· web viewsob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a...

14
RISCO DO USO DO AÇO INOX AISI 316L PARA IMPLANTES Marcelo Laert Hochudt 1 , Cínthia Gabrielly Zimmer 1 , Ralf Wellis de Souza 1 , Telmo Roberto Strohaecker 1 1 Departamento de Metalurgia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), Brasil E-mail: [email protected] O uso do aço inoxidável AISI 316L não é adequado, segundo as normas , para uso na fabricação de próteses ortopédicas. Por muitos anos esse tipo de aço foi utilizado, contudo nos dias atuais essa classe de material é considerada inadequada para fabricação de próteses implantáveis. Uma prótese explantada no ano de 2011, fabricada a partir dessa liga, foi analisada. Trata-se de uma haste femoral de quadril que fraturou em uso. Para esta análise foram utilizados os seguintes recursos: análise da superfície de fratura em lupa e MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura), análise metalográfica e análise química. Conclui-se que a redução do teor de níquel, cromo e molibdênio proporcionaram menor resistência à corrosão e aliado ao maior teor de carbono – teores decorrentes da faixa AISI SAE 316L –propiciou a formação de carbonetos de cromo e sensitização do material. Esses fatores acarretaram na susceptibilidade da haste apresentar corrosão por pites, os quais agem como pontos nucleadores de trinca, fator determinante para desencadear uma ruptura por fadiga. Palavras-chave: Prótese de Quadril, Fratura, Análise de Falha, Aço Inoxidável AISI 316L, Sensitização. 1. INTRODUÇÃO Segundo o Handbook of Materials for Medical Devices (1) , material biomédico, ou biomaterial, é qualquer material sintético que é usado para substituir ou restaurar a função de um tecido corporal e está continuamente ou intermitentemente em contato com fluidos corporais. Uma das áreas mais proeminentes de aplicação dos biomateriais é a ortopedia, bastante voltada para sistemas de joelho e quadril, surgidos da necessidade de substituir juntas submetidas a inflamações que comprometam a

Upload: others

Post on 12-Mar-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

RISCO DO USO DO AÇO INOX AISI 316L PARA IMPLANTES

Marcelo Laert Hochudt1, Cínthia Gabrielly Zimmer1, Ralf Wellis de Souza1,

Telmo Roberto Strohaecker1

1Departamento de Metalurgia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), BrasilE-mail: [email protected]

O uso do aço inoxidável AISI 316L não é adequado, segundo as normas , para uso na fabricação de próteses ortopédicas. Por muitos anos esse tipo de aço foi utilizado, contudo nos dias atuais essa classe de material é considerada inadequada para fabricação de próteses implantáveis. Uma prótese explantada no ano de 2011, fabricada a partir dessa liga, foi analisada. Trata-se de uma haste femoral de quadril que fraturou em uso. Para esta análise foram utilizados os seguintes recursos: análise da superfície de fratura em lupa e MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura), análise metalográfica e análise química. Conclui-se que a redução do teor de níquel, cromo e molibdênio proporcionaram menor resistência à corrosão e aliado ao maior teor de carbono – teores decorrentes da faixa AISI SAE 316L –propiciou a formação de carbonetos de cromo e sensitização do material. Esses fatores acarretaram na susceptibilidade da haste apresentar corrosão por pites, os quais agem como pontos nucleadores de trinca, fator determinante para desencadear uma ruptura por fadiga.

Palavras-chave: Prótese de Quadril, Fratura, Análise de Falha, Aço Inoxidável AISI 316L, Sensitização.

1. INTRODUÇÃO

Segundo o Handbook of Materials for Medical Devices(1), material biomédico, ou biomaterial, é qualquer material sintético que é usado para substituir ou restaurar a função de um tecido corporal e está continuamente ou intermitentemente em contato com fluidos corporais.

