viajando com eckhout

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Viajando com Eckhout Roteiros para viajantes-professores Recife · 2002

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Recife · 2002

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Sumário

Convites para uma viagemDuas perguntas às professoras e aos professores 3Joaquim FalcãoEducar é preciso! 5Regina Batista e SilvaCarta aos professores e às professoras 7Núcleo Educação

Aventurar-se 9

Olhando pelo telescópio: potencialidades das expedições 12

Viajando com Eckhout pela pluralidade das etnias 19

Viajando com Eckhout e encontrando culturas 26

Viajando com Eckhout e celebrando a natureza 33

Diário de bordo — a memória da viagem 40

Glossário 41

Bibliografia recomendada 46

AnexosArte e Ciência no Brasil Holandês 48Elly de VriesLendo a linha do tempo 53Roberta AymarLinha do tempo 56

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Permitam que faça algumas perguntasaos nossos professores. São as seguintes:o que mais chamou a atenção de Eckhoutquando esteve aqui no Recife e em Olindahá mais de trezentos anos? O que tantoo impressionou, a ponto de inspirar suapintura e sua arte? Depois: qual a princi-pal tarefa da professora ao apresentarEckhout a seus alunos? Como podementender, hoje, uma arte feita há cen-tenas de anos? Vejamos as respostas,uma a uma.

Primeiro, Eckhout logo percebeu quenosso povo, o brasileiro de então, nãoera branco como o europeu. Era dife-rente. Era uma mistura de etnias: bran-ca, negra e índia. Era, como ainda somos,e a cada dia mais, um povo mestiço.Mameluco. Ameríndio. Foi uma grandenovidade. Diversidade étnica.

Segundo, Eckhout viu e se encantou comuma natureza exuberante e delicada aomesmo tempo. Diferentes fauna e flora.Nada parecido com seu país, com a Ale-manha. Frutas e flores nunca antes ima-ginadas, como hibiscos; animais estra-

Duas perguntas às professorase aos professores

Joaquim Falcão

nhos e intrigantes, como caranguejos.Uma mata, uma terra, um mar, uma pai-sagem de grande beleza e novidade, umdeslumbramento enfim.

Finalmente, Eckhout viu também umacultura muito diferente da sua. As pes-soas se vestiam diferentemente. Co-miam de forma diferente. Tinham re-ligiões estranhas. Eram até antropó-fagas! Falavam línguas incompreensí-veis, tomavam banho diariamente.Hábitos estranhos quando compara-dos com os seus.

Eis aí uma possível resposta para a nos-sa primeira pergunta. O que chamou aatenção de Eckhout e que ele fixou paraa eternidade, em suas pinturas, foi umanatureza múltipla e exuberante, umpovo mestiço, a partir de várias étnias,e uma cultura diferente, nem bárbara,nem européia.

Qual então a principal tarefa da profes-sora ao apresentar a seus alunos essesquadros, esse olhar de Eckhout sobrePernambuco, sobre o Brasil?

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Ao meu ver, a tarefa fundamental sópode ser uma: estimular para que todosentendam e gostem ainda mais do nos-so Recife, do nosso Pernambuco, donosso Brasil. Estimular a auto-estima dobrasileiro. Que o aluno defenda, prote-ja e preserve nossos rios, nossos mares,nossas matas, nosso ar, nossa cidade. Enão aceitem a poluição, a destruição, adevastação. Celebrem nossa naturezacomo a beleza que Eckhout retratou.

Que nossos alunos se orgulhem de nos-so povo, forte, plural e mestiço, comoRivaldo ou Ronaldinho. Que nossos alu-nos combatam a discriminação racial, opreconceito e a desigualdade social.

Por fim, que nossos alunos pratiquem,no dia-a-dia, a nossa cultura, a nossamúsica, a nossa dança, a nossa culiná-ria, os nossos sorvetes das frutas quemaravilharam Eckhout; se orgulhem denossa maneira de ser; que sejam nor-destinamente brasileiros.

Tudo isso pode ser feito, e a professorapode mostrar aos alunos, através doolhar de Eckhout, que parte do passa-do, mas que agora é o presente, nãomais de Eckhout, mas nosso. Um olharque, sendo crítico, é, sobretudo, cons-trutivo. Que explica e rejeita a antropo-fagia, por exemplo, e defende a solida-riedade social. Um olhar de esperançano futuro dos próprios alunos. Sem queo aluno acredite que o futuro possa sermelhor que o presente e o passado, nãohaverá futuro. A principal tarefa do pro-fessor é esta: é buscar, através de

Eckhout, um futuro que nos engrande-ça, na preservação da natureza, na cele-bração do povo mestiço e no respeitoàs diferenças culturais.

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Educar é preciso!

Iniciar um novo trabalho exige esforçoconcentrado e objetividade no que sequer atingir. Implantar uma propostade educação e ação cultural em museusé sempre um desafio para museólogose educadores que reconhecem a neces-sidade de novas práticas pedagógicaspara além das funções tradicionais dosserviços de informação. O desafio é,portanto, encontrar novos enfoques eestratégias para a apresentação de ex-posições e para a organização de ativi-dades pedagógicas e interativas, quepermitam ao museu motivar os indiví-duos a encontrar sua própria identida-de e a compreender o mundo que o ro-deia. Despertar a consciência cultural dopúblico, motivá-lo a aprender algo novoe ganhar sua simpatia e seu apoio é ta-refa que só poderá dar certo com a to-tal participação e cooperação do con-junto de profissionais envolvidos coma educação e o patrimônio.

Para ilustrar claramente essa experi-ência, o Instituto Ricardo Brennand estávivenciando pela primeira vez uma ação

Regina Batista e SilvaMuseóloga

educativa e cultural para a exposiçãoAlbert Eckhout volta ao Brasil 1644–2002.

Congregando instituições de ensinopúblico e privado, educadores,museólogos e técnicos numa visãomultidisciplinar — Arte, História, Ciên-cias, Geografia e Literatura Portuguesa—, propomos uma programação volta-da para a capacitação, a formação doolhar e a apreciação da obra deEckhout, reunida num conjunto de 24telas pintadas em Pernambuco por esseartista e botânico holandês, que esteveno Brasil há 360 anos com o CondeMaurício de Nassau. Essa relação entrearte, ciências e identidade cultural sina-lizou para uma prática pedagógica inte-grada como forma de consolidar o en-tendimento entre a produção de AlbertEckhout no séculoXVII e a vida brasi-leira contemporânea. O compromissocom a educação, mais uma vez, faz-sepresente, beneficiando o público emgeral, que recebe o seu passado trans-formado, por assim dizer, tratado e apre-sentado através de métodos que são

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próprios da comunicação museológica,ou seja, a exposição.

A proposta educativa consistiu em for-necer os meios de conhecimento da obrade Eckhout, com o intuito de facilitarsua interpretação, a partir dos seguin-tes referenciais: a história local, nacio-nal e mundial; Pernambuco, Brasil,Holanda e Europa no século XVII; re-lações interétnicas e culturais, meioambiente e paisagem.

Ao mesmo tempo, julgamos importan-te fundamentar os conhecimentos abor-dados, pois, no contexto atual, arte-edu-cação não representa mais trabalharmateriais e técnicas, mas, sim,instrumentalizar o olhar para a compre-ensão da realidade onde a arte se inse-re. E o professor, enquanto educador,é o mediador e responsável pelo acessoaos novos códigos de leitura da obra dearte, condição para o desenvolvimentodo aluno e de possibilidades de estabe-lecer uma reflexão crítica sobre os fe-nômenos artísticos.

Nessa perspectiva, a exposição, como lin-guagem de comunicação da arte, permi-te usar simultaneamente de todas as fa-culdades do conhecer, do sentir, do cons-tatar, do refletir e do interpretar, numcenário/exposição onde o aprendizado serealiza de modo comprometido eenvolvente, mas sem o formalismo dosistema tradicional de ensino, o livro.

Esperamos, assim, que essa exposição,pelos conteúdos que propõe, seja um

momento de crescimento não apenasintelectual, mas também lúdico; um lo-cal de evocação das origens, umreferencial para o entendimento da cul-tura brasileira. Dessa forma, é que en-tendemos o indivíduo como senhor desi mesmo e dos seus conteúdos, a par-tir do acesso a coisas, lugares, proces-sos, acontecimentos e registros. A ga-rantia desse acesso representa, em sín-tese, um passo importante no processode transformação do indivíduo em ci-dadão e sujeito de sua história.

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Carta aos professorese às professoras

Núcleo Educação

O convite é para uma viagem!

Qual é o passaporte necessário? O quelevar em nossas bagagens? Quem parti-lhará conosco das descobertas e tambémdas inquietações que surgem quandoadentramos em campos ainda poucoexplorados? O que é sentir-se como umestrangeiro?

O mundo, mesmo sendo uma realida-de já conhecida, pode vibrar do ladode fora de nós. Sempre há o que captu-rar pelo olhar, pelo ouvir, pelo tatear.Sentir o cheiro, a textura, o gosto. Sen-sação de encantamento ou deestranhamento? Nosso olhar vagueia,passeia ou nem repara?

Do lado de dentro, filtrado pela nossapele/corpo sensível, o que vemos desen-cadeia, de muitos modos, imagens in-ternas que se movem e se transformampelo modo de ver, ouvir, tatear, sabore-ar as imagens do lado de fora.

Iniciar uma viagem é estar atento ao queacontece do lado de fora e do lado de

dentro de nós mesmos e de nossos par-ceiros, frente à realidade que se apre-senta. É deixar que nossa pele/corposensível penetre no universo que nos éoferecido, sem deixar de lado as nossasreferências, para que possamos expan-di-las para aspectos nunca antes perce-bidos, e sem deixar também a realida-de conhecida, para que possamos vol-tar a percebê-la sob novos ângulos eperspectivas.

É para esta viagem que você é convida-do. Uma viagem adornada com o tapetevermelho da memória e da percepção,com o colar de flores da imaginação ecom a luminosidade do mistério, damagia e das sensações.

O seu passaporte será o desejo, a curio-sidade e a sensibilidade. Mas você nãoembarcará sozinho. Tal qual a expedi-ção interdisciplinar que trouxe Eckhoutem 1636, você estará junto com outrosprofessores, atentos e sensíveis a aspec-tos múltiplos e diversos que o espaçoexpositivo revelará. Estará também comas peles/corpos curiosos de seus alunos

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aprendizes. Pode ser que alguns aindanão tenham visitado uma exposição ounão tenham visto quadros tão grandesou tão antigos.

A cada vez que você estiver diante dasobras de Eckhout, como você será cap-turado? Como seus alunos serão captu-rados? Como é estar na presença deimagens antes conhecidas em reprodu-ções de livros, jornais, slides...?

Diante de uma obra de arte, nosso olharrecolhe sensações, percepções, informa-ções. Ao mesmo tempo, a obra tambémnos olha e nos interroga. Para onde essenosso olhar/viagem pode nos levar? Va-lorizar o passado? Compreender o pre-sente? Projetar o futuro?

Para sua bagagem, oferecemos este ma-terial de apoio. Nele, mapeando o acer-vo presente na exposição Albert Eckhout,exploramos possibilidades de desloca-mentos interpretativos pontuados porroteiros, hipóteses possíveis e questõesinstigadoras. A perspectiva dialógicaque o orientou, buscou realçar idéiaspossibilitadoras para que cada profes-sor, a seu modo e com seu grupo de alu-nos, possa aventurar-se no território dasimagens de Eckhout.

Na condição de viajantes, espera-se queo percurso poético seja inventivo para oaprender e o ensinar de novos olharessobre a arte, a cultura, a ciência e a vida.

Como dizia Marcel Proust: “Uma ver-dadeira viagem de descobrimento não

é encontrar novas terras, mas ter umolhar novo”.

Vamos lá?!

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Aventurar-se

Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava Inglês.A noiva do cowboy, era você, além das outras três...Eu enfrentava os batalhões, os alemães e os seus canhões,guardava o meu bodoque e ensaiva o rock para as matinês.Agora eu era o rei, era o bedel e era também juiz.E pela minha lei, a gente era obrigado a ser feliz!

Chico Buarque de Holanda

Viajar, conhecer territórios desconheci-dos, descobrir novas paisagens, novaspessoas...

Nas memórias de infância de todosnós, as viagens se fazem presentes.Reais ou imaginárias, de verdade ouvividas nos jogos simbólicos, viaja-mos... É na felicidade das brincadei-ras, viajando para a lua ou para luga-res longínquos, que vivemos a atitudede quem faz expedições e conhece omundo, com todo o corpo, vigilanteàs novas descobertas e ao reconheci-mento do que já se conhece.

E hoje, como educadores, para onde vi-ajamos? Talvez muitas viagens estejamsendo sonhadas... Mas, se nosso corpo/olhar se faz viajante sensível e atento,uma viagem pode se tornar real quan-do visitamos a praça próxima, a rua denossa casa ou da escola, ou mesmo acasa do vizinho; quando nosso corpo/olhar identifica as semelhanças e perce-be as diferenças nos modos de viver,pensar e habitar os territórios.

Pequenos deslocamentos como essespodem gerar novas percepções sobreos outros, sobre nós mesmos e o mun-do que habitamos. E o que pode geraruma viagem que é especialmente pre-parada para chegar a territórios desco-nhecidos ou pouco conhecidos? Quan-do visitamos um museu, seja qual foro seu acervo, adentramos num territó-rio a ser explorado e revelado aos nos-sos corpos de viajantes da cultura.

Este material que você tem às mãos, foiconstruído por muitas cabeças viajantes,com o desejo de trazer à tona o que aindanão se sabe, não se conhece, não se viu,através das pinturas de Albert Eckhout.

Antes de iniciar essa viagem, imagine-se como um viajante a um territóriodesconhecido e pergunte-se: O que se-ria imprescindível levar nessa viagem?

