visa saude cidadania volume08

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 Vigilância Sanitária Vigilância Sanitária Maria Be rnadete de Paula E duardo Colabora ção de Isa ura Cris tina S . de Miranda Maria Be rnadet e de Paula E duardo Colabora ção de Is aura Cri st ina S . de Miranda Para gestores municipais de serviços de saúde

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Para gestores municipais de servios de sade

Vigilncia Sanitria

Maria Bernadete de Paula Eduardo Colaborao de Isaura Cristina S. de Miranda

VIGILNCIA SANITRIA

PARA GESTORES MUNICIPAIS DE SERVIOS DE SADE

VIGILNCIA SANITRIA

Maria Bernadete de Paula Eduardo Colaborao de Isaura Cristina Soares de Miranda

INSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA SADE IDS NCLEO DE ASSISTNCIA MDICO-HOSPITALAR NAMH/FSP USP BANCO ITA

SO PAULO 1998

Copyright 1998 by Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo Coordenao do Projeto Gonzalo Vecina Neto, Valria Terra, Raul Cutait e Luiz Eduardo C. Junqueira Machado Produo editorial e grfica

Editora Fundao Peirpolis Ltda. Rua Girassol, 128 Vila Madalena So Paulo SP 05433-000 Tel: (011) 816-0699 e Fax: (011) 816-6718 e-mail: [email protected] Projeto grfico e editorao eletrnica AGWM Artes Grficas

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)Eduardo, Maria Bernadete de Paula Vigilncia Sanitria, volume 8 / Maria Bernadete de Paula Eduardo ; colaborao de Isaura Cristina Soares de Miranda. So Paulo : Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo, 1998. (Srie Sade & Cidadania) Realizadores: Instituto para o Desenvolvimento da Sade IDS, Ncleo de Assistncia Mdico-Hospitalar NAMH/FSP USP, Banco Ita. Bibliografia. 1. Epidemiologia 2. Municpios Governos e administrao Brasil 3. Sade pblica 4. Sade pblica Brasil 5. Sade pblica Planejamento 6. Servios de sade Administrao 7. Servios de sade Administrao Brasil I. Miranda Isaura Cristina Soares de. II. Ttulo. III. Srie. 98 4443 CDD 362.1068

ndices para catlogo sistemtico:1. Servios de sade : Vigilncia sanitria : Bem-estar social 2. Vigilncia sanitria : Servios de sade : Bem-estar social 362.1068 362.1068

Tiragem 3.000 exemplares autorizada a reproduo total ou parcial deste livro, desde que citada a fonte. Distribuio gratuita IDS Rua Barata Ribeiro, 483 6 andar 01308-000 So Paulo SP e-mail: [email protected] FSP Av. Dr. Arnaldo, 715 1 andar Administrao Hospitalar 01246-904 So Paulo SP Tel: (011) 852-4322 e Fax: (011) 282-9659 e-mail: [email protected] Banco Ita PROAC Programa de Apoio Comunitrio Rua Boa Vista, 176 2 andar Corpo I 01014-919 So Paulo SP Fax: (011) 237-2109

REALIZAOINSTITUTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA SADE Presidente: Prof. Dr. Raul Cutait FACULDADE DE SADE PBLICA DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO FSP/USP Diretor: Prof. Dr. Jair Lcio Ferreira NCLEO DE ASSISTNCIA MDICO-HOSPITALAR NAMH/FSP Coordenador: Prof. Gonzalo Vecina Neto BANCO ITA S.A. Diretor Presidente: Dr. Roberto Egydio Setubal

APOIO

CONSELHO NACIONAL DE SECRETRIOS MUNICIPAIS DE SADE

MINISTRIO DA SADE

ORGANIZAO PAN-AMERICANA DA SADE

FUNDO DAS NAES UNIDAS PARA A INFNCIA UNICEF

AGRADECIMENTOS Agradecemos s equipes das secretarias da Sade dos cinco municpios que participaram dos mdulos de treinamento, que, atravs da troca de experincias e sugestes incorporadas neste manual , enriqueceram sobremaneira o seu contedo: DIADEMA Claudia dos Reis Lisba Novaes Ester Dainovskas Milena Camara FORTALEZA Josefa Maria de Oliveira Cavalcante Nadja Pinto Bandeira de Britto VOLTA REDONDA Luiz Antonio Fernandes de Souza FOZ DO IGUAU Alice Maria Macdo da Silva Christiane Henriques Toledo Marlia Mendona Riccioppo Thrbio Teixeira Moreira BETIM Waltovnio Cordeiro de Vasconcelos AGRADECIMENTOS DOS AUTORES Ao Centro de Vigilncia Sanitria (CVS) da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, a sua diretoria, divises tcnicas e Ncleo Tcnico de Documentao, pelo fornecimento de material tcnico. Ao Centro Tcnico de Documentao da Secretaria de Estado da Sade de So Paulo, pela colaborao no fornecimento de legislao sanitria. Ao Conselho Regional de Medicina Veterinria do Estado de So Paulo, pelo material fornecido e sugestes. Aos membros da diretoria executiva do Instituto Central do Hospital das Clnicas da FMUSP, pelas sugestes oferecidas. EM ESPECIAL AOS COLEGAS: Professora doutora Maria Novaes, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, pelas orientaes, embasamento e material conceitual. Martha Aurlia Aldred, supervisora da Equipe Tcnica de Radiao (ETR), do CVS SES/SP, pela reviso e sugestes referentes Vigilncia Sanitria das Radiaes Ionizantes. Luiz Antonio Dias Quitrio, diretor tcnico da Diviso de Vigilncia das Aes sobre o Meio Ambiente (SAMA), do CVS SES/SP, pela reviso e sugestes referentes Vigilncia Sanitria do Meio Ambiente. Leila Macedo Oda, PhD Biosafety Researcher da Fundao Oswaldo Cruz, do Ncleo de Estudos em Cincia e Tecnologia do Ministrio de Cincia e Tecnologia, pela reviso e sugestes referentes Vigilncia Sanitria de Laboratrios e Biossegurana. Dinaura Paulino Franco, bibliotecria da Central de Documentao do Conselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo, pela valiosa contribuio para o levantamento da legislao sanitria.

PREFCIO

E

ste conjunto de manuais para o projeto Sade & Cidadania se insere no trabalho iniciado h cinco anos pelo Banco Ita com a criao do Programa de Apoio Comunitrio (PROAC). Voltado desde a origem para programas de educao bsica e sade, o PROAC tem desenvolvido dezenas de projetos de sucesso. Um dos melhores exemplos o Razes e Asas, elaborado em parceria com o Fundo das Naes Unidas para a Infncia (Unicef) e o Centro de Estudos e Pesquisas em Educao, Cultura e Ao Comunitria (Cenpec). Com iniciativas como essa, o Programa de Apoio Comunitrio tem recebido diversas manifestaes de reconhecimento e premiaes. Os resultados positivos obtidos com os programas j implantados levam agora o Ita a viabilizar este projeto dirigido s necessidades detectadas na rea de sade. O projeto Sade & Cidadania resulta da honrosa parceria do Banco Ita, do Instituto para o Desenvolvimento da Sade (IDS) e do Ncleo de Assistncia Mdico-Hospitalar da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo (NAMH/FSP USP). A meta agora divulgar para os municpios brasileiros o conhecimento e as experincias acumuladas por especialistas na rea da sade pblica, que participaram da elaborao destes manuais, bem como os resultados advindos da sua utilizao na fase de teste em cinco municpios. Por meio deles pretende-se aperfeioar a atuao dos gestores municipais

X

de servios de sade para a melhoria da qualidade de vida das comunidades a partir de noes bsicas de gesto da sade. Nos manuais, os gestores da sade encontraro fundamentos sobre planejamento em sade, qualidade na gesto local de sade pblica, vigilncia sanitria, gesto financeira, gerenciamento de equipamentos hospitalares, gesto de medicamentos e materiais, entre outros. O trabalho de divulgao do que pode ser considerado um dos pilares da sade pblica a viabilizao da otimizao dos recursos disponveis com o objetivo de melhorar a qualidade do atendimento prestado populao contar com o apoio da rede de agncias do Ita que, sempre sintonizadas com as necessidades locais, podero ajudar a divulgar o material elaborado pelo projeto. A inteno deste programa, vale frisar, ser sempre aumentar a eficcia da ao dos gestores municipais da sade quanto s melhores maneiras de aproveitar ao mximo todos os recursos que estiverem efetivamente ao seu alcance, por mais limitados que possam parecer. Os beneficirios deste trabalho sero as populaes das cidades mais carentes, e o Brasil em ltima anlise, por meio da disseminao de tcnicas e experincias de ltima gerao. O Banco Ita, no seu papel de empresa-cidad e socialmente responsvel, acredita que assim estar contribuindo para a melhoria da qualidade dos servios de sade e para a construo de uma sociedade mais justa.

ROBERTO EGYDIO SETUBALDiretor Presidente

Banco Ita S.A.

APRESENTAO

O

setor da sade no Brasil vive hoje um momento peculiar. O Sistema nico de Sade (SUS) constitui um moderno modelo de organizao dos servios de sade que tem como uma de suas caractersticas primordiais valorizar o nvel municipal. Contudo, apesar de seu alcance social, no tem sido possvel implant-lo da maneira desejada, em decorrncia de srias dificuldades relacionadas tanto com seu financiamento quanto com a eficincia administrativa de sua operao. Essa situao fez com que fossem ampliados, nos ltimos anos, os debates sobre o aumento do financiamento do setor pblico da sade e a melhor utilizao dos limitados recursos existentes. Sem dvida, as alternativas passam por novas propostas de modelos de gesto aplicveis ao setor e que pretendem redundar, em ltima anlise, em menos desperdcio e melhoria da qualidade dos servios oferecidos. Os Manuais para Gestores Municipais de Servio de Sade foram elaborados com a finalidade de servir como ferramenta para a modernizao das prticas administrativas e gerenciais do SUS, em especial para municpios. Redigidos por profissionais experientes, foram posteriormente avaliados em programas de treinamento oferecidos pela Faculdade de Sade Pblica da USP aos participantes das cidades-piloto. Este material colocado agora disposio dos responsveis pelos servios de sade em nvel municipal.

