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POLO AUTOMOTIVO DE NOVA IGUAÇU: O ARRANJO PRODUTIVO LOCAL SOB A PERSPECTIVA DA GESTÃO SOCIAL
1. INTRODUÇÃO
As especificidades locais de determinados territórios dentro do espaço nacional, de
acordo com a literatura, fundamentam possibilidades de cooperação e governança que
favorecem as condições de competitividade através da inovação ou da aglomeração de
produção de eficiência coletiva, ou seja, de um saber fazer dos atores daquela região.
Segundo Cardoso (2014), a noção de território é importante para a atuação em um
Arranjo Produtivo Local, já que a aglomeração se dá em um determinado espaço físico. O
APL compreende um recorte do espaço geográfico (parte de um município, um município,
conjunto de municípios, bacias hidrográficas, vales, serras etc.) que: possua sinais de
identidade coletiva (sinais sociais, culturais, econômicos, políticos, ambientais, históricos,
etc.); mantenha ou tenha capacidade de promover uma convergência em termos de
expectativas de desenvolvimento; e estabeleça parcerias e compromissos para manter e
especializar os investimentos de cada um dos atores no próprio território;
Para que um APL consiga se estabelecer de maneira ótima, é necessário que haja
a superação de um modelo hegemônico positivista de gestão – a Gestão Estratégica – para
um modelo baseado numa gestão dialógica, consensual, participativa que negue o
individualismo metodológico em detrimento do coletivismo que tente alcançar o interesse
bem compreendido como meio para o bem comum.
Se pautado em um modelo de Gestão Social, os Arranjos Produtivos tem a
capacidade de promover o desenvolvimento territorial. Para tal, é preciso considerar todos
os aspectos de inter-relacionamento dos diversos atores da sociedade. Logo, torna-se
necessária uma profunda transformação das relações sociais, ou seja, a ampliação da
racionalidade substantiva referente às práticas locais.
Este trabalho pretende demonstrar as circunstâncias de surgimento e de
desenvolvimento do Polo Automotivo de Nova Iguaçu. Nesse sentido, possui enquanto
objetivo geral analisar o Polo sob uma perspectiva da gestão social, buscando compreender
sua dinâmica de formação, analisar suas estratégias de desenvolvimento, descrevendo a
parceria com o SEBRAE entre os anos de 2004 e 2014, para, por fim, demonstrar os fatores
que levaram a sua retração.
Essa pesquisa se faz relevante principalmente pela ausência de informações
produzidas sobre o objeto. Não há artigos científicos ou um relatório de resultados e
impactos produzidos pelo Polo Automotivo de Nova Iguaçu e, até mesmo o material
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jornalístico é restrito. Dessa forma, entendendo que os métodos em uma pesquisa formam a
base de sustentação acerca da validade das investigações, a metodologia utilizada, para a
construção desse trabalho foi constituída em duas etapas: a primeira por meio de pesquisa
bibliográfica em relação a referenciais em Gestão Social, Gestão Estratégica, Arranjos
Produtivos Locais, Desenvolvimento e Território e de análise de dados secundários,
sobretudo fornecidos pelo SEBRAE, além de dados oriundos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, o IBGE, e a segunda através da realização de um estudo de caso
do Polo Automotivo de Nova Iguaçu, sendo aqui utilizadas as entrevistas semiestruturadas,
como método de coleta de dados, concedidas por um representante do SEBRAE e por um
membro da extinta Associação do Polo, ao longo de quatro visitas ao campo.
Portanto, o presente artigo será apresentado em três seções distintas, além de uma
seção de considerações finais. A primeira seção tem como objetivo apresentar os conceitos
dialéticos de Gestão Social e Gestão Estratégica demonstrando quais os critérios
necessários para superar o modelo hegemônico positivista da Gestão Estratégica em busca
de um modelo mais democrático e participativo, o da Gestão Social. Já a segunda parte
deste trabalho traz em seu bojo os conceitos de Arranjos Produtivos Locais, bem como a
cidadania deliberativa e a governança participativa, além de demonstrar a possibilidade de
um desenvolvimento territorial promovido pelos APL’s. Por fim, a terceira parte deste
trabalho invoca o estudo de caso do Polo Automotivo de Nova Iguaçu e as análises do
processo de parceria com o SEBRAE até a sua desarticulação quanto a gestão coletiva,
revelando seu atual cenário.
2. A DIALÉTICA DAS GESTÕES: SOCIAL VS ESTRATÉGICA
O conceito de Gestão Social tem sido invocado para, não apenas intervir, mas
também criar o realce das questões sociais dentro dos governos ao redor do mundo,
pensando como essas questões se materializam em forma de políticas públicas e também
dentro de sistemas das empresas e de seus respectivos negócios. No entanto, ocorre que a
Gestão Social muita das vezes tem sido confundida ou transfigurada em um processo de
Gestão Estratégica (TENÓRIO, 1998).
É fundamental entender então, como contrapor as diferenças entre Gestão Social e
Gestão Estratégica. Tenório (1998) entende que o passo inicial para alcançar tal objetivo é a
construção da contraposição entre a teoria crítica e a teoria tradicional: sendo a teoria
tradicional aquela que, segundo a escola de Frankfurt, bebe na fonte do positivismo, ou seja,
que além de se apoiar em um forte empirismo, sistematiza conhecimentos objetivos,
subtraindo a subjetividade de uma equação e posicionando de maneira não contida o fator
“homem” no conjunto de análises de determinado objeto. Em outras palavras, o positivismo
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se apoia nas ciências naturais, mirando no conhecimento puro, sem qualquer tipo de
intervenção social (TENÓRIO, 1998).
A teoria crítica, por sua vez, se contrapõe a teoria tradicional, pois tem objetivo de
emancipar o individuo por meio do autoconhecimento e do conhecimento do mundo. Ela se
debruça no estudo da coletividade social em detrimento de um individualismo metodológico.
Isso significa dizer que, em outras palavras, os interesses buscados individualmente por
cada homem não são aprofundados por meio da teoria crítica e a sociedade tem primazia
sobre o sujeito. De acordo com Tenório (1998), existem ao menos três teses centrais que
diferem uma teoria tradicional da teoria crítica, são elas:
1. Teorias críticas tem posição especial como guias para a ação humana, visto que:
a) Elas visam produzir esclarecimento entre os agentes que as defendem, isto é, capacitando esses agentes a estipular quais são os seus verdadeiros interesses;
b) Eles são inerentemente emancipatórias, isto é, elas libertam o agentes de um tipo de coerção que é, pelo menos parcialmente, auto-imposta, a autofrustração da ação humana consciente.
