voz ativa

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BAURU, MAIO, 2015, 1ª ED DA QUEBRADA PRO PAPEL O HIP HOP PEDE PASSAGEM

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Suplemento produzido para a disciplina de Jornalismo Impresso II, 2015, do curso de Jornalismo da Unesp, câmpus Bauru, sob a orientação do Prof. Dr. Angelo Sottovia Aranha

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Page 1: Voz ativa

BAURU, MAIO, 2015, 1ª ED

DA QUEBRADA PRO PAPEL O HIP HOP PEDE PASSAGEM

Page 2: Voz ativa

2V.A.

“Eu tenho algo a dizer, explicar para você, mas não garanto para você que engra-çado serei dessa vez”. De Mano Brown a Coruja BC1, de Tupac Shakur a Thigor MC, de Grand-master Flash a DJ Ding, de Que-en Latifah a Sara Donato, de Banks Backspin no auge dos anos 80 na estação São Bento ao BBoy Luan Dos Santos, o Hip Hop salvou e ainda salva. Você vai encontrar ao longo das próximas páginas os cinco ele-mentos desta cultura liberta-dora - e vai se libertar também. Com as pickups dos DJs, a lata de spray do Graffitti, a ginga do Breaking, o papel, a caneta e o microfone do Rap, a quebrada pede passagem. A favela resiste, o gueto sobrevi-ve, a periferia conquista a voz que sempre mereceu. O que era marginal, hoje tá no ho-rário nobre. Num flow enlou-quecedor, na Sabotage do pre-conceito. Mais que arte, o Hip Hop é resistência. Quem nunca foi ouvido, hoje tem Voz Ativa. Bauru, famosa pela sua ferrovia, trilha outros cami-nhos para se salvar. Um celeiro de talento mostra que o inte-rior tem voz. O Hip Hop manda a real, fala o que a mídia ignora

e mostra o que o governo não quer enxergar: é um instrumen-to de transformação social por meio da consciência. Cultura de voz ativa que dá poder ao povo. O Voz Ativa vai te le-var para este universo. Você vai conhecer cada elemento desta cultura, a indústria fo-nográfica, a fé, a apropriação, a arte, a luta política, o ma-chismo, a relação com o po-der público. Nas próximas pá-ginas você vai descobrir que o Hip Hop liberta e contagia. Durante anos, a vida nas periferias foi considera-da descartável. Toda cultura de milhões de seres Humanos foi colocada à margem. A luta pela emancipação e pela auto-nomia dos negros e pobres da favela, foi recebida com tru-culência e hostilidade pelo es-tado. O Hip Hop veio pra mu-dar isso e mostrar ao mundo que a arte pertence ao povo. Então embarque com a gente, em meio ao som, ao ritmo, as cores, as danças, as vozes. Na sábia loucura de gente que cansou de ser con-siderada cidadãos de segunda classe, nos jogamos em meio a essa cultura rica e alucinante. E você vem junto. Valeu Tio?

PAPO R

ETO Uma cultura pra quem

precisa de voz ativa

FIQUE

LIGAD

O 3- O Pilar que sustenta os outros 4

4- O Maestro do Hip Hop/ Arte e Poesia em Movimento

5- Wise Madness, uma sábia loucura na racionalidade bauruense

6- Ritmo, poesia e fé/ Thigor MC

7- A Mensagem X O Dinheiro/ O RAP de Coruja BC1 salvan-do vidas

8- “Muro branco, povo mudo”

9- Grafite ou Pichação?

10- O Hip Hop e o Poder Pú-blico/ A Criminalização do movimento

11- As minas querem voz!/ O RAP de Sara Donato

12- Se pudessem deixar a Be-yoncé branca, deixariam

A gAl

eRA

UnivErsIDADe estadUAL PAUlistA “JúLIo De MEsQUita FILho”

Reitor: Dr. Julio Cezar Durigan

Vice-reitora: Dra. Marilza Vieira Cunha Rudge

av eng lUIz EdmUndo CArrijo COUbE, nº 14-01BAirrO: varGem LImpaCeP: 17.033-360 – baUrU, sPFOne: (14) 3103-6063

FACULdadE De Ar-qUItetUrA, ArtEs e CoMUniCaçãO – FAaC

Diretor: Dr. Nilson Ghirardello

Vice-diretor: Dr. Marcelo Carbone Carneiro

DePArtaMEntO dE COmUnICAção sOCIal

Chefe: Dr. Juarez Tadeu de Paula Xavier

Vice-chefe: Dr. Angelo Sottovia Aranha

CUrso De jornALIsMo

Coordenador: Dr. Francisco Rolfsen Belda

Vice-coordenadora: Dra. Suely Maciel

PlanEjaMEntO gráFICO eDItOrIal IiProfessor: Dr. Francisco Rolfsen Belda

JOrnalismO Impresso iIProfessor: Angelo Sottovia Aranha

reDAção E ProjEto GrÁFiCoGIOVANE NAVARRO ROCHALUCAS ARANTES ZANETTILUCAS DE TOZZI MENDESHEITOR ROSSI AMBIEL FACINIRAFAEL FRANCISCO DE PAULA

MaIo, 2015 VOZ ATIVA

DIagrAmAção: GIOVANE NAVARRO ROCHA

Page 3: Voz ativa

Quando se pensa em Hip Hop sem-pre vêm quatro coisas na cabeça: o Rapper, cantando, encantando e

proferindo sua mensagem; o Grafittei-ro, pintando sua idéia na parede per-manentemente e passando para várias gerações a frente; o BBoy, agitando e contagiando com seu Break; o DJ, mos-trando o seu vasto saber musical e en-caixando perfeitamente uma batida na outra. Mas o esquecido é o elemento do Hip Hop que une esses quatro e norteia a cultura como todo: o conhecimento. “As nossas periferias precisam de referência e o Hip Hop tem um papel fundamental nisso. Direciona [o povo] para as artes, para a cultura, para a lite-ratura. O Hip Hop é um portal para isso. São 515 anos de uma massa que é em-purrada para a letargia”, disse Banks, do Backspin Crew, um dos grupos de Break Dance mais antigos no Brasil. “O Hip Hop liberta a mente. O cha-mativo é os elementos artísticos, mas por traz disso tem todo um trabalho de reeducação, de colo-car a pessoa dentro da sociedade com mais poder de questionamento, com mais visão crítica de mundo, com mais participação ativa no seu meio social. Hoje a transformação dentro das periferias vem de forma gradativa. A gente não espera o governo, a gente age nas bases. Para a molecada, se você der uma arma ela atira, se você der um livro ele lê, se você passar um passo ele aprende… É questão de referencial mesmo”. Dom Black, um dos mais anti-gos rappers de Bauru, estava fazendo política sem saber que fazia. Ai ele per-

cebeu o carater transformador do Hip Hop. “Eu quero que as pessoas saibam os assuntos que eu falo nas minhas músicas. Eu quero que discutam eles”, aponta. “Eu estudei muito mais quan-do eu sai da escola. Eu queria escrever minhas letras. Ai, eu estudava os temas para falar com propriedade. O impor-tante não é o rapper falar por eles, é passar o conhecimento para que sejam a própria voz e consigam se represen-tar a si mesmos”. Marcos Vinicius Fernandes, um dos coordenadores e criadores da Ong Wise Madness, vê o Hip Hop salvando pessoas.

“Ao ensinar o que é bom, você tira aquilo que é ruim. Prin-cipalmente para o povo da periferia, o povo mais carente… Na periferia tem muita coisa que é ruim. Você ensinando aquilo que é saudável substitui aquilo que é nocivo”. Henrique Alves Tomás, um dos vocalistas do AlemDaRima, ressalta

que o MC apenas coloca na música todo o conhecimento de uma cultura.”A gen-te propaga tudo aquilo de uma cultura, o MC tá ali para dar voz para um monte de gente e fazer refletir o que o Hip Hop quer passar. Colocar essa mensagem que a cultura quer passar é fazer que quem ouça o som e a poesia consiga re-fletir sobre aquilo.” Um dos mais importantes ra-ppers da história do Brasil, Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, fala da im-portância do Hip Hop em mostrar ao cidadão que ele pode ser protagonista de sua própria história. “Nós vivemos o que nós falamos. A gente aqui quer bater com o preconceito. As pessoas tem de ter oportunidade de se colocar. Temos de escrever nossos livros, ter a oportunidade criar nosso diálogo”, co-

mentou. O Hip Hop, antes de várias artes agrupadas, é uma cultura. A músi-ca não é a musica pela música, a dança não é a dança pela dança, a tinta na parede não é o grafitti

pelo grafitti. A mensagem por trás daquilo é de politização, reeduca-

ção, conscientização e independência pessoal. A base é primordial. O Hip Hop salva vidas e o Hip Hop liberta e dá po-der para que o cidadão possa usufruir da sua cidadania.

