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1 Literatura Brasileira de Expressão Alemã www.martiusstaden.org.br PROJETO DE PESQUISA COLETIVA Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa WOLFGANG AMMON 1869-1938 (Ingrid Ani Assmann) 2015 Resumos Comentados Sumário 1. Panorama............................................................................. p. 2 2. O desnudamento do processo imigratório no conto Familie Rottorff im Urwalde de Wolfgang Ammon................................................ p. 10 3. A literatura teuto-brasileira: uma literatura de contestado e contestação? ...................................................................... p. 23 4. A esperança do imigrante..................................................... p. 29 5. A imagem do negro e do índio na obra ammoniana.................. p. 45 6. Notas sobre uma experiência de tradução: Hansel Glückspilz de Wolfgang Ammon................................................................ p. 53 7. Reflexões sobre a tradução do romance Hansel Glückspilz de Wolfgang Ammon (1869 - 1938)........................................... p. 60

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Literatura Brasileira de Expressão Alemã www.martiusstaden.org.br

PROJETO DE PESQUISA COLETIVA Coordenação geral: Celeste Ribeiro de Sousa

WOLFGANG AMMON

1869-1938

(Ingrid Ani Assmann) 2015

Resumos Comentados

Sumário

1. Panorama............................................................................. p. 2

2. O desnudamento do processo imigratório no conto Familie Rottorff im

Urwalde de Wolfgang Ammon................................................ p. 10

3. A literatura teuto-brasileira: uma literatura de contestado e contestação? ...................................................................... p. 23

4. A esperança do imigrante..................................................... p. 29

5. A imagem do negro e do índio na obra ammoniana.................. p. 45

6. Notas sobre uma experiência de tradução: Hansel Glückspilz de

Wolfgang Ammon................................................................ p. 53

7. Reflexões sobre a tradução do romance Hansel Glückspilz de

Wolfgang Ammon (1869 - 1938)........................................... p. 60

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1.

Panorama

Ingrid Ani Assmann

Após um levantamento bibliográfico do autor teuto-brasileiro

Wolfgang Ammon, pudemos verificar que sua obra é relativamente

numerosa e diversificada, apresentando textos literários e não-

literários.

Conseguimos grande parte de sua obra através do Arquivo de

Imigração Alemã do Instituto Martius-Staden. Outra parte adquirimos

através de um intenso trabalho de correspondência com bibliotecas

dos Sul do Brasil, com parentes distantes do autor como Donaldo

Ritzmann, de S. Bento do Sul, SC, e com um de seus críticos, Hans

Ternes, que presta serviços junto à Universidade Lawrence em

Appleton,Wisconsin, nos Estados Unidos. Muitos textos de Ammon

não foram publicados. Conseguimos cópias xerografadas de alguns e,

de outros, apenas referência bibliográfica.

Num primeiro contato com a obra de Ammon, verificamos que

ela se encontra, em grande maioria, escrita no antigo gótico alemão,

oferecendo, portanto, dificuldades para a leitura.

O grande número de trabalhos publicados e a cuidadosa escolha

dos títulos, particularmente de seus artigos, revelam a preocupação

do autor com os aspectos culturais e étnicos dos imigrantes alemães

e seus descendentes no Brasil.

Assim, por exemplo, em Seelische Konflikte (Conflitos

espirituais), Ammon leva o leitor a debater intimamente a questão da

própria nacionalidade: “O que sou realmente? Alemão ou Brasileiro?

Em Amboss oder Hammer (Ser bigorna ou martelo), o autor diz

que é dada, ao indivíduo, a escolha de participar, de escrever e de ter

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voz ativa na vida política e social do seu município ou estado através

do título de eleitor.

Já em Ein Gebot der Selbsterhaltung (Um mandamento para a

conservação da própria existência), Ammon demonstra que esta

conservação existe na medida em que as pessoas se unem para

defender um ideal comum.

Em Wege zu besserem Vertändnis (Caminhos para uma melhor

compreensão), Ammon reivindica essa “melhor compreensão” entre a

Alemanha e o Brasil devido ao problema das escolas alemãs estarem

“impedidas por decretos imprudentes ou pelo fechamento parcial

delas”.

Em sua longa e difícil luta, Ammon emprega, em Unsere

Heimat... unsere Zukunft (Nossa pátria.. nosso futuro), o discurso

mais acertado para convencer os brasileiros de ascendência alemã do

seu dever de fidelidade à pátria por uma “questão de solo”, e do

cuidado devido à cultura dos seus antepassados por uma “questão de

sangue”.

A característica ammoniana defendendo a cultura alemã ao lado

da cultura brasileira, incentivando a troca de conhecimentos entre

elas para o enriquecimento mútuo, transparece não apenas nos

artigos jornalísticos como nas narrativas de maneira geral.

Paralelamente ao trabalho jornalístico, Ammon colabora, de

modo intenso e eficaz, publicando textos literários nos anuários

teuto-brasileiros já mencionados.

Além dessas publicações em anuários e jornais, alguns de seus

textos são divulgados em forma de livro.

O primeiro livro de Ammon, Hansel Glückspilz (Joãozinho

Felizardo), de 1926, é considerado como a primeira publicação

destinada a jovens no campo da literatura teuto-brasileira. Nessa

obra o objetivo visado pelo autor é apresentar o Brasil às crianças de

ascendência germânica. Tal meta é atingida na medida em que

descreve as belezas e as singularidades da paisagem brasileira, em

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diversos cenários, correlacionadas com as aventuras e peripécias do

protagonista.

A narrativa Tertianers Irrfahrten in Brasilien (Os desenganos de

um adolescente no Brasil), também pertence ao campo da literatura

juvenil. Foi concluída dois meses antes do falecimento do autor e, por

isso, não foi publicada.

O segundo livro que Ammon publica, Die ersten Jahre als

Kolonist (Os primeiros anos como colono), surge no palco da

literatura teuto-brasileira em 1927. É uma coletânea, composta de

textos de diferentes gêneros, com linguagem clara e fluente,

apresentando relatos verídicos e fiéis da vida do teuto-brasileiro, do

imigrante lavrador, do industrial e do comerciante. São textos que se

adaptam ao ambiente brasileiro e à comunidade de leitores.

Para comemorar os cinquenta anos da cidade de São Bento

(SC), Ammon escreve a Chronik von São Bento (Crônica de São

Bento), publicada em 1923. Revela aí seu domínio também no campo

da representação histórica e científica. A obra foi publicada em

alemão e português simultaneamente e a tradução portuguesa ficou a

cargo de Elly Herkenhoff (1906-2004).

O gênero lírico, também presente na obra de Ammon, será

comentado aqui rapidamente em dois poemas: “Lust und Leid” e

“Hochlandstimmung”.

A poesia de Wolfgang Ammon exprime, além do tema da

emigração com toda a gama de sentimentos que desperta, temas de

natureza mais universal. É o que percebemos no poema abaixo:

Lust und Leid Prazer e Pesar

Unbewusst oder bewusst: Inconsciente ou conscientemente

Lebt es in jeder Brust Vive em cada peito

Das Sehnen nach Lust... O desejo ansioso do prazer...

Aber nicht allzuweit Mas não muito distante

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Immer da sprungbereit Sempre ali, pronta para o salto

Lauert das leid. Espreita a dor.1

Este poema, curto, desenvolve preliminarmente o tema

proposto pelo título em que se contrapõe, “Lust” e “Leid”. Porém,

consciente ou inconscientemente cada ser humano procura “Lust”

(prazer), mas parece que independe de sua vontade o aparecimento

da dor, do pesar “Leid). Percebemos, nessa contradição, o tratamento

“universal” que o autor confere ao comportamento humano.

O tempo verbal predominante no poema é o presente (lebt,

lauert), e “o presente é o tempo gramatical por excelência da lírica”,

segundo Emil Staiger em Conceitos Fundamentais de Poética. Tira

das ações verbais sua temporalidade, como se houvesse um

mergulho no eterno onde as ações permanecessem inalteráveis com

o fluir do tempo.

Ao final de uma “leitura de leitor”, daquele tipo de leitura que

Dámaso Alonso em Poesia Espanhola - Ensaio de Métodos e Limites

Estilísticos, afirma ser o primeiro conhecimento da obra poética e

cuja característica principal é a intuição globalizadora, fica-nos no

espírito como que uma ressonância suave das palavras Lust /

bewusst / Brust. Esta sonoridade, que resulta da sibilante, é

bruscamente interrompida pela adversativa “Aber” e reforçada pelas

palavras Allzuweit / sprungbereit / Leid.

O gênero lírico é compartilhado pelos que se encontram na

mesma “disposição anímica” (expressão de Emil Steiger),

identificando o imigrante escritor e o imigrante leitor. Aqui, a saudade

da Alemanha distante e o apego ao solo brasileiro expressam o

sentimento dualista que está presente em cada imigrante. Ammon

revela esse dualismo no seguinte poema:

1 Trad. Ingrid Assmann. Tradução literal para que o leitor possa acompanhar a análise mais de perto.

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Hochlandstimmung Ambiente do planalto

Auf dem Weg nach Curitiba No caminho para Curitiba

Schaut von schwarzer Erde Rand Da escura borda da terra

Eine hohe Arariba Uma alta arariba contempla

Weit hinaus ins grüne Land. Ao longe todo o verde da terra.

Melancholische Pinheiros Melancólicos pinheiros

Ragen Stamm an Stamm empor Erguem-se um ao lado do outro

Auf dem Mulen-Pfad Tropeiros Nas veredas de mulas

Ziehen durch Taquara-Rohr. Tropeiros passam pelo bambuzal

Pfeifend huscht die Beutelratte Assobiando esgueira-se o marsupial

Durch das Unterholz dahin, Através da vegetação rasteira,

Unterm Laub der herva-mate Embaixo da folhagem da erva-mate

Glänzt die Samambaia grün. Brilha o verde da samambaia.

Lauernd liegt die Jararaca A jararaca deitada espreita

Dort vergräbt sich ein Tatu Ali um tatu se enterra

Schnell zum Bache huscht die Paca, A paca rápido se esgueira rumo ao riacho

Droben schwebt ein Urubú. No ar paira um urubu.

Fremd die Pflanze, Tier’ und Namen, Estranhos são as plantas, os animais e os nomes

Doch dem Herzen so vertraut, Mas tão confiantes ao coração

Aus der Landschaft herbem Rahmen A paisagem de contornos ásperos

Klingt’s mir doch wie Heimatlaut. Soa-me mesmo como pátria. 2

As quatro primeiras estrofes descrevem a paisagem brasileira

com suas peculiaridades, quer no aspecto da flora, quer no da fauna.

Na primeira estrofe em que “eine hohe Arariba” estende a vista

para contemplar o campo verde à sua frente, a própria árvore

assume às vezes do “eu lírico” que, do alto do planalto, observa a

natureza que a cerca.

Na segunda estrofe os “Melancholische Pinheiros”, expressam o

estado de tristeza e depressão em que o “eu lírico” se encontra,

apesar da beleza da paisagem.

A estrutura do poema revela expressões que se opõem como:

2 Trad. Ingrid Assmann. Tradução literal para que o leitor possa acompanhar a análise mais de perto.

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schwarze Erde grünes Land

(terra negra) (terra verde)

melancholische Pinheiros glänzt die samambaia grün

(melancólicos pinheiros) (brilha o verde da samambaia)

lauernd pfeifend

(à espreita - quieto) (assobiar-com barulho)

vergräbt sich schwebt

(enterra-se) (paira no ar)

Hochland Unterholz

(alto) (baixo-vegetação rasteira)

hohe arariba

(alta arariba)

emporragem liegen

(levantar-se) (estar deitado)

droben unter

(em cima) (em baixo)

Fremd Heimatlaut

(estranho) (som da pátria)

herbem Rahmen dem Herzen vertraut

(bordas ásperas) (confiantes ao coração)

A oposição desses termos, quer a nível do significado, quer a

nível da estrutura, comprova a dualidade natural que caracteriza o

imigrante.

Para descrever o planalto brasileiro, Ammon faz uso de palavras

em português como arariba, pinheiros, samambaia, jararaca, etc., e

de palavras em alemão como Weg, Erde, Land, Stamm, Beutelratte,

etc. Na língua português, os substantivos são escritos, de maneira

geral, com letra minúscula. Já na língua alemã todos eles são sempre

grafados com letra maiúscula. No poema, todos os substantivos são

escritos com maiúscula, quer os que representam “a cultura

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brasileira”, quer os que representam “a cultura alemã”. O poeta

dispensa assim, a ambas, um tratamento “de igual para igual”.

Da mesma maneira que, no poema, uma palavra depende, ou

está em função da outra para realizar o todo, as duas culturas podem

viver “Stamm an Stamm” (uma ao lado da outra), ajudando-se

mutuamente, para o enriquecimento desse “Hochland”, de aspectos

múltiplos, mas “dem Herzen so vertraut”(tão próximo ao coração).

Assim, a “Stimmung” que reinaria então no “Hochland” poderia

ser de “Heimatlaut” para todos, como o é para o poeta.

Ammon expressa uma profunda interiorização de sentimentos e

emoções num pequeno volume intitulado Lebensmut (Ânimo de

viver). Nesta obra estão reunidos quase todos os seus poemas.

Para Manfred Kuder, os poemas de Ammon tratam de temas

ideológicos, com expressões e frases de sentido universal e genérico.