XII

Daqui para a frente, esforos conjuntos devero ser multiplicados para que os municpios interessados tenham acesso no apenas aos manuais, mas tambm sua metodologia de implantao. Mais ainda, a proposta que os resultados deste projeto possam ser avaliados de maneira a, no futuro, nortear decises tcnicas e polticas relativas ao SUS. A criao destes manuais faz parte do projeto Sade & Cidadania e fruto dos esforos de trs instituies que tm em comum a crena de que a melhoria das condies sociais do pas passa pela participao ativa da sociedade civil: o Instituto para o Desenvolvimento da Sade (IDS), que uma organizao no-governamental, de carter apartidrio, e que congrega indivduos no s da rea da sade, mas tambm ligados a outras atividades, que se propem a dar sua contribuio para a sade; o Ncleo de Assistncia Mdico-Hospitalar da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo (NAMH/FSP USP), que conta com a participao de experiente grupo da academia ligado gesto e administrao; e o Banco Ita, que, ao acreditar que a vocao social faz parte da vocao empresarial, apia programas de ampla repercusso social. O apoio oferecido pelo Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS), pelo Ministrio da Sade e pela Organizao Pan-Americana da Sade (OPAS) refora a possibilidade de xito dessa proposta. O sentimento dos que at o momento participaram deste projeto de entusiasmo, acoplado satisfao profissional e ao esprito de participao social, num legtimo exerccio de cidadania. A todos os nossos profundos agradecimentos, extensivos Editora Fundao Peirpolis, que se mostrou uma digna parceira deste projeto.

RAUL CUTAITPresidente Instituto para o Desenvolvimento da Sade

NOTAS EXPLICATIVAS

UM

POUCO DE HISTRIA

As duas ltimas dcadas foram marcadas por intensas transformaes no sistema de sade brasileiro, intimamente relacionadas com as mudanas ocorridas no mbito poltico-institucional. Simultaneamente ao processo de redemocratizao iniciado nos anos 80, o pas passou por grave crise na rea econmico-financeira. No incio da dcada de 80, procurou-se consolidar o processo de expanso da cobertura assistencial iniciado na segunda metade dos anos 70, em atendimento s proposies formuladas pela OMS na Conferncia de Alma-Ata (1978), que preconizava Sade para Todos no Ano 2000, principalmente por meio da Ateno Primria Sade. Nessa mesma poca, comea o Movimento da Reforma Sanitria Brasileira, constitudo inicialmente por uma parcela da intelectualidade universitria e dos profissionais da rea da sade. Posteriormente, incorporaramse ao movimento outros segmentos da sociedade, como centrais sindicais, movimentos populares de sade e alguns parlamentares. As proposies desse movimento, iniciado em pleno regime autoritrio da ditadura militar, eram dirigidas basicamente construo de uma nova poltica de sade efetivamente democrtica, considerando a descentralizao, universalizao e unificao como elementos essenciais para a reforma do setor. Vrias foram as propostas de implantao de uma rede de servios voltada para a ateno primria sade,

XIV

com hierarquizao, descentralizao e universalizao, iniciando-se j a partir do Programa de Interiorizao das Aes de Sade e Saneamento (PIASS), em 1976. Em 1980, foi criado o Programa Nacional de Servios Bsicos de Sade (PREV-SADE) que, na realidade, nunca saiu do papel , logo seguido pelo plano do Conselho Nacional de Administrao da Sade Previdenciria (CONASP), em 1982, a partir do qual foi implementada a poltica de Aes Integradas de Sade (AIS), em 1983. Estas constituram uma estratgia de extrema importncia para o processo de descentralizao da sade. A 8 Conferncia Nacional da Sade, realizada em maro de 1986, considerada um marco histrico, consagra os princpios preconizados pelo Movimento da Reforma Sanitria. Em 1987 implementado o Sistema Unificado e Descentralizado de Sade (SUDS), como uma consolidao das AIS, que adota como diretrizes a universalizao e a eqidade no acesso aos servios, a integralidade dos cuidados, a regionalizao dos servios de sade e implementao de distritos sanitrios, a descentralizao das aes de sade, o desenvolvimento de instituies colegiadas gestoras e o desenvolvimento de uma poltica de recursos humanos. O captulo dedicado sade na nova Constituio Federal, promulgada em outubro de 1988, retrata o resultado de todo o processo desenvolvido ao longo dessas duas dcadas, criando o Sistema nico de Sade (SUS) e determinando que a sade direito de todos e dever do Estado (art. 196). Entre outros, a Constituio prev o acesso universal e igualitrio s aes e servios de sade, com regionalizao e hierarquizao, descentralizao com direo nica em cada esfera de governo, participao da comunidade e atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais. A Lei n 8.080, promulgada em 1990, operacionaliza as disposies constitucionais. So atribuies do SUS em seus trs nveis de governo, alm de outras, ordenar a formao de recursos humanos na rea de sade (CF, art. 200, inciso III). No entanto, um conjunto de fatores como problemas ligados ao financiamento, ao clientelismo, mudana do padro epidemiolgico e demogrfico da populao, aos

XV

crescentes custos do processo de ateno, ao corporativismo dos profissionais da sade, entre muitos outros tem se constitudo em obstculos expressivos para avanos maiores e mais consistentes. Tudo isso redunda em uma sensao de inviabilidade do SUS, apesar de o caminho ser unanimemente considerado como correto. Existe um consenso nacional de que uma poltica substantiva de descentralizao tendo como foco o municpio, que venha acompanhada de abertura de espao para o controle social e a montagem de um sistema de informao que permita ao Estado exercer seu papel regulatrio, em particular para gerar aes com capacidade de discriminao positiva, o caminho para superar as causas que colocam o SUS em xeque. Assim, necessrio desenhar estratgias para superar o desafio da transformao a ser realizada, e uma delas diz respeito ao gerenciamento do setor da sade. preciso criar um novo espao para a gerncia, comprometida com o aumento da eficincia do sistema e com a gerao de eqidade. Dessa forma, entre outras aes, torna-se imprescindvel repensar o tipo de gerente de sade adequado para essa nova realidade e como deve ser a sua formao. Esse novo profissional deve dominar uma gama de conhecimentos e habilidades das reas de sade e de administrao, assim como ter uma viso geral do contexto em que elas esto inseridas e um forte compromisso social. Sob essa lgica, deve-se pensar tambm na necessidade de as organizaes de sade (tanto pblicas como privadas) adaptarem-se a um mercado que vem se tornando mais competitivo e s necessidades de um pas em transformao, em que a noo de cidadania vem se ampliando dia a dia. Nesse contexto, as organizaes de sade e as pessoas que nelas trabalham precisam desenvolver uma dinmica de aprendizagem e inovao, cujo primeiro passo deve ser a capacidade crescente de adaptao s mudanas observadas no mundo atual. Devem-se procurar os conhecimentos e habilidades necessrios e a melhor maneira de transmiti-los para formar esse novo profissional, ajustado realidade atual e preparado para acompanhar as transformaes futuras. esse um dos grandes desafios a serem enfrentados.

XVI

O

PROJETO

SADE & CIDADANIA

A partir da constatao da necessidade de formar gerentes para o nvel municipal, um conjunto de instituies articulou-se para desenvolver uma estratgia que pudesse dar uma resposta ao desafio. Assim, o Instituto para o Desenvolvimento da Sade (IDS) e o Ncleo de Assistncia Mdico-Hospitalar da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo (NAMH/FSP USP), com o apoio poltico do Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade (CONASEMS), da Organizao Pan-Americana da Sade (OPAS) e do Ministrio da Sade, com o apoio financeiro do Banco Ita, desenvolveram este projeto com os seguintes objetivos: Apoiar, com fundamento em aes, a implantao do Sistema nico de Sade (SUS). Criar uma metodologia e organizar um conjunto de conhecimentos que possam ser aplicados amplamente no desenvolvimento de capacitao gerencial em gesto de aes e servios de sade prestados em municpios com mais de 50.000 habitantes. Colocar disposio dos municpios brasileiros um conjunto de manuais dedicados gesto local de servios de sade, tanto em forma de livros como em meio magntico e ainda por intermdio da Internet. Gerar a formao de massa crtica de recursos humanos com capacidade para interpretar, analisar e promover mudanas organizacionais em favor de uma maior eficincia do setor da sade. Mediante a organizao e consolidao de um conjunto de conhecimentos j disponveis, o projeto desenvolveu uma srie de doze manuais que privilegia a rea gerencial e que, alm de reunir os conhecimentos existentes de cada tema especfico, articula as experincias prticas de seus autores, gerando um produto final capaz de oferecer ao usurio um caminho para seu aprendizado de forma clara e acessvel. Portanto, no se trata de um simples agrupamento de manuais e sim de um projeto educativo e de capacitao em servio no tradicional, destinado a criar e fortalecer habilidades e conhecimentos gerenciais nos funcionrios que ocupam postos de responsabilidade administrativa nos servios locais de sade.

XVII

Os manuais que compem o projeto e seus respectivos autores so os seguintes: 1. Distritos Sanitrios: Concepo e Organizao Eurivaldo Sampaio de Almeida, Cludio Gasto Junqueira de Castro e Carlos Alberto Lisboa. 2. Planejamento em Sade Francisco Bernardini Tancredi, Susana Rosa Lopez Barrios e Jos Henrique Germann Ferreira. 3. Qualidade na Gesto Local de Servios e Aes de Sade Ana Maria Malik e Laura Maria Cesar Schiesari. 4. Gesto da Mudana Organizacional Marcos Kisil. Colaborao de Tnia Regina G. B. Pupo. 5. Auditoria, Controle e Programao de Servios de Sade Gilson Caleman, Marizlia Leo Moreira e Maria Ceclia Sanchez. 6. Sistemas de Informao em Sade para Municpios Andr de Oliveira Carvalho e Maria Bernadete de Paula Eduardo. 7. Vigilncia em Sade Pblica Eliseu Alves Waldman. Colaborao de Tereza Etsuko da Costa Rosa. 8. Vigilncia Sanitria Maria Bernadete de Paula Eduardo. Colaborao de Isaura Cristina Soares de Miranda. 9. Gesto de Recursos Humanos Ana Maria Malik e Jos Carlos da Silva. 10. Gesto de Recursos Financeiros Bernard Franois Couttolenc e Paola Zucchi. 11. Gerenciamento de Manuteno de Equipamentos Hospitalares Saide Jorge Calil e Marilda Solon Teixeira. 12. Gesto de Recursos Materiais e Medicamentos Gonzalo Vecina Neto e Wilson Reinhardt Filho.

A

METODOLOGIA UTILIZADA

Aps a elaborao da primeira verso dos manuais, realizaram-se trs mdulos de treinamento com os cinco municpios indicados pelo CONASEMS (Diadema-SP, Betim-MG, Foz do Iguau-PR, Fortaleza-CE e Volta Redonda-RJ) com o objetivo de test-los e exp-los crtica.

