vladimir safatle - gênese e estrutura do objeto do fantasma em jacques lacan

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Título : Gênese e estrutura do objeto do fantasma em Jacques Lacan Title: Genesis and structure of the phantasm’s object in Jacques Lacan Autor : Vladimir Pinheiro Safatle, Professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, doutor em epistemologia da psicanálise pela Universidade de Paris VIII Endereço: Rua Dr. Homem de Melo, 629, apt. 2021, Perdizes, CEP 05007-001. São Paulo – SP Telefone : 0 XX 11 3873-9828 E-mail: [email protected] Resumo : Trata-se de compreender a gênese do problema do objeto do fantasma em Lacan a partir da absorção lacaniana das temáticas do objeto parcial e do objeto transicional. Isto nos permitirá pensarmos certas modalidades de travessia do fantasma a partir da recuperação de uma noção possível de reconhecimento. Palavras-chaves : fantasma, objeto a, Lacan, reconhecimento, corpo Abstract: The aim of this article is to discuss the genesis of phantasm’s object in Lacan. The articulation between partial objects, transitional objects and object a will be

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Page 1: Vladimir Safatle - Gênese e estrutura do objeto do fantasma em Jacques Lacan

Título : Gênese e estrutura do objeto do fantasma em Jacques Lacan

Title: Genesis and structure of the phantasm’s object in Jacques Lacan

Autor : Vladimir Pinheiro Safatle, Professor do Departamento de Filosofia da

Universidade de São Paulo, doutor em epistemologia da psicanálise pela Universidade

de Paris VIII

Endereço: Rua Dr. Homem de Melo, 629, apt. 2021, Perdizes, CEP 05007-001. São Paulo – SPTelefone : 0 XX 11 3873-9828E-mail: [email protected]

Resumo : Trata-se de compreender a gênese do problema do objeto do fantasma em

Lacan a partir da absorção lacaniana das temáticas do objeto parcial e do objeto

transicional. Isto nos permitirá pensarmos certas modalidades de travessia do fantasma a

partir da recuperação de uma noção possível de reconhecimento.

 

Palavras-chaves : fantasma, objeto a, Lacan, reconhecimento, corpo

 

Abstract: The aim of this article is to discuss the genesis of phantasm’s object in Lacan.

The articulation between partial objects, transitional objects  and object a will be

stressed. This articulation will open the way to think a kind of recognition after the

crossing of the phantasm.

 

Keywords: phantasm, object a, Lacan, recognition, body

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Gênese e estrutura do objeto do fantasma em Jacques Lacan

 

Amamos sempre através de qualidades de empréstimo.

Pascal

 

            Tal como o ser em Aristóteles, o fantasma em Lacan se diz de várias maneiras.

Neste artigo, trata-se de se concentrar na natureza específica e na função dos objetos

fantasmáticos, já que foi através do problema do objeto que a reflexão lacaniana sobre o

fantasma organizou-se. Se pensarmos, por exemplo, na definição do fantasma como

uma cena imaginária na qual o sujeito representa a realização de seu desejo, veremos

que tal representação é produção de um objeto próprio ao desejo. Pois o fantasma

aparece como esta construção que indica a maneira singular através da qual cada um de

nós procura determinar um caminho em direção ao gozo. Este é ao menos o sentido da

definição lacaniana: “o fantasma faz o prazer próprio ao desejo” (LACAN, 1966, p.

774). 

Não se trata apenas de afirmar que o fantasma indica a predominância do

princípio de prazer na realidade psíquica. Lembremos que, para Lacan, o desejo é

desprovido de todo procedimento natural de objetificação, o desejo é desejo de nada que

possa ser nomeado. Neste sentido, afirmar que o fantasma produz um objeto capaz de

satisfazer ou, como gostaria Lacan, de fazer o prazer próprio ao desejo, significa dizer

que ele permite  que o sujeito forneça uma realidade empírica a um desejo que, até

então, era pura determinação negativa. Isto mostra como o fantasma é o único

procedimento disponível ao sujeito para a objetificação do seu desejo. Daí porque ele

seria: “a sustentação do desejo” (LACAN, 1973, p. 168) ou ainda “este lugar de

referência através do qual o desejo aprendera a situar-se” (LACAN, 1958-1959, sessão

do 12/08/58). Como nos mostra, por exemplo, Melanie Klein através da descrição do

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caso de psicose do Pequeno Dick, sem a ação do fantasma o sujeito não saberia como

desejar e estabelecer uma relação de objeto. Toda capacidade de simbolização estaria

assim bloqueada, restando apenas uma posição autista angustiante na qual seria

impossível dizer algo sobre o desejo1.

            Definido o fantasma desta forma, Lacan tentava demonstrar que sua verdadeira

função consistira em ser uma barreira de defesa contra a angústia produzida pelo

inominável do desejo. Angústia que aparece sob a forma de angústia de castração: este

desvelamento da impossibilidade do sujeito produzir uma representação adequada do

sexual.

            Mas como o fantasma conseguiria produzir um objeto próprio ao desejo? Ou

seja, através de qual operação ele poderia inscrever no interior fantasmático e positivar

esta falta-a-ser que se determina como essência do desejo? Sublinhemos a importância

da questão já que, através da problematização da genética própria ao fantasma, Lacan

desenvolverá este que, em seu ponto de vista, era um dos poucos conceitos

metapsicológicos por ele criado: o objeto a. 

