coracaoliterario.files.wordpress.com  · web viewo que não sabiam era que escondido na noite, o...

24

Upload: others

Post on 05-Sep-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já
Page 2: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já
Page 3: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

A Profecia

Arita Souza

Page 4: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Para Isabela.“Cante princesa, o mundo irá ouvir sua voz.”

Page 5: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

“Não chore a beira do meu túmulo, eu não estou lá. Estou nos ventos que sopram...”

Mary Elisabeth Fry

Page 6: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

1.Era uma vez entre o aqui e o acolá, um reino distante regido por um

grande homem. Este homem, honrado como era, sempre soube lidar com as forças e as eventualidades do tempo.

Seu reinado lhe trouxe por anos a fio, sempre o melhor! Homens e mulheres justos, que veneravam a paz entre si, convivendo no alto da montanha. Eram chamados de Sublimes.

Os Sublimes eram regidos por uma profecia sobre o Vento do Norte e o seu canto poderoso. Esta profecia veio com os contos dados pelos homens antigos àqueles que ainda eram respeitosos as tradições. Eles temiam que um dia, este canto do Norte, os levasse a loucura.

Temiam que os levasse de volta ao tempo em que o homem vivia aos pés da montanha e não entendia seu destino.

O grande Rei guardava o segredo da profecia. Ele conduziu seu povo e construiu um reino onde os elementos naturais e o desenvolvimento da mente eram ferramentas necessárias para alimentar o futuro.

Nem ele tinha o direito de conhecer o que o destino reservava ao seu povo ou mesmo a sua vida. Sua função em relação a profecia, era eleger o melhor entre o equilíbrio do ontem e a esperança sobre o amanhã.

Todos os anos a montanha se abria àqueles que desejavam conhecer o povo Sublime. Muitos não ultrapassavam os percalços do caminho e acabavam desistindo sem ao menos almejar o sonho da vitória, pois o que os movia, era tão somente curiosidade. Entre eles, uma moça foi conduzida por sua fé até a entrada do castelo do grande Rei.

Seu nome era Flora. Filha nascida de uma linhagem esquecida pelo tempo. Os que fizeram seu passado se corromperam, pois só desejavam conhecer as riquezas do mundo e esqueceram o motivo de suas vidas: amar. Faziam parte de uma ordem antiga de Sublimes que eram responsáveis por alimentar o mundo de amor.

Flora carregava em si o amor sublime que era abençoado pelos espíritos do vento do Norte e mal sabia ela que seu destino era dar ao povo da montanha a profecia viva do amor.

A cada passo que a levava aos portões do castelo, sonhos surgiam em noites escuras e reafirmavam o motivo de sua existência: ser vaso novo e acolher o homem que aprenderia amar.

Uma noite, após uma caminhada árdua, Flora descansou aos pés de uma pequena macieira.

Os Noiteranus rondavam seus passos e aguardavam ansiosos pela oportunidade de saciar a fome em sua carne fresca e cálida. Eles viviam escondidos da luz e saíam de suas cavernas somente quando o anoitecer fluía vindo com o medo exalado pelo homem. Tinham grandes olhos e pele

Page 7: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

escamosa. Arrastavam-se pelo chão como imposição por terem um dia desafiado o povo Sublime. Foram condenados por sua ganância a farejarem e se alimentarem dos fracos aventureiros que subiam a montanha, vindos da terra dos homens comuns.

Faltava pouco para a grande lua e ela já sentia o canto da noite que vinha com os ventos. Todo aquele que já experimentara grandes sentimentos, tinha dons, e ela carregava o seu em sua voz. Seu canto era capaz de abrilhantar com flores tudo o que lhe rodeava.

Os Noiteranus sabiam que ela era uma Sublime e de algum modo desejavam seus dons. Eles acreditavam que ao devorar a carne, se alimentariam dos dons de sua alma. Enquanto ela sonhava com o desejo de retornar aos seus, os Noiteranus se aproximaram. O que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já fora homens um dia. Aprendeu que o silêncio enobrece o espírito e era ali que ele meditava aos pés do carvalho antigo, próximo a macieira, onde Flora se recompunha para sua jornada.

Ambos não se conheciam. O Rei meditava quando sentiu a presença das sombras da noite. Atento, esperou que se aproximassem. Um só golpe foi necessário para derrubar Melchior, o líder do bando.

