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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015 ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015 VISUALIDADES DE ELIZABETH I: REMINISCÊNCIAS EM FIGURINOS CONTEMPORÂNEOS 1 Visualities of Elizabeth I: Reminiscences in Contemporaneous Costumes Design Márcia Caroline Amaral Albuquerque 2 (Pós-graduação em História Cultural – UFG) [email protected] Resumo: O presente artigo investiga através da análise iconográfica de retratos selecionados da rainha Elizabeth I, a evolução do uso e forma do rufo, além dos símbolos do vestuário elegidos pela Rainha. Através de um panorama imagético, é possível identificar a permanência do rufo nas múltiplas linhas da cena artística contemporânea, constituída por novas formas de produção e conceitos. Palavras-chave: Elizabeth I, rufo, figurinos. Abstract: This article is an investigation through the iconographic analysis of selected portraits of Queen Elizabeth I, the evolution of the use and shape of the ruff, in addition to clothing symbols elected by the Queen. Through a imagery prospect, its possible identify the permanence of the ruff in multiple lines of contemporary art scene, consisting of new forms of production and concepts. Tags: Elizabeth I, ruff, costumes. 1 INTRODUÇÃO O objeto de estudo desta pesquisa é um dos elementos de vestuário adotado por Elizabeth I, o rufo, e como este contribuiu para a instituição de uma estética de poder, influenciando e perpetuando composições de figurinos até os tempos contemporâneos. A análise imagética do elemento estético em questão, o rufo, será realizada utilizando cinco retratos da Rainha Elizabeth I, identificando o uso e a evolução da estrutura ao longo da vida da rainha, que construiu esta imagem de poder durante seus 44 anos de reinado. Elizabeth I da Inglaterra, nasceu em 1533, filha de Ana Bolena e Henrique VIII. Foi a sucessora de sua meia-irmã, Maria I, assumindo o trono em 1558, sendo a última soberana da linhagem Tudor. Seu reinado é nomeado como a Era de Ouro para a história da Inglaterra (1558-1603), principalmente por ter 1 This article result of Post graduation’s Program in Culture History /UFG, advisored by Professor Dr. Ana Lúcia Vilela. 2 Costume Designer, graduated in Fashion Design from the Universidade Estadual de Goiás (2009), a graduate student in Post Graduation’s Program in Cultural History: Imagination, Identity and Narratives from the Universidade Federal de Goiás.

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Moda Documenta: Museu, Memória e Design – 2015

ISSN: 2358-5269 Ano II - Nº 1 - Maio de 2015

VISUALIDADES DE ELIZABETH I: REMINISCÊNCIAS EM FIGURINOS CONTEMPORÂNEOS1

Visualities of Elizabeth I: Reminiscences in Contemporaneous Costumes Design

Márcia Caroline Amaral Albuquerque2 (Pós-graduação em História Cultural – UFG)

[email protected]

Resumo: O presente artigo investiga através da análise iconográfica de retratos selecionados da rainha Elizabeth I, a evolução do uso e forma do rufo, além dos símbolos do vestuário elegidos pela Rainha. Através de um panorama imagético, é possível identificar a permanência do rufo nas múltiplas linhas da cena artística contemporânea, constituída por novas formas de produção e conceitos. Palavras-chave: Elizabeth I, rufo, figurinos. Abstract: This article is an investigation through the iconographic analysis of selected portraits of Queen Elizabeth

I, the evolution of the use and shape of the ruff, in addition to clothing symbols elected by the Queen. Through a imagery prospect, its possible identify the permanence of the ruff in multiple lines of contemporary art scene, consisting of new forms of production and concepts.

Tags: Elizabeth I, ruff, costumes.

1 INTRODUÇÃO

O objeto de estudo desta pesquisa é um dos elementos de vestuário adotado por Elizabeth I, o

rufo, e como este contribuiu para a instituição de uma estética de poder, influenciando e perpetuando

composições de figurinos até os tempos contemporâneos. A análise imagética do elemento estético em

questão, o rufo, será realizada utilizando cinco retratos da Rainha Elizabeth I, identificando o uso e a

evolução da estrutura ao longo da vida da rainha, que construiu esta imagem de poder durante seus 44

anos de reinado.

Elizabeth I da Inglaterra, nasceu em 1533, filha de Ana Bolena e Henrique VIII. Foi a sucessora

de sua meia-irmã, Maria I, assumindo o trono em 1558, sendo a última soberana da linhagem Tudor. Seu

reinado é nomeado como a Era de Ouro para a história da Inglaterra (1558-1603), principalmente por ter

1 This article result of Post graduation’s Program in Culture History /UFG, advisored by Professor Dr. Ana Lúcia Vilela. 2 Costume Designer, graduated in Fashion Design from the Universidade Estadual de Goiás (2009), a graduate student in Post Graduation’s Program in Cultural History: Imagination, Identity and Narratives from the Universidade Federal de Goiás.

