voce matou meu filho anistia internacional 2015

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Relatório da Anistia Internacional sobre homicídios na cidade do Rio de Janeiro

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  • Voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela Polcia Militar na cidade do Rio de Janeiro

  • 4 SumRio eXecutiVo 8 coNteXto 12 metoDoloGia16 oBRiGaeS Do BRaSil DiaNte Do DiReito iNteRNacioNal 17 O DIREITO VIDA 18 PRINCPIOS INTERNACIONAIS SOBRE O USO DA FORA LETAL

    22 eXecueS eXtRaJuDiciaiS No coNteXto Da GueRRa S DRoGaS 24 COMO FUNCIONAM AS POLCIAS NO BRASIL 28 AUTOS DE RESISTNCIA E HOMICDIOS DECORRENTES DE INTERVENO POLICIAL

    30 homicDioS DecoRReNteS De iNteRVeNo Policial No Rio De JaNeiRo36 eXecueS eXtRaJuDiciaiS, uSo DeSNeceSSRio Da foRa e outRoS aBuSoS PoliciaiS em acaRi 40 ACARI: CASOS DE HOMICDIO DECORRENTE DE INTERVENO POLICIAL EM 2014 42 ELES ENTRAM ATIRANDO 44 "TROIA": UMA ROTINA PARA ExECUO 47 PRECISAVA MATAR? POR qUE NO PRENDERAM? 53 BALAS PERDIDAS, CAVEIRO E USO DE ARMAS DE ALTA POTNCIA EM FAVELAS 56 MORADORES EM RISCO: OUTROS ABUSOS POLICIAIS

    64 imPuNiDaDe 69 OMISSO DO MINISTRIO PBLICO NA RESPONSABILIzAO PENAL DOS HOMICDIOS DECORRENTES DE INTERVENO POLICIAL 70 MANIPULAO DA CENA DO CRIME E FALHAS NAS INVESTIGAES 76 PROTEO A TESTEMUNHAS

    78 iNtimiDaeS e ameaaS a DefeNSoReS De DiReitoS humaNoS82 coNcluSeS e RecomeNDaeS 87 aNeXoS: 87 LISTA DE SIGLAS E ABREVIAES 88 LISTA DE TABELAS E GRFICOS

    NDice

  • 5Voc matou meu filhoHOMICDIOS COMETIDOS PELA POLCIA MIL ITAR NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    A Anistia Internacional reuniu evidncias acerca de nove dos dez casos de homicdios decorrentes de interveno policial em Acari e que contm fortes indcios de execues extrajudiciais praticadas por policiais militares em servio. Em quatro casos, as vtimas j estavam feridas ou rendidas quando policiais usaram armas de fogo de forma intencional para execut-las. Em outros quatro casos, as vtimas foram baleadas e assassinadas sem nenhum aviso. Em um deles, a vtima estava fugindo da Polcia quando foi baleada e morta.

    O uso de fora letal por agentes encarregados de fazer cumprir a lei gera gra-

    ves preocupaes sobre direitos humanos, principalmente em relao ao direito

    vida. O Brasil tem a obrigao de prevenir e responsabilizar a violncia criminal, e,

    ao mesmo tempo, deve garantir pleno respeito ao direito vida de todas as pessoas

    sob sua jurisdio, conforme estabelecido pelo Pacto Internacional sobre Direitos

    Civis e Polticos e pela Conveno Americana sobre Direitos Humanos.

    O Brasil o pas com o maior nmero de homicdios no mundo: 56 mil pes-

    soas foram mortas em 2012. Os esteretipos negativos associados juventude, no-

    tadamente aos jovens negros que vivem em favelas e outras reas marginalizadas,

    contribuem para a banalizao e a naturalizao da violncia. Em 2012, mais de

    50% de todas as vtimas de homicdios tinham entre 15 e 29 anos e, destes, 77%

    eram negros.

    As polticas de segurana pblica no Brasil so marcadas por operaes po-

    liciais repressivas nas favelas e reas marginalizadas. A guerra s drogas para

    combater o comrcio de drogas ilcitas, especialmente nas favelas, e a ausncia de

    regras claras para o uso de veculos blindados e de armas pesadas em reas urba-

    nas densamente povoadas elevam o risco de morte da populao local. A Polcia

    tem justificado, recorrentemente, o uso de fora letal contra as pessoas alegando suspeitas de envolvimento das vtimas com grupos criminosos. Essas operaes

    militarizadas de larga escala tm resultado em um alto ndice de mortes nas mos

    da Polcia.

    Das 1.275 vtimas de homicdio decorrente de interveno policial entre 2010 e 2013 na cidade do Rio de Janeiro, 99,5% eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos de idade.

    Frequentemente, o discurso oficial culpa as vtimas, j estigmatizadas por uma cultura de racismo, discriminao e criminalizao da pobreza. Parte signifi-cativa da sociedade brasileira legitima essas mortes. O sistema de Justia Criminal

    perpetua essa situao, uma vez que raramente investiga abusos policiais.

    Quando algum morre em decorrncia de uma interveno policial, a Polcia

    Civil faz um Registro de Ocorrncia (RO) e abre um procedimento administrativo

    para determinar se o homicdio ocorreu em legtima defesa ou se um processo

    criminal se faz necessrio. Na prtica, o registro de auto de resistncia dificulta investigaes imparciais e independentes que poderiam determinar se o uso da

    fora letal foi legtimo, necessrio e proporcional.

    Ao descrever todas as mortes pela Polcia em servio como o resultado de um

    confronto, as autoridades culpam a vtima por sua prpria morte. Geralmente, de-

    claraes de policiais envolvidos nesses casos descrevem contextos de confronto

    e de troca de tiros com suspeitos de crimes. Essas verses tornam-se o ponto de

    partida das investigaes. Quando a Polcia registra que a vtima teria ligaes com

    grupos criminosos, a investigao procura corroborar o testemunho do policial de

    que a morte ocorreu em legtima defesa.

    4 Voc matou meu filhoHOMICDIOS COMETIDOS PELA POLCIA MIL ITAR NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    SumRio eXecutiVo

    Voc matou meu filho!: homicDioS cometiDoS Pela Polcia militaR Na ciDaDe Do Rio De JaNeiRo

    Este relatrio da Anistia Internacional apresenta investigao exclusiva sobre execues extrajudiciais, homicdios e outras violaes de direitos humanos praticados pela Polcia Militar na cidade do Rio de Janeiro.

    execues extrajudiciais cometidas por policiais so frequentes no Brasil.

    No contexto da chamada guerra s drogas, a Polcia Militar tem usado

    a fora letal de forma desnecessria e excessiva, provocando milhares

    de mortes ao longo da ltima dcada. As autoridades utilizam com fre-

    quncia os termos auto de resistncia ou homicdio decorrente de

    interveno policial (usados nos registros de mortes provocadas por

    policiais em servio e justificadas com base na legtima defesa) como uma cortina de fumaa para encobrir execues extrajudiciais promovidas pelos policiais.

    Este relatrio se baseia em uma srie de casos de homicdios praticados por

    policiais militares nos anos de 2014 e 2015 na cidade do Rio de Janeiro, em par-

    ticular na favela de Acari. A Anistia Internacional realizou entrevistas com vtimas

    e familiares, testemunhas, defensores de direitos humanos, representantes de or-

    ganizaes da sociedade civil, especialistas em segurana pblica e autoridades

    locais, e coletou detalhes sobre as cenas dos crimes, registros de ocorrncia, ates-

    tados de bito, relatos de especialistas e inquritos policiais. Atravs deste mate-

    rial, a Anistia Internacional verificou a existncia de fortes indcios de execues extrajudiciais e um padro de uso desnecessrio e desproporcional da fora pela

    Polcia Militar.

    A rea Integrada de Segurana Pblica (AISP) 41, que inclui a favela de

    Acari, teve o maior nmero de registros de homicdios decorrentes de interveno

    policial em 2014, de acordo com dados oficiais. So 68 casos registrados, de um total de 244 na cidade do Rio de Janeiro. Dez deles ocorreram na favela de Acari.

  • 7Voc matou meu filhoHOMICDIOS COMETIDOS PELA POLCIA MIL ITAR NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    RecomeNDaeS PRioRitRiaSAs recentes polticas de segurana pblica no foram capazes de extinguir as exe-

    cues extrajudiciais. A Polcia Militar continua usando, regularmente, a fora de

    forma arbitrria, desnecessria e excessiva, com total impunidade.

    Autoridades, nos nveis estadual e federal, devem tomar medidas concretas para enfrentar a violncia policial e a impunidade.

    A Anistia Internacional reivindica que as autoridades do Governo do estado do

    Rio de Janeiro que adotem medidas imediatas para cumprir com suas obrigaes

    em relao aos direitos humanos, incluindo:

    Garantir investigaes amplas, imparciais e independentes a todos os casos registrados como homicdio decorrente de interveno policial/auto de resis-

    tncia, com o objetivo de abrir processo criminal quando adequado.

    Determinar que todos os casos registrados como homicdio decorrente de interveno policial sejam investigados pela Diviso de Homicdios atravs

    de investigaes amplas, imparciais e independentes que possam subsidiar

    processos criminais.

    Disponibilizar os recursos humanos, financeiros e estruturais necessrios Diviso de Homicdios para viabilizar a investigao de todos os casos de

    homicdios decorrentes de interveno policial de forma imparcial e indepen-

    dente.

    Condenar violaes de direitos humanos no contexto de operaes policiais, assumindo a postura pblica de que execues extrajudiciais e o uso desne-

    cessrio e excessivo de fora pela Polcia no sero tolerados.

    Estabelecer fora-tarefa no Ministrio Pblico com o objetivo de priorizar as investigaes dos casos de homicdio decorrente de interveno policial, para

    concluir prontamente as investigaes que ainda se encontram em andamen-

    to e levar os casos Justia quando adequado.

    6 Voc matou meu filhoHOMICDIOS COMETIDOS PELA POLCIA MIL ITAR NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

    Em um perodo de dez anos (2005-2014), foram registrados 8.466 casos de homicdio decorrente de interveno policial no estado do Rio de Janeiro; 5.132 casos apenas na capital. Apesar da tendncia de queda observada a partir de 2011, um aumento de quase 39,4% foi verificado entre 2013 e 2014. O nmero de pessoas mortas pela Polcia representa parcela significativa do total de homic-dios. Em 2014, por exemplo, os homicdios praticados por policiais em servio cor-responderam a 15,6% do nmero total de homicdios na cidade do Rio de Janeiro.

    A favela de Acari tem sofrido h dcadas com operaes policiais que resul-

    tam em execues extrajudiciais e outras violaes de direitos humanos. O desapa-

    recimento forado de 11 jovens em julho de 1990, caso conhecido como Chacina

    de Acari, marcou a histria da favela. Embora o paradeiro dos jovens nunca tenha

    sido descoberto, a investigao foi encerrada sem que ningum tenha sido respon-

    sabilizado e levado Justia.

