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PERCEPÇÕES DOCENTES SOBRE O DIREITO INTERNACIONAL NO CURRÍCULO E NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO 1 Adriane Sanctis Guilherme Klafke Ramon dos Santos 1 Este working paper é parte dos resultados da pesquisa “A prática do ensino do direito internacional na perspectiva dos docentes”, realizada por parceria entre o Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento e o Núcleo de Metodologia de Ensino da FGV Direito SP, com apoio do auxílio regular Fapesp n. 2014/00315-4.

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PERCEPÇÕES DOCENTES SOBRE O DIREITO INTERNACIONAL NO CURRÍCULO E NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO 1

Adriane SanctisGuilherme Klafke

Ramon dos Santos

1 Este working paper é parte dos resultados da pesquisa “A prática do ensino do direito internacional na perspectiva dos docentes”, realizada por parceria entre o Núcleo de Direito Global e Desenvolvimento e o Núcleo de Metodologia de Ensino da FGV Direito SP, com apoio do auxílio regular Fapesp n. 2014/00315-4.

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RESUMO

O conhecimento curricular dos professores é um importante elemento para a

compreensão do que eles ensinam e de como eles ensinam. Ele pode ser um conhecimento

meramente técnico, sobre a posição da disciplina na grade curricular, ou pode ser um

conhecimento mais amplo, que leve em consideração as contribuições e os materiais de

outras áreas do conhecimento ou outras disciplinas (conhecimento curricular horizontal), ou

disciplinas da mesma área que antecedem ou sucedem sua atuação no curso (conhecimento

curricular vertical). Este paper se baseia em entrevistas semiestruturadas realizadas com 45

professoras e professores de Direito Internacional em vários Estados brasileiros. Verificamos

que os docentes entrevistados encontraram dificuldades para trazer outras áreas do

conhecimento para seus cursos, embora tivessem uma percepção mais clara sobre a

influência de outras disciplinas jurídicas. Em relação às relações com disciplinas anteriores

ou posteriores de Direito Internacional, em sua maioria revelaram uma concepção de

progressão do básico para o mais complexo. No tocante à grade curricular, dividiram-se

entre aqueles que defendiam um ensino no início do curso, no meio, no último ano ou

segundo uma sequência de pré-requisitos.

Palavras-chave: conhecimento curricular; currículo; ensino jurídico; ensino superior.

INTRODUÇÃO

A primeira noção geralmente associada com a ideia de currículo é a de grade seriada

de disciplinas. As disciplinas seguem uma lógica de diferenciação e articulação que reproduz

a visão de que o conhecimento deve ser decomposto em unidades menores para ser

apreendido progressivamente e linearmente (GHIRARDI, 2015, p. 35-36).2 Relacionada com

essa visão, há a discussão sobre disciplinas obrigatórias e optativas, sobre a sequência

temporal do curso, sobre a existência de atividades complementares e sobre a exigência de

pré-requisitos para seguir adiante.

2 “Assim, a área de conhecimento direito civil (o todo de que se ocupa o Departamento de Direito Civil) é segmentada em unidades menores (disciplinas) arranjadas em um percurso de acumulação gradativa. A premissa implícita é a de que o aluno exposto sucessivamente a cada uma das partes em que se subdivide o sistema adquirirá, ao final do percurso, a compreensão do todo. Os números que frequentemente acompanham o nome das disciplinas nesse tipo de grade seriada (por exemplo, Direito Civil I, II, III...) atestam essa noção de um todo formado cumulativamente em etapas sucessivas e coordenadas” (GHIRARDI, 2015, p. 36).

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É importante notar, porém, que a ideia de currículo transcende a mera discussão

administrativa e científica sobre a divisão da instituição em departamentos ou cadeiras, e

destas em disciplinas e aulas. Ela não envolve apenas uma discussão sobre os objetivos do

ensino, mas também sobre o contexto em que ele se insere, a relação do ensino com a

realidade e as disputas políticas em torno da sua configuração. O currículo, por exemplo,

pode ser enfocado sob um prisma técnico, que orienta sua elaboração para a formação

eficiente de profissionais, ou sob um prisma social, político e cultural, que orienta sua

elaboração para a formação voltada aos problemas sociais (GESSER, 2002, p. 71). Em nossa

pesquisa, não enfocamos as dimensões sociais e políticas envolvidas no fenômeno curricular,

mantendo-nos adstritos à forma como os professores enxergam as disciplinas e os objetivos

da grade seriada.

Consideramos que o conhecimento curricular é um dos vários conhecimentos

manejados pelo docente para construir o objeto de ensino (SHULMAN, 1986, p. 10). Ele

pode ser de dois tipos: vertical e horizontal. O conhecimento curricular vertical envolve a

noção do professor sobre a progressão do estudante em uma determinada área do

conhecimento e a forma de encadeamento dos conteúdos, das habilidades e das

competências para dominá-lo.3 O conhecimento curricular horizontal envolve a noção do

professor sobre a relação daquele objeto de ensino com outras áreas do conhecimento que

com ele se relacionam.4

Partimos do pressuposto de que os conhecimentos curriculares vertical e horizontal

dos professores se combinam com outros conhecimentos e outras crenças que eles têm,

como sobre o conteúdo da disciplina, os métodos de ensino e até mesmo os objetivos do

ensino superior, e que essa combinação influencia como eles ensinam dentro e fora de sala

de aula – bem como suas preferências em relação à grade curricular.5 Conhecer a percepção

dos docentes sobre seu contexto no currículo da instituição, portanto, é importante por si

só, porque permite um melhor entendimento sobre a percepção deles sobre o ensino em

geral.

3 “I would expect a professional teacher to be familiar with the curriculum materials under study by his or her students in other subjects they are studying at the same time” (SHULMAN, 1986, p. 10). O autor chama esse conhecimento de lateral curriculum knowledge.4 “The vertical equivalent of that curriculum knowledge is familiarity with the topics and issues that have been and will be taught in the same subject area during the preceding and later years in school, and the materials that embody them” (Ibidem, loc. cit.).5 Ibidem, p. 9; HASHWEH, 2005, p. 282.