2. Teorias críticas têm conteúdo cognitivo, isto é, são formas de conhecimento. 3. Teorias críticas diferem epistemologicamente das teorias em ciências
naturais, de maneira essencial. As teorias em ciência natural são ‘objetificantes’; as teorias críticas são reflexivas (GEUSS apud TENÓRIO, 1998, p.9)
Dessa maneira, a razão crítica também se contrapõe a razão tradicional ao passo
que não se foca apenas nas pesquisas empíricas que resultem em pragmatismo e sucesso
do mercado. Nesse caso, esse sucesso determina o comportamento do pesquisador e
também restringe a sua visão holística do mundo, mimetizando e minimizando o tipo de
racionalidade ao instrumentalismo. A razão instrumental é compreendida como uma razão
lógica, mecânica que visa determinados recursos específicos e tem objetivos definidos.
Além disso, é um fator de inibição de emancipação do homem, pois torna unidimensional o
aspecto cultural, a sociedade e a produção. Assim sendo, se rivaliza com a razão
comunicativa que deve ser compreendida como a capacidade de dois ou mais sujeitos
dialogarem a fim de alcançar o interesse bem compreendido que, por sua vez, deve ser
entendido como um conjunto de ações morais que minimiza os interesses individualizados
de cada sujeito existente em detrimento do bem comum (TENÓRIO, 1998).
A compreensão e aplicação da teoria crítica nos orientam para um tipo de gestão
que se contrapõe ao modelo hegemônico positivista voltado para a manutenção de um
sistema capitalista, a Gestão Social. Nesse tipo de gestão heterodoxa, valoriza-se a
capacidade de diálogo, uma estrutura de tomada de decisão participativa, a nulidade
coercitiva e a emancipação do homem.
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Em síntese, a Gestão Social pode ser apresentada como a tomada de decisão coletiva, sem coerção, baseada na inteligibilidade de linguagem, na dialogicidade e no entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fim ultimo. Esta síntese não tem caráter prescritivo. Em outras palavras, pode haver Gestão Social para além dela (CANÇADO et al, 2013, p.4,5)
De acordo com Tenório, a Gestão Social se desenvolve em contraponto com a
Gestão Estratégica, pois tenta substituir a gestão tecnoburocrática e monológica e
reconhece um modelo gerencial participativo e dialógico onde as tomadas de decisões são
definidas, não por um único individuo ou um grupo minoritário, mas por diferentes sujeitos
sociais (TENÓRIO, 1998). A participação faz parte das nossas ações cotidianas.
Participamos diariamente de diversos grupos – família, igreja, trabalho, escola – e em
diversas escalas.
O fato é que a participação pode trazer benefícios para aqueles que decidem agir e
esses benefícios tendem tanto para uma situação de igualdade e liberdade como para o
controle e opressão de um grupo em detrimento de outro (BORDENAVE, 1998). De acordo
com Bordenave (1998), o processo de participação se contrapõe ao processo de
marginalização à medida que ser marginalizado é, na verdade, estar excluído na tomada de
decisões – embora o senso comum atribua a marginalização aos processos de pobreza e
violência que acometem uma sociedade. Essa marginalização, no entanto, não deve ser
compreendida apenas como ausência de participação no setor produtivo da sociedade.
Bordenave entende que:
Nesse novo enfoque, a participação não mais consiste na recepção passiva dos benefícios da sociedade, mas na intervenção ativa na sua construção, o que é feito através da tomada de decisões e das atividades sociais em todos os níveis. (BORDENAVE, 1998, p.20)
Sendo a participação uma característica predominante da Gestão Social, podemos
concluir que esta surge como forma de desconstrução dos processos de marginalização.
Participar é não apenas fazer parte de algo, mas também ter e tomar parte desse tal. A
construção do processo de participação pode ser dividida, de acordo com Bordenave (1998)
em pelo menos 7 graus, onde no primeiro grau o individuo possui uma menor autonomia e
no ultimo autonomia total na participação e na tomada de decisão. São os graus em ordem
crescente de participação: 1.Informação; 2.Consulta facultativa; 3.Consulta obrigatória;
4.Elaboração ou recomendação; 5.Cogestão; 6.Delegação; 7.Autogestão (BORDENAVE,
1998).
Ainda que seja uma atitude do cotidiano que está inata aos seres vivos, a
participação em uma sociedade complexa e globalizada não pode ser minimizada a um
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processo simples. Na verdade, quando inserida no contexto capitalista global, onde as
relações de poder são fortemente delineadas, o processo participativo deve ser
compreendido como uma conquista. A partir desse pressuposto, podemos presumir que a
participação não pode ser compreendida como dádiva, como concessão ou como algo que
já existe. Demo explica que:
Não pode ser entendida como dádiva, porque não seria produto de conquista, nem realizaria o fenômeno fundamental da autopromoção; seria de todos os modos uma participação tutelada e vigente na medida das boas graças do doador, que delimita o espaço permitido. Não pode ser compreendida como concessão, porque não é fenômeno residual ou secundário da política social, mas um dos eixos fundamentais; seria apenas um expediente para obnubilar o caráter de conquista, ou de esconder, no lado dos dominantes, a necessidade de ceder. Não poder ser entendida como algo preexistente, porque o espaço de participação não cai do céu por descuido, e nem é o primeiro passo (DEMO, 2009, p.18)
A arena de exposição, deliberação, tomada de decisões, aplicação e
monitoramento – processos de planejamento e gestão – deve ser a esfera pública. Por
esfera pública, compreendemos o espaço onde os indivíduos se reúnem para deliberar a
respeito de assuntos que perpassam a esfera pública burguesa (CANÇADO et al, 2013).
Entretanto, para que a Gestão Social consiga alcançar um resultado ótimo é necessária a
aproximação dos sujeitos à esfera política. Isto acontece porque é na esfera pública que
acontece os debates sobre as necessidades desses sujeitos e o futuro que lhes aguarda.
