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Marcelo Pina de OliveiraMarcelo Pina de Oliveira

Editor responsável

Projeto gráfico e diagramaçãoZeca Martins

Lilian Nocete MesciaCapaZeca MartinsRevisãoCamila da Silva Bezerra

Esta obra é uma publicação da Editora Livronovo Ltda.CNPJ 10.519.6466.0001-33www.editoralivronovo.com.br@ 2015, São Paulo, SPImpresso no Brasil. Printed in Brazil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

O48v

Oliveira, Marcelo Pina deVamos cozinhar? manual de mesa, forno e fogão / Marcelo Pina de Oliveira. – Águas de São Pedro: Livronovo, 2016.

376 p. ; 23 cmISBN 978-85-8068-245-8

1ª edição

1. Culinária brasileira. 2. Receitas. 3. Cozinha. 4. Culinária internacional. I. Título.

CDD – 641.5

Ao adquirir um livro você está remunerando o trabalho de escritores,

responsáveis por transformar boas ideias em realidade e trazê-las até você.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser copiada ou reproduzida por qualquer meio impresso, eletrônico ou que

venha a ser criado, sem o prévio e expresso consentimento do autor. A reprodução da marca Livronovo e respectivo logotipo só será permitida

mediante expressa autorização da Editora Livronovo Ltda.

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Vamos cozinhar?Vamos cozinhar?

Prefácio

Ameacei escrever tantas vezes este livro. Na verdade, comecei a escrevê-lo várias vezes. Mas, finalmente, a resolução se abateu sobre mim!Este livro, Leitor Amigo, não é apenas um compêndio de receitas. É uma peça de

diversão. Uma fonte de entretenimento, tanto para saciar a fome de alimentos como a de cultura e informação.

Se posso dar algum conselho que não seja culinário, direi para ler cada capítulo com calma.

Há temas variados. Use este livro como um pequeno manual, um compêndio para algumas circunstâncias que venham a surgir em sua casa. Escrevi pensando exatamente em ajudar, tanto a preparar gostosas refeições como ajudá-lo, Querido Leitor, em diversas situações!

Todas as receitas aqui contidas foram testadas e/ou desenvolvidas por mim para minha amada Esposa, Filhos, Família e Amigos.

Inclusive, nosso amado filho, desde os 5 anos, ajudou avidamente em muitas receitas, colocando algum tempero ou destroncando alguma erva!

A cozinha é para todos, basta ter calma, se organizar e seguir as receitas.Então, vamos começar, você e eu, passo a passo. Bancada limpa, utensílios certos, bons

ingredientes e, num passe de mágica, nossas receitas sairão, uma após outra!Bom apetite!

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Vamos cozinhar?

Agradecimentos

Algumas pessoas me deram força para escrever este livro. Outras, inspiração.

A verdade é que este trabalho é a soma de anos de experiência profissional e muitos encontros com amigos e familiares. Testando receitas, passando inesquecíveis momentos juntos no território sagrado da mesa.

Mas devo, para algumas pessoas, algo a mais. Não, Leitor Amigo, não será uma longa lista de agradecimentos tal qual a de um político! Até por que, sou sempre apenas o cozinheiro! Porém, meu coração, por senso inegável de justiça, clama que aqui reporte algumas delas.

A começar por minha amada mãe, MARIA VALDECIR DE OLIVEIRA, que não viu em vida esta publicação, mas sei que esteve ao meu lado em toda a produção do livro. Foi graças a ela que, na minha tenra idade, despertou todo meu interesse e paixão pela cozinha. Ela era uma cozinheira exemplar, irretocável! Algumas receitas deste livro foram retiradas do livro manuscrito por ela, de receitas.

Ao meu amado pai, ARMENIO PINA DE OLIVEIRA, que mesmo dando inúmeros palpites em minhas preparações, sempre foi um companheiro de primeira grandeza em nossos almoços e jantares.

À minha amada segunda mãe ROSANI APARECIDA REVOLTINO MOREIRA, maravilhosa cozinheira, a qual partilhamos muitas receitas e momentos únicos junto à mesa.