“Bem sabes que este reino não deve ser importunado Melchior! Este és um solo sagrado e vós pagareis por tamanha invasão! ”

“Temos fome! Vocês são Sublimes, mas não se apiedam de outros seres menores! Os homens que vivem aos pés da montanha não têm mais fé e poucos se arriscam para chegar ao cume. O que nos resta é tentar a sorte Vossa Majestade.”

“Como ousas! Tua insanidade não terás meu perdão! ”Gritos foram ouvidos próximo ao velho carvalho. O Rei não imaginava que

tinham companhia. Flora tentava se equilibrar, próximo ao desfiladeiro, encurralada por um dos Noiteranus.

“Teu destino será o julgamento feito pelo povo. Não irei sujar minha espada com teu sangue imundo”.

E numa fração de segundo, o Rei conseguiu derrubar Melchior imobilizando-o e imediatamente foi até a macieira. Ele viu uma jovem, ferida, pedindo ajuda a beira do precipício.

“Animal covarde! Deixai esta jovem e enfrentai alguém capaz de uma batalha. ”

O selvagem percebeu que seus méritos seriam mais gloriosos se derrubasse a figura do Rei. Voltou-se para o ataque e avançou violentamente derrubando o soberano. Flora arrastou-se para fora do campo de visão deles e se concentrou para colaborar de alguma maneira para que a violência cessasse.

Mesmo ferida, mentalizou a figura do homem, entregando-lhe o pouco que tinha de suas energias. Criou-se então, uma conecção entre eles e juntos, mente e corpo, batalharam para derrubar o insano ser animalizado. Lágrimas brotaram de Flora e se transformaram ao tocar o solo em ramos fortes que enlaçaram o inimigo, aterrando-o as profundezas do precipício. Os corações de ambos palpitavam juntos num compasso perfeito. Naquele momento tudo o que acontecesse ao Rei atingiria Flora, e se nela também ao Rei.

Page 8: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Ambos nem imaginavam que a conecção da profecia havia acontecido: “Aquele cuja a alma pura e brava, que conduziu seu povo a perfeição, agora seria tomada por aquela que viveu para levar-lhe o amor. ”

2.Sem titubear, o Rei levou Flora em seus braços para os portões do castelo

e aos brados ordenou para que ela fosse levada até Fiorde. Muitos que viviam no reino nunca a haviam visto, Fiorde era o equilíbrio. Seu jardim sempre impecável já abrigara muitos momentos de perturbação.

Era ela quem orientava os recém chegados do mundo dos homens comuns. Não era só eles que ao chegarem, degladiavam-se em momentos de fraqueza, muitas dessas surgiram quando o Rei assumiu sua posição. Fiorde estava há gerações sempre presente em seu recanto de equilíbrio.

Quando avistou sua Majestade com a jovem em seus braços, caiu de joelhos sabendo que a hora havia chegado. Sabia que o destino de seu povo havia sido selado com esse encontro.

“Fiorde, eu a encontrei próximo ao Grande Carvalho. Não sei de onde ela vem mas cuide de suas dores, eu te peço. ”

“Preciso que todos saiam e me deixe a sós com a menina. Bem sabes Majestade que neste momento, cabe ao Tempo determinar a estada dela conosco. Saiam todos! ”

Fiorde levantou seus braços e humildemente abriu seu coração. Tinha o necessário para tratar o corpo ferido da moça, mas precisava trazer de longe, da força dos elementos, o essencial para curar a alma daquela que estava a sua frente.

“Bem sabes, oh! Tempo Mestre! Que sou velha, que tenho os anos em minhas costas e nunca vivi o suficiente para entender o que planejas para nós.

Page 9: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Em respeito a tua sabedoria, peço que traga o necessário à esta menina que busca a cura, que busca o Sublime. Oh! Ventos do Norte! inspirem esta velha a preencher este vaso que só merece o amor. ”

A Grande Lua brindava os céus e de longe o canto dos Ventos entoavam canções de esperança. Em seus braços maternais, Fiorde segurava a jovem acariciando- lhe a fronte. Aos poucos o corpo da moça elevou-se e pairou em frente a anciã. O canto do vento tomou conta do ambiente e fez seu corpo vibrar. Lágrimas brotavam dos olhos de Flora e sua alma foi preenchida pelo amor.