Talvez sua preocupação inicial seja re-colher todas as informações possíveis,como mapas, prospectos, reportagensretiradas de jornais, revistas, Internet,

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livros, relatos de outros viajantes, etc.Você já pensou sobre a importânciados primeiros viajantes à América, quecartografaram seus mapas com o obje-tivo maior de saber voltar para casa?Hoje os satélites nos ajudam, e avisualização das estrelas no céu, osastrolábios ou as bússolas foram sen-do substituídos por mapas e fotos maisdetalhadas e por instrumentos mais so-fisticados e precisos.

Você pode ter lembrado de artigos parasua sobrevivência, pois não sabe o quevai encontrar, e pensou em levar comi-da, remédios, roupas apropriadas. Ouvocê pensou em algo para o registro?Máquina fotográfica ou filmadora, pa-péis e lápis, canetas ou tintas, gravador,um diário de bordo...

Sua resposta, entretanto, pode ter sidooutra, como a que foi dada por um gru-po de professores, quando iniciamos aAção Educativa da exposição deEckhout, que disseram: uma menteaberta para investigar, muita curiosida-de, uma expectativa que acolhe o ines-perado, o acaso, o que se expande paraalém de nossas referências.

Essa atitude investigativa, inquieta e cu-riosa, é imprescindível em nossa baga-gem. Sem ela, as informações podem fi-car cristalizadas naquilo que os outrosjá viram e nos contaram, os registrospodem se limitar àquelas fotosreproduzidas nos mesmos locais doscartões-postais e que simplesmente di-zem: “Eu estive aqui”.

Excursão ou expedição? Tudo dependeda atitude. É uma excursão, se a atitudenão pretende mergulhar no desconheci-do; se o olhar do viajante é um olhar in-gênuo, que apenas vagueia pela paisa-gem. É uma expedição, se a atitude éinvestigativa, com a pretensão de colherinformações, porque o olhar do viajanteé curioso e sensível. Não teria sido esteo próprio olhar de Eckhout que encon-tramos nas informações visuais de suaspaisagens e cenas?

Uma exposição de arte estimula a umaviagem expedicionária, quando vamoscom os sentidos em alerta, em vigilânciacriativa para capturar e ver mais e mais.Encontramos, num espaço expositivo, aoportunidade para perceber sonoridades,odores, sensações e exercitar novos olha-res através das obras. A viagem pode setornar emocionante, pois os sentidos po-dem ficar mais aguçados se houver umaboa preparação.

Para alguns, isso pode significar perdero gosto da descoberta. Porém, mesmoque tenhamos refletido, lido, visto, ou-vido e conversado olhando uma repro-dução, estar diante do original provocauma singular experiência estética. Alémda sensação diferenciada de ver algoque já se tornara familiar através de re-produção, somos tomados por novaspercepções convocadas pela dimensão,nitidez e qualidade das cores e formasdas obras. Uma reprodução, mesmo queacompanhada de informações sobre asdimensões de uma obra, não suscita a

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sensação de surpresa que podemos terquando estamos realmente frente a ela.

Entrar na exposição Albert Eckhout saben-do o que está exposto, entretanto, nãoé garantia de que a visita irá ampliar nos-sos conhecimentos. As informações sãoimportantes, quer sejam dadas por lei-tura, pesquisa ou pelo monitor, mas opotencial da visita está naquilo que nos-so olhar/corpo singular captura, amal-gamado com nossas referências pesso-ais e sociais. O que nossos olhos vêem,juntamente com o que o nosso corpo/mente sente, nos faz pensar. É com umnovo olhar que sempre saímos da visitaa uma exposição.

Ao mesmo tempo, o clima gerado noespaço cultural por nossa presença ex-pande-se ainda mais na medida em quetrocamos idéias com os que estãoconosco nessa viagem estética. Nessemomento, a presença do professor oudo monitor é fundamental, pois podeinstigar, com questões provocadoras ejogos de percepção, o intercâmbio dasimpressões sensoriais, de leituras, deinterpretações e da conversa sobre o queas próprias obras nos interrogam.

Muitas perguntas nos fazemos quandoestamos envolvidos em processos demediação geradores de encontros sen-síveis. Encontros germinam sensações,ações, sentimentos e pensamentos quevão configurando nossa forma singularde habitar o mundo. São encontrosprazerosos que acolhem, com curiosida-de e abertura, as descobertas e novas

inquietações, ou são encontros dificul-tados pela apatia, pela omissão, peloconfronto e pela oposição gratuitos, pe-los preconceitos.

Cuidar atentamente da qualidade dosencontros com diferentes realidades quepodem, a princípio, parecer distantes,externas e estranhas é nossa meta. Tra-ta-se de encontros que exigem atitudespedagógicas que podem reforçar e ins-tigar a construção de significações.

É por isso que uma atitude investigativaé vital. É com nosso olhar sensível epensante e com o nosso corpo recepti-vo, que nos deixamos capturar para odiálogo com que a exposição nos pre-senteia.

Tudo isso nos leva a refletir sobre anecessidade de preparar nossos alunospara a viagem. O ponto inicial, entre-tanto, está em dar importância ao quevamos pensar e ver nos possíveis cami-nhos que poderão ser traçados para umaexpedição.

As obras de Eckhout chegam ao Reci-fe, de onde saíram, 350 anos mais tar-de. Só esse fato já faz da exposiçãoum acontecimento extraordinário. Oque pode nos revelar a visão desse ho-landês?

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Olhando pelo telescópio:potencialidades das expedições

O olhar se educa, o gosto se forma.Ana Claúdia de Oliveira

A importância do legado pictórico deEckhout, por si só, já é motivo parainiciar a viagem. Como professores/pesquisadores, já nos mobilizamos paraos preparativos iniciais. Comodeflagrar uma viagem com nossos alu-nos, onde o ensinar e o aprender secoloquem como metas?

Agendar uma visita à exposição, reali-zando com alunos algumas leituras pré-vias das obras e, no retorno à sala deaula, pedir para que registrem o que vi-ram, seria suficiente?

Pode ser um caminho. Essa atividade,no entanto, ainda com resquícios deuma concepção de educação modernis-ta, não permite uma ligação significati-va entre a visita a uma exposição e seudesdobramento na sala de aula. A ques-tão é: que saberes podem gerar Eckhoute suas pinturas, o espaço expositivo, ocontato singular de cada um provocadopela visita? Que interrogações essa me-mória pictórica pode nos levar a fazersobre o Brasil, sobre os brasileiros?

Para buscar desenvolver aspotencialidades geradas por uma visi-ta, um bom caminho pode ser pensarem projetos com os alunos para de-sencadear uma rede de ações signifi-cativas. Por isso, planejar cada mo-mento tem sua importância.

Nesse sentido, quando o foco do pla-nejamento está na visita à exposição,qual ação seria mais significativa: levaros alunos, deixando-os vaguear pelo es-paço, ou provocá-los com focos de ob-servação, para que o olhar se tornemais atento?

Se há uma preocupação contemporâneacom a educação do olhar, a visita podevir a ser o espaço privilegiado para aconstrução de um olhar, de uma manei-ra de olhar, de um olhar que pretendecompreender.

Olhar, apreciar, uma imagem pede umaorientação aos olhos, de tal modo quetodos os sentidos possam “olhar” e, in-versamente, o olhar possa sentir, escu-

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tar, tatear, pensar. Nesse trabalho gera-dor de sentidos e significados, o olhar écognição, sentimento, consciência.

Convocar esse olhar é uma tarefa demediação do educador; tarefa de tiraros alunos de uma atitude passiva paracolocá-los em atitude ativa, observado-ra, atenta ao texto visual da imagem.

Para isso, o educador é um perguntador,é aquele que sabe fazer perguntas e le-var o olhar a dialogar com a imagem,aguçando a curiosidade e o desejo deolhar o que ainda não foi olhado, insti-gando uma aptidão interrogativa.

Para perguntar, é importante que o pró-prio educador tenha feito uma leiturapessoal das imagens, para saber que fo-cos de observação, tal qual uma pautado olhar, podem provocar um diálogodos alunos com a imagem, com eles pró-prios sobre a imagem e com o educador.

Por isso mesmo, cuidadoso, o educadorprocura não transformar essa listagemnum roteiro rígido, como uma seqüên-cia de perguntas, tal qual um questio-nário. Para tanto, ele deve ser um lei-tor das respostas de seus alunos, acom-panhando o percurso do olhar que es-tão fazendo, identificando como elesolham, sentem, lêem, pensam e inter-pretam o que vêem.

Projetando expedições

Recolhidas informações, incorpora-das atitudes de pesquisa e de amoro-so cuidado na preparação dos alunos,

podemos imaginar potencialidadesde projetos.

Encarando a visita à exposição como umaexpedição que pode ser realizada no iní-cio, no meio ou quase ao final de umprojeto, compartilhada com professoresde outras áreas do conhecimento ou ape-nas cercando a sua disciplina, será neces-sário planejar. Eis uma questão crucial:planejar projetos será determinar as ati-vidades que serão realizadas pelos alu-nos? Ou planejar projetos é pensar pos-sibilidades e ir caminhando com avalia-ções constantes, replanejamentos, ade-quações, tendo como protagonistas tam-bém os alunos envolvidos, como parteintegrante das decisões a serem toma-das, como co-autores do processo deaprendizagem?

Essa é uma dificuldade enfrentada naelaboração deste material educativo.Como propor algumas idéias, semengessar e tornar o professor apenas um“executor”? Como oferecer propostasde atividades que se liguem entre si,superando seu entendimento comoações isoladas? Como evidenciar que aarte pode ser uma linguagem estimulan-te para provocar conhecimentos, tantodela mesma— enquanto um modo sin-gular do ser humano revelar e comuni-car seus sentimentos, sensações e idéi-as — como também sobre contextos so-ciais, políticos, culturais, científicos, éti-cos, etc.? Como trazer o cotidiano parao projeto, para que se possa pensar opresente e o futuro a partir das pintu-ras de Eckhout?

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Com essas preocupações, adotamoscomo proposta o trabalho com projetos,devido aos seus fundamentosmetodológicos e epistemológicos. Hávários autores que estudam esse modode ação, visto mais como uma atitude pe-dagógica do que como uma metodologia.Trabalhar com projetos possibilita umapostura interdisciplinar, ou permite fo-calizar uma única disciplina com os olhosvoltados para o universo humano, dina-mizando o ensinar e o aprender, numaperspectiva de trocas, interação e pesqui-sa, a partir de interesses comuns, opos-tos ou complementares. Lidar com pro-jetos nos impele, como educadores, adebruçar-nos sobre um objeto de estu-do, ampliando as possibilidades decompreendê-lo e interligando-o com avida na e fora da escola.

Os projetos estão aqui visualizadoscomo roteiros da viagem, e devem serrecriados por cada professor e comcada grupo. São apenas sugestões ar-ticuladas, como possíveis trilhas parauma viagem.

As paisagens, a fauna, a flora, os dife-rentes tipos humanos desvelados porEckhout instigam múltiplas possibili-dades para projetos, mas optamos porselecionar, neste material norteador,três temas centrais:· Pluralidade das Etnias.· Encontro das Culturas.· Celebração da Natureza.

Certamente as obras de Eckhout nosfazem tocar nesses três aspectos, mas

podemos escolher um deles para recriá-lo e aprofundá-lo, com nossos parceiros,alunos e outros professores.

Abordaremos cada tema em separado,conscientes de que muito mais poderiaestar aqui sugerido. Mantendo uma es-trutura próxima, cada tema é uma pro-posta de planejamento da viagem, umavia de acesso para desenvolver um pro-jeto. Como um referencial de onde par-te o projeto, seu percurso não é reto.Há voltas e reviravoltas, que serão di-tadas pelo diálogo e pela participaçãodos alunos. São eles que conduzem a vi-agem, dando as pistas do que já sabem,do que não sabem e do que gostariamde saber, somadas às pistas do que vocêsabe que eles precisariam saber.

Esperamos que muitas outras possibili-dades de roteiros possam surgir e serreveladas através da ação educativa des-sa exposição.

A cartografia dos roteiros de viagem

Todo roteiro parte de uma localização.Tal qual um cartógrafo, apresentamosa seguir o desenho estrutural que esta-rá presente nas três possíveis viagens/projetos, a partir das obras de Eckhout.

Aquecimento: momento inicial demapear desejos

Frente à escolha de uma viagem/proje-to, pode-se perguntar: Por onde come-çar? Como gerar interesse para o quepretendemos abordar, de modo a desen-cadear aprendizagens significativas?

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Para cada projeto, como um aquecimen-to, algumas ações são propostas,objetivando instigar os alunos a fazerparte da viagem, não esquecendo deque a própria visita à exposição podeser a iniciadora do projeto. Ao mesmotempo, o objetivo é também gerar umaavaliação diagnóstica inicial sobre otema escolhido, como um eixo condu-tor da viagem.

Refletindo sobre a avaliaçãodiagnóstica

O que descobrimos sobre nossos alu-nos e sobre as potencialidades do temajunto a eles?

Os dados colhidos e registrados atravésdo aquecimento oferecem o perfil dogrupo, mapeando possibilidades de ca-minhos para o desenvolvimento do pro-jeto, gerando idéias para:

Questões problematizadoras

Como uma etapa importante de cons-trução junto aos alunos, as questões le-vantadas levam à investigação e apon-tam os objetivos que serão transforma-dos em justificativa e serão indicadoresdos conteúdos.

Sistematizando a proposta: a justificati-va, os objetivos e os conteúdos do projeto

Costurando a síntese da avaliaçãodiagnóstica com a definição da questãoou das questões problematizadoras, o mo-mento é de argumentar e fundamentar aimportância do que será investigado so-

bre o tema. Essa reflexão ajudará a elencaros objetivos. Num projeto, os objetivosterão de ser claros e palpáveis, cercandoo que se pretende atingir, seja como con-teúdos, procedimentos ou atitudes.

