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06/06/2016 Você precisa escolher um lado? Planeta http://www.revistaplaneta.com.br/voceprecisaescolherumlado/ 1/13 Você precisa escolher um lado? N° Edição: 520 Texto: Renata Valério de Mesquita 31/05/2016 O brasileiro não foge à luta para definir quem está certo ou errado na política, na religião e em tantos outros temas. Na atual disputa, porém, os dois lados saem perdendo. O convívio com a diferença só tem a somar Entre ser “coxinha” ou “petralha”, dentro da política nacional. Entre ser intruso ou local, na questão dos imigrantes, mundo afora. Entre ser vegetariano ou carnívoro, no quesito alimentação. Entre ser Batman ou SuperHomem, na identificação com os superheróis de sempre. Entre tantos issos ou aquilos que a atualidade oferece, você já decidiu de que lado está? Não responda agora, porque a pergunta que vem a seguir é ainda mais importante: você já parou para pensar se realmente precisa escolher um dos dois lados que se apresentam como as verdades da vez? “Às vezes, o melhor lado é o de fora. Especialmente em momentos de polarização”, provoca o historiador, antropólogo e filósofo Leandro Karnal. Mas ele complementa que é nesses momentos que as pessoas acham mais importante tomar partido. “Concordar com os pressupostos básicos de A ou B é aderir a toda a semântica de comunicação de

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Você precisa escolher um lado? N° Edição: 520 Texto: Renata Valério de Mesquita 31/05/2016

O brasileiro não foge à luta para definir quem está certo ou errado napolítica, na religião e em tantos outros temas. Na atual disputa, porém,os dois lados saem perdendo. O convívio com a diferença só tem asomar

Entre ser “coxinha” ou “petralha”, dentro da política nacional. Entre ser intruso ou local,

na questão dos imigrantes, mundo afora. Entre ser vegetariano ou carnívoro, no

quesito alimentação. Entre ser Batman ou Super­Homem, na identificação com os

super­heróis de sempre. Entre tantos issos ou aquilos que a atualidade oferece, você já

decidiu de que lado está? Não responda agora, porque a pergunta que vem a seguir é

ainda mais importante: você já parou para pensar se realmente precisa escolher um

dos dois lados que se apresentam como as verdades da vez?

“Às vezes, o melhor lado é o de fora. Especialmente em momentos de polarização”,

provoca o historiador, antropólogo e filósofo Leandro Karnal. Mas ele complementa que

é nesses momentos que as pessoas acham mais importante tomar partido. “Concordar

com os pressupostos básicos de A ou B é aderir a toda a semântica de comunicação de

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cada grupo. Quando alguém diz C, sai do código semântico e deixa o outro perturbado

porque ele não consegue sequer ingressar nessa linguagem”, explica.

Entre diversos exemplos de polaridade, é como se o mundo atual se dividisse entre o

bem ou o mal, sendo o bem sempre o lado em que você está e o mal, a posição do

outro – claro! Essa visão maniqueísta costuma facilitar a vida, por um lado, pois basta

seguir fielmente a doutrina escolhida e sentir o conforto de pertencer a um grupo. Mas,

por outro, reduz a riqueza que a vida oferece quando se mantém uma postura mais

aberta à diversidade de ideias.

A polarização política no Brasil (fotos acima) tem contaminado a população com intolerância e deixado rastros deviolência verbal e física (abaixo)

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“Devemos ser capazes de apreciar a diferença e manter uma distância saudável entre

as próprias ideias e as opostas. Isso significa manter a motivação de que as pessoas

possam ser felizes do modo delas, e de que não seremos nós quem lhes ensinará

como ser felizes”, analisa Bel Cesar, psicoterapeuta sob a perspectiva do budismo

tibetano e mãe do lama Michel Rinpoche. O problema, resume Bel, é praticar uma

atitude corretiva na qual intervimos no espaço alheio sem um acordo prévio de ambas

as partes.

Isso vale para política, religião, saúde, criação dos filhos, sexualidade, alimentação e

vários outros temas. Para cultivar um espaço saudável entre aqueles que vivem de

modo diferente, é necessário que cada pessoa mantenha certa curiosidade sobre as

razões do outro e procure compreender o que o leva a pensar e agir de uma

determinada maneira. “É importante lembrar que o nosso bem­estar depende também

do bem­estar comum. Sinto falta disso na nossa sociedade”, comenta Bel.