É por meio disso que Cançado (2013) define que Gestão Social é compreendida
como “um processo dialético de organização social próprio da esfera pública, fundado no
interesse bem compreendido, e que tem por finalidade a emancipação do homem”. A
Gestão Social não deve ser compreendida como a substituição da Administração Pública,
mas sim como uma característica da mesma, onde as tomadas de decisões buscam o
interesse bem compreendido e, por conseguinte, o bem comum. É sumariamente um
processo participativo criando assim mecanismos para a cidadania deliberativa. Seguindo
os preceitos teóricos de Habermas e Tenório, Cançado (2013) traz as categorias e os
critérios para a compreensão da cidadania deliberativa, que são:
Processo de discussão, avaliado pelos critérios: canais de difusão, qualidade da
informação, espaços de transversalidade. Pluralidade do grupo promotor, órgãos de
acompanhamento, relação com outros processos participativos;
Inclusão, avaliado pelos critérios: abertura dos espaços de decisão, aceitação social,
política e técnica, valorização cidadã;
Pluralismo, avaliado pelos critérios: participação de diferentes atores, perfil dos
atores;
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Igualdade Participativa, avaliada pelos seguintes critérios: forma de escolha dos
representantes; discurso dos representantes; avaliação participativa;
Autonomia, avaliado pelos critérios: origem das preposições, alçada dos atores;
possibilidade de exercer a própria vontade;
Bem comum, avaliado pelos seguintes critérios: objetivos alcançados; aprovação
cidadã dos resultados.
França Filho (2008) diz que a gestão social não se orienta para uma finalidade
econômica, pontua também que tem sido entendida como as mais variadas práticas sociais
de diferentes atores, arrolando atores governamentais, não governamentais e do setor
privado. O autor aponta uma banalização do termo, pois o que não é gestão tradicional
passa a ser visto como gestão social. Ele afirma que a ideia de gestão social diz respeito à
gestão das demandas e necessidades do social, ou seja, da necessidade da sociedade
local. Diz que o social surge no seio da modernidade em uma sociedade onde a esfera
econômica desempenha efetivamente um papel determinante, já que vivemos em uma
sociedade de trabalho, onde o social é identificado como um dos espaços do não trabalho.
Já a respeito da Gestão Estratégica, Tenório aponta que essa dever ser
compreendida como: “uma ação utilitarista, fundada no cálculo de meios e fins e
implementada através da interação de duas ou mais pessoas, na qual uma delas tem
autoridade formal sobre a(s) outra(s)” (TENÓRIO, 1998, p.14). De acordo com o autor:
Por extensão neste tipo de ação gerencial o sistema-empresa determina suas condições de funcionamento e o Estado se impõe sobre a sociedade. É uma combinação de competência técnica com atribuição hierárquica, o que produz a substância de comportamento tecnocrático. Por comportamento tecnocrático, entendemos toda ação social implementada sob a hegemonia do poder técnico ou tecnicoburocrático, que se manifesta tanto no setor público quanto no privado, fenômeno comum às sociedades contemporâneas (TENÓRIO, 1998, p.14).
A formulação da Gestão Estratégica está pautada em um modelo hierárquico,
monológico, coercitivo que busca os objetivos finais sem se atentar para a emancipação dos
envolvidos. A Gestão Estratégica, portanto, inibe a construção da cidadania deliberativa e
fortalece o processo dialético sob a égide da divisão de classes apoiadas em uma
prismática hierárquica. Portanto, a Gestão Estratégica inibe os processos democráticos, pois
não valoriza o exercício da cidadania, sejam eles inseridos em formulações de políticas
públicas ou dentro do âmbito privado – gestão empresarial, sobretudo – bloqueando
também a participação e a capacidade de decisão do trabalhador envolvido.
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3. ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
De acordo com o Observatório Brasileiro de Arranjos Produtivos Locais (OBAPL)
caracteriza-se por Arranjo Produtivo Local uma aglomeração de empresas, localizadas em
um mesmo território, que apresentam especialização produtiva e mantêm vínculos de
articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores locais, tais
como: governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.
O documento Termo de Referência para a Política Nacional de Apoio ao
Desenvolvimento de Arranjos Produtivos Locais (2004) diz que o conceito de APL vem se
dinamizando e consequentemente sofrendo modificações ao longo dos anos. Ainda de
acordo com o documento:
A forma de conceituar e caracterizar o que estamos chamando de APL, neste termo de referência, foi evoluindo da simples indicação de concentração industrial geográfica de pequenos e médios produtores, para abarcar outras dimensões tais como territorialidade e especialização definidas em termos de cultura local, existência de cooperação entre MPME e organização institucional, formas de governança, aprendizagem coletiva, potencial de promover inovações e presença de fornecedores locais. (TERMO DE REFERÊNCIA PARA A POLÍTICA NACIONAL DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE ARRANJOS PRODUVITOS LOCAIS, 2004, p.5)
De acordo com esse termo existem, ao menos, quatro características para se
identificar um Arranjo Produtivo Local: a concentração setorial de empreendimentos no
território; a concentração de indivíduos ocupados em atividades produtivas relacionadas
com o setor de referência do APL; a cooperação entre os atores participantes do Arranjo
(empreendedores e demais participantes), em busca de maior competitividade; e a
existência de mecanismos de governança (TERMO DE REFERÊNCIA PARA A POLÍTICA
NACIONAL DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE ARRANJOS PRODUVITOS LOCAIS,
2004).
Para que um Arranjo Produtivo Local consiga se estabelecer, é necessário que haja
um vinculo entre os determinados sujeitos que compõem esse aglomerado. Não
necessariamente esse vínculo acontece de maneira consistente, podendo acontecer
Arranjos Produtivos Locais em que a troca de relação entre os sujeitos seja incipiente, como
elucida Cassiloato, Lastres e Stallivieri citado por Cançado (2013). É por conta desses
vínculos que surgem formações de redes que podem se comportar de diversas maneiras.
Em outras palavras, essas redes podem ser hierárquicas ou horizontais, simples ou
complexas, com longas vidas úteis ou momentâneas.
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Com o fortalecimento dos elos entre os diversos agentes que podem compor um
Arranjo Produtivo Local, sendo eles parte da sociedade civil, do mercado ou do poder
público, é possível que haja uma melhor organização e estruturação em busca de objetivos
comuns. Essa capacidade organizacional é denominada governança. Quando estabelecida
de maneira satisfatória, o processo de governança faz com que que cada ator envolvido na
constituição de um APL reconheça a interdependência um do outro. Desta forma, não há
uma competividade apoiada no individualismo mercadológico, já que é o Arranjo como um
todo – ou seja, de maneira coletiva – que se torna competitivo (CANÇADO et al, 2013).