Investigando durante a visita à exposição

Como preparar a visita à exposição?Quando ela deverá ser realizada? O quefazer no retorno à sala de aula?

Esse momento poderá acontecer no iní-cio, no meio ou próximo ao final doprojeto. Na preparação da visita, pode-se conversar sobre as regras devisitação, a conduta adequada no espa-ço expositivo, a observação de linhas dechão para o necessário distanciamento,esclarecendo o porquê desses cuidadose relacionando-os com a importância daconservação do patrimônio cultural.Mas é preciso ir além.

O termo visita e o verbo visitar signifi-cam primeiro vista e ver. Acrescente-seaí um percurso: quem visita vai ver, ob-servar, pesquisar. Por isso mesmo, al-gumas questões são propostas aos alu-nos, ajudando-os a olhar e a pensar so-bre os temas presentes não só nas obrasde Eckhout, mas também no própriomodo de expor as obras.

Como eles imaginam que está montadaa exposição?

Haverá somente as obras de Eckhoutexpostas?

Como imaginam o espaço? Que referên-

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cias eles têm de exposições de artes plás-ticas? Quais exposições já visitaram?

A partir dessa conversa inicial, é possí-vel levantar prováveis focos para o olhar/corpo, que podem ser norteadores paraa discussão, ampliando o tema que es-tão trabalhando. Esses focos seriamcomo questões provocadoras para a visi-ta, elaborados pelos alunos como exer-cício de um olhar mais sensível e atento.

É importante relembrar essas questõesno momento inicial da visita, como tam-bém os próprios alunos comunicarem aomonitor que os acompanhará sobre osinteresses do grupo. Nada impede queoutras questões possam surgir ao longoda visita/viagem, seja pelo monitor oupelos próprios alunos.

E na volta?

O registro individual do encontro comas obras de Eckhout é fundamental paraque as impressões possam vir à tona, tor-nando-se mais conscientes para que pos-sam ser socializadas. Uma atenção espe-cial, por parte do professor, é necessáriapara que os alunos não reproduzam ape-nas o que ouviram ou leram. Nessa tare-fa, é imprescindível puxar as própriassensações e impressões, valorizando asopiniões pessoais. A sugestão é que es-ses registros sejam feitos de diferentesformas: um relatório da visita, uma car-ta para alguém que ainda não foi ver aexposição, um conto, desenhos, uma his-tória em quadrinhos, uma história con-tada sem palavras, etc.

A socialização desses registros pode sedar com a apresentação individual ouem pequenos grupos. Se a classe é nu-merosa, é interessante propor um pri-meiro momento de troca em pequenosgrupos, para depois socializar as desco-bertas comuns e os pontos diversos maisinteressantes.

Desse material retirado da visita, enca-rando-a como uma expedição, é que no-vos encaminhamentos podem ser propos-tos. Caso a visita ocorra próxima ao en-cerramento do projeto, o material colhi-do poderá encaminhar a finalização.

Encaminhamentos/Proposições Didáticas

Quais as ações para se chegar aos ob-jetivos pretendidos e para tocar os con-teúdos, de modo a gerar reais aprendi-zagens?

São várias as possíveis proposiçõesdidáticas que podem ser vividas pelosalunos. Cada uma delas pode ser realiza-da em momentos diferentes. Não há umaseqüência a ser obedecida. Não é obriga-tório iniciar com a leitura de imagenspara depois propor ações expressivas ouabordar certos conteúdos ou, ainda, vi-sitar a exposição antes do início das pes-quisas. Os encaminhamentos podem serplanejados, mas a seqüência e o modocomo serão vividos dependerá de avalia-ções constantes.

Independentemente dos rumos do proje-to, algumas condutas devem ser observa-das para as várias propostas:

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Para ler em obras de arte: A escolhada imagem ou imagens que comporão osexercícios de leitura deve ser feita para pro-vocar o olhar dos alunos em diversos aspec-tos. Não será preciso se restringir às obrasde Eckhout, incluindo-se também obras deartistas de outros tempos e lugares, foto-grafias recentes do Recife e de seus habitan-tes, além das reportagens que saíram nasmídias sobre a exposição. O importante éformular questões que promovam a leitu-ra, que provoquem estranhamentos, ampli-ando modos de ver, ler e interpretar, esta-belecendo relações intertextuais ao fazer lei-turas comparativas.

Para pesquisar: Orientar propostas depesquisa em diversas áreas do conhecimen-to ou com questões delimitadas, com oobjetivo de responder à problematização,é um espaço importante. Como pesquisa-dores, os alunos poderão fazer entrevis-tas, buscar materiais em livros, sites e gru-pos de discussão na Internet, catálogos,CDs, visitas a outros museus, filmes evídeos, além das mídias impressas.

Para produzir: A criação é parte inte-grante de um projeto. É o espaço da ex-pressão poética pessoal e/ou coletiva, queabre caminhos para a comunicação, a so-cialização de idéias, sentimentos, sensa-ções e reflexões, interligando a vida aosprojetos da escola e ao contato sensívelcom as pinturas de Eckhout.

Propostas de finalização

Como aglutinar o que foi aprendidodurante o projeto? Como mostrar para

outras classes o que foi realizado, asdescobertas, as produções?

Há diferentes modos de se fechar umprojeto, de finalizar um ciclo de apren-dizagem. Pode-se criar mesas-redondas,debates e seminários com alunos e pro-fessores; jogos e gincanas entre as clas-ses; eventos com as produções dos alu-nos: exposições (com convite à comuni-dade, monitoria de alunos, livro de as-sinaturas, cartaz), mostras de teatro,dança, música, vídeos, etc. (com carta-zes, várias apresentações); painéis quecontêm as histórias do projetos vividos;grafitagem nos muros da escola, produ-ção de um livro do grupo, entre muitasoutras possibilidades.

Avaliando o projeto vivido

O que aprendemos com o projeto? Oque deveria ser repetido em qualquerprojeto? O que não foi tão acertado? Oque faltou? O que poderíamos ter feitoainda? Como lidamos com o tempo? Oprojeto, com seus objetivos e conteú-dos, foi adequado ao grupo?

A avaliação constante para definir ospróprios passos do projeto faz parte detodas as etapas, começando pelo aque-cimento e se ampliando nas avaliaçõesdos trabalhos apresentados pelos alu-nos ao longo do projeto. No entanto,no encerramento do processo, a avalia-ção ganha um peso diferenciado.

É preciso estabelecer critérios para ava-liar as ações realizadas, o tempo, a di-

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nâmica e a participação de todos, con-frontando com os objetivos propostos,as questões problematizadoras, os con-teúdos que se esperava trabalhar. A sis-tematização de todos os conteúdos tra-balhados, elencando o que foi aprendi-do, permite perceber a estrutura e a or-ganização do projeto que foi sendo con-cretizado durante todo o processo.

É vital também que tanto professorescomo alunos realizem uma auto-avalia-ção, para que possam levar em conta omodo como ensinaram e aprenderam equais as relações construídas na apren-dizagem com a vida, com o cotidiano,com a compreensão e com o conheci-mento do mundo.

A memória da viagem

Como é possível a articulação de todosesses movimentos em um projeto?

Registrar a viagem pode se tornar umprazer para você e seus alunos. Um diá-rio de bordo individual, ou trabalhadocoletivamente, pode contar a história doque foi realizado, incorporando anota-ções, textos lidos, reportagens, idéiasabandonadas, etc. Tal qual um portfóliodo artista, as memórias registram des-de esboços de idéias até a documenta-ção das produções finais, contribuindopara a construção da avaliação final,pois engloba a somatória dos percursosvividos.

Como partes de um todo que se matizae é colorido pelas vivências de cada gru-

po, essa estrutura será reapresentada aseguir, com as temáticas acima descri-tas. Como cartógrafo dessa viagem, cabea você selecionar, ampliar, definir per-cursos e ações, juntamente com seus par-ceiros, alunos e professores. Tome es-sas sugestões apenas como lugares quepodem ser visitados, com perspectivasdiversas, pois seu grupo e você saberãobuscar os pontos de vista maisinstigantes.

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Viajando com Eckhoutpela pluralidade das etnias

No estádio de futebol em dia de jogoou na hora do recreio da escola, pode-mos observar a diversidade de cores,texturas e formas que precisaríamosutilizar para pintar os tipos humanospresentes nesses locais.

Os holandeses também aqui encontra-ram uma comunidade mestiça forma-da por negros, brancos, mulatos,cafuzos, índios, mamelucos. Essa diver-sidade étnica foi ampliada com a pre-sença de ruivos (Leste europeu), italia-nos, franceses, ingleses, judeus ibéri-cos (sefarditas) e judeus do Leste eu-ropeu (asquenazitas), que deu um belocolorido à grande massa de brasileirosque habitam o Brasil até hoje. Descen-dentes das comunidades holandesas es-tão espalhados pelo Nordeste brasilei-ro, constituindo as famílias denomina-das de Wanderley, Lins, entre outras.

A pele cor de terra avermelhada, dos pri-mitivos habitantes, foi gradativamente to-mando outros tons, cores, com a chegadade outras etnias que provocaram a

mestiçagem do nosso País. Com as pelesretingidas pelos cruzamentos com outrospovos, fios de cabelos, formas faciais e cor-porais foram também submetidos à meta-morfose. Mas não só a pele se miscigenou,como também as heranças trazidas pela cul-tura, pelos mitos, pelos ritos, pelas cren-ças e por todas as suas manifestações, as-sim, mesclando modos de ser singulares.Ora opostos, ora complementares, ora se-melhantes, constituindo a pluralidade ét-nica da nossa formação.

Tematizar nossa construção plural atra-vés do legado pictórico de AlbertEckhout, que representou, nas suasmonumentais telas de tamanhos natu-rais, a etnografia dos nossos ancestrais,poderá ser um ótimo ponto de partidapara refletir sobre os vínculos e as rela-ções humanas no passado e seus desdo-bramentos na contemporaneidade.

Mas como torná-la instigante para nos-sos alunos?

Aquecimento: momento inicial demapear desejos

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São muitas as possibilidades de desper-tar para o foco aqui pretendido. Sugeri-mos duas possibilidades, como pontosde partida. Uma não impede a realiza-ção da outra, como também você pode-rá inventar outros modos de trazer àtona a questão da pluralidade das etnias.

Possibilidade 1

Observando características físicas

Objetivando levar os alunos à observa-ção de características físicas, sugerimosas seguintes ações:

· Desenhos de observação, através deespelho, de fragmentos do rosto: osolhos, o nariz, a boca, a cor da pele, etc.;Depois, montagem de um painel coleti-vo, agrupando fragmentos e perceben-do semelhanças e diferenças, tanto nosmodos de representação como nas ca-racterísticas apresentadas.

· Jogo coletivo propondo que os alunoscaminhem pela sala isoladamente. Pode-se iniciar solicitando que andem lenta-mente, rapidamente, depois como emcâmara lenta, para que pisquem sempreque cruzar os olhos com outro ou outracolega. Depois, entrando no jogo pro-priamente, pedir para que formem agru-pamentos que são sempre desmancha-dos por novos desafios. Por exemplo: amesma cor de cabelo, textura ou com-primento; o mesmo tipo de nariz; asmesmas cores dos olhos; o mesmo tomde pele; o mesmo tamanho de braços; omesmo desenho de sobrancelhas, etc.

·Cada aluno faz o retrato de um(a) co-lega e apresenta-o ao grupo/classe paraque, através das características físicasrepresentadas, seja identificado.

Questões problematizadoras

· De que modo representamos a diversi-dade de nossas características físicas?· Por que há essas diferenças e seme-lhanças?

A discussão com o grupo de alunospode gerar a percepção das diferen-ças étnicas, suas características e a mis-cigenação, abrindo espaço tambémpara a percepção do modo como es-sas características foram representa-das através da linguagem das artes vi-suais e do corpo como suporte expres-sivo e cultural. A moda certamentetrará outros ângulos para abordar aquestão. Por exemplo: os ditames damoda de cabelos lisos em relação aoscabelos cacheados.

Possibilidade 2

Ouvindo Etnia de Chico Science

Escuta atenta da música Etnia, presenteno CD Afrociberdelia, de Chico Science &Nação Zumbi (1996). A percepção dasua letra e melodia, registrada primei-ramente por cada aluno, abre para atroca e a discussão coletiva tanto dosaspectos sonoros (altura, duração, tim-bre, intensidade, ritmo, melodia, etc.),as referências culturais que conhecem,como das interpretações possíveis.

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Questões provocadoras:

· Como e por que a música valoriza asorigens e as diferentes culturas?· Há orgulho em ser diferente? Ou a iden-tificação é por “modelos” mitificados?· O que sabem sobre o rap?

Refletindo sobre a avaliação diagnóstica

Frente às ações expressivas realizadas,o professor poderá colher respostas aalgumas questões que ao mesmo tem-po levam a novas problematizações, taiscomo aspectos a serem pesquisados,repensados, ampliados.

· O que descobrimos sobre nossos alu-nos frente ao tema?· Que valores revelam quanto às suasorigens? Foi possível conhecê-las melhor?· Quais os sentidos que o conceito deetnia tem para eles? Percebem diferen-ças nos termos etnia e raça?· Quais etnias conhecem? O que carac-teriza cada uma?· Há etnias puras?· Há preconceitos étnicos no mundocontemporâneo? Como são reveladosatravés das mídias? E através de nossocomportamento?· Conhecemos expoentes de váriasetnias que deixaram suas marcas na his-tória brasileira? E hoje?· Conhecemos os nossos ancestrais?...· O que revelam os desenhos e o jogocorporal coletivo (possibilidade 1) e aescuta e interpretação da música (possi-bilidade 2) em relação à expressividade

e a utilização dessas linguagens?· Como se dá a discussão no grupo dealunos: sabem ouvir os outros? Têmfacilidade para expressar-se?

