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A TRAVESSIA DO DESERTO EIS A REPORTAGEM POSSÍVEL DE UMA TRAVESSIA DO DESERTO. EPISÓDIOS AVULSOS DE UMA VIAGEM PELO SUL DA TUNÍSIA, RICO EM PEDRAS, DESFILADEIROS, MONTANHAS, VALES, PLANÍCIES, LAGOS SALGADOS E OUTROS ALTARES DA NATUREZA. MAS, SOBRETUDO, RICO EM AREIA FINA E MACIA DO DESERTO DO SARA. TEXTO DE TIAGO BALTAZAR | FOTOGRAFIAS DE CONSTANTINO LEITE T U N Í S I A O GRITO DO SARA O Sara canta como as sereias. Enfeitiça com o seu sopro nos ouvidos e arrepia com os salpicos da areia a bater na pele. O deserto mexe com todos os sentidos.

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A T RAV E S S I A D O D E S E RTOEIS A REPORTAGEM POSSÍVEL DE UMA TRAVESSIA DO DESERTO. EPISÓDIOS AVULSOS DE UMA VIAGEM PELO

SUL DA TUNÍSIA, RICO EM PEDRAS, DESFILADEIROS, MONTANHAS, VALES, PLANÍCIES, LAGOS SALGADOS E

OUTROS ALTARES DA NATUREZA. MAS, SOBRETUDO, RICO EM AREIA FINA E MACIA DO DESERTO DO SARA.

T E X T O D E T I A G O B A L T A Z A R | F O T O G R A F I A S D E C O N S T A N T I N O L E I T E

T U N Í S I A

O GRITO DO SARAO Sara canta como as sereias.Enfeitiça com o seu sopro nos ouvidos e arrepia com os salpicos da areia a bater na pele. O deserto mexe com todos os sentidos.

PELA ESTRADA FORANa estrada para Tamerza, os únicos perigos são osdromedários e as dunas quenão vêm no mapa. Mas nodeserto, o ideal é viajar de jipeconduzido por um motoristacom olhos de berbere.

«Fazem-me falta momentos assim, lugares assim,mais do que qualquer outra coisa na vida.»

PORT MORESBY (JOHN MALKOVICH), EM UM CHÁ NO DESERTO, DE BERNARDO BERTOLUCCI.

Está escrito na areia. Há-de chegar o dia em queum homem tem de fazer a sua própria travessiado deserto. Seja ele o que for, tenha ele a profis-são que tiver, ocupe ele a posição que ocupar,

uma vez na vida terá que caminhar no deserto. Tão certo como um mu-çulmano ter que ir a Meca. Nesse dia, vai descobrir que o deserto é o me-lhor lugar da terra para meditar naquilo que anda por cá a fazer. E paraperceber qual é o seu lugar neste mundo. E também para concluir que,afinal, não passa de um insignificante grão de areia.

Quando chegar o seu dia, viaje até ao Sul da Tunísia. Rico em areia,pedras, canyons, cadeias de montanhas, vales, desertos, lagos salgados e to-do o tipo de altares da natureza. Mas, fundamentalmente, rico em areia.Areia dourada, amarela ou vermelha. Há dunas e dunas dela. Areia muito

fina, aveludada e macia. Tão macia que apetece andar descalço. Não seráo mais aconselhável, até porque o calçado não é uma questão a descurarem areias povoadas de escorpiões, víboras e escaravelhos do tamanho decaixas de fósforos. Mas sim, pode ir de chinelo de borracha no pé.

Convém deixar claro que o Sul da Tunísia é a zona mais desérticado país. Correspondente a uma pequena secção do Sara. O Sara (é assimmesmo que se escreve!) é, como se sabe, o maior deserto do mundo e es-tende-se da costa ocidental africana até ao mar Vermelho, passando poronze países, numa extensão total de nove milhões de quilómetros quadrados(um pouco menor que a Europa, apenas). Só que, ao contrário do que sepossa pensar, na Tunísia o Sara não é apenas um mar de areia. A maior parteé mais uma planície pedregosa e árida até à ponta dos torrões.

O DESERTO FÉRTILChebika, Tamerza e Midès são nomes de aldeias do tempodos romanos. Nos decotes das montanhas, têm palmeiras,sistemas de irrigaçãoimaginativos e produzemtâmaras, romãs e citrinos.