Fiorde entoou o canto dos povos antigos e a jovem repousou. O Rei após tanto sofrer do lado de fora do jardim, pediu aos soldados para ser levado até elas. Lágrimas brotaram de seus olhos, fazendo-o sentir a paz após uma tempestade.

Como era bela aquela jovem! Sentou-se próximo a ela e tomado por algo sublime, entendeu que tinha um tesouro em suas mãos. Seguro que a jovem seria levada para se recompor sob os cuidados de Fiorde em um de seus aposentos, o Rei determinou que os portões fossem fechados, pois temia um ataque dos Noiteranus, que desejavam a jovem que ele lhe havia tomado.

Três dias após o resgate, Flora desperta de seu repouso e vê a seu lado seu salvador. Ele não percebeu seu despertar, dando a ela tempo para observa-lo melhor. Era um homem bem trajado, com músculos de um guerreiro tal aqueles que travavam batalhas em prol da justiça. Tinha uma pele alva e era dono de um olhar doce e sereno. Seu coração parecia aflito, distante, cheio de dúvidas e anseios.

“Obrigada por me salvar” disse a jovem. “Como te chamas? “ Perguntou o Rei mais que ansioso.“Flora. E tú? Quem és?”.“Killian, o Rei.”

Foram sábias as palavras de Fiorde quando disse que somente o Tempo Mestre sabe de todas as coisas. Ao longo dos dias, eles se conheceram e entenderam os motivos de terem se encontrado.

Eles se uniram. Não só pelo o que havia acontecido, mas se uniram para que o amor

renovasse a vida. A vida de um Rei que agora ganhara sua rainha, e a vida de um homem,

hoje Sublime, que teria seu coração posto à prova quando entendesse o sentido verdadeiro do amor.

Page 10: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

3.

O Tempo sabe de todas as coisas e eles se tornaram um. Deste amor tão sublime receberam um fruto cheio de bênçãos. Ela já sentindo as dores do parto dirigiu-se até Fiorde para que trouxesse

ao mundo o pulsar da vida. O Rei permaneceu junto ao Grande Carvalho entregando seus desejos e agradecimentos sobre o nascimento de seu herdeiro.

Page 11: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Seu coração pulsava acelerado. Ele era o Coração da Montanha e o coração de seu povo. Agora, via a necessidade de deixar seu legado a uma nova alma Sublime que poderia levar adiante os ensinamentos e as tradições.

Seria seu fruto parte da profecia que regia a montanha? Seria o elo que traria paz aos Homens Sublimes e Comuns?

Seus pensamentos foram interrompidos pela ajudante de Fiorde, que pediu a presença do Rei com urgência junto a Rainha.

“O que houve? Vamos, diga! ”“ Perdão meu Rei, não sei se devo”.A passos largos ele se aproximou dos jardins e sentiu-se fraco, sentiu-se

só. Algo estava sendo tirado dele. Dor e angústia lhe tomaram o peito. A Rainha segurava em seus braços o presente que a vida lhe dera. Uma

linda menina que calmamente se aconchegava a mãe. Mas aquela não estava bem.

Fiorde aproximou-se do Rei e lhe disse:“Sábios são aqueles que entendem os desígnios da vida. Vamos perde-la

Majestade, vamos perde-la! ”“Não! Não sabes o que dizes mulher! Já a curaste uma vez, faça de novo!

Te ordeno! ”“Não posso, não há meios”.Killian não se atentou a criança. Pediu que a levassem para que pudesse

ficar com seu grande amor.“Não me abandones! Juramos ficar juntos! Porque isto agora? ”“Terás sempre minha alma em você. Somos um e assim quis o destino.

Não seja ingrato com a vida que nos brindou hoje com nossa filha. Uma linda menina que desejo que se chame Bella. Junto a ti, Bella terá forças para conduzir seu legado e tú verás em seu rosto, meu sorriso! ”

“Não!! Temos uma promessa juntos. Não podes me deixar! Morrerei sem ti. ”

Mais que mil palavras foram ditas naquele momento. Flora sabia que era hora de dizer adeus e cabia a ele respeitar o que o destino desejava. Eis a profecia que se iniciou e ela sabia de seu papel.