O que dizer de minha esposa amada, ROBERTA CRUS PINA DE OLIVEIRA, minha companheira de uma vida, sempre crítica e realista às minhas invenções e execuções gastronômicas. Sempre ao meu lado, me ajudando, me questionando, enfim, me provocando sentimentos de pesquisar mais, estudar mais. Ela é responsável por muitas de minhas superações.

Meu filho amado, MARCELO PINA DE OLIVEIRA FILHO, meu petit chef! Desde um ano de vida, graças à dedicação da mãe, já usava dolman! Ele cresceu e cresce ao meu lado na bancada da cozinha. Ele é indiscutivelmente meu companheiro de forno e fogão. Na maioria das vezes, me ajudando, outras poucas, aprontando alguma arte! Tenho orgulho de vê-lo crescer junto a mim, gostado tanto da sagrada cozinha!

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Meu filho amado, RAFAEL VAZ PINA DE OLIVEIRA, companheiro de mesa e aprendiz de algumas receitas minhas, provou e aprovou muitos pratos que constam neste livro, sempre com um maravilhoso senso crítico.

Minha cunhada-irmã que tanto amo, FABIOLA CRUS, que atuou sempre na crítica verdadeira e sincera sobre esta obra, e muitas vezes me incentivou a continuar e chegar até o final.

Ao meu amado irmão, RENATO MORENO GUARDIOLA, minha amada cunhada, VALÉRIA GUARDIOLA, e minha amada sobrinha, ANGELA GUARDIOLA, que me acompanharam ao longo da produção do livro e tiveram paciência e energia para me levantar muitas vezes em que estive para cair.

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Vamos cozinhar?

Índice

Um pouco de história – A humanidade à mesa ................................ 9

Enquanto isso no Brasil... ................................................................ 23

Curiosidades regionais do Brasil .................................................... 31

Utensílios de cozinha ....................................................................... 39

O congelamento e suas vantagens ................................................... 45

Métodos caloríficos .......................................................................... 51

Molhos e bases ................................................................................. 55

Ovos, aves, carnes, peixes e frutos do mar ...................................... 65

Ervas e temperos .............................................................................. 73

Etiqueta e bem servir aos convivas .................................................. 75

Glossário de termos técnicos ........................................................... 81

Caderno de receitas ......................................................................... 89

Bibliografia .................................................................................... 374

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Um pouco de história – A humanidade à mesa

Vamos fazer uma rápida passagem pela história da gastronomia por dois motivos básicos.

Primeiro, a humanidade se desenvolveu à beira da mesa, ou perto dela!E segundo, todos adoram comer ouvindo histórias sobre alimentação.Por experiência, posso afirmar que, quando fazemos um prato clássico que tem uma

história, ou falamos da origem de um utensílio de cozinha, as pessoas ficam magnetizadas ouvindo, o que é muito gratificante para nós que estamos cozinhando!

Antiguidade:

Aproximadamente em 1600 a.C., nasceu uma civilização espetacular no atual território da Grécia. Nenhuma outra havia glorificado tanto o homem, a nobreza de seus ideais e as aspirações de liberdade. A civilização helênica – como ficou conhecida – aprimorou o pensamento, a filosofia, a ciência, a literatura e a arte culinária. É verdade que não fez isso a partir do nada. Teve contribuições preciosas dos povos que a precederam, sobretudo dos egípcios. Ainda assim, pode-se dizer que edificou com originalidade os fundamentos do mundo ocidental.

Na Grécia Antiga, existiram inúmeros glutões. Um deles era o atleta Milon de Crotona, que viveu no século VI a.C., considerado o homem mais forte da Antiguidade. Garante-se que podia interromper o movimento de um carro puxado por quatro cavalos e arrastá-lo para trás. Tinha o apetite mais voraz da Grécia Antiga. Devorava numa única refeição, a título de entrada, seis quilos de pão e nove de carne. De quebra, bebia dez litros de vinho. Na sequência, entregava-se a outros acepipes portentosos. Apesar da dieta descontrolada, triunfou em vários jogos olímpicos. Era tão forte e comilão que, segundo relatos, andava 120 passos com um boi nas costas. A seguir, matava-o com um soco e o comia inteiro.