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sido prescrita a paz entre os protestantes e católicos, já que, no reinado de Maria I, numa dura instituição

da Igreja Protestante, ela condenou à fogueira mais de 300 católicos, motivo pelo qual, quando Elizabeth

assumiu a coroa, o fato de ser mulher não era visto com tenacidade, como afirma PICARD (2003), “As

pessoas ainda se lembravam da guerra civil. […] Ninguém queria o retorno da guerra, mesmo pensando

que o soberano era, infelizmente, mulher”3. Eizabeth I foi coroada aos 25 anos de idade, e faleceu aos

70 adorada pelo povo, tal como esclarece STRONG (1977) “[...] mil e quinhentas pessoas tomaram rumo

à Abadia de Westminster. […] coroada e segurando orbe e cetro, um suspiro, gemendo e chorando

subiam “como nunca tinha sido visto ou conhecido na memória do homem”4. Elizabeth ficou conhecida

como a rainha Virgem, pois nunca se casou ou deixou herdeiros. Utilizou seus pretendentes como

possibilidades de negociação para seu reino, estabelecendo alianças políticas. Renomada por seu senso

político cortês, pelo qual escutava ao povo e seu Conselho Privado, mas a última palavra era dela própria.

O reinado de Elizabeth I é também sinônimo do Renascimento na Inglaterra, um período de

expansão e exploração no exterior, e desenvolvimento e patrocínio das artes, inclusive do famoso

dramaturgo Shakespeare. Elizabeth I é equivalente à rufo Elizabethano, sendo nomeado desta forma

principalmente nos livros de História da Moda, que retratam a estética utilizada por ela, tendo alcançado

o auge da estrutura do rufo.

2 RUFOS DE ELIZABETH I

Dentre os costumes, o vestuário se insere como ferramenta de diferenciação étnica, geográfica,

econômica, social e psicológica, e sua constatação deve-se, portanto, ao fato de ser possível analisar na

contemporaneidade imagens de época, sejam estas, retratos, gravuras, ilustrações ou qualquer outro

meio de comunicação visual. Dado o Absolutismo regente na Europa, rituais de moda e etiqueta eram

usuais, e por vezes excêntricos, o resultado, são imagens de reis e rainhas que permeiam o imaginário

coletivo e faziam parte da sua ‘campanha política’ através de retratos, esculturas e moedas cunhadas

em ouro colaborando para instituição de figuras autônomas de poder, principalmente financeira.5

3 PICARD, Liza. Elizabeth’s London: everyday life in Elizabethan London. London: Weidenfeld & Nicolson, 2003, p.XX. Tradução da autora. 4 STRONG, Roy C. The Cult of Elizabeth: Elizabethan Portraiture and Pageantry.London: Thames and Hudson, 1977, p.14-

15, citando John Stowe. Disponível em <https://books.google.com.br/books?id=4-1XMs4H8JAC&printsec=frontcover&hl=pt-

BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=twopage&q&f=false>Tradução da autora.

5 BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Zahar, 2009

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Em qualquer época ou cultura fica evidente através de simples avaliação imagética a

diferenciação hierárquica através do vestuário. Sobre a imagem da monarquia, BURKE (2009) esclarece,

“[...] O rei era visto pela maioria de seus contemporâneos como uma figura sagrada”6 e ainda constata

que, o ideal era, “[...] ser um líder envolto por uma aura de autoridade”7. As indumentárias utilizadas por

Elizabeth I retratavam a pompa e o requinte do poder da monarquia absolutista, transmitida em bons

tecidos, recobertos por bordados em joalheria, vestidos estruturados por grandes farthingales, gerando

a imagem de quadris extremamente avantajados além dos rufos, que ganharam proporções

extravagantes. Sobre o guarda-roupa de Elizabeth, é fato que criou para si uma imagem icônica que,

estava diretamente relacionada ao poderio político. O Absolutismo se expressava então, em seus

vestidos e rufos aumentados em proporção e luxo, nada comparado ao que a população usava8. O estilo

da rainha era inspirado na corte francesa e representava a moda da época, na qual segundo LAVER

(2008)9:

“[...] as pessoas pareciam estar demonstrando ser membros de uma casta aristocrática. Ficavam empertigadas de roupas acolchoadas e duras que formavam uma verdadeira cuirasse. Os historiadores de arte notam que a pintura de retratos de pessoas da corte em toda a Europa mostra-as de pé, com um pé à frente, em atitude de reserva altiva, hierática e rígida. E tal efeito foi realçado pelo aparecimento do rufo.”