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Com isso em mente, criamos as seguintes perguntas de pesquisa: os docentes

consideram que a relação com outras áreas do conhecimento é importante para o ensino de

Direito Internacional? De que forma essa importância se manifesta na forma como veem seu

ensino? Como essas perguntas se aplicam às demais áreas do Direito? Como eles avaliam a

posição de suas disciplinas na grade curricular? Por quê?

No tópico 1, abordamos a percepção dos docentes de Direito Internacional sobre a

relação da disciplina com outras áreas de conhecimento e sua influência no ensino. No

tópico 2, apresentamos a mesma questão, mas aplicada à relação da disciplina com outras

áreas do próprio Direito. Finalmente, no tópico 3 mostramos a percepção dos docentes

sobre a posição da disciplina na grade curricular e como ela influencia a sua prática de

ensino.

1. A RELAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL COM OUTRAS ÁREAS DO CONHECIMENTO E DO DIREITO

9 dos 45 entrevistados mencionaram a relação com outras áreas do conhecimento

(relações internacionais, ciência política, etc.) como algo que impacta em seus cursos. Outros

9 entrevistados ressaltaram que não há essa interdisciplinaridade, destacando razões para

que isso aconteça.

Em relação ao primeiro grupo, as relações interdisciplinares foram salientadas pelos

docentes de diferentes formas. A principal delas foi a apresentação da relação com outras

áreas do conhecimento como uma necessidade que o docente impõe para a sua própria

aula.

Então sabem onde entra o aspecto econômico, que é no convencimento do argumento, enfim, onde conectar todo esse conhecimento que eles adquirem, porque a formação deles é bem ampla, eles assistem aulas em várias faculdades, de Economia, Ciências Políticas, Antropologia, e os professores também têm esse perfil, eles têm um perfil multi, interdisciplinar, então... mas eu sinto falta desse problema. Então o que eu busco é que a minha disciplina possa servir pra prática deles, na atuação em todas as áreas, com base em algum método. (Entrevista P-6)

As leituras básicas são leituras de filosofia política, filosofia do Direito, com foco no Direito Internacional. Então eu procuro verificar que tipo de contribuição essas leituras podem trazer pra análise das grandes inquietações do Direito Internacional Contemporâneo, no que diz respeito a esse tema. (Entrevista P-9)

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Então existem disciplinas que são de Direito Internacional, e que aí a gente precisa ter um espectro maior, né, porque nós vamos trabalhar com o Direito Internacional, mas também trabalhar política internacional, trabalhar relações internacionais, trabalhar esses conteúdos de poder, diplomacia política, etc., que estão muito próximos do Direito Internacional, né. Então se faz necessário uma análise mais abrangente do conteúdo, com referências inclusive mais abrangentes também (Entrevista P-37)

Embora no geral a percepção tenha sido de que o docente deve trazer a relação com

outras áreas do conhecimento para mostrar o Direito Internacional numa face mais ampla,

ela também foi apontada como vantagem competitiva para os alunos da área.

E se dá pra dar um conselho pra quem está estudando, então se tiver vontade de trabalhar com a área internacional entenda que, abre muitas possibilidades, mas também exige uma qualificação e a percepção de outras áreas além do campo estrito. Então é o que disse, um tempo atrás, um colega do tributário: “olha, para nós do tributário, é muito simples, a passagem contributiva, o fato gerador e tem cinco ou seis conhecimentos técnicos que você organiza... No Direito Internacional o corte metodológico de vocês é muito amplo, vocês falam de História, vocês falam de Filosofia, e não dá para dizer que isso está fora ou que é irrelevante me relação matéria que você tem que tratar”. [...] Então, um conselho que eu daria é esse, espia um pouquinho mais do que o simplesmente o programa da matéria fala. Porque estamos em uma área que tem um excesso de gente e você precisa se diferencia de alguma forma para ter o seu espaço ao sol. (Entrevista P-12)

O diálogo entre áreas do conhecimento raramente aparece no discurso dos docentes

como resultado de um arranjo da instituição de ensino (também será visto no cap. 2).6 Ao

contrário, parece-lhes que as condições institucionais, como o local do curso ou a falta de

espaços para a troca, contribuem para desestimular essa interação.

Eu, não me parece que seja uma questão muito comum entre os alunos assim. Eu acho que um pouco tem a ver com a questão da nossa situação espacial aqui, né, a gente é um prédio aqui no centro da cidade, o campus é localizado distante assim daqui né. Então eu acho que isso dificulta um pouco a interação dos alunos da faculdade com os outros cursos, assim. (Entrevista P-49)

Então isso obrigou os cursos a se voltarem, a abandonarem um pouco a interdisciplinaridade e voltarem pra dentro de si, e isso gerou nessa segunda fase um currículo enciclopédico, de 188 foi pra 256 créditos, e aí tinha tudo. Tudo. Tudo era obrigatório, tudo era... foi um atraso. E é o

6 Uma exceção pode ser vista na Entrevista P-36: “Como professora que tá numa instituição que tem isso, e que tem uma formação, por isso que eu acho que é legal retomar um pouco o começo da conversa, essa formação da Sociologia Jurídica e esse interesse muito concreto hoje num diálogo interdisciplinar com relação à produção na área de Relações Internacionais, eu me valho disso. Eu me valho disso pra legitimar uma série de coisas [...]”.

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currículo que está em vigor até hoje, um currículo extremamente extenso. (Entrevista P-4)

Por isso, destacamos no discurso de alguns professores como essa relação é afastada

do plano institucional – eles percebem os laços que criam como vínculos pessoais.

Aí nós temos muitos contatos com a economia, onde está a Faculdade de Relações Internacionais, eu mesma fui professora lá, os alunos vêm aqui, temos o professor [nome] que dá aula lá e aqui também na pós de Política. (Entrevista P-43)

Veja, a gente consegue ter, pelo menos eu tento de certa maneira trazer uma reflexão, não dessa disciplina nossa nos outros cursos, porque me parece que é um problema generalizado, os cursos acabam às vezes não dialogando entre si, aí quem tem que fazer a ponte é o professor, né. Como eu tenho contatos, por conta desse longo período que eu fiquei em cargos administrativos [...]. E aí o que eu tento pelo menos mostrar é o seguinte, olha: “Direito é relacionado, é inter-relacionado com A, B, C”. Nem sempre é possível trazê-los pra cá, mas eu já consegui trazer algumas vezes professor de Antropologia pra um ciclo de debates, que era uma atividade de extensão que era exigida. [...] O mais próximo de nós, meu, principalmente, é o pessoal de Ciência Política. Aí, na medida do possível, mostro aos alunos qual a inserção, inserção do Direito com isso, e tento trazê-los. Mas, de fato, trazer professor pra cá, ou, a gente vai pra lá, mas eles não vêm. (Entrevista P-47)

Por fim, há também quem culpe o próprio Direito pela dificuldade em criar esse

diálogo.

