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Web-documentário – Uma ferramenta pedagógica para o mundo contemporâneo * Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba Pontifícia Universidade Católica de Campinas Índice 1 Resumo 1 2 Introdução 2 3 Capítulo I – O documentário como fonte de conhecimento e expressão da “reali- dade” 3 4 Capítulo II – O Web-documentário como ferramenta para a difusão do conheci- mento 16 5 Capítulo III – Web-documentário: Forma- ção e informação na sociedade do controle 31 6 Considerações finais 46 7 Anexos 47 8 Bibliografia 58 1 Resumo O documentário é um gênero cuja origem re- monta ao século XIX e à invenção do cinema. Criado como um dispositivo para o relato histó- rico, seu desenvolvimento insere-se no longo es- forço humano em armazenar o conhecimento em diferentes suportes técnicos e faze-lo circular no meio social. Com o avanço da tecnologia digital, o web-documentário se constitui como um gê- nero do mundo atual e projeta a possibilidade de disponibilizar uma vasta gama de conhecimentos e, assim, contribui para o avanço da sociedade. * Projeto experimental desenvolvido sob a orientação do professor Celso Bodstein para obtenção do título de gra- duação do curso de Comunicação Social – Jornalismo da PUC-Campinas 2002 Inserindo-se nessa linha evolutiva dos meios in- formacionais, este trabalho tem o objetivo de in- vestigar as características do web-documentário e de evidenciar o seu relevante papel enquanto ferramenta pedagógica para o mundo contempo- râneo. Para realizar tal abordagem, lançamos o olhar sobre a história da construção do gê- nero documentário correlacionando-a com a ação humana de produção e transmissão do conheci- mento. Essa trajetória mostra os delineamentos do gênero e, ao mesmo tempo, a articulação en- tre a tecnologia e o desenvolvimento de suportes para a informação. Nossa reflexão dirige-se, também, para a aná- lise do papel do web-documentário na sociedade contemporânea dominada pelos instrumentos da mídia eletrônica. Ao descortinarmos esse cená- rio – a partir de filósofos como Michel Foucault – intentamos mostrar que o web-documentário, como uma ferramenta que propicia a autonomia, a interatividade e a cooperação, pode contribuir para a constituição de novos sujeitos sociais e, assim, ajudar na construção de uma sociedade em que o saber pode ser partilhado de forma mais igualitária. Palavras-chaves: Contemporâneo – Docu- mentário – Web-documentário – Tecnologia – Educação – Ferramenta – Conhecimento – Poder – Internet – Sociedade

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Web-documentário – Uma ferramenta pedagógica para o mundocontemporâneo∗

Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto TombaPontifícia Universidade Católica de Campinas

Índice

1 Resumo 12 Introdução 23 Capítulo I – O documentário como fonte

de conhecimento e expressão da “reali-dade” 3

4 Capítulo II – O Web-documentário comoferramenta para a difusão do conheci-mento 16

5 Capítulo III – Web-documentário: Forma-ção e informação na sociedade do controle31

6 Considerações finais 467 Anexos 478 Bibliografia 58

1 Resumo

O documentário é um gênero cuja origem re-monta ao século XIX e à invenção do cinema.Criado como um dispositivo para o relato histó-rico, seu desenvolvimento insere-se no longo es-forço humano em armazenar o conhecimento emdiferentes suportes técnicos e faze-lo circular nomeio social. Com o avanço da tecnologia digital,o web-documentário se constitui como um gê-nero do mundo atual e projeta a possibilidade dedisponibilizar uma vasta gama de conhecimentose, assim, contribui para o avanço da sociedade.

∗Projeto experimental desenvolvido sob a orientação doprofessor Celso Bodstein para obtenção do título de gra-duação do curso de Comunicação Social – Jornalismo daPUC-Campinas 2002

Inserindo-se nessa linha evolutiva dos meios in-formacionais, este trabalho tem o objetivo de in-vestigar as características do web-documentárioe de evidenciar o seu relevante papel enquantoferramenta pedagógica para o mundo contempo-râneo. Para realizar tal abordagem, lançamoso olhar sobre a história da construção do gê-nero documentário correlacionando-a com a açãohumana de produção e transmissão do conheci-mento. Essa trajetória mostra os delineamentosdo gênero e, ao mesmo tempo, a articulação en-tre a tecnologia e o desenvolvimento de suportespara a informação.

Nossa reflexão dirige-se, também, para a aná-lise do papel do web-documentário na sociedadecontemporânea dominada pelos instrumentos damídia eletrônica. Ao descortinarmos esse cená-rio – a partir de filósofos como Michel Foucault– intentamos mostrar que o web-documentário,como uma ferramenta que propicia a autonomia,a interatividade e a cooperação, pode contribuirpara a constituição de novos sujeitos sociais e,assim, ajudar na construção de uma sociedadeem que o saber pode ser partilhado de formamais igualitária.

Palavras-chaves: Contemporâneo – Docu-mentário – Web-documentário – Tecnologia –Educação – Ferramenta – Conhecimento – Poder– Internet – Sociedade

2 Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba

2 Introdução

A palavradocumento, em sua etimologia latina,significa instrumento escrito que dá fé daquiloque atesta. Nessa conceituação encontramos,em síntese, as idéias principais que embasamesta monografia, cujo objetivo é estudar umaforma específica da contemporaneidade: oweb-documentário.

Primeiramente, a idéia de “instrumento es-crito” nos leva à reflexão sobre o importante pa-pel desempenhado, na história da humanidade,pelo desenvolvimento da linguagem e sua funçãona preservação e transmissão do conhecimento.Foi por meio do desenvolvimento de “técnicasmemoriais” (do oral ao escrito; do manuscrito aoimpresso; do impresso ao digital) que o homempôde acumular e transmitir o conhecimento atra-vés do tempo.

A ação humana, guiada pela inteligência e ra-cionalidade, fez com que sua memória pudesse seinscrever em diferentes instrumentos e suportes –da parede das cavernas ao chip de computador –e, assim, aumentar significativamente sua capaci-dade de produzir e fazer circular o conhecimento.O segundo conceito, associado ao sentido dedo-cumento, diz respeito à sua capacidade de atestara veracidade dos fatos, de desempenhar o papelde testemunho da “realidade”.

Novamente nos vemos diante do desenvolvi-mento de diferentes tecnologias, por meio dasquais acentua-se a ilusão de “referencialidade”do documento: se a invenção da fotografia edas imagens em movimento veio a incrementaro efeito de veracidade que já se encontrava, po-tencialmente, nos documentos escritos, os meiosvirtuais (com todas as suas potencialidades de fu-são entre o verbal e o não verbal) levaram à radi-calização do sentimento de “testemunho da ver-dade” que emana dos textos eletrônicos.

A contemporaneidade caracteriza-se, pois,pela produção e circulação desenfreada de do-cumentos que, aliados às modernas tecnologias,produzem e reproduzem o conhecimento hu-

mano, constituindo uma vasta biblioteca cujoacervo contém, potencialmente, todo o passadoe todas as projeções do futuro. Como se hou-vesse concretizado o antiqüíssimo sonho inscritona “Biblioteca de Alexandria”, diante dos meiosdigitais o homem moderno vê a possibilidade dearmazenar e distribuir todo o conhecimento ge-rado pela humanidade.

Inserido nessa vasta problemática, propomos,nesta monografia, pensar o papel desempenhadopelo web-documentário na produção e circulaçãodo conhecimento na sociedade contemporânea.

Com esse objetivo, no primeiro capítulo abor-damos o desenvolvimento do documentário en-quanto gênero, suas primeiras utilizações e seusentido enquanto suposto documento de relato deuma “verdade” absoluta. Analisamos a realidadeda imagem e estabelecemos a diferenciação entreo gênero documentário e a reportagem jornalís-tica. Entendemos o documentário enquanto peçacinematográfica cuja especificidade se constituipela “autenticidade”, pelo “efeito de verdade”que lhe é atribuído. Assim, acompanhando o de-senvolvimento do gênero, desde sua criação nofinal do século XIX até a atual transformação re-gistrada com o advento das novas tecnologias, in-tentamos mostrar a articulação entre os avançostécnicos e o desenvolvimento de novas formas dedocumentários. Dessa forma, por meio do res-gate teórico e historiográfico, podemos construiro embasamento crítico para caracterizar a evo-lução da linguagem ao longo dos anos frente àevolução tecnológica proveniente das ferramen-tas responsáveis pela captação, reprodução e edi-ção do documentário.

No capítulo II desta monografia, nossa refle-xão se dirige para os mecanismos cognitivos quepropiciam, aos seres humanos, a assimilação edifusão do conhecimento. Consideramos fun-damental essa discussão a fim de discorrer so-bre o uso do web-documentário como ferramentapedagogicamente orientada para a transmissãodo conhecimento. Pretendemos mostrar que ouso das novas tecnologias que suportam o web-

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documentário podem subsidiar um processo edu-cativo que promova a facilitação do acesso ao sa-ber acumulado pela humanidade. Nesse sentido,consideramos que esta monografia pode contri-buir para apontar as imensas possibilidades edu-cativas, abertas pelo web-documentário, para aampliação e melhoria da qualidade do ensino emnosso país. As novas tecnologias podem rees-truturar o sistema educacional e promover o in-cremento da partilha do conhecimento a partir dainterconexão de escolas, universidades, governose sociedade.

Dando continuidade a essa discussão, o capí-tulo III tem o objetivo de refletir sobre o web-documentário como uma forma de aprendizagemtípica da contemporaneidade. Para aprofundar-mos essa idéia, tomamos alguns autores que ana-lisam a sociedade atual em termos de “moderni-dade” e “pós-modernidade” a partir de uma re-flexão sobre os dispositivos de controle e de pro-dução de subjetividades na nova cena social ins-tituída pelo desenvolvimento da técnica informá-tica.

Acompanhando as análises desses pesquisado-res – que descortinam a modernidade como ummundo dominado pelo poder da mídia – podemosvislumbrar alternativas de constituição de novasformas de sociabilidade e de subjetividade emum presente que se marca pela extrema utiliza-ção de instrumentos tecnológicos. Ao construir-mos esse cenário, ao mesmo tempo pessimista epleno de novas possibilidades, nosso objetivo édiscutir a necessidade de formação de novos su-jeitos. Para isso, focalizamos duas concepções deensino-aprendizagem (o condutivismo e o sócio-construtivismo) a fim de mostrar que a atual con-juntura social exige a utilização de ferramentasque promovam a formação de sujeitos críticosque possam interagir com o conhecimento.

É no interior dessa concepção de ensino quepensamos o web-documentário como uma fer-ramenta que propicia aautonomia, a interativi-dade e a cooperaçãono processo de aprendi-zagem. Assim, acompanhando as idéias prin-

cipais do sócio-construtivismo e lançando mãode entrevistas concedidas por teóricos como oantropólogo holandês Thomas Voorter e a es-tudiosa portuguesa Manuela Penafria, pretende-mos delinear o contexto contemporâneo comoaquele que torna possível e contingente a edu-cação on-line e possibilita o desenvolvimento doweb-documentário.

Acreditamos que as tecnologias contemporâ-neas – situando o web-documentário como umapossibilidade ideal de ferramenta – podem rees-truturar o sistema educacional e incrementar apartilha do conhecimento. Sem ter a pretensãode ser definitiva, a reflexão que se propõe nestamonografia se coloca como um primeiro passopara a libertação da crise atual que se insere nasinstituições tradicionais.

3 Capítulo I – O documentário comofonte de conhecimento e expressão da“realidade”

A primeira parte desta monografia aborda o de-senvolvimento do documentário enquanto gê-nero, suas primeiras utilizações e seu sentido en-quanto suposto documento de relato de uma “ver-dade absoluta”. Serão considerados, com esseintuito, a “realidade” da imagem assim como as“realidades” que qualquer tipo de objeto visualcarrega dentro de si desde o momento de sua con-cepção pela interferência de seu autor.

Será estabelecida, ainda, uma diferenciaçãoentre o gênero documentário e outros conceitoscomumente confundidos com o objeto em ques-tão, como a reportagem jornalística. É colocado,portanto, o documentário enquanto peça cinema-tográfica e sua definição como documento nosconceitos que fundam a Diplomática. Tal ciênciaserá abordada por sua especialidade em caracteri-zar como autêntico, ou não, um documento qual-quer, incluindo o gênero estudado neste trabalho.

Faremos um breve resgate do desenvolvimentodo gênero documental, desde sua criação no finaldo século XIX até a atual transformação regis-

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trada com o advento das novas tecnologias. Apartir da apresentação das histórias dos pioneirosdo gênero, como Robert Flaherty e Dziga Vertov,será feita uma análise dos primeiros filmes de talqualidade produzidos por esses autores.

Na seqüência, serão apresentadas e desenvol-vidas as teorias propostas por John Grierson, opioneiro no estudo do documentarismo e cria-dor da famosa Escola Britânica de Documentá-rios, conhecida como a primeira no mundo a sededicar ao estudo do assunto. Serão mostrados,ainda, alguns opositores de tal teoria e as con-cepções atualizadas de documentaristas contem-porâneos consultados para esta monografia.

Esse resgate teórico e historiográfico temcomo objetivo garantir um embasamento para oestudo das características pós-griersianas, direta-mente influenciadas pelo advento das novas tec-nologias e da Internet como meio para a transpo-sição de uma nova modalidade do gênero. Alémdisso, dar subsídios para caracterizar a evoluçãoda linguagem ao longo dos anos frente à evolu-ção tecnológica proveniente das ferramentas res-ponsáveis pela captação, reprodução e edição dodocumentário.

3.1 O conceito de documentário

O termo documentário é normalmente usado paradesignar um filme de caráter documental. Tal no-menclatura pode ter um significado equivocado,uma vez que a maior parte dos filmes apresentacaracterísticas documentais. A Diplomática éuma ciência que tem por objetivo o estudo crí-tico dos documentos e responsabilidade por ave-riguar a autenticidade e veracidade dos mesmos.Para tanto, estuda obras cinematográficas não do-cumentais que evidenciem aspectos passados. Setoda obra fílmica que apresentasse característicasdocumentais fosse classificada como documentá-rio, o gênero se incluiria num imenso leque deobras, o que não condiz com uma classificaçãopossível sugerida desde a sua origem. A dou-tora em comunicação social, Manuela Penafria

afirma que “a noção histórica de documento vi-sual abarca todas as imagens em movimento, in-cluindo as apresentadas num filme de ficção que,eventualmente, poderá ser tão útil ao historia-dor, ou a qualquer outro investigador, quanto umdocumentário” (PENAFRIA, 1999, p.21).

Qualquer questão que se refira ao homem –coisas como sua ação no tempo, seu comporta-mento, presença – pode ser caracterizada comodocumento, segundo a Diplomática. Qualquertipo de objeto pode servir por igual ao conjuntode documentos para se estudar uma “realidade”.Esses documentos podem ser classificados comovisuais, sonoros, impressos, numismáticos, fila-télicos, entre outras.

Não se nega o valor documental das imagensem movimento, elas são usadas para a cataloga-ção factual e pesquisas futuras dos acontecimen-tos e fenômenos sociais. Sendo assim, o filmedocumentário é presumivelmente caracterizadopelo registro daquilo que é considerado o “real”.“... o filme documentário é aquele que, pelo re-gistro do que é e acontece, constitui uma fontede informação para o historiador e para todosos que pretendem saber como foi e como aconte-ceu” (PENAFRIA, 1999, p.20).

Muitos acreditam que a história pode ser con-tada através das imagens, isso acontece poisdesde o seu surgimento até os dias atuais são con-sideradas testemunhas da “verdade” e da “reali-dade”. Ao contrário das pinturas, é fácil acredi-tar nestestatusde credibilidade das fotografiase das imagens em movimento, pois sua naturezafísico-química, hoje eletrônico-digital, aparente-mente não permitiria manipulação.

No entanto, seja a fotografia ou a cinemato-grafia, ambas podem ser manipuladas desde oprocesso de sua construção como imagem – en-quanto registro da “realidade” – prestando-se aosmais diferentes usos dirigidos com alguma inten-cionalidade. Isso impede que, de certa forma,tanto a fotografia como o filme documental se-jam aceitos como espelhos fiéis dos fatos, umavez que são cercados de ambigüidades e signifi-

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cados não explícitos. Para uma análise detalhadada verdadeira realidade que circunda uma ima-gem, seja ela em movimento ou não, são neces-sários historiadores e especialistas que possam“desmontar” o conteúdo e assim descobrir suarealidade interior, vinculada a um contexto espe-cífico. Imagens históricas podem representar in-verdades e talvez seja necessário desvendar seussignificados ocultos, suas tramas, suas “realida-des” e ficções e, principalmente, contextualizara época para descobrir as finalidades de quandoproduzidas.

Segundo Boris Kossoy, em seu livroRealida-des e ficções na trama fotográfica,as imagenspossuem em si uma realidade própria, diferentedaquela relativa ao referente. Essa realidade, se-gundo Kossoy, também pode ser conhecida por“segunda realidade”, uma representação a partirdo “real”.

A “primeira realidade” de uma imagem é opróprio passado, a realidade em si na dimensão“real” do fato. Tal conceito remete à situação nomomento exato do acontecimento, “real” e “con-creta”, referente ao índice, ou seja, o momentode captação quando é feito o registro. Essa “pri-meira realidade” é facilmente confundida com a“realidade interior”, uma realidade abrangente,complexa, invisível fotograficamente e inacessí-vel fisicamente, segundo os preceitos de Kossoy.

A construção da “segunda realidade” é feita nacaptação, num pequeno instante de tempo “co-lado” ao acontecimento. É o único momentoquando todo o processo de construção da imagemfaz parte da “primeira realidade”. A “segunda re-alidade” de Kossoy é uma simples representaçãoda primeira, dentro de seus limites. Tal represen-tação é um imutável documento selecionado noespaço e no tempo, um ícone, tamanha a seme-lhança que apresenta com a “primeira realidade”.

Qualquer imagem vista ou analisada terá sem-pre o peso de uma “segunda realidade” pelo des-colamento que tem do momento preciso do acon-tecimento. Por mais que seja “desmontada”, ja-mais refletirá o contexto exato da “primeira rea-

lidade”. Desse modo, todos os aspectos visíveisdentro dessa “trama fotográfica”, assim comonum filme documental, fazem parte de uma reali-dade exterior, sempre presente e facilmente cons-tatada nas duas “realidades”.

Antes de ser registrada, uma imagem éfreqüentemente analisada estética e cultural-mente, ideológica e tecnicamente pelo seu autor,que cria diante de sua personalidade um produtorepresentativo do mundo “real” dentro do pró-prio imaginário, contextualizado com a situaçãodo momento em que foi concebida a obra. En-tretanto, quase nunca o repertório ético-culturale ideológico do receptor é o mesmo do criador.É exatamente por esse motivo que a “trama” ela-borada passa a ter novos significados para os di-versos tipos de receptores. A imagem estabeleceem nossa memória um arquivo visual de referên-cia insubstituível para o conhecimento do mundoque reage de acordo com as concepções indivi-duais de tal percepção: é uma característica ine-rente, a permissão de uma leitura plural. A ima-gem sofre, portanto, o peso de uma filtragem nomomento da recepção, feita pelos juízos mentaispreconcebidos do indivíduo acerca de determina-dos assuntos.

A construção da imagem é uma construçãomoldável na produção mental, por parte tantodo emissor quanto do receptor, plena de verda-des explícitas e de segredos implícitos, documen-tal, porém imaginária. Tratamos, então, de umaexpressão que possibilita diversas representaçõese interpretações que alimentam o imaginário dequem constrói e de quem recebe, responsável porum processo sucessivo e interminável de constru-ção e criação de novas “realidades”.

No entanto, a grande discussão que envolve ofilme documentário é a sua “realidade” sem in-terferências. Na maior parte das obras fílmicasse pode constatar a intervenção do autor, fazendocom que o objeto filmado seja descaracterizadoenquanto documento. Um filme documentáriosomente ganha o valor de documento, seguindoos preceitos da Diplomática, depois que sua vera-

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cidade e autenticidade forem comprovadas atra-vés dos estudos. Tais critérios devem ser os mes-mos para qualquer tipo de documento que venhaa ser utilizado como objeto de pesquisa.

Um exemplo clássico que diz respeito àquiloque estamos relatando é o filmeNanuk, O Es-quimó, de 1922, que será apresentado e analisadoposteriormente neste estudo. A obra parece, numprimeiro contato, um testemunho “real” dos fa-tos, sem interferências do autor. No entanto, Ro-bert Flaherty criou situações para registrar comoviviam os antepassados de Nanuk fazendo comque o esquimó interpretasse cenas para a produ-ção do filme. Essa constatação só aconteceu de-pois que se descobriu através de estudos que opovo de Nanuk não vivia como registrara o ví-deo, mas sim seus antepassados. Isso atesta queuma obra cinematográfica por si só não pode sercaracterizada como documento.

Manuela Penafria acredita que os filmes docu-mentários, assim como os filmes ficcionais, têmimportância igual ao servirem como fontes de es-tudo. Ambos não podem ser caracterizados docu-mentos pelo simples fato de tentarem retransmitiruma “realidade”. Sendo assim, o filme documen-tário não exerce nenhum tipo de superioridadeenquanto documento sobre o filme ficcional.

O termo documentário é utilizado para ca-racterizar um filme de não-ficção. Entretanto,devemos estar atentos à classificação pois nemtodo filme de não-ficção pode ser consideradoum documentário. Essa afirmação pode ser fa-cilmente exemplificada já que produções áudio-visuais como reportagens jornalísticas ou filmesinstitucionais, entre outros, são trabalhos não-ficcionais e de forma alguma devem ser tratadoscomo documentários.

Dentre as opções citadas, a reportagem jorna-lística é confundida com mais freqüência com aconcepção de um trabalho fílmico documental,pois tem como objetivo primordial a transposi-ção de uma “realidade” factual para um meio decomunicação que pretende fins sociais específi-cos. Tradicionalmente, a reportagem obedece a

técnicas atribuídas em manuais de empresas jor-nalísticas destinados a profissionais que exercema função de jornalistas. O grande diferencial pre-tendido, muitas vezes de cunho comercial explí-cito, está na detecção daquilo que é, ou não, umanotícia. Os critérios para tal percepção estão sobcontrole do profissional que apura os aconteci-mentos e os re-constroem de acordo com deci-sões íntimas. O veredicto final passa, antes dadivulgação, por um processo de “engessamento”da matéria dentro dos padrões técnicos especí-ficos determinados pelos manuais de cada em-presa.

Para a produção de um documentário, ao me-nos por enquanto, não existem manuais nem re-gras dadas e específicas para serem seguidas.Não existem respostas essenciais como aquelasconvencionadas para a construção de umLead1

jornalístico. Ao contrário, a produção de docu-mentários busca uma concepção criativa dos te-mas escolhidos.

O documentário nasce da liberdade de estilo ea regra básica para sua criação é a capacidade hu-mana dos profissionais envolvidos. O documen-tário não exige conceitos técnicos senão aque-les referentes às técnicas de produção específicas(cinema, televisão, Internet); não exige imagensmeramente ilustrativas e sua montagem não obe-dece a um padrão determinado e exclusivo. Aprodução de um documentário responde às carac-terísticas de estilo do autor e sua existência estáintimamente ligada às formas individuais de cri-atividade intrínseca que estabelecem o elo com a“realidade” a ser reproduzida. O produtor GibaAssis Brasil, em entrevista (ver anexo) via e-mail, afirma que “odocumentário é o filme queconsegue formular uma pergunta que ainda nãotinha sido feita, e que ao mesmo tempo não sepreocupa em respondê-la.”

O documentário é entendido como algo que re-

1 Termo jornalístico que convencionalmente se refereàs questões primordiais de uma matéria jornalística: quem,que, quando, como, onde e porquê.

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flete qualquer tipo de ação humana que não foicriada a partir da imaginação do produtor do tra-balho filmográfico e as imagens remetem cons-tantemente para a “realidade” abordada. No sen-tido oposto transcorre a composição de uma obraficcional, que tem como prioridade a criação ima-ginária e as imagens relacionadas correspondema um universo não “real”, mas para um momentoconstruído pelo seu autor.

No entanto, algumas posições afirmam que,assim como o ficcional, o documentário contauma história que apresenta enredo, personagens,trama, constrói situações e conflitos como qual-quer outro modelo de filme. Para William Guynn“se trata de uma ficção que tenta esconder a suaficcionalidade” (EITZEN, 1995, p.82). Ou seja,o documentário concentra as mesmas especifici-dades de uma obra ficcional, mas sua caracteriza-ção enquanto vertente “real” dos fatos ocorridosesconde em si toda essa produção fictícia.

A estudiosa Manuela Penafria distingue clara-mente em seus trabalhos a produção de um do-cumentário da produção de uma obra ficcional.Para ela “... na ficção, os atores movem-se emcenários construídos para o efeito e atuam deacordo com o personagem que representam. Amise em scene ficcional exige encenação dos di-ferentes elementos que compõem a imagem deacordo com um certo critério visual. Constrói-seo ambiente que se entende adequado para apre-sentar o filme. Pelo contrário, no documentárioos atores são atores naturais que atuam para ofilme, do mesmo modo que atuariam se as câme-ras não estivessem lá. Por seu lado, o cenárioé o ambiente natural do mundo que nos rodeia”(PENAFRIA, 1999, p.27).

É possível perceber que existe uma fusão deelementos em ambas as produções: filmes de fic-ção utilizam elementos documentais, como ima-gens reais antigas para enriquecer a obra. Esseatributo não descaracteriza uma produção ficcio-nal e não importa, portanto, se há imagens do-cumentais numa obra para caracterizá-la comodocumental. Muitos filmes utilizam essa téc-

nica para expressar autenticidade, mas a criaçãode um mundo com cenários, atores e todos oscomponentes de uma obra ficcional se mantêm,conservando-se também sua caracterização en-quanto ficção. A mesma inversão acontece nofilme documental, quando são montadas cenaspara retransmitir um aspecto da “realidade”.