A população recebe os viajantes com alguma atenção, sem subserviências, até porque os locaisnasceram com os turistas a entrarem-lhes em casa. São um povo caloroso,

com uma calma natural no sangue, dividida com o orgulho de fazerem parte do deserto.

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assistimos à saída de grupos de turistas de autocarros excur-sionistas, para visitarem os lugares de peregrinação obrigatória:oásis, aldeias trogloditas enterradas nas montanhas, desertosde sal, cenários de gravação de filmes (como A Guerra das Es-trelas), castelos berberes e restaurantes típicos.

Verdade seja dita, o turista que escolhe o Sul da Tunísiatem sede de aventura. De aventura pura e dura. É um turistaque não se importa de passar algum desconforto ou sacrifí-cio em troca de emoções mais fortes. Conhece alguma tãoemocionante como flutuar sobre as areias do Sara numbalão de ar quente ao final da tarde? Ou viajar durante al-guns dias entre as dunas no dorso de um camelo?

Parece conversa de guia turístico, mas a verdade é queeste tipo de turista é mais exigente no que toca a descober-tas. Não viaja para ver ruínas romanas ou cartaginesas, maspara sentir o cheiro da aventura. Não se importa de passarum pouco de sede ou de engolir poeira para viver como umberbere. Nem de apanhar um susto ou outro com o jipeatascado no deserto.

O desenho do mapa da Tunísia mostra-nos o Sulcomo o cone de baunilha do gelado. Está encaixado entreas extensas fronteiras da Argélia e da Líbia. Dois países emcondições geográficas semelhantes mas algo inseguros paraviagens turísticas. Pelo contrário, a Tunísia faz tudo paragarantir a segurança de movimentos aos mais de cinco mi-lhões de visitantes que recebe por ano – não esquecendo osmais aventureiros. Não é por acaso que este é um dos paí-ses mais seguros do Norte de África.

Esta política de terra preservada tem dado frutos num terreno onde as belezas naturais «convivem» com pequenos paraísos à beira de um mar azul-esmeralda.

O Four Seasons e o The Datai provam que a integração na natureza pode ser quase perfeita.

No Sul da Tunísia é possível percorrer dezenas de pis-tas de terra batida – salpicadas por traiçoeiras barreiras deareia acumuladas pela última ventania –, sem perigo deencontros indesejáveis. Todas as estradas principais estãoalcatroadas e começaram por ser rotas de caravanas, notempo em que estas eram os camiões TIR da areia emmatéria de transportes de mercadorias.

A única regra a cumprir? Todas as deslocações indivi-duais no Sara – de jipe, de camelo ou a pé – têm de ser pre-viamente comunicadas e autorizadas pelas entidades poli-ciais. Não só por razões de segurança interna – há zonas mi-litares pelo meio – mas para evitar que se perca, ainda queleve o GPS. A liberdade de movimentos é mais restrita paraquem se aventura na estrada (a P19) a sul de Tataouine, agrande porta de entrada para o deserto.

Há muitas alternativas para quem pretende atravessar oSul da Tunísia de um modo mais romântico e aventureiro,mas todas estão definidas à partida. A nossa viagem no deser-to começou lá bem no Sul, em Tozeur, mas podia ter começa-do em Tunes. O charme colonial desta metrópole subsariana

Na verdade, o Sara da Tunísia reúne três tipos diferen-tes de paisagens desérticas: o erg arenoso, a hamada rochosae o serir seixoso. O que faz desta região o local perfeito paraatravessar de uma ponta à outra. De preferência, no interiorde um jipe, com ar condicionado, conduzido por um moto-rista tunisino, por pistas ou trilhos conhecidos. Esta diversi-dade toda não quebra a monotonia do que se vai vendo.Para onde quer que se olhe, tudo é muito seco e agreste.Não fosse uma ou outra nuvem de poeira que se levanta emespiral por acção do vento e nos leva a ver uma caravanaimaginária de camelos mas que se esfuma como uma mira-gem, o tédio seria imenso.

Além disso, o clima reflecte a região: quente, seca eventosa. As temperaturas elevadas nos meses de Verãofazem que um humano, por mais coberto que esteja, sintaque está a ser frito em lume brando numa frigideira. Menosà noite, quando a temperatura desce a pique.