XVIII

A proposta de aplicao desenvolveu-se da seguinte forma: Mdulo 1: apresentao pelo docente do material produzido e discusses em sala de aula, com a proposio de sua aplicao ao retornar para o campo. Mdulo 2 (seis semanas aps o primeiro): apresentao pelos alunos das dificuldades encontradas no campo e transformao da sala de aula em um espao de consultoria e troca de experincias. Mdulo 3 (seis semanas aps o segundo): avaliao dos avanos obtidos, das limitaes, dos contedos dos manuais e do processo como um todo. Cada mdulo de treinamento dos manuais 1, 2, 3 e 4 prolongou-se por quatro dias, contando com cerca de cinco participantes de cada municpio, de preferncia do nvel poltico-administrativo. Para os manuais operacionais (de 5 a 12), os treinamentos desenvolveram-se em mdulos de trs dias, com trs participantes por municpio. Na avaliao final, ficou claro que todo o processo foi extremamente positivo tanto para os participantes como para os autores, que puderam enriquecer os contedos dos manuais mediante a troca de experincias e a colaborao dos mais de cem profissionais que participaram dos seminrios. Tambm ficou evidenciado que, para o desenvolvimento futuro do projeto, o primeiro mdulo (didtico) dispensvel para o processo de aprendizado. Entretanto, fundamental um momento de esclarecimento de dvidas e de proposio de solues para as dificuldades encontradas, principalmente se isso ocorrer em um espao que permita troca de idias com outras pessoas com experincias semelhantes. O projeto Sade & Cidadania prope que, paralelamente ao uso dos manuais, seja utilizado o projeto GERUS Desenvolvimento Gerencial de Unidades Bsicas de Sade, para a capacitao de gerentes de unidades de baixa complexidade. O GERUS um projeto desenvolvido conjuntamente pelo Ministrio da Sade e pela Organizao Pan-Americana da Sade que pretende institucionalizar mudanas nos padres de organizao dos servios, com o objetivo de adequ-los

XIX

realidade de cada localidade ou regio, e j est em uso em vrios municpios do pas.

A

IMPLEMENTAO DO PROJETO

O material resultante do processo relatado pode ser utilizado diretamente pelas secretarias municipais da Sade para a capacitao dos profissionais que ocupam postos de responsabilidade administrativa. Eventualmente, a simples leitura dos manuais e a discusso entre seus pares podero ser consideradas pelos gerentes como insuficientes para um melhor desempenho das atividades descritas, ou talvez haja a necessidade de um maior aprofundamento das questes levantadas. Nesse caso, o gestor municipal poder solicitar ao Ncleo de Sade Pblica ligado universidade mais prxima de seu municpio ou, se houver, escola de formao da secretaria da Sade de seu Estado, a realizao de um perodo de treinamento (nos moldes do descrito no mdulo 2), tendo como base o material oferecido pelo projeto Sade & Cidadania. Como j foi mencionado, esse processo torna-se muito mais proveitoso quando possibilita a troca de experincias entre profissionais de diferentes municpios. Uma outra proposta, ainda em fase de desenvolvimento, a transformao dos manuais em hipertexto, tornando-os disponveis em CD-ROM e em site na Internet, este ltimo possibilitando inclusive a criao de chats para discusso de temas especficos e um dilogo direto com os autores. Nesse entretempo, o Ncleo de Assistncia MdicoHospitalar da Faculdade de Sade Pblica dever realizar reunies com os ncleos de Sade Coletiva que estiverem dispostos a formar monitores para o processo. Tambm poder realizar treinamentos em municpios que os solicitarem. Para isso, devem entrar em contato com a Faculdade de Sade Pblica, por meio de carta, fax ou e-mail.

PERSPECTIVASA cultura organizacional do setor pblico brasileiro, em geral, no estimula a iniciativa e a criatividade de seus trabalhadores. Entretanto, deve-se lembrar que todo processo de mudana implica a necessidade de profissionais no apenas com boa capacitao tcnica, mas com liberdade de criao e autonomia de ao.

XX

O projeto Sade & Cidadania oferece aos municpios um instrumental testado de formao de gerentes. O desafio agora utiliz-lo, tendo sempre presente a perspectiva de que a transformao est em marcha e ainda h um longo caminho a ser percorrido no processo de implementao e viabilizao do SUS.GONZALO VECINA NETO RAUL CUTAIT VALRIA TERRACoordenadores do Projeto

SUMRIOIntroduo .............................................................................................................. Noes bsicas sobre Vigilncia Sanitria Programas de Vigilncia Sanitria Operacionalizao da Vigilncia Sanitria................................................ 1 3

................................................................ 23 .............................................. 211

O poder da ao da Vigilncia Sanitria e os resultados em benefcio da sade ................................................................ 247 Anexos.................................................................................................................... 253 ................................................................................................................ 453 .............................................................................................................. 461

Glossrio

Os autores

1VIGILNCIASANITRIA

INTRODUO

E

ste manual foi desenvolvido como uma referncia para a atuao das equipes municipais responsveis pelas aes coletivas de sade na promoo e manuteno da sade de suas populaes. Por se tratar de um manual, de um guia prtico, limitou-se aqui apresentao de um conjunto bsico de conceitos tcnicos e ferramentas sobre o que se caracteriza hoje, no Brasil, como vigilncia sanitria, dentro de um enfoque pragmtico, direcionado instrumentalizao dos agentes responsveis por essa prtica em seus municpios. Assim, os conceitos, marcos tericos e metodolgicos assumidos, que embasam as modalidades de atuao da Vigilncia Sanitria aqui delineadas, esto referenciados, de forma breve, visto que so objeto de discusso mais aprofundada nos manuais que tratam de planejamento, de avaliao e gesto da qualidade em sade, componentes deste Projeto. Tambm pelo vasto campo abrangido pela Vigilncia Sanitria, em que cada tema poderia se converter em extenso manual, foram abordados neste documento apenas os principais passos, como referncia aos executores das aes. Este manual ser, portanto, um convite e um estmulo ao aprofundamento das questes de vigilncia sanitria. Vrios trabalhos foram consultados para embasar os aspectos principais envolvidos na prtica de vigilncia sanitria, que no esto referenciados no corpo do texto, mas relacionados ao final de cada parte, como bibliografia consultada ou recomendada. Sob essa perspectiva, e com o objetivo de facilitar a consulta, este manual compreende cinco partes. Esta primeira, introdutria, em que so explicados os objetivos do manual e a forma em que ele foi desenvolvido. Na segunda parte, so apresentados os conceitos bsicos vigentes que definem a vigilncia sanitria e os marcos tericos e metodolgicos apropriados, que devem orientar a sua prtica. Destacam-se aspectos como sua importncia enquanto prtica social e de sade, sua insero no Sistema nico de Sade

2VIGILNCIASANITRIA

(SUS) e a municipalizao, a necessidade de estar integrada s demais atividades programticas de sade e sua intersetorialidade. So apontadas tambm as dimenses que afetam ou orientam sua prtica, entre elas a dimenso jurdica, que lhe confere o poder de educao e de polcia. Ainda no mbito conceitual, apresenta-se o campo de abrangncia da Vigilncia Sanitria, entre outras definies necessrias para se delinear, ao longo do manual, as respostas a perguntas como: o que vigilncia sanitria? Para quem se faz a vigilncia sanitria? Como fazer vigilncia sanitria? Que resultados e mudanas buscamos? Na terceira parte, so apresentadas as aes programticas da Vigilncia Sanitria por campo de abrangncia e suas subdivises, relacionando-se os aspectos principais a serem considerados como objetivos programticos, metas e funes, atos de licenciamento e fiscalizao. Remetendo-se s definies e enfoques apresentados anteriormente, a comentrios e interpretaes sobre a legislao especfica, so exemplificados os passos principais para informar e subsidiar no apenas os agentes operacionais e os dirigentes dos rgos responsveis pela vigilncia sanitria, mas tambm os dirigentes dos Sistemas Locais de Sade e Distritos Sanitrios. Na quarta parte, discutem-se os aspectos da operacionalizao da Vigilncia Sanitria, com a apresentao do conjunto de ferramentas minimamente necessrias para a atuao das equipes, desde os aspectos legais para a oficializao da prtica no municpio, infra-estrutura necessria, importncia dos roteiros de inspeo, sistemas de informao, bancos de dados de legislao sanitria, at as noes para o exerccio do poder de polcia, como caracterizao das infraes e aplicao de penalidades, gerao de processo administrativo, entre outros. Na quinta e ltima parte, discutem-se os benefcios de uma atuao tica, correta e concreta da Vigilncia Sanitria, com nfase em um modelo voltado de fato para a defesa da cidadania. Discutem-se tambm os campos de conflito que podem se estabelecer, dependendo do estado de conscincia e desenvolvimento dos prestadores/produtores e da populao. So mencionados ainda os problemas decorrentes das polticas historicamente marginalizadoras das prticas coletivas, que so entraves a serem superados por uma poltica firme e clara a ser seguida pelo municpio. Espera-se que este manual, em conjunto com os demais previstos no projeto Sade & Cidadania, auxilie a gerncia na administrao e organizao dos Sistemas Locais de Sade. H muito ainda por se fazer pela melhoria da sade da populao. A concretizao do SUS somente se dar a partir da assuno plena, por parte dos municpios, das aes de sade individuais e coletivas, devidamente articuladas com os nveis regionais e centrais do SUS. E a Vigilncia Sanitria um poderoso instrumento em favor da qualidade de vida e sade da populao.

