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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Palhoça - SC – 8 a 10/05/2014 1 Um empréstimo “perfeito”: a publicidade do Itaú Personnalité como micronarrativa 1 Taíssi Alessandra Cardoso da Silva 2 Ana Cláudia Munari Domingos 3 Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS RESUMO O presente estudo busca entender como a publicidade, representada nos anúncios publicitários do Itaú Personnalité na revista Piauí, se aproxima, formalmente, da narrativa literária. Com amparo metodológico da Narratologia, da Estética da Recepção e da Gramática do Design Visual, foi analisado de que modo um dos anúncios do Itaú Personnalité na revista Piauí apropria-se de alguns princípios da narrativa literária. Para tanto, foram estabelecidas relações entre os gêneros publicitário e literário, apreciando questões formais e de linguagem, a partir da análise dos textos verbais e visuais, cotejando a estética publicitária à do microconto vertente abreviada do conto. PALAVRAS-CHAVE: publicidade, narrativa, Itaú Personnalité, microconto. A publicidade, diante das mudanças em seu campo, evocadas pela transformação do próprio homem e da sociedade, costuma buscar recursos em outras formas capazes de lidar com essa instabilidade, demonstrando que o apelo ao interlocutor, também característico da ficção, é um gesto humano, recorrente e atemporal. Neste trabalho, quisemos entender como a estética publicitária dos anúncios do Itaú Personnalité na revista Piauí se aproxima da literária, ao imitá-la em sua perspectiva de construção de uma diegese verossímil, capaz de dialogar e de interpelar o consumidor, como faz a narrativa com seu leitor. 4 Genette (1995, p. 23) apresenta três noções distintas de narrativa, a primeira delas refere-se ao que ele conceitua mais tarde como história e “designa o enunciado narrativo, o discurso oral ou escrito que assume a relação de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos.” O segundo sentido diz respeito ao conceito de narrativa propriamente dita e “designa a sucessão de acontecimentos, reais ou fictícios, que constituem o objeto desse discurso, e as suas diversas relações de encadeamento, de oposição, de representação, etc.” (GENETTE, 1995, p. 24). Já a terceira noção 1 Artigo baseado no Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda na UNISC, 2013. 2 Mestranda em Leitura e Cognição no Curso de Pós Graduação em Letras da UNISC, RS, bolsista CAPES, email: [email protected] 3 Doutora em Letras, Professora do Mestrado em Leitura e Cognição da UNISC, RS, e-mail: [email protected] 4 Escolhemos um dos anúncios como amostragem, já que a campanha agrega textos cuja estética é homogênea, pois é direcionada sempre ao mesmo consumidor, como comprovam as imagens do Anexo.

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Palhoça - SC – 8 a 10/05/2014

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Um empréstimo “perfeito”: a publicidade do Itaú Personnalité como

micronarrativa1

Taíssi Alessandra Cardoso da Silva

2

Ana Cláudia Munari Domingos3

Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, RS

RESUMO

O presente estudo busca entender como a publicidade, representada nos anúncios

publicitários do Itaú Personnalité na revista Piauí, se aproxima, formalmente, da

narrativa literária. Com amparo metodológico da Narratologia, da Estética da Recepção

e da Gramática do Design Visual, foi analisado de que modo um dos anúncios do Itaú

Personnalité na revista Piauí apropria-se de alguns princípios da narrativa literária. Para

tanto, foram estabelecidas relações entre os gêneros publicitário e literário, apreciando

questões formais e de linguagem, a partir da análise dos textos verbais e visuais,

cotejando a estética publicitária à do microconto – vertente abreviada do conto.

PALAVRAS-CHAVE: publicidade, narrativa, Itaú Personnalité, microconto.

A publicidade, diante das mudanças em seu campo, evocadas pela transformação

do próprio homem e da sociedade, costuma buscar recursos em outras formas capazes

de lidar com essa instabilidade, demonstrando que o apelo ao interlocutor, também

característico da ficção, é um gesto humano, recorrente e atemporal. Neste trabalho,

quisemos entender como a estética publicitária dos anúncios do Itaú Personnalité na

revista Piauí se aproxima da literária, ao imitá-la em sua perspectiva de construção de

uma diegese verossímil, capaz de dialogar e de interpelar o consumidor, como faz a

narrativa com seu leitor.4

Genette (1995, p. 23) apresenta três noções distintas de narrativa, a primeira

delas refere-se ao que ele conceitua mais tarde como história e “designa o enunciado

narrativo, o discurso oral ou escrito que assume a relação de um acontecimento ou de

uma série de acontecimentos.” O segundo sentido diz respeito ao conceito de narrativa

propriamente dita e “designa a sucessão de acontecimentos, reais ou fictícios, que

constituem o objeto desse discurso, e as suas diversas relações de encadeamento, de

oposição, de representação, etc.” (GENETTE, 1995, p. 24). Já a terceira noção

1 Artigo baseado no Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda na UNISC, 2013. 2 Mestranda em Leitura e Cognição no Curso de Pós Graduação em Letras da UNISC, RS, bolsista CAPES, email:

[email protected] 3 Doutora em Letras, Professora do Mestrado em Leitura e Cognição da UNISC, RS, e-mail: [email protected] 4 Escolhemos um dos anúncios como amostragem, já que a campanha agrega textos cuja estética é homogênea, pois é

direcionada sempre ao mesmo consumidor, como comprovam as imagens do Anexo.

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estabelece o significado de narração e explica que a “narrativa designa, ainda, um

acontecimento: já não, todavia, aquele que se conta, mas aquele que consiste em que

alguém conte alguma coisa: o acto de narrar tomado em si mesmo.” (GENETTE, 1995,

p. 24). Aqui, tomamos como narrativa a história, acontecida entre personagens em

determinado contexto espaço-temporal, construída na interação entre um narrador e um

narratário, instância esta que precisa aceitar o jogo do verossímil proposto pelo

narrador.

Em vista da particularidade dos textos publicitários, que não tem por objetivo

primeiro a construção de uma fábula através da narração, mas a representação de

instâncias do real – e, por isso, sua narratividade –, optamos por analisar aqueles pontos

que são cruciais para a conformação de um texto a partir do gênero: a construção dos

personagens, a ação, o elemento espaço-temporal e a interação entre o narrador e o

narratário. É essa relação – entre interlocutores que podem ser vistos como anunciante e

consumidor – que nos interessa principalmente, na perspectiva de comprovar essa

tendência da publicidade de construir pequenas narrativas em seus anúncios, como no

caso de nosso objeto, uma propaganda do Itaú Pernonalité. É importante ressaltar que é

desejo desse anunciante conectar as instâncias do narratário e do leitor empírico,

fazendo-o identificar-se com os personagens no sentido de transformá-lo no consumidor

ideal. Por isso, narratário e leitor, nesse trabalho, são figuras que se confundem.

O gênero narrativo desdobra-se em diversos modos, sendo um deles o conto –

também conhecido como gênero ou subgênero. Reis e Lopes (2002) afirmam que as

reflexões acerca dele tangenciam, não raro, sua dimensão enxuta, ainda que essa não

seja uma característica capaz de defini-lo. A extensão das narrativas literárias e,

principalmente, do conto, no entanto, vem sendo discutida por teóricos e estudiosos que

se deparam com um fenômeno crescente revelado como uma vertente miniaturizada do

conto: o microconto. Para além da sua extensão, o que nos interessa, é a identificação

dos elementos da narrativa e a própria narratividade, que afirmam a legitimidade do

microconto nessa categoria e que ilustra uma forma contemporânea de narração.

A miniaturização contemporânea do conto traz consigo características

específicas para a (re)construção do gênero, onde a relação de cumplicidade entre o

narrador e o leitor pode ser considerada uma delas. Em A poética do conto, Kiefer

(2004, p. 107) aponta que “a técnica da sugestibilidade, por produzir no leitor um estado

propício ao desenvolvimento da imaginação, é mais eficiente na transcrição dos fatos.”

Piglia (2004, p. 92) concorda ao considerar que “a teoria do iceberg de Heminghway é a

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primeira síntese desse processo de transformação: o mais importante nunca se conta. A

história é construída com o não-dito, com o subentendido e a alusão.”

Spalding (2008) cita Marcelino Freire, que se refere à narrativa de Augusto

Monterroso – “O dinossauro” – que, por sua vez, inspirou a construção da obra “Os cem

menores contos brasileiros do século”. O texto unifrásico é classificado por Freire

(2004) como “o microconto mais famoso do mundo” (p. VI), isso porque inaugura, já

em 1959, um novo estilo de narrativa. Spalding (2008, p. 24 e 25) ensaia uma

justificativa, dizendo que “talvez por opção estética, talvez por estratégia literária (...), já

são marcas de suas narrativas a concisão, a brevidade, a caricatura e as referências

cultas que o leitor não percebe numa primeira leitura.” A narrativa, na versão original

em espanhol, tem apenas 43 letras: “Cuando despertó, el dinosaurio todavía estaba allí”.

(MONTERROSO, 2005 apud SPALDING, 2008, p. 25).

