willian bitencourt - perse.com.br · monstro vinha sorrateiro. ... zé, o esperto condutor,...

15
Willian Bitencourt O Baú e o Despertar Primeira Edição Angra dos Reis

Upload: dinhthuan

Post on 29-Aug-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Willian Bitencourt

O Baú e o Despertar

Primeira Edição

Angra dos Reis

B536O Bitencourt, Willian

O Conde. Vol. 1. O Baú e o Despertar/Willian Bitencourt

Angra dos Reis / Editora Perse / 2013

211 P

ISBN livro impresso: 978-85-8196-381-5

ISBN E-BOOK: 978-85-8196-382-2

1. Literatura brasileira. 2. Ficção.

I. Título

CDD: 899.3

CDU: 82-3

Copyright © 2013 por Willian Bitencourt

Este livro é uma obra de ficção. Os personagens, os aconteci-

mentos e os diálogos são fruto da imaginação do autor e não

devem ser interpretados como reais. Qualquer semelhança com

fatos ou pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência.

Capa: Tallen Turin Bicowi

Revisão: Fernanda Lanes

Colaboração: Pollyana Tavares

Editor: Tallen Turin Bicowi

Para tia Ediléia, que fez mais do que mereceu.

5

Prólogo

A névoa estava densa naquela altura do mar.

A lancha da Defesa Civil dava sua última ronda como já

sabia Elias e Ricardo. Como um réptil aquático, a embarcação

aproximava-se furtiva cortando a água negra.

– Espero que você esteja certo, Elias. Não quero ir preso

não.

– Bah, deixa de ser medroso tchê. Tu tens que ver tua

cara. Pareces um pinguim com essa roupa.

– Belo incentivo.

– Tu me conheces.

O condutor fez um sinal para a dupla e lhes informou que

ali era o ponto.

Os homens acabaram de vestir seus trajes de mergulho e

logo se lançaram ao mar. O guia estava nervoso. Não parava

de olhar para o relógio. Se pego ali, não iria somente em cana,

como também, perderia o emprego. O dinheiro era o pior dos

mestres.

Cerca de vinte minutos depois, a dupla emergiu e subiu

na embarcação.

– Está pior do que imaginei – disse Ricardo quando livre

da máscara. – Se esse estado continuar, Angra vai virar um

paraíso de água podre.

6

– Catou o suficiente? A Paulinha me falou que pode dar

um jeito lá no laboratório. Esperta aquela guria – Elias retira-

va o cilindro de oxigênio.

– Não é só esperta.

Os dois deixaram escapar sorrisos maliciosos.

De trás da neblina, um clarão surgia revelando que um

monstro vinha sorrateiro. Elias trocou um olhar rápido com o

amigo. O esperto condutor acelerou, saindo a tempo da luz

engolidora.

– Acho que nos viram.

– Merda!

A lancha avançava rápida. O barco perseguidor subita-

mente aumentava sua velocidade transformando sua luz em

uma locomotiva assombrada. Logo seriam pegos.

– Arranja um lugar para nos escondermos Zé! – Gritou

Ricardo com o macacão tirado pela metade próximo ao cole-

ga. – A gente pode se esconder no meio dessa neve toda.

Elias riu da confusão do amigo com os nomes e foi para a

popa no embalo do sobe e desce da lancha.

– Acho que peguei algo.

Zé, o esperto condutor, desligou o motor e deixou a em-

barcação flutuar lentamente sobre a água. Em poucos segun-

dos, a lancha entrava em uma espécie de caverna. Bem ali, na

imensidão do mar.

– Você é tubarão dos mares mesmo! – Elogiou Ricardo, o

medroso.

– Será que os despistamos? – Indagou Elias, se juntando à

dupla.

– Acho que conseguimos. Conseguimos sim.

A fumaça da neblina era rala naquela parte da gruta e um

infinito escuro esperava os três como uma saborosa refeição.

7

Zé ligou os refletores da lancha. Um mar negro de morcegos

forrava todo o teto rochoso. Elias o alertou para baixar a cla-

ridade.

– Se não formos pegos, viramos comida de morcego –

sussurrou Ricardo.

A lancha parou em um baque inesperado fazendo com

que os três ocupantes se alertassem. Elias pegou um pequeno

refletor e então percebeu que haviam batido em uma superfí-

cie rochosa.

– Ficamos por um tempo aqui – orientou. – Eles logo pa-

ram de nos procurar.