Um beijo brindou o adeus. E nos braços de Killian, o amor se foi.

4.

A ira tomou conta do coração do Rei. Ele deixou o corpo de sua amada inerte e levantou-se contra todos em seu

caminho. Fiorde percebendo que o mal tomara conta de seu Rei, tomou a

Page 12: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

menina nos braços e se preparou para deixar o castelo. Ela sabia que nada o acalmaria, e que ele havia deixado a ira direcionar suas ações.

O Rei empunhou sua espada e tirou a vida de todos que tentaram se aproximar dele. O homem comum, dominado pela ira tinha naquele momento tomado conta do Rei que deveria ser um Sublime, a ponte entre o equilíbrio do ontem e a esperança para o amanhã.

Ele não conhecia a esperança, era só dor e saudade.Fiorde tomou Bella em seus braços e deixou o castelo. Usou sua sabedoria

e encantou o caminho para que o Rei não descobrisse seus rastros. Ela não temia por si, mas temia pela vida da pequena, a qual jurou proteger.

Seguiram para os pés da montanha. Seu plano era viver sem sua identidade Sublime, numa identidade simples entre os homens comuns. Ela ainda se lembrava de sua vida entre eles e saberia conduzir, pelo menos por algum tempo, a pequena recém nascida que não imaginava nada sobre o mundo e sua origem.

Killian se perdeu na escuridão. O castelo foi tomado pelas sombras e não restou outra opção senão o Rei fechar-se em sua dor. Ele usou um velho encantamento, transformando seu reino em pedra, inclusive ele.

Anos se passaram e os Sublimes só eram lembrados quando se estudava sobre a Cidade de Pedra. Muitas lendas surgiram, mas poucos tinham conhecimento do ocorrido.

Fiorde assumiu uma nova identidade. Honrando seus antepassados, passou a se chamar Ceyla, nome de sua

bisavó. A primeira mulher, vinda de uma linhagem comum, a subir a montanha levada por sua fé.

Fiorde, agora chamada de Ceyla, criou com muito amor a pequena Bella. A menina herdara os dons da mãe e a coragem do pai. Se estabeleceram aos pés da montanha e ali ela aprendeu sobre as tradições, os cânticos e todos os ensinamentos que sua amada “mãe” lhe deixara.

Seus dons se afloraram com facilidade. Ela era tímida, mas naturalmente se destacou das outras crianças do

vilarejo. Dominou as artes e todo o conhecimento de Ceyla sobre os elementos da natureza, sobre a essência do povo Sublime.

O ensinamento veio durante as longas histórias contadas antes de dormir.Entre tantas histórias, ela se encantou com a Lenda do Povo de Pedra.

Ao completar quinze anos, os sonhos começaram. Bella se via nestes sonhos em lugares encantados. Ouvia um canto longínquo que lhe trazia sentimentos nunca antes percebidos.

Quando meditava, trazia estes sentimentos à tona entoando as canções que se lembrava dos sonhos que teve, pois os considerava mágicos.

Era seu hábito meditar todos os dias. Num destes momentos, ouviu em seu coração uma voz que acalantou sua alma.

Palavras de carinho surgiram em sua mente e ela sentiu uma conecção forte vinda de algum lugar além.

Page 13: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Tudo mudou depois de um sonho estranho. Bella se viu ao lado de uma estátua de pedra cujo coração ainda pulsava. Assustada, ela corria pela cidadela em seu sonho e via mais estatuas de

pedra e elas derramavam lágrimas. Bela terminou a noite nos braços de Ceyla. Contou seu sonho e teve como resposta apenas o silencio.

“Porque não me responde? O que fiz para não ter a explicação deste sonho mãe? “

“Não sou digna de ser chamada assim. Sinto que é chegada a hora de contar a você a principal história que aguarda ser declamada. A sua, minha Bella. ”

Foram horas para contar sobre o passado. Ceyla se derramou em saudades pensando em sua Rainha e Bella apenas

se deixou levar por um sentimento que não sabia explicar.“Simplesmente fui esquecida por meu pai? Onde ele esteve todos estes

anos?”“ Temi por sua vida e já se passaram muitos anos”“Precisamos encontra-lo. Será que ainda vive? ”“Não podemos voltar. Ninguém tem notícias dos Sublimes há muitos anos

e dizem que não há habitantes no castelo. Somente estátuas de pedra em sua memória. Talvez estas estátuas foram feitas em homenagem ao povo. Mas o que sei é que não devemos voltar. ”

Bella não se conformou. Por dias meditou sobre uma maneira de ir até a lendária Cidade de Pedra e descobrir mais sobre seu passado, sobre seu pai.

