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EREM JOAQUIM TÁVORA DISCIPLINA: PORTUGUÊS/ LITERATURA PROFESSORA: SANDRA CAMELO DATA: 12/ 05 / 2020 1º E Literatura na Idade Média Reis, castelos, nobres cavaleiros lutando em torneios para merecer a atenção de formosas damas são alguns dos elementos que compõem uma certa representação da Idade Média. Essa imagem foi, em parte, construída com base nos textos dos trovadores e das novelas de cavalaria. Eles divulgaram os ideais de um comportamento cortês que se tornou um modelo até hoje explorado pela literatura ocidental. Observe os instrumentos musicais com que os trovadores compunham e tocavam suas cantigas. Idade Média: entre o mosteiro e a corte A Idade Média é um período que tem início com a conquista de Roma, capital do Império Romano do Ocidente, pelos comandantes germânicos no ano de 476 (século V), e termina com a queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, tomada pelos turcos em 1453. Uma das heranças do período de dominação romana na Europa durante a Idade Média foi o cristianismo. Aos poucos, a Igreja Católica cresceu, acumulou vastas extensões de terra, enriqueceu e concentrou um grande poder religioso e secular. Essa herança conviveu com mudanças na ordem social que tiveram expressão significativa na literatura do período. O poder da Igreja No período conhecido como Alta Idade Média (séculos XXII e XIII), o poder da Igreja medieval era tão grande que o papa Inocêncio III (1198-1216) afirmou: Os príncipes têm poder na terra, os sacerdotes, sobre a alma. E assim como a alma é muito mais valiosa do que o corpo, assim também mais valioso é o clero do que a monarquia [...]. Nenhum rei pode reinar com acerto a menos que sirva devotamente ao vigário de Cristo. PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa Religião e cultura Uma importante manifestação do poder da Igreja medieval era seu controle quase absoluto da produção cultural. Em uma época em que apenas 2% da população europeia era alfabetizada, a escrita e a leitura estavam praticamente restritas aos mosteiros e abadias. Os religiosos reproduziam ou traduziam textos sagrados do cristianismo e obras de grandes filósofos da Antiguidade, como Platão e Aristóteles. Que não representassem uma ameaça ao poder da Igreja.

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Page 1: educacaohitech.files.wordpress.com€¦ · Web viewNo período conhecido como Alta Idade Média (séculos XXII e XIII), o poder da Igreja medieval era tão grande que o papa Inocêncio

EREM JOAQUIM TÁVORADISCIPLINA: PORTUGUÊS/ LITERATURAPROFESSORA: SANDRA CAMELO DATA: 12/ 05 / 2020 1º E

Literatura na Idade Média

Reis, castelos, nobres cavaleiros lutando em torneios para merecer a atenção de formosas damas são alguns dos elementos que compõem uma certa representação da Idade Média. Essa imagem foi, em parte, construída com base nos textos dos trovadores e das novelas de cavalaria. Eles divulgaram os ideais de um comportamento cortês que se tornou um modelo até hoje explorado pela literatura ocidental.

Observe os instrumentos musicais com que os trovadores compunham e tocavam suas cantigas.

Idade Média: entre o mosteiro e a corte

A Idade Média é um período que tem início com a conquista de Roma, capital do Império Romano do Ocidente, pelos comandantes germânicos no ano de 476 (século V), e termina com a queda de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, tomada pelos turcos em 1453. Uma das heranças do período de dominação romana na Europa durante a Idade Média foi o cristianismo. Aos poucos, a Igreja Católica cresceu, acumulou vastas extensões de terra, enriqueceu e concentrou um grande poder religioso e secular. Essa herança conviveu com mudanças na ordem social que tiveram expressão significativa na literatura do período.