BIBliOteCA MóvEl - qUIn-to ElEMEntO qUer LevAr lEItUrA para a QUEbrADA

Uma das idéias mais interes-

santes que a cena Bauruense de Hip Hop implantou é a Biblioteca Móvel Quinto Elemento. “A gente trabalha com o Hip Hop e estamos lidando com pes-soas oriundas de classes menos favore-cidas. A gente quer levar a leitura para essas pessoas”, afirma William “Índio”, um dos idealizadores do projeto sem fins lucrativos. A biblioteca surgiu em 2013. Durante a edição da semana do Hip Hop de Bauru daquele ano os idealizadores queriam fazer um Sarau. “A partir daí a gente entendeu que o povo precisava de um pouco mais de leitura. Já tinham o conhecimento oriundo das periferias de onde eles são. O livro talvez pudesse potencializar isso dentro daqueles su-jeitos”, afirmou William. Assim começou a Quinto Ele-mento. Cada um levava seus livros para serem lidos pelos outros, e pegavam os livros que os interessavam. “Fomos per-cebendo que a partir daí foram surgin-do letras mais elaboradas e o Hip Hop acabou descobrindo outro canal de co-municação: a literatura”. A Biblioteca Móvel não tem tan-ta burocracia como as bibliotecas tradi-cionais. Por mais que sejam públicas, o espaço não é para todos. Dentro das es-colas elas são consideradas cantinhos dos castigos. “Isso inibe o sujeito a ler, aqui é bem diferente, a gente não pres-siona ninguém”, completa William.A biblioteca móvel funciona assim: você vai leva o livro que você quer doar, pega o livro que você quer ler e devolve só quando terminar a leitura. Não há pres-são, não há exigência de documentos nem nada. Apenas isso, simples assim.

VOZ ATIVA MaIo, 2015 3V.A.

O Pilar que sustenta os outros 4COmO O hip hop e O ConheCImento se rElaCiOnAm

Heitor Facini

‘‘PArA A MolECa-da, sE vOCê dEr UmA

ArMa Ela atira, sE vOCê dEr Um LIvro ElE Lê, sE

voCê PAssar Um PAs-so ElE aprendE’’

INFOGRÁFICO: LUCAS ZANETTI

Page 4: Voz ativa

Banks Backspin diz que o DJ do Hip Hop não é “apenas um DJ de Pen Drive e sim um pesquisador

cultural”. O DJ tem a função de união entre a his-tória e o momento atual e mostrar aqueles que es-tão entrando na cultura e ligar aqueles dois pontos temporais. Inicial-mente depen-dendo de dis-cos dificeis para serem encontrados agora com o aporte tec-nológico a profissão teve uma mudança considerável. Precisava-se comprar um vinil para conseguir uti-lizar e compor uma batida e isso mu-dou drasticamente. Os sons para serem compostos podem ser encontrados na internet e podem ser remixados a par-tir de equipamentos, de programas de muito mais fácil acesso. Aubre da Silva Idesti, mais po-pularmente conhecido como DJ Ding, é um dos maiores nomes de disc joqueis de Bauru. Com 42 anos, Ding ajuda a fa-zer crescer essa cultura em Bauru.

VOZ ATIVA: Desde quanDo VOcê Tá en-VolVidO cultura? quanDo VirOu dJ?dJ DIng: Entre 89 e 90 eu ouvia mui-ta música. Aí na BAND FM eu ouvi o Grandmaster Flash, um DJ muito famo-so nos Estados Unidos e curti. Comecei a ouvir o pessoal comentando e como tocar, etc. Aí eu mudei para Bauru e aca-bei conhecendo um pessoal que ia nas festas que tocava Black Music. Fiquei amigo deles e comecei a tocar em fes-tinhas de garagem, na época era o que dava para fazer. Daí para começar a to-car em clube foi rapidinho.

V.A: e qual A diferençA da prOfis-sãO De Antes para agOra?d: A diferença era a dificuldade e como era mais prazeroso. Você tinha só o vinil e a fita cassete e tinha que correr atrás de tudo, ouvir no boca a boca os lança-mentos. Eu, por exemplo, muitas vezes pegava o trem e viajava oito horas até São Paulo só pra comprar 2 ou 3 LPs e voltar. Era aquele desafio, né? Quanto mais difícil melhor. Hoje, em contrapartida, tá mui-to mais fácil. Você pesquisa muito mais e mais rápido. Você tem a informação ali na hora. Você tem muito mais infor-mação para montar um set específico.

V.A.: e quaIs as dificulDADes DA pro-fIssão?

D: É o público. Você tem todo o trabalho de pes-

quisar para montar um set legal para

a festa, tem um equipamento

caríssimo e o cara vai lá e contrata al-guém despre-parado. O cara vai lá, só colo-

ca o notebook e deixa tocando.

V.A.: e quanTo AO “dJ De pen drIVe”?

d: Pra mim são duas coisas. Tem os que começam por aí e depois evo-lui mesmo. Mas tem aqueles que vão lá para sempre aparecer e não tocar mesmo. Eu tenho muita coisa contra e pouca a favor. Só resta a esperança que o cara evolua, compre os equipamentos para virar um DJ de verdade mesmo. O importante é não desestimular quem tá começando.

V.A.: e qual A ImpOrTânciA para Você DA profIssão de DJ denTrO Do Hip HOp?d: O DJ foi o primeiro que apareceu, quem abriu o caminho pra cultura. O MC era um ajudante que depois virou mestre de cerimonia. Não é porque eu sou DJ, mas sem ele não acontece. Ele é o maestro. Ele tem que pesquisar sempre, lançar novidade. Além disso ele tem que voltar no tempo, colocar umas músicas lá do passado para a pessoa que está chegan-do agora para acabar conhecendo, en-tendeu?

mAio, 2015 VOZ ATIVA 4V.A.

O maestro do Hip HopdJ DIng, importanTe em BAuru, explica a importâncIa Do disc JoqueIHeitor Facini

F

OTO:

HEI

TOR

FACI

NI

DJ DING, NO RAP HOUR

O O Breaking é um estilo de dança que representa um dos quatro elementos do Hip Hop. Nasceu

em Nova Iorque nos anos 70, e foi cria-do dentro das comunidades afro-lati-nas que viviam nas periferias da Big Apple. O estilo ganhou esse nome por-que os praticantes dançavam na “que-brada” da música. Ou seja, nas batidas que os DJs criavam. O “boom” do breaking veio nos anos 80, quando a grande mídia ame-ricana abraçou o Hip Hop e começou a vendê-lo de forma mais positiva, o que não aconteceu na década anterior. Foi justamente nessa época que o Bre-aking chegou ao Brasil. Assim como havia acontecido nos EUA, os jovens moradores de áreas periféricas, abra-çaram o estilo, criando passos que juntavam os movimentos gringos com a malandragem brasileira. Em pouco tempo, os B-boys já estavam espalha-dos por todo Brasil.

Aqui

Quem passa pela praça Rui Barbosa, ou mesmo pela rodoviária municipal pode não saber, mas se vol-tarem nesses lugares no dia certo, na hora certa, poderão assistir um verda-deiro show. Esses locais são conheci-dos por ocasionalmente, muitas vezes sem data marcada ou aviso prévio, reunir B-boys, que ao som de batidas contagiantes, despejam todo seu re-pertório de passos e acrobacias em quem por ali passa, tudo pelo simples prazer da arte. E entre eles, destaca-se Luis Frabetti, o Major. Major conta que teve seu pri-meiro contato com a dança em 2003. “Eu conheci o breaking mais ou menos em 2003 quando o pessoal de uma ONG, na época chamada Quilombo do Interior fez uma apresentação com o caminhão palco no Parque Jara-guá onde eu moro... ti-nham uns B-boys que se apresenta-vam, e eu vi e me a p a i x o -nei”. E e s s a p a i -x ã o d e u f r u -tos. Nos úl-

timos 12 anos, Major se transformou em um ícone do breaking bauruense e um referencial para outros pratican-tes. Ainda assim, para ele o principal é inspirar uma nova geração de B-boys. “Você está inspirando outros, a molecada tá vendo você fazer, e eles se inspiram e assim que a gente vai man-tendo nossa cultura.” Essa missão de inspirar e ser referência também é o que motiva Eri-cson Carlos Pires da Silva, o Banks. “As periferias precisam de refe-rências, e o hip-hop tem um papel fun-damental nisso (...) Através da dança, eles conhecem o mundo que ainda é selado dentro das quebradas. Através da dança, o cara pode tomar um outro rumo na vida.”

Do Geisel

para o Mundo

Em Bauru, quando se fala em breaking é impossível não falar de Luan Carlos dos Santos. O jovem de 23 anos é considerado hoje, um dos me-lhores B-boys do mundo. O jovem criado no Geisel, co-meçou a dançar em 2002, e não parou mais. Embora esteja hoje morando em Diadema, grande São Paulo, Luan res-salta sempre suas raízes. “Eu aprendi a dançar no Geisel. Tudo que eu sou hoje vem de lá. É lá que tá minha família e amigos. Foi lá que eu comecei.” Dono de um estilo provocativo, Luan venceu em 2014 o campeonato latino-americano de breaking. Com a vitória, ele se classificou para repre-sentar o Brasil no mundial que ocor-reu em dezembro do mesmo ano, onde caiu em decisão dividida nas oitavas de final para o japonês Taisuke. Mesmo assim, ele afirma que ficou satisfeito. “Perdi pro cara que foi pra fi-nal, e sei que dei o meu melhor, pra mim o que importa é isso. E também me diverti pra caramba. Meu objetivo é sempre melhorar, fazer melhor do que j á fiz.”