Page 14: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

5.

“Não vou deixar que você vá até o castelo sozinha. Está decidido! Vou te acompanhar pois assim conseguirei me redimir frente a tantos anos de silêncio. E se a vida resolver me levar daqui, partir deste mundo junto ao meu povo, seria um grande presente. ”

“Mãe, você não tem condições. Está cansada. ”“Não perca tempo com discussões. Se prepare para a caminhada que não

será fácil. Quando trouxe você bem pequena de lá, fiz um encantamento despistando o caminho correto para que as pessoas não encontrassem o castelo. Sei que estou velha, mas você precisará da minha orientação. Vamos encontrar dois grandes obstáculos. Os Noiteranus ainda devem habitar as redondezas e a montanha que se abre uma vez ao ano para aqueles que tem fé e isso acontecerá em três dias com a chegada do solstício de verão. Ainda temos tempo para nos organizar. ”

Somente o necessário para a viagem. Esta era a prioridade para ambas.Bella estava preocupada. Acabara de conhecer sua história. Queria muito

falar com seu pai, existiam muitas perguntas a serem feitas. A caminhada não seria fácil e Ceyla não estava em condições de terminar

todo o trajeto. Ela sabia em seu coração que sozinha desvendaria seu passado. Ao longo do caminho, Ceyla ensinou tudo o que podia para sua pequena. Ensinou sobre as plantas, remédios, a história de seu povo e sobre a sua tão amada Rainha.

“Ela cantava, assim como você, divinamente! De seus lábios brotavam amor pois seu canto era imbuído de todo seu bem querer. Você herdou isso dela. Eu vejo você cantar quando medita nos fins de tarde exatamente igual! “

“Achei que isso não era importante. ”“Minha pequena, não existe nada tão importante quanto seu canto.

Sempre que puder, eleve seus sentimentos e use seus dons. Todos aqueles que já tiveram sentimentos intensos, tem em si, dons maravilhosos. O canto nos traz paz e equilíbrio. Cante princesa, o mundo um dia irá ouvir sua voz !”

“Não sou uma princesa. Sou uma camponesa. ”“Sim! Você é uma princesa, filha da Coragem e do Amor. Esses atributos

um dia salvarão sua vida”.

Page 15: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Os olhos de Bella não deixaram de demonstrar a emoção e até uma certa saudade que sentia de uma família que ela não se lembrava. Essa conversa causou medo e ansiedade pois parecia uma despedida

Após o primeiro dia de caminhada, ao cair da tarde, Bella se aproximou do rio para se refrescar e meditar. Não muito longe, as sombras cochichavam e observavam a jovem desconhecida.

“Temos o momento certo Loravantur. É carne fresca e nosso bando está faminto. ”

“Não seja precipitado. Existe algo peculiar nesse jantar. Eu não gostaria de desperdiçar algo especial. ”

“E como você chegou a esta conclusão? Ela é só mais uma aventureira que deseja subir a montanha. ”

“Olhe ao redor. Veja o que acontece. Não consegue sentir? O cheiro dela é diferente, é suave. Estou de tocaia desde o vilarejo e sei que ela não é o que parece. Me lembro de algo similar. Senti a mesma coisa, o mesmo cheiro de quando saia para caçar com meu pai. ”

“Melchior morreu! Aceite isso! Morreu pelas mãos dos Sublimes e você não tem o mesmo dom dele. ”

“Veremos. Ainda vou encontrar o Grande Coração da Montanha e ele vai pagar pelo que fez. ”

Ceyla já demonstrava sinais de cansaço e falta de ar. Faltava ainda um dia para completarem a caminhada.

Algo tocou o coração de Bella. Do outro lado do rio, as folhas lançadas ao vento tremularam formando redemoinhos e desenhos no ar. Durante a meditação, ela ouviu o sussurro do vento que parecia murmurar algo em seu ouvido.

