo crítico uruguaio Ángel Rama, como Novo Romance Histórico Latino-Americano (1981).

O romance histórico, tal como se conhece hoje, corresponde a um desejo de buscar em determinada fase da história traços relevantes para compor uma obra literária. Este subgênero narrativo híbrido (ESTEVES, 1998, p.123-158) surgiu no curso do século XIX, durante o Romantismo, e tem sua origem vinculada à produção literária do escritor inglês Walter Scott.

Muitos escritores, por todo o mundo, se inspiraram no modelo scottiano; contudo, o romance histórico clássico sofreu alterações ainda no decorrer do século XIX, principalmente com Flaubert em Salammbó (1862) e com Tolstoi em Guerra e Paz (1864 e1869). No século XX, por sua vez, inúmeras são as transformações por que passa o Romance Histórico, que tem sua escrita redimensionada em vários aspectos, surgindo autores, principalmente na América Hispânica, como Alejo Carpentier, Augustos Roa Bastos, Carlos Fuentes, entre outros, que, com sua produção, conquistam o público leitor e a crítica.

Vera Lúcia Follain de Figueiredo, em seu texto “Detetives e historiadores” (2003), propõe três momentos para o romance histórico: o Romance Histórico Clássico, que nasce na Europa no século XIX e do qual Walter Scott é considerado um dos maiores representantes; o Romance de Resistência, que seria o romance histórico que surge na América Hispânica no século XX, com o intuito de construir uma nova visão histórica, mais compatível com a realidade latino-americana; e o Romance Histórico Pós-Moderno, que aparece nas últimas décadas do século XX e não tem interesse em criticar a fundo e

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corrosivamente a história: “são obras que olham o passado com a descrença dos tempos atuais” (FIGUEIREDO, 2003, p. 132).

É nesse sentido que podemos caracterizar O selvagem da ópera como um romance histórico pós-moderno. Não há nele a intenção de engrandecer e glorificar, de denunciar ou criticar a figura de Carlos Gomes. No entanto, Rubem Fonseca se vale dos artifícios da pós-modernidade para propor uma nova versão do que foi a vida do compositor campineiro, o que faz com que consiga revelar as muitas faces que compõem o homem e o artista; ao mesmo tempo, fornece ingredientes questionadores para verificarmos de que maneira o instinto de nacionalidade está presente na obra do compositor, e de que forma isto influi no estilo do músico e na arte brasileira.

No que concerne aos aspectos biográficos, é sabido que, por muito tempo, este gênero serviu como um veículo da história, uma vez que pretendia, como uma pesquisa entomológica, observar e dissecar objetivamente o indivíduo. Foi usado também pela classe dominante a fim de assegurar interesses políticos e/ou religiosos. No entanto, as últimas décadas foram marcadas por um novo olhar tanto no que se refere ao modo de pensar a história, quanto ao modo de fazer biografias.

No século XX, o gênero ressurge em nova roupagem, uma vez que proporciona novidades nas escolhas dos biografados, nas utilizações das fontes e nas questões analisadas, além de apresentar novas linhas de autores, nas quais os jornalistas ganham grande relevo. Por este motivo, a finalidade deste gênero textual deixa de ser apenas um acoplamento de acontecimentos da vida da personagem para vir a ser uma fonte de reconstrução de sua vida passada.

Desta maneira, com o advento do romance moderno foi possível descortinar o mundo biográfico e descobrir que o “real é descontínuo, formado de elementos justapostos sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque surgem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório” (Apud: FERREIRA, 1996, p.185). A partir de então, é razoável afirmar que os textos biográficos mesclam aos dados oficialmente documentados certo teor ficcional.

A linguagem cinematográfica, por sua vez, exerce um papel profundo na narrativa desta obra, tendo em vista, sobretudo o fato de ter sido escrita explicitamente para dar origem a um filme; porém, não é só o narrador que evidencia essa proposta, mas a própria narrativa sugere o movimento da câmera, levando-nos facilmente às cenas desejadas; a escolha dos verbos no presente também ajuda a sugerir a imagem do cinema que estará presente em cada tomada. Cumpre dizer ainda que, neste caso específico, não é o cinema que se apropriou do texto literário, mas, pelo contrário, é o escritor que traz para sua obra um caráter fílmico.

Além dos elementos mais estruturais da obra, outro aspecto muito caro a nossa pesquisa refere-se aos estudos sobre identidade nacional, pois como mesmo se anuncia no título, Carlos Gomes será o “selvagem” de uma arte tipicamente erudita. O músico que é um estrangeiro na Itália vai perdendo aos poucos sua nacionalidade para de certa maneira agradar o novo público, no entanto, “acaba por não ser reconhecido por nenhuma das duas pátrias”. (FIGUEIREDO, 2003, p.151).

Assim sendo, este trabalho pretende identificar e analisar os elementos do discurso da pós-modernidade presentes em O selvagem da ópera, e ainda investigar o caráter de identidade nacional estabelecido pela trajetória de vida de Carlos Gomes, com o intuito de verificar sua importância no contexto da literatura latino-americana contemporânea.

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Literatura esta que, além do trabalho estritamente estético, assume uma função desmistificadora.

Para que os objetivos dessa pesquisa possam ser concretizados, analisaremos o romance fonsequiano em questão, considerando os seguintes aspectos: o conceito de Pós-Modernidade e sua aplicabilidade no romance; o Hibridismo Genérico a fim de pormenorizar cada gênero presente e, por fim, as questões de identidade nacional, já que no interior da biografia de Carlos Gomes há pontos referentes aos resquícios da colonização, às diferenças culturais entre América Latina e Europa e, conseqüentemente, às crises de identidades vividas pelo músico ao longo de sua vida.

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Régis Augustus Bars Closel, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas A Influência de Sêneca na tragédia de Shakespeare: aproximações e afastamentos entre as personagens de Troades e Richard III

Orientador: Suzi Frankl Sperber

A dissertação de mestrado proposta tem por objetivo determinar na obra Richard III, de William Shakespeare (1564-1616), a influência da tragédia Troades, do filósofo e tragediógrafo latino Lucius Anneu Sêneca (6 a.C. - 65 d.C). Com esta pesquisa espera-se um resultado específico entre estas obras, e não entre os seus autores, proporcionando uma visão minuciosa baseada na aceitação e também na negação de uma possível relação entre as semelhanças e afastamentos dos personagens presentes nas duas obras. Troades trata do período pós-guerra de Tróia. Os grandes heróis troianos estão mortos e são as mulheres que tomam parte de quase toda a ação, lutando por suas vidas ou até desejando o seu fim. Os prêmios da guerra, entre eles as próprias mulheres troianas, ficam para os gregos vencedores, que antes de partirem ainda fazem imposições tirânicas aos derrotados para garantir que Tróia não trará mais problemas. Richard III é uma das peças iniciais, pertencente à tetralogia que conta os eventos da Guerra das Rosas, o combate entre York e Lancaster, e as disputas familiares incitadas por Ricardo na última peça. Ao buscar o trono a todo custo, Ricardo eliminará as opções de sucessão real até finalmente reinar sob a Inglaterra durante um breve período. Henrique Richmond, um descendente indireto de Henrique V, futuro Rei Henrique VII da Inglaterra, surge como o unificador das casas de Lancaster e York, derrotando o Rei Ricardo III e iniciando a dinastia Tudor, da qual fazem parte Henrique VIII e Elizabeth I.

O início do debate sobre a influência entre o dramaturgo latino e elisabetano data do fim do século XIX. Existem argumentos fortes tanto para a aceitação como para a negação da presença de Sêneca, sendo a posição favorável costumeiramente aceita pela crítica por se apresentar em volume muito maior. A partir dos paralelos encontrados primeiramente por John Cunliffe em 1893, em The Influence of Senecan Elizabethan Tragedy, e sua assertiva conclusão de abertura de que a influência de Sêneca não passaria despercebida por nenhum historiador competente da literatura inglesa (p.1), uma tradição de estudos comparados foi inaugurada levando consigo essa herança de se tratar de algo inquestionável. Como resultado ocorreu nos anos seguintes a busca por paralelos entre as 38 peças do bardo e as 10 peças do filósofo estóico, a predominância foi de aceitações, sem espaço para negação. Essas marcas deixadas por Cunliffe levaram muitos anos para serem seriamente colocadas à prova. Em 1967 e respectivamente em 1974, o crítico G. K. Hunter atacou com força tudo aquilo que fora levantado, mostrando que ao historiador da literatura inglesa bastava conhecer as obras anteriores para localizar nas suas próprias origens os traços geralmente atribuídos a Sêneca, a saber, esticomítia, o verso branco, a presença do sobrenatural, a peça de vingança, dramatização do herói frente à morte, horrores e fantasmas. Hunter coloca em jogo a questão de justiça das peças de vingança que possuíam a mesma estrutura, porém com sentidos de justiça diferenciados. No período que se segue, e até os

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dias atuais, ainda prevalece o caráter panorâmico das análises e a aceitação da influência de Sêneca. Como primeiro traço provável de Sêneca dentro dos dramas ingleses encontra-se a primeira peça escrita em versos brancos, Gorboduc, de Thomas Norton e Thomas Sackville, uma das primeiras tragédias inglesas, cujo tema da abdicação do monarca será visitado por Shakespeare em o Rei Lear. O senequismo chega à Inglaterra dentro das cortes, universidades e escolas de direito. Será neste espaço que a partir de 1559 - ano de posse de Elizabeth I - até 1581 que as 10 peças de Sêneca ganharam suas primeiras versões em língua inglesa. A peça que inaugura sua presença em uma tradução é exatamente a peça que tem a rainha viúva Hécuba como protagonista, uma das mais belas peças do tragediógrafo latino, As Troianas, traduzida por Jasper Heywood, em 1559, como Troas, inicialmente como um exercício particular de latim que viria a se tornar um presente para a recém coroada rainha da Inglaterra. Do cânone shakespeariano geralmente se destacam quatro peças, entre outras, constantemente relacionadas a Sêneca, Macbeth, Titus Andronicus, Hamlet e Ricardo III. Encontram-se relacionadas a elas, no que diz respeito a Sêneca, as peças Troades, Agamemnom, Thyestes e Hercules Furens. Vale destacar que entre as traduções e as primeiras peças de Shakespeare existe um período de tempo de cerca de dez anos, no qual a atividade dramática teve suas manifestações, entre elas, Thomas Kyd em sua the Spanish Tragedy, e a já referenciada Gorboduc, que já possui alguns elementos possivelmente elencados como oriundos de Sêneca, o que poderia levar a uma influência por vias indiretas, não descartando a possibilidade de um contato com as traduções e/ou originais.

A recepção e presença de Sêneca, seja em tradução ou por intermediários é um dado sobre a presença dele nessa atmosfera, porém não é definitivo para determinar sua presença na obra de Shakespeare, assim como já foi possível observar no desenvolvimento deste trabalho, que ao aprofundar em um dos elementos, como as peças de vingança ou de ambição, existem muitas diferenças e que a aproximação temática superficial não dá conta de sustentar os elos que a visita panorâmica pareceu demonstrar, evidenciando que é necessário restringir os objetos de pesquisa para que o aparato histórico das discussões forneça pistas para o desenvolvimento imparcial dessa dissertação, situada em um campo de posições contrárias bem marcadas. A análise histórica dos estudos comparados das fontes de Shakespeare, como é o caso, por exemplo, com Michel de Montaigne, indica que a especialização e restrição dos objetos estudados a uma “obra” de cada autor proporcionam uma apreciação muito mais rica entre uma possível relação entre os dois dramaturgos estudados como é a premissa proposta para nossa dissertação.

Justifica-se este trabalho pelas opiniões divergentes dos estudos dessa natureza, a própria evolução dos estudos comparados das prováveis fontes do dramaturgo inglês e a visão panorâmica existente nas obras sobre essa discussão, onde por meio de análises de diversos pontos distribuídos no legado shakespeariano, chega-se à conclusão de uma influência indiscutível. Entre os instrumentos, será utilizada a tradução Elisabetana (Troas) e a atual (Troades) da peça de Sêneca, além das edições mais respeitadas das obras de Shakespeare. Os contextos históricos e o tratamento dado ao gênero da tragédia e do drama histórico Shakespeariano serão utilizados para rastrear evidências e distorções históricas que apontam para semelhanças e afastamentos presentes em uma history play. Além de evidenciar o que existe de comum entre os personagens de ambas as peças, para um enriquecimento e imparcialidade de posição em relação ao longo debate que existe sobre essa questão, serão tratados também os pontos de distanciamento entre as obras. Espera-se um resultado especializado sobre o debate da influência no diálogo entre as duas peças e que contribua para as investigações sobre Sêneca nos estudos comparados e históricos do gênero trágico.

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Ricardo Gaiotto de Moraes, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas CRÍTICAS CRUZADAS: MÁRIO DE ANDRADE E SÉRGIO BUARQU E DE HOLANDA Orientador: Antonio Arnoni Prado

A amizade literária entre Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda tem início um ano antes da Semana de Arte Moderna. Maria Amélia Buarque de Holanda1 conta que, poucos anos antes da família de Sérgio se mudar definitivamente para o Rio de Janeiro, ele e os escritores jovens do “futurismo paulista” encontravam-se na Confeitaria Fazzoli, na rua São Bento. Após a Semana de 1922, o futuro autor de Raízes do Brasil seria o responsável pela veiculação, no Rio de Janeiro, da revista modernista Klaxon, incumbido, de acordo com entrevista dada a Antonio Arnoni Prado2, de levar à frente a idéia “sem pé nem cabeça” de vender a poesia feita em São Paulo “por um grupo de rapazes que ninguém conhecia e que acabava de ser enxovalhado na barulheira do Municipal”. Com residência fixa no Rio de Janeiro, Sérgio Buarque de Holanda, em 1924, fundou, com Prudente de Moraes Neto, a revista Estética, cuja duração foi de apenas três números, elaborada para ser igualmente um veículo de divulgação das idéias modernistas. Para Antonio Arnoni Prado, Sérgio Buarque de Holanda, mesmo que em meados da década de 1920 não concordasse com algumas dessas idéias e estranhasse a crença de Mário de Andrade na capacidade de um conjunto de intelectuais estarem aptos a criar um projeto para o Brasil, ainda mantinha o escritor de Paulicéia Desvairada como uma de suas referências3.

A publicação de Macunaíma, em 1928, chama a atenção de Sérgio Buarque de Holanda. Em 1935, publica um artigo no qual traduz duas lendas de Theodor Koch-Grümberg que serviram de matéria-prima para as peripécias do “herói sem nenhum caráter”. Um ano depois, Sérgio assume o posto de assistente do historiador Henri Hauser, na Universidade do Distrito Federal e publica Raízes do Brasil.