    A ausncia de investigao adequada e de punio dos homicdios causados

    pela Polcia envia uma mensagem de que tais mortes so permitidas e toleradas

    pelas autoridades, o que alimenta o ciclo de violncia.

    Ao checar o andamento de todas as 220 investigaes de homicdios decor-rentes de interveno policial no ano de 2011 na cidade do Rio de Janeiro, a Anistia Internacional descobriu que foi apresentada denncia em apenas um caso. At abril de 2015 (mais de trs anos depois), 183 investigaes seguiam em aberto.

    Os casos individuais documentados pela Anistia Internacional e apresentados

    neste relatrio ilustram as falhas das Polcias Civil e Militar e do Ministrio Pblico

    em investigar e coibir prticas policiais abusivas. A Anistia Internacional descobriu

    que as investigaes so frequentemente prejudicadas pela alterao das cenas

    dos crimes por meio da remoo do corpo da vtima sem a diligncia apropriada ou

    da insero de falsas evidncias criminais (como armas e outros objetos forjados)

    junto ao corpo. Quando a vtima suspeita de ter relao com o trfico de drogas ilcitas, a investigao geralmente foca em seu perfil criminal a fim de legitimar aquela morte em vez de determinar as circunstncias do homicdio.

    Testemunhas de homicdios por parte da Polcia raramente vo prestar de-

    poimento por medo de retaliaes. As fragilidades nos programas de proteo s

    testemunhas e a falta de segurana efetiva para defensores de direitos humanos

    em risco contribuem para os altos ndices de impunidade e a ausncia de investi-

    gaes adequadas.

  • 98 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    coNteXto

    Nos ltimos 30 anos, o Brasil tem vivido uma crise aguda na segurana

    pblica, chegando a registrar 56 mil homicdios no ano de 20121, o que

    corresponde a uma taxa de 29 homicdios2 por 100 mil habitantes. As

    autoridades pblicas tanto no nvel federal quanto estadual no con-

    seguiram responder, ao longo das ltimas dcadas, crescente violncia

    letal no pas e implementar polticas efetivas de segurana pblica, in-

    cluindo aes voltadas reduo de homicdios e proteo do direito vida.

    De 1980 a 2012, o nmero de homicdios no pas aumentou de 13.910 para 56.337, e a taxa de homicdios aumentou de 11,7 para 29,0. Isso significa um au-mento de 143% na taxa de homicdios nesse perodo. No

    entanto, o maior aumento aconteceu entre 1980 e 1997, quando a taxa de homicdios se estabilizou em um alto

    patamar de mais de 25 homicdios por 100 mil pessoas e

    se manteve alta desde ento3.

    Contudo, a violncia letal no pas no atinge a todos

    de maneira igual. Das mais de 56 mil vtimas de homic-

    dios no Brasil em 2012, 30 mil eram jovens de 15 a 29

    anos4. Desse total de jovens, mais de 90% eram homens

    e 77% eram negros5. A discriminao racial e as desi-

    gualdades dela resultantes fazem com que a populao

    negra, e em particular os jovens negros, vivam uma si-

    tuao de discriminao estrutural na qual seus direitos

    de acesso ao ensino superior, sade, trabalho, moradia

    digna, entre outros, tm sido gravemente afetados6.

    1 Os dados sobre homicdios tm como fonte o Datasus (Departamento de Informtica do Sistema nico de Sade, do Ministrio da Sa-de), que rene estatsticas das mortes intencionais violentas ocorridas no Brasil, coletadas pelo Sistema de Informaes sobre Mortalidade (SIM) para a obteno regular de informaes sobre mortalidade no pas. Esses dados foram sistematizados em: WAISELFISz, Julio Jacob. Mapa da Violncia 2014 - Os jovens do Brasil. Braslia/DF: FLACSO (Faculdade Latino-Americana de Cincias Sociais); Secretaria de Polticas de Promoo e Igualdade Racial; Secretaria Nacional da Juventude; Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica, 2014. Disponvel em: . Acesso em: 25/06/2015.

    2 Taxa de homicdios o nmero de homicdios por 100 mil habitantes. Neste Relatrio, sempre que nos referirmos taxa de homicdios estamos nos remetendo a essa definio.

    3 De acordo com a Organizao Mundial de Sade (OMS), uma taxa de homicdios maior do que 10 considerada uma epidemia. Vide: UNDP. Summary Regional Human Development Report 2013-2014 - Citizen Security with a human face: evidence and proposals for Latin America (p. 1).

    4 No Brasil, a Lei Federal n 12.852, de 05 de agosto de 2013, considera jovens as pessoas entre 15 e 29 anos de idade.

    5 A categoria negro/a ou populao negra no Brasil, referindo-se a dados estatsticos, corresponde juno das categorias preto + pardo. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), h cinco classificaes para raa/cor no pas: branco, preto, pardo, amarelo e indgena. Para a formulao de indicadores sociais desagregados por raa/cor, especialistas no tema das relaes raciais e instituies de pesquisa pblicas e privadas representam a populao negra no Brasil pela juno das duas categorias citadas.

    6 Vide: Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada - IPEA (2007) Boletim de Polticas Sociais Acompanhamento e Anlise n 13, Edio Especial, Braslia: IPEA.

    homicDioS No BRaSil em 2012 :

    So JoVeNSDeSte total :

    So homeNS

    So NeGRoS

    54%

    90%

    77%

    Foto de manifestao no Complexo do Alemo contra as mortes de moradores e do menino Eduardo [Rio de Janeiro, 04/04/2015]

  • 1110 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    De acordo com o Relatrio Final da Comisso Parlamentar de In-qurito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, con-cludo em novembro de 2008 aps investigao sobre as atividades de milcias no Rio de Janeiro, existiam cerca de 171 comunidades sob o domnio das milcias no estado. Segundo zaluar e Conceio (2007), as milcias compem-se de policiais e ex-policiais (princi-palmente militares), uns poucos bombeiros e uns poucos agentes penitencirios, todos com treinamento militar e pertencentes a instituies do Estado, que tomam para si a funo de proteger e dar segurana em vizinhanas supostamente ameaadas por criminosos. O controle sobre o territrio, que passa a ser dominado militarmente, talvez seja a caracterstica mais importante do fe-nmeno das milcias no Rio de Janeiro. As milcias cobram taxas indevidas das cooperativas de transporte alternativo, promovem a venda inflacionada de botijo de gs e de servio de tv a cabo ilegal, e exigem pedgios e tarifas para proteo. Segundo as auto-ras, os milicianos vm tentando ocupar espaos cada vez maiores nos poderes Legislativo e Executivo municipais e estaduais, cons-truindo redes no interior do poder pblico, e at no Judicirio.Vide: zALUAR, Alba; CONCEIO, Isabel Siqueira. Favelas sob o controle das milcias no Rio de Janeiro: que paz? So Paulo em Perspectiva, So Paulo, Fundao Seade, v. 21, n. 2, p. 89-101, jul./dez. 2007. Disponvel em: . Acesso em 25/06/2015.

    m i l c i a Sso, frequentemente, cometidas por foras de seguran-

    a em servio que matam suspeitos de terem prati-

    cado crimes, em vez de prend-los e lev-los Justia.

    Em 2005, durante a primeira reviso do Brasil pe-

    rante o Comit de Direitos Humanos da ONU, o rgo

    expressou preocupao pelo uso generalizado da for-

    a excessiva por parte de funcionrios encarregados do

    cumprimento da lei e pelas execues extrajudiciais11.

    A redemocratizao do Brasil, que resultou na

    Constituio de 1988 denominada Constituio Ci-dad , no foi capaz de promover mudanas nas

    estruturas da segurana pblica brasileira e nas Pol-

    cias, favorecendo a existncia de corporaes desali-

    nhadas com o Estado de Direito e com as exigncias

    de um contexto democrtico plural e diverso.

    A poltica de segurana pblica no Brasil ex-

    cessivamente marcada por operaes policiais repres-

    sivas, justificadas pela lgica de guerra s drogas, que resultam em um alto nmero de mortos em de-

    corrncia da ao policial12.

    No Rio de Janeiro, e em diversos outros estados

    brasileiros, tem sido adotado a partir dos anos 1990

    um modelo de atuao das foras policiais com nfase na represso ao trfico de drogas por meio de operaes e excurses pontuais em favelas e reas da periferia,

    onde existem pontos de venda de drogas ilcitas no varejo. Esse comrcio de drogas

    ilcitas dominado por grupos e organizaes criminosas que, na maioria das vezes,

    tm forte presena armada em tais reas. Esta realidade tem servido de pretexto para

    alimentar uma narrativa de guerra que demarca os territrios de favelas como espa-

    os a serem retomados de um exrcito inimigo (o trfico). A ilegalidade do comrcio de drogas tambm estimula a corrupo policial,

    sendo comum na cidade do Rio de Janeiro o pagamento do chamado arrego

    uma propina peridica paga pelos traficantes de drogas aos policiais responsveis pelo policiamento de determinada rea13.

    Um dos resultados dessa poltica de segurana pblica voltada para a guerra

    s drogas no Brasil, e especialmente na cidade do Rio de Janeiro, o alto nmero

    de execues extrajudiciais por parte de policiais civis e militares durante opera-

    es em favelas e bairros da periferia. Essas execues so raramente investigadas

    e, em geral, permanecem impunes14. Os responsveis dificilmente so levados Justia e a grande maioria das vtimas no obtm nenhuma reparao. Essa im-

    punidade alimenta o ciclo de violncia que marca as operaes policiais no pas.

    Justia Global e Ncleo de Estudos Negros. Execues Sumrias no Brasil: 1997-2003. Setembro de 2003. Disponvel em: http://www.ovp-sp.org/relatorio_just_global_exec_97_03.pdf Acesso em 18/06/2015.

    Justia Global e outros. Os muros nas favelas e o processo de criminalizao. Maio de 2009. Disponvel em: Acesso em 18/06/2015.

    11 Observaes conclusivas do Comit de Direitos Humanos das Naes Unidas ao Brasil, em 01/12/2005. Consideraes dos relatrios submetidos pelos Estados parte sob o artigo 40 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Polticos. CCPR/C/BRA/CO/2.

    12 Vide notas 11 e 14.

    13 Essa prtica comum na cidade do Rio de Janeiro foi confirmada por vrias pessoas entrevistadas para essa pesquisa.

    14 Vide: MISSE, Michel et al. quando a Polcia mata: homicdios por autos de resistncia no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio Janeiro: Booklink, 2013.

    So, em sua maioria, formados por policiais civis e militares na ativa, aposentados ou expulsos das corporaes, alm de outros agentes da segurana pblica. Segundo o Relatrio Final da Co-misso Parlamentar de Inqurito da Cmara dos Deputados sobre extermnio no Nordeste, concludo em novembro de 2005, os grupos de extermnio matam com requintes de crueldade, em muitos ca-sos, queimando e esquartejando os corpos das vtimas. Eles nas-cem como estratgias de comerciantes, empresrios, polticos e outros segmentos para abolir grupos sociais por eles classificados como indesejveis e esto se transformando em brao armado do crime organizado, sendo encarregados de matar para defender os interesses de organizaes criminosas no Nordeste.

