xadrez e educacao

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xadrez

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  • Prof. Dr. Wilson da Silva

    A Ginstica da Mente

    Xadrez e Educao

  • Nota do Editor

  • Xadrez e Educao 7

    Para Virginia e Eduardo Roters da Silva

    Sobre o Autor:

    1995 a 1998 - Graduao em Pedagogia. Uni-versidade Federal do Paran, UFPR, Curi-tiba, Brasil.

    2001 a 2002 - Especializao em Psicopedago-gia. Instituto Brasileiro de Ps-graduao e Extenso, IBPEX, Curitiba, Brasil. Ttulo: Jogo, cognio e educao: abordagem psicopedaggica do jogo de xadrez. Orien-tadora: Ana Maria Lakomy.

    2002 a 2004 - Mestrado em Educao. Univer-sidade Federal do Paran, UFPR, Curitiba, Brasil.

    Ttulo: Processos cognitivos no jogo de xadrez. Orientadora: Prof Dra. Tamara da Silveira Valente.

    2005 a 2010 - Doutorado em Educao. Uni-versidade Estadual de Campinas, UNI-CAMP, Campinas, Brasil. Ttulo: Racioc-nio lgico e o jogo de xadrez: em busca de relaes. Orientadora: Prof Dra. Rosely Palermo Brenelli.

    2010 Ps-Doutorado em Informtica Edu-cacional. Universidade Federal do Paran, UFPR, Curitiba, Brasil. Ttulo: Tecnologia educacional, ludicidade e educao: a utilizao das tecnologias educacionais desenvolvidas pelo departamento de in-formtica da UFPR para o ensino e prti-

    ca do xadrez nas escolas pblicas. Orien-tador: Prof. Dr. Alexandre I. Direne.

    Autor do livro Meu primeiro livro de xa-drez: curso para escolares. 6. ed. Curitiba: Expoente, 2005.

    Atuao Profissional

    Coordenador do Clube de Xadrez Erbo Sten-zel, na Fundao Cultural de Curitiba.

    Professor universitrio: Centro Universitrio Campos de Andra-

    de - UNIANDRADE Professor Adjunto: Jogos Intelectivos,

    Teorias do Conhecimento (Ed. Fsica).

    Instituto Superior de Educao Nossa Senhora de Sion - ISE

    Professor Adjunto: Jogos Intelectivos na Educao, Psicologia e Educao, Psico-logia do Desenvolvimento (Pedagogia).

    Professor de Ps-Graduao: Instituto Brasileiro de Ps-Graduao e

    Extenso IBPEX Professor Visitante: Aspectos Ldicos

    e Jogos, Cognio e Aprendizagem, Epistemologia Gentica, Psicologia da Aprendizagem.

  • Xadrez e Educao 9

    Sumrio

    Obra revisada pelas Normas do Acordo Ortogrfico da Lngua Portuguesa,aprovada pelo Decreto Legislativo n 54, de 18 de abril de 1995.

    Copyright 2011 Bolsa do Livro Ltda.

    Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/2/1998. proibida a reproduo total ou parcial, por quaisquer meios,

    sem autorizao prvia, por escrito, da Editora.

    Prof. Dr. Wilson da SilvaAutor

    Vera AlbuquerqueCoordenao Editorial

    Maria Louders da SilvaReviso de linguagem

    Alessandro DutraCapa e projeto grfico

    Silva, Wilson da, 1965 -M565 Xadrez para Todos / Wilson da Silva Curitiba: Bolsa do Livro, 2011. 144 p.; 21cm

    ISBN 978-85-61761-01-1

    1. Jogos Pedaggicos/Estratgia. I. Ttulo.

    CDD 617.43 (22.ed) CDU 616.33

    1. Introduo 11

    1.1 O Projeto do Paran e o Projeto Nacional de Xadrez 12

    2. Pesquisas sobre xadrez 15

    2.1 Pesquisas sobre xadrez escolar 16 2.2 Pesquisas no campo da Psicologia Cognitiva 24 2.2.1 Binet e o xadrez s cegas 25 2.2.2 Cleveland e as fases na aprendizagem do xadrez 26 2.2.3 Diakov, Pietrovski e rudik: o estudo sovitico 28

    2.2.4 De Groot e a Era Moderna das pesquisas 30

    2.2.5 SImon: a Teoria Chunk 34

    3. Caracterizao do jogo de xadrez 43

    3.1 Jogo e Biologia 43 3.2 Jogo e Cultura 45 3.3 A Biblioteca de Cassa: o jogo de xadrez como atividade complexa 47 3.4 A importncia do planejamento em atividades complexas: o plano no jogo de xadrez 54 3.4.1 Classificao bsica dos planos no logo de xadrez 61 3.4.2 As fases no planejamento no xadrez segundo De Groot 65

    3.5 A expertise no jogo de xadrez 70

    Referncias 78

  • Xadrez e Educao 11Coleo10

    1. introduo

    N os ltimos anos tem havido um crescente interesse pela utilizao do jogo de xadrez em contextos escolares, inte-resse este que na maioria das vezes se baseia na premissa que o estudo e a prtica sistemtica do xadrez podem auxiliar no desenvolvimento cognitivo do aluno, mais especificamente nas questes ligadas ao raciocnio lgico. Para exemplificar este in-teresse pedaggico no xadrez, vale a pena destacar trs projetos em andamento no Brasil: um de mbito municipal, outro estadual e outro federal.

    Em Curitiba, a Secretaria Municipal da Educao possui, desde a dcada de 90, um programa de ensino de xadrez nas esco-las que atende 90 das 168 escolas pblicas municipais, proporcio-nando a prtica do xadrez para 27.815 alunos1.

    No Paran, a Secretaria de Estado da Educao mantm um projeto desde 1980 que atinge aproximadamente 300.000 crian-as de 5 a 8 sries de 1.200 escolas2.

    Em 2003, o Governo Federal, por intermdio dos Ministrios do Esporte e da Educao e em parceria com os Governos Estadu-ais, levou a experincia desenvolvida no Paran para 4 capitais (Recife/PE, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, Teresina/PI) implantando um projeto piloto de xadrez em 39 escolas e buscan-do estabelecer os parmetros para um projeto que atendesse todo o pas. (BRASIL, 2004). Em 2006, o projeto atingiu aproximada-

    1 Informao fornecida pela ex-coordenadora do programa professora Fabola Martins Dacol.2 Informao fornecida pela professora Maria Inez Damasceno, ex-coordenadora do projeto.

  • Xadrez e Educao 13Coleo12

    Em 1980 a Fundepar (hoje Superintendncia de Desenvol-vimento Educacional Sude) iniciou um projeto piloto de xadrez escolar visando estabelecer uma metodologia, criar os materiais e quebrar as resistncias criadas por esteretipos associados ao xa-drez, como por exemplo, a noo de que a aprendizagem do jogo muito difcil. O projeto foi dirigido s escolas pblicas da periferia de Curitiba e iniciou com quatro escolas.

    Em 1982 ocorreu a avaliao do piloto. Aps um crescimento acelerado do projeto piloto, que foi baseado num convnio com a Federao de Xadrez do Paran e contou com a utilizao de es-tudantes (estagirios) como instrutores de xadrez, chegou-se ao limite. A avaliao realizada numa parceria com a Prefeitura Municipal de Curitiba, o Departamento de Matemtica da UFPR e o Colgio Positivo mostrou que era necessrio um modelo dife-rente para atender a todo o estado.

    A avaliao apontou, dentre outras coisas, que no novo mode-lo do projeto, os professores que atuavam nas escolas deveriam ser capacitados para o ensino do xadrez, em vez de levar os enxadris-tas para ensinar xadrez nas escolas, pois seria mais fcil ensinar xadrez para os professores do que ensinar didtica e metodologia de ensino para os enxadristas.

    A partir de 1983, a Secretaria de Estado da Cultura e do Es-porte do Paran realizou uma srie de eventos enxadrsticos mo-tivadores e de exibio, o que contribuiu para uma mudana na imagem do xadrez, que at ento era visto como jogo de difcil aprendizagem e destinado elite.

    A partir de 1987 ocorreu a municipalizao do projeto, onde algumas prefeituras, especialmente a de Curitiba, foram incenti-vadas a desenvolver seus prprios projetos.

    Em 1991 o projeto voltou para a Fundepar, agora na Diviso de Projetos Especiais, o que enriqueceu e aumentou acelerada-mente o nmero de escolas que participaram do projeto. Em 1992 iniciou uma grande distribuio de jogos de peas e tabuleiros mu-rais para as escolas.

    Em 1993 ocorreu o Seminrio Internacional de Xadrez Esco-lar promovido pela Federao Internacional de Xadrez (Fide), e foi uma tima oportunidade de conhecer e comparar os projetos dos 13 pases que participaram do evento.

    mente 400 mil alunos de 1.250 escolas em 25 estados, ficando de fora apenas So Paulo e Braslia3.

    Uma vez que tanto o Projeto Municipal de Curitiba quanto o Projeto Nacional foram desenvolvidos tomando-se por base a ex-perincia do Projeto Estadual do Paran, a seguir sero descritas brevemente as principais aes enxadrsticas dos projetos estadu-al e nacional.

    1.1 O Projeto do Paran e o Projeto Nacional de Xadrez

    No grfico a seguir podem ser vistas as aes realizadas para difundir o jogo de xadrez nas escolas, bem como o nmero de esco-las participantes.

    3 Informao fornecida pelo Grande Mestre Internacional de xadrez Jaime Sunye, coorde-nador nacional do projeto.

    Grfico 1 AES ENXADRSTICAS X NMERO DE ESCOLAS

    FONTE: SUNYE (2007, p. 18).

    FUNDE

    PAR Projeto Piloto

    Avaliao do

    Piloto

    Secretaria do Es

    porte - P

    R

    Municipalizao

    FUNDE

    PAR

    Distrib

    uio de

    Material

    Seminrio FIDE

    Livro de

    Xad

    rex

    Cursos Descentralizad

    os

    Projeto FU

    NDE

    PAR

    Projeto FU

    NDE

    PAR

    Projeto FU

    NDE

    PAR

    Universidad

    e do

    Esporte

    Servidor de Xa

    drez

    CETE

    PAR

    CEX

    Projeto Nacional (PN

    )

    Seminrio Internacional

    CETE

    PAR / C

    apacita

    o PN

    Paran Esporte / Av

    aliao PN

    1400

    1200

    800

    600

    200

    0

    Projeto Estadual Projeto Nacional

  • Xadrez e Educao 15Coleo14

    Em 1994 foi lanada a metodologia oficial do projeto que uni-ficou num livro diversas experincias sobre o ensino do xadrez. De 1995 a 1998 foram realizados diversos cursos capacitando cente-nas de professores da rede pblica, disseminando cada vez mais o conhecimento. Em 1999 o projeto esteve vinculado Universida-de do Esporte, e neste perodo foram feitos cursos de capacitao num nvel mais avanado.

    Em 2000 foi criado o Servidor de Xadrez para a prtica pela internet, e de 2001 a 2005, o projeto esteve vinculado ao Centro de Excelncia em Tecnologia Educacional do Paran (Cetepar), representando assim o primeiro vnculo formal com a Tecnologia Educacional. Neste perodo foram realizados eventos de capacita-o em Faxinal do Cu/PR.

    Em 2002 foi criado o Centro de Excelncia de Xadrez (CEX), entidade destinada a coordenar as diversas aes, o que permitiu flexibilizar as atividades e ganhar mais agilidade e economia, bem como promover pesquisas no campo do xadrez escolar.

    Em 2003 foi iniciada a fase piloto do Projeto Nacional de Xa-drez Escolar, em que se buscou replicar o projeto do Paran em 5 estados (Pernambuco, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Piau e Acre), sendo que o Acre, por opo prpria, acabou ficando de fora.

    Em 2004 foi realizado em Faxinal do Cu, no Paran, um Se-minrio Internacional de Xadrez Escolar e tambm foi realizada a Avaliao do piloto do Projeto Nacional.