Com tudo isto, é natural que este turismo nada tenha aver com aquele turismo que vai para os beach resorts junto àcosta. Aliás, só percebemos que esse existe quando, por vezes,

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Tão certo como um muçulmano ter que ir a Meca, há-de chegar o dia em que um homem tem de fazer a sua própria travessia do deserto. Seja ele quem for.

Nesse dia, vai descobrir que este é o melhor lugar para meditar naquilo que anda por cá a fazer.

OÁSIS DE MONTANHAEm frente a uma gargantaprofunda com paredes talhadaspelas águas revoltas de outraseras, e junto a uma aldeiaberbere abandonada, Midès é o oásis de montanha maisespectacular da Tunísia.

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que é capital do país, a sua Medina organizada e de trato civi-lizado, a mistura de estilos arquitectónicos e a curta distânciapara as ruínas da arquitectura púnica da cidade de Cartago,são bons motivos para iniciar uma viagem dessa natureza.

No nosso caso, aterrámos (literalmente, num voo do-méstico) em Tozeur. A aventura começou no dia seguinte,com uma temperatura de 47°C à sombra, às duas da tarde,e continuou a bordo de um jipe, com ar condicionado e cas-setes de folclore tunisino, através de milhares de quilóme-tros. Durante vários dias, perscrutámos o Sul desértico daTunísia. Estivemos no Sara tunisino. Atravessámos o maiorlago salgado de África. Sentimos o silêncio das montanhasdo deserto. Comemos o pão que as areias amassaram.Dormimos em tendas berberes – com ar condicionado e ba-nheira, mas sempre são tendas… Gozámos a frescura dooásis. Mergulhámos nas piscinas dos hotéis. Andámos nocomboio turístico The Red Lizard. E o périplo acabaria umasemana mais tarde na ilha de Djerba, a noroeste.

Fora os sinais da civilização (alcatrão, cimento, elec-tricidade, automóveis, painéis solares), o cenário é em tu-do bíblico. Percorrê-lo durante quilómetros e quilómetros,entre planícies, vales, cadeias montanhosas e pedras – muitas pedras –, acaba por ser uma experiência marcante.

MIRAGENS COLORIDASChott El-Jarid é um lago de sala perder de vista, cortado poruma estrada de 90 quilómetros,ao longo da qual se vê umafaixa de água que vai mudandode cor – miragens coloridasdevido ao grau de salinidade.

O turista que escolhe o Sul da Tunísia é mais exigente no que toca a descobertas. Não viaja paraver ruínas romanas ou cartaginesas, mas para sentir o cheiro da aventura.

Não se importa de passar um pouco de sede ou de engolir poeira para viver como um berbere.

As rochas foram limadas por um cocktail de tempo,calor, vento e movimentos tectónicos. Por isso encontramosformações geológicas com milhões de anos: montanhas comformas tão díspares e curiosas como cones, rectângulos etriângulos e planaltos tão espectaculares quanto lisos, quedir-se-ia terem sido aplainados pela mão de Deus ou de Alá.

Basta subir ao topo de uma montanha dunar esculpidapelo vento, como Onk El Jemel, por exemplo («o pescoçodo camelo», numa tradução literal), para se ter um panora-ma vastíssimo da geografia local. Tão vasto que nosachamos no direito de respirar fundo e de repetir a frase dePort Moresby (John Malkovich) numa cena semelhante deUm Chá no Deserto: «Fazem-me falta momentos assim, lu-gares assim, mais do que qualquer outra coisa na vida.»

É difícil acreditar que o célebre filme de BernardoBertoluci foi rodado em Marrocos. Aqueles cenários acas-tanhados sem nenhum traço de vegetação são parecidos,para não dizer iguais, aos do Sul da Tunísia. Até a luz ésemelhante à do filme.

Bem vistas as coisas, as paisagens desérticas da hamadarochosa e do serir seixoso são nossas conhecidas. No Sul daTunísia, o «já vi isto nalgum lugar» é, na maior parte dos ca-

DESFILADEIRO DE SELJA

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Durante dias, perscrutámos o Sara tunisino, atravessámos o maior lago salgado de África,sentimos o silêncio das montanhas do deserto, dormimos em tendas

berberes – com ar condicionado e banheira, mas sempre são tendas…

MUITA AREIA PARA UM TURISTANo oásis de Ksar Ghilane, a noite é passada emacampamentos berberesrodeados de palmeiras. No centro, a lagoa de águaquente natural com enxofrepermite banhos ao luar.