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No final, suspirava de satisfação e lambia os dedos. Já velho, quis abrir com as mãos uma árvore, para ver se ainda conservava o vigor. Ela estava rachada, as metades do tronco se abriram e prenderam-lhe as mãos. Imobilizado, morreu devorado por um leão. Apesar dos excessos e da força bruta, era um homem do bem. Teve como mestre e amigo, o filósofo e matemático Pitágoras, quando este viveu em Crotona. Seu biógrafo, Diodoro Sículo, afirmou que Milon de Crotona “era o único homem da Antiguidade cuja grandeza espiritual correspondia à do seu corpo”.

Outro atleta vencedor dos jogos olímpicos, o robusto Teagenes, igualmente traçava um boi com facilidade, após as disputas esportivas. Além de saborear a carne, chupava-lhe os ossos e tutanos. Algumas mulheres não ficavam atrás. A roliça Aglaia, embora ostentasse o mesmo nome de uma das delicadas três graças da mitologia grega, comia quatro quilos de pão e seis de carne, acompanhados de três litros de vinho. Recorria ao substancioso repasto para aplacar o cansaço pulmonar, após tocar trombeta nas festas de Alexandria. Também aconteciam pantagruélicas refeições comunitárias. Uma das mais famosas contou com a presença do poeta Filoxenes de Citera, que viveu na corte de Dionísio, o tirano de Siracusa.

Segundo a descrição de Ateneu de Neucratis, autor de O banquete dos sofistas, deve ter sido o mais prodigioso banquete da Grécia Antiga. O cardápio mostrava-se exaustivo e desordenado. Entre outras atrações, exibia mézédès (os antepastos gregos), congro recheado, “de um sabor de ambrosia”, ensopados de mar, camarão vermelho, lula e polvo ao vinho, carne temperada com especiarias, “bem embebida em molho”, uma grande peça de atum, mamas de porca recheadas, fígados de cordeiro e cabrito, um prato elaborado com os intestinos desses animais, cabeça de cabrito cozida no vapor, presuntos recobertos de toucinho, lebres, perdizes e faisões “em abundância”. Tudo foi servido quente e acompanhado de pãezinhos brancos e crocantes. Para arrematar, mel dourado, coalhada “e um queijo que todo o mundo achou delicioso”.

Entretanto, nem todos os banquetes primavam pela comilança. Havia os que congregavam intelectuais, e a comida servia como pretexto para a troca de ideias. Platão, um dos maiores pensadores de todas as épocas, e o historiador, filósofo e político, Xenofante, participavam desses encontros. Foram os gregos que inventaram o simpósio, palavra hoje empregada para definir reunião de cientistas, técnicos, escritores ou artistas, empenhados em debater certo tema. Na origem, o termo indicava a segunda parte de um banquete. Depois, passou a expressar um encontro para beber e jogar.

Evidentemente, na hierarquizada e militarizada cidade-estado de Esparta, as coisas eram diferentes. A severa disciplina a que se submetiam seus habitantes desencorajava o prazer à mesa. O menu se apresentava abstêmio e insosso.

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Vamos cozinhar?

Inventou-se em Esparta o repulsivo caldo preto, cuja receita os pesquisadores ainda não chegaram a uma definição. Esse caldo possuía finalidades dietéticas e marciais. O escritor francês, Anatole France, estudioso da civilização helênica, atribuía parte da bravura dos soldados espartanos à repulsa gustativa. Na volta para a casa, deveriam engolir o tenebroso caldo preto. Portanto, era melhor tombar em combate. Já o escritor catalão, Néstor Luján, autor de Historia de Ia Gastronomía (Barcelona: Folio, 1997.), criticou o sabor insuportável do prato. Assinalou que “o caldo preto chegou ao nosso tempo como um dos produtos mais aterradores da gastronomia”.

Por muito tempo, acreditou-se que o primeiro livro de cozinha da história foi o que nos deixou Marco Gavio Apício, gastrônomo romano do século I, autor do precioso Tratado De re Coquinaria. Sua obra ainda é considerada não só a mais importante de todo o Império Romano, como também da própria civilização. Outros autores latinos escreveram textos sobre cozinha, mas não chegaram até nós. Ainda hoje, grandes chefs europeus reverenciam Apício como o pai da arte culinária.

