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07-02-2016 Várias dezenas de Chineses: a nova esperança p A reportagem que publicamos nestas páginas é da autoria de um jornalista canadiano, Jules Nadeau, do jornal "LusoPress" de Montreal, que tem uma colaboração com o "Diário dos Açores" em regime de exclusividade. Jules Nadeau é um apaixonado pelos Açores e já esteve várias vezes nesta Região. Voltou no Verão passado, na companhia do seu Chefe de Redacção, o micaelense Norberto Aguiar; nosso colaborador. POR JULES NADEAU, EXCLUSIVO LIISOPRESS/ DIÁRIO DOS AÇORES «Ni hao?» O proprietário Luo Hongren acolhe-me com cortesia no n° 97 da Rua Direita na cidade de Ribeira Grande. Trago-lhe urna caixa de Chá Gorreana. Depres- sa me apercebo que me enganei de loja. - pensando que o proprietário era o amigo indicado por Margarida. Mota, da plantação do mesmo nome. Mas o contacto foi fácil. «Há varias lojas de Chineses aqui», explica-me o trintenário. «Cheguei aos Açores há sete anos vindo duma cidade de Fujian; a mi- nha mulher vem do Zhejiang. Os ne- gócios não são tão bons corno eram antes. O meu filho de quatro anos já nasceu em Portugal. Temos também urna filha já grande nascida na Chi- na», revela-me o homem esbelto que tem vestida uma camiseta vermelha. Esta família faz parte da pequena comunidade de 274 chineses estabe- lecidos nos Açores. Na vitrina (nenhum nome na fa- chada), três manequins têm roupa desportiva Made in China com urna etiqueta de promoção de 20%, 30% ou 50%. «Vive no Canadá? Em Por- tugal? Onde é que aprendeu o man- darim?», continua Luo Hongren, insistindo sobre o - facto que a sua província da costa chinesa (situada em frente de Taiwan) exporta tradi- cionalmente emigrantes para todo a parte do mundo. Trocamos algumas banalidades sobre essas proVíncias que conheço muito bem. E o notório aumento de turistas em 2015? «Não nos ajuda a vender, deplora o chefe de família. Os nossos clientes são as pessoas daqui.». Tão sociável corno o pai, o garoto de ca- belos curtos sorri-me amigavelmen- te. A mãe é mais reservada. No que diz respeito à. caixa de chá da Ribeira Grande, apesar de tudo, o casal não decifra o termo Gorreana. «Traz-me chá da China?», repete-me Luo Hon- gren como se ele examinasse unia rocha da lua. As minhas explicações nas duas línguas não conseguem dissipar o mistério das folhas de chá Made in Portugal. Pouco importa, a única foto do casal um pouco reser- vado, à caixa, ficou boa. A grande esperança chinesa O ano passado, de volta de Xan- gai, Carlos César declarou que as re- lações China-Portugal «podiam ser melhores». Elas estão em pleno cres- cimento em diversos setores e não há limites para as esperanças que susci- ta o maná chinês. Um estímulo para um país que tenta subir a encosta! A China tornou-se recentemente a quarta fonte de investimentos es- trangeiros. Continua de pé a ideia de que o grupo Fosun (25% do Cirque du Soleil e interesses no Clube Me- diterrâneo) compre o Banco Nevo. Os Chineses tornaram-se os primei- ros estrangeiros (à frente dos Brasi- leiros e dos Russos) a aproveitar do programa Vistos Gold (os vistos). As suas aquisições imobiliárias (2° depois dos Ingleses) atingem topos no continente, e os proprietários do arquipélago bem gostariam de lhes vender as suas casas (no mercado excedeu tário). O atual presidente Xi Jinping fez unia escala muito notada na Terceira em 2014. onde os comentadores es- creveram que ele tinha vindo «provar o queijo e o leite dos Açores». Não era difícil ligar esta cortesia aos rumores de que o seu governo quer-comprar a base aérea das Lages que os Estados Unidos « reestrutura » . Uma base vermelha no centro dos Açores? In- terrogado sobre este assunto, Carlos César respondeu prudentemente que não tinha sido questão de tal nas ne- gociações com a China. O atual pre- sidente da Região Autónoma, Vasco Cordeiro, deixou entender na RTP que era possível que um outro país que a China pudesse usá-la. Com que alimentar a polêmica. Uma dezena de lojas chinesas Vi urna dezena de lojas chinesas em duas semanas. Em Ponta Del- gada, o Hiper China, um género de super Dollarama, transborda de «Fabricado na China» ao metro qua- drado. Roupa e artigos para a casa a preços competitivos. Trata-se de uma cadeia que tem várias lojas no con- tinente. Sem surpresa, a vendedora