Arte e Poesia em Movimento

no ritmo Das quebraDas

Rafael de Paula

FOTO: HEITOR FACINI

O PRIMEIRO ELEMENTO

FOTO: ARQUIVO PESSOAL

B-boy na etapa latino-americana de breaking

Page 5: Voz ativa

O grupo Wise Madness ganha espaço em Bauru como a casa do hip-hop e do skate na cidade

e região, desde sua fundação. Inspirados pelo evento trazido pelo projeto paulistano Extreme Impact, que em 2006 veio a Bauru com trinta dias de circo, street dance, hip-hop e percussão, os amigos Marcos Viní�cius

Fernandes, Danny Pagani e Anderson Ricardo

espelharam-se naquele exemplo para expandir a cultura do hip-hop no cerne da sociedade bauruense. Com o nome “Das ruas pras ruas”, o grupo começou a se reunir na praça Rui Barbosa, no centro da cidade, com oficinas de street dance e pirofagia, fazendo crescer daí� as chamas do hip-hop no coração de Bauru. O próprio nome utilizado era carregado de simbolismos, afinal, o objetivo do grupo era levar às ruas bauruenses uma cultura que já era das ruas. Marginalizado e estereotipado como um fenômeno das periferias, algo sem valor para a elite cultural, a “Wise” queria provar que aquela era de fato uma cria das periferias, mas tinha, sim, um papel fundamental como arte. O tempo foi passando e mais apaixonados, ou apenas curiosos, foram se juntando à iniciativa. Assim, eles perceberam a necessidade de pensar em um novo nome, algo que

representasse a evolução do grupo e que impactasse os envolvidos. Surge assim a Wise Madness, uma sábia loucura

na racionalidade bauruense.

Um dos

divisores de água no

crescimento da Wise se deu em 2010,

quando os coordenadores conheceram o Promotor de Justiça Enilson David Komono, 39 anos, que se interessou pelo projeto e passou a integrar as reuniões. Com sua entrada, o grupo ganhou a infraestrutura que faltava, chegando inclusive a adquirir uma sede própria, inaugurada em abril de 2012, contando com o primeiro e único bowl (rampa profissional de skate) de Bauru.

ATUAÇÃO

O projeto conta com inúmeras oficinas divididas em quatro áreasespecí�ficas. A “Nosso Galpão” é o foco

principal dos trabalhos. Ali são desenvolvidas a autoestima e a

personalidade dos

participantes. São realizadas no perí�odo noturno as oficinas de Street-dance e Street-Kids, STOMP (trabalho de percussão que usa objetos comuns e o próprio corpo para produzir sons), Pirofagia, Teatro, Clown (aulas que juntam o teatro e a comédia), Breakdance e a Escolinha de Skate e Roller. Todas as aulas são para todas as idades e gratuitas. A “Escola com Arte” funciona como um espetáculo itinerante, estimulando os participantes das oficinas do “Nosso Galpão” a colocarem em prática o que é aprendido. As apresentações são realizadas em escolas públicas de Bauru, seguindo as temáticas sugeridas. Nos encontros também são abordados temas como drogas, violência e convivência social, a fim de estimular os bons hábitos nos alunos. “Impactar com Arte” é justamente o objetivo final das oficinas da Wise. Nesta etapa, os integrantes do “Nosso Galpão”, devolvem a sociedade todo o conhecimento absorvido no projeto. Apresentações são realizadas em espaços públicos, geralmente a noite, de modo a integrar a cultura urbana de volta às ruas, só que de forma mais organizada e desenvolvida. Todas as apresentações são feitas em parceria com a Secretaria de Cultura de

Bauru. A última área desenvolvida na Wise Madness, também é uma das mais importantes. O “Serviço de Fortalecimento de Ví�nculos” faz com que a Wise não seja totalmente um projeto desvinculado do poder público, como explica o cofundador Marcos Vinicius. “Na verdade, a gente tem uma certa ligação (com o poder público)… De 2014 pra cá, nos começamos com o serviço de fortalecimento no qual nesse sim, nós temos uma ajuda do poder público.” Por conta desta parceria, a Wise atende crianças e adolescentes, indicados pelo CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), com faixa etária entre 5 e 16 anos, no contra turno escolar, com aulas de artesanato, Hip-Hop, Skate, Dj, Breakdance, Reciclagem, Grafiit, Clown, Street-Dance e Malabares. Além das aulas, os jovens recebem duas refeições diárias e reforço escolar. Todas essas atividades são realizadas em parceria com a SEBES (Secretaria do Bem Estar Social) de Bauru.

Giovane Rocha e Rafael de Paula

V.A.

FOTO: BERNARDO FONTAN

IELLO

5V.A.

Wise Madness, uma sábia loucura na racionalidade Bauruense

HÁ 10 ANOS, A REFERÊNCIA DO HIP HOP EM BAURU

F

OTO:

RAF

AEL

DE P

AULA

MARCOS VINICIUS, COFUNDADOR DA WISE MADNESS.

OFICINASDJ e MC/ Skate - Seg. 20h - 22h

STOMP - Ter. 20h - 22h

Skate - Qua. 20h - 22h

Street e breakdance - Sex. 20h - 22h

Malabares e pirofagia - Sáb. 14h - 16h

COMO AJUDARImposto de Renda 6% para pessoa física e 1% para pessoa jurídica

Depósito na conta da Wise ou via Pag-Seguro.

Grife de Camisetas Wise Madness Clo-thing.

Doação de alimentos, brinquedos, ma-terial escolar e livros.

VOZ ATIVA maio, 2015

WISE, AO SEU DISPOR

FOTO: LUCAS MENDES/ INFOGRÁFICO:GIOVANE ROCHA

Page 6: Voz ativa

maio, 2015 VOZ ATIVA 6V.A.

Ritmo, poesia... e FéSem perder o eStilo próprio, grupoS de rAp fAzem queStão de profesSar SuA féRafael de Paula

em Bauru, muitas pessoas também se envolvem com o RAP Cristão. Misturando sua fé com o ritmo

com que eles se identificam, homens e mulheres se juntam para fazer versos, construir rimas e orar. Um desses MCs é Thiago Luiz da Silva, o Thigor MC. Com seu estilo e sua música, ele acredita que o RAP, alia-do com a mensagem cristã, pode fazer a diferença na vida das pessoas. “É bem espiritual no meu caso. Minha música consegue ir além, né meu? Consegue chegar em lugares que eu não consigo chegar... Eu consigo ver assim, o efeito disso na vida das pesso-as. O Hip Hop não discrimina nada. Eu acredito que todos vêm pra somar, mas

cada um tem sua área.” Thigor, hoje com 29

anos já está a 10 anos na es-trada. Seu primeiro trabalho

foi lançado em 2006 com o grupo Guerreiros da Luz, onde ele era vocalista. Após o fim

do grupo, Thigor começou carreira solo, tendo lan-

çado um CD e um DVD. Ao contrário da maioria dos rappers

cristãos, que já gostavam do es-

tilo antes mesmo de se converterem,

com Thigor foi dife-rente. “Comecei a ouvir

RAP depois que me con-verti. A partir desse mo-mento me identifiquei com o que era cantado, comecei a usar pra me expressar. Sempre fui uma pessoa muito tí-mida, muito calada.

Através da música consegui me expres-sar e me comunicar de alguma forma.” Ele ainda explica como foi esse processo. “Foi a quinze anos mais ou menos. Sempre fui envolvido com mú-sica, mas antes eu tocava samba. Nesse período eu comecei a ouvir e comecei a ouvir. Essa mensagem se comunicou comigo, me trouxe uma perspectiva de vida diferente. Me ensinou muita coisa que não aprendi na escola. Ai me iden-tifiquei e comecei a escrever [as músi-cas].” Mesmo assim, ele não conseguir mudar sua vida de uma vez só. “Passei um ano longe da igreja. Me afastei e co-mecei a me envolver com muita coisa errada, com droga, e foi no momento que eu voltei pra igreja que eu comecei a escrever, que eu senti a necessidade de passar aquilo que eu tinha vivido pras outras pessoas que viviam a mes-ma situação.” Thigor vê uma importância muito grande no que escreve. “Eu co-mecei a ouvir o rap assim, o RAP Cris-tão, e trouxe uma mensagem que pode acrescentar muito cara. Eu acredito que ele consegue chegar em temas, em as-suntos que outros tipos de RAP não tem tanta abertura. Eu acho muito legal, porque a gente consegue chegar mais afundo que o Hip Hop secular, por as-sim dizer.” Gostando ou não, o fato é que o RAP Cristão tem se alastrado como fogo por todo o Brasil. Letras que falam de fé estão nas bocas de quem se conver-teu já gostando do estilo e não querem abandoná-lo por causa de suas conver-sões. E também conquistam quem nun-ca teve contato com essa cultura, mas que se identifica com as letras. Com isso, o RAP tem se tornado não apenas uma forma de expressão, mas uma for-ma de evangelização.