Utilizando-nos das categorias da narrativa determinadas por Genette (1995) –

ordem, modo e voz –, podemos dizer que o modo como o texto é narrado, em discurso

indireto e focalização omnisciente, pressupõe algumas escolhas muito pontuais, uma

vez que está centrada na perspectiva de um narrador que conhece tudo sobre a história

que conta. Ele, porém, se utiliza de um recurso que o favorece: a possibilidade seletiva,

através da qual escolhe o que quer mostrar e como deseja fazê-lo. Nesse caso, a escolha

é bastante óbvia, ele apresenta o mínimo de informações e detalhes acerca do fato

narrado, deixando grande parte da narrativa a cargo da interpretação do leitor.

Spalding (2008, p. 25) evoca Lagmanovich (2003) para legitimar a narratividade

do microconto de Monterroso, dizendo que, de acordo com o estudioso, “a presença de

dois verbos, um que expressa uma ação no passado (despertó) e outro uma ação mais

contínua (estaba)”, garantem a estruturação correta da dimensão temporal e da sucessão.

A seguir, o autor destaca os advérbios “todavía” e “allí”, que segundo ele, ocultam uma

faixa de significação importe, embora não seja evidente o que desejam expressar.

Spalding (2008, p.25) afirma ainda, apropriando-se das ideias de Lagmanovich (2003),

que a elipse do sujeito expressa no verbo “despertó” torna maior a sensação de

ambiguidade, que é uma propriedade importante do texto. Desse modo, o autor entende

que a soma dessas características “são suficientes para definir esta estrutura como um

brevíssimo conto contemporâneo”. (LAGMANOVICH, 2003 apud SPALDING, 2008,

p. 25).

Os microcontos, portanto, “apresentam narratividade, personagem e fatos,

inseridos em tempo e espaço. Começam a história no meio da ação e se restringem

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somente ao necessário, deixando para o leitor a tarefa de preencher as lacunas.”

(ROSSATO, 2012, p. 230). Além disso, o modo como eles são construídos tem forte

ligação com as escolhas do narrador e a sua relação dialogal com o narratário. Essas

características, no entanto, não se restringem ao microconto e à narrativa literária.

Alguns outros segmentos têm-se apropriado desses elementos para construir seus textos

a partir de uma estética narrativa contemporânea, a exemplo da publicidade.

Ao compreendermos a evolução da linguagem publicitária, percebemos que o

seu caráter informativo foi sucumbindo gradativamente diante do advento de uma nova

estética textual muito mais próxima da narrativa. Sabemos que o texto narrativo literário

é comprometido com o caráter do verossímil; já a publicidade transita entre dois

universos análogos que se aproximam do paralelo ficção/verossimilhança. Carvalho

(1996, p. 11) afirma que a linguagem publicitária “concilia o princípio do prazer com o

da realidade”, uma vez que é sustentada por uma argumentação icônico-linguística que

tem por objetivo convencer o consumidor por duas vias: consciente e

inconscientemente.

Essa argumentação é estruturada em forma de diálogo, gerando, porém, uma

relação de assimetria, onde o emissor, ainda que por vezes se utilize da forma

imperativa do verbo, se distancia da própria expressão que transmite. Carvalho (1996, p.

13) aponta para o fato de que “o verdadeiro emissor permanece ausente do circuito da

fala.” O receptor, por sua vez, é tocado pela atenção desse emissor, que se relaciona

com o objeto da mensagem transmitida. Isso nos remete às relações entre autor e

narrador, uma vez que, na narrativa literária, não se pode confundi-los e, do mesmo

modo que no texto publicitário, o autor, que é identificado por Carvalho (1996) como

“verdadeiro emissor”, se ausenta da narrativa enquanto o narrador assume a sua voz e as

relações com o interlocutor, criando um espaço de ficção.

No caso da publicidade, cuja linguagem tem grande apelo persuasivo, a relação

com o receptor se dá num constante chamado, que tenta incansavelmente convencê-lo a

mudar sua atitude. Para Carvalho (1996, p. 19), o texto publicitário leva em conta o que

ela chama de “receptor ideal da mensagem”, que nos lembra facilmente o “leitor

modelo” de Umberto Ecco (1985), definido por Vincent Jouve (2002, p. 46) como “o

leitor ideal que responderia corretamente (isto é, de acordo com a vontade do autor) a

todas as solicitações – explícitas e implícitas – de um lado do texto.”

Carrascoza (1999) também observa que as narrativas publicitárias são

construídas, cada vez mais, de maneira a tornar o produto um componente sutilmente

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inserido no contexto da história contada e, por essa razão, os argumentos utilizados são

geralmente subjetivos. Esse formato não constitui casos isolados de anúncios avulsos,

mas muitas vezes se desdobram em campanhas inteiras. Reis (1981, p. 452), no mesmo

sentido, afirma que:

O discurso publicitário tende cada vez menos a impor produtos, procurando,

pelo contrário, evidenciar necessidades (...) a satisfazer e anseios a concretizar;

assim o consumidor vê no que lhe é apresentado já não alguma coisa inculcada,

mas a supressão de uma lacuna.