É muito complicado essa interação com os outros cursos, não é, porque a linguagem jurídica é uma linguagem já em si hermética. [...] É... Então, pros alunos dos outros cursos já é naturalmente difícil acompanhar. Direito Internacional Público, que eu também já ministrei em outras faculdades, mas ministrei aqui na faculdade também, ele tem uma linguagem técnica própria, mas muito mais aberta do que a linguagem do Direito Internacional Privado, que em si é muito hermética, não é. (Entrevista P-20)

O conhecimento curricular horizontal está mais presente na visão dos docentes sobre

as demais disciplinas de Direito. 34 dos 45 entrevistados mencionaram a influência de

alguma relação com outras disciplinas do curso jurídico na forma como ensinam. Somente 3

não enxergaram um impacto efetivo.

As entrevistas permitem verificar que esse conhecimento curricular aparece de duas

formas principais: a) as demais disciplinas fornecem conteúdos básicos a partir dos quais os

docentes constroem seus objetos de ensino; b) os objetos de ensino trabalhados pelo

docente nas disciplinas de Direito Internacional servirão para outras disciplinas – por isso,

devem ser bem trabalhados.

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Em relação ao primeiro ponto, vários docentes apresentaram em comum a ideia de

que outras disciplinas fornecem conceitos básicos necessários ao Direito Internacional.

Não, Direito Civil [é] a principal área que precisa saber... Direito Internacional Privado I, se não saber Direito Civil, principalmente a parte geral, aí o aluno chora, chora. Principais relações que temos aqui é Direito Civil, Processo Civil e Direito Constitucional, essa aí é o principal. (Entrevista P-50)

Por exemplo, quando eu vou discutir fontes, eles já viram em Teoria Geral do Direito, eles viram muita coisa que diz respeito a fontes, então, assim, eu acho que esse é um tema central de Direito, introdutório de Direito Internacional Público (Entrevista P-25)

Então é impossível hoje ensinar Direito Internacional Público sem deixar claro que quem vai aplicar eventualmente as normas, quem vai solucionar certas questões, e quem deve interessar-se é a autoridade máxima, e por isso és tão importante, e nisso é vital o Direito Internacional Privado também, obviamente, e o Direito Nacional. E por isso também que é tão importante que o Direito Constitucional, o Direito Administrativo, eu acho, e inclusive o Direito Tributário, as bases sejam firmes. (Entrevista P-44)

Assim, pelo menos à primeira vista, eu não cheguei a fazer um estudo detido sobre essa questão, mas eles já têm uma formação, introdução do estudo do Direito, já tem uma formação, um começo de Direito Constitucional, então, Ciência Política, então isso me parece adequado pra depois tratar sobre Direito Internacional Público. (Entrevista P-13)

Então o vínculo com eles realmente é extremamente gratificante. Constitucional com Civil, que aí, eventualmente a gente faz uma indagação, traz uma reflexão, traz... que é dúvida deles, eles estudaram... porque pra Direito Internacional Privado pressupõe um conhecimento de pelo menos boa parte de Direito Civil, alguma coisa substancial de Direito Constitucional, e a parte de Processo Civil. (Entrevista P-47)

Em relação ao segundo ponto, o Direito Internacional é apresentado ou como outra

maneira de enxergar o fenômeno jurídico, em contraste com todas as outras disciplinas que

enfocam o direito interno, ou como pressuposto para a compreensão de outros temas.

Quando eu começo a primeira aula de Direito Internacional que eles têm na vida, ou no 4º semestre, eu digo pros alunos: “olha, tudo o que vocês viram de Direito até agora era Direito interno, agora a gente vai começar a ver uma outra forma de funcionamento do fenômeno jurídico. No Direito Internacional a solução dada por um país é pelo menos tão boa quanto a de qualquer outro dos quase 200 estados que existem no mundo.” [...] E você precisa rever uma série de categorias que te deram como mais ou menos estáveis e certas, ou na introdução ao estudo do Direito, no Direito Constitucional, no Direito, na Teoria Geral do Estado, e em outras disciplinas. (Entrevista P-12)

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Mesmo assim, para alguns docentes esse diálogo com outras disciplinas aparece

como algo esporádico, fortuito e casual. Novamente, dificuldades para a interação entre

áreas ou mesmo dentro do Direito não decorrem apenas de condições institucionais, mas

também do próprio comportamento dos professores.

Isso. Então, às vezes, por uma coincidência, pelos professores que estão fazendo aquele rodízio, estão com a minha mesma turma naquele momento, às vezes eu assumo alguma iniciativa pontual. (Entrevista P-17)

É a própria sistemática. É porque a vida universitária, como ela é exigida, os horários inflexíveis, acabam não facilitando isso. Às vezes mesmo aqui, entre Departamentos. Veja, a gente está num Departamento e junto dele, vizinho de parede, às vezes a gente não consegue, por conta da própria sistemática. É mais a dificuldade, na verdade não é uma dificuldade instransponível, né, criando essa prática seria possível. (Entrevista P-47)

Um último ponto diz respeito à associação entre sala de aula e atividades de

extensão ou prática jurídica (grupos de pesquisa, treinamentos para simulações

internacionais, etc.). Embora 33 dos 45 professores tenham respondido no questionário que

participam dessas atividades, somente 5 professores disseram que procuram integrar os dois

momentos de ensino. Os trechos abaixo mostram como essa relação pode acontecer.