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Page 1: Várias dezenas de Chineses: a nova esperança p · 07-02-2016 Várias dezenas de Chineses: a nova esperança p A reportagem que publicamos nestas páginas é da autoria de um jornalista

07-02-2016

Várias dezenas de Chineses: a nova esperança p

A reportagem que publicamos nestas páginas é da autoria de um jornalista canadiano, Jules Nadeau, do jornal "LusoPress" de Montreal, que tem uma colaboração com o "Diário dos Açores" em regime de exclusividade. Jules Nadeau é um apaixonado pelos Açores e já esteve várias vezes nesta Região. Voltou no Verão passado, na companhia do seu Chefe de Redacção, o micaelense Norberto Aguiar; nosso colaborador.

POR JULES NADEAU, EXCLUSIVO LIISOPRESS/ DIÁRIO DOS AÇORES

«Ni hao?» O proprietário Luo Hongren acolhe-me com cortesia no n° 97 da Rua Direita na cidade de Ribeira Grande. Trago-lhe urna caixa de Chá Gorreana. Depres-sa me apercebo que me enganei de loja. - pensando que o proprietário era o amigo indicado por Margarida. Mota, da plantação do mesmo nome. Mas o contacto foi fácil. «Há varias lojas de Chineses aqui», explica-me o trintenário.

«Cheguei aos Açores há sete anos vindo duma cidade de Fujian; a mi-nha mulher vem do Zhejiang. Os ne-gócios não são tão bons corno eram antes. O meu filho de quatro anos já nasceu em Portugal. Temos também urna filha já grande nascida na Chi-na», revela-me o homem esbelto que tem vestida uma camiseta vermelha. Esta família faz parte da pequena comunidade de 274 chineses estabe-lecidos nos Açores.

Na vitrina (nenhum nome na fa-chada), três manequins têm roupa desportiva Made in China com urna etiqueta de promoção de 20%, 30% ou 50%. «Vive no Canadá? Em Por-tugal? Onde é que aprendeu o man-darim?», continua Luo Hongren, insistindo sobre o -facto que a sua província da costa chinesa (situada em frente de Taiwan) exporta tradi-cionalmente emigrantes para todo a parte do mundo. Trocamos algumas banalidades sobre essas proVíncias que conheço muito bem.

E o notório aumento de turistas em 2015? «Não nos ajuda a vender, deplora o chefe de família. Os nossos clientes são as pessoas daqui.». Tão sociável corno o pai, o garoto de ca-belos curtos sorri-me amigavelmen-te. A mãe é mais reservada. No que diz respeito à. caixa de chá da Ribeira Grande, apesar de tudo, o casal não decifra o termo Gorreana. «Traz-me

chá da China?», repete-me Luo Hon-gren como se ele examinasse unia rocha da lua. As minhas explicações nas duas línguas não conseguem dissipar o mistério das folhas de chá Made in Portugal. Pouco importa, a única foto do casal um pouco reser-vado, à caixa, ficou boa.