3VIGILNCIASANITRIA

NOES BSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

O CONCEITO

DE

VIGILNCIA SANITRIA

Pode-se afirmar que a vigilncia sanitria originou-se na Europa dos sculos XVII e XVIII e no Brasil dos sculos XVIII e XIX, com o surgimento da noo de polcia sanitria, que tinha como funo regulamentar o exerccio da profisso, combater o charlatanismo e exercer o saneamento da cidade, fiscalizar as embarcaes, os cemitrios e o comrcio de alimentos, com o objetivo de vigiar a cidade para evitar a propagao das doenas. Essa noo apresentar significados diferentes ao longo do tempo, dependendo do entendimento que se tem de dano ou doena e suas formas de ocorrncia. No Brasil, a polcia sanitria, que a prtica mais antiga da sade pblica, surge na poca em que vigorava a teoria dos miasmas. Ela se rearticula e se modifica, pelo menos na forma de interpretar os eventos, ao incorporar as vrias novas noes que vo surgindo, como aquelas originadas na era bacteriolgica, no perodo da introduo da teraputica; mais tarde, com as teorias sistmicas e do planejamento, configuram-se os sistemas de vigilncia sade, at a incorporao em sua funo de controle do conceito de defesa da cidadania, do direito do consumidor. Com a Constituio brasileira assumindo a sade como um direito fundamental do ser humano, e atribuindo ao Estado o papel de provedor dessas condies, a definio de vigilncia sanitria, apregoada pela Lei n 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a ser, nesse contexto, conforme o artigo 6, pargrafo 1, a seguinte: Entende-se por vigilncia sanitria um conjunto de aes capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos sade e de intervir nos problemas sanitrios decorrentes do meio ambiente, da produo e circulao de bens e da prestao de servios de interesse da sade, abrangendo:

4VIGILNCIASANITRIA

I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a sade, compreendidas todas as etapas e processos, da produo ao consumo; II - o controle da prestao de servios que se relacionam direta ou indiretamente com a sade. Essa definio amplia o seu campo de atuao, pois, ao ganhar a condio de prtica capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos decorrentes do meio ambiente, da produo e circulao de bens e da prestao de servios de interesse da sade, torna-se uma prtica com poder de interferir em toda a reproduo das condies econmico-sociais e de vida, isto , em todos os fatores determinantes do processo sade doena. Com a incorporao da noo de meio ambiente, que hoje significa mais do que o conjunto de elementos naturais fsico-biolgicos, mas tambm as relaes sociais do mundo construdo pelo homem, abrange o ambiente de trabalho. Essa atribuio de interveno no meio de trabalho reforada pelo pargrafo 3 do mesmo artigo 6 da Lei 8.080/90: atravs das vigilncias epidemiolgica e sanitria, busca-se a promoo e proteo sade dos trabalhadores, bem como sua recuperao e reabilitao em decorrncia dos riscos e agravos advindos das condies de trabalho... Apesar das modificaes havidas em seus enfoques conceituais ao longo dos ltimos dois sculos, e da ampliao de seu campo de atuao mais recentemente, a prtica de vigilncia sanitria parece manter suas caractersticas mais antigas, especialmente as atribuies e formas de atuar assentadas na fiscalizao, na observao do fato, no licenciamento de estabelecimentos, no julgamento de irregularidades e na aplicao de penalidades, funes decorrentes do seu poder de polcia. Essas so suas caractersticas mais conhecidas pela populao ainda nos dias de hoje. Suas outras caractersticas, normativa e educativa, representam um importante passo na evoluo de uma conscincia sanitria e em sua finalidade de defesa do direito do consumidor e da cidadania. Fator decisivo para o fortalecimento de sua face educativa foi o estabelecimento do direito de defesa do consumidor pela Constituio Federal de 1988, consolidado pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, regulamentado pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Esse cdigo nasce a partir da constatao da incapacidade do mercado de consumo de proteger efetivamente, com suas prprias leis, o consumidor. Ao estabelecer como direitos bsicos do consumidor a proteo, sade e segurana contra riscos decorrentes do consumo de produtos ou servios perigosos e nocivos e o direito informao clara sobre os produtos e servios, esse cdigo possibilita a criao de uma nova relao entre Estado, sociedade e Vigilncia Sanitria. Relao de apoio ao seu corpo de leis que embasam as aes de vigilncia sanitria e de direcionalidade ao seu objeto de ao, isto , importa mais do que nunca o consumidor, elemento central do controle do processo de produo de produtos e servios.

5NOESBSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

Contribui tambm nessa direo a Lei n 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispe sobre a participao da comunidade na gesto do SUS. So oficializados mecanismos importantes de participao da populao no controle de qualidade dos servios de sade, atravs de conselhos. O usurio, objeto de proteo da Vigilncia Sanitria, passa a ser um aliado importante, um vigilante voluntrio, da transformao das condies de sade, reforando o papel educativo e conscientizador da Vigilncia Sanitria. A interveno do Estado nas relaes entre produtores e consumidores expressa-se de duas formas: uma, atravs do controle das prticas de produo, determinando as normas tcnicas e padres de produo e exercendo a fiscalizao para o cumprimento dessas normas, para prevenir e evitar o dano no ato do consumo; outra, atravs do estabelecimento do direito bsico do consumidor e da disponibilizao do Estado a seu servio, seja na elucidao dos procedimentos que motivaram um dano, seja no aparato legal necessrio reparao do dano ao consumidor. Essas noes remetem para a questo da qualidade do produto ou servio, preocupao incorporada pelo Cdigo de Defesa do Consumidor, que favorece a consolidao de dois conceitos importantes: o do controle interno, ou seja, o prestador/fornecedor responsvel pelo que produz e deve manter controle sobre sua produo, respondendo pelos seus desvios, imperfeies ou nocividades; e o do controle externo, exercido pelo Estado ou pelas sociedades organizadas na vigilncia do processo e na defesa do consumidor. O primeiro remete para as prticas de auto-avaliao englobando os conceitos em voga de gesto da qualidade total e garantia de qualidade que redundam em manuais ou guias de boas prticas para o controle interno da qualidade da produo. O segundo, mais precisamente, refere-se prtica da vigilncia sanitria, o controle externo, que se caracteriza pela elaborao de normas oficiais, licenciamento dos estabelecimentos, orientao educativa, fiscalizao e aplicao de medidas para a proteo da sade da populao. Destacam-se quatro dimenses inerentes prtica de vigilncia sanitria: a. A dimenso poltica: como uma prtica de sade coletiva, de vigilncia da sade, instrumento de defesa do cidado, no bojo do Estado e voltada para responder por problemas, situa-se em campo de conflito de interesses, pois prevenir ou eliminar riscos significa interferir no modo de produo econmico-social. Essa sua dimenso poltica, relacionada ao propsito de transformao ou mudana desses processos em benefcio, a priori, da populao. Contudo, os entraves sero maiores ou menores dependendo, de um lado, do grau de desenvolvimento tecnolgico dos setores produtores e prestadores, de suas conscincias sanitrias ou mercantilistas, e, de outro, da concreta atuao e conscincia dos consumidores.

6VIGILNCIASANITRIA

b. A dimenso ideolgica, que significa que a vigilncia dever responder s necessidades determinadas pela populao, mas enfrenta os atores sociais com diferentes projetos e interesses. c. A dimenso tecnolgica, referente necessidade de suporte de vrias reas do conhecimento cientfico, mtodos, tcnicas, que requerem uma clara fundamentao epidemiolgica para seu exerccio. Nessa dimenso est includa sua funo de avaliadora de processos, de situaes, de eventos ou agravos, expressa atravs de julgamentos a partir da observao ou cumprimento de normas e padres tcnicos e de uma conseqente tomada de deciso. d. A dimenso jurdica, que a distingue das demais prticas coletivas de sade, conferindo-lhe importantes prerrogativas expressas pelo seu papel de polcia e pela sua funo normatizadora. A atuao da Vigilncia Sanitria tem implicaes legais na proteo sade da populao, desde sua ao educativa e normativa, estabelecendo obrigatoriedades ou recomendaes, at seu papel de polcia, na aplicao de medidas que podem representar algum tipo de punio. Assentada no Direito Sanitrio, sua atuao se faz no plano do jurdico, o que significa que qualquer tomada de deciso afeta esse plano. Para isso suas aes devem estar corretamente embasadas em leis. Torna-se imprescindvel para aquele que exerce a ao o conhecimento dos instrumentos processuais, das atribuies legais e responsabilidades. De suas dimenses poltica e ideolgica pode-se afirmar que interferem no grau de desenvolvimento ou desempenho das aes em suas realidades. Aqui os conflitos se manifestam, desde o valor ou importncia que a sociedade atribui prtica da vigilncia at os prprios rgos gestores da sade, com polticas efetivas ou no de controle, o grau de conscincia dos vrios interessados na questo, entre outros. Nesse plano, sua atuao faz interface com os grupos sociais interessados, com objetivos nem sempre confluentes. No plano da dimenso tecnolgica, deve desencadear aes para aumentar o padro de qualidade, reduzir ou minimizar riscos, evitar danos, o que requer uma intersetorialidade na sade, isto , a articulao de vrios setores que trabalham com sade, intra ou extragoverno. Ainda imprescindvel sua competncia e fundamentao cientfica, pois representa uma resposta tcnica aos problemas sanitrios, e suas normas sero modelos a serem seguidos pelos produtores /prestadores. Na dimenso jurdica, faz interface com os campos da tica, do Direito Civil e Penal, em decorrncia da aplicao de medidas legais quando da constatao de problemas sanitrios que representem riscos graves sade ou crimes contra o cidado. As caractersticas do poder de polcia decorrem de sua dimenso jurdica. So tradicionalmente suas tarefas: inspecionar, julgar, notificar o infrator,

7NOESBSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

autuar, lavrar termos de aplicao de penalidades, licenciar estabelecimentos expedindo ou cassando alvars, dentre outras atividades. Assim, a ao sanitria, nesse plano, para ser eficaz, requer a interao com vrios rgos intra e extragoverno, tais como Ministrio Pblico, Polcia de Defesa do Consumidor, Poder Judicirio, conselhos de classe e outros rgos de defesa do consumidor. Aquele que lida com vigilncia sanitria necessita conhecer os aspectos bsicos do Direito Sanitrio e Administrativo, especialmente porque a ao em vigilncia sempre requer alguma deciso. O conhecimento dos fatos ou fatores jurdicos fundamental, pois uma ao mal embasada juridicamente no ter valor. Alm disso, h limitaes em sua competncia e, em muitos casos, a concretizao de uma ao representa uma atuao compartilhada; e sem o conhecimento dos instrumentos processuais, das atribuies de responsabilidades tanto das equipes quanto dos profissionais, dos prestadores /fornecedores em sade, no que se refere s questes ticas e legais, no h como concretizar sua ao. A prtica de normatizao uma atribuio do sistema legal e tambm uma dimenso tcnica. Cabe aos rgos de coordenao da Vigilncia Sanitria nos nveis federal, estadual e municipal emanar legislao sobre tcnicas e padres tcnicos minimamente necessrios a serem seguidos para promover a proteo da populao. A introduo do conceito de qualidade e de reparo do dano ao consumidor, em termos tericos, permitiu apontar um novo modelo de vigilncia sanitria. A vigilncia, que se espera que se faa hoje, ter que levar em conta a forma como se faz o processo e o seu resultado para o usurio. A sua avaliao no pode se deter apenas nos aspectos cartoriais, burocrticos ou estruturais, como era a prtica anterior, porque eles por si mesmos no garantiro os resultados, como no atendem s novas imposies colocadas pela evoluo crescente na sociedade de uma conscincia do direito de consumir boa qualidade. Essa evoluo da forma de pensar de nossa sociedade, que conferiu ao consumidor um novo status, o de cidado, e embasamento jurdico de garantia da qualidade nas relaes entre os prestadores /fornecedores e o consumidor, impulsiona uma conscincia sanitria e a prpria Vigilncia Sanitria para as tarefas de promover prticas e espaos saudveis nos processos de produo da vida e sade. Assim, melhorar a qualidade de vida e sade da populao no municpio deve incluir o desenvolvimento de aes de vigilncia sanitria, buscando-se constituir um modelo a partir das prprias experincias e realidade dos municpios.