Possíveis objetivos e conteúdos/conceitos

Promover situações de aprendizagemque movam os alunos para:

· Investigar por que e como Eckhout va-lorizou os tipos étnicos no Brasil Ho-landês e qual a importância de seus tra-balhos no passado e no presente quan-to a essa questão.· Identificar a diversidade étnica do povobrasileiro, como conseqüência do am-plo processo de miscigenação.· Conscientizar-se do seu pertencimentona grande malha humana pluri einterétnica, de modo a ser capaz de acei-tar, respeitar, apreciar e valorizar as di-ferentes etnias.· Perceber como as características étni-cas extrapolam as aparências físicas.

São muitos os possíveis conteúdos e con-ceitos que poderão ser abordados e am-pliados dentro dessa temática. Sugeri-mos que as respostas do grupo às situa-ções apresentadas direcionem oaprofundamento da compreensão dapluralidade das etnias, através das obrasde Eckhout, por ângulos múltiplos e di-versos. O olhar de cada disciplina so-bre esse tema poderá trazer perspecti-vas singulares. Pode-se dar foco para:

-Etnias: histórias humanas na luta pelavalorização e o respeito às diferenças.

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- A genética desvendando as questõesétnicas.- A diversidade cultural e suas manifes-tações (leia também Viajando com Eckhoute encontrando culturas).- A miscigenação e a antropofagia mo-dernista: repercussões na arte e na vida- Hegemonia branca: presença, poder esuperação.- Brasilidade - identidade, alteridade epertencimento.- Família: vínculos afetivos para além dasrelações de parentesco.- A representação da figura humana nasartes: etnia, costumes e objetos.

Continuidade do projeto: encami-nhamentos potenciais

Para ler nas obras de arte

Começando com os desenhos de obser-vação ou com a escuta e a discussão apartir da música Etnia, após o levanta-mento das questões e dos conteúdoscentrais, pode-se levar os alunos à leitu-ra de obras. Sugerimos aqui três alter-nativas não excludentes.

Lembramos que as questões provocado-ras do olhar não deverão ser lidas porvocê, como mediador, mas poderãonortear o diálogo provocativo. As respos-tas devem gerar novas questões, provo-cando o envolvimento e oaprofundamento da leitura, que deveráser encaminhada para uma sistematiza-ção das idéias e dos conceitos levanta-dos, apoiados também em informaçõessobre a obra.

Possibilidade 1

Lendo a pintura Mamemluca

O diálogo provocativo pode sernorteado por questões, tais como:

· O que vocês reconhecem nesta obra?· Observando o tom da pele, o tipo decabelo e as feições do rosto (nariz,olhos, boca), pode-se afirmar que essamulher é branca, índia, negra ou mes-tiça? Por quê?· Para quem/onde ela está olhando?Formulem hipóteses e argumentem so-bre essas hipóteses.· Como a figura feminina foi tratada,sendo foco principal da imagem? Oque você pode perceber através de suagestualidade, de sua roupa, dos ador-nos que usa, de sua proporção?· Como Eckhout estruturou a compo-sição plástica? Se você fosseesquematizar em formas geométricasessa imagem, como faria?· Vocês consideram que essa pinturafoi feita através da observação direta,de memória ou da imaginação?· Vocês conhecem alguma obra pareci-da com essa?- ...

Possibilidade 2

Uma leitura comparativa entreobras de Eckhout

A proposta é iniciar com uma leituracomparativa entre quatro obras:Mameluca, Negra, Índia Tapuia, Servo

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com a caixa de ouro. Trabalhar com vá-rias obras, comparativamente, possi-bilita a percepção de colher semelhan-ças e diferenças entre elas. Ao mesmotempo, exige o cuidado para que cadauma das obras não seja olhada super-ficialmente.

Algumas questões provocadoras do olhar:

· Pelas feições dos rostos, tonalidades daspeles e tipos de cabelo, é possível identifi-car os tipos étnicos dessas imagens?· Todos esses tipos humanos estão ves-tidos de acordo com os costumes étni-cos da sua cultura de origem? Justifi-que a sua resposta.· Quais seriam os ancestrais desses ti-pos humanos?· As espécies humanas e os animais re-conhecidos nessas imagens apresen-tam as mesmas características nos diasde hoje? O que mudou? O que perma-neceu?· O que revelam os adornos e aexpressividade dos corpos de cada per-sonagem?· Se pensarmos numa pirâmide socialdurante o período holandês, que po-sições ocupariam os diversos persona-gens? Qual desses seria mais privile-giado na hierarquia social? Por quê?Como as imagens evidenciam essas re-lações sociais? Por quais signos?· ...

Possibilidade 3

Uma leitura comparativa - Eckhoute artistas contemporâneos

É provocador promover uma leituracomparativa de obras criadas em tem-pos e locais diferentes. Uma boa discus-são, tanto em relação aos procedimen-tos artísticos quanto a possíveis inter-pretações, pode ser gerada colocandoas obras de Eckhout lado a lado com,por exemplo, Instalação, Sem título,1997, uma obra de Rosana Paulino, quetrabalha com bordados expressivos so-bre imagens de pessoas negras, impres-sas em tecidos fixos em bastidores. Oujunto a uma obra de Vik Muniz,Valentina, a mais rápida, fotografia de umdesenho feito com açúcar sobre papelpreto, da série Crianças de açúcar (1996).

Algumas questões provocadoras do olhar:

· As figuras humanas representadas nes-sas imagens pertencem a que etnia? Quecaracterísticas você visualizou paraidentificá-la?· É possível identificar diferentes faixasetárias? Há figuras femininas e masculi-

Rosana Paulino ·Sem título, 1997,xerox transferida ecosturada sobre te-cido montado embastidor, 31,3 x 310x 1,1 cm, Museu deArte Moderna deSão Paulo, SP

Vick Muniz · Valentina, the fatest, 33 x 27 cm, Gale-ria Camargo Vilaça, São Paulo

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nas? O que esses aspectos nos revelam?· Que modalidades e técnicas foram uti-lizadas na produção dessas obras?· Quais são os conceitos e preconceitosque essas imagens suscitam?· Observando essas obras, quais as rela-ções de identidade e alteridade que a so-ciedade brasileira estabeleceu e estabele-ce com esses tipos humanos?· ....

Lembre-se de que a leitura das obras vi-suais pode acontecer em qualquer um dosmomentos do projeto. Da leitura, novasquestões provocadoras podem ser aber-tas, relacionando-se com os objetivos econteúdos que vão sendo definidos duran-te a vivência do projeto.

Para descobrir na visita à exposição

A partir das ações propostas para o“aquecimento”, estaremos nos preparan-do para a visita. Algumas leituras anteri-ores, como as já elencadas, podem serfeitas também, mas nada exclui o encon-tro vivo com as obras.

Para relembrar, volte a ler em A Cartogra-fia dos Roteiros de Viagem, as sugestões paraa preparação, a visita e as ações propos-tas na volta à sala de aula.

Para pesquisar:

· Considerando as várias origens étni-cas, pesquisar personalidades, nos diver-sos campos da cultura e da ciência, quedeixaram suas marcas na história brasi-leira no ontem e no hoje.· Pesquisar sobre o movimento Mangue

Beat e as origens étnicas dos ritmos traba-lhados por seus grupos musicais.· Antigamente, sexo era assunto proibido.Ainda hoje falar de sexo é muito comple-xo. No período em que viveu AlbertEckhout, de que forma era explicitada areprodução humana? As doenças sexual-mente transmissíveis eram as mesmas donosso tempo? A forma de tratá-las aindaé a mesma? Em quais campos de conheci-mento poderemos investigar essas ques-tões?· A estrutura das composições de Eckhout,com um primeiro plano mais detalhado,situado numa baixa linha de horizonte,em contraste com um grande espaço su-perior, está presente em outras obras ho-landesas. Pesquise em outras obras daépoca e investigue que influências ditaramessas regras.· A grafia utilizada por Albert Eckhout naassinatura de seus quadros foi repetidano nome da exposição. Mas há outras va-riações em documentos de época: AlbertEckholt, Albert Eijkhart e ElbertEeckhout. Pesquise sobre nomes própri-os de cada etnia e de cada região do Bra-sil. Que influências recebem os nomespróprios em cada época?

Para produzir:

· Colagem a partir de propagandas eviden-ciando o modo como tratam a questão dasetnias, e dentro dela: as relações de pa-rentesco, as “famílias ideais”, as valoriza-ções profissionais, etc.· Fazer a leitura da obra A Redenção deCam (1895), de Modesto Broccos y Go-mes, interpretando as relações de pa-

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rentesco entre os tipos humanos repre-sentados. Nessa obra, o artista faz refe-rência à história de Cam, um dos filhosde Noé (amaldiçoado) e que durante osséculos XVI e XVII foi considerado pro-genitor dos negros. O mito do branque-amento das gerações através das mistu-ras das raças aparece nessa obra, com apresença da avó negra, a filha mulatajunto ao seu marido, um homem bran-co, e o neto branco. Elaborar um enre-do envolvendo a cena, criando diálogosentre os tipos étnicos envolvidos. Osresultados poderão ser transformadosem encenações teatrais que fomentarãodebates sobre questões étnicas e sobrea linguagem cênica e seus signos.

· Construção de árvores genealógicas dosalunos, utilizando fotos e/ou desenhos.

· Ler as obras A Gênese ou Massacre dosÍndios, de Tereza Costa Rego; e O Paraí-so, de Wellington Virgolino, levantandoos aspectos formais e simbólicos dasobras e suas relações com as situaçõescontextuais em que estão envolvidos osíndios representados. Diante das ques-tões identificadas, produzir textos lite-rários e/ou dissertativos que reflitamsobre as situações expressas nas obras.

· Coletar informações sobre as línguas,os hábitos, os costumes, as músicas eas vestimentas típicas de várias etnias,e, com essas informações produzir umaencenação como se fosse um programade TV: um jornal, uma novela, um pro-grama de entrevistas, de auditório, etc.

· Fazer uma reportagem jornalística pro-duzida como um telejornal ou um pro-grama de rádio posto no ar no interva-lo, como uma rádio-pirata.

· Elaboração de rap, poema, paródia ou cor-del sobre Eckhout e a pluralidade das etnias.

Como finalizar? Que aspectos avaliar?

Volte a ler A Cartografia dos Roteiros deViagem e reveja as possibilidadessugeridas para a finalização de seu pro-jeto. Conversando com os alunos, dis-cutam as formas de socializar o que des-cobriram a partir da viagem comEckhout e como promover a avaliaçãofinal, somatória de todas as que foramfeitas ao longo do projeto.

Modesto Broccos yGomes · A Redençãode Cam, 1895, óleosobre tela, 199 x 166cm, Museu Nacio-nal de Belas Artes,Rio de Janeiro

Tereza Costa Rêgo· A Gênese ou Massa-cre dos Índios, ano,Acrílico sobre ma-deira, 220 x 160cm, Museu de ArteModerna AloísioMagalhães, Recife

Wellington Virgolino ·O Paraíso, ano, óleo so-bre tela colada emduratex, 100 x 180 cm.

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Viajando com Eckhoute encontrando culturas

Diversas línguas eram faladas no Brasilno período nassoviano. Além do tupi -língua nativa - as pessoas se comunica-vam em inglês, italiano, francês,hebraico, holandês e espanhol. Havia atéum catecismo escrito em tupi, holandêse espanhol, segundo o pesquisador Leo-nardo Dantas.

O que teriam deixado todas essas lín-guas e seus interlocutores como marcasculturais? O que ficou do tempo deEckhout instaurado em nossas raízes?

Pernambuco vem se apresentando comouma rica colcha de retalhos de manifes-tações culturais, tanto por sua ocupa-ção geográfica - do litoral ao alto Sertãonordestino, passando pela Zona daMata e pelo Agreste - quanto pelasetnias que continuam e se multiplicamna ocupação de nosso solo. A conseqü-ência dessa diversidade é traduzida atra-vés de uma sociedade multiétnica emultissocial.

Negros, brancos, índios e mestiços devariadas procedências, trouxeram e pro-

duziram diferentes culturas transfor-mando nosso Estado em um espaçomulticultural, refletido em manifesta-ções culturais heterogêneas. Valoresestéticos, éticos, religiosos mesclamhábitos e costumes, línguas e canções,artesanatos, festas e crendices.

O reconhecimento dessa heterogeneidadena formação cultural do povo brasileiromerece nosso respeito pelas diferençase pela valorização de todas, sem privilé-gios e/ou menosprezo por nenhuma de-las, reconhecendo as similaridades eespecificidades entre os diferentesgrupos.

Essa é a proposta para a abordagemdo tema Encontro das Culturas a partir dosdocumentos etnográficos de AlbertEckhout.

“Aquecimento”: momento inicial demapear desejos

Buscando mobilizar os alunos para otema e coletar suas hipóteses, sugeri-mos, como ponto de partida, duas pos-

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sibilidades estruturadas a partir do es-tímulo fornecido pela produção cultu-ral contemporânea.

Possibilidade 1

Ouvindo a música Leão do Norte ,deLenine e Paulo César Pinheiro

Primeiramente, proporcionando umaescuta atenta da música, levar os alu-nos à percepção da letra, da melodia edo ritmo. Em seguida, os alunos, orga-nizados em grupos e utilizando o corpocomo instrumento de percurssão, recri-am sonoramente a música que ouviram.A idéia é estimulá-los a produzir, atra-vés do corpo, os sons, os ritmos maismarcantes, além do próprio movimen-to-dançante motivado pela música.

Após a apresentação de cada grupo, énecessário um diálogo apreciativo sobreas criações, comparando quais são assemelhanças e diferenças.

Questões provocadoras

· Quais foram os ritmos e movimentosque vocês conseguiram construir?· Identifique os mais utilizados e expli-que por quê.

Possibilidade 2

Olhando a linguagem da moda

A moda, entendida como linguagem vi-sual, utiliza-se de referências culturais nasua produção, divulgando-se principal-mente através de campanhas publicitári-

as e reportagens. A proposta é aproxi-mar os alunos do tema, discutindo so-bre a presença de aspectos culturais nosideais de beleza e modos de se vestir.