A governança participativa precisa se estabelecer como uma liderança diferenciada
que supere os modelos tradicionais hierárquicos de governança. Para tal, é preciso um
modelo heterárquico e dialógico que promova processos decisórios baseados em
consensos que busquem o bem comum. Portanto, a Governança Participativa toma forma
como um contrato social entre as partes envolvidas e sua legitimação acontece de forma
processual e gradual. Isso porque é por meio dos processos e seus resultados positivos que
os atores envolvidos fortalecem a governança e tais processos, apesar de serem dinâmicos,
não são instantâneos.
Os Arranjos Produtivos Locais quando em funcionamento ótimo podem ter a
capacidade de promover o desenvolvimento territorial. Esse desenvolvimento, entretanto,
não deve, de maneira alguma, ser pensado apenas pela prismática econômica. Quando
dessa maneira, a resultante é apenas crescimento econômico – que é apenas uma das
partes necessárias para se alcançar o desenvolvimento pleno e não necessariamente e
distribuído de maneira igual na sociedade. O desenvolvimento em seu sentido amplo
enquadra outros ingredientes que incluem a tentativa de redução da pobreza, a valorização
da cultura, a redistribuição de renda e o uso respeitoso dos recursos naturais.
A simples concentração de empresas de determinada atividade econômica em um
território, nada diz sobre os seus vínculos nem acerca da sua estruturação para o
aprendizado e inovação; as abordagens e conceitos de aglomerados locais, no entanto,
apresentam algumas particularidades, no que se refere à estrutura, operação e agentes
envolvidos, sendo que as diferenças apresentadas se relacionam às especificidades e ao
peso dado a determinadas características ou vantagens dos aglomerados.
A especialização, além de aumentar a escala de produção de cada empresa,
favorece a produção compartilhada, o que, por sua vez, estimula a cooperação e a
inovação. Essas relações socioeconômicas passam a fazer parte do processo de produção.
A passagem do enfoque da empresa individual para o enfoque dos APL’s desloca o centro
da análise para as relações entre as empresas e, entre estas e diversas instituições que
atuam em um determinado espaço geográfico (território). A unidade de análise deixa então
de ser a empresa isolada e passa a ser a comunidade de empresas – o APL.
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Com a globalização, a incorporação da abordagem de APL na esfera das políticas
públicas e privadas ocorreu rápida nos países desenvolvidos. No Brasil, segundo Helena
Lastres:
Tal incorporação de modo concreto, ocorreu a partir de 1999 no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Em parceria com os estados da federação, foram identificados APL nos quais foram apoiados projetos de cooperação entre institutos de pesquisa e empresas, visando aprimorar produtos e processos. Foi também incluída pela primeira vez uma ação em APL no Plano Plurianual de governo (PPA 2000-2003), de responsabilidade do MCT. (LASTRES, 2007, p. 3)
Um dos principais riscos de um APL é que as rendas decorrentes da territorialidade
dos seus ativos sejam corroídas, por exemplo, por tecnologias geradas fora do APL. A
vantagem competitiva de um APL deve ser definida pelos mecanismos de governança
vigentes no arranjo. Dentro de um APL, as estratégias de investimento e a distribuição de
resultados desses são afetadas pela distribuição de poder dentro do arranjo, ou seja, pela
hierarquia dentro da governança. Essa hierarquia de cadeia responde à dupla determinação
setorial: base técnica e mercado: a base técnica é pouco sujeita a mudanças, enquanto os
mercados demandam produtos cujos atributos são rígidos. Dessa forma, o poder tende a se
concentrar nos elos em que predominam economias de escala e assimetrias de informação,
seja em termos de produção, seja em termos comerciais.
A formação do capital social em um APL é de grande importância no que diz
respeito à atividade produtiva inserida em um território composto de um aglomerado de
agentes que precisam unir sinergias para trabalhar em conjunto. O fortalecimento desse
capital social está condicionado à criação de uma rede de cooperação entre atores e
instituições. Nesse sentido, Cardoso (2014) apresenta um roteiro com 7 etapas para o
desenvolvimento de um APL:
1ª etapa – Negociar uma base local de apoio integrada pelos diferentes conjuntos de
atores, tais como empresas, entidades de classe, centros de tecnologia, de
treinamento e formação empreendedora, agências de fomento, crédito etc;
2ª etapa – Realizar diagnóstico sobre o arranjo, identificar a natureza das empresas,
o perfil de lideranças, inovação e cooperação, interface com entidades prestadoras
de serviços, presença/interface dos elos da cadeia, inserção na comunidade,
potencialidades e limitações;
3ª etapa – Sensibilização e capacitação de lideranças/entidades parceiras para
assumir uma postura ativa e integrativa no contexto local, valorizando aspectos
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associados a lideranças e sua importância para o desenvolvimento local. Esta fase
deve ser pautada por exemplos concretos de sucesso obtidos noutras localidades;
4ª etapa – Identificação e capacitação do Agente de Desenvolvimento. Deve-se
verificar se alguma entidade parceira local dispõe de pessoa com perfil adequado,
que possa conduzir o processo. Após a escolha, o profissional deverá realizar
estudos e passar por treinamento sobre o assunto;
5ª etapa – Realização de workshop com a comunidade e atores envolvidos para
discussão do diagnóstico, elaboração do plano de ação com definição de
responsabilidades, designação do fórum setorial e comitê gestor e apresentação do
agente de desenvolvimento;
6ª etapa – Execução do Plano de Ação, distribuição racional das tarefas, esforços e
recursos financeiros para o cumprimento das iniciativas propostas;
7ª etapa – Acompanhamento e monitoramento com a verificação periódica dos
rumos que as ações estão tomando, para correção de eventuais falhas.
4. ARRANJO PRODUTIVVO LOCAL NA BAIXADA FLUMINENSE: O POLO AUTOMOTIVO DE NOVA IGUAÇU
Com explicitado anteriormente, os Arranjos Produtivos Locais são conglomerados
ou clusters de empresas que, para além da proximidade física preservam uma intensa
relação com a localidade e possuem, em comum, uma mesma dinâmica econômica
(CASSIOLLATO; LASTRES, 2006). Dessa forma, a principal consequência da formação de
um APL é a vantagem competitiva das empresas que estão inseridas nessa dinâmica, em
relação às empresas de fora, justamente por preservarem uma gestão coletiva da produção.