    Em 2005 o projeto estadual continuou vinculado ao Cetepar e aes foram desenvolvidas junto ao Paran Digital. Em 2006, o projeto estadual de xadrez foi vinculado Paran Esporte, sendo que neste ano foi realizada mais uma avaliao do Projeto Nacio-nal de xadrez, quando se chegou ao nmero aproximado de 1.250 escolas participantes.

    2. Pesquisas sobre xadrez

    A literatura que versa sobre o jogo de xadrez muito gran-de, sendo que as trs maiores colees em bibliotecas so: John G. White Chess and Checkers Collection, na Cleve-land Public Library (EUA), com 32.568 volumes sobre xadrez e damas4 (Cleveland Public Library, 2009); a Bibliotheca Van der Linde-Niemeijeriana, na Koninklijke Bibliotheek (Holanda) com aproximadamente 30.000 volumes de xadrez e damas5 (Koninkli-jke Bibliotheek, 2009); e a Anderson Chess Collection, na State Li-brary of Victoria (Austrlia), com aproximadamente 12.000 itens, incluindo livros, relatrios de torneios, revistas e panfletos6 (Sta-te Library of Victoria, 2009).

    Dessa enorme quantidade de livros escritos, pode-se desta-car o poema manuscrito do sculo XV Scachs damor (CALVO, 1999), que o primeiro texto conservado sobre o xadrez moderno, ou um dos primeiros livros impressos de xadrez, como o caso do Arte breve y introduccion muy necessria para saber jugar el Axe-drez (LUCENA, 1497).

    Apesar desta abundante literatura enxadrstica, as obras com enfoque na psicologia s comearam a surgir no final do s-culo XIX. A partir da muitos pesquisadores tentaram compreen-der e descrever as peculiaridades de um bom jogador de xadrez. Tendo por base a psicologia, realizou-se um nmero importante de estudos para entender as diferenas existentes entre os nveis dos enxadristas. Essas investigaes se fixaram quase sempre no

    4 http://spc.cpl.org/?q=node/5 (acesso em: 4/11/2009).5 http://www.kb.nl/vak/schaak/inleiding/geschiedenis-en.html (acesso em: 4/11/2009).6 http://www.slv.vic.gov.au/collections/chess/index.html (acesso em: 4/11/2009).

  • Xadrez e Educao 17Coleo16

    processo cognitivo dos mestres: como observam o tabuleiro, como pensam e como jogam. Tentou-se descobrir alguma chave que ex-plicasse o alto nvel que possuem no xadrez, ou, em outras palavras, quais so os elementos do pensamento humano que fazem com que algumas pessoas tornem-se grandes jogadores de xadrez e outras no.

    No entanto, poucos estudos foram feitos apoiados na teoria de Piaget, mais precisamente encontramos somente um, a disserta-o de mestrado do belga Christiaen intitulada Chess and cognitive development (CHRISTIAEN, 1976), que buscou verificar se o estu-do e a prtica do xadrez aceleram a passagem do estgio operatrio concreto para o operatrio formal, mas segundo Gobet e Campitelli (2006, p. 12) nenhum efeito considervel foi encontrado.

    A seguir ser feita uma sntese com as principais pesquisas realizadas, tanto no campo escolar quanto as realizadas tendo por base a psicologia cognitiva.

    2.1 Pesquisas sobre xadrez escolar

    No campo escolar, foram desenvolvidas muitas pesquisas em diversos pases, conforme pode ser visto no site da Federao de Xadrez dos Estados Unidos (USCF)7, que possui um acervo com os principais artigos e pesquisas que versam sobre xadrez e a educa-o. No entanto, segundo os psiclogos cognitivistas Fernand Go-bet e Guillermo Campitelli (GOBET; CAMPITELLI, 2006), que fize-ram uma reviso crtica destas pesquisas, a maioria desses estudos carece de suporte emprico, e os que apresentam suporte emprico possuem problemas metodolgicos.

    Gobet e Campitelli (2006, p. 11) selecionaram sete estudos para serem analisados: Chess and cognitive development (CHRIS-TIAEN, 1976; CHRISTIAEN; VERHOFSTADT-DENVE, 1981); Chess and aptitudes (FRANK; DHONDT, 1979; FRANK, 1981); Chess and standard test scores (LIPTRAP, 1998); Teaching the fourth R (Re-asoning) through chess (FERGUSON, sem data 1); Developing of reasoning and memory through chess (FERGUSON, sem data 2);

    The effect of chess on reading scores (MARGULIES, sem data); The effect of learning to play chess on cognitive, perceptual, and emo-tional development in children (FRIED; GINSBURG, sem data).

    Os critrios para seleo dos estudos foram: a) ter publicado os resultados da investigao emprica sobre os efeitos das aulas de xadrez em alguma habilidade ou comportamento (tal como in-teligncia, aptido para a escola, desempenho em leitura, etc.); b) ter efetuado medio objetiva sobre os efeitos do xadrez; e c) ter fornecido alguns detalhes sobre a metodologia usada.

    Para assinalar os problemas metodolgicos destas pesquisas, Gobet e Campitelli (2006, p. 7) propem o que chamam de expe-rimento ideal (veja o quadro 1) e comparam as pesquisas critica-das com esse experimento ideal. Segundo eles, a educao, como a psicologia e a medicina, desenvolveram uma variedade de tcnicas para estabelecer se um dado tratamento (neste caso, aulas de xa-drez) afeta positivamente alguns comportamentos previamente estabelecidos, tais como desempenho escolar, habilidade cogniti-va, ou aptido para a escola. Normalmente o grupo experimental comparado a um grupo de controle e possveis diferenas so ava-liadas por um ps-teste que mede as variveis de interesse.

    Entretanto, dizem Gobet e Campitelli, est bem estabeleci-do em pesquisas cientficas que o fato de simplesmente pertencer ao grupo experimental pode afetar o comportamento (o chamado efeito placebo). Dessa forma, o delineamento experimental deve-ria usar dois grupos de controle: o primeiro (o grupo placebo) rece-be um tratamento alternativo, e o segundo no recebe tratamento algum. Se o grupo experimental, mas no o grupo placebo, mostrar avanos, pode-se concluir que o efeito est relacionado a alguma caracterstica do grupo experimental, e no devido participao em um experimento.

    No entanto, continuam Gobet e Campitelli, isso no o bas-tante para estabelecer que o tratamento afeta o comportamento. Deve-se assegurar que a seleo dos participantes realizada de forma aleatria alm de efetuar um pr-teste que verifica as mes-mas variveis medidas no ps-teste.

    Gobet e Campitelli destacam ainda que vrias precaues devem ser tomadas, como por exemplo, os participantes no sa-berem o objetivo do experimento, ou melhor ainda, no saberem 7 http://main.uschess.org/content/view/7866/131/ (acesso em: 4/11/2009).

  • Xadrez e Educao 19Coleo18

    Pesquisa Seleo aleatria Pr-teste Ps-testeGrupo

    controle I (placebo)

    Grupo controle II

    (semtratamento)

    Experimentador diferente na

    aplicao dos testes

    Participantes desconhecemo experimento

    Experimento ideal

    Christiaen (1976)

    Frank(1979) ?

    Liptrap(1998)

    Ferguson 1 ? ?

    Ferguson 2 ? ?

    Margulies

    Fried eGinsburg ?

    Quadro 1 COMPARAO ENTRE EXPERIMENTO IDEAL E DELINEAMENTO EXPERIMENTAL UTILIZADO NOS SETE ESTUDOS SELECIONADOS

    FONTE: GOBET e CAMPITELLI (2006, p. 11).

    Gobet e Campitelli (2006, p. 23) sugerem que pesquisas fu-turas deveriam seguir as seguintes recomendaes: a) usar uma metodologia o mais prximo possvel do experimento ideal; b) con-trolar o efeito placebo e outros efeitos devidos personalidade ou estilo do professor; c) publicar os resultados da pesquisa em peri-dicos respeitados de educao ou psicologia; d) os autores devem evitar retirar concluses parciais ou seletivas, realizando uma anlise dos dados mais objetiva e menos entusistica.

    que esto participando de um experimento, pois o conhecimento da participao em um experimento pode mudar o comportamen-to independente do tratamento recebido. Deve-se tambm evitar que o professor, que ministrar o tratamento (as aulas de xadrez) seja a mesma pessoa que ir aplicar o pr-teste e o ps-teste, para no contaminar os dados.

    Resumindo, para Gobet e Campitelli (2006, p. 8), o experi-mento ideal deveria reunir as seguintes caractersticas: seleo aleatria dos participantes de todos os grupos; presena de um pr-teste para assegurar que no h diferena inicial entre os gru-pos; presena de um ps-teste para medir potenciais diferenas devido ao tratamento; presena de um grupo experimental e dois grupos de controle, um para eliminar a possibilidade do efeito pla-cebo; pessoas diferentes para realizar o tratamento, o pr-teste e o ps-teste; professor e experimentador devem ignorar o objetivo do estudo; e finalmente, os participantes devem ignorar os prop-sitos do experimento, e mesmo o fato de que esto participando de um estudo.

    Gobet e Campitelli (2006, p. 8), deixam claro que esto cien-tes das dificuldades de conduzir o experimento ideal, por questes prticas, administrativas e ticas. Na tabela a seguir pode-se ver a comparao entre o delineamento experimental ideal, proposto por Gobet e Campitelli, e o delineamento experimental utilizado nos sete estudos selecionados para anlise.

  • Xadrez e Educao 21Coleo20

    Autor Ano Orientador Mestrado (M) Doutorado (D)rea do

    Conhecimento Instituio

    Cardoso, A. 1987 No Informado M Cincia Poltica UFMG

    Assumpo, A. 1995 Frant M Educao USU/RJ

    Netto, J. 1995 Rocha M Informtica UFRJ

    Wielewski, G. 1998 Otte M Educao UFMT

    Baptistone, S. 2000 Penazzo M Psicologia USM/SP

    Schafer, H. 2000 Direne M Informtica UFPR

    Ribeiro, S. 2001 Cavalcanti M Informtica UFPB

    Amorim, C. 2002 Tenrio M Educao UFBA

    Ges, D. 2002 Rosa M Eng. Produo UFSC

    Neto, A. 2003 Miranda M Educao USP

    Silva, W. 2004 Valente M Educao UFPR

    Brum, P. 2004 Linhares M Administrao FGV/RJ

    Oliveira, F. 2005 Brenelli D Educao Unicamp

    Hartmann, C. 2005 Direne M Informtica UFPR

    Feitosa, A. 2006 Direne M Informtica UFPR

    Martineschen, D. 2006 Direne M Informtica UFPR

    Alves, I. 2006 Brenelli M Educao Unicamp

    Aguiar, F. 2007 Direne M Informtica UFPR

    Christofoletti, D. 2007 Schwartz M Ed. Fsica Unesp

    Neto, A. H. 2008 Direne M Informtica UFPR

    Picussa, J. 2008 Garcia M Informtica UFPR

    Bueno, L. 2008 Direne M Informtica UFPR

    Teixeira, L. 2008 Takase M PsicologiaExperimental UFSC

    Barbieri, H. 2009 Direne M Informtica UFPR

    Ferreira, M. 2009 Direne M Informtica UFPR

    Rocha, W. 2009 Capel M Histria UCG/GO

    Silva, R. 2009 S M Educao UnB

    Freitas, A. 2009 Linhares D Administrao FGV/RJ

    Almeida, M. 2010 S M Educao UnB

    Silva, W. 2010 Brenelli D Educao Unicamp

    Quadro 2 PESQUISAS DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU REALIZADAS NO BRASIL QUE UTILIZARAM O JOGO DE XADREZ

    FONTE: SILVA (2009, p. 11).

    Conforme se pode ver no quadro anterior, realizados no Bra-sil, foram encontrados trinta estudos de ps-graduao stricto sen-su que utilizaram o jogo de xadrez. Deve-se destacar que o profes-sor da UnB, Antnio Villar Marques de S, realizou na Frana, de 1984 a 1988, uma importante pesquisa de doutorado sobre o jogo de xadrez e a educao (S, 1988), sendo que esta no consta na ta-bela a seguir por agrupar pesquisas realizadas no Brasil.