INSPIRADO PELA NATUREZAO paraíso foi implantado no próprio paraíso. Confuso? Não quando se trata de doisresorts em perfeita harmoniacom a natureza, o bem-estar e a paz de espírito.

HOTEL AMANWELLAwww.amanresorts.com

THE DATAIwww.thedatai.com

sos, verdade. Por acção directa dos realizadores, lugaresmágicos como Matmata, Ksar Haddada, Chott El-Jerid, asgargantas de Selja, Chebika, Ramerza ou a Medina deMonastir tornaram-se populares em todo o mundo. Umafama que o país não tem descurado, «emprestando»cenários e luz a outros filmes como Os Salteadores da ArcaPerdida, de Steven Spielberg, Jesus de Nazaré, de FrancoZefirelli, ou Piratas, de Roman Polanski.

Por isso nasceu uma espécie de turismo cinematográfi-co, que segue as pisadas dos realizadores mais famosos. Geor-ge Lucas está no top. Os turistas, em grupo, fazem fila paraentrar no labiríntico Ksar Hadada onde foi filmado o take 28da cena 524 de A Ameaça Fantasma. Vêm dos beach resortsda costa norte, em excursões de autocarros com programasapertados e uma agenda fechada. «Veja isto, veja aquilo, co-ma aqui, veja agora mais isto, venha por aqui, dorme aqui eamanhã estamos de volta para as férias na praia.»

Luke Skywalker, o herói de A Guerra das Estrelas,é o responsável por esta espécie de «Tunisiawood». Imagineque Tatooine, o seu planeta numa galáxia far, far away, afinalficava no deserto a sul de Medenine. Ou que as instalações dosescravos eram junto a Ksar Haddada. Ou que a casa de Lukeera o interior do hotel Sidi Driss, em Matmata. E muitas dasacções se passavam em casas trogloditas escavadas no solo.Diz-se que George Lucas escolheu o Sul da Tunísia por ter fi-cado fascinado com a variedade dos seus recursos, com a luznatural e por caber como uma luva no magro orçamento do

primeiro filme, de 1977. Duas décadas depois, quandovoltou ao país para gravar os episódios I, II e III da aventu-ra de ficção científica, também terá pesado, certamente, aopinião do seu director de arte, o tunisino Taïeb Jallouli. E hoje os plateaus abandonados de uma aldeia, «vigiados»por totens-robots de outras galáxias num deserto próximo desi são uma das marcas dessa aventura. Outro facto: o nome do planeta Tatooine associado à saga das estrelas éuma homenagem à cidade de Tataouine.

Em 1979, foi a vez de os ácidos Monty Phythondeixarem a sua peculiar homenagem no filme A Vida deBrian. A memorável cena da crucificação de Brian, onde os

O CENÁRIO DAS ESTRELASVedetas de Hollywood comoJoddie Foster ou Jackie Chan,da música como Phil Collins, ou da política como JacquesChirac, foram algumas das que orbitaram neste par de resorts de luxo.

Um oásis é como um farol do deserto. Mas, em vez de luz, emite frescura. Houve muitosque se tornaram autênticas cidades graças à intervenção humana

e a sofisticados sistemas de irrigação, o que permite manter grandes palmeirais.

O KSAR DOS CEREAISO Ksar Ouled Soltane é um celeirofechado a sete trancas, cheio deghorfas (salas) em cilindro emvolta de um pátio. Tem escadasde madeira e pedras, portas com fechaduras inventivas e escorpiões com fartura.

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ao que os nossos olhos vêem ao nível da terra: um mar de areiaque se estende muito para além do que o olhar alcança, tãolonge que ninguém conseguiria caminhar até lá.

O deserto que rodeia o oásis de Ksar Ghilane é mes-mo assim. Sem fim. Sem querer pregar no deserto, é mes-mo um mar de dunas. Douradas por vezes, avermelhadasoutras tantas, e amareladas, também. Fazem parte dogrande oceano de areia a que chamam Erg Oriental. Asdunas são como vagas baixas. Vão-se deslocando e mode-lando como a corrente do vento predominante. Ao ritmode uma ampulheta perpétua, que vai depositando os seusfinos grãos, duna a duna, até atingirem, como acontecemais para o sul, uns 150 metros de altura.