O poder da Igreja No período conhecido como Alta Idade Média (séculos XXII e XIII), o poder da Igreja medieval era tão grande que o papa Inocêncio III (1198-1216) afirmou:

Os príncipes têm poder na terra, os sacerdotes, sobre a alma. E assim como a alma é muito mais valiosa do que

o corpo, assim também mais valioso é o clero do que a monarquia [...]. Nenhum rei pode reinar com acerto a menos que sirva devotamente ao vigário de Cristo. PERRY, Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa

Religião e cultura Uma importante manifestação do poder da Igreja medieval era seu controle quase absoluto da produção cultural. Em uma época em que apenas 2% da população europeia era alfabetizada, a escrita e a leitura estavam praticamente restritas aos mosteiros e abadias. Os religiosos reproduziam ou traduziam textos sagrados do cristianismo e obras de grandes filósofos da Antiguidade, como Platão e Aristóteles. Que não representassem uma ameaça ao poder da Igreja. O uso do latim como língua literária, outra herança do longo período de dominação romana na Europa, também contribuía para dificultar o acesso aos textos. Poemas e canções eram compostos em latim por monges eruditos que vagavam de feudo em feudo e, desse modo, divulgavam suas composições. A maior parte dessa produção abordava temas religiosos.

O Trovadorismo: poesia e cortesia No século XII, o período das grandes invasões na Europa havia passado e isso permitiu o ressurgimento das cidades, o progresso econômico e o intercâmbio cultural. Os cavaleiros viram-se de uma hora para a outra sem função social. Era preciso criar para eles um novo papel. A solução desse quadro veio com a idealização de um código de comportamento amoroso, que ficou conhecido como amor cortês. Esse código transferia a relação de vassalagem entre cavaleiros e senhores feudais para o louvor às damas da sociedade.

Os agentes do discurso Nas cortes dos senhores feudais, centros de atividade artística da Europa medieval, se exibiam os jograis: recitadores, cantores e músicos ambulantes que eram contratados pelo senhor para divertir a corte. As cantigas apresentadas pelos jograis eram compostas, quase sempre, por nobres que se denominavam trovadores, porque praticavam a arte de trovar. Assim, enquanto nos mosteiros e nas abadias circulavam os textos escritos em latim, nos castelos e nas cortes circulava a literatura oral, produzida em língua local, voltada para o deleite dos homens e das

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mulheres da nobreza e para legitimar o novo papel social assumido pelos cavaleiros.

O amor e a sátira no Trovadorismo As cantigas de amor do Trovadorismo desenvolvem o mesmo tema: o sofrimento provocado pelo amor não correspondido _ a coita de amor. Como o princípio do amor cortês é a idealização da dama por seu trovador, os textos não manifestam a expectativa de que esse amor se concretize. As cantigas satíricas abordam uma variedade de temas sempre expressando um olhar crítico para a conduta de nobres (homens e mulheres) nas esferas individual ou social. Assim, os trovadores podem ridicularizar um nobre que se envolve com uma serviçal ou aqueles que não percebem a traição da esposa.

A linguagem da vassalagem amorosa Unindo poesia e música, os textos medievais eram divulgados de forma oral. Esse modo de circulação determinou algumas de suas principais características estruturais como o emprego de metros regulares e a presença constante de rimas, por facilitarem a memorização das cantigas.

O nascimento da literatura portuguesa

Em 1140, Portugal se separou do reino de Leão e Castela para se tornar um estado independente. Essa separação política não rompeu seus profundos laços econômicos, sociais e culturais com o resto da Península Ibérica. O mais forte desses laços era a língua: o galego-português. Acredita-se que o primeiro texto literário galego-português seja a “Cantiga da Ribeirinha” ( também conhecida como “Cantiga de Guarvaia”), que se supõe ter sido composta em 1198.

No mundo non me sei parelha,mentre me for' como me vai,ca ja moiro por vós - e ai!mia senhor branca e vermelha,Queredes que vos retraiaquando vos eu vi em saia!Mao dia me levantei,que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, des aquelhame foi a mí mui mal di'ai!,E vós, filha de don PaaiMoniz, e ben vos semelhad'haver eu por vós guarvaia,pois eu, mia senhor, d'alfaianunca de vós houve nen heivalía dũa correa. (TAVEIRÓS, Paio Soares de.)

Paráfrase em português atual

No mundo ninguém se assemelha a mimEnquanto a vida continuar como vai,Porque morro por vós e - ai! -Minha senhora alva e de pele rosadas,Quereis que vos retrateQuando eu vos vi sem manto.Maldito seja o dia em que me levanteiE então não vos vi feia!