Carlos Magno:

A mesa mais opulenta da Idade Média foi a de Carlos Magno (742-814), rei dos francos e imperador do Ocidente, que no fim da vida dominava a maior parte da Europa, inclusive Roma. Em 46 anos de governo, combateu todas as ameaças à sua expansão. Com forças organizadas e talento marcial, enfrentou lombardos, sarracenos, bávaros e saxões. Corpulento e rude, Carlos Magno demonstrava impressionante vitalidade. Divertia-se em violentas caçadas, comia e bebia sem freios. Extensas florestas ainda cobriam o território europeu, ocultando cobiçados animais selvagens. As caçadas do imperador demoravam dias, às vezes, semanas. Quando voltava, trazia pilhas de javalis, veados e lebres. Antes de serem comidos, os animais giravam em espetos colocados sobre brasas aromáticas, acionados por dezenas de criados.

Eram assados enormes e brutais, que abusavam dos condimentos, mas agradavam ao paladar medieval. Outros animais, como pavões, faisões, perdizes, codornas e pombos, tão fáceis de encontrar quanto frangos em nossos supermercados, cozinhavam na caçarola ou no forno. Seus preparos exageravam tanto nos temperos como nos molhos gordurosos, mas já começavam a ter apresentação requintada. Um dos acepipes favoritos de Carlos Magno era o pavão real. Chegava à mesa assado, recheado com ervas aromáticas e a plumagem reconstituída. O leque da cauda ficava aberto, e havia no bico um pavio de lã embebido em cânfora. Carlos Magno ordenava que o servissem flamejante. No momento em que o pavio

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era aceso, os presentes aplaudiam. Por influência do imperador, o pavão real virou ave simbólica. Começou a ser mencionado nos juramentos equestres e foi venerado pelos cavaleiros andantes, encantados com a beleza de sua plumagem e real estirpe.

Comia-se bastante jumento assado. Carlos Magno gostava mais do vitelo. Atualmente, muitas pessoas sentem repulsa ao saber disso. Na Idade Média, porém, o jumento assado era uma especialidade do Périgord, região francesa reputada pela boa cozinha, além de ser terra dos cogumelos carnudos, das trufas pretas e do melhor foie gras do mundo. Assava-se o animal recheado. Enchia-se sua barriga com pão, trufas, passarinhos e azeitonas. Era prato de festa, que não faltava nos casamentos. Ainda no século XVI, o cardeal e político francês, Antoine Duprat, criava jumentos para comer. Transmitiu o gosto a Francisco I, do qual foi preceptor. O rei assimilou a influência ao pé da letra. Além da carne, tomava leite de jumenta.

Carlos Magno também adorava carne de porco. Preferia o leitão – cozido, frito ou de forno, acompanhado de pombinhos recheados com geleia de frutas. Para garantir o abastecimento de porcos, estimulou sua criação. Fez o mesmo com os gansos e as galinhas. Mandou construir viveiros para peixes de água doce. Julgava o salmão e a carpa iguarias supremas. Ordenou o plantio de ervas aromáticas, hortaliças e frutas, especialmente de cidra.

Os doces melhoraram. Na ausência do açúcar, que ainda não se difundira na Europa, usava-se o mel. Bandejas de frutas secas, especialmente figos, cortadas ao meio e enriquecidas com creme de ovos, nozes ou amêndoas, chegavam à mesa do imperador. Quando Carlos Magno ficou gravemente doente, os médicos solicitaram que comesse menos. Apesar de relutar, concordou em fazer dieta. Na primeira refeição, segundo seu cronista, Eginhardo, “pediu três gansos e os quartos traseiros do javali que havia caçado no dia anterior com uma lançada certeira”.

Os banquetes do imperador eram pantagruélicos e iniciavam por volta do meio-dia. Tinham cardápios infindáveis e eram extremamente animados. Envolviam discursos, declamações, debates, cânticos e danças. Os pratos chegavam em cortejo, anunciados por uma orquestra de pífaros e oboés. Nos intervalos, brindava-se à saúde do anfitrião. Mas só os nobres de títulos mais altos serviam Carlos Magno.

Os primeiros a terem essa honra eram os reis e príncipes estrangeiros. Na falta deles, a deferência competia aos duques. Estes, por sua vez, eram servidos pelos condes, que por sua vez recebiam a comida dos menos graduados, e assim por diante. O respeito ao cerimonial fazia com que a baixa hierarquia só comesse no final do dia. Como em todas as refeições da Idade Média, ainda não se usava o garfo, instrumento desenvolvido mais tarde. Cada um levava sua própria faca e comia com as mãos.