    GRuPoS De eXteRmNio

    Recife 13,9 185macei 24,3 327,6Joo Pessoa 14,4 313Belm 10,7 134,6

    JoVeNS BRaNcoS JoVeNS NeGRoS

    taBela 1. Taxa de homicdios de jovens, em algumas capitais brasileiras, em 2012.

    FONTE: MAPA DA VIOLNCIA 2014 - OS JOVENS DO BRASIL

    A situao de discriminao que enfrentam os

    jovens negros tem impactado a proteo do seu direito

    vida. Em 2012, a taxa de homicdios entre os jovens

    foi de 57,6. Mas a diferena na taxa de homicdios

    entre jovens brancos e jovens negros em algumas ca-

    pitais expressiva: em Recife, a taxa de homicdios de

    jovens brancos foi de 13,9, enquanto que a de jovens

    negros chegou a 185,0; em Macei, as taxas foram de 24,3 e 327,6; em Joo Pessoa, as taxas foram de 14,4 e 313,0; e em Belm, de 10,7 e 134,6.

    Por muitos anos, o Rio de Janeiro foi o estado

    com a maior taxa de homicdios do Brasil. Em 2002,

    a taxa de homicdios no estado era de 56,5, e na

    capital era de 62,8. Houve uma significativa reduo entre 2002 e 2012, de modo que as taxas no estado e na capital diminuram para

    28,3 e 21,5, respectivamente, estando ainda muito acima da mdia mundial7. A grande disponibilidade de armas de fogo no pas8, a presena do crime organi-

    zado e a falta de uma poltica pblica nacional de reduo de homicdios contribuem

    significativamente para a alta taxa de homicdios em geral. Por outro lado, a banalizao e a naturalizao da violncia no pas, especialmente da violncia contra determina-

    dos grupos historicamente discriminados, tem consolidado uma srie de esteretipos

    negativos associados aos negros, sobretudo o jovem negro morador de favela. Assim,

    parte da sociedade permanece indiferente morte desses jovens negros, que so as

    principais vtimas de homicdios no pas.

    A Polcia responsvel por uma significativa por-centagem dos homicdios no Brasil. Para alm das mor-

    tes cometidas por policiais em servio, considera-se que

    h tambm um nmero grande, embora desconhecido,

    de mortes causadas pela atuao de grupos de exterm-

    nio e milcias formadas, majoritariamente, por policiais

    civis e militares, alm de outros agentes do Estado9.

    Por muitos anos, organizaes nacionais e interna-

    cionais tm documentado casos de execues extrajudi-

    ciais e uso excessivo da fora por parte dos agentes de

    segurana pblica no Brasil10. Execues extrajudiciais

    7 A Organizao Mundial de Sade (OMS) estimou que a taxa global de homicdios em 2012 havia reduzido 16% desde o ano 2000, chegando a alcanar 6,7 homicdios por 100 mil habitantes ndice que exclui as mortes ocorridas em contextos de conflitos armados. Vide: WHO, Global Status Report on Violence Prevention, p. 8.

    8 Em 2005, havia uma estimativa de 15,2 milhes de armas de fogo em mos privadas no Brasil. Vide: WAISELFISz, Julio Jacob. Mortes matadas por armas de fogo: Mapa da violncia 2015. Braslia/DF: 2015. Secretaria de Polticas de Promoo e Igualdade Racial; Secretaria Nacional da Juventude; Secretaria-Geral da Presidncia da Repblica. Disponvel em:

    Acesso em: 03/07/2015.

    Vide tambm: DREFUS, P; NASCIMENTO, M.S. Small Arms Holdings in Brazil: Toward a Comprehensive Mapping of Guns and Their Owners. FERNANDES, R. ed. Brazil: The Arms and the Victims. Rio de Janeiro: Letras/Viva Rio/ISER, 2005.

    9 Vide tambm relatrio do relator especial sobre execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias sobre misso realizada no Brasil em 2007, A/HRC/11/2/Add.2.

    10 Anistia Internacional: Alm do desespero uma agenda para os direitos humanos no Brasil (Index: AMR 19/15/1994); Candelria e Vigrio Geral 10 anos depois (AI Index: AMR 19/015/2003); Eles entram atirando: policiamento de comunidades socialmente excludas (AI Index: AMR 19/025/2005); Vim buscar sua alma: o caveiro e o policiamento no Rio de Janeiro (Index AI: AMR 19/007/2006).

    Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, Misso ao Brasil, A/HRC/11/2Add.2.

  • 1312 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    metoDoloGia

    o principal objetivo da pesquisa realizada pela Anistia Internacional foi

    analisar um conjunto de casos de mortes provocadas pela Polcia Mili-

    tar na cidade do Rio de Janeiro, verificando a existncia de indcios de execuo extrajudicial e em que medida os policiais tm usado a fora

    de forma desnecessria, excessiva e arbitrria.

    A pesquisa que deu origem a este Relatrio foi desenvolvida entre

    agosto de 2014 e junho de 2015, e contou com fontes de dados e informaes pri-

    mrias e secundrias, visitas de campo e entrevistas com vtimas, familiares de v-

    timas, testemunhas, defensores de direitos humanos, representantes de organiza-

    es da sociedade civil, especialistas e autoridades da rea da segurana pblica.

    A fim de contextualizar e delimitar o conjunto de casos de homicdios provo-cados por policiais em operaes oficiais na cidade do Rio de Janeiro, foram ana-lisadas as estatsticas disponveis no Brasil sobre homicdios em geral e homicdios

    decorrentes de interveno policial, com foco no referido municpio.

    Os dados sobre homicdios em geral foram acessados a partir de pesquisa15

    que sistematizou as informaes da base do Datasus/Ministrio da Sade.

    Os dados sobre homicdios decorrentes de interveno policial no estado do

    Rio de Janeiro, referentes ao perodo de 2005 a 2014, foram acessados a partir do

    Instituto de Segurana Pblica (ISP)16, que divulga regularmente informaes de

    indicadores de criminalidade em seu site17.

    Aps solicitao, a Anistia Internacional obteve com o ISP dados detalhados por

    idade, sexo e raa/cor relativos aos registros de ocorrncia18 de mortes intencionais vio-

    lentas19 que aconteceram na cidade do Rio de Janeiro, incluindo os homicdios decor-

    rentes de interveno policial, no perodo de janeiro de 2008 at dezembro de 2013. A Anistia Internacional tambm teve acesso, por meio de uma de suas fontes,

    ao nmero, data, delegacia e status de todos os registros de homicdio decorrente

    de interveno policial na cidade do Rio de Janeiro em 2011 para verificar o anda-mento da investigao de cada um e quantos deles haviam sido levados Justia.

    15 Pesquisa registrada no Mapa da Violncia 2014 - Os jovens do Brasil (vide nota 1 deste Relatrio).

    16 O Instituto de Segurana Pblica (ISP), ligado Secretaria de Segurana Pblica do estado do Rio de Janeiro, uma autarquia criada em 1999 com o objetivo de colaborar com a sistematizao de dados, produo de pesquisas e anlise criminal, visando subsidiar a implementa-o de polticas pblicas de segurana e assegurar a participao social na construo dessas iniciativas.

    17 www.isp.rj.gov.br

    18 O registro de ocorrncia, realizado por autoridade policial, o primeiro relato de uma infrao penal a partir do qual pode ser iniciada uma investigao.

    19 Mortes intencionais violentas incluem os registros de homicdio, latrocnio, leso corporal seguida de morte, homicdio decorrente de interveno policial/auto de resistncia e policiais civis e militares mortos em servio. No esto sendo considerados os registros de encontro de ossada e encontro de cadver.

    Polcia Militar no Complexo do Caju [Rio de Janeiro, 03/03/2013]

  • 1514 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    Abaixo, a favela de Acari. [Rio de Janeiro, 26/05/2015]

    Representantes da Anistia Internacional fizeram 14 visitas de campo a Acari. No total foram entrevistadas 50 pessoas das comunidades (testemunhas, familia-

    res das vtimas e servidores pblicos), alm de membros das Polcias Civil e Militar

    (entre eles, quatro delegados da Polcia Civil, um coronel da Polcia Militar e o

    ouvidor de Polcia do estado do Rio de Janeiro), especialistas do campo da segu-

    rana pblica e defensores da Defensoria Pblica estadual. A Anistia Internacional

    tambm participou de duas reunies com moradores de Acari nos meses de agosto

    e dezembro de 2014 convocadas pela comunidade para relatar abusos da Polcia

    na favela , com a presena de aproximadamente 90 pessoas. Durante os traba-

    lhos de campo, observou-se que o mesmo padro de atuao policial que resulta

    em muitas mortes tambm gera outros abusos por parte da Polcia.

    Alm das ocorrncias de Acari, foram identificados outros seis casos emble-mticos de homicdios cometidos por policiais militares no municpio do Rio de

    Janeiro entre os anos de 2013 e 2015, como forma de exemplificar casos em que a atuao da Polcia Militar, em outras reas da cidade, tambm resultou em mortes.

    Alguns familiares de vtimas e moradores/as entrevistados/as aceitaram ser

    identificados/as neste Relatrio. Mas sempre que o sigilo foi solicitado, mantivemos o anonimato.

    Os casos descritos neste Relatrio so um resumo da dinmica e do contexto

    da morte de cada uma das vtimas a partir de relatos obtidos em entrevistas com

    moradores/as, testemunhas e familiares, bem como de informaes advindas de

    registros de ocorrncia, atestados de bito, laudos periciais, fotos e vdeos. Para

    no permitir o reconhecimento das fontes de informao e no quebrar o sigilo

    quando este foi solicitado, a sntese dos casos foi construda por meio de diversas

    fontes testemunhais e documentais no explicitamente identificadas. A Anistia Internacional solicitou Secretaria de Segurana Pblica do Rio

    de Janeiro os laudos periciais de todos os homicdios descritos neste Relatrio,

    mas a demanda no foi atendida. Em alguns casos, a Anistia Internacional obteve

    alguns laudos por meio de familiares e em razo de j fazerem parte de processos

    judiciais. Das quatro entrevistas solicitadas com altas autoridades da Polcia Civil e

    Militar do estado do Rio de Janeiro, trs foram concedidas.

    O ano de 2011 foi escolhido considerando que o perodo de quatro anos (entre

    2011 e 2015) teria sido suficiente para a prtica de todas as providncias admi-nistrativas e judiciais necessrias entre a investigao policial e o oferecimento da

    denncia ou pedido de arquivamento feito pelo Ministrio Pblico.

    A Anistia Internacional tambm teve acesso a diversos documentos referentes

    aos casos descritos neste Relatrio, como registros de ocorrncia, atestados de

    bito, laudos periciais, inquritos policiais, fotos e vdeos.

