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DUARTE LIMA Dinheiro viajava em malas entre Lisboa e Genebra Dezenas de clientes da rede de branqueamento de capitais, lide- rada pelo banqueiro Michel Ca- nais, entravam pela porta do n 135 da rua do Ouro, em Lisboa, com malas de viagem cheias de euros. dentro, o dono, Fran- cisco Canas, arranjava forma de as enviar de avião para a Suíça, onde o dinheiro era transforma- do em dólares, sustentam os in- vestigadores que conduziram a 'Operação Monte Branco' a que está associado Duarte Lima. A rede começou a operar em 2006 e os fluxos financeiros atingiram 200 milhões de eu- ros, dos quais foram apreendi- dos cerca de 450 mil. P2O

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Page 1: viajava em malas entre...milionário Lúcio Thomé Feteira. Este te-rá sido o último de dez telefonemas entre o português e o suíço durante os três dias em que Duarte Lima esteve

DUARTE LIMA

Dinheiroviajavaem malasentreLisboae Genebra

Dezenas de clientes da rede de

branqueamento de capitais, lide-rada pelo banqueiro Michel Ca-

nais, entravam pela porta do n

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135 da rua do Ouro, em Lisboa,com malas de viagem cheias de

euros. Lá dentro, o dono, Fran-cisco Canas, arranjava forma deas enviar de avião para a Suíça,onde o dinheiro era transforma-do em dólares, sustentam os in-vestigadores que conduziram a'Operação Monte Branco' a queestá associado Duarte Lima.

A rede começou a operar em2006 e os fluxos financeirosatingiram 200 milhões de eu-ros, dos quais foram apreendi-dos cerca de 450 mil. P2O

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JUSTIÇA'Monte Branco' Mais de 30 buscas na operação. Rede trocava euros por dólares

Malas com notas iamde avião para a Suíça

Texto HUGO FRANCO, MICAELPEREIRA e RICARDO MARQUES

Infografia SOFIA MIGUEL ROSA

A loja da Rua do Ouro serviade fachada para lavagem de dinheiro

á velhos hábitos difí-ceis de perder. À pri-meira vista, a peque-na loja de medalhasde Francisco Canasno número 135 da ruado Ouro, em Lisboa, é

apenas isso. Uma lojade medalhas. No en-

tanto, o Ministério Público está conven-cido de que foi a porta de entrada paramilhões de euros que a rede do banquei-ro Michel Canais — desmantelada a se-mana passada — se encarregava de

branquear em operações que iam daBaixa pombalina à Suíça.

As notas de euros de dezenas de clien-

tes, como Duarte Lima, eram arrumadasem malas de viagem e seguiam de aviãoaté Genebra, onde eram trocadas por dó-lares por intermediários de Francisco Ca-nas. Uma operação cambial, tão simplescomo ilegal, mas que até 1975 era o negó-cio, na altura legítimo, da família FrancoCanas, que gere a casa das medalhas. "Arede utilizava o chamado esquema dacompensação, o mais clássico dos méto-dos de branqueamento de capital", refe-re uma fonte judicial.

Numa rua de enorme movimento, as en-tradas e saídas da minúscula loja de me-dalhas de Francisco Canas (proibido peloBanco de Portugal de exercer atividadecambial desde 2005) passavam desperce-bidas até aos vizinhos mais próximos, ex-plica. Os clientes especiais, pouco interes-sados em medalhística, atravessavam a

porta com malas carregadas de dinheiro.Depois, saíam sem elas. Canas e algunsoperacionais tratavam do resto: levavamo dinheiro de avião até à Suíça, onde os

euros se transformavam em dólares e to-dos ganhavam. Os clientes evitavam im-

postos, Canas recebia uma comissão de1% e a empresa financeira Akoya Asset

Management juntava alguns milhões à

sua carteira de ativos. Simples e, duranteanos, indetetável pelas autoridades.