A grande esperança chinesa

O ano passado, de volta de Xan-gai, Carlos César declarou que as re-lações China-Portugal «podiam ser melhores». Elas estão em pleno cres-cimento em diversos setores e não há limites para as esperanças que susci-ta o maná chinês. Um estímulo para um país que tenta subir a encosta! A China tornou-se recentemente a quarta fonte de investimentos es-trangeiros. Continua de pé a ideia de

que o grupo Fosun (25% do Cirque du Soleil e interesses no Clube Me-diterrâneo) compre o Banco Nevo. Os Chineses tornaram-se os primei-ros estrangeiros (à frente dos Brasi-leiros e dos Russos) a aproveitar do programa Vistos Gold (os vistos). As suas aquisições imobiliárias (2°

depois dos Ingleses) atingem topos no continente, e os proprietários do arquipélago bem gostariam de lhes vender as suas casas (no mercado excedeu tário).

O atual presidente Xi Jinping fez unia escala muito notada na Terceira em 2014. onde os comentadores es-creveram que ele tinha vindo «provar o queijo e o leite dos Açores». Não era difícil ligar esta cortesia aos rumores de que o seu governo quer-comprar a base aérea das Lages que os Estados Unidos « reestrutura » . Uma base

vermelha no centro dos Açores? In-terrogado sobre este assunto, Carlos César respondeu prudentemente que não tinha sido questão de tal nas ne-gociações com a China. O atual pre-sidente da Região Autónoma, Vasco Cordeiro, deixou entender na RTP que era possível que um outro país que a China pudesse usá-la. Com que alimentar a polêmica.

Uma dezena de lojas chinesas

Vi urna dezena de lojas chinesas em duas semanas. Em Ponta Del-gada, o Hiper China, um género de super Dollarama, transborda de «Fabricado na China» ao metro qua-drado. Roupa e artigos para a casa a preços competitivos. Trata-se de uma cadeia que tem várias lojas no con-tinente. Sem surpresa, a vendedora

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07-02-2016

lojas nos Açores ara a economia dos Açores?

diz-me ser originária de Zhejiang (perto de Xangai), a. província me-lhor representada em Portugal. Es-trategicamente bem situada, mais pequena, a Bambu permite-me tro-car algumas palavras com mada-me Huang. A senhora originária de Wenzhou (outra vez Zhejiang) tra-balha na capital micaelense desde há sete ou oito anos. Nenhum problema de língua aqui: as duas empregadas portuguesas ocupam-se da clientela.

Numa outra rua central, descubro um grande cartaz em caracteres chi-neses com um pequeno desenho da porta. Tiananmen. E ainda em mais pequeno, o nome português: Loja Beijing. Um cartaz fabricado lá lon-ge na China unicamente para consu-midores chineses? Noutro lado, sem uma única palavra cm português, a loja Chinatown não tem senão três grandes caracteres em vermelho -que ninguém é capaz de decifrar -com o nome inglês. Em todo o caso, estes dois proprietários insistem so-bre a sua identidade asiática.

Na maioria originários de Zhejiang

Na Lagoa, a Loja de Pequim só tem uma única empregada, a caixa, que me diz ser de Pequim. Verda-de? Insistindo, acabo por saber que os pais são de Shandong (perto de Qingdao, nome da famosa cerveja Tsingtao). O mesmo tipo de loja. O mesmo género de mercadoria. «O que é que você quer comprar?», diz a sorrir madame Lü para evitar o pro-longamento da conversa. Nem um minuto a perder.

Em Rosário, vizinha do café do mesmo nome, mais pequena, sem janelas, a China City estende-se em profundidade. Estilo loja de conve-niência. O senhor Lu está estabele-cido no arquipélago desde há cinco auos. O quinquagenário seria mais loquaz sobre as suas condições de vida se o tempo lho permitisse. «Mas você vem de Zhejiang, a província mais rica. Porquê ter emigrado para Portugal?» O senhor Lu esboça um gesto de negação. «Sim, há lá ricos, mas também há pobres», lamenta.-se. Antes de partir, olho para as áleas estreitas a ver se descubro a jovem vendedora encontrada alguns anos atrás. Mas não vejo nenhum sinal dela.