O rufo é a tradução de ruff em inglês, que denomina um colar de penas que se projeta ao redor

do pescoço de certas aves, de acordo com LEVENTON (2009), “Derivado do acabamento plissado nas

golas altas das camisas ou chemises, o rufo tornou-se um acessório característico da época [...]”,10 e

assim, estava instituída uma nova moda, como complementa LAVER (2008), “Bastava apertar bem o

cordão e um rufo incipiente passava a existir. Quando a partir de 1570, ele surgiu acima da gola do gibão,

mantinha a cabeça em atitude de desdém [...]”11. Inicialmente evidenciado nos trajes masculinos

representando inclusive um símbolo de sensualidade, o rufo além de transmistir status simbolizava

também higiene, pois, não permitia que a comida sujasse a roupa e, pelo fato de ser uma peça à parte

da roupa, era trocado várias vezes. O rufo feminino foi estabelecendo tal importância que ganhou

grandes dimensões, recebendo o nome de quem o estabeleceu em sua nova forma: Rufo Elizabethano,

onde o “compromisso elizabetano” era abrir o rufo em decote à frente, deixando o colo exposto e estender

asas de gaze por detrás da cabeça, em camadas duplas e muitas vezes triplas.12 Estas dimensões

6Id., Ibid., p.22. 7Id., Ibid., p.22. 8 PICARD, 2003. 9 LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p.90. 10 LEVENTON, Melissa (Org.). História ilustrada do vestuário: um estudo da indumentária, do Egito Antigo ao final do século XIX, com ilustrações dos mestres Auguste Racinet e Friedrich Hottenroth. São Paulo: Publifolha, 2009, p.138. 11 LAVER, 2008, p.91. 12 Id., Ibid., p. 93.

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tornaram-se possíveis devido ao aprimoramento de técnicas estruturais como a goma que permitiu as

figuras-de-oito serem cada vez maiores e longas, a suportasse com fios de aço para sustentar a nova

amplitude, além das barbatanas de baleia ou madeira, agora embutidas nos corsets. Todo alicerce

construído para comportar o rufo junto ao corpo, era um grande investimento de tempo e dinheiro,

considerando que tratava-se de um trabalho manual, desta forma, não resta dúvidas que se estabeleceu

como componente de uma moda aristocrática.

A rainha Elizabeth construiu de forma segura e prudente uma imagem forte para si durante seu

reinado e, a extravagância de seus rufos demonstrava grande personalidade, sendo exclusivos não

somente na forma como também, nas cores, tal explana PICARD (2003), “[...] A cor era usualmente o

branco, mas não o branco fluorescente [...]”13, e reafirma em “[...] Rufos eram muitas vezes coloridos

durante o processo de engomar, corantes vegetais eram usados para dar ao rufo um matiz amarelo, rosa

ou lilás. [...]”14 Tons de azul também eram obtidos através do uso de smalt (óxido de colbalto), porém

Elizabeth I lançou uma prerrogativa real, na qual informa a seus súditos a proibição de rufos azuis, devido

à cor fazer parte da bandeira da Escócia, país rival.

Nas cortes reais os Decretos de Lei que sancionavam o que a plebe podia consumir eram

usuais, tratava-se de uma tentativa não somente de controlar os gastos com supérfluos da população,

como também manter exclusivas para a realeza certas peculiaridades estéticas. Situação da qual pode-

se supor um intuito maior, como avalia BURKE (2009), “O ritual em particular era visto como um tipo de

peça teatral que devia ser encenado para incentivar a obediência. [...] Entre a gente do povo impressões

físicas têm um impacto muito maior que a linguagem, que faz apelo ao intelecto e à razão”15. O ritual

citado é o de vestir-se. Mas, nenhum rei, na verdade obteve total sucesso na aplicação das leis

suntuárias, pois a burguesia sempre conseguia contornar a situação, e com Elizabeth I não foi diferente,

como explica PICARD (2003):

Seu pai Henrique VIII, seu irmão Eduardo VI e sua irmã Maria aplicaram “Atos de Vestuário”, mas foram todos desconsiderados. Os esforços de Elizabeth não obtiveram mais sucesso. Um de seus primeiros decretos sobre vestuário, em 1559, e outros igualmente despercebidos foram ordenados em intervalos de tempo durante seu reinado. Em 1562, ela proibiu ‘grandes rufos e grandes calções’. […]16

13 PICARD, 2003, p. 124. Tradução da autora. 14 Id., Ibid., p. 125. Tradução da autora. 15 BURKE, Peter. citando J.C. Lüning, 2009, p.19.

16 PICARD, Liza. 2003, p.135. Tradução da autora.

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Traçando um percurso pictural, dentre cinco retratos de Elizabeth I, é possível estabelecer a

evolução da forma do rufo bem como, os símbolos por detrás destas representações. Para LE GOFF e

NORA (1988), é necessário “Partir da imagem, das imagens. Não procurar somente nelas

exemplificação, confirmação ou desmentido de um outro saber, aquele da tradição escrita. [...]”17.