– Que seja! Eu to doido pra dar uma mijada!

Elias desceu calmamente, ao contrário do amigo necessi-

tado. Zé via se a embarcação sofrera com algum dano. O lu-

gar era realmente uma gruta. Era imenso. Elias mirou o cla-

rão na fachada e mesmo assim não conseguira ver os limites

onde as sombras continuavam ameaçadoras. Ricardo era um

pontinho acocorado lá em baixo.

– Cadê seu amigo?

– Olha ele ali, Zé. Mijando sentado, guri?

Ricardo continuava abaixado.

– Cadê ele? – Indagou Zé, ainda curioso.

– Ricardo?

– Aqui – sussurrou, evitando o que viria a ser uma recep-

ção nada amistosa por parte dos animais adormecidos. – Vem

ver isso aqui, Elias.

Elias foi até o amigo imaginando se ele havia encontrado

alguma espécie de peixe mutante pelo jeito deslumbrado que

havia dito. Mirou o feixe buscando-o e surpreendeu-se. Ha-

via ali uma caixa.

8

– O que você acha que é? – Indagou enquanto puxava

com dificuldades a caixa, que, conforme aparecia revelava ser

na verdade um baú.

Assim que batera os olhos no objeto, imagens de piratas e

tesouros no mar de Angra assombraram sua cabeça. Aquele

parecia ser o cenário ideal para a descoberta. Talvez não fos-

se. Talvez tudo ficasse normal com o esquecimento daquele

baú amaldiçoado bem ali; nas perdições nebulosas das trevas.

Talvez todos continuassem vivos se ele fosse aberto...

9

Capítulo 1

Era por volta das sete e o sol insistia, com seus últimos raios

luminosos, em clarear a fachada da Igreja do Carmo.

Os trabalhadores saíam um a um. Uma tarefa árdua esta-

va sendo feita na igreja nos últimos dois meses. O trabalho de

restauração de um dos principais pontos turísticos da cidade

praiana. As obras estavam bastante adiantadas e, bem prova-

velmente, no prazo de cinco meses tudo estaria pronto.

Eduardo descia a rampa de acesso quando parou. Um

amigo o esperava do outro lado da rua.

– Estás fazendo um bom trabalho – elogiou, buscando a

estrutura seminova.

– Alguns meses e está acabado. O que faz aqui gaúcho?

– Estás sozinho? – Quis saber se pondo a andar junto ao

amigo. – Tenho algo a te mostrar.

Eduardo riu e perguntou se o amigo estava traficando

drogas. Caminharam até um barzinho entre gargalhadas e

conversas do cotidiano. Eduardo era amigo de Elias há exatos

quatro anos, quando a universidade onde o gaúcho trabalha-

va contratou o amigo a dar aulas de história. Desde então, a

amizade dos dois ficou cada vez mais forte. A recente separa-

ção profissional se deu por conta de o professor de biologia

ter passado no concurso público, enquanto Eduardo havia

ganhado uma nova função na faculdade.

10

A garçonete chegou com dois copos e uma garrafa de cer-

veja.

– Então tu trabalhas agora de restaurador?

– Mais ou menos, gaúcho. Tenho um médio conhecimen-

to na área de restauração e quando a Everest soube disso,

quis tampar o buraco, evitando a cara contratação de um pro-

fissional de carteira.

– Entendo, guri. Eles estão me devendo até hoje – revelou

acompanhado por um rápido gole da amarelinha.

– Não aprendem nunca. Sempre querendo dar saltos al-

tos demais – Eduardo tinha uma voz suave, quase baixa. –

Então, viemos aqui para falar de serviço?

Elias deitou a garrafa sobre o copo vazio.

– Achei um negócio que acho que vai te agradar, Edu.

Pelo menos na aparência parece que vai.

Eduardo ficou curioso. Elias molhou os lábios, deixando

ali um bigode espumante e pegou sua mochila. Olhou para

os lados e em seguida retirou um embrulho bege, depositan-

do-o em cima da mesinha de bar.

– Caixa de bombons? – Arriscou em bom humor.

Elias fez sinal para que conferisse com os próprios olhos.

Puxou o pano e logo tratou de ajeitar os óculos. Olhou

para Elias. Seu sorriso deixou a pele bronzeada ainda mais

vermelha.

– Achei em um mergulho de verificação com um amigo

do serviço na sexta. Parece valer alguma coisa?