Quando isso acontece, seja em pequena oularga escala, convém chamar o trabalho cinema-tográfico de “docudrama”: um trabalho docu-mental, baseado em fatos reais mas que foi dra-matizado. Nesta linha temos como exemplo orecente filme de Fernando Meirelles,Cidade deDeus2. Tal obra pode ser considerada o meio ca-minho entre o documentário e o filme ficcional.“Utilizar elementos de não-ficção nos filmes deficção é uma ação legitima pela necessidade detornar mais credível a mensagem que o autor dofilme pretende passar. Utilizar elementos de fic-ção em documentários tem a particularidade decontribuir para a constante manutenção, renova-ção e obrigatoriedade de repensar ou atualizaras bases em que o gênero de documentário as-senta” (PENAFRIA, 1999, p.29).

No entanto, as discussões que permeiam essetema e a oposição entre documentário e ficçãosão muitas. Dentre as definições de filmes docu-mentários podemos destacar a de 1948, feita pelaUnião Mundial dos Documentários, que relata:“Trata-se de filmes que registram, em película,fatos que ocorrem naturalmente em frente à câ-mera ou que são reconstruídos com sinceridadee por necessidades devidamente justificadas. Aprincipal característica destes filmes é o apelo àrazão ou à emoção, tendo como objetivo estimu-lar o desejo e alargar o conhecimento e compre-ensão humana apresentando os problemas e so-luções para os mesmos, nas áreas da economia,cultura e relações humanas” (BARSAM, 1974,p.1). Obviamente essa definição é contraditória e

2 Cidade de Deus, 2002, Brasil. Fernando Meireles.35mm, 130’. Co-dir.: Kátia Lund. Rot.: Bráulio Manto-vani. Dir.fot.: César Charlone. Baseado no romance dePaulo Lins.

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anacrônica. Não podemos sequer atribuir a defi-nição de documentário a filmes registrados ape-nas em película, como será observado ao longodeste estudo. Mas cabe aqui salientar uma con-dição para a definição feita em 1948 a fim de ca-racterizar pensamentos a respeito do assunto emépocas anteriores: “Para definir documentário énecessário determinar um meio sócio-cultural”.(EITZEN, 1995, p.95).

Definir o documentário sob a esfera social éalgo muito comum. Muitos estudiosos se ins-piram nessa característica para dar ao documen-tário uma definição exata e mais precisa, algoque poucos se convenceram de que exista. Odocumentário é uma autodefinição do tempo ede seus criadores. Os documentaristas defini-ram, nas telas, o conceito de documentário aolongo dos anos. Isso pode ser percebido quandoanalisamos algumas obras de épocas variadas,contextualizando-as com o período em que foramproduzidas.

Num depoimento para esta monografia (veranexo), o estudioso Hélio Godoy confirma aquiloque foi dito quando questionado sobre uma defi-nição do gênero documentário: “Creio que de-pende do documentarista. Existem aqueles quepretendem fazer dinheiro, outros que pretendeminterferir na política, outros que pretendem pro-duzir conhecimento ou apenas divulgar conheci-mento. Podemos dizer que existem diferentes ti-pos de documentários que poderiam também serclassificados pelos seus objetivos, além de suaforma, é claro.”

Pode-se concluir que a definição de documen-tário tem menos um caráter técnico formal queuma idéia de concepção vinculada com seu au-tor e ao contexto da época em que é produzido.Além disso, é consenso que sua produção ex-prime uma intencionalidade e que pretende ex-pressar um recorte de determinada “realidade”em tempo e espaço definidos. O documentário éum gênero que tem como grandeza a experimen-tação estético-criativa e usa linguagens e formas

diversas, relacionadas aos seus autores e ao meiopara o qual é produzido.

3.2 O nascimento e desenvolvimento dofilme documentário

O cinema surgiu com o filme documentário no fi-nal do século XIX, mais precisamente em 1895.Foi esse gênero, cujos produtos eram caracteri-zados pela não-ficção e chamados “filmes de atu-alidade”, o responsável pelas primeiras exposi-ções da imagem em movimento. Os filmes ro-dados na época reproduziam cenas do cotidiano,eram flagrantes feitos nas ruas que registravamas atividades humanas naturais que aconteciamno dia-a-dia. Não existiam atores ou sequer im-provisações frente às câmeras. Com o adventodo Cinematógrafo3 surgiram, portanto, as repor-tagens jornalísticas de atualidades, o documentá-rio e alguns ensaios de comédias. O filme de fic-ção só surgiu em 1903, quando George Mélies,o primeiro a conceber o filme como espetáculodiferente do teatro e de outros meios de difusão.De acordo com o documentarista Beto Leão, Mé-lies inseriu complexidade às imagens registradasao começar a desenvolver técnicas de montagens,incorporar a trucagem à nova tecnologia criandoo décor cinematográfico com a película.

Em 1922, o americano Robert Flaherthy fil-mou Nanuk, o esquimó4 – primeira produçãoconsiderada documental e identificada pela prá-tica documentarista. Em 1929, o russo DzigaVertov filma O homem da câmara de filmar5.Além de tais filmes serem consagrados como osprimeiros documentários, ambos desencadearamos primeiros estudos teóricos ligados ao tema.“Com ele - filmes e autores - ficou definido que,no documentário, é absolutamente essencial que

3 Aparelho que permite projetar em uma tela imagensem movimento, por meio de uma seqüência de fotografias.

4 Nanook of the North, 1922, EUA. Robert Flaherty.16mm, P&B, 79’, mudo.

5 O homem da Câmara de Filmar, 1929, URSS.Dziga Vertov. 16mm, P&B, 100’, mudo. Ass. realiz.mont.:Elizaveta Svilova. Prod.: Vufku.

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as imagens do filme digam respeito ao que temfora dele” (PENAFRIA, 1999, p.39). Esses fil-mes também inauguraram os primeiros trabalhosem estúdio pós-captação, uma espécie de edição.As imagens recolhidas não eram simplesmenteretransmitidas, como faziam os irmãos Lumière,mas eram colocadas em seqüência a fim de secriar um plano, uma forma estética.

Consideramos que o conhecimento de algunsaspectos dos filmes citados merece ser aprofun-dado neste trabalho pela importância histórica econceitual desses produtos. Além disso, julga-mos pertinente a apresentação de determinadoselementos do enredo que nos auxiliam na com-preensão dos fundamentos teóricos desenvolvi-dos até aqui.

3.2.1 Nanuk, o esquimó e O homem da câ-mara: documentários pioneiros

O filme Nanuk, o esquimófoi produzido peloamericano Robert Flaherthy em 1922 e é consi-derado o expoente do documentário mundial. Aobra retrata a vida cotidiana dos esquimósIniutque viviam na região de Hudson, norte do Ca-nadá. Flaherthy tomou como base para sua pro-dução a vida de Nanuk, um esquimó autêntico,sua esposa Nyla, seus dois filhos e um cachorro,Comock.

Flaherthy filmou todas as tradições do povoIniut: a pesca, como dormiam, como se loco-moviam, como construíam suas casa, como ca-çavam – uma síntese dos seus modos de vida. Noentanto, Flaherthy não considerou para tal regis-tro o modo de viver do povoIniut na época dasfilmagens, mas de tempos anteriores dos seus an-tepassados.

Percebemos, assim, uma clara construção in-tencional da “realidade” já no primeiro traba-lho caracterizado como documentário: Flaherthybuscou reconstruir a vida dos esquimós atravésda filmagem de personagens reais numa “reali-dade” não contemporânea à sua época, mas dis-tante no tempo.

Analisando o filme de Vertov,O homem da câ-mara, considerado outro expoente do documen-tário mundial, percebemos uma concepção dife-rente no modelo de filmagem e construção da“realidade” num filme desse gênero.

O documentário produzido pelo russo DzigaVertov em 1929 obedece a uma lógica diferentedaquela observada emNanuk, o esquimó.Vertovem momento algum interfere na criação ou incitaa ação dos personagens. O autor evita qualquertipo de atuação, por mais que os protagonistassejam reais.

Vertov captou nas filmagens pessoas de modonatural, sem que elas percebessem que estavamsendo filmadas a fim de evitar qualquer tipo degesto que não o espontâneo. Vertov, assim comoFlaherthy, explora a construção da imagem emestúdio, aliás, recurso muito mais utilizado pelorusso em seu filme na retratação de um dia nacidade de Odessa. Mais do que isso, Vertov tra-balha o conceito de documentário em seu própriotrabalho, pois a cidade se torna fundo para umatrama que envolve a produção de um filme, ouseja, ele filma a produção do próprio filme.

Flaherthy e Vertov inauguram, a partir de suasproduções, as discussões em torno do documen-tário. Enquanto o primeiro cria uma alternativapara os chamados filmes de atualidade – as anti-gas filmagens dos irmãos Lumière – o segundose opõe à ficção e defende o que ele chamoude “cine-olho”. Vertov estabelece, portanto, umprimeiro conceito e uma primeira nomenclaturapara o gênero documentário.

O “cine-olho” se desenvolve na ex-União So-viética, local onde Vertov conquista seguidorese trabalha o conceito de forma a desprover ocinema de qualquer tipo de relação com o te-atro ou a literatura. Segundo o documentaristaBeto Leão (entrevista em anexo), “Vertov odiavaa falsa realidade dos filmes encenados e reali-zou, então, documentários que combinavam fa-tos, sentimentos e propaganda numa espécie desurrealismo poético”.

Isso se dá a partir do momento em que se esta-

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belece como objetivo de uma produção cinema-tográfica a transposição da “realidade” sem quequalquer imagem seja produzida a partir de al-guma intencionalidade, pelo menos em tese. Nãoexistem atores, cenários ou qualquer tipo de açãoque remeta a uma realidade ficcional, mesmoquando explora uma atualidade “real”. No en-tanto, o “cine-olho” mantém na montagem edi-torial a sua grande especificidade enquanto ob-jeto documental. Vertov explorava as montagensem estúdio e abusava de efeitos especiais possí-veis em suas produções da época. A edição era aforma com a qual o “cine-olho” se utilizava paradar características próprias à obra.

Dessa forma, observa-se que as duas figurasmais importantes no surgimento do documenta-rismo exploraram as concepções e recortes da“realidade”, mesmo que não o tenham feito deforma absoluta. Expressaram, de formas dife-rentes, suas intenções na construção da obra,seja ela conotada de um apelo ficcional baseadaem fatos, atores e ambiente real (como explo-rou Flaherthy), seja ela baseada na captação não-ficcional e trabalhada em estúdio através de mon-tagens, efeitos especiais e edição.

Mas, como foi dito anteriormente, esses pio-neiros do filme documentário não consideravamos respectivos produtos como tal. Nem mesmo otermo documentário era empregado na época emque foram produzidas as suas obras: essa nomen-clatura só passou a ser usada a partir dos anos 30do século XX, na Inglaterra. O grande precursordo termo documentário e suas decorrências foi oescocês John Grierson.

Grierson foi responsável pelo reconhecimentodo gênero documentário como hoje é conhe-cido. Suas teorias dão ao novo gênero - não tãonovo, porém então reconhecido - uma conotaçãode inovação, uma espécie de formato alternativopossível para se explorar linguagens sem obe-decer a uma regra específica na sua construção.Grierson também dá sentido ao criador, o docu-mentarista, que deixa de ser apenas um “registra-dor” dos fatos para ser peça fundamental na cons-

trução do documentário, através de sua elabora-ção por autores como Flaherthy e Vertov. ParaGrierson a atuação dos atores “reais”, ou seja, osverdadeiros donos da “realidade” a ser registradanos filmes, era de extrema importância para co-notar um sentido verdadeiramente intrínseco naobra documental – os registros da realidade sãofundamentais na construção de uma obra docu-mental. No entanto, Grierson acredita que o fa-tor determinante para a produção documental é ainterpretação dos fatos. Os registros da realidademeramente repassados a um espectador não ex-primem objetivos, sendo assim, não acrescentamnada a quem os assiste.

Para o estudioso, no entanto, o aspecto social épeça chave na construção do documentário. Sejaele feito da forma como abordou Flaherthy, quetrabalhou com as dificuldades que povos distan-tes enfrentam para sobreviver, seja nas ligaçõesmais próximas do cotidiano que permeiam a re-alidade em que se vive. Essa segunda, muitomais caracterizada através de sua leitura. E, maisdo que isso, Grierson se achava na obrigação deapresentar uma proposta para a solução do pro-blema social apresentado na obra.

3.3 O documentário como ferramentapara a educação

Para Grierson, o documentário é uma das maisimportantes formas de educar a sociedade. O es-tudioso considera essencial para a solução dosproblemas sociais a possibilidade de divulgaçãodessas dificuldades para a própria sociedade e vêno documentarismo a concretização efetiva desserecurso. Para ele, o potencial educacional dodocumentário é bastante considerável, capaz dedespertar noções básicas de conduta cívica na so-ciedade. Isso pode ser observado no trabalho do-cumental desenvolvido por Grierson,Drifters, de1929, e em todas as obras que produziu atravésde sua escola e de seus seguidores.

No Brasil, a produção de documentários, in-cluindo os ditos educativos, sofreu graves con-

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seqüências durante o período do Estado Novoentre 1937 e 1945. À época, o órgão de divul-gação do governo Getúlio Vargas (o DIP - De-partamento de Imprensa e Propaganda) e os in-terventores federais cooptaram os produtores dedocumentários e “cine-atualidades” surgidos nasdécadas de 1910 e 1920. A partir do DIP e da ins-titucionalização da elaboração dos filmes, as pro-dutoras independentes perderam boa parte do seumercado, já que, além da concorrência desigual,tinham de enfrentar uma censura sistemática.

Apesar de tais problemas, já houve épocas emque se reconheceu o valor pedagógico dos docu-mentários. De acordo com Beto Leão, a criaçãodo INCE (Instituto Nacional de Cinema Educa-tivo) é exemplo de tal afirmação. Fundado porRoquette Pinto na década de 1930, o INCE foipensado para orientar a utilização da cinemato-grafia no Brasil, principalmente como ferramentaauxiliar do ensino e forma de educação popular.Deu-se início à produção, aquisição e adaptaçãode filmes educativos para exibição e distribuiçãode cópias à rede de ensino do País, projetandoem mais de mil escolas e institutos de cultura, or-ganizando uma filmoteca e elaborando documen-tários. Dessa forma, o INCE se consumou comoparte de um projeto articulado no governo de Ge-túlio Vargas, participando da construção de umaidentidade nacional.

A partir da valorização dos instrumentos dedifusão cultural, abre-se espaço para a amplia-ção de novos mercados e do desenvolvimento in-terno, estabelecendo, principalmente, uma novarelação entre cinema e poder. Após ser incorpo-rado ao INC (Instituto Nacional de Cinema) em1966 durante o regime militar, iniciou-se a pro-dução de documentários encomendados: o Ins-tituto é extinto e a produção passa a ser execu-tada pela Embrafilme, que teve o fim decretado24 anos depois pelo então presidente FernandoCollor de Mello, em 1990.

Hélio Godoy, um estudioso contemporâneo doassunto em questão, acredita ser na educaçãoonde o documentário encontra a sua identidade

intrínseca. “Eu acredito que os documentáriossão educativos pela sua própria natureza, umavez que eles são formas de produção de conhe-cimento. Quando os assistimos, nos tornamosdonos de seu conhecimento ou de parte dele.”,afirmou o estudioso em entrevista. Godoy con-sidera todos os documentários existentes comoeducacionais e, se não atingem tal objetivo, é por-que vê comprometida, em alguns casos, a recep-ção do mesmo por parte do espectador. “Se ele[o documentário] está adequado ou não ao ní-vel de conhecimentos do espectador, aí é outradiscussão. Seria melhor falarmos do uso dos do-cumentários de forma educativa, isto é, inseri-dos em um processo maior de ensino aprendiza-gem. Talvez acompanhado com discussões pro-movidas por um professor”, conclui em seu de-poimento.

O produtor de documentários Giba Assis Bra-sil possui visão diferente daquela defendida porGodoy. Para Giba, a conotação educacionalestá diretamente ligada à intenção da produção,ou seja, podem ser considerados documentárioseducacionais aqueles que foram concebidos paratal finalidade. “Existe um gênero de filmes quepode ser chamado de documentário “científico”ou “didático” ou ainda “educativo”, cujo ob-jetivo principal é servir de material de apren-dizado de determinados conteúdos. De qual-quer maneira, se pensarmos no documentáriocomo uma possibilidade de expressão e, por-tanto, eventualmente, de arte, então seus pro-pósitos nada têm a ver com educação”, relatou.Apesar da afirmação, o produtor caracteriza ofilme Cabra Marcado para Morrer, por exemplo,como uma obra educacional: “‘Cabra Marcadapara Morrer’ mudou a minha maneira de pen-sar o Brasil, o cinema, a família. Se isso não éeducação, é o quê?”, reforça o produtor.

Pela relevância da questão, para o melhor en-tendimento das opiniões emitidas neste trabalhosobre diferentes considerações em pontos como odescrito anteriormente e principalmente pela atu-

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alidade da obra citada, consideramos pertinente adescrição de alguns aspectos do filme.

3.3.1 Cabra Marcado Para Morrer

Cabra Marcado para Morrer6 é fruto de um pro-jeto iniciado por Eduardo Coutinho no ano de1964. Ao viajar com a UNE Volante7, o diretordescobriu no nordeste do Brasil um caso de as-sassinato de um camponês, João Pedro Teixeira,líder de um movimento social conhecido como“ligas camponesas de Sapé”. Coutinho resolveufilmar a vida do camponês utilizando persona-gens que participaram da história “real”, inclu-sive a mulher de João Pedro e seus onze filhos.

No entanto, a situação política em que o país seencontrava na época impediu que Coutinho pu-desse dar continuidade ao filme, principalmenteporque parte das filmagens fora apreendida. Porsorte, grande quantidade do material já havia sidoenviada para a capital para a revelação. Em 1964Coutinho havia filmado cerca de 35% da obra queseria intitulada comoCabra Marcado para Mor-rer.

Em 1981 o diretor resolve retomar o projeto:sem roteiro ele sai em busca dos personagens fil-mados na primeira versão e passa a intercalar,no momento da edição e montagem, imagens de1964 e 1981. Com os depoimentos coletados,Coutinho começa a produzir uma segunda versãodo filme que passa a ter como tema, além da vidados camponeses, a própria história do filme cujaprodução fora paralisada por conta do regime mi-litar.

Eduardo Coutinho utiliza um modelo de lin-guagem bastante diferenciado na produção dofilme. Existem dois locutores: o primeiro narra a

6 Cabra Marcado para Morrer, 1986, Brasil. EduardoCoutinho. 120’. Fot.: Edgar Moura, Fenando Duarte.Mont.: Eduardo Escorel. Mús.: Rogério Rossini. Prod.:Zelito Viana, Vladimir de Carvalho. Mapa – Eduardo Cou-tinho Produção.

7 Órgão da União Nacional dos Estudantes que no iní-cio dos anos 1960 tinha como objetivo divulgar a ReformaUniversitária para estudantes de todo o país.

história em terceira pessoa e conduz o filme ape-nas de forma documental, relatando os fatos quesão apresentados. O segundo locutor é o próprioCoutinho que, além de narrar em primeira pes-soa, impõe sua opinião durante todo o filme. Essalocução deixa claro ao espectador que a obra éum trabalho cinematográfico que tem um obje-tivo específico traçado, uma intenção objetiva:mostrar como se organizavam os camponeses nadécada de 60 no sertão nordestino e como eramtratados pelos patrões; mostrar como a mídia im-pressa manipulava a opinião pública com notí-cias plantadas naquele período, relacionando to-dos esses fatos com a situação em que viviam noano de 1982.

Coutinho também não esconde sua equipe deprodução atrás das câmeras e os depoimentos nãosão feitos para as lentes, mas voltados para oprodutor. A obra ainda reafirma a idéia de queo produto é um filme documentário intencional-mente concebido para resgatar a história das pes-soas que participaram da primeira filmagem nosanos 60 ao mesmo tempo em que sente e capta asreações quando relembrados sobre fatos anterior-mente vividos.

Pelo caráter experimental e pela forma singu-lar como foi produzida,Cabra Marcado paraMorrer é considerada uma obra clássica do docu-mentarismo nacional, apreciada e respeitada porgrande parte dos profissionais envolvidos na áreade produção do gênero referido.

3.4 O documentário como produtoartístico de vínculo social

Além da conotação educacional, a escola de Gri-erson assume o documentário como outra formade interpretação, que não desconsidera um pos-sível recorte da “realidade”: a arte. O estudiosoacredita que a interferência do autor na produçãocinematográfica dá conotações criativas à obra,assim como ao cinema ficcional, e considera tero documentário especificidades e interferênciasdignas de uma obra artística. “A criatividade dos

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autores de ficção encontra-se na manipulação dacâmara, na iluminação, nos cenários, na dire-ção de atores etc. O documentarista, por seulado, é, também, um artista, pois organiza o seumaterial segundo uma determinada forma, sejaela encontrada a partir do próprio conteúdo, ouintroduzida no mesmo, de modo mais ou menosforçado, mais ou menos original” (PENAFRIA,1999, p.50).

Tal consideração artística se fez presente naescola de Grierson ao perceber o autor que se-ria necessário uma saída conceitual que evitasseo fim do patrocínio estatal para os seus filmes.Explorando a atualidade, Grierson muitas vezescolocou o governo britânico em situações cons-trangedoras pois focava a difícil situação econô-mica da época e a desigualdade social no país.Para evitar o afastamento financeiro do governo,a escola de Grierson optou pela tal conotação ar-tística – uma maneira que, segundo ele, poderiaacentuar os discursos documentais voltados parasituações críticas da sociedade.

É inegável a importância de Grierson para aevolução do documentarismo, sua consolidaçãoenquanto gênero e reconhecimento frente ao ci-nema simultaneamente desenvolvido. O estudi-oso foi um importante intermediador da relaçãodocumentário/documentarista e criou na teoriaelementos que vinculam a concepção do gêneroapenas com produtos que tratam do “real”. Ouseja, Grierson foi claro ao estabelecer através deseus estudos e produções que o filme documen-tário seria mais que a captação de imagens verí-dicas. A produção documentarista é, para ele, aconstrução da visão de um recorte da “realidade”expressa pelo autor e apreendida pelo público en-quanto função social e artística.

Grierson foi essencial para o entendimento deque o documentarismo expressa arte e tem sen-tidos social e educativo frente à sociedade. Odocumentário deixa de ser mero filme para serobjeto de estudo de um tempo e de ensinamentosque objetivam construir uma realidade melhor.

A teoria fundamentada no início dos anos 30

foi base para a concepção do filme documentáriopor muitos anos seguintes e apenas recentementecomeçam a aparecer estudos que contradizem avisão da escola de Grierson. Brian Winston é umdos estudiosos que vêem a formação do filme do-cumentário baseado em Grierson como um sérioproblema. Para Winston, a relação que o docu-mentário exerceu com a sociedade e sua explora-ção com o social marginalizaram o gênero e cri-aram estereótipos desnecessários que acabaramdando ao gênero um espaço muito pequeno frentea outras produções fílmicas. “O documentárioencontra-se associado à obrigatoriedade de umaresponsabilidade social. Assim, o mesmo foi e éconsiderado um filme de tom sério e pesado cu-jos temas se relacionam com injustiças sociais.Conseqüentemente, o documentário garantiu lu-gar privilegiado enquanto filme maçador e abor-recido” (WINSTON, 1995, p.255).

Winston acredita, ainda, que o documentáriodeve se fixar como gênero popular, comparando-o com os filmes ficcionais que garantiram este es-paço no decorrer das décadas. O estudioso tam-bém vê a necessidade de afastar o conceito artís-tico da obra documental, o que pode acabar tor-nando o autor mais importante que a relação daobra. O sentido artístico explora o criador e suasvisões, deixando para segundo plano a represen-tação do filme e seu tema enquanto objeto, o quedenota (na visão de Winston) uma obra antiética.

Esse afastamento da criatividade, para Wins-ton, está intimamente ligado à exploração feitapor Grierson com relação ao assunto. Wins-ton não acredita que um documentário maisético seja um documentário menos criativo. Atémesmo porque o gênero documentário tem comobase a experimentação e trata, ainda, do cotidi-ano dos fatos que permeiam o mundo, feito numaforma criativa e agradável. A criatividade é fun-damental para uma boa produção documental enão deve jamais ser excluída como elemento naconstrução de uma obra desse gênero.

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3.5 A era tecnológica impõe uma novalinguagem documental

O modelo de construção do documentário e sualinguagem evoluíram no decorrer do século XXgraças, principalmente, ao desenvolvimento tec-nológico que possibilitou novas formas de filma-gens como concepção e captação do tema docu-mentado. Um avanço significativo que pode seraqui citado é a introdução do microfone juntoà câmera, além do crescimento de sua versatili-dade ao longo dos tempos: o equipamento dimi-nuiu de tamanho ao mesmo tempo em que evo-luiu significativamente em termos de qualidadede captação. “A transição para uma nova fase dodocumentarismo ficou então, marcada pelo seuapelo a exploração das potencialidades dos no-vos equipamentos” (WINSTON, 1995, p.145).

Dois fenômenos são neste momento observa-dos. O primeiro é a interatividade, que começa ase fazer presente a partir dos anos 80: as pessoascomeçam a interagir nos documentários quandoquestionadas ou provocadas. O segundo fenô-meno é mais recente e inegável: uma revoluçãoda linguagem permitida pelo uso e suporte nosmeios originados com as novas tecnologias.