“Cuidado…Saudades.... Paciência. ”Ela acompanhou esse sussurro. As vozes dividiram-se em uma melodia, a

sua volta intensificou-se as cores, o ambiente se ampliou e ela enfim estabeleceu contato.

A sua frente pairava algo divino, Sublime, elevado dos padrões comuns. Um ser que lhe transmitia serenidade, amor.

“Mãe? ”Ela esticou suas mãos. Necessitava daquele toque, precisava comprovar

seus sentidos. Ambas desejaram aquele momento que foi interrompido bruscamente com os gritos de Ceyla vindos do acampamento.

A conecção se rompeu. Bella correu pensando no pior. Parecia que quanto mais corria, mais longe estava de Ceyla. Lágrimas de dor brotaram sem controle

“Ceyla...não...Você não pode me abandonar aqui. ”Como num relance, Bella avistou por entre as árvores figuras rastejantes

embrenhadas que se disfarçavam para ver como espectadores de um show de horror, o desespero da jovem, deixando a certeza de que ela seria a próxima.

A cena era desoladora. Todo o acampamento estava destruído. Deitada como que quase adormecendo estava Ceyla. Apesar de toda a dor, ela mantinha os olhos firmes em sua pequena.

“Não...não...não...Você é tudo o que eu tenho, não me deixe. ”

Page 16: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

“Era para ser assim, não se lamente. Fiz o que pude por você e a Rainha sabe que a retirei de seu pai, temendo por sua vida”.

“Não vou conseguir! Ceyla não, não se vá. ”“Ensinei tudo a você, lembre-se que não estamos sós nesta vida. Você é

uma Sublime, assim como sua mãe e seu pai. Ele foi tomado pela ira, mas era um bom Rei. Seu coração pulsava pela justiça e eu sei que você o encontrará. ”

“Como? Após todos estes anos ele deve estar perdido. ““Ele é o Coração da Montanha. Lembre-se disso”.

O sol se punha no horizonte e ao findar do dia, Bela entendeu o que é a solidão. Em seus braços despediu-se dela, a quem amou mais que a si mesma. Disse adeus não só a anciã da montanha, mas aquela a quem devia sua vida.

“Adeus Fiorde, adeus Ceyla, adeus mamãe! ”

6.

Em suas mãos somente a terra e grama. Cavou como pode o ultimo recanto de repouso de Ceyla. Tomada de uma força mais que sobrenatural, Bella reuniu somente o necessário e seguiu pela estrada.

Com a morte da anciã, seu encantamento se desfez, o caminho para a entrada do castelo estava próximo e Bela estava a poucos passos de reencontrar seu passado. Os portões haviam sido derrubados e ela ficou sobre o arco de entrada pensando em como seria todo aquele lugar, quando estava cheio de vida, com pessoas indo e vindo em seus afazeres.

Ela sabia que estava sendo seguida. Não deu importância e caminhou sempre alerta observando cada passo, cada ruído, tentando se proteger. Avistou enfim, as primeiras estátuas.

Estavam sob um processo de congelamento do tempo. Estátuas de pedra transfiguradas em suas últimas expressões. Bella notou que o vento não soprava, não havia canto dos pássaros, nem flores no jardim. Tudo estava ressecado e sem vida. Aproximou-se de uma das estátuas e tocou-a na face.

Era pedra fria e polida. Ela olhou nos olhos da pedra, lembrou de seu sonho.

“Ela não está vertendo água, esta inerte. ”

Page 17: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Bella se encheu de piedade, imaginado as velhas lendas contadas. Poderia aquela pedra ser alguém do passado? Poderia ser de sua família? Ter conhecido seu pai?

Com o coração cheio de amor, depositou na fronte desta estatua, um beijo respeitoso. Um beijo de uma filha saudosa que volta para casa para reencontrar os seus.

Seguiu seu caminho, sem saber o que encontraria. A estátua continuou ali, não se moveu, porém o que Bella não viu, foi uma lágrima que brotou dos olhos.

Solidão. Talvez esse fosse o desafio maior para se superar, manter sua fé e

permanecer como umas das escolhidas à viver na montanha. Ela nunca passou um dia sozinha e esse sentimento devastava sua mente.

Caminhou sem cessar até achar um lugar seguro para descansar. As estátuas eram reais. Muitas delas espalhadas por todos os lugares. Parecia que todas observavam seus passos.