Pesquisando em revistas, jornais, catá-logos de roupas e outros meios, coletarimagens que apresentem tipos diferen-ciados de roupas, cabelos, estampas detecido e adornos.

Propor aos alunos que discutam as ima-gens coletadas, criando critérios de agru-pamento, por exemplo: as influênciasafricanas, européias, asiáticas, indígenas,etc. Em folha grande de papel, organi-zar, coletivamente, os agrupamentos.

Questões provocadoras:

· Quais os critérios usados para os agru-pamentos?· Quais influências culturais foram re-presentadas na pesquisa?· Por qual estilo de roupa os alunos têmpreferência?· A moda valoriza a cultura brasileiraou a cultura de outros lugares?

Refletindo sobre a avaliaçãodiagnóstica

· Qual o significado e sentido de culturapara nossos alunos?· Partindo do conceito de que somos in-divíduos culturais, como os alunos sepercebem como indivíduos culturais? Oque eles conhecem sobre outros gruposculturais?· O que eles conhecem do seu meiocultural?

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- O que consideram distante da suacultura?

Questões problematizadoras

· Existe cultura e/ou culturas? A cultu-ra brasileira é única ou é plural?· Como a cultura brasileira foi forma-da?· Qual a relação entre cultura e etnia? Eentre cultura e natureza?· Há preconceitos e valorizações cultu-rais no mundo contemporâneo?· A diferença entre masculino e femini-no nos papéis sociais é uma questãocultural? Como isso é percebido no co-tidiano? E nas mídias?· Cultura é folclore?· Quais os aspectos que envolvem a cul-tura? Que particularidades sãoexplicitadas em diferentes culturas?· O modo de pensamento de uma cultu-ra opera modificações no campo das ar-tes — música, artes plásticas, cinema, te-atro, dança, literatura. Por quê? Como?· ...

Possíveis objetivos/conteúdos/conceitos

Reconhecendo que a cultura brasileiranasce e continua sendo gestada sob osigno de uma multiplicidade de referên-cias e misturas, possibilitar aos alunos:

· Compreender, interpretar e explicar acultura como produção da atividadehumana.· Analisar a formação da cultura brasilei-ra face às influências de diferentes povos.· Relacionar a cultura brasileira ao con-ceito de antropofagia.

Esses objetivos poderão ser desenvol-vidos, a partir dos seguintes focos:

· A cultura como manifestação de idéi-as, imagens, hábitos, costumes e formasde viver a vida humana.· A formação cultural brasileira: a cons-trução pela contaminação entre índios,brancos e negros.· O ritual antropofágico na cultura.· Relações entre cultura e natureza.· Cultura, língua e linguagem.· Relações entre cultura popular e folclore.· Cultura e globalização: relações do Bra-sil com o mundo.· A moda, seu consumo e suas significa-ções culturais.· A arte e seus códigos como fonte deinvenção cultural.

Continuidade do projeto: encami-nhamentos potenciais

Para ler nas obras de arte

Lembre-se de que a leitura das obras dearte poderá acontecer em qualquer um dosmomentos do desenvolvimento do proje-to. Pensando a leitura como um caminho,a escolha está ligada aos caminhantes; ouseja, aos alunos e às suas necessidades deconstrução de sentidos sobre o tema.

Possibilidade 1

Lendo a pintura Dança Tapuia:

Questões provocadoras do olhar:

· Descreva o que você vê nessa imagem.· Quais os elementos conhecidos? E os

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desconhecidos?· Onde se encontram as cores mais vi-brantes neste trabalho?· Como a sombra e a luz estão presentesnesta obra?· Qual a cor predominante?· Que relação existe entre a representa-ção da pele do índio e da terra?· Que sentimentos são revelados nas ex-pressões e nos movimentos corporais dogrupo?· Como participam da cena as figuras fe-mininas?· Esta dança estaria ligada a algum ritualindígena?· Quais os adornos usados pelo grupo?Esses adornos são usados atualmente?Por quem?· Quais sensações a imagem provoca paraquem a olha?· Você se surpreende com os corpos des-nudos do grupo? Por quê?

Sugestão: Exibir o filme Xingu: a arteviva dos índios, de Washington Novaes.Observar o cotidiano, os costumes,os rituais na cultura indígena e a pre-sença da aculturação.

Possibilidade 2

Uma leitura comparativa entre trêsobras de Eckhout: Mulher Tapuia; Servocom caixa de ouro; Cabaça, frutas e cacto.

Questões provocadoras do olhar:

· Existem elementos comuns entre as trêsimagens? Quais?· Quais são os gêneros de pintura (paisagem,

retrato, natureza-morta, etc.) dessas obras?· Os tipos humanos representados perten-cem a algum contexto sociocultural?· De que região do Estado de Pernambucosão as frutas e os outros elementos repre-sentados?· Há uma relação entre a obra Mulher Tapuiae a antropofagia? Qual?· Como a linguagem estilística naturalistaestá presente nas pinturas de Eckhout?· Qual era a função sociocultural da arteno tempo de Eckhout?

Sugestão: Exibir o filme Guerra do Fogo comoponto de análise e comparação com as ima-gens apreciadas, enfocando as relações dohomem com a natureza e com a cultura.

Visitar a Funai e pesquisar acervo e for-mas de atuação enquanto instituição quelida com as questões indigenistas.

Possibilidade 3

Análise comparativa entre:

Dança Tapuia (Eckhout); Roda de Samba(Heitor dos Prazeres - 1958); Canto do Pal-co Durante o Balé (Edgar Degas - 1883).

Heitor dos Prazeres · Roda de Samba, Rio de Janeiro

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Questões provocadoras do olhar:

· Os assuntos abordados nas imagensapresentadas giram em torno de ummesmo tema?

· O que é similar entre as obras? O queé específico de cada uma?· O modo como o corpo está represen-tado sugere movimentos de quais rit-mos? É possível perceber a música queestá embalando os movimentos?· A forma de representar a cena remetea contextos de tempo/espaço diferenci-ados?· O que é possível perceber, através dosegundo plano – cenários, paisagens –,sobre as relações sócio-históricas?· As poéticas ou formas de representardos artistas são diferentes? De quemodo?

Possibilidade 4

Análise comparativa entre as obras:Mameluca (Eckhout); São Paulo (AnselmKiefer - 1998); Oeusó (Alex Flemming -2001).

Questões Provocadoras do Olhar:

· Quais são os elementos comuns entreestas três imagens?· As paisagens representadas têm algu-ma relação entre si?· Através da forma e do conteúdo dasimagens é possível identificar o tempoe o espaço da sua construção?· Se você fosse escolher personagenspara vestir as roupas e os adereços re-presentados nas três obras, como osidentificaria?· Quais as relações que existem entreos títulos e as roupas visualizadas?

Para descobrir na visita à exposição

Preparação - Conversa com os alunos paraa criação de focos do olhar sobre o temaO encontro das culturas.

Visitação - Relembrar os focos do olhar comos alunos, conversando com o monitorsobre o tema que estão pesquisando.

Edgar Degas · Cantodo Palco durante o Balé,1883, Coleção Parti-cular, EUA

Anselm Kiefer ·São Paulo, 1998,Técnica mista,107x 164 cm, ColeçãoRicardo Akagawa

Alex Flemming · Oeu só, 1993, acrílicasobre tecido, 33 x 100cm, Coleção Gilber-to Chateaubriand,São Paulo

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Volta da viagem - Registro posterior indi-vidual e/ou discussão em grupo.

Para pesquisar:

· Mapear quais são os frutos, as flores, asárvores de Pernambuco, agrupando asespécies por sub-regiões, conforme a áreade origem e/ou o cultivo.· Traçar um panorama da evolução damoda na sociedade, entendida como sig-no, relacionando com aspectos relevantesdo contexto histórico e cultural. Pode-sefocalizar a moda, desmembrando emmoda masculina, moda feminina, modainfantil, chapéus, luvas, bolsas, sapatos,jóias, bijuterias, etc.· Entrevistar artistas, artesãos e outraspessoas que atuam em meios culturaisdiversos, investigando sobre a profissão,o processo de criação, o modo de divul-gação da produção, etc.· Relacionar as diferentes culturas aosacervos de diversos museus — da Abo-lição, do Homem do Nordeste, do Es-tado de Pernambuco, Regional deOlinda, Mamam, etc.· Investigar sobre a antropofagia comomanifestação cultural, em diversos con-textos históricos.· Coletar vocábulos de diversas proce-dências que compõem a linguagem es-crita e oral do povo brasileiro.

Para produzir

· Confecção de bonecos de papel vesti-dos com trajes típicos europeus, afri-canos e asiáticos. Discutir sobre a in-fluência de cada uma dessas socieda-

des na maneira de vestir do povo bra-sileiro, através dos tempos,correlacionando com os grupos étnicosque compõem a nossa população. Con-cluir se houve o predomínio do costu-me de uma cultura sobre a outra e seainda hoje isso acontece.· Organizar diferentes formas de com-posição visual de natureza-morta atra-vés de colagem, utilizando imagens defrutos, flores, animais, etc· Gravar em vídeo, diretamente da TV,imagens da programação televisiva:jornalístico, novelas, programas de au-ditório, infantis, de variedade, de hu-mor. Discutir sobre a amostragem re-colhida, girando em torno da questão:a TV revela ou oculta a pluralidade cul-tural brasileira? Produzir uma pesqui-sa de opinião junto as outras classessobre a questão.· Fazer leitura de obras do artistaRoberto van der Ploeg, procurandoidentificar quais delas são releituras deobras de Albert Eckhout. Propor aosalunos novas abordagens (releituras,citação e/ou apropriação) a partir dasobras dos dois artistas.

Roberto Ploeg · Recife, óleosobre tela, 210 x 130 cm

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Propostas de finalização:

· Organizar um desfile de moda, com acriação de figurinos com referências dediferentes culturas, valorizando os signosque revelam as diversas culturas.

· Apresentação de coreografias criadasa partir de ritmos presentes em dançasde diferentes grupos culturais.

· Elaboração de um painel em assemblage,utilizando objetos/elementos que repre-sentem diversas culturas.

· Organizar um debate sobre os resulta-dos da pesquisa de opinião sobre a ques-tão: A TV revela ou oculta a pluralidadecultural brasileira.

· Confecção de um dicionário contendoos vocábulos pesquisados e seus respec-tivos significados.

Avaliação:

A partir do portfólio desenvolvido du-rante o projeto, avaliar o processovivenciado por alunos e professores,revendo as questões levantadas, as

ações e os resultados. Rever o item Acartografia dos roteiros de viagempode ajudar para um olhar/analisar maisdistanciado, como com um telescópio.O objetivo é que alunos eprofessorespossam se apropriar do queplanejaram e construíram, percebendoacertos e desacertos, identificando oque seria ou não repetido num próxi-mo projeto.

Roberto Ploeg · Adão e Eva e o Cão Chupando Manga,óleo sobre tela, 210 x 260 cm

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Viajando com Eckhoute celebrando a natureza

As representações naturalistas deAlbert Eckhout documentam a fauna,a flora e os tipos étnicos que habitavamPernambuco no período nassoviano,época em que não se dispunha das faci-lidades de reprodução advindas com astécnicas da fotografia.

O talento desse pintor holandês foi uti-lizado, assim, para fazer um inventárioiconográfico que registrasse para os ha-bitantes do Velho Mundo as paisagense o modus vivendi dos habitantes do NovoMundo.

A exuberância da floresta em contrastecom a caatinga, as formas, as cores e aintensa luz dos trópicos, que desde osprimórdios da colonização extasiou oseuropeus, foram retratadas em telas degrandes proporções, que constituem umacervo de grande importância para os es-tudos e o entendimento daqueles tempos.

A celebração desses recursos, atravésda iconografia eckhoutiana, requerum olhar atento, investigativo sobresua obra e sobre o espaço da natureza

e a cultura com que hoje convivemos,para refletir sobre o que foi documen-tado, idealizado e as transformaçõesocorridas até os dias atuais.

Analisando o legado de Eckhout sob oenfoque da natureza e refletindo sobreas relações dos homens entre si e asrelações dos homens com o meio ambi-ente, propomos a comparação entre asdiversas paisagens documentadas porele, relacionando-as com o que hoje seconhece dos ambientes retratados, paralevantar questões ambientais atuaiscomo: devastação de mangues e da matanativa, ameaças aos mananciais de águapotável, ocupação desordenada do solo,disposição do lixo, mudanças climáticas,entre outros impactos antrópicos.

Dessa forma, o legado de Eckhout, quetanto serve para o deleite dos olhos, podecontribuir também para levantar as im-plicações éticas no tratamento que o ho-mem vem dando ao meio ambiente.

É a partir desse enfoque que tematizamosa Celebração da Natureza.

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“Aquecimento”: momento inicial demapear desejos

Possibilidade 1

Vendar os olhos dos alunos e oferecerobjetos relativos à natureza e à cultu-ra (folhas, pedras, flores, frutas diver-sas, vagens, conchas, cascas de árvores,madeiras, especiarias, penas, tecidos,instrumentos musicais, cestaria, etc.)para serem manuseados e identificadaspela audição e pelo tato, olfato e/oupaladar.

Questões provocadoras:

· É importante que as questões sejamfeitas com os alunos ainda com os olhosvendados.· O que foi possível identificar atravésdas texturas, das formas, dos pesos, doscheiros, dos sons e dos sabores?· É possível propor alguma classificaçãopara esses elementos experimentados?Como poderia ser feita? Por quê?· ...

Possibilidade 2

Partindo das obras de Eckhout, fazeruma leitura comparativa entre as obrasFrutas (abacaxi, melancia, etc.) e Negra.