    O espanhol Ferran Garca Garrido (GARRIDO, 2001), no livro Educando desde el Ajedrez, apresenta algumas capacidades que, segundo ele, so exercitadas com a prtica do xadrez (ver quadros 3, 4 e 5).

    No quadro a seguir o autor assinala algumas capacidades inte-lectuais que so exercitadas na prtica do xadrez. O autor destaca no jogo a representao espacial (o espao fsico onde o jogo pra-ticado), a representao temporal (as jogadas bem como o tempo do relgio de xadrez), e a transferncia de estruturas ou estratgias (planejamento de tarefas cognitivas ou de tcnicas de estudo).

    Quadro 3 CAPACIDADES INTELECTUAIS EXERCITADAS NA PRTICA DO XADREZ

    FONTE: Adaptado de GARRIDO (2001, p. 87).

    Caracterstica Descrio

    RepresentaoEspacial

    O espao fsico do jogo um tabuleiro de 64 casas. Este espao a limitao; o movimento das peas sua evoluo no espa-o. Cada casa individualizada por um sistema de coordenadas cartesianas (nmeros e letras).

    RepresentaoTemporal

    O sentido de sucesso do tempo, bem como controlar instan-tes do jogo. Estes dois itens formam os eixos do palco deste jogo.

    Transmisso deEstruturas ouEstratgias.

    A anlise

    Melhorar o planejamento de tarefas cognitivas ou de tcnicas de estudo a partir do momento em que se capaz de deter-minar as prprias vantagens ou debilidades. Sentir que as prprias atividades cognitivas decorrem, como no xadrez, en-tre dois eixos (espao-tempo).

    No quadro a seguir Garrido destaca algumas caractersticas psicoevolutivas da criana nos perodos pr-operatrio e operat-rio concreto e as respostas evolutivas com o jogo de xadrez.

  • Xadrez e Educao 23Coleo22

    No nvel pr-operatrio, o autor relaciona as seguintes ca-ractersticas: egocentrismo, pensamento fenomnico, dificuldade para captar transformaes, irreversibilidade, pensamento no es-tvel, com as possveis respostas evolutivas que a prtica do xadrez pode proporcionar.

    Quadro 4 CARACTERSTICAS PSICOEVOLUTIVAS DA CRIANA NOS PERODOS PR-OPERATRIO E OPERATRIO CONCRETO E AS RESPOSTAS EVOLUTIVAS COM O JOGO DE XADREZ

    FONTE: Adaptado de GARRIDO (2001, p. 88-89).

    Perodo Pr-operatrioCaracterstica Resposta evolutiva com o jogo de xadrez

    EgocentrismoDeve-se levar em considerao o que o adversrio faz. Na busca para encontrar a melhor soluo, ao invs de fazer jogadas precipitadas, o sujeito ir, passo a passo, mudando o sentido do processo.

    PensamentoFenomnico

    Deve-se centrar sua ateno no conjunto do jogo e no em cada uma das peas isoladamente. necessrio entender a totalidade do tabulei-ro e o conjunto das peas de forma global.

    Dificuldadepara captar

    transformaes

    Relacionado com o valor relativo das peas. O valor inicial numrico e fixo, mas pode ter uma valorao abstrata em funo da posio das demais figuras.

    Irreversibilidade Em xadrez alguns processos so reversveis. Podem acorrer temas re-petidos em posies diferentes e com nmero diferente de peas.

    Pensamento noestvel

    necessrio trabalhar para obter o equilbrio entre assimilar um con-ceito e acomod-lo s estruturas que possui. O xadrez, ao colocar em destaque diferentes possibilidades, pode ajudar a estabilizar e a ama-durecer o pensamento.

    Perodo Operatrio Concreto

    Caracterstica Resposta evolutiva com o jogo de xadrez

    Percepo Ampliao na capacidade de captar detalhes.

    Capacidade deAnlise e Sntese

    Ao nvel concreto do que acessvel pelos sentidos. No apresenta um grau demasiadamente profundo durante a partida.

    Maior fixao daAteno Pode-se concentrar mais o foco de ateno e evitar as distraes.

    No prximo quadro, Garrido apresenta algumas capacidades emocionais que so exercitadas com a prtica do xadrez. As dez ca-ractersticas esto divididas em cinco reas: conscincia das pr-prias emoes, o autocontrole emocional, automotivao, o reco-nhecimento das emoes dos outros, e o controle das relaes com

    o outro. Garrido observa que em todas elas a prtica do xadrez pode ter uma influncia benfica.

    Quadro 5 CAPACIDADES EMOCIONAIS EXERCITADAS COM O XADREZ

    FONTE: Adaptado de GARRIDO (2001, p. 88-89).

    a) O conhecimento das prprias emoes (autoconscincia): ter clareza das emoes auxilia a dirigir melhor a vida.

    Autonomia necessrio tomar decises pessoais e ser conseqente com elas. tambm necessrio, por-tanto, se conhecer e saber o que fao bem e o que no fao, onde costumo cometer este erro e tentarei no errar mais desta forma. Educao da autocrtica.

    AutoestimaO xadrez ajuda o praticante a valorizar-se em termos desportivos (a vitria), artsticos (uma combinao brilhante, esttica, ou elegante) e pessoais (estar no mesmo nvel ou num nvel me-lhor, comparando sua performance em dias diferentes, ou comparando-se com outro jogador).

    b) A capacidade de controlar as emoes: de tranquilizar-se, de controlar a ansiedade, as tristezas, as preocupaes, etc

    Concentrao a posio natural que se adota ante o tabuleiro. A situao de stand by. Momentaneamente as preocupaes deixam de importar e procura-se seguir o fio do jogo. Aprende-se que importan-te evitar as distraes.

    Ateno Considerar todas as peas. Colocar-se em guarda ante o que evidente. A ateno necess-ria para a reflexo.

    c) A capacidade de automotivao: o autocontrole emocional (capacidade de atrasar a recompensa e reduzir a impulsividade) um elemento chave na obteno de objetivos.

    Autocontrole Saber esperar e no emitir respostas com excessiva rapidez. necessrio procurar ir mais alm, mais adiante quanto maior seja a dificuldade, retendo a impacincia e a impulsividade.

    Autodisciplina Obrigao de ter que efetuar uma jogada, de ter que pensar, de realizar importantes es-foros.

    Tenacidade Qualidade de fora interior que o jogo exige em momentos de dificuldade.

    d) O reconhecimento das emoes alheias (empatia): habilidade fundamental que envolve sentir o que o outro sentiria, caso estivesse na situao e circunstncias experimentadas pelo outro.

    Empatia

    necessrio avaliar, a cada instante, os movimentos e as possibilidades de ao do adversrio, juntamente com as suas reaes fsicas. Durante o jogo costuma-se dizer agora ele est melhor do que eu ou vice-versa. Aprende-se a sentir respeito ou certa compaixo pelo adversrio que perde, sobretudo se o adversrio for conhecido, ou se demonstrar reaes de tristeza. Todos sabem o que ganhar e perder e no incio se aprende, ou deveria aprender, a moderar as reaes excessivamente efusivas em caso de vitria por respeito ao adversrio que no teve to bom desenlace no final.

    e) O controle das relaes: relao com as emoes do outro.

    Socializao

    No se pratica o jogo s. necessrio respeitar o silncio, a sua vez de jogar. Ao final da partida, analisa-se em conjunto o que foi e o que deveria ter sido jogado (postmortem). Deve-se man-ter a cordialidade com todos os participantes. necessrio felicitar-se mutuamente no final da partida.

    Aquisiode Regras

    As regras do jogo so inalterveis para todos. Ningum pode estabelecer suas prprias normas nem impor condies diferentes.

  • Xadrez e Educao 25Coleo24

    2.2 Pesquisas no campo da Psicologia Cognitiva

    Na Psicologia Cognitiva o xadrez muito utilizado em pes-quisas, sendo que sua utilizao comparada da Drosophila (mosca da fruta) em pesquisas de gentica:

    () como a gentica necessita de organismos como modelo, a Drosophila e Neurospora, a psicologia tambm necessita de um am-biente padro onde o conhecimento e o entendimento possam ser acumulados. O xadrez provou ser um excelente modelo para esta finalidade. (SIMON; CHASE, 1973, p. 394).

    O impacto das pesquisas envolvendo o xadrez nas cincias cognitivas foi bem captado por Charness num artigo de 1992. Charness pesquisou em duas respeitadas fontes de informaes, a Social Science Citation Index e a Science Citation Index, para localizar as publicaes mais citadas referentes ao xadrez, e en-controu o livro Thought and choice in chess (DE GROOT, 1946) e o artigo Perception in chess (CHASE; SIMON, 1973a).

    O livro de De Groot acumulou 250 citaes desde sua pri-meira edio em ingls em 1965 at 1989, enquanto que o artigo de Chase e Simon acumulou 350 citaes no perodo de 1973 at 1989, sendo, portanto, duas citaes clssicas: um prmio de ci-tao clssica geralmente atribudo quando uma obra tem entre 100 e 400 citaes, dependendo do tamanho do campo de investi-gao, ento estas duas obras podem seguramente ser considera-das clssicas. (CHARNESS, 1992, p. 4).

    Antes de abordar os estudos no campo da psicologia cogniti-va, sero discutidas quatro pesquisas que influenciaram os estu-dos cognitivos posteriores: Binet (1894), Cleveland (1907), Diakov, Pietrovski e Rudik (1925)8, e De Groot (1946).

    8 Citado em DE GROOT, 1946, p. 8-10.

    2.2.1 Binet e o xadrez s cegas

    A primeira investigao importante para elucidar como se processa o pensamento do enxadrista se deu com Binet (1894; 1966). A pesquisa foi realizada para desvendar os mecanismos psi-colgicos do xadrez s cegas , e apontou que a habilidade para jogar s cegas reside em trs condies fundamentais (BINET, 1894, p. 262).

    lerudition: para um mestre a posio de jogo uma unida-de, uma bem estruturada cena de batalha que capturada na mente do jogador, sendo que cada posio tem suas caracte-rsticas prprias. Mas esta caracterstica de unidade existe somente para o especialista, sendo resultado de seu conhe-cimento e experincia. O mesmo ocorre numa partida intei-ra: para o mestre uma partida no uma mera sequncia de movimentos independentes, mas sim o desenvolvimento de um esforo que pode ser exemplificado por manobras carac-tersticas e ideias;

    limagination: o enxadrista, quando est praticando o xa-drez s cegas, no tem uma imagem completa do tabuleiro na mente, mas somente uma forma inacabada onde ele pro-cura as jogadas passo a passo, reconstruindo continuamente os detalhes da posio (veja a figura 1);

    la mmoire: baseado no fato que praticamente todos os en-trevistados enfatizaram a falta de detalhes visuais como cor e forma, tanto nas peas quanto no tabuleiro, Binet concluiu que a memria no xadrez s cegas do tipo visual abstrata, em contraste com a memria visual concreta.A figura 1 mostra, na esquerda, a posio de uma partida s

    cegas jogada pelo enxadrista Sittenfeld, e, na direita, o desenho que ele fez na tentativa de representar a imagem mental no mo-mento de escolher o lance.

    A sequncia de lances considerada por Sittenfeld foi: 1.xd4 xd4 2.xd4 xd4 3.xd4+ xd4+ 4.b2 g7 5.xg7+ xg7 6.a4 com vitria (BINET, 1894, p. 300).

    9 No xadrez s cegas, um jogador joga uma ou vrias partidas sem ver o tabuleiro e as peas, ou qualquer contato fsico com eles, sendo os movimentos comunicados atravs da notao enxadrstica.

  • Xadrez e Educao 27Coleo26

    2.2.2 Cleveland e as fases na aprendizagem do xadrez

    Outro estudo importante foi realizado por Cleveland (1907), que analisou psicologicamente o jogo de xadrez, bem como sua aprendizagem.

    Segundo Gobet e Charness (2006, p. 523), o estudo de Cleve-land foi um dos primeiros a identificar a importncia de unidades complexas, agora chamadas de chunks (pedaos) no jogo de alto nvel, e especulou que habilidades intelectuais podem ser pobres para prognosticar a habilidade no xadrez.