            Se quisermos compreender o problema da genética do fantasma, devemos

retornar a certos aspectos da teoria freudiana. Sabemos que, para Freud, o movimento

do desejo era coordenado pela repetição alucinatória de experiências primeiras de

satisfação. Tais experiências primeiras deixariam imagens mnésicas de satisfação no

sistema psíquico. Quando um estado de tensão reaparece, o sistema psíquico atualiza de

uma maneira automática tais imagens sem saber se o objeto correspondente à imagem

está ou não efetivamente presente. Através deste processo de repetição, o desejo

procuraria reencontrar um objeto perdido ligado às primeiras experiências de

satisfação.

            Mas o movimento tem sua complexidade. Pois, se analisarmos de maneira mais

precisa a natureza destas primeiras experiências de satisfação, veremos que elas se dão

através da relação entre o sujeito e aquilo que Karl Abraham indicou como sendo o que

hoje conhecemos por objetos parciais2. Neste caso, o adjetivo parcial significa

principalmente que, devido a uma insuficiência na capacidade perceptiva do bebê, suas

primeiras experiências de satisfação não se dão com representações globais de pessoas,

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como o pai, a mãe ou mesmo o eu enquanto corpo próprio, mas com partes de tais

objetos: seios, voz, olhar, excrementos etc.

            O caráter parcial dos primeiros objetos de satisfação também estaria ligado à

estrutura originariamente polimórfica da pulsão, ou seja, ao fato de que as moções

pulsionais apresentam-se inicialmente sob a forma de pulsões parciais cujo alvo

consiste na satisfação do prazer específico de órgão. Pensemos no bebê que ainda não

tem à sua disposição uma imagem unificada do corpo próprio. Neste caso, cada zona

erógena tem tendência em seguir sua própria economia de gozo. Notemos também que

tal gozo é auto-erótico porque o investimento libidinal destes objetos parciais ocorre

antes do advento da imagem narcísica com sua estrutura de identidades, ou seja, ele

ocorre em um momento de indiferenciação subjetiva entre interioridade e exterioridade. 

O amor de objeto, no sentido do amor próprio à relação interpessoal com um

outro, só seria possível através da operação de transposição das moções pulsionais

parciais. Assim, as pulsões parciais seriam integradas em representações globais de

pessoas ou sublimadas em representações sociais. Como sabemos, o exemplo freudiano

mais célebre é a transformação do desejo feminino de ter um pênis em desejo de ter um

homem portador do pênis.

Notemos que esta integração de objetos parciais não colocará problemas

intransponíveis para Abraham ou para seus continuadores como Melanie Klein e outros

representantes da escola inglesa. Pois tais objetos serão partes de um todo que estará

disponível a posteriori. O desejo pelo seio resolve-se logicamente no amor pela mãe. O

desejo pelo pênis resolve-se logicamente no amor pelo homem portador do pênis. A

abertura às relações intersubjetivas pareceria estar assim assegurada3. Aqui, a

metonímia do objeto é reconhecimento da pressuposição de sua integração em uma

totalidade funcional.

No entanto, a posição de Lacan sempre foi totalmente diferente. Ao apropriar-se

do conceito de objeto parcial, ele operou uma inversão maior na perspectiva

psicanalítica clássica. Inversão que produzirá conseqüências maiores na noção de

racionalidade analítica e de final de análise.

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Primeiramente, Lacan notou que, se o movimento do desejo consistia em tentar

reencontrar um objeto perdido, então deveria tratar-se, na verdade, da relação entre o

sujeito e tais objetos parciais4. Devemos sublinhar o termo ‘relação’ porque não se trata

simplesmente de reencontrar um objeto no sentido representativo da palavra ‘objeto’,

mas de reencontrar uma ‘forma relacional’ encarnada pelo tipo de ligação afetiva do

sujeito ao seio, à voz, aos excrementos etc. O que nos explica porque: “um seio, é algo

que não é representável”, a não ser “sob estas palavras: ‘a nuvem encantadora de seios”

(LACAN, 1966-1967, sessão do 25/01/67) que nos fornece a forma relacional do sujeito

com os objetos nos quais seu desejo aliena-se. Segundo Lacan, é este tipo de relação

que será posto em cena nas representações imaginárias do fantasma e formalizado no

matema do fantasma ($a). O que nos explica também porque o objeto a é presença de

um vazio de objeto empírico, como vemos na afirmação de que tal objeto é "presença de

um vazio preenchível, nos diz Freud, por qualquer objeto”, já que estaríamos diante de

um: “objeto eternamente faltante” (LACAN, 1973, p. 168). Pois ele nada mais é do que

a derivação de uma forma relacional produzida pelas primeiras experiências de

satisfação.

Aqui, podemos compreender melhor porque Lacan designou o objeto a como

objeto causa do desejo. Pois, por exemplo, o que causa o amor por uma mulher

particular é a identificação do objeto a no estilo e no corpo desta mulher; da mesma

maneira que o amor de Alcebíades por Sócrates, no Banquete, teria sido causado por

este objeto que Sócrates guardava dentro de si e que os gregos chamavam de agalma.