Questões provocadoras:

· O que é percebido de comum e de di-ferente nessas duas imagens?· Como a natureza está representadanessas obras?· O que, nessas imagens, não faz parteda natureza?· Que elementos são conhecidos e des-conhecidos?· Como classificar os elementos da natu-reza e da cultura a partir dessas imagens?· Como é percebida a relação homem-natureza nessas imagens?· Na obra Negra, que atividade humanaaparece ao fundo?

Possibilidade 3

Dividir a classe em dois grupos. Propo-nha a um grupo a discussão sobre a re-lação ciência-natureza e para o outro,sobre natureza-cultura. Promover umdebate entre os dois grupos.

Questões provocadoras:

· Na relação homem-natureza, qual opapel da ciência?· Qual a similaridade e a diferença en-tre ciência/natureza , natureza/culturae entre ciência e cultura?· Os avanços tecnológicos interferiramna natureza e na cultura? De que modo?

Refletindo sobre a avaliaçãodiagnóstica

· Qual a reação dos alunos ao seremconvidados a não utilizar o sentido davisão?

Albert Eckhout · Frutas(abacaxi, melancia, etc)

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· Quais os conceitos de ciência e de cul-tura expressos pelos alunos?· Quais relações foram estabelecidas en-tre homem, natureza, ciência e cultura?· De que modo a tecnologia é percebidapelos alunos?· Como os alunos se percebem enquan-to seres da natureza e da cultura?

Questões problematizadoras

· O conceito de natureza é cultural e his-tórico. Qual a concepção de natureza noséculo XVII? Nessa concepção incluía-se o conceito de natureza humana e apercepção do outro?· Quais as concepções científicas e res-pectivas ciências do século XVII?· O conceito de ecologia foi estudadodesde o século XVII ou é atual? A rela-ção do homem com o ambiente naque-le século era semelhante à que observa-mos hoje? Por quê?· Quais as descobertas científicas do sé-culo XVII, e quais as de hoje nos cam-pos da biologia, astronomia, física e quí-mica?· Como a natureza é expressa nas pro-duções artísticas do século XVII e nacontemporaneidade no Brasil?· Que artistas celebraram a natureza atra-vés das suas criações nos diversos cam-pos da arte no passado e no presente?· Todas as espécies animais e vegetaisretratadas por Albert Eckhout se per-petuam até a presente data?· As plantas pintadas por Eckhout sãotropicais? Por quê?· Como se dava a conservação dos ali-mentos no passado e no nosso tempo?

· De que modo ocorriam os tratamen-tos de doenças no século XVII e comoacontecem hoje? Como a natureza era/é usada nesses tratamentos?

Justificativa/Objetivos

O legado de Albert Eckhout, ao docu-mentar os tipos étnicos, a fauna e a flo-ra, visualizadas pelo olhar de um pin-tor europeu naturalista do século XVII,poderá ser um excelente ponto de par-tida para refletir sobre o nosso meioambiente de ontem e de hoje.

Utilizar o meio ambiente, natural e orepresentado através das imagens, comoobjetos de investigação e pesquisa, paraa construção de conhecimento sobre asquestões ambientais, contribuirá para aformação de uma consciência ecológicatão necessária para a preservação davida no planeta Terra.

Conteúdos

· Conceito de natureza e natureza hu-mana e suas inter-relações no séculoXVII e nos dias atuais.· As ciências e suas concepções científi-cas no século XVII.· Conceito de ecologia e a relação homem-ambiente numa perspectiva histórica.· As ciências e seus campos de atuaçãono século XVII e nos dias atuais.· Conceito de naturalista e naturalismo.· Na arte: o naturalismo e o abstracionismona representação da natureza.· Arte contemporânea: o uso de materi-ais da natureza e dos detritos da socieda-

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de no processo de produção das obras.· A fauna e a flora nas obras de Eckhout.· Os alimentos e suas técnicas de con-servação.· Doenças e suas formas de tratamento:da fitoterapia à alopatia.

Continuidade do projeto: encaminha-mentos potenciais

Para ler nas obras de arte

Possibilidade 1

Apresentar as obras Vertumnus (cerca de1590) e Ar (sem datação) de Arcimboldoe propor leituras comparativas com asobras Frutas (abacaxi, melão,etc.) e Negrade Albert Eckhout.

Questões provocadoras do olhar:

· Que elementos são comuns nas obrasdos dois artistas?· Quais os vegetais que estão presentesnas imagens? Seria possível classificá-los?E quanto aos animais?

· Qual a forma de maior tamanho emcada uma das imagens?· Como a sombra e a luz se apresen-tam nessas imagens?· É possível reconhecer algumas fru-tas representadas nas obras deEckhout e de Arcimboldo como pro-duzidas em alguma região do Estadode Pernambuco?· O que é desconhecido nas imagensde Arcimboldo? Por quê?· Que sensações e pensamentos asobras de Arcimboldo provocaram?

· Como a realidade está expressa nasobras de Eckhout e Arcimboldo?. Teriam utilizado, os artistas, a me-mória, a observação ou a imaginação?· Para você, o que as obras comuni-cam? No que elas nos fazem pensar?

Possibilidade 2

Leitura comparativa entre as obras deEckhout: Negro, Mameluca e HomemTupinambá.

Guiseppe Arcimboldo · Vertummus, 1590, Óleo so-bre madeira, 70,5 x 57,5 cm, Balsta, SuéciaGuiseppe Arcimboldo · Ar, não datado, Óleo so-bre tela, 74,5 x 56cm, Coleção Particular, Basiléia Albert Eckhout · Negro e Homem Tupinambá

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Questões provocadoras do olhar:

· Quais paisagens geográficas você iden-tifica nessas imagens?· Na parte inferior esquerda do quadroHomem Tupinambá, Eckhout representouum rio que corre em curvas sinuosaschamadas de meandros, tal qual o RioCapibaribe, quando corta a planície doRecife. Que relação pode se fazer entreesse rio e o Capibaribe hoje?· A cor, o formato e o tamanho das nu-vens podem nos dar indicações do tem-po meteorológico. Tomando como baseos céus pintados por Eckhout, qual se-ria a previsão do tempo em cada cenarepresentada?· Como a luz está refletida nas imagens?O foco de luz está mais evidente nas fi-guras ou no fundo? De que forma?· Os diferentes tons de verde das paisa-gens de fundo bem como as formas quese distribuem nos espaços representadosindicam variações na cobertura vegetal.Quais seriam as áreas cultivadas? Por quê?· A floresta tropical ou Mata Atlântica do-minava quase toda a faixa costeira do Bra-sil. Por que será que na pintura Mameluca afloresta tropical aparece só em pequenasáreas? Houve alguma intenção do autor ouele retratou a realidade da época?

Para descobrir na visita à exposição

Preparação - Conversa com os alunospara a criação de focos do olhar sobreo tema natureza.Visitação - Relembrar os focos do olharcom os alunos, conversando com omonitor sobre o tema que estão

pesquisando.Volta da viagem - Registro posterior indi-vidual e/ou discussão em grupo.

Para pesquisar

· Investigar os artistas cujas obras estãosendo indicadas como objeto de leituracomparativa com as obras de AlbertEckhout, focalizando seus contextos epoéticas.· Propor um estudo sobre o abstracionismocomo forma de representação da nature-za, através do grafismo indígena e das pro-duções de artistas modernos e contempo-râneos.· Investigar formas de “celebração da na-tureza” nas produções de diferentes lin-guagens e modalidades artísticas.· Investigar que artistas contemporâneostrabalham com a questão domeio ambiente, cercando o processo decriação e os materiais que utilizam.

Para produzir

· Desenvolver um projeto sobre o RioCapibaribe durante a ocupação holande-sa, fazendo um paralelo com os dias atu-ais. Fazer comparações com os outros rios.Investigar em que parte do rio pode ha-ver mais poluição (nascente, foz, próximoàs cidades, próximo às plantações). Pedirque os alunos incluam entrevistas com pes-soas mais velhas, para lhes informarcomo era, no seu tempo, o RioCapibaribe, e comparar com os dias dehoje, verificando o que permaneceu e oque mudou nesse rio ao longo do tempo.Concluir o projeto com os cuidados que

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se deve ter para evitar que os rios fiquempoluídos e as águas se tornem imprestáveispara o uso das pessoas.· A partir do estudo feito sobre oabstracionismo e o grafismo indígena, ela-borar composições visuais, tomando a na-tureza como fonte de inspiração e pesquisa.

· Propor uma leitura comparativa entre aobra Flor do Mangue (1973) de FransKrajcberg e uma das naturezas-mortasde Albert Eckhout. Discutir sobre o con-ceito de natureza-morta na obra de cada umdos artistas. Encaminhar a elaboraçãode produções artísticas, tendo comomatéria-prima elementos descartadospela natureza.

· Utilizando o desenho de observação,elaborar produções artísticas bi etridimensionais, representando os ele-mentos da natureza e/ou paisagens pre-sentes no seu contexto. Um dia claro,com o céu azul e nuvens brancas, indi-ca tempo bom, sem chuvas. Um céucom muitas nuvens cinzentas, ao con-trário, prenuncia tempo chuvoso. Mon-te com seus alunos uma tabela com osseguintes dados: tempo bom, temponublado e os dias do mês. A cada diaum aluno será encarregado de obser-

var o céu, sempre na mesma hora,marcando a tabela no lugar correspon-dente. A critério do professor(a), essatabela poderá conter desenhos ou pa-lavras. No fim do mês, analise com osalunos qual o tempo que predominoue que hipóteses eles têm para as trans-formações ocorridas. Produzam umasíntese coletiva do estado do tempo domês estudado, para comparar com osmeses seguintes. Repita esse procedi-mento, a cada mês, ao longo do anoletivo, discutindo com os alunos o mo-tivo das transformações na atmosfera,relacionando-o às estações do ano.· Fórum de debates sobre as questõesambientais e elaboração de um manifes-to de celebração da natureza.· Leitura, análise e reflexão sobre oArtigo 25 da Declaração Universal dosDireitos Humanos, relativo ao Pacto In-ternacional dos Direitos Econômicos, Sociaise Culturais (Pidesc).

Propostas de Finalização

· Apresentação dos trabalhos por equi-pes, na sala de aula, seguindo paraapresentações entre as salas da escolae da escola para a comunidade.· Participação em publicações (elabora-das nas escolas, revistas, jornais, etc.).· Painéis que contam a história do pro-jeto.· Grafitagem nos muros da escola a par-tir do tema: Celebrando a natureza.· Divulgação do texto do Manifesto deCelebração da Natureza na escola e na co-munidade, através de sua distribuição,de panfletos e/ou discurso oral dos alu-

Franz Kracjberg · Flor do Mangue, 1973, Madeira,320 x 900 cm, Nova Viçosa, Bahia

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nos, recolhendo assinatura de adesãoapós a leitura, escuta e aceitação domesmo.

Avaliação

Propõe-se para o processo de avaliaçãoa criação conjunta, entre professor e alu-nos, de critérios de avaliação. A constru-ção do portfólio, realizado durante o de-senvolvimento do projeto, permitevisualizar os passos, os conteúdos traba-lhados, as idéias desenvolvidas e aquelasque foram abandonadas no percurso.

Embora a avaliação se dê antes, duran-te e no final do processo, é no momen-to final que se sistematizam os caminhospercorridos. Volte a ler A Cartografia dosRoteiros de Viagem para rever os passos eas decisões tomadas. Talvez a avaliaçãoaponte para a construção de um novoprojeto, ampliando questões surgidasnesse rico momento.

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Diário de bordoa memória da viagem

Mas as coisas findas/muito mais que lindas/essas ficarão.Carlos Drummond de Andrade

Individual ou coletivo, um diário de bor-do pode contar toda a história, revelan-do como fomos capturados pelas obras,pela vida e pelo tempo de AlbertEckhout. Um espaço para marcarmos oque aprendemos sobre o passado, o quepercebemos sobre o presente e o quedesejamos para o futuro.

São com esses diários de bordo, com oque conseguimos recolher e com o queproduzimos, que podemos marcar amemória de nossa viagem e avaliá-la,considerando nossas descobertas, nos-sos acertos e os caminhos que poderi-am ser trilhados de modo diferente.

Como álbum de fotografias que amorosa-mente guardamos ou como um portfóliode um artista, essas memórias secondensam nas mãos de educadores, que,como cartógrafos, mapearam possibilida-des, descobriram lugares pouco explora-dos, percorreram atalhos provocadores,encontraram trilhas e clareiras.

Professores-cartógrafos que tenhamuma bússola composta de ousadia, cria-

ção e conhecimento. Que levem em suasmochilas boas lentes para a observação,caderno para diário de bordo e materi-al para registro, seja máquina fotográfi-ca, gravador ou mesmo suas canetas.Professores-cartógrafos leitores e medi-adores que criem viagens-projeto quepossam convocar, aguçar e materializaro olhar/corpo sensível e pensante dosalunos. Cartógrafos–professores–pes-quisadores que descubram diferentesmodos de abordar, compreender e re-fletir sobre a cultura e a arte brasileira,entrelaçando relações com o Brasil, so-bre ser brasileiro.

Desejamos que, como professores-via-jantes, possamos viver percursos poéti-cos inventivos, sensíveis e provocantespara o aprender e o ensinar de novosolhares sobre a arte, a cultura, a ciênciae a vida, capturados pelas obras deAlbert Eckhout.

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Glossário

Academicismo · Nome dado ao estilode arte produzida por artista com for-mação nas Academias — Escolas deBelasArtes, na qual os padrões estéti-cos obedecem a regras rígidas de com-posição.

Alex Flemming · Artista brasileiro,nascido em São Paulo, em 1954, quemora na Alemanha. Em seu trabalho,transita da pintura à fotografia como doobjeto ao texto. A roupa, na sua obra,sai do universo pessoal e cotidiano parase tornar arte-objeto.

Alopatia · Sistema ou método de tra-tamento em que se empregam remédi-os que, no organismo, provocam efei-tos contrários aos da doença em causa.