Duelo nacional

De fato, essa postura está em falta entre muitos brasileiros hoje em dia, sobretudo

quando a questão é política. Conversas, mesmo entre pessoas que se gostam, têm

atingido tons elevados e terminado, muitas vezes, em violência verbal e física. O

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sangue quente de rivalidade, visto em manifestações de rua a favor e contra o

impeachment da presidente Dilma Rousseff, alastrou­se para dentro das casas e

empresas.

Há cerca de um ano, amigos têm cortado relações devido a orientações políticas e

famílias têm se quebrado em pedaços (veja quadro “Guerras virtuais”).

Mais recentemente, a ruptura chegou também aos relacionamentos profissionais. Em

Porto Alegre, a pediatra Maria Dolores Bressan enviou mensagem para a suplente de

vereadora pelo PT e militante do partido há 16 anos, Ariane Leitão, mãe de um de seus

pacientes, “declinando, em caráter irrevogável” da função de médica da criança. Já a

capa vermelha do iPad e algumas roupas da jornalista Cristiana Lôbo, apresentadora do

canal por assinatura GloboNews e comentarista da Rede Globo, têm sido motivo de

reclamação de telespectadores – a escolha por essa cor denotaria que ela é favorável

ao PT.

O muro que separou militantes a favor e contra o impeachment na votação de 17 de abril na Câmara doDeputados simbolizou a intolerância que marca a divisão política no país

Conversas sobre temas controversos devem envolver uma intenção verdadeira das

partes de ampliar suas  visões, recomenda a psicóloga Bel Cesar. Senão, será pura

discussão, ou seja, uma disputa contaminada pela raiva e pela luta de poder para ver

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quem consegue se impor melhor e convencer o outro de que é ele quem está errado.

“Quando temos pouco conhecimento de nossas vulnerabilidades e de nossa força

interior, toda diferença surge como uma ameaça, algo que nos perturba porque não

sabemos lidar com ela”, explica Bel.

Karnal reforça a ideia lembrando as considerações do imperador romano Marco Aurélio,

no segundo livro da série “Meditações”, escrito antes do ano 200: “Hoje eu vou

encontrar um insensato, um agressivo, um vaidoso, e nenhum deles vai me vencer. Se

a paz for minha, ninguém me tira”. O filósofo­historiador destaca que é preciso se

conhecer para não se abalar. “O problema é que as pessoas são mal resolvidas”,

aponta. Por isso, ele acredita que o diálogo está ficando cada vez mais difícil. “As

pessoas não querem debater ideias, querem colocar os outros na gaveta correta. Não

têm mais a vontade de ouvir, só querem saber de que lado o outro está para poder

classificá­lo, como bem definiu o psicólogo Contardo Calligaris em coluna na Folha de

S. Paulo.”

Karnal, também ele professor, conta que, ao falar sobre religião, surge sempre uma

mesma e única pergunta: “Querem saber qual é a minha religião para poderem me

adjetivar e me colocar num nicho, dentro do qual eu funcione”. Adjetivar, para ele, é o

fim do debate. Isso porque, ao adjetivar, está­se classificando o outro e jogando por

terra a possibilidade de uma conversa mais inteligente sobre qualquer questão. O

apelido de “coxinha”, por exemplo, denota que a pessoa é da elite branca

conservadora.

Seguindo o cardápio político, “sanduíche de mortadela” ou “petralha” indica alguém que

apoia todo e qualquer crime que se cometa. Karnal é árduo defensor e divulgador do

conceito da “tolerância ativa” – tão necessária e pouco praticada nos dias de hoje –, de

que não basta aturar opiniões diferentes, mas valorizar a diversidade de credos,

culturas e etnias, porque é isso que garante a riqueza do mundo. Ao lado da colega

Elaine Moura, ele preparou livros didáticos para estimular o ensino dessa atitude em

sala de aula.

O poder do exemplo

Mesmo em ambiente escolar, entretanto, vêm acontecendo episódios delicados dessa

novela. Um menino de 8 anos, que usava camiseta com a bandeira da Suíça (toda

vermelha e com uma cruz branca na frente), foi ameaçado por colegas. As crianças de

idade próxima à dele afirmavam que o garoto era “petista” e deveria “ser espancado”

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e “jogado na rua”. “A criança repete as atitudes que vê. Dependendo da idade, muitas

nem têm condições de refletir sobre o tema envolvido”, comenta Cassiana Versoza­

Carvalhal, professora do departamento de psicologia geral e de Análise do

Comportamento da Universidade Estadual de Londrina (PR).