    Para o trabalho de campo, foi escolhida a favela de Acari, que est situada na

    regio da cidade do Rio de Janeiro que contm o maior nmero de registros de ho-

    micdios decorrentes de interveno policial em todo o estado a rea de atuao

    do 41 Batalho da Polcia Militar.

    Municpo do Rio de JaneiroAcari

  • 1716 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    DiReito ViDa =coNDio PRVia

    iNDiSPeNSVel PaRa a PleNa Realizao Da

    DiGNiDaDe humaNa.

    iNDiSPeNSVel

    oBRiGaeS Do BRaSil DiaNte Do

    DiReito iNteRNacioNal

    o DiReito ViDaO artigo 6 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos (PIDCP),

    assim como o artigo 4 da Conveno Americana sobre Direitos Hu-

    manos, estabelecem a obrigao dos Estados de prevenir, proteger,

    respeitar e garantir o direito vida. O Brasil ratificou ambos instrumen-tos internacionais em 1992 e, alm disso, reconheceu a competncia

    jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998.O direito vida uma norma de direito internacional consuetu-

    dinrio e forma parte de um ncleo inderrogvel de direitos que no

    podem ser suspendidos em nenhuma situao, incluindo em casos

    de emergncia20. O direito vida uma condio prvia indispensvel

    para a plena realizao da dignidade humana e o exerccio efetivo de todos os di-

    reitos humanos. As obrigaes dos Estados derivadas do direito vida pressupem

    no apenas que nenhuma pessoa pode ser privada de sua vida arbitrariamente,

    mas tambm requerem que os Estados tomem todas as medidas apropriadas para

    proteger e preservar esse direito.

    O Comit de Direitos Humanos da ONU j reconheceu que o direito vida

    deve ser entendido como o mais essencial dos direitos, como o direito supremo a

    respeito do qual no se autoriza suspenso alguma21.

    A Corte Interamericana de Direitos Humanos definiu o alcance do direito vida em termos similares ao considerar que se trata de um direito humano fun-

    damental, cujo gozo pleno um pr-requisito para o desfrute de todos os demais

    direitos humanos, de forma tal que, se no respeitado, todos os demais direitos

    perdem o sentido 22.

    20 Vide: Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso comunidade Sawhoyamaxa vs. Paraguay, pargrafo 150 e caso Massacres de Ituango vs. Colombia, pargrafo 128, entre outos.

    21 Vide: Comit de Direitos Humanos, Comentrio Geral n 6, pargrafo 1 (1982). HRI/GEN/1/Rev.9 (Vol. I).

    22 Vide: Caso das Crianas de Rua (Villagrn Morales e outros) Vs. Guatemala. Mrito, par. 167, par. 144 supra; Caso Montero Aranguren e outros (Retm de Catia) Vs. Venezuela. Excees preliminares, Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 5 de julho de 2006, Srie C. n 150, par. 63, e Caso zambrano Vlez e outros Vs. Equador. Mrito, Reparaes e Custas. Sentena de 4 de julho de 2007. Srie C N 166, par. 78.

    Favela da Rocinha. [Rio de Janeiro, 13/11/2011]

  • 1918 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    O Comit de Direitos Humanos da ONU, em seu Comentrio Geral nmero 6

    sobre o direito vida, afirma que os Estados-parte devem adotar as medidas no apenas para prevenir e punir a privao da vida por atos criminosos, mas tambm

    prevenir mortes arbitrrias provocadas por suas prprias foras de segurana. A

    privao da vida por parte das autoridades do Estado questo de extrema gravi-

    dade. Assim, a lei deve controlar e limitar severamente as circunstncias nas quais

    uma pessoa pode ser privada de sua vida por tais autoridades.

    Qualquer operao policial deve fazer uso da fora conforme os princpios

    estabelecidos na legislao internacional sobre o uso da fora e das armas de fogo,

    entre eles:

    OBJETIVO LEGTIMO: A fora deve ser usada apenas buscando um objetivo legtimo. O nico objetivo le-

    gtimo para uso de fora letal salvar a vida de uma pessoa ou a sua prpria vida31.

    NECESSIDADE: No cumprimento de seu dever, os agentes responsveis pela aplicao da lei de-

    vem utilizar meios no violentos antes de buscar o uso da fora e armas de fogo; devem usar a fora apenas quando for inevitvel e se outros meios forem ineficien-tes. Alm disso, o princpio da necessidade requer que a Polcia use apenas esta

    fora quando for requerida para atingir o objetivo, e o nvel de fora utilizada no

    deve exceder aquele que necessrio para alcan-lo. Deve tambm ser exigido

    que os agentes responsveis pelo cumprimento da lei se identifiquem como tais e deem um aviso claro de que pretendem usar armas de fogo, com tempo suficiente para que o aviso seja observado a no ser que faz-lo deixe os agentes em risco,

    crie risco de morte ou grave dano a outras pessoas, ou possa ser claramente ina-

    propriado ou intil nas circunstncias do incidente32.

    PROPORCIONALIDADE: O nvel de fora utilizada deve ser proporcional seriedade do dano que se pre-

    tende evitar. Consideraes especiais so necessrias quando armas letais ou po-

    tencialmente letais so empregadas33. Todo uso de arma de fogo deveria ser consi-

    derado como fora letal ou potencialmente letal. O requisito da proporcionalidade

    nessas situaes pode ser utilizado apenas se foras letais so usadas a fim de salvar uma vida 34.

    31 Vide: Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, em 01/04/2014, A/HRC/26/36, pargrafos 58.

    32 Vide: Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, em 01/04/2014, A/HRC/26/36, pargrafos 59-61.

    33 Princpio 5, Princpios bsicos sobre o uso da fora e armas de fogo pelos funcionrios responsveis pela aplicao da Lei.

    34 Vide: Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, em 01/04/2014, A/HRC/26/36, pargrafo 70.

    O direito vida implica duas obrigaes especficas: uma material e uma de procedimento23. Por um lado, o Estado tem a obrigao de adotar as medidas ne-cessrias no s para prevenir e penalizar a privao da vida como consequncia de atos criminosos, mas tambm evitar as execues extrajudiciais cometidas por suas prprias foras de segurana. Por outro lado, os Estados devem levar a cabo uma investigao adequada e garantir a prestao de contas dos responsveis em caso

    de suspeitas de que algum tenha sido privado de sua vida.

    A Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) destaca que os Es-

    tados, na implementao das polticas de segurana, devem adotar medidas efica-zes para garantir a proteo das pessoas sob sua jurisdio das aes de particu-

    lares que possam ameaar ou vulnerabilizar o direito vida, assim como assegurar

    que os agentes da segurana pblica se comportem em conformidade com os

    princpios internacionais sobre o uso da fora. Em particular, a CIDH enfatiza sua

    preocupao com os altos nveis de impunidade dos casos de execues extraju-

    diciais cometidas por agentes estatais no contexto do justiamento de supostos

    delinquentes e no marco de um alegado resguardo da segurana cidad24.

    PRiNcPioS iNteRNacioNaiS SoBRe o uSo Da foRa letalNo mbito internacional, existem dois documentos de referncia da ONU que regulam

    o uso da fora por parte de agentes de segurana pblica: Cdigo de conduta para os

    funcionrios responsveis pela aplicao da Lei25 e Princpios bsicos sobre o uso da

    fora e armas de fogo pelos funcionrios responsveis pela aplicao da Lei 26.

    Normas internacionais preveem que as autoridades responsveis pelo cum-

    primento da lei devam fazer uso da fora somente quando no existam outros

    meios hbeis a atingir o objetivo legtimo27. Alm disso, o nvel de fora aplicada

    deve ser proporcional seriedade do dano que se pretende evitar e elaborado de

    forma a minimizar prejuzos e leses28. Agentes devem utilizar armas de fogo ape-

    nas como ltimo recurso, ou seja, quando estritamente necessrio para autodefesa

    ou em defesa de terceiros contra ameaa iminente de morte ou leses graves29.

    Os Estados devem garantir que seus agentes notadamente policiais respei-

    tem o direito vida, assim como protejam a vida quando ela estiver ameaada por

    terceiros. A falha do Estado em investigar devidamente os casos de mortes resultan-

    tes do uso da fora de seus agentes uma violao do direito vida de igual forma30.

    23 Vide: Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, em 01/04/2014, A/HRC/26/36, pargrafo 46.

    24 Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Relatrio sobre segurana cidad e direitos humanos, pargrafo 108, Disponvel em: http://cidh.oas.org/pdf%20files/SEGURIDAD%20CIUDADANA%202009%20PORT.pdf acesso em 01 de julho de 2015.

    25 Disponvel em ingls em: . Acesso em: 25/06/2015.

    26 Disponvel em ingls em: . Acesso em: 25/06/2015.

    27 Princpio 4, dos Princpios bsicos sobre o uso da fora e armas de fogo pelos funcionrios responsveis pela aplicao da Lei dispe que, No cumprimento das suas funes, os responsveis pela aplicao da lei devem, na medida do possvel, aplicar meios no-violentos antes de recorrer ao uso da fora e armas de fogo. O recurso s mesmas s aceitvel quando os outros meios se revelarem ineficazes ou incapazes de produzirem o resultado pretendido.

    28 Princpio 5(a), dos Princpios bsicos sobre o uso da fora e armas de fogo pelos funcionrios responsveis pela aplicao da Lei dispe, Exercer moderao no uso de tais recursos e agir na proporo da gravidade da infrao e do objetivo legtimo a ser alcanado.

    29 Princpio 9, dos Princpios bsicos sobre o uso da fora e armas de fogo pelos funcionrios responsveis pela aplicao da Lei dispe que, Os responsveis pela aplicao da lei no usaro armas de fogo contra pessoas, exceto em casos de legtima defesa prpria ou de outrem contra ameaa iminente de morte ou ferimento grave; para impedir a perpetrao de crime particularmente grave que envolva sria ameaa vida; para efetuar a priso de algum que represente tal risco e resista autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivduo, e isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos. Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo s poder ser feito quando estritamente inevitvel proteo da vida.

    30 Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitr-rias, em 01/04/2014, A/HRC/26/36, pargrafo 79.

  • 2120 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    isso, carregar o corpo e dar sumio. Eles dando sumio, no acontece nada. A fica na imprensa que fulano desapareceu e nunca acham. Foi assim que eles fizeram com o Amarildo36. Ento ele queria fazer isso com meu filho.

    Alguns moradores, revoltados com a morte de uma criana na porta de sua casa, iniciaram um protesto, mas acabaram sendo fortemente reprimidos pela Polcia Militar, que utilizou bombas de gs lacrimogneo contra a populao.

    Terezinha desabafa: Meu filho foi brutalmente assassinado. Isso no justo. Voc entrar dentro de uma comunidade e o primeiro que v pela frente voc pegar e atirar. Isso no se faz.

    Um dia depois da morte de Eduardo os policiais responsveis pelo tiro que o atingiu foram afastados e tiveram suas armas recolhidas para anlise pericial. O caso est sendo investigado pela Diviso de Homicdios da capital.

    A famlia foi ameaada e teve que se mudar de sua residncia no Complexo do Alemo com medo de represlias.