Alteridade · Natureza ou condição doque é outro, do que é distinto. Estadoou qualidade que se constitui atravésde relações de contraste, distinção, di-ferença.

Anselm Kiefer · Pintor alemão, nas-cido em 1945, em Born. Sua produção

se caracteriza por enormes pinturas,utilizando imagens fotográficas e desen-volvendo símbolos visuais que comen-tam aspectos trágicos da história cultu-ral humana. Em suas paisagens, há apresença física de objetos e o uso daperspectiva e de texturas de modoincomum. Seus temas incluem referên-cias à história dos hebreus e egípcios.Na obra Lilith, o artista apresenta ocaos urbano de São Paulo, lugar que elechama de Lilith, referência à mitológicamulher-demônio primordial.

Antrópicos · Relativo ou pertencenteao homem ou ao seu período de exis-tência na terra; relativo às modificaçõesprovocadas pelo homem no meio ambi-ente.

Antropofagia Modernista · Pensa-mento filosófico que fundamentou aSemana de Arte Moderna (1922) e oManifesto Antropofágico (1928), quepropunham uma ruptura com padrõesestéticos e comportamentais importadosda cultura européia e impostos; paradefender uma estética nacional decorren-

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te da ingestão/digestão de diversas cul-turas no processo de criação artística.

Arcimboldo · Giuseppe Arcimboldo(1527-1593) nasceu em Milão no mesmoano em que Roma foi conquistada esaqueada pelos mercenários de CarlosV. Além de usar com freqüência frutase legumes para criar os seus retratos,Arcimboldo era também conhecido porutilizar vasos, panelas e até ferramentaspara criar suas imagens misteriosas. Suaspinturas foram consideradas um tantomalucas, embora tenham sido imitadascom certa freqüência. Ele só se tornoupopular quando os surrealistas o reco-nheceram como um colega artista, quegostava de fazer trocadilhos visuais.

Arte-objeto · Utilização de qualquerobjeto, material, matéria-prima, pré-fa-bricado ou produto industrial comoobra de arte. A atividade do artista des-loca-se da manufatura da obra para oato de escolher um objeto compatívelcom o suporte de uma idéia.

Artigo 25 do Pidesc · “Toda pessoatem direito a um padrão de vida ade-quado à saúde e ao bem-estar, nisso es-tão incluídos alimentação, vestuário, ha-bitação, assistência médica e os neces-sários serviços sociais.”

Assemblage · Composição artística comretalho de papel ou tecido, objetos des-cartados, pedaços de madeira, pedras, etc.

Edgar Degas · Pintor francês nascidoem 1834, iniciado na pintura acadêmi-

ca, mas influenciado pela propostaimpressionista. O tema mais recorren-te nas suas obras foi a dança, pintandobailarinas ensaiando, dançando, amar-rando sapatilhas ou repousando. Degassofreu durante 30 anos, com sérios pro-blemas de visão, o que é evidenciadoem muitas de suas obras. Morreu em1917 aos 83 anos.

Especiarias · Conjunto de temperos(cravo, canela, pimenta-do-reino,cominho, noz-moscada, baunilha, etc.)que os europeus traziam de terras dis-tantes, especialmente da Índia, do su-deste asiático, da África.

Etnia · Coletividade de indivíduos quese diferencia por sua especificidadesociocultural, refletida principalmente nalíngua, na religião e nas maneiras de agir.

Etnografia · Estudo descritivo das di-versas etnias, de suas características an-tropológicas, sociais, etc.

Fitoterapia · Tratamento ou prevençãode doenças através do uso de plantas.

Frans Krajcberg · Nasceu na Polôniaem 1921, é naturalizado brasileiro. Ini-cialmente radicado em São Paulo, resi-diu depois no Paraná e Rio de Janeiro,hoje habita no sul da Bahia, divisa como Espírito Santo, em uma reserva eco-lógica preservada por ele mesmo. Suaobra, no início figurativa, tornou-se abs-trata. Começou trabalhando como pin-tor, procurando, nas rochas e terras co-loridas de Minas Gerais, os pigmentos

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com os quais preparava as tintas parasuas telas. Como escultor, Krajcberg usagrossos cipós recolhidos em Mato Gros-so, nas florestas devastadas pelo fogo,ou troncos de árvores tiradas dos man-gues, já mortas pela ação das plantasparasitas, restaurando suas vidas.

Funai · Fundação Nacional do Índio, éum órgão do Governo Federal, que tema incumbência de tratar as questões dospovos indígenas.

Heitor dos Prazeres · Carioca, nasci-do em 1898. Seus conhecimentos devi-am-se a sua avó e ao seu pai que eramarceneiro e tocava clarinete. Traba-lhou como sapateiro, mas, como era bas-tante atraído pela música, rondava pe-las ruas fazendo serenatas e compondomúsicas e letras. Compôs para a Portelae a Mangueira, fez parceria com NoelRosa, consagrando-se como compositor.A partir de 1937, passou a pintar “paraenfeitar parede” e gradativamente foise firmando no campo das artes plásti-cas, tematizando: ensaios, serenatas, ci-randas, negras gingando, etc.; que sem-pre fizeram parte do seu universo, utili-zando uma poética primitivista, até suamorte em 1966.

Ícone · Signo que apresenta uma rela-ção de semelhança ou analogia com oobjeto que representa.

Iconografia · Estudo descritivo da re-presentação visual de símbolos e ima-gens tal como se apresentam nos qua-dros, gravuras, estampas, medalhas,

efígies, retratos, estátuas e monumen-tos de qualquer espécie, sem levar emconta o valor estético que possam ter.

Impressionismo · Movimento artísti-co, surgido na segunda metade do sécu-lo XIX, que busca captar as impressõesde luz, cor e forma, através do empregomais livre e pessoal dos materiais depintura, diluindo os contornos e abolin-do os tons sombrios.

Mameluca · Mestiça de branco euro-peu com nativa da América (“índia”).

Modesto Broccos y Gomes · Pintor,gravador e professor, nascido em 1852.Iniciou seus estudos artísticos naEspanha. Foi para Buenos Aires em1871, onde trabalhou como gravador.Chegou ao Brasil em 1872. Trabalhoucomo gravador e ingressou na Acade-mia Imperial de Belas-Artes em 1875.Estudou, entre outros, com Zeferino daCosta e Victor Meirelles. Foi para Pa-ris, apresentando-se em salões oficiais.Viajou para Roma como bolsista dogoverno espanhol e retornou ao Brasilem 1891. Foi nomeado professor daEscola Nacional de Belas-Artes do Riode Janeiro. Faleceu em 1936.

Poética · Deriva histórica e semantica-mente do grego poíésis, criação. Relativoà linguagem pessoal de cada artista.

Primitivista · Tendência artística quebusca seus modelos na ingenuidade deforma e expressão dos povos primiti-vos. Incorporada a partir dos anos 30

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ao Movimento Modernista por pintoresautodidatas, que utilizavam intensas co-res nas formas simples de representarcenas do dia-a-dia, paisagens e festaspopulares e religiosas.

Raça · Conjunto de indivíduos cujoscaracteres somáticos, tais como a cor dapele, a conformação do crânio e do ros-to e o tipo de cabelo, são semelhantes ese transmitem por hereditariedade, em-bora variem de indivíduo para indivíduo.

Rap · Gênero de música popular urba-na, que consiste numa declamação rápi-da e ritmada de um texto, com alturasaproximadas.

Roberto van der Ploeg · Artista ho-landês radicado há vinte anos no Esta-do de Pernambuco. Aqui chegou com oobjetivo de fazer um mestrado em Teo-logia e trabalhar em educação popular.Em meados de 1980 foi residir na cida-de de Olinda, entrando em contato coma comunidade artística da “cidade alta”,onde passou a freqüentar cursos, ofici-nas e ateliês de artes plásticas. Fez suaprimeira exposição individual em 1996.Estudioso da obra pictórica de AlbertEckhout, produz releituras com fortescaracterísticas de crítica social.

Rosana Paulino · Negra, nascida em1967, no interior de São Paulo, em umafamília simples, desiste de cursar Bio-logia após ter prestado vestibular naUnicamp, para se dedicar às artes plás-ticas. Em seu trabalho, trata de te-mas como violência, racismo e sexo.

Fala da feminilidade com imagens demulheres negras. Usa como modalida-des a pintura, serigrafia, recortes e acostura. “Minha mãe sempre costuroupara fora” – diz ela, referendando o seutrabalho, pois opta por trabalhar comquestões que mexem com seu univer-so pessoal.

Tereza Costa Rego · Nasceu no Reci-fe e começou a pintar ainda criança. Aosquinze anos ingressou no curso de pin-tura na Escola de Belas-Artes. Expôspela primeira vez no Museu do Estadode Pernambuco, obtendo o primeiroprêmio. Hoje mora na cidade de Olinda,onde possui um ateliê na Rua do Am-paro. Em comemoração aos 500 anosdo Brasil expôs a mostra As Sete Luas deSangue no Museu de Arte modernaAluízio Magalhães (Mamam), abordan-do sete momentos ou circunstâncias his-tóricas do Nordeste, em que a luta pelaliberdade e pelos direitos do homemforam o estopim da morte.

Vik Muniz · Paulista, nascido em 1961,morando atualmente em Nova York.Começou trabalhando como publicitá-rio, emergindo para o campo das artesvisuais através do desenho e da fotogra-fia. Transita entre o desenho e a pintu-ra, utilizando materiais simples, comografite; ou materiais sensuais, comochocolate; doces, como o açúcar; áspe-ros, como a terra; e leves, como o algo-dão, reinventando imagens veiculadasem diversas mídias e fotografando osresultados dessas reconstruções.

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Wellignton Virgolino · Nasceu noRecife, no ano de 1929. Pintor, grava-dor e escultor, expõe seus trabalhosdesde a década de 50, quando ao ladode outros importantes artistas, integrao ateliê coletivo da Sociedade de ArteModerna do Recife. Possuindo uma lin-guagem própria e inimitável, pinta figu-ras humanas com grandes olhos ovala-dos, envoltas num mar de texturas ecores intensas. A obra O Paraíso faz par-te de uma série de quadros inspiradosem episódios do Velho Testamento.

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ACOT, Pascal. História da ecologia;Trad. Carlota Gomes. Rio de Janeiro:Campus, 1990.

ALPERS, Svetlana. A arte de descrever:a arte holandesa no século XVII. SãoPaulo: Edusp, 1999.

ANTUNES, Celso. Um método para oensino fundamental: o projeto. Vozes,2001.

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Arte e Ciênciano Brasil holandês

Elly de Vries

Contexto Histórico

No final do século XVI, a Holanda de-senvolvia-se rapidamente nos campos dacartografia, da construção naval e dosinstrumentos de navegação, começandoa participar da conquista de novos ter-ritórios, ao lado de portugueses e espa-nhóis.

Em 1580, com a união das coroas ibé-ricas, que duraria até 1640, o Brasil pas-sara a ser domínio espanhol. Em 1581,a Holanda, dominada pela Espanha des-de 1551, declarara-se uma república in-dependente, tendo combatido Madri até1648 (com uma trégua entre 1609 a1621).

Em 1602, foi fundada a Companhia dasÍndias Orientais (WOC), rapidamentetransformada numa grande fonte de ri-queza para a Holanda, que, incentivadapelo sucesso do empreendimento, fun-dou, em 1621, a Companhia das ÍndiasOcidentais (WIC). Tão importantequanto o comércio de açúcar e pau-brasil e a implantação de colônias agrí-

colas — visando o domínio sobre a pro-dução do açúcar — era a pirataria, ou-tro objetivo da Companhia. Ao fim datrégua de doze anos, entre 1609 e 1621,a Holanda voltaria a atacar o inimigo,não somente nos seus próprios territó-rios (BR território esp.) como tambémnos mares, corseando a carga de naviosque retornavam carregados à Espanha.Ao bloquear a entrada dessas riquezas,dificultava-se o financiamento da guer-ra deste país contra a Holanda. Um pon-to estratégico de onde a pirataria facil-mente poderia ser organizada era a cos-ta do Nordeste brasileiro.

Do ponto de vista econômico, a costabrasileira era particularmente atraente.Após uma tentativa frustrada de tomarSalvador, na Bahia, em 1624-1625, aCompanhia passou a empenhar esfor-ços para conquistar Pernambuco — re-gião igualmente favorável, devido aocultivo da cana-de-açúcar.

Em 1628, os holandeses capturaramuma importante carga de navios espa-nhóis, o que lhes permitiu investir no

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equipamento de uma nova esquadrapara invadir o Brasil. Dessa forma, em1630, os holandeses capturaramOlinda, firmando-se assim no Brasil ecuidando logo de expandir seu territó-rio, de modo que uma razoável exten-são da costa do Nordeste brasileiro fi-casse sob seu domínio.

Em 1636, os diretores da WIC decidi-ram enviar ao Brasil um governador-geral que consolidasse o poder nos ter-ritórios conquistados, aumentando aprodução de açúcar e, conseqüentemen-te, os lucros da Companhia. A escolharecaiu sobre um jovem oficial de ape-nas 32 anos, João Maurício de Nassau-Siegen.

O Conde de Nassau (em 1652, prínci-pe) nasceu em 1604, em Dillemburg,Alemanha. Por parte de pai, tinha pa-rentesco com a família real holandesae, pelo lado materno, com a corte dina-marquesa. Após estudos nas Universi-dades da Basiléia e de Genebra, Nassauestudou em Kessel, na Alemanha, ondecomeçou a interessar-se por artes e ci-ências. Por volta de 1620, iniciou car-reira militar em Haia, alistando-se maistarde no exército holandês, quando veioa adquirir certa fama nas batalhas con-tra os espanhóis. Confiando nas suas ca-pacidades administrativas e habilidadesmilitares, a Companhia designou-ocomo seu representante e governador.