“Se este objeto os apaixona”, dirá Lacan, “é porque lá dentro, escondido nele, há o

objeto do desejo, agalma” (LACAN, 2001, p. 180).

A princípio, poderia parecer que, devido a esta maneira de pensar a causa do desejo,

Lacan estaria seguindo o caminho destes que acreditavam em uma passagem possível

do amor parcial de objeto ao amor por representações globais de pessoas. Passagem

impulsionada pelo primado genital. Mas, na verdade, seu movimento era inverso: “A

noção de objeto parcial nos parece aquilo que a análise descobriu de mais correto, mas

ao preço de postular uma totalização ideal deste objeto, através do qual dissipa-se o

benefício desta descoberta” (LACAN, 1966, p. 676). Para Lacan, dizer que o amor por

uma mulher particular era causado pela identificação, nesta mulher, do objeto a

significava assumir o fracasso de toda relação interpessoal possível. Pois: “Com seus

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próximos, vocês não fizeram outra coisa do que girar em torno do fantasma cuja

satisfação vocês neles procuraram. Este fantasma os substituiu com suas imagens e

cores” (LACAN, 2001, p. 319). “Nossos próximos” aparecem assim como tela de

projeções fantasmáticas. O que nos envia aos fundamentos narcísicos da noção de

objeto na psicanálise5.

Tal maneira de colocar a importância do fantasma nas relações entre sujeito nos

permite entrar no problema da inexistência da relação sexual. Pois podemos dizer que a

relação sexual, caso existisse, seria o protótipo por excelência da relação intersubjetiva.

Ela seria a única relação na qual o sujeito poderia estar presente ao Outro através da

materialidade de seu corpo. Mas, com esta teoria do fantasma, Lacan sustenta que o

sujeito sempre encontra no corpo do Outro os traços arqueológicos de suas próprias

cenas fantasmáticas vindas das primeiras experiências de satisfação. É apenas nesta

condição que este corpo pode transformar-se, como dizia Lacan, em metáfora do meu

gozo. Antes de ser metáfora, ele deve transformar-se em corpo fetichizado,  corpo

submetido aos procedimentos de conformação ao pensamento fantasmático. E se: “só

podemos gozar de uma parte do corpo do Outro”(Lacan, 1975, p. 26), é porque, na

relação sexual, o corpo do Outro aparece em cena como conjunto de objetos parciais. O

que nos explica a afirmação: “Não há relação sexual porque o gozo do Outro tomado

como corpo é sempre inadequado – perverso de um lado, enquanto que o Outro se reduz

ao objeto a – e, do outro, eu diria louco, enigmático [resultado da compreensão

lacaniana do gozo feminino como próximo do gozo místico]” (LACAN, 1975, p. 131).  

Guardemos por enquanto esta noção do fantasma como bloqueio da relação

sexual. Guardemos também esta resposta provisória quanto à genética do fantasma: o

fantasma pode produzir um objeto próprio ao desejo porque ele atualiza formas

relacionais ligadas às primeiras experiências de satisfação. Haverá mais a dizer sobre a

natureza deste objeto do fantasma. Mas, por enquanto, sublinhemos como, neste

contexto, o fantasma aparece como elemento determinante da pragmática do sujeito

transformando toda ação efetiva em uma tentativa de re-encontrar o objeto a.

Aqui, podemos apreender o problema posto por esta maneira de pensar o

fantasma e seu objeto. A posição de causa dá ao objeto a uma função de matriz quase-

transcendental de constituição do mundo dos objetos do desejo6. Se ele é o “objeto dos

objetos”, é porque todas as relações de objeto presentes ao longo da história do desejo

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serão repetições modulares de relações fantasmáticas. Esta história será assim

submetida ao peso insuperável do passado, pois ela é apenas campo de repetição de

fantasmas fundamentais. Princípio claramente determinista cujas conseqüências

aparecerão na seqüência. 

Notemos o peso destas afirmações. Por ser uma matriz quase-transcendental que

constitui o mundo dos objetos do desejo do sujeito, o fantasma poderá ser um “index de

significação absoluta” (LACAN, 1966, p. 817), ou ainda, uma espécie de axioma capaz

de produzir uma “significação de verdade” (LACAN, 1966-1967, sessão do 21;06;67).

Fórmulas diferentes que indicam como o fantasma transformou-se em dispositivo

responsável pela construção do contexto através do qual percebemos o mundo enquanto

consistente e dotado de sentido. Ele é o único dispositivo capaz de sustentar efeitos de

sentido produzidos por tipologias múltiplas de discurso.

Lacan pode assim afirmar que a realidade própria ao sujeito é fundamentalmente

fantasmática. A realidade seria apenas um “prêt à porter” resultante de uma “operação

da estrutura lógica do fantasma” (LACAN, 1966-1967, sessão do 16/11/66). Através da

repetição própria ao fantasma, o sujeito submeteria o diverso da experiência à uma

identidade fantasmática, instaurando um universo sem espaço para a verdadeira

alteridade ou para a divisão subjetiva. O objeto a é a perspectiva que define as

coordenadas da superfície do visível. Ele é o olhar que organiza a visibilidade do mundo

em espaço. Isto coloca questões importantes para uma teoria do conhecimento, já que

tais considerações lacanianas nos levam a problematizar o papel do fantasma na

estruturação da capacidade cognitiva do sujeito.