Mostram experiências de vida que apresentam não só determinadas

impassibilidades do ser humano, como também sua capacidade para

conseguir suportar os dias negros e depressivos comuns ao homem.

Por outro lado, os poemas fixam a rica vivência de comerciante do

autor, cujas experiências ele apresenta também em suas narrativas

de imigração.

Na obra Lebensmut o autor apresenta, além de seus próprios

poemas, trechos de poemas de Johann Wolfgang Goethe (1749-

1832) e Friedrich Schiller (1759-1805), entre outros, e palavras de

estímulo e consolo de filósofos como Schopenhauer (1788-1860),

Immanuel Kant (1724-1804) e outros. Esses textos são apresentados

por Ammon com a finalidade de combater a opressão espiritual, o

medo, as preocupações e as inseguranças próprias do ser humano.

Wolfgang Ammon escreve para leitores de língua alemã, mas

com finalidade diversas. Pode-se perceber, em toda sua obra, que ele

“direciona” alguns textos para leitores específicos.

Assim, há textos voltados diretamente para os alemães que

ainda estavam na Alemanha e queriam emigrar para o Brasil. Nesses,

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Ammon adverte-os das consequências de uma emigração leviana,

irrefletida. São exemplos disso: “Die ersten Jahre als Kolonist”(Os

primeiros anos como colono) e “Die Familie Rottorf in Urwalde”(A

família Rottorf na mata virgem).

Paralelamente, o autor apresenta alguns textos dirigidos aos

adolescentes teuto-brasileiros, com o intuito de apresentar-lhes a

natureza brasileira, com todas as suas particularidades e

excentricidades e aproximá-los dela. Como ilustração, temos as

aventuras de Hansel Glückspilz (Joãozinho Felizardo).

Há ainda, textos direcionados para todos os imigrantes e seus

descendentes, independentemente de viverem na cidade ou no

campo (colônia). Aqui, Ammon discorre sobre as necessárias

dificuldades que o imigrante alemão encontra para incorporar-se à

sociedade brasileira, principalmente devido à diferença de língua,

usos e costumes entre duas culturas tão diversas. Esse processo

lento de assimilação, com todas as suas variantes, está presente

principalmente em seus romances e contos. Estes, muito mais do que

“relatos históricos”, proporcionam um retrato vivo das privações dos

imigrantes, de suas lutas diárias numa selva hostil ao homem.

Outra característica de Ammon, que aparece também em seus

poemas e ensaios, são as profundas reflexões sobre a vida em toda

sua significação.

Nos textos em que procura esclarecer e informar os leitores,

Ammon permanece “o conselheiro e guia silencioso e objetivo”.

Destarte, a prosa ammoniana, de estrutura simples e transparente,

está em constante sintonia com a realidade brasileira que o autor

vive e testemunha em todas as suas nuanças.

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2.

O desnudamento do processo imigratório no conto Familie

Rottorf im Urwalde de Wolfgang Ammon

Ingrid Ani Assmann

Desde 1824, ano oficial de entrada do imigrante germânico em

solo brasileiro, muitas têm sido as causas sociais , econômicas e

políticas da Alemanha e do Brasil que favoreceram a sua imigração

Na Alemanha desenvolve-se, paralelamente, uma intensa

propaganda por parte das companhias de colonização e de agentes

de emigração, tanto do Brasil como de outros países. Essa

propaganda se fazia em torno da "concessão de terras no Novo

Mundo com a garantia de que todos seriam proprietários, sem

qualquer referência às dificuldades que os futuros colonos teriam de

enfrentar".(Seyferth, 1974, p.28)

No Brasil, a maior parte dos imigrantes alemães, em todo o

século XIX, concentra-se fundamentalmente nas províncias

meridionais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em consequência de

interesses do Governo Imperial. Era necessário povoar essas vastas

áreas desabitadas com um tipo humano de características agrárias,

necessárias à formação de pequenas propriedades e à substituição da

mão de obra escrava.

O número de imigrantes, nas demais regiões, não chega a ser

significativo, com exceção da Província de São Paulo que atraiu

muitos deles, durante a primeira metade do século XIX, para o

trabalho na lavoura de café. Entretanto, as precárias condições de

vida e de tratamento dispensado ao imigrante limitam bastante a

imigração na segunda metade do século. Consequentemente, a

propaganda a favor da emigração para o Brasil é proibida pelo

governo alemão através do Reescrito de Heydt de 1859 ocasionando

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quase uma paralisação na entrada de imigrantes, especialmente os

que vinham através das sociedades de colonização.

A partir de 1870,o governo brasileiro organiza um programa

para recrutar e transportar os imigrantes e assume as providências

necessárias para sua fixação.Por outro lado,a proibição alemã de

1859, é revogada em 1896 permitindo a livre entrada de imigrantes e

a propaganda de companhias e agentes de colonização até o

rompimento das relações do Brasil com a nação alemã durante a

Primeira Guerra.

A corrente imigratória sofre, então, uma nova estagnação,que

terminaria com o fim da Guerra e com a regulamentação das

condições para a chegada e fixação dos imigrantes pelo governo

brasileiro.

Esse breve panorama histórico justifica-se como parâmetro

para situar em sua época o conto Familie Rottorf im Urwalde, bem

como o posicionamento de Wolfgang Ammon frente à imigração, fator

subjacente em toda a sua obra, sob a faceta da contestação.

O conto Familie Rottorf im Urwalde (Família Rottorf na mata

virgem) faz parte do volume Die ersten Jahre als Kolonist. Die Leiter

zum Glück, de 1927.É uma das narrativas mais conhecidas de

Ammon. Após sua publicação, em l924, pela revista berlinense Die

Gartenlaube, as inúmeras cartas recebidas pela redação comprovam

esse fato.

Além disso, o setor de emigração alemã (Das deutsche

Auswanderamt) de Berlin, reconhecendo o valor que a narrativa

pudesse ter para os que desejavam emigrar, recomenda-a

principalmente para aqueles que quisessem fazê-lo sem, antes,

refletir bastante.(Ammon, 1927, p.249)

O texto relata, com muita fidelidade, a experiência da família

Rottorf, que emigra para o Brasil ao constatar que eram insuportáveis

as circunstâncias na terra natal pós-guerra. Essa decisão é tomada

após a leitura de um simples artigo de jornal.

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No decorrer de toda a narrativa são descritos, minuciosamente,

os problemas enfrentados pela família na tentativa de adaptação à

vida no campo.

O conto termina quando os Rottorf mudam-se para Curitiba,

onde o pai pode exercer sua profissão de engenheiro mecânico com

um bom salário.

São personagens do conto Oscar Rottorf, sua esposa, os filhos,

ainda crianças, Maria, Gerhart e Fritz, o agrimensor Röder e os

vizinhos Fult e Weller.

Logo ao chegar a nova terra o véu de romantismo que, durante

meses, revestira os pensamentos da família é rasgado subitamente.

A realidade mostra-se rude e fria.

"...Die harte Wirklichkeit stand vor ihnen... Der

undurchdringliche Urwald... blickte sie aus dunklen Märchenaugen

an". (p. 249)

"...A dura realidade estava perante eles...a mata virgem

impenetrável...os olhava com escuros olhos de contos de fadas".

O chefe de família percebe então que

"...Jetzt erst, wo es zu spät war, kam die Erkenntnis", (p.

251)

"...somente agora, quando já era tarde demais, veio a

compreensão".

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Todos os planos e projetos traçados minuciosamente, durante a

preparação da tão almejada viagem, vão se desvanecendo, quando o

condutor do carro de bois, que leva a família para as terras que tinha

comprado, fala sobre a vida do imigrante.

"...dass eine Kolonistenfamilie viele Jahre schwer arbeiten und

schlecht leben müsse, ehe sie so weit käme, ein ordentliches

Bretterhaus mit Stallungen und Garten, eine ergiebige Pflanzung,

eine mässig grosse Weide und etwas Vieh schuldenfrei ihr eigen zu

nennen". (p. 254)

"...que uma família de colonos precisaria trabalhar arduamente

muitos anos e viver muito mal antes que chegasse a possuir, sem

dívida, uma casa de madeira razoável, com estábulos e jardim, uma

plantação rendosa, um pasto moderadamente grande e um pouco de

gado".

As reflexões do chefe da família voltam-se para a pátria que

deixaram revelando, assim, sua insegurança com relação à prévia

decisão de emigrar, agora já cumprida.

"...Brauchte man dazu in die Fremde zu ziehen? Wenn seine

Familie in Deutschland zehn Jahre lang sich alles, aber auch alles

versagen würde, ausser dem Notwendigsten, wenn sie so elend

wohnen, sich in Flicken kleiden, hungern und darben würde, müBten

sie dann nicht mehr als das Doppelte zurücklegen, selbst wenn er nur

als Schlossergeselle arbeitete?" (p. 254-255)

"...Para conseguir isso, a gente precisaria emigrar? Se sua

família, na Alemanha, durante dez anos se privasse de tudo mesmo,

com exceção do imprescindível, se ela morasse tão miseravelmente,

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se ela se vestisse com roupa remendada, se ela passasse fome e

sofresse penúrias, será que a família, lá, não pouparia mais do que o

dobro, mesmo se o pai trabalhasse apenas como serralheiro?"

Todas as dúvidas, interrogações que o oprimem, Rottorf tenta

rebater com a esperança que o conduziu ao Brasil.

"...aber hier im Urwalde, hat man täglich den Genuss der

herrlichen Natur,man ist frei; und alles, was man schafft, ist für die

Familie".(p. 255)

...mas aqui na mata virgem tem-se todo dia o prazer da

natureza maravilhosa, a gente é livre e tudo o que se consegue é

para a família".

0 personagem deixa transparecer, em suas palavras, a situação

que o imigrante vivia na Alemanha. O cidadão não era livre e, de

tudo que conseguia, tinha que ceder uma parte ao governo, através

de taxas e seguros.

Cansado dessa vida, resolve emigrar para a terra em que tudo

era lindo e maravilhoso. Tudo era revestido com um véu romântico.

Tudo parecia uma vida de aventura, como a da família Robinson,

mencionada no texto.

Na nova terra os problemas são tantos, e de natureza tão

diversa, que assumem proporções monstruosas. Após uma sua

doença, Rottorf resolve procurar outro lugar onde o clima fosse mais

propício para ele e sua família. Mas é praticamente impedido pelo

dono da "venda" a quem deve dinheiro,e conclui que

"...man war auch hier im Urwalde nicht sein freier Herr! Man zwang

ihn, gegen seinen Willen zu bleiben". (p. 293)

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"...a gente também não era dono de si mesmo aqui na mata

virgem. Forçavam-nos a ficar, contra a nossa vontade".

Ao lado do chefe da família está a mulher, alemã, que também

revela a atitude de um ser humano dividido. Diz ela:

"...Wenn wir einige Monate hinter uns haben, spüren wir diese

Arbeit nicht mehr. Dann wird alles besser". (p. 267)

"...Quando alguns meses tiverem se passado, não sentiremos

mais este trabalho. Então, tudo irá melhorar".

Ela encoraja e estimula toda a família para que o desânimo e a

insegurança não proliferem.

Mas, após muito esforço, vendo que toda a família pode

sucumbir pela não adaptação, ela fraqueja:

"...Nein, stöhnte Frau Rottorf im geheimen, wenn sie besorgt

auf die abgemagerten Kinder blickte, welche schwer beladen ins Haus

wankten. Hier halten wir nicht lange aus! Diese ewige Hitze und dazu

das

Fieber!" (p. 286)

"...Não, suspirava a senhora Rottorf às escondidas, quando

olhava com preocupação as crianças, magras, que cambaleavam sob

as cargas pesadas que levavam para dentro da casa. Aqui, não

vamos suportar por muito tempo! Este calor incessante e, além disso,

a febre!"

Muitas vezes ela lembra, com saudades, da anelada pátria, tão

distante:

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"... Immer aber kam das Gespräch auf das verlassene

Vaterland, von wo man sich all das Gute und Schöne, das man früher

nicht gewürdigt hatte, hierher wünschte, denn hier fehlte ja alles."

(p.269)

"... a conversa sempre versava sobre a terra natal abandonada

onde se desejava tudo de bom e de belo, que antes não era

valorizado, pois aqui faltava tudo".

Outras vezes, porém, tenta estimular toda a família,para que

tenha confiança na nova terra.

"...Ich hoffe, wir werden ganz gut abschneiden! Lebten wir denn

in Deutschland ohne Nahrungssorgen? Und was haben wir denn so

herrliches drüben gehabt, he? Seid zufrieden, dab wir ein eigenes

Heim besitzen!" (p. 288)

"... Tenho certeza que vamos ter êxito: Por acaso vivíamos na

Alemanha sem preocupações com alimentação? E o quê tínhamos lá

de tão maravilhoso? Fiquem satisfeitos, por possuirmos uma morada

própria:"

Os dois personagens aqui retratados estão divididos, como

vimos, entre a saudade da pátria e a esperança de vencer na terra

escolhida.

Esses dois polos, presentes na vida do emigrante alemão,estão

em constante oposição na narrativa, até seu final. Então, os

problemas são superados e, consequentemente, o conflito cessa.

No conto, o narrador descreve tão minuciosamente a paisagem,

as situações enfrentadas pelos personagens, seus conflitos íntimos,

anseios, dúvidas, inquietações, contentamento e insegurança que

parece ao leitor estar também vivenciando tudo.