Essa subjetividade sugere uma cumplicidade com o público, uma vez que nem

tudo está explícito e há espaços, criados de modo proposital, a serem preenchidos pelo

leitor. Gonçalves (2006) declara que este receptor assume o papel de cúmplice e

parceiro no jogo da interlocução, uma vez que é responsável pela contextualização da

mensagem, atribuindo coerência a um enunciado que, à primeira vista, pode parecer até

incoerente. A autora, ao analisar o texto publicitário, afirma que ele “não é um texto que

se desenvolve na linearidade – grande parte do significado a ser apreendido fica na

leitura das entrelinhas ou da situação que o envolve.” (GONÇALVES, 2006, p. 18). Isso

aproxima-o, uma vez mais, da narrativa ficcional e, em especial, do microconto, pois

demonstra a utilização de um mesmo recurso que tem sentido na relação entre o

narrador e o leitor. As lacunas e espaços em branco destinados a interlocução do

receptor nos fazem lembrar que o narrador, à medida que constrói esses espaços,

conversa com alguém que já conhece o contexto e que pode, dessa forma, preencher

essas lacunas e atribuir sentido completo ao texto.

Os textos publicitários objeto deste trabalho são multimodais, compostos de

imagens e de textos verbais que compartilham uma única moldura. Assim, é no diálogo

entre os sentidos evocados pelas duas linguagens que o leitor deve construir o

significado. Considerando que as imagens visuais constituem parte fundamental da

narrativa dos anúncios publicitários e que, como afirma Jouve (2002, p. 89), “numa obra

sempre se leem várias coisas ao mesmo tempo”, entendemos que os textos das peças

selecionadas não podem ser analisados de modo a ignorar esse aspecto, uma vez que

essas imagens contribuem para a construção do sentido da peça e são elementos da

narrativa que ela organiza. Dessa forma, nosso olhar recai sobre a história – a narrativa

– que esses textos constroem através de imagens e palavras.

Antes, é preciso estabelecer a teoria que nos habilita a propor concretizações

para os textos, preenchendo as lacunas entre os sentidos provocados pela linguagem

verbal e pela visual, cumprindo, assim, o papel do leitor. Esse processo hermenêutico é

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autorizado pela Estética da Recepção, em que se enquadra, por exemplo, a Teoria do

Efeito, de Wolfgang Iser:

Os estudos de Estética da Recepção voltam-se sobre o texto (como uma

estrutura esquemática em que se entrelaçam ditos e não ditos) – e lá está o

leitor invisível que ela procura. A Teoria do Efeito, de Iser, insere certo grau de

visibilidade, permitindo ao crítico evidenciar seu próprio horizonte de sentido

no texto, possibilitando que ele próprio seja o leitor, tornando-se, portanto,

entrevisto no texto, ao assumir posições nas lacunas. A meu ver, essa é a única

forma de praticar a proposição teórica sem que a infinidade de concretizações

possíveis (uma para cada leitor!) torne infinito o processo, ou, numa

perspectiva contrária, feche o sentido, como se o texto fosse um quebra-

cabeças de peças definidas. (PELISOLI, 2011, p. 13).

Jouve afirma que “a narratologia não pode, por si só, dar conta da influência de

um texto. Tornar visível a eficiência das estruturas narrativas não é suficiente: é preciso,

num segundo momento, destacar sua influência sobre o indivíduo concreto.” (JOUVE,

2002, p. 49 e 50). O autor declara que ao estudar a leitura é necessário observar o

conjunto narrativo sob uma perspectiva diferente, tomando-o não como um sistema

autônomo, mas através da relação que estabelece com o leitor. Por esse motivo, não

basta que o narratário seja identificado e descrito, é preciso, além disso, questionar-se

acerca da reação do leitor diante do papel que lhe é proposto pelo texto. Neste sentido,

Jouve (2002, p. 47) entende que Wolfgang Iser e Umberto Eco, através de seus

conceitos de leitor implícito e leitor modelo, demonstram esse interesse em transpor o

sentido da narrativa, uma vez que, para eles, o texto não se encerra nele mesmo, mas na

concretização que cabe ao leitor. Por essa razão, não faremos apenas uma análise

concentrada em identificar os elementos da narrativa – demonstrando a narratividade do

texto publicitário –, mas também estabeleceremos um processo hermenêutico que busca

encontrar o sentido no efeito do texto sobre o leitor. Considerando que a publicidade

trabalha com o jogo ficcional, habilitando funções características das artes, e, ainda,

tomando o fato de que concretizam narrativas, os textos objeto deste trabalho

naturalmente se dão ao leitor como formas subjetivas, que necessitam, por sua

indeterminação, da participação do leitor para a construção do sentido. As histórias que

se dão através desses textos só podem ser concretizadas pela leitura, em que o leitor –

aqui, o pesquisador – obedece ao jogo que ela propõe.