A análise prévia de alguns aspectos relaci-onados com a evolução do documentário con-vencional serve como premissa para a prepo-sição de uma nova modalidade para o gênero,que surge com a evolução tecnológica observadadesde meados do século XX. O intuito funda-mental desta monografia é propor uma reflexãosobre tal modalidade, a qual convencionamoschamar de web-documentário, associada à vei-culação em uma rede de computadores. Tais as-pectos serão abordados no capítulo seguinte jun-tamente com a pertinente descrição da evoluçãotecnológica referida.

Mencionamos, porém, já nesta parte da mo-nografia, o web-documentário como uma moda-lidade possível e presente. Para isso, serão da-dos esclarecimentos preliminares que não pre-

tendem, neste capítulo, encerrar os pressupostosimaginados para tais conceitos.

O documentário nasceu em meio às salas decinema e teve, com o advento da televisão, umagrande retomada em relação à sua popularidade,principalmente com a chegada das emissoras detelevisão a cabo, em meados do século XX. Atu-almente, pode-se ver filmes desse gênero sendotransmitidos para um novo meio com recursosbastante avançados, porém de usos ainda nãomuito bem definidos - a Internet.

O documentarista Beto Leão concorda com talafirmação:“hoje, não somente a finalização desom e imagem vem sendo feita em computadorescomo a própria idéia de captação de imagens emmeio digital vem ganhando mais adeptos entreos cineastas.”Essa nova fase começou em 1999,ano em que as salas de cinema comerciais come-çaram a usar sistemas de projeções digitais. Deacordo com o profissional, no Brasil, os filmesexibidos recebem a visita de 30 mil internautaspor semana.

Dessa forma, Beto Leão afirma que o web-documentarismo ajuda com possibilidades parao chamado cinema digital enquanto se diferenciacomo cinema prático, barato e aberto a experi-mentações. Esse novo meio requer a utilizaçãode um suporte digital, em contrapartida ao an-terior analógico, e garante uma qualidade muitomaior no desenvolvimento dos produtos do gê-nero, na sua cópia e armazenamento. Ou seja,o documentário, para ser suportado na Internet,abandona a tecnologia analógica de registro paraadotar, talvez definitivamente, uma tecnologia di-gital de concepção, captação e transmissão de da-dos. “A conservação e transmissão de imagens,sons e textos é, hoje, de uma confiabilidade semprecedentes. De igual modo, as tecnologias di-gitais são consideradas o melhor suporte para,com confiabilidade e durabilidade, se armazenaruma grande quantidade e diversidade de infor-mação” (PENAFRIA, 1999, p.90).

Entretanto, essa revolução tecnológica não selimita somente ao processo tecnológico de ar-

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mazenamento, captação e cópia das obras do-cumentais, mas também ao desenvolvimento denovas linguagens. Isso pode ser confirmado aoobservarmos que programas de computadores -os softwares - permitem ao criador do produtodocumental executar uma série de aplicações notratamento e desenvolvimento das imagens como uso da criatividade de formas e possibilidadessem precedentes no antigo meio. Outro diferen-cial importante são as características exclusivasque o meio digital permite pelas possibilidadesde hipertextualidade e hipermídia.

Deve-se entender a hipertextualidade como oaprofundamento do tema abordado através delinks, um caminho de comunicação ou canal en-tre dois componentes ou dispositivos. Ou seja,no decorrer de um texto produzido em um web-documentário, por exemplo, existem palavras ouelementos gráficos que podem “ligar” o inter-nauta para outras instâncias ou etapas do con-teúdo. Ao acionar oslinks, o sistema conduz oespectador a uma outra página que contém infor-mações diversas e aprofundadas sobre o assunto.A hipermídia é uma outra possibilidade do su-porte digital que pode ser observada através doaglomerado de mídias que um produto pode ter:texto, som, vídeo ou a combinação desses ele-mentos.

O web-documentário tende a ser um produtototalmente diferenciado do documentário tradici-onal já que são necessárias tecnologias multimí-dia para a sua produção. Um dos grandes dife-renciais nessa recente modalidade do documen-tarismo é a possibilidade de subverter a narrativalinear dos modelos convencionais, sendo agora oreceptor responsável pelo caminho a ser percor-rido durante a recepção do conteúdo, dentro deum trajeto pré-concebido pelo autor. No modeloconvencional analógico, o espectador tem um ca-minho único e linear de fruição. Com o web-documentário, ele passa a ter várias possibilida-des de acesso e aprofundamento pelo conteúdo.É a interatividade que obriga ao documentaristadesenvolver artifícios relacionados com o novo

formato do meio e muita criatividade para umainterlocução satisfatória com o receptor.

Esse pode ser considerado o modelo pós-Grierson, tanto defendido por Winston. O web-documentário é a renovação da linguagem docu-mental pelo seu suporte enquanto gênero. É umanova estética que obriga o desenvolvimento deconceitos paralelos aos da modalidade conven-cional do gênero. É um novo formato, tão ou-sado quanto o primeiro, mas que requer habili-dades totalmente diferentes. Um bom documen-tarista não será, necessariamente, um bom web-documentarista. Isso porque os conceitos para aconfecção do gênero em diferentes meios reque-rem outras e diferentes habilidades. A interati-vidade, estrutura de navegação, uso mesclado demídias e todos os trabalhos de produção envolvi-dos na produção de um web-documentário sãoelementos que exigem outros pressupostos quenão são, necessariamente, os da produção de umdocumentário para o cinema, por exemplo.

Diante dessa abordagem envolvendo a defini-ção de documentário, o conceito de “realidade”,o desenvolvimento do gênero e as diversas for-mas pelas quais ele foi produzido seguindo aintencionalidade de seus criadores, percebemosque o documentário não tem como objetivo pri-meiro servir simplesmente de documento para aposteridade, mas ser um modelo que busca a re-construção dessa “realidade”.

A simples captação de imagens não caracte-riza um filme como documental, já que no decor-rer dos tempos ficou demonstrado que sua essên-cia está intimamente ligada ao seu criador. Este,por sua vez, interfere no processo construtivo dodocumentário de diversas formas, como pelo usocriativo dos elementos técnicos que tem à sua dis-posição.

Notamos também que o documentário agregouconsigo, no decorrer dos anos, um valor socialque, segundo alguns autores, não deve ser pre-ponderante na construção de uma obra. O valorsocial agregado é observado, entretanto, na mai-oria dos produtos no decorrer dos tempos. O do-

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cumentário pode ser considerado, portanto, como“representador” da sociedade – produto explo-rado como ferramenta de promoção e constru-ção social importante, mas cujo mérito não fun-damenta o conceito. É inquestionável, contudo,a importância do documentário na construção darealidade humana e social. “O documentário éuma porta aberta para um conhecimento apro-fundado sobre a nossa própria realidade” (PE-NAFRIA, 1999, p.103).

4 Capítulo II – O Web-documentáriocomo ferramenta para a difusão doconhecimento

O ser humano difere dos outros animais em in-contáveis aspectos. Um deles é a forma como ad-quire e transmite o conhecimento. Consideramosfundamental essa característica para discorrer so-bre o uso do web-documentário como ferramentapossível para a transmissão desse conhecimentoentre os indivíduos e às gerações seguintes.

Ao mesmo tempo em que o homem adquire etransmite o conhecimento adquirido, desenvolvemeios que contribuem com esse mecanismo. Pre-tendemos mostrar, neste capítulo, que o uso des-ses meios pode ter uma influência direta no en-sino. A escolha das ferramentas apontadas temrelação com a possibilidade de utilização de taismeios na educação, o que entendemos como umavocação educacional.

O recorte adotado não pretende descrever aevolução de todos os equipamentos tecnológicosque têm uma vocação educacional numa linhado tempo, mas mencionar aspectos de alguns de-les em uma lógica em que o web-documentáriopossa ser visto como um desses meios, decor-rente de uma evolução.

4.1 A aquisição e a difusão doconhecimento: diferenças entre oshomens e os outros animais

Sabe-se, desde há muito tempo, a respeito das di-ferenças entre o conhecimento humano e aqueleassimilado pelos animais desde suas origens. Oanimal é entendido como um ser de reação aosimpulsos e ameaças, de caráter estritamente ins-tintivo. A ação decorrente do instinto é biológicae prevê a sobrevivência da espécie sem privile-giar a decisão do indivíduo. A finalidade da ati-vidade instintiva é desconhecida pelo ser que aexecuta, o animal irracional.

É fácil deduzir, a partir desse princípio, agrande diferença, dentre tantas, entre o ser hu-mano racional e o animal. O ato humano, emcontrapartida ao previsto na descrição acima, éintencional e provido de consciência da finali-dade. Isso significa que uma ação pode ocorrerem forma de pensamento ou possibilidade, antesmesmo de sua execução efetiva, a partir de umacausa ou para atingir um objetivo – de acordo,principalmente, com experiências anteriores vi-vidas (ARANHA, 1993, p.2).

Mas, ao observarmos um animal, pode-mos precipitadamente concluir que este tambémaprende pelas experiências vividas. Muitos denós já presenciamos o comportamento de um cãoque diante de uma situação reage à ação de formasurpreendente, como se já soubesse de suas con-seqüências. Se um banho, por exemplo, signi-fica pôr em risco a espécie canina, já que o ani-mal herdara de seus ancestrais o comportamentoinstintivo de disfarçar o odor e garantir a sobre-vivência, o animal domesticado repetirá, por in-findáveis vezes, a reação de tentar ludibriar seudono toda vez que este preparar os aparatos dehigiene do bicho. Sabemos que não passa de umareação instintiva e que o cão sequer sabe a razãoobjetiva de sua ação.

Uma outra característica fundamental que nosdifere do animal diz respeito à habilidade do serhumano em relatar sua experiência a um outro

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indivíduo da mesma espécie e contribuir paraque este antecipe uma reação diante da situaçãoprevista. A falta dessa capacidade faz com queo animal, invariavelmente, comece a “aprender”somente a partir de suas próprias experiências,sempre de um ponto inicial muito próximo dozero – não fosse o instinto. Com a ausência deuma linguagem, as experiências não são acumu-ladas de geração em geração e o conhecimentonunca é transferido às proles seguintes.

A característica humana garante uma evoluçãoobjetiva, já que os novos indivíduos têm sempreum arsenal de conhecimento adquirido pelos seusantepassados que é transferido às gerações se-guintes, de forma efetiva, pela linguagem. Pode-se sempre considerar as novas gerações mais “in-teligentes” que as anteriores, pois têm como basepara a sua aprendizagem todo o repertório de co-nhecimento adquirido pela humanidade. Essa di-ferença fundamental dá ao ser humano a vanta-gem definitiva de poder prever e conduzir as suasações de acordo com experiências anteriores vi-vidas, mesmo que por outros indivíduos.

Essa habilidade de transmissão do conheci-mento, inerente ao ser humano, não foi sempretão eficiente e evoluiu lentamente desde a suaorigem. A primeira forma de transmissão efi-ciente desse conhecimento se deu pela fala, an-tecedida por formas rudimentares de comunica-ção – talvez gestos e grunhidos. A fala é umaforma evoluída de comunicação que difere, maisuma vez, o ser humano do animal. A comuni-cação oral tem relação com a capacidade do serhumano em abstrair e refletir conscientementesobre uma possibilidade, antecipando um fenô-meno ou acontecimento.

A linguagem desenvolvida pelo ser humanotem origem no seu pensamento e faz parte de umsistema simbólico, passível de ser transmitido nodecorrer do tempo. “O homem é o único ani-mal capaz de criar símbolos, isto é, signos arbi-trários em relação ao objeto que representam e,por isso mesmo, convencionais, ou seja, depen-dentes de aceitação social”(ARANHA, 1993,

p.28). A eficácia da transmissão do conheci-mento, entretanto, está vinculada à possibilidadeda sua perpetuação no decorrer do tempo parao seu aproveitamento pelas gerações futuras. Oconhecimento transmitido pela oralidade é sus-cetível de deformações e equívocos naturais aopassar do tempo. Somente o desenvolvimentode uma forma de registro eficiente permitiu aoser humano desencadear um processo contínuode evolução cognitiva8.

O uso da linguagem e da palavra escrita comoaparatos de transmissão do conhecimento têmseu grande mérito, principalmente, porque per-mitiram ao ser humano desenvolver uma espé-cie de memória coletiva da humanidade“.Se ahumanidade construiu outros tempos, mais rápi-dos, mais violentos que os das plantas e animais,é porque dispõe deste extraordinário instrumentode memória e de propagação das representaçõesque é a linguagem”(LÉVY, 1993, p.76).

Dessa forma, a linguagem, juntamente com aescrita, é a primeira forma de perpetuação doconhecimento e, sua concepção simbólica como“forma de propagação das representações”, a ca-racterística principal que permitiu o desenvolvi-mento de alguma espécie de ensino.

A linguagem escrita, porém, para o seu regis-tro e sobretudo sua perpetuação, depende de al-guma espécie de ferramenta para a sua dissemi-nação. Não iremos considerar, aqui, as ferramen-tas que remontam à origem daquelas que conhe-cemos hoje, como as que permitiram os registrosrupestres feitos pelos homens primitivos. Dare-mos um salto no tempo para descrever um instru-mento já posterior à origem do lápis, mas que temseu uso significativamente relacionado ao ensino.

8 Entendemos e consideramos cognição, neste trabalho,ser todas as formas e processos de aquisição do conheci-mento efetuados pelo ser humano.

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4.2 As ferramentas tecnológicas comomeio de registro e transmissão doconhecimento humano

Foi no fim do século XVII que se pretendeu subs-tituir as penas de ganso por objetos manufatura-dos para se escrever. Numa tentativa compre-ensível de se preservar a forma daquilo que jáera consagrado, surgiram as primeiras penas demetal que cumpririam tal objetivo. Essas penaseram ligadas a um cabo de madeira para o ma-nuseio e pareciam menos eficientes para reter atinta que suas precedentes de origem animal.

Foi necessário quase cem anos para que seconcretizasse a idéia de construir uma ferramentaque comportasse um reservatório de tinta em seupróprio corpo. Um inventor chamado Folsch pa-tenteou, em 1809, uma caneta cujo reservatóriocontinha uma válvula especial para controlar ofluxo de tinta, mesmo que de forma precária eineficiente. (CANETAS ONLINE, 2002) A tintada época era pouco fluida e não permitia o usodevido do primitivo instrumento.

Os corantes vegetais da época eram rapida-mente absorvidos pelo papel e deixavam man-chas no decorrer da escrita. O desenvolvimentode um instrumento adequado estava vinculado,portanto, ao desenvolvimento de um produto quetingisse com eficiência e não borrasse o papel.

Em 1860, desenvolveu-se uma tinta adequada,mas corrosiva a ponto de comprometer a ponta demetal do instrumento. O uso do ouro como ma-téria prima foi uma solução temporária, já quese caracterizava como um metal de baixa resis-tência. Depois desse período, a partir de 1880,passou-se a fundir com o ouro um metal bemmais resistente - o irídio9. “A tecnologia paraa produção de canetas-tinteiro estava amadure-cida. Em 1884, Lewis E. Waterman patenteousua caneta e é considerado por muitos como o

9 Irídio: Elemento metálico, do grupo da platina, prin-cipalmente trivalente e tetravalente, branco-prateado, muitopesado, duro, quebradiço. Símbolo Ir, número atômico 77 emassa atômica 193,1. (Michaelis Digital)

pai da caneta”. (CANETAS ONLINE, 2002) Apartir daí, e com o uso de novos materiais, o ins-trumento passou a ser rapidamente aperfeiçoadoe seu uso disseminado entre as populações.

O uso da caneta na educação é evidente e defácil relação. Desde quando convencionada aforma mais tradicional de ensino, aquela ondeeducador profere o conhecimento diante de umaplatéia de educandos, o uso de uma ferramentaportátil, barata e eficiente para o registro de in-formações passa a ser um recurso indispensávela essa forma de disseminação do conhecimento.

Se a invenção da escrita, junto com a possi-bilidade de registro através de um instrumentobarato e eficiente como a caneta, pode ser con-siderada uma primeira revolução nos processoscognitivos do ser humano, a sua disseminaçãoem escala industrial, no século XV é, segura-mente, a segunda. Nessa época, o sistema ca-pitalista já estava mundialmente desencadeado,quando se iniciou o período das grandes navega-ções: a descoberta da América e o Renascimentoartístico italiano. Até meados de 1450, toda re-produção dos textos era executada manualmente.O livro já existia em sua forma manuscrita, antesdo surgimento da tipologia móvel de Gutemberg.Os textos eram organizados em folhas dobradasnum formato cuja encadernação lhes garantia adevida proteção. Somente a partir do desenvol-vimento da oficina tipográfica deu-se a rupturaentre o processo anterior, praticamente artesanal,e o industrial, cujo progresso barateou e possibi-litou a disseminação massificada do livro algumtempo depois.

Entretanto, e ao contrário do que se pode ini-cialmente pensar, essa dita revolução foi lenta,embora progressiva, e em muito se difere da re-volução do texto digital do mundo contemporâ-neo, pois preservou as mesmas estruturas de con-cepção na produção do livro.“ ... a transfor-mação não é tão absoluta como se diz: um livromanuscrito (sobretudo nos seus últimos século,XIV e XV) e um livro pós-Gutemberg baseiam-

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se nas mesmas estruturas fundamentais – as docódex10”. (CHARTIER, 1998, p.7)

Mesmo assim, a invenção de Gutemberg per-mitiu um novo modelo de cognitivismo a par-tir da possibilidade de impressão do acervo dasobras pré-existentes, penosamente resguardadasda ação do tempo e da fragilidade dos materi-ais. Repentinamente, aquilo que se tinha a muitocusto preservado nos manuscritos e originais dopassado, começou subitamente a ser revisto e im-presso na escala e velocidade em que a tipografiada época permitia. Tal salto, embora não tão re-pentino de acordo com Chartier, contribuiu efeti-vamente com a instauração de uma memória co-letiva tão eficiente como jamais fora imaginado,nos moldes da teoria apontada por Lévy. O usoda palavra escrita passou a ser utilizada, mais doque nunca, como instrumento de preservação edisseminação do conhecimento.

Uma terceira revolução dos processos cogniti-vos do ser humano aconteceu a partir da evoluçãotecnológica que permitiu unir à tipografia em es-cala industrial o uso da imagem, com o adventoda fotografia. Essa possibilidade técnica aconte-ceu somente na passagem do século XIX para oXX, juntamente com o surgimento das revistasilustradas, dos cartões postais e outras formas deuso da imagem impressa.

Essa disponibilidade inaugurou o novo séculoe a era da imagem multiplicada para o consumode massa. “Consolida-se, a partir daquele mo-mento, o que se convencionou chamar de ‘ci-vilização da imagem’, cujas origens remontamao século anterior, com a invenção da fotografiae seu subseqüente desenvolvimento tecnológico,industrial e formal, fruto de um inusitado con-sumo, impulsionador de suas inúmeras aplica-ções: comerciais, artística, científicas e promo-cionais”. (KOSSOY, 2000, p.63) Às aplicações

10 Códex: Segundo o Aurélio, refere-se ao singular deCódiceque, por sua vez, tem relação com o registro e com-pilação de manuscritos, documentos históricos, leis; códigoantigo. Pode se referir, também, à obra antiga de um autorclássico.

mencionadas por Kossoy, podemos acrescentar aviabilidade de uso do produto imagético na edu-cação, suas formas de aplicação e manuseio ide-ológicos por se tratar de um pretenso recorte in-questionável da “realidade”.

A transformação cultural observada desde asprimeiras formas de comunicação entre os sereshumanos até a utilização do conteúdo impresso,seja pelo livro ou outras espécies de publicações,apenas demonstram, sucintamente, a evoluçãode alguns meios desenvolvidos pelo homem nabusca da preservação de sua “memória” e trans-missão do conhecimento adquirido.

Antes de discorrer sobre os equipamentos quesurgiram em decorrência da revolução tecnoló-gica ainda hoje vivida, vale mencionar que al-guns desses, mesmo que usados de forma de-cisiva nos processos de cognição e educativos,não estão sendo minuciosamente descritos pornão estarem diretamente envolvidos na constru-ção de uma lógica para a compreensão do apa-recimento do meio adequado para o suporte doweb-documentário.

Dentre eles, cujas importâncias são inquesti-onáveis, estão equipamentos como a televisãoe o vídeo-cassete, os meios de difusão de si-nais via rádio, microondas e antenas parabólicase, mesmo antes disso, as formas primitivas deequipamentos que permitiram o registro da in-formação, como microfone, o cartão perfuradoou mesmo a gravação de freqüências sonoras emfitas magnéticas, entre muitos outros.

No decorrer do século XX, testemunhou-se osurgimento e desenvolvimento dos circuitos ele-trônicos, que possibilitaram a criação das ferra-mentas mais potentes e eficazes de que se temregistro desde os primórdios da civilização hu-mana. A revolução tecnológica de então permitiuo desenvolvimento de equipamentos de usos tãodiversos como jamais foram imaginados. A mai-oria deles está vinculada à invenção de um equi-pamento que não somente revolucionou as rela-ções sociais no mundo como proporcionou o de-senvolvimento de produtos, como aquele que ins-

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pirou esta monografia, pela infinita capacidadede desenvolvimento de suportes específicos quepossui: o computador.

Os equipamentos computacionais, digamosassim, hoje em muito se diferem dos primei-ros computadores surgidos em meados do sé-culo passado. “O primeiro computador, o Eniacdos anos 40, pesava várias toneladas. Ocupavaum andar inteiro em um grande prédio, e paraprogramá-lo era preciso conectar diretamente oscircuitos, por intermédio de cabos, em um pai-nel inspirado nos padrões telefônicos”.(LÉVY,1993, p.101) Atualmente tais equipamentos sãocada vez menores e acumulam cada vez maiorescapacidades e funções. Mencionar o computa-dor como ferramenta de registro e difusão do co-nhecimento tem relação ao suporte que esse apa-rato dá às formas digitais dos produtos multimí-dias, como o web-documentário estudado aqui.Destacamos essa ferramenta pelo seu caráter vi-sivelmente tecnológico e por ser o equipamentousado, pelo menos por enquanto, para suportar autilização dos softwares, da Internet e RealidadeVirtual, descritos a seguir.

Entendemos software como sendo o conjuntodos recursos com os quais ou através dos quais seutiliza um equipamento tecnológico eletrônico.São recursos lógicos, de organização e mesmode instalação que fazem com que tais máquinas,efetivamente, funcionem. Uma maneira simpli-ficada de entender essa relação é estar ciente dequê um computador, por exemplo, não funcionase não tiver instalado em seu sistema físico (hard-ware) um programa (software) que permita a co-municação homem - máquina.

Compreendemos ser o web-documentário umsoftware, antes de tudo, por ter sido a sua concep-ção pensada para um meio digital nos moldes deuso em um aparelho conectado a uma rede mun-dial de computadores, a Internet. Pretendemosrelacionar esse produto com a vocação educacio-nal que presumimos que ele venha a ter. Enten-demos também que não há o software educaci-onal em si, mas software empregado na educa-

ção. Tal esclarecimento pode ser aplicado, inclu-sive, aos demais aparatos tecnológicos descritosneste trabalho. Uma tecnologia não é educacio-nal nem anti-educacional, já que pode ser usadadessa e de várias outras formas, isso não a qua-lifica, necessariamente, como educativa. O usoda tecnologia na educação, portanto, dá a noçãopretendida para compreendermos o uso do web-documentário nesse sentido.

A educação pressupõe aprendizagem, uma ati-vidade do indivíduo que é efetivada, em tese,apenas através do contato com outras pessoas ecom o próprio conhecimento. Por isso, o uso desoftwares específicos para a educação tem comoprincipal função possibilitar ou facilitar o envol-vimento do indivíduo com o conhecimento atra-vés do computador. Tal uso só é possível casohaja a elaboração de programas de computadorque busquem atingir esses objetivos.

Não vemos o uso do web-documentário sem apossibilidade de fruição num ambiente de rede,como aweb. Esse talvez seja o motivo de ter-mos de incluir tais possibilidades de conexão en-tre vários computadores na reflexão do presentetrabalho.

Como sabemos, a existência da Internet estávinculada à possibilidade de comunicação entrevários computadores e o acesso compartilhadoaos arquivos de uma única máquina por váriosusuários ao mesmo tempo. Tal viabilidade podeser considerada uma habilidade meramente téc-nica, possível a partir do uso de um equipamentoespecífico: o roteador.

Os roteadores são equipamentos que permitemo tráfico de dados e informações controlados edirecionados por outros computadores. A evo-lução técnica que permitiu a distribuição dessefluxo começou nos anos 60 com o famoso argu-mento de que uma rede de interconexões redun-dantes, sem hierarquia, livraria os Estados Uni-dos de uma interrupção caso fossem bombarde-ados pelos soviéticos, durante a Guerra Fria. Astransformações causadas pela rápida evolução daInternet são facilmente observadas em vários se-

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tores sociais de praticamente todo o mundo. Paraa educação, o uso da Internet é considerado comoum poderoso instrumento de ensino. Para se teruma idéia, em 1996 o governo norte-americanoinvestiu cerca de 2,2 bilhões de dólares para co-nectar à rede todas as escolas públicas e particu-lares daquele país.

No Brasil, também em 1996, 100 mil compu-tadores foram comprados pelo governo para se-rem instalados nas escolas públicas do país. Atu-almente, somente as escolas particulares regis-tram um empenho efetivo para se conectarem àInternet. Na rede pública, poucos computadoressão comprados e instalados a cada ano e, deles,apenas 10% têm acesso àweb. (BRASIL, 2002,p.21)

O uso da Internet na graduação avança, masainda é limitado. Acredita-se que, num futuropróximo, a conexão à rede será imprescindívele dela dependerá a maior parte dos métodos deensino adotados. Em cursos de pós-graduaçãoessa realidade já é verificada há algum tempo.A Universidade Federal de Santa Catarina foia primeira a desenvolver sistemas de ensino adistância envolvendo recursos de áudio e vídeo-conferência pela Internet. O empenho dessas ins-tituições de ensino tem relação com a exigênciado mercado de trabalho em selecionar profissi-onais cada vez mais atualizados com os meiostecnológicos de disseminação da informação.