A VIGILNCIA SANITRIA COMO PRTICA DO SUS E A MUNICIPALIZAOComo prtica de sade do Sistema nico de Sade (SUS) e por referncia ao preceito institucional de eqidade, isto , princpio da igualdade, a Vigilncia Sanitria insere-se no espao social que dever abranger uma atuao sobre o que pblico e privado indistintamente na defesa da populao.

8VIGILNCIASANITRIA

Dentro dos preceitos do SUS, que privilegia o municpio como o espao de ao das prticas de sade, a Vigilncia Sanitria deve ser descentralizada e municipalizada. Municipalizar as aes de vigilncia sanitria significa adotar uma poltica especfica com a finalidade de operacionaliz-la recorrendo-se a novas bases de financiamento, criao de equipes e demais infra-estruturas. Mais do que um cumprimento formal do que est proposto na Constituio, para atingir o objetivo da municipalizao ser necessrio integrar a vigilncia sanitria num todo, isto , com as aes programticas de atendimento individual e coletivo, com a vigilncia epidemiolgica e com as demais prticas voltadas sade da populao. Ao Estado compete o papel de articular os municpios e regies para garantir a uniformidade mnima das aes de todo o municpio, a hierarquizao da prestao de servios que, por suas caractersticas e complexidade, tenham abrangncia intermunicipal, e a viabilizao das prticas de superviso e controle de qualidade dos servios de sade. A municipalizao da Vigilncia Sanitria, como uma etapa do processo de descentralizao das aes de sade, representar a concretizao da municipalizao da sade e constitui subsdio importante para o planejamento, gerenciamento e qualidade dos servios de assistncia mdica, para a garantia da sade ambiental e ocupacional e para o controle de qualidade de produtos e servios de sade e da vida da populao. Na questo da municipalizao h que considerar a complexidade das aes de vigilncia, que dependem do maior ou menor grau de dificuldade de execuo. Essas complexidades podem ser superadas, dependendo dos recursos destinados s aes, da efetivao de uma poltica de vigilncia sanitria e do contexto em que se insere o municpio, de acordo com as normas operacionais do SUS, no caso a NOB/SUS 1/96 (Portaria MS 2.203/96, DOU de 6 de novembro de 1996), que definiu as formas de gesto do sistema municipal de sade. Nos municpios brasileiros constatam-se realidades distintas de organizao do poder pblico, o que, necessariamente, configura distintos modelos de gesto. As condies de gesto a que se habilitam os municpios, de uma certa forma, definem as aes de vigilncia sanitria a serem assumidas. Contudo, importante que o municpio tenha o controle de todas as aes desenvolvidas, da baixa alta complexidade, partilhadas ou no com o Estado, e que elas representem respostas efetivas ao perfil epidemiolgico-sanitrio local. Neste manual as aes no foram classificadas conforme o grau de complexidade, mas so apresentadas por tipo ou programa, dentro do campo de abrangncia da vigilncia sanitria. Fica a cargo do municpio, de acordo com as suas possibilidades financeiras, recursos humanos e materiais, e segundo o quadro epidemiolgico-sanitrio existente, definir as aes que ele vai implementar e as que sero compartilhadas ou complementadas pelo Estado. Em relao aos nveis de competncia, a Secretaria Nacional de Vigilncia Sanitria do Ministrio da Sade assume o papel de coordenao, com o objetivo de

9NOESBSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

regulamentar e executar as aes com abrangncia nacional. Em nvel estadual esto os rgos de coordenao central, regionais e municipais, seguindo estruturas de organizao que variam nas diferentes unidades da federao. importante ressaltar que todos esses rgos tm atribuies de normatizar e fiscalizar, em carter complementar e harmnico, dentro dos princpios da hierarquizao e descentralizao das aes, seguindo o modelo de organizao proposto para o SUS.

O CAMPO DE ABRANGNCIA VIGILNCIA SANITRIA

DA

A definio atual da vigilncia sanitria, como j foi visto, torna seu campo de abrangncia vasto e ilimitado, pois poder intervir em todos os aspectos que possam afetar a sade dos cidados. Para facilitar a exposio, assumimos que seu campo de abrangncia composto por dois subsistemas, subdivididos, a saber:

I Bens e servios de sadeSubsistema de produo de bens de consumo e servios de sade, que interferem direta ou indiretamente na sade do consumidor ou comunidade. So bens e servios de sade que interessam ao controle sanitrio:

1. As tecnologias de alimentos, referentes aos mtodos e processos de produo de alimentos necessrios ao sustento e nutrio do ser humano.

2. As tecnologias de beleza, limpeza e higiene, relativas aos mtodos e processos de produo de cosmticos, perfumes, produtos de higiene pessoal e saneantes domissanitrios.

3. As tecnologias de produo industrial e agrcola, referentes produo deoutros bens necessrios vida do ser humano, como produtos agrcolas, qumicos, drogas veterinrias, etc.

4. As tecnologias mdicas, que interferem diretamente no corpo humano, nabusca da cura da doena, alvio ou equilbrio da sade, e compreendem medicamentos, soros, vacinas, equipamentos mdico-hospitalares, cuidados mdicos e cirrgicos e suas organizaes de ateno sade, seja no atendimento direto ao paciente, seja no suporte diagnstico, teraputico e na preveno ou apoio educacional.

5. As tecnologias do lazer, alusivas aos processos e espaos onde se exercematividades no-mdicas, mas que interferem na sade dos usurios, como centros esportivos, cabeleireiros, barbeiros, manicures, pedicuros, institutos de beleza, espaos culturais, clubes, hotis, etc.

6. As tecnologias da educao e convivncia, referentes aos processos e espaos de produo, englobando escolas, creches, asilos, orfanatos, presdios, cujas condies das aglomeraes humanas interferem na sua sade.

10VIGILNCIASANITRIA

II Meio ambienteSubsistema que se refere ao conjunto de elementos naturais e daqueles que resultam da construo humana e suas relaes sociais:

1. O meio natural, correspondente a gua, ar, solo e atmosfera. Interessam aocontrole sanitrio as tecnologias utilizadas na construo de sistemas de abastecimento de gua potvel para o consumo humano, na proteo de mananciais, no controle da poluio do ar, na proteo do solo, no controle dos sistemas de esgoto sanitrio e dos resduos slidos, entre outros, visando proteo dos recursos naturais e garantia do equilbrio ecolgico e conseqentemente da sade humana.

2. O meio construdo, referente s edificaes e formas do uso e parcelamento do solo. Aqui o controle sanitrio exercido sobre as tecnologias utilizadas na construo das edificaes humanas (casas, edifcios, indstrias, estabelecimentos comerciais, etc.) e a forma de parcelamento do solo no ambiente urbano e rural; sobre os meios de locomoo e toda a infra-estrutura urbana e de servios; sobre o rudo urbano e outros fatores, no sentido de prevenir acidentes, danos individuais e coletivos e proteger o meio ambiente.

3. O ambiente de trabalho, relativo s condies dos locais de trabalho, geralmente resultantes de modelos de processos produtivos de alto risco ao ser humano. O controle sanitrio se dirige a esse ambiente, onde freqentemente encontra cidados que so obrigados a dedicar grande parte de seu tempo ao trabalho em condies desagradveis, em ambientes fechados e insalubres, em processos repetitivos, competitivos e sob presso, o que altera e pe em risco a sade fsica e psicolgica e a vida dos indivduos e da comunidade.

O

ENFOQUE DE ATUAO

Entendendo que a essncia da prtica da vigilncia uma ao permanente de avaliao e de tomada de deciso, faz-se necessrio referenciar os marcos tericos e mtodos para essa avaliao. Ainda que o ato de fiscalizar e o poder de polcia sejam as caractersticas mais antigas da vigilncia, sua atuao a forma de ver as irregularidades, de julgar os eventos muda ao longo do tempo. O modelo vigente tem sido alvo de crticas exacerbadas. Fala-se de um modelo extremamente policial, pouco educador, cartorial, e que valoriza apenas os aspectos de estrutura e, conseqentemente, pouco eficaz. Nesse item referenciamos, de forma resumida, alguns enfoques de avaliao, como uma das contribuies construo de uma prtica de vigilncia sanitria mais eficaz, voltada para a defesa do cidado e para a promoo da qualidade de vida e sade da populao.

11NOESBSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

O enfoque epidemiolgicoTodo o instrumental epidemiolgico dever ser assumido pela Vigilncia Sanitria, visto que o enfoque de risco parte de sua prpria definio. O conceito de risco, em epidemiologia, corresponde ao conceito matemtico de probabilidade, podendo ser definido como a probabilidade de os membros de uma populao desenvolverem uma certa doena ou evento relacionado sade em um determinado perodo. atribuio da Vigilncia Sanitria, em sua prtica de observao, detectar riscos e tomar medidas que os eliminem, previnam ou minimizem. O instrumental epidemiolgico essencial para a definio de prioridades em face da realidade em que atua a Vigilncia Sanitria, a construo do quadro sanitrio, o conhecimento dos problemas e como subsdio s suas providncias. H vrios livros que descrevem os mtodos epidemiolgicos de forma didtica e clara, que recomendamos ao final queles que necessitarem de aprofundamento ou conhecimento do tema. Propomos tambm consultar o manual Vigilncia em Sade Pblica, componente deste Projeto.