Assim, a obra, aqui as peças publicitárias, aparece através desse processo de

leitura que, primeiro, busca encontrar nas instâncias textuais elementos que a estruturam

como uma narrativa, e, em seguida, concretiza sentidos através do preenchimento de

lacunas, habilitando o pesquisador a ser o leitor/consumidor/destinatário desses textos.

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Jouve (2002, p. 36), ao encontro da ideia apresentada por Genette, também entende que,

“mediante o que diz e do modo como diz, um texto supõe sempre um tipo de leitor – um

‘narratário’ – relativamente definido.” Ele explica que esse leitor idealizado é

desenhado e moldado pelos temas e pela linguagem que o texto em questão aborda e

utiliza. Dessa forma, o autor afirma que o narratário (do mesmo modo que o narrador) é

constituído pela soma dos signos que o constroem e, por essa razão, ambos são figuras

que existem apenas dentro da narrativa.

Ao utilizarmos esse método, assumimos os mesmos riscos de Eco e tantos outros

ao exercerem o papel do leitor. Essa condição se estabelece da mesma forma para a

leitura de imagens, que exigem as entradas do leitor para a construção de sentidos.

Como nos textos publicitários a imagem raramente é autônoma, necessitando que se

estabeleçam diálogos, ora com os textos verbais e símbolos dos textos multimodais, ora

apenas com a marca, explícita ou não, do anunciante, a indeterminação se dá justamente

no jogo entre as diferentes linguagens. Nesse ponto, é exigido do leitor que consiga

estabelecer um sentido na relação entre todas as linguagens do texto, construindo a obra

nesse jogo de interação entre os sentidos das palavras, das cores, das formas, das

imagens. Para tanto é preciso analisar, também, as qualidades visuais, buscando

desconstruir seus elementos.

Petermann (2006, p. 2) justifica a necessidade de um conhecimento diferente

para a leitura de imagens, pelo fato de que as estratégias que permeiam o uso de

imagens – ou “textos não-verbais”, como ela as denomina – são muito mais discretas do

que aquelas que circulam nos textos verbais. Ela afirma que a matéria não verbal tem

tanta representatividade nos textos quanto os elementos verbais e configuram

significações diversas que, por vezes, os receptores não são capazes de elucidar. Por

essa razão nos apropriamos da Gramática do Design Visual (GDV), de Kress e van

Leeuwen (1996), apresentada por Petermann (2006), Novellino (2007) e por Pereira e

Terrazan (2011) como instrumento de análise das qualidades visuais.

Petermann (2006, p. 2) atesta que a GDV de Kress e van Leeuwen (1996) “foi

criada com base nas metafunções da linguagem apresentadas na gramática sistêmico-

funcional proposta por Halliday (1989 e 1994).” Esse método de análise se estrutura em

três pontos principais: metafunção ideacional, metafunção interpessoal e metafunção

textual. Como nossa pesquisa busca investigar, fundamentalmente, a narratividade nos

anúncios selecionados e, desta forma, as relações que se estabelecem entre narrador e

narratário, iremos nos apropriar de duas representações principais que servem ao nosso

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estudo e que tem relação com a narratividade: a metafunção representacional – chamada

também de ideacional –, da qual utilizaremos principalmente os conceitos de

representação narrativa, que estabelecem parâmetros para a percepção da ação na

perspectiva espaço-temporal, e de metafunção interpessoal, que diz respeito às relações

entre narrador e narratário:

É por meio da metafunção interpessoal que podem ser percebidas e analisadas

as tentativas de aproximação ou de afastamento do produtor de um texto com

relação ao seu leitor. Com relação a esse aspecto, o texto é entendido como um

diálogo, no caso específico da publicidade entre produtor-anunciante e leitor-

consumidor, e assim, são identificados os graus de interação entre esses

participantes. (PETERMANN, 2006, p. 3)

Nesse sentido, Petermann (2006) explica que podem ser identificados três tipos

de relações que se dão por meio do anúncio publicitário. A primeira ocorre entre os

participantes representados, que são as pessoas, lugares e coisas que estão representados

na mensagem. A segunda delas acontece entre os participantes interativos que, no caso

da publicidade, são o anunciante (aquele que produz o texto) e o consumidor (aquele

que recebe a mensagem). Já a terceira relação é identificada como aquela que se dá

entre os participantes representados e os participantes interativos, em outras palavras,

entre aqueles que estão representados na imagem e aqueles que são alvo da mensagem

por intermédio de tais personagens.