E minha senhora, desde aquele dia, ai!Tudo me ocorreu muito mal!E a vós, filha de Dom PaioMoniz, parece-vos bemQue me presenteeis com uma guarvaia,Pois eu, minha senhora, como presente,Nunca de vós recebera algo,Mesmo que de ínfimo valor.

Obs.: a guarvaia era um manto luxuoso, provavelmente de cor vermelha, usado pela nobreza.

A “Cantiga da Ribeirinha” ilustra o tema mais frequente dessa produção literária: a coita de amor. Nela, o eu lírico masculino fala de seu sofrimento, que teve início no dia em que avistou, sem seu manto luxuoso, a bela senhora. Desde então, suspira por ela, sem receber qualquer recompensa.

As cantigas galego-portuguesas se dividem em líricas e satíricas, dependendo do tema que desenvolvem.

As cantigas líricas As cantigas líricas são divididas em cantigas de amor e cantigas de amigo.

Cantigas de amor Como as cantigas provençais, das quais se originam, as cantigas de amor galego-portuguesas exprimem a paixão infeliz, o amor não correspondido que um trovador dedica a sua senhora, como na “Cantiga da Ribeirinha”.

Aspectos formais e de conteúdo

O eu lírico é sempre masculino e representa o trovadpr que dirige os elogios a uma dama.

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O trovador se autodenomina coitado, aflito, enlouquecido, sofredor.

A dama é identificada por termos que destacam suas qualidades físicas (fremosa, delgada, de bem parecer), morais (bondade, lealdade), sociais (falar mui ben, bom sen).

Os trovadores galego-portugueses utilizavam versos com sete sílabas métricas (redondilha maior)

Cantiga d’amor de refranQuantos han gran coita d'amoreno mundo, qual hoj'eu hei,querrían morrer, eu o sei,e haverían én sabor.Mais mentr'eu vos vir, mia senhor,     sempre m'eu querría viver,     e atender e atender!

Pero ja non posso guarir,ca ja cegan os olhos meuspor vós, e non me val i Deusnen vós; mais por vós non mentir,enquant'eu vós, mia senhor, vir,     sempre m'eu querría viver,     e atender e atender!

E tenho que fazen mal sénquantos d'amor coitados sonde querer sa morte se nonhouveron nunca d'amor ben,com'eu faç'. E, senhor, por én     sempre m'eu querría viver,     e atender e atender!(GARCIA DE GUILHADE, João) Adaptação para o português atualCantiga de amor de refrãoQuantos o amor faz padecerpenas que tenho padecidoquerem morrer e não duvidoque alegremente queiram morrer.Porém enquanto vos puder ver,vivendo assim eu quero estare esperar, e esperar.

Sei que a sofrer estou condenadoe por vós cegam os olhos meus.Não me acudis; nem vós, nem DeusMas, se sabendo-me abandonado,ver-vos, senhora, me for dado.vivendo assim eu quero estare esperar, e esperar.

Esses que veem tristementedesamparada sua paixãoquerendo morrer, loucos estão.Minha fortuna não é diferente;porém eu digo constantemente:vivendo assim eu quero estar(CORREIA,e esperar e esperar.

(CORREIA, Natália. Cantores dos cantores trovadores)

Cantigas de amigo De modo geral, as cantigas de amigo falam de uma relação amorosa concreta que acontece entre pessoas simples, que vivem no campo. O tema central dessas cantigas é a saudade.

Aspectos formais e de conteúdo

Nas cantigas de amigo, todas as referências dizem respeito aos sentimentos e à vida campesina, às moças simples que vivem nas aldeias e nos campos.

O eu lírico das cantigas de amigo é sempre feminino e representa a voz de uma mulher (amiga) que manifesta a saudade pela ausência do amigo (namorado ou amante).

Várias personagens participam do “universo amoroso” criado na cantiga de amigo: mãe, amigas, damas de companhia. Essas personagens são testemunhas do amor que a amiga dedica ao seu namorado.

O tom das cantigas de amigo é mais positivo e otimista que o das cantigas de amor, porque tratam de um amor que é real e ocorre entre pessoas de condição social semelhante. Por esse motivo, a amiga se define frequentemente como alegre (leda).