    O desenvolvimento da habilidade no xadrez, segundo Cleve-land (1907, p. 293-296), passa por cinco estgios, conforme pode ser visto no quadro a seguir.

    Primeiro ocorre a aprendizagem do nome e movimento das peas, pois para se obter sucesso no jogo, o movimento das peas deve ser automatizado. A seguir, o aprendiz passa por movimen-tos individuais de ataque e defesa durante os quais o iniciante joga sem um objetivo definido, a no ser capturar as peas do seu ad-versrio. Na sequncia, o iniciante aprende a relao entre as pe-as, ou seja, o valor dos grupos e o valor de peas individuais como partes de grupos particulares. Depois o jogador alcana o quarto estgio que caracterizado pela capacidade de planejar conscien-temente o desenvolvimento sistemtico das suas peas. Por fim, o jogador alcana o sentido posicional, que definido pela culmi-nao de um desenvolvimento enxadrstico homogneo resultado da sua experincia em valorar diferentes posies.

    Cleveland conclui seu artigo afirmando que a habilidade no xadrez no um ndice de inteligncia geral:

    () nossas concluses a partir do estudo deste caso deve ser, pare-ce-me, que a habilidade no xadrez no um ndice de inteligncia geral, que o raciocnio envolvido no jogo de xadrez um tipo de raciocnio muito particular, e que um considervel grau de habili-dade de xadrez possvel para quem deficiente em todas as outras reas. (CLEVELAND, 1907, p. 308).

    Para exemplificar esta afirmao Cleveland apresentou uma partida jogada por um deficiente mental (veja o quadro a seguir):

    Figura 1 O Estudo de Binet

    FONTE: Adaptado de BINET (1894, p. 300-301).

    Quadro 6 FASES NA APRENDIZAGEM DO XADREZ

    5. 6 5. 4. 3. 2. 1.

    4.

    3.

    2.

    1.FONTE: Adaptado de CLEVELAND (1907, p. 293-296).

    Estgio Descrio

    1 Fase inicial O iniciante aprende o nome e o movimento das peas.

    2 Movimentos individuaisVisam o ataque e a defesa sem um objetivo definido, a no ser capturar as peas do seu adversrio.

    3 Relao entre as peas O valor dos grupos e o valor de peas individuais como par-te de grupos particulares.

    4 Desenvolvimento sistemticoCapacidade de planejar conscientemente o desenvolvi-mento sistemtico das suas peas.

    5 Sentido posicional Desenvolvimento enxadrstico homogneo, resultado da experincia em valorar diferentes posies.

    Podem-se observar no desenho direita as linhas de fora que representam o movimento das peas durante a sequncia de lances indicada acima.

  • Xadrez e Educao 29Coleo28

    FONTE: Adaptado de CLEVELAND (1907, p. 308).

    Quadro 7 BRANCAS: ANNIMO - PRETAS: DEFICIENTE MENTAL (FEEBLEMINDED)

    Nesta partida, pode-se observar que os dois jogadores joga-ram com bastante impreciso. O primeiro erro grave (assinalado com um sinal de interrogao) ocorreu no lance 11 das brancas que perderam o cavalo. O erro mais grave (duas interrogaes) ocorreu no lance 17 das brancas, que perderam a dama ficando tecnica-mente perdidas. No lance 18 as brancas erraram novamente, pois deveriam ter seguido com xe2, e a resposta das pretas tambm foi equivocada, pois deveriam ter prosseguido com xf2+. O lance 20 das pretas, erro gravssimo, leva a perder uma partida tecnica-mente ganha, pois permite ao adversrio dar xeque-mate em dois lances. O lance correto seria c8.

    2.2.3 Diakov, Pietrovski e Rudik: o estudo sovitico

    Em 1925, em Moscou, realizou-se um torneio internacio-nal de xadrez que reuniu os principais grandes mestres da poca. Trs psiclogos russos, Diakov, Pietrovski e Rudik, convidaram oito grandes mestres que competiam no torneio a participarem de

    alguns experimentos para identificar as qualidades necessrias para o xito no xadrez de alto nvel (DE GROOT, 1946, p. 8-10).

    A pesquisa apontou as seguintes caractersticas: 1) uma boa reserva de fora fsica e uma boa sade geral; 2) nervos bem tem-perados; 3) autocontrole; 4) habilidade em distribuir a ateno por muitos fatores; 5) habilidade em perceber relaes dinmicas; 6) uma mentalidade contemplativa; 7) um alto nvel de desenvolvi-mento intelectual; 8) habilidade para pensar concretamente; 9) habilidade para pensar objetivamente; 10) uma memria podero-sa para assuntos de xadrez; 11) capacidade para pensamento sin-ttico e imaginao; 12) habilidade combinativa; 13) uma vontade disciplinada; 14) uma inteligncia muito ativa; 15) emoes disci-plinadas; 16) autoconfiana. (KASPAROV, 1987, p. 250).

    Os pesquisadores russos descartaram a ideia de que o gnio do xadrez depende de um nico e singular talento inato. Ao con-trrio, chegaram concluso de que um mestre de xadrez deve reunir um variado e altamente desenvolvido grupo de qualidades, algumas inatas e outras desenvolvidas com a experincia e muito trabalho. (KASPAROV, 1987, p. 250-251).

    O relato de alguns pontos gerais sobre a funo do jogo na vida psicolgica das pessoas sugere que o xadrez poderia ter uma funo construtiva na nova sociedade sovitica:

    O jogo permite um livre desdobramento da personalidade, fora e interesse. Como tal, satisfaz as demandas e os esforos que se en-contram profundamente na natureza humana, mas no podem en-contrar satisfao na vida diria. Portanto, o jogo proporciona uma liberao das tenses psicolgicas causadas pela vida cotidiana e tambm gasta a energia que no encontra sada no trabalho. Desta forma, o jogo enriquece a vida e ajuda a renovar e desenvolver ple-namente a personalidade (...). Como uma atividade impulsionada a partir de dentro, o jogo satisfatrio em si mesmo, uma experi-ncia pura desprovida de qualquer sentido utilitrio (...).

    N Brancas Negras N Brancas Negras

    01 e4 e5 12 a3 c6

    02 f3 f6 13 d5 b6

    03 d3 h6 14 0-0 c5

    04 g5 c6 15 e2 a6

    05 xe5 e6 16 e5 b4

    06 f4 f6 17 exf6?? xe2

    07 xh6 gxh6 18 fe1 xf6?

    08 c4 c6 19 xe2 xb2

    09 e2 b5 20 ae1 xa3??

    10 h5+ d8 21 e8+ xe8

    11 d4? xc4 22 xe8++

  • Xadrez e Educao 31Coleo30

    2.2.4 De Groot e a Era Moderna das pesquisas

    Em 1946, o psiclogo e enxadrista holands Adriaan De Groot realizou uma pesquisa de doutorado que teve alto poder heursti-co, inspirando muitas pesquisas realizadas a partir da dcada de 60.

    Em um experimento, os participantes deveriam olhar uma posio de partida e verbalizar seus pensamentos, que eram de-vidamente gravados. Os resultados mostraram que os grandes mestres encontravam um bom movimento durante os primeiros poucos segundos de contemplao da posio.

    Atravs da anlise dos protocolos De Groot definiu quatro fases no planejamento do enxadrista: a primeira de orientao, a segunda de explorao, a terceira de investigao, e a quarta a prova10.

    Uma das ideias centrais do estudo foi bastante simples: uma posio de partida jogada por mestres, mas desconhecida dos en-trevistados, foi mostrada para classes diferentes de jogadores por um curto espao de tempo (variando de 2 a 10 segundos).

    A posio era ento removida e os entrevistados deveriam reproduzi-la noutro tabuleiro. O nmero de peas colocadas corre-tamente determinaria o desempenho da memria.

    Para criar as condies necessrias para estudar esses processos de pensamento, um nmero de posies de jogos reais foram selecio-nadas e apresentadas a um grupo de indivduos, composto por gran-des mestres, mestres, especialistas e jogadores menos habilidosos. Eles no estavam familiarizados com as posies apresentadas. (p. 15). Para este fim, Nico Cortlever, segundo as instrues do autor, gentilmente fez uma srie de 16 posies diversas, escolhidas mais ou menos aleatoriamente a partir de jogos reais, mas relativamente obscuros de mestres. Cada posio tinha um tempo de exposio estabelecido, variando de dois a dez segundos e em alguns casos, quinze segundos. Para os indivduos mais fracos o tempo de exposi-o foi prolongado, at trs a quatro segundos, a fim de evitar zero realizaes. (DE GROOT, 1946, p. 322-323).

    Os resultados foram expressivos: os grandes mestres lem-braram a posio perfeitamente depois de uma exposio de 2 a 5 segundos (com 93% das peas corretas), enquanto que o mais fra-co entrevistado, equivalendo a um jogador de classe C, raramente passou de 50% de acerto.

    Nas figuras a seguir pode-se ver a reconstruo de uma po-sio por um Grande Mestre (figura 2), um Mestre Internacional (figura 3), um expert (figura 4) e um jogador de classe C (figura 5)

    Figura 2 Grande Mestre: 22 Pontos

    FONTE: Adaptado de DE GROOT (1946, p. 325-327).

    Figura 3 Mestre: 21 Pontos

    Figura 4 Expert: 16 Pontos Figura 5 Classe C: 9 Pontos

    10 Estas fases sero abordadas mais detalhadamente na seo 3.4.2.

    Pees

    ?

  • Xadrez e Educao 33Coleo32

    As quatro figuras (2 a 5) so do protocolo VI que teve expo-sio de 5 segundos. Nestas figuras esto assinalados os erros co-metidos na colocao das peas (na cor cinza), havendo tambm outros erros por omisso de peas. De Groot criou um mtodo para expressar os resultados numericamente, como pode ser visto no quadro a seguir:

    No protocolo pode-se ver que o Grande Mestre (figura 2) no cometeu nenhum erro, colocando as 22 peas corretamente. O Mestre (figura 3) somou 21 pontos, pois acrescentou um peo ine-xistente em c2. O expert (figura 4) somou 16 pontos, pois errou a posio das seguintes peas: torre de b8, pees de b6, g7, f3 sendo que o peo original de e5 foi trocado por um bispo em e4. Note que o bispo de f8 foi omitido. O jogador de classe C (figura 5) cometeu muitos erros, acertando somente umas poucas peas.

    Este estudo lanou os primeiros indcios de que a memria dos enxadristas, para assuntos enxadrsticos, organiza-se de for-ma diferente nos jogadores fortes e fracos. Esta pesquisa foi pos-

    teriormente retomada por Herbert Simon como ser visto mais adiante.

    A pesquisa de De Groot, alm de fornecer pistas importan-tes sobre o funcionamento da memria para assuntos especficos, forneceu tambm dados para explicar os fatores do talento no xadrez. Os fatores que explicam o talento no xadrez, segundo De Groot, podem ser vistos no quadro a seguir.

    FONTE: Adaptado de DE GROOT (1946, p. 356-361).

    Quadro 9 FATORES DO TALENTO NO XADREZ

    FONTE: Adaptado de DE GROOT (1946, p. 323-324).

    Quadro 8 MTODO DE PONTUAO USADO NA RECONSTRUO DA POSIO

    Pontos Descrio

    +1 Cada pea colocada corretamente.

    -1 Cada pea colocada errada, adicionada ou omitida

    -1 Inverso de duas peas

    -1 Colocao de uma ou duas peas de uma coluna em outra.

    -2 Troca de trs ou mais peas numa ala ou coluna

    -1 Incerteza sobre peas colocadas corretamente (at 3)

    +1Cada relao espacial lembrada corretamente (ex. distncia de um salto de cavalo) entre duas ou mais peas colocadas incorre-tamente ou no lembradas

    +2 Correto relato de balano material numa posio pobremente recordada

    +1 Quase correto relato de balano material numa posio po-bremente recordada

    Fator Descrio

    Pensamentoesquemtico

    baseado em possibilidades espaciais (bidimensional) no que tange aos movimentos. Portanto os mestres de xadrez deve-riam conseguir altos resultados em testes onde o fator espacial preponderante.