Show lotado. Na plateia, jovens,-de camisas largas, bermudões, bombetas . Fjay é o primeiro a

subir, confere o som, manda um salve pra galera e começa a batida. “Tche... tcheguedieguedie... tcheguedieguedie... eu to a pampa”. Três figuras aparecem marchando e cantando o refrão. “Tche... tcheguedieguedie... tcheguedieguedie... eu to a pampa”. A plateia canta junto. Acompanha o ritmo com as mãos, ca-beça, com todo o corpo. A música con-tagia, a empolgação aumenta. O verso, sem muito sentido aparente é repetido mais uma vez. “Tche... tcheguediegue-die... tcheguedieguedie... eu to a pam-pa”. Boom. Começa o show. Qualquer desavisado, ao ver essa cena, em um primeiro momento pode imaginar que se trata de apenas outro grupo de RAP. Mas basta alguns minutos prestando atenção nos versos que aquele grupo destila no palco para perceber as diferenças. Letras que fa-

lam de Deus, de fé, de salvação se mis-turam às histórias cantadas em versos. Testemunhos de vida e orações são feitas no palco, e são acom- p a -

nha- d a s fervoro- samen-te pelo público. Aqueles quatro são mais do que rappers, eles são o Ao Cubo, um dos principais grupos de RAP Cristão do Brasil. Ao Cubo, que faz analogia a trindade cristã (o Pai, o Filho e o Espíri-to Santo), surgiu em São Paulo em 2003

com os MCs Feijão, Dona Kelly e Cléber, além do DJ Fjay. Seu primeiro álbum, Respire Fundo, alcançou em pouco tempo disco de platina, vendendo mais de 100 mil cópias, feito incrível, princi-palmente se tratando de música gospel. De lá pra cá foram quatro álbuns e três DVDs. O grupo só um exemplo de um estilo que vem crescendo no Brasil, o RAP Cristão. Com as tradicionais batidas do Hip Hop usadas para levar a mensagem de Deus, esses grupos conciliam seus estilos próprios com sua fé, tendo que muitas vezes enfrentar barreiras dentro das próprias igrejas. “Mano, até hoje a gente sente preconceito. Quanto começou era pior, os caras olhavam pra nós desaprovando mesmo o nosso som. Mas velho, se é pra louvar a Deus, vale a pena. Esses muleque que tão ouvindo a gente, que tão fazendo o som deles, tem que fazer mesmo. Fazer de coração”, disse MC Feijão.

Mesmo com as dificuldades, es-ses grupos crescem em popularidade. Em várias igrejas, especialmente nas de bairros pobres, jovens se reúnem para ouvir as músicas do Ao Cubo, Apocalip-se 16, DJ Alpiste, Pregador Luo. Mais do que apenas louvores, eles ouvem teste-munhos que se enquadram na própria realidade. Preconceito, criminalidade, drogas são temas recorrentes nos sons desses grupos. Ao mesmo tempo eles passam esperança, dando uma alterna-tiva a quem ouve. Para o DJ Fjay, esse é um dos segredos para o sucesso do Ao Cubo.“Velho, quem ouve a gente se identifica com a gente. Nossas letras fa-lam do que esses conhecem. Eles que-rem louvar a Deus, mas não querem abandonar o estilo deles. É isso que a gente faz. Mostra pros caras que Deus não se importa com tuas roupas ou com teu som. A gente fala da nossa vida que é vida deles.”

rapper de Bauru, trilhA Seu caminho aliAndo hip hop e a igrejA

Rafael de Paula

Thigor MC: Um mensageiro de Cristo

“maS Velho, Se é pra

louVAr a deuS, Vale a penA”

Page 7: Voz ativa

VOZ ATIVA maio, 2015 7V.A.

A Mensagem x O DinheiroA produÇão do rap colocada em perspectiVAGiovane Rocha

o estilo musical que hoje descon-strói preconceitos e constrói ide-ologias, surgiu na década de 60,

na Jamaica, e foi importado para os Estados Unidos, onde ganhou o nome Rhythm and Poetry, Ritmo e Poesia, ou só RAP, um dos pilares fundamentais no cenário do Hip Hop. Em sua origem, esse modo de fazer música já buscava trazer na sua essência a mensagem que aqueles que cantam, os MCs (Mestres de Cerimônia), queriam passar, abordando assuntos que, lamentavelmente, faziam parte do seu cotidiano, como a violência sofrida nas periferias, situações políticas, e o preconceito que envolvia toda esta cul-tura. Com a Indústria Cultural já em jogo, o RAP não escapou da visão mercadológica das produtoras e logo entrou pro, não tão seleto, grupo de músicas que serviam como um mero produto “bom para ser comercializado”. Igual a outros estilos afetados por essa visão, o RAP perdeu na qualidade de sua mensagem e em como era passada, sendo que a mídia viu mais uma vez no poder do estereótipo a oportunidade para vender a verdade nascida das per-iferias. Em contraponto à visão de mercado e para preservar a essência do RAP, existem os rappers indepen-

dentes, que para não manchar as men-sagens transmitidas através da poesia ritmada não se poupam de derramar o próprio suor para serem reconhecidos, não por um estereótipo criado, mas sim pelas experiências passadas.

pontos de ViStA Por ser a cultura que luta por dar uma voz ativa para as comunidades, o Hip Hop encara o preconceito desde sempre, a fim de buscar a melhora para todos seus irmãos, mas nunca para si mesmo. É com essa visão que Thiago de Tarcius Marmontel Fontes, o Thiago Negão, presidente e produtor da P.D.G. Records, não contesta o potencial dos rappers independentes. “Cada um tem o seu diferencial cada um tem sua meta e seu objetivo é isso que torna o RAP tão agradável, a diferença e a diversidade de ideias mas todos na mesma batida afim de ajudar a comunidade e ao meu ver todos temos potencial assim como qualquer outro rapper em destaque”, diz ele. MC aos 14 anos de idade no grupo Evolução Racial de Bauru, Thiago tem uma visão bem clara do outro lado do mic sobre a qualidade na produção dos RAPs.

“O RAP ele nunca perde a es-sência porque se o mano rima miojo com estojo, já vira uma rima. Ago-ra em relação a qual-idade acho que parte de cada um, porque nenhum rapper faz a letra igual a do outro. Cada um aborda aquilo em que acredita ou luta e os lucros são con-sequência né mano, quem não quer ganhar um din fazendo o que mais gosta? Mas sim, tem os zoião que pega o bond andando e en-tra pensando só no bolso e não em espalhar a mensagem da qual a perife-ria precisa”, completa. O rapper independente Coru-ja BC1 vê a internet como uma ferra-menta forte para divulgar os músicos independentes, mas fala que enquan-to mídia democrática, “já foi melhor,..., antigamente não precisava pagar im-pulsionamento,..., tipo assim, criaram novos meios de limitar a publicação do artista independente nas redes so-ciais,.., os cara vê o que dá dinheiro e começou a limitar né.” Coruja ainda comenta sobre a questão dos rappers que “se vendem”

para a indústria da música. O MC acha que a questão vai muito além de como as pessoas costumam taxar os músicos que lutaram para vencer como “vendi-dos”: “Tem um amigo meu, o Rashid, que fala um bagulho muito loco, numa música ele fala assim: “Se vender é você fazer o que você não gosta por din-heiro, você fazer o que você ama não é se vender.” Eu acho que o MC tem que aprender a fazer negócios também... quando eu vejo esses irmão bem mano, pra mim é vitória,..., julgar um irmão de vendido é retrocesso.”

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coruja, de 20 anos, nasceu Gusta-vo Vinícius, mas desde a infância já é chamado pelo apelido. “Na

real eu não lembro quando eu não era MC”, afirma Coruja. BC1 ainda agrega a importância do conhecimento na ca-minhada do Hip Hop: “em busca do co-nhecimento em primeiro lugar”. O primeiro contato cultural do rapper foi o com a cultura nordestina. Seu avô influenciou muito nisso. Mes-mo assim as duas se misturam. “Am-bas tem a mesma intensidade. Aqueles vem para São Paulo, vêem todo mundo querendo empurrar uma cultura ame-ricanizada persistem com a sua própria cultura. Isso é um ato de resistência”. O rapper tem um EP, o “Até Sur-do Ouviu”, e um disco lançado recente-mente, o “A Voz do Coração”.

Voz AtiVA: o que mAiS te atrAiu no Hip Hop?coruja: A chance de mudar vidas, a parada da resistência, de educar, de construir e aprender entre nós mes-mos. O Hip Hop chega na vida do mo-rador de periferia e se posiciona como opção. Nos ensina coisas que a escola as vezes se omite em ensinar. As vezes

não, quase sempre. Eu, filho de pai negro, me consi-dero negro. Ai chegou o Hip Hop e mos-trou pra mim, que não gostava de ler os livros da escola, uma porrada de litera-tura da história negra. Você se interessa por aquilo. Quer ler mais e mais. O Hip Hop chega dessa forma, trazendo mui-tas coisas que o sistema se nega a mos-trar.

Va: qual Você achA que o papel do mC nA construÇão do conheCimen-to?c: Tem gente que faz RAP só pela mú-sica, que não é MC. Eu respeito, acho que cada um tem sua escolha, ninguém é obrigado a fazer nada. Mas o MC tem um comprometimento com a cultura Hip Hop. Eu me posiciono assim, é ou-tra fita, né? Acho que o MC tem a obrigação de agir e interagir com os demais ele-mentos do Hip Hop. O importante é os elementos voltarem a andar unidos, en-tendeu?