E fazer com que os alunos, além dos seminários e da discussão de casos, estejam nos grupos, grupos de estudo, legalmente ou oficialmente constituídos dentro do contexto. Então, além das minhas aulas, eu acabei o quê? Associando as disciplinas a determinados grupos de estudos que foram essenciais. (Entrevista P-40)

O que eu vislumbro a partir da reforma curricular é que sim, isso começa a mudar, é uma tendência que começa a mudar a partir da clínica de Direitos Humanos e a partir da reformulação do Núcleo de Prática Jurídica em projetos, e nessa articulação com outros professores de várias outras disciplinas, Direito do Trabalho, Direito Sindical, Direito Penal, Direito de Família, não é, e que antes trabalhavam especificamente com demandas tradicionais no Núcleo de Prática Jurídica, e que hoje, trabalhando com projetos, estão mais próximos da relação com o Direito Comparado e com as demandas do Direito Internacional, principalmente do Sistema Interamericano. (Entrevista P-18)

2. O CONHECIMENTO CURRICULAR VERTICAL DOS PROFESSORES DE DIREITO INTERNACIONAL

Além de comentarem sobre o conhecimento de outras áreas e de outras disciplinas

do Direito, os docentes também evidenciaram uma percepção sobre a relação de conteúdos

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anteriores ou posteriores de Direito Internacional. 31 dos 45 entrevistados citaram a relação

com outras disciplinas de Direito Internacional.

No tocante à relação de conteúdos anteriores com sua disciplina, a ideia de que os

alunos devem ganhar uma noção básica antes para que possam aprender com os

professores apareceu recorrentemente na fala deles.

Na faculdade, o Direito Internacional 1 e 2 não é requisito pra você fazer outras matérias. Não é, tá? Você pode escolher qualquer matéria, Direito do Comércio Internacional, Direito Internacional do Trabalho, sem fazer o Direito Internacional Público. Mas eu acho que é importante, né, você ter noções básicas de Direito Internacional Público antes de fazer outras matérias. Como é que você vai entender, como é que você vai fazer, por exemplo, a matéria Organizações Internacionais, querendo entender o funcionamento da ONU, da OIT, da OMC, etc., sem ter um conhecimento básico de Direito Internacional Público, né? (Entrevista P-11)

Então eu acho que não é por acaso que se começa com Internacional Público para depois você abrir um leque de mais algumas disciplinas obrigatórias de Internacional, e outras optativas. Acho que o encadeamento faz sentido porque começa com os conceitos de base que depois outras áreas retomam (Entrevista P-12)

Essa percepção foi mais ou menos detalhada. Alguns professores chegaram a

mencionar como viam a influência desses conteúdos básicos anteriores nos momentos

posteriores do curso.

É, eu digo sempre para os alunos: “por que se começa com o Direito Internacional Público? Para situar conceitos como tratado, normas cogentes de Direito Internacional, a questão de relação entre Direito Interno e Direito Internacional”, que depois vão ser retomadas quando eles tiverem a disciplina de Direito Internacional Privado, quando eles tiverem Direito do Comércio Internacional, OMC, e outros campos, eles vão precisar de tratados, eles vão precisar de regras de interpretação, eles vão precisar de mecanismos de controle de validade, então de entrada em vigor, de interpretação, publicação, denúncia de tratado. (Entrevista P-12)

Para alguns, essa base é pressuposta para os alunos com que lidam, de modo que

eles não se preocupam em retomá-la. Isso lhes permite, por exemplo, tratar de temas mais

avançados em disciplinas optativas, nas quais pressupõem que os estudantes têm interesse,

motivação e base teórica para um modelo diferente de ensino.

Estão envolvidos com a matéria do Direito Internacional, então pra que eles não façam essa divisão, e por isso eu acho muito interessante a disciplina do Direito Internacional ser lecionada nos últimos semestres, porque eles possuem já uma compreensão, eu não volto em nenhum conceito, todos os alunos já têm (Entrevista P-6)

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Quem não tem uma base boa não forma. Por isso que eu divido os do RI nos grupos de Direito (Entrevista P-15)

E as optativas [eles] têm que ter tido, previamente ele tem que ter cursado essas disciplinas obrigatórias porque ele já chega na optativa com um conteúdo mínimo de Direito Internacional, porque não vai ser repetido, assim, que é necessário pra que ele possa compreender a proposta da disciplina. (Entrevista P-37)

Para outros, há a necessidade de revisar o conteúdo, principalmente em razão do

conhecimento de como na prática se dá o aprendizado da base necessária para a disciplina –

aulas em outras unidades, professores que não lecionam corretamente, etc.

Mas do jeito que eu dou os alunos falam: “professor, isso devia ser dado logo no 2º, 3º período”. “Por quê?”. “Porque o senhor dá um apanhado geral de Teoria. O senhor dá Teoria Geral do Estado, correlaciona com Direito e correlaciona com Relações Internacionais”. Tanto que falo de clássicos, Bodin, Hobbes, eu dou a base nisso aí. Pra maioria que chega agora é uma revisão. Mas eles falam: “professor, se isso fosse dado no início o senhor teria alunos muito mais, com uma base, uma fundamentação teórica muito melhor do que como tá sendo hoje”. (Entrevista P-50)

E eu só faço um check pra ver se o cara aprendeu ou não. Se aquela turma, sei lá, não teve uma matéria, o professor não teve tempo, não sei, bom, aí sim eu dou a matéria, eu preencho aquele vazio, né. (Entrevista P-43)

Os professores também mencionam sua visão do currículo posterior à disciplina que

lecionam como um fator que influencia o que ensinam e como ensinam.

Como essa disciplina é a primeira base, então não tem muito como fugir de fontes, tem que tratar de fontes, e tem que tratar dos sujeitos e atores. É só isso que a gente consegue inserir. (Entrevista P-6)

Por exemplo, em introdução, na matéria da disciplina mais introdutória, são temas que eu considero que são assim os mais importantes para o aluno em termos de Direito Internacional. (Entrevista P-25)

É, nas disciplinas de graduação você tem um programa que é... você não pode deixar um aluno fazer Direito Internacional Público I e não ter aulas sobre tratados e as fontes do Direito Internacional, e sobre o sujeito de Direito Internacional. (Entrevista P-12)

É importante notar que manifestações neste sentido geralmente demonstram uma

escolha por reduzir a complexidade da discussão e dar os conteúdos que eles julgam

essenciais aos alunos, sem os quais não poderão seguir com uma boa base no curso.