    PensamentoNo verbal

    O jogador se ocupa com movimentos e manobras no tabuleiro, com a dinmica de capturas, ameaas e controle, sem qualquer dependncia sobre formulaes verbais.

    Memria Capacidade de memria, entendida como conhecimento e ex-perincia.

    Abstrao eGeneralizao

    O enxadrista deve ser capaz de aprender progressivamente pela experincia, ou seja, de refinar suas regras de operao constan-temente, fazendo novas regras baseadas nas antigas.

    As hipteses geradas devem ser testadas

    A habilidade de abandonar rapidamente uma hiptese de evi-dncia incompatvel a fim de reajust-la, modific-la ou troc-la por outra.

    Afinidade parainvestigao ativa

    Alm de ser capaz de continuamente gerar e modificar hipte-ses, idias, regras, sistemas (no tabuleiro) e planos, o enxadris-ta deve estar amplamente motivado para faz-lo.

    Fatoresmotivacionais

    So bastante especficos, como o caso do temperamento no xadrez, definido como uma fuso entre pensamento, jogo e pai-xo pelo combate.

    Enorme concentrao sobre um objetivo a

    vencer juntamente com as estratgias envolvidas

    Estudo das fraquezas do adversrio. Regulao dos hbitos de vida de acordo com a manuteno de condies timas. Nunca concordar com qualquer arranjo que diminua suas chances de vitria. Em outras palavras: os mestres so lutadores.

  • Xadrez e Educao 35Coleo34

    2.2.5 Simon: a Teoria Chunk

    Em 1956, Miller fez um estudo sobre a capacidade de armaze-namento de informaes (palavras) na memria de curta durao e props que de aproximadamente sete peas (chunk) de infor-mao ( 2, ou seja, entre cinco e nove elementos). Sobre o chunk, Miller diz o seguinte:

    O contraste dos termos bit e chunk tambm servem para destacar o fato de que no muito definido o que constitui um pedao de infor-mao. Por exemplo, a capacidade da memria de cinco palavras que Hayes obteve (...) poderia muito apropriadamente ter sido chamado de um intervalo de memria de 15 fonemas, j que cada palavra tinha cerca de trs fonemas. Intuitivamente, evidente que os indivduos foram recordando cinco palavras, e no 15 fonemas, mas a distino lgica no imediatamente aparente. Estamos lidando aqui com um processo de organizao e agrupamento da entrada em unidades fa-miliares ou em pedaos, e uma grande dose de aprendizagem para a formao destas unidades familiares. (MILLER, 1956, p. 93).

    Miller tambm fala que possvel ampliar a limitada capaci-dade da memria de curta durao por intermdio de treino:

    Para falar de forma mais precisa, portanto, devemos reconhecer a importncia do agrupamento ou organizao de sequncia de entra-da em unidades ou blocos. Uma vez que a capacidade da memria um nmero fixo de blocos, podemos aumentar o nmero de bits de informao que ele contm simplesmente atravs da construo de blocos cada vez maiores, cada bloco contendo mais informaes do que antes. (MILLER, 1956, p. 93).

    Estas descobertas, juntamente com os estudos de De Groot, foram retomadas por Herbert Simon, dando grande impulso nos estudos sobre memria no xadrez.

    Pode-se dizer que um dos principais objetivos na obra de Herbert Simon foi responder a seguinte questo: como possvel tomar decises inteligentes diante de um elevado nmero de pos-sibilidades.

    O processo de tomada de deciso foi primeiramente pesqui-sado por Simon em Economia e Administrao. J nos anos 50, com o advento do computador eletrnico, Simon, juntamente com Allen Newell e Cliff Shaw, foi pioneiro na criao da Inteligncia Artifi-cial (SIMON, 1996, p. 189). Seu objetivo neste perodo foi entender a resoluo de problemas em seres humanos por intermdio de si-mulao do pensamento no computador eletrnico.

    Na busca de um ambiente padro onde o conhecimento pu-desse ser acumulado, como o caso da mosca da fruta Drosophila para os genticos, Simon optou pelo xadrez como ambiente de es-tudo (SIMON; CHASE, 1973; SIMON; GILMARTIN, 1973).

    Simon e Barenfeld estudaram um experimento realizado em 1966 por Tikhomirov e Poznyanskaya em Moscou, no qual foi fil-mado o movimento dos olhos de um mestre durante a escolha de um lance no xadrez. Com base neste registro de preciso foi pos-svel traar um roteiro da ordem das casas do tabuleiro que foram investigadas pelo enxadrista, bem como o tempo gasto pelo mestre em cada casa (TIKHOMIROV; POZNYANSKAYA, 1966).

    A posio apresentada ao mestre (a), bem como o registro do tempo gasto em cada casa (b) e dos movimentos dos olhos (c) podem ser visto na figura a seguir.

    Figura 6 ESTUDO DE TIKHOMIROV E POZNYANSKAYA 1

    (a) Posio mostrada para o entrevistado escolher um lance com as negras. O tempo para escolha foi de 1 minuto 46 segundos, sendo o lance escolhido Te8. (b) Nmero de fixaes (parte de cima da casa) e o tempo em segundos (parte de baixo da casa). (c) Gravao do movimento dos olhos.

    FONTE: TIKHOMIROV e POZNYANSKAYA (1966, p. 5).

    a b c

    10.21

    40.83

    164.89

    174.89

    61.67

    10.21

    40.96

    154.33

    162.75

    113.29

    72.75

    91.75

    123.96

    153.29

    3212.95

    51.65

    20.79

    30.67

    205.96

    230.13

    266.41

    30.50

    81.29

    142.0

    194.54

    102.59

    20.50

    133.25

    61.0

    60.79

    20.46

    20.48

    156.59

    122.79

    82.13

    10.13

    10.76

    20.46

    10.29

    10.37

    67.63

    41.04

    41.04

    13

    18 19

    1

    9

    7

    1015

    12

    11

    17

    35

    162

    14

    6

    8

    204

  • Xadrez e Educao 37Coleo36

    Ao analisar o estudo de Tikhomirov e Poznyanskaya (1966), Simon e Barenfeld (1969) formularam a hiptese de que em cada ponto de fixao o sujeito adquire informaes sobre a localizao das peas, bem como de relaes enxadrsticas significativas:

    Parece que em cada ponto de fixao a questo adquirir informa-es sobre a localizao das peas em ou perto do ponto de fixao, juntamente com informaes sobre peas na viso perifrica (den-tro de, por exemplo, 7 de arco) que leva a uma relao enxadrstica significativa (ataque, defesa bloqueio, escudo) para a pea no ponto de fixao. (SIMON; BARENFELD, 1969, p. 475).

    Para testar esta hiptese os autores construram um progra-ma de computador chamado PERCEIVER11 que detectava relaes enxadrsticas elementares como ataque, defesa, etc. simulando o movimento dos olhos durante os cinco segundos do experimento de Tikhomirov e Poznyanskaya (1966). O resultado da simulao pelo programa PERCEIVER pode ser visto na figura 8.

    11 O programa PERCEIVER incorporou conceitos da teoria da memria e da percepo EPAM (Elementary Perceiver and Memorizer) formulada por Feigenbaum e Simon (1962; 1984).

    Figura 7 - TIKHOMIROV E POZNYANSKAYA 2 Figura 8 - SIMULAO PERCEIVER

    (a) Gravao do movimento dos olhos por Tikhomirov e Poznyanskaya (1966).(b) Gravao da simulao do movimento dos olhos pelo PERCEIVER. As linhas slidas re-presentam os movimentos dos olhos, enquanto que as tracejadas representam as relaes perifricas percebidas. As casas ocupadas pelas peas mais ativas esto destacadas.

    FONTE: SIMON e BARENFELD, 1969, p. 477-478.

    1 1

    22

    3

    3

    4

    4

    5

    56

    6

    7

    7

    8

    8

    9

    9

    11

    11

    12

    13 14

    15

    14

    15

    1613

    12

    1718 19

    20

    10

    10

    a b

    Atravs deste estudo, Simon e Barenfeld mostraram a simi-laridade entre o movimento dos olhos do mestre durante a escolha do lance (figura 7), e a simulao do programa PERCEIVER (figura 8). Concluram ento que possvel simular no computador o pro-cesso de reconstruo de uma posio de jogo exposta brevemente ao mestre de xadrez (SIMON; BARENFELD, 1969, p. 483).

    O passo seguinte foi entender as estruturas perceptivas dos mestres de xadrez, o que foi feito no famoso artigo Perception in chess, j citado (CHASE; SIMON, 1973).

    Chase e Simon (1973 a, b), ao investigar os experimentos de De Groot (1946), confirmaram as descobertas de Miller (1956) so-bre a capacidade de armazenamento da memria de curta durao (7 2), adicionando contribuies tericas e metodolgicas. No di-zer de Chase e Simon:

    Ao medir os intervalos de tempo entre estgios sucessivos de peas quando os indivduos tentaram reconstruir as posies, ns fomos capazes de identificar os limites de pedaos de percepo. Os da-dos sugerem que o desempenho superior dos jogadores mais fortes (que no aparecem em posies aleatrias) deriva da capacidade dos jogadores para codificar a posio em grandes pedaos de per-cepo, cada uma composta de uma subconfiguration familiar de peas. Peas dentro de um nico pedao esto ligadas por relaes de defesa mtua, a proximidade, o ataque em pequenas distncias, e cor e tipo comum. (CHASE; SIMON, 1973a, p. 80).

    Para explicar o desempenho dos mestres, propuseram a hiptese de que estes podiam armazenar um grande nmero de padres na memria de longo prazo, tais como estruturas carac-tersticas dos pees do roque, cadeias de pees, configuraes de ataque, etc. Segundo esta perspectiva, a habilidade do enxadrista reside em um grande acervo de blocos (chunks), classificados por uma rede de diferenciao (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 29).

  • Xadrez e Educao 39Coleo38

    Figura 9 Posio Base Figura 10 Chunk 1

    Figura 13 Chunk 4 Figura 14 Chunk 5

    Figura 11 Chunk 2 Figura 12 Chunk 3

    Figura 15 Chunk 6 Figura 16 Chunk 7

    Nas figuras 9 a 16 pode-se ver a reconstruo de uma posio base (figura 9) por um mestre de xadrez chunk por chunk (figuras 10 a 16), sendo que cada novo chunk est destacado na cor cinza, totalizando sete, como assinalado por Miller (1956)12 .

    O prximo passo foi simular a memria do mestre para po-

    sies de xadrez, o que foi feito com o programa MAPP (Memory-Aided Pattern Perceiver), que conteve um componente de apren-dizagem e um componente de performance:

    O componente de aprendizagem, que utiliza os mecanismos de aprendizagem da EPAM, simula o armazenamento na memria de longo prazo de diferentes quantidades de informao sobre amos-tras, a repetio de padres de peas em um tabuleiro de xadrez. Assim, possvel simular o padro da memria de longo prazo de um jogador de xadrez fraco (alguns padres armazenados) ou de um mestre de xadrez (muitos padres armazenados). (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 30).

    Os principais processos do programa MAPP podem ser vistos na figura 17.

    FONTE: CHASE e SIMON (1973b, p. 235).

    12 O artigo de Chase e Simon (1973) no faz meno, mas pode-se observar que o peo que foi colocado na casa a3 no chunk 5 aparece misteriosamente em a2 no chunk 7.

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

  • Xadrez e Educao 41Coleo40

    Figura 17 O PROGRAMA MAPP

    Paern ofChessPieces

    ChessPosition

    ReconstructedChessPosition

    SalientPiece

    EPAM - likePaernLearmer

    EPAM - likePaern

    Discriminator

    ChunkDecoder

    Chunks inShort_TermMemory

    SalientPiece

    Detector

    EPAM Net

    O componente de aprendizagem est mostrado na parte superior da figura, enquanto que as trs partes do componente de desempenho esto na metade de baixo.

    FONTE: SIMON e GILMARTIN (1973, p. 31).

    Para simular a memria de longa durao, Simon e Gilmartin estudaram os padres mais frequentes que ocorrem durante a par-tida de xadrez e os adicionaram no programa MAPP sob a forma de duas redes, a primeira contando com 447 padres, e a segunda com 572 padres (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 35).