Va: e Como Você Vê Aqui em Bauru o Hip Hop?c: Eu ajudei a construir essa cena, me

vejo como parte dela. Em 2011 eu tra-balhei no ponto de cultura junto com o [Renato] Magu. Olhando pra trás, eu vejo que a gente caminhou muito da-quele tempo para cá. No entanto, eu acho que a cena de Bauru ainda tem muito a progredir. A gente, que vê o lado de fora, tá sem-pre tentando trazer coisa nova pra cá. Tem muito avanço para acontecer. Nun-ca pode achar que tá bom, porque não tá. Tá para ficar. Bauru tem grandes MCs, gran-des grafiteiros, grandes BBoys, grandes DJs. Acho que o próximo passo da cena é fazer dinheiro, tio. Os MCs sobrevive-rem daquilo que amam fazer. Alguns fazem isso bem já, o Thigor, o AlemDa-Rima, o Dom Black, o Thiagão, o Cane-la… Uns caras já vivem da arte aqui. O grande passo seria uma casa do Hip Hop mas funcionando em todas as condições certinhas. Todo mundo que trabalhar nela tem que ter salário. Isso seria um passo muito louco para dar. O Hip Hop é forte para caramba aqui.

Va: e quAl é a menSagem que VoCê quer pAsSar no ‘A Voz

do coração’?c: Eu odeio traduzir letra. A magia da música consiste nisso, mano, no escu-tar e interpretar. É que nem você olhar pra uma parede. Dependendo do ângu-lo que você olha, você vai vê um detalhe diferente, então, a pessoa dependendo do sentimento que ela tiver no momen-to ela vai absorver de uma forma dife-rente cada pedaço da letra. ‘A Voz do Coração’ é para mudar vidas, mano. É um álbum único, acho que nunca mais vou fazer algo assim. Um álbum não, um CD único. O álbum ainda tá por vir.

O Rap de Coruja BC1 salvando vidasdo repente ao Hip Hop, o mc continua fortalecendo A culturA que moVe sua VidA

Heitor Facini

CORUJA BCI, “A VOZ DO CORAÇÃO”

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Page 8: Voz ativa

maio, 2015 VOZ ATIVA 8

V.A.

“Muro branco, povo mudo”Como o Grafite e a pichação se relacionam

com a cidade e o que ainda se pensa sobre elesLucas Mendes

arte, transgressão, vandalismo, ex-pressão, repressão, cores, valores e muita tinta. Inúmeras são as ca-

racterísticas que podem estar associa-das ao Grafite e à pichação. Também inúmeros são os estereótipos e o des-conhecimento que ainda caem em cima do pessoal da Arte Urbana. Apesar de protestos escritos em paredes existirem desde os tempos da Antiguidade, foi só no final dos anos 60 que eles tomaram força, principal-mente devido ao grande crescimento das metrópoles do ocidente. Nesse tempo o Grafite, como arte urbana, passou a ser desenvol-vido nos EUA, nos bairros do Bronx e Brooklyn na cidade de Nova York, feito por jovens negros e latino-americanos. O Grafite supria uma necessidade des-ses grupos se manifestarem e se ex-pressarem artisticamente. O movimento ganhou força com a contracultura da época, e busca-va romper com os ideais da sociedade norte-americana, ao mesmo tempo em que ia na contramão da cultura de mas-sa. O Grafite entra nessa história como algo que proporciona uma liberdade de expressão, uma espécie de “grito das ruas” dos jovens que viviam nos guetos e marginalizados pela cultura hegemô-nica do seu tempo. Aqui no Brasil, o Grafite tem ressonância já a partir dos anos 70. Para Sérgio Oliveira, artista do Grafite e professor de artes da Pinacoteca Mu-nicipal de Bauru, o grande precursor da arte no país foi Alex Vallauri. “Tanto é que dia 27 de março é comemorado o dia nacional do Grafite pelo fato da morte dele”, explica Sérgio. A cena do Grafite no início ti-

nha bastante influência do punk rock, e ganha repercussão no Brasil nos anos 80 e 90, a partir do trabalho de artistas como OSGEMEOS, Espeto, Vitche, ISE, Nina e muitos outros, que acabariam por influenciar toda a arte do Grafite para as próximas gerações.

a essência das ruas Com a popularização do Grafite através do mundo, muitos dos artistas passaram a pintar por encomenda ou mesmo expor em galerias. Apesar dis-so, a essência da arte do Grafite ainda são as ruas. “Eu vejo como uma valori-zação ao mesmo tempo em que se mer-cantilizou”, diz Sérgio. “Mas o Grafite, em si, ainda não perdeu essa essência das ruas, e nunca se pode esquecer dis-so. O suporte, a tela, são as ruas. Essa é a essência do público de se manifestar nas cidades”, conta o artista.Essa essência é alimentada por ser uma arte que está nos muros, nas ruas, ou seja, em lugares públicos, onde todos têm acesso e podem ver. Além disso é uma arte gratuita. “O que é legal tam-bém é o interesse de levar a arte e le-vantar esses questionamentos. Por-que um muro branco é como um povo mudo”, confessa Sérgio.

arte urbana

“A arte de modo geral e a arte urbana mais ainda tem a obrigação de fazer a pessoa pensar, sair da rotina dela, da zona de conforto, pôr a cabeça pra funcionar e fazer questionar”. É o que diz João Crepaldi Nellis, o Jota Cre-paldi.

Para ele, a pintu-ra é

uma necessidade “fisioló-gica”. “Se eu não pintar fico louco”, admite o artista. “Fora todo o conceito que tem de des-pertar, de fa-zer a pessoa pensar que é uma arte democráti-ca, que todo mundo tem acesso, que você não pre-cisa pagar pra ir lá na galeria ver”.Jota é formado em publicidade e marke-ting e trabalha na casa de passagem do abrigo Centro Espírita Amor e Carida-de, mas diz que sua paixão sempre foi a arte. Começou a fazer Grafite logo que chegou em Bauru, há cerca de 8 anos, convidado por outro artista do Grafite bauruense, o L7M. O grande impulso de sua car-reira veio no final de 2013, quando ele venceu o concurso para fazer o Grafite no metrô de São Paulo. “Depois disso mudou tudo”, aponta Jota. “Muita gente me procurou pra fazer Grafite, fui con-vidado para um monte de evento”. O maior desses concursos que Jota Crepaldi participou foi no fim de 2014, quando o artista foi selecionado para pintar o gabinete de Rodrigo Janot da Procuradoria Geral da República, em Brasília. O painel que ele pintou foi in-corporado ao Patrimônio Histórico Cul-tural. “Enquanto existir Brasil vai ter meu painel lá”, brinca ele. Apesar da grande relevância

dada ao Grafite em outros lugares, dentro e fora do Brasil, em

Bauru ainda parece ser difícil para o artista

se manter apenas com sua arte. “Aqui [em Bauru] é pintar por prazer mesmo, mas quando con-tratam a gente tem que agarrar”, revela Jota.

arte pela arte?

As di-ficuldades em desempenhar a arte do Grafite em Bauru não são exclusivas de Cre

paldi. A queixa é bas-

tante abrangente e n - tre os grafiteiros da cidade. Lucas Moreira faz pichações e Grafites há pouco mais de 1 ano. Em Bauru ele é responsável pelas intervenções nas pa-redes onde desenha um rosto a partir de janelas que ele usa como se fossem os “olhos” da figura. Atualmente traba-lha no Instituto Graffiti Shop, loja es-pecializada dessa arte em Bauru. Para ele, não dá para sobreviver do Grafite na cidade. “Dá pra você ser visto, dá pra ter sua exposição, mas é aquele bagu-lho, na arte você tem que dar muito certo, é muita sorte também”, reconhece Moreira. Muitos pichadores e grafiteiros acabam fazendo pinturas comerciais, como letreiros de lojas e estabelecimen-tos, para complementarem a renda ou ao menos bancar a compra de novas la-tas de spray. “Eu faço várias vertentes do Grafite, até parti pra fazer letreiro e lo-gotipo de loja”, diz Diego Rodrigo, grafi-teiro e pichador em Bauru, um dos tan-tos que começaram com a pichação e se tornaram artistas do Grafite.

o que falta é Cultura Jota Crepaldi acredita que falta cultura em Bauru para que a arte urba-na possa ser melhor reconhecida. “Tem que acostumar a cabeça das pessoas de que Grafite não é crime”, diz. Para Sérgio Oliveira, a pintu-ra comercial é a sobrevivência da rua. “Como que consegue tinta? Grafiteiro não tem dinheiro. Então a pintura co-mercial ajuda na manutenção do traba-lho na rua. Eu faço um trabalho comer-cial, sobrevivo dele e tenho dinheiro pra comprar minha tinta, ou até pra comer”, explica ele.

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FOTO: LUCAS MENDES

RUA BENJAMIN CONSTANT, NUM TRABALHO DE VÁRIOS ARTISTAS

ARTE NO SUFOCO DA CIDADE GRANDE

Page 9: Voz ativa

VOZ ATIVA maio, 2015 9V.A.