Uma das áreas mais proeminentes de aplicação dos biomateriais é a ortopedia, bastante voltada para sistemas de joelho e quadril, surgidos da necessidade de substituir juntas submetidas a inflamações que comprometam a mobilidade das articulações naturais. A dor causada em tais juntas pôde então ser aliviada, com o desenvolvimento da anestesia, antibióticos e antisepsia, após a cirurgia de substituição de articulação e a artroplastia.(1)

A biocompatibilidade, propriedade bastante restrita nos materiais, tem sido pesquisada exaustivamente desde o século passado e oferece representantes de quase todas as classes de materiais (polímeros, metais, cerâmicas), combinados ou não para montar um sistema de substituição ou reparo da função de algum tecido. Esses materiais devem exibir idealmente uma série de propriedades:

Composição química biocompatível que evite reações adversas em tecidos;

Excelente resistência à degradação (por exemplo, resistência à corrosão);

Page 2:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

Resistência aceitável para sustentar cargas cíclicas submetidas pela junta; Um baixo módulo de elasticidade para minimizar ressorção óssea; Alta resistência ao desgaste a fim de minimizar liberação de corpos

estranhos nos fluidos corporais(1).

Um meio para os fabricantes de próteses, presentes em todos os países, atenderem esses e outros aspectos estão nas normas regulamentadoras, que são esforços multidisciplinares que cruzam dados relacionados à ciência dos biomateriais, históricos médicos de cirurgias, sistemática de rastreabilidade, entre outros, para que todas as próteses atendam os requisitos acima mencionados sem apresentar falha antecipada. A durabilidade é variável para cada paciente (por isso não se pode dizer quantos anos trabalha a prótese), porém depende de alguns fatores, como técnica cirúrgica e, principalmente, o atendimento do material às especificações.

As normas são compiladas e publicadas por órgãos internacionais como a ASTM (American Society for Testing and Materials), ISO (International Standardization Organization), ASM (American Society for Metals), e incorporadas por órgãos nacionais, como a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) no Brasil.

Este trabalho terá como foco apontar as causas da falha de um componente integrante do conjunto para artroplastia de quadril, que fraturou durante o uso. A análise será baseada nos requisitos das normas vigentes para fabricação de prótese de quadril, bem como fundamentada na teoria dos fenômenos ocorridos.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

O componente analisado se trata de uma haste femoral, parte do sistema de substituição da articulação do quadril, conforme está ilustrado na Fig.1.

Figura 1 - Representação esquemática do sistema de artroplastia do quadril (a) desenho ilustrativo dos componentes integrantes do sistema de próteses de quadril e (b)

radiografia do sistema montado in vivo. Fonte: W.D. Callister Jr.(2).

a b

Page 3:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

As próteses de quadril devem seguir critérios de fabricação segundo a norma ABNT NBR ISO 21534(3) “Implantes para cirurgia não ativos - Implantes para substituição de articulações - Requisitos particulares”, a qual determina os materiais aceitáveis para a fabricação dos componentes e apresenta diretrizes para realização de ensaios. A haste femoral em questão foi fabricada a partir do aço inoxidável AISI 316L, cuja nomenclatura de material respeita o sistema de codificação AISI/SAE e significa que se trata de um aço inoxidável austenítico não temperável com teor de carbono extra-baixo. Esse material não se enquadra na lista de materiais considerados aceitáveis para fabricação de próteses de quadril e, portanto, o trabalho irá comparar os resultados desse material com os requisitos da norma ABNT NBR ISO 5832-1(4) “Implantes cirúrgicos – Materiais metálicos. Parte 1: Aço inoxidável conformado” que seria o material em aço inox próximo ao aço AISI 316L, sendo ele considerado aceitável para a fabricação de componentes de quadril.

A Figura 2 mostra a haste femoral fraturada na qual foram feitas as análises.

Figura 2 - Imagem da haste femoral fraturada. Fonte: LAMEF-BioEng.