O rosto de Elizabeth nos retratos são similares e nota-se uma disparidade entre a

representação e sua idade real, ou seja, a Rainha é concebida sempre jovem. A representação busca

condizer com o ideal da rainha Virgem, a Gloriana, em retorno à Terra para inaugurar uma era de ouro,

trazendo paz e eterna primavera.18 Elisabeth I foi também intitulada pelo nome de deusas ligadas à

beleza, ao amor e à natureza, denominada como Astrea e Venus, das quais é abstraído o símbolo da

rosa englantine, que representa a união de York e Lancaster (da Dinastia Tudor), sendo portanto, a

Rainha denominada como a ‘Rosa da Beleza’. ”19

Durante o reinado de Elizabeth I, estabeleceu-se tradições a fim de substituir a importância de

comemorações populares católicas, por, eventos ligados à Rainha e para que a Reforma Protestante

ocupasse lugar discretamente. Desta forma, eventos ligados à data da Ascenção de Elizabeth I, bem

como, seu aniversário, tornaram-se comemorações anuais, realizando-se torneios de cavaleiros, poemas

e jardins em sua honra, citando STRONG (1977):

[…] O culto de Gloriana foi habilmente criado para apoiar a ordem pública, e mais ainda , deliberadamente substituir a aparência da pré- Reforma da religião, o culto da Virgem e santos com suas imagens, procissões, cerimônias e louvores seculares contínuos. Então, ao invés de muitos aspectos do culto de Nossa Senhora, nós temos os muitos “amores” da Rainha Virgem; ao invés dos rituais e festividades do Corpus Christi, Páscoa e Assunção, nós temos as novas festas do dia da Ascensão e aniversário de Elizabeth.20

Avaliando a figura 1, o retrato de sua coroação, visualizamos a rainha Elizabeth I, jovem, aos

26 anos (1559), vestida em dourado com manto adornado de peles e joias reais, corset pontado em “V”,

mangas longas, e um pequeno rufo sobressalente entre o rosto e o manto, bem como, nos punhos. A

porção de pele exposta resume-se à face e mãos. Aí está a Virgem Gloriana, em dourado e longos

cabelos soltos. Seguindo para a figura 2, no retrato da Armada, Elizabeth é representada aos 55 anos

de idade, trajando vestido branco e preto, corset pontado em “V”, mangas longas bufantes, bordado com

jóias e pérolas formando as rosas reais Tudor (englantine), ornado com grandes laços cor-de-rosa e

17LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. O filme. In: História: Novos Objetos, 3ª. Ed. RJ: Francisco Alves, 1988, p. 203.

18 STRONG, 1977, p. 47. 19 Id., Ibid., p.47. 20 Id., Ibid., p.16.Tradução da autora.

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muitos colares de pérolas, um rufo estruturado inteiriço maior e adornado com rendas e bordados. A

pérola é um símbolo da virgindade, já a dupla de cores tornou-se uma referência à Rainha, sendo que,

nos torneios comemorativos, as cidades eram decoradas com esta cartela de cores, os cavaleiros que

duelavam em sua honra e suas damas de companhia vestiam-se em preto e branco, também. A escolha

pelas cores, segundo PASTOUREAU (2011) deve-se à um intuito maior:

Nascido no início do século XVI, no momento em que se difundem, pelo livro e pela imagem, uma cultura e um imaginário <<em preto e branco>>, o protestantismo nos seus princípios mostra-se, ao mesmo tempo, herdeiro das morais de cor da Idade Média, que está em via de acabar, e em ligação direta com os sistemas de valores de seu tempo: em todos os domínios da vida religiosa e social (o culto, a vestimenta, a arte, o ambiente, os <<negócios.>>, recomenda ou estabelece costumes e códigos quase inteiramente construídos em torno de um eixo de cor preto-cinza-branco. A guerra é travada contra as cores vivas ou muito vistosas.21

No retrato que representa a vitória sobre a Armada Espanhola (Figura 2), há um lapso entre

tempo e espaço, no qual questiona-se como poderia estar a rainha à frente de duas janelas onde se

passa a investida espanhola e sua derrota na mesma ocasião? Sobre isto, STRONG (1977), disserta a

importância da interpretação da estrutura do espaço pictórico, no qual as imagens definem e expandem

21 PASTOUREAU, Michel. Preto: história de uma cor / Tardução de lea P. Zylberlicht – São Paulo: Editora Senac São Paulo:

Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011, p.122.

Figura 2. The Accession Day portrait of Elizabeth I, pintada por Artista Britânico Desconhecido, c.1559, óleo em painel, 127.3 x 99.7 cm (50.1 x 39.3 inches), Acervo National Portrait Gallery, Londres. Fonte: Site National Portrait Gallery.

Figura 2. The Armada portrait of Elizabeth I of England, pintado por George Gower, c.1588, óleo em painel, 133 x 105 cm (52.4 x 41.3 inches, Acervo da Abadia de Woburn, Bedfordshire, Reino Unido. Fonte: site Luminary: Anthology of English Literature.

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a figura central (Rainha Elizabeth I), e qualifica a representação como uma “tirinha de história em

quadrinhos”, onde ao mesmo tempo, por uma janela se vê o avanço da Armada e por outra janela, é

repelida pela “poderosa Monarquia”, além disso, retrata a força da “Coroa e do Trono” que venceram as

forças do mal e a mão imperial repousa sobre o globo, alcançando o “Mundo inteiro”.22 A rainha aparece

não apenas como senhora do mundo, mas também do tempo, visto que domina-o por inteiro, tendo

controle sobre a investida espanhola e seu desfecho. Rufo e adornos de cabeça reforçam a centralidade

da personalidade retratada.