Em 1938, Mário de Andrade, na fase de sua vida conhecida como “Exílio no Rio”4, também passaria pela Universidade do Distrito Federal, como catedrático da disciplina Filosofia e História da Arte. Além disso, torna-se responsável pela coluna “Vida Literária” do Diário de Notícias. A análise dos artigos de crítica literária, publicados por ele nesse período, mostra que suas preocupações estéticas estavam em muito relacionadas às sistematizações feitas na ocasião do “Curso de Filosofia e História da Arte”5, do qual era responsável.

Depois do retorno de Mário de Andrade a São Paulo, em 1940, Sérgio Buarque de Holanda assume a coluna “Vida Literária”. Logo no artigo inicial, “Poesia e Crítica”6, destaca o equilíbrio entre imaginação poética e teorização nas críticas do autor de Macunaíma. Além da citação, a análise da coluna permite-nos perceber Mário de Andrade e Sérgio Buarque em momentos muito próximos. Há coincidências externas como a relação direta dos dois com a experiência acadêmica. Na coluna, ambos buscam uma realização

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literária que ultrapasse a imitação de modelos e atinja um desenvolvimento “sincero”. Essa aproximação entre os critérios utilizados por Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda nos artigos de “Vida Literária” parece-nos fornecer elementos que sinalizam a possibilidade de uma pesquisa comparativa entre os dois críticos.

A análise dos temas presentes em alguns artigos da coluna “Vida Literária” demonstram vários pontos de cruzamento entre as concepções críticas. Os dois autores acreditam ser, por exemplo, a crítica uma maneira de criar uma síntese interpretativa do presente para o conjunto de obras contemporâneas e do passado. Podemos perceber no decorrer da coluna que para Mário de Andrade o crítico deveria mostrar os caminhos que levam a um desenvolvimento honesto da técnica pessoal, meio termo entre liberdade de criação e treino artesanal das técnicas especificas da literatura. Em Sérgio Buarque de Holanda, percebe-se a busca do historiador por aquelas obras cujo desenvolvimento levaria a uma superação da tradição de país de periferia pelo desenvolvimento também de uma técnica mais pessoal.

Este projeto propõe, justamente, uma pesquisa de comparação detalhada das categorias críticas de Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda. João Luiz Lafetá ao aproximar Mário de Andrade, Tristão de Athayde, Otávio de Faria e Agripino Grieco, tomou como critério de valorização a preocupação estética. Para comparar Sérgio Buarque de Holanda e Mário de Andrade seria necessário não o estabelecimento de um critério fixo, tendo em vista a complexidade das formulações críticas dos dois autores, mas de buscar os temas semelhantes e como as idéias de um são permeáveis às do outro.

Como Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda têm presença tanto em periódicos modernistas como naqueles de circulação menos específica, é necessário que a análise leve em consideração, para cada conjunto de textos, os lugares ocupados por cada um. Isso porque no caso da comparação, uma análise que levasse em consideração apenas os critérios cronológicos poderia flagrar os autores em diferentes momentos de suas maturidades. Assim, é crucial que se atente para a especificidade do contexto histórico e material dos artigos comparados, construindo um panorama da participação em jornal dos dois autores.

O corpus do estudo ora apresentado será formado pelos textos de crítica literária de Mário de Andrade, publicados em Aspectos da Literatura Brasileira, O Empalhador de Passarinho e Vida Literária, e pelos de Sérgio Buarque de Holanda, publicados em Cobra de Vidro (1944; 2ª Ed. 1978), Tentativas de Mitologia (1979) e O Espírito e a Letra (1996). Além disso, recorreremos às bibliotecas pessoais7 dos dois autores para conferir notas marginais e arquivos pessoais, nos quais está também a correspondência entre eles, possibilitando maior visibilidade a esta que, a exceção de algumas cartas publicadas em artigos esparsos, continua inédita.

Levando em consideração as observações acima, o cerne desta pesquisa será, por meio de uma criteriosa análise da crítica de Sérgio Buarque de Holanda e Mário de Andrade, reconstituir seus pontos de interseção, observando tanto a especificidade da crítica circunstancial, quanto como esta se insere dentro da produção intelectual de cada autor, identificando relações com, no caso de Mário de Andrade, a obra ficcional e, no caso de Sérgio Buarque de Holanda, com a obra historiográfica.

Além disso, este estudo poderá contribuir, ao comparar detalhadamente a crítica circunstancial de Mário de Andrade e Sérgio Buarque de Holanda e perfazer um momento da trajetória dessa crítica, para a construção de uma etapa da história da crítica literária brasileira e a compreensão da influência dessas idéias no trabalho de outros críticos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Mário de. O Empalhador de Passarinho. 2a. ed. São Paulo: Martins, 1955. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Espírito e a Letra. Org. Antonio Arnoni Prado. São

Paulo: Companhia das Letras, 1996. 2 volumes. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil – Edição Comemorativa 70 anos. Org.

Ricardo B. de Araújo e Lilia M. Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. MELLO E SOUZA, Gilda de. A idéia do figurado. São Paulo: Ed. 34/ Duas Cidades, 2005. DUARTE, Paulo. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: HUCITEC, 1977. PRADO, Antonio Arnoni. Trincheira Palco e Letras. São Paulo: Cosac & Naify, 2004. NOTAS

1. Cf. Maria Amélia Buarque de Holanda. “Apontamentos para a cronologia de Sérgio Buarque de Holanda”, in: Raízes do Brasil, edição comemorativa 70 anos. p. 424. 2 Cf. Antonio Arnoni Prado. “Sérgio, Mário e Klaxon”, in: Trincheira, Palco e Letras, p. 258. 3 Cf. Antonio Arnoni Prado. “Sérgio, Mário e Klaxon”, in: Trincheira, Palco e Letras, p. 268. 4 Expressão de Paulo Duarte em “Departamento de Cultura, vida e morte de Mário de Andrade”. Depoimento publicado pela primeira vez na Revista do Arquivo Municipal, Ano XII, Vol. CVI. São Paulo, Departamento de Cultura, Janeiro – Fevereiro, 1946. Posteriormente, no livro Mário de Andrade por ele mesmo. 5 Para Gilda de Mello e Souza, um dos momentos de maior sistematização da estética de Mário de Andrade seria justamente o “Curso de Filosofia e História da Arte” (Cf. MELLO E SOUZA, Gilda. “Sobre O Banquete” In: A Idéia do Figurado. p. 9.)

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Ricardo Meirelles, Doutorado em Teoria e História Literária BAUDELAIRE NO BRASIL: CORRESPONDÊNCIAS Orientador: Mário Laranjeira

Este trabalho parte da reunião das diversas traduções dos poemas do livro Les Fleurs du mal, de 1857, do poeta francês Charles Baudelaire, publicadas no Brasil - compreendida primeiro pela minha dissertação de mestrado, “Entre brumas e chuvas: tradução e influência literária”, defendida no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, em agosto de 2003 – e enfocando agora principalmente as realizadas a partir de 1957; nele procuro refletir sobre a relevância dessas traduções dentro da história da literatura brasileira e sobre qual é o posicionamento por elas manifestado em relação à obra francesa; obtive assim algo como uma baudelairiana brasileira, capaz de subsidiar tanto os estudos sobre a recepção de tal obra fundamental, quanto revelar uma nova concepção sobre a experiência da tradução.

Tendo em vista que a tradução é formadora e constitutiva do próprio pensamento humano e que seu processo é elemento significativo da formação de qualquer cultura, procuro discutir seu papel dentro da história da Literatura Brasileira à partir da reunião das traduções dos poemas do livro francês Les Fleurs du mal, de Charles Baudelaire; depois, questiono a gênese da tradução poética e procuro respostas junto a algumas teorias da tradução em discussão, observando traduções de vários tradutores ao longo do tempo e elaborando traduções próprias, sempre levando em conta aspectos lingüísticos, históricos e culturais que poderiam se depreender de cada texto. (BARBOSA, 1974:24)

Além do resgate historiográfico promovido, recuperando algumas importantes e significativas leituras dessa obra francesa, comparando suas traduções com outras produzidas ao longo do tempo, vislumbro não uma evolução, mas uma diferenciação entre as abordagens tradutórias, construídas sempre dentro de seu momento histórico e ideológico. O livro escolhido, de 1857, verdadeiro marco da literatura ocidental, foi traduzido por mais de sessenta poetas brasileiros - alguns traduzindo apenas um poema, outros, o livro todo - sendo a tradução brasileira publicada mais antiga datada de 1872.

Neste trabalho, interessa-me especialmente a crítica que parte da atividade prática da tradução. Tradução que, mais do que uma palavra é também uma atitude que faz parte do conjunto dessa idéia de modernidade que o frisson nouveau de Baudelaire, ele mesmo tradutor, faz despertar. É certo que a tradução tem um papel fundamental na formação de qualquer cultura que se quer cosmopolita, visto que em geral o público não lê os autores estrangeiros em sua língua original, tendo assim que confiar nas traduções. Acredita-se então que através da tradução é possível verificar os principais resultados de uma influência estrangeira e indicar os rumos tomados por nossa própria literatura.

Os objetivos deste estudo foram pelo menos três: em primeiro lugar, a apresentação abrangente e representativa da recepção brasileira da obra fundamental para a literatura ocidental que é o livro Les Fleurs du mal, de Charles Baudelaire, que, somada ao estudo

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anterior, apresentado em minha dissertação, trata não só dos principais tradutores, mas principalmente das relações artísticas e estéticas e dos diversos diálogos poéticos produzidos ao longo do tempo, relevantes dentro da própria literatura brasileira.

Em segundo lugar, sob o pretexto de observar tais traduções, a manifestação de opiniões e reflexões sobre os poetas atuais e a poesia contemporânea, colaborando com a crítica moderna, ainda carente de estudos contemporâneos sobre a poesia recente, e verificando como e de que forma a tradução ainda se presta como instrumento de manifestação de uma relação estética, tanto para sua produção original, quanto sua relação com a arte estrangeira. É certo que para melhor compreender o processo tradutório de alguns poetas, fez-se mais do que necessário, por vezes, mergulhar na sua própria poesia, tendo em vista que o reconhecimento da influência literária estrangeira vai além do ato tradutório e se manifesta na sua relevância dentro da própria literatura brasileira contemporânea.

Por fim, e talvez o mais significativo dos objetivos, pode-se organizar e apresentar ao público leitor uma nova edição do livro capital de Baudelaire, composta de diversas traduções do maior número possível de tradutores, manifestando uma leitura peculiar e significativa do livro francês, ao mesmo tempo em que percorre toda a história da literatura brasileira. Esse livro, certamente, mais do que tornar visível a diversidade da recepção do livro francês e tentar persegui-la, pode ser encarado de uma forma totalmente nova, pela sua maneira de tratar o ato tradutório como nunca fora até então, em sua observância fundamental da temática da modernidade.

Neste momento, em particular, observamos mais atentamente o poema Correspondances: tornado emblemático do conjunto da obra de Baudelaire por certa leitura swedenborguiana (BALAKIAN, 2000:45) - muito apreciada no romantismo francês - e que se tornou referência poética para muitos poetas que vieram depois, servindo como epígrafe do movimento simbolista, tanto na França quanto no Brasil, pode ser considerado uma síntese do ideário desse movimento, sendo o conceito da correspondência entre os diversos planos - entre as coisas humanas, as coisas da natureza - fundamental para o novo conceito de arte que Baudelaire articulava naquela época.

Embora citado em diversos poemas e manifestos brasileiros, simbolistas e parnasianos, o poema Correspondances só veio a ser traduzido, em português brasileiro, em 1932, por Felix Pacheco, em seu célebre discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, intitulado “Baudelaire e os milagres do poder da imaginação”. Na mesma época, foi ainda traduzido por Eduardo Guimaraens e Clodomiro Cardoso, publicados por Pacheco, em 1933, dentro de uma relevante retomada da poesia de Baudelaire no Brasil, simultânea àquela que acontecia na França, capitaneada por Paul Valery, publicando diversas traduções de poemas de Les Fleurs du mal e textos críticos sobre ele. Depois deles, outros poetas traduziram tal soneto, como Osório Dutra (1937), Mauro M. Villela (1964), Claudio Veiga (1972), José Lino Grunewald (1994) e Juremir M. Silva (2003), além dos três poetas que traduziram o livro todo.

Comparando essas onze traduções pode-se perceber uma grande diversidade de soluções para traduzir os versos alexandrinos originais, mais ou menos satisfatórias, certamente em nome da preservação imprescindível desse verso, salvo em algumas consideráveis exceções. A busca pelo emprego da regra clássica do verso alexandrino parece muitas vezes ser o objetivo principal de alguns tradutores brasileiros, ficando em segundo plano todos os demais aspectos.

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Posso adiantar algumas conclusões: não há tradução perfeita, absolutamente correta, eterna e unanimemente aceitável; a fidelidade ao texto diz respeito a uma interpretação do texto de partida, que será sempre produto da língua, da cultura e da subjetividade do tradutor; a tradução é sempre uma recriação. (CAMPOS, 1967, CAMPOS, 1969 e LARANJEIRA, 1993) Referências Bibliográficas BALAKIAN, A. O Simbolismo. Tradução de José B. A. Caldas. São Paulo: Perspectiva, 2000. BARBOZA, O. C. de C. Byron no Brasil: traduções. São Paulo: Ática, 1974. (Ensaios, 12) CAMPOS, H. de. “Da tradução como criação e como crítica”. In: Metalinguagem. Petrópolis: Vozes, 1967. CAMPOS, H. de. A arte no horizonte do provável. São Paulo: Perspectiva, 1969. LARANJEIRA, M. Poética da Tradução. São Paulo: Edusp, 1993. (Criação e Crítica, v. 12)

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Rodrigo Camargo Godoi, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Machado de Assis em cena: representações e recepção crítica das comédias O Caminho da Porta e O Protocolo no Rio de Janeiro (1862) Orientador: Jefferson Cano

“O resto é saber se a Capitu da praia da Glória já estava dentro da de Matacavalos ou se esta foi mudada naquela por meio de algum caso incidente”, eis a célebre questão que fecha o romance D. Casmurro. Partindo dela, Bento Santiago, já sem hesitar sobre a traição de Capitu e Escobar, conclui que, “como fruta dentro da casca” (ASSIS, 2004, p. 944), a menina de Matacavalos já encerrava em si a adúltera da praia da Glória.