Inicialmente foi realizada a análise da fratura da haste em lupa de baixa magnificação, que permite identificar os macromecanismos associados à fratura da haste, assim como procurar por defeitos superficiais, como trincas ou pontos de corrosão, que podem afetar o desempenho do componente.

A superfície de fratura também foi analisada em MEV (Microscópio Eletrônico de Varredura. No MEV é possível observar os micromecanismos de fratura bem como realizar análise química qualitativa de áreas microscópicas, como fases metálicas ou precipitados.(5)

Em outra amostra obtida da haste femoral, procedeu-se a análise química por espectrometria de emissão óptica. Este resultado foi comparado com a composição química estipulada pela norma ABNT NBR ISO 5832-1(4). Os teores de cada elemento químico têm forte influência nas propriedades dos materiais. No caso da prótese fraturada pôde-se definir um dos possíveis indícios da falha.

Sob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de observar a microestrutura típica do aço AISI 316L, pôde ser também realizada a medição do tamanho médio dos grãos, através da técnica descrita na norma ASTM E112(7), para então ser posto em comparação com o valor recomendado pela norma ABNT NBR ISO 5832-1(4). A norma apresenta a especificação de que o tamanho de grão médio não deve ser maior do que o tamanho número 5. Também na análise metalográfica avaliou-se o grau de sensitização, através da norma ASTM A262(8). A norma define uma série de métodos padronizados, dos quais foi escolhido o método A, teste do ataque com ácido oxálico para classificação de estruturas atacadas de aços inoxidáveis austeníticos.

Page 4:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise realizada tanto na superfície de fratura como na superfície lateral da haste, em lupa de baixo aumento, permitiu observar o aspecto da fratura e também verificar possíveis defeitos superficiais que apontassem alguma provável causa da falha.

A Figura 3 mostra o aspecto frontal e lateral da fratura, com a qual não se pode afirmar o tipo de falha ocorrida, devido ao alto grau de amassamento como também presença de corte mecânico.

Figura 3 - Imagens da análise em lupa da superfície de fratura da haste femoral: (a) visão lateral mostrando as rebarbas provenientes de corte abrasivo; (b) visão frontal da superfície de fratura, onde se percebe a presença de duas regiões distintas: uma região

com amassamento e outra com corte abrasivo. Fonte: LAMEF-BioEng.

A Figura 4 mostra a análise em lupa da superfície lateral da haste (superfície de contato com os fluidos corpóreos), na qual se pode observar pites de corrosão cuja causa deve-se primordialmente em decorrência à composição química e o meio de trabalho. Esses pites podem agir como nucleadores de trinca e convergir no fenômeno de propagação transversal à haste, levando à fratura.

O componente é levado à fratura quando uma trinca diminuta, pontualmente localizada, geralmente um entalhe ou concentrador de tensões propaga pela seção reta do material. Segundo Dieter(9), a fratura por fadiga ocorre em partes submetidas a tensões alternadas ou flutuantes. No caso da prótese de quadril, o ato de locomoção do paciente acarreta em esforços alternados, onde o peso do corpo é colocado e retirado alternadamente da prótese.

Rebarbas devido à corte mecânico

Região com amassamento

Corte abrasivo

a b

Page 5:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

Figura 4 – (a) Imagem, realizada em lupa, da superfície da haste femoral mostrando pites de corrosão. (b) Imagem, realizada em MEV, mostrando em detalhe pites de

corrosão, localizados na superfície da haste. Fonte: LAMEF-BioEng.

A falha por fadiga ocorre sem nenhum sinal visível de escoamento em tensões médias ou nominais bem abaixo da resistência à tração do metal, o que a torna difícil de ser detectada. De acordo com Dieter(9), a fratura por fadiga deixa uma superfície de fratura característica, onde se diferencia uma região lisa e uma região áspera (decorrente da fratura final, quando a seção transversal já não era capaz de suportar a carga aplicada). O progresso da fratura é frequentemente indicado por uma série de anéis, também chamados de “marcas de praia" que se desenvolvem do ponto de início da trinca para o interior da seção, sendo esse ponto de início um canto vivo, entalhe, ou no caso em estudo, um núcleo de trinca de origem metalúrgica – os pites de corrosão.