Bella viu algo que lhe chamou a atenção. Uma espécie de labirinto, sem vida, com folhas secas, mas diferente de todo o trajeto. Parecia estar sendo cuidado, intacto pelas mazelas do tempo. Seria um bom ponto de partida para explorar o castelo. Várias curvas e entroncamentos a frente que enfrentaria pela frente não a fizeram desistir.

Seguindo seus rastros, Loravantur e seu capanga aguardavam o melhor momento para emboscar a menina. Sentiam fome e ira, algo natural para os Noiteranus. Eles mesmos não haviam explorado os arredores do castelo após a morte de seu líder. Temiam a presença do Rei. Com a chegada da jovem, eles observavam seus passos, a presença dela abriria caminho para estudarem o terreno e tomarem conta do castelo de vez.

Após algumas horas de caminhada, Bella chegou ao centro do labirinto. Ali só existiam folhas secas e a grama morta cobria o espaço. Delicadamente ela sentou-se sobre uma rocha talhada para descansar já decepcionada por ter mistificado tanto as histórias que ouviu de Ceyla em sua mente e de acreditar que algo sobrenatural poderia ter acontecido ali.

Bella precisava limpar o espaço para estabelecer seu acampamento ali mesmo. As estrelas logo estariam no céu e ela precisava fazer uma fogueira. Ao limpar o lugar, procurando madeira, viu que a rocha que ela descansava era um local sagrado, um túmulo.

“Aqui descansa a rosa dos ventos, a Flora de minha alma, eterna será em mim, pois meu amor transcende a Terra. ”

Era o repouso da rainha, o repouso de sua mãe.O desespero tomou conta de seu coração. Agarrada a pedra, Bella chorou

copiosamente. Esqueceu o cansaço, o medo, a saudade, o vilarejo. Queria ter tido um breve momento com aquela que ali jazia, sua mãe.

“Porque isso? Meu coração está acabado. Sinto que a vida escorre pelos meus dedos e não consigo detê-la. Hoje enterro não só uma mulher a quem chamei de mãe por quinze anos, mas duas. “

Page 18: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

Pela primeira vez Bela sentiu o frescor da noite, uma brisa singela em seu rosto. Já mais calma, procurou por madeira para fazer uma fogueira ao lado do túmulo da Rainha. Ouviu, então, algo vindo dos arbustos que a assustou.

Se aproximou e notou uma estátua bem diferente das outras que encontrou pelo caminho. Era mais alta, mais forte, também fria como as outras, mas seu olhar era diferente. Transmitia mágoa, ira.

Um forte arrepio tomou conta do corpo franzino de Bella. Já era noite e não havia notado aquela escultura. Aproximou-se temerosa, como se de repente do nada ela fosse criar vida. Bella tinha respiração ofegante, mãos trêmulas.

Ela lembrou-se do sonho, onde havia uma estátua cujo coração ainda pulsava, e atreveu-se a tocar em seu peito. Se aproximou, pensou em desistir, mas a curiosidade era maior do que ela mesma.

Tocou o peito da estátua, e o coração pulsava.“Não. Não acredito!! Pai! ”Ela gritou, se jogou aos pés da pedra, bateu-lhe a testa como um tapa

vindo da alma.“Porque você fez isso? Porque você acabou com a minha vida? Eu poderia

ter ficado, ajudado, cuidado de você. Então eram verdadeiras as lendas que Fiorde me contou. Esta era para ser a minha casa! “

Depois de extravasar, somente lágrimas lhe restaram, era só isso que ela tinha. A estátua de seu pai foi como um ouvinte paciente, que através do silêncio, tratava os lamentos da jovem. Após alguns minutos, a menina somente observava o que um dia poderia ter sido seu pai..

A solidão voltou e num impulso, tomada pela necessidade de não se sentir tão perdida abraçou a estátua. Suas lágrimas brotaram e o sentimento do perdão veio-lhe ao coração.