Por ter um futuro promissor e apesar de osnúmeros serem desfavoráveis em países como oBrasil, o acesso à Internet é uma intenção efe-tiva e proporcional às condições sócio-culturaisde cada país. A aparente prioridade é dada pelosgovernos às implementações relacionadas aos se-tores envolvidos com a educação, pela rede pú-blica de ensino, e pelas instituições particularescomo diferencial agregado à lógica mercadoló-gica envolvida. Essa constatação nos faz crer quea produção de softwares voltados para este ni-cho terá uma considerável evolução. O estudoconstante nesta monografia sugere que o web-documentário possa ser visto como um desses

produtos, assim como os softwares educativosdas mais diferentes especificidades de uso e apli-cação.

Finalmente, uma última noção a ser aclaradapara entendermos o web-documentário comoferramenta contemporânea de possível vocaçãoeducacional, diz respeito às concepções de Rea-lidade Virtual conhecidas atualmente, por teremrelação direta com o produto discutido. Para quese entenda a realidade virtual, é preciso conhe-cer os conceitos tradicionais do “real” e do “vir-tual”. Sabe-se pelos dicionários que o conceitode real remete às idéias de autenticidade, que éconcreto em si, que busca a essência daquilo queé. Como pessoas, habitamos um mundo concretocomposto de lugares fisicamente delimitados e deoutras pessoas. Nesse mundo, tempo e espaçosão fatores essenciais para a existência e somoscercados de referenciais culturais que nos asse-guram a inserção nessa “realidade”.

Há, de imediato, o conceito habitual que quali-fica ovirtual como oposto aoreal, aquilo que nãoé formalmente admitido. O dicionário Michae-lis define ovirtual como sendo aquilo que existe“como potência ou faculdade, porém sem efeitoatual”. (UOL MICHAELIS DIGITAL, 2002)Autores como Pierre Lévy também vêem o vir-tual como o potencial possível: “O virtual é umfecundo e poderoso modo de ser que vai alémdo processo de criação, abre para o futuro, in-jeta elementos que vão além da presença física”(LÉVY, 1998). A união improvável de dois con-ceitos inicialmente de significados opostos tendea agrupar as duas definições em uma única con-cepção. Arealidade virtualdeve conter em suaessência o significado doreal unido à potencia-lidade dovirtual, como possibilidade de injetar“elementos que vão além da presença física”.

A mídia é a grande responsável pela difusãoda idéia que considera arealidade virtualumatecnologia que permite às pessoas entrarem den-tro das imagens geradas pelos computadores eacessarem, portanto, o dito ‘espaço virtual’. Aconcepção de um mundo virtual abre a possibi-

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lidade da criação de uma nova forma de relaçãoentre homem e máquina. “A relação corpo (comomídia) e computador (mídia eletrônica) é funda-mental para o desenvolvimento da relação vir-tual”. (SANTOS, 2001, p.41)

A viabilização dessa nova possibilidade, prin-cipalmente com intuitos voltados para o en-sino, está relacionada com algumas das tecnolo-gias mencionadas anteriormente, especialmenteos computadores, softwares e o funcionamentode ambos num ambiente de rede, somados à no-ção de uma realidade virtual. O uso de com-putadores conectados à Internet desencadeia no-vos métodos e processos na educação. A gera-ção contemporânea cresce convivendo – aparen-temente de forma harmoniosa - com uma cul-tura digital que começa a absorver a educaçãovirtual. “Tornar-nos-emos simbióticos com nos-sos computadores conectados nas redes de edu-cação, governo, órgãos públicos, saúde, traba-lho, do mesmo modo que a revolução industrialfoi simbiótica com o mundo da máquina e depoiscom a eletricidade e gasolina”(SANTOS, 2001,p.63). As novas tecnologias devem, portanto, re-estruturar o sistema educacional conforme suaspossibilidades forem implementadas nas escolase de acordo com o empenho e investimento decada país. A partilha do conhecimento pode serlevada ao seu mais alto grau de aproveitamentocom a interconexão de escolas, universidades,governos e sociedade.

4.3 O web-documentário como evoluçãode um gênero específicodesenvolvido para a Internet ealguns pressupostos

O documentário sofreu adequações relacionadasà evolução do suporte que o envolve. Isso nãosignifica dizer, necessariamente, que tais adap-tações foram sempre positivas ou que o produtotenha sido mais ou menos eficaz. Contudo, maisque apostar em uma definição conceitual para avariante do gênero em questão, pensar em web-

documentário significa resgatar a função originaldo documentarismo e explorar o seu potencialeducativo.

Para construir uma lógica específica que an-teceda a exposição funcional de alguns produ-tos, iremos considerar o documentarismo em suaforma mais usual: o cinema. Na verdade, o do-cumentário não é um produto que surgiu da evo-lução do cinema, mas da característica original eprimeira do cinema. Como já mencionado no ca-pítulo anterior, as primeiras experiências com asimagens em movimento tinham apenas por ob-jetivo registrar os acontecimentos da vida quoti-diana das pessoas e dos animais. Consolidou-secomo senso-comum o entendimento de que o do-cumentário seria um “espelho da realidade”, o re-gistro “objetivo” de um material sem intervençãodaquele que o produz. O equívoco sugerido portal idéia já foi reparado por muitos argumentos,mas, principalmente, porque não há regras está-ticas e definitivas para aquilo que reconhecemoscomo um produto desse gênero.

Vimos no primeiro capítulo que Flaherty eVertov, pioneiros na experimentação do gênero,tinham critérios diferentes para registrar o coti-diano em seus produtos. Mesmo com essas di-ferenças aparentemente cruciais, ambos têm seumérito na concepção daquilo que é considerado,desde então, um produto do documentarismo.

A falta de uma forma exclusiva para a pro-dução do documentário não impede que aqueleque o frui saiba claramente quando está diante deum. Independentemente de conjecturas concei-tuais ou definições, pressupõe-se que o receptorsaiba quando o filme assistido é considerado umdocumentário no momento em que é comparadocom qualquer outro gênero da produção cinema-tográfica. Mas, pode-se dizer o mesmo diante deum produto disponível naweb, visto através deum computador e feito com a mesma finalidadecom a qual são feitos os documentários?

O web-documentário é um gênero experimen-tal de produção documentarista em um meio deorigem bastante recente, a Internet. Por ser o seu

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antecessor convencional um gênero que refleteessencialmente a habilidade criativa do autor,como foi visto no primeiro capítulo, os métodospara a concepção da versão em um meio multimí-dia estão além dos manuais e muito mais próxi-mos da capacidade do indivíduo que o idealiza eproduz. O experimentalismo é, portanto, o prin-cipal trunfo da produção web-documentarista –sempre vinculada à possibilidade técnica envol-vida.

Isso significa que não há ainda conceitos epressupostos definitivos que selecionem os pro-dutos em uma definição clara e objetiva, nem hámodelos fechados e já consagrados que sirvamde parâmetro para a classificação de um produtoqualquer disponível. Significa, ainda, que as re-flexões sugeridas nesta monografia não são defi-nitivas nem preenchem todas as lacunas teóricasque o tema suscita.

Pretendemos, porém, reconhecer uma metodo-logia de análise que permita juntar alguns produ-tos cujas características apontem uma adaptaçãodo gênero para o meio em questão. Para avaliar aeficácia da metodologia sugerida, selecionamosalguns sites que se autodenominam como tal oucujos conteúdos tragam indícios de que são umproduto de características similares às dos docu-mentários convencionais até hoje produzidos.

Todos os sites analisados estão disponíveis on-line na época da produção deste trabalho. Se-rão descritas as principais características de cadaum, além dos respectivos endereços eletrônicosde acesso. Depois de apresentados, terão os seusconteúdos considerados de acordo com algunspressupostos iniciais sugeridos a seguir. A aná-lise se dará após o desenvolvimento teórico decada pressuposto e, como já foi dito, tal análisepretende dar início a uma reflexão sobre o recortepretendido.

4.3.1 O web-documentário como uma evolu-ção natural do documentarismo

Um web-documentário deve ser, antes de tudo,um documentário – de acordo com as concep-ções e características consagradas em relação aogênero. Se desde os anos 20, com as primeirasexperimentações práticas de filmagens de docu-mentários, consolidou-se que caracterizaria o gê-nero o registro da vida das pessoas e dos aconte-cimentos, tal particularidade deve ser observadatambém, em tese, no web-documentarismo. Nãosignifica, evidentemente, que apenas os produ-tos com tais características serão enquadrados nanova modalidade.

Se, no decorrer do tempo, as experimentaçõespermitiram novas características que não com-prometeram a qualificação do produto, os resul-tados obtidos podem ser re-adequados à web,sem o mesmo comprometimento de tal qualifica-ção. Qualquer outra característica própria do do-cumentário deve ser adaptada e revista na web,meio próprio para a sua veiculação. Essa con-tribuição pode seguir o sentido oposto de dire-ção: qualquer resultado positivo das experimen-tações feitas na versão do gênero desenvolvidapara a web pode ser incorporado, de acordo comas possibilidades próprias do suporte, pelas for-mas convencionais do documentarismo.

4.3.2 O web-documentário como um pro-duto de suporte digital

O web-documentário deve ser produzido para umsuporte digital. O suporte digital é aquele ade-quado às concepções fundamentadas pela lógicadesenvolvida por George Boole, no esquema quepermite a representação e execução de expres-sões lógicas através da tradução binária dos da-dos. Segundo afirma o teórico Hélio Godoy,os sistemas audiovisuais eletrônicos digitais de-vem ser entendidos como transdutores, capazesde transportar as informações contidas em infini-tas variações energéticas contínuas, de um sinal

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original (analógico), através de um processo decodificação discreta (não-contínua), baseado naÁlgebra Booleana (para operações com númerosbinários), e concretizado, em diferenças de po-tenciais elétricos que geram correntes elétricasem circuitos eletrônicos lógicos.

Podemos considerar produtos específicos dedocumentários aqueles produzidos e executadosem um suporte digital. Entretanto, tal pressu-posto não constitui, necessariamente, uma carac-terística exclusiva do web-documentarismo, jáque pode ser adotado também quando da simplestransmutação de um produto desenvolvido origi-nalmente num suporte analógico (por exemplo, ovídeo) que foi adequado a outro (por exemplo, aInternet), de codificação digital.

4.3.3 A possibilidade de recepção não-lineardo conteúdo

A navegação ideal pelo conteúdo de um web-documentário deve permitir uma recepção não li-near optativa àquele que o frui. Esse pressupostonão descarta, entretanto, que a composição do ro-teiro é anterior e tem estrutura definida, o queacaba por determinar, de fato, o ângulo de abor-dagem do tema escolhido pelo documentarista.Não descarta também que o caminho de acesso épreviamente determinado por aqueles que conce-beram o produto.

Isso não deverá comprometer, entretanto, ofato de que a decisão da profundidade desejadaseja opção claramente delegada ao receptor. AInternet é caracterizada como um meio que nãolimita o acúmulo de dados e informações possí-veis. Cabe ao internauta decidir o volume da-quilo que busca de acordo com suas necessidadese desejo.

Para uma navegação intuitiva e inteligente, énecessária a elaboração de um fluxograma quepreveja o caminho a ser seguido pelo internauta.Essa "roteirização"direciona o receptor a um fimpré-definido, mesmo que a não linearidade si-

mule um controle absoluto da navegação porparte daquele que transita pelo produto.

Ao mesmo tempo em que o interesse pelo temaconduz o internauta a um envolvimento cada vezmaior com conteúdo do web-documentário es-colhido (pressupondo maior aprofundamento), odesinteresse acaba comprometendo a navegação,pois nada impede que o receptor abandone a pá-gina e busque outros assuntos. Para prever essapossibilidade - uma característica própria da na-vegação pela web - é necessária a formulação deum critério de aprofundamento que não compro-meta a exposição do conteúdo. “Poderemos tercomo ponto de referência a navegação usada emdeterminados jogos de computador onde só apósa passagem por um determinado nível se passa aoutro. No caso do documentário poderíamos uti-lizar esses diferentes níveis como níveis de apro-fundamento das temáticas abordadas, ou melhor,como níveis onde progressivamente o autor vaiapresentando diferentes argumentos que, no seuconjunto, conduzem a um único caminho, isto é,a idéia que se pretende transmitir relativamenteà temática que está a ser tratada”(PENAFRIA,1999, p.5). Essa solução permite que o internautaassimile o conteúdo visitado mesmo que aban-done a página, pois a organização é planejadapara transmitir, numa leitura lógica e de formaescalonada, todo o conhecimento envolvido.

4.3.4 O web-documentário como modali-dade de experimentação da interativi-dade e dos recursos multimídias

Já que para a produção de um documentário naweb são usadas ferramentas multimídias, tal con-cepção deve prever, na organização do seu con-teúdo, uma certa e devida interatividade, pro-porcional às possibilidades tecnológicas do meiopara o qual é desenvolvido. Essa interatividadeterá como base características próprias do docu-mentarismo e não deve comprometer a consistên-cia e profundidade do conteúdo.

Seria ineficiente, por exemplo, implementar

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em um web-documentário recursos multimídiasque exigissem equipamentos de ponta e bandalarga de transmissão de dados se os equipamen-tos utilizados pelo público-alvo daquele produtoestão aquém das indicações mínimas de hard-ware.

Por outro lado, desenvolver um web-documentário apenas com recursos precários detexto e imagem é subestimar as possibilidadestecnológicas do meio e expectativas do receptor.A questão está simplesmente na exata aferiçãodessa relação entre o produto oferecido e aspossibilidades técnicas de recepção, aliados àsexpectativas do receptor, como em qualqueroutro caso de comunicação que envolva taispreceitos.

4.3.5 O web-documentário com funçãosócio-pedagógica

Foi mostrado no primeiro capítulo que John Gri-erson faz parte do movimento documentaristabritânico e é personagem fundamental para a afir-mação do documentário como gênero específicodiferenciado, pelas suas características, das de-mais produções cinematográficas. Os escritos deGrierson11 colocam o documentário em um pa-tamar superior de grau de importância pela suacapacidade de tratar de modo criativo os fenôme-nos sociais e econômicos da Grã-Bretanha dosanos 30.

Como foi visto, Grierson jamais descartou queo documentário seleciona um determinado pontode vista na abordagem do tema escolhido pelodocumentarista. Entretanto, a interpretação dessaescolha devia ter a finalidade primordial de gerardeterminada reflexão, por parte da sociedade, emrelação ao assunto. Esse aspecto e essa funçãooriginal do documentarismo devem ser tambémadotados na elaboração de um produto específicopara Internet, através do web-documentarismo.

11 “First Principles of Documentary”, de 1932-34, in:Forsyth Hardy, Grierson on documentary, London, Fa-ber&Faber, 1979.

Vale ainda salientar que Grierson entendia osdocumentários como gênero de função sociale pedagógica, devendo ser sobretudo um ins-trumento de educação pública. Tais reflexõesdevem ser consideradas na produção do web-documentário já que este pode ser consideradouma evolução natural do gênero e sua adaptaçãoa qualquer meio pressupõe, também, a transfe-rência de seus principais elementos constituídos.

4.3.6 A adequação da linguagem com o meio

Mais que a simples convergência de linguagenspara um único meio, a Internet determinou a con-figuração de novas formas de uso dessas lingua-gens, de acordo com a possibilidade da tecno-logia envolvida. Isso significa que, ao transporum produto para a Internet, cujo suporte origi-nal é diferente, não teremos a sua ‘versão’ para aweb, necessariamente. Quando determinada edi-tora ou autor torna disponível na web o conteúdointegral de um livro, não quer dizer que seja umarevolução em si, a produção de um livro “para aInternet”, mas significa apenas a possibilidade dedecodificação do texto em um novo meio. O li-vro, sua linguagem e conteúdo são os mesmos. Otexto se repete e a forma de recepção é a mesma:a leitura (impressa ou pela tela) das palavras da-quele conteúdo. No entanto, é importante ressal-tar que neste caso, na recepção via tela do com-putador, muda a prática de leitura: a própria re-lação do corpo do leitor com a leitura muda; avelocidade de leitura; as fusões entre as palavrase imagens – tudo isso agrega sentidos ao texto.O suporte web traz novos efeitos de sentido aotexto, diferenciando-o do seu exemplar impresso.

O mesmo aconteceria com um documentárioque, produzido para o vídeo, fosse também aces-sível na web, já que a tecnologia assim o permite.Apesar da diferente prática de leitura – segundoChartier, como ocorre com o livro na tela quemuda a relação do corpo do leitor, a velocidadee as fusões - esse produto não deixaria de ser umdocumentário “convencional”, mesmo que pro-

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duzido em um suporte digital, que apenas estádisponível na Internet.

O web-documentário pressupõe, antes de tudo,a sua produção específica para o meio web. Issosignifica incorporar em sua forma, organização,linguagem, etc. as características próprias domeio, sempre de acordo com a tecnologia en-volvida. Dessa maneira, qualquer evolução ob-servada no uso da linguagem e da tecnologianesse suporte será também a evolução que o web-documentário irá experimentar, acompanhandoo desenvolvimento das possibilidades técnicas esimbólicas que lhes são suscetíveis.

4.4 A avaliação de alguns produtos deacordo com os pressupostossugeridos

Depois de apresentados alguns argumentos queconsideramos importantes para uma classificaçãopreliminar dos produtos disponíveis, pretende-mos confrontar as características de quatro sitesarbitrariamente escolhidos para justificar os pres-supostos sugeridos. Nosso objetivo, neste mo-mento, é avaliar a pertinência desses argumentosem relação aos produtos que se autodenominamuma versão on-line do gênero documentarista.

4.4.1 Becoming Human

Becoming Human12 é uma produção da Terra In-cógnita Develops13, empresa que trabalha com odesenvolvimento de sites educacionais e de en-tretenimento para a Internet. O documentário éuma jornada através da evolução humana. Nave-gando pelo site, o internauta acompanha a evolu-ção do homem desde a sua origem com o surgi-mento dos primeiros seres da espécie. O profes-sor de Paleontologia Danald Joanhson, um dos

12 http://www.becominghuman.orgDireção: Bart Mara-ble. Escrito por: Leonora Carey J. e Bart Marable. Pro-dução: Leonora Carey J. Edição: Jayson Singe. Narração:Donald Johanson

13 http://www.terraincognita.com

responsáveis pela construção deste projeto, narratoda a jornada desenvolvida.

O conteúdo apresentado resgata a cultura, alíngua, a anatomia e todo o desenvolver dos pri-meiros primatas até o surgimento do homem mo-derno. Além de proporcionar um profundo co-nhecimento sobre o tema abordado, o documen-tário acaba envolvendo o internauta pela sua tec-nologia e opções de navegabilidade que oferece.

Becoming Humanpode ser considerado, en-tre os sites analisados, aquele cujas característi-cas mais se enquadram nos argumentos dos pres-supostos sugeridos. Observamos que o produtoatende à premissa básica considerada neste es-tudo: ele se apropria eficientemente, pela rele-vância de seu conteúdo, daquilo que intuitiva-mente supomos ser uma evolução cultural do do-cumentarismo.

Os registros observados são baseados em do-cumentos reais e na busca de relatos autorizadosde profissionais envolvidos no assunto. Pode-mos salientar o empenho do autor no processode concepção do produto, o emprego criativo desuas habilidades em todos os momentos comomeio de estabelecer uma melhor relação com ointernauta e conseguir transmitir a mensagem deforma clara e eficiente.

Becoming Humané um resgate histórico queutilizou o gênero documental para estabelecerum modelo consistente de registro e transmissãodo conhecimento referente ao passado. O web-documentário referido, se assim o pudermos con-siderar, atinge o primeiro pressuposto sugerido apartir do momento em que se propõe a construirum registro sólido do tema envolvido, a evoluçãodo ser humano.

Becoming Humanfoi concebido para o suportedigital. O pressuposto é aqui claramente atendidoquando observamos que o web-documentáriocumpre todas as lógicas fundamentadas por Ge-orge Boole. Os sistemas audiovisuais digitaisfuncionam como tradutores e transportam infor-mações para operações com números binários.Todo o processo de “animação” das páginas con-

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Web-documentário 27

siste no uso de recurso Flash, uma tecnologia re-cente para a manipulação da imagem juntamentecom outros efeitos áudio-visuais, somente execu-tado em suporte digital.

O web-documentárioBecoming Humanapre-senta uma variação muito grande no seu modelode navegação. No entanto, sua complexidadenão dificulta a ação do usuário, que tem em qua-tro barras de navegação as propostas para “cami-nhar” pelo site. Essas quatro barras de navega-ção convergem numa apreensão bastante sensatado conteúdo e permitem que o internauta tenhaacesso a todas as áreas do web-documentário, in-dependente do caminho escolhido, pressupondouma simulação da não-linearidade sugerida.

A primeira barra concentra os principais linksdo web-documentário, sendo que, em cada umadeles, o usuário encontra uma opção de navega-ção específica com o assunto abordado na ante-rior. Essa primeira barra apresenta informaçõesreferentes à cultura, anatomia, língua, prólogo eevidências. A barra “acompanha” o internautadurante toda a navegação.

Uma segunda barra aciona ojunkebox, um es-paço onde o internauta recebe as informaçõesatravés da narração de um texto por um locu-tor, tendo um total controle do recurso sonoro.Essa barra acompanha a primeira, que nunca de-saparece no decorrer da navegação. Uma terceirabarra está dentro de cada link apresentado naprimeira e acompanha de forma cronológica osacontecimentos referentes ao assunto abordadono instante da navegação.

O modelo de navegação proposto parece muitoeficiente e claro. Permite ao internauta encon-trar as informações necessárias durante toda a na-vegação pelo site. O modelo é intuitivo e cria-tivo, aceita um total domínio por parte usuáriona busca de alguma informação importante paracomplemento daquilo que vem sendo apresen-tado.

O web-documentário em questão é um site queoferece muitos recursos multimídias e uma inte-ratividade eficiente com o usuário. Os recursos

podem ser percebidos nos diversos formatos comos quais as informações são dispostas no docu-mentário: vídeos, textos, sons, animações e fo-tos. OBecoming Humanem momento algum in-clui alguma mídia em potencial que comprometao desenvolvimento das informações oferecidas.O recurso é utilizado de maneira adequada e pro-priamente inserido.

A convergência multimídia é uma caracterís-tica desejável em produtos desenvolvidos paraa Internet. Poder adquirir informações emforma de texto, vídeo e som, todos combinadosou alternados adequadamente, confere ao web-documentário um padrão respeitável de adapta-ção ao meio e atendimento às expectativas do re-ceptor.

Becoming Humanse justifica ainda em rela-ção à sua função sócio-pedagógica, pressupostoapresentado neste estudo. O web-documentárioanalisado sugere constantes reflexões quanto aoassunto e sua abordagem é facilmente aprovei-tada como fonte certa de conhecimento para umafunção educativa. O produto tem seu mérito aodespertar no receptor – através de uma linguagemmoderna, dirigida a novos públicos e, ao mesmotempo, específica – um elo de identidade com oseu passado, pela exposição do tema escolhido.A disposição da informação oferece graus con-sideráveis de profundidade e permite uma assi-milação proporcional ao interesse do internautapelo assunto.

Ainda em relação à linguagem, devemos sa-lientar o uso adequado dehiperlinksespalhadospelos textos, sua estrutura de informação voltadaespecificamente para o meio e a clara intençãode ser um produto gerado apenas para o suportepretendido.Becoming Humanvem confirmar ahipótese de que o produto de características do-cumentais é e pode ser adequadamente revistonum novo meio. Seus aspectos sugerem umaconcepção específica para awebe demonstram ocaráter experimental que o documentarismo ali-menta, com empenho revitalizado, cada vez queinaugura um novo suporte para a sua circulação.

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4.4.2 Classic Motown

A Motown Records é a principal gravadora mu-sical envolvida com a chamadablack musicnomundo. Pela sua importância no mercado fono-gráfico, a empresa resolveu desenvolver umsitepara resgatar a trajetória do estilo desde a sua ori-gem, no fim dos anos 1950. Ositeé organizadoem duas partes:Motown now, como espaço ins-titucional e comercial da gravadora;Classic Mo-town14, que agrupa os registros históricos sobre oassunto. Iremos considerar apenas a áreaClassicMotownpara esta avaliação, por suas caracterís-ticas relacionadas com as premissas documentaisdesenvolvidas nesta monografia.

O documentárioMotownresgata a música ne-gra norte-americana desde seus primórdios, em1957, até os dias atuais. O site apresenta umabiografia completa dos grupos e cantores mostra-dos nas páginas.Classic Motownoferece, atra-vés de uma linha cronológica do tempo, uma in-teratividade capaz de atrair o internauta diante doconteúdo disponível.

O produto possui características documentaispor expor a história dos músicos dablack mu-sic durante o período de 1957 a 1987. O regis-tro das fotos de alguns artistas em suas diferentesfases profissionais colabora para o conhecimentode cada um deles. Além da possibilidade de “vas-culhar” a vida desses músicos, o internauta pode“baixar” os arquivos de várias músicas disponí-veis.

Uma animação do tipojukeboxpermite que ointernauta navegue pelositeao mesmo tempo emque ouve um fundo musical relacionado com oassunto escolhido. Com essa ferramenta o inter-nauta pode interagir diretamente com os recursossonoros oferecidos pelo documentário.