Grafite ou pichação?Para onde vai a arte urbana em temPos de ‘Grapixo’ e ‘disque-pichação’

Lucas Mendes

diego Rodrigo começou na picha-ção, “No caminho da escola era cheio de pichação nas paredes”,

conta ele, também grafiteiro, lembran-do que começou cedo na pichação, com 10 anos de idade. “Aí a gente começa a rabiscar carteira, tinha sempre uns que apareciam com revista de Grafite lá na escola”, revela. “Quando eu comecei ninguém ensinava. A gente olhava nas revistas, ficava copiando as letras e os estilos”, continua ele. “Depois foi expandindo, foi indo pra tudo quanto é bairro, pega-va muro abandonado, terreno, e ficava lá tentando fazer”. Diego é sincero quando fala so-bre a arte que faz. Quando se compara Grafite com pichação, ele não hesita. “Não vejo muita diferença não”.

e tem diferença?

A diferenciação entre o Grafite e a pichação é mais conceitual do que prática, uma vez que existem pichado-res que fazem Grafite e grafiteiros que fazem pichação. Uma coisa tem tudo a ver com a outra. Pichação são caligrafias urba-nas, inventadas na capital São Paulo e que tem uma influência inicial com o movimento punk, o que é bastante con-fundido com as letras do Grafite. As le-tras do Grafite são as modalidades, que podem ser das mais diferentes técnicas, como Bomb, Piece, Wildstyle, Freestyle, Throw-up dentre muitas outras. “Qual a diferença entre Grafi-te e pichação? Também não sei”, diz o artista do Grafite Jota Crepaldi. “Surgiu como uma coisa só. O que define se é Grafite ou pichação? O que faz ser Gra-fite ou pichação? Ter cor? Ter persona-gem? Porque tem Grafite que é só letra, mas é colorido, mais elaborado”, explica Jota. A existência da pichação revela uma profunda necessidade de expres-são. As populações marginali-zadas e periféri-c a s

fazem uso da própria cidade para vei-cularem suas ideias ou mesmo para se-rem minimamente vistos ou notados. “Ao mesmo tempo que a picha-ção critica ela cria um embate pra pes-soa. Aquele que tem mais pichações em lugares altos da cidade, tem um respei-to entre as comunidades. Criar leis que punem o jovem ao invés de incentivá-lo, não vão adiantar nada. Só vai alimentar um ódio e um rancor”, acredita Sérgio Oliveira, professor e artista do Grafite.

a PolêmiCa da lei

Proposta pelo vereador Raul Aparecido Gonçalves (PV) e instituída em novembro de 2014, a Lei nº 6.606 gera controvérsias entre os envolvidos com o Grafite e a pichação e as autori-dades municipais. A Lei dispõe sobre o Programa de Prevenção e Punição a Atos de Picha-ção, tanto nos bens públicos como nos de terceiros. Além disso, possui pontos polêmicos, como a proibição da venda de qualquer tipo de tintas e solventes para menores de 18 anos de idade e a criação de um “Disque Pichação”, canal de denúncias da população para quem estiver pichando. Contudo, não está es-pecificado as diferenças objetivas entre pichação e Grafite. “O vereador criou uma lei inó-cua, que não serve pra nada, porque já existe uma lei federal, ou seja, ele criou uma lei pra ganhar voto da Zona Sul de Bauru”, desabafa um inconformado Jota Crepaldi. O vereador Dr. Raul Gonçalves é médico oftalmologista e vereador pelo Partido Verde. Segundo ele, a criação da lei teve por base uma lei federal so-bre o tema, de 2012. “O que a nossa lei quer fazer é [com relação] à maneira que as pessoas querem se manifestar através da pichação. Uma l i n g u a g e m

que só interessa a um grupo minoritá-rio, pouco inteligível. A maior parte da população não concorda com isso (...) a cidade fica totalmente emporcalhada”, declara o vereador.

exPressão da liberdade ou liberdade de exPressão Em defesa de sua proposta, Dr. Raul lembra que no país o Grafite já é descriminalizado e, segundo ele, o cri-me é apenas para a pichação. Para o vereador, hoje em dia existem novas formas de expressão, o que tornaria a pichação algo desnecessário. “Hoje nós temos as mídias so-ciais, que você pode fazer a manifesta-ção da forma que você quiser e atingin-do um público muito maior”, conclui. “A gente tem liberdade de ex-pressão, mas é uma liberdade repri-mida. Em papéis nós temos liberdade de expressão, mas na prática a gente nunca teve”, declara Mateus Marques, o Fino, dono do Instituto Graffiti Shop, única loja especializada em Grafite na cidade. Para Fino, a politização da arte de rua é essencial por se tratar de uma arte de protesto. “O Grafite e a picha-ção fazem isso, pra ter essa liberdade, porque a gente pode fazer o que a gente quiser, e a cidade tá aí pra ser usada”, completa. Para Sérgio, a questão que en-volve a pichação é mais profunda e traz alguns problemas crônicos da socieda-de brasileira, como a desigualdade. Segundo ele, as pessoas que fa-zem as pichações são em sua maioria jovens que vêm de locais sem estrutura básica, sem bibliotecas, clubes ou qua-dras de esporte decentes. Além disso, existe a falta de

estrutura familiar. “O moleque não

tem nada d i s s o ,

vem de

um mundo de problema social, então a revolta dele se dá nos muros da cidade” reflete Sérgio. “Ele [o pichador] tá pro-vocando, tá dando um tapa na cara da sociedade, mas não percebe o quanto a sociedade julga sem ao menos conhe-cer”, conclui.

um local pra se ‘trombar’

Localizado no centro de Bauru, na rua Presidente Kennedy, o Instituto Graffiti Shop é referência no assunto grafitagem e pichação, tanto na cidade como na região. Fino começou a pichar e gra-fitar ainda na adolescência, inspirado por um grupo paulistano. A loja existe há 3 anos, e virou referência para artis-tas. “Virou um ponto de encontro nem só da cidade, mas pessoal da região, como Lençóis, Jaú, Botucatu, Marília”, diz ele. “Aqui a gente vai se trombando, isso é legal porque virou um ponto de encontro de artistas”, completa.

afinal de Contas, dá Pra di-ferenCiar?

“São duas coisas diferentes”, diz o vereador Raul. “Quem é grafiteiro diz quem um bom grafiteiro ás vezes vem de um bom pichador. Eu acho que não é assim. A grafitagem é arte, o indiví-duo vai ser bom num muro, numa tela a óleo, ele vai ser bom em tudo”, analisa. “A pichação é uma linguagem atípica, onde as pessoas criam símbolos pra se comunicarem entre eles, e fazem verdadeiras disputas de espaço”, atesta o vereador. Para Sérgio oliveira, as coisas não são tão simples assim. Ele enxerga uma relação de “primo rico e primo po-bre” entre o Grafite e a pichação. “Hoje já se criou um nova modalidade”, diz ele. “Aqui no Brasil as coisas se criam, porque a gente tem a imaginação muito fértil. Surgiu o ‘Grapixo’, que só existe aqui, no mundo todo”. O grapixo seria a fusão entre o Grafite e a pichação, uma forma híbri-da que une marcas características das duas linguagens numa figura só. “É uma letra de pichação gorda, estilizada. Aí pode fazer ‘firula’, criar uma estética própria da letra, fazer escorrendo, coi-sas da linguagem própria do Grafite”, ensina Sérgio. Para Fino, a invenção do grapi-xo é uma coisa “muito original brasilei-ra”. “Eu acho que é muito legal porque o movimento não ficou parado só na pichação. Aí você vê que os pichadores querem fazer Grafite também, e inven-taram o grapixo”, conclui.GRAFITE DE PROTESTO POR JOTA CREPALDI E OUTROS ARTISTAS NA RUA MINAS GERAIS

FOTO: LUCAS MENDES

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maio, 2015 VOZ ATIVA 10V.A.

O Hip Hop e o poder públicoAs relAções entre o movimento e A prefeitura de BauruLucas Mendes

Em Bauru, a Semana Municipal do Hip Hop acontece há quatro anos. Desde sua estreia, a Secretaria

de Cultura apoia o evento, em co-real-ização com o Ponto de Cultura Acesso Hip Hop, que é o principal responsável para que as atividades aconteçam. Em 2013 a Semana ganhou um caráter oficial, instituída por Lei munic-ipal. A partir de então ela passa a con-star no calendário de eventos da cidade. “Assim fica mais fácil ter apoio, dá um pouquinho mais de segurança para que as próximas administrações continuem investindo”. diz Elson Reis, secretário municipal de cultura de Bauru.

ColaBoração

Por ser um evento que é re-alizado colaborativamente – com di-versas pessoas ou coletivos ligados ao movimento - a prefeitura de Bauru en-tra no apoio organizacional, logístico e financeiro. “O grupo que acaba concentran-do e organizando isso é o Acesso Popu-

lar, que consegue aglomerar e trazer as pessoas pra organização da Semana” diz o secretário. “Mas a programação é basicamente sugerida pelas pessoas que participam do movimento”, relata Elson. Além disso, ideias como o Pro-jeto Ensaio e o Rap Hour movimentam a cidade durante o ano, ocupando es-paços públicos e levando cultura à per-iferia.Outra forma de apoio da prefeitu-ra de Bauru é através de fomento direto com o Programa de Estímulo à Cultura, que financia projetos com verbas de R$ 10 mil ou R$ 20 mil. Rafael Schiavo é responsável pela inscrição do “Centrão Hip Hop”, e conta que Bauru sai na frente de outras cidades por possuir um programa como esse, porém “também fica atrás de di-versas outras cidades que possuem um programa de estímulo mais maduro e justo”, opina.