Eduardo estudava a caixa em cada detalhe. O objeto apre-

sentava uma coloração bronze e parecia medir menos de

quinze centímetros de largura e quase seis de comprimento.

Um pequeno cadeado enferrujado prendia sua parte frontal.

11

Em alto relevo, desenhos enfeitavam a superfície da tampa,

deixando-a admirável a quem testemunhasse.

– Fantástico... – balbuciou.

– Então isso vale alguma coisa?

Um braço jogado em cada extremidade da tampa magnífica. O

magro corpo estendido no comprimento do centro, até acabar nos

pés juntos; perfurados, mortos. Como podia estar ali?

– Edu?

– Disse que achou em uma gruta...?

– Foi o Ricardo. Escondíamo-nos da Defesa Civil em uma

gruta, quando o sortudo achou um baú, guri. Por incrível que

pareça tudo que havia dentro da caixa velha era essa coisinha

aí; falei com ele que iria procurar saber quanto vale isso.

Jesus Cristo?

Edu ficou em silêncio. Não conseguia deixar de olhar ad-

mirado cada canto do artefato de bronze. Mesmo com a apa-

rência antiga, o objeto tinha uma bonita coloração.

– Bah, guri. Se tu ficares com essa cara de tonto sem me

responder nada, vou achar que tu estás pirando.

– Eu não sei o que é isso – disse o professor em sincerida-

de.

– Não sabes? E o lance das lendas da cidade? Deve ter

algo relacionado com todas aquelas baboseiras.

– A maioria trata-se somente de especulações, Elias. Fol-

clore local. Cada canto histórico da cidade tem o seu. Os fan-

tasmas dos escravos e o do lendário Cavaleiro Templário da

igreja do São Bento, o espírito da lavadeira na Bica da Cario-

ca, a passagem subterrânea que liga a igreja do Carmo à igre-

ja do São Bento... E assim por diante.

– Pelos desenhos, parece ser da igreja – chutou o biólogo.

12

– Sim, sem dúvidas. Mas há uma coisa que contradiz essa

ideia.

Elias pediu outra cerveja.

– Esse desenho – indicou ao amigo. – Ele não é nem um

pouco cristão.

– Já vi isso em algum lugar...

– É um pentagrama, Elias. Um símbolo tão antigo como a

própria história. Deve ter visto em algum filme barato de

terror.

A garçonete depositou a nova garrafa, recolhendo a vazia.

– Creio que de fato isso possa ser sim, um objeto perdido

da igreja em seus períodos arcaicos. Porém, o desenho da

estrela de cinco pontas tanto difamada até os dias de hoje

pelo catolicismo, deixa-nos sem saber seu verdadeiro signifi-

cado.

– Vamos abri-la então, guri e tiramos nossa dúvida! –

Entusiasmou-se, já enchendo o copo.

A silhueta estendida na tampa, sem dúvida, era uma alu-

são a Cristo crucificado, assim como as cinco linhas cruzadas

em uma das bordas, era de um pentagrama. Como ovelhas e

coiotes podiam conviver juntos? Era inegável sua veracidade

antiga, o que deixava tudo mais confuso. Precisava de ideias.

De outros olhos apurados. De uma luz. Eduardo sabia onde

encontrá-la.

Após sair do banho, Rebeca ligou a TV. Era um final de

noite monótono que sucedia um sol forte que tomara grande

parte daquele dia. Pegou a costumeira bolsa e sentou-se no

sofá. Era dezembro. O final do ano vinha junto com o final do

ano letivo. Dava aulas de história em um colégio do estado e

na faculdade. Era o sonho realizado de quando pequena,

13

quando acompanhara os passos do pai, também de mãos

dadas com a história. Da bolsa, retirou um envelope pardo.

Iria dedicar o final daquele dia em corrigir as provas. Levan-

tava-se, quando a campainha tocou. Intrigou-se, pois não

esperava ninguém.

Olhou pelo olho mágico. Eram seus amigos.

– Espero que tenham um bom motivo para me interrom-

per com as minhas provas – recepcionou ao abrir a porta.

– Bah! Parece que nem estás contente de ver os amigos!

Eduardo ficou sem graça.

– Desculpe, Rebeca. Mas, podemos entrar?

– Acho que não tenho escolha.