Além do uso acanhado dos recursos de anima-ção, osite possui poucos indícios de interativi-dade. Um deles é o íconemessage board,uma es-pécie de quadro de avisos para o qual o internautaenvia dúvidas ou considerações sobre o assunto.

14 http://www.motown.com

Há ainda uma página onde o navegador conse-gue encontrar, dentre outras informações, a áreade determinado artista especificado na busca, sedisponível. Essa limitação confirma a hipótesede que o conteúdo de um web-documentário estálimitado a uma base de dados pré-determinada ede certa forma roteirizada que é oferecida peloseu autor. Isso se constata mesmo diante de ummeio que não limita, em tese, o armazenamentoe disponibilidade da informação.

Mesmo tendo sido planejado para ser veicu-lado naweb, o Motownnão aproveita de formaplena as possibilidades que a Internet oferece.Não há, por exemplo, a utilização de vídeos nesseweb-documentário, ponto que compromete a suaversatilidade. Além disso, há um número consi-derável de textos com letras de tamanho poucoapropriado para a leitura na tela, tornando-a pe-nosa e cansativa. As poucas animações disponí-veis são insuficientes para atender à expectativado internauta.

Por outro lado, ositeoferece várias possibili-dades de navegação. A barra de rolagem inferior– que incorpora uma linha do tempo – é o recursoescolhido para o internauta decidir o caminho aser tomado diante do produto. No entanto, mui-tas opções se encontravam inativas no momentodesta avaliação, comprometendo toda a dita ver-satilidade que um documentário dessa naturezapode oferecer.

O chamado “diálogo” com o intenauta é bas-tante pequeno – não há salas de bate-papo nemfóruns de discussão. Além disso, excluindo-se olink message board,não há qualquer outra opçãopara o internauta participar, interagir e contribuircom a composição do conteúdo. O tratamentocriativo das imagens e textos está aquém do es-perado quando se desconsidera o uso de vídeosnum produto dessa natureza.

Apesar de alguns pontos negativos, segundonossa avaliação, o produto tem seu mérito ao ex-perimentar uma nova linguagem e forma de dis-ponibilizar o seu conteúdo, pressupostos essenci-

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Web-documentário 29

ais para umsiteque se propõe a desenvolver umregistro documental.

4.4.3 360 Degrees

O documentário360degrees15 registra a vida depresos encarcerados nos Estados Unidos e apre-senta o modelo de funcionamento dos presídiosnorte-americanos. Osite mostra documentos eestatísticas que apontam para os problemas queo sistema carcerário enfrenta naquele país. Atra-vés de relatos, vídeos e fotos, é possível que ointernauta perceba a situação de alguns presídiose conheça o cotidiano da vida dos presos.

A página de entrada dosite oferece, de ime-diato, uma infinidade delinks animados, sepa-rados por temas de maneira criativa. Os princi-pais elementos do documentário surgem a par-tir do acesso às páginas secundárias, através debotões como ostories, por exemplo, que leva onavegador a uma área com registrosin loco dedepoimentos sobre as experiências dos prisionei-ros, parentes ou vítimas. O objetivo é transmitirao receptor o ponto de vista de alguns indivíduosenvolvidos no sistema prisional norte-americano.

Por outro link, timeline, pode-se conhecer ahistória do sistema carcerário norte-americanodesde o seu surgimento, em 601, até os dias dehoje. Os arquivos de texto estão combinados comimagens, fotos ou desenhos que permitem a ob-servação da forma como as prisões foram cons-truídas e habitadas ao longo dos anos.

O produto 360degreesfoi planejado apenaspara o ambiente digital, tendo em vista que pos-sui elementos de áudio, vídeo e texto que, com-binados com perspectivas de navegação e intera-ção, só podem ser aproveitados no suporte espe-cífico. A disposição doslinks nesse documentá-rio permite que se faça uma leitura de possibili-dade não-linear, já que oferece diferentes tópicosde temas e direcionamentos desde a primeira pá-

15 http://www.360degrees.org

gina, seguindo a fórmula no decorrer de seu de-senvolvimento.

A partir desse primeiro plano, é possível quese conheça o tema de maneira diversa e intuitiva,através de “cliques” em palavras-chave que re-metem ao assunto escolhido ou às áreas de dis-cussão e debate. Olink resources, por exemplo,leva a uma página que contém a análise de di-versas pesquisas estatísticas sobre o sistema pri-sional, vídeos e outroslinkscorrelacionados como assunto. Pode-se escolher outro caminho, par-tindo dolink dynamic data, para atingir a mesmainformação. Nessa área estão disponíveis esta-tísticas e informações atualizadas a respeito dosgastos e investimentos efetuados por aquele go-verno em seus presídios.

Há um diálogo com o internauta que vê umapossível interatividade emlinks como forum, e-debateou get involved,que levam a áreas ondesão oferecidos textos, depoimentos e que permi-tem ao navegador contribuir com o registro desuas experiências. As imagens e textos foram tra-balhados de maneira criativa e envolvente, comoocorre na áreatimeline,na qual datas são dispos-tas por camadas onde se localiza rapidamente oassunto ou período buscado.

A pertinência social pode ser constatada emresources, área onde o documentário propõe aointernauta participar de organizações que reali-zam trabalhos comunitários relacionados ao temado produto. Além disso, nessa mesma página,percebe-se a preocupação dos autores com o as-pecto pedagógico desejado: a área remetida pelolink curriculum se refere à importância da utili-zação de um produto como o web-documentáriona educação e sugere o seu uso em salas de aula.Para tanto, o navegador encontra nessa área algu-mas informações sobre a integração do produtona sala de aula (10 ideas for classroom integra-tion), além do relato da experiência de uma pro-fessora que já usou o360degreesem processospedagógicos e educativos.

Além de todos esses aspectos, o uso de umalinguagem específica, envolvente e de apelo tec-

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nológico em relação ao meio em que é desenvol-vido (uso de vídeos, áudio e animações) dá aosite visitado a qualificação esperada do produtoque se pretende enquadrar num gênero relacio-nado ao web-documentarismo.

4.4.4 Elvis Number Ones

O documentárioElvis Number Ones16 nasceucom intuito de homenagear o ícone Elvis Pres-ley após 25 anos da sua morte. Produzido pelaBMG17, o site resgata toda a trajetória do ídolodesde o ano de 1956. O produto mostra o ca-minho percorrido pelo artista em todas as fasesde sua carreira: como músico, produtor, arran-jador, compositor ou até mesmo em sua atuaçãonas produções cinematográficas.Elvis NumberOnesapresenta um acervo considerável dos do-cumentos deixados por Elvis Presley e permite oacesso a vários vídeos e imagens daquele que éconsiderado o “rei do rock”.

O documentário também mostra a discografiacompleta do ídolo, com dados históricos de cadaobra. Com umdesignatraente e traduzido para17 idiomas,Elvis Number Onesconquista os fãsde Elvis Presley e passa a se tornar referência dosentusiastas pelo artista naweb.

O registro da carreira de Elvis é montado emcima de documentos autênticos e visa transporpara a atualidade aquilo que é considerado rele-vante em relação à vida do astro, conferindo aoproduto as características documentais desdobra-das nesta monografia.Elvis Number Onesse or-ganiza em cima de fotos e vídeos originais comos quais se sustenta o documentário e que dão aoproduto a qualificação esperada enquanto gêneroespecífico.

A interferência autoral é observada a partir dasconcepções originais e criativas nos conceitos dedesign, estrutura de navegação, organização e

16 http://www.elvisnumberones.com.br. Prod.: BMG Eu-rope – uma divisão da BMG UK & Ireland Limited. Não háequipe de produção divulgada.

17 http://www.bmg.com .

disposição dos textos e determinação da hiper-textualidade através do uso delinks.

Elvis Number Onesfoi concebido apenas paraum suporte digital e não há viabilidade técnica deo produto ser “executado” numa base analógica.O siteapresenta uma estrutura de navegação bas-tante complexa, mas de fácil acessibilidade parao público. O conteúdo é organizado a partir decinco barras que permitem ao internauta nave-gar pelos temas de seu interesse, independente-mente do caminho seguido. Essa característicapermite uma recepção não linear diante do con-teúdo oferecido pelo web-documentário àquelesque exploram o produto.

Na primeira barra está olink de acesso à áreajunkebox, um espaço onde o internauta selecionaentre algumas músicas de Elvis Presley aquelaque quer ouvir enquanto navega pelas páginas.Pela segunda barra o usuário pode acessar e co-nhecer uma ficha técnica de cada um dos trintaálbuns do músico, além de ter uma sinopse dotrabalho selecionado, vídeo e fotos relacionados,banda participante e outras informações do pro-duto.

A terceira barra de navegação organiza uma li-nha cronológica que abrange os anos de 1956 a1973. Cada acesso permite ao internauta conhe-cer os principais trabalhos e fatos ocorridos noperíodo, sempre complementados com vídeo, fo-tos e informações dos trabalhos produzidos emcada ano.

Uma quarta barra apresenta as principais fa-ses da vida de Elvis, segundo a concepção dosautores do documentário. A organização das in-formações nessa área se dá não mais numa vi-são cronológica, mas de acordo com o tipo detrabalho principal enfocado por Elvis em cadaperíodo: uma visão do artista enquanto cantor,produtor, arranjador, ator ou músico. Ao entrarnuma dessas áreas, o internauta tem acesso a to-dos os trabalhos de cada período, um texto decontextualização de época, além de fotos e ví-deos.

A quinta barra dá acesso ao conteúdo inicial

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básico e direciona o internauta de volta às áreashome, sessão de fotos, sessão dedownloads, ví-deo, promoções e escolha do idioma. O modelode navegação é bastante ousado e não compro-mete a sua eficiência. As barras são fixas e acom-panham o internauta durante toda a visita pelosite. Além de possuir texto, seus elementos são“iconizados” e “animados” diante da passagemdo cursor sobre a imagem, uma interação com amovimentação domouse.

A pertinência social é verificada nosite pelaproposta do produto em resgatar e difundir pelaweb aspectos e informações sobre o ídolo. Oweb-documentário consegue a adesão do usuárioquando expõe de forma criativa o seu conteúdo,pelo uso de diferentes combinações de lingua-gens e mídias. Esse aspecto histórico, de resgate,contribui de forma considerável com a dissemi-nação do conhecimento, mesmo sendo o produtodestinado a públicos exclusivos. Não há no web-documentário características específicas para seuuso como ferramenta na educação, mas há con-teúdo e material de pesquisa importantes comofonte de informação para os processos educati-vos.

Não há dúvidas queElvis Number Onesfoiconcebido para um suporte digital e veiculaçãoexclusiva naweb. Isso é claramente evidenci-ado pelas soluções tecnológicas adotadas e tam-bém pela forma como o conteúdo foi organizado,ambos propícios à mídia on-line. Tal afirmaçãopode ser feita ao considerarmos o formato dasimagens, a estrutura de navegação, o sistema debanco e acesso de dados, além de outras viabi-lidades técnicas que condizem somente para umproduto feito para a Internet.

5 Capítulo III – Web-documentário:Formação e informação na sociedadedo controle

Este capítulo tem o objetivo de refletir sobre oweb-documentário como uma forma de aprendi-zagem típica da contemporaneidade. O desen-

volvimento dessa idéia central exige que faça-mos alguns movimentos teóricos. Iniciaremosa discussão abordando alguns autores que ana-lisam a sociedade atual em termos de “moderni-dade” e “pós-modernidade” e que focalizam ascaracterísticas advindas do desenvolvimento téc-nico e das mudanças político-sociais gestadas apartir dos anos sessenta. A reflexão sobre a soci-edade contemporânea leva-nos a pensar sobre osdispositivos de controle e de produção de subje-tividades na nova cena social instituída pelo de-senvolvimento da técnica informática; para essaabordagem, valemo-nos das idéias de Foucaultsobre as transformações das sociedades discipli-nares em sociedades do controle e, conseqüen-temente, as mudanças nas técnicas de subjetiva-ção e de constituição de identidades. Ao se ba-sear em conceitos de Foucault e Deleuze, deve-serefletir sobre a realidade contemporânea de ummundo dominado pelo poder da mídia ampliadopela nova ordem imposta pelo capitalismo reno-vado. Apoiado nestes teóricos pretende-se buscaralternativas de constituição de novas formas desociabilidade e de subjetividade em um presenteque se marca pela extrema utilização de instru-mentos tecnológicos.

Nesse quadro que afirma a construção identi-tária como um extenso jogo de poder/saber – noqual os sujeitos são construídos historicamentepelas técnicas de governo das subjetividades –inserimos a discussão sobre duas concepções deensino-aprendizagem: o condutismo e o sócio-construtivismo, a fim de mostrar que a atual con-juntura social exige a formação de novos su-jeitos. O sócio-construtivismo, na medida emque propõe a formação de sujeitos críticos queagem sobre o conhecimento, levou a que se de-senvolvessem novas ferramentas para o ensino-aprendizagem. É no interior dessa concepção deensino que pensamos o web-documentário comouma ferramenta que propicia aautonomia, a inte-ratividadee acooperaçãono processo de apren-dizagem. Acompanhando as idéias principais dosócio-construtivismo e lançando mão de entre-

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vista fornecida pelo antropólogo holandês Tho-mas Voorter e da pesquisadora americana LisaSpiro, pretendemos delinear o contexto contem-porâneo como aquele que tornou possível e con-tingente a educação on line e possibilitou o de-senvolvimento do web-documentário.

5.1 A colonização do “eu” nacontemporaneidade

O desenvolvimento da ciência e da tecnologiauniversalizou o homem contemporâneo e crioucondições objetivas para que ele fosse, a um sótempo, universal e tribal. . Evitando o debatedesgastado dos termos “modernidade” e “pós-modernidade”, Guiddens descreve a paisagemde alta modernidade, enquanto desenvolvimentode um projeto iniciado séculos atrás, na qual seperfilam possibilidades revolucionárias para no-vas experiências de vida social e pessoal. ParaGuiddens, o que facultaria o entendimento denosso presente seriam os mecanismos de desen-caixe dos sistemas sociais a partir da separaçãotempo-espaço radicalizados em termos de ritmoe escopo de mudança. Passamos, assim, a vi-ver num mundo em que relações se dão inde-pendentemente dos determinismos e tradições lo-cais. Tais transformações estão intimamente re-lacionadas ao desenvolvimento das novas tecno-logias da comunicação e informação que ganha-ram incremento a partir do movimento de aproxi-mação entre as diversas indústrias - equipamen-tos, eletrônica, informática, telefone, cabos, saté-lites, entretenimento e comunicação. Como emtodo momento de transição, ainda convivem va-lores deste mundo em transformação com os va-lores antigos, vinculados aos velhos paradigmasda sociedade moderna. Um elemento da moder-nidade ainda presente é a concentração do capitalna esfera do sistema mundial de comunicaçõesou ainda, o sistema de ensino que precisa ser re-pensado e integrar-se neste conjunto de transfor-mações.

Para o teórico Michel Foucault, aquilo que

chamamos de sujeito não é umdado, isto é, nãopreexiste aos seus próprios atos de fala: o selfnão pré-existe às formas pelas quais ele é reco-nhecido socialmente. Isso significa que - ao con-trário do que nos ensinaram as filosofias da cons-ciência - o sujeito que cada um de nós é não setornou assim a partir de um proto-sujeito, desdesempre natural e biologicamente ali presente. Narealidade, o sujeito foi sendo construído, mol-dado, iluminado, conscientizado, para ser, porfim e talvez, libertado na Modernidade. Surge,então, uma nova forma de agir no mundo con-temporâneo que começa a ser gestada em um ou-tro logos, não mais operativo, mas que tem naglobalidade e na integridade seus vetores maisfundamentais.

Um dos grandes problemas do mundo con-temporâneo se situa na esfera da educação: er-guer um sistema educacional que forme no su-jeito ativo o jovem profissional que viverá im-pregnado de comunicação em um mercado detrabalho em constante transformação. A educa-ção não pode permanecer apenas contemplando omovimento de transformação que está ocorrendona sociedade como um todo - incorporar os no-vos recursos da informática na educação não seconstitui como garantia de que se está fazendouma nova educação para o futuro. Ao contrário,observa-se que esta incorporação vem ocorrendo,basicamente, em uma perspectiva instrumental,com a simples introdução de recursos tecnológi-cos – considerados melhores - em velhas práticaseducativas. É necessário que haja uma integra-ção mais efetiva entre a educação e a informá-tica e isso só se dará se estes novos meios esti-verem presentes nas práticas educacionais comofundamento deste novo sistema educativo. A es-cola no mundo contemporâneo deve ser pensadaenquanto participante da construção desta socie-dade e não como uma resistência aos valores emdeclínio ou, ainda, como espectadora não-ativados novos valores em ascensão.

A partir do desenvolvimento da teleinformá-tica, a humanidade passou a viver a experiên-

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Web-documentário 33

cia de capturar e manipular a realidade objetivaem tempo real, causando uma verdadeira revo-lução no sentido e nas práticas do pensamentomoderno. No contemporâneo, a partir do resgateda natureza histórica do objeto da Razão, tornou-se inevitável o surgimento de um ambiente deregistro que transcendesse as limitações impos-tas pela escrita – o hipertexto. As ferramentasda web passam a ser reformuladas para atendere suprir as necessidades de um leitor produzidoà luz de um modelo novo de pensamento cientí-fico, “pós-moderno”, dirigido ao mundo em de-vir – asseqüencial e histórico. Isso acontece namesma proporção em que a escola ainda buscaformar um leitor passivo diante de um texto quetem uma lógica irrecorrível. Por outro lado, essemesmo jovem do mundo do pensamento cotidi-ano, usuário de hipertextos, busca intuitivamenteformar-se um leitor ativo, de um texto que lhefaculte interagir segundo suas diretrizes, com re-lação direta com o mundo, transitória e em temporeal.

5.2 As práticas de subjetivação nasociedade do controle

Em muitos dos seus ditos e escritos, Foucaulttrata da genealogia dos poderes, abordando, apartir de análises históricas, as tecnologias dopoder e a produção dos saberes na sociedadeocidental(18). Ocupa lugar central nesses estudosa idéia de que, historicamente, desenvolveram-sesociedades disciplinares, nas quais o poder, exer-cido sobre os corpos, obedece a técnicas e meca-nismos que organizam o sistema de poder e desubmissão: “...houve, durante a época clássica,uma descoberta do corpo como objeto e alvo depoder. Encontraríamos facilmente sinais dessagrande atenção dedicada então ao corpo - aocorpo que se manipula, se modela, se treina, que

18 Principalmente, emVigiar e Punir(1987) ;A Vontadede Saber(1988) e nos textos organizados por Roberto Ma-chado emMicrofísica do Poder. (1979).

obedece, responde, se torna hábil ou cujas forçasse multiplicam”(FOUCAULT,1987, p.125).

Segundo as teses foucaultianas, o poder estáfundamentalmente ligado ao corpo, em todas associedades modernas, uma vez que é sobre eleque se impõem obrigações, limitações e proibi-ções. É, pois, na “redução materialista da alma euma teoria geral do adestramento”que se instalae reina adocilidade. É dócil o corpo que podeser submetido, utilizado, transformado, aperfei-çoado em função do poder. EmVigiar e Pu-nir (1987, p.126) Foucault mostra que, nos sé-culos XVII e XVIII, junto com a aparição da artedo corpo humano, houve a descoberta do corpocomo objeto transformável em eficiência e alvodo controle. É o que ele denomina de “momentodas disciplinas”. Desde então, tem-se apenas va-riado as técnicas de submissão e controle. Os me-canismos disciplinares que organizam os corposnas prisões, nos hospícios, nos quartéis, nas em-presas, nas escolas, etc. tomam a forma socialmais ampla de uma sofisticada e sutil tecnologiade submissão (movimentos, gestos, silêncios queorientam o cotidiano).

Esse poder que se exerce sobre o corpo é inin-terrupto e, por isso, naturalizado, é internalizadopelo sujeito. A sociedade moderna construiu umamaquinaria de poder através do controle dos cor-pos (anatomia política), isto é, o corpo para fa-zer não o que se quer, mas para operar comose quer. É a tecnologia da disciplina fabricandoos corpos submissos. Essa anatomia políticadesenha-se aos poucos até alcançar um métodogeral e espalhar-se numa “microfísica do poder”que vem evoluindo em técnicas cada vez mais su-tis, mais sofisticadas e, com sua aparente inocên-cia, vem tomando o corpo social em sua quasetotalidade.

O advento da imprensa provocou mudançasnos métodos de coleta de dados, sistemas de ar-mazenamento e recuperação da informação, bemcomo as redes de comunicação utilizadas pelascomunidades cultas da Europa. Ao se basear emFoucault, podemos afirmar que a Internet atua

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como dispositivo sofisticado de produção de dis-ciplinarização, controle e difusão do saber e dopoder.

No entanto, afirma o pesquisador foucaultianoDidier Eribon, essa "disciplinarização"das socie-dades capitalistas não significa que os indivíduosque dela fazem parte passivamente repetem ges-tos de semelhança em casernas, escolas ou pri-sões; mas que a sociedade procurou um ajusta-mento cada vez mais controlado - cada vez maisracional e econômico - entre as atividades pro-dutivas, as redes de comunicação e o jogo dasrelações de poder. Se só houvesse a escraviza-ção, a submissão e a passividade, seria o “fimda História”. Apesar dessa "disciplinarização",do controle e da vigilância contínua, nenhum po-der é absoluto ou permanente; ele é, pelo contrá-rio, transitório e circular, o que permite a apari-ção das fissuras onde é possível a substituição dadocilidade pela meta contínua e infindável da li-bertação dos corpos. Tais formas de resistênciapodem se expressar em simples gestos, descober-tas ou novas propostas. O exercício do poder nãoé um fato bruto, um dado institucional, nem umaestrutura que se mantém ou se quebra; ao con-trário, ele se elabora, transforma-se, organiza-se,dota-se de procedimentos mais ou menos ajusta-dos.

Aos olhos de Foucault, na sociedade contem-porânea, as lutas giram em torno de uma mesmaquestão: a da busca da identidade. Elas são umarecusa às abstrações, uma recusa à violência doEstado econômico e ideológico que ignora quesomos indivíduos, e também uma recusa à inqui-sição científica e administrativa que determina anossa identidade. Em suma, o principal objetivodessas lutas não é o de atacar esta ou aquela insti-tuição de poder, ou grupo, ou classe ou elite, massim uma técnica particular, uma forma de poderque se exerce sobre a vida cotidiana imediata(19).Esse poder - contra o qual os sujeitos se digla-

19 Modernamente, a resistência transcende a noção declasse; daí porque é mais correto falar em “movimentos so-ciais”. Ao contrário das teses centralizadoras do marxismo,

diam em micro-lutas cotidianas - classifica osindivíduos em categorias, designa-os pela indi-vidualidade, liga-os a uma pretensa identidade,impõe-lhes uma lei de verdade que é necessárioreconhecer e que os outros devem reconhecer ne-les. É uma forma de poder que transforma osindivíduos em sujeitos(20). Adotando uma pers-pectiva geral, pode-se entender que há três tiposde lutas pela construção da identidade: a) aquelasque se opõem às formas de dominação (étnicas,sociais e religiosas); b) aquelas que denunciamas formas de exploração que separam o indivíduodaquilo que produz; e c) aquelas que combatemtudo o que liga o indivíduo a ele mesmo e asse-guram assim a submissão aos outros (lutas contraa sujeição, contra as diversas formas de subjeti-vidade e de submissão).

Longe de ser um autômato passivo, o sujeitovive numa constante tensão entre a aceitação dopoder e a insubmissão da liberdade. Assim, nãohá umaservidão voluntária, pois no coração darelação de poder, provocando-a sem cessar, está arelutância do querer e a intransitividade da liber-dade. Mais do que um antagonismo essencial, há,aí, um "agonismo- uma relação que é simultanea-mente incitação recíproca e luta, uma provocaçãopermanente.

Na interação com o web-documentário, o su-jeito não recebe as informações de maneira pas-siva. Diante da oportunidade de construção doscaminhos, a rede cria a possibilidade de insub-missão. Ao contrário das teses catastróficas deque a Internet cria cidadãos pacíficos, seus ins-trumentos podem provocar a criatividade, porexemplo, na relação web-documentário / agen-ciamento do conhecimento.

O ponto mais importante, para Foucault, é a ar-

em Foucault o poder e a resistência interagem um sobre ooutro, num movimento dialético permanente e infindo.

20 Foucault pensa em dois sentidos para a palavra "su-jeito": a) sujeito submetido a outro pelo controle e pela de-pendência e b) sujeito assujeitado à sua própria identidadepela consciência ou pelo conhecimento de si. Nos dois ca-sos, ela sugere uma forma de poder que subjuga e submete.

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ticulação entre relações de poder e estratégias deafrontamento, pois toda relação de poder implica,potencialmente, uma estratégia de luta, sem quepor isso elas se sobreponham, percam suas es-pecificidades e, finalmente, confundam-se. Re-lações de poder e estratégias de luta constituem,uma para a outra, uma espécie de limite perma-nente, um ponto de reversão possível. Ao mesmotempo, elas constituem uma fronteira: não é pos-sível haver relação de poder sem pontos de in-submissão que, por definição, lhe escapam. Emsuma, toda estratégia de afrontamento sonha emtransformar-se em relação de poder; e toda rela-ção de poder pende, na medida em que ela se-gue a sua própria linha de desenvolvimento e queevita as resistências formais, a tornar-se estraté-gia “vitoriosa”.