Por outro lado, isto nos deixa com um problema clínico maior: como atravessar

o fantasma a fim de disponibilizar ao sujeito a experiência de um real capaz de produzir

o descentramento? Mas, principalmente, como atravessar o fantasma sem joga o sujeito,

de uma vez por todas, no silêncio absoluto da angústia?

 

O objeto a entre fantasma e Real

 

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            Antes de responder tais questões, vale a pena explicitar uma contradição

aparente no modo lacaniano de conceber o objeto do fantasma. Sabemos que os objetos

parciais são objetos que o sujeito deve perder a fim de desenvolver processos de auto-

referência através da formação do eu. Enquanto imagem especular do corpo próprio, o

eu é inicialmente o resultado de uma sucessão de cortes que incidem sobre um gênero

de corpo pulsional pré-especular, montagem inconsistente de objetos a como os seios,

os excrementos, o olhar, a voz etc. De onde se segue esta afirmação fundamental de

Lacan: “É porque o a é algo que a criança se separou de uma maneira, de certa forma,

interna à esfera de sua própria existência, que ele é claramente o pequeno a”  (LACAN,

1962-1963, sessão do 15/05/63).

A insistência neste processo de separação interna, ou ainda, de automutilação

que deixa traços na forma de marcas de corte e de borda na configuração das zonas

erógenas (lábios, margem do ânus, vagina, sulco peniano etc.) permitirá o advento de

um pensamento do corpo não-especular e não-narcísico. Tal tensão entre os objetos a e

a imagem do corpo próprio submetida à instância do eu levará Lacan a falar de :

“objetos que, no corpo, definem-se por ser – de alguma forma – na perspectiva do

princípio de prazer, fora do corpo” (LACAN, 1966-1967, sessão do 14/06/67). Vemos

aqui claramente a necessidade de uma certa topologia capaz de articular esta posição ex-

tima do objeto a em sua relação ao corpo : ao mesmo tempo fora e dentro.

            A contradição aparente consiste pois em dizer que aquilo que o sujeito perdeu a

fim de se constituir como instância de auto-referência e como imagem do corpo próprio

servirá de matriz quase-transcendental capaz de sustentar o quadro de identificação

fantasmática. O que o sujeito perdeu para ser uma identidade narcísica, “este objeto cujo

estatuto escapa ao estatuto de objeto derivado da imagem especular" (LACAN, 1962-

1963, sessão do 28/11/62), fornecerá a matriz do quadro de submissão do diverso da

experiência ao pensamento da identidade fantasmática. Chegamos assim à estranha

conclusão de que um objeto não-idêntico (no sentido de não-narcísico) serve de matriz

para o pensamento da identidade. Ou seja, o objeto do fantasma é um objeto submetido

à estrutura fantasmática de apreensão, mais ele não é totalmente idêntico a tal estrutura.

E se Lacan pode dizer : “que não há outra entrada para o sujeito no real a não ser o

fantasma” (LACAN, 2001b, p. 326), é porque o objeto do fantasma pode fornecer ao

sujeito uma experiência da ordem da não-identidade e do descentramento próprio ao

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Real. O que pode nos explicar porque, na metapsicologia lacaniana, o mesmo objeto

pode aparecer às vezes como objeto da pulsão ligado à dimensão do Real, objeto do

fantasma e objeto da perversão, ligado à dimensão do semblante e à fascinação

fetichista (LACAN, 1973, pp. 168-169).

Esta tripla determinação mostra a possibilidade de diferentes modos de

apreensão de um mesmo objeto7. Fato que traz conseqüências clínicas maiores. Ele nos

lembra, por exemplo, que a análise não tentará mais : “dissipar o objeto enquanto tal"

(LACAN, 1978, p. 130), ou ainda, liberar o sujeito da fixação de objeto a fim de

permitir o estabelecimento de uma dinâmica fluida de escolhas de objeto ou mesmo de

uma certa ataraxia em relação a todo e qualquer objeto particular. O verdadeiro trabalho

analítico consiste em produzir deslocamentos no interior da significação do objeto :

operação de desvelamento do descentramento no objeto. Aproveitando uma fórmula

feliz, podemos dizer que se trata de saber revelar : “o núcleo real do fantasma que

transcende a imagem” (BOOTHBY, 2001, pp. 275-276).

A fim de melhor compreender este ponto, vale a pena insistirmos em uma

dimensão central na articulação entre fantasma e Real através do objeto a. Ela aparece

na relação entre objeto a e corpo.

            Desde o estádio do espelho, conhecemos a noção do esquema corporal,

produzido pela imagem do corpo próprio, como perspectiva de apreensão cognitiva do

mundo dos objetos. Tratava-se de um aspecto central da teoria lacaniana do Imaginário

muito marcado pelas considerações vindas da fenomenologia da percepção de Merleau-

Ponty e da etologia alemã da primeira metade do século XX.  Lacan servia-se de tais

considerações para articulá-las a uma reflexão sobre o processo de constituição da

imagem do corpo a partir de uma dialética de identificações e de confusão narcísica

entre o eu e o outro. Isto o permitirá, mais a frente, demonstrar como a imagem do

corpo é o topos fantasmático através do qual o eu coloca-se como objeto do desejo do

Outro.