A etiqueta vivia sua pré-história. Limpava-se a faca e as mãos na roupa do vizinho, pois também não havia guardanapo, pegava-se a comida do outro sem pedir licença,

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falava-se com a boca cheia, cuspia-se no chão, apostava-se quem conseguia beber mais vinho até o encerramento do banquete. Sobre essa impolidez, Carlos Magno chegou a fazer uma lei especial condenando os infratores a uma penitência de pão e água. Apesar de rude e sem cultura, o imperador queria que as pessoas tivessem bons modos. Na sua corte, as mulheres “foram admitidas à mesa dos homens, contanto que não os incomodassem”. A inovação repercutiu como uma revolução de costumes. Teve impacto semelhante à adoção do topless, na segunda metade do século XX.

Carlos Magno era homem incapaz de viver sem uma companhia feminina. Polígamo como um sultão, casou-se cinco vezes – alguns livros falam em nove – e colecionou favoritas.

O comportamento estava em desacordo com os mandamentos da Igreja, mas não fazia a menor diferença para ele. No natal de 799, tinha sido sagrado imperador do Ocidente, durante a missa do galo, em Roma, pelo papa Leão III. Essa investidura estabeleceu os fundamentos do sistema político da época, em que o poder civil e militar dos soberanos e o poder religioso e temporal dos pontífices se escoravam mutuamente. Como imperador do Ocidente, Carlos Magno passou a ter ampla jurisdição eclesiástica. Nomeava quem quisesse na hierarquia católica, legislava sobre disciplina e doutrina, intrometendo-se assim nos assuntos da Igreja.

Os descobrimentos:

Muitas pessoas ficam surpresas ao ouvir que os portugueses ensinaram aos japoneses um dos pratos mais expressivos de sua cozinha. Mas isso realmente aconteceu. Falamos do tempurá, uma preparação tão importante para os japoneses quanto· o sushi e o sashimi. A receita leva vegetais, peixes e frutos do mar empanados e fritos, surgiu entre os séculos XVI e XVII, quando os bravos navegantes portugueses mantiveram estreito contato com os japoneses.

Os portugueses foram ao seu arquipélago para catequizar a população, vender produtos estrangeiros, adquirir riquezas ou pelo simples prazer da aventura. Alguns iam e vinham de bases navais instaladas na China ou na índia; outros residiam no país.

O tempurá é um prato com inspiração religiosa. Durante a quaresma, a Igreja Católica recomendava abstinência de carne e fazer penitência. Nas refeições frugais, só autorizava os peixes, frutos do mar e vegetais. Os fiéis se submetiam aos mesmos sacrifícios nos três dias de jejum, em uma semana de cada estação do ano, as chamadas têmporas. Como abominavam o hábito japonês de comer peixes e frutos do mar crus, os portugueses

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mandavam fritar os ingredientes permitidos. A população nipônica achava estranho, mas provava e gostava. Julgavam que têmporas fosse o nome do prato. Quando incorporou a receita chamou-a de tempurá.

Maria Margarida Duarte, estudiosa dos hábitos de alimentação portugueses, radicada no Brasil, lembra que a cozinha portuguesa sempre usou passar o peixe em farinha, antes de fritar. Apresenta como exemplos os vegetais (peixinhos da horta) aferventados e passados em polme (mistura de água, farinha, ovo e sal) e as pataniscas de bacalhau, feitas com lascas de bacalhau passado no polme e fritos. Na sua convicção, a cobertura crocante do tempurá também é inspiração portuguesa – e não resultou de um aperfeiçoamento autóctone, como muitos sustentam.

Os primeiros portugueses – e europeus – a alcançarem o Japão foram três comerciantes que viajavam em um junco chinês, em 1541. Uma tempestade de verão desviou a embarcação para a ilha de Tanegashima, no extremo sul do arquipélago. Os dois povos se desconheciam mutuamente. Os nipônicos viviam isolados e ignoravam a existência da Europa. Só tinham contato muito frágil com a Coreia e a China, sua inimiga histórica.