    36 Amarildo desapareceu aps ter sido abordado por policiais militares da UPP da Rocinha em 2013, ver seo: como funcionam as Polcias no Brasil.

    Foto de manifestao no Complexo do Alemo contra as mortes de moradores e do menino Eduardo [Rio de Janeiro, 04/04/2015]

    Eduardo dE JEsus, 10 anos,MORTO POR POLICIAIS MILITARES EM 02/04/2015

    EDUARDO DE JESUS, um menino de 10 anos, foi morto por policiais militares na porta de sua casa, no Complexo do Alemo, zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 2 de abril de 2015.

    Por volta de 17h30, Eduardo se sentou na porta de casa para esperar a irm que estava che-gando e brincar com um telefone celular. No havia nenhuma troca de tiros ou operao policial em andamento.

    Segundo sua me, Terezinha Maria de Jesus, de 40 anos, foi tudo uma questo de segundos. Eu escutei s um estouro e um grito dele: Me... Nisso eu corri para o lado de fora e me deparei com aquela cena horrvel do meu filho l cado. Terezinha entrou em desespero, viu uma fileira de policiais militares e gritou: Voc matou meu filho, seu desgraado maldito. O policial respondeu: Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar porque eu matei um filho de bandi-do, um filho de vagabundo.

    O policial apontou o fuzil na cabea de Terezinha e ela disse: Voc pode me matar porque uma parte de mim voc j levou. Pode levar o resto. Outro policial militar o afastou da me de Eduardo e evitou mais uma tragdia.

    A me afirma que a cena do crime quase foi desmontada pelos policiais, que foram impedidos pela prpria comunidade. Eduardo estava morto e os policiais tentaram retirar o corpo do local e colocar uma arma para incrimin-lo35. Um dos policiais disse: Coloca logo uma arma a perto do corpo e acabou.

    Terezinha relembra: Eles chegaram perto do meu filho dizendo que iam levar o corpo. Eu disse que eles no iam tirar o meu filho de l porque eu no ia deixar. Eles esto acostumados a fazer

    35 Essa uma prtica muito comum da Polcia Militar no Rio de Janeiro, ver seo: manipulao da cena do crime e falhas na investigao.

    Terezinha de Jesus, me de Eduardo. [Rio de Janeiro, 24/06/2015]

  • 2322 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    eXecueS eXtRaJuDiciaiS No

    coNteXto Da GueRRa S DRoGaS

    No Brasil, representantes do governo federal e estadual tm sustenta-

    do por anos um discurso que favorece uma lgica blica nas aes

    de segurana pblica, em particular no marco da guerra s drogas.

    Essa lgica tem levado a operaes policiais de larga escala, altamente

    militarizadas, que tm como resultado um grande nmero de mor-

    tes, muitas delas com fortes indcios de execues extrajudiciais pelas

    mos das foras policiais.

    O termo execues extrajudiciais utilizado neste Relatrio abarca as distin-

    tas violaes do direito vida cometidas pelos agentes encarregados de fazer cum-

    prir a lei, incluindo no s homicdios cometidos de forma deliberada, mas tambm

    mortes ocasionadas pelo uso desnecessrio e excessivo da fora.

    Segundo a CIDH, execues extrajudiciais so caracterizadas por uma priva-o deliberada e ilegal da vida por parte de agentes do Estado, geralmente agindo sob ordens ou, pelo menos, com o consentimento ou aquiescncia de autoridades37. Portanto, as execues extrajudiciais so aes ilcitas cometidas por aqueles que, precisamente, esto investidos do poder originalmente concebido para proteger e garantir a segurana e a vida das pessoas.

    Os Estados tm a obrigao de proteger as pessoas sujeitas a sua jurisdio

    da violncia e de atividades criminosas, mas essa obrigao vem junto com o dever

    de assegurar o respeito pelo direito vida de todas as pessoas, incluindo de quem

    se suspeita ter cometido um crime. Tal como disse o relator especial sobre execu-

    es extrajudiciais, sumrias e arbitrrias da ONU em sua visita ao Brasil, Dr. Philip

    Alston, em 2007, no existe incompatibilidade alguma entre o direito de todos os

    brasileiros segurana e a sentir-se livres da violncia do crime e o direito de no

    ser abatido a tiros arbitrariamente pela Polcia38.

    37 Vide: Comisso Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), caso 11.658, Martn Pelic Coxic (Guatemala), 15 de outubro de 2007, pargrafo 109.

    38 Vide: Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, Misso ao Brasil, A/HRC/11/2Add.2.

    Polcia Militar no Complexo da Mar [Rio de Janeiro, 30/03/2014]

  • 2524 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    A Polcia Militar subordinada aos governadores eleitos dos estados, mas

    tambm considerada fora auxiliar e reserva do Exrcito. Durante a ditadura

    militar (1964 -1985), o Ministrio do Exrcito realizava o controle e a coordenao nacional das Polcias Militares43.

    As Polcias Militar e Civil possuem formas de organizao distintas em cada

    estado. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Polcia Militar se divide em Batalhes,

    responsveis pelo policiamento de reas especficas no estado, e outras unidades de atuao, como o Batalho de Operaes Policiais Especiais (BOPE) e o Bata-

    lho de Polcia de Choque (Choque).

    A Polcia Civil exerce as funes de Polcia judiciria e responsvel pela inves-

    tigao e apurao das infraes penais. Divide-se em Delegacias de Polcia distritais

    responsveis por determinadas reas geogrficas, e unidades especializadas, como a Diviso de Homicdios, Delegacias de Atendimento Mulher e a Delegacia de Re-

    presso s Aes Criminosas Organizadas e Inquritos Especiais (Draco-IE).

    O controle sobre a atividade policial no Brasil frgil. Formalmente realizado por rgos de controle internos e externos. As Corregedorias da Polcia Militar e Civil so rgos internos responsveis por apurar infraes e irregularidades cometidas

    por policiais. Cada corporao tem sua prpria Corregedoria.

    As Ouvidorias de Polcia so rgos de controle externos da atividade policial

    que recebem, encaminham e acompanham denncias e reclamaes da popula-

    o com relao a abusos praticados por policiais civis e militares. Elas so institui-

    es relativamente novas no Brasil, com o primeiro passo sendo dado pelo estado

    de So Paulo em 199544. A Ouvidoria da Polcia do estado do Rio de Janeiro foi

    criada em 199945 e tem como objetivo receber denncias relativas atuao tan-

    to de policiais civis quanto militares46. Desde ento, Ouvidorias foram criadas em

    diversos outros estados do Brasil, mas todas, em geral, so marcadas pela falta de

    independncia, recursos institucionais e materiais e poderes investigativos, o que

    limitaria sua capacidade de fazer um controle externo de fato da atividade policial47.

    O ouvidor de Polcia do Rio de Janeiro disse, em entrevista Anistia Internacio-

    nal, que a relao da Ouvidoria com a Polcia Militar no estado delicada e que os

    comandantes da PM so muito reservados e acham que os problemas da corporao

    devem ser resolvidos por eles internamente. Eles no aceitam ingerncia externa.

    Para alm das ouvidorias, cabe destacar que a principal instituio que tem a

    atribuio de exercer o controle externo da Polcia no Brasil o Ministrio Pblico

    rgo independente essencial funo jurisdicional do Estado e responsvel por

    ajuizar denncias e promover a ao penal sempre que houver prova da prtica de

    crimes, em geral a partir de investigaes levadas a cabo pela Polcia Civil.

    Compete tambm ao Ministrio Pblico, entre outras atribuies, exercer o

    controle externo da atividade policial com vistas a prevenir ilegalidades e abusos co-

    metidos por policiais militares e civis. Essa funo no tem sido exercida a contento48,

    fazendo com que os mecanismos de controle das Polcias no Brasil sejam frgeis.

    43 De acordo com o Decreto-Lei n 667, de 02 de julho de 1969.

    44 http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1995/decreto-39900-01.01.1995.html Acesso em 20 de junho de 2015.

    45 Lei Estadual nmero 3.168 de 12 de janeiro de 1999. http://govrj.jusbrasil.com.br/legislacao/228191/lei-3168-99. Acesso em 06 de julho de 2015.

    46 Para mais informaes sobre a Ouvidoria de Polcia do Estado do Rio de Janeiro, vide http://www.ouvidoriadapolicia.rj.gov.br . Acesso em 06 de julho de 2015.

    47 Relatrio para o Conselho de Direitos Humanos das Naes Unidas, do relator especial de execues extrajudiciais, sumrias ou arbitrrias, Misso ao Brasil, A/HRC/11/2Add.2, pargrafo 74.

    48 Vide zACCONE (op. cit. - nota 41).

    PARTE ExPRESSIVA DA SOCIEDADE BRASILEIRA leGitima eSSaS moRteS E, EM MUITOS CASOS, AS DEFENDE.

    A crena de que vivemos uma guerra s drogas e de que matar suspeitos

    de envolvimento com o trfico de drogas faz parte dessa guerra estrutura a narra-tiva e o sentido de parte significativa da poltica de segurana pblica. Por exemplo, em 1995, o ento governador do estado do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, esta-

    beleceu um valor adicional remunerao de policiais civis e militares, que podia

    chegar a 150% do salrio, pela realizao de atos considerados de bravura, como

    a morte de um suspeito em uma operao policial. Esse adicional ficou conhecido como gratificao faroeste e esteve em vigor at 1998, quando foi extinto pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

    Com frequncia, a afirmao da Polcia de que as vtimas tinham envolvimen-to com a criminalidade converteu-se em justificativa recorrente para o uso da fora letal. O discurso oficial culpabiliza a prpria vtima, estigmatizada por um contexto de racismo, guerra s drogas e criminalizao da pobreza.

    Parte expressiva da sociedade brasileira legitima essas mortes e, em muitos

    casos, as defende. Expresses como bandido bom bandido morto so corri-

    queiras no Brasil. Segundo pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos da Pre-

    sidncia da Repblica, 43% dos brasileiros/as concordam com essa afirmao, sendo que 32% concordam totalmente com essa frase39. A lgica da execuo no

    est somente entranhada nas instituies policiais. O policial acha que est fazen-

    do um bem para a sociedade e a sociedade apoia isso.40

    Isso se reflete nas instituies do sistema de jus-tia criminal - Polcia Civil, Ministrio Pblico e Poder

    Judicirio , pois nos casos em que a vtima tem ligao,

    real ou percebida, com o trfico de drogas, a investiga-o tende a referendar o depoimento dos policiais de

    que a morte ocorreu em uma situao de confronto ou em resposta a uma injusta

    agresso. A investigao, na maioria dos casos, no busca saber se o policial usou

    a fora de forma proporcional ou se aquela morte foi, na verdade, uma execuo41.

    como fuNcioNam aS PolciaS No BRaSil A Constituio Federal brasileira dispe, em seu Artigo 144, que a segurana p-

    blica, dever do Estado e direito de todos, exercida para a preservao da ordem

    pblica e da incolumidade das pessoas e do patrimnio, atravs de determinadas

    corporaes policiais. Dentre as diversas Polcias previstas na legislao brasileira,

    duas se destacam pelas atribuies e nmero de contingente: a Polcia Militar e a

    Polcia Civil. Ambas so subordinadas aos governos estaduais42.