            Com o desenvolvimento do conceito de objeto a, este quiasma entre corpo,

fantasma e desejo do Outro será complexificado sem ser realmente abandonado.

Inicialmente, Lacan sublinhará a topologia de borda própria ao objeto a, já que ele

marca um espaço de quiasma entre o sujeito e o Outro, entre o dentro e o fora. Lacan

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chega a falar, a respeito do objeto a, do que : “há de mais eu mesmo no exterior "

(LACAN, 1962-1963, sessão do 08/05/63). Daí o esforço em formalizar a estrutura do

objeto a através do recurso a figuras topológicas como os bilaterais que são, ao mesmo

tempo, unilaterais (o caso da tira de Moebius) ou como os círculos que se circundam (o

caso do oito interior).

            Mas, ao insistir nesta topologia da borda como característica maior do objeto a,

Lacan acaba por convergir duas elaborações distintas sobre o objeto em psicanálise. De

um lado, ele retoma por sua conta as considerações de Winnicott sobre os objetos

transicionais. De outro, ele desenvolve suas análises a respeito dos objeto parciais.

Lacan nunca deixou de reconhecer sua dívida em relação a Winnicott no que diz

respeito à reflexões sobre o objeto. Para ele, o psicanalista inglês havia sido o primeiro a

ter apreendido a especificidade do estatuto topológico do objeto do fantasma. Graças a

análise da importância dos chamados ‘fenômenos transicionais’ já presentes na primeira

infância, Winnicott pôde conceitualizar uma área intermediária não contestada de

experiência situada entre o subjetivamente concebido e o objetivamente percebido.

Sobre este conceito de objetividade, Winnicott afirmava que se tratava do mundo

externo “tal como ele é percebido por duas pessoas” (WINNICOTT, 1971/1975, p. 13);

espaço intersubjetivo que nos reenvia necessariamente ao conceito lacaniano de Outro.

Os objetos que se desdobram neste espaço intermediário entre o sujeito e o Outro

(objetos transicionais da criança, fetiche, produções culturais no domínio da arte e da

religião, como a hóstia do santo sacramento etc.) não são objetivos, sem serem

exatamente alucinações. Eles não estão submetidos a alucinação da onipotência do

pensamento, mas também não estão totalmente fora de controle (como é o caso da mãe

real). Na verdade, Winnicott falará de uma espécie de ilusão a fim de caracterizar tais

objetos como polo de tensão entre “a realidade interna e a realidade externa”. Tensão

que “nenhum ser humano consegue liberar-se” (WINNICOTT, 1971/1975, p. 24).

Para Winnicott, a função destes objetos transicionais consiste na produção de

uma defesa contra a angústia do tipo depressivo vinda de experiências de frustração do

objeto maternal. De onde se segue a necessidade de afirmar que o objeto transicional

toma o lugar do seio ou do objeto da primeira relação. Isto nos demonstra claramente

que a frustração reiterada não se resolve no acesso epistêmico ao objeto ‘real’, mas ela

leva à constituição de um objeto cujo estatuto é próximo a um semblante presente no

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domínio da cultura, ilusão reconhecida intersubjetivamente enquanto tal e

estruturalmente insuperável. Lacan falará então de “objetos meio-reais, meio-irreais”

(LACAN. 1994, p. 127) isto a fim de estabelecer a especificidade de seu estatuto8. Tal

especificidade o ajudará a pensar o objeto a como nó entre o Imaginário, o Simbólico e

o Real.

            Por outro lado, Lacan também percebeu que os objetos parciais são marcados

por um centro espaço de entrelaçamento, mas entre o corpo do sujeito e o corpo do

Outro. Espaço de limite e de torção através do qual o corpo do sujeito pode inscrever-se

mais facilmente como corpo do Outro. O que permitirá a Lacan afirmar que tais objetos

são objetos “que podem ser cedidos (cessibles)” ao Outro. Assim, ao falar da angústia

de desmame próprio ao lactante, Lacan inverte a perspectiva tradicional para afirmar

que: “não se trata de dizer que, na ocasião, o seio falta à sua necessidade, mas que a

pequena criança cede o seio que, quando ele está nele pendurado, aparece bem como

uma parte dele mesmo” (LACAN, 1962-1963, sessão do 26/06/63).

Para-além do objeto perdido, deveríamos então falar do objeto cedido ao Outro

como pedaço destacável.  Os objetos parciais aparecem pois como objetos que o sujeito

cedeu a fim de determinar o desejo do Outro (se ele pode cedê-los ao Outro, é porque o

Outro os deseja). E, se o fantasma é o espaço de produção de objetos através dos quais o

desejo vai aprender a se situar, é porque a topologia do objeto do fantasma nos permite

operarmos esta ligação entre o desejo do sujeito e o desejo do Outro (lembremo-nos do

grafo do desejo, no qual o  fantasma aparece como suplemento ao Che vuoi? do Outro).