Na verdade, os lusitanos e europeus já haviam ouvido falar vagamente do Japão. No século XIII, o navegador veneziano Marco Polo, maior viajante da Idade Média, afirmou que, adiante da China, existia um país chamado Cipango, formado apenas por ilhas; mas ninguém acreditou.

Recebidos como seres extraterrestres, os três comerciantes fascinaram os japoneses. Nunca tinham visto pessoas de cabelo castanho e louro. Encantaram-se com a pele escura dos marinheiros indianos e indonésios que acompanhavam os lusitanos. Divertiram-se com suas calças bufantes, última moda na época, e com seus narizes, às vezes, pontiagudos.

Os três comerciantes voltaram para a terra natal e contaram da visita ao Japão. Na época, os navegadores portugueses do Oriente estabeleceram bases em feitorias,

ou melhor, em entrepostos comerciais espalhados naquela parte do mundo. O Japão não apresentava unidade política. O poder se dividia entre vários daimios, príncipes feudais que guerreavam entre si com exércitos de samurais. O fracionamento beneficiava a entrada de estrangeiros.

Vatel:

Arruinado e sem dinheiro para pagar os fornecedores de seu castelo de Chantilly, a 40 quilômetros de Paris, o Príncipe de Condé recebeu Luís XIV com três dias de comilanças

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Vamos cozinhar?

e festas extravagantes. A intenção do grande general francês da época, consagrado em batalhas internacionais, era bajular o chamado Rei-Sol, comilão assumido, e obter dele uma grande soma de dinheiro, para colocar um fim ao assédio dos credores. Recepções espetaculares foram organizadas pelo preposto de Condé, o exigente Vatel, encarregado dos banquetes, entretenimentos, compras, gerência dos funcionários e serviços administrativos do castelo.

Luís XIV também tinha um interesse particular na visita. Necessitava da habilidade militar de Condé na guerra iminente contra a Holanda. O rei chegou ao castelo na quinta-feira, acompanhado da rainha, um irmão, duas amantes e um séquito de mil pessoas. Em uma de suas famosas cartas, a Marquesa de Sévigné conta que a refeição inaugural transcorreu conforme o previsto. Na seguinte, porém, faltou assado em algumas mesas, pois não se contava com tanta gente. Vatel ficou desolado. O príncipe procurou tranquilizá-lo, dizendo que tudo correra bem. Mas o gesto de Condé não curou a ferida aberta na sua dignidade profissional. “Perdi minha honra”, afirmou repetidas vezes Vatel. “Não conseguirei suportar esta afronta”.

Sem dormir durante doze noites, ele entrou em depressão. Para completar, fracassaram os fogos de artifício que havia preparado. Às quatro da madrugada, apareceu um fornecedor trazendo apenas dois recipientes com peixe. Faltou o rodovalho, que seria a base de uma das receitas de mar do dia seguinte. “Isto é tudo?”, perguntou Vatel, esquecendo-se dos peixes encomendados a outras pessoas. “Sim”, respondeu o fornecedor. Aterrorizado, subiu ao quarto, fixou o cabo da espada na porta e se jogou sobre a ponta da lâmina, atingindo o coração. Quando o peixe chegou, fresco e abundante, estava morto. A história é verídica e se passou em 1671. Inspirou o ótimo filme Vatel – Um Banquete para o Rei, com Gérard Depardieu no papel-título.

Luís XIV passou um fim de semana maravilhoso no castelo. Além disso, conseguiu que Condé, apesar de sofrer terríveis crises de gota, ajudasse a França a derrotar a Holanda. O príncipe ainda teve forças para realizar uma campanha em defesa da Alsácia. Recompensado financeiramente pelo rei, morreu serenamente em 1686. Enquanto permaneceu em Chantilly, Luís XIV praticou sua escandalosa gula. Era um dos exercícios que mais adorava fazer. Como quase todos os Bourbon, tinha fome inesgotável.

Quando criança, devorava tudo o que havia no prato e ainda atacava o do vizinho. Seu pai, Luís XIII, foi uma exceção à regra familiar, pois não comia tanto. Mesmo assim, era bom cozinheiro; sabia preparar ovos de diversas maneiras e suas geleias provocavam aplausos. Luís XIV, por sua vez, não sabia cozinhar. Curiosamente, o Duque de Saint-Simon, em suas Memórias, afirmou que, antes de começar as refeições, ele jamais

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