No retrato da figura 3, a rainha aparece em corpo inteiro, em pintura datada de 1590 na qual

Elizabeth I desfrutaria de 57 anos de idade. Trajando vestido branco bordado em dourado, pérolas e

pedras preciosas, mangas bufantes, corset pontado em “V” e farthingale circular de maior proporção,

recoberto por bordado com as rosas englantines23. O colo exposto em decote quadrado baixo, expõe um

grande e triplo rufo ao pescoço, em gaze de seda ornado com rendas e bordado com pedras preciosas,

estendendo-se atrás da cabeça em sua estruturação máxima, formando dois círculos como um coração,

com suportasse dourada e ornado com gemas preciosas. STRONG (1977), disserta sobre o retrato que,

possivelmente, é uma imagem de devoção, feita por um cavaleiro, chamado Sir Henry Lee, em 1590, em

referência à sua aposentadoria. Nele Elizabeth I, aparece sobre o globo mundial, com os pés fincados

na Inglaterra, vestida como a própria rosa englantine e, as nuvens escuras deixam transperecer a nova

era que está por vir. Ao fundo inscrições em sua honra, denotando sua graça e poder sobre a Terra.

Devido a essas alegorias de homenagem à Rainha, este retrato em particular é considerado “como o

mais potente de todos os retratos remanescentes evocando o romance dos Torneios do Dia da

Ascenssão.”24. O decote de Elizabeth era motivo de espanto principalmente aos estrangeiros, devido à

sua idade, mas só era possível que ela os utilizasse pelo fato de ser uma virgem solteira apesar de, ser

julgado lamentável pelos reformistas protestantes. 25

22 STRONG, 1977, p. 43. Tradução da autora. 23 As rosas englantines já haviam se tornado símbolo da pureza e beleza da rainha, sendo ela mesma personificada e representada pela flor em jardins da Inglaterra, como memória da rosa Tudor. 24 Id., Ibid., p. 154. Tradução da autora. 25 PICARD, 2003, p. 132. Tradução da autora.

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Em 1600, a rainha possuía 67 anos de idade, mas ao retrato do Arco-Íris (Figura 4), representa-

se uma jovem mulher. Segundo STRONG (1977), em virtude do fato de “Elizabeth-Diana-Venus-Virgo é

eternamente jovem e eternamente linda. Sua juventude é perpetuamente renovada, como o minguar e o

crescer da lua. […]”26. Trata-se do retrato imbuído de maiores simbologias do que todos os outros. A

Rainha usa seu tradicional corset pontado, bordado com madressilvas e as rosas englantine, seu manto

laranja tem bordados de orelhas e olhos, representando quem a assistiu e ouviu, suprindo a própria

inteligência com a dela. Sua imagem é solar, “A rainha é o sol que traz o arco-íris que segura em suas

mãos, prometendo calmaria depois das tempestades: Non sine Sole Iris (não há arco-íris sem o sol)”27.

Do lado esquerdo da manga, possui o bordado de uma serpente que abocanha um coração, sendo a

serpente o símbolo da sabedoria e o coração das paixões. Com os cabelos soltos, considerados uma

imagem virginal, rufo triplo transparente com rendas exibe o colo.

26 STRONG, 1977, p. 48. Tradução da autora. 27 Id., Ibid., p.50. Tradução da autora.

Figura 4. Queen Elizabeth I ('The Ditchley portrait'), pintado por Marcus Gheeraerts the Younger, c.1590, óleo em tela, 241.3 cm x 152.4 cm (95 x 60 inches), Acervo National Portrait Gallery, Londres. Fonte: Site National Portrait Gallery.

Figura 4. The rainbow Portrait of Queen Elizabeth I, pintado por Isaac Oliver, c.1600, óleo em tela, 127 x 99.1 cm (50 x 39 inches), Acervo da Hatfield House, Reino Unido. Fonte: Site Hatfield House.

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Uma das últimas retratações de Elizabeth I em vida, é o da Procissão para Blackfriars (Figura

5), no qual Elizabeth perpetua sua imagem em branco bordado e coberto por pérolas virginais, que

STRONG (1977) relata ser Gloriana no fim de sua glória28. Um detalhe importante é o fato de o andor

sob o qual a Rainha está, ser na verdade uma espécie de carruagem carregada por cavaleiros com um

pálio ricamente adornado.29 O rufo proeminente e em seu auge de estrutura, bem como o corset pontado

e a farthingale de grandes proporções ainda são presentes no estilo de Elizabeth I, que provável deve

estar a sentir o peso de toda a produção em sua idade, como denota PICARD (2003), […] Pérolas, gemas

e metais preciosos bordados decorando em tal profusão que, alguns vestidos deviam pesar uma

tonelada. […]30. Mais uma vez, nota-se a face rejuvenescida da Rainha, para qual circunstância STRONG