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Se é uma disciplina obrigatória ela é fundamental, principalmente se ela traduzir o Direito Internacional Público, a disciplina do Direito Internacional Público, porque a partir dali ele vai ter o primeiro contato com questões bê-á-bá do Direito Internacional, que em outras disciplinas você não vai repetir, né. (Entrevista P-37)

A falta de cooperação entre os professores e problemas institucionais são apontados

como fatores que, na visão dos docentes, contribuem para uma falta de integração maior no

ensino do Direito Internacional.7 A falta de um departamento específico não é vista, por

exemplo, como uma oportunidade de troca de experiências com outras áreas, mas como

uma dificuldade para a integração entre os professores.

Eu posso falar em termos de Direito Internacional, que assim, eu tento conversar com os professores que ministram, embora não exista, realmente não tenha uma conversa institucionalizada, aqui a gente não tem Departamento. (Entrevista P-5)

Eu acho que o ideal até seria que os professores, eventualmente, sentassem pra discutir o conteúdo, até pra gente poder fazer algumas ligações, mas isso não acontece. Pelo menos na [nome da instituição] não acontece. Eu acho que no mundo ideal a gente sentaria até pra discutir conteúdo, pra gente tentar até harmonizar, até um ajudar no conteúdo do outro, mas isso não acontece. Cada um tem o seu programa, e cada um dá a sua disciplina e segue em frente. (Entrevista P-16)8

O trecho abaixo revela o receio de que um mecanismo de coordenação entre os

vários professores seja visto como uma “heresia” – contrário, no caso, à liberdade de

cátedra, relacionada com a noção de que o professor sabe o conteúdo e como ele se articula

com os demais, então não pode ser controlado.

Não, eu acho que, no geral, na nossa grade e no nosso sistema poderia haver uma interação maior, sabe. Eu acho que o ideal seria ter interação, vai parecer que eu vou falar uma heresia, mas, enfim, vou dizer o que eu acho, nos bons colégios de ensino médio os professores fazem Conselho de Classe, você tanto analisa a turma, performance da turma, quanto isso

7 O problema é semelhante ao exposto no cap. 1. A questão também foi apontada sob o viés positivo, isto é, mostrando que a existência de um departamento contribui para a coletividade: “é sempre um trabalho coletivo e acho que é justamente esse o sentido de um Departamento de Direito Internacional, nós fazemos de uma maneira coordenada” (Entrevista P-12).8 Na mesma entrevista, foi perceptível a frustração da docente com a falta de um momento contínuo e periódico de trocas: “Olha, tem pontos comuns, tem pontos não comuns, mas a gente até, eu já tentei, fiz algumas poucas reuniões juntando os professores de Internacional Privado e Público da [nome da instituição], e a gente chamou também professores da [nome de outra instituição] que tinham sido egressos da nossa pós-graduação. Então a gente fez assim talvez umas 10 reuniões, sem muita continuidade e periodicidades, mas já discutimos. Aí teve um caso importante decidido pela Corte Internacional de Justiça da Haia, aí eu convoquei todo mundo pra gente fazer uma reunião pra gente conversar sobre o assunto, nós, professores. E aí fizemos isso. A questão, por exemplo, o conflito entre fontes, né, essa questão dos tratados de Direitos Humanos, a gente já fez algumas reuniões pra discutir isso. Então assim... mas, lamentavelmente, sem muita periodicidade ou continuidade” (Entrevista P-16).

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permite uma integração programática. Em universidade, pelo menos na minha, não se faz isso. Então você mal, o professor mal sabe o que é que os outros estão ministrando. Podemos até pedir cópia dos programas oficiais pra ler e comparar, mas eu acho que poderia haver mais integração. (Entrevista P-17)

Nenhuma das perguntas de entrevista ou de questionário induzia os professores a

classificarem suas disciplinas entre Direito Internacional Público e Direito Internacional

Privado. Contudo, 28 entrevistados se referiram à divisão em suas falas. O conjunto de

incidências revela um locus compartilhado de definição de objeto de ensino, conteúdo e

formas de abordagem.

Dos entrevistados, 20 fizeram referência à classificação sem se opor ou reforçando

suas diferenças. Oito se declararam contra a divisão ou puseram em questionamento a

utilidade dessa separação. Dentre os que se opuseram à separação, há os que enxergam o

direito internacional como um só, o que justificaria o estudo como uma única disciplina:

Não faço essa dicotomia entre Direito Internacional Público e Privado, eu contemplo o Direito Internacional na sua globalidade, considerando não só as relações interestatais como as relações entre estados e pessoas privadas, ou estados e organizações internacionais, ou pessoas privadas de nacionalidade diferente. Que eu entendo que o Direito Internacional está passando por esse processo de mutação. (Entrevista P-52)

Essa divisão entre Público e Privado então é uma divisão complexa, que não precisava existir. Existe um Direito Internacional. Se ele tem um cunho dos estados entre si ou se ele tem as proteções dos estados nacionais aos seus cidadãos nacionais, natos, naturalizados, isso é uma questão de mera diferenciação entre conteúdos que não precisava ter. Eu inclusive defenderia a necessidade de formação de um Direito Internacional que não tivesse essa divisão senão por ramos dele próprio, mas não necessariamente uma subdivisão que assim se estabelecesse. (Entrevista P-27)

Outros docentes defenderam a separação entre Direito Internacional Público e

Direito Internacional Privado, ainda que vissem uma comunicação em maior ou menor grau

entre as disciplinas:

Eu acho que a gente tem uma coisa muito polarizada aqui no Brasil que é o Internacional Público e o Internacional Privado, e essas duas, esses dois não conversam, sabe? E eu acho que uma agenda, a agenda inovadora e que eu sempre tento seguir, na medida do possível, é mostrar que o Direito Internacional é um só e que a gente pode abordá-lo tanto no viés Privado quanto Público, né. (Entrevista P-41)

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Os diferentes relatos, tanto sobre a relação das disciplinas na progressão do curso,

como sobre a divisão entre Direito Público e Direito Privado, revelam diferentes

conhecimentos curriculares verticais que aparecem com muito mais vigor na discussão sobre

a posição do Direito Internacional na grade curricular dos cursos jurídicos.