A infância é a melhor época para desenvolver uma postura tolerante, mas os pequenos

dependem dos adultos de hoje para aprender essa lição em família ou na escola. Um

caso clássico mostra que ainda existe muita intransigência sendo disseminada. É

comum, quando a criança conta que aprendeu na escola algo contrário ao que os pais

acreditam, ser proibida de falar disso dentro de casa outra vez. “Se o pensamento

diferente sempre for tratado assim, vai se tornar aversivo”, diz Cassiana.

A melhor atitude, segundo ela, seria que os adultos perguntassem o que a criança

aprendeu e explicassem o que a família pensa sobre o tema e por que motivos. “Se a

diferença de ideias for tratada com naturalidade e todos puderem passar um momento

gostoso de diálogo, a criança vai querer sempre conversar com quem pensa de outra

forma para aprender coisas novas”, aponta. Para Cassiana, a rivalidade vivida hoje é

exemplo claro da referência nacional do futebol que está sendo transposta para a

política.

O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski (direita) em cerimônia em que o Conselho Nacional

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de Justiça aprovou cotas de negros para concursos no Judiciário: a política de cotas ajuda a deflagrar aintolerância

“Não interessa se o gol foi roubado, o torcedor do time que marcou o tento vai alfinetar

e até ofender o rival. Na política, já não importa se o partido fez coisa errada”,

compara. Mas, a professora alerta que não é preciso “comprar um pacote fechado” de

uma linha, concordando com tudo o que ela prega. “Posso ter posição crítica de cada

tema, ser a favor do impeachment, por exemplo, mas discordar do juiz que liberou as

gravações”, exemplifica.

Para se manter uma visão mais equilibrada, a professora sugere que as pessoas se

informem sobre os temas que estão sendo debatidos em diferentes fontes, inclusive

antagônicas. “O natural é buscar notícias que reforcem o que eu já penso. Mas é bom

ler sobre os argumentos defendidos por outros pontos de vista também.” Isso vale

para política, religião, saúde, criação dos filhos, sexualidade, alimentação e vários

outros temas.

Batalha campal

Outra forma de estabelecer um bom diálogo, segundo Cassiana, é conversar cara a

cara. “É o que menos tem acontecido hoje, por causa das redes sociais, mas é muito

importante perceber as consequências no outro do que estou dizendo.” O

distanciamento proporcionado pela tecnologia joga mais lenha na fogueira das

discussões: por trás do celular ou do computador as pessoas não se preocupam tanto

com a forma como dizem as coisas.

A internet chega a despersonificar o outro, porque muitas vezes não se sabe de fato

quem ele é. E deixa espaço para encaixar o outro no estereótipo criado de quem pensa

de maneira diferente de si. “Isso não cria espaços de diálogo, mas sim um ambiente

de desabafo. Por esse motivo, as redes sociais potencializam o clima de intolerância

vivido hoje”, afirma Cassiana. Por outro lado, é graças a essa nova ferramenta que as

pessoas estão mais informadas da pluralidade do mundo e engajadas nos debates de

todo tipo. A internet é, ao mesmo tempo, o elemento da vida pós­moderna que ajuda

a criar discursos surdos e aquele que veio quebrar o paradigma das verdades

absolutas.

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A conversa face a face, que as redes sociais têm inibido ultimamente, é um recurso para estimular o diálogo

Uma prova de que tudo traz em si aspectos positivos e negativos, e de que a visão

maniqueísta é empobrecedora e reducionista. A internet tem o mérito de ter quebrado

o monopólio da informação e de derrubar a autoridade que ditava verdades da classe

mais alta e mais bem informada. Para Karnal, as tecnologias talvez estejam moldando

um tipo de debate que não é mais filosófico. “A própria linguagem do computador pode

estar reforçando isso na cabeça das pessoas, segundo um aluno meu trouxe à tona

outro dia”, comenta. Afinal, a linguagem do computador não tem “talvez” nem “quem

sabe”. Não, ela é sempre binária, “zero” ou “um”. “Apaga” ou “não apaga”.