    Com as duas redes totalizando aproximadamente 1.000 pa-dres, a simulao reconheceu aproximadamente 50% das peas corretas de cada posio, onde o mestre atingiu 80% (SIMON; GIL-MARTIN, 1973, p. 42).

    Simon e Gilmartin perguntaram ento quantos padres se-riam necessrios para atingir o desempenho de um mestre (SI-MON; GILMARTIN, 1973, p. 39). Para responder a esta questo Si-mon e Gilmartin disseram que a frequncia de distribuio desses padres similar da lngua natural em prosa, utilizando a distri-buio harmnica: o padro mais frequente ocorre com frequncia f, o seguinte mais frequente 1/2 f, o terceiro 1/3 f, e assim sucessi-vamente (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 41).

    Se com uma rede de 1.000 padres mais frequentes a simu-lao atingiu 50% dos padres que ocorreram, Simon e Gilmartin

    perguntaram quantos padres deveriam ser adicionados para atingir o desempenho do Mestre (80%)? A resposta : aproxima-damente 30.000 padres (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 42).

    No entanto, os autores chamaram a ateno para o fato de que no h garantias de que todos os padres mais frequentes fo-ram includos na rede dos 1.000 padres, portanto os 30.000 pa-dres para o nvel de mestre podem estar superestimados. Simon e Gilmartin concluram ento que mestre e grande mestre tm um repertrio entre 10.000 e 100.000 padres (SIMON; GILMARTIN, 1973, p. 43). Em 1972, juntamente com Allen Newell, Simon publi-cou a obra Human problem solving, a qual analisa detalhadamen-te o jogo de xadrez no captulo 4 (NEWELL; SIMON, 1972, p. 661-784).

  • Xadrez e Educao 43Coleo42

    3. Caracterizao do jogo de xadrez

    P ara melhor compreender o que o jogo de xadrez, ser de-senvolvida a seguir uma caracterizao do jogo que abor-dar cinco tpicos: 1) Jogo e Biologia, onde sero traados alguns paralelos entre a evoluo biolgica e a evoluo dos jo-gos; 2) Jogo e Cultura, onde ser abordada a transmisso de tipo cultural envolvida nos jogos; 3) A Biblioteca de Cassa, onde ser discutida a complexidade envolvida no xadrez; 4) O Plano no Jogo de Xadrez, onde sero abordadas as particularidades do plano no xadrez, e por fim, 5) A Expertise no Jogo de Xadrez, que descre-ver aspectos da maestria no xadrez.

    3.1 Jogo e Biologia

    Segundo Kraaijeveld (1999, 2000), os jogos de tabuleiro como o xadrez podem ser vistos como seres vivos (plantas e animais) que esto sujeitos s leis da evoluo biolgica assinaladas por Char-les Darwin (DARWIN, 1859, 1871), pois tanto em jogos quanto em seres vivos possvel inferir uma descendncia comum a partir da observao de grupos similares. Jogos tambm podem ser extintos e fossilizados, ou seja, jogos que se tornam conhecidos (total ou parcialmente) a partir de fontes histricas, mas que no so mais praticados atualmente.

  • Xadrez e Educao 45Coleo44

    claro que no caso dos jogos a transmisso de tipo cultural e no gentica como no caso da evoluo biolgica. Para o bilogo evolucionista Richard Dawkins a transmisso de tipo cultural anloga transmisso gentica, sendo que esta envolve unidades replicadoras chamadas genes, e naquela, as unidades replicadoras so os memes. Dawkins explica como cunhou o nome que deu a es-tas unidades:

    (...) uma unidade de transmisso cultural, ou uma unidade de imita-o. Mimeme provm de uma raiz grega adequada, mas quero um disslabo que soe um pouco como gene. Espero que meus amigos helenistas me perdoem se eu abreviar mimeme para meme. Se servir como consolo, pode-se, alternativamente, pensar que a palavra est relacionada a memria, ou palavra francesa mme. Exem-plos de memes so melodias, ideias, slogans, modas do vesturio, ma-neiras de fazer potes ou de construir arcos. Da mesma forma como os genes se propagam no fundo pulando de corpo para corpo atravs dos espermatozoides ou dos vulos, da mesma maneira os memes propagam-se no fundo de memes pulando de crebro para crebro por meio de um processo que pode ser chamado, no sentido amplo, de imitao. Se um cientista ouve ou l uma ideia boa ele a transmite a seus colegas e alunos. Ele a menciona em seus artigos e confern-cias. Se a ideia pegar, pode-se dizer que ela se propaga a si prpria, espalhando-se de crebro em crebro. (DAWKINS, 2001, p. 214).

    Neste sentido, o jogo de xadrez pode ser visto como um meme poderoso da cultura humana, quase como um vrus que invade no o corpo, mas a mente do praticante. David Shenk expressa este sentimento ao discutir o arrebatamento do artista plstico Marcel Duchamp pelo xadrez:

    Imaginem um vrus to evoludo que capaz de infectar no o san-gue, mas os pensamentos do seu hospedeiro humano. O fgado e o bao so poupados, mas, em compensao, o micrbio se infiltra nos lobos frontais do crebro, dominando funes cognitivas vitais como a soluo de problemas, o raciocnio abstrato, as refinadas habilida-des motoras e, mais notavelmente, a capacidade de organizar tarefas. Ele dirige os pensamentos, as aes e at mesmo os sonhos. Esse vrus passa a dominar no o corpo, mas a mente. (SHENK, 2007, p. 9).

    Em 1952 o fsico Albert Einstein tambm expressou opinio similar ao escrever algumas linhas aps a morte de seu amigo e ex-campeo mundial de xadrez Emanuel Lasker: o xadrez prende to fortemente a mente do mestre de xadrez que a sua liberdade e independncia ficam fortemente afetadas. (CALVO, 2003, p. 16-17).

    Conforme j foi destacado, a transmisso dos jogos de gera-o para gerao de tipo cultural, e no biolgica. Neste sentido, a seguir ser abordada a relao entre jogo e cultura.

    3.2 Jogo e Cultura

    A relao entre jogo e cultura foi bem assinalada pelo histo-riador e filsofo holands Johan Huizinga, em 1938, no livro Homo Ludens. Nesta obra o autor argumenta que o jogo uma categoria absolutamente primria da vida, to essencial quando o raciocnio (Homo sapiens) e a fabricao de objetos (Homo faber), ento a de-nominao Homo Ludens quer dizer que o elemento ldico est na base do surgimento e desenvolvimento da civilizao. No dizer de Huizinga:

    O jogo fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definies menos rigorosas, pressupe sempre a sociedade huma-na; mas os animais no esperaram que os homens os iniciassem na atividade ldica. -nos possvel afirmar com segurana que a civilizao humana no acrescentou caracterstica essencial algu-ma ideia geral de jogo. Os animais brincam tal como os homens. (HUIZINGA, 1938, p. 3).

    Ao discutir a importncia do elemento ldico na cultura, Huizinga diz que:

  • Xadrez e Educao 47Coleo46

    O fato de apontarmos a presena de um elemento ldico na cul-tura no quer dizer que atribuamos aos jogos um lugar de primei-ro plano, entre as diversas atividades da vida civilizada, nem que pretendamos afirmar que a civilizao teve origem no jogo atravs de qualquer processo evolutivo, no sentido de ter havido algo que inicialmente era jogo e depois se transformou em algo que no era mais jogo, sendo-lhe possvel ser considerado cultura. A concepo que apresentamos nas pginas que seguem a de que a cultura sur-ge sob a forma de jogo, que ela , desde seus primeiros passos, como que jogada. (HUIZINGA, 1938, p. 53).

    Huizinga define jogo assim:

    (...) o jogo uma atividade voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espao, segundo regras livremen-te consentidas, mas absolutamente obrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e alegria e de uma conscincia de ser diferente da vida cotidiana. (HUIZIN-GA, 1938, p. 33).

    A se recuar no passado para buscar as origens do jogo encon-tra-se sempre uma relao entre o jogo e o sagrado, como assinala o filsofo Giorgio Agambem no livro Infncia e Histria:

    (...) os estudiosos sabem h muito que as esferas do jogo e do sa-grado so estreitamente ligadas. Numerosas e bem documentadas pesquisas mostram que a origem da maior parte dos jogos que co-nhecemos encontra-se em antigas cerimnias sagradas, em danas, lutas rituais e prticas divinatrias. Assim, no jogo de bola, pode-mos perceber os vestgios da representao ritual de um mito em que os deuses lutavam pela posse do sol; a dana de roda era um antigo rito matrimonial; o pio e o tabuleiro de xadrez eram instru-mentos divinatrios. (AGAMBEN, 2005, p. 84).

    A questo tambm foi analisada na obra de Nigel Pennick Jo-gos dos Deuses (PENNICK, 1992) onde o autor investiga a origem dos jogos de tabuleiro segundo a magia e a arte divinatria.

    Durante muitos anos, tem-se afirmado que o jogo de xadrez deve ter um significado simblico muito maior que um mero passatempo. Entre outras coisas, ele tem sido associado ao treinamento mental, estratgia militar, mais complexa Matemtica, adivinhao, Astronomia e Astrologia. (...) Em sua monumental obra Science and Civilization in China, Joseph Needham afirma que uma tcnica quase astrolgica teria surgido na China entre os sculos I e II d. C., com a finalidade de determinar a condio de equilbrio entre as qualidades complementares do Yin e Yang. Needham acredita que essa tcnica adivinhatria era adotada pelos adivinhos militares, tendo talvez ser-vido de base para o jogo de tabuleiro que conhecemos como Chatu-ranga [o ancestral do xadrez]. (PENNICK, 1992, p. 209).

    3.3 A Biblioteca de Cassa13: O jogo de xadrez como atividade complexa

    O escritor argentino Jorge Luis Borges, no conto A Biblioteca de Babel (BORGES, 1941), narra uma realidade em que o mundo constitudo por uma biblioteca infinita, abrigando uma quantidade infinita de livros. Nesta biblioteca esto todos os livros possveis: os j escritos, os que ainda sero escritos e os que nunca sero es-critos. No entanto, afirma Dennet, a grande maioria desses livros no possui estrutura gramatical que faa sentido.

    Se um dia voc fosse parar por acaso na biblioteca, sua chance de chegar a encontrar um volume com pelo menos uma frase grama-tical seria to evanescentemente pequena que poderamos muito bem escrever isso com letra maiscula Evanescentemente pe-queno e lhe dar um parceiro, Vastamente, significando Muits-simo mais que astronomicamente. (DENNET, 1988, p. 114).

    Esta extraordinria metfora de Borges pode ser utilizada como referncia para pensar a complexidade do jogo de xadrez. Na Biblioteca de Cassa, como na Biblioteca de Babel, existe um vasto

    13 Lendria deusa do xadrez que surgiu no poema Scacchia Ludus, de Vida, no sculo XVI. Foi popularizada no poema Cassa, escrito por William Jones em 1772. (HORTON, 1996, p. 49).

  • Xadrez e Educao 49Coleo48

    FONTE: SHENK (2007, p. 76).

    Figura 18 Primeiro Lance 1

    Cada peo pode mover uma ou duas casas no seu primeiro lance.

    8 x 2 = 16 possveis movimentos

    Figura 19 Primeiro Lance 2

    Cada cavalo est restrito a 2 movimentos no primeiro lance. 2 x 2 = 4 movimentos.

    No segundo movimento o nmero de posies legais chega a 400, pois se multiplicam as 20 alternativas das brancas pelas 20 alternativas das pretas. No terceiro movimento o nmero de po-sies legais sobe para 5.362 conforme pode ser visto na tabela a seguir.

    Tabela 1 NMERO MXIMO DE POSIES APS O 3 LANCE

    FONTE: Adaptado de BONSDORFF, FABEL e RIIHIMAA (1974, p. 9).