Caso não sejam perceptíveis as marcas de praia, acima descritas, no MEV é possível evidenciar indícios microscópicos da fratura, para determinar o tipo de falha. A imagem da Figura 5 mostra microestrias de fadiga. As estrias de fadiga surgem devido à progressão da trinca, associada a cargas cíclicas, onde cada estria representa a posição sucessiva de uma frente de trinca que avança num plano normal ao da máxima tensão de tração. A presença destas estrias define, sem dar margem a dúvidas, que a falha foi produzida por fadiga.

Figura 5 - Imagens obtidas em MEV da superfície de fratura, mostrando microestrias de fadiga. Fonte: LAMEF-BioEng.

Pite de corrosão

a b

Pite de corrosão

Page 6:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

A Tabela 1 apresenta o resultado da análise química da haste de quadril fraturada, juntamente com as faixas de composição química do aço inoxidável AISI 316L e ABNT NBR ISO 5832-1(4), para fins de comparação.

Tabela 1 - Resultados da análise química da haste fraturada, comparados com as normas AISI 316L e ABNT NBR ISO 5832-1.

Composição química (% em massa)Elemento Haste Fraturada AISI 316L NBR ISO 5832-1

C 0,0255 0,03 0,003 máx.Si 0,372 0,75 1,0 máx.

Mn 1,67 2,00 2,0 máx.P 0,0159 0,045 0,025 máx.S 0,00890 0,030 0,010 máx.

Cr 16,86 16,00-18,00 17,00-19,00Ni 10,15 10,00-14,00 13,00-15,00Mo 2,13 2,00-3,00 2,25-3,0Cu 0,554 - 0,50 máx.Fe Balanço Balanço Balanço

Podemos observar, a partir da Tabela 1, que o teor de carbono, cromo, níquel e molibdênio, apesar de estarem dentro da faixa do aço AISI 316L (exceto Mn) divergem da faixa da norma ABNT NBR ISO 5832-1(4). Estes elementos são os mais importantes para o bom desempenho da liga em meios agressivos, a partir dessa diferença de composição, pode-se atribuir o desempenho insatisfatório em resistência a corrosão da liga AISI 316L.

A norma ABNT NBR ISO 5832-1 também recomenda o cálculo de um valor chamado “C”, valor que quando atingido um mínimo, a passividade da liga para o meio em questão (fluidos corpóreos) seria garantida. O cálculo de “C” é realizado a partir dos valores obtidos pela análise química do material conforme a Eq. (1), o qual está apresentado na Tabela 2.

C = 3,3wMo + wCr (1)

ondewMo é o teor de molibdênio, expresso como uma percentagem em massa;wCr é o teor de cromo, expresso como uma percentagem em massa.

Tabela 3 - Valor calculado para “C”, relacionado ao material da haste femoral fraturada.Componente “C” calculado “C” mínimo ABNT

NBR ISO 5832-1(4)

Haste Fraturada 23,89 26

O efeito adverso no material, pelo não atendimento a esse aspecto da norma,

acarreta na susceptibilidade do material apresentar rompimento da camada passiva e corrosão por pites.

Page 7:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

A análise metalográfica, realizada na seção transversal e longitudinal da haste fraturada, está apresentada nas imagens da Figura 6.

Figura 6 - Metalografia da haste femoral fraturada em aumento de 100x (a) seção transversal; (b) seção longitudinal. Fonte: LAMEF-BioEng.

Observam-se nas micrografias da haste femoral, em ambas as seções, grãos austeníticos poligonais (microestrutura típica nos aços inoxidáveis conformados) com tamanho de grão médio número 5. Esse tamanho de grão está de acordo com a norma ABNT NBR ISO 5832-1(4) a qual determina que o tamanho de grão não deva ser maior do que o tamanho número 5.