O Ministério Público, que na semanapassada desencadeou a 'Operação Mon-te Branco' (já fez cinco arguidos, entreeles Michel Canais e Francisco Canas,ambos detidos) ainda não tem uma ideiaconcreta da lista total de clientes. Até

porque a rede do banqueiro suíço, assen-te na Akoya, também tinha atividades le-

gais. Nos últimos dias, para desagradodos investigadores, surgiram vários no-mes de figuras públicas, da banca à polí-tica, associados à empresa suíça, que es-tá no epicentro de um dos maiores es-

quemas ilegais de fuga ao fisco e bran-queamento de capitais. "Os nomes quetêm aparecido nos jornais são pura espe-culação. Exceto Duarte Lima, não háaté ao momento nenhuma figura públi-ca investigada", diz a mesma fonte judi-cial, que não confirma as notícias sobreas escutas telefónicas feitas a vários ban-queiros, na operação.

Nos últimos dias os investigadores do

Departamento Central de Investigação e

Ação Penal (DCIAP) e da Inspeção Tribu-tária fizeram mais de 30 buscas a escritó-rios de advogados e a casas de interme-diários portugueses da rede. A advogadae administradora do jornal "Sol", AnaBruno, é um dos nomes mais insistente-mente referidos como estando ligada ao

branqueamento de capitais da Akoya,mas a mesma fonte refere que só se con-firma a sociedade entre a advogada e Mi-chel Canais na construção de um hotelno novo aeroporto de Berlim. Ana Brunonão respondeu às perguntas do Expres-so; o seu sócio de escritório, Francisco

Mendonça Tavares, advogado de MichelCanais, também não.

A aparente simplicidade dos negóciosde Canais esconde, porém, uma comple-xa teia, com ligações improváveis. Umadelas passa por Duarte Lima, que, segun-do fonte ligada ao processo, ao ser inter-rogado, só referiu dois nomes ligados àrede da Akoya: o de Canais e o de José

Pinto, outro dos arguidos (saiu em liber-dade com uma caução de 200 mil). "Nun-ca o de qualquer banqueiro ou político."Sobre José Pinto, os dados conhecidos

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ainda são poucos. Quanto a Canais, a his-tória torna-se mais densa.

O telefone suíço

Quatro horas antes de se encontrar comRosalina Ribeiro, a 7 de dezembro de

2009, Duarte Lima telefonou para um te-lemóvel suíço, que as autoridades brasilei-ras suspeitam ser de Michel Canais. As an-tenas de telemóvel colocam o ex-deputa-do na Praia do Flamengo, bairro onde mo-rava a sua cliente e ex-companheira domilionário Lúcio Thomé Feteira. Este te-

rá sido o último de dez telefonemas entreo português e o suíço durante os três dias

em que Duarte Lima esteve no Brasil, de6 a 8 de dezembro.

"No dia anterior ao homicídio de Rosali-

na, Lima ligou várias vezes de um cartãopré-pago suíço para esse número, enquan-to conduzia de Belo Horizonte até ao Riode Janeiro. No dia seguinte, continuaramos telefonemas entre os dois até às l6h",conta uma fonte policial ligada à investiga-ção do homicídio. O Expresso tentou ob-

ter declarações do advogado de Duarte Li-ma no processo do Brasil, sem sucesso.

Canais geria as contas bancárias de Ro-

salina e também de Duarte Lima e teráajudado o advogado a receber na sua con-ta, em várias tranches durante 2001, €5,5milhões que tinham saído da conta con-

junta da portuguesa com Feteira. Segun-do o MP brasileiro, Lima terá assassinado

Rosalina por esta se ter recusado a assi-

nar um documento que o ilibava do des-vio de milhões da herança Feteira. Ca-

nais, por sua vez, é suspeito de ter falsifi-cado, em 1998, a assinatura de Feteira naconta conjunta com a ex-companheira.hfranco @ expresso.impresa.pt

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A testemunha'misteriosa' de LimaO processo do homicídio deRosalina Ribeiro dá mais umpasso, dia 30. Um motorista e ummediador imobiliário são duas dasprincipais testemunhas da defesa

A audiência de instrução sobre o homicí-dio da portuguesa Rosalina Ribeiro, mar-cada para dia 30, quarta-feira, no tribu-nal de Saquarema, arredores do Rio de

Janeiro, será decisiva para Duarte Lima.Será realizada pelo juiz Ricardo Pinhei-ro Machado, da Segunda Comarca do

Município de Saquarema, e vai decidirse o português vai ou não ser julgado pe-lo crime de homicídio qualificado.