    Descrio do Movimento Total

    Dois pees movem (16 x 14 x 20 : 2) 2.240

    Um peo move duas vezes (16 x 20) mais 14 casos de captura de pea menos 8 cravadas 326

    Um peo move e uma pea move (121 x 20) menos 4 obstrues de linhas 2.416

    Um cavalo move e retrocede 20

    Um cavalo move duas vezes sem retroceder 200

    Dois cavalos movem 80

    Um cavalo e uma torre movem 80

    Total Geral 5.362

    1 3 5 7 9 11 13 15

    2 4 6 8 10 12 14 16

    17 18 19 20

    espao de possibilidades, o chamado espao do problema.

    Achamos necessrio descrever no s o seu comportamento real, mas o conjunto de comportamentos possveis a partir dos quais so extrados, e no somente seus comportamentos evidentes, mas tambm os comportamentos que considera em seu pensamento que no correspondem aos comportamentos abertamente poss-veis. Em suma, preciso descrever o espao em que a sua resoluo de problemas atividades acontecem. Vamos cham-lo o espao do problema. (NEWELL; SIMON, 1972, p. 59).

    Deve-se destacar que jogar xadrez pode ser visto como uma atividade que envolve resoluo de problemas. Nesse sentido, Chi e Glasser (1992, p. 252) afirmam que um problema uma situao na qual voc est tentando alcanar algum objetivo e deve encon-trar um meio de chegar l.. J Newell e Simon definem assim o que um problema:

    Uma pessoa confrontada com um problema quando ela quer algo e no sabe imediatamente o conjunto de aes que pode fazer para obt-lo. O objeto desejado pode ser muito tangvel (uma ma para comer) ou abstrato (uma elegante prova para um teorema). Ela pode ser especfica (aquela ma particular l) ou bastante geral (algo para aplacar a fome). Pode ser um objeto fsico (uma ma) ou um conjunto de smbolos (a prova de um teorema). As aes en-volvidas na obteno de objetos desejados incluem aes fsicas (ca-minhando, atingindo, escrevendo), atividades de percepo (ver, ouvir), e actividades puramente mentais (julgar a semelhana entre dois smbolos, lembrar uma cena, e assim por diante). (NEWELL; SIMON, 1972, p. 72).

    O espao do problema, ou espao de possibilidades, no jogo de xadrez, dado sua complexidade, extremamente elevado ou, como afirmou Shenk (2007, p. 75), quase infinito. Para se ter uma ideia desse nmero, basta analisar o nmero de posies legais nos primeiros movimentos de uma partida. No primeiro lance as peas brancas esto limitadas a vinte alternativas legais, podendo mover somente os oito pees e dois cavalos, sendo que rei, dama, bispos e torres esto bloqueados e no podem mover-se no primeiro lance. As vinte alternativas podem ser observadas a seguir.

  • Xadrez e Educao 51Coleo50

    Como se pode observar, o nmero de posies legais cresce exponencialmente, o que pode ser visto mais detalhadamente na tabela e grfico a seguir, que apresenta o nmero de posies pos-sveis para as oito primeiras jogadas de uma partida.

    FONTE: Adaptado de SCHWARZKOPF (2007).

    Uma vez que na oitava jogada o nmero j da ordem de um bilho de posies legais, qual seria ento o nmero total de posi-es legais? O criador da Teoria da Informao, Claude Shannon, (SHANNON, 1950, p. 4) estimou que o nmero total de posies le-gais, partindo da posio inicial, da ordem de 64! / 32!(8!)2 (2!)6, ou aproximadamente 1043. No entanto, segundo Allis, o clculo de Shannon inclui algumas posies ilegais, ou seja, pees na primei-ra fila, os reis em xeque e exclui posies legais com capturas e promoes. Levando isto em conta, Allis calculou que o nmero de posies legais verdadeiro aproximadamente 1050 (ALLIS, 1994, p. 171). Com relao ao o nmero total de posies legais e ilegais, partindo da posio inicial, Shannon apresentou o nmero 10120, nmero este que ficou conhecido por nmero de Shannon. Na cita-o a seguir pode-se ver como Shannon chegou a este nmero:

    Com o xadrez possvel, em princpio, para jogar uma partida per-feita ou construir uma mquina para fazer o seguinte: Considera-se em uma determinada posio todos os movimentos possveis, ento todos os lances para o adversrio, etc, at o fim do jogo (em cada va-riao). O trmino deve ocorrer, pela regra dos jogo, aps um nme-ro finito de movimentos (lembrar a regra dos 50 lances). Cada uma dessas variaes termina em perda, vitria, ou empate. Ao trabalhar para trs a partir do final pode-se determinar se existe uma vitria forada, se a posio um empate ou se derrota. fcil demonstrar, no entanto, mesmo com a computao de alta velocidade disponvel em calculadoras eletrnicas, que esse clculo impraticvel. Em po-sies tpicas de xadrez h da ordem de 30 lances legais. O nmero mantm relativamente constante at que o jogo est quase concludo, conforme mostrado (...) por De Groot (...). Assim, uma jogada para as brancas e uma para as pretas d cerca de 103 possibilidades. Uma partida tpica dura cerca de 40 movimentos at o abandono por um dos jogadores. Isso moderado para o nosso clculo, j que a mqui-na deveria calcular at dar xeque-mate, sem considerar o abandono. No entanto, mesmo com este nmero, haver 10120 variaes a serem calculadas a partir da posio inicial. A operao da mquina, taxa de uma variao por micro-segundo exigiria mais de 1090 anos para calcular o primeiro lance! (SHANNON, 1950, p. 4).

    Para chegar ao nmero 10120, Shannon baseou-se nas seguin-tes informaes retiradas do estudo de De Groot (1946, p. 14-22): 1) uma tpica partida de xadrez finaliza dentro de aproximada-mente 40 lances; 2) h uma mdia de 30 alternativas de jogadas legais possveis para cada lance efetuado (veja o grfico e tabela a seguir). Assim, (30 x 30)40 igual a 90040, que aproximadamente 10120, ou seja, 90040 = 10x, onde x = 40 x log 900.

    Allis (1994, p. 171) estimou que o nmero total de posies legais e ilegais de pelo menos 10123, pois considerou que h uma mdia de 35 alternativas legais possveis a cada momento, e uma tpica partida de xadrez finaliza dentro de aproximadamente 80 jogadas (40 para cada lado). No grfico a seguir pode-se ver a re-lao entre liberdade de escola e nmero de movimentos, ou seja, quantas alternativas legais disponveis existem na medida em que a partida avana. A tabela 4 fornece os dados completos utilizados no grfico 3.

    Tabela 2 NMERO DE POSIES

    J Nmero de Posies

    0 1

    1 20

    2 400

    3 5.362

    4 71.852

    5 815.677

    6 9.260.610

    7 94.305.342

    8 958.605.819

    Grfico 2 NMERO DE POSIES

    1.000.000.000

    100.000.000

    10.000.000

    1.000.000

    100.000

    10.000

    1.000

    100

    10

    1o 1 2 3 4 5 6 7 8

    Nmero de Jogadas

    Nm

    ero de

    Pos

    ie

    s

  • Xadrez e Educao 53Coleo52

    Grfico 3 RELAO ENTRE LIBERDADE DE ESCOLHA LEGAL (K)E NMERO DE MOVIMENTOS (Zi)

    FONTE: Adaptado de DE GROOT (1946, p. 20).

    Tabela 3 RELAO ENTRE LIBERDADE DE ESCOLHA LEGAL (K)E NMERO DE MOVIMENTOS (Zi)

    FONTE: DE GROOT (1946, p. 21).

    Grupo demovimentos

    Zi=2, 3, 4

    Zi=5, 6, 7

    Zi=8, 9, 10

    Zi=11-15

    Zi=16-20

    Zi=21-25

    Zi=26-30

    Zi=31-40

    Zi=41-50

    Zi=51-...

    Nmero de posies investigadas (p) 36 34 36 40 40 40 40 40 23 21

    Nmero mdio de movimentos (Zi)

    3,0 6,0 9,0 12,7 17,3 23,4 27,7 35,5 45,9 63,9

    Maior nmero de mo-vimentos legais (Kmax)

    38 47 50 52 57 65 50 43 42 36

    Terceiro quartil de K(Q3)

    31,5 37 39,5 43 46,5 42,5 41 35,5 28 26

    Mediana de K 29 35 36 38,5 38 38 35,5 31 22 21

    Nmero de movimen-tos legais (K) 29,1 34,3 35,8 37,1 39,4 38 34 29,1 23,1 20,3

    Primeiro quartil de K(Q1)

    28 31 30 32 33 32,5 29,5 22 14 13

    Menor nmero de movimentos legais

    (Kmin)22 25 26 24 25 21 13 12 10 7

    Para se ter uma ideia da magnitude do nmero de Shannon (10120), costuma-se compar-lo com o nmero de tomos do uni-verso observvel14, que determinado pelos fsicos pelo nmero 1080. Ou seja, o nmero total de posies legais e ilegais no jogo de xadrez maior que o nmero de tomos do universo.

    Embora o xadrez seja um jogo de grande complexidade, exis-tem outros com complexidade muito superior, conforme pode ser visto na tabela a seguir.

    JogoTamanho do

    Tabuleiro (clulas)

    Nmero totalde posies

    legais

    Nmero totalde posies

    legais e ilegais

    Mdia de lances

    na partida

    Jogo da velha 9 103 105 9

    Dama (8x8) 32 1020 ou 1018 1031 70

    Trilha (c/ nove peas) 24 1010 1050 (?)

    Dama (10x10) 50 1030 (?) 1054 90

    Reversi (Otello) 64 1028 1058 58

    Go-Moku (15x15) 225 10105 (?) 1070 30

    Xadrez 64 1050 10123 80

    Gamo 28 1020 10144 (?)

    Shogi 81 1071 10226 110 (?)

    Go (19x19) 361 10171 10360 150

    Tabela 4 COMPLEXIDADE DE ALGUNS JOGOS

    FONTE: Adaptado de GAME COMPLEXITY (2008) e GOBET, VOOGT e RETSCHITZKI (2004, p 27).

    14 O clculo feito da seguinte forma: uma tpica estrela tem massa de aproximadamente 21030 kg, que contm aproximadamente 11057 tomos de hidrognio por estrela. Uma galxia tpica tem aproximadamente 400 bilhes de estrelas, o que significa que cada galxia tem 11057 41011 = 41068 tomos de hidrognio. No universo h possivelmente 80 bilhes de galxias, o que significa que h aproximadamente 41068 81010 = 31079 tomos de hidrognio no universo observvel. O hidrognio o elemento qumico mais abundante, e constitui 75% da massa elementar do universo. No entanto, este clculo representa o limite inferior, e ignora muitas fontes possveis de tomos. (OBSERVABLE UNIVERSE, 2008).

    70

    65

    60

    55

    50

    45

    40

    35

    30

    25

    20

    15

    10

    5

    01 3 6 9 12,7 17,3 23,4 27,7 35,5 45,9 63,9

    Nm

    ero de

    Joga

    das L

    egais

    Nmero da Jogada

    K

    Zi

    Quartil 1MedianaQuartil 3K mximoK mnimoMdia

  • Xadrez e Educao 55Coleo54

    Portanto, para escolher um movimento, o enxadrista tem diante de si aproximadamente 30 alternativas legais a serem con-sideradas. No entanto, De Groot (1946, p. 25) assinala que dessas 30 alternativas aproximadamente 2 so bons lances. De Groot de-fine assim o que um bom lance: Um lance bom se e somente se impossvel encontrar outro, aps uma anlise cuidadosa e convin-cente, que melhor. (1946, p. 23).

    3.4 A importncia do planejamento em atividades complexas:

    o plano no jogo de xadrez

    Conforme foi visto no item anterior, jogar bem xadrez uma atividade bastante complexa, pois o jogo possui um enorme espao de possibilidades: 1050, para o nmero total de posies legais, e 30 alternativas para o nmero mdio de lances legais disponveis, em cada jogada, sendo que dessas 30 alternativas somente duas em mdia so boas.

    Assim, para encontrar a agulha no palheiro por assim dizer (2 lances em 30 possveis), o jogador deve fazer uso de instrumentos cognitivos que o auxiliem nesta seleo, e a elaborao de planos tem essa finalidade. como diz o velho adgio: um mau plano melhor do que plano nenhum. (KASPAROV, 2007, p. 24).