O enfoque do planejamento e da atuao programtica atribuio da Vigilncia Sanitria detectar riscos e tomar medidas que eliminem, previnam ou minimizem esses riscos. Para isso dever planejar as suas aes de forma a organizar a atuao sobre os problemas sanitrios e as prticas de avaliao. H vrias correntes tericas sobre planejamento, tratadas mais detalhadamente no manual Planejamento em Sade, integrante deste Projeto. Neste manual, abordaremos os conceitos sobre planejamento de forma breve. Acreditamos que a Vigilncia Sanitria deve delinear sua atuao por meio do conhecimento dos problemas. Problema a representao social de necessidades ou agravos de sade, definidas por atores sociais e decorrentes das condies de vida e do modo de produo econmico-social. A identificao de problemas sanitrios dever ser uma atividade de planejamento das aes de vigilncia sanitria, a ser incorporada de forma sistemtica. Deve partir do reconhecimento de sua rea geogrfica de abrangncia, do mapeamento dos problemas locais e prioridades com base em fontes de informao, questionrios locais, denncias, censo de estabelecimentos ou de espaos ou fenmenos que representem risco sade e vida, para se delinear um diagnstico da situao, priorizar aes, definir objetivos e programas, organizar recursos, articular rgos internos e/ou setores externos para a operacionalizao das aes e tomada de providncias. Definidos os problemas, ser necessrio operacionalizar um conjunto de aes para sua soluo, isto , traar programas. Ainda que sejam inmeras as discusses sobre as diferentes definies de aes programticas em sade, entende-se por programa de sade uma interveno planejada de aes com o objetivo de atender s necessidades de sade de uma determinada populao. Programar, portanto, organizar e racionalizar a ao para alcanar determinadas metas e objetivos.

12VIGILNCIASANITRIA

Tm sido comum a implantao e o desenvolvimento de aes de vigilncia sanitria sem planejamento, sem programao. Sua atuao tradicional tem se resumido ao atendimento das demandas espontneas, isto , o atendimento em resposta s denncias ou acidentes. Contudo, se considerarmos seu papel de promotora da sade e de preveno de danos, no se pode imaginar uma vigilncia sanitria que no atue tambm, e principalmente, por meio de programas. No possvel pensar uma vigilncia que no tenha o diagnstico de sua rea com base em perfis epidemiolgicos, que no defina os riscos potenciais, os objetivos e metas, as rotinas, que no padronize os principais passos da inspeo ou que deixe de fazer a avaliao sistemtica dos resultados de sua atuao, at para reprogramar-se. Ainda em meio s confuses metodolgicas ou terminolgicas, no bojo das teorias do planejamento, fala-se em vigilncia por projetos e no por programas. Neste manual, pela necessidade de se adotar alguma terminologia, e tambm porque entendemos que o conceito de programa o mais apropriado para designar intervenes organizadas a longo prazo, descreveremos as aes permanentes, sistemticas, como programas de vigilncia sanitria. At porque o conceito de projeto, ampliado para alm do seu significado comum de plano, planta, intento, tem caractersticas de transitoriedade. Pode ser compreendido como um esforo complexo para produzir resultados bem determinados, em um prazo bem determinado e dentro de um oramento restrito para isso, envolvendo diversas funes e escales de organizao e no , pelo menos totalmente, repetio de um esforo anterior. Por exemplo, a construo de uma escola ou hospital; a introduo de uma nova modalidade de atendimento sade e a verificao de sua eficcia em relao anterior; o teste de determinado medicamento ou vacina ou de uma nova conduta mdica; a organizao da capacitao de profissionais por determinado perodo, entre outros.

O enfoque da avaliao de qualidadePerdura ainda hoje a idia de que vigilncia sanitria uma prtica de fiscalizao restrita s instalaes fsicas, emisso de licenas ou alvars, verificao das habilitaes profissionais e a outros fatores mais ligados a uma avaliao de estrutura, pejorativamente conhecida como vigilncia de piso e parede ou prtica burocrtica e cartorial. A avaliao estrutural parte da premissa de que as instalaes, equipamentos, higiene, etc., podem resultar em processos mais adequados, o que uma verdade, porm no suficiente. Uma estrutura hospitalar, no que se refere s suas instalaes, por exemplo, pode afetar os procedimentos e provocar resultados indesejveis. Mas uma boa estrutura por si s no garante os resultados. Como orientao s equipes de vigilncia sanitria, daremos adiante alguns exemplos de modelos de avaliao que incorporam o conceito de qualidade para a avaliao de produtos e servios. H outros modelos que poderiam ser adotados pela Vigilncia Sanitria, mas resolvemos optar por

13NOESBSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

estes para a elaborao de instrumentos operacionais a serem empregados na prtica de fiscalizao e anlise de processos. Adaptando o modelo de avaliao para o objeto da vigilncia, poderamos adotar a Trade de Donabedian para avaliao de estrutura, processo e resultado, da seguinte forma: Estrutura: refere-se s caractersticas relativamente estveis, como condies fsicas, organizacionais, equipamentos, recursos humanos. Processo: conjunto de atividades desenvolvidas nas relaes de produo em geral e, no caso de servios de sade, entre profissionais e pacientes. Resultado: obteno das caractersticas desejveis dos produtos ou servios, sem erros, imperfeies ou nocividades; melhoria do meio ambiente e trabalho, ou mudanas obtidas no estado dos pacientes ou quadro sanitrio, que podem ser atribudas ao cuidado consumido ou tecnologias introduzidas. Para cada componente da trade dever ser observado um conjunto de indicadores que melhor retratem a realidade a ser avaliada. Destacamos os sete atributos da qualidade propostos por Donabedian:

1. Eficcia: a capacidade do cuidado, na sua forma mais perfeita, de contribuir para a melhoria das condies de sade. 2. Efetividade: o quanto de melhorias possveis nas condies de sade so obtidas. 3. Eficincia: a capacidade de obter a maior melhoria possvel nas condies de sade, ao menor custo possvel. 4. Otimizao: a mais favorvel relao entre custos e benefcios. 5. Aceitabilidade: conformidade com as preferncias do paciente no que concerne acessibilidade, relao mdico paciente, s amenidades, os efeitos e o custo do cuidado prestado.

6. Legitimidade: conformidade com as preferncias sociais em relao a tudomencionado anteriormente.

7. Eqidade: igualdade na distribuio do cuidado e de seus efeitos sobre a sade.O termo amenidades refere-se s condies de conforto e aparncia dos servios, ateno dispensada aos pacientes, explicaes e outros fatores que envolvem questes de qualidade ligadas satisfao do usurio, alm da eficcia tcnica. A fiscalizao sanitria um ato de observao e julgamento, ao qual sempre dever corresponder uma tomada de deciso. Ao inspecionar estabelecimentos, processos de fabricao de produtos, cuidados mdicos ou o ambiente, sempre

14VIGILNCIASANITRIA

se estar fazendo uma avaliao, que consiste em chamar a ateno para que os aspectos de estrutura, processo e resultado sejam atentamente observados e analisados quanto ao risco que possam oferecer vida e sade de usurios, consumidores ou comunidade. Sob essa perspectiva que sero apresentados mais adiante os principais passos para a realizao das inspees sanitrias e outras formas de ao que implicam julgamento de valor. Os recursos de avaliao de procedimentos propostos pelo CQT ou GQT (Controle de Qualidade Total ou Garantia de Qualidade Total), aqui descritos de forma breve, so tambm de inegvel importncia para a prtica da vigilncia sanitria. A teoria do Controle de Qualidade Total ou Gesto de Qualidade Total surge nos Estados Unidos na dcada de 40, idealizada para as indstrias. Expande-se em todo o territrio americano e para o mundo, e o modelo japons apontado como aquele que apresenta o melhor desempenho. Esses conceitos, apesar de antigos, entram em voga em todo mundo nas dcadas de 80 e 90, e no Brasil encontramos vrias publicaes sobre sua adoo nas empresas privadas, e mais recentemente sua implantao em servios de sade. No Brasil, as indstrias de medicamentos, soros e equipamentos vm adotando em maior ou menor grau esse tipo de controle. Esse mtodo tambm foi oficializado pelo Ministrio da Sade em legislao sanitria, que regulamentou a fiscalizao sanitria de medicamentos e as prticas de auto-avaliao das indstrias farmacuticas. Na concepo de Ishikawa, o controle de qualidade um sistema de mtodos de produo que produzem economicamente bens e servios de boa qualidade, atendendo aos requisitos do consumidor. Em um primeiro enfoque apresentado, mais precisamente no enfoque americano, essa teoria privilegia a inspeo, a cargo de uma diviso de controle de qualidade, que tem como objetivo evitar que os produtos defeituosos sejam remetidos ou consumidos. O controle de qualidade efetuado por amostragem, aps a fabricao do produto. J em um segundo enfoque, correspondente ao modelo japons, privilegiase a preveno, isto , faz-se o controle de todo o processo de produo, em que todos participam, e a opinio do consumidor decisiva. A descrio de algumas dessas ferramentas tem o propsito de sugerir s equipes de vigilncia sanitria a utilizao delas em suas aes. So ferramentas do CQT ou GQT o ciclo de controle/gerenciamento PDCA, o diagrama de Ishikawa ou espinha de peixe, o diagrama de afinidades, o diagrama de interrelao, o diagrama de Pareto, a carta de controle e os crculos de controle de qualidade. Destacamos duas delas e as adaptamos s possibilidades de avaliao na prtica de vigilncia sanitria. Para aprofundar o conhecimento desse tema sugerimos consultar a bibliografia especializada ao final deste captulo, bem como o manual Qualidade na Gesto Local de Servios e Aes de Sade, componente deste Projeto.

15NOESBSICAS SOBRE VIGILNCIA SANITRIA

Ciclo de controle/gerenciamento PDCA O ciclo PDCA (P de Plan, planejar; D de Do, relativo a delegar, fazer ou executar; C de Check, verificar; A de Act, ao, agir) detalha as atividades praticadas no gerenciamento. utilizado pela empresa para visualizar os itens objeto do gerenciamento. Pode ser empregado pelas equipes de vigilncia sanitria no planejamento de suas aes.Figura 1 Ciclo de controle/gerenciamento PDCA

AO

PLANEJAR

Agir apropriadamente

Determinar objetivos e metas Determinar mtodos para alcanar objetivos Educao e treinamento

Verificar os efeitos da execuo

Executar o trabalho

VERIFICAR

FAZER

Na aplicao do ciclo para as aes de vigilncia na fase PLANEJAR, sugerimos a complementao por outras tcnicas do planejamento, como as propostas pelo Planejamento Estratgico Situacional, apresentada no manual de Planejamento em Sade, para determinar os objetivos e metas das aes de vigilncia sanitria no municpio. Esses objetivos e metas supem o conhecimento prvio de problemas, o conhecimento da realidade municipal, a realizao de diagnstico. Determinar mtodos para alcanar objetivos significa traar os caminhos para atingir os propsitos das aes da vigilncia. Em FAZER, educao e treinamento referem-se introduo dos crculos de controle de qualidade na empresa, crculos organizados para estudo e capacitao de todo o pessoal no processo de controle de qualidade. Podemos transpor para a vigilncia a necessidade de estudos contnuos para capacitao de profissionais para o exerccio de uma vigilncia adequada. Executar o trabalho em vigilncia corresponde a ir a campo, orientar, inspecionar, coletar amostras, tomar as medidas necessrias, dentre outras atividades.