Márcia Novellino (2007) afirma que a função representacional é determinada nas

imagens pelos participantes representados, que podem ser pessoas, objetos ou lugares.

Ela explica que da mesma forma como a sintaxe, na linguagem verbal, se dá através da

ordenação dos elementos em uma sequência de palavras, “em imagens a sintaxe

depende da relação espacial entre os elementos representados.” (NOVELLINO, 2007, p.

54). Assim, as representações narrativas são uma expressão das relações entre esses

participantes, através das quais eles se empenham em ações e eventos.

Pereira e Terrazan (2011) declaram que a imagem narrativa revela o

desenvolvimento de uma ação, em processos transitórios e disposições espaciais de

mudança, que se realizam por intermédio de vetores – direção tomada entre

determinado ponto e outro da imagem – e são localizadas, no que se refere ao tempo e

espaço, por meio de recursos relativos à profundidade de campo, como primeiro e

segundo plano. Alguns aspectos importantes, no entanto, são apresentados por Pereira e

Terrazan (2011) para que possamos identificar com clareza a narratividade das imagens

que compõe as peças, são eles: transacional, não transacional, de ação, de reação,

mental, verbal, de conversão e de simbolismo geométrico.

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O anúncio analisado foi veiculado na revista Piauí em julho e outubro de 2012

(Imagem I, Anexo). A peça apresenta, em primeiro plano, um homem em uma bicicleta,

juntamente com uma menina que está sentada no banquinho traseiro destinado ao

carona, abraçada à cintura do homem. A bicicleta está parada em uma superfície de

madeira e sobre a imagem surge a chamada principal, em fonte cursiva e tamanho

grande, dizendo: “Um dia todo mundo vai ter mais lembranças do que planos. Garanta

que elas sejam boas.” A imagem do homem e da menina na bicicleta se funde, na

metade da página direita do anúncio, com outra em tons de cinza onde, em um plano

secundário, é retratada uma família em que aparecem o pai, a mãe e a filha caminhando

em uma praia. No canto inferior direito surge a logomarca do Itaú Personnalité e, logo

abaixo, o texto de apoio, em fonte não cursiva e sem serifa: “Aproveite o tempo, planeje

o próximo passo, viva cada momento. Estamos aqui para entender seus planos, apoiar

suas escolhas, participar de cada um dos capítulos dessa história. Sua melhor

experiência pode ser hoje, ou para sempre. Só é perfeito para nós quando é perfeito para

você.” O texto se encerra direcionando o leitor para site do banco:

“itaupersonnalite.com.br”.

O anúncio apresenta o predomínio de cores dessaturadas em tons amarelos,

dourados e em escala de cinza, com pouca ou quase nenhuma variação. Além disso, as

imagens são bem iluminadas e com dose regular de brilho. Essa estética visual conversa

constantemente com o texto verbal e, de modo especial, com a palavra “lembranças”,

que se destaca no texto da chamada principal. Os balões identificados no céu da imagem

que retrata a família na praia contribuem, uma vez mais, para a construção do espaço da

narrativa, que nada mais é do que a esfera da memória e da imaginação que as cores

ambientam e que faz parte do conceito e da identidade da marca Personnalité,

caracterizada pelo tom surreal que as suas campanhas apresentam. A profundidade de

campo nos permite identificar o contexto de uma praia, onde as ações se

desenvolveram, provavelmente em instâncias temporais diferentes.

Podemos identificar três personagens neste anúncio, uma vez que fica evidente

que o homem e a menina retratados na bicicleta são os mesmos que estão representados

na imagem em escala de cinza. Assim, os personagens, que determinamos também

como participantes representados, são o homem, a mulher e a menina, que

provavelmente representam o pai, a mãe e a filha. Nenhum desses personagens olha

diretamente para o receptor, classificando, assim, esse contato subjetivo como uma

oferta, conforme a GDV.

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Na imagem do pai e da filha na bicicleta, é possível identificar, a partir da linha

dos olhos que forma o vetor e encontra o outro, um processo narrativo transacional, uma

vez que estão representados tanto o ator – aquele que olha - quanto a meta – aquele que

é observado. Esse processo narrativo se repete na imagem em escala de cinza, onde o

pai novamente dirige o seu olhar em direção à filha, que ele segura pela mão. A

repetição desse processo deixa transparecer a intenção do narrador de transmitir uma

ideia de segurança e zelo por aquilo que é essencial ao leitor. Esse narrador quer colocar

em evidência os valores que o caracterizam e sua preocupação com as relações

humanas, buscando preservar os laços construídos ao longo do tempo. O vetor formado

pela linha dos olhos da mãe, por sua vez, demonstra um processo de reação, conforme a

GVD, pois aquilo que seus olhos miram está fora do plano recortado pelo narrador e não

é dado ao conhecimento do leitor.