Por esse motivo, diversos conglomerados desses vem surgindo a cada dia,
fomentados, inclusive, em boa parte, pela política do governo federal de manutenção de
APLs incentivados (FILHO; PAULA, 2008) e pelo crescimento significativo, nos últimos anos,
de pesquisas sobre “aglomerações” industriais e sobre o “local” como uma fonte de
vantagens competitivas, o que demonstra uma preocupação que, segundo Cassiolato e
Szapiro (2002), só tende a crescer, à medida que se intensifique o processo de
globalização.
Como analisado por Cassiolato e Szapiro (2002), geralmente o processo de
formação de APLs se origina por meio de um agrupamento desordenado de empresas, sem
a preocupação com a união, com a interlocução e com coordenação de ações que visem à
obtenção de ganhos provenientes dessa aglomeração. Não por acaso, foi essa também a
maneira como se formou o APL automotivo de Nova Iguaçu, que será aqui apresentado
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desde sua formação, até sua articulação e desenvolvimento, chegando por fim, a
desarticulação de sua governança coletiva.
O APL automotivo de Nova Iguaçu é reconhecido como o “Polo automotivo” do
município. De acordo com o dicionário Aurélio (2016) uma das formas passíveis de se definir
o termo “Polo” é como o “local que funciona como centro de uma atividade ou núcleo
dinamizador de algo”, ou seja, um Polo pode ser definido como um centro dinamizador de
uma atividade e por isso, é comumente utilizado para nomear aglomerações produtivas.
Para compreender o Polo Automotivo de Nova Iguaçu, remetemo-nos ao que
Cassiolato e Szapiro (2002), já salientaram como importante: ser fundamental destacar o
processo histórico de formação dos APL’s a partir do perfil do território em que está inserido,
neste caso, o município de Nova Iguaçu, localizado na região da Baixada Fluminense,
região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo dados do IBGE do Censo demográfico (2010) a Baixada Fluminense é
composta por 13 municípios (Belford Roxo, Nova Iguaçu, Queimados, Japeri, Paracambi,
Itaguaí, Seropédica, Mesquita, Nilópolis, São João de Meriti, Duque de Caxias, Guapimirim
e Magé) que juntos tem uma população de 3.521.078 habitantes em uma área total de
aproximadamente 2.768.145 km². De acordo com um estudo socioeconômico realizado pelo
SEBRAE (2015), a Baixada Fluminense possui 22% da população total do Estado do Rio de
Janeiro, sendo Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Belford Roxo e São João de Meriti, as
cidades mais populosas da região, respectivamente.
O município de Nova Iguaçu, onde o Polo Automotivo está localizado, possuía em
2010 uma população de 796.257 habitantes, com estimativa de 797.435 para o ano de
2016. Desses 796.257 habitantes, 681.292 são habitantes com mais de 10 anos,
considerados, segundo o censo IBGE (2010), em condição de exercer atividade econômica,
dos quais 365.063 estavam economicamente ativas. É importante revelar, também de
acordo com o censo (2010) que cerca de 60% dos trabalhadores de 15 a 70 anos,
moradores de Nova Iguaçu, trabalham em outros municípios, sendo cerca de 30% desses,
trabalhadores que atuam no município do Rio de Janeiro.
Com referência ao número de atividades econômicas localizadas em Nova Iguaçu,
segundo as Estatísticas do Cadastro Central de Empresas (2014), a cidade possui 9.835
empresas, das quais 9.393 estão em atividade. Essas empresas empregavam, em 2014,
102.058 pessoas, ou seja, cerca de 27,95% dos economicamente ativos no município, com
um salário médio de 2,2 salários mínimos. Desses trabalhadores, 20% estão inseridos no
comércio local, universo que se encontra o Polo automotivo de Nova Iguaçu.
4.1. BREVE HISTÓRICO
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O início do Polo Automotivo de Nova Iguaçu remete a 1973, quando foi inaugurada a
primeira loja de autopeças na Av. Nilo Peçanha, na cidade de Nova Iguaçu. Nas décadas de
1970 e 1980 vislumbrou-se um grande crescimento comercial para aquela área, podendo
ser observado uma grande concentração de lojas de peças automotivas ali já instaladas,
proporcionando a formação de um cenário de concorrência frente à principal referência (até
então) em material automotivo do estado, o Polo Automotivo de São Cristovão, localizado no
bairro do mesmo nome, na zona central na cidade do Rio de Janeiro (SEBRAE, 2009).
Foi no início dos anos 90, com a obra da Linha Vermelha que cortava o centro de
autopeças de São Cristóvão, que os clientes deste Polo, impedidos de comprar por conta de
sua paralisação, migraram para Nova Iguaçu em busca dos serviços automotivos. Esta
migração de clientes impulsionou os comércios já existentes e fomentou o surgimento de
outros, consolidando a cidade como nova referência em peças automotivas no Rio de
Janeiro, de acordo com o SEBRAE (2009).
Assim, o Polo Automotivo de Nova Iguaçu surge de maneira informal e espontânea,
concentrado na Avenida Nilo Peçanha, mas também estendido para as ruas Dr. Luis
Guimarães (antiga 13 de Maio) e Otávio Tarquino, reconhecido, inicialmente, apenas pela
aglomeração territorial de lojas de autopeças que, em princípio, não se viam de maneira
coletiva. Destarte, foi somente com a chegada do SEBRAE, em 2004, que a ideia de APL e
de uma gestão coletiva nos moldes de um Polo começa a se desenhar.
Dessa forma, sob a orientação do SEBRAE, ainda em 2004, iniciou-se um
movimento de organização dos empresários para a criação de uma associação que
defendesse os interesses dessa categoria e trabalhasse em prol do entendimento coletivo
em torno de um APL, finalmente concretizando-o em 6 de outubro de 2005 a partir de uma
série de articulações realizadas pela associação (que ainda permanecia informal). A
associação foi formalizada em 2007, oficializando-se “Associação do Polo Automotivo de
Nova Iguaçu”, tendo sua sede na Avenida Nilo Peçanha.