O ex-deputado, que está em prisão do-miciliária com pulseira eletrónica no seu

apartamento da Visconde Valmor, em

Lisboa (pelo caso de burla ao BPN), con-ta com oito testemunhas e aposta no de-

poimento de Horácio Fernandes, media-dor imobiliário de Belo Horizonte que,segundo a tese da defesa, irá tentar escla-recer onde estava e o que fazia Lima naregião de Saquarema no dia anterior aohomicídio da ex-companheira do milio-nário Lúcio Thomé Feteira.

Em depoimento por escrito, o advoga-do chegou a dizer à polícia brasileira queinvestigou o caso que nunca tinha esta-do naquela zona, exceto na noite de 7 dedezembro de 2009, em que deu boleia àsua cliente, do Rio de Janeiro até Mari-cá, onde esta veio a ser assassinada. Asautoridades conseguiram provar, po-rém, que o Ford Focus alugado por Li-ma circulou no dia 6 durante cerca de

três horas pelas estradas da região, a par-tir das multas por excesso de velocidaderegistadas pelos radares.

"Por que só aparece agora esta teste-munha?", pergunta um investigador do

crime, que acredita que este "misteriosomediador imobiliário" só irá complicar a

estratégia de Duarte Lima, acusado pelajustiça brasileira de ter assassinado Rosa-lina. E deixa mais interrogações: "Se hárealmente uma pessoa que teve com eleum encontro, por que razão o portuguêsnos mentiu? O que queria esconder? Eque assunto tratou com essa pessoa? Omediador era conhecido de Rosalina?Quem o indicou para tratar de assuntosrelativos a imóveis?" Lima só viria a assu-

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mir que esteve em Saquarema a 6 de de-zembro depois de o Ministério Públicodo Rio o acusar de homicídio, em 2011,mas nunca referiu o nome do mediador.

O advogado brasileiro João Costa Ri-beiro Filho, que defende Duarte Limano caso do homicídio, escusou-se a res-ponder a estas e outras dúvidas do Ex-presso: "Não comento factos do proces-so", declarou por telefone. O mediadorimobiliário também nunca respondeuàs perguntas.

Viagens ao Brasil

Além de Horácio Fernandes, há outro tes-temunho importante para a defesa. É o

de Wenderson Oliveira, motorista de exe-cutivos e homem de confiança de DuarteLima sempre que este se deslocava aoBrasil. Terá sido ele a conduzir o portu-guês, a 7 de setembro de 2009, de Minasaté ao Rio de Janeiro, onde se encontroucom Rosalina. E em novembro, quandoLima voltou ao Rio e terá estado na Praiado Flamengo, zona do apartamento deRosalina.

Durante a investigação, a polícia sem-

pre desconfiou que Wenderson não con-tou toda a verdade dos factos. Mas ne-nhum depoimento pôs em xeque as decla-

rações do ex-líder parlamentar do PSDsobre os movimentos entre 6 e 8 de de-zembro de 2009. As autoridades pensamque o motorista não esteve com Lima du-rante a sua última deslocação ao Brasil.Ao contrário do que era habitual, o portu-guês optou por alugar um carro numrent-a-car em Minas Gerais e terá viaja-do até ao Rio sem Wenderson.

Entre as restantes testemunhas da defe-sa—a maioria não estará presente emSaquarema e prestará depoimento peran-te outros juizes — encontra-se uma mu-lher chamada Ana Cristina, de Belo Hori-zonte, e amigos de Rosalina Ribeiro, co-mo a fadista Maria Alcina Duarte e Rose-

mary Espínola, também arroladas pelaacusação. O advogado João Costa Ribei-ro Filho chamou ainda para depor dois

agentes da Polícia Militar que foram con-tratados como seguranças privados porOlímpia Feteira, filha do milionário deVieira de Leira, durante uma viagem aoBrasil em novembro de 2009. h.f.

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