Realizadas as devidas alterações, podemos perfeitamente aplicar a mesma questão à análise da produção ficcional, tanto de comédias como de contos, da juventude de Machado de Assis. Para isso, basta substituirmos a personagem Capitu por seu criador, e temos transposta a questão que primeiro se coloca quando nos debruçarmos sobre os primeiros textos de Machado. Porém, se aceitarmos que, “como fruta dentro da casca”, os primeiros textos ficcionais do Machadinho encerravam o grande escritor dos últimos romances sem nos preocuparmos com as motivações e especificidades do primeiro, caímos em abordagens teleológicas que, mesmo de certa forma ratificando a idéia de continuidade da obra do autor – “continuidade rigorosa [e] mais difícil de estabelecer”, como bem nos adverte Roberto Schwarz (2000, p. 244) –, igualmente exclui a possibilidade de historicizarmos essa mesma continuidade. Podemos então partir do princípio que os textos ficcionais da juventude de Machado de Assis possuem estímulos literários e extraliterários próprios, que, por sua vez, não os vinculam anacronicamente a sua obra madura, antes disso, condicionam e esclarecem a formação do escritor. Conseqüentemente, a obra do autor passa a ser, conforme a sentença de Hans Robert Jauss (1978, p. 65-66), “compreendida de modo evolutivo através da história”.

Portanto, o problema central implícito, da primeira a última página, na dissertação em desenvolvimento relaciona-se diretamente à formação do escritor Machado de Assis. Assim sendo, a escolha do teatro machadiano, bem como de todo o período em que o autor, em sua juventude, esteve intensamente engajado em prol da consolidação de um teatro nacional, além de seus primeiros contos, como objetos de estudo, liga-se, em conseqüência, ao problema acima exposto. Como sabemos, Machado entre 1859 e 1865, a exemplo dos demais membros do “orbe literário” fluminense, empolgados ante as renovações estéticas proporcionadas pela “escola realista”, atuou como crítico teatral em diferentes periódicos do Rio de Janeiro, traduziu peças francesas, colaborou como censor do Conservatório Dramático Brasileiro e, principalmente, arriscou suas próprias composições dramáticas: Desencantos (1861), O caminho da porta (1862), O Protocolo (1862), Quase ministro (1863), Os deuses de casaca (1865) e As forcas caudinas (1863 ou 1865). Lembremos também, que as relações de Machado com o teatro não se encerraram abruptamente em meados da década de 1860. O autor ainda irá colaborar, até aproximadamente 1870, como

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tradutor dramático da companhia de Furtado Coelho, alcançando o século XX, quando, em algumas ocasiões esparsas, se ocupará dos palcos em algumas crônicas e por meio da composição das peças Tu só, tu puro amor (1880), Não consultes médico (1896) e Lição de botânica (1905). Porém, somente nos reportando ao período entre 1859 e 1865 poderemos, por intermédio de uma perspectiva marcadamente histórica, responder a uma questão relativamente simples, ou seja, como entender a constituição do projeto literário machadiano a partir de seu envolvimento com o teatro.

Delimitados nosso tema e nosso problema, deparamo-nos com outro fator que requer igual atenção e cuidado, pois se refere justamente às especificidades do objeto a ser analisado: o teatro. Pierre Danger, neste sentido, em seu estudo sobre o dramaturgo Émile Augier e a moral burguesa do Segundo Império, nos mostra como no caso do século XIX francês, o teatro, tomado em relação ao romance, “tocou mais diretamente o público” e justamente em virtude disso “seu impacto foi mais profundo” (DANGER, 1998, p. 6). De acordo com esse autor, a percepção da literatura oitocentista é muitas vezes imperfeita, uma vez que, na maioria das vezes, se desconsidera o real valor dos palcos naquele momento. Para Danger, a importância do teatro dava-se na medida em que o público se tornava fator determinante na composição desse gênero secundário na historiografia e nos estudos literários:

Por sua própria natureza, o teatro conduz-nos em efeito a uma compreensão diferente da sociedade na qual ele se inscreve: no romance, o estudo do receptor não encontra uma relação direta com aquela da obra (pois o autor em geral não tem mais que uma idéia abstrata e imprecisa de seu futuro leitor), no teatro ao contrário, a recepção da obra, ou antes, a idéia que ele realiza no momento da concepção, tem sobre ele um impacto muito forte. Existem poucos escritores solitários no teatro, em todo o caso são escritores que não sabem onde, para quem e em frente a quem sua composição será representada. O autor dramático dirige-se a um público que conhece, que identifica, e isso não se dá sem conseqüências sobre seu texto (DANGER, 1998, p. 6).

Há em Pierre Danger o nítido esforço de demarcar as fronteiras e as especificidades da literatura dramática em relação a outros gêneros literários, como no caso o romance. Essas diferenças começam a surgir quando o autor identifica que parte do sentido do texto dramático se explica pela imediata relação do dramaturgo e seu público no exato instante da recepção da obra. Estabelece-se a partir de então, um estreito e dinâmico diálogo entre dramaturgos, que se expressam por intermédio de seus personagens, e espectadores que, de suas cadeiras, camarotes ou torrinhas, aplaudem ou “pateiam” a obra encenada. Segundo Danger (1998, p. 6-7), ainda podemos, por meio desses mesmos diálogos, “desenhar pouco a pouco, na leitura de uma peça teatral, a figura encoberta de um público que, de certa maneira, a comanda, a suscita e a determina”. Em virtude, pois, desse intenso corpo-a-corpo entre esses dois elementos, o texto teatral supera gêneros como o romance ao nos fornecer uma imagem mais completa do contexto de sua produção em sentido amplo, visto que procura se alinhar estreitamente aos anseios de seu receptor. Assim sendo, para o estudioso francês, o romance seria apenas “tributário” do gênio criador de um determinado literato, enquanto a peça de teatro, “qualquer que seja o seu autor”, seria largamente tributária de seu público. Isto posto, analisaremos nesta comunicação as encenações e, sobretudo a recepção crítica das comédias O caminho da porta e O Protocolo de Machado de Assis, primeiras

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peças do autor efetivamente encenadas em setembro e dezembro de 1862 no Ateneu Dramático, antigo Teatro de São Januário, em jornais e periódicos da Corte, como o Diário do Rio de Janeiro, Correio Mercantil e Jornal do Commercio. Deste modo, e seguindo as indicações teóricas de Pierre Danger, tentaremos observar quais os efeitos da recepção sobre a trajetória do jovem comediógrafo que, como sabemos, logo abandonará a escrita de peças para iniciar a produção de contos.

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Simone Nacaguma, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas A LUA BRANCA E A LUA NEGRA: O DUPLO FEMININO NA AÇO RIANIDADE DE VITORINO NEMÉSIO Orientador: FABIO AKCELRUD DURÃO

Em comemoração aos quinhentos anos dos Açores, em 1932, Vitorino Nemésio (1901-1978), poeta e ficcionista açoriano, cunhou o neologismo açorianidade a fim de expressar a singularidade da existência do homem açoriano profundamente marcado pela condição de ilhéu.Tanto na sua poesia, quanto na sua prosa, a açorianidade nemesiana se revela, segundo Maria Helena Garcez (2002, p. 17), como “cárcere e exclusão” e expressa a angústia deste ser que se vê, diante da sua sensação de “confinamento”, compelido a partir, a emigrar, “seja por razões de extrema pobreza”, por questões profissionais, ou pelo desejo de estudar.

Em princípio, o objetivo desta tese consistiu na análise da açorianidade em Mau Tempo no Canal (1944), último romance de Nemésio, buscando, sob uma abordagem spitzeriana do texto, os símbolos em que se sustentaria esse conceito. A análise de suas narrativas de ficção anteriores a esse romance revelou-nos, entretanto, uma espécie de “projeto programático” que, em síntese, revelaria um percurso de construção do “feminino insular açoriano” que, então, teria início em seu primeiro romance, Varanda de Pilatos, de 1926, compreenderia as três novelas de A Casa Fechada (1937) e culminaria em seu último romance, Mau Tempo no Canal. Acreditamos, desse modo, que isso a que chamamos “construção do feminino açoriano” constituiria traço medular da açorianidade de Vitorino Nemésio.

“Açoriano de treze gerações”, é da sua infância nas ilhas que ele extrai imagens arquetípicas em que habitam as suas personagens: o feminino nemesiano se constrói, por um lado, a partir de “forças telúricas”; e, por outro, sob a “égide” de uma moral católica portuguesa compactuada com o Estado Novo português.

Partimos, desse modo, para a análise do romance Varanda de Pilatos, buscando nele os elementos que caracterizariam a açorianidade nemesiana, os quais, a nosso ver, expressariam-se pela contraposição das condições sociais que caracterizam a vida dos moradores de uma pequena vila às condições da “cidade”, oposição em que se circunscreveriam, ainda, as relações pessoais marcadas pela angústia decorrente da necessidade de partir. Tal necessidade se revelou, contudo, imprescindível ao sujeito masculino e, inibitória ao feminino que preserva em seu bojo a imobilidade e a permanência associadas à esfericidade e à centralidade próprias da ilha, da Terra. Nesse sentido, o feminino açoriano, segundo nossa interpretação, estaria associado à idéia de ilha e da própria Terra sob uma perspectiva cosmogônica e arquetípica.

Ao analisarmos, em seguida, as três novelas de A Casa Fechada, buscamos nelas não apenas identificar os símbolos da açorianidade nemesina, mas também verificar em que medida aqueles do primeiro romance se relacionariam aos símbolos presentes tanto

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nestas novelas quanto em Mau Tempo no Canal. A análise dessas narrativas revelou um caráter ambíguo do feminino, sob diversos

aspectos, concebido essencialmente por um sincretismo entre uma ancestralidade mítica, pagã, e outra cristã. Esse sincretismo se expressou, inicialmente, por meio da evocação dos mitos de Vesta / Vênus e da Virgem Maria.

Nas três novelas de 1937, esses mitos se desdobram em outros mitos femininos, os quais, por sua vez, guardam todos, por um lado, a matriz do duplo feminino, Lilith, a lua negra, e Eva; e, por outro, o feminino como expressão, ao mesmo tempo, de forças ctônicas, telúricas, e do sublime a ser alcançado.

Como já mencionado, embora esse sincretismo possa ser identificado pontualmente naquele seu primeiro romance, essa fusão não se apresenta de forma “estática”, ou pontual, nas narrativas nemesianas; ao contrário disso, sob uma perspectiva cronológica, essas narrativas ao mesmo tempo em que espelham uma progressiva diluição desses mitos e, desse modo, o seu ocultamento, cujo ápice se revela em Mau Tempo no Canal; expressam a sucessão progressiva dos inúmeros desdobramentos dos mitos femininos, tanto os de origem pagã quanto os de origem cristã, além do seu sincretismo.

Grosso modo, poderíamos ainda dizer que, sob uma organização cronológica, as narrativas de ficção que integram o corpus deste trabalho, em certa medida, narram o processo de ocultamento e de sincretismo desses mitos femininos ao mesmo tempo em que narram o seu aburguesamento, visto que, segundo a nossa leitura, é a partir do drama masculino originado no contexto do casamento por interesse que o feminino nemesiano se configura, embora não se limite a esse aspecto. Na verdade, o conflito nemesiano recorrente resulta do casamento por interesse como obstáculo à reunião dos amantes, isto é, à concretização do “amor-paixão” (expressão de Rougemont).

Assim, poderíamos dizer que o feminino nemesiano é erigido a partir do contexto social insular açoriano ao mesmo tempo em que se funda em uma concepção mítica da própria Terra, isto é, o feminino nemesiano se caracterizaria, segundo o conceito de liminaridade de Turner, por sua condição liminar entre o local (particular) e o universal, entre o sagrado e o profano, entre o Bem e o Mal, entre a bruxa e a santa, entre o diabo e o divino, entre a sombra do enigma e a luz do conhecimento.

Acreditamos, desse modo, que refletir acerca da açorianidade de Vitorino Nemésio implica refletir sobre a relação entre o masculino e o feminino insulares, o que, por sua vez, levou-nos a identificar no conjunto dessas narrativas essa espécie de percurso de construção do feminino nemesiano que, por fim, acreditamos constituir traço medular de sua açorianidade, isto é, da sua poética. Principais referências bibliográficas: AUERBACH, Erich. “Sermo humilis”. In Ensaios de Literatura Ocidental: filologia e crítica. Organização de Davi Arriguci Jr. e Samuel Titan Jr.; tradução de Samuel Titan Jr. e José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2007.GARCEZ, Maria Helena Nery. “De António Nobre e Vitorino Nemésio: Linhagens” in Voz Lusíada, nº17, Primeiro Semestre de 2002, São Paulo, pp. 17.Hesíodo. Teogonia: a origem dos deuses. Trad. Jaa Torrano. 7ª ed. São Paulo: Iluminuras, 2007. ROUGEMONT, Denis de. O Amor e o Ocidente. Trad. de Paulo Brandi e Ethel Brandi Cachapuz. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1988.

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SICUTERI. Roberto. Lilith: A Lua Negra. Trad. de Norma Telles, J. Adolpho S. Gordo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. SPITZER, Leo. Etudes de Style. Gallimard, 1980. TURNER, Victor W. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura; trad. de Nancy Campi de Castro. Petrópolis, Vozes, 1974.

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Suelen Rosa Pelissaro. Mestrado. Departamento de Geografia/Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo Espacialidade em João Guimarães Rosa – as metamorfoses dos Gerais nas entrelinhas de Sagarana e Primeiras Estórias Orientador: Heinz Dieter Heidemann

Esta pesquisa propõe compreender a formação espacial do sertão mineiro a partir de dois livros de João Guimarães Rosa – “Sagarana” (1946; 2006) e “Primeiras Estórias” (1962; 2006) –, buscando relacionar o espaço descrito pelo autor em dois momentos históricos distintos, com as observações do jesuíta André João Antonil no livro “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas” (1711; 2007). Procura-se, especificamente, discutir o sertão rosiano como uma formação espacial peculiar diante das variadas concepções do termo, tanto na geografia como na literatura brasileira, considerando o histórico processo de apropriação dos fundos territoriais no país.