(1977) reafirma sua teoria de deusa-lua e PICARD (2003) complementa," Ela era bonita, como uma

mulher jovem, e podia assumir a aparência de beleza quando era velha.”31

3 PANORAMA CONTEMPORÂNEO

Nesta etapa do trabalho, a discussão toma parte da história do rufo de Elizabeth I, e como

a estrutura se coloca em contexto hodierno, principalmente, de caracterizações artísticas. A moda do

rufo Elizabethano começou a decair com o falecimento de sua instituidora. Durante o século XVII, sua

forma estruturada, tripla e ampla começou a aparecer reduzida em camadas e forma, retornando à sua

condição inicial de gola caída sobressalente ao pescoço, tornando-se cada vez mais sofisticada, sem a

estrutura de aço da suportasse. Ao longo do século XVIII a gola caída começou a ser coberta pelo

28 STRONG, 1977, p. 17. 29 Id., Ibid. p.17. 30 PICARD, 2003, p. 143. Tradução da autora. 31 PICARD, 2003, p. XX. Tradução da autora.

Figura 5. Queen Elizabeth’s Procession to Blackfriars, pintada por Robert Peake, the Elder, c.1600, técnica não informada, Acervo Sherborne Castle, Reino Unido. Fonte: Site Luminary: Anthology

of English Literature.

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plastron, em consequência da moda das grandes casacas e perucas longas cacheadas, o rufo, em sua

constituição magna já não era funcional. No início do século XIX, já tinha retornado por completo à sua

forma original de pequeno babado rendado da chemise, que aparecia sob o decote dos vestidos, e até

chegada do século XX já havia desaparecido por completo, visto que a chemise deu lugar à inovações

no setor de roupas de baixo.32

A questão que guia esta pesquisa é que, o retorno do rufo, não teve correspondência às

designações da moda cotidiana, mas sim, à caracterizações várias, no cinema, teatro, ópera, dança,

fotografia e artes visuais. Em releituras históricas, o rufo sempre é reproduzido fielmente para

personagens da história, como a própria rainha Elizabeth I que já foi motivo de óperas intituladas Gloriana

- sendo a original de 1953 e suas releituras perpetuam o século XXI -, filmes Hollywoodianos como,

Shakespeare in Love (1998) além da série de filmes Elizabeth- The Golden Age (2007). Mas, quando se

trata de leituras plásticas que não são relacionadas à Rainha Elizabeth I, ou outra figura histórica, qual

sentido o rufo adquire? Nos clássicos desenhos Disney, toda bruxa, madrasta, vilã ou rainha má que se

preze, apresenta seu rufo bem estruturado. Já em leituras conceituais para as demais áreas artísticas, o

rufo traz uma imagem de poder, ligada ao bem ou mal, mas o personagem que o utiliza sempre traz esta

áurea de autoridade, como uma silenciosa imposição da personalidade.

A ficção traz a liberdade de não representar verdades da história, assim, conceitos estéticos

como a verossimilhança, o realismo e o naturalismo, podem dar lugar à uma liberdade poética, digamos

assim, onde até mesmo estes conceitos ligados ao tornar real como aconteceu, podem ser modificados

e ornados por uma nova roupagem. Neste momento a pesquisa não se detém ao entender o porquê a

estrutura do rufo acabou por fazer parte da estética de personagens maléficos, visto que todos os

predicados referidos à Elizabeth I trazem um sinônimo benigno.

A imagem na contemporaneidade assume um importante papel de divulgação, perpetuação

e principalmente autoafirmação. Segundo PESAVENTO (2008), a imagem, foi a primeira forma de

comunicação estabelecida pelo ser humano, depois ao passar dos tempos ficou restrita como base de

dados “ilustrando” discursos escritos33. Com a globalização e o advento da internet, a difusão da imagem

através de fotografias, autorretratos (selfie) e vídeos, adquire uma nova percepção social. À ação de

produzir imagens é exigida um esforço maior quanto ao conceito e por consequência, à comunicação.

As simbologias implícitas e explícitas nas imagens são percebidas de múltiplas formas, não podendo ser

o emissor responsável pela mensagem recebida, visto que é um insight individual. Mas, através de

32 LAVER, 2008. 33 PESAVENTO, Sandra J. O mundo da imagem: território da história cultural In. PESAVENTO, Sandra J, SANTOS, Nádia M.W., ROSSINI, Miriam de S. (Org.). Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em história cultural. Porto Alegre, RS: Asterisco, 2008.

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símbolos do senso-comum é possível alcançar certos níveis da sensibilidade humana, guiando a

percepção das imagens, a exemplo dos espetáculos teatrais.