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Em VERIFICAR, verificar os efeitos da execuo representa a preocupao com os resultados, se o esperado foi alcanado, e verificar se todos os fatores de causa esto sob controle. Em vigilncia sanitria, o que se busca a partir de suas aes? Prevenir danos e leses sade das pessoas; eliminar ou minimizar riscos; proteger a sade da populao; garantir a qualidade do processo de produo e de prestao de servios; melhorar a sade da populao, entre os objetivos principais. Em AO, agir apropriadamente quer dizer que, quando verificada a existncia de erros ou situaes indesejveis e encontradas as causas, agir para evitar a reincidncia desses erros ou irregularidades.

Diagrama de Ishikawa ou espinha de peixe Tambm conhecido como diagrama de causa e efeito, apontado como um mtodo para determinar todas as caractersticas importantes para chegar a um efeito desejado e um dos mtodos que permite visualizar ou determinar os objetivos. O efeito ser a caracterstica de qualidade almejada. Os fatores de causa, ou processo, referem-se s caractersticas componentes da qualidade e remetem aos padres necessrios para atingir o efeito. O exemplo abaixo, simplificado, foi colocado para a verificao do processo hemodialtico, durante a inspeo da vigilncia, ou para a avaliao interna do prprio prestador.Figura 2 Diagrama de Ishikawa para a avaliao da hemodiliseTratamento de gua adequado Recursos humanos qualificados Equipamentos adequados para rotina e emergncia

Conduta mdica correta

Paciente bem dialisadoDialisador adequado Conforto do paciente Instalaes adequadas

Caractersticas substitutivas de qualidade (padres)

Caractersticas verdadeiras de qualidade

A adoo dos mtodos e ferramentas anteriormente descritos depender das respostas a algumas perguntas. A ao de Vigilncia Sanitria supe responder sempre a algumas perguntas: O que ser avaliado? Que resultados finais so desejados? Como reconhecer a adequao dos processos ou os riscos que possam provocar um dano no ato do consumo? A definio dessas respostas pode levar escolha de um modelo mais adequado para sua avaliao.

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O enfoque da avaliao da tecnologia em sadeSo tecnologias mdicas ou de sade as drogas, equipamentos mdicos e demais dispositivos, procedimentos mdicos e cirrgicos e os sistemas organizacionais de ateno mdica e de apoio, segundo a definio do Office of Technology Assessment (OTA Escritrio de Avaliao de Tecnologia), como visto anteriormente, sobre um dos campos de abrangncia da Vigilncia Sanitria. O campo denominado avaliao de tecnologia origina-se nos Estados Unidos da Amrica, a partir de um conceito geral sobre tecnologia e da formao do OTA, em 1972. Em 1975, criado pelo OTA um programa de sade destinado a avaliar as tecnologias em sade, novas e j em uso, para objetivamente verificar eficcia, eficincia e segurana. Parte dos processos de avaliao de tecnologia j vem sendo desenvolvida pela Vigilncia Sanitria. A respeito desses mtodos, recomendamos vrios trabalhos para aqueles que necessitarem se aprofundar no tema. Com relao s formas de desenvolvimento, validao e difuso das tecnologias em sade, destacamos as principais diferenas de acordo com o tipo de tecnologia:

1. Os medicamentos e outras substncias destinadas teraputica, desenvolvidas a partir de conhecimentos bsicos de qumica, farmacologia e patofisiologia humana, tm na indstria privada a fonte primria de descobertas. Quase todos os pases empregam semelhante processo para a introduo desse tipo de tecnologia. Aps o desenvolvimento de uma determinada substncia qumica, solicita-se ao governo permisso para testes humanos e, depois de estudos seguros e triagens clnicas, os resultados so apresentados a ele. Aps uma considerao crtica, se os resultados forem considerados convincentes, a droga aprovada, devendo respeitar os regulamentos locais, e liberada para o mercado. Essa forma de regulao, ainda que cara e demorada, tem como objetivo proteger a populao de drogas sem eficcia e sem segurana. No Brasil, a regulamentao est a cargo da Secretaria Nacional de Vigilncia Sanitria do Ministrio da Sade e os mtodos de aprovao so semelhantes aos de outros pases. Vale destacar que vrios instrumentos foram introduzidos mais recentemente pela Vigilncia Sanitria Nacional para aumentar o controle da qualidade do processo de produo de medicamentos e outros insumos. Contudo, a prtica de avaliao dessas tecnologias em uso no mercado no tem sido sistemtica e revela eventos isolados. Houve recentemente um grande esforo para retirada de associaes de medicamentos incuos ou nocivos das prateleiras, proibio da fabricao e cancelamento dos registros, gerando grande resistncia por parte dos laboratrios.

2. Procedimentos podem ser definidos como combinaes de tcnicas mdicas ecirrgicas com drogas ou dispositivos ou ambos. Aparecem atravs de pesquisas

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mdicas, envolvendo vrios campos do conhecimento, experincias clnicas, grupos de controle e observaes empricas, geralmente realizados por especialistas. Em geral, a validao dessa tecnologia no se d de forma clara e, na maioria dos pases, sem um rgo do governo para oficializ-la. Um estudo de caso publicado em um jornal mdico e o autor pode apresent-lo em congressos, palestras ou mesas-redondas. As sociedades cientficas de especialidades mdicas e o meio de origem, quase sempre as universidades, so de extrema importncia na divulgao e no reconhecimento dessas tecnologias. Sem dvida, trata-se de um processo complexo, pois envolve a questo do desempenho mdico, que pouco ou nada regulado, e com certeza faz-se muita experimentao no controlada e fora dos padres de sade. H vrios trabalhos na literatura internacional que mostram procedimentos largamente utilizados na prtica mdica e completamente inteis. Os avanos desse tipo de tcnica tm dependido de mdicos habilidosos e criativos, requer incontveis e pequenas mudanas da prtica mdica e se difunde por caminhos ainda pouco observados. Contudo, e felizmente, observa-se recentemente o crescimento do nmero de protocolos de conduta e padres sobre procedimentos, em nvel nacional e internacional, especialmente gerados e utilizados em instituies hospitalares. Nesse tipo de controle, vm adquirindo cada vez mais importncia as comisses de tica. No Brasil, eventuais portarias do Ministrio da Sade, sanitrias ou com a finalidade de pagamento, tm referendado determinados procedimentos. Contudo, no h um processo sistematizado de avaliao e aprovao dessas tcnicas, conforme os enfoques tratados aqui. Ao deparar com dvidas suscitadas por procedimentos novos ou diferentes em suas fiscalizaes de rotina, ou por denncias de danos sade, de modo geral a Vigilncia Sanitria recorre s sociedades de especialistas, aos conselhos de classe e s universidades. Trata-se de processo parcial e restrito, desencadeado a partir de denncias de charlatanismo, impercias ou negligncias mdicas, no configurando propriamente uma avaliao de tecnologia sistematizada. O atual Cdigo de tica Mdica pune o mdico que utilizar procedimento no aprovado pela legislao sanitria. Mas a maioria dos procedimentos no esto legalmente formalizados. E esse fato constitui um problema para a Vigilncia Sanitria tomar alguma deciso, pois sua funo combater procedimentos sem comprovao cientfica de eficcia.

3. Sobre os equipamentos mdico-hospitalares e outros dispositivos mdicos, denominados correlatos na legislao sanitria brasileira, seu desenvolvimento requer conhecimento na rea de cincias biomdicas, engenharia, computao e outras. uma histria de invenes de mdicos que transferem seus prottipos para pequenas empresas, e estas para as grandes companhias se o equipamento obtiver sucesso. Estas, por sua vez, registram a patente e submetem-se regulao. Contudo, esse tipo de tecnologia no sofre o mesmo tipo de normatizao que

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as drogas e, em alguns pases, segue margem de qualquer controle. Os Estados Unidos, por exemplo, tm um programa que regula todos os equipamentos segundo sua eficcia e segurana, e pases como Canad, Japo e Holanda investigam minuciosa e rigorosamente a tecnologia. No Brasil, a tarefa de regulao dessa tecnologia tem sido atribuda Secretaria Nacional de Vigilncia Sanitria do Ministrio da Sade, que regulamenta as condies de registro e aprovao dos correlatos, que so aprovados para o mercado aps anlise da documentao apresentada pela empresa e da certificao de conformidade, expedida geralmente por instituies conveniadas ligadas a universidades, que realizam avaliao por amostragem dos equipamentos ou dispositivos. Portarias mais recentes do Ministrio da Sade dispem sobre os padres tcnicos a serem seguidos na fabricao dos equipamentos, ou para sua importao, referenciando padres nacionais [Normas Tcnicas Brasileiras (ABNT)] e internacionais [ISO (International Standards Organization) e IEC (International Eletrothecnical Comission)], bem como instituem programas de garantia de qualidade envolvendo a avaliao de equipamentos e procedimentos, o que representa um passo importante nas formas de atuao da Vigilncia Sanitria acerca da avaliao de tecnologia.

4. As organizaes mdicas e de apoio, que se incluem na definio de tecnologia mdica ou de sade, em vrios pases esto sujeitas, em modalidades diferentes, regulao por rgos do governo; no Brasil, essa tarefa cabe Vigilncia Sanitria. Os profissionais da sade, por intermdio de seus conselhos de classe, so licenciados para exercer a profisso e, no caso dos mdicos, so certificados quanto s especialidades. H ainda os mecanismos privados de regulao, que so os sistemas de acreditao, a cargo de comits de especialistas ou sociedades, que estabelecem os critrios tcnicos para a avaliao de qualidade, e a certificao das instituies de sade dada de acordo com o cumprimento desses parmetros. A Vigilncia Sanitria exerce controle nesse mbito atravs das normatizaes e fiscalizao, com base no que est oficialmente reconhecido como cientfico, consagrado e legalmente fundamentado. A Vigilncia Sanitria tem sido responsvel pelo registro de produtos, dispositivos e equipamentos mdicohospitalares, licenciamento de estabelecimentos de produo de medicamentos e outros insumos e de prestao de servios de sade, com fundamentao em padres determinados e consagrados por normas tcnicas nacionais ou internacionais, que representam o consenso tcnico-cientfico, expressados em normas legais elaboradas em grande parte por ela. Contudo, ela no tem exercido um papel direto no acompanhamento do processo de validao ou do ciclo de vida de uma determinada tecnologia, desde o seu desenvolvimento e validao, e por referncia at s necessidades da populao.