Entre relação de poder e estratégia de luta,há, constitutivamente, apelo recíproco, encade-amento indefinido e trocas perpétuas. Neste as-pecto, levanta-se a seguinte proposição: qual aestratégia de luta para um país como o Brasil emque o acesso à Internet é limitado a poucas pes-soas? Isso cria o que tem sido chamado de anal-fabetismo digital – um grande número de brasi-leiros que está alijado das tecnologias contempo-râneas e dos conhecimentos que elas propiciam.A adoção das novas tecnologias no ensino for-mal pode ser um forte instrumento de resistên-cia contra o poder que pretende separar, classifi-car e excluir aqueles que não dominam as novastecnologias. Tendo isso em vista, pode-se pen-sar inversamente e colocar a seguinte questão:será que a Internet é apenas instrumento de ex-clusão? Não é possível um movimento que leveà escola essas novas formas de conhecimento? OWeb-documentário pode ter papel importante nadisseminação do conhecimento, enquanto instru-mento que destrói a exclusão. De acordo como antropólogo Thomas Voorter, gradativamenteos conhecimentos de multimídia serão tão im-portantes para as escolas quanto os conhecimen-tos de escrita e leitura são hoje em dia. Voor-ter acredita que apesar do lento desenvolvimento

tecnológico, o principal desafio atual é estabele-cer uma educação voltada à Internet e multimí-dia. Segundo ele, muitas empresas holandesasdoam computadores para as escolas por meio deparcerias, como forma de diminuir a exclusão di-gital.

Ao aninhar-se do ciberespaço, o documentá-rio forma o circuito de sua recepção, pois passaa depender dos equipamentos de transmissão dedados. Assim, o web-documentário possui umolhar instrumentalizado, de quem deve possuiros aparelhos para a recepção da informação e, aomesmo tempo, dominar a técnica de captação dosdados que lhe são transmitidos via Internet. Acomunidade de leitores instrumentalizados aindaé reduzida. Os caminhos para o conhecimentosão múltiplos, mas seguem uma trilha básica se-melhante: partem do concreto, do sensível, doanalógico na direção do conceitual, do abstrato.Segundo Voorter, há uma seqüência lógica quedeveria ser respeitada para que o aprendizado emteleinformática fosse efetivo. No primário, as cri-anças deveriam aprender habilidades informáti-cas na sala de aula na Internet, para que se fa-miliarizassem com os aplicativos como o mouse,a tela do computador, a janela. A partir dessesconhecimentos, os alunos possuem habilidadespara explorar as publicações interativas – comoo web-documentário - internalizando os conhe-cimentos que foram explorados ao longo da mí-dia: palavra, som e imagem. O próximo passo,segundo Voorter, é adquirir os tais conhecimen-tos de multimídia - processamento de palavras,edição de som e imagem, produção e publicaçãode documentos interativos. Finalmente, o antro-pólogo elege como importantes para os conheci-mentos de informática os sistemas de colabora-ção, o ativismo on line e a participação em co-munidades virtuais. Dessa maneira, quanto maisse superpõem os caminhos para o conhecimento,mais facilmente se consegue atingir a todas aspessoas e relacionar melhor todas as possibilida-des de compreensão. O conhecimento integrado

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depende cada vez mais da valorização do senso-rial. (KELLNER, on line).

É evidente que tais suposições não podem serpensadas como a solução para as desigualdades,para as diferenças. Uma sociedade em que to-dos e cada um encontrassem seus lugares em umarede de significações seria uma sociedade está-tica, paralisada e, portanto, só poderia ser con-cebida abstratamente. As sociedades são sempreconstantes construções de suas próprias referên-cias: como as lutas pelo poder são lutas por fi-xação de significados, tem poder quem detém oscanais de produção e circulação de informações.Os momentos de crise, de acordo com Gilles De-leuze, são momentos de fragmentação deste po-der, em que muitos “falam” e há uma grandequantidade de significados flutuantes, como queà espera de serem articulados em cadeias sig-nificantes. A própria Internet é um poderosocanal de produção e circulação de informações.O web-documentário possibilita um processo deleitura em telas que se tornam teias. O acesso àInternet é o acesso às realidades por meio do clás-sico clique no mouse, demonstrando uma a ins-crição de estrutura subjetiva na dimensão amorfado cotidiano, formas de leitura e de escrita, for-mas de virtualização e de atualização sucessi-vas. Assim, há à apropriação de um espaço queconduz o leitor de um texto a outro sucessiva-mente. Tal leitura em camadas constitui a polifo-nia do web-documentário, pois a disponibilidadede links permite que o leitor acesse outros textose significados. Assim, os recursos da hipermí-dia acabam por oferecer possibilidades de com-plementação dos assuntos e o web-documentárioadquire extrema importância no arquivamento edisseminação de informações.

Em seus últimos livros que compõem a “his-tória da sexualidade”, Foucault se volta para adiscussão da subjetivação. Alguns críticos en-tenderam que Foucault, que propusera a “mortedo homem”, estava agora restaurando o sujeito.Entretanto, o que Foucault entende por “subjeti-vação” é a produção dos modos de existência ou

estilos de vida. Foram os gregos, segundo Fou-cault, que instituíram a subjetivação e na moder-nidade há formas múltiplas de produção de indi-vidualidades. Como afirma Deleuze, para Fou-cault os processos de subjetivação não são, demodo algum, a constituição de um sujeito, masa criação de modos de existência, que Nietzs-che chamava de “novas possibilidades de vida”,e cuja origem ele também remontou aos gregos.O web-documentário enquanto ferramenta acabapor possibilitar, por conta de tais característicasintrínsecas, a produção de novas identidades como acesso instantâneo ao conhecimento e seus re-flexos nos sujeitos contemporâneos.

Como nos mostrou o filósofo, cada um de nós,enquanto sujeito, é o resultado de uma fabricaçãoque se dá no interior do espaço delimitado pelostrês eixos da ontologia do presente, a saber: oseixos do ser-saber, do ser-poder e do ser-si. Sãoos dispositivos e suas técnicas de fabricação - deque a disciplinaridade é um forte exemplo - queinstituem o que chamamos de sujeito. Nesse sen-tido, cada um faz não o que quer, senão aquiloque pode, senão aquilo que lhe cabe na posiçãode sujeito que ele ocupa no diagrama, num dadomomento. O diagrama não é o destino, ele nãoestá desde sempre posto, ele não é estável. Jus-tamente porque é contingente, o diagrama se al-tera; a rede está sempre se rompendo, aqui e ali,de modo que o ponto que cada um ocupa estásempre sujeito a variações.

O corpo é o objeto das disciplinas; não apenasenquanto alvo das ações disciplinares, mas tam-bém enquanto sede capaz de pensar de uma ma-neira ordenada e representacional e, por aí, capazde dar um sentido particular àquilo que pensa. Adisciplinaridade passa a funcionar como uma ma-triz de fundo que, por si só, impõe ao corpo de-terminados códigos de permissão e de interdiçãoe maneiras muito peculiares de pensar o mundo.

No plano da Teoria Política, o novo uso dasdisciplinas instaura um novo tipo de poder ab-solutamente imprescindível para que a lógica docódigo de soberania dê lugar à lógica do có-

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Web-documentário 37

digo de normalização. Isso que Foucault cha-mou de “governamentalização” consistiu no des-locamento de um poder pastoral exercido pelosoberano para um poder pastoral difuso no Es-tado. Tal não teria acontecido se cada indivíduonão pudesse olhar disciplinarmente para si e porsi mesmo. Por aí, então, chega-se ao plano dosujeito. Tanto as práticas quanto os saberes dis-ciplinares colocam em ação técnicas que come-çam a mudar, a partir do Renascimento, o vetorda individualização. No Estado de Justiça, elaé máxima nas frações superiores: quanto maispróximo ao soberano-rei-pastor, maior o nome,mais notáveis os feitos, mais fortes e claros os li-mites do indivíduo. Quanto mais afastado dessasfrações superiores, quanto mais junto aopopolograsso, menores esses limites e menos nominadocada indivíduo. No Estado de Governo, o vetorse inverte: o poder se capilariza, a individualiza-ção atinge a todos, todos têm nome, cada um temseus limites, um lugar a ocupar; cada um é umcaso. A notabilidade, não tendo como se esten-der a todos, é substituída pela normalização, essainvenção que indica quem está e quem não estádentro dos limites que ela mesma determina, essainvenção que separa uns e outros em normais eanormais. Isso implica constantes classificaçõessegundo retículos que definem que, para cada cri-tério, uma coisa é aquilo que as outras coisas nãosão.

Foram as disciplinas que permitiram a subs-tituição da individualidade rara dos memorá-veis pela individualidade comum dos calculá-veis. Mas, para que tudo isso não precise serimposto - o que exigiria consideráveis custos so-ciais, econômicos e pessoais -, é preciso que cadaum aprenda a calcular a si mesmo, ou seja, quecada um se posicione, a si mesmo, nos muitos emuitos retículos disciplinares que cada vez pro-liferam mais. É aí que se estabelece, então, todoum conjunto de dispositivos e respectivas tecno-logias para ensinar cada um de nós a se calcularcomo um objeto-de-si-mesmo.

É claro que, numa perspectiva foucaultiana,

não se deve pensar em tais dispositivos e respecti-vas tecnologias como invenções negativas, inten-cionais, cruéis, desumanas, conspirativas, regres-sivas ou a serviço do mal. Ao contrário, disposi-tivos e tecnologias disciplinares devem ser pen-sados em suas positividades, dado que são pro-dutivos. Aqui, positividade e produtividade nãodevem ser tomadas no sentido moral, senão comoatributos de algo que produz efeitos, que fabricacoisas.

A disciplinaridade é, pois, um conjunto de téc-nicas de subjetivação. Por exemplo, a educa-ção escolarizada é um imenso e eficiente dispo-sitivo encarregado de tanto disseminar a fabrica-ção de um novo indivíduo numa nova configura-ção social, quanto de fazer várias conexões en-tre poder e saber. Como engrenagens dessa am-pla maquinaria escolar, há a invenção e o papeldo currículo, a invenção da criança, da infânciae da própria Pedagogia - ela mesma uma disci-plina fortemente prescritiva. Há que se observar,ainda, a função duplamente disciplinadora do al-fabetismo. Daí decorrem aspectos disciplinado-res dos projetos educacionais calvinista e jesuí-tico, da arquitetura escolar, da avaliação, dos di-ferentes tipos de escolas (reformatórios, orfana-tos, colégios, etc.), dos diferentes cenários esco-lares (sala de aula, gabinetes, seminários, labora-tórios, etc.).

Discutindo a fabricação do sujeito, Foucaultdisse: "As ’Luzes’ que descobriram as liberda-des inventaram também as disciplinas"(p.195).A Escola – enquanto instituição responsável peladisseminação do conhecimento – foi uma inven-ção da sociedade burguesa do iluminismo. Aescola se encarrega de educar a todos, no sen-tido da adesão ao formalismo. Deve-se reconhe-cer, então, o outro lado da escolarização, evi-denciando que a escola tenha colaborado de-cisivamente para o processo de normalização,tornando-se mais um lugar de adestramento.

O fato de ser produto da sociedade capita-lista deu a ela certas características e norteousuas concepções sobre o ensino-aprendizagem.

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A contemporaneidade e a sociedade do controletrouxeram modificações nas formas de compre-ender a construção do conhecimento. É nessecontexto que podemos pensar o papel da educa-ção a distância e o web-documentário como umaferramenta sócio-construtivista típica da contem-poraneidade.

5.3 A Internet como escola “semparedes”

A educação - com advento das tecnologias queintegram sons, textos, imagens, animações e in-formações com recursos multimídias – tem a apa-rência transformada a cada instante. Entretanto, asimples incorporação de tremendo arsenal tecno-lógico não implica na garantia de melhoria no pa-drão pedagógico desenvolvido nos sistemas for-madores. Os meios eletrônicos,a priori, resol-vem os problemas da informação e não da forma-ção. Tal constatação é particularmente pertinentequando pensamos que as novas tecnologias, emsi, não podem provocar mudanças na forma de seensinar e aprender. Uma educação que se baseiena transmissão de conhecimentos, no aluno quese limita a assimilar aquilo que o professor e ocurrículo sugerem como adequados, continuare-mos a ter um alto grau de dependência do alunoem relação ao saber, à orientação e à autoridadedo professor enquanto responsável pelo ato edu-cativo. Em contrapartida a esta situação educaci-onal vigente em grande parte das instituições deensino, uma abordagem inovadora propõe um en-foque pedagógico que oferece a possibilidade dere-conceituar a educação e modificar a utilizaçãodas tecnologias educacionais contemporâneas.

O conceito de aprendizagem sempre esteve in-timamente ligado ao indivíduo. Aprendizagemé o processo pelo qual o indivíduo, inserido nocontexto social, elabora uma representação pes-soal do objeto a ser conhecido. Tal relação acon-tece no confronto dos conhecimentos anterioresdo sujeito com a realidade histórica e cultural-mente determinada. Dessa maneira, o conheci-

mento não só é transmitido de uma geração aoutra, mas também evolui com novas representa-ções. Tais representações mentais do mundo sãoconstruídas em função das novas experiências einterpretações da realidade realizadas por cadasujeito. Logo, o conhecimento está em constantetransformação e atualização. Apesar de parecerconsagrado, tal concepção do ato de aprender érecente e ainda não totalmente aceita por todos.

Historicamente, o conceito de aprendizagemfoi associado à aquisição de fatos, valores e con-dutas acumulados no interior do aprendiz, trans-mitidos por meio dos ensinamentos e veiculadosdurante a educação formal ou informal. SegundoDeschênes, as práticas educativas, sejam elas de-senvolvidas de maneira presencial ou a distância,se apóiam em modelos tradicionais. Essa con-cepção ficou conhecida como condutivismo oubehaviorismo. Tais modelos, denominados beha-vioristas clássicos, apenas reproduzem os pro-blemas do ensino presencial pois, fragmentado edissociado dos contextos reais, não se encaixamnas necessidades atuais de formação do profissi-onal contemporâneo.

Segundo os condutivistas, na medida em queos sentidos projetam a realidade na mente, o co-nhecimento é adquirido como uma tábula rasa.Nesta corrente, o corpo humano é estudado comoum conjunto de elementos unidos por regras sin-táticas e por princípios de correspondência e aaprendizagem está baseada no condicionamentohumano (estímulo-resposta) sem a interferênciados processos mentais na elaboração dos concei-tos. Disso decorre a suposição de que a apren-dizagem é controlada fora do indivíduo, já queo aprendiz recebe estímulos externos como umatábula rasa, de forma passiva e incontestável. Apartir desse conceito de sujeito-aprendiz comoum ser passivo, os valores dos alunos e as di-ferenças individuais entre os aprendizes não sãoconsiderados no processo de aprendizagem e, porisso, julga-se necessária a padronização do con-teúdo e das atividades. A descontextualizar esimplificar tarefas são pontos centrais do condu-

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tivismo. Nestas linhas de concepção, as necessi-dades de aprendizagem e os interesses do indiví-duo são desconsiderados.

Esse paradigma pedagógico, atuante nas déca-das de 30 e 50, foi superado por um enfoque maisatual da psicologia científica: o cognitivismo- ao trazer mudanças nas teorias de aprendiza-gem e de construção do conhecimento. Para oscognitivistas, o conhecimento é produzido comouma construção mental e individual do sujeito,numa relação que envolve o conhecimento exis-tente com o conhecimento novo. Os cognitivis-tas preocupam-se com o trabalho da mente noprocessamento e na transformação da informa-ção desenvolvida na aprendizagem. No interiordessa concepção cognitivista, consolida-se a hi-pótese de que a mente processa informações pormeio de operações semelhantes à de um compu-tador.

Dessa concepção de aprendizagem – que, aprincípio pode se mostrar mecanicista e tecni-cista – derivou uma das mais fecundas correntescontemporâneas sobre a educação: o construti-vismo. Ela tem suas raízes na observação de quea nova dinâmica social - englobando a flexibiliza-ção produtiva, as novas formas de organização dotrabalho e a revolução tecnológica – propõe umnovo sujeito do conhecimento, detentor de maisautonomia e em constante processo de aprendi-zagem. Pela sua sintonia com as mudanças so-ciais, o construtivismo vem suplantando méto-dos antiquados e se estabelecendo como um pa-radigma dominante no processo educativo atual.Ao partir de autores consagrados como os teó-ricos do construtivismo, Vygotsky e Piaget, ede suposições de Jonassen, pode-se considerarcomo a premissa fundamental do construtivismoo aluno/profissional como sujeito ativo do seupróprio conhecimento. Tal enfoque se diferencia,principalmente, ao promover a capacidade críticado aluno, criando subsídios para que este possaavaliar, reunir e selecionar. Dessa maneira, oaluno é capaz de organizar informações de formacriativa e intervir em problemas do contexto real.

O indivíduo utiliza-se de seu conhecimento ante-rior, de suas habilidades, da interação e negoci-ação de experiências e significados socialmenteconstituídos para construir símbolos e represen-tações da realidade.

Somente no interior dessa nova concepçãode aprendizagem – o construtivismo – é pos-sível pensar em uma ferramenta como o web-documentário. Pelas suas características, oaprendiz precisa ter relativa autonomia, precisaelaborar o conhecimento e construir suas hipó-teses, isto é, precisa participar do processo deaprendizagem.

Influenciado pelos trabalhos de Piaget, o cons-trutivismo destaca-se pelo fato de considerar osujeito como construtor do conhecimento. Paraos construtivistas, a aprendizagem é um processode reestruturação de conceitos prévios existen-tes em cada indivíduo. Logo, ao aprender umconceito, novas interpretações são construídas.Nesse sentido, o conceito não pode ser definidoapenas por seus atributos, mas a partir de um co-nhecimento anterior que estabelece uma interco-nexão com outros conceitos. Logo, Piaget parteda premissa de que o conhecimento é sempreuma reestruturação de um conhecimento prévio.No web-documentário, as interconexões de co-nhecimentos são feitas por mecanismos de na-vegação, porlinks, pela associação entre pala-vras e imagens, por bancos de dados – isto é, in-formações disponibilizadas no site mas que exi-gem que o aprendiz organize, desenvolva os la-ços, traga para a aprendizagem seus conhecimen-tos anteriores, posicione-se diante da construçãodo conhecimento. Assim, a leitura em cama-das constitui a polifonia do web-documentário,já que a disponibilização de links permite que oleitor acesse outros textos e significados. Dessaforma, o hipertexto oferece possibilidades decomplementação dos assuntos, resgatando me-mórias que estão em outros ambientes da rede.

Além da fundamentação nos estudos de Pia-get, o construtivismo possui raízes na psicologiade Vygotsky. Enquanto Piaget considera o co-

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nhecimento como um processo consciente numaação do sujeito sobre o mundo e sobre si mesmo,Vygotsky ressalta o papel das interações sociaisna aprendizagem.

Influenciado pela tradição Kantiana que afirmaque “a razão só entende aquilo que produzsegundo seus próprios planos” (KANT, 1989,p.31), o construtivismo trata de um enfoqueteórico que aborda o conhecimento como umaconstrução humana de significados na interpreta-ção do mundo. O web-documentário apresenta,como em todo texto, uma visão de mundo, base-ada na interpretação dos dados sociais. No en-tanto, ao contrário dos materiais convencionais,os recursos de navegação ampliam as potencia-lidades significativas: o aprendiz tem à disposi-ção uma heterogeneidade de textos que precisamanipular e ele deve ser crítico, criar seus cami-nhos de leitura (já que há inúmeras maneiras deler e, assim, adotar posição crítica). Sendo assim,como uma caixa dentro de uma caixa dentro deuma caixa, sucessivamente, constroem-se várioscaminhos, vários níveis de relações intertextuais,em páginas que se sobrepõem. O suporte hiper-textual permite ao navegador uma leitura não li-near, na qual ele se engaja em um processo deinterconexões que podem levá-lo tanto para o in-terior do próximo espaço quanto para outros tex-tos em outros lugares do ciberespaço.

A posição crítica do aprendiz diante do web-documentário, assim, vem ao encontro daquiloque Piaget entende como o processo de “equi-libração”, em que a aprendizagem ocorre medi-ante desequilíbrios ou conflitos cognitivos. Deacordo com ele, na realidade os sujeitos se de-frontam com os conhecimentos novos e sofremum desequilíbrio nos esquemas cognitivos (co-nhecimentos prévios). Após este estranhamentoinicial, há o processo de assimilação, ou seja, ainterpretação da informação nova com base nareferência anterior. Finalmente, há a acomoda-ção, momento em que ocorre a adaptação de no-vos conceitos ou idéias às suas estruturas existen-tes, modificando-as. Tal processo, caracterizado

como construção de conhecimento, enfatiza quea aprendizagem acontece mediante a reorgani-zação dos esquemas cognitivos, produzindo mu-danças e integrando-se às novas estruturas con-ceituais do indivíduo.

No entanto, essa construção do conhecimentonão é algo que se processe apenas “no interior”do sujeito, pois a aprendizagem é tipicamente umfato social. De acordo com Vygotsky (1998), ohomem é impulsionado por necessidades de ad-quirir novos conhecimentos, de ser coerente comvalores éticos e princípios políticos, que são co-locados e incorporados pela sociedade ao longode sua vida até a morte. Tais motivações qua-lificam o processo do conhecimento a partir deordens sensoriais e racionais.

O indivíduo torna-se membro de uma soci-edade a partir de seu nascimento, vivendo emmeio a um mundo constituído por um universode símbolos -socialização primária. Na medidaem que se desenvolve, ele percebe a diversidadede saberes no mundo -socialização secundária.O conhecimento, neste caso, é a construção re-alizada por meio da mediação entre o sujeito eo mundo, ou seja, constrói-se uma representaçãopessoal da realidade – a realidade subjetiva – e aconfronta constantemente com a realidade obje-tivada socialmente.

Dessa maneira, o web-documentário atuacomo mediação entre o sujeito e o mundo. Di-ferentemente dos materiais tradicionais, o web-documentário caracteriza-se pela diversidade demeios. O fluxo não seqüencial do texto na tela,sua descontinuidade, suas fronteiras invisíveis le-vam o olhar para várias dimensões, instituindo asimultaneidade, as imagens em movimento cri-ando a ilusão de referencialidade. Tal diversi-dade de recursos possibilita ao aluno aprofunda-mento nos assuntos. Segundo Lisa Spiro, “o web-documentário é capaz de ajudar os estudantes adarem sofisticação aos conhecimentos que pos-suem de suas próprias comunidades”. (entrevistaem anexo)

Na construção de conceitos, o indivíduo dis-

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põe de duas vias: os conceitos adquiridos a partirdas experiências vividas no cotidiano e os con-ceitos adquiridos por meio da instrução, cons-cientização e sistematização. O primeiro se de-senvolve da experiência para a teoria. O se-gundo, do abstrato para o concreto. A aprendiza-gem é, dessa maneira, fruto das interações com omundo, concebida por meio do processo de inter-nalização das ações sociais, transformando-as emações intrapessoais. Por isso, o conhecimento so-fre influência daquele conhecimento acumuladono mundo pela cultura e transmitidos por meioda instrução e também pela re-significação coma formação de novos conceitos significados.

O web-documentário constitui uma nova rela-ção entre o sujeito e a realidade, na qual o sabertransita entre o confronto e a negação da reali-dade objetivada socialmente, o que irá resultar namodificação da percepção que o sujeito tem do“real empírico”. Em tal processo, a realidade éconstruída e reconstruída no confronto das idéiasmaterializadas pelos mecanismos da web. ParaVygotsky (1998), a cultura “é parte constitutivada natureza humana, já que sua característicapsicológica se dá através da internalização dosmodos historicamente determinados e cultural-mente organizados de operar com informações”(REGO, 1995,p.42). O novo suporte informati-zado determina uma nova maneira de o sujeitooperar com as informações: diante da tela docomputador, o ser humano se individualiza e sefaz sujeito de seu conhecimento em relação comum outro (virtual, imaterial), resultando desse en-contro a re-significação de suas experiências cul-turais. Assim, o web-documentário é um ins-trumento que transforma a mediação do sujeitocom o mundo, transformando, por conseqüência,a unidade do pensamento e do intercâmbio cultu-ral na (re)-construção da realidade.

Transforma-se, dessa maneira, a relaçãosujeito-aprendiz com a memória cultural na me-dida em que ele tem que reorganizar as informa-ções, no web-documentário, o sujeito precisa re-construir oslinks entre as informações do pre-

sente com as do passado. Como em um jogo deespelhos, ele é convidado a entrar num quebra-cabeça de informações cruzadas cuja coerênciatem que ser reconstituída. A não-linearidade doscaminhos de leitura das informações é centralno web-documentário. Visto assim, o hipertex-tual configura o web-documentário como um la-birinto no qual o autor edificou a possibilidadede várias rotas, inscreveu suas marcas de maneiraicônica, deixando ao leitor a tarefa de encontraras saídas.

Como em um processo que amalgama senti-dos semióticos verbal e não verbal, os links seencontram estruturados mas não determinam to-talmente a interpretação dos sentidos que vãosendo construídos. Só podem oferecer infini-tas possibilidades de conexões favorecendo a fle-xibilização das fronteiras e acabando por apro-ximar as diferentes áreas do conhecimento. Oweb-documentário pode se constituir, pois, emuma ferramenta imprescindível a uma concepçãosócio-construtivista de educação.

No enfoque construtivista, o trabalho coopera-tivo é visto como uma possibilidade permanentede trocas de experiências individuais. O reco-nhecimento do outro como aquele que detém osaber diferente, interdisciplinar e complementar,logo, importante na construção de sentidos com-partilhados é condição fundamental para a apren-dizagem. De acordo com Jonassen, no trabalhocooperativo “os alunos trabalham naturalmentena construção da aprendizagem e do conheci-mento construindo comunidades enquanto forne-cem apoio moral e observam as contribuições decada membro”. (1997). Esse enfoque muda opapel dos professores, que passam de detentoresunilaterais do conhecimento a terem postura deorientadores ou facilitadores pedagógicos. As-sim, em vez de depositários do saber, eles pas-sam a se preocupar em prover ambientes e fer-ramentas que facilitem os alunos a interpretar asmúltiplas perspectivas de análise do mundo real,possibilitando a construção de suas próprias pers-pectivas. Essa relação dialógica - por meio da

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participação ativa dos aprendizes no seu processode crescimento cognitivo e afetivo - leva o alunoa aprender, construindo seus próprios significa-dos. Isso ocorre, por exemplo, no ensino a dis-tância, em que uma das premissas é o conceitode “aprender a aprender”.