Na Figura 6, temos a fotografia de um drama musical baseado nas músicas de Chico Buarque

de Holanda, com elenco totalmente feminino, realizado pela Cia. de Teatro Sala 3, uma companhia teatral

que atua na cidade de Goiânia há 12 anos. A trama traz a história de mulheres intensas, que contam

sobre suas paixões não-correspondidas, suas inquietudes, vontades, desejos e as fragilidades de ser

mulher - caráter intrínseco às músicas do compositor, presentes na montagem. A estética geral do

espetáculo é vermelha, cor que já representou as revoluções, a nobreza de imperadores, generais,

exércitos, e ainda, a intensidade do fogo, das paixões, do sangue, de amores e desamor além de,

evidenciar sentimentos lascivos e passionais34. As personagens escolhidas para demonstrar a roupagem

contemporânea do rufo são as “Putas” deste espetáculo, chamado “Uma Canção Desnaturada”. Suas

personas são mulheres da vida, representadas como gêmeas siamesas onde cada uma é uma metade

que se completa em assimetrias, e o rufo segue o mesmo padrão. Construído manualmente em arame,

revestido com cetim, rendas e chatons, sua estrutura tem ainda uma parte costurada internamente no

vestido com barbatanas plásticas, que auxilia a sustentação, além de, otimizar a troca de roupa das

atrizes. O rufo construído para elas não apresenta as figuras-de-oito formadas pela camada franzida do

rufo tradicional, sendo uma espécie de bandeja à espelho da estrutura do rufo no final século XVI. As

34 PEDROSA, Israel. Da cor à Cor Inexistente. Rio de janeiro: Léo Christiano Editorial, 1977.

Figura 6. Espetáculo Drama-Musical 'Uma Canção Desnaturada', 2011. Cia. Sala 3. Figurinos: Hazuk Perez, Rufos: Caroline Albuquerque. Atrizes: Aline Isabel e Clarice

Martins. Fotografia: Layza Vasconcelos. Fonte: cedidas pela Cia. Sala 3, 2011.

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personagens preservam uma postura que vai além do empoderamento de ser uma mulher sensual,

revelando-se ser mais do que apenas objeto sexual. Sustentam a cabeça na típica atitude de desdém e

superioridade do usuário de um rufo35 em relação ao personagem com quem dividem a cena – o homem

que trai.

A imagem do senso-comum para prostitutas, geralmente é marginalizada e vulgar, portanto,

alguém julgado sem valor moral e social. No espetáculo, através da interpretação e músicas, a imagem

das personagens adquire uma nova simbologia, a de dominação do permitir ser consumida no palco e

na cama, ”Somos siamesas para o amor e para a dor, para dar e para levar e só conseguimos dizer sim”

e, as consideradas mulheres sem classe dançam ao fundo de “História de uma gata” em meio à risadas,

giros e pontas de pé, provocam a seguir o homem da vez cantando “Folhetim” onde, afirmam a

brincadeira da autoridade da conquista: “[...] E te farei vaidoso supor/ Que és o maior e que me possuis

[...]”36. São elas, as meretrizes que utilizam os recursos da nobreza para seduzir como, as longas luvas

pretas, o vestido drapeado curto permitindo visualização das pernas, uma grande peruca que se espelha

em ângulos opostos, botas de cano curto em renda...Todos estes, são, recursos de épocas várias da

história da moda, bem como, símbolos de fetiche, num contexto inédito criado para representar mulheres.

Através desta perspectiva, sobre o contemporâneo e a reminiscência do rufo, conseguimos

alcançar o raciocínio de AGAMBEN (2009), que nos relata que, na verdade, o contemporâneo não está

exatamente no tempo presente, mas, possui um distanciamento do tempo corrente pelo qual se pode

olhar para o passado e o futuro, é um não-estar nestes lugares37. Considerando o figurino como algo

paralelo à moda, é justamente, neste não estar no presente - considerando o contexto do vestuário - que

se dá o não-estar na moda vigente, transferindo à releitura do rufo o sentido engendrado pela rainha

Elizabeth I, que une extravagância e poder, num exemplo de autoafirmação enquanto mulher. As

personagens das “Putas”, desta forma, estabelecem-se em cena não como o arquétipo da mulher

submissa ou sem valor moral, mas sim independentes e, donas de um poder sobre seu próprio corpo e

o que com ele podem conquistar.

Em meio a tantos signos, torna-se inviável não discorrer sobre o contraponto da sexualidade

das “Putas” e a sexualidade da monarca. Elizabeth I assumiu ao longo do seu reinado uma imagem de

poder anexada à imagem de uma Virgem, e as personagens do espetáculo brincam com a arte de

seduzir. Esta circunstância traz luz ao fato que, ambos os papéis da realidade e da ficção utilizam rufos.

35 LAVER, 2008. 36 Vídeo – Teaser “Uma Canção Desnaturada”, Cia. de Teatro Sala 3, 2011. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=dKvBQ2IVhnw&index=3&list=FL0zBu4ZtTZ12bXvcK7aUjzw> 37 AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC:

Argos, 2009.