Abstendo-se das linhas de pesquisa que visam apenas os modos de vida, o bioma cerrado ou a associação de seus escritos aos tipos de sertão trabalhados por tantos outros autores na literatura brasileira, e não adotando um olhar determinista na relação sujeito-sertão, analisa-se a descrição do espaço do norte de Minas Gerais do século XVIII definida por Antonil, passando pela descrição do mesmo recorte espacial feita pelo viajante inglês Richard Burton no século XIX, chegando-se ao espaço descrito nas obras selecionadas de Rosa no início dos Novecentos e meados desta centúria, para se estabelecer laços comparativos entre os tipos de texto no tocante ao universo geográfico garimpado em cada um deles. Tem-se buscado concluir, por sua vez, o significado do sertão no sentido geográfico nos contos rosianos, as raízes da formação da área de estudo e como elas estão contidas na obra do escritor, qual a ligação dessa formação espacial com a formação identitária do norte de Minas Gerais e como os escritos de Rosa podem revelar um espaço fadado às metamorfoses de um Brasil moderno. Essa pesquisa visa estabelecer o distanciamento entre o sertão mineiro e o poder central desde o período colonial como parte da justificativa da relativa autonomia gozada pelos primeiros habitantes que migraram para os Gerais. Estes impuseram nesse vasto espaço regras complexas de vivência social as quais, junto à pobreza e à desolação, culminaram num espaço violento que possibilita o surgimento do sistema jagunço. Mais adiante, quando os fundos territoriais do país começam a ser incorporados pela marcha econômica, o sertão se encontra em processo de extinção pela modernização conservadora, abrindo caminho para questionar a civilização proposta aos espaços e sociedades tidos pelas elites como exóticos.

No tocante ao método, adota-se a perspectiva de reconstituição do processo de formação do espaço onde se encontra hoje o norte do estado de Minas Gerais. Pois, de acordo com os recortes temporal e espacial propostos, permite-se afirmar que o território nacional se formou a partir da herança do território colonial, no qual a dimensão espacial da vida social ganha uma centralidade ímpar na explicação de seu movimento e

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funcionamento ao longo da história. Como o espaço reúne a materialidade e a vida que o anima (Santos, 2004:62), abre-

se a possibilidade de unir geografia e literatura, pois a análise da ciência geográfica leva em conta as ações do homem como constructos materiais de novas relações, de tempos e do espaço em que vive, sendo que os objetos produzidos possuem intencionalidades e funções de acordo com determinado ambiente e tempo histórico daquela sociedade. Já a leitura de um romance, produto cultural da sociedade e inspirado na realidade, implica na impressão dos fatos, organizados em enredo, e dos personagens, que vivem estes fatos num determinado lugar e momento. Daí a importância que o conceito de verossimilhança adquire para a análise.

O conceito de fundos territoriais, definido como área de soberania incerta destinada a projetos futuros, auxilia a compreender o que é o sertão para um país de passado colonial: uma área não civilizada, de pouca fixação de valor espacial e marginalizada, portanto, fadada ao desaparecimento diante da inserção do país na economia-mundo capitalista. Numa posição de centro, definir um lugar como sertão significa projetar sua valorização futura em moldes diferentes dos vigentes no momento desta ação, visto que ele é comumente concebido como um espaço para a expansão (Moraes, 2002: 14). Já para Guimarães Rosa, o sertão se apresenta como um espaço de dualidades e de possibilidades diante da hostilidade.

O documento histórico inicial da pesquisa, datado de 1711, comenta sobre um espaço que se forma com base na violência, na miséria e no desmando. Criticando o desenvolvimento desenfreado e conturbado da capitania das Minas Gerais devido à corrida do ouro, observa Antonil:

A mistura é de toda condição de pessoas: homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa. (...) Que maravilha, pois sendo o ouro tão formoso e tão precioso metal, tão útil para o comércio humano e tão digno de se empregar nos vasos e ornamentos dos templos para o culto divino, seja pela insaciável cobiça dos homens contínuo instrumento e causa de muitos danos. Convidou a fama das minas tão abundantes do Brasil homens de toda a casta e de todas as partes, uns de cabedal, e outros vadios. Aos de cabedal, que tiraram muita quantidade dele nas catas, foi causa de se haverem com altivez e arrogância, de andarem sempre acompanhados de tropas de espingardeiros de ânimo pronto para executarem qualquer violência, e de tomar, sem temor algum da justiça, grandes e estrondosas vinganças. (...) Os vadios, que vão às Minas para tirar ouro não dos ribeiros mas dos canudos em que o ajuntam e guardam os que trabalham nas catas, usaram de traições lamentáveis e de mortes mais que cruéis, ficando estes crimes sem castigo, porque nas minas a justiça humana não teve ainda tribunal, nem o respeito de que em outras partes goza, onde há ministros de suposição, assistidos de numeroso e seguro presídio (2007: 227; 283-284, grifo meu).

O documento do jesuíta, portanto, antecede em mais de duzentos anos o que Rosa trata em sua obra. Os textos rosianos vão além: captam também as transformações espaciais do país, oriundas dos projetos de modernização capitalista do território, em que o povo fica sempre em último lugar. Os dois momentos de sua obra revelam ambas as visões sobre o espaço em foco: em “Sagarana”, um sertão arcaico e marginalizado pelo processo de modernização, com o violento sistema jagunço e a luta de morte em plena atividade; em

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“Primeiras Estórias”, um sertão condenado pela modernização regida do alto, com personagens deslocados e submetidos às mudanças espaciais exógenas à sua realidade, com a extinção de relações sócio-espaciais peculiares ao sertanejo dos Gerais. BIBLIOGRAFIA ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Introdução e notas de SILVA, Andrée Diniz. São Paulo: EDUSP, 2007. BOLLE, Willi. Grandesertão.br. O romance de formação do Brasil. São Paulo: Livraria Duas Cidades/Editora 34, 2004. BURTON, Richard. Viagem de canoa de Sabará ao Oceano Atlântico. Apresentação de FERRI, Mário e tradução de JARDIM JÙNIOR, Davi. Belo Horizonte: Itatiaia, 1977. MORAES, Antonio Carlos Robert. “O sertão: um ‘outro’ geográfico”. Terra Brasilis, nº. 45. Rio de Janeiro, 2002-2003. ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. _____. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. SANTOS, Milton. A natureza do espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2004.

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Suene Honorato de Jesus, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, e a épica na modernidade Orientador: Paulo Elias Allane Franchetti

Sendo esta uma pesquisa situada no âmbito da crítica literária que tem como objeto a última obra publicada em vida pelo escritor alagoano Jorge de Lima, pretende-se investigar como ela dialoga com a tradição de epopeias fundadoras do mito de nacionalidade e como esse conceito é questionado e/ou reafirmado dentro da própria obra. Para isso, faz-se necessária uma pesquisa bibliográfica que inclua tanto os textos literários que compõem a tradição já referida, quanto textos teóricos que discutam as noções de epopeia e poesia na modernidade.

Invenção de Orfeu, publicada pela primeira vez em 1952, é uma obra que se caracteriza pela pluralidade: de temas, de formas, de vozes, de intertextos. Autodenomina-se “poema ilícito” (Canto III, poema VII), tão ébrio quanto o bateau ivre de Rimbaud (Canto VII, poema III), “poema informe e sem balizas” (Canto VIII, estrofe 45) a que não se pode exigir nenhum lema (Canto I, poema XXIII). Segundo o próprio Jorge de Lima (1997, p. 64), “a ideia geral deste poema é a epopeia do poeta olhado como heroi diante das vicissitudes do tempo e do espaço”. Tal afirmação corrobora um dos subtítulos da obra: “Biografia épica”. Trata-se da aventura do poeta na modernidade: como fazer versos em um mundo que se revela cada vez mais refratário à poesia? Essa refração se dá, como indica o próprio poema, porque em tempos de agravamento das condições de vida, não há o que ser cantado, não existem feitos dignos de glória: “nem tudo é épico e oitava-rima” (Canto V, poema II). No entanto, o poeta não pode abandonar o seu ofício, pois a poesia é para ele uma designação divina. Sua função é testemunhar a obra do criador e furtá-la da deterioração provocada pelo tempo: “Não foi para ser belo que Ele o criou/ mas para testemunhar, testemunhar-se, / testemunhar Sua Obra. Vocação. / Revelação do eterno. [...]” (Canto VIII, estrofe 193). A tensão entre a impossibilidade e a necessidade da poesia estará presente em toda a obra. A maneira como é apresentado Orfeu, o deus do canto, é emblemática dessa tensão: tendo perdido seu poder encantatório, esse “deus sonoro e terrível, hoje vago, vago / tão vago como sua vaga destra” (Canto II, poema XI), necessita ser reinventado. O Canto VII, “Audição de Orfeu”, por exemplo, é curiosamente aquele em que mais se fala sobre o silêncio.

A obra compõe-se de dez cantos. Cada um deles, à exceção dos cantos VIII e IX, apresenta um conjunto de poemas, metrificados das mais diversas maneiras, em que a rima raramente tem lugar. Embora alguns dos poemas sejam narrativos, o tom geral é lírico. Assim, tempo, espaço e personagens que figuram na obra vão sendo compostos não a partir de ações e fatos, mas de um quadro imagético.

O lugar que serve de pátria ao poeta é a ilha. No canto I, denominado “Fundação da Ilha”, vê-se que ela tem origem num sonho do poeta, em que se fundem memórias da infância com a imagem de uma vaca mítica (poema XV). A infância da ilha é caracterizada como momento edênico de integração dos homens com a natureza, que lhes inspirava poesia (Canto I, poema VIII). Sobrevém a esse momento a Queda: o poeta assume a máscara de Adão que,

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juntamente com Eva, foi expulso do Paraíso devido à ganância (Canto I, poema XII). O tema das viagens marítimas empreendidas nos séculos XV e XVI, sob a bandeira da religião cristã, em busca de conquistas territoriais para exploração comercial, associa-se ao tema da Queda, como pode ser observado especialmente no Canto V, “Poemas da vicissitude”. Tanto a Queda quanto as descobertas marítimas assinalam o momento em que a integração com a natureza e o Criador, para o homem edênico e para o habitante dessa ilha primordial, se rompe e dá lugar aos sofrimentos de um universo dominado pela vontade humana: “Poema-Queda jamais finado / eu seu heroi matei um deus” (Canto I, poema XXIX). Esse tempo de sofrimentos é o que caracteriza o presente vivido pelos habitantes da ilha. A temporalidade da obra insere-se, assim, numa perspectiva cristã. Do Paraíso, à Queda; e desta ao Juízo Final, em que, ao término do Canto VIII, todos se encontram na iminência de serem julgados, inclusive o próprio poeta. Os personagens que figuram no poema, diante do cenário traçado, não podem ser heróis cujos feitos sejam dignos de glória. Em contraposição à epopeia camoniana laudatória das descobertas marítimas portuguesas, o poeta pergunta: “Será que há mar para um heroi / olhar o céu à flor das águas?” (Canto V, poema II). O poeta deve falar sobre figuras anônimas, sobre “coisas desabadas”, pois são elas o que constituem a sua biografia (Canto V, poema II).

Considerando as epopeias que tencionaram fundar um mito de nacionalidade, cuja primeira representação é a Eneida de Virgílio, é possível dizer que Invenção de Orfeu apresenta traços que a identificam com tal tradição. Sua extensão e estrutura procuram dar conta da representação de um universo ficcional que espelha o passado de uma nação. A ilha pode ser identificada com o Brasil, como nos apontam as referências explícitas à colonização e aos demais períodos da história nacional. Seu heroi, o poeta, é aquele indivíduo que se subsume à coletividade; por isso, em sua “biografia épica” não constam fatos individuais; o poeta fala por todos os seres; sua identidade é coletiva e interessa à identidade da nação. Do épico não lhe falta, inclusive, a invocação à musa que, neste caso, se espalha por todo o poema nas figuras femininas constantemente evocadas: Lenora, Beatriz, Inês de Castro, Eva, Eurídice, Mira-Celi, Eumétis.

Por outro lado, a obra problematiza a noção de epopeia de cuja tradição é tributária. Pois ao poeta moderno não é possível se eximir da responsabilidade de arcar com um passado histórico que demonstra estarem falidas as esperanças depositadas na noção de progresso da humanidade. As guerras de conquista, necessárias à concretização e estabelecimento das identidades nacionais, são vistas como comprovação de tal falência, e por isso recusadas pelo poeta, que não as vê mais como dignas de serem enaltecidas. A ausência de narratividade nesta “epopeia moderna” parece indicar que não há o que ser cantado. A vocação para a poesia é um fardo para esse heroi, que o marca com a insígnia do decaído, louco, assaltado pela fala dionisíaca e convulsa, contrária ao discurso épico apolíneo (Canto IV, “As aparições”).

Invenção de Orfeu resulta, assim, num “poema tão amargo que parece / ser apenas palavras despenhadas / sobre cactos e espinhos semeadas / onde uma liana turva se entretece” (Canto V, poema XVIII). Se a fundação do mito de nacionalidade se apóia na prosperidade futura como continuação de um passado de glória, para o poeta moderno o futuro é apocalíptico (Canto VI, “Canto da desaparição”) e suas palavras pouco ou nada podem contra tal previsão. Referência bibliográfica: LIMA, Jorge de. Jorge de Lima: poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.

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Tarsilla Couto de Brito, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas. AS AVENTURAS DE TELÊMACO NA QUERELA ENTRE ANTIGOS E MODERNOS: Literatura, política e educação Orientador: Carlos Eduardo Ornelas Berriel

O fim do século XVII viu a França dividida entre nostálgicos da Antiguidade e entusiastas da era de Luís XIV. Questões de identidade nacional e progresso científico estavam implicadas na contenda. Fénelon, partidário dos Antigos, escreveu em 1694 As aventuras de Telêmaco, por meio do qual, procedendo a um trabalho de crítica literária, pretendemos localizar a contribuição do autor para os problemas de seu tempo, além de atualizar a discussão acerca das relações que se estabelecem entre literatura, política e educação.

A idéia básica do texto literário de Fénelon vem do quarto livro da Odisséia de Homero: cansado de esperar a volta do pai e preocupado com os perigos que ameaçam sua ilha, Telêmaco decide sair ao encontro de Ulisses. Aproveitando-se dessa abertura literária do poema homérico, Fénelon, no final do século XVII, responsável pela educação do Duque de Borgonha, futuro rei da França, escreve uma ficção pedagógica em que se utiliza da figura do jovem príncipe de Itaca para dar exemplo de domínio da razão, bem como de bons governos ao delfim.

O enredo d’As aventuras de Telêmaco divide-se em duas partes: a primeira narra as viagens do filho de Ulisses por diversas ilhas, reinos e cidades – lugares sempre descritos segundo suas orientações políticas e sociais. A segunda passa-se toda em Salento e demonstra como administrar um reino com justiça e fazer seu povo feliz. As primeiras viagens de Telêmaco parecem-nos, desse modo, terem sido escritas a fim de preparar o leitor para a reforma de Salento.