A construção do conhecimento se dá mediantea interação dos homens por meio da linguagem.O indivíduo aprende a viver no universo de sím-bolos da sociedade objetiva partindo das condi-ções que esta lhe proporciona para asocializa-ção. Esse universo simbólico, segundo o teó-rico Vygotsky, é transmitido de geração a gera-ção por meio de diferentes estratégias contidasnos sistemas formais e não formais da educação,expressos principalmente nos sistemas de ensino,nos conteúdos escolares e nas estruturas familia-res, com o intuito de que ele elabore representa-ções individuais da realidade (subjetiva) e as con-fronte com a realidade objetivada socialmente.

O sistema de ensino tem papel fundamentalna formação de conceitos, facilitando o acessoao conhecimento científico construído e acumu-lado sistematicamente pela humanidade em fren-tes que não estão presentes na vivência direta doaprendiz. Por isso, a eficácia da aprendizagemdepende de várias dimensões (sociais, éticas, téc-nicas, históricas, psicológicas) e, conseqüente-mente, necessita que sejam convergidas diferen-tes áreas do conhecimento para sua efetiva reali-zação. Para a formação de um sujeito crítico é ne-cessário colocá-lo em contato com instrumentosque lhe forneçam informações relevantes sócio-culturalmente, a fim de que possa atuar cons-truindo conhecimentos indispensáveis à sua in-tervenção na realidade. Assim fazendo, permite-se que ele desenvolva a capacidade para planejar,acompanhar, refletir, confrontar as situações darealidade e avaliar o próprio processo de cons-trução do conhecimento. Coloca-se novamenteem pauta o confronto entre o conhecimento exis-tente e o conhecimento novo, chamado por Pia-get deconflito cognitivo– “desequilibração”, as-similação e acomodação: como os conteúdos são

capazes de alterar os conhecimentos prévios, po-demos afirmar que um dos intuitos da educaçãoé que os esquemas de conhecimentos se modifi-quem e a aprendizagem torne-se significativa.

Para que essa aprendizagem se efetive, é ne-cessário um ambiente construtivista, em que astecnologias sirvam aos alunos como auxílio aodesenvolvimento do pensamento reflexivo, cola-borativo e ativo no desenvolvimento do processopedagógico. Para Jonassen (1997), tais caracte-rísticas são inter-relacionadas e interativas e de-vem ser usadas de maneira a configurar solidezao processo educativo. Esse ambiente de apren-dizagem envolve a criação de contextos signifi-cativos e genuínos que envolvem três caracterís-ticas: a interatividade, a cooperação e a autono-mia.

Os ambientes construtivistas de aprendizagemsão espaços onde ocorre a articulação de uma sé-rie de atividades e recursos, possibilitando que oaluno colete, interaja, interprete e manipule in-formações. Neste ambiente, as ferramentas pe-dagógicas devem estar disponibilizadas de ma-neira flexível e articuladas de modo a propicia-rem a comunicação e o diálogo com os orientado-res ou com outros sujeitos do processo de apren-dizagem. Esta articulação compõe uma comuni-dade de aprendizagem, onde todos criam proje-tos e atividades e fazem circular o conhecimentoconstruído. Esses ambientes são, portanto, es-paços capazes de reinventar laços sociais, desen-volvendo competências em torno de coletivida-des de forma cooperativa. Tal conceito é impor-tante para caracterizar, modelar e recriar opçõesde recursos educativos com o uso das tecnolo-gias contemporâneas da comunicação agregadasà informação. O uso do web-documentário comoferramenta construtivista de aprendizagem se fazpertinente já que, para que se desenvolva a apren-dizagem construtivista não é preciso apenas doenfoque conceitual, mas, ainda, que o ato educa-tivo se insira em um sistema de relações de fer-ramentas e de meios dinâmicos, institucionais eprocessos mentais de indivíduos socialmente es-

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Web-documentário 43

truturados, em que seus princípios possam serexercitados e avaliados.

Em um programa educacional com enfoqueconstrutivista, deve-se oferecer ao aluno a possi-bilidade de construção como um sujeito ativo noprocesso de conhecimento. O desenvolvimento éfruto da relação interativa, construtiva, reflexiva ede processos autônomos de aprendizagem. Paraque se compreenda a relação pedagógica midia-tizada e para que se reflita sobre este modelo, éessencial que se avalie a possibilidade do desen-volvimento das categorias de interatividade, coo-peração e autonomia e como essas categorias sãodefinidas nos processos de aprendizagem. Logo,é necessário que se entendam suas característicase a maneira como são inter-relacionadas em umambiente construtivista.

Interatividade– a construção do conhecimentopropiciada por meio do diálogo comunicacionalentre aprendiz, sujeitos envolvidos no processo,ambiente e suas ferramentas, refletindo a reali-dade sob várias perspectivas;

Cooperação – pressupõe a construção dacomunidade de aprendizagem, levando-se emconta as diferenças individuais e fazendo comque essas diferenças sejam consideradas peçaschaves para a realização dos projetos coletivos eindividuais;

Autonomia – fruto da aprendizagem,desenvolve-se com a prática educativa eressaltando a independência na realização deproblemas socialmente estruturados.

Enquanto paradigma teórico, o construtivismovem redefinindo o modelo de aprendizagem. En-tretanto, sua aplicação efetiva ainda necessita deestudos, análises, e divulgação de resultados quepossam motivar a implantação de reais mudançasna prática educativa. Desenvolver ambientes querealmente sejam espaços construtivistas de edu-cação é um desafio ainda pouco exercitado.

Principalmente voltada para a população

adulta em educação permanente, a utilização deambiente de aprendizagem por meio da tecnolo-gia contemporânea serve, principalmente, àque-les que ainda exigem constante adaptação tecno-lógica. Ressalta-se, neste contexto, a importân-cia de processos de aprendizagem autônomos eauto-dirigidos.

Por influência da nova visão de Educação, Mi-chael Moore sugere profundas modificações naconcepção da EAD caracterizado pela constantebusca do desenvolvimento da autonomia peloaluno na coleta e seleção de informações que pre-tendam suprir suas necessidades.

Como ressalta Knowles, “a experiência deaprendizado de um adulto deve ser um processode busca auto-dirigida, com os recursos do pro-fessor, dos alunos e os recursos materiais colo-cados à disposição dos alunos e não impostos aeles” (1980, p.13). Portanto, não se podem su-primir as habilidades e competências do apren-diz por um controle externo que predeterminaos objetivos, forma e metodologia. No web-documentário isso se dá por meio do efeito desentido de cancelamento do espaço e tempo, ob-tido pelo uso da imagem. Constrói-se um dis-positivo que permite, no mesmo suporte, a re-cepção da palavra, da imagem, do movimento edo som, resultando em um texto sincrético queexige do leitor uma competência inter-semióticaque o habilite a ler o sincretismo de diferentessistemas. Segundo Thomas Voorter, “os web-documentários são valiosos na medida em quetêm potencial de proporcionar o conhecimentoao longo do mundo globalizado. Certamente, odesafio nesta grande rede é estimular os cami-nhos e jornadas intelectuais por meio da intera-ção e informação arquitetada”. (entrevista emanexo)

As experiências iniciais de educação utili-zando a Internet e outras tecnologias, no entanto,fundamentam-se em educação enquanto trans-missão de conhecimento, ou seja, como adestra-mento. Apesar de incorporar recursos das no-vas tecnologias, segundo Jonassen, mantêm-se os

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postulados de base do condutivismo: o aprendizé visto como uma tabula rasa, em que a produ-ção do conhecimento independe da sua experiên-cia prévia; o conhecimento é produzido de formadescontextualizada, cabendo ao aluno aprender eesperar para provar a aprendizagem.

Na educação não presencial tradicional, busca-se superar ausência da relação face a face pormeio de informações objetivas de forma a trans-ferir conhecimentos. Em tal paradigma, o pa-pel do aluno é "secundarizado"ao aprenderempor meio de estratégias pré-determinadas no con-teúdo e na forma, cabendo-lhe apenas respon-der corretamente aos exercícios propostos. Nessetipo de educação, identificam-se pressupostos doparadigma condutivista pela presença de concei-tos como: instrução, transmissão, objetividadedo ensino, industrialização, centralização, con-teúdos assimiláveis e métodos de instrução. Essaconcepção condutivista de aprendizagem está nabase da visão de muitos teóricos do ensino a dis-tância como, por exemplo, Otto Peters: “O en-sino/educação a distância é um método de trans-mitir conhecimentos, habilidades e atitudes, ra-cionalizando, mediante a aplicação da divisãodo trabalho e de princípios organizacionais, as-sim como o uso extensivo de meios técnicos, es-pecialmente para o objetivo de reproduzir ma-terial de ensino de alta qualidade, o que tornapossível instruir um grande número de alunos aomesmo tempo e onde quer que vivam. É umaforma industrial de ensinar e aprender.” (PE-TERS, 1973, p.206).

Para a concepção construtivista da aprendiza-gem, ao contrário, ao utilizar ferramentas queconsigam suprir as necessidades de interativi-dade do aluno, o ambiente de aprendizagem setorna dinâmico e contextualizado. Por isso, naformação não presencial surgem novos papéispara este aluno como protagonista de sua pró-pria aprendizagem, por meio da autonomia, daflexibilidade, de novas atitudes: “A formação adistância é o produto da organização de ativi-dades e de recursos pedagógicos dos quais se

serve o aluno, de forma autônoma e seguindoseus próprios desejos, sem que lhe seja impostosubmeter-se às limitações espaço-temporais nemàs relações de autoridade da formação tradicio-nal.” (HENRI, 1985, p.35).

Ou, ainda, conforme José Luís Garcia Lla-mas, a educação a distância, quando pensada emtermos sócio-construtivistas,“é uma estratégiaeducativa baseada na aplicação da tecnologiaà aprendizagem, sem limitação do lugar, tempo,ocupação ou idade dos alunos. Implica novospapéis para os alunos e para os professores, no-vas atitudes e novos enfoques metodológicos”.(1986, p.25)

Após essa nossa breve reflexão sobre os para-digmas que embasam a educação atual, podemosdeduzir que o processo de aprendizagem é orien-tado tanto pela base teórico-conceitual como pelacorreta utilização de ferramentas no desenvolvi-mento de uma proposta de extensão da educaçãopresencial e/ou substituição da mesma. Para oscondutivistas, as ferramentas servem para trans-mitir um conhecimento e o professor é a figuracentral da relação de aprendizagem. Os meiosassumem um caráter de destaque na relação. Noentanto, em uma abordagem construtivista, asferramentas pedagógicas devem viabilizar a ini-ciativa por parte dos alunos, diminuindo o con-trole das atividades por parte dos alunos. Nessesentido, o aluno tem a possibilidade de geren-ciar a si próprio como aprendiz, a sua forma deaprender e a conduzir sua experiência de apren-dizado. Ao professor cabe incentivar o intercâm-bio de experiências e a circulação do saber en-tre os agentes do processo. Logo, os ambienteseducativos devem ser compostos de todo arsenaltecnológico disponível sem deixar de levar emconta as necessidades do sujeito. Suas caracterís-ticas sócio-culturais e econômicas, idade, famili-aridade com os meios, níveis de educação e ex-periências de aprendizagem devem ser conside-radas na construção desses ambientes de apren-dizagem.

Ao se optar pela conceituação construtivista,

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Web-documentário 45

encontra-se a definição de formação continuada adistância como um subsistema da Educação quese caracteriza pela separação física entre os ato-res do processo de aprendizagem numa relaçãode comunicação multi-direcional. A aprendiza-gem, centrada no aluno, é mediada pelo facili-tador pedagógico e pelo uso de diferentes tec-nologias na construção de conhecimento a par-tir da reflexão crítica das experiências signifi-cativas. Neste contexto, o web-documentáriose insere como uma opção de ferramenta, res-pondendo às dimensões de autonomia, interati-vidade e cooperação, para a construção do co-nhecimento. Segundo o antropólogo Thomas Vo-orter, produtor do premiado web-documentário“Kyrgyz Heroes”, ainda não existe no mundoqualquer instituição de ensino que utilize o web-documentário como ferramenta pedagógica. Deacordo com ele, atualmente torna-se imprescindí-vel que se utilizem imagens em movimento comoferramenta no sistema educativo em geral. ParaLisa Spiro, “a inserção do web-documentário nocurrículo escolar iria simbolizar um aprendizadoativo, em que o aluno se sentiria bastante moti-vado por perceber algo que possua valor alémda sala de aula” (em anexo)

Por outro lado, o web-documentário é fruto dasociedade contemporânea, de controle, que fun-ciona não mais por confinamento, mas por con-trole contínuo e comunicação instantânea. Su-cedendo a sociedade disciplinar - na qual o co-mando social era exercido por uma rede difusade dispositivos ou aparelhos que regulam os cos-tumes, os hábitos e as práticas produtivas e foia base para o desenvolvimento do capitalismo -atualmente, vivemos na sociedade do controle.Desenvolvida nos limites da modernidade e dapós-modernidade, nela os mecanismos de co-mando se tornaram cada vez mais “democráti-cos”, cada vez mais imanentes ao campo social,distribuídos pelos corpos e cérebros dos cida-dãos. É típico da sociedade do controle o fato deque o poder se interiorizou, passou a ser exercidopor máquinas que cuidam das mentes (elas orga-

nizam e redistribuem o conhecimento por meiode sistemas de comunicação, de redes de infor-mação, etc.) e dos corpos (em sistemas de bem-estar, atividades monitoradas, etc.) com o ob-jetivo de controlar a disseminação do conheci-mento. Há um sistema de normalização da disci-plinaridade que anima internamente nossas práti-cas, "capilarizado"fora das instituições, medianteredes flexíveis e flutuantes.

Assim, há uma vinculação traiçoeira entre ci-dadania e normalidade no interior das democra-cias representativas. Implantam-se novos tiposde sanção, de educação, de tratamento: hospitaisabertos, atendimento a domicílio, educação a dis-tância, formação continuada (controle contínuo ecomunicação instantânea).

O web-documentário se situa como uma des-sas ferramentas que auxiliam a educação a dis-tância, em que redes flexíveis oferecem novosdispositivos de constituição de identidades. Ocontrole da aprendizagem pela autonomia, inte-ratividade e cooperação.

No entanto, como afirmam Foucault e outrosestudiosos da contemporaneidade, o sujeito nãovive passivamente a experiência da modernidade.Ele não é um autômato e, por isso, "tensiona"eproblematiza constantemente o sentido da vida eo desejo de criatividade. Para escapar ao con-trole, há as resistências: a pirataria, os vírus dis-seminados pelos hackers, etc. Essa tensão mostrao quão complexa é a sociedade atual. O animalque simboliza a disciplina é a toupeira; a do con-trole é a serpente. Assim, Deleuze afirmaria queos anéis de uma serpente são ainda mais compli-cados que os buracos de uma toupeira.

O web-documentário insere-se na crise atualdas instituições tradicionais (escola, família, etc.)advinda das mudanças econômicas e políticas,das transformações técnicas e do aparecimentode novos movimentos sociais. Essa sociedade docontrole exige que a educação seja cada vez maisflexível, que os conhecimentos tenham caráterheterogêneo e que a aprendizagem ocorra, cadavez menos, em um ambiente fechado. Pensa-

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se, na contemporaneidade, na educação perma-nente, no não acabamento da construção dos co-nhecimentos, já que eles são móveis e flexíveis.Essa característica da sociedade moderna se re-flete na maquinaria desenvolvida para a produ-ção e difusão do conhecimento, pois as máqui-nas exprimem as formas sociais capazes de lhesdarem nascimento e de utilizá-las. Assim, se associedades antigas manejavam máquinas simplescomo alavancas, roldanas, relógios, as socieda-des disciplinares tinham máquinas energéticas,as de controle desenvolveram máquinas de umaterceira espécie, informáticas e computadoriza-das. Elas decorrem da revolução tecnológica e damutação do capitalismo. Discípulo de ideais deFoucault sobre a sociedade do controle, Deleuzeafirma que a família, a escola e o exército não sãomais espaços analógicos distintos que convergempara um proprietário, Estado ou potência privada,mas são agora figuras decifradas, deformáveis etransformáveis.

O controle realizado por meio dessas máqui-nas informáticas é de curto prazo e de rotaçãorápida e o homem não é mais o H confinado,mas o H que está em toda parte e em nenhuma,pois a relação do seu corpo com o tempo eo espaço transformou-se e ele vive imaginaria-mente imerso na constante virtualidade espaço-temporal.

A desmaterialização do espaço e do tempo écaracterística marcante da sociedade do controle.Ao contrário da sociedade disciplinar – que, paraFoucault teve seu apogeu na organização dosgrandes confinamentos, por meio da concentra-ção e distribuição dos corpos no espaço e, con-seqüentemente, na ordenação do tempo - hoje, hácrise generalizada em todos os meios de confina-mento (escola, prisão, fábrica, família). Vive-se,atualmente, as formas de controle que se carac-terizam pela instantaneidade, rapidez, imateria-lidade, enfim, controles “ao ar livre”. Da criseda escola como meio de confinamento decorrea educação a distância, que cria diferentes con-cepções de escola, novas liberdades, novas su-

jeições. Assim, a formação permanente tende asubstituir a escola e o controle contínuo substituio exame. Como afirma Deleuze, se nas socieda-des de disciplina não se parava de recomeçar, nasde controle nunca se termina nada, a formação éum processo contínuo, ininterrupto que remete atrocas flutuantes, a sempre novas modulações dosaber. Isso acarreta mudanças radicais no regimeem que vivemos e na maneira de viver as rela-ções com os outros: se o sujeito da disciplina eraum produtor descontínuo, o do controle é antes,ondulatório, funciona em órbita num feixe con-tínuo. Para entendermos as mudanças atuais naeducação é preciso que pensemos sobre as novaspráticas no regime da aprendizagem, que envol-vem as formas de construção de conhecimentos,de controle e de avaliação contínuos.

6 Considerações finais

Percebemos em nossa pesquisa que a utilizaçãode recursos multimídia na aprendizagem podecontribuir para prender a atenção do usuário e,conseqüentemente, ajudar na construção do co-nhecimento. Assim, o web-documentário é umforte aliado nesta nova forma de educar. Ao con-tar com inúmeras informações acerca do assuntotratado no web-documentário, o usuário interagecom o produto de forma criativa e lúdica. Se-gundo os ideais construtivistas, o conhecimentonão é “adquirido” pelo aluno, mas sim construídoao longo de sua vida em sociedade. Dessa forma,no uso do web-documentário, deve-se promovera integração dos alunos, desenvolvendo a coo-peração entre eles, enriquecendo seus horizon-tes. Assim, os alunos processam melhor o co-nhecimento quando aprendem ativamente – inte-ragindo com o computador.

Procuramos alertar para a necessidade de utili-zação de um modelo de ensino que esteja compa-tível com a nova ordem mundial, em que o alunodeixe de ser visto como mero receptor de infor-mações. A nossa proposta desafia as instituiçõesexistentes a repensarem seus modelos pedagógi-

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cos ao mesmo tempo em que oferece uma fer-ramenta tecnológica – web-documentário – compotencial para desenvolver habilidades e suprirnecessidades do aluno.

Ao refletir sobre os paradigmas que circun-dam a educação no mundo atual, percebemosque a aprendizagem deve ser orientada tanto pelabase teórico-conceitual quanto pela correta uti-lização de ferramentas pedagógicas contempo-râneas. Ao se optar pela conceituação cons-trutivista, encontra-se a definição de formaçãocontinuada a distância como um subsistema daEducação que se caracteriza pela separação fí-sica entre os atores do processo de aprendizagemnuma relação de comunicação multi-direcional.Atualmente, pede-se que os profissionais este-jam em constante atualização. Além disso, cadavez mais, é valorizado o profissional que de-tém o conhecimento. Neste contexto, o web-documentário se insere como uma opção idealde ferramenta, respondendo às dimensões deautonomia, interatividade e cooperação para aconstrução do conhecimento. Assim, o web-documentário é fruto da sociedade contemporâ-nea, de controle, que funciona não mais por con-finamento, mas por controle contínuo e comuni-cação instantânea.

As instituições responsáveis pelo ensino de-vem ter como prioridade a preparação dos pro-fissionais da educação para melhor lidarem comessa tecnologia nova. Isso porque os educado-res devem estar capacitados para cumprir seuspapéis de facilitadores no processo de constru-ção do conhecimento. Caso isso não ocorra, anova ferramenta de aprendizagem pode se trans-formar em mero acúmulo quantitativo de infor-mação, tornando-se apenas mais um objeto deinstrução.

Sabemos que, como todo processo inovador, oweb-documentário é inapreensível na totalidadede suas potencialidades. Por isso, com a certezade que esta pesquisa irá servir de base para fu-turas reflexões, esta monografia pretende apreen-der apenas algumas de suas facetas. Isso signi-

fica, portanto, que as reflexões sugeridas nestamonografia estão em constantes mutações. Alémdisso, temos projetos de dar continuidade à pes-quisa em próximas etapas acadêmicas, com o in-tuito de preencher todas as lacunas teóricas que otema suscita. Ainda assim, acreditamos que essanossa incursão em um tema ao mesmo tempofascinante e desconhecido é um primeiro passopara a compreensão das inúmeras possibilidadesabertas por esse meio de transmissão do conheci-mento.

7 Anexos

Artigo fornecido com exclusividade pelo docu-mentarista Beto Leão no dia 28/10/02

Documentário

Da Cavação ao WebdocumentárioPor Beto Leão21

Não há qualquer exagero em afirmar que ofilme documentário tem exatamente a mesmaidade do cinema. Quando, em 28 de dezembro de1895, aconteceu a primeira sessão pública do in-vento criado pelos irmãos Lumière, a platéia quese aglomerou no Grand Café, em Paris, acom-panhou também a primeira exibição de um do-cumentário: "A saída dos Operários da Fábrica".Com o advento do Cinematógrafo surgiram, por-tanto, as reportagens jornalísticas de atualidades,o documentário e alguns ensaios de comédias.

Com efeito, durante muito tempo o cinemaviveu o estigma de servir apenas como registropuro e simples do mundo em que vivemos. Co-meçou a atingir o status de Sétima Arte a partirde George Méliès, o primeiro a conceber o filmecomo espetáculo diferente do teatro e de outrosmeios de difusão. Ao incorporar a trucagem à

21Beto Leão é jornalista e cineasta documentarista, pre-sidente do Núcleo Goiano do CPCB (Centro dos Pesqui-sadores do Cinema Brasileiro) e sócio-fundador da ABD-GO (Associação Brasileira de Documentaristas - Seção deGoiás)

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nova tecnologia, criar o décor cinematográfico ea montagem, Méliès deu origem à futura usina desonhos que seria Hollywood. Na verdade, ele éresponsável pela criação do filme histórico e pra-ticamente todos os gêneros que mais tarde cons-tituiria o típico arsenal cinematográfico.

Assim, com o surgimento dos filmes de fic-ção, o documentário deixou de ser confundidocom o próprio conceito de cinema, tornando-se um dos seus gêneros. Entretanto, outrogrande engano com relação a esse gênero per-sistiria durante muito tempo: a idéia de que ofilme-documentário é o registro neutro e impar-cial da realidade. Essa imparcialidade era enco-berta pelo olhar mecânico e impessoal da câmera.Mais tarde, os teóricos dos anos 1920 demonstra-ram que, por trás de toda a parafernália técnica,há a presença do homem, que, em primeira e úl-tima instâncias, é quem determina a forma e oobjeto a ser filmado, reduzindo a pó o conceito de"neutralidade"do documentário. Essa interferên-cia humana no ato de filmar e, por conseguinte,de manipular as mentes dos espectadores, nãopassou desapercebida aos donos do poder. Na ex-União Soviética, o grupo Kinoglaz (Cine-Olho),liderado por Dziga Vertov, documentou o cotidi-ano soviético num estilo que antecipou o cinema-verdade (cinéma-verité) dos anos 60. Vertov odi-ava a falsa realidade dos filmes encenados e rea-lizou, então, documentários que combinavam fa-tos, sentimentos e propaganda numa espécie desurrealismo poético. Na Alemanha nazista, a ci-neasta Leni Riefenstahl descobriu na nova arteo instrumento ideal de propaganda para a glori-ficação do III Reich e a suposta pureza da raçaariana.

Com o passar do tempo, os filmes documentá-rios deixaram de ser um meio de divulgação deidéias políticas dos regimes estatais. Num deter-minado momento passaram a ser também um im-portante instrumento de denúncia social, recupe-rando os conceitos da escola britânica de docu-mentários dos anos 1930, da qual fez parte o bra-sileiro Alberto Cavalcanti, que renovou por com-

pleto o gênero. Alguns cineastas aliavam a teo-ria à prática e construiram roteiros profissionais,abrindo espaço para os documentários didáticos,artísticos, esportivos, ecológicos etc.