Nas imagens também se pode notar a presença de carbonetos onde na seção transversal os carbonetos estão em forma de pontos e no corte longitudinal os carbonetos se apresentam alinhados. Os carbonetos foram investigados com maior detalhe no MEV, conforme está na Fig. 7.

Figura 7 - Observação dos carbonetos alinhados em MEV. Fonte: LAMEF-BioEng.

A formação de carbonetos na matriz austenítica é um fenômeno associado à quantidade de carbono, o qual tem tendência a se ligar com o cromo, conduzindo dessa maneira a um empobrecimento de cromo na matriz, reduzindo assim a resistência à corrosão. É importante ressaltar que, como biomaterial, o AISI 316L estaria exposto a um pH dos líquidos corpóreos que gira em torno de 7,3. A presença de íons Cl-, Na+ e HCO3

- nos fluidos (celulares e sanguíneos) em contato com o implante metálico pode promover a ação corrosiva no metal.(10)

a b

Page 8:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

Os carbonetos foram examinados em MEV através do acoplamento de uma microssonda EDS (da sigla inglesa para energy dispersive x-ray detector), que fornece um espectro de intensidade dos picos que representam os elementos de maior presença. O resultado da análise está mostrado na Figura 8, sendo este uma estimativa qualitativa da composição desta fase. A partir do espectro observado na Figura 8, os picos predominantes estão na frequência do ferro e cromo e níquel, bem como no carbono, confirmando que as precipitações alinhadas vistas em microscópio óptico e MEV se tratam de carbonetos e não inclusões não metálicas.

Figura 8 - Espectro de microssonda EDS indicando picos de frequência nos elementos. Fonte: LAMEF-BioEng.

Através das imagens da Figura 9 foi realizada a avaliação do grau de sensitização do material – segundo a norma ASTM A262(7) pela comparação de imagens ilustradas na norma e com a imagem obtida da haste fraturada – evidenciando o processo de sensitização do material; essa classificação de estrutura apresenta uma irregularidade no contorno de grão, onde não se forma um contorno cercado e sim traçado por tipos de precipitações.

Figura 9 - Comparação entre a norma ASTM A262(7) e a amostra submetida ao “método A” desta norma: (a) Figura obtida da norma ASTM A262 - classificação de estrutura em

aumento de 250x; (b) haste femoral fraturada - atacada com ácido oxálico via ataque eletrolítico.

a b

Page 9:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

A sensitização, segundo Philip A. Schweitzer(11), é um processo no qual o cromo em contornos de grão tende a combinar com o carbono para formar carbonetos de cromo. O efeito é uma depleção de cromo nas adjacências do contorno de grão, afetando a propriedade de resistência à corrosão (o cromo confere resistência à corrosão para o aço inoxidável se tiver uma porcentagem mínima de 12%), favorecendo a corrosão intergranular.

Esse é um processo dependente de tempo e temperatura, para qual cada aço inoxidável com teor de carbono diferente têm um tempo que deve ser alcançado e uma faixa de temperatura máxima dependente desse tempo, esse processo está ilustrado na Figura 10.

De acordo com Philip A. Schweitzer(11), certos tratamentos térmicos realizados no aço inoxidável, em que uma faixa de temperatura é alcançada para um determinado teor de carbono e permanecendo por um certo tempo, pode ocasionar sensitização. Um exemplo seria um resfriamento lento a partir da temperatura de recozimento, ou revenimento (alívio de tensões) na faixa de temperatura de sensitização. Se o tempo de permanência nessa faixa de temperatura for suficiente, é possível que toda a extensão de um componente seja sensitizada.

Figura 10 - Efeito do teor de carbono na sensitização. Precipitação de carbonetos se forma nas áreas à direita de cada curva. Fonte: Philip A. Schweitzer(11).