    A Polcia Militar responsvel pelo policiamento ostensivo e pela preservao

    da ordem pblica. Rege-se por uma hierarquia militar e os crimes cometidos por po-

    liciais militares em servio previstos no Cdigo Penal Militar, com exceo dos crimes

    dolosos contra a vida (como homicdios), so julgados por um Tribunal Militar.

    39 De acordo com uma pesquisa (survey) realizada em 2008 pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica chamada Percepes sobre os direitos humanos no Brasil. Vide: http://posticsenasp.ufsc.br/files/2015/03/Percep%C3%A7%C3%B5es_direitos_hu-manos.pdf.

    40 Entrevista da Anistia Internacional com especialista em segurana pblica em maio de 2015.

    41 Vide: zACCONE, Orlando. Indignos de vida: a forma jurdica da poltica de extermnio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro: Editora Revan, 2015.

    42 O Brasil possui trs nveis federativos: a Unio (nvel federal), 27 estados (incluindo o Distrito Federal, onde se encontra a capital Braslia), e os municpios.

  • 2726 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    Johnatha dE olivEira lima, 19 anos, MORTO POR POLICIAIS MILITARES DA UPP DE MANGUINHOS EM 14/05/2014

    JOHNATHA era morador da favela de Manguinhos, zona Norte do Rio de Janeiro, e tinha 19 anos quando foi morto por policiais militares da UPP local. No dia 14 de maio de 2014, por volta das 15h30, Johnatha saiu de casa para levar a namorada at a residncia dela. Antes que sasse, Ana Paula, sua me, com quem ele morava, pediu que o jovem passasse na casa de sua av para deixar um doce que ela tinha feito. Ana Paula relembra com tristeza: Como eu ia imaginar que aquele seria meu ltimo momento com ele?.

    O clima estava tenso em Manguinhos desde cedo naquele dia. Alguns meninos haviam jogado pedras nos policiais que estavam tirando a grama do campinho de futebol. Policiais militares tambm teriam ido pra cima dos usurios de drogas. No caminho de volta da casa da av, Johnatha se deparou com essa confuso entre policiais militares da UPP e crianas e adolescentes da favela. Um policial militar atirou para o alto para dispersar o grupo de pessoas que havia se juntado ali e comeou uma correria entre todos. Logo depois, outro policial militar disparou em direo aos moradores e Johnatha foi atingido pelas costas, na regio do cccix, enquanto corria.

    Neste momento, vrias pessoas pediram que os policiais militares parassem de atirar, porque ali s havia moradores, alm de muitas crianas.

    Johnatha foi socorrido pelos prprios moradores e levado para a Unidade de Pronto Atendi-mento (UPA) de Manguinhos, mas no resistiu aos ferimentos. Sua me, assim que soube que o filho tinha sido baleado, foi para a UPA com o cunhado e l viu alguns policiais e pelo menos duas viaturas da Polcia Militar. L tambm estavam duas de suas irms. Elas estavam deses-peradas porque j tinham recebido a notcia de que Johnatha tinha morrido. Ana s viu o corpo do filho no dia seguinte, j no caixo.

    Na prpria UPA, uma pessoa orientou o tio de Johnatha a fazer um registro de ocorrncia do assassinato do sobrinho e ele se dirigiu ento 21 Delegacia de Polcia (DP). Mas quando chegou l, deparou-se com policiais militares da UPP de Manguinhos fazendo o registro de ocorrncia de homicdio decorrente de interveno policial com a justificativa de que teria havido resistncia. Diante da insistncia do tio de Johnatha, o delegado disse que poderia ento contactar a Diviso de Homicdios para que fizessem a percia do local. A investigao do caso ficou a cargo dessa Delegacia.

    Ana Paula, me de Johnatha [Manguinhos, Rio de Janeiro, 18/06/2015]

    AS UNIDADES DE POLCIA PACIFICADORA (UPPS) NO RIO DE JANEIROAs Unidades de Polcia Pacificadora (UPPs) so as experincias mais recentes49 de poltica de segurana pblica no municpio do Rio de Janeiro e tm como objetivo

    combater o controle armado de determinadas reas da cidade por parte de grupos

    criminosos e o trfico de drogas. A experincia surgiu em 2008 e j est presente em 37 reas/favelas. H ainda uma UPP instalada em um municpio da Baixada

    Fluminense, totalizando, portanto, 38 unidades at junho de 2015. Alguns dos princpios das UPPs so o policiamento de proximidade (policia-

    mento comunitrio) e a utilizao de policiais militares recm-formados, que so

    recrutados especialmente para atuar nessas unidades e passam por treinamento

    especfico. At o momento, as UPPs renem aproximadamente nove mil policiais militares, o que corresponde a 18% do efetivo total da Polcia Militar no estado do Rio de Janeiro. Na rea de abrangncia das UPPs, esto contidas 196 comunida-

    des, que possuem cerca de 600 mil habitantes. Sua implantao contribuiu para a

    reduo de determinados ndices de criminalidade em reas especficas da cidade, como o nmero de homicdios inclusive os homicdios decorrentes de interveno

    policial e o nmero de policiais mortos em servio. Houve 20 mortes decorrentes de

    interveno policial em reas de UPP em 2014, o que equivale a uma reduo de

    85%, se comparado ao nmero registrado em 2008 (136 vtimas)50.Apesar desses avanos, ainda h inmeras denncias de abusos por parte dos

    policiais militares dessas unidades, incluindo uso desnecessrio e excessivo da fora e execues extrajudiciais. Um exemplo o caso de Amarildo de Souza, levado por policiais da UPP da Rocinha, na Zona Sul da cidade, em julho de 2013. Amarildo foi

    torturado, morto e seu corpo ainda est desaparecido51. As investigaes indicaram

    que mais de 20 policiais, inclusive o comandante da UPP, esto envolvidos no caso.

    A UPP de Manguinhos, inaugurada em janeiro de 2013, na Zona Norte, pos-

    sui diversas denncias de abusos por parte da Polcia Militar, inclusive acusaes de

    execues extrajudiciais. Paulo Roberto Pinho de Menezes, conhecido como Ngo,

    era morador da favela de Manguinhos e tinha 18 anos quando foi morto por policiais militares da UPP no dia 17 de outubro de 2013. Na madrugada daquele dia, por volta

    das 2h30 da manh, sua me, Ftima, foi chamada por uma vizinha que disse que po-

    liciais militares estavam batendo no Ngo. Quando Ftima chegou ao local, um beco

    da favela, viu o filho cado no cho e policiais ao redor. Um dos policiais bloqueava a passagem, mas Ftima conseguiu chegar at o filho. Ftima relatou que Paulo Roberto estava desacordado, parecia desmaiado, e morreu logo depois. A certido de bito de

    Paulo Roberto diz que as causas da morte foram mltiplas leses e asfixia mecnica.

    49 Uma experincia anterior s UPPs, o GPAE (Grupamento de Policiamento em reas Especiais), criado em 2000, tambm defendia um policiamento comunitrio nas favelas da cidade, visando reduzir o nmero de armas e transformar prticas abusivas e violentas das Polcias nessas reas.

    50 RIO DE JANEIRO (Estado). Instituto de Segurana Pblica / Secretaria de Segurana Pblica do Estado do Rio de Janeiro. Balano de In-dicadores da Poltica de Pacificao (2007 - 2014). Rio de Janeiro, abril, 2015. Disponvel em: . Acesso em 25/06/2015.

    51 A Anistia Internacional lanou Ao Urgente sobre o caso. Ver UA 212/13. Index: AMR 19/006/2013. O homicdio de Douglas Rafael da Silva, conhecido como DG, tambm envolveu policiais militares de UPP (Pavo- Pavozinho) e foi alvo da Ao Urgente UA 105/14. O caso est descrito neste Relatrio.

  • 2928 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    Esse registro tem o condo de iniciar um processo administrativo chamado de

    inqurito policial, que presidido pela autoridade responsvel pela circunscrio

    policial onde ocorreu o crime, no caso um delegado da Polcia Civil. Seguem-se

    as investigaes para determinar as circunstncias do fato e as concluses so

    enviadas ao Ministrio Pblico, que pode propor uma ao penal ou pedir o arqui-

    vamento do caso com base na constatao de que se trata de um fato com exclu-

    dente de ilicitude. O Poder Judicirio aceita ou rejeita o pedido de arquivamento ou

    a denncia do policial (ou policiais) por homicdio.

    Em 2011, a Chefia de Polcia Civil do estado do Rio de Janeiro publicou a Portaria n 553, de 7 de julho, criando uma srie de regras a serem observadas

    para a investigao desses casos, incluindo a preservao da cena do crime e a

    realizao imediata de percia de local com a presena da autoridade competente

    (Polcia Civil).

    Em 2012, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH)

    publicou a Resoluo n 08, que busca abolir a designao autos de resistncia nos registros de ocorrncia e propor regras para a investigao desses casos. Essa

    Resoluo, mesmo sem fora normativa, tem influenciado mudanas em diversos estados brasileiros no tocante s formas de registro e apurao desses homicdios.

    O estado do Rio de Janeiro passou a registrar tais casos como homicdio

    decorrente de interveno policial, embora produza estatsticas usando auto de

    resistncia como sinnimo.

    Segundo dados enviados pelas 27 Secretarias de Segurana Pblica dos es-

    tados ao Ministrio da Justia, que foram sistematizados pelo Frum Brasileiro de

    Segurana Pblica56, temos uma estimativa de que 1809 pessoas foram mortas pelas Polcias militar e civil brasileiras quando em serviono ano de 2013. Isso significa cinco pessoas mortas pela Polcia por dia no Brasil.

    As deficincias no registro de ocorrncias policiais e a falta de transparncia e pa-dronizao dos dados produzidos pelas Secretarias de Segurana Pblica dos estados

    dificultam a consolidao nacional dessas informaes. No possvel afirmar com exatido quantas pessoas as Polcias matam no exerccio de suas funes no Brasil.

    legtima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessrios, repele injusta agresso, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

    56 Dados sistematizados pelo Frum Brasileiro de Segurana Pblica com informaes da Secretaria Nacional de Segurana Pblica (Se-nasp) / Ministrio da Justia na 8 Edio do Anurio Brasileiro de Segurana Pblica, divulgada em novembro de 2014.

    Sobre a tentativa dos policiais militares de registrar o caso como auto de resistncia, Ana Paula diz que a vtima que se torna o criminoso. o tempo todo assim l na favela. Tem o tempo todo que provar que no bandido. Ela afirma tambm que isso acontece porque o policial tem muita certeza da impunidade.

    Ana Paula desabafa: muito injusto. muito triste. At quando vai ser assim? Eles me tira-ram um pedao. Di tanto, tanto, que s mesmo outra me pode entender. Eu perdi esse pedacinho de mim, mas meu marido e minha filha tambm me perderam, porque eu nunca mais vou ser a mesma pessoa que eu era.