O que nos permite afirmar, através desta temática do objeto a como objeto que pode ser

cedido, que o fantasma é o cenário através do qual o sujeito produz um objeto para o

desejo do Outro. Ele é um procedimento de entrelaçamento entre o desejo do sujeito e o

desejo do Outro, ou ainda, uma demanda de reconhecimento direcionada ao Outro9.

            O último passo de Lacan consistirá em convergir estas duas temáticas do objeto

através de uma interpretação da significação do jogo infantil da bobina, descrito por

Freud em Para além do princípio do prazer. Lacan fornecerá várias versões para a

interpretação deste jogo fundamental na compreensão dos processos de simbolização da

criança, mas a versão que nos interessa mais é aquela que aparece na quinta sessão do

seminário XI.

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Ao observar o comportamento de seu neto de um ano e meio, Freud se interroga

sobre o significado de um jogo repetido compulsivamente pela criança e que consistia

em fazer desaparecer um bobina, presa por um barbante, jogando-a para baixo de seu

berço para logo em seguida fazê-la reaparecer. Estes dois movimentos eram

acompanhados pelos vocábulos fort (para o desaparecimento) e da (para o retorno).

Compreendendo o jogo como um processo de simbolização capaz de responder à

renúncia pulsional a qual a criança foi submetida devido à perda do objeto materno,

Freud já fornecia um exemplo maior do objeto transicional de Winnicott em seu papel

de defesa contra a angústia. O complemento lacaniano consistiu em dizer que a bobina,

longe de ser apenas um símbolo da mãe marcada pela perda, era inicialmente : “Um

pequeno algo do sujeito que se destaca ao mesmo tempo em que a ele continua

pertencendo, ainda retido” (LACAN, 1973, p. 69). Lacan falará de um jogo de

automutilação para sublinhar como a bobina se inscrevia no interior da série de objetos

parciais compreendidos como objetos que podem ser cedidos, nomeando assim o desejo

do Outro.

           

O amor na carne

 

Neste ponto, podemos retornar a algumas considerações a respeito da imagem

do corpo próprio em seu estatuto de objeto fantasmático. A partir dos anos sessenta,

Lacan retorna ao problema da imagem do corpo próprio construindo a metáfora do

corpo especular como vestimenta (habillage) do objeto a. Ele dirá então : “é a este

objeto inapreensível pelo espelho que a imagem especular fornece a vestimenta”

(LACAN, 1966, p. 818). Se a imagem do corpo é o topos fantasmático através do qual o

eu coloca-se como objeto do desejo do Outro, então isto se dá graças ao objeto a – que

advém neste sentido aquilo que sustenta a imagem especular. Isto nos mostra como, no

fundo da imagem especular, há este objeto que escapa ao sujeito, ao mesmo tempo em

que o constitui.

Mas o que significa exatamente a metáfora da vestimenta? Notemos aqui como,

tal qual o fantasma, a imagem do corpo fornece uma cena que ‘veste’ o objeto ao

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fornece-lhe consistência, mas ela o impede de desvelar-se. Devido ao primado da

imagem na experiência do corpo, perde-se o acesso àquilo que Lacan chama de

“objetalidade” (LACAN, 1962-1963, sessão do 08/05/63) do corpo. O que significa que

a dissolução da imagem do corpo pode aparecer como desvelamento do objeto a . Isto

nos explica porque, em alguns momentos, Lacan tenta aproximar a dimensão do objeto

a não-submetida à imagem e o conceito de “carne”, como vemos na afirmação : “‘É seu

coração que quero’ dever ser, como toda metáfora de órgão, tomada ao pé da letra. É

como parte do corpo que ele funciona; poderia dizer que é como tripa” (LACAN, 1962-

1963, sessão do 08/05/63).

A estranheza desta afirmação é a estranheza que devemos saber revelar para que

possa aparecer aquilo que é da ordem da causa do desejo. Isto nos mostra porque um

dos núcleos centrais da experiência clínica lacaniana consistirá em determinar como é

possível fazer o objeto sair da cena fantasmática. Através desta saída de cena, o sujeito

pode ter uma experiência do real do corpo, ou seja, do corpo enquanto carne opaca que

não se deixa submeter ás formas fetichizadas do Imaginário, nem se corporificar através

do significante com seu primado fálico10.

Mas sublinhemos como esta experiência do real do corpo é fundamental para a

compreensão de certos modos de travessia do fantasma. A fim de melhor compreender

este ponto, podemos tentar traçar uma articulação entre os problemas do real do corpo,

da travessia do fantasma e do amor. O amor aparece aqui para responder pela

possibilidade de posição de escolhas de objeto não mais suportadas por estruturas

fantasmáticas.

De fato, o amor é concebido inicialmente por Lacan como lugar de impasse do

Um. Lacan critica assim a tentativa freudiana de compreender Eros como tensão de

unificação, já que esta articulação entre o amor e Um pressuporia necessariamente uma

perspectiva de adequação e de harmonização que só pode se fundar no narcisismo com

suas estratégias de conformação do objeto ao fantasma. O que não poderia ser diferente

para alguém que expôs o lugar central do fantasma fundamental e do objeto a na

estruturação das relações entre sujeitos, principalmente no que diz respeito à relação

sexual. A partir do momento em que Lacan insistiu que o corpo na relação sexual é

inicialmente corpo fetichizado submetido à condição de suporte do fantasma, ele só

pode afirmar que: “O amor é impotente ainda que recíproco, pois ele ignora que é

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apenas desejo de ser Um, o que nos conduz ao impossível de estabelecer a relação deles

(d’eux), a relação deles quem? Dos dois (deux) sexos” (LACAN, 1975, p. 12).