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Na narração é mencionada a fonte responsável pela decisão que

a família toma para emigrar - um artigo de jornal - e, a partir daí, a

criação da imagem quimérica de uma terra prometida que se revela

desapontadora para a família quando chega a seu destino.

Ammon vale-se dessa narrativa para criticar a propaganda

irresponsável sobre o Brasil, publicada nos jornais alemães. Toma a

posição de esclarecedor da mesma, e começa a produzir

paralelamente, uma propaganda esclarecedora a "Aufklärungs

propaganda" (Ammon, 23 maio 1933)

Podemos afirmar que a narrativa em questão é‚ um exemplo

concreto de "Aufklärung", pois ilumina sempre os polos opostos de

uma situação e quer mostrar que

"....Es ist keine Lage so verzweifelt, daß man ihr nicht auch

eine gute Seite abgewinnen, daß man ihr nicht entrinnen könnte". (p.

258)

"...não há nenhuma situação tão desesperadora, de que não se

possa conquistar um lado bom, que dela não se possa escapar".

A estrutura da narrativa contrapõe sempre dois temas que

perpassam o conto: a emigração/imigração e, como consequência, a

oposição Alemanha/Brasil, terra-mãe/nova terra.

O tema da natureza brasileira concretiza-se às vezes positiva e

coloridamente.

"... Es roch nach Vanille und Honig. Über der Lichtung

gaukelten prachtvoll gefärbte Schmetterlinge und bunt schillernde

Kolibris".(250).

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"... tinha cheiro de baunilha e mel. Sobre a clareira brincavam

magníficas borboletas coloridas e colibris cintilantes com suas

variadas cores".

Outras vezes, tal tema caracteriza o lado negativo e árduo da

fauna brasileira.

"... die Tragameisen und das Unkraut in Brasilien dem Pflanzer

einen unaufhörlichen Verteidigungskrieg auferlegen, der fast

ebensoviel Zeit in Ansspruch nimmt wie alle Vorarbeiten." (p. 271)

"...as formigas carregadeiras e a erva daninha, no Brasil,

impõem ao agricultor uma interminável guerra de defesa que dura

quase o mesmo tempo dispensado a todos os trabalhos

preparatórios".

Por outro lado, o tema da civilização apresenta um excesso

dessa condição que se opõe, portanto, à vida na mata, no campo, ao

ar livre, longe de qualquer vestígio que lembre o mundo civilizado.

Assim, no início, a família vê a mata como "Zauber der

Romantik (magia do romantismo), e a vida do colono

"...ohne jeglichen Kulturzwang, ohne europäische Vorurteile...

Dort im Urwalde gab es Keine Ausgaben fur Heizung und Licht, für

Steuern und Miete, für neue moden und andere im zivilisierten Leben

nötige Dinge". (p. 252)

"...sem todas as pressões culturais, sem os preconceitos

europeus... Lá na mata virgem não havia despesas com aquecimento

e luz, com impostos e aluguel, com moda nova e outras coisas

necessárias para a vida civilizada".

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Contudo, em contato direto com a natureza, a mesma vida os

fez sentir falta do mundo da cultura e, por extensão, da Alemanha.

"...ein Atemzug der Kulturwelt hatte sie gestreift. Die liebe

weite Welt, wie lag sie fern und entrückt."(p. 275)

"...um fôlego do mundo da cultura os havia roçado. A querida

pátria distante, quão longe e oculta ela estava".

Por outro lado, apesar de todos os obstáculos, a família quer se

adaptar à vida no campo,à vida de colono. Num momento de

regozijo, pelo aniversário da mãe, a família faz novamente

comparações entre a Alemanha e o Brasil, a vida na cidade e a vida

no campo, optando por esta última.

"... Was hatte man drüben gehabt? Vor einem Jahr? Revolution,

Teuerung, Keine Einnahmen, Not an Lebensmitteln". (p. 277)

"... 0 que a gente tinha lá? Há um ano atrás? Revolução,

inflamação, nenhum rendimento, falta de mantimentos".

A inveja, a ambição, o luxo e a ganância são criticados como

características do mundo civilizado.

Por isso a vida simples, sem luxo, em que todos eram iguais é

louvada.

"...Hier in der grünen Wildnis gab es wenigstens keine

Gelegenheit zum Neid auf Bessergestellte... Hier waren alle Menschen

gleich in ihrer Lebenshaltung, in ihrer Stellung zueinander". (p.777)

"...Aqui na mata virgem não havia pelo menos oportunidade

para sentir inveja de alguém com melhor situação... Aqui todas eram

iguais na vida, um em ralação ao outro."

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Tal estrutura montada em termos ou expressões que se opõem,

aparece já no título do conto:

Podemos dizer que, a partir desta decomposição,o nome da

família precisa de oxigênio e, portanto, emigra para a floresta onde

ele é abundante. Por extensão:

A família, saturada das pseudo vantagens e facilidades do

mundo civilizado, emigra para um mundo "primitivo", onde esperava

ter a liberdade tão desejada. Entretanto, não se adapta à vida de

colono, sofre com o clima, pois é‚ semelhante à turfa que, para

proliferar, necessita de um clima mais frio (Hochland) e os Rottorf

foram morar no "Tiefland", onde o clima é mais quente, não

ocorrendo, portanto, a adaptação.

0 prefixo do nome Rottorf ou vermelho, "turfa vermelha" revela

que esta não é uma turfa comum. Como a turfa vermelha, os Rottorf

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não são pessoas comuns. São pessoas cultas que se encontram na

floresta que não é apenas "Wald", mas "Urwald, floresta virgem.

No conto, o narrador trabalha com as palavras. Assim, quando

o personagem se autoconsola com a beleza da paisagem e usa a

expressão "man schafft", (a gente consegue) o narrador toma-lhe

emprestada a frase e lhe dá nova acepção.

"...Man "schafft" hier wirklich, denn man muß das kulturfähige

Grundstück erst dem mächtigen Urwald abringen". (p. 255)

"...a gente "trabalha" aqui realmente, pois precisa-se, primeiro,

desbravar a mata virgem poderosa para se ter uma terra que seja

capaz de produzir".

O narrador apodera-se da narrativa do personagem para

chamar a atenção do leitor a fim de que este não se perca apenas no

prazer de desfrutar de tão bela natureza, pois

"...Das Leben fragt uns nicht, ob es uns gefällt. Es muß eben

gelebt werden, ob wir wollen oder nicht."

"...A vida não nos pergunta se ela nos agrada. Ela precisa ser

vivida, se quisermos ou não."

Todavia, depende de nós o uso do como a vivemos.

"...ob wir immer die unangenehmen Seiten betonen oder lieber

unseren blick auf die angenehmen lenken wollen, die ja auch im

ärmsten Leben nicht fehlen". (p. 259)

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"se acentuamos sempre os lados desagradáveis ou preferimos

nos deter nos lados agradáveis que, mesmo na vida mais pobre, não

faltam".

0 narrador, assim, demonstra que os polos se opõem ou se

completam, pois todos os valores são muito relativos, e que o

romantismo e as ilusões dão colorido e alegria à vida. Demonstra

também, que a liberdade tão desejada pode se concretizar desde que

se acatem seus preceitos e que se saiba, antes de tudo, interpretá-la

e respeitá-la.

Referências bibliográficas

AMMON, Wolfgang. Familie Rottorf im Urwalde. In: Die ersten Jahre als

Kolonist. Die Leiter zum Glück. Curitiba: Impressora Paranaense Max

Schrappe, 1927. p.247 - 305.

AMMON, Wolfgang. Nachrichtendienst und Aufklärungspropaganda. Der

Urwaldsbote, Blumenau, 23 maio 1933.

AULICH, Werner. Vom Pathos der Auswanderer. In: Staden Jahrbuch.

São Paulo, 4, p.203 - 217, 1956

CANSTATT, Oscar. Repertório crítico da Literatura Teuto-Brasileira. Rio

de Janeiro: Ed. Presença, 1967.

KUDER, Manfred. Die Deutschbrasilianische Literatur und das

Bodenständigkeitsgefühl der deutschen Volksgruppe in Brasilien.

Berlin: Ed. Ferd Dümlers, 1937.

ROCHE, Jean. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre:

Ed. Globo, 1969, 2 v.

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SEYFERTH, Giralda. A Colonização Alemã no Vale do Itajaí-Mirim. Porto

Alegre: Movimento, 1974.

3.

A literatura teuto-brasileira: uma literatura de

contestado e contestação?

Ingrid Ani Assmann

A partir de um conto de Wolfgang Ammon de 1926 “Im

Contestado”, pretendemos discutir a situação da literatura teuto-

brasileira dentro do contexto da literatura brasileira e da literatura

alemã.

O protagonista Hubert Scharf, jovem bancário alemão de 22

anos, emigra para o Brasil. Agora, após dois anos de muitas

privações, questiona sua emigração irrefletida e impetuosa devido a

uma desilusão amorosa.

Em Campo Alegre, onde trabalha, como ajudante da venda e

zelador dos animais do estábulo, para um pequeno comerciante

brasileiro, vem a conhecer um viajante de nome Anton Boberteich.

Um dia, durante uma viagem para a cidade mais próxima, Canoinhas,

pergunta-lhe sobre um emprego melhor. Anton relata-lhe a

preferência dos empregadores pelos filhos de alemães nascidos aqui,

por dominarem o idioma local e estarem familiarizados com a

situação. Os recém-chegados (Neudeutsche) eram vistos com receio,

intolerância e preconceito.

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Porém, no decorrer do diálogo, Anton propõe-lhe uma

sociedade na região do Contestado e assim a define: “Como você

sabe, o Contestado é uma região disputada entre os estados

brasileiros de Santa Catarina e Paraná. Trata-se lá de uma questão

de limites de uma enorme faixa de terra... muitos eremitas

brasileiros, famílias ali se assentaram para fugirem da polícia e

autoridades..... Eles vivem da pequena agricultura, do rendimento da

erva-mate que colhem na floresta virgem e de sua caça... Os

proprietários destas vendas não pagam nenhum tipo de imposto...

Eles cercam ao longo da vereda um pedaço de terra e se consideram

então senhor e proprietário dentro dessa imensidão de terras... Tais

apropriações denominam-se, dentro da região contestada como

“posse”, provavelmente baseada na expressão “beati possidentes”...

Como nenhum dos dois estados envolvidos têm o direito de

apropriação e de governar na região do Contestado, não há assim

nenhum tipo de autoridade... No Contestado ainda vale a “Lei do

Punho”. ( p.78 e 79).

Robert Scharf e Anton Boberteich compram uma velha venda e

a “posse” de um brasileiro que queria sair dali. Esta venda fica entre

as vendas de Joaquim Abílio ( 3 Km de distância) e do velho Cândido

de Lima ( 4 km).

Depois de muitos incidentes e problemas, Hubert consegue se

adaptar e se impor na região Contestada, pois “o homem se adapta a

qualquer situação, mesmo a um constante perigo que nos espreita.”

(p.91).

Quando falamos da literatura teuto-brasileira ou da literatura de

expressão germânica do Brasil, estamos referindo-nos aos textos

literários escritos pelos imigrantes alemães ou dos descendentes

destes.

A ideia em associar e relacionar a literatura dos imigrantes

alemães aos vocábulos “Contestado” e “Contestação” é, em si, muito

polêmica.

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Partindo do conto enfocado, temos o protagonista Hubert em

sua venda, que fica localizada entre duas outras vendas. Tanto o

comerciante Joaquim Abílio como Cândido de Lima não o querem ali,

não o aceitam, pois Hubert representa um grande perigo para seus

negócios.

O protagonista, que no início do conto, aparece como inseguro,

temeroso e ingênuo, aos poucos revela-se como confiante, corajoso e

“scharfblickend”(perspicaz) .

Assim, o índice de sua mudança de comportamento, já presente

em seu nome, Hubert Scharf, acaba por se concretizar.Vejamos:

Scharfer Blick -olhar penetrante.

Scharfes Gehör -audição apurada.

No entanto, para discutirmos a posição da literatura teuto-

brasileira dentro do contexto da literatura brasileira e dentro do

contexto da literatura alemã, precisamos, primeiramente, “verificar”o

que alguns críticos dizem sobre esta produção literária.

Para Wilhelm Schneider (1936), a valorização estética da

literatura teuto-brasileira está diretamente associada ao

enriquecimento que ela possa trazer à literatura alemã. Este critério

estende-se também a todas as outras literaturas escritas em língua

alemã fora da Alemanha.

Os textos da literatura teuto-brasileira desta época apresentam

a vida de um grupo de pessoas inserido numa estrutura político-social

mais primitiva do que a da Alemanha da época. Baseia-se na vida do

colono imigrante e suas relações com o meio que o cerca.

Assim, o valor da literatura teuto-brasileira, para Wilhelm

Schneider, está no fato de ela deixar patente para o leitor que é

válido conservarmos espiritualmente o grande significado e valor

dessa forma de vida, antiga e pura, para que possamos através do

exemplo do camponês, do homem simples, nos livrarmos da crença

no avanço de uma falsa civilização.