    Em 06 de agosto de 2014, o Ministrio Pblico denunciou um policial militar pelo homic-dio de Johnatha. O processo judicial est em tramitao no 3 Tribunal do Jri da comarca da capital, Rio de Janeiro.

    Verificamos, portanto, que embora a implantao das UPPs em algumas re-as do Rio de Janeiro venha gerando um resultado positivo na diminuio do n-

    mero de homicdios e na reduo da presena armada de grupos criminosos nas

    favelas, os abusos policiais continuam a ocorrer. Sem uma poltica de segurana

    pblica ampla e integrada com todas as reas da cidade, com o foco na reduo

    de homicdios e no controle da atividade policial, as UPPs podem ficar isoladas e sua promessa de um novo modelo de policiamento de proximidade e respeito aos

    moradores de favelas pode no se cumprir.

    autoS De ReSiStNcia e homicDioS DecoRReNteS De iNteRVeNo PolicialQuando uma pessoa morta em consequncia de interveno policial (militar ou civil),

    o caso, quando levado ao conhecimento do poder pblico, resulta em um registro

    de ocorrncia tipificado como homicdio decorrente de interveno policial, tambm chamado de auto de resistncia52. A autoria do homicdio, nessas situaes, co-

    nhecida e o prprio policial efetua o registro com uma autoridade na Polcia Civil.

    Assim, os autoS De ReSiStNcia so registros administrativos de ocorrncia realizados pela Polcia Civil, que faz uma classificao prvia do homicdio praticado por policiais, associando-o a uma excludente de ilicitude: legtima defesa do policial.

    Essa figura jurdica remonta poca da ditadura militar (1964-1985), quando as torturas, execues extrajudiciais, desaparecimentos forados, ocultaes de

    cadveres e prises ilegais eram instrumentos de uma estratgia de Estado voltada

    para a supresso da dissidncia poltica53.

    Esse registro policial administrativo baseado em duas disposies legais. De

    um lado, o Cdigo de Processo Penal brasileiro (CPP), em seu Artigo 292, permite

    o emprego da fora pelos policiais no caso de resistncia ou tentativa de fuga do

    preso54. De outro, o Artigo 25 do Cdigo Penal dispe que no h crime quando o

    autor o pratica em legtima defesa55.

    52 Usaremos daqui em diante a expresso autos de resistncia para se referir aos homicdios decorrentes de interveno policial que so registrados com a excludente de ilicitude em razo de legtima defesa.

    53 Vide informe da Comisso Nacional da Verdade, publicado em 10/12/2014 http://www.cnv.gov.br Acesso em 01/07/2015.

    54 Em seu Artigo 292, o CPP dispe que: Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistncia priso em flagrante ou determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem podero usar dos meios necessrios para defender-se ou para vencer a resistncia, do que tudo se lavrar auto subscrito tambm por duas testemunhas.

    55 O Cdigo Penal brasileiro, em seu artigo 25, considera a legtima defesa uma das hipteses de excluso de ilicitude: Entende-se em

  • 3130 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    5.132CAPITAL

    895GRANDENITERI

    369INTERIOR

    2.070BAIXADA

    RIO DE JANEIRO

    homicDioS DecoRReNteS

    De iNteRVeNo Policial No

    Rio De JaNeiRo

    o Rio de Janeiro um dos nicos entes federativos que tem avanado

    positivamente em garantir a transparncia das informaes sobre indi-

    cadores de criminalidade. Atravs do Instituto de Segurana Pblica, o

    estado divulga, mensalmente, estatsticas detalhadas sobre ocorrncia

    de crimes, incluindo os dados de homicdios decorrentes de inter-

    veno policial. Essa transparncia nos dados permitiu identificar a evoluo, ao longo dos anos, do nmero de pessoas mortas pela Polcia durante

    sua atuao e identificar as regies do estado e da cidade do Rio de Janeiro com maior ndice de letalidade policial.

    Em um perodo de 10 anos, entre 2005 e 2014, foram registrados no estado

    8.466 homicdios decorrentes de interveno policial, sendo 5.132 somente na capital. Embora tenha havido uma tendncia de queda a partir de 2010, entre os

    anos 2013 e 2014 houve aumento de 39,4% do nmero de autos de resistncia no

    estado, e de 9% na cidade do Rio de Janeiro.

    FONTE: INSTITUTO DE SEGURANA PBLICA - SECRETARIA DE SEGURANA PBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ELABORAO PRPRIA)

    maPa 2. Homicdios decorrentes de interveno policial, no estado do Rio de Janeiro, entre 2005 e 2014.

    Polcia Militar no Complexo da Mar [Rio de Janeiro, 30/03/2014]

  • 3332 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    FONTE: INSTITUTO DE SEGURANA PBLICA - SECRETARIA DE SEGURANA PBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ELABORAO PRPRIA)

    Ao comparar os nmeros de homicdios decorrentes de interveno policial com o total de casos de morte intencional violenta57 ocorridos na capital nos ltimos cinco anos, possvel observar que eles representam um percentual significativo em relao ao contingente geral.

    No estado do Rio de Janeiro, a Governo divide o territrio por reas Integradas

    de Segurana Pblica (AISP), e cada uma delas corresponde rea de atuao de

    um Batalho de Polcia Militar (BPM). Se olharmos a distribuio geogrfica dos homicdios decorrentes de interveno policial na cidade do Rio de Janeiro em

    2014, veremos que a grande maioria dessas ocorrncias concentra-se nas reas

    mais pobres, especialmente nas Zonas Norte e Oeste da cidade.

    57 Nessa categoria esto includos: homicdio doloso, leso corporal seguida de morte, latrocnio, auto de resistncia ou homicdio decorrente de interveno policial, policiais militares mortos em servio e policiais civis mortos em servio.

    GRfico 3. Nmero de homicdios decorrentes de interveno policial, em 2014, por Batalho da Polcia Militar na cidade do Rio de Janeiro.

    GRfico 2. Nmero de mortes intencionais violentas e homicdios decorrentes de interveno policial na cidade do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2014.

    FONTE: INSTITUTO DE SEGURANA PBLICA - SECRETARIA DE SEGURANA PBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ELABORAO PRPRIA)

    aNo ciVil militaR total

    2005 9 24 332006 2 27 292007 9 23 322008 4 22 262009 7 24 312010 5 15 202011 4 8 122012 6 12 182013 4 16 202014 0 15 15

    FONTE: INSTITUTO DE SEGURANA PBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ELABORAO PRPRIA)

    taBela 2. Nmero de policiais militares e civis mortos, em servio no estado do Rio de Janeiro, entre 2005 e 2014.

    Em 2011, os autos de resistncia registraram uma baixa

    considervel, em parte devido publicao da Portaria n 553 da

    Chefia da Polcia Civil, mas tambm pela incluso do indicador de reduo do nmero de homicdios decorrentes de interveno

    policial no sistema de metas e acompanhamento de resultados

    da Secretaria de Segurana Pblica (criado em 2009). Ainda que

    essas iniciativas tenham contribudo para a reduo do nmero

    de homicdios decorrentes de interveno policial no estado do

    Rio de Janeiro, os nmeros continuam sendo demasiadamente

    elevados.

    A Anistia Internacional reconhece que a lgica da guerra

    s drogas e do combate resulta em centenas de pessoas mortas

    todos os anos no Rio de Janeiro, incluindo policiais militares e

    civis no exerccio de suas funes. Muitas operaes policiais

    visando coibir o trfico de drogas tambm colocam os profis-sionais da segurana pblica em risco. Nos ltimos 10 anos,

    uma mdia de 23 policiais foram mortos por ano em servio,

    em sua maioria policiais militares. Entretanto, as informaes

    disponveis no revelam o contexto especfico em que essas mortes ocorreram.

    GRfico 1. Nmero de homicdios decorrentes de interveno policial, por regio do estado do Rio de Janeiro, entre 2005 e 2014.

  • 3534 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    As polticas de segurana p-

    blica no Brasil acabam resultando na

    criminalizao das populaes pobres

    e negras, em particular crianas e jo-

    vens residentes das favelas e periferias

    das cidades. Segundo a CIDH, esse

    fato pode gerar responsabilidade in-

    ternacional do Estado brasileiro pela

    omisso de tomar medidas de ao

    afirmativa no sentido de reverter ou mudar situaes discriminatrias, de jureoude facto, em detrimento de de-terminado grupo de pessoas59.

    Tanto a CIDH como a Corte Inte-

    ramericana de Direitos Humanos tm

    reiterado que os Estados tm a obriga-

    o de garantir a igualdade de forma

    efetiva e no unicamente mediante a

    publicao de leis. Sobre isso, a CIDH

    tem assinalado que embora as leis

    brasileiras no admitam a discrimina-

    o, garantindo-se prima facie uma aparente igualdade, na realidade dos fatos a situao outra, pois o vis seguido

    pela Polcia do Estado, segundo os estudos existentes, mostra a violncia desne-

    cessria com que so tratadas as pessoas submetidas a seus procedimentos, de

    modo especial os indivduos com caracteres prprios da raa negra, residentes

    em zonas marginalizadas (favelas). A CIDH, atravs de estudo sobre a situao

    no Brasil e de diversas peties individuais que tm sido apresentadas para sua

    anlise, concluiu que a mera promulgao de leis sem qualquer efeito prtico no

    garante o pleno gozo e exerccio de direitos.

    Nesse sentido, a Corte Interamericana tem estabelecido a obrigao dos Es-

    tados de abster-se de realizar aes que de qualquer maneira so dirigidas, direta

    ou indiretamente, a criar situaes de discriminao de jure ou de fato 60. Ou seja,

    o princpio da no discriminao vai alm de unicamente proibir polticas e prti-

    cas deliberadamente discriminatrias, mas tambm abrange prticas cujo impacto

    resulte em discriminao contra certas categorias de pessoas, mesmo quando no

    se pode provar a inteno de discriminar.

    59 Vide: Comisso Interamericana de Direitos Humanos . Relatrio n 26/09, Caso 12.440, Wallace de Almeida (Brasil), pargrafos 147 e 148.

    60 Vide caso Nadege Dorzema e outros vs Repblica Dominicana, Corte Interamericana de Direitos Humanos, pargrafo 234.

    DaS VtimaS DoS homicDioS DecoRReNteS De iNteRVeNo Policial Na ciDaDe Do Rio De JNeiRo

    So homeNS

    So NeGRoS

    So JoVeNS

    99,5%

    79%

    75%

    A Anistia Internacional pde ter acesso a informaes desagregadas sobre

    as vtimas de homicdios decorrentes de interveno policial na cidade do Rio

    de Janeiro por meio de solicitao de dados realizada ao ISP. A partir da anlise

    dos dados detalhados por idade, sexo e raa/cor58, foi possvel traar o perfil das vtimas no perodo de 2010 a 2013. Conclui-se que a grande maioria das vtimas

    so homens, jovens e negros, parcela da populao que tem sido historicamente

    marginalizada e discriminada no pas.