O Egito do grande Sesóstris mostra como conciliar cidades opulentas e campos cheios de rebanhos e lavradores; a ilha de Tiro é exemplo de comércio liberal e, ao mesmo tempo, oferece um anti-exemplo de rei com Pigmalião; Chipre fornece o quadro da desordem completa: seus habitantes são inimigos do trabalho, cultivam uma vida de luxúria e vaidade, deixando os campos incultos; Creta, por sua vez, ensina a importância de um conjunto de leis sábias e justas para um bom governo. Na Salento reformada por Mentor, os defeitos dos maus exemplos são sanados e as qualidades dos modelos são adotadas.

Sua fortuna crítica, ao longo de três séculos, voltou-se para três questões fundamentais: identificação dos elementos reais naquilo que seria uma sátira ao governo; estudo de um projeto pedagógico que unia lições de moral aos tradicionais ensinamentos políticos ad usum delphini; resolução da querela entre Antigos e Modernos que discutiam, entre outras coisas, seu gênero literário.

Partindo da hipótese de que As aventuras de Telêmaco foram escritas em função de Salento, o objetivo é avaliar a presença, as singularidades e o lugar ocupado pelo gênero

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utópico ao longo de todo o texto literário – o que, a princípio, parecia ser uma reformulação da primeira questão suscitada pela recepção do livro, ou seja, seu caráter de crítica política.

Depois de três semestres de pesquisa bibliográfica, esse objetivo vem sendo redimensionado para levar em consideração que a utopia feneloniana não é composta apenas de idéias políticas, mas de concepções muito específicas de história, natureza e arte. Juntamente com suas idéias políticas, essas concepções compõem uma cosmovisão que permite situar de forma mais precisa Fénelon em seu tempo e reavaliar sua influência posterior.

Nessa perspectiva, as três questões fundamentais para sua fortuna crítica não podem ser estudadas separadamente. O que há de sátira n’As aventuras de Telêmaco diz muito daquilo que seu autor idealiza como sociedade perfeita, uma aristocracia sustentada pelo trabalho no campo; bem como sua concepção de educação, fundada na História, está a serviço da formação do homem ideal que comporá essa sociedade; e, ainda, suas escolhas estéticas, que valorizam uma natureza primitiva, manifestam, por meio da forma, seus valores morais.

Tal imbricação entre literatura e política não era uma marca particular de Fénelon. Na segunda metade do século XVII, a literatura tornou-se um problema político. A querela entre Antigos e Modernos dividiu a República das Letras entre aqueles que acreditavam viver um período de decadência (tendo como referência positiva a Idade de Outro da antiguidade) e aqueles que defendiam a era do Rei Sol como o ápice da cultura européia.

Segundo Fumaroli, em prefácio a uma coletânea dos textos constitutivos da querela (Gallimard, 2001), um dos principais problemas dessa divisão estava na interpretação do Estado de Luís XIV. Para Boileau, por exemplo, a modernidade do Estado Absoluto tinha um limite. A realeza era um ofício sagrado antigo. O rei não deveria, portanto, ser entendido como um começo absoluto, mas como a continuação de uma tradição. O juízo de um governo não poderia situar-se na sua contemporaneidade, mas no seio mesmo da história.

Os Modernos, por sua vez, concebiam o Estado Absoluto como a superação teológica e política da antiguidade. O reino de Luís XIV era considerado, portanto, a única referência para si mesmo. Daí a metáfora elaborada por Swift: os Antigos eram abelhas que retiravam os elementos de sua criação de outros autores; os Modernos eram aranhas que tiravam os fios de sua criação de suas próprias entranhas.

Apesar de ter-se sempre pronunciado como partidário dos Antigos, Fénelon viu seu Telêmaco ser recebido pelos Modernos com euforia; além disso, concorda com os Modernos que a moral dos heróis da antiguidade é questionável por não ser cristã; por fim, sua utopia, que pretendia revalorizar a nobreza, não abria mão da idéia dos direitos divinos do rei. A imbricação apontada entre literatura, política e educação na obra feneloniana não exclui, como podemos perceber, ambigüidades e talvez contradições.

Com o objetivo de entender melhor esses problemas, realizaremos uma nova leitura de As aventuras de Telêmaco procurando responder as seguintes perguntas:

• Quais são as concepções de homem figurativizadas pelos personagens do texto? • Que definições de glória e virtude podem ser abstraídas das lições dadas por Mentor a

Telêmaco? • Qual deve ser o objetivo principal de um governante? • Qual é a melhor forma de governo? • Qual é a origem do poder de um príncipe para Fénelon? • Quais são os direitos e os deveres do povo?

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• Qual é a interpretação feneloniana da concepção de Estado formulada ao longo do século XVII?

• Qual é a função do poeta dentro do Estado? Como Fénelon se relacionava com Luís XIV? • Qual é a concepção de história que subjaz à composição do texto e como Fénelon

estabelece relações entre essa concepção e seu ideal de educação e arte? • Qual é a concepção de natureza que fundamenta a criação da paisagem dessas aventuras e

como ela determina organização da vida social na utopia de Salento? • Quais são as convergências e divergências entre o ideal estético proclamado por Fénelon e

a estética realizada em As aventuras de Telêmaco?

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Tatiana Sena dos Santos, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Federal da Bahia Releituras da República: literatura e nacionalidade Orientador: Eneida Leal Cunha

O projeto de dissertação, em fase inicial de desenvolvimento, intitulado As letras da

República: o corpo moderno da nação brasileira em Machado de Assis e Lima Barreto, objetiva analisar o estatuto e a contribuição da literatura na construção do imaginário nacional, na fase inicial do período republicano, a partir da investigação contrastiva dos romances Esaú e Jacó (1904) e Triste fim de Policarpo Quaresma (1915). Se a literatura, no período imperial, teve um papel destacado na construção de um imaginário nacional para o Brasil, não manteve a mesma posição no momento inicial do período republicano. Ferramenta estratégica para a fundação espiritual e imagética da nacionalidade até então, a literatura foi preterida como discurso axial, no projeto republicano, para a “formação das almas” nacionalizadas (CARVALHO, 1990). Como assinala o historiador José Murilo de Carvalho, durante os primeiros anos do novo regime não foi tão simples “estabelecer os parâmetros de uma convivência pacífica entre a República da política e a República das letras” (1987, p. 26). Nos romances em questão estão representadas algumas das principais tensões políticas e culturais que caracterizaram o período fundacional da república brasileira, dando vazão aos questionamentos recalcados e às contradições internas do país. O exame comparativo desses autores, oriundos de locais de enunciação sabidamente diferenciados, permite compreender quais os dilemas sociais legíveis nos textos que inscrevem as conexões e as disjunções dos escritores em questão com a representação modernizadora da nação empreendida pelo discurso institucional da República.

Em 2009, a República no Brasil completa 120 anos. A data comemorativa não serviu para trazer ao centro das discussões a forma de governo cuja implantação demarcou talvez a mais importante mudança política no Brasil dos últimos 180 anos, além de registrar também a primeira intervenção mais contundente da esfera militar na arena interna da política brasileira. Ao longo de mais de um século, a forma republicana foi mantida, a despeito das “revoluções” que conturbaram a política nacional. Uma continuidade que, entretanto, não deve ser confundida com estabilidade, nem com o consenso quanto às virtudes históricas dessa configuração, sobretudo quando se avaliam seus saldos no âmbito da promoção da cidadania. Acontecendo num momento em que transformações substantivas nos campos político e social afetam as inscrições republicanas de ordem e de progresso, este novo aniversário da república brasileira anuncia perspectivas das mais produtivas para um estudo crítico de forças instituintes do imaginário nacional. Repensar a tradição republicana a partir da literatura abre um campo de problematização diferencial para as discussões em torno da formação política brasileira e, principalmente, acerca da própria literatura, de seus nexos e/ou atritos com a perspectiva hegemônica de modernização nacional, colaborando assim para o aprofundamento e extensão do acervo de reflexão que articula a literatura e o imaginário cultural brasileiro.

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Por ser uma pesquisa bibliográfica, a investigação se concentra na leitura, análise e interpretação dos romances pesquisados, a partir de um corpus teórico-crítico e historiográfico pertinente à temática abordada. Embora seja uma pesquisa que exige um aporte de conhecimentos multidisciplinares, os pressupostos e instrumentais da crítica literária e da crítica cultural presidirão o trabalho. Este estudo se situa na instigante interface entre literatura e história, que tem se mostrado bastante produtiva nos debates acadêmicos contemporâneos, construindo uma longa tradição de diálogos, polêmicas e, fundamentalmente, de cumplicidades que envolvem os dois campos que se diferenciaram na modernidade. Essa retroalimentação dos campos em questão evidencia o consórcio entre historiadores e literatos, haja vista que estes participam da mesma categoria dos letrados e são importantes narradores/fundadores da ficção nacional, contribuindo na formatação de um imaginário nacional, em especial das classes dirigentes do país, seja no passado ou ainda hoje. Não podemos perder de vista que literatura e história são categorias disciplinares básicas dos currículos nas escolas, instituições que, como ressalta Étienne Balibar (1991), funcionam como genuínas fábricas da forma nação. Serão utilizados teóricos e críticos cuja perspectiva de trabalho seja marcada pela interdisciplinaridade, especialmente na interlocução entre os campos histórico e literário. Para a discussão sobre a obra de Machado de Assis, serão privilegiados os autores Roberto Schwarz, John Gledson e Sidney Chalhoub. Das pesquisas sobre a obra de Lima Barreto, focalizarei o trabalho de Nicolau Sevcenko, Beatriz Resende e Denilson Botelho.

As questões teóricas relativas ao conceito de nação, ao imaginário nacional e ao projeto de modernização serão abordadas a partir da obra de Cornelius Castoriadis, Benedict Andersen, Etiénne Balibar, Homi Bhabha, Stuart Hall e Michel Foucault. O projeto republicano de modernização do corpo social instaura, no final do século XIX no Brasil, as “tecnologias do biopoder” (FOUCAULT, 1999), intervindo decisivamente na regulamentação do viver na sociedade brasileira. Os emblemáticos versos do Hino da República (Nós nem cremos que escravos outrora/Tenha havido em tão nobre país) servem de pórtico à narrativa nacional republicana brasileira, evidenciando os esquecimentos e os aparatos de exclusão implementados desde então. No Brasil, onde estavam em jogo a constituição da nação e a definição da cidadania política, é preciso atentar para o entrecruzamento dessas ideologias com os postulados teóricos das Ciências Sociais emergentes. Nos fins do século XIX, ciência, filosofia e religião são entendidas em termos evolutivos. Nesse sentido, as teorias dos darwinistas sociais alcançaram larga difusão, em sintonia com o pensamento vigente entre os intelectuais da época. Busca-se também compreender quais as posturas críticas dos autores pesquisados sobre as correlações entre as ideologias políticas, as teorias científicas, a estética realista e a forma republicana.

Propõe-se que nessa fase houve uma modernização intermediária da nação, na qual as construções discursivas nacionais estavam em processo de reconfiguração. É preciso atentar-se para o papel diferencial exercido pela literatura nessa fase. Minha hipótese de trabalho conjetura que, entre as construções discursivas romântica e modernista, houve uma refundação intermediária da nação, processo especialmente legível através de narrativas literárias que não se resumem ao que a periodização literária denomina “pré-modernismo”, nas quais estão realçados os impasses que marcaram a efervescência ideológica em torno da Proclamação da República.

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Tauan Fernandes Tint i, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Ruína da alegoria e alegoria da ruína em Endgame Orientador: Fabio Akcelrud Durão

O trabalho a ser apresentado integra o projeto de dissertação de mestrado intitulado “O absurdo do teatro: Endgame e os limites da dramaturgia”, orientado pelo prof. Dr. Fabio Akcelrud Durão. A hipótese norteadora dessa pesquisa é a de que a peça Endgame, de Samuel Beckett, situa-se em uma posição-limite das possibilidades da dramaturgia, em consonância com a leitura que Adorno (1982) faz da peça: para o teórico, nela se apresenta o resultado da história, sua decadência. Como forma de definir tal posição-limite, faço uso de uma construção teórica calcada principalmente no cruzamento entre a caracterização que Walter Benjamin (2004) elabora do drama trágico (é essa a tradução de João Barrento para o termo Trauerspiel) alemão, em que tanto o luto quanto a melancolia têm um papel preponderante, e as reflexões psicanalíticas de Sigmund Freud (1986 [1917]) sobre esses dois estados psíquicos. No giro teórico que proponho, o apego extremo aos objetos que caracteriza a disposição melancólica do drama trágico encontra-se relacionado à perda das possibilidades do tempo da tragédia. De acordo com Benjamin, o sacrifício do herói trágico é dotado de um caráter fundador, instaurando um tipo de temporalidade que já não é mais possível nos dramas trágicos, e defendo que o apego extremado aos objetos que caracteriza estes últimos acaba por impossibilitar a realização de um trabalho de luto, tal como definido por Freud. Também de acordo com Benjamin, outro aspecto fundamental do drama trágico é a apresentação de um acúmulo de catástrofes contrário tanto a qualquer forma de escatologia quanto à idéia de progresso geral da humanidade, o que é refratado na situação “pós-catastrófica” de Endgame, onde, após algum desastre indefinido e incomunicável, nenhuma possibilidade de mudança é admitida e o fim se aproxima aos poucos, ainda que pareça nunca chegar de fato. Funcionando como uma espécie de epílogo à caracterização elaborada por Benjamin, a peça cria um limite das possibilidades da dramaturgia que dialoga tanto com a tragédia quanto com o drama trágico, levantando questões às tradições crít ica e dramática que possibilitam reconfigurá-las, sendo meu intuito verificar como a peça se comporta com relação aos impasses que ela própria assinala. Devido à relativa complexidade da proposta, a continuidade do projeto de pesquisa se deu no sentido de uma divisão do problema em questões mais simples que pudessem ser investigadas mais de perto, como forma de possibilitar uma visão de conjunto posterior. Sendo assim, o desenvolvimento da dissertação está organizado em torno de três núcleos, aqui brevemente esboçados. O primeiro desses núcleos trataria das relações entre Endgame e tragédia, retomando questões já aludidas no projeto de pesquisa. Do ponto de vista formal, esse núcleo é construído principalmente em torno do papel preponderante do silêncio na tragédia e na