Acesso PoPulAr

O grande aglutinador do Hip

Hop em Bauru é o Instituto Acesso Popular, uma Associação sem fins lu-crativos. Além de outros projetos, ele cuida do Ponto de Cultura Acesso Hip Hop, surgido através de um edital do Ministério da Cultura em parceria com a prefeitura. Segundo Rayra Pinto, uma das coordenadoras do Ponto de Cultura, a maior parte da verba que viabiliza o projeto não é da prefeitura, mas feder-al. “O incentivo especificamente finan-ceiro é o que a gente tem em virtude do Acesso Hip Hop, que na verdade não é um aporte só municipal” diz. Nas duas primeiras edições da Semana do Hip Hop “a prefeitura apoia-va no sentido de verbas para os shows maiores e abertura de espaço”, lembra Rayra. “Agora com a lei, além da verba pra construir uma programação maior, temos abertura de escolas para ativi-dades e apoio de outras secretarias”, explica. Para Elson Reis, o apoio da pre-feitura muitas vezes não é reconhecido. “Tem pessoas que acabam sem saber

que a prefeitura está envolvida, e acha que ela não apoia o movimento”, lam-enta. “Na verdade a gente apoia o mov-imento, a ponto de dar ciúmes em out-ras linguagens artísticas”, confessa ele. Rayra já enxerga de outra for-ma. “Eu acho que o investimento que a Cultura dá ao movimento é proporcion-al ao que o movimento faz pela cidade e pela juventude”, que é o movimento que mais mobiliza a juventude na cidade, pondera. “É uma mobilização enquanto movimento social, uma movimentação política dentro da cidade, se [a prefeitu-ra] não investisse seria uma incoerên-cia”, avalia a ela. Dificuldades à parte, a atual re-invidicação do Acesso Popular é de uma sede própria, “pra se transformar na Casa Municipal do Hip Hop”, diz Rayra. A última casa encontrada pela Secretar-ia de Cultura não passou na avaliação da SEPLAN (Secretaria do Planejamen-to), devido a falta de acessibilidade. “A gente está nesse intuito pra fazer essa locação, que vai ser um braço da secre-taria” garante Elson Reis.

o Hip Hop é uma expressão cultural e política vinda da periferia, ten-do em sua essência a crítica social.

Por ser marginalizado, carrega em si todas os preconceitos e opressões que a população negra e pobre sofrem no Brasil.Os elementos do Hip Hop são constan-temente associados à criminalidade tanto pela mídia quanto pelo Estado. ‘’As pessoas acham que por ser de ori-gem da rua, ser marginal é ser bandi-do. Ser marginal é estar à margem da sociedade’’, contesta o artista do Grafite Sérgio Oliveira.Banks Backspin, um dos pioneiros do Breaking no Brasil, acredita que é função do Hip Hop dar voz, informações e instrumentos para

os segmentos marginalizados. ‘’São 514 anos de uma massa que é empurrada para letargia por meio do consumo de massa. O Hip Hop liberta a mente e pelo meio artístico repõe a pessoa na socie-dade com mais senso crítico, poder de questionamento e participação ativa no meio social’’, explica.‘’Eu não posso vender meu trabalho no calçadão que a polícia vem me en-quadrar’’, reclama Dom Black, rapper negro bauruense. Isso mostra que o es-teriótipo criado pela sociedade acerca dos negros da periferia respalda nos aristas do Hip Hop, mesmo quando eles só querem promover o seu trabalho, o que dificulta a própria as-censão desta cultura.

Ao mesmo tempo em que a Semana do Hip Hop é instituida em lei, a pichação nos muros é proibida na cidade de Bau-ru. A contradição mostra que apesar da abertura ao diálogo, falta entendimen-to do poder público sobre o que seria a proposta desta cultura.A lei que proíbe a pichação legitima o que há muito já ocorre. “Na última vez o policial me pegou, não quis deixar a gente continuar e levou a gente pra delegacia. Perdi 200 reais de lata de tinta porque levaram tudo’’, lamenta o grafiteiro Lucas Moreira.

O rapper GOG acredi-ta que o primeiro pas-so para que o precon-ceito e discriminação

sejam vencidos é a criação de canais de comunicação próprios dos integrantes do movimento, para que haja um diálo-go direto com a sociedade.‘’Nós nunca tivemos espaço televisivo, circuitos de comunicação e gravadoras nos contratando. O preconceito é uma arma do desconhecimento das pessoas que não querem pesquisar, buscar a verdade(...) O movimento precisa ser protagonista da própria história para que a gente possa escrever nossos liv-ros, criar um circuito de comunicação próprio”, defende o rapper. Para ele é preciso espaços que rompam com a mídia tradicional, que não traz uma visão positiva do movi-mento e querem ser apenas ‘’um quarto poder no país’’. IN

FOGRÁFICO:HEITOR FACIN

I E LUCAS LANETTI

A criminalização do movimentoCulturA marginAl, o HiP HoP cArrega o PreConceito e disCriminAção social

Lucas Zanetti

RAP X POLÍCIA

Page 11: Voz ativa

VOZ ATIVA maio, 2015 11V.A.

Feminismo, negritude e padrões de beleza: o RAP de Sara DonatorapPer busCa trazer Ao HiP HoP suas vivências Como mulher negrA da Periferia e enfrentA Com garrA o maCHismo no movimento

Sara Donato não veio para brin-car, incomoda muita gente, e está sempre levantando debates

no meio Hip Hop. Desde a infância, resiste diariamente contra os precon-ceitos e opressões que cercam à socie-dade e hoje usa o RAP para dar voz às mulheres negras da periferia. Em suas letras, a rapper são carlense luta intensamente contra o ma-chismo, o racismo, a gordo-fobia e todas as f o r m a s

de discriminação. ‘’Quando a mulher se em-podera e bate de frente, as pessoas se ofendem, por isso fiquei como a chata do rap’’, explica ela. Sara acredita que por meio de sua arte, pode empoder-ar cada vez mais mulheres para não aceitar serem subjulgadas. “Meu peso não é problema. É minha mentalidade que acaba inco-modando”, dispara em seu último sin-gle, ‘’Peso na mente’’, no qual aborda

diretamente a gordofobia. Na letra, também critica o padrão imposto pela mídia e uma sociedade baseada

nas aparências. ‘’Ei, pelo amor, tire seus padrões do meu corpo!’’. Nascida num bairro periférico de São Car-

los, ela pode se instru-mentalizar através da

música. ‘’Foi por causa do RAP que

peguei gosto por

ler. Meu primeiro livro foi de literatura marginal, ‘O RAP à Lápis’, do Toni C’’, conta. Dentro de casa, a rapper con-viveu com um padrasto dependente químico, que agredia sua mãe e che-gou a tentar assassiná-la. Hoje, Sara tira das situações que viveu força para seguir na luta contra a violência e a opressão. Aos 14, quando começou a en-tender a mensagem de crítica social do Hip Hop, Sara montou seu primeiro grupo de RAP com mais 5 meninas, o Conduta Feminina. Após o fim do grupo, foi para o grupo de seu irmão, o Universo Consciente, onde ficou al-gum tempo. Com intuito de ser pro-tagonista da própria expressão e para cantar sobre a questão da mulher e suas vivências, resolveu cantar em car-reira solo. O início foi muito difícil para ela. Boicotes, falta de visibilidade, fal-ta de outras mulheres no RAP foram

as maiores barreiras no começo de sua carreira. Já sentiu, na hora de se apre-sentar, que o som não estava com a qualidade dos rappers anteriores. Sara Donato foi a primeira mulher de São Carlos que canta, com-põe e tem carreira própria. Neste sen-tido, o feminismo a ajudou a ter per-severança e enfrentar um movimento dominado por homens. ‘’Cansei de ter que encarar o machismo como algo normal, não são casos isolados, a todo momento as minas estão sendo oprim-idas, violentadas”, ressalta. Hoje, Sara integra a Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop e o Mulheriu Clã, espaços que buscam a presença feminina no movimento. Sua militância nunca para quando se é minoria historicamente oprimida e discriminada. Porém, Sara mostrou que veio para deixar sua marca, e a de milhões de mulheres, em um espaço onde os homens ditam as regras - pelo menos por enquanto.