Elias e Eduardo entraram e se acomodaram no sofá. O

gaúcho, mais descontraído, aceitara um belo copo gelado de

Coca-Cola. O dia se fora, mas o calor do verão, não. Estava

por volta dos trinta e dois graus. Edu ficara na dele, rejeitan-

do qualquer tipo de gentileza por parte da anfitriã.

Elias contou parte da aventura da noite de sexta à mulher.

Narrou a peripécia até o descobrimento do baú, quando pas-

sou a bola para Eduardo.

– Quer dizer que você mergulhou naquelas águas?

– Não. Estávamos em um ponto considerado limpo. Pre-

cisávamos de uma amostra para ver a porcentagem de polui-

ção naquela área, guria. Não tem o Ricardo? Então, o medro-

so tava junto comigo. Verificamos também se a vida marinha

já havia sofrido de algum dano.

– E dentro do baú havia alguma coisa?

O biólogo olhou para o amigo calado.

Eduardo tirou o embrulho bege com a caixa de dentro da

mochila e o depositou na mesinha de vidro. Quando retirou o

pano, a mulher arqueou as sobrancelhas surpresa.

14

– Data do século dezoito para o dezenove. Está linda,

como se saída de uma loja.

– Verdade – verificava a professora. – Essa caixa estava

realmente dentro do baú?

– Estava, sim. Só tinha ela. Coisa estranha, né?

Rebeca nada disse. Repetia o perfil de estudo de Eduardo

no bar. Observava cada canto. Cada parte do bronze...

– E esses desenhos! Já viu, Edu? – Exclamou surpresa.

Ele afirmou em um balanço de cabeça.

– Seus chatos! Por que não me ligaram? Sempre querendo

ser os primeiros em tudo!

– Não seja chata, Rebeca. O Edu mal viu isso aí e quis vir

pra cá logo.

Ela continuava boquiaberta.

– O realce é magnífico. Como brilha... Esses desenhos...

– Foi por esse motivo que viemos aqui. Precisamos de

ajuda pra ver o que é isso. E é claro, não a abriríamos sem

você.

– E o que estamos esperando? – Indagou em plena em-

polgação.

Rebeca saiu e após cinco minutos voltou com um imenso

alicate. Elias riu e logo tratou de debochar da vida solitária

que a mulher levava, tendo sempre que meter a mão na mas-

sa, sem ajuda de homem algum.

A professora estava tão empolgada que nem dera bola

para qualquer comentário machista. Passou a ferramenta

para Eduardo. Seus olhos estavam arregalados, na expectati-

va do que haveria ali.

Antes de quebrar o cadeado, Eduardo notou outra coisa

estranha. O objeto estava enferrujado, velho; vítima do tem-

po. Ao contrário da caixa, que resplandecia em brilho. Coisa

15

esquisita. Não precisou de muita força. O cadeado caiu sobre

o tapete e a tampa foi aberta. O professor franziu a testa.

– Mas o que é isso?

– Bah, o que isso quer dizer?

Dentro do arco luminoso, encontrava-se somente um pa-

pel.

Eduardo recuperou-se e pediu que Rebeca trouxesse um

par de luvas. Se aquela caixa datasse mesmo os séculos pas-

sados, aquele impresso, diante deles, deveria ser tratado com

todo cuidado possível.

– Não tenho luvas. Mas acho que essas pinças irão que-

brar o galho.

Eduardo sentiu o bom cheiro adocicado de baunilha que

emanava dos cabelos negros da amiga. Rebeca era bonita.

Mesmo com seus trinta e três anos, sua aparência era de vinte

e tantos. Sua pele morena e seus longos cabelos encaracola-

dos eram o que mais chamava atenção do amigo.

Com precisão cirúrgica, Eduardo pousou delicadamente o

escrito no centro da mesa, usando as pinças como duas garras

robóticas em seu auxílio. Logo em seguida, com um cuidado

ainda maior, desdobrou-o, abrindo-o e revelando o que con-

tinha. Elias soltou um palavrão. Rebeca aproximou-se mais.

O papel aberto revelou uma pintura. O desenho era muito

estranho à primeira vista. Havia montanhas cortadas por

águas e vários pontinhos verdes que pareciam indicar vege-

tações. Árvores, talvez. Porém, centrado no papel velho, es-

tava um desenho estranho... Um homem nu, de braços e per-

nas abertas. Muito parecido com...

– O Homem Vitruviano?

– Parece, Rebeca. Pode ser uma alusão a Da Vinci ou

qualquer outra coisa...