Quem diz chineses diz restauran-tes. Só em Ponta Delgada são quatro., donde dois são dignos de menção. O Tianle (Alegria Celeste) é o mais vi-sível aos olhos dos turistas porque estrategicamente situado na Aveni-da Infante Dom Henrique. Noutro

lado, a nova administração do Res-taurante Cantão da Rua Bento José Morais especializa-se também no bufê e oferece o almoço a 8.80 euros, ao mesmo tempo que faz entregas de pratos preparados (chineses e japo-neses', a 12,80 euros. Um terceiro, tanto faz chinês corno japonês, para aproveitar do peixe fresco local.

Febre chinesa no continente?

Numa apologia bem documenta-da publicada no «Açorianó Orien-tal», o ex-reitor da Universidade dos Açores argumenta que a aproxima-ção atual com a China é «importan-te e benvinda». Vasco Garcia deseja. ardentemente que a China colabore estreitamente com a sua alma ma-ter em todos os setores que dizem respeito ao oceano. Segundo ele, há mais esperança do lado chinês que do lado europeu ou americano. (In-cidentalmente, os pescadores chine-ses restam invisíveis na vasta zona de pesca das nove ilhas. Segundo um industrial bem informado da Lagoa: «Eles não têm as chalupas necessá-rias». Os tubarões, cujas barbatanas são tão cobiçadas, podem dormir descansados.)

Apesar das boas intenções, ne-nhum organismo fez uma pesquisa aprofundada sobre a presença chi-nesa nos Açores. Como se integram

eles? Falam português? O acolhi-mento da parte dos Açorianos - 'eles mesmos grandes emigrantes? Resis-tências culturais? O receio do dum-ping?

Por outro lado., no continente, os universitários Miguel Santos Neves e Anncttc Bongardt examinam o dossiê desde há alguns anos. As lojas chinesas (do tipo pequena empre-sa familiar) seriam em número de 3 800 nas diferentes cidades. Perto de 300 restaurantes rivalizam en-tre si em Lisboa e no Porto. Apesar da forte presença de Brasileiros, a comunidade chinesa era em 2013 a que registava o maior crescimento demográfico com um efetivo de 17 000 a 22 000 pessoas segundo as estimativas. Depois dos contingen-tes de Moçambique e de Macau, a última vaga provém definitivamente de Zhejiang.

Os Portugueses aprendem o chinês

No capítulo cultural, a Escola Chinesa de Lisboa abriu em 2000. O Instituto Confucius recebe cada vez mais estudantes desde 2008 e o mandarim é ensinado noutros lados num certo número de escolas. A Uni-versidade de Coimbra abre agora os braços aos estudantes chineses. Um progresso qualificado de histórico!

No seu excelente estudo sobre as ne-gociações luso-chinesas precedendo a «retrocessão suave de Macau», a professora Carmen Amado Mendes deplorou recentemente que não ti-vesse havido «um único diplomata português falando correntemen-te chinês» nos anos 1980-90. Nem também um único centro de estudos asiáticos. Surpreendente! (Já conhe-cemos em Otava dois ex-embaixado-res de Lisboa em Pequim, seja dois grandes especialistas: Pedro Mou-tinho de Almeida assim como José Manuel Duarte de Jesus. Mencione-mos também o nome de Vasco Rocha Vieira que foi um grande mandarim em Macau e nos Açores.) Parado-xalmente, os Portugueses estiveram entre os primeiros Ocidentais a nos darem a conhecer o Império do Meio há cinco séculos.

Enfim, o futebol a isso obriga: se-ria em parte graças a uma campanha de publicidade feita em Xangai apos-tando na celebridade de Cristiano Ronaldo? O Português mais célebre na China? Apesar da ausência de ligação aérea direta, o número de turistas da República Popular au-mentou recentemente, assim como a venda de produtos de luxo a esses estrangeiros endinheirados. Infeliz-mente para a economia local, não vi-mos um único turista chinês em São Miguel em três semanas.

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07-02-2016

Comunidade chinesa quer contribuir - para a economia dos Açores Reportagem de Jules Nadeau, exclusivo LusoPress/Diário dos Açores I Págs 6 e 7