Podemos observar que as duas cenas são retratadas em planos abertos, um deles

um pouco mais próximo do leitor, por representar o presente que, como referência

temporal, está mais próximo do que o outro que, em escala de cinza, faz alusão a uma

lembrança, remetendo ao passado, que na sua instância temporal encontra-se mais

afastado do leitor. Essa escolha representa, ainda, um conceito que o banco deseja

transmitir ao receptor, através da ideia de que o Itaú Personnalité, apesar do caráter

extremamente pessoal e intimista que sugere o segmento, deseja estar próximo do seu

cliente sem, no entanto, invadir sua privacidade, zelando pelo seu patrimônio material

para que o consumidor possa cuidar com maior liberdade daquilo que realmente tem

valor – as relações pessoais e sua família. Assim, ao criar uma história em que os

valores representados são os humanos, o narrador quer esmorecer o peso que têm os

valores econômicos em seu discurso. Todos os personagens são apresentados em

perspectiva diagonal, de cima para baixo e todos são retratados com o rosto inclinado,

revelando envolvimento com os outros personagens.

O texto verbal assume a função de direcionar o sentido um pouco abstrato das

imagens visuais que, apesar de exercerem a função narrativa, necessitam do apoio

textual para contextualizá-las. A chamada principal faz um contraponto a partir de duas

palavras: “lembranças” e “planos”. Essa contraposição representa a relação entre

passado e futuro que é evidenciada também no texto visual, a partir da oposição entre a

imagem colorida e a em escala de cinza. O verbo “ir”, apesar de conjugado no presente

do indicativo – “vai” – expressa um sentido de futuro, por ser um verbo de movimento e

por ser essa a forma coloquial utilizada para significar o vir a ser, e o verbo “ser”,

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conjugado no presente do subjuntivo – “sejam” – traz o sentido de uma possibilidade.

Já o verbo “garantir” no modo imperativo – “garanta” – sinaliza uma sugestão que

demonstra preocupação também com aquilo que está por vir, como se a garantia fosse

uma urgência necessária. O uso desse verbo também pretende transmitir confiança,

sugerindo que o Itaú Personnalité é um banco onde, ao investir o seu dinheiro, o cliente

garante a sua segurança financeira e, consequentemente, a da sua família.

O pai e a filha sobre a bicicleta vivem um momento que em breve será apenas

uma lembrança, e o olhar do homem que se volta para trás em busca da menina revela,

através das lembranças que esse momento evoca, seu estado consciente acerca da

transitoriedade do tempo. O veículo parado e a mão do homem que segura o freio são

detalhes que fazem crer que há um desejo de eternizar o momento em uma lembrança

tão boa quanto aquela que vemos na imagem em segundo plano, desejo esse que

também se relaciona com o texto verbal. Os verbos no imperativo – “aproveite”,

“planeje” e “viva” – indicam, ainda, aquilo que o narrador, que se revela como

anunciante através do verbo “estar” conjugado no presente do indicativo na terceira

pessoa do plural – “estamos” – se propõe a ajudar o leitor a fazer. Os verbos no

infinitivo – “entender”, “apoiar” e “participar” – tornam explícita a intenção do narrador

de ser aquilo que o consumidor precisar quando ele precisar, se fazendo presente diante

de qualquer circunstância, seja na fase dos planos ou das lembranças.

A contraposição das expressões “hoje” e “para sempre” também surge como

recurso para demonstrar a versatilidade do narrador, que se coloca à disposição do leitor

para atender suas necessidades a curto e a longo prazo, garantindo, independentemente

da situação, que o serviço do Itaú Personnalité será sempre uma experiência única e

incomparável ou, de acordo com as palavras do próprio narrador, a “melhor”.

O uso dos pronomes “sua” e “você” surgem, novamente, para demonstrar o

estilo pessoal e intimista com que esse narrador se dirige ao seu interlocutor que, como

vimos anteriormente, já se distingue pelo caráter segmentado do veículo em que o

anúncio circula e, por essa razão, não é outro senão o próprio leitor da revista Piauí. A

última frase do texto de apoio aparece para assegurar, uma vez mais, a identidade do

anunciante na atribuição do sentido de perfeição que está alicerçado na satisfação do

próprio cliente. Essa frase, juntamente com a logomarca do banco e a paleta de cores

utilizada constituem os espaços de certeza ou pontos de ancoragem da peça, construindo

uma diegese para a história sugerida pelo narrador, a partir de traços de identificação

entre o leitor e a marca.