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Seria então, o rufo, um elemento de sedução ressignificado pela cena contemporânea? De modo que, a

Rainha utilizava sua virgindade e dogma da eterna beleza como mérito para governar, sendo a fração

de sua pele que era exposta de dimensão avantajada principalmente o colo. Aos parâmetros da época e

também da contemporaneidade, mostrar pele, é um ato sensual, e o colo, especialmente, também ligado

à maternidade. Cobrir a parte de baixo do corpo e revelar partes do tronco feminino também são

inerentes à visão romântica do que é considerado aceitável à mulheres de respeito. As personagens do

espetáculo em cena, não mostram o colo, porém, tragam em longas piteiras e usam calças (leggings),

símbolos tradicionalmente masculinos, que traduzem mulheres que podem fazer exatamente o que os

homens fazem38, a despeito disto, a apropriação de atributos másculos em caracterizações femininas

são próprias do fetichismo, onde usualmente há inversão de papéis na dominação sexual. Segundo

HOLLANDER (1996) “[...] A rainha Elizabeth I usou cabelo solto na coroação, junto com grande

quantidade de jóias e brocados, para fazer lembrar que seu status de virgem era parte de seu poder

sexual e temporal [...] ”e ainda que “Neste século, a força erótica do movimento e da superfície dos

corpos femininos, e das roupas que não apenas os mostravam mas também os enfatizavam [...] eram

estética, social e acima de tudo sexualmente satisfatórios”.39 Portanto, é possível vislumbrar que a força

sexual de Elizabeth I também estava na sua virgindade antônima ao senso comum de sinal de fragilidade

que está para a personificação da sedução das personagens “Putas” do espetáculo em questão, ambas

envolvem a áurea de poder com diferentes roupagens, em épocas distintas, mas ainda assim conectadas

pela estética que o rufo estabelece.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade permanece desconhecida, se se ignorar a cor dos calções do rei e o preço do marco da prata. 40

A vida política de Elizabeth I foi repleta de imagens marcantes, principalmente, através dos

registros de seu vestuário, repleta de símbolos incrustados nos pormenores da pintura, instituindo-a

como uma figura pública que representava mais do que uma mortal, uma espécie de santa, que devotou

38 HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Tradução Alexandre Tort. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 39 Id., Ibid., p. 171 40LEGOFF, Jacques. A história nova.In: LEGOFF, J. (Org.) A história Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.39.

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sua vida por seu país. O quanto a construção de sua imagem colaborou para tal, não é possível afirmar,

mas é certo, como afirma FARDE (2011), “[...] a magnificência é uma palavra soberana que guia os atos

reais, influi sobre os súditos e deve seduzir uma população”41. Esta sedução, no caso da monarca, está

intrinsecamente conectada à estrutura do rufo, que foi um dos pilares da força e poder absolutista que

sua imagem transferia. Ao avaliar as imagens de seus retratos em contraponto com a referência

contemporânea utilizando o rufo, é possível deduzir as formas através das quais o poder tanto se

expressa quanto se constrói através de um elemento do vestuário feminino vinculando-o ao fascínio que

dirige sua portadora. A imagem realista ou ficcional que atrai este tipo de olhar, é definitivamente, de

dominação sobre aquele que o admira e, em consequência, quem domina, retém o poder. Ao artefato

imagético é possível conectar uma mesma estrutura que atravessa os séculos e permeia o imaginário

coletivo no contemporâneo, mesmo que retratada em obras de ficção, o sentido que estabelece é

autêntico.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó, SC: Argos, 2009. BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. FARDE, Arlette. Lugares para a história.Tradução Fetnando Scheibe.Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011,vol.4,p. 94. HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Tradução Alexandre Tort. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre. O filme. In: História: Novos Objetos, 3ª. Ed. RJ: Francisco Alves, 1988. LEGOFF, Jacques. A história nova. In: LEGOFF, J. (Org.) A história Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1998. LEVENTON, Melissa (Org.). História ilustrada do vestuário: um estudo da indumentária, do Egito Antigo ao final do século XIX, com ilustrações dos mestres Auguste Racinet e Friedrich Hottenroth. São Paulo: Publifolha, 2009.

41 FARDE, Arlette. Lugares para a história.Tradução Fetnando Scheibe.Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011,vol.4,p. 94.

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PASTOUREAU, Michel. Preto: história de uma cor / Tardução de lea P. Zylberlicht – São Paulo: Editora Senac São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011.

PEDROSA, Israel. Da cor à Cor Inexistente. Rio de janeiro: Léo Christiano Editorial, 1977.

PESAVENTO, Sandra J. O mundo da imagem: território da história cultural In.: PESAVENTO, Sandra J, SANTOS, Nádia M.W., ROSSINI, Miriam de S. (Org.). Narrativas, imagens e práticas sociais: percursos em história cultural. Porto Alegre, RS: Asterisco, 2008.

PICARD, Liza. Elizabeth’s London: everyday life in Elizabethan London. London: Weidenfeld & Nicolson, 2003.

SITES CONSULTADOS

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