4.2 O POLO AUTOMOTIVO DE NOVA IGUAÇU: AÇÕES E PROPOSIÇÕES PARA O SEU DESENVOLVIMENTO
Quando o Polo Automotivo de Nova Iguaçu começou a ser moldado, a ideia era
concretizar a imagem da cidade como a sede automotiva do estado. Paralelamente a esse
potencial, outra vocação que a cidade pretendeu desenvolver foi o Polo de Cosméticos.
Juntos, prendia-se que eles gerassem cerca de 7 mil empregos de carteira assinada,
atraindo novas empresas e proporcionando a ampliação dos negócios já existentes, de
acordo com a matéria “ Sete mil carteiras assinadas” do jornal O DIA (2005).
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Para tanto, na constituição do Polo Automotivo foram pensadas estratégias e ações
que contribuíssem no seu desenvolvimento, propostas tanto pela associação, quanto pelo
SEBRAE. Algumas das principais propostas, de acordo com documentos oficiais do plano
de desenvolvimento do Polo (2005), cedidos na entrevista realizada com o SEBRAE, foram:
Sobre marketing
Criação de Logomarca;
Criar o dia “D” com ações conjuntas de desconto e promoções;
Criar um portal de vendas e divulgação pela internet;
Buscar parceria dos lojistas e fornecedores para anúncios coletivos com baixo custo;
Criar sinalização nas principais vias de acesso (Dutra e Via Light);
Buscar parcerias junto à administradoras de cartão de crédito;
Criar sistema de desconto entre as lojas participantes do grupo;
Criar estratégia de divulgação dos melhores preços;
Buscar parcerias junto à fornecedores para ministrarem cursos para funcionários;
Contratar jornalista para confeccionar um jornal de notícias do Polo;
Contratar uma assessoria de imprensa para a divulgação nas principais mídias;
Sobre à capacitação:
Identificar a necessidade de treinamento e desenvolvimento de competências;
Capacitação de empresários e empregados em cursos para melhorar o atendimento
ao cliente;
Criar programas para funcionários que valorizem o polo;
Treinar funcionários em conhecimentos técnicos.
Quanto à articulação:
Articular junto à Prefeitura melhorias urbanísticas e melhorias nos acessos de
entrada e saída do Polo;
Articular Parcerias com instituições financeiras;
Articular parcerias com entidades representativas do comércio;
Articular com a Prefeitura a redução de tributos;
Articular junto a Polícia Militar a colocação de patrulhamento ostensivo para melhoria
do controle da segurança local;
Visando a organização do grupo:
Sistematizar reuniões do grupo;
Organizar comitês para realizar e viabilizar ações simultâneas;
Criar fundo de contribuição para realizações conjuntas;
Criar central de compras do grupo;
Viabilizar um canal de comunicação entre o grupo.
Destarte, desde o início, quando a ideia de Polo se desenhava, tanto a associação
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que se formava, quanto o SEBRAE que fomentava e apoiava tecnicamente essa formação,
buscaram, uma a uma, a concretização das propostas para o desenvolvimento pleno do
Polo.
Entre as ações propostas para o Marketing destacam-se a criação de uma nova
logomarca que atendesse a identidade visual do Polo que se desenhava, a criação do portal
de informações e divulgação (sob o domínio www.poloautomotivo.com.br), as parcerias com
as administradoras de cartões, as parcerias para capacitação de colaboradores e
empresários e para oferecer descontos com uma série de instituições de educação e
serviços para esse público através da criação da UNIPOLO (Universidade do Polo
Automotivo) que de acordo com o SEBRAE (2009), capacitou 1.713 pessoas, entre
empresários e colaboradores, nos 36 cursos oferecidos, num total de 420 horas de
treinamento. A confecção de um jornal do Polo, o informativo “O Lojista”, e a realização de
eventos, tais como a Feira de Negócios do Setor - o Encontro Automotivo (2004) e o II
Encontro Automotivo (2006) – ambos com participação de mais de dez mil visitantes.
As articulações e o os eventos organizados pelo Polo, além de possuírem o objetivo
de viabilizar às pequenas empresas do setor de autopeças o acesso às compras em
grandes empresas, proporcionando um ambiente de negociações entre elas, bem como o
acesso a informações, serviços e produtos de maneira organizada, estiveram ainda
associadas ao “Prêmio de Qualidade no Atendimento ao Consumidor” coordenado pela
CDL-NI (Câmara de Dirigentes Lojistas de Nova Iguaçu), o que garantiu que as ações do
Polo, também estivessem voltadas à capacitação, conferindo-lhes maior confiabilidade e
transmitindo o esforço coletivo das empresas em servir com qualidade e seriedade aos
clientes, nas palavras do então presidente do Polo Automotivo Claudio Rosemberg para o
informativo “O Lojista” (2006).
Entre as ações propostas no eixo das articulações, para além dos eventos já
mencionados, o Polo estabeleceu algumas importantes parcerias como com a CDL-NI e
com a Caixa Econômica Federal, quem patrocinou o “Guia de Serviços do Polo”. Com a
prefeitura a conquista foi em relação à legalização das vagas de estacionamento do lado
esquerdo das três ruas que compõem o Polo e também ao reconhecimento, em 2009, da
utilidade pública da Associação do Polo Automotivo de Nova Iguaçu, pela Lei nº 3.991, na
Câmara Municipal de Nova Iguaçu, conforme indicam os documentos cedidos pelo SEBRAE
e informações obtidas na entrevista com a mesma instituição. Sobre a Organização do
grupo, a regulamentação em 2007 da Associação e as reuniões mensais entre os anos de
2004 e 2014 foram as maiores conquistas, nas palavras do ex diretor de Marketing da
Associação, em entrevista realizada.
A elaboração do Plano Estratégico para o Polo também foi fundamental para o seu
desenvolvimento e consolidação entre os anos de 2004 e 2014. Esse Plano foi formatado a
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partir das inúmeras ações propostas já mencionadas e de um diagnóstico realizado
periodicamente pelo SEBRAE. Esse diagnóstico, somado as reuniões da associação, deu
origem a um direcionamento estratégico a ser seguido, orientado por uma gestão
estratégica para resultados cuja metodologia utilizada foi a Metaplan (utilização de tarjetas
para o planejamento com visualização e método de planejamento de projeto orientado para
objetivos, visando facilitar o planejamento cooperativo), como explicou o SEBRAE em
entrevista.