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Por outro lado, é corrente a presunção de que o melhor escritor

teuto-brasileiro alcança apenas o valor de um escritor europeu

médio, como diz Werner Aulich (1956, p. 206):

“Sem dúvida é possível afirmar que mesmo o melhor poeta

teuto-brasileiro não atinge, no que diz respeito à concepção

estilística, à consciência linguística e à estruturação temática, senão a

média dos autores alemães. Mas da mesma forma, pode se afirmar

que esse dois valores distintos devem ser medidos de duas maneiras,

sendo necessário chegar a critérios diferentes para avaliar com

justiça um “fenômeno recente, único e isolado”.

Aulich interpreta de um modo claro o problema da valorização

da literatura teuto-brasileira. Ela deve, realmente, ser analisada com

critérios diferentes, pois a nada levaria o recurso aos padrões

habituais da crítica literária atual segundo os quais é determinada a

“literariedade” de um texto.

Há uma afirmação de Herder (Apud Aulich, 1956), segundo a

qual não existe um critério abstrato para analisar fenômenos

literários e culturais. O crítico deve se colocar nas condições locais,

temporais e espirituais em que estes fenômenos surgiram, para que

possa com “alma flexível” compreender os sentimentos de um povo a

partir de sua real vivência.

Enquanto Kuder (1937), acentua o lado brasileiro da literatura

teuto-brasileira como o mais significativo, Fittbogen (1933) enfatiza o

pólo alemão. São duas atitudes divergentes, ditadas naturalmente

por posições filosóficas, políticas e culturais diversas. Em parte, isso

se deve ao fato de atribuírem tendências políticas a essa literatura. É

claro que a política não está totalmente ausente, mas é necessário

procurar um critério neutro de avaliação. De modo geral o escritor

teuto-brasileiro está acima das desavenças raciais e políticas, mais

preocupado com sua vida profissional e particular: o trabalho, o

descanso, as alegrias e tristezas que bem expressa em sua obra. O

problema da incorporação do imigrante à nova terra e da

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marginalidade cultural de que foi vítima também estão refletidos em

sua literatura.

Assim, a nosso ver, a literatura teuto-brasileira é uma

ramificação no contexto geral da literatura do Brasil, ramificação que

não se alinha entre as vanguardas de sua época sob o ponto de vista

formal ou das técnicas ficcionais de que se vale. Utiliza, ao contrário,

formas literárias herdadas do país de origem. Pode-se interpretar

esse procedimento como um processo de apropriação de elementos

que expressam melhor a alma de um povo que deixou seu país para

viver noutro, totalmente diferente. Não é, portanto, uma imitação

tardia.

Há uma liberdade no escrever e no uso de um vocabulário

híbrido, com o intuito de melhor delinear esse tipo humano tão

peculiar: o imigrante. A literatura teuto-brasileira não revela

mudanças de estilo de época. Inexistem, portanto, movimentos ou

escolas literárias claramente delineados.

O grande acervo da literatura teuto-brasileira revela, entre

outras coisas, o nível cultural e o gosto estético dos imigrantes

alemães da época e é, até certo ponto, um material ainda

desconhecido da cultura brasileira em geral.

Por quê então insistirmos na designação possível de literatura

de contestação e de contestado?

Parece-nos ser uma “literatura de contestação”, à medida que é

uma literatura que não está engajada esteticamente com nenhuma

vanguarda de sua época. Porém, põe-se a serviço de uma ideia que é

a revelação, entre outras, do “pathos” da emigração, experiência

existencial profunda e única.

A sua posição de “literatura contestada” verifica-se enquanto

respira à terceira margem do rio, não pertencendo nem à margem

direita ( Alemanha), nem à margem esquerda (Brasil). A sua

existência não é reconhecida, nem pela cultura alemã, nem pela

cultura brasileira. No entanto, é nos textos da literatura teuto-

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brasileira, que encontramos registrados os primeiros traços fortes da

aculturação do imigrante à nova terra. Por outro lado, vive uma

situação de “literatura incontestada”, pois não é disputada para fazer

parte da história literária do Brasil ou da Alemanha. Entretanto, lendo

um artigo de 1977 sobre Gertrud Gross-Hering (1879-1968)

constatamos que o seu nome consta na Grande Enciclopédia Delta La

Rousse como “autora brasileira de expressão germânica”.

Mas, o destino da literatura teuto-brasileira, parece ser, por

enquanto, viver à margem da literatura ocidental, sob uma névoa de

estranho preconceito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBUQUERQUE, Mario Marcondes de. Contestado: distorções e

controvérsias. Curitiba, Lítero-Técnica, 1987

AMMON, Wolfgang. “Im Contestado”. In: Uhle’s Illustrierter

deutsch-brasilianischer Familien-Kalender. São Paulo, 75-91, 1926.

AULICH, Werner. “Vom Pathos der Auswanderer”. In: Staden

Jahrbuch. São Paulo, 4: 203-217, 1956.

BERNARDET, Jean Claude. Guerra Camponesa no Contestado.

São Paulo, Global Editora e Distribuidora Ltda, 1979.

FITTBOGEN, Gottfried. “Deutsche Dichtung in Brasilien”. In: Der

Auslaudsdeutsche, Jg. XVI, nº. 12, Stuttgart, 1933.

FREITAS, Ingrid Ani Assmann de . A Máscara Cai. Wolfgang

Ammon no contexto da literatura teuto-brasileira. São Paulo, Editora

Arte e Cultura, 1995.

SCHNEIDER, Wilhelm. “Die Auslanddeutsche Dichtung ihre

Voraussetzungen und Werte”. In: Die Auslanddeutsche Dichtung

unserer Zeit. Berlin, Weidmannsche, 5-19, 1936.

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29

KUDER, Manfred. Die Deutschbrasilianische Literatur und das

Bodenständigkeitsgefühl der deutschen Volksgruppe in Brasilien.

Berlin, Ed. Ferd. Dümmlers, 1937.

4.

A esperança do imigrante

Ingrid Ani Assmann

Durante o curso realizado, uma das ideias enfatizadas pelo

professor era de que o homem não é um indivíduo isolado, porém

membro de um clã e, como tal, gera e recebe influências das múltiplas

determinações que o rodeiam. É a partir dessas determinações que

qualquer ação humana se desenvolve.

Sendo assim, o homem participa ao mesmo tempo da existência

animal, num nível terreno e num nível superior, ao qual está unido, do

universo, diante do qual não age como um observador desligado.

Para Diderot (1713-1784), filósofo francês do século XVIII, o

homem precisa viver em três dimensões: um presente, um passado no

qual se apoiar, e um futuro que lhe mostre uma luminosidade, um

clarão de esperança.

Na obra Dialética da Esperança de Ernst Bloch3 a felicidade tem

suas raízes no passado, sem as quais não teria nenhum conteúdo,

nenhum argumento, nenhuma matéria sobre a qual pudesse se apoiar.

Sob esse ponto de vista, a felicidade dá uma nova significação

ao passado, uma nova atualidade.

Por outro lado, a felicidade tão pouco ignora o futuro, pois é

através da mediação do futuro que se pode comunicar a felicidade aos

outros, por uma promessa de construção em comum de um mundo

feliz.

3

Bloch, Ernst. Dialética da Esperança,. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.

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A felicidade está, portanto, intimamente associada à esperança,

à medida que nos obriga a tentar o impossível para criar a felicidade

com outra pessoa, porque uma esperança não pode ser vivida sozinha.

Para Bloch, quando há um encontro na felicidade vivida das

pessoas, cujo destino é transmitido e mediatizado por uma esperança

comum, surge a alegria que pode se exprimir e manifestar socialmen-

te. Esta tríade- felicidade, esperança e alegria -forma o momento

dialético que constitui aos poucos esta "morada dos homens", em que

devemos transformar o universo. Assim, a felicidade "se realiza numa

plena e lúcida disponibilidade de cada um de nós para o outro, na

intersubjetividade e na complementação. Cada um de nós deve

participar nela e, portanto, ter o quinhão de responsabilidade alegre,

no contexto do "Summum Bonum", na e com a sociedade"4.

Ainda, dentro do pensamento bloquiano, o momento da

descoberta da felicidade marca um fim. Contudo, este fim não é um

término e uma queda no nada e na morte. É o fim do começo, é a

oportunidade para se criar a partir deste momento, outros momentos,

de transmitir esta graça que conseguimos captar.

Mas toda esta visão da felicidade possível, não elimina a

possibilidade do fracasso e do desentendimento. No entanto, para

Bloch existe um só princípio: o de esperança. O mal é apenas uma

ameaça que se deve combater, porque exige ser combatido. A

felicidade, portanto, não exclui a possibilidade da infelicidade, mas esta

não é necessária, é eventual.

Logo, no labirinto dos êxitos e fracassos, das possibilidades e

das impossibilidades que coexistem na vida das pessoas, o fio condutor

que nos orienta é o princípio de esperança. Este princípio constitui a

mola de uma existência vivida em função de um futuro, além das

sobrevivências arcaicas e ilusões míticas.

É um princípio porque se encontra tanto no começo, como

origem e fonte de uma ação, como no final,como elemento dinâmico

4

Ernst Bloch. op. cit.,p.40

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que sustenta uma ação. Daí "a imagem de mola ou da espiral que

permite ligar as duas ideias complementares da origem propulsora e do

dinamismo crescente".5

A esperança, nesse sentido, vai além de uma aposta contra o

absurdo de um mundo sem sentido. A esperança é um princípio na

medida em que reanima o passado, que nos orienta no presente e que

visa o futuro. "É um princípio que atua e constitui a história humana"6

O princípio da esperança visa à criação de uma morada

(Heimat), isto é: casa - lar - pátria do homem. É uma casa que o

homem constrói; é uma pátria, pois é ao mesmo tempo alfa e ômega;

e, é o lar que existe como lembrança da origem e como esperança do

fim. Assim, toda tarefa humana consiste em construir mediações entre

o passado e o futuro para a edificação do lar no presente.

A esperança não nasce apenas de uma ilusão dos homens sobre

si mesmos, mas radicalmente das suas respostas às suas fragilidades,

faltas e fracassos através da imaginação.

A imaginação se apresenta aqui como uma modalidade

orientada, controlada e organizada, que tende a criar um mundo

imaginário como alternativa a uma realidade julgada insatisfatória.

Poderíamos dizer então, que a esperança comum aos homens,

que nasce como consequência desse processo imaginativo, constituiria

um mito progressivo, à medida que responde a necessidade humana

de dar sentido às coisas do universo e, à medida que estabelece uma

forma de pensamento e de consciência voltada para o futuro, abrindo

brechas para a preparação de um projeto que a primeira vista é

impossível.

Para Bloch, tanto o mito como a utopia social provam que a

imaginação não é um meio para fugir da realidade, para enganar ou

impedir que se tome consciência da realidade, mas é, antes de tudo,

5

ibidem.p.66 6

ibidem.p.67

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uma maneira de julgar um real injusto, oprimente e fechado, para visar

um mundo mais justo.

Para concluir essas ideias de Bloch, diríamos que o homem que

tem esperança, que cria mitos progressivos e que constrói utopias

sociais, é capaz de julgar o imediato e o factual, seja em relação ao

passado pela saudade, pela lembrança, pela recordação de uma idade

de ouro; seja em referência ao futuro pela espera de um paraíso num

comportamento que vai transformar o presente.

II- O traço da esperança no imigrante

Para entendermos melhor como a esperança se concretiza no

imigrante, faz-se necessário, primeiro, levantar algumas das diferenças

que caracterizam, de uma maneira ou outra, o homem como imigrante.

Como já vimos, o homem vive como processador ativo das

múltiplas determinações sociais e naturais. Quando este homem sai do

seu meio de origem para viver num novo meio, que apresenta, por sua

vez, determinações múltiplas diversas, ocorre um processo natural de

enriquecimento.

Esse processo de enriquecimento denomina-se na esfera social

como assimilação e na esfera cultural de aculturação e uma não existe

sem a outra.

Basicamente, a assimilação é um processo bilateral, embora

prevaleçam, em geral, os padrões de um grupo. Implica geralmente

em seleção de certos dados e eliminação de outros, e se estende

apenas aos dados transmitidos pelo convívio ou pela educação.

Assim, os elementos trazidos pelo imigrante e os existentes na

nova terra entram em contato na relação de duas etnias. Citaremos

alguns exemplos: instituições sociais, relações sociais, língua, religião,

superstições e mitos, mentalidade política e econômica, arte e

literatura e outros.

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Paralelamente, o processo assimilação/aculturação pode

apresentar algumas diferenças de indivíduo para indivíduo. Essas

divergências relacionam-se diretamente com o motivo que ocasionou a

saída do imigrante da sua terra natal. Entre outros, temos: problemas

econômicos, políticos e até persuasão por parte de agentes de

imigração e acentuado espírito de aventura.

Assim, Willems7 mostra que a assimilação, por exemplo, foi

mais suave para os imigrantes cuja resolução de abandonar o país é

um ponto final de um longo processo psíquico de vacilações,

apreensões e incertezas, de um desprendimento lento e gradativo das

ideias costumeiras. O foragido político ou religioso tem que enfrentar

todos esses fenômenos num lapso de tempo muito menor e já num

ambiente novo e desconhecido.

Toda assimilação se inicia com a conciliação de contrastes entre

dois grupos. Para tanto, temos os estágios: adaptação, acomodação e,

por fim, a assimilação. Estes momentos não estão separados, mas sim

misturados na realidade, pois ocorrem em campos diversos

simultaneamente.