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dramaturgia de Beckett, e é meu objetivo aqui investigar como esse mesmo recurso formal se presta a desenvolvimentos radicalmente diversos (e talvez opostos). O papel do silêncio na tragédia é visto aqui principalmente à luz das teorizações de Hölderlin (2008) sobre as peças Édipo Rei e Antígona, que são parcialmente retomadas por Benjamin em seu estudo sobre o drama barroco alemão, e nesse sentido o conceito de cesura prefigura-se como ponto privilegiado de configuração do problema. Por sua vez, parto da leitura que Adorno faz de Endgame para encarar a função do silêncio em Beckett. O outro pólo das relações entre Endgame e tragédia é construído em torno das relações da peça com a Poética aristotélica; no presente estágio de desenvolvimento, considero que na peça de Beckett acontece uma espécie de negação dos preceitos aristotélicos, mas essa negação é aqui encarada no sentido da Verneinung freudiana, uma desautorização que possibilita a aceitação parcial e distorcida desses preceitos. O segundo núcleo de desenvolvimento trata das relações entre Endgame e drama trágico (Trauerspiel), sendo construído em torno da importância dos objetos em ambos. Para Benjamin, os objetos de cena ocupam um papel central nos dramas trágicos, sendo as cenas elaboradas em torno desses objetos (quer seja um punhal, quer sejam os cetros dos reis), que são a presentif icação do destino que propulsiona a peça. Em Endgame, por sua vez, objetos são constantemente referidos e desejados, mas sua escassez ou desfuncionalização traz contornos diversos ao seu papel na peça. A partir de algumas implicações retiradas da leitura desses objetos, parto para a problematização da idéia de alegoria na peça de Beckett: se os objetos funcionavam alegoricamente nos dramas trágicos, a opacidade que eles apresentam na cena beckettiana mina também a possibilidade de tomá-los desse modo. Desenvolvo, nesse sentido, a resistência da peça à interpretação alegórica, que aparentemente culmina na impossibilidade de qualquer interpretação totalizante de seus elementos. O que se anuncia silenciosamente em Endgame é uma espécie de anti-alegoria, ou de alegoria mutilada: os elementos para a leitura alegórica se encontram em cena, mas resistem a serem tomados desse modo, e cada um deles apresenta essa resistência de formas determinadas. Por sua vez, o terceiro núcleo de desenvolvimento consiste em uma discussão mais propriamente teórica, que parte da seguinte idéia: o luto do drama trágico pode ser lido como estando relacionado à perda da possibilidade do tempo criador que é característico da tragédia. Extrapolando essa idéia, busco propor o luto e a melancolia também como formas de se ler a tradição reconstruída no contexto da pesquisa. Benjamin afirma que os dramaturgos do barroco alemão têm uma “fidelidade distorcida” aos preceitos clássicos, e busco desenvolver essa idéia no sentido de uma relação de identif icação extremada, análoga à identificação melancólica caracterizada por Freud. Essa identificação diz respeito principalmente à forma como a tradição é lida pelos teóricos levantados no decorrer da pesquisa. O ponto mais alto da dramaturgia ocidental já é perdido de antemão, e não nos é mais possível alcançá-lo, ou mesmo apreciá-lo integralmente (levem-se em conta, por exemplo, as afirmações de Nietzsche sobre a tragédia grega, um “espetáculo total” que não conseguimos apreender), e acredito que essa forma de ler a tradição, por parte de autores como Nietzsche, Hölderlin e, principalmente, Benjamin, merece ser interpretada, trazendo consequências à minha leitura de Endgame. Se a perda da possibilidade da tragédia deixa marcas insuperáveis na tradição levantada ao longo desse trabalho, a posição-limite de Endgame ganha conotações absolutamente novas, re-significando muito da leitura desenvolvida até esse ponto.

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Por fim, o trabalho a ser apresentado consistirá em um recorte do segundo núcleo de desenvolvimento da pesquisa (Endgame e drama trágico), sendo composto especificamente pela leitura de um dos objetos cênicos da peça e dos problemas que este coloca para uma interpretação puramente alegórica. O objeto em questão é um quadro com a face voltada para a parede, que jamais é trazido para o primeiro plano e ocupa um papel aparentemente marginal na peça. Na leitura que proponho, esse objeto concretiza a extrema resistência da peça à interpretação, mas sua insistência em permanecer em uma cena caracterizada pela absoluta economia de elementos cenográficos aponta para a necessidade mesma dessa interpretação, que é por definição incompleta (ou mesmo falha), como poderá ser observado através de um breve diálogo com a crítica.

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Tiago Guilherme Pinheiro. Mestrado em Teoria e História Literária — Universidade de São Paulo. “Too literary!” – Elizabeth Costello e os limites do literário Orientador: Marcos Piason Natali

Partindo de uma leitura das representações do campo artístico encontradas nas obras de Roberto Bolaño e J.M. Coetzee, este trabalho estudará as mudanças sofridas no estatuto de autonomia da literatura. Nessas narrativas, a literatura já não é concebida como um domínio independente, sendo influenciada por esferas políticas, mercadológicas e midiáticas. Essa situação se estende até a figura do autor/escritor que, inclusive, aparece freqüentemente como agente legitimador de violência, tanto simbólica quanto física. O objetivo desta pesquisa é explicar como o conceito de “literatura” pode ter se tornado uma categoria indesejada ou mesmo repudiável. Assim, serão analisadas, a partir das obras propostas, as relações entre diversos atores e instituições – escritores, a universidade, a mídia, o mercado e o Estado – buscando entender quais os mecanismos que estão em jogo na apropriação do literário por outros campos. Também será verificado se a possibilidade da neutralização do conteúdo literário como ficção facilita a transformação da literatura em um dispositivo que atua em favor de interesses alheios. Este projeto de pesquisa, que pretende dialogar com as teorias de Pierre Bourdieu, Michel Foucault e Jacques Derrida, espera, ao final, entender que novo tipo de investimento simbólico esses dois escritores contemporâneos querem reivindicar, e como o discurso sobre a autonomia da literatura deve ser entendido num período de fortes interferências sobre o campo cultural.

Os objetivos do trabalho são: 1) Apontar como os diversos atores e instituições – escritores, a universidade, o mercado, o Estado e a mídia – se relacionam no interior dos romances Elizabeth Costello e Slow Man de J. M. Coetzee e Los detectives salvajes e Nocturno de Chile de Roberto Bolaño; 2) Analisar a dissolução da autonomia do campo artístico (tal como conceituado por Pierre Bourdieu) a partir das representações da literatura e do escritor encontradas no corpus deste projeto; 3) Identificar, nesses romances, mecanismos (tais como a “ficcionalidade” e a “pluralidade”) que configuram o espaço discursivo literário na contemporaneidade e apontar as formas pelas quais Bolaño e Coetzee os expõem e os problematizam; 4) Desenvolver, baseando-se nessas análises, uma teoria sobre o papel da neutralização do conteúdo crítico como ficção na definição da literatura como dispositivo a cumprir interesses de esferas alheias; 5) Buscar as novas formas de investimento simbólico que esses autores querem reivindicar ao se contraporem a um certo conceito de literatura desde o interior mesmo do discurso literário, tendo-se em vista a perda de sua autonomia e sua neutralização.

Durante as últimas décadas do século XX, houve uma reconfiguração radical dentro do âmbito literário, causada por uma crítica aos valores (até então tidos como) adjacentes que determinavam e limitavam aquilo que se entendia por cultura, buscando suprir os seus silêncios, seus silenciamentos. Entraram em jogo novas formas de politização do campo literário, novos valores defendidos desde o interior deste campo, transformando os papéis

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de agentes como o intelectual e o representante em relação ao direito e a liberdade de expressão. Contudo, à medida que esse processo foi expandindo e institucionalizando-se, novos problemas foram se tornando perceptíveis e passíveis de reflexão. Tal mudança de perspectiva é particularmente visível na obra do escritor sul-africano John Maxwell Coetzee. Desde Elizabeth Costello (2003), seus livros parecem tomar um rumo auto-reflexivo, menos no sentido metaficcional, i.e., de uma escrita que expõe conscientemente seus recursos discursivos, desnaturalizando a sua própria estrutura; do que no sentido de uma reflexão sobre o deslocamento discursivo que suas enunciações, sua obra e sua fala sofrem após uma consagração definitiva no atual campo literário, e quais as conseqüências políticas e artísticas desse processo. Não à toa, essa mudança temática ocorrerá logo depois de Coetzee receber o seu segundo Book Prize (1999) e o prêmio Nobel (2003). Assim, ao retrato brutal da sociedade africana pós-apartheid em Disgrace (1999), seguem-se livros que poderíamos classificar como “amenos” (ainda que essa amenidade seja em si uma violência): Elizabeth Costello (2003), Slow Man (2005) e Diary of a Bad Year (2007). Até mesmo o fato dessas narrativas se passarem na Austrália, uma ex-colônia com um estado democrático largamente reconhecido, é, para além de qualquer paralelismo empírico, algo que pode ser lido de modo fortemente simbólico. Outro fator importante que implica a releitura de sua própria produção é a escolha dos personagens: nos três livros temos a forte presença de escritores consagrados, que, no final de suas vidas, fazem um balanço desesperançado de suas obras - Elizabeth Costello (que reaparece em Slow Man) e Señor C. (em Diary). Também é sintomático que dois desses textos incluam em seu interior uma tentativa de atuação no chamado “espaço público”, ainda que permaneçam submetidos ao rótulo “fiction” (e precisaremos entender bem essa classificação se quisermos enxergar melhor as conseqüências últimas desses textos), talvez devido às narrativas que emolduram as palestras ou que estão à margem dos artigos de opinião e que parecem desestabilizar a parte objetiva desses textos, ao tentar performatizar seus contextos de produção (diferindo-os do de enunciação). Ainda que esses gestos tenham sido lidos como uma espécie de “profissão de fé” que demonstraria o poder transformador da ficção, tentarei ler, para além dessa impressão inicial, como esses textos buscam colocar em questão justamente a eficácia do literário – que faz encarnar a sua voz e que jamais pode desaparecer de sua fala –, e que tipo de problema isso coloca para o papel crítico associado ao escritor e à obra artística. Em última instância, isso nos obrigará a refletir sobre a re-inscrição cínica do poder performativo da fala na sociedade contemporânea e que não se revelará a não ser como a capacidade de pura voz, como um dizer que não coincide com o seu fazer, ou melhor, que é enfraquecido, não possui força – no sentido derridiano-freudiano dessa palavra – para esse realizar o ato que descreve. A leitura aqui proposta terá como foco Elizabeth Costello, que é, na verdade, uma compilação de várias palestras proferidas por Coetzee entre 1996 e 2003, em diversas instituições, em especial, em academias (Bennington College, Princeton University, University of California). O modo de apresentação aqui é significativo: ao invés de defender posições “objetivas” sobre os temas propostos, Coetzee lê as narrativas protagonizadas por uma consagrada escritora australiana, nas quais se encenam as situações que envolvem e perpassam suas atuações públicas, suas palestras. Temos então acesso às circunstâncias de suas apresentações, às opiniões internas de Costello (que muitas vezes não coincidem com a de suas leituras), às respostas dos ouvintes, às histórias de sua vida

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pessoal, às entrevistas concedidas em tais ocasiões, etc., ainda que nem sempre tenhamos acesso às palestras em si. Ficam ressaltadas as condições de enunciação e as reações que sua fala provoca, reações que Costello encara constantemente como derrotas. Ainda assim, e significativamente, as palestras são organizadas como “lições” ao invés de “capítulos”, talvez mais para descrever uma certa expectativa pedagógica de seus ouvintes e leitores do que para indicar alguma espécie de ensinamento que de fato o texto traria. No entanto, para entendermos o sentido dessas derrotas, será preciso esboçar uma história da literatura envolvendo a idéia de liberdade de expressão e sua relação com a figura do intelectual. Desse modo, poderemos contextualizar o modo pelo qual Coetzee (e Costello) decide (ou é obrigada a) agir “publicamente” e para que limites o seu texto aponta.

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Valéria Cristina Bezerra, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas “Meu amável leitor”: a figuração do leitor nas crônicas de José de Alencar Orientadora: Márcia Azevedo de Abreu

Dentre os diversos propósitos assumidos por Alencar na sua atuação literária, está a formação e a elevação do público leitor. Este desempenha uma importante função na sua obra, a julgar pelos primeiros romances, que ficcionalizam o seu receptor através de uma prima, suposta leitora de Cinco Minutos, O Guarani e A Viuvinha. Além dos romances, pode-se identificar esse recurso também nas cartas que motivariam a famosa polêmica sobre o poema de Magalhães, A Confederação dos Tamoios; Alencar poderia ter expressado sua opinião a respeito do poema em simples artigos, mesmo que anônimos, mas preferiu o gênero carta. Esse gênero lhe permitiu ficcionalizar o emissor, como sendo “o verdadeiro anacoreta do século dezenove, que lê o jornal pela manhã, e à noite joga o seu voltarete” (Alencar, 1953: 8), e criar um interlocutor, o suposto editor do jornal e amigo. Essa estratégia o isenta de um embate direto com os contendores.

A crítica considera que a estréia literária de Alencar se dá nas colunas da seção “Ao correr da pena”, folhetim em que publicava regularmente crônicas que abordavam assuntos do cotidiano - como política, teatro, moda, utilidade pública - através do tom de conversa, satisfazendo o interesse de um público variado. Alencar, nessa primeira experiência, estabeleceu contato com o público e deu indícios da sua figuração de leitor. A leitura das crônicas revela uma recorrência de interlocução ao leitor, seja de forma lisonjeira, seja pela demonstração de intolerância e impaciência. As inúmeras referências a seu receptor permitem identificar que imagem Alencar constrói de seu público. Este estudo fará uma análise das crônicas de José de Alencar para reconhecer que características o escritor atribuía ao seu leitor.

Os pesquisadores detectaram a publicação de 61 crônicas de autoria de Alencar: 31 na primeira série de “Ao correr da pena”, publicadas no Correio Mercantil entre 3 de setembro de 1854 a 8 de julho de 1855; 3 publicadas no Jornal do Comércio no ano de 1855; 7 na segunda série de “Ao correr da pena”, publicadas no Diário do Rio de Janeiro entre 7 de outubro e 25 de novembro de 1855 e 14 sob os títulos de “Folhas soltas”, “A revista” ou “Folhetim”, publicadas também no Diário do Rio de Janeiro de 18 de fevereiro de 1856 a 18 de dezembro de 1856.