Dessa forma, o trabalho foi desenvolvido através de um processo estruturado de
reflexão e construção do planejamento, buscando a projeção compartilhada de um futuro
desejado. Assim, foram estabelecidos possíveis obstáculos à realização do plano e
identificadas ações necessárias à sua superação, para por fim, ser desenhado um plano de
ação.
A missão traçada para o Polo foi a de “Unir, integrar e organizar as empresas do
setor automotivo de Nova Iguaçu para mobilizar parceiros em práticas de melhoria contínua
para atender as necessidades crescentes de gestão, qualidade no atendimento, bem como
oferta de produtos e serviços aos clientes”.
O objetivo geral do plano estratégico para o desenvolvimento era o de fortalecer as
“micro e pequenas empresas” do setor automotivo para que Nova Iguaçu se tornasse o
principal polo do Estado no setor. Para tanto, os focos estratégicos do plano visaram a
segurança, a infraestrutura, a organização, a capacitação e o marketing, como já salientado.
E os objetivos específicos traçados foram seis: 1) Agir como interlocutor entre o poder
público e outras instituições governamentais para articular melhorias de infraestrutura,
facilitando a logística e o acesso através de uma sinalização mais racionalizada; 2)
Reurbanizar o Polo Automotivo a fim de dar mais identidade ao local e proporcionar maior
sentido de unidade através de uma visibilidade padronizada; 3) Buscar melhorias na
questão da segurança com a finalidade de gerar um ambiente mais adequado para a
geração de negócios; 4) Promover cursos e palestras visando a capacitação do colaborador
e a qualificação do empresário; 5) Buscar parceiros para o desenvolvimento de projetos que
tragam vantagens comerciais para os clientes, possibilitem vantagens financeiras para os
associados e ganhos sociais para a população em geral; 6) Dar maior visibilidade ao Polo
na mídia, ressaltando sua importância no cenário automotivo e atraindo a atenção do setor
para maiores investimentos e apoios institucionais.
Assim, uma vez concretizado e em pleno desenvolvimento, os setores abrangidos
pelo Polo foram: autopeças (lojistas e distribuidores), acessórios, ferramentas, pneus e
rodas, aparelhos e sistemas para diagnóstico e medição, oficinas mecânicas, equipamentos
de transporte, proteção individual (capacetes e vestuário), equipamentos para pintura e
solda, som, capotaria, postos de gasolina, agência de carros, lojas de tintas automotivas,
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conversores de GNV, dentre outros.
Portanto, possuindo cerca de 120 empresas especializadas no segmento
automotivo, gerando mais de 1500 empregos diretos e cerca de outros 1000 indiretos,
atendendo um público proveniente de todo o estado do Rio de Janeiro e, atingindo ainda,
algumas cidades de estados vizinhos, sendo referência no mercado nacional com a maior
concentração de autopeças e serviços automotivos do país, de acordo com o SEBRAE
(2009), o Polo Automotivo de Nova Iguaçu, dava fortes indícios de que se fortalecia, a cada
dia, rumo a uma gestão estratégica plena. As matérias do jornal “O Dia” (2005) no caderno
da Baixada “Clientes de todos os Cantos”, “Compradores vem de longe”, “Estrangeiros nas
Ruas – quantidade de carros importados na Baixada Fluminense cresce 7% a cada ano” e
“Centro que gera empregos – Polo da Nilo Peçanha tem 110 lojas de autopeças com 1500
postos de trabalho”, dão uma ideia do que se esperava do Polo.
Reforçando a imagem de que o Polo se desenvolvia a plenos vapores e de que a
gestão estratégica dava certo, foi criado, em 2009, o Guia de serviços do Polo Automotivo,
um projeto para a divulgação dos serviços e utilidades do APL assim como da região de
Nova Iguaçu, intencionando inserir, definitivamente no mapa, a cidade. Foram impressos 30
mil guias, elaborados pelo SEBRAE e pela Associação do Polo e viabilizados pela Caixa
Econômica Federal, quem disponibilizou os recursos, de acordo com o jornal O Lojista
(2008).
4.3 DA DESARTICULAÇÃO DO PLANO ESTRATÉGICO AO FINAL DA GESTÃO COLETIVA: O PRESENTE DO APL AUTOMOTIVO DE NOVA IGUAÇU
Para o desenvolvimento e sobrevivência plena de um APL, de acordo com Tenório
(1998) é necessário que existam mecanismos para que seus agentes alcancem um grau
ótimo de participação. Em outras palavras, significa dizer que para uma governança
participativa na gestão de um Arranjo Produtivo Local existe a necessidade de que todos os
agentes explicitem as suas ideias e tenham voz.
Entre os anos de 2004 e 2014 o APL automotivo de Nova Iguaçu experimentou
uma fase de desenvolvimento, muito por conta do plano de desenvolvimento estratégico
desenvolvido em parceria com o SEBRAE e implementado a partir de uma gestão
estratégica. No entanto, cabe ressaltar que, a metodologia orientada para a produção de
resultados e para o desenvolvimento econômico do Polo, pode ter minado, no decorrer dos
anos, a participação dos empresários.
Tal argumento ganha força se entendermos que a gestão estratégica inibe a
edificação da cidadania deliberativa, fortalecendo, como já apontado, o processo dialético
pautado pela divisão de classes sob um prisma hierárquico. Essa questão, tal como revelou
o ex diretor da Associação do Polo em entrevista, de fato foi observada no APL, tendo em
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vista uma gestão cada vez mais centralizada nas mãos de um presidente e sob o enfoque
de um pequeno grupo de interesse.
De acordo com o SEBRAE em entrevista cedida, foi por ter notado que o interesse
dos empresários, de maneira geral, se esvaia, permanecendo as decisões nas mãos de um
pequeno grupo, que em 2014 a empresa consultora se retira do Polo. Como resultado, neste
mesmo ano, a sede da Associação do Polo Automotivo também é fechada e o grupo para
de se reunir, apontando, definitivamente para o final do que restava de governança
participativa.
Segundo o SEBRAE, foi à visão individualista dos lojistas, que não compreendiam a
importância do trabalho coletivo para o sucesso do APL, o fator preponderante para a
decadência da coletividade construída. Entretanto, é preciso concordar com Tenório (1998)
quando ele coloca que a Gestão Social muitas vezes é confundida ou transfigurada por um
processo de Gestão Estratégica. É importante perceber que todo o desenvolvimento do Polo
mais se preocupou com um desenvolvimento orientado para o lucro do que para trabalhar a
coletividade, personalizando, inclusive, processos de decisões na Associação ou na figura
do presidente do Polo.