3. PERCEPÇÕES SOBRE A POSIÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL NA GRADE CURRICULAR

Neste tópico, enfocamos uma discussão mais técnica sobre a composição da grade

curricular. Perguntamos aos docentes se eles consideravam o período da disciplina que

lecionavam como o seu período ideal. Obtivemos quatro tipos de respostas (com ou sem

críticas às demais): a) para um primeiro grupo, a posição ideal do Direito Internacional é no

início para o meio do curso (1º ao 4º período); b) para um segundo grupo, a posição ideal é

no meio para o final do curso (5º a 8º períodos); c) para um terceiro grupo, a posição ideal é

no final do curso (9º ao 10º ou 11º período); d) para um quarto grupo, a posição ideal é

avaliada de acordo com outras disciplinas anteriores, podendo ser no início, no meio e/ou no

fim.

8 dos 45 entrevistados manifestaram preferência por situar alguma de suas

disciplinas no 1º ou no 2º ano.9

Isso faz diferença, se ele é ministrado no 1º ano ou no último ano. Porque o que a gente tem como depoimento é que uma boa parte das disciplinas de Direito Internacional é ministrado no último semestre da graduação. Ou seja, se pro meu aluno na [nome da instituição] que tá no 3º ano e tá indo pro mercado como estagiário, o Direito Internacional Econômico já não é tão interessante, você imagina pro aluno no 5º ano, né, que vai ter contato com uma disciplina completamente desconexa, né. (Entrevista P-36)

Para justificar suas avaliações, apontaram dois aspectos principais. Em primeiro lugar,

o benefício que isso pode trazer para a compreensão do fenômeno jurídico ou para a

atração de talentos para a área.

Olha, eu não sei, eu não tenho opinião formada, uma opinião firme sobre o assunto, mas acho que talvez seja até interessante nos primeiros anos,

9 4 entrevistados criticaram explicitamente essa opção. O trecho a seguir representa os demais, ao associar tanto o amadurecimento dos alunos, como a ideia de pré-requisitos: “existem graduações em que ela está no início do curso, 2º, 3º período, o que é contraproducente, porque eu não tenho, não se tem alunos amadurecidos talvez para essa ótica do Direito Internacional, e a Lei de Introdução, por exemplo, ela é uma lei que precisa ser melhor compreendida depois de um certo percurso de disciplinas como Direito Civil, né, o Direito Constitucional, o Direito Internacional Público, entendeu?” (Entrevista P-34).

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porque senão a pessoa fica muito condicionada ao Direito interno, não é, a pessoa fica muito condicionada ao Direito interno e acha que o Direito se resume ao Ordenamento Jurídico Nacional: Direito Civil Brasileiro, Direito Constitucional Brasileiro, Direito Tributário Brasileiro, Direito do Processo Civil Brasileiro. (Entrevista P-13)

E no 4º período você teria uma capacidade maior de desenvolver aptidão acadêmica do aluno. Porque no 9º, 10º, o aluno, eu nunca teria um pesquisador, entendeu? Porque já estão formando. Eles só conheceriam o [nome do professor] já no final do curso. No quarto período não, eles já conhecem, e aí você já pode aguçar a percepção do aluno pra essa área, e aí ele teria interesse em desenvolver uma pesquisa, mesmo com iniciação científica, ou não, um grupo de estudos. (Entrevista P-39)

Então essa supra legalidade, na formação do estudante, já no 2º ano é importante, pra que ele entenda como, qual é a relação existente entre as normas, constituição, norma infraconstitucional, e Direito Internacional. E mais precisamente Direito Internacional convencional. E ao meu ver eu não mudaria, eu não colocaria Direito Internacional no final, por exemplo. Porque o aluno geralmente ele já chega com um certo preconceito, porque o Direito Internacional basicamente pelo que é relatado pela mídia é um direito que é eminentemente produto de relações de força entre potências, e que por isso perde uma certa credibilidade e legitimidade. (Entrevista P-52)

Em segundo lugar, a maior abertura e o maior interesse dos alunos para a matéria,

seja por não estarem com uma visão viciada, seja por não terem escolhido uma área de

atuação ainda, seja por não estarem ocupados com tarefas extracurriculares

Direito Internacional hoje está no 9º semestre, porém isso vai mudar porque nós estamos pra implementar, já tá na análise nos órgãos superiores da universidade um novo projeto pedagógico, e o Direito Internacional vai pro 6º período. Que vai melhorar. Eu sou adepto da ideia de que Direito Internacional deve ser visto no começo do curso. Por quê?Por quê? Porque, na verdade, como é um Direito, justamente por conta do que eu falei pra você anteriormente, a percepção do jurista, a mentalidade, na forma de pensar do jurista, ela é tão enviesada em relação ao Direito Internacional, que se você ministra aula de Direito Internacional pra um aluno no final do semestre, vai ser muito difícil você fazê-lo pensar que o Direito Internacional pode, de algum modo, ser encarado como Direito. (Entrevista P-5)

A primeira, porque inicialmente o Direito Internacional Privado I e II eram dados no 9 e 10º períodos da faculdade, só no final. Isso era muito ruim porque os alunos já estavam trabalhando com monografia, estágio. Então a primeira mudança que a gente fez, e isso já deve ter uns 15 anos, foi passar a DIP I para o 3º período, que aí os alunos ainda estão mais abertos, interessados, e aí a gente conseguiu captar muita gente. Assim, eu passei a ter vários bolsistas de iniciação científica por isso, por essa mudança. (Entrevista P-16)

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Mas não que a disciplina obrigatória de Direito Internacional Público esteja alocada no 5º ano. Não está. Com a mudança ela foi para o 2º ano, eu não lembro se estava no 5º ano ou se estava no 4º, mas com a mudança foi pro 2º ano, que eu particularmente acho ótimo. O aluno tá chegando, tá ávido por tudo e o Direito Internacional propicia justamente essa curiosidade sobre o planeta que a gente habita, isso é muito legal. (Entrevista P-18)

O segundo grupo de professores (12 dos 45 entrevistados) se manifestou

favoravelmente às disciplinas no 3º ou no 4º ano.