Já, o choque cultural entre germânicos e brasileiros deve-se a

muitos fatores, mas a diferença da família é um deles, pois a mulher

alemã é participante de quase todas as atividades do homem. Também

a família de imigrantes afigura-se como unidade produtora organizada

(em forma de pequena propriedade) e nela, até as crianças trabalham

muito.

Quanto às dificuldades de assimilação, vê-se que, independente

de sua atitude mental, racional ou não, científica ou empírica, o

imigrante tinha que acomodar-se à técnica de trabalho ditada pelas

condições do ambiente físico.

7

Emílio Willems. A aculturação dos alemães no Brasil. São Paulo, Cia Editora Nacional, 1980.

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Resumindo, o imigrante é o produto de dois opostos, é um

produto de duas realidades, com elementos das duas, porém sendo

uma terceira realidade diferente.

Assim:

-há mudança de um meio físico-geográfico para outro;

-há um passado versus futuro confluindo no presente;

-é um homem dividido entre a saudade da terra de

origem e a esperança de vencer na pátria adotiva;

-tem uma nova visão do mundo;

-tem uma nova maneira de sentir e viver as coisas, fruto

do corte que sofreu com a imigração;

-há mudança para um país novo, deixando seu grupo

social e, por vezes, até familiar, para se integrar numa

comunidade ética diferente;

-há coexistência de usos, costumes e valores

fundamentados numa tradição germânica com elementos

culturais encontrados no Brasil.

Acabamos de citar alguns aspectos que caracterizam este novo

ser: o imigrante. Contudo, temos plena consciência de que existem

muitas outras determinações que complementam essa descrição.

Egon Schaden é também um dos estudiosos do problema da

imigração alemã e no seu artigo "Der Deutschbrasilianer - ein

Problem"(O teuto-brasileiro - um problema) aborda vários aspectos do

mesmo.

Um dos pontos analisados, diz respeito aos motivos fundamen-

tais para o incentivo à imigração, como a necessidade de "braços para

a lavoura", já que forte campanha se desencadeava contra a

escravidão negra. Os imigrantes por seu lado, estavam conscientes de

sua missão de difundir a "religião do trabalho", pois o brasileiro estava

pouco interessado em outros aspectos sociais ou psicológicos desses

estrangeiros.

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É importante assinalar que para o imigrante adulto que já traz

consigo profundos laços com sua herança social, econômica e cultural,

os quais ele conhece como os únicos certos e válidos, e, os quais ele

aprendeu a amar e valorizar é difícil mudar essa cosmovisão e modo de

conduta. No entanto, para a nova geração já criada aqui, no novo

ambiente, a escolha entre o patrimônio cultural alemão e o brasileiro,

em princípio, têm o mesmo valor.

Concluindo, podemos dizer que a esperança é um elemento

constituinte do homem. O princípio de esperança de Bloch apresenta a

esperança como certeza de uma solução humana possível, mas nunca

pré-fabricada ou proposta, nem dada e, ainda menos, imposta.

Para o imigrante, essa esperança se encontra ao lado da

saudade e, às vezes, em posição oposta desta, pois a saudade está

ligada à terra natal, a todo um passado do qual ninguém escapa e a

esperança está associada à nova terra, à nova vida para si e seus

descendentes.

III- Ilustrações da esperança na poesia de Wolfgang

Ammon.

A literatura foi o melhor espelho da problemática do imigrante

em relação a velha pátria/nova pátria, Alemanha/Brasil, passado/futuro

e saudade/esperança.

Entre os imigrantes surgem, no começo do século XX, dois

grupos de poesias que expressam a cisão interna do imigrante. O

primeiro revela de forma muito bela o sentimento de fidelidade com

relação ao Brasil e o entusiasmo pela nova pátria através de hinos que

exaltam a natureza brasileira e seus tesouros, sua dignidade e seu

futuro cheio de esperança, bem como a sua hospitalidade.

O outro grupo de poesia é expressão do sentimento de ligação

com a terra de origem, a saudade. É importante assinalar, que muitos

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escritores-imigrantes, escreviam poemas que pertenciam ora a um

grupo, e ora a outro, revelando o afeto dividido entre as duas pátrias.

Na história alemã, houve um tempo em que a população era

apegada às suas crenças arcaicas que se expressaram no mito da

"terra e do sangue" (Boden und Blut).

A sobrevivência destas crenças se revela claramente na visão

naturalista que se refugiou na literatura popular do século XVIII.

Por outro lado, essa mesma problemática Blut und Boden é

transferida com o imigrante para a terra adotiva e, aparece fortemente

refletida na literatura, escrita aqui no Brasil em língua alemã, quando o

tema é o filho do imigrante, o assim chamado teuto-brasileiro

(Deutschbrasilianer). Este é definido como sendo alemão pelo sangue

(Blut) e brasileiro pelo solo (Boden). O filho do imigrante é, pois, uma

mistura dos ideais dos antepassados com os ideais brasileiros.

Para Wolfgang Ammon o tema "Blut und Boden" pode ser

ilustrado no artigo Unsere Heimat...unsere Zukunft (Nossa

pátria...nosso futuro) no qual enfatiza para os brasileiros de

ascendência alemã o dever de fidelidade à pátria brasileira por uma

"questão de solo", e o respeito à cultura dos seus antepassados por

uma "questão de sangue".

Essa característica ammoniana, defendendo a cultura alemã ao

lado da cultura brasileira, incentivando a troca de conhecimentos entre

elas para o enriquecimento mútuo, transparece em toda sua obra de

maneira geral.

Com o propósito de ilustrar aqui, traços de esperança no

imigrante alemão presentes na obra ammoniana, escolhemos a poesia

lírica, por acolher melhor, a nosso ver, a sensibilidade peculiar do

imigrante.

A lírica é, segundo Emil Staiger, o gênero compartilhado pelos

que se encontram na mesma "disposição anímica", identificando o

imigrante escritor e o imigrante leitor. Sendo a recordação, igualmente,

a base deste gênero, pois nele o passado não está longe nem

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terminou, mas é um tesouro da recordação, e sendo o "íntimo" algo

recordado, algo passado ou ainda futuro, é ele que melhor expressa a

situação do imigrante: a cisão interior e exterior que abrange todas as

dimensões, porém se intensifica nos polos da saudade e esperança.

Os poemas de Ammon expressam uma profunda interiorização

de sentimentos e emoções. Mostram experiências de vida que

apresentam não só determinadas impassibilidades do ser humano,

como também sua esperança em superar os dias negros e depressivos

que podem surgir na vida de cada um de nós. É o que percebemos no

poema abaixo:

Licht und Schatten Luz e sombra

Das Leben gab dir soviel Licht A vida deu-lhe tanta luz

Und kam ein dunkles Jahr. E veio um ano tenebroso.

Da dachtest du der Sonne Nicht Então você não se lembrou do sol

Die immer mit dir war. Que sempre esteve com você.

Kommt nun einmal die Dunkelheit Quando a escuridão surgir uma vez

So darfst du nicht vergessen, Você não poderá se esquecer

Wie du so manche frohe Zeit Quanto tempo feliz você teve

Im hellen Licht gesessen. Na luz. 8

Este poema, curto, desenvolve preliminarmente o tema

proposto pelo título em que se contrapõem "Licht" e "Schatten".

Para maior compreensão do poema, partiremos da estrutura

que revela expressões que se opõem como:

Licht Schatten

(luz) (sombra)

frohe Zeit dunkles Jahr

(tempo alegre,feliz) (ano negro, escuro)

8Trad. Ingrid Assmann. A tradução literal aqui apresentada tem o intuito de conduzir melhor para a análise do

poema.

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hellem Licht Dunkelheit

(luz clara,brilhante) (escuridão)

Sonne

(sol)

A oposição desses termos, quer a nível do significado, quer a

nível da estrutura, comprova a dualidade natural que caracteriza o

imigrante.

No poema, tudo aquilo que esclarece, como a luz, o tempo

alegre, feliz e o sol, ilumina o espírito para a inteligência, para o saber,

para a verdade, certeza, felicidade, alegria e, por consequência, à

esperança que mora neste clarão de luz.

Em oposição, temos a sombra, por extensão um ano escuro,

trevas, que entristecem a alma, impedindo a comunicação entre

pessoas e conduzindo o "eu lírico" ao isolamento, à solidão, à sentir

saudade de pessoas ou coisas distantes, que talvez estejam do outro

lado do oceano.

No poema a seguir, o poeta revela a existência de uma força

superior que orienta e auxilia os homens na vida. Porém, é o homem, a

peça fundamental, que irá determinar o tipo de auxílio e orientação que

quer para si. Senão, vejamos:

Das Schicksal O destino

Das Schicksal wirkt auf unser Denken O destino age sobre nosso pensar

Es gibt uns, was wir sollen ein. E faz com que este surja.

Wir glauben unser Schiff zu lenken, Nós acreditamos conduzir nosso navio,

Doch stärkre Hand führt unser Sein. Mas é uma mão mais forte que dirige nosso ser.

Den Kopf mach frei von tötenden Gedanken Liberta a cabeça de pensamentos ruins

Und schüttle ab was dich bedrückt. E livra-te da aflição.

Hat doch das Leben immer dich beglückt Pois a vida sempre te agraciou.

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Wie kann dein Lebensglaube wanken? Como podes vacilar agora diante dela?9

Ammon não vê o destino apenas, como uma sucessão de fatos

que constituem a vida do homem, considerados como resultantes de

causas independentes de sua vontade. Para ele, o destino age sobre

nossos pensamentos, mas quem determina, em grande parte, se esses

são positivos ou negativos, somos nós mesmos. Daí, o incentivo do

poeta em termos confiança em nós, esperança na vida para que esse

pensar, que age e interage no destino, possa torná-lo luminoso e

verdadeiro.

Na primeira estrofe, o tempo verbal predominante é o presente

(wirkt, gibt...ein, glauben, führt), e, nas palavras de Staiger, "o

presente é o tempo gramatical por excelência da lírica". Tira das ações

verbais sua temporalidade, como se houvesse em mergulho no eterno

onde as ações permanecessem inalteráveis como o fluir do tempo.

Já, na segunda estrofe, o tempo que se instaura é o imperativo.

Essa ordem expressa pelo verbo está subordinada à consecução de um

fim determinado, ou seja: Se quiseres ser feliz, livra-te de

pensamentos tenebrosos e de tudo que possa afligir. Não permitas que

a depressão, a saudade que entristece, encubram a alegria, a

esperança que ilumina tua vida.

Para tanto, Wolfgang Ammon, no poema seguinte, mostra-nos,

como alcançar essa felicidade.

Guter Rat Conselho bom

Nicht zuviel vom Leben halten! Não esperar muito da vida!

Nicht zu sehr am Leben hängen! Não se agarrar muito à vida!

Lasse nur das Schicksal walten, Deixa apenas o destino reinar,

Auf dein Endziel wird's dich drängen. Ele te empurrará ao objetivo final.

Aber während deines Lebens Porém durante tua vida

9

Trad. Ingrid Assmann. A tradução literal aqui apresentada tem o intuito de conduzir melhor para a análise

do poema.

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Nütze jede frohe Stunde, Aproveita cada hora feliz,

Lebe keinen Tag vergebens, Não vivas nenhum dia em vão

Mit der Freude sei im Bunde! Fica em união com a alegria!

Jede Blume sollst du pflücken, Tu deverás colher toda flor,

Die dir blüht am Wegesrande, Que floresce à beira da estrada,

Nehmen sollst du mit Entzücken Deverás aceitar com encanto

Jede Freude dir zum Pfande. Cada alegria.10

O poema todo é perpassado por um forte jogo de ideias, que

ora se opõem e ora se complementam.

O título Gute Rat já nos remete a um pensamento positivo. No

entanto, essa expectativa se quebra diante dos quatro primeiros

versos. Nesses, o "eu lírico" parece assumir uma atitude de

conformismo diante da fatalidade da vida de todos nós: a morte.

Versos como "Nicht zuviel von Leben halten!" e "Nicht zu sehr am

Leben hängen" soam como frases prontas, taxativas, misteriosas e

enigmáticas que entristecem a alma. Cria-se, então, o clima de

escuridão e sombras propício para a total ausência de ação. Senão

vejamos:

"Lasse nur das Schicksal walten,

Auf dein Endziel wird's dich drängen."

Porém, a adversativa “aber”, que introduz as duas estrofes

seguintes, vem romper essa noite de trevas como se fosse um raio de

sol. Quebra, dá brilho e aquece a vida estimulando o leitor para lutar, e

procurar ser feliz com alguém, já que a felicidade não pode ser vivida

sozinha.

Consequentemente, diante da morte,"Endziel" (objetivo final) de

todo ser vivo, temos a vida que deverá ser vivida intensa e

plenamente. Este é o bom conselho (Guter Rat) que o poeta nos dá, e,

10 Trad. Ingrid Assmann. A tradução literal aqui apresentada tem o intuito de conduzir melhor para a análise

do poema.

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o fio condutor que nos ilumina nesse caminho é a esperança, a união

constante com a alegria (Mit der Freude sei im Bunde).

Para concluir a ilustração dos traços de esperança presentes no

imigrante, diríamos que para Wolfgang Ammon não é suficiente desejar

a felicidade apenas, é necessário lutar por ela. O poema, que

apresentamos a seguir, concretiza essa visão forte e verdadeira do

poeta.

Wünschen und Wollen Desejar e querer

Nicht "wünschen" nur, das Glück herbei zu führen. Não apenas "desejar" trazer a felicidade.