Mas há um outro amor, este que visa o ser, dirá Lacan11. Podemos dizer que se

trata de um amor que descobre que a “essência do objeto é o fracasso (ratage)”

(LACAN, 1975, p. 55). Fracassamos uma relação sexual quando o corpo do outro não

se submete integralmente à cena fantasmática. O amor endereça-se então ao semblante e

afronta-se com o impasse de um objeto que resiste ao pensamento fantasmático do eu.

Lacan nos dirá que o amor que visa o ser pede a coragem de sustentar o olhar diante do

impasse, sustentar o olhar diante do estranhamento deste corpo não submetido à

imagem e à sua submissão ao significante. Ou, se quisermos, como dizia Hegel,

coragem de olhar o negativo e deter-se diante dele.

O olhar pode então descobrir, através do fracasso da procura pela imagem

fantasmática no corpo do outro, que : “todo o corpo não foi pego pelo processo de

alienação” (LACAN, 1966-1967, sessão do 31/05/67). Desta forma, o sujeito pode ver,

na opacidade do corpo do outro, a encarnação do inominável do desejo. Eu vejo no seu

corpo a imagem da opacidade do meu desejo. Trata-se de um reconhecimento, dirá

Lacan, que se dá no instante de encontro no qual as máscaras do fantasma

vacilam :“Este reconhecimento não é outra coisa que a maneira através da qual a relação

dita sexual – advinda aí relação de sujeito a sujeito, sujeito enquanto ele é apenas efeito

do saber inconsciente – cessa de não se escrever” (LACAN, 1975, p. 132).

Este reconhecimento não obedece mais às coordenadas do reconhecimento

fantasmático articulado através da tentativa de conformação da demanda ao desejo  do

Outro. Ao contrário, ele é reconhecimento feito através do real do corpo e que pode nos

levar à realização da “dialética do amor” (LACAN, 2001, p. 47). Isto nos fornece uma

base de compreensão para a afirmação crucial de Lacan: "A mulher não ex-siste. Mas o

fato dela não ex-sistir, não exclui que se faça dela o objeto do desejo. Muito pelo

contrário, daí o resultado . Com o que O homem, ao se enganar, encontra uma mulher

com a qual tudo acontece, ou seja, normalmente, este fracasso no qual consiste o

sucesso do ato sexual” (LACAN, 2001b, p. 538)12. Ou seja, nós alcançamos a

realização do ato sexual através do fracasso da adequação entre uma mulher e as

representações fantasmáticas da mulher. Fracasso que se dá quando o corpo de uma

mulher aparece na opacidade deste sensível que só se manifesta através do desgaste do

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fantasma. Corpo radicalmente não-idêntico. Um pouco como Sartre dizia: “Após um

longo comércio com uma pessoa, sempre aparece um instante no qual as máscaras se

desfazem e eu me encontro diante da contingência pura de sua presença: neste caso,

sobre seu rosto ou sobre os outros membros do corpo, eu tenho a intuição pura da carne.

Esta intuição não é apenas conhecimento; ela é apreensão efetiva de uma contingência

absoluta” (SARTRE, 1943, p. 384). Este longo comércio que chamamos de intimidade,

via na qual as máscaras se desfazem e o corpo se transforma na opacidade sensível da

carne, indica o caminho para uma travessia do fantasma pressuposta pela final de

análise. Ele nos demonstra também como a travessia do fantasma não pressupõe

dissolução da fixação de objeto. O sujeito permanece diante do mesmo objeto que

suportou seu fantasma, No entanto, diante deste objeto no qual o desejo encontrava-se

assegurado pela cena fantasmática, o sujeito tem agora a experiência da inadequação

entre a opacidade sensível do objeto e as representações fantasmáticas que o

colonizaram. Sobre  esta experiência de deslocamento do objeto, muito ainda há o que

dizer e este artigo é apenas um movimento introdutório.

Page 16: Vladimir Safatle - Gênese e estrutura do objeto do fantasma em Jacques Lacan

 

Bibliografia

 

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WINNICOTT, D. (1974) Jeu et réalité, Paris: Gallimard (Originalmente publicado em

1971) 

 

1 Cf. o comentário de Klein sobre Dick : « O eu cessara de elaborar uma vida fantasmática e de tentar estabelecer qualquer relação à realidade. Após um início fraco, a formação simbólica tinha cessado » (KLEIN, 1972, p. 268).