A textura da areia é tão fina que não arranha a pele.A não ser pela acção do vento cortante, que a atira contranós como lâminas afiadas. Não precisa de apanhar tempes-tade nenhuma para a sentir entrar pelos poros da pele.

Tal como o mar, o deserto clássico do dromedário, dosbeduínos e das caravanas mete respeito. Mesmo sem a pre-sença de água, apetece nadar nas suas areias. Mergulhar omais fundo que se conseguir. Ir para fora de pé, no sentidomais metafórico do termo. O que, de resto, pode sucederao fim de 60 minutos a andar pelo deserto debaixo de umsol escaldante. Se calhar mais, se estiver protegido dacabeça aos pés e conseguir andar como os beduínos: con-tornando as dunas e nunca as subindo.

Ao contrário de outros pontos no Sara, no Ksar Ghilanehá, pelo menos, um ponto de orientação ao qual se agarrar na

As dunas são como vagas baixas. Vão-se deslocando e modelando como a correntedo vento predominante. Ao ritmo de uma ampulheta perpétua,

que vai depositando os seus finos grãos, duna a duna, até atingirem uns 150 metros de altura.

sua viagem sem guia. As ruínas da cidadela construída pelosromanos. Parece perto, mas fica a hora e meia de camelo. Bemnegociado, até pode lá dormir numa tenda beduína. Pernoitarjunto às ruínas, como Rommel e os seus Africa Korps em1943, durante a Segunda Guerra Mundial, quando ali estavaem campanha violenta contra as tropas aliadas.

O Ksar Ghilane é o oásis mais oásis que conheci. Tradi-cional e pequeno, no meio do nada, 147 quilómetros a sudes-te de Douz e cem quilómetros a oeste de Chenini. Desde oano passado, tem direito a estrada alcatroada, mas é precisoredobrada atenção para a percorrer durante o dia, devido aosconstantes obstáculos que podem surgir, nomeadamente – pasme-se! – verdadeiras dunas, por acção do vento. Estárodeado de palmeiras verdes, tem muita água e até electrici-dade (por gerador). A sua maior atracção é o banho (diurnoou nocturno) na lagoa alimentada pela água quente com en-xofre de uma nascente subterrânea. A lagoa está rodeada depalmeiras e de toscos cafés, restaurantes e lojas de recordações.

Existem, pelo menos, cinco acampamentos turísticosem Ksar Ghilane nos quais pode dormir em tendas beduínas,

ESPLENDOR NO DESERTOO deserto é como uma folha em branco para realizadores e romancistas em buscade inspiração. Com uma tintaacastanhada e pouco líquida.Muitas obras-primas que povoama nossa memória nasceram aqui.

próprios crucificados acabam a cantar e a assobiar em coro ohino «Always look on the bright side of life» (ou «olha sem-pre para o lado fixe da vida», na versão portuguesa traduzidapor Nuno Markl e levada à cena no Casino de Lisboa), foigravada junto a uma casa escavada na montanha. Em cadacena hilariante, há sempre um monumento, uma muralha ouuma montanha tunisina para identificar. Até no apedreja-mento público feito por mulheres disfarçadas de homens.

Mas, justiça seja feita, o filme onde a Tunísia ficamelhor na fotografia é O Paciente Inglês, de 1996, realizadopor Anthony Minghella. Apesar de a história não se passarna Tunísia, mais de 80% do filme foi aqui rodado, com van-tagens turísticas óbvias. Bastava o magistral genérico inicialdo oceano de areia, onde as dunas filmadas ao nascer do diafazem as vezes das ondas, para promover, como nenhumaoutra longa-metragem o fez, o Sara tunisino – ainda porcima, recorde-se, obteve nove Óscares da Academia.

Se há imagens que vêm à cabeça quando se está no meiodas dunas do Sara, são as desse plano inicial de O Paciente In-glês. Aquele travelling longuíssimo filmado do ar assemelha-se

PANSEA DOUAR KSAR GHILANE www.pansea.com

TAMERZA PALACEwww.tamerza-palace.com

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COMO IRA Tunisair (www.tunisair.com) voa paraTozeur, via Tunes, a partir de €570.