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Muitas vezes ela criticada por realizar avaliaes formais ou burocrticas, e com razo, pois com certeza tm baixo impacto. Idealmente, os processos de adoo dos vrios tipos de tecnologia devem se concentrar na avaliao de eficcia e segurana, custo e efetividade. Tambm devem considerar a relao com as necessidades de sade. Relao que nem sempre tem sido clara. Em alguns pases do Primeiro Mundo, essa tarefa cabe a comisses governamentais ou rgos prprios responsveis por cincia e tecnologia em sade para avaliar e validar a introduo de novas tecnologias. A parcela hoje atinente prtica da vigilncia sanitria pressupe que algum rgo j tenha validado as tecnologias, restando a ela, nesse campo, a formalizao oficial, autorizao dos produtos e correlatos e a observao das condies tcnicas de funcionamento das organizaes de sade ou daquelas que fabricam ou comercializam produtos relacionados sade. Seu mtodo, em geral, a observao por referncia a tecnologias aceitas. Ao detectar um procedimento sem comprovao cientfica, cabe a ela tomar providncias, referenciando-se ao que est fundamentado em lei. Contudo, a estruturao desse campo est por ser feita e exige uma redefinio das polticas de vigilncia sanitria e cincia e tecnologia.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

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PROGRAMAS DE VIGILNCIA SANITRIA

P

ara garantir bons resultados e cumprir o papel de promotora da sade e de preveno de danos, a Vigilncia Sanitria deve organizar sua atuao por prioridades programticas, alm de atender as denncias e reclamaes. Tambm muito importante que seu programa seja uma atividade dinmica, precedida por permanentes avaliaes, que permitam dar uma resposta adequada aos problemas reais. Sob essa perspectiva que estaremos relacionando os passos mais importantes para a realizao das aes, isto , por programa, dentro do campo de abrangncia da Vigilncia Sanitria, conforme apresentado anteriormente. Alm disso, a programao das atividades deve incluir no apenas as funes de polcia, mas tambm aquelas de carter educacional e conscientizador da comunidade, envolvendo a populao interessada, os prestadores ou produtores, os profissionais da sade e todos aqueles diretamente ligados ao problema objeto da programao. A programao da Vigilncia Sanitria tambm requer a clarificao dos nveis de responsabilidade da estrutura, a definio de funes de cada nvel e o estabelecimento da relao entre eles, para uma atuao integrada e complementar. necessrio envolver localmente a unidade bsica de sade, fundamentalmente nas aes de educao e de monitoramento dos problemas e respostas, integrada com os nveis distrital e central e com as equipes, com atribuies de polcia e outras atividades. A constituio dos programas, definidos a partir das atividades de planejamento, deve levar em considerao: O princpio da justificao, isto , todos os motivos que justificam a implantao de um determinado programa, como a existncia do problema, o conhecimento de suas causas, os transtornos ou riscos em relao sade do municpio ou de determinados grupos populacionais,

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os custos e benefcios de seu controle, os melhores processos para a reduo dos problemas em termos de eficcia, eficincia e efetividade, entre outros. Objetivos principais: a definio clara dos objetivos principais, a organizao dos mtodos para alcan-los e a mobilizao de recursos humanos, materiais e financeiros. Estabelecimento de metas e funes a serem cumpridas para alcanar os objetivos, isto , o tipo e a quantidade de atividades a serem desenvolvidas pela Vigilncia para promover um determinado resultado, como, por exemplo, a reduo de um transtorno da sade. Conhecer as atividades inerentes e procedimentos para licenciamento dos estabelecimentos, registro de produtos, responsabilidade tcnica dos estabelecimentos, e outros, e a respectiva fundamentao dada pela legislao sanitria. Para cada tipo de atividade ou grupo de atividades h leis e decretos especficos que tratam das normas legais de funcionamento, responsabilidades tcnicas e normas regulamentares especficas, que devem ser observadas atentamente. Conhecer a competncia atribuda em lei para o exerccio da fiscalizao, nica ou compartilhada com outros rgos. Dependendo do grau de risco potencial, h estabelecimentos que devem obter autorizao de funcionamento ou para construo ou operao em outros rgos, estaduais ou federais, alm do licenciamento junto Vigilncia Sanitria. Competncia tcnica para a fiscalizao: a inspeo sanitria de estabelecimentos, produtos ou locais demanda conhecimento tcnico e epidemiolgico, alm de domnio da legislao. Para avaliar, por exemplo, o funcionamento de um determinado equipamento, preciso conhec-lo, como tambm sua finalidade, formas de funcionamento e dispositivos de segurana, para saber o que est dentro ou fora da normalidade. Da mesma forma, necessrio reconhecer os diversos procedimentos em cada situao, para poder distinguir as tcnicas corretas e incorretas. Assim, somente uma equipe multiprofissional e bem-capacitada poder avaliar os aspectos importantes numa inspeo. J no se admite mais uma vigilncia de piso, paredes e teto. Os enfoques de estrutura, processo e resultado, de avaliao da qualidade tcnica dos procedimentos e dos transtornos e riscos epidemiolgicos apresentados devem orientar a forma bsica de atuao das equipes de vigilncia sanitria. Realizar avaliaes do risco do estabelecimento, produto ou local: saber distinguir as situaes quanto ao grau de risco epidemiolgico baixo ou alto em relao sade. Materiais incorretamente esterilizados representam alto risco sade, podendo permitir a transmisso de

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AIDS, hepatite e/ou provocar septicemias e outros agravos, dependendo da forma ou local em que forem utilizados. Reagentes para testes sorolgicos com datas de validade vencidas ou conservados inadequadamente constituem alto risco, pois podem falsear os resultados. Organizar sua estrutura e nveis de atuao, estabelecer funes e competncias para exercer a educao em sade. Buscando atender os quesitos acima colocados que delineamos a seguir os principais programas de vigilncia sanitria e apresentamos as sugestes para alguns roteiros de inspeo. Vale ressaltar que praticamente h interfaces entre todos os programas, o que significa que cada tema no dever ser observado de modo estanque. Em relao funo de fiscalizao, por exemplo, a vistoria de um consultrio odontolgico implicar conhecimentos: dos equipamentos e procedimentos especficos em odontologia; de esterilizao de materiais, gerais e especficas; de medicamentos; de radiao ionizante, se o consultrio possuir equipamentos de raios X; de segurana do trabalho, dos cuidados com resduos slidos e meio ambiente, entre outros. Ao final de cada programa, relacionamos a legislao sanitria especfica, e ao final do captulo as bibliografias consultadas e recomendadas.

VIGILNCIA SANITRIA DAS TECNOLOGIAS DE ALIMENTOSJustificativa Alimento pode ser definido como toda substncia ou mistura de substncias no estado slido, lquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, com a finalidade de fornecer ao organismo humano os elementos normais sua formao, manuteno e desenvolvimento. Define-se tecnologia de alimentos como a aplicao de mtodos e tcnica para o preparo, armazenamento, processamento, controle, embalagem, distribuio e utilizao dos alimentos, bem como todas as formas de produo e tipos, inclusive bebidas e gua mineral, destinados nutrio e sustento da vida humana. A denominao tecnologia de alimentos surge nos Estados Unidos neste sculo, como parte do campo da tecnologia e da necessidade de obteno de fontes alimentares mais fartas, seguras e constantes. Tecnologia de alimentos pode ser entendida tambm como o estudo, aperfeioamento e aplicao experimental de processos viveis, visando ao seu emprego na obteno, processamento, conservao, preservao, transporte e comrcio dos alimentos em geral, conforme definio apresentada pelo I Congresso Internacional de Diettica de Amsterdam. Seus objetivos consistem em buscar a plena garantia ao cidado de consumir produtos nutritivos, apetitosos, isentos de contaminaes,

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e de maior vida til. Refere-se, portanto, s operaes necessrias para converter as matrias-primas em produtos alimentcios. A respeito dessas tcnicas surge o conceito de boas prticas de fabricao para os vrios ramos de empresas processadoras de alimentos, gerando importantes manuais que tm como objetivo estabelecer critrios que se aplicam a toda a cadeia alimentar. Esse conceito fruto da introduo da noo de garantia de qualidade nas empresas, que visa ao aprimoramento tcnico da produo, higiene e condies sanitrias adequadas, educao continuada do pessoal envolvido, quesitos necessrios para se assegurar produtos de qualidade e sem contaminao ao consumidor. A vigilncia sanitria das tecnologias de alimentos tem como objetivo o controle e a garantia de qualidade dos produtos alimentcios a serem consumidos pela populao, atuando na fiscalizao dos estabelecimentos que fabricam produtos alimentcios e naqueles que manipulam alimentos, verificando todo o processo de produo, mtodos e tcnicas empregadas at o consumo final. Infelizmente, ainda hoje alta a taxa de doenas transmitidas por alimentos, decorrentes da falta de higiene em sua produo ou manipulao. Tambm h indcios de que determinados processos tecnolgicos, utilizados na criao de animais ou no tipo de processamento de carnes ou outros alimentos, podem facilitar o aparecimento de novas doenas, como a encefalite espongiforme bovina, transmitida para seres humanos (a doena da vaca louca da Inglaterra), a diarria grave e de alta letalidade pela E. coli O147:H7, relacionada ao consumo de hambrguer e de alguns vegetais e sucos, a salmonelose grave, decorrente da S. enteritidis, que contaminou matrizes de aves (frangos e perus) e ovos, entre outras. No Brasil, alm da conhecida falta de higiene na produo de alimentos, ainda constituem problema o abate clandestino, a produo do leite cru e pasteurizado e dos produtos derivados do leite, o comrcio ambulante, o resduo de produtos qumicos nos alimentos, como os agrotxicos, adubos, conservantes, inseticidas, raticidas e outros, ou de produtos fsicos, como corpos estranhos, e microbiolgicos, como bactrias, fungos, etc.; a produo de conservas, as cozinhas de bares, de restaurantes, de hospitais e indstrias; as fontes de guas minerais ou o processo de envasamento, entre outros, que so responsveis por um quadro de altas taxas de doenas transmitidas pelo consumo de alimentos. No h, contudo, em nosso meio, um sistema organizado de notificao de surtos de doenas veiculadas pelos alimentos, muito menos sistemas de alerta para a preveno de agentes patognicos graves relacionados ao seu consumo. Sabe-se que boa parte dos casos de doenas transm