Alencar estreou no Correio Mercantil a convite de Francisco Otaviano, que tinha certo prestígio no círculo letrado pela sua atuação no folhetim do Jornal do Comércio, para o qual colaborou com crônicas entre os anos de 1852 e 1854, antes de assumir a direção do Correio Mercantil e a seção de política desse periódico. Alencar era ainda um nome desconhecido na imprensa e, para evitar comparações e hostilidade por parte do público habituado à escrita de Otaviano, no seu primeiro folhetim, ficcionaliza a substituição através de uma metáfora:

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Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis como quiserdes, a poesia ou a imaginação, tomou-se de amores por um moço de talento, um tanto volúvel como ordinário o são as fantasias ricas e brilhantes que se deleitam admirando o belo em todas as suas formas. [...] Assim se passou muito tempo; mas já não há amores que durem sempre, principalmente em dias como os nossos, nos quais o símbolo da constância é uma borboleta. Acabou o poema fantástico no fim de dois anos; e um dia o herói do meu conto, chamado a estudos mais graves, lembrou-se de um amigo obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro (Alencar, 2003: 18-19).

Alencar explica que essa pena, nas mãos do “moço de talento”, era dada às “formas

elegantes” e a “meneios feiticeiros”; já nas mãos do folhetinista estreante “só fazia correr”. Dessa forma determina um tipo de leitura para as suas crônicas: como são escritas “ao correr da pena”, devem ser lidas ao correr dos olhos. Essa primeira postura revela sua preocupação com o leitor e a recepção de seus textos, temas caros na sua produção folhetinesca.

No segundo folhetim, Alencar se queixa da dificuldade que é abordar tão diferentes assuntos no mesmo espaço:

Obrigar um homem a percorrer todos os acontecimentos, a passar do gracejo ao assunto sério. Do riso e do prazer às misérias e às chagas da sociedade; e isto com a mesma graça e a mesma nonchalance com que uma senhora volta as páginas douradas do seu álbum, com toda a finura e delicadeza com que uma mocinha loureira dá sota e basto a três dúzias de adoradores! Fazerem do escritor uma espécie de colibri a esvoaçar em ziguezague, e a sugar, como mel das flores, a graça, o sal e o espírito que deve descobrir no fato mais comezinho! (Alencar, 2003: 28).

Essa variedade não é simples exigência do gênero, mas uma estratégia para atender

a uma diversidade de públicos e preferências:

Se se trata de coisa séria, a amável leitora amarrota o jornal, e atira-o de lado com um momozinho displicente a que é impossível resistir. – Quando se fala de bailes, de uma mocinha bonita, de uns olhos brejeiros, o velho tira os óculos e diz entre dentes: ‘Ah! O sujeitinho está namorando à minha custa! Não fala contra sãs reformas! Hei de suspender a assinatura’. O namorado acha que o folhetim não presta porque não descreveu certo toilette, o caixeiro porque não defendeu o fechamento das lojas aos domingos, as velhas porque não falou na decência das novenas, as moças porque não disse claramente qual era a mais bonita, o negociante porque não tratou das cotações da praça, e finalmente o literato porque o homem não achou a mesma idéia brilhante que ele ruminava no seu alto bestunto (Alencar, 2003: 29).

A partir de uma leitura detida das crônicas de Alencar, tentaremos selecionar e

organizar as posturas recorrentes para sistematizar um perfil de leitor de folhetins elaborado pelo escritor.

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Vandré Aparecido Teotônio da Silva, Mestrado em Teoria e História Literária – Universidade de São Paulo

“Notícias do Rio”: jornal censurado como elemento de produção de saber Orientador: Ana Maria de Almeida Camargo

No final de março de 1940 o periódico paulistano O Estado de S. Paulo passou a ser administrado por profissionais designados pela ANI (Agência Nacional de Imprensa) e pelo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Sob a alegação de conspirarem contra o regime, os proprietários do jornal foram presos e expulsos do país, permanecendo no exílio pouco antes de dezembro de 1945, quando reassumem a direção do jornal. Embora marcos, esse período pelo qual sofreu intervenção O Estado de S. Paulo se conjuga, de certo modo, com o processo de afirmação do projeto político estadonovista, culminando, consequentemente, com sua derrocada, quando Getúlio renuncia abrindo caminho para uma relativa democratização. Durante longos cinco anos o periódico passa por transformações significativas, refletindo, portanto, o processo de interdição do jornal, mostrando que, mais que censurar a folha, o Estado preocupou-se em transformá-la em canal de comunicação, veiculando discursos que objetivavam a auto-legitimação de seu projeto para a nação. A intervenção no periódico levanta questionamentos a cerca das mudanças a que foi submetido O Estado de S. Paulo, evidenciando conflitos e rearranjos nas relações entre meios de comunicação e Estado, e, mais ainda, permitindo visualizar procedimentos, técnicas e processos de resignificação da notícia como veículo de comunicabilidade com o leitor. O Estado, agente ativo da cotidianidade de então, a partir da análise das notícias veiculadas na coluna Notícias do Rio, mostra-se elemento presente na vida do leitor, onde, por trás das palavras, notar-se-ão processos de apropriação do jornal que o colocam cada vez mais em evidência, transformando, deste modo, O Estado de S. Paulo em veículo de autolegitimação da imagem do Estado Novo. A pesquisa busca, por outro lado, compreender o processo de intervenção do Estado na vida do periódico sobre o viés da censura e silenciamento, portanto violento, como também, analisar o processo de construção de saberes e a publicização dos mesmos. O Estado Novo, tomando por base a produção de notícias no periódico, mostra-se aqui tanto como censor como produtor. Os processos de transformação pelos quais passou a coluna Notícias do Rio corroboram para o entendimento das múltiplas táticas utilizadas pelo Governo Federal para fazer valer seus princípios e sua lógica. Resta-nos saber até que ponto esse objetivo foi alcançado. Essa “produção do saber” gerada pelo poder, dos quais nos remete Foucault (Microfísica do Poder, 2007, p. 3), representa uma das faces do governo autoritário. É inegável a violência empreendida nas prisões, assassinatos e deportações de intelectuais e jornalistas, como por exemplo, a expulsão do país de Júlio de Mesquita Filho, dono do O Estado de S. Paulo, como também, e aí a repressão e a censura agem com mais sutileza, a produção de um discurso pautado em cânones doutrinários muito bem solidificados. A

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repetição temática das notícias, veiculadas no periódico, oriundas da Agência Nacional, buscam essa auto-legitimação dos discursos e suas práticas. Ao auto-afirmar-se, o Estado Novo tenta criar uma atmosfera de unidade, base de sua política nacionalizadora, buscando, portanto, a produção de consenso entre os leitores paulistanos. Nada escapa ao Estado: o lazer, o trabalho, a educação, a economia, a pobreza, o desenvolvimento, as estradas, tudo. Busca-se uma uniformização das falas com vistas à legitimação de seu projeto. Da vida privada ao que tange à coletividade, o Estado Novo se fez presente implementando sua censura policialesca e punitiva e, visivelmente, introduzindo nas páginas da coluna Notícia do Rio sua imagem, construindo, paulatinamente, um discurso legitimador da ordem. Numa outra perspectiva, Karl Marx em A liberdade de imprensa, tratando do papel da imprensa e a ação da censura nas comunicações, concluí que: “A verdadeira censura (...) é a crítica; esta é a corte que a imprensa criou ao seu redor. A censura é a crítica ao monopólio do governo” (A liberdade de imprensa, 1980, p. 38). Para Marx, portanto, o Estado buscava o monopólio das comunicações como forma de obter o consenso da população. Quando fala que “censura é crítica”, nos coloca diante de um Estado que não a permite, controlando e punindo quem “sair dos eixos”. A interferência do Estado na cotidianidade foi posta em prática por meio da censura às manifestações culturais que não estivessem nos parâmetros determinados pelo regime. Tal inferência se torna tão constante que, o reverso da censura - enquanto instrumento prático de coesão e punição – recai em uma produção cultural extremamente simbólica, onde, para Mikhail Bakhtin, “tudo o que é ideológico é um signo” e a “criação ideológica – ato material e social – é introduzida à força no quadro da consciência individual”, caracterizando, portanto, em dominação social por meio do controle da palavra, imposição e submissão postas pela ideologia dominante (Marxismo e filosofia da linguagem, 1981, p. 31). O Estado, através de mecanismos de censura e controle, irá moldar as relações de comunicabilidade, apropriando-se dos meios de comunicação e, por meio da interdição, transformá-los em “porta-vozes” de seu projeto político. Todavia, não se podem fazer crer que, os discursos engessados produzidos pelo Estado Novo tenham atingido da mesma forma seus interlocutores. Esse esforço por coordenar, padronizar e centralizar os meios de comunicação é analisado por Marialva Barbosa, onde a autora vê na burocratização do Estado elemento que compõe um projeto político em que a centralização é tônica do regime, pois, segundo a autora “(...) o Estado vai multiplicar o número de agências, institutos, conselhos, autarquias que irão centralizar as demandas dos diferentes setores da sociedade, através da multiplicação dos órgãos burocráticos” (História social da imprensa, 2007, p. 106-107). Portanto, com o intento de por em prática um projeto político centralizador e burocratizante, a figura do Estado tornar-se-á presente nos mais variados campos da cultura e da sociabilidade. Essa interferência no trato social tinha por objetivo a apropriação de signos e a padronização dos discursos, legitimando, por meio da construção da notícia, o papel do Estado como agente ativo de transformação. Autonomear-se-á o legitimo comunicador dos ideais de convivência social e de relacionamento. Presente seja no rádio ou na cartilha escolar, o Estado Novo colocará em evidência sua doutrina com vias de legitimação de seu projeto de Brasil, criando, como resultado, uma gama de signos que permaneceram até hoje como registro da cotidianidade.

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Vanina Carrara Sigrist, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Literatura entre teorias e imagens: a narrativa pós-cosmicômica de Italo Calvino Orientador: Maria Betânia Amoroso

O projeto de pesquisa de doutorado a ser aqui apresentado circunscreve o período de 1965 a 1985 dentro da obra do escritor italiano Italo Calvino, para acompanhar o problema do enfraquecimento do romance como forma predominante de narratividade e do encontro com uma narratividade diversa e ansiosa por seu novo espaço na modernidade. Nosso objetivo é pensar esse espaço pela perspectiva de Calvino, constantemente alimentada, a partir de sua ficção As Cosmicômicas até seus últimos ensaios e resenhas, pelo diálogo aberto com importantes saberes antropológicos, científicos e técnico-cinematográficos que entram em íntimo contato com a literatura no século XX. Esperamos, ao fim desse percurso que entrecruzará o pensamento teórico sobre a narrativa literária com proposições originadas pelo conhecimento das ciências e do cinema, procurando, na verdade, suas especificidades, reunir algumas reflexões que possam ajudar a enfrentar os novos desafios à literatura no século XXI, talvez já diferentes daqueles que preocuparam Calvino.

Dada a afinidade com a fábula e a negação do romance, Calvino ressaltou até a metade dos anos 50 o papel moral e antropológico do intelectual na busca por sua integração à sociedade através do narrar. Com o respaldo de sua própria coletânea de Fábulas italianas (1956), o escritor revalorizou o antigo narrador oral, fincado no centro das primeiras comunidades que desvendavam o mundo e a si mesmas contando histórias. Parecia que Calvino tentava resistir ao diagnóstico do filósofo Walter Benjamin (1936) sobre a extinção da figura do sábio narrador conselheiro e da própria arte do narrar (diferente da arte de escrever romances) nas sociedades modernas irreversivelmente massificadas pelos meios de comunicação.

Só que, a partir dos anos 60, algumas convicções e ênfases da prática reflexiva de Calvino passam por transformações. Nesse período, o escritor se transfere para Paris, onde permanecerá por muitos anos dedicado a constantes leituras, aos projetos de novos livros que poderiam ser escritos em maior solidão e anonimato, e ao contato direto ou indireto com os intelectuais que desenvolviam estudos originais nos campos da lingüística, da antropologia e da filosofia. Essa década conheceu a disseminação das análises formalistas de contos populares de Vladimir Propp, das pesquisas sobre as populações indígenas, inclusive brasileiras, de Lévi-Strauss, da proposição de Michel Foucault sobre a morte do autor e, especificamente no domínio da crítica literária que efervescia na cidade onde Calvino tinha se recolhido, o escritor pôde descobrir as novas fronteiras abertas por Roland Barthes e a repercussão das experimentações literárias do grupo L’Ouvroir de Littérature Potentielle (OuLiPo). Fundado por Raymond Queneau em 1960, a proposta fundamental desse grupo, formado principalmente por pintores, matemáticos e escritores, dentre eles Calvino (cuja tímida participação é pouco comentada e estudada por seus críticos), era a de inventar e explorar todos os possíveis jogos de permuta e combinação de que seriam formados os textos

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literários, estabelecendo regras ou convenções para a busca por semelhanças entre sons, letras, rimas, aforismos e sentidos.

Tendo como referência esse contexto, Mario Barenghi, organizador dos dois volumes Saggi 1945-1985 que recolhem milhares de textos ensaísticos de Calvino, percebeu que a trajetória do escritor se manteve linearmente orientada por sua participação engajada no cenário político italiano até a metade dos anos 60. Desse momento em diante, a partir especificamente da conferência “Cibernetica e fantasmi” (1967), o ensaísmo do escritor teria se direcionado à formulação de paradigmas não mais subjacentes aos processos históricos, e sim estritamente vinculados a questões intrínsecas à literatura. Confirmando essa delimitação temporal, Gian Carlo Ferretti, outro crítico italiano que percorreu a produção ensaística de Calvino, preferiu apenas situar o início dessa nova fase dentro da obra ficcional do escritor, com As Cosmicômicas (1965), destacando as mesmas diretrizes que Barenghi.

A literatura entre teorias e imagens. Esse núcleo de consonâncias e dissonâncias nos parece realmente norteador do pensamento de Calvino entre os anos de 1965 e 1985, porque As Cosmicômicas, ‘Cibernética e fantasmas’ e muitos outros textos seguintes expressam a preocupação e a dificuldade cada vez mais intensa de entender se e como a literatura deve continuar narrando histórias, em razão dos espaços assumidos por outros saberes e discursos. Afinal, a literatura não está isolada nem ilesa. Calvino nunca a encerrou dentro de seus próprios limites unicamente estéticos. Ainda mais nas duas últimas décadas, em que ele parece intensificar sua disposição para experimentar a narrativa rodeando outros domínios de conhecimento, trazendo para suas narrativas novas impostações questionadoras de si mesmas e tornando-as menos narrativas e mais, poderíamos dizer, ensaísticas.