2 Abraham fala de um estágio de amor parcial no qual : « o objeto dos sentimentos amorosos e ambivalentes é representado por uma de suas partes introjetadas pelo sujeito" (ABRAHAM, 2000, p. 220)

3 É neste ponto que se situa, por exemplo, a crítica pertinente de Deleuze e Guatarri : « Desde o nascimento, o berço, o seio, os excrementos são máquinas desejantes em conexão com partes do corpo do bebê. Nos parece contraditório dizer ao mesmo tempo que a criança vive entre objetos parciais e que o que a apreende nestes objetos são pessoas parentais em pedaços":(DELEUZE e GUATARRI, 1969, p. 53)

4 Neste ponto, ele era fiel à afirmação de Freud : « Quando vemos uma criança satisfeita largar o seio deixando-se cair para trás e dormir, com as bochechas vermelhas e um sorriso, não podemos dizer de dizer que esta imagem continua o protótipo da expressão da satisfação (Befriedigung) sexual na existência ulterior » (FREUD, ;1905/1999, p.82).

5 Podemos fornecer outra razão para a impossibilidade passarmos do amor parcial ao amor por representações globais de pessoas : «  As aspirações mais arcaicas da criança são, ao mesmo tempo, um ponto de partida e um núcleo nunca totalmente resolvido sob alguma forma de primado genital ou de pura e simples Vorstellung do homem sob a forma humana, tão total que supomos andrógena  por fusão » (LACAN, 1986, p. 112)

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6 Daí a afirmação : « Estes objetos anteriores à constituição do estatuto de objeto comum, de objeto comunicável, de objeto socializável, eis do que se trata no a » (LACAN, 1962-1963, sessão do 09/01/63)

7 O que pode nos explicar como o objeto a : «  É isto, o que é apreendido no entrecruzamento do simbólico, do imaginário e do real como nó » (LACAN, 1974)

8 De onde se segue a importância de compreender porque Winnicott, ao insistir que objeto transicional é símbolo do objeto parcial, lembre : « que este objeto não seja o seio (ou a mãe), ainda que seja real, importa tanto quanto o fato dele estar no lugar do seio (ou da mãe) » (WINNICOTT, 1971/1974, p. 14). Pois importa mostrar que a criança conhece o estatuto de ilusão e de suplemento própria ao objeto transicional. Podemos encontrar já em Freud uma indicação deste estatuto do objeto causa do desejo. Ao escrever sobre o mundo do jogo infantil, Freud dirá : « Seria um erro pensar que a criança não toma este mundo a sério ; ao contrário, ela toma o jogo muito a sério ». Mas «a criança distingue claramente seu mundo lúdico, a despeito de todo o investimento afetivo, e a realidade (Wirklichkeit), ela ama apoiar (lehnt) seus objetos e suas situações imaginárias sobre coisas palpáveis e visíveis do mundo real" (FREUD 1908 /1999b, p. 214)

9 Neste sentido, a fórmula de Peter Dews nos parece precisa. De um lado : « A introdução do objeto a no final dos anos 50 foi o resultado da compreensão lacaniana de que algo de fundamental ao sujeito não podia ser expresso no ´tesouro do significante´ partilhado intersubjetivamente e, logo, universal ». Mas, por outro lado o objeto a é objeto do desejo do Outro : « A mediação entre o sujeito e o Outro é restaurada através do objeto a. Desta forma, o objeto é fantasiado como sendo aquilo que pode garantir o ser do sujeito através da incorporação desta parte misteriosa do sujeito desejada pelo Outro » (DEWS, 1995, p. 254). Isto nos demonstra como é o fantasma que sustenta a estrutura da intersubjetividade. No entanto, graças a esta ´natureza dupla´ do objeto a (entre fantasma e Real), Lacan abre as portas para um outro dispositivo de reconhecimento através da identificação do sujeito com o que há de real objeto a

10 Lacan nos fornece uma imagem do real do corpo jã no Seminário II, quando comenta o snho da injeção de Irma. Ao interpretar a imagem do fundo da garganta de Irma que aparece no sonho quando Freud demanda à paciente de abrir a boca, Lacan falará de uma revelação do real ao dizer : « Há aí uma descoberta horrível, a descoberta da carne que nunca vemos, o fundo das coisas, o anverso da face, do rosto, os secretatas por excelência, a carne de onde tudo sai, o mais profundo do mistério, a carne enquanto é informe, que sua forma é algo que provoca angústia, última revelação do você é isto – Você é isto que o mais longe de ti, isto que é o mais informa (LACAN, 1978, p. 186). Esta constelação semântica (informe, fundo das coisas, última revelação nos mostra uma experiência do corpo como reconhecimento de si na opacidade do corpo que pode nos fornecer uma via privilegiada para pensar o destino do objeto após a travessia do fantasma.

11 Alain Badiou nos mostra esta dupla inscrição do amor em Lacan. De um lado, Lacan seria tributário da tradição pessimista dos moralistas francesas que compreende o amor como semblante ornamental por onde passa o real do impasse do sexo : « Mas ele diz também o contrário quando fornece ao amor uma vocação ontológica, a vocação de abordagem do ser »  (BADIOU, 1992., p. 256)

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12 A passagem da “relação sexual” para o “ato sexual”é, a princípio, uma maneira de impedir o retorno final da relação entre dois termos incompatíveis. Mas lembremos, e isto nós sabemos ao menos desde Hegel, que uma não-relação não é expulsão do outro a uma exterioridade indiferente, senão o valor de experiência produzindo pelo fracasso da relação não poderia sequer ser posto. Em certos, caso, uma não-relação é uma relação que se funda em uma unidade negativa e este parece bem ser o caso do sexual.