“Pai..”Neste instante lágrimas brotaram da pedra, o coração que por quinze anos

somente pulsava movido pela ira e saudade, reconheceu algo perdido, o Amor.A pedra se quebrou, o homem surgiu do que antes era inerte e sem vida. Ele ainda segurava sua espada, como a segurou no último instante

quando desejou morrer com sua amada. O homem olhou nos olhos Bella. Eram os olhos de Flora e reconheceu que aquela poderia ser sua filha.Um grande uivo surgiu por trás dos arbustos e numa fração de segundos,

Loravantur tinha Bella presa com um punhal em seu pescoço.“Pelo visto parte da maldição se quebrou. Como vai Coração da

Montanha? ”

Tudo era muito confuso. Killian não tinha reação frente ao que via. Via Flora nos olhos da menina, mas sabia que ali era um local sagrado. O local onde enterra sua amada. Via o mais asqueroso ser empunhando o punhal no pescoço da menina que poderia ser sua filha. Ele era a coragem, mas naquele momento ele foi silencio.

“Melchior? Eu o matei. Não pode ser real! Não é possível. ”“Vejo então que estou a frente do assassino de meu pai. Agora, posso tirar

de você algo que lhe cause dor, a mesma dor que senti quando você o matou. ”“ Não!! Ela não. Me enfrente, mas deixe a menina. Ela não merece isso! ”

Page 19: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

“Eu sei o que ela merece, veja. ”Quando Loravantur levantou o punhal, Bela entoou os velhos cantos dos

povos antigos. O vento surgiu de onde o homem não imaginaria e tudo a sua volta mudou, se ampliou.

A conecção se fez. A Grande Lua iluminou aos céus e ela sabia o que deveria ser feito. Cantou a melodia dos Ventos do Norte. Seu canto, tímido, um sussurro, seguiu as quatros direções. Assim, surgiu

a filha Sublime, surgiu a filha do Amor e da Coragem, que disse olhando nos olhos daquele ser asqueroso e decrépito algo profundo, vindo de sua alma.

“Eu te perdoo. ”As palavras não pareciam ser dela. Uma jovem tímida e franzina que nunca imaginou ser uma Sublime. E ela continuou serena.“Como representante dos povos antigos e herdeira dos tronos da Coragem

e do Amor Sublimes, declaro o fim da maldição que assola sua raça. Você será novamente homem entre os homens, mas carregará o silencio no lugar de sua voz. Você e seu povo nunca poderão passar para frente este legado de horror. Ficarão mudos. Será assim para os filhos de seus filhos até que nasça entre vocês aquele que irá redimir pela fé, os erros que cometeram junto aos que viveram no Coração da Montanha”

O Vento da Profecia espalhou as palavras de Bella por todo o castelo. Todas as estátuas verteram lágrimas de gratidão e o feitiço lançado pelo Rei se quebrou.

Os Noiteranus deslizaram pela relva e se esconderam na noite escura. Killian caiu de joelhos em lágrimas pedindo perdão por seu egoísmo, por ter tirado a possiblidade do seu povo escolher junto a ele, com equilíbrio, o que deveria ter sido feito sobre o futuro.

Bela desmaiou. Killian correu e tomou a filha nos braços.“Fique comigo. Fui egoísta, solitário. Não fiz prevalecer o juramento que fiz

como guardião. Filha me perdoe!”Lágrimas banharam o rosto da menina. Killian ouviu atento a voz fraca e

quase sem vida de sua filha que lhe fez um pedido.“Pai, cuide de mim. Eu não tive culpa pela morte da mamãe. Não atribua a

mim este peso. ”“Nunca, nunca mais diga isso! Seremos nós dois agora, temos um reino a

zelar. ”Todos no reino retomaram suas vidas quando o solstício acabou. Os

homens comuns e os Sublimes se reconheceram e se respeitaram por muito tempo. Bella se tornou Rainha, eternizando o legado de seu pai por muitos anos.

A Rainha depositou em um grande vaso, que era a terra sobre seus pés, aqueles que amou intensamente.

Junto ao túmulo de Flora, hoje descansam Killian e Fiorde.Jazem aqueles que elevaram as almas dos homens comuns,

transformando-os em Sublimes seres, que aprenderam a viver juntos por amor.

“Cante princesa, o mundo irá ouvir sua voz”!

Page 20: coracaoliterario.files.wordpress.com  · Web viewO que não sabiam era que escondido na noite, o Rei entregava em silêncio ao Tempo suas dúvidas e anseios. Todos os Sublimes já

FIM