Nein..."wollen" muBt du; muBt das Leben zwingen; Não... você tem de "querer"; tem de forçar a vida;

Darfst keinen Augenblick dein Ziel verlieren: Não pode em momento algum perder o objetivo:

Und Willenskraft wird dir Erfüllung bringen. E a força de querer trazer-lhe-á realização.

Das "Wünschen" ohne "Wollen" ist ein Nebel, O "desejar" sem "querer" é uma névoa,

Es baut auf Wolken seines Lebens Glück. Que constrói a felicidade de sua vida sobre nuvens.

Der Wille aber ist der starke Hebel: Mas o "querer" é a firme alavanca:

Mit eigner Hand schafft er sich sein Geschick Que com mão própria alcança sua sorte.11

O "desejar" sem o "querer" intensamente não pode trazer

realização nem felicidade. Nesse sentido, o "desejar" é um sonhar

dormindo, uma fantasia, algo vago e difuso.

Para o poeta,

"Das Wünschen ohne Wollen ist ein Nebel,

Es baut auf Wolken seines Lebens Glück"

esse "desejar" sem "querer", que constrói sobre nuvens sua felicidade,

conduz à alienação, à solidão e a saudade, pois procura se "consumir

num passado já superado"12.

11

Trad. Ingrid Assmann. A tradução literal aqui apresentada tem o intuito de conduzir melhor para a análise

do poema.

12 Ernst Bloch. op.cit., p.83

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Por outro lado, o "querer" é um sonhar acordado no qual o

homem imagina planos futuros em que os problemas e as dificuldades

onipresentes são superados. É nos sonhos acordados que transcende-

mos do presente para o futuro.

A imaginação, vista aqui como modalidade orientada, constrói a

felicidade sobre algo concreto e determinado, que leva à realização

plena e verdadeira, como mostra o poema:

"Der Wille aber ist der starke Hebel:

Mit eigner Hand schafft er sich sein Geschick".

Ainda quanto a diferença entre o "desejar sem querer" e o

"querer intensamente", questionado por Ammon, podemos dizer que

está relacionado diretamente com a vida do imigrante.

Assim, o "apenas desejar" vir para uma terra nova não traz

felicidade. Para tanto, é preciso "querer", que nos remete a origem

latina "quaerere" que quer dizer "procurar". Procurar a felicidade todos

os dias, lutar por ela intensamente mesmo deparando-se com

dificuldades inerentes a todo processo de assimilação e aculturação.

Nesse sentido, o poema, e por extensão, toda obra de arte,

segundo Bloch, não pode substituir o mundo, mas indica, sugere,

persuade que essa realidade presente pode ser alterada. No caso

específico do imigrante, mesmo que esse mundo não pôde ser

transformado para ele, não permitiu que a luz do fim do túnel, ou seja

a esperança de realização, se apagasse. Consequentemente, o "querer

intensamente" que constrói a felicidade segura e plena pode ser

alcançada por seus descendentes.

IV- Conclusão

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No decorrer deste trabalho procuramos revelar, através da obra

lírica de Wolfgang Ammon, traços de esperança presentes num tipo

humano muito peculiar: o imigrante.

Nossa opção recaiu sobre a lírica ammoniana, por esta estar

ligada diretamente à expressão dos sentimentos e emoções do ser

humano.É o "veículo do sentimento", para T.S. Eliot, pois não sabemos

"sentir" numa língua estrangeira. A personalidade de um povo é

expressa pela língua, assim como seu pensamento está condicionado a

linguagem.

Nos poemas analisados, verifica-se a existência de um "eu--

lírico" dividido entre o passado, a saudade da velha pátria, e o futuro,

com a esperança de vencer na nova terra.

Na obra de Ammon, essa temática atinge uma expressão

universal, pois trata a imigração como a infindável peregrinação do

homem, desde sua origem, à busca de um mundo novo, melhor.

Mundo onde possa encontrar a felicidade tão procurada para a sua

realização, enquanto ser humano, e que dela necessita para atingir a

plenitude.

V- Bibliografia

AMMON, Wolfgang. "Unsere Heimat - unsere Zukunft". Der

Urwaldsbote, Blumenau, 23 jul.1937 e Deutsche Zeitung, São Paulo,

1937.

_______________. "Guter Rat". Rotermund Kalender, São Leopoldo,

p.233, 1924.

_______________. "Licht und Schatten". Kalender für die Deutschen

Evangelischen Gemeinden in Brasilien, Porto Alegre, p.85, 1931 e

Kalender der Serra Post, Ijuí, p.72, 1963.

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_______________. "Wünschen und Wollen". Rotermund Kalender,

São Leopoldo, p.77, 1933.

_______________. "Das Schicksal". Uhle’s Illustrierter deutsch-

brasilianischer Familien-Kalender. São Paulo, p.304, 1931.

BLOCH, Ernst. Dialética da Esperança. Rio de Janeiro, Ed. Paz e

Terra S/A, Série Rumos da Cultura Moderna, 1974, vol.46.

SCHADEN, Egon. "Der Deutschbrasilianer - Ein Problem". In: Staden -

Jahrbuch. São Paulo,2: 181-194, 1954.

STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais de Poética. Rio de Janeiro,

Tempo Brasileiro, 1969.

WILLEMS, Emílio. Aculturação dos alemães no Brasil. Estudo

antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil.

São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1980.

5.

A imagem do negro e do índio na obra

ammoniana.

Ingrid Ani Assmann

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A questão racial teve grande repercussão no final do século XIX

e primeira metade do século XX em toda a Europa e na América,

devido, principalmente, a teorias como as de Arthur Gobineau, Charles

Darwin e Herbert Spencer.

Gobineau acreditava na existência de uma raça superior - a

"ariana" ou "nórdica"- que deveria guiar o gênero humano. Por outro

lado, a teoria evolucionista de Darwin afirmava que as raças mais

capazes sobreviveriam, cabendo-lhes orientar as menos capazes.

Tanto no Brasil, como em outros países do Novo Mundo, essas

teorias tiveram grande ressonância, causada pela experiência histórica

de séculos de escravidão.

A teoria social de Spencer tinha por base a pressuposição de

que o forte sobreviveria e o fraco, para o bem da sociedade como um

todo, seria eliminado. No Brasil, particularmente, os darwinistas sociais

ou evolucionistas, inspirados pela teoria spenceriana, encontram

"terreno fértil, porque os negros eram vistos pelos brancos brasileiros

como uma raça inferior."13

As ideias de Spencer estavam em consonância com os objetivos

da política oficial da República Velha (1889-1930) e da burguesia

brasileira, que defendia o conceito de supremacia da cor branca.

Na década de 80, portanto, o ideal de "branqueamento"

aglutina-se ao liberalismo político e econômico para produzir uma

imagem nacional mais definida e desenvolvida em vários níveis. Neste

sentido, basta lembrar a atitude do Barão do Rio Branco ao apresentar

o Brasil como país culto e civilizado, com predomínio da raça branca.

A imagem nacional desejada é refletida na atitude do governo

em relação à imigração, através da propaganda dirigida a estrangeiros

pelas agências oficiais. Repercute também na produção de intelectuais

que exprimiam o pensamento da elite brasileira.

13

- David Brookshaw. Raça e cor na literatura brasileira, p.43.

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Temerosa, essa elite luta, durante os anos que se seguiram à

Abolição da Escravatura, contra a ameaça de usurpação sócio-cultural

pelo negro.

Tal sentimento está bastante explícito no Canaã (1901), de

Graça Aranha, em virtude do "tratamento pessimista dado ao mestiço e

pela busca de salvação no imigrante europeu."14

A interpretação simbólica da cor branca ligada a um valor

positivo, e da cor negra a um valor negativo, revela-se tanto na cultura

literária brasileira quanto na do Velho Mundo, segundo Brookshaw.15

Na cultura europeia e na brasileira, essa interpretação permanece no

folclore e no patrimônio literário e artístico de ambas.

Para Sartre16, a poesia dos negros é, antes de tudo, uma

tomada de consciência. Uma vez que são oprimidos por causa da raça,

é, pois, dela que lhes cumpre tomar consciência.

No Brasil, podemos dizer que há alguma coisa em comum entre

o negro escravo e o imigrante alemão, pois ambos são exilados, vivem

entre dois mundos, sentem e cantam a saudade nos seus versos e

romances.

Tanto o imigrante como o negro passam aqui por uma espécie

de "corte do cordão umbilical". A diferença é que o imigrante vem

espontaneamente, para ficar, geralmente com a família a fim de iniciar

nova vida. Já o negro vem forçado, constrangido, para, como escravo,

servir o branco.

Na literatura brasileira a figura do negro aparece depois de 1850

com a abolição do tráfico de escravos. Desde então sofreu múltiplas

interpretações que vão desde os estereótipos "Escravo Imoral",

"Escravo Demônio" até "Escravo Fiel" e "Escravo Nobre".17 Esses

clichês refletem, assim, as diversas tendências em relação ao

"problema do negro".

14

- David Brookshaw. op. cit.,p.18 15

- ibidem. p.21. 16

- Jean-Paul Sartre. "Orfeu Negro". p. 108 17

David Brookshaw. op. cit. pp.28-38

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No Brasil, como em outros países latino-americanos, o primeiro

símbolo humano de uma identidade nativa foi o habitante original, o

Índio.

Aqui, entretanto, o índio foi uma figura muito mais abstrata do

que na maioria dos países de língua espanhola: à época da

independência os índios que restavam viviam afastados do núcleo de

habitação dos brancos, não fazendo parte da estrutura social da nação.

Mesmo assim o índio é enfocado, pelo romântico espírito de

independência e liberdade do século XIX, ligado ao nacionalismo e à

procura de uma autêntica identidade brasileira: "Liberdade individual e

nacionalismo foram então simbolizados pela figura do Índio.18

Na literatura indianista o negro aparece para contrastar com o

índio. O negro representa a realidade da raça dominada, trabalhando

nas plantações do colonizador. Não se constituía em rival para o mítico

índio em termos de atração literária. Este era, por natureza, corajoso e

orgulhoso de sua independência, enquanto o negro apresentava uma

índole de sujeição, humilde e conformada.

No presente século, a "busca de material primitivo", cujo

interesse residia precisamente no que trouxesse de diferente, e a

substituição dos valores culturais europeus por valores nacionais, faz

com que os modernistas brasileiros, em geral, deem um destaque

maior e melhor ao índio do que ao negro.

Entretanto essa expectativa literária nem sempre corresponde à

realidade. O imigrante alemão no sul do país, por exemplo, tem, no

início, uma atitude hostil em relação ao índio, a quem considera um

depredador. Tal choque cultural tem fundamentos bastante razoáveis.

De um lado, o índio luta incansavelmente pela sobrevivência num

território que, aos poucos, desde o descobrimento da América, era-lhe

conquistado. De outro lado, vê-se o imigrante, cheio de esperança por

dias melhores, encontrando aqui representantes de uma raça estranha

da qual tinha pouco ou nenhum conhecimento.

18

David Brookshaw. op.cit. p.27.

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Na maioria das vezes, o imigrante "desconhecia a existência de

grupos indígenas nas terras que passaria a habitar ou vinha da Europa

com ideias preconcebidas.19

Na Europa as Companhias Colonizadoras propagavam, como já

vimos, que as regiões a serem colonizadas eram um paraíso. Assim,

para o imigrante, a presença repentina do indígena era muitas vezes

uma novidade assustadora como, para o índio, a presença do

imigrante.Podemos dizer que, a imigração para o sul do Brasil

representou para os alemães o que a invasão dos bárbaros significou

para os romanos.

Os problemas teóricos presentes nas discussões do fim do

século passado e início deste século, quer em relação ao negro quer em

relação ao índio, refletem-se na obra teuto-brasileira de Wolfgang

Ammon.(1869 - 1938).

De maneira geral, existia na mente do imigrante alemão a

imagem de um índio devastador e de um negro perverso e ladrão. Essa

imagem estruturou-se e foi motivada a partir das teorias já

mencionadas, e também por pensamentos "racistas"como os de John

Down, Cesare Lombroso e Nina Rodrigues. Estes médicos, atribuíam ao

criminoso nato os traços físicos dos negros e dos índios. Devido a esse

fatalismo biológico, estigma das raças inferiores estavam, pois,

congenitamente condenadas à indolência, à violência e a miséria.

Ammon apresenta o índio no capítulo XXV do romance Hansel

Glückspilz, quando o herói é encarregado, pelo patrão, de descobrir a

causa do prejuízo da Fazenda Lavrinha. Hans é informado pelo

administrador que a fazenda estava sendo atacada por índios,

responsáveis pela redução do rebanho bovino.

Para convencê-lo, o administrador percorre com Hans alguns

trechos da fazenda onde foram encontradas carcaças de gado, flechas

e pegadas de índios.

19

-Lígia T. L. Siminian. "Os Índios do Sul do Brasil e a Imigração". p.222.

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Após essas provas o rapaz parecia convencido das palavras do

administrador e receava um ataque de índios, pois

"...er wusste aus Zeitungsberichten und Erzählungen von

Bekannten, daB die Buger... mit einem unbeschreiblich grässliches

Geheul überfallen... Vieh rauben und Menschenleben

bedrohen."(pp.224-25)

"...ele sabia, através de artigos de jornal e relatos de

conhecidos, que os bugres atacam... com um uivo indescritível e

horrível... roubando gado e ameaçando vidas humanas."