Isso, lá pro final do curso, me parece um erro também. Acho que ela devia ter ficado mais ou menos nessa faixa entre o 5º e 6º semestre. (Entrevista P-49)

Assim como os professores do primeiro grupo, eles se preocupam com a abertura

dos alunos para o Direito Internacional, mas acreditam que a “sintonia fina” depende de

conhecimentos prévios que trazem suas disciplinas para o meio do curso.

Foi muito bom esse movimento de antecipação, porque permitiu... talvez tenha até antecipado um pouco demais, porque ele foi pro 3º período, talvez o ideal teria sido ficar no 5º. Mas esse é um ajuste fino, né, que com o tempo talvez possa até ser feito. Mas isso dá a oportunidade do aluno conhecer o Direito Internacional no início do curso, e nós podemos recrutar talentos. Recrutar talentos, alunos que se interessem pelo Direito Internacional e possam ao longo do curso fazer disciplinas eletivas, se aprofundar, participar dessas iniciativas. Mas por que exatamente o 5º? O que a senhora acha que tem no 5º...?Não, pra ser um pouquinho adiante, nada científico. Apenas porque no 5º eles já terão dado outras disciplinas que às vezes são importantes, não exatamente pré-requisitos, mas pra permitir uma compreensão melhor. Porque o primeiro ano ainda o pessoal está muito perdido, às vezes estão ainda em ritmo de festa, conseguimos entrar na [nome da instituição]. (Entrevista P-17)

Bom, a gente acaba tendo que entrar um pouco, claro, não é a minha especialidade, mas entrar um pouco numa outra disciplina pra poder depois dar o Direito Internacional Público. Então eu acho que se fosse, que atualmente é no 3º e no 4º período, eu acho que se fosse 5º e 6º já era bem melhor. Mas eu acho que todos os professores querem isso, porque quanto mais o aluno tem bagagem, melhor pra ele dar aula porque ele não precisa dos fundamentos das outras disciplinas. (Entrevista P-21)

O terceiro grupo de professores (7 dos 45 entrevistados) se manifestou

favoravelmente às disciplinas no 5º ano.10

10 Por outro lado, outros 7 professores fizeram críticas a esse posicionamento. Basicamente, os entrevistados salientaram problemas de concorrência com outras atividades e os preconceitos dos alunos em relação ao Direito Internacional, como explicita o seguinte trecho: “Se ele é ministrado no fim do curso o aluno tá

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Eu acho que agora ficou bom. Porque, bom, ela passou a ser obrigatória, eu tenho a impressão que ela vai ser 9º obrigatória, que eu acho que a disciplina Internacional Privado I será 8º, a minha será 9º. Então tem o 10º e 11º exatamente como eletivas. Aí fica bom porque realmente ela coroa, ele é o final de todo o curso. Você começa com Introdução, com aquelas noções do que é Direito, pra que é que serve o Direito, e estuda toda a sistemática do Direito, todos os problemas de Direito, e no final vai ver, aquilo que eu estudei, quando houver um problema... (Entrevista P-47)

Para este grupo, a necessidade de conhecimentos prévios, inclusive para aplicar

atividades mais complexas, é o principal critério de avaliação da posição da disciplina.

Então o que eu avalio é que hoje, lecionando no 8º semestre, 8º e 9º semestre, eu posso explorar mais, eu posso partir de um conhecimento já adquirido de diversas áreas, e que eu não preciso voltar quando eu vou falar de internacionalização de um tratado, vários momentos eu preciso falar de algo do Direito Constitucional, eu preciso falar algo em diversas áreas. (Entrevista P-6)

Eu até brinco com eles às vezes, quando eu pergunto alguma coisa e eles não me respondem eu falo: “não, para aí, que período vocês estão mesmo? Ah, no 9º. Então vocês já sabem, né”. Então eles já têm, teoricamente eles já têm essa possibilidade de fazer, vamos dizer assim, né, um estudo mais interdisciplinar mesmo, né, eles conseguem. Conseguem. (Entrevista P-38)

Tem que ser no 5º mesmo porque ele exige que a pessoa tenha uma base, um background muito grande. [...] O background, veja que o estudante precisa ter um background grande pra trabalhar com essa disciplina. Ele tem que saber de contrato, de organização, ele tem que saber Direito Interno, ele tem que saber de princípios do Direito, ele tem que entender, por exemplo, um pouco de Direito Civil, então ele tem que ter um background grande. Então tem que ser realmente no 5º ano, não pode ser no 3º ano, no 2º. Não dá, certo? Então é uma disciplina realmente do 5º ano. (Entrevista P-15)

Isso não impede que esses professores levantem as mesmas dificuldades dos

demais.11

E a desvantagem, eu falei pra você a vantagem de dar aula no 8º semestre, que é que os alunos eu posso exigir mais, porque os alunos têm maior conhecimento já do Direito. Mas a desvantagem é que eles já não estão mais nem aí pra faculdade. (Entrevista P-6)

interessado na conclusão do curso, no exame de Ordem, no trabalho de conclusão de curso, e em outras coisas, na formatura, etc. e tal. É mais difícil trabalhar. Então a tendência dos professores de 5º ano é trabalhar com o Direito Internacional cobrado nos concursos. Não que isso seja a melhor forma de trabalhar, mas aí você muda o foco.” (Entrevista P-27).11 Sobre a questão das dificuldades no ensino do Direito Internacional, é possível encontrar mais detalhes no paper Desafios dos professores de Direito Internacional.

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Porque a disciplina é de 5º ano, estão se formando. Então por isso que eu falo, às vezes muita gente não está muito interessada porque é o último semestre, o último ano, a de Contrato. (Entrevista P-15)

O quarto grupo de professores (5 dos 45 entrevistados) se manifestou

favoravelmente à existência de uma série de disciplinas, conferindo importância à sequência

de conhecimentos, mas sem mencionar um período ideal. O exemplo mais explícito é

identificado pelo seguinte trecho da Entrevista P-20, que indica um docente que toma como

principal critério a sequência, e não o semestre das disciplinas.