No Brasil, a produção documentária atravessade modo horizontal o cinema mudo. Enquanto ocinema de ficção articulava-se em picos de pro-dução e depressão, o filme documentário, emboracom variações, manteve uma estabilidade sginfi-cativa. Às atividades que propriamente circun-davam a feitura de documentários era dado nonome de "cavação". Espaço menosprezado dasobrevivência no cinema, a "cavação"cobre o do-cumentário de encomenda, a propaganda e o en-sino em pequenas escolas de cinema. Em ter-mos temáticos, o documentário mudo brasileirogirava em torno do que Paulo Emílio Salles Go-mes chamou se "o berço esplêndido e o ritual dopoder."Documentários sobre fazendas, empresase distintas famílias que exploravam o espaço davaidade alheia através da imagem cinematográ-fica. Em geral tratava-se da vaidade de ricos epoderosos que podiam bancar os custos envolvi-dos. Principal vetor da "cavação", os documentá-rios sob encomenda rendiam lucro fácil, levando- em testemunhos de época e em editoriais de re-vistas especializadas - a críticas a falsos profissi-onais que aplicavam golpes, prejudicando e de-negrindo a classe como um todo.

Durante o período do Estado Novo (1937-1945), o DIP (Departamento de Imprensa e Pro-paganda) e os seus similares estaduais passam adominaram a produção de cinejornais. O órgãode divulgação do governo Getúlio Vargas e dosinterventores federais nos estados simplesmenteaniquilaram ou cooptaram os produtores de do-cumentários e cineatualidades surgidos nas dé-cadas de 1910 e 1920 e que dominaram a pro-dução até os anos de 1930. Com a produçãooficial institucionalizada através do DIP, as pro-dutoras independentes perdem boa parte do seumercado, já que, além da concorrência desigual,têm de enfrentar censura sistemática. Por isso,diversos cinegrafistas transformaram-se em fun-

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cionários públicos, filmando diretamente para oDIP ou para as suas agências estaduais.

Dessa forma, mais uma vez, o documentá-rio vem dar uma importante contribuição para aeducação, contribuindo para a transmissão cadavez mais ampla do conhecimento universal. Em-bora os educadores não o utilizem como deve-ria nas salas de aula, o documentário sempre foilevado a sério pela indústria e o comércio cine-matográficos. No caso particular do Brasil, oINCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo)exerceu importante papel na história cinemato-gráfica. Criado por Roquette Pinto na década de1930, o INCE destinava-se a promover e orien-tar a utilização da cinematografia, especialmentecomo processo auxiliar do ensino, e ainda comomeio de educação popular. Oficialmente, o Ins-tituto foi instituído em 1937, por meio da Lein˚ 378, artigo 40, no Ministério da Educação eSaúde, embora uma comissão instaladora já fun-cionasse desde março do ano anterior, dando iní-cio à produç∼çao, aquisição e adaptação de fil-mes educativos para exibição e distribuição decópias à rede de ensino do País. Antes, em 1936,o INCE produziu 26 filmes científicos, de repor-tagem e de temática artística. O INCE surgiu nobojo de um projeto articulado no governo de Ge-túlio Vargas, que, no esforço em construir umaidentifidade imprescindível ao desenvolvimentoindustrial e à constituição de um mercado, valori-zou os instrumentos de difusão cultural, abrindoum novo relacionamento do cinema com o po-der. Para tanto, valeu-se das propostas qu8e,desde os anos 20, apontavam as possibilidades detécnica cinematográfica para implementar a re-forma da sociedade pela via da reforma do en-sino. Desse modo, o cinema educativo tornou-seum dos pilares de um projeto mais amplo, queprocurava organizar a produção, o merco exibi-dor e o importador, ao mesmo tempo que serviaao propósito de propagandear o aspecto integra-dor/centralizador da ideologia nacionalista.

O INCE chegou a realizar, entre outras ativida-des, projeções em mais de mil escolas e institutos

de cultura, organizou uma filmoteca e elaboroudocumentários. A produção do INCE dividiu-se em filmes escolares, de 16 mm, mudos e so-noros, destinados a circular em escolas e insti-tutos de cultura, e filmes populares, sonoros, de35 mm, encaminhados para o circuito das casasde exibição pública de todo o País, ora repro-duzindo títulos da literatura brasileira, comoUmapólogo(1936), de Machado de Assis, ora evo-cando episódios da história, comoBandeirantes(1940), que contou com a colaboração de Hum-berto Mauro. Até 1941, já haviam sido editadoscerca de 200 filmes, que foram distribuídos nãoapenas nas escolas, mas também em cnetros ope-rários, agremiações esportivas e sociedades cul-turais.

Todo o processo de produção dos filmes doINCE era realizado pelo próprio instituto: revela-ção, montagem, gravação de som, filmagem emestúdios e copiagem. Humberto Mauro consti-tuiu uma equipe que permitiu ao INCE uma pro-dução ininterrupta de filmes por mais de 20 anos:Mateus Colaço, Erich Walder, Manoel Ribeiro,seus irmãos Haroldo e José Mauro, Brasil Gersone Pascoal Lemme. Foi no INCE que HumbertoMauro produziu e dirigiu mais de 200 documen-tários de curta e média metragem.

Após abordar uma enorme gama de assun-tos em seus filmes (geografia, música, medicina,educação rural, documentação científica e indus-trial, história etc.), o INCE é incorporado, em1966, ao INC (Instituto Nacional de Cinema),criado durante o regime militar por meio de umDecreto-lei, de número 43, em 18 de dezembrode 1966, quando então os filmes documentáriospassaram a ser encomendados aos produtores.Por sua vez, o INC foi extinto em 9 de dezem-bro de 1975, quando suas atribuições passaram aser exercidas pela Embrafilme, que teve seu fimdecretado por Fernando Collor de Mello, em 27de abril de 1990.

Como se pode ver, minha cara Maíra, a pro-dução documentarista sempre foi um dos pontosfocais da diversidade de expressões culturais e

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dos olhares sobre a realidade, estabelecendo umintenso diálogo com as ciências humanas, mo-vimentos sociais e grupos étnicos, além de seupapel na educação ou nas políticas governamen-tais em vários países e períodos. Nos últimosanos, com a utilização de novas tecnologias decaptação, edição e exibição de audiovisuais, avitalidade do documentário tem se manifestadona produção dos mais diversos locais do Brasil,no sucesso do festival "É tudo verdade"em SãoPaulo ou nos ainda restritos (mas preciosos) es-paços de exibição no cinema, TV aberta e porassinatura.

Agora, mais recentemente, o documentáriovem cumprindo o seu importante papel de dis-cutir o entrecruzamento de mídias, de suportes,gêneros e linguagens, em um espaço virtual, semfronteiras, através do webdocumentário, o que éum avanço sempre bem-vindo. Com o cresci-mento e a popularização das conexões de bandalarga à internet, em lugar da trabalhosa conexãodiscada, de velocidade mais baixa, é outro fatorimportante para o desenvolvimento do documen-tário, que passa a contar com maior participaçãopopular.

A cada dia que passa o cinema se inclina maise mais para o mundo digital. ao longo desta úl-tima década, a tecnologia do cinema se afastoucomo nunca das tecnologias químicas e mecâni-cas que lhe eram essenciais num passado bempróximo. Hoje, não somente a finalização desom e imagem vem sendo feita em computado-res como a própria idéia de captação de imagemem meio digital vem ganhando mais adeptos en-tre o cineastas. O ano de 1999 marcou a históriado cinema como o ano onde as salas de cinemacomerciais começaram a usar sistemas de proje-ções digitais.

Nesse contexto, o webdocumentário vemacrescentar inúmeras possibilidades para o ci-nema digital enquanto um cinema prático, ba-rato e aberto a experimentações. Mas tambémvem impor uma estética e um meio de produ-ção que podem vir a ser radicalmente diferen-

tes do cinema analógico. Os documentários fei-tos especialmente para a Web são uma forma al-ternativa dos realizadores terem suas obras au-diovisuais reconhecidas de forma mais rápida ecom menos recursos, já que a comercialização eexibição de filmes pela internet é uma realidadehoje no mundo inteiro. Para se ter uma idéia, fil-mes exibidos no Brasil recebem a visita de mais30 mil internautas por semana. É um imensomercado de entretenimento, que veio ampliar ocampo de trabalho de quem produz filmes e ví-deos, sem prejuízos para a indústria cinemato-gráfica e para o mercado tradicional de exibição,que já se tornaram aliados da internet. Em todoo mundo, diretores estão produzindo filmes paradisponibilizá-los na rede, como forma alternativade ganhar algum dinheiro e ter sua obra reconhe-cida por um número cada vez maior de pessoas.

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Web-documentário 51

Entrevista fornecida no dia 28/10/02 pelojornalista Sérgio Rizzo, crítico de cinema dojornal “Folha de S. Paulo”

1. Ao longo da história do documentário,houve mudanças em sua produção e objetivos.Em paralelo a isso, discutiu-se muito sobre oconceito de realidade neste audiovisual. Demaneira sucinta, como foi essa evolução?

Rizzo - Diria, resumidamente, que a inocên-cia dos primórdios foi perdida. Acreditava-seque documentários eram capazes de captar a re-alidade tal como ela se apresenta. Descobriu-selogo que se tratava de falácia. Basta lembrar al-guns dos exemplos mais notórios de manipulaçãoe reelaboração do real, da escola soviética pró-Revolução aos filmes encomendados pelo regimenazista a Leni Riefenstahl. A escola inglesa con-tribuiu, me parece, para ampliar o conceito e lem-brar que o documentário opera com ferramentasmuito semelhantes às da ficção. Admite-se desdeentão, por exemplo, que cenas documentais se-jam produzidas, ou seja, que as pessoas dianteda câmera encenem atitudes. (É preciso registrarque uma corrente de documentaristas, da qual oprincipal nome talvez seja o americano FrederickWiseman, continua até hoje a resistir a essa idéia;Wiseman insere sua câmera nos locais cuja açãoprocura registrar, liga e deixa rodando, sem qual-quer intervenção.)

As condições e os objetivos da produção,por sua vez, vêm se alterando nas últimasdécadas com a multiplicaçao das vitrines parao documentário (sobretudo nas TVs pagas) ecom o desenvolvimento da tecnologia digital,que barateia os custos e torna possível a rea-lização a quem antes só poderia sonhar comela. As Oficinas Kinoforum, realizadas comjovens em bairros da periferia de SP, são umbom exemplo disso. (www.kinoforum.org.br<http://www.kinoforum.org.br>)

2. Alguns acreditam que o documentáriopossui potencial pedagógico (como Grierson).

Vc acredita nisso? E se o produto for webdo-cumentário? O aprendizado é melhor?

Rizzo - Não faço distinção, nesse caso. Ocinema (tanto o de ficção quanto o documental)pode ser usado com finalidade pedagógica.Depende, no entanto, de como será inserido noprocesso educacional. Na escola, fora dela ouno lugar dela? Como ensino (produção de co-nhecimento) ou mero treinamento? Seja lá qualfor a idéia, precisa ser devidamente planejada,tendo em vista as características do público-alvoe os objetivos estritamente pedagógicos. Owebdocumentário, nesse contexto, é uma novaferramenta, que pode ser bem ou mal usada.

3. Vc conhece exemplos em que o documen-tário é utilizado em sala de aula?

Rizzo - Em geral, em aulas de história, parailustrar e promover a discussão de conteúdos.Nesses casos, o professor deve ser preparadopara exercer o papel de animador dos deba-tes. Por outro lado, todos já tivemos algumaexperiência traumática com documentáriosenfadonhos em super-8 ou 16mm exibidos emaulas de biologia, química ou física. São umbom exemplo do que não funciona.

4. Quais as desvantagens e vantagens que vcvê em se fazer webdocumentário? E quanto àausência de um referencial, isso é problemá-tico?

Rizzo - Vantagens: relativa facilidade para ob-tenção de recursos para a produção e possibili-dade de tornar o produto acessível a qualquermomento, em qualquer lugar. Desvantagens: oacesso ainda restrito, num país como o Brasil,à rede (e sobretudo à banda larga, indispensá-vel ao uso de imagens em movimento). O fatode não existirem ainda referências muito clarasa respeito deve estimular, na minha opinião, aspesquisas e os trabalhos experimentais.

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52 Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba

Entrevista fornecida no dia 22/10/02 pelodocumentarista Paulo Baroukh – via e-mail

1. O documentário, ao longo de sua his-tória, sofreu muitas mudanças na concepção.Isso fez com que se discutisse muito a respeitodos conceitos de verdade e realidade no do-cumentário. Agora com a internet e com osurgimento do web-documentário isso aflorouainda mais. Como você vê essa mudança (po-sitivamente ou não?)?

Baroukh - Para mim o advento da interneté um avanço. Com certeza para melhor, pois ademocratização da informação se faz urgente.Quanto mais pessoas tiverem acesso a ela,melhor o mundo caminha. Meu último docu-mentário foi projetado e também está presente nainternet. Creio que é meu trabalho que foi maisassistido, uma vez que não tenho acesso à midia.Portanto positivíssimo que os produtores que nãotêm acesso à grande midia possam finalmenteter seu trabalho visto e criticado. Tenho tidoretornos surpreendentes. (talvez você tenha meconhecido assim?)

2. Você acredita que o documentário e, maisainda, o web-documentário seja forte aliadona transmissão do conhecimento?

Baroukh - Quero fazer uma distinção: creioque o que pode diferenciar o documentário doWebdocumentário seja tão somente o veículo.

Dito isso, acredito fortemente (por experiênciaprópria) que o documentário é uma poderosaferramenta educacional, não só na transmissãodo conhecimento, como na formação de consci-ência crítica e fomentação de reflexão a respeitodos temas que apresenta. Digo isso por teracompanhado durante todos esses anos o efeitoque meu trabalhos desempenham na cabeça daspessoas. É modificador mais do que educacional.

3. Você sabe se o documentário é utilizadona educação? Quando isso começou historica-mente?

Baroukh - Que é usado tenho certeza. Quantoa datas não sei te informar. Talvez valha a penapesquisar isso na própria internet.

4 . Finalmente, agora com as mudanças tec-nológicas, você se vê obrigado a fazer web-documentário, ou já está fazendo? Tem essaperspectiva futura?

Baroukh - Como te falei, meu último docu-mentário “Reciclando Esperanças” está na Webem www.adrianodiogo.com.br, na área de webtv.(dá uma olhada). Quando iniciei o trabalho., hádois anos atrás, já sabia dessa possibilidade, masposso te assegurar que esse fato não mudou emnada a minha maneira de fazê-lo. Talvez, como tempo, a linguagem vá se alterando natural-mente, a exemplo do que ocorreu com o cinemae com a televisão: o meio vai modificando alinguagem e vice-versa. De qualquer maneira,ainda prefiro assistir os filmes e vídeo projeta-dos, ou na televisão. A internet ainda não atin-giu a velocidade e a qualidade necessárias parasubstituir uma boa projeção. Pode ser que issoaconteça ou não, mas enquanto isso prefiro en-trar numa sala escura e sentar confortavelmentecom meu saquinho de pipocas e ter a concentra-ção necessária. (a pipoca, se bem utilizada, nãodistrai, mas ajuda a concentrar). Claro que para oprofissional é preciso estar sempre atento a mu-danças e tendências. Eu procuro estar antenado.A adaptação é natural para quem fica de olhosabertos.

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Web-documentário 53

Entrevista fornecida pela pesquisadora ameri-cana Lisa Spiro, diretora do Cento de Pesquisade Tecnologias Educacionais (Rice University),no dia 09/10/02 – via e-mail

1. On Brazil, we have so poor education sys-tem plus the base on conductivism and formaleducation. Our thesis is that webdocumentarycould be a help to change this reality. I askyou: How it could be different with webdocu-mentary? (pratically or theorically saying)

Lisa - I believe that in the act of creatingweb-based documentaries, students gain a moresophisticated understanding of their communi-ties and of the process of making something. Indesigning a curriculum around web documen-taries, I kept in mind the principles of activelearning and project-based learning–studentslearn more, and are more motivated, if they aremaking something that has value beyond theclass. If the product they create reflects or evenserves their communities, all the better.

2. Are webdocumentaries been used on edu-cation around the world? Where?

Lisa - I’m not sure.

3. In your opinion, the concept “webdocu-mentary” is closed? I mean, as we have lotsof digital documentaries and these are not thesame os webdocumentary, how to identify areally webdocumentary? Does we have studiesabout their concepts?

Lisa - Steve Dietz of the Walker Art Centerproduced a very interesting metadocumentaryon the subject – it’s more impressionistic thanscholarly. I would distinguish the web documen-tary from other forms in that it often involvesthe sharing of knowledge and ideas across anetworked community. Forinstance, they mayinclude online forums and other opportunitiesfor visitors to participate.

4. In your profission, the social evolution

is very important, in think. So, how impor-tant the webdocumentary is for this group ofpopulation? We could call it as the simbol ofcontemporary?

Lisa - Hmm, not sure. For some, creating aweb documentary is an act of self-reflection orprojection, which I suppose you could say is con-temporary. The defininition of a web documen-tary is fuzzy – do blogs count? personal web pa-ges, which are documents of the self? I’m notsure.

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54 Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba

Entrevista fornecida pelo antropólogo eprodutor do documentário “Kyrgyz Heroes”, oholandês Thomas Voorter, dia 07/10/2002

1. On Brazil, we have so poor education sys-tem plus the base on conductivism and formaleducation. Our thesis is that webdocumentarycould be a help to change this reality. I ask you: How it could be different with webdocumen-tary?

Voorter - When i watch the little childrenof my friends - from 3 years on - playing withcomputers, i sometimes think that i see a glimpseof how humans will communicate in future.They draw pictures on paper ... scan them in ...then record their stories on the pc and - of coursewith the help of dad or mum .. they make ananimated flash movie. And they love it ... Soi can imagine that gradually multimedia skillswill play a big part in primary schools as readingand writing is now ... However: i work on theUniversity of Amsterdam, with a fast internetconnection since 1993 and still i wish we havemultimedia ’laboratories’ (which we don;t have)... the technology is adopted very slowly (i hopethis notion doesn’t discourage you). Only lastmonth all the dutch primary schools are wiredin a big inter/intranet ... so this is the stage wereached here. Now it is up to good multimediaand internet education. A side-note: here inHolland companies donate their old computers toschools ... this is arranged thru a foundation .. .isthere something like that also in Brazil? To comeback to your question how webdocumentarycould facilitate the educational system in yourcountry –> there are a few things to consider:

a. children should learn computer skills in aclassroom on a (local) network. to familiarizethem with mouse, screen ... the window me-taphor etc.

b. then they can explore interactive publica-tions (that is: webdocumentaries), internalizethe knowledge which is communicated thru

exploration of rich media: word, sound andimage. c. as a next step i envision multimediaskills, like: word processing, image and soundediting, producing and publishing interactiveflash/html (or other format) documents. d. alsoother internet skills should be adopted ... likeyou do: you interview me more or less bymeans of email ... You can also think of thingslike collaborating systems, online activism andcommunity-building (also internet can facilitateneighborhoods, government services etcetera).It more or less comes down to communicationskills .... There are more benefits to think of ...you probably will come up for practical applica-tions for your setting/environment yourself ... Icontinue with your other points ..

2. Are webdocumentaries been used on edu-cation around the world? Where?

Voorter - No .. and that is because not mucheducational interactive documents are produced... Video becomes more and more importantin the educational system here. I also see anincrease in video-citation ... which means oneday the need will rise to make those video-references concrete by pointing to (streaming)video fragments ...

3. In your opinion, the concept “webdocu-mentary” is closed? I mean, as we have lotsof digital documentaries and these are not thesame os webdocumentary, how to identify areally webdocumentary? Does we have studiesabout their concepts?

Voorter - No .. it’s not closed at all .. .i oncethought the term would convey a practical pointerto a broad series of interactive documents ... thedifference with other digital documents is inte-ractivity ... this is an essential notion/concept ...games, in many respects, are not different fromeducational interactive documents –> people le-arn by trial and error how to behave and act incertain three dimensional settings ... another con-cept - also used by game developers - is “immer-

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Web-documentário 55

sion” ... that is: to be completely absorbed into avirtual reality. Here i like to point to two books:From my good friend Saskia Kersenboom:Word,sound, image. The life of the Tamil text.Oxford:Berg Publishers. 1995 Walter Ong,Orality andliteracy. The technologizing of the word. Lon-don: Methuen & Co. Ltd. 1982 Chapter1.5 Theworld as theory in the headof Kyrgyz Heroes.

In my opinion you can call many interactivedocuments - like my online ethnography -webdocumentaries. Not so different of coursefrom cd-roms, except that they can be read bya larger audience (simultaeous). Here i like topause a while on the concept of non-linearity.Non-linearity was the buzzword in the earlydays of multimedia and internet ... The hopeand expectation was that human communicationwould change drastically ... as the inventionof script did in ancient times and press a fewcenturies ago did ... humans would producenon-linear documents ... so not like a book ..but something different. Experiments revealthat non-linear documents - like hypertext -often render a chaotic experience ... so now theconcept “multiple linearity” (or terms with thesame meaning) is en vogue. The challenge isfor a multimedia author to stipulate intellectualpaths for an audience to follow. This can beachieved by logically interlinking symbols,sounds, text blocks etc. The challenge, thus, isto build up a world of interconnected stories inwhich your audience can immerge. I talk aboutthis in chapter1.6 Referential information inoral histories.

5. Finally, I ask you if you can composethe contemporary world putting the webdocu-mentary on center. Aditional informations arewellcome!

Voorter - You can compose contemporaryworld by means of multimedia ... if this is whatyou mean. Here are some good links: checkthis link ! http://www.docs-online.nl/ –> lastyear on festival in amsterdam .. maybe this year

webdocumentary again topic for discussion:http://jefferson.village.virginia.edu/wax/;http://www.unhcr.ch/witness4/III_Stans/html/toc/toc_set.html; http://www.neonsky.com/neonsky.html; collaborating system:http://www.czukay.de/writing/stories/index.htmlhttp://aporee.org/equator/;http://www.mothermillennia.org/;http://www.fraclr.org/hay/preface.htm;http://www.riceworld.org/enjoy ..

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56 Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba

Entrevista fornecida pelo produtor Giba AssisBrasil, da Casa de Cinema de Porto Alegre, nodia 17/10/02 – via e-mail

1. O documentário pode ser utilizado comoferramenta para a educação? Como?

Depende do tipo de documentário de quese está falando, e também do tipo de educa-ção. Existe um gênero de filmes, que podeser chamado de “documentário científico” ou“didático” ou ainda “educativo”, cujo objetivoprincipal é servir de material de aprendizadode determinados conteúdos. Não é o que euconsidero propriamente como “documentário”,aquele gênero que Garcia Escudero coloca comointermediário entre a ficção e a reportagem, porrequerer sempre um certo grau de “dramatizaçãoda realidade”. Um documentário desse tipo podeser “ferramenta de educação” assim como umfilme de ficção também pode, mas aí entramosno campo na educação não-formal. De qualquermaneira, se pensarmos no documentário comouma possibilidade de expressão, e portanto,eventualmente, de arte, então seus propósitosnada têm a ver com educação.

2. Você acredita que exista, ou conhece, al-gum documentário que tenha esta utilidade?

“Cabra marcada para morrer” mudou a minhamaneira de pensar o Brasil, o cinema, a família.Se isso não é educação, é o quê?

3. Durante muitos anos o documentário fi-cou estagnado no modelo de Grierson. Porque isso aconteceu?

Não conheço Grierson o suficiente paraafirmar ou negar isso.

4. Na sua opinião qual é o objetivo de umdocumentário? Defina-o rapidamente.

Esses tempos, num debate, eu disse que docu-mentário é o filme que consegue formular umapergunta que ainda não tinha sido feita, e que aomesmo tempo não se preocupa em respondê-la.

Talvez seja até uma boa frase, mas não é umaresposta satisfatória. O problema é que eu nãotenho outra.

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Web-documentário 57

Entrevista fornecida pelo pesquisador HélioGodóy, doutor em Comunicação e Semióticapela PUC-SP, no dia 17/10/02 – via e-mail

1. O documentário pode ser utilizado comoferramenta para a educação? Como?

A resposta é sim. Todavia não aprecio osdocumentários feitos com esse objetivo. Euacredito que os documentários são educativospela sua própria natureza. Uma vez que elessão formas de produção de conhecimento,quando os assistimos nos tornamos donos de seuconhecimento, ou de parte dele.

2. Você acredita que exista, ou conhece, al-gum documentário que tenha esta utilidade?

Todos os que eu já vi. Se ele está adequadoou não ao nível de conhecimentos do espectadoraí é outra discussão. Seria melhor falarmosdo uso dos documentários de forma educativa,isto é, inseridos em um processo maior deensino aprendizagem. Talvez acompanhado comdiscussões promovidas por um professor...

3. Durante muitos anos o documentário fi-cou estagnado no modelo de Grierson. Porquê isso aconteceu?

Boa questão. Não sei lhe responder taxativa-mente. Posso inferir que havia uma dificuldadecom o som direto. Por outro lado uma tendênciasócio-política que teve grande repercussão na so-ciedade não se extingue assim de uma hora paraoutra. Creio que houve um aprimoramento dasCiências Sociais para que o tipo de documentáriogriersoniano pudesse se modificar. Assim comohouve mudanças nas Ciências Ambientais paraque os filmes de natureza estilo Walt Disney(bastante antropomórficos) pudessem se supera-dos. Mas são apenas hipóteses.

4. Na sua opinião qual é o objetivo de umdocumentário? Defina-o rapidamente.

Creio que depende do documentarista. Exis-tem aqueles que pretendem fazer dinheiro, outros

que pretendem interferir na política, outros quepretendem produzir conhecimento, ou apenas di-vulgar conhecimento. Podemos dizer que exis-tem diferentes tipos de documentários que pode-riam também ser classificados pelos seus objeti-vos, além de sua forma é claro.

Sugiro que você entre em contato com a pro-fessora Marília Franco da ECA-USP, ele é maisespecializada no uso do documentário como ins-trumento educativo e deu aulas de documentárioeducativo no Curso de Cinema da ECA.

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58 Maíra Gregolin, Marcelo Sacrini e Rodrigo Augusto Tomba

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