Percebe-se claramente no texto o medo causado pelo índio,

apresentado como uma figura assustadora que originava temor,

insegurança e angústia.

Entretanto, após um ataque dos índios, apreciado por Hans, ele

e um amigo descobrem, com espanto, que o administrador e seu filho

aproveitaram-se da ingenuidade de um grupo de índios para convencê-

lo de vez e ocultar a gritante verdade: era o próprio administrador que

roubava o gado para vendê-lo particularmente e usufruir o lucro.

O índio, ser primitivo, é descrito pelo narrador como:

"...Diese Buger...halbzahmer Indianer waren nicht

kriegerisch veranlagt, sie bettelten und stahlen nur, was sie zum Leben

brauchten...gegen zwei geschenkte Schweine und einen fetten Ochsen

(vereinbarten sie) den fingierten Überfall." (p.231)

"...Estes bugres... Índios meio mansos não tinham

inclinação para guerrear, mendigavam e roubavam apenas o que

precisavam para viver... em troca de dois porcos e de um boi gordo

combinaram o simulado ataque."

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Ammon mostra claramente a situação do índio. De maneira

geral, independente de sua tribo - Kaingang ou Xokleng, tribos típicas

da região sul habitada por imigrantes - o índio lutava pelo espaço

físico, que lhe estava sendo usurpado. Tal espaço era vital para sua

sobrevivência como grupo, já que sua alimentação baseava-se na caça,

na coleta do pinhão e de outras frutas silvestres.

Da mesma maneira com que o narrador desmistifica, para Hans,

a imagem que este tinha do índio, Ammon desmascara a notícia de

jornal que apresentava o nativo como "bandido".20

Na narrativa fica claro ao leitor que o bandido da estória não era

o índio, mas o branco. Além de tomar-lhe as terras, o branco ainda

usava a imagem estereotipada do índio para encobrir as próprias

perversidades.

Para apresentar sua visão do negro Wolfgang Ammon escreve

um conto intitulado Der Neger (O Negro), datado de 1937, época em

que a formulação da tese do "branqueamento" já estava sistematizada.

Neste conto, segundo o subtítulo "aus dem Leben der Kolonisten",

narra uma estória, que pretende verídica, transcorrida numa colônia

teuto-brasileira.

O colono Perlhahn, depois de pagar a terra que comprou,

pretende adquirir mais alguns hectares. No entanto, à época do

pagamento da última parcela vencida, ele não tinha conseguido o

dinheiro. Porém a situação se resolve quando seu irmão envia-lhe o

dinheiro que lhe cabe de herança pela venda da casa na Alemanha.

De posse do dinheiro, Perlhahn pretende pagar sua dívida para

com a Companhia de Colonização. Neste ínterim, sua mulher teve um

filho e necessitou da ajuda de uma parteira, a qual toma conhecimento

do dinheiro recebido pelo colono.

20

- O governo estadual de Santa Catarina e as companhias de colonização encarregaram tropas de

"bugreiros" para exterminar grupos indígenas. A história do contato destes grupos com os imigrantes foi

amplamente divulgada pelos jornais, sendo o índio, com raras exceções, apresentado como "bandido",

"terror", "preguiçoso "e "incapaz". Cf. Lígia T.L.Siminian op.cit.p.223.

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Paralelamente, comenta-se em toda a colônia que casas estão

sendo assaltadas, aparentemente por

"...Ein grosser, starker Neger soll der Anführer

sein."(p.88)

"...um negro grande e forte, cabeça de um bando."

Durante a dieta da mulher, a parteira vem todos os dias ajudá-

la. Um dia porém, o marido da parteira não vem buscá-la e ela pede

para o Sr. Perlhahn levá-la até sua casa. Nessa hora, durante a

ausência do marido, a parturiente é assaltada e, assustada, acaba

atirando no agressor, um negro.

Quando Perlhahn volta para casa, encontra o negro morto,

chama a polícia para remover o corpo e, neste instante, revela-se a

verdadeira identidade do assaltante.

"... Sie packten den leblosen Körper an, um ihn hinaus in

den Schuppen zu tragen. Dabei löste sich die schwarze Farbe von der

Faust des Negers.

...Sie wischten mit einem Taschentuch über das Gesicht

des Toten... die schwarze Farbe blieb am Tuch haften ... und es

erschien... das rote, wohlbekannte, dicke Gesicht des

Schmiedes".(p.94)

"... Eles pegaram no corpo sem vida para levá-lo ao

barracão. Nisso, uma tinta preta soltou-se do punho do negro.

... Eles esfregaram com um lenço o rosto do morto... a

tinta preta grudou no lenço... e apareceu... o rosto vermelho, gordo,

bem conhecido, do ferreiro, marido da parteira."

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Como a comunidade teuto-brasileira vive aterrorizada pela

figura do negro, pretensamente perverso, ladrão e mau caráter, o

ferreiro alemão vale-se dessa imagem e simula ser negro para cometer

o assalto.

O narrador desmascara o ladrão para demonstrar que este não

era um negro, mas um branco, um alemão. Dessa forma ilustra que

não é pelo fato de ser negro que se é ladrão e perverso e, por outro

lado, que nem todo branco é, necessariamente, bom e honesto. Tanto

o mau quanto o bom caráter existem independente da cor da pele ou

da cultura. Os homens são iguais, a cor da pele é apenas um detalhe

sem importância.

Assim, percebemos que Ammon inspira-se em uma ética

humanitária, pois tanto o negro como o índio são elementos sobre os

quais projeta sua liberal sensibilidade cujo centro de concepção é o

homem. Trata o tema da igualdade do ser humano a partir do ponto de

vista de que não existe superioridade de raça ou cor, mas, sim, de

comportamento e vivência representados por características tais como

igualdade, simplicidade, humildade e honestidade. Esses valores

perpassam a obra ammoniana de maneira globalizante e transparente.

BIBLIOGRAFIA

AMMON, Wolfgang. Hansel Glückspilz : Abenteuer und Erlebnisse eines jüngen Brasilianers. Curitiba, Impressora Paranaense Max Schrappe,

1926.

________________. "Der Neger". In: Koseritz Kalender. Porto Alegre, 1936, p. 83-95.

BROOKSHAW, David. Raça e cor na literatura brasileira.

Trad. Marta Kirst. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.

SARTRE, Jean Paul. "Orfeu Negro". In: Reflexões sobre o Racismo. Trad. J. Guinsburg. São Paulo, Difusão Europeia do Livro,

1960.

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53

SIMONIAN, Lígia T. L. "Os índios do sul do Brasil e a

Imigração". In: Anais do 1o Simpósio de História da Imigração e Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. São Leopoldo,

1974, p.221-224.

6.

Notas sobre uma experiência de tradução:

Hansel Glückspilz de Wolfgang Ammon

Ingrid Ani Assmann

Wolfgang Ammon (1869-1938) um significativo escritor da

literatura teuto-brasileira (Deutschbrasilianische Literatur), consciente

de que a expressão literária apropriada constitui um fator relevante

para a educação da juventude, escreve em 1926 o romance Hansel

Glückspilz (Joãozinho Felizardo).

Fazendo-se uma retrospectiva histórica da literatura infanto-

juvenil no Brasil, pode-se observar que não há uma literatura

brasileira para crianças no século XIX, mas apenas uma literatura

importada. Em outras palavras, os jovens recebiam sua formação

cultural diretamente da Europa, através de traduções. Este panorama

começa a se alterar, a partir de 1920, quando Monteiro Lobato

escreve seus primeiros livros para a juventude brasileira.

Entre os autores alemães que participaram no processo de

formação cultural das crianças brasileiras, podemos citar os irmãos

Grimm. A fama dos contos de Grimm (Kinder- und Hausmärchen de

1812) chega ao Brasil através da versão adaptada por Monteiro

Lobato em 1934.

O romance Hansel Glückspilz foi escrito por Ammon com o

intuito de aproximar o Brasil, com todas as singularidades e belezas,

dos filhos dos imigrantes alemães. Para ele, os textos importados não

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correspondiam às necessidades dos jovens que viviam aqui sob a

“influência” do Cruzeiro do Sul.

É importante salientar que, nesse período, os “jovens

brasileiros” do sul do Brasil eram ainda, quase que exclusivamente,

alfabetizados em língua alemã.

A narrativa, em questão, é composta de vinte e oito capítulos

que se apresentam como unidades mais ou menos independentes.

Cada capítulo expõe uma situação inicial, de equilíbrio ou

desequilíbrio, e o desenvolvimento de uma ação transcorrida e

concluída no próprio capítulo.

O elemento de ligação entre todos os capítulos é o personagem

central, Joãozinho, que o narrador molda como exemplo para seus

leitores.

A narrativa começa quando Joãozinho tem apenas 7 anos. No

decorrer da mesma são relatadas todas as aventuras e experiências,

que o protagonista vivencia até aproximadamente vinte e cinco anos

de idade.

O cenário do romance é bastante amplo, pois, Joãozinho é

conduzido através de paisagens diferentes que se estendem desde a

planície tropical até o planalto de clima mais ameno; da mata virgem

sussurrante ao campo livre e verde; do bramido do mar à mata da

erva-mate nativa; da colheita do chá à criação de gado na fazenda

solitária.

Essas idas e vindas são oportunidades das quais o narrador se

vale para descrever, minuciosamente, a paisagem do sul do Brasil e,

ao mesmo tempo, mostrar o crescimento do personagem, que

aprende a conhecer diversas classes de pessoas e vivencia profissões

diferentes.

Assim, envolvida por uma paisagem real e suave, a narrativa

aproxima a terra natal dos filhos de imigrantes alemães através de

um romance de leitura cativante.

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Na tradução de uma obra, o tradutor, qualquer que seja a sua

finalidade, precisa percorrer muitos caminhos para transpor um texto

de uma cultura para outra. A conscientização dos traços culturais de

sua própria cultura e língua, bem como um conhecimento profundo

da língua e das regras e convenções que regem e determinam o

comportamento do indivíduo na outra cultura são fatores

indispensáveis para a formação básica de um tradutor.

Sabemos que uma tradução é uma modificação de um texto

“original”, e nunca uma diminuição ou ampliação do mesmo. Assim, o

texto “traduzido” não é o mesmo do texto de “partida”.

Na obra em questão, por se tratar de obra situada fora da

nossa época, temos que optar, inicialmente, em transformar e

modernizar ou não a sua atmosfera linguística, trazendo-a para nós.

Assim:

o pronome de tratamento usado na narrativa no original, Sie (o

senhor, a senhora) revela um tratamento formal, de respeito. A

tradução de Sie por senhor/a na escritura do romance seria uma fato

natural na década de 20.

Atualmente, década de 90, resolvemos continuar a traduzir o

Sie por senhor/a na relação do menino com os outros personagens

mais velhos em discurso direto ou indireto livre. Assim temos:

“...Sowohl Herr Dr. Bark wie Herr Rodrigo hatten ihm das

Versprechen gegeben...”(p.190)

“... Tanto do Dr. Bark como o senhor Rodrigo prometeram-lhe isso...”

Já no discurso indireto, onde temos o tratamento também

formal com Herr, Herr Dr. optamos pela tradução com o pronome

você.

“...und erhielt von Herrn Bazilio die Erlaubnis...”(p.236).

“...e recebeu permissão de Basílio...”

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os nomes próprios, que se encontram na narrativa, em alemão,

foram traduzidos por seus correspondentes em português. Já, os

nomes dos irmãos, Hansel und Gretel, principais protagonistas do

romance, foram adaptados para o português como Joãozinho e Maria.

É importante observar que estes nomes aparecem traduzidos na obra

como Joãozinho (Hansel), e Guida (Gretel), em várias passagens da

narrativa.

No original, a menção de Hansel und Gretel remete-nos aos

irmãos dos contos de fada, dos irmãos Grimm. Porém, na tradução

dada pelo narrador no romance este elo se perde. Joãozinho tem uma

outra irmã com o nome de Maria. Parece-nos que o autor desdobrou

a personagem feminina dos contos de fada em Gretel e Marie. Para

que a relação com a fábula - os dois irmãos se perdem na floresta e

vão parar na casa da bruxa - não se perdesse, pois o primeiro

capítulo do romance traça um paralelo com esta - a irmã desaparece

na floresta e Joãozinho sai à sua procura, encontrando-a com um

bando de ciganos - mantivemos a adaptação já existente de

Joãozinho e Maria. No entanto, Marie, do original, foi traduzido por

Margarida.

Podemos dizer que, Wolfgang Ammon é escritor e tradutor de

seu próprio texto. Escritor enquanto cria um texto para os filhos dos

imigrantes alemães no Brasil. Escritor/Tradutor enquanto escreve e

“traduz” a cultura brasileira para os jovens alemães na Alemanha. A

finalidade do autor é atingir o público juvenil, porém sua dupla

função, que aparece formalmente no texto, relaciona-se às culturas

brasileira e alemã.