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O narrador onisciente se apresenta em uma perspectiva não focalizada, pois está

fora da moldura que constrói, limitando o ângulo de visão do leitor ao recorte que

favorece a história sugerida e disfarçando nas lacunas a pretensão de ajudar esse leitor a

concretizá-la. Esse narrador constrói os personagens de modo a cotejá-los com o leitor.

O narratário, colado a esses personagens, reflete alguém mais maduro, comprometido

com os laços construídos, com a família, os filhos, evidenciando o leitor para quem o

narrador conta a história, um público financeiramente estabilizado e bem sucedido,

preocupado em garantir o futuro de seus filhos e de sua família, que enxerga a passagem

do tempo e a necessidade de planejar as boas lembranças que o Itaú Personnalité garante

mediante investimento financeiro.

Na peça analisada encontramos uma narrativa autêntica, assegurada pelos

elementos que a constituem. Esses elementos são destinados à interpretação de figuras

determinadas. O narrador, por exemplo, embora represente o anunciante, dialoga com o

leitor em outra instância, descolando-se do papel do banco de vender-se. E o leitor, na

sua versão idealizada, é aquele que, ao identificar-se com o narratário, assume o

personagem, tomando para si esse papel construído na história pelo texto visual e

reforçado pelo texto verbal. Nesse sentido, o leitor do anúncio, ao contrário da leitura de

um texto ficcional, percebe aquele espaço muito mais próximo do real do que do

verossímil, como se os personagens fossem gente de verdade. Por isso, é importante

para o anunciante fazê-los “reais”.

Podemos assegurar, diante disso, que a publicidade se apropria dos elementos da

narrativa, a exemplo das definições que apresentamos a partir da perspectiva de Genette.

E, mais do que isso, podemos afirmar que ela o faz de um modo sutil, utilizando-se de

recursos como a construção de personagens verossímeis e a narração em primeira

pessoa para se aproximar do leitor e enredá-lo naquele universo, à medida que esses

recursos geram uma identificação que o fazem assumir o papel proposto pelo narrador.

Esse interlocutor é então persuadido, e isso revela que o texto multimodal da

publicidade causa um efeito em seu receptor muito similar àquele da leitura no leitor, e

isso se deve, justamente, pela apropriação dos elementos que constituem o gênero

narrativo e que permitem que a publicidade imite a ficção para atingir os fins que deseja,

através da construção de uma diegese.

Consideramos, assim, que a apropriação de elementos da narrativa e da

linguagem literária é uma tendência contemporânea, ainda que esse não pareça um

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recurso utilizado indiscriminadamente. Pelo contrário, a narratividade nas peças

publicitárias mostra-se restrita a situações e objetivos estratégicos direcionados a

públicos muito específicos. Isso se deve ao grau de complexidade com a qual o leitor

deve ser capaz de lidar e, nesse caso, a escolha do veículo se mostra bastante coerente

em relação a essa realidade, pois a revista Piauí é conhecida pelo uso de uma linguagem

sofisticada em textos que exigem reflexão.

Esse grau de complexidade das narrativas publicitárias deve-se em grande parte

ao fato de que, ao se apropriar dos elementos da narrativa literária, consequentemente, a

publicidade agrega ao seu texto também as lacunas e os espaços destinados à

interpretação do leitor. Ao apropriar-se desses mecanismos de interação e

preenchimento do leitor, o texto publicitário evoca a forma do microconto,

aproximando-se do gênero também pelo caráter enxuto que os textos verbais ostentam

nos anúncios.

Dessa forma, vemos que as relações entre a linguagem publicitária e a literária,

ainda que tenham sido rompidas na sua forma original de execução, continuam

existindo e se aproximando através dos recursos contemporâneos. Identificamos, na

aproximação com o microconto, uma forma contemporânea de resolver um conflito

antigo dentro da própria publicidade: sua relação com o consumidor nessa era da

informação e do acesso ilimitado à esfera da cultura.

Assim, a publicidade, que no princípio buscava na literatura uma forma

rebuscada de vender seus produtos, através da sedução provocada pelas palavras

dotadas de lirismo, rimas e explicações poetizadas, demostra que hoje, embora continue

recorrendo às suas formas, já não mais apela aos letrados que a elas conferem sentido.

Redatores, diretores de arte e criativos em geral passaram a ocupar o lugar dos

escritores e poetas na construção da linguagem publicitária. Assim, através das

narrativas construídas na consubstanciação de textos verbais e visuais, que a publicidade

produz, revela-se, também, algo que ousamos chamar de “conto publicitário.”

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Anexo

Imagem I