    Chi e Glasser (1992, p. 258-263) afirmam que o processo de en-contrar uma soluo para um problema pode ser visualizado como uma busca pelos trajetos no espao do problema, at um que leve ao objetivo ou estado desejado. Segundo estes pesquisadores, existe uma grande variedade de estratgias para realizar esta busca:

    Busca aleatria: adequada se o espao do problema pequeno, mas ineficiente para a maioria dos problemas, como o jogo de xa-drez, em que o espao de busca expande-se exponencialmente.

    Busca sistemtica de todas as possibilidades: em uma busca ini-cial em profundidade vasculha-se um determinado trajeto at o fim. Se o estado no o desejado, volta-se um nvel e recomea-se

    novamente a busca, por um trajeto ainda no tentado. Quando to-dos os trajetos, a partir de um determinado estado, foram tentados, volta-se mais um nvel e comea-se novamente, e assim por diante. Este mtodo aplicvel para problemas simples, mas impraticvel para problemas complexos.

    Anlise meios/fins: busca de boas alternativas que levem a um fim desejado. A ideia bsica descobrir que diferenas existem entre o estado atual e o desejado e ento descobrir operaes que as reduzam. Havendo mais do que uma dessas operaes, aquela que reduz a diferena mais ampla aplicada em primeiro lugar. Ou seja, deve-se encontrar o melhor meio de atingir o fim desejado. A anlise meios/fins pode ser usada no apenas do estado inicial para o desejado (prospectivamente), mas tambm do fim deseja-do para o estado inicial (retrospectivamente). Mtodos como este da anlise meios/fins, tambm chamados de mtodos heursticos, reduzem o nmero de alternativas, mas no garantem sucesso em todas as situaes.

    Estabelecimento de subobjetivos: consiste em escolher um esta-do intermedirio no trajeto da soluo, para alcanar um objetivo

    Figura 20 BUSCA PELOS TRAJETOS NO ESPAO DO PROBLEMA

    FONTE: CHI e GLASSER (1992, p. 261).

    Subobjetivo

    Incio

    Objetivo

  • Xadrez e Educao 57Coleo56

    temporrio (veja a figura a seguir). Esta estratgia divide o pro-blema em dois ou mais subproblemas, transformando assim todo o espao de busca em dois ou mais espaos de menor profundidade. (CHI; GLASSER, 1992, p. 260).

    Gerar e testar: consiste em gerar um conjunto de possveis so-lues para um determinado problema e depois test-las, uma a uma, para ver se a soluo correta encontra-se entre as possveis solues geradas. Esta estratgia muito utilizada em pesquisas cientficas, em que o pesquisador gera uma hiptese a partir de fa-tos observados e planeja experimentos para testar a hiptese.

    Perkins (2002, p. 88-89) afirma que o conceito de espao de possibilidades bastante til na soluo de problemas, e suas principais caractersticas so: o espao do estado, ou espao de possibilidades: no xadrez, o espao do estado consiste em todas as configuraes legais das peas no tabuleiro, sejam elas boas ou no. Operadores, ou aes que mudam de um estado para outro: no xadrez, so os movimentos oficiais, cada um dos quais transforma uma posio do xadrez em outra. Estados iniciais: no xadrez a po-sio inicial padro. Estados de soluo, ou critrio que determina a soluo: no xadrez, esse critrio o xeque-mate. Um movimento escolhido no meio do jogo, embora resolva o problema do que fazer agora, apenas uma soluo temporria a ser pesada por seu valor em trazer o jogador cada vez mais prximo do xeque-mate ao opo-sitor. (PERKINS, 2002, p. 89).

    Medida de promessa, ou indicador de quo perto a presente si-tuao est de uma soluo: no xadrez, o indicador da promessa seria a vantagem global de uma posio no tabuleiro de um joga-dor contra outro.

    Segundo Miller, Galanter e Pribran (1960, p. 16), um plano um processo hierrquico no organismo que pode controlar a ordem na qual a sequncia de operaes realizada. Para esses autores a planificao descrita como uma srie de unidades TOTE (Test-Operate-Test-Exit), conforme pode ser visto na figura a seguir.

    Figura 21 A UNIDADE TOTE

    FONTE: Adaptado de MILLER, GALANTER e PRIBRAN (1960, p. 26).

    Na figura 22 pode-se ver que a ao iniciada por uma in-congruncia entre o estado do organismo e o estado que est sen-do testado, e a ao persiste at que a incongruncia removida.

    Para exemplificar, os autores propem o plano de duas fases para martelar um prego: levantar o martelo e martelar o prego. A fase testar envolve a regra parar, pois se continua martelando at que a cabea do prego est rente com a superfcie da madeira. O processo pode ser visto na figura a seguir.

    Figura 22 UM PLANO HIERRQUICO PARA MARTELAR UM PREGO

    FONTE: Adaptado de MILLER, GALANTER e PRIBRAN (1960, p. 36).

    Testar(Test)

    Operar(Operate)

    Sada(Exit)

    CongrunciaIncongruncia

    Martelar

    Cabea rente

    Abaixado

    Levantar

    Testar oMartelo

    Testar oMartelo

    Levantado

    Levantado

    Testar oPrego

    Comear abater Abaixado

  • Xadrez e Educao 59Coleo58

    Assim, o plano para esses autores entendido como uma hie-rarquia de operaes com feedback. Mayer (1977, p. 134) destaca que, escritas como um programa de computador, as etapas desse plano deveriam ter a forma de uma lista para ser lida de cima para baixo, conforme a sequncia a seguir: 1) Testar o prego. Se a cabea estiver levantada, v para 2; de outro modo, pare. 2) Teste o mar-telo. Se abaixado, levante; de outro modo, v para 3. 3) Martelar o prego. 4) V para 1.

    Scholnick e Friedman (1987, p. 3) definem planejamento como um conjunto de complexas atividades conceituais que an-tecipam e regulam o comportamento. Planejamento depende da representao do ambiente, antecipao de solues para pro-blemas, e o monitoramento de estratgias para ver se elas vo ao encontro do problema e seguem o plano. Para esses autores, o pla-no no uma ao, mas sim uma entidade, como um mapa. Como pr-requisitos para a planificao, estes autores assinalam a dis-ponibilidade de uma representao mental da estrutura espacial e causal de eventos particulares.

    Hayes (1989, p. 60) destaca que planejamento consiste de trs passos: 1) Representao da tarefa real em um ambiente de planejamento, ou seja, no papel ou na imaginao do planejador. 2) Explorao do ambiente de planejamento para encontrar um cami-nho para resolver o problema. Esta explorao pode envolver ao imaginativa, como quando pensamos sobre o que dizer em uma aula quando estamos no chuveiro, ou pode envolver aes fsicas como desenhar esquemas do arranjo de uma sala antes de mover os mveis. 3) Selecionar um caminho para a soluo. O caminho se-lecionado no ambiente de planejamento chamado de plano.

    De Lisi (1987, p. 83-86) afirma que o termo plano tem duas conotaes principais: a primeira enfatiza aspectos representacio-nais de um plano e que podem ser comunicados de uma pessoa para outra; a segunda destaca aspectos funcionais e comportamentais de um plano, que organizao e controle do comportamento. O autor afirma que em um plano h trs fases: a) o reconhecimento da necessidade de um plano; b) a formao de um plano; e c) a exe-cuo ou implementao do plano.

    De Lisi (1987, p. 86-105), apresenta uma taxonomia de pla-nos (ver tabela a seguir) com quatro tipos principais de planos: 1.

    Plano em ao; 2) Plano de ao; 3) Plano como uma representao estratgica, e, por fim, 4) Plano como um fim em si mesmo. O autor destaca que jogar xadrez envolve o plano de tipo 3:

    Comportamentos estratgicos, tais como os necessrios para solu-cionar os problemas decorrentes de jogos como xadrez ou bridge so instncias de planos do tipo 3. Exceto para os novatos que no esto familiarizados com as regras e objetivo do jogo, o xadrez, por exem-plo, praticado com deliberada antecipao mental evocando uma srie de medidas projetadas por cada lado de cada vez. As vrias se-quncias que so comparadas e avaliadas para determinar a melhor jogada seguinte. Um movimento real feito somente aps tal pro-cedimento mental ser realizado. Se o adversrio faz uma das vrias respostas antecipadas, o plano pode ser continuado. Se o adversrio fizer uma resposta inesperada, um novo plano deve ser feito antes de um segundo movimento real ser feito. As limitaes sobre as fases de produo e acompanhamento do planejamento de xadrez, ou seja, uma hierarquia infindvel de movimentos possveis preconcebidos, no vm apenas das limitaes da memria humana, mas tambm das regras do jogo em si. (DE LISI, 1987, p. 101-102).

    A taxonomia de planos (veja o quadro da pgina seguinte) foi

    construda com a suposio de que um plano um tipo de entida-de subjacente que serve para organizar e dirigir o comportamen-to para atingir um fim. No plano de tipo 1, a entidade puramente funcional, como o sujeito buscando um fim sem uma representa-o deliberada ou uma preconcepo dos meios. No plano de tipo 2, o sujeito representa previamente meios para atingir o objeti-vo. Esses planos no so completamente estratgicos no sentido de que eles no so avaliados e comparados com outros possveis cursos de ao, mas em vez disso so executados mais ou menos diretamente.

    O plano de tipo 3 mais estratgico e o sujeito est plena-mente consciente da necessidade de um plano, para gerar e avaliar os vrios cursos da ao, e da importncia de monitorar a forma-o e a execuo. O nvel final de planejamento, tipo 4, abrange to-das as outras instncias e a formao do plano um objetivo em si mesmo. (DE LISI, 1987, p. 105-106).

  • Xadrez e Educao 61Coleo60

    3.4.1 Classificao bsica dos planos no jogo de xadrez

    A evoluo da planificao no xadrez pode ser comparada com o que chamado de coevoluo em biologia quando ocorre in-fluncia evolucionria mtua entre duas espcies, como o caso, por exemplo, da relao entre predador e presa.

    Uma guia que se alimente principalmente de um determi-nado tipo de presa, como por exemplo, um coelho, contribui para a melhoria desta espcie de coelho, pois elimina sistematicamente os indivduos mais fracos, e os restantes, que se mostram mais ap-tos a sobreviverem neste ambiente, passaro seus genes adiante. A espcie de coelhos, para no ser extinta, ter que desenvolver, den-tro de um determinado tempo evolucionrio, adaptaes antipre-dador, como por exemplo, uma camuflagem mais adequada ao am-biente, ou maior agilidade na fuga. Estas adaptaes na espcie de coelhos, por sua vez, podero levar tambm a novas adaptaes nas guias no sentido de compensar as adaptaes dos coelhos. uma permanente corrida armamentista entre o predador e a presa.

    A evoluo da planificao no ataque e na defesa no xadrez ocorre de forma similar a coevoluo em biologia, em que um avano no ataque leva a defesa a se tornar mais sofisticada, o que, por sua vez, leva o ataque a refinar seus procedimentos constan-temente.

    Uma abordagem psicogentica mostra que, tanto na onto-gnese enxadrstica (evoluo enxadrstica individual) como na filognese do xadrez (evoluo do xadrez), a evoluo da plani-ficao segue linhas similares. Assim, uma criana que aprende a jogar repete de certa forma, o que ocorreu na evoluo do xadrez, desenvolvendo primeiro o jogo de combinao, que mais concre-to e baseado na ttica, e depois o jogo posicional, que mais abstra-to e baseado na estratgia.

    Nos primrdios do xadrez moderno, que surgiu no sculo XV, o ataque era mais baseado em ciladas, que buscavam o ganho fcil e rpido, como o caso do Mate do Louco (1.f3 e5 2.g4 h4#), do Mate do Pastor (1.e4 e5 2.c4 c5 3.h5 f6 4.xf7#) ou do Mate de Legal (1.e4 e5 2.f3 d6 3.c4 g4 4.c3 g6 5.xe5 xd1 6.xf7+ e7 7.d5#). Estes ataques, assim como toda armadilha, Qu

    adro

    10

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