Os versos utilizados nessas composições costumam ter cinco sílabas métricas (redondilha menor).

Cantiga d’ amigoLevad', amigo, que dormides as manhanas frías;toda-las aves do mundo d'amor dizían.     Leda m'and'eu.

Levad', amigo, que dormide-las frías manhanas;toda-las aves do mundo d'amor cantavan.     Leda m'and'eu.

Toda-las aves do mundo d'amor dizían;do meu amor e do voss'en ment'havían.     Leda m'and'eu.

Toda-las aves do mundo d'amor cantavan;do meu amor e do voss'i enmentavan.     Leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss'en ment'havían;vós lhi tolhestes os ramos en que siían.     Leda m'and'eu.

Do meu amor e do voss'i enmentavan;

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vós lhi tolhestes os ramos en que pousavan.     Leda m'and'eu. [...](TORNEOL, Nuno Fernandes)

Adaptação para o português atualErgue-te, amigo que dormes nas manhãs friasTodas as aves do mundo, de amor, diziam:alegre, eu ando.

Ergue-te, amigo que dormes nas manhãs claras!Todas as aves do mundo, de amor, cantavam:alegre eu ando.

Todas as aves do mundo, de amor, diziam;do meu amor e do teu se lembrariam:alegre eu ando.

Todas as aves do mundo, de amor, cantavam;do meu amor e do teu se recordavam:alegre eu ando.

Do meu amor e do teu se lembrariam;Tu tolheste os ramos em que eu as via:alegre eu ando.

Do meu amor e do teu se recordavam;Tu tolheste os ramos em que pousavam:alegre eu ando.[...] (CORREIA, Natália)

As cantigas satíricas As cantigas de caráter satírico apresentavam críticas ao comportamento social de seus pares, difamavam alguns nobres ou denunciavam as damas que deixavam de cumprir seu papel no jogo do amor cortês. Elas podem ser de escárnio ou de maldizer.

Cantigas de escárnio Nas cantigas de escárnio, o trovador critica alguém por meio de palavras de duplo sentido, para que não sejam facilmente compreendidas. O efeito satírico que caracteriza essas cantigas é obtido por meio de ironias, trocadilhos e jogos semânticos. De modo geral, ridicularizam o comportamento de nobres ou denunciam as mulheres que não seguem o código do amor cortês.Cantiga de escárnioAi, dona fea! Foste-vos queixarque vos nunca louv'en meu trobar; (1)mas ora quero fazer um cantaren que vos loarei toda via;(2)e vedes como vos quero loar:dona fea, velha e sandia!

Ai, dona fea! Se Deus me pardon!(3)pois avedes [a] tan gran coraçon(4)que vos eu loe, en esta razonvos quero já loar toda via;e vedes qual será a loaçon (5)dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loeien meu trobar, pero muito trobei;mais ora já un bon cantar farei,en que vos loarei toda via;e direi-vos como vos loarei:dona fea, velha e sandia! (GARCIA DE GUILHADE, João)1. “que nunca vos louvei em meu cantar.”2. “louvarei”3. “que Deus me perdoe”4. “vontade”5. “elogio, louvação” O trovador, nessa cantiga, manifesta seu descontentamento por uma senhora ter-se queixado, dizendo que ele não a elogiava em suas composições. Não há no texto, a nomeação da mulher a quem o eu lírico se dirige e, embora a linguagem seja ofensiva, o trovador opta por utilizar mais a ironia do que termos grosseiros.

Cantigas de maldizer Nas cantigas de maldizer, o trovador faz suas críticas de modo direto, explícito, identificando a pessoa satirizada. Essas cantigas costumam apresentar linguagem ofensiva e palavras de baixo calão. Muitas vezes, tratam das indiscrições amorosas de nobres e membros do clero.Cantiga de maldizer Marinha, o teu folgar tenho eu por desacertado, e ando maravilhado de te não ver rebentar; pois tapo com esta minha boca, a tua boca, Marinha; e com este nariz meu, tapo eu, Marinha, o teu.[...] (Afonso Eanes de Coton)

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