    A quase totalidade das vtimas em casos registrados como homicdio decor-

    rente de interveno policial so homens (99,5%) e 79% so negros. Embora no

    seja possvel identificar a idade das vtimas em uma porcentagem expressiva de casos, as informaes disponveis (557 casos) indicam que 75% das vtimas da

    letalidade policial so jovens entre 15-29 anos.

    58 Obtidos por meio de solicitao ao Instituto de Segurana Pblica, conforme explicado na seo Metodologia.

    FONTE: MICRODADOS FORNECIDOS PELO INSTITUTO DE SEGURANA PBLICA - SECRETARIA DE SEGURANA PBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ELABORAO PRPRIA)

    FONTE: MICRODADOS FORNECIDOS PELO INSTITUTO DE SEGURANA PBLICA - SECRETARIA DE SEGURANA PBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (ELABORAO PRPRIA)

    GRfico 4. Homicdios decorrentes de interveno policial, por sexo, na cidade do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2013.

    GRfico 5. Homicdios decorrentes de interveno policial, por raa/cor, na cidade do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2013.

    GRfico 6. Homicdios decorrentes de interveno policial, por faixa de idade, na cidade do Rio de Janeiro, entre 2010 e 2013.

  • 3736 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    eXecueS eXtRaJuDiciaiS,

    uSo DeSNeceSSRio Da foRa e outRoS

    aBuSoS PoliciaiS em acaRi

    a favela de Acari, com uma populao de cerca de 22 mil pessoas61 e

    localizada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, conhecida pelo

    histrico de violaes dos direitos humanos praticadas por policiais ci-

    vis e militares durante operaes de segurana62 e tambm pela ao

    de grupos de extermnio que atuaram na regio63.

    Em Acari, assim como em muitas favelas da cidade do Rio de Ja-

    neiro, h um estruturado comrcio varejista de drogas ilcitas e uma forte presena

    de grupos criminosos armados. No h policiamento permanente na comunidade,

    apenas incurses policiais espordicas. Segundo relatos de diversos moradores,

    em Acari, bem como em outras reas e bocas de fumo64 da cidade, alguns po-

    liciais fazem parte desse comrcio, especialmente por meio do chamado arrego

    um tipo de propina paga para que no haja represso ao trfico local. O desaparecimento forado65 de 11 jovens em julho de 1990 (episdio co-

    nhecido como Chacina de Acari) e a luta por justia das chamadas Mes de

    Acari foram casos acompanhados pela Anistia Internacional66. Passados 25 anos,

    este crime, um dos casos de violaes de direitos humanos mais emblemticos do

    Brasil, continua impune e o cotidiano dos moradores do local ainda marcado pela

    violncia policial e pela impunidade.

    61 Fonte: CAVALLIERI, Fernando; VIAL, Adriana. Favelas na cidade do Rio de Janeiro: o quadro populacional com base no Censo 2010. Coleo Estudos Cariocas Armazm de Dados (online). N 20120501, maio de 2012. Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP)/ Secreta-ria Extraordinria de Desenvolvimento/Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponvel em: . Acesso em 25/06/2015.

    62 Vide Relatrio da Anistia Internacional Vim buscar sua alma: o caveiro e o policiamento no Rio de Janeiro, de maro de 2006 (Index: AMR 19/007/2006).

    63 Vide Relatrio da Anistia Internacional Alm do desespero uma agenda para os direitos humanos no Brasil, de setembro de 1994 (Index: AMR 19/15/1994).

    64 Termo usado para se referir a pontos de venda de drogas ilcitas no varejo.

    65 Artigo 2 da Conveno Internacional para a Proteo de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forado declara que, entende-se por desaparecimento forado a priso, a deteno, o sequestro ou qualquer outra forma de privao de liberdade que seja perpetrada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorizao, apoio ou aquiescncia do Estado, e a subsequente recusa em admitir a privao de liberdade ou a ocultao do destino ou do paradeiro da pessoa desaparecida, privando-a assim da proteo da lei. A/RES/61/177.

    66 Vide: Ao Urgente da Anistia Internacional de janeiro de 1992 exigindo proteo s mes de Acari (UA 37/92, Index: AMR 19/01/92).

    Favela de Acari [Rio de Janeiro, 27/05/2015]

  • 3938 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    res obtidos pela Anistia Internacional ao longo da pesquisa realizada na ocasio. A organizao tambm recebeu informaes de que as buscas feitas pelas autoridades em possveis locais de desova foram negligentes e destrutivas, possivelmente resultando em danos permanentes que impediriam as investigaes nos locais.

    Edmia, Marilene, Ana Maria, Vera Lucia, dentre outras mes, inconformadas com a impos-sibilidade de encontrar seus filhos e com a impunidade dos responsveis, levantaram suas vozes a fim de dar visibilidade ao absurdo vivido por elas e dor de no conseguir respostas sobre o paradeiro dos jovens. Assim surgiu o movimento Mes de Acari. Na busca de seus filhos, elas percorreram cemitrios clandestinos, escritrios, instncias burocrticas, Delegacias de Polcia, presdios; conversaram com juzes, delegados, secretrios de segurana, autoridades policiais, ministros sempre em busca de informaes70. Entretanto at hoje sem sucesso.

    Em 2010, as investigaes sobre o caso foram encerradas sem a denncia dos responsveis, devido insuficincia de provas.

    Em janeiro de 1993, Edmia da Silva Euzbio, 47 anos, me de Luiz Henrique da Silva Euzbio e uma das mais empenhadas na luta por justia, foi assassinada. Ela foi vtima de homicdio, juntamente com Sheila Conceio, supostamente por ter conseguido novas informaes que levariam localizao dos jovens desaparecidos. Aps sair do Presdio Hlio Gomes, no bairro do Estcio, depois de uma visita que teria feito a um preso, foi pega em uma emboscada e morta no estacionamento do metr da Praa Onze. A denncia contra os supos-tos assassinos (entre eles um ex-policial militar e um ex-deputado estadual) s foi aceita pela Justia em 2011. O processo se arrastava desde 1998 sem qualquer resposta conclusiva do Estado. No fim de 2014, houve a primeira audincia do caso, mas at junho de 2015, 22 anos depois do assassinato de Edmia, o crime ainda no tinha sido julgado.

    70 Vide texto 20 anos do caso de Acari: no ao esquecimento, sim Justia, publicado em fevereiro de 2010 no site da Rede contra Violn-cia. Disponvel em: . Acesso em: 25/06/2015.

    Nas fotos abaixo, da esquerda para a direita, secretrio geral da Anistia Internacional, Pierre Sane se reune com as mes de Acari. [Rio de Janeiro, abril/1995]. Manifestao pede justia para as vtimas da chacina de Acari [Rio de Janeiro, julho/2010]. Obra produzida por Jos Luis em homenagem s mes de Acari [Favela de Acari, Rio de Janeiro, 27/05/2015].

    A ChACinAdepois25 Anosde ACAri

    em 26 de julho de 1990, 11 pessoas, sendo 7 menores de idade em sua maioria residentes da favela de Acari e proximidades , foram retiradas de um stio localizado em Suru, bairro do municpio de Mag (estado do Rio de Janeiro), por um grupo de homens que se identificaram como policiais, e levadas para destino desconhecido. At hoje seus paradeiros no foram descobertos e os responsveis no foram levados Justia. A Anistia Internacional relatou, em 1994, que as pessoas que levaram os jovens haviam sido identificadas pelo Setor de Inteligncia da Polcia Militar como policiais do 9 Batalho da Polcia Militar, em Rocha Miranda, e como detetives do Departamento de Roubo de Carga da 39 Delegacia de Polcia da Pavuna, ambos na cidade do Rio de Janeiro. A investigao indicava que os policiais militares envolvidos vinham extorquindo algumas das vtimas antes do seu desaparecimento forado67.

    O livro Mes de Acari: uma histria de luta contra a impunidade68 apontou que alguns dos responsveis pelos desaparecimentos estariam ligados a um grupo de extermnio conhecido poca como Cavalos Corredores69, informao confirmada por vrios testemunhos de morado-

    67 Vide Relatrio da Anistia Internacional Alm do desespero uma agenda para os direitos humanos no Brasil, de setembro de 1994 (Index: AMR 19/15/1994).

    68 NOBRE, Carlos. Mes de Acari: uma histria de luta contra a impunidade. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumar, 1994.

    69 Vide Relatrio da Anistia Internacional Candelria e Vigrio Geral 10 anos depois (AI Index: AMR 19/015/2003).

  • 4140 voc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeirovoc matou meu filhoHomicdios cometidos pela polcia mil itar na cidade do rio de Janeiro

    Os 68 autos de resistncia da AISP 41 esto distribudos da seguinte forma nessas trs DPs:

    15 foram registrados na rea da 27 DP; 10 foram registrados na rea da 31 DP; 43 foram registrados na rea da 39 DP.

    A 39 DP , portanto, a que teve o maior nmero de registros de homicdio decorrente de interveno policial / auto de resistncia em 2014. Entre os bairros

    atendidos por esta Delegacia, esto Acari, Barros Filho, Costa Barros, Parque Co-

    lmbia e Pavuna.

    Os registros de ocorrncia da Polcia Civil do estado do Rio de Janeiro indicam

    que, em 2014, houve dez vtimas de homicdios decorrentes de interveno policial

    em Acari, conforme especificado no grfico abaixo. Houve ainda, nesse mesmo ano, outros dois homicdios de moradores que no foram registrados como homi-

    cdio decorrente de interveno policial, e sim como homicdios comuns. Essas

    duas mortes, no entanto, tambm aconteceram no contexto de operaes policiais,

    havendo inclusive testemunhas que apontam a responsabilidade de policiais mili-

    tares nesses bitos. Esses dois casos esto descritos na prxima seo.

    GRfico 7. Homicdios decorrentes de interveno policial no estado do Rio de Janeiro, na cidade do Rio de Janeiro e em regies especficas da capital no ano de 2014

    Entre os dez homicdios, quatro deles foram cometidos por policiais militares

    do 41 BPM; quatro pelo Batalho de Operaes Policiais Especiais (BOPE); e dois pelo Batalho de Choque. As duas mortes atribudas a policiais do Choque

    ocorreram em uma grande operao em Acari, na qual tambm estavam presentes

    policiais do 41 BPM e do BOPE.

    No entanto, o 41 BPM o responsvel pela grande maioria das mortes

    em operaes policias registradas na 39 DP em 2014. Ao olhar os casos das 43 vtimas de homicdios decorrentes de interveno policial registrados na 39 DP, vemos que 32 delas foram mortas por policiais militares do 41 BPM.

    No desenvolvimento da pesquisa, a Anistia Internacional colheu informaes

    sobre o contexto especfico de nove dessas dez mortes, a partir de acesso aos regis-tros de ocorrncia dos homicdios, de entrevistas com testemunhas, moradores e fa-

    miliares, de visitas aos locais dos crimes e de aquisio de