Direito Internacional Privado, aspectos pessoais, entra no 8º semestre... perdão, no 7º semestre, porque toda a parte patrimonial do Direito Civil já se encerrou, com exceção de regime de bens, com exceção dos aspectos de sucessões, mas, que são, mas o ponto de regime de bens, por exemplo, eu deixo para dar no final do semestre, quando eles já estudaram Direito de Família, e o ponto de sucessões eu falo ali o que é necessário, digo olha, tomo um pouco mais de cuidado. E a parte pessoal aparecer no 9º semestre também é adequado porque é o semestre que convinha ao Departamento, posterior ao término das aulas do Direito de Família, poderia estar no 8º, mas no 8º normalmente os professores que se dedicam ao Direito Internacional Privado estão no 6º dando a parte especial e a parte geral, então também por uma questão também de organização. E os aspectos processuais também no 9º semestre, está adequado porque toda a parte obrigatória do Direito Processual Civil e do Direito Processual Penal já se encerrou (Entrevista 20)

Alguns entrevistados relativizaram as posições ideais segundo a disciplina indicada.

Um mesmo professor, então, manifestou-se favoravelmente a uma posição numa disciplina,

e a outra posição noutra. O exemplo mais representativo é o da Entrevista P-25.

No 4º período eu acho que os alunos ainda estão descobrindo o curso de Direito e há maior abertura [para a disciplina de Direito Internacional Público]. (Entrevista P-25)

Aqui o Direito Internacional Privado ele está, ele estava no 10º e agora, nessa grade atual, nessa matriz atual, pra usar o termo pedagógico da moda, está no 9º período. Eu acho mais adequado do que o 10º, mas acho que se estivesse antes ainda seria melhor. Não dá, no caso do Direito Internacional, pra ser muito antes, porque você precisa ainda mais de outros temas de outras disciplinas, como o caso de Direito Civil, Processo Civil, né, então eu admito que não dá pra ser no 5º período, mas se fosse talvez no 8º ou no 7º você teria um ambiente um pouco melhor pra trabalhar. (Entrevista P-25)

Outro docente (Entrevista P-50) levou em consideração não apenas a diferença das

disciplinas, mas também o que sabia do histórico dos alunos na instituição.

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Internacional Privado tá no período certo. No papel tá no período certo. Por quê? Porque é uma disciplina que exige pré-requisitos. Esse período seria...? 8º, indo pro novo PPP é o 9º. Tá.É o período certo, por quê? Porque o aluno já tem uma base, pressupõem-se que o aluno tem uma bagagem já do Direito internacional nas diferentes áreas, especialmente Processo de Direito Civil. E agora tá preparado para ter uma visão além. Agora na prática, na prática a minha disciplina deveria ser dada no 6º período, no 5º período. Logo depois que o pessoal fez Direito Civil I, Processo I. Por que aí, como eu dou aula fazendo a revisão daquilo que é necessário, aí eu já sei que o aluno tem buraco, não pressuponho que ele tem bagagem, e aí eu já vou lá e tento remediar aquela situação nos limites que for possível. Mas isso aí seria a minha prática aqui. Na teoria tá no momento certo. (Entrevista P-50)

4. SÍNTESE CONCLUSIVA

Este paper apresentou as percepções de docentes de Direito Internacional sobre a

posição institucional e curricular da disciplina nas instituições de ensino em que atuam.

Enfocamos especialmente a ideia de conhecimento curricular e os aspectos técnicos da

grade curricular, que, segundo os próprios professores, influenciam sua prática de ensino.12

Em relação ao chamado conhecimento curricular horizontal (ou lateral), que consiste

no conhecimento que o professor tem sobre os materiais, os problemas e as respostas de

outras áreas que dialogam com a sua, foi possível observar que uma pequena parte dos

docentes mencionou como se apropriava dessas questões em sala de aula. Essa percepção

foi menos sentida na relação das disciplinas com outras áreas do próprio Direito, seja porque

os professores compreendiam a importância delas para a sua disciplina, seja porque

entendiam a importância da sua atuação para o aprendizado de outros conteúdos.

Em relação ao conhecimento curricular vertical, que consiste no conhecimento que o

professor tem sobre os materiais, os problemas e as respostas que precedem ou sucedem a

sua disciplina na mesma área (Direito Internacional), observamos uma forte inclinação pela

ideia de que disciplinas introdutórias dão conceitos básicos que devem ser aproveitados e

desenvolvidos em disciplinas mais avançadas, geralmente optativas. Por isso, os docentes

não apenas selecionam temas que consideram fundantes da área ao ministrarem essas

disciplinas introdutórias, como procuram reduzir a complexidade da discussão e dos

12 Sobre a prática de ensino e como isso pode influenciar, cf. o paper Percepções de docentes de Direito Internacional sobre métodos de ensino e de avaliação.

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métodos. Ao contrário, quando estão em disciplinas mais avançadas, presumem que os

alunos já possuem esse conhecimento e apresentam tópicos polêmicos ou diferentes.

Em relação à grade curricular, foi possível agrupar os professores em quatro grupos,

conforme defendessem uma ou outra posição ideal para suas disciplinas. É importante notar

que algumas dificuldades do Direito Internacional em si também contribuem para esse juízo,

principalmente a visão de que nos anos finais do curso os docentes são incapazes de atrair

alunos para a área, competir com outras disciplinas mais atraentes para o mercado

profissional ou rivalizar com atividades (TCC ou OAB) que não conferem tanto destaque ao

Direito Internacional.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GESSER, Verônica. A evolução histórica do currículo: dos primórdios à atualidade. Contrapontos, ano 2, n. 4, Itajaí, jan./abr. 2002, p. 69-81.

GHIRARDI, José Garcez. Ainda precisamos da sala de aula? Inovação tecnológica, metodologias de ensino e desenho institucional nas faculdades de Direito. São Paulo: FGV Direito SP, 2015. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/14221?show=full. Acesso em: 13 mai. 2016.

HASHWEH, Maher Z. Teacher pedagogical constructions: a reconfiguration of pedagogical content knowledge. Teachers and Teaching: theory and practice, v. 11, n. 3, jun. 2005, pp. 273-292.

SHULMAN, Lee S. Those Who Understand: Knowledge Growth in Teaching. Educational Researcher, v. 15, n. 2 (fev. 1986), p. 4-14.