METEOROLOGIAClima quente e seco no Verão, que, na Tuní-sia, dura entre Maio e Outubro. Nessa altura,no Sul, há 11 horas de sol diárias e o calorchega a ser insuportável (média de 36ºC),devido à acção do vento siroco. A partir deNovembro, o clima fica mais ameno. Maisinformações em www.wunderground.com.

FUSO HORÁRIOGMT + 1 hora

PORTA-MOEDASA moeda local é o dinar tunisino, que cor-responde a €0,57 (€1 = 1,75 dinares). Podefazer o câmbio no banco ou nos hotéis, ondeaceitam cartões de crédito. Os centros turís-ticos têm bastantes máquinas multibanco. O preço médio de uma refeição ronda os€10, e um litro de gasolina (95 octanas)custa 71 cêntimos, e de gasóleo 35 cêntimos (só pode comprar combustível com dinares).

COMO SE DESLOCARO ideal é um jipe com ar condicionado emotorista local. Também pode alugar umaviatura particular, viajar de avião, de auto-carro ou de comboio (até há um Rail-MuseumCard por menos de €20, que permite dar avolta ao país em primeira classe e entrarnos museus). Ou fazer como os locais – váde táxi. Há vários tipos: amarelos (dentrodas cidades), brancos com faixa vermelha(para todo o país) e brancos com faixa azul(só nas localidades). Estes podem ser colec-tivos ou partilhados (louages) e só arrancamquando a lotação está esgotada. Há aindatáxis azuis (entre uma cidade e as aldeias) e vermelhos (entre grandes cidades). Os preços são (muito) em conta: de Tunes a Tozeur (450km) paga… €13.

ONDE FICARTamerza PalaceNo oásis de montanha de Tamerza, na zonafronteiriça com a Argélia, este é o primeiro«hotel de charme» do Sul da Tunísia. Umpalácio que se eleva sobre uma impressio-nante garganta de um rio seco (um oued).Tem um belo terraço com piscina e umavista sobrenatural para a antiga aldeia de

Tamerza (em ruínas desde as cheias de 1969), para o extenso palmeiral e para as montanhas do Atlas. Quarto duplo a partir de €162 por noite. 2212 Tamerza (Gouvernorat of Tozeur)Tel.: (+216 76) 48 53 44www.tamerza-palace.com

Pansea Douar Ksar GhilaneAcampamento de luxo no Ksar Ghilane,onde cada «quarto» é uma tenda ao estiloberbere. Com ar condicionado, casa debanho privativa com banheira, boa cama,poufs e luz toda a noite (acredite, é um luxo). Tem piscina e uma torre de observação do deserto. Inesquecível. Tenda para duas pessoas a partir de €146 por noite.Ksar GhilaneTel.: (+216 75) 62 18 70www.pansea.com

Hôtel Ras El AinNão é um dos hotéis mais exclusivos dopalmeiral de Tozeur, mas sempre alberga143 quartos e inúmeras suites muitoconfortáveis, pátios exteriores, duaspiscinas (uma delas coberta com umacúpula envidraçada), ginásio, hammam,sauna, um café e um restaurante gourmet. O cenário é meio hollywoodesco:um palácio, com arabescos e azulejos, erguido às portas do deserto para albergar o turismo aventura das excursões4x4. Quarto duplo a partir €54 por noite. Tozeur Tel.: (+216 76 45 26 98)www.goldenyasmin.com

Sangho Privilège TatouineHotel despretensioso às portas do deserto, com 80 bungalows, revestidos de pedra ocre e rodeados de canteirosfloridos, que recriam, à sua maneira, as casas trogloditas da região. Uma piscina reconfortante, uma vista para a montanha rochosa e dois restaurantesconvidativos são os seus maiores luxos.Quarto duplo a partir de €60 por noite. Tataouine Tel.: (+216 75) 86 01 02www.sangho-tataouine.com

Africa Uma porta de entrada muito civilizada em Tunes, localizado sobre a principalavenida da capital tunisina, a HabibBourguiba. Um cinco estrelas logístico para descansar entre uma agenda de reuniões da empresa. Ou para pernoitar em escala de viagem para um destino turístico. Ou mesmo para férias de outro nível. Quarto duplo a partir de €105 por noite. 50, Avenue Habib BourguibaTel.: (+216 71) 34 74 77 www.elmouradi.com

GUIAS DE VIAGEMTunisie, Guides Bleus, Hachette Tunísia, Guia American Express, DK/Civilização