Lucas Zanetti

As minas querem voz!mulHeres querem espaço e lutAm PArA reduzir maCHismo no movimento hip hop

Lucas Zanetti

o Hip Hop é um movimento artísti-co e de crítica social, mas não está fora dos alicerces em que a socie-

dade é construída: assim como vários movimentos culturais, é um espaço majoritariamente masculino em que as mulheres são invisibilizadas pelo ma-chismo e pela misoginia. Um dos primeiros gêneros do RAP, o estilo gangsta, surgiu nos EUA nos anos 80 e já objetificava a mulher em sua expressão, criando um rótulo de mulher ‘’fácil, em busca de dinheiro e fama’’. No Brasil, alguns grupos do novo movimento, como Facção Central e Re-alidade Cruel, receberam influências do estilo gangsta, principalmente a visão negativa acerca das mulheres. Em 1989, Queen Latifah lança seu primeiro álbum de RAP, intitula-do ‘’All Hail the Queen’’, onde já con-testava a imagem feminina criada pelos homens. No Brasil, a rapper Sharylaine é pioneira no movimento. Em 1986 montou o primeiro grupo de RAP fem-inino do país, o Rap Girls, e em suas le-tras, a rapper ressalta a identidade da mulher negra. Apesar dos visiveis avanços, a

imagem masculina no Hip Hop é tão consolidada que o protagonismo das mulheres é considerado por muitos uma invasão de espaço. ‘’Sempre que se vê uma mulher no movimento Hip Hop ela está acompanhada por um homem, seja ele marido, namorado ou irmão, pois são eles quem realmente compõe o movimento’’, afirma Rayra Pinto, in-tegrante da Frente Feminina de Hip Hop de Bauru.

invisiBilidade Feminina

A rapper Sara Donato tem 24 anos e em sua música aborda te-mas como o feminismo, preconceito e padrões de beleza. Ela reclama que o movimento resiste à presença femnina. ‘’Querem calar a gente a todo momento, colocar o que a gente deve cantar’’, con-testa. Além de Sara, diversas mulheres vem conquistando destaque no cenário do Hip Hop nacional, como a Odisséia

das Flores, Tássia Reis, BellaDonna e Karol Conká.

Frente femininA de HiP HoP

Em novembro de 2012, foi cri-ada na cidade de Bauru a Frente

Feminina do Hip Hop com o intuito de proporcionar

espaços de discussões entre as mulheres, a desconstrução do machismo presente no Hip Hop e possi-bilitar conforto às mulheres para que

elas mesmas protag-onizem sua arte.

A Frente Feminina foi pensada durante a organi-

zação da II Semana Municipal do Hip Hop, quando notou-se a necessi-dade de discutir as questões de gêne-ro. ‘’Durante os preparativos, a gente percebeu que várias mulheres partici-pavam da organização, discutiam e es-tavam sempre presentes nas reuniões, mas não eram atuantes em nenhum elemento do Hip Hop. Então a gente re-

solveu se organizar enquanto coletivo, e criamos um evento próprio na II Sem-ana do Hip Hop’’, lembra Rayra. A partir de então, a Frente Fem-inina passou a se reunir regularmente para debater a questão da mulher e pensar em propostas que permitissem a inclusão feminina no cenário Hip Hop. Ana Karolina Lombardi, uma das integrantes do coletivo, ressalta a im-portância da organização das mulheres nesse espaço: ‘’A Frente Feminina foi extremamente importante para que eu pudesse me sentir representada e para não me sentir oprimida’’, observa.

espaço conquistado

Após a criação da Frente Femi-nina, esse espaço voltado para as mul-heres incentiva a atuação e o protag-onismo feminino nos 5 elementos do Hip Hop, sendo que o breaking é o es-paço de maior participação. ‘’O espaço artístico e militante das mulheres não é um favor dos homens. As mulheres con-quistaram isso, assim como a mulher conquistou o voto, por meio da luta’’, ressalta Ana Karolina.

‘‘querem cAlAr A gente A todo

momento’’

SARA DONATO, A VOZ FEMININA DO INTERIOR

FOTO: CURTA BAURU

Page 12: Voz ativa

maio, 2015 VOZ ATIVA 12V.A.

“Se pudessem deixar a Beyoncé branca, eles deixariam”

Como a apropriação cultural muda o Hip Hop conforme a indústria fonográfica manda

Heitor Facini

J. Cole, rapper norte-americano de 30 anos, escreve em Fire Squad, música de seu mais recente CD

Forest Hills Drive: “Mesma coisa que meu mano Elvis fez com o Ro-ck’N’Roll, Justin Timberlake, Emi-nem e então Macklemore. Enquan-to a gente discute quem vai pegar a coroa, gente branca está roubando o nosso som. Esse ano provavelmen-te vou aos prêmios vestido elegan-temente, enquanto a Iggy [Azalea] vence o prêmio enquanto eu tento sorrir”. Eminem mesmo já assumiu uma mea culpa no disco The Emi-nem Show na música Without Me: “Eu sou a pior coisa desde Elvis Presley, fazendo música negra de forma tão egoísta, e usando para me deixar mais rico”. J. Cole inclusive disse numa rá-dio norte-americana que ele não está criticando Macklemore, Timberlake, Iggy Azalea ou Eminem, que ele é um grande fã, ele critica todo o sistema que capitaliza em cima deles. “Outro dia fui até uma página do iTunes de Jazz e quando olhei fiquei assustado. Era 99.9% branco. E era uma página de Jazz. E o que acontece? Quando o povo negro surge com uma forma nova de cantar sobre a opressão que sofre, seja Jazz, Soul, Rock, Hip Hop, o sistema pega pra ele e destrói aquilo”. A apropriação cultural é uma forma de destruição. Alguém e\ou um grupo pega elementos de sua cultura sem ao menos pertencer a ela.

Tira a identidade e normaliza. No caso do Hip Hop, gênero que sur-giu nos Estados Unidos por latinos e

negros (minorias na população norte-americana), é bem emblemático como Iggy Azalea e Macklemore cheguem ao sucesso e o obtenham de forma muito mais fácil que os negros que cantam o estilo. Um exemplo é o Grammy de 2014, onde Macklemore e seu CD “The Heist” passaram por cima de Kendrick Lamar e seu “Good Kid, M.A.A.D City”. Lamar recebeu ainda uma mensagem de Macklemore dizendo que ele estava infeliz com a premiação: “você foi rou-bado, você merecia ter ganho”. O pro-fessor Juarez Xavier é direto na sua opi-nião sobre isso. “Racismo, não existe outra palavra melhor para definir essa distorção!”, declara.

Kendrick ainda retrata o ódio que a cultura negra recebe “The Blacker The Berry”, canção do seu último disco “To Pimp A Butterfly”. “Você me odeia, não é? Você odeia o meu povo, o seu plano é terminar minha cultura”. Juarez observa um aumen-to do racismo na cultura, fazendo com os artistas tomem posições mais radicais quanto ao assunto. “Lamar diz o que se houve dos pro-dutores culturais há anos: anos a cultura negra, mas sem os negros”, complementa o professor. ‘ Coruja BC1, ou Gustavo Vini-cius, rapper Bauruense explica o que é apropriação cultural. “É des-

de a mina que bota um dread por estéti-ca e desrespeita uma cultura até várias outras coisas. É muito delicado tocar nesse assunto, mas tá ai todo dia, tá li-gado?”, declara ele. “Tem os comerciais de cabelo liso o tempo inteiro passan-do por aí. Por que eu tenho de alisar o meu cabelo? Nada contra quem alisa o cabelo, o problema é obrigarem isso. Por que não tem shampoo para cabelo crespo? Eu quero que meu cabelo fique cada vez mais crespo, não mais liso”. So-bre isso, o professor Juarez diz que “ali-sar o cabelo pode ser um ato de liberda-de - faço da minha vida o quê eu quiser, e do meu cabelo o quê me interessar - ou um ato de negociação e um ato de insubordinação”.

Mas ele ressalta que “mais importante do que o cabelo alisado é o quê há den-tro da cabeça”. Além disso, ele retrata que um dos simbolos de empoderamento ne-gro na sociedade, a Beyoncê, tem de se adequar para entrar nos padrões que a industria fonográfica quer. “Por que a Beyoncê precisa alisar o cabelo? Por que a mídia tem que impor o cabelo liso? A real é que se a mídia pudesse fa-zer ela ficar branca, ela faria”. “Então o Hip Hop trabalha tudo isso, essa desconstrução, tenta comba-ter essas pequenas coisas. Penso numa criança, num pretinho e numa pretinha da quebrada. Eles tiram os nossos re-presentantes e colocam pessoas pré-moldadas para nos representar e não nos representam. Mas isso a gente já sabe, quando eu quero escutar um bom RAP dificilmente eu vou colocar na TV para ouvir”, sentencia ele. O importante não é não deixar todo mundo conhecer as culturas por conta da era da globalização, onde to-dos conseguem ir aonde querem no globo. Mas porquê os brancos conse-guem o sucesso mais fácil que os negros fazendo a mesma coisa? É só o talento que conta? Não é isso que a Indústria Fonográfica vem mostrando de geração em geração?

“por Que nÃo tEm sHampoo para caBelo CreSpo? Eu Quero Que

mEu CaBElo fiQuE Cada VeZ mais

CreSpo, não mais liso”

3

NÚMERO DE GRAMMY AWARDS™

INFOGRÁFICO: H

EITOR FACINI/FON

TE: GRAMM

Y AWARDS ™

É o número de Grammy Awards de

Macklemore como rapper em

2013 vencen-do Kendrick

Lamar.

Nas, Ice Cube, Tupac Shakur e Notorius B.I.G., apesar de ter muito mais tempo de carreira nun-ca ganharam um Grammy.