Enfim, tentaremos acompanhar as transformações pelas quais a narrativa pós-cosmicômica de Calvino teve de passar ao se ver circundada por leituras assíduas de antropologia e etnologia, Lévi-Strauss, Marvin Harris e Van Gennep, de ciências e histórias da ciência, Galileu, Newton, Freeman Dyson, Giovanni Godoli, e por produções cinematográficas, notadamente adaptações literárias, julgadas oficialmente pelo escritor nos festivais, como o de Veneza, ou informalmente por ele criticadas com base nas diferenças e semelhanças entre linguagem escrita e linguagem áudio-visual.

A fim de abranger todas essas discussões, seguiremos uma metodologia de leitura igualmente abrangente, pois o percurso por todos os ensaios, resenhas, prefácios e também cartas, compilados principalmente em Saggi 1945-1985 e Lettere 1940-1985, não será desnecessariamente minucioso tampouco desproporcionalmente exaustivo para o âmbito da pesquisa. Nosso foco primeiro estará na seção dos Saggi intitulada “Immagini e Teorie” – subdividida em “Sul cinema”, “Intorno alle arti figurative” e “Letture di scienza e antropologia”, títulos que claramente despertam nosso interesse. Essa seção de textos será necessariamente vinculada a outras, para que tentemos reverter a dissociação entre esses temas e aqueles relativos predominantemente à literatura, uma vez que tal separação realizada na organização da coletânea de ensaios só responde a fins meramente classificatórios.

Vislumbradas em conjunto, as reflexões sobre teorias antropológicas e científicas acerca do homem no universo, sobre pressupostos verbais e visuais das narrativas na página e na tela, bem como sobre os autores clássicos e contemporâneos que cruzaram zonas de intersecção entre romance, fábula, realismo, fantasia, incluindo as ficções do próprio ensaísta, possibilitarão adentrar as restrições e inovações impostas à narratividade literária na segunda metade do século XX, de acordo com essa perspectiva central de Italo Calvino.

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Waldemar Rodrigues Pereira Filho. Doutorado em Teoria e História Literária — Universidade Estadual de Campinas. A Fome: ânsia ou carência? Uma leitura das obras de Rodolfo Teófilo e Knut Hansum Orientador: Antonio Alcir Bernardez Pécora

O trabalho tem como objeto dois livros homônimos, de dois autores separados por oceanos (tanto no sentido literal, quanto no simbólico) e unidos por uma coincidência intrigante. Em 1890, Rodolfo Teófilo (1853 – 1932), nascido na Bahia e radicado no Ceará, farmacêutico, cientista e escritor, publica A fome: cenas da seca do ceará. A obra, de estilo naturalista e linguagem crua, narra a saga de uma família de retirantes fugindo da morte certa no interior do Ceará, durante a grande seca de 1878, e é recebida com um misto de desdém e má-vontade pela intelligentsia da época. Na Noruega, Knut Hansum (1859 – 1952), escritor que ganharia o Nobel de Literatura de 1920, publica, no mesmo ano, A fome, obra que narra as desventuras de um jovem desconectado da realidade, misto de escritor e vagabundo, lutando para sobreviver ao rigor do inverno e à indiferença das pessoas ao seu drama pessoal.

O objetivo do trabalho é colocar em contato duas obras, aparentemente díspares, unidas, em princípio, apenas por um título e por um tema, investigando a maneira pela qual elas tratam da situação humana, nomeada ou mediada pela "fome". Por meio de reflexões acerca da construção e inserção das personagens, a leitura comparativa dos textos dará destaque ao modo como essas obras levantam problemas que as contextualizam em suas respectivas tradições literárias, mas também as aproximam graças a uma visão mais abrangente do tema. A hipótese inicial é a de que a percepção do conceito de fome extrapola a idéia da ausência, como geralmente é definido, e aponta para uma experiência da "ânsia", que modaliza inclusive a própria concepção de obra literária.

A leitura comparativa das obras dará destaque, principalmente à construção dos protagonistas (Manoel de Freitas na obra do brasileiro e um narrador inominado, na obra do norueguês) e às suas reações diante da condição em que se encontram. De um lado o que se tem é a privação do alimento por uma contingência climática e social. A luta pela sobrevivência que Freitas empreende é de caráter épico e suas estratégias o colocam na condição de herói de moldes clássicos. Seu caráter é irretocável, sua vontade é inabalável e seus objetivos muito claros: salvar a si e aos seus. A privação do protagonista de Hansum é voluntária. Ele se priva do alimento em uma busca frenética pela possibilidade de produzir uma obra grandiosa. Priva a si mesmo da sensação do gosto, do paladar, para aguçar os sentidos e alcançar uma consagração cada vez mais improvável. Aproxima-se do patético, enquanto Freitas, na obra de Teófilo, alcança sagração.

A análise do caminho percorrido pelas personagens, bem como da percepção da fome na trajetória de cada um serão os fios condutores da leitura. De um lado, no sertão nordestino, um ser idealizado, moldado para as dificuldades e obstinado por sobreviver; de outro, um anti-herói marcado por certo derrotismo e por uma visão de si mesmo que o coloca como um ser superior, uma espécie de gênio incompreendido e injustiçado. Nesse

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sentido, sua entrega total à idéia de criar um produto do intelecto de incomparável qualidade torna-se uma obstinação que lhe trará conseqüências na vida prática e modificará a maneira como encara a própria existência.

A obra de Teófilo será analisada a partir do lugar que lhe reserva a “grande” crítica brasileira do século XX, a qual, na maioria das vezes, oscilou entre execrá-lo ou simplesmente ignorá-lo. A noção de "bom-gosto", tão cara aos formadores de opinião da época será colocada à prova, no sentido de questionar a validade de determinados conceitos. Além disso, serão comparados os “ecos” criados pelo posicionamento de determinados críticos, muitas vezes simplesmente repetidos ad eternum.

Já Hansum, não tendo enfrentado menos dificuldades para ver sua obra conquistar espaço, ao menos num primeiro momento, acabou por alcançar fama e reconhecimento nunca imaginados pelo autor brasileiro. A abordagem de sua obra terá como fio condutor o próprio questionamento do gênero romance do final do século XIX e início do século XX. A fragmentação da personagem e a perda da “segurança” realista na criação do narrador, em favor de uma maior fragilidade e perda da noção de perspectiva servirão de norte para a análise de A fome.

As obras, por mais díspares que pareçam num primeiro momento, acabam suscitando um questionamento em relação à impressão inicial que é comum às duas. A “fome” carência, ausência, falta acaba por se transformar em “fome” obstinação, gana, vontade. A necessidade de alimento, no sentido literal do termo, transforma-se em busca por espaço de expressão, seja de um posicionamento político (não há como negar certo engajamento da obra de Teófilo), seja de uma visão do estético, idéia fixa do narrador de Hansum.

Por fim, haverá a análise das obras no contexto da produção de cada autor, no sentido de se determinar questões de estilo e de visão do literário tanto em Teófilo quanto em Hansum. No caso do autor brasileiro, a recorrência do tema da miséria, da exclusão, da violência e do Homem vivendo no limite da condição humana, como em Os brilhantes (1895), Maria Rita (1897), O paroara (1899) e Violação (1899). Já em relação ao autor norueguês, que produziu obra literária muito mais vasta e significativa, serão selecionadas obras representativas, como Pã (1894) e Os frutos da terra (1917) – livro que lhe renderia o Prêmio Nobel – com a intenção de se isolar procedimentos estéticos comuns no tocante à criação das personagens e ao surgimento dos conflitos que as individualizam.

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Yvone Soares dos Santos Greis, Doutorado em Teoria e História Literária – Universidade Estadual de Campinas Considerações gerais sobre a cidade de Orbe, ou o capítulo XXIV de Alector Orientador: Carlos Eduardo Ornelas Berriel

A finalidade primeira desse projeto de pesquisa é apresentar a tradução de Alector ou le coq: histoire fabuleuse, de Barthélemy Aneau, de 1560, seguido de um estudo crítico da obra quanto à sua caracterização no quadro das utopias literárias francesas do período renascentista. Esse estudo crítico procurará demonstrar: a) o conjunto de características que configuram a obra como uma utopia literária; b) a sua possível relação com outras utopias francesas do mesmo período e; c) a proposta dessa utopia literária e suas relações com a realidade da época em que foi escrita. Alector ou le coq apresenta-se ao leitor como um romance, a despeito de o próprio autor assim não considerá-lo, ou como um conto para crianças. Trata-se de uma narrativa, repleta de filosofia, dos sete primeiros anos de vida de uma criança-galo, dos novecentos anos da fundação do mundo, de uma história de fidelidade, dos humores de um hipopótamo voador, dos erros próprios de uma cidade e da perfeição utópica de suas edificações. Orbe, cidade imaginária concebida por Barthélemy Aneau em sua história fabulosa, Alector ou le coq (1560), não é uma unanimidade como utopia entre aqueles que se dedicam ao estudo desse tema. Se a descrição corográfica, assim como a perfeição de suas edificações respondem a algumas exigências ou a determinados critérios da utopia enquanto gênero literário, os cidadãos Orbitains, no conjunto dos desvios de seu comportamento estão muito longe de serem considerados modelos a outras sociedades. No limiar das grandes tensões entre Estados e Igreja, Reforma e Contra-Reforma, processos inquisitórios, perseguições e condenações, não é de todo surpreendente que se forje na literatura um procedimento que, de certa maneira, vai constituir-se no lugar de abrigo, de proteção à liberdade de expressão que se vê cerceada. O gênero utópico encontra sua permissão nesta impossibilidade do exercício da parrhesia, da crítica da ordem comum das coisas, conforme se encontram dispostas no mundo. O lugar de permissão dessa crítica, portanto, é remetido ao universo imaginário, único lugar onde ela não é passível de censura, onde locais conhecidos e determinados podem ser transformados em outros mundos dentro ou fora do mapa-múndi, personagens reais travestidos, seres reais tornados criaturas irreconhecíveis na história real. Toda estrutura especular que reflete, inversamente, a imagem real das coisas no mundo, sobretudo na representação bem sucedida dos desejos, dos anseios humanos, dos ideais sócio-políticos e econômicos justifica a sua denominação como utópica? A utopia como gênero, ao tomar a experiência histórica como metáfora permite aproximar o real e o imaginário (ilusório), formaliza, através da imagem da Cidade Ideal, o projeto que discute as imperfeições de um tempo e lugar reais e apresenta, satisfatoriamente ou não, propostas à sua superação, como o afirma Carlos Berriel (2005, p. 2-7). A função

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do gênero, nas palavras de Simone Goyard-Fabre (1987, prefácio) é “essencialmente prática, é um convite a modificar, por uma legislação perfeita, o curso da história”. Se os estudos acerca da temática da utopia são abundantes, o mesmo não pode ser dito sobre Alector e seu autor, menos, sobretudo, acerca daqueles que versariam sobre a cidade de Orbe. Essa cidade imaginária de Barthélemy Aneau, ainda que tomada como objeto de estudo por seus poucos críticos, não é uma unanimidade como utopia. Marie-Madeleine Fontaine considera Alector ou le coq explicitamente como primeira utopia urbana da literatura francesa. No entanto, essa obra de Aneau não integra o elenco de utopias repertoriadas por Raymond Trousson em Voyages aux pays de nulle part (1999, p. 275), nem o da Bibliothèque Nationale de France, ou ainda, o levantamento das utopias francesas de V. L. Saulnier, que reconhece o desenvolvimento deste gênero na França somente a partir do século XVII. O objetivo aqui não é o de saber qual o grupo reconhece ou não Alector como uma utopia. Importa mais se deter sobre suas características simbólicas e verificar a pertinência de se atribuir o adjetivo utópico a esta construção imaginária de Barthélemy Aneau. Um dos aspectos contraditórios de Orbe está na oposição entre a perfeição estética urbana e forma de vida, isto é, entre beleza, higiene e harmonia arquitetural e uma aparente felicidade na conformação de cada membro da sociedade ao status quo. A maior atenção dedicada à Basílica Dicaste, por exemplo, bem como a apresentação dos demais edifícios, limita-se essencialmente à descrição de sua função, como se o fim a que se destina constituísse a garantia real de um modo de viver justo e equilibrado, permitindo o exercício ideal da Justiça. Procedimentos da pesquisa A condução da pesquisa deverá pautar-se: - no levantamento bio-bibliográfico de Barthélemy Aneau para posteriores relações com algumas obras do repertório de utopias literárias francesas do Renascimento, cujas análises se encontram em andamento no grupo de pesquisa do professor Carlos Eduardo O. Berriel; - no levantamento e análise de estudos críticos sobre a obra a ser traduzida, que permitam oferecer, com a tradução, elementos que possam ajudar na compreensão da obra como utopia literária; - na consulta a documentos (manuscritos, fac-símiles etc.) que auxiliem na precisão de dados históricos referentes à pesquisa, notadamente em relação às cidades de Bourges e Lyon. - na realização de parte dos estudos doutorais no Centre d'Études Supérieurs de la Renaissance, Université François Rabelais, na cidade de Tours, França. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEAU, B. Alector, histoire fabuleuse. Traduicte en françois d'un fragment divers, trouvé non entier mais entrerompu & sans forme de principe - P. Fradin (Lyon) - 1560, edição eletrônica disponível no Site da Bibliothèque Nationale de France, página Gallica http://gallica.bnf.fr, última consulta realizada em 30 de maio de 2009. BERRIEL, C. E. O. Editorial. MORUS - Utopia e Renascimento, nº 2, 2005. FONTAINE, M.-M. Alector, de Barthélemy Aneau, ou les aventures du roman après Rabelais. Travaux d’humanisme et Renaissance. n° CCII, Société Française des

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Seiziémistes, Mélanges sur la littérature de la Renaissance, à la mémoire de V.-L. Saulnier. Préface de P.-G. Castex, Genève : Droz, 1984. GOYARD-FABRE, Simone. Prefácio à tradução de L’Utopie ou le Traité de la meilleure forme de gouvernement, 1987 (1966 para a primeira edição), Flammarion, Paris. SAULNIER, V. L. L’utopie en France: Morus et Rabelais. Les utopies à la Renaissance. Colloque international (avril 1961). Bruxelles: PUB; Paris: PUF, 1963. TROUSSON, R. Voyages aux pays de nulle part: histoire de la pensée utopique. Bruxelles : Éditions de l’Université de Bruxelles, 1999.