4. CONCLUSÕES

O aço AISI 316L não apresenta características adequadas para uso como biomaterial implantável, podendo-se atribuir aos seguintes fatores:

O teor de carbono especificado para esta liga propicia a formação de carbonetos e sensitização, tendo como consequência o empobrecimento de cromo na matriz e com isso redução da resistência à corrosão.

Os teores reduzidos de cromo e níquel, em relação à norma ABNT NBR ISO 5832-2, também corroboram para diminuição da resistência à corrosão da liga.

Page 10:  · Web viewSob outra amostra cortada a partir do componente em análise, foi realizada a metalografia, segundo técnica do ASM Metals Handbook(6). Com as imagens obtidas, além de

O teor reduzido de molibdênio diminui a passividade da camada protetora do aço inox, propiciando a desestabilização da camada e a consequente tendência para formação de pites.

Por fim, a composição química do aço inox AISI 316L propiciou um meio apropriado para formação de pites que por sua vez serviu como núcleo para propagação de trincas por fadiga, reduzindo assim a vida útil do componente.

REFERÊNCIAS

1. J.R. Davis, Handbook of Materials for Medical Devices, ASM International ®, United States, 2003, p.1-11.2. W.D. Callister, Jr., Materials Science and Engineering – An Introduction, John Wiley & Sons Inc., New York, NY, 1991, p.341.3. ABNT NBR ISO 21534, Implantes para cirurgia não-ativos – Implantes para substituição de articulações – Requisitos particulares, 2008.4. ABNT NBR ISO 5832-1:08, Implantes cirúrgicos – Materiais metálicos. Parte 1: Aço inoxidável conformado.5. P.J. Goodhew, J. Humphreys, R. Beanland, Electron Microscopy and Analysis, Taylor & Francis Inc., New York, NY, 2001, p.120-149.6. D.J. Medlin and R. Compton, Metallography of Biomedical Orthopedic Alloys, Metallography and Microstructures, Vol 9, ASM Handbook, ASM International, 2004, p. 961-968.7. ASTM E112-10, Standard Test Methods for Determining Average Grain Size.8. ASTM A262, Standard Practices for Detecting Susceptibility to Intergranular Attack in Austenitic Stainless Steels, 2010.9. G. E. Dieter, Metalurgia Mecânica, 2ª ed., Guanabara Dois, Rio de Janeiro, 1981.10. C. Azevedo; E. Júnior. Análise de Falhas de Implantes no Brasil: A Necessidade de Uma Regulamentação Adequada, Caderno Saúde Pública, 2002, p.1347-1358.11. P.A. Schweitzer, Fundamentals of Metallic Corrosion – Atmospheric and Media Corrosion of Metals, Taylor & Francis Inc., Boca Raton, FL, 2006, p.114-115.

HAZARD ON THE USE OF THE 316L STAINLESS STEEL AS BIOMEDICAL MATERIAL

Marcelo Laert Hochudt1, Cínthia Gabrielly Zimmer1, Ralf Wellis de Souza1, Telmo Roberto Strohaecker1

1Department of Metallurgy, Federal University of Rio Grande do Sul, Porto Alegre (RS), BrazilE-mail: [email protected]

The use of the stainless steel is not appropriate, according to the standards, for the use in manufacture of orthopedical prosthesis. For many years this kind of steel was in large application, however in the actual days this class of material is considered unsuitable for the manufacturing of implantable prosthesis. An explanted prosthesis in the year of 2011, manufactured from this alloy, was analyzed. It deals about of a femoral hip stem which fractured in the use. For this analysis were utilized the following resources: surface analysis in loup and SEM (Scanning Electron Microscope), metallographic analysis and chemical analysis. It is concluded that the lowest nickel and chrome content, decurring of the 316L steel interval, provided the susceptibility of the stem on showing pitting corrosion. The pittings act as crack nucleation points, determining factor to develop a fatigue fracture.

Keywords: Hip Prosthesis, Fracture, Failure Analysis, Stainless Steel AISI 316L, Sensitization.