NA INTERNETwww.tunisiaonline.comwww.tourismtunisia.com

AGRADECIMENTOSA Volta ao Mundo agradece à Tunisair e ao Turismo da Tunísia o apoio na realização desta reportagem.

www.tunisair.com

Praça Duque de Saldanha, 1 (Atrium Saldanha), 5LLisboaTel.: 213 304 862www.tourismtunisia.com

O Festival Internacional dos Oásis realiza-se em Novembro, no oásis que se transformou em cidade turística às portas do Sara, Tozeur. O festival, que coincide com a apanha das tâmaras,

celebra o modo de vida dos beduínos e as suas tradições locais.

TUNÍSIAequipadas com camas de campanha e cobertores, alguns até com cantinascom refeições agradáveis. O conforto é mínimo, a não ser num acampa-mento de luxo, onde as tendas têm ar condicionado, casa de banho combanheira, água quente e outros luxos como luz eléctrica.

Acomode-se como acomodar, a sensação que vai ter em Ksar Ghilaneé a de que está junto ao mar. As palmeiras, os caminhos de terra batida, aareia, as canas das vedações, os parques de tendas, as placas pintadas, os jipesa chegar e a partir, a humidade, o calor e a frescura sugerem praia. E asfolhas das palmeiras cantam ao vento os sons das ondas a rebentar na areia.

Regressei a casa com a ideia de que um oásis é como um faroldo deserto. Mas, em vez de luz, emite frescura. Provocada pela água abun-dante e pelos palmeirais. No Sul da Tunísia houve muitos que se tornaramautênticas cidades graças à intervenção humana. Como Gabès, Douz, Nef-ta, Kebili ou mesmo Tozeur. Tudo graças a sofisticados sistemas de irrigaçãoque captam água da (pouca) chuva e das centenas de fontes, o que permitemanter grandes palmeirais (o de Tozeur reúne uma frente de três milpalmeiras!), e respectivas explorações agrícolas de fruta e legumes.

Pelo número de palmeiras, a Tunísia é um país e tâmaras. O trocadilhocai sempre bem num país que é tão-só o maior exportador mundial das do-ces e nutritivas tâmaras. A propósito: é o terceiro maior produtor de azeitedo mundo, o que é uma garantia de sabor no molho tradicional berbere(harissa), servido em todas as refeições tunisinas. Um condimento aromáti-co, feito de pimenta-de-caiena, alho, puré de tomate e azeite, a não perder.

O Sul da Tunísia está longe, muito longe, de ser uma seca, e o turis-mo é uma das suas fontes de rendimento. A população recebe os viajantescom alguma atenção, sem subserviências, até porque os locais nasceramcom os turistas a entrarem-lhes em casa. São um povo caloroso e pachor-rento, com uma calma natural no sangue, dividida com o orgulho de fa-zerem parte do deserto.

No fim… do texto… da viagem… descobre-se que o deserto vemconnosco. Comigo, veio dentro de um papel – quando o desdobrei, diasdepois, caíram sobre a mesa centenas de grãos de areia. E veio tambémcom os olhos. Horas depois de ter aterrado em Portugal, um amigo dizia--me que estava com um olhar profundo… O que não é de estranhar, paraquem tinha engolido de uma só golfada o Sara tunisino. n

ITÁLIA

ALGÉRIA

Mar Mediterrâneo

TOZEUR

KSAR GHILANE

DOUZ

DJERBA

TATOUINE

Área em destaque

Tunes

TUNÍSIA

LÍBIA

D e s e r t o d o S a r a

OS PREÇOS DOS VOOS JÁ INCLUEM AS TAXAS ADICIONAIS (SALVO INDICAÇÃO EM CONTRÁRIO). ALGUNS VALORES APRESENTADOS PODEM RESULTAR DE CONVERSÕES PARA EUROS E/OU ARREDONDAMENTOS. ESTES E OUTROS DADOS PODEM SOFRER ALTERAÇÕES APÓS O FECHO DA EDIÇÃO.

ESTADOS DE ALMAJack Kerouac gostaria de terestado na Tunísia. Para atravessaros estados de alma que vivem àbeira das estradas. De autocarro,táxi, jipe ou motoreta, de certezairia passar aqui, em direcção a Chenini. De preferência, à boleia.