No romance Hansel Glückspilz, cuja ação se desenrola numa

comunidade brasileira, Ammon coloca ao lado da palavra portuguesa,

a palavra correspondente em alemão entre parênteses. Na tradução,

esta preocupação formal de Ammon, tornou-se desnecessária, à

medida que o leitor faz parte da cultura brasileira. Citaremos alguns

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exemplos para melhor esclarecer a proposição do autor no texto

original:

“Carreira” (Wettrennen) (p.256)

“Mangueira” (Umzäunung) (p.342)

“...zu einem Queimado de Cachaça...” (abgebrannter Schnaps mit

Ingwer und Zucker) (p.258)

No entanto, há palavras referentes à fauna e flora que, ou por

não existirem correspondentes em alemão, ou por serem pouco

usadas, são mencionadas apenas no português: Sabiá, colibri,

Periquito, Jacú, Inambú, Saracura, Bem-te-vi, Araponga, Imbuias,

Canelas, Perobas, Sassafrás, Tarumãs, Araça e outras.

Aparecem também, não traduzidos, vocábulos que refletem os

costumes da região como Mate, Chimarrão, Cuia, Bombilha,

Churrasco, Rancho, etc.

O vocabulário português incorporado vem reforçar a imagem do

novo mundo, de cuja vida o romance em questão é um retrato

bastante fiel.

Por outro lado, encontramos grande dificuldade em traduzir

palavras como:

"Der Obercaixeiro" ( O caixa chefe) cap.10 .

"Caixeiro" (caixa)

"Oberlehrling" (Aprendiz chefe) cap.9.

"Lehrling" (aprendiz)

Estes substantivos indicam uma graduação na vida profissional

nos padrões da cultura alemã e os correspondentes encontrados em

português são:

"Der Obercaixeiro" - balconista chefe

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"Caixeiro" - balconista

"Oberlehrling" - mestre de aprendiz

"Lehrling" - aprendiz

As criações intralinguais baseadas na língua portuguesa e na

alemã, são também muito frequentes, e aparecem no texto da

seguinte maneira:

Cipósammeln - coleta do cipó

der Violaspieler - o tocador de viola

der Vendistensohn - o filho do vendedor

einen neuen Riscado-Anzung - um novo terno listrado

No decorrer do texto aparecem inúmeras palavras portuguesas

que não foram traduzidas para a língua alemã, porém, quando da sua

primeira menção, o narrador detém-se a explicá-las para o leitor.

“... In diesem Feuer wurden die Zweigspitzen für kurze Augenblicke

unter Drehungen angesengt, um die Bläter vor schneller Gärung zu

bewahren. Diese Prozedur nannte man “sapecar”.

“... Neste fogo as pontas dos ramos eram chamuscadas por alguns

instantes, para preservar as folhas de uma fermentação rápida. Este

processo chama-se “sapecar.”

“... Empacador Pferd, (welches nicht von der Stelle zu bringen ist)...”

“... Cavalo empacador...”(p.350)

Após esta explicação, as palavras são inseridas no contexto

linguístico alemão através da anteposição do artigo. Vejamos: der

Lasso, der Monjolo, der Fandango, der Curandeiro, die Roça, der

Mutirão, der Caixeiro, der Agregado, der Feiticeiro, die Fita, die

Bondes, der Vendist, das Empacador-Pferd.

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Recorrendo a esse processo de incorporação, a narrativa

enfocada adquire um colorido local que a torna, sob este aspecto,

bastante expressiva quanto à criação de uma determinada atmosfera

regional, a do Sul do Brasil.

Antes de concluirmos estas reflexões seria importante ressaltar

que este romance nos é hoje um “guia”, talvez idealizado, enquanto

revelação dos hábitos daquela época. Ou seja, o que no início era

novidade para os olhos dos “alemãezinhos”, hoje é novidade para

nossos olhos de leitores do fim do século. Enfim uma nova

descoberta.

Referências Bibliográficas

ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução. São Paulo: Editora Ática,

1986.

BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos Técnicos da Tradução. Campinas-SP: Pontes, 1990.

CATFORD, John Cunnison. Uma Teoria Linguistica da Tradução. São Paulo: Cultrix, 1980.

FREITAS, Ingrid Ani Assmann de. A Máscara Cai. Wolfgang Ammon

no contexto da literatura teuto-brasileira. São Paulo: Ed. Arte & Cultura, 1995, 125p.

ROSENTHAL, Erwin Theodor. O Universo Fragmentário. São Paulo:

Editora Nacional, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.

VERMEER, Hans J.. Skopos und Bibelübersetzung. In: Textcontext. Translation - Theorie - Didaktik - Praxis. Heidelberg: Julius Groos

Verlag, 1993, p.81-115.

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7.

Reflexões sobre a tradução do romance Hansel

Glückspilz de Wolfgang Ammon. (1869 - 1938)

Ingrid Ani Assmann

O romance Hansel Glückspilz (Joãozinho Felizardo) é de 1926 e é

considerado como obra pioneira no âmbito da literatura juvenil para leitores de

língua alemã do Brasil.

A narrativa é composta de vinte e oito capítulos que se apresentam

como unidades mais ou menos independentes. Cada capítulo expõe uma

situação inicial, de equilíbrio ou desequilíbrio, e o desenvolvimento de uma

ação transcorrida e concluída no próprio capítulo.

O elemento de ligação entre todos os capítulos é o personagem central,

Joãozinho, que o narrador molda como exemplo para seus leitores.

A narrativa começa quando Joãozinho tem apenas 7 anos. No decorrer

da mesma são relatadas todas as aventuras e experiências, que o protagonista

vivencia até aproximadamente vinte e cinco anos de idade.

O cenário do romance é bastante amplo, pois, Joãozinho é conduzido

através de paisagens diferentes que se estendem desde a planície tropical até

o planalto de clima mais ameno; da mata virgem sussurrante ao campo livre e

verde; do bramido do mar à mata da erva-mate nativa; da colheita do chá à

criação de gado na fazenda solitária.

Essas idas e vindas são oportunidades das quais o narrador se vale

para descrever, minuciosamente, a paisagem do sul do Brasil e, ao mesmo

tempo, mostrar o crescimento do personagem, que aprende a conhecer

diversas classes de pessoas e vivencia profissões diferentes.

Assim, envolvida por uma paisagem real e suave, a narrativa aproxima a

terra natal dos filhos de imigrantes alemães através de um romance de leitura

cativante.

Sabemos que o tradutor exerce grande influência na mensagem geral da

obra que traduz, pois cabe a ele optar por um certo nível de linguagem, adaptar

o texto e manter uma posição definida ante as personagens.

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Por outro lado ,o grau de respeito guardado com relação ao original,

talvez seja a mais difícil de todas as decisões a serem tomadas por um

tradutor.

Na obra em questão, por se tratar de obra situada fora da nossa época,

temos que optar, inicialmente, em transformar e modernizar ou não a sua

atmosfera linguística, trazendo-a para nós. Assim:

--o pronome de tratamento usado na narrativa no original, Sie (o senhor,

a senhora) revela um tratamento formal, de respeito. A tradução de Sie por

senhor/a na escritura do romance seria uma fato natural na década de 20.

Atualmente, década de 90, resolvemos continuar a traduzir o Sie por

senhor/a na relação do menino com os outros personagens mais velhos em

discurso direto. Já no discurso indireto, onde temos o tratamento também

formal com Herr, Herr Dr. optamos pela tradução com o pronome você

"...Der Herr Ribeiro..." ( Ribeiro...)

"...Herr Dr. Bark war früher Advokat..." (Bark era

advogado...)

--Optamos em manter o padrão monetário da época (milreis), já que

seria difícil encontrar um valor correspondente nos dias de hoje.

"...und erhält im ersten Jahr 30 Milreis Monatsgehalt..."

( ...e receberá no primeiro ano 30 milreis por mes...)

-- Os nomes próprios, que se encontram na narrativa, em alemão, foram

traduzidos por seus correspondentes em português. Já, os nomes dos irmãos,

Hansel und Gretel, principais protagonistas do romance, foram adaptados para

o português como Joãozinho e Maria. É importante observar que estes nomes

aparecem traduzidos na obra como Joãozinho (Hansel), e Guida (Gretel), em

várias passagens da narrativa.

No original, a menção de Hansel und Gretel remete-nos aos irmãos dos

contos de fada, dos irmãos Grimm. Porém, na tradução dada pelo narrador no

romance este elo se perde. Joãozinho tem uma outra irmã com o nome de

Maria. Parece-nos que o autor desdobrou a personagem feminina dos contos

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de fada em Gretel e Marie. Para que a relação com a fábula - os dois irmãos se

perdem na floresta e vão parar na casa da bruxa - não se perdesse, pois o

primeiro capítulo do romance traça um paralelo com esta - a irmã desaparece

na floresta e Joãozinho sai à sua procura, encontrando-a com um bando de

ciganos - mantivemos a adaptação já existente de Joãozinho e Maria. No

entanto, Marie, do original, foi traduzido por Margarida.

No romance Hansel Glückspilz, cuja ação se desenrola numa

comunidade brasileira, Ammon coloca ao lado da palavra portuguesa, a palavra

correspondente em alemão entre parênteses. Para maior fidelidade com a

forma, ou melhor, com o estilo ammoniano essas palavras, frases ou

expressões que aparecem entre parenteses, foram invertidas na tradução, ou

seja, nos parênteses foram colocadas as traduções portuguesas. Citaremos

alguns exemplos para melhor esclarecer a proposição:

"Invernada" (überwinterungsweide).

por-

"überwinterungsweide" (Invernada)

"Urubús" (Aasgeier)

por

"Aasgeier" (Urubús)

No entanto, há palavras referentes à fauna e flora que, ou por não

existirem correspondentes em alemão, ou por serem pouco usadas, são

mencionadas apenas no português: Sabiá, colibri, Periquito, Jacú, Bicho-berne,

Pinheiro, Inambú, Saracura, Bem-te-vi e outras.

Aparecem também, não traduzidos, vocábulos que refletem os costumes

da região como Mate, Chimarrão, Cuia, Bombilha, Churrasco, Rancho, etc.

O vocabulário português incorporado vem reforçar a imagem do novo

mundo, de cuja vida o romance em questão é um retrato bastante fiel.

Por outro lado, encontramos grande dificuldade em traduzir palavras

como:

"Der Obercaixeiro"( O caixa chefe) cap.10 .

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"Caixeiro" (caixa)

"Oberlehrling" ( Aprendiz chefe) cap.9 .

"Lehrling" (aprendiz)

Estes substantivos indicam uma graduação na vida profissional nos

padrões da cultura alemã e os correspondentes encontrados em português

são:

"Der Obercaixeiro" - balconista chefe

"Caixeiro" - balconista

"Oberlehrling" - mestre de aprendiz

"Lehrling" - aprendiz

No decorrer da narrativa deparamo-nos também com a citação de

inúmeros provérbios. Como exemplo citamos o seguinte provérbio e a forma

correspondente encontrada.

"Der Mensch denkt und Gott lenkt! ( o homem pensa e

Deus dirige) cap.11. "O homem põe e Deus dispõe!"

São frequentes as criações intralinguais, baseadas na língua portuguesa

e na alemã, e que aparecem no texto da seguinte maneira, por exemplo:

venda - Venda

picada - Pikade

complô - Komplott

Há palavras que não foram traduzidas pelo narrador, realçando a

característica regional do vocábulo. São inseridas no contexto linguístico

alemão através da anteposição do artigo. Vejamos: der Lasso, der Monjolo, der

Fandango, der Curandeiro, die Roça, der Mutirão, der Caixeiro, der Agregado,

der Feiticeiro, die Fita, die Bondes, der Vendist.

Na linguagem do romance aparece a composição de palavras, juntando

um radical português a um alemão: Das Empacador-Pferd; Lassowerfen;

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Matewald; Mateschuppen; das Tatuloch; der Obercaixeiro; die Maultiertropa;

Mandiocamühle; die Waldvenda; die Kampvenda; die Stadtvenda; Cipóammeln.

Na tradução para o português resolvemos manter a forma do discurso

grifando estes sintagmas, para que o destaque dado pelo narrador no original,

não se perdesse na tradução.

Recorrendo a esse processo de incorporação, a narrativa enfocada

adquire um colorido local que a torna, sob este aspecto, bastante expressiva

quanto à criação de uma determinada atmosfera regional, a do Sul do Brasil.

Por outro lado, a presença de expressões próprias da cultura alemã são

também abundantes. Como exemplo citamos:

"...der alte Cidral wohnte eine halbe Stunde weiter im

Walde. (cap.1)

"... O velho Cidral morava uma meia hora de

caminhada dali".

"...Nach halbstundigem Ritt vernahm Hansel..." cap. 14.

"...após meia hora de cavalgada..."

Finalmente, um dos problemas cruciais por nós defrontados no decorrer

do processo da tradução é o que se refere a precisão minuciosa com que o

narrador define as cores. Exemplo:

"...in dunkelgrünem Laub..." ( na folhagem verde

escura...)

"...viele goldgelbe Orangen..."( muitas laranjas amarelo

ouro...)

"...schwärzlich grüne Kaffeesträucher..."( os verdes-

enegrecidos pés de café...)

Estas são algumas das dificuldades encontradas no processo de

tradução do romance em questão e as soluções dadas.

Referências Bibliográficas

ARROJO, Rosemary. Oficina de tradução. São Paulo: Editora Ática, 1986.

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65

BARBOSA, Heloisa Gonçalves. Procedimentos Técnicos da Tradução.

Campinas, SP: Pontes, 1990.

CATFORD, John Cunnison. Uma Teoria Linguística da Tradução. São Paulo:

Cultrix, 1980.

ROSENTHAL, Erwin Theodor. O Universo Fragmentário. São Paulo: Editora

Nacional, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975.