O acesso a um grande volume de dados faz as pessoas confundirem informação com

formação, na visão de Karnal. Para ele, a rede é o paraíso da opinião sem base. Com a

vantagem de que nem é preciso enfrentar o ônus do debate – basta bloquear as

pessoas discordantes. E ter uma opinião passou a ser sinônimo de obrigação de emiti­

la, de acordo com o filósofo. “As pessoas passaram a considerar a sua opinião tão

válida quanto a do especialista. Com a diminuição da autoridade superior, nós

tornamos possível que tudo seja questão de opinião”, expõe. Na sua experiência em

sala de aula, os alunos cada vez mais interpretam que há subjetividade em tudo o que

professor está dizendo. “Pode chegar o dia em que eu vou dizer ‘a Bastilha caiu em 14

de julho de 1789’ e vão dizer: ‘eu não concordo. Essa é uma forma de ver a história’”,

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brinca.

Bandeira branca

A fartura de informações e de opinião do mundo atual contrasta com o momento de

escassez, que são as bases da intolerância. “Num momento de escassez, a intolerância

aumenta”, analisa Dulce Pandolfi, professora do Centro de Pesquisa e Documentação

de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de

Janeiro. Na Europa em crise econômica, por exemplo, torna­se um problema conviver

com o outro – que é o imigrante. “Quando o espaço está menor, o outro já não cabe.

Não quero que ele chegue ao mesmo lugar que eu.”

Isso também se aplica à sociedade brasileira, que se acomodou no berço esplêndido do

“mito da cordialidade” e deixou de debater questões importantes de intolerância. A

professora dá o exemplo do racismo contra o negro. “Antes da política de cotas,

ninguém era racista. O negro não incomodava ninguém, porque estava à parte. No

momento em que os negros assumem um lugar na sociedade, a discriminação aparece

mais”, compara Dulce.

O problema vem do fato de que o ser humano é muito etnocêntrico. Falta

compreensão da diversidade às pessoas. “Por que toda mulher tem de usar véu ou não

deve usar véu? Por que todas as culturas têm de comer com garfo e faca? Há culturas

em que as pessoas comem com a mão, outras com dois pauzinhos”, exemplifica. O

convívio com a diferença só tem a somar.

—–

Guerras virtuais

Pesquisa aponta uma atitude mais engajada do brasileiro diante dos debates políticos

do momento Se existe algo positivo na situação política nacional atual é que o

brasileiro está falando mais sobre o tema, revelou uma pesquisa do Instituto

QualiBest, feita em março com 800 pessoas a partir de 17 anos moradoras de todas

as regiões do Brasil, com predomínio das classes B e C.

“Isso é muito para um país onde as pessoas normalmente não se interessam por

política”, comenta Daniela Malouf, sócia diretora do instituto. Boa parte dessas

discussões ocorre nas redes sociais. Para Daniela, a presença maciça da internet na

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vida dos brasileiros é um diferencial importante entre a atual crise e outras que já

aconteceram no país. “Está mais fácil se inteirar e se posicionar sobre os assuntos”,

afirma.

Além disso, o distanciamento encoraja a expressão de opiniões mais controversas.

Segundo Daniela, as pessoas ficam muito mais inibidas em pesquisas presenciais, por

exemplo, do que naquelas feitas por meio de chats na internet. (Juliana Tiraboschi)

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Condescendência papal

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O papa Francisco continua a mostrar que, mesmo sem passar por reformas

doutrinárias profundas, o catolicismo pode tratar o diferente com mais tolerância. No

documento Amoris Laetitia (“Alegria do amor”), divulgado em abril, a situação de

divorciados e homossexuais recebe uma atenção que o Vaticano lhe devia há muito

tempo. Os divorciados, por exemplo, devem saber “que são parte da Igreja, que não

estão excomungados”, porque “ninguém pode ser condenado para sempre, pois esta

não é a lógica do Evangelho”.

Segundo o texto, essas pessoas devem “estar mais integradas às comunidades

cristãs”, e para tanto é preciso avaliar, caso a caso, “quais formas de exclusão devem

ser ultrapassadas”. Já a pessoa homossexual “deve ser respeitada em sua dignidade e

acolhida com respeito, com o objetivo de evitar ‘qualquer marca de injusta

discriminação’ e, particularmente, toda forma de agressão e violência”.