Dessa forma, de acordo com Cardoso (2014), do ponto de vista da importância para
o desenvolvimento local, o APL Automotivo de Nova Iguaçu pode ser considerado entre os
anos de 2004 e 2014 como um Polo em desenvolvimento, justamente porque o possibilitou
a atração de novas empresas e incentivou os empreendedores locais a também participar
da geração de renda do novo movimento. Mas a partir de 2014, em função dos vários
problemas relativos à falta de uma gestão social e da fragilidade da governança coletiva,
pode ser caracterizado como incipientes porque continua interferindo positivamente na
arrecadação do município e no número de empregos gerados, mas os resultados obtidos
estão muito longe de toda a sua potencialidade.
Assim, mesmo assumindo que a partir de 2014 o vinculo das empresas do Polo
Automotivo não é mais consciente, pois eles não se reconhecem mais, na prática como um
polo. Legalmente (porque são reconhecidos por lei municipal) e também por conta de sua
organização há, ainda que de forma incipiente, a troca de relação entre os sujeitos ali
presentes, principalmente porque é a proximidade que os torna um atrativo.
Em entrevista (apêndice 1) com o diretor de Marketing da extinta Associação do Polo
Automotivo há 30 anos como lojista nessa região, é possível compreender, de maneira
resumida, o contexto de surgimento, desenvolvimento e desarticulação coletiva do Polo.
Dono de uma loja de Ar condicionados automotivos, o empresário confirma que o Polo
surge com a migração dos clientes do Polo de São Cristóvão, prejudicado pelas obras da
Linha Vermelha. Começa a ser encarado de forma coletiva somente a partir dos anos 2000,
principalmente em 2004 quando o SEBRAE chega para compor a parceria como uma
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espécie de consultor.
Embora afirme que tenha havido resistência quanto a proposta de se pensar e
implementar uma gestão social para o APL, o empresário percebe a necessidade de se
trabalhar coletivamente e entende como importante a criação da associação para pleitear
melhorias e resultados significativos. Outro ponto destacado foi o trabalho do SEBRAE que,
segundo ele, foi fundamental na orientação aos empresários e nas ações planejadas e
concretizadas em relação ao desenvolvimento econômico do Polo.
De acordo com o ex diretor de Marketing, o fim do plano estratégico, em 2014, foi
uma via de mão dupla: se deveu tanto ao desinteresse dos empresários em trabalhar
coletivamente por não entenderem os benefícios de uma gestão voltada para o resultado
coletivo, quanto pela saída do SEBRAE que se desmotivou por conta da falta de
participação dos lojistas na tomada de decisões no Polo.
Para o empresário, os principais desafios desse Polo, atualmente, são a falta de
mobilidade, infraestrutura de saneamento e a precária pavimentação das ruas, que
poderiam ser pleiteados de maneira mais contundente se houvesse uma governança
coletiva. De fato, salienta que o trabalho por uma gestão social não foi contundente e que as
metas acabaram sendo fixadas muito mais no âmbito econômico, por conta dos resultados
do plano estratégico, que no social.
Sobre ser interessante resgatar a gestão coletiva do Polo, o empresário salienta ser
preciso pensar em uma gestão que conte com incentivos e investimentos externos, que
capte recursos e organize eventos a fim de alavancar os negócios. Ele salienta que com a
desarticulação da gestão coletiva do Polo, as lojas âncoras foram as maiores beneficiadas,
uma vez que tiveram seus funcionários treinados no período de articulação, e hoje exercem
o domínio econômico do APL, justamente por não serem interdependentes das demais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de não configurar um modelo hegemônico, a gestão social surge como
alternativa à gestão estratégica com o objetivo de emancipar os sujeitos envolvidos em um
processo tanto no âmbito privado como no publico. A gestão social tem como fim o bem
comum, e para alcança-lo, se apoia em um modelo dialógico, participativo, de conhecimento
amplo e consensual.
Os Arranjos Produtivos Locais (APLs) quando geridos sob a perspectiva social, tem
a capacidade de, além do crescimento econômico, promover o desenvolvimento em seu
sentido mais amplo, levando em consideração os aspectos socioculturais e ambientais.
É essa a questão aqui apresentada: as circunstâncias de desenvolvimento do Polo
Automotivo de Nova Iguaçu. Mesmo que não se reconheçam enquanto APL, não se pode
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deixar de pensa-lo como tal, como um importante exemplo de aglomeração produtiva que,
mesmo atualmente incipiente, impacta o território.
É indiscutível que o Polo, ainda que tenha sofrido um processo de retração e de
ruptura na gestão coletiva, que como mostrado mesmo antes se preservava fraca por estar
gerida em meio a um processo de gestão estratégica em detrimento de uma gestão social,
preserva características fundamentais que o colocam como território de destaque, ainda
hoje, no cenário regional da Baixada Fluminense.
É fundamental destacar, no entanto, que embora tenha passado por um extenso
processo de desenvolvimento entre os anos de 2004 e 2014, principalmente devido a
articulação com o SEBRAE que traçou seu plano estratégico de desenvolvimento, existem
fortes indícios de que a falta de uma gestão voltada para o social, ao invés de
exclusivamente para os resultados econômicos, tenha contribuído para o enfraquecimento
das relações do grupo e para o não entendimento dos termos e da importância de uma
governança participativa.
Como apontado pelo SEBRAE na entrevista e nos documentos fornecidos, houve
grande preocupação com a gestão estratégica, e muito se trabalhou na obtenção de
resultados (econômicos). Dessa forma, nota-se que pode ter havido a comumente confusão
entre gestão social e gestão tradicional, ou ainda uma transfiguração da gestão estratégica,
acreditando ser ela capaz de dar conta de uma gestão social, tal como relata Tenório
(1998).
De fato, o que se pode garantir é que outros estudos ainda precisam ser feitos no
intuito de entender, de maneira complexa, o Polo Automotivo de Nova Iguaçu. Destarte, este
artigo cumpre seu objetivo em mostrar que a gestão traçada para o APL foi ineficiente e em
indicar que o Polo ainda sobrevive, apesar de operar abaixo de seu potencial.
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