A partir de então, é interessante notarcomo a administração de Nassau desen-volveu-se a partir de um conceito bas-

tante diverso do adotado pela maioriade seus contemporâneos que iam parao Oriente. Isso fica evidente logo desaída, quando da escolha dos integran-tes de sua comitiva, constituída não so-mente dos soldados e oficiais de praxe,mas também de cientistas e artistas.Entre estes encontravam-se os cientis-tas Willem Piso (ou Pies) e GeorgMarcgrave e os artistas Albert Eckhoute Frans Post. É sobre o trabalho inesti-mável realizado por essas pessoas noBrasil, no século XVII, que falarei nopróximo bloco.

Durante sua estada de quase oito anosno Nordeste, Maurício de Nassau cons-truiu dois palácios — o Friburgo e o BoaVista — , diques, pontes, praças, bemcomo concebeu uma nova cidade, a “Ci-dade Mauritia”. É interessante salien-tar que esses feitos não encontram pa-ralelo em nenhum outro território ocu-pado pelos holandeses.

O Palácio Friburgo era também conhe-cido como Palácio das Duas Torres, ambasutilizadas por Marcgrave como obser-vatórios astronômicos. Nassau fez comque ali fosse também instalado e orga-nizado um jardim zoológico e botânico,com todos os tipos de animais e plantasencontrados na região. Muitos dessesanimais eram presenteados a Nassaupor moradores e colonos de localidadesmais afastadas.

Torna-se, pois, evidente aqui o papel deMaurício de Nassau como mecenas dasartes e da ciência no Novo Mundo — um

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príncipe colonizador humanista —, jáque, ao longo de sua estada no Brasil,foram incentivados e realizados estudosem diversas áreas do conhecimento, taiscomo a zoologia, a botânica, a etnologia,a cartografia e a astronomia.

Do ponto de vista político e econômico, asituação começou a deteriorar-se rapida-mente depois de 1640, quando os por-tugueses tornaram-se novamente indepen-dentes da Espanha, voltando a preocupar-se com seus domínios no Brasil.

Maurício de Nassau insistiu várias ve-zes para que os diretores da Compa-nhia lhe enviassem mais recursos paraexpandir suas forças militares. Suas re-quisições, no entanto, não foram ouvi-das, em parte devido a problemas finan-ceiros que a Companhia então enfren-tava, em parte porque pendia sobre elea suspeita de ser um esbanjador que seocupava de empreendimentos elitistasàs custas da Companhia, sem visar lu-cros para a mesma.

Em 1644, Maurício de Nassau retornouà Holanda. Em 1654, Pernambuco ren-deu-se aos portugueses. Em 1661, aCompanhia, num acordo, abriu mão detodos os seus direitos sobre o território.

Cientistas e artistas no Brasil ho-landês

Sob o patrocínio e orientação de Mau-rício de Nassau, trabalharam aqui doisartistas — Frans Post e Albert Eckhout— e dois cientistas — Guilherme Piso e

Georg Marcgrave. Todos jovens, comidades que variavam de 25 a 27 anos.

Guilherme Piso era médico pessoal deMaurício de Nassau e desenvolveu aquium valioso estudo das plantas e suasatribuições medicinais.

Georg Marcgrave, alemão, era médico,astrônomo, cartógrafo, matemático enaturalista; estudara na cidade deLeiden, após ter freqüentado já noveuniversidades na Alemanha. Era umdesses cientistas multidisciplinares e en-controu no Brasil um campo ilimitadopara sua pesquisa.

O trabalho realizado por Piso eMarcgrave resultou, após o regresso àHolanda, na publicação do livro HistoriaNaturalis Brasiliae em 1648, editado porJohannes de Laet sob o patrocínio dopróprio Maurício de Nassau. É impor-tante mencionar que se trata de umaobra subdividida em oito volumes: ostrês primeiros tratam das plantas; oquarto, dos peixes; o quinto, das aves;o sexto, dos quadrúpedes e serpentes;o oitavo, da região e de seus habitan-tes, incluindo-se neste um apêndice so-bre os tapuias e chilenos. Os dados ci-entíficos contidos na obra foram princi-pal fonte de pesquisa no campo da ciên-cia natural para espécies da flora e faunabrasileiras, até o final do século XVIII,sendo somente então suplantados.

Os resultados artísticos da estada deNassau e sua equipe no Brasil não fo-ram menos impressionantes.

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Albert Eckhout, que veio como retratista,debruçou-se também sobre a fauna e a flo-ra. Muitos desses desenhos foram maistarde aproveitados como base para asxilogravuras do livro HNB, bem como paraa composição de quadros e tapeçarias.

Para analisar as principais obras deAlbert Eckhout, observemos os retra-tos de quatro casais, que hoje perten-cem ao acervo do Museu Nacional daDinamarca, a saber:

Homem - Mulher TapuiaHomem - Mulher TupinambáMestiço - MamelucaNegro - Negra

Esses quadros têm 2,60 metros de altu-ra e retratam as várias etnias residen-tes no Brasil à época, bem como aspec-tos da miscigenação de raças. Os retra-tos impressionaram, a princípio, pelotamanho e, a seguir, pela notável e deta-lhada observação etnográfica dos tiposhumanos. Representam etnias ao mes-mo tempo em que exibem a riqueza eexuberância de pormenores botânicose zoológicos.

Nunca antes os povos americanos foramvistos e tratados com a dignidadeconferida a essas figuras pelos artistas.

Os painéis com frutas

As naturezas-mortas de Eckhout mos-tram a riqueza das frutas tropicais e re-velam uma postura quase didática doartista em relação ao objeto retratado.

Tapeçarias

São conhecidas como a Série das Índias.Consiste de oito temas básicos, basea-dos originalmente nos desenhos deEckhout, e confeccionada pelaManufacture de Gobelins, na França, de1687 a 1730. Quando os cartões fica-ram desgastados pelo uso constante,foram encomendados novos cartões aoartista francês François Desportes. Essanova série estabeleceu uma relação dedistinção com a antiga, passando a ser,ambas, conhecidas como Anciennes Indese Nouvelles Indes. A segunda série foi con-feccionada entre 1740 e 1786.

Frans Post, paisagista, foi incumbido dedocumentar os cenários rurais e urba-nos, os palácios, as fortificações milita-res, etc. Seu trabalho está inserido nocontexto da pintura de paisagem naHolanda do século XVII. Ele filtra apaisagem brasileira com seu modo ho-landês de ver e pintar. São reconhecí-veis em suas obras os mesmos recursosde enquadramento e perspectiva da tra-dição holandesa. Tendo feito muitosdesenhos aqui, retratando ora uma ca-pela, ora um engenho, ao retornar paraa Holanda, ele se utiliza desse materialcom liberdade na composição dos cená-rios, não obrigatoriamente representan-do situações reais.

Quando Maurício de Nassau volta àHolanda, Eckhout e Post acompanha-ram-no e, durante certo tempo, aindatrabalharam para ele, seguindo maistarde suas carreiras independentes, mas

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sempre retrabalhando os temas brasi-leiros, o que demonstra o quanto a ex-periência tornou-se significativa, umverdadeiro marco na carreira de ambos.

Morando na Mauritshuis, em Haia,Nassau colhia os frutos de sua missãono Brasil. Primeiro, financiou a publi-cação do livro de Gaspar Barléu, Rerumper Octenium in Brasiliae (1647), contendoum relato dos feitos praticados duran-te sua estada. Em seguida, publicou olivro, já citado, de Piso e Marcgrave,Historia Naturalis Brasiliae (1648).

Em 1652, Nassau entrou para o serviçode Frederico Guilherme I, eleitor deBrandenburgo. Sua coleção começou, en-tão, a espalhar-se pela Europa, por meiode presentes que oferecia em troca deretribuições que lhe conferissem “status”ou alguma recompensa financeira.

O primeiro presente foi feito em 1652,quando, além dos desenhos, Nassauentregou pinturas, móveis e artefatosao eleitor de Brandenburgo. O segun-do presente foi enviado, em 1654, aoRei Frederico III da Dinamarca. O pre-sente constava de 26 pinturas a óleo eobjetos. A última transação aconteceuem 1679, quando Nassau enviou, a LuísXIV, os cartões de Eckhout para con-fecção de tapeçarias, quadros de FransPost e objetos.

Desse modo, por muito mais de trintaanos após seu retorno à Europa, semen-tes dos frutos dos anos brasileiros es-palharam-se pelo Velho Continente,

que, já há muito, vinha provando de seucaráter de novidade e exotismo. Os ecosda repercussão que esse material pro-vocou no campo das artes e das ciênci-as permanecem inscritos no tempo,como prova de uma experiência semparalelo na história da colonização doNovo Mundo.

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Uma das primeiras formas de consciênciado indivíduo é a consciência do tempo. Nãohá uma só fração do tempo na história dahumanidade, em que a preocupação coma sua fluidez não tenha perseguido, incô-moda e pertubadoramente, a espécie hu-mana, uma vez que sua incessante fluên-cia impõe a irremediável interrogação so-bre a finitude do ser.

É através do registro, da medida (conta-gem) e da contextualização que, de certamaneira, se efetiva uma espécie de catarsedo indivíduo em relação à consciência dasupremacia do tempo sobre sua existên-cia. Existem outros tipos de catarse, como,por exemplo, os viabilizados pelo desen-volvimento técnico-científico (telecomuni-cação, telemática, engenharia genética, fí-sica quântica, etc.).

As artes também exercem um papel pre-ponderante nesse processo catártico. Apropósito, um exemplo marcante da su-peração da finitude do ser em relação aotempo, através da criação e fruição estéti-cas, está cristalizado no quadro Saturno

Lendo a Linha do Tempo

Roberta Rodrigues Aymar

Devorando a un Hijo, alegoria temporal ide-alizada pelo célebre pintor espanhol Fran-cisco Goya y Lucientes (1746–1828), que,inspirado no mito romano de Saturno(Chronos para os gregos), sintetiza o dra-ma humano frente ao caráter devoradordo tempo. A força imagística do devoranteé uma das mais inquietantes e provoca-doras metáforas do tempo — expressãoalegórica sem precedentes, que garantiua imortalidade dessa obra de arte.

No intento de ultrapassar a apreensão dotempo a partir de vivências pessoais, decompreender e de assimilar a noção detempo nas suas diversas dimensões, ohomem, por meio da sua inata curiosida-de e capacidade criativa, vem, incessantee metodicamente, investindo na invençãode sistemas de medição (calendários) ena construção de aparelhos (gnômon,1

1. Gnômon · conhecido também como relógiosolar. Instrumento que mede a hora do dia, atra-vés da disposição de um estilete, uma coluna, umahaste, etc., na vertical sobre um plano horizon-tal, indicando a altura do sol ou da lua acima dohorizonte.

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clepsidra,2 astrolábio,3 ampulheta,4 reló-gios, etc.) cada vez mais sofisticados e pre-cisos para controlar com maior proprie-dade o passar do tempo, na tentativa deminimizá-lo como realidade abstrata,transformando-o em realidade concre-ta, passível de mensuração.

Medir, demarcar, controlar o tempo sãoexperiências tão contínuas na existên-cia das mais diversas formações sociaisquanto o próprio movimento do temponatural. Todavia, as sociedades não cri-am calendários e aparelhos de mediçãoapenas como mais uma entre tantas ten-tativas de dominação dos movimentose das transformações da natureza.

Há, além desses ensaios de materializaro tempo, uma intenção simbólica que ul-trapassa essa materialidade e revela umanecessidade imaterial de registrar, de

interpretar e de entender o tempo na suadimensão histórica, como produto cultu-ral de diversas concretudes espaço–tem-porais. E é na cultura que surgem einteragem as mais diferentes concepçõesde tempo, como o tempo cíclico das soci-edades agrárias, o tempo mítico da civili-zação greco-romana, o tempo escatológicoou teleológico do medievo. Tais concep-ções permitem driblar a idéia delinearidade embutida no tempo cronoló-gico — único, singular e irreversível — etrazer à tona os diversos ritmos e da suaduração, incorporando as noções de per-manência/continuidade, ruptura/descontinuidade e a dinâmica dialéticadesses processos, o que possibilita umaleitura ressignificada dos conceitos demudança e transformação, agora, nessaperspectiva, não mais associados à idéiade linearidade e desenvolvimento pro-gressivo.

Incorporar os diversos ritmos da dura-ção do tempo (o tempo dos acontecimen-tos, das conjunturas, das estruturas)abre um leque de possibilidades de in-terpretação e reflexão do tempo crono-lógico. Aí ultrapassa-se a barreira dadimensão quantitativa, em que adatação serve apenas como registrodelimitador e demarcador, para umadimensão qualitativa desse registro, es-tabelecendo novas pontes entre passa-do e presente. O registro do tempo pas-sa então a ter outros sentidos, comolembrar, rememorar, celebrar, comemo-rar, cultuar, desconstruindo antigas vi-sões e formulando novos significados.

2. Clepsidra ou relógio de água é um instrumentomuito antigo de medição do tempo com formatoconstituído por dois cones, onde o gotejamentoda água do cone superior para o inferior possibi-litava a indicação da hora pela leitura do nível deágua no compartimento de baixo.3. Astrolábio é um instrumento de forma esféri-ca com haste móvel, utilizado para medir a posi-ção dos astros, como as estrelas, por exemplo.Tal utensílio foi amplamente utilizado pela na-vegação e como uma maneira de determinar aduração do ano.4. Ampulheta ou relógio de areia, como é facil-mente reconhecido, é um instrumento de medidado tempo formado por um recipiente de vidro,dividido em dois compartimentos cônicos simé-tricos ligados pelo vértice (um canal estreito), poronde passa uma substância (areia, água ou mer-cúrio) de um compartimento para o outro numintervalo de tempo determinado.

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As linhas do tempo, um dos recursosdidáticos mais utilizados para a organi-zação esquemática da História, podem,se bem construídas e dimensionadas,refletir sobre a diversidade e a comple-xidade dos diferentes povos e culturas.

Considerando o que a palavra linha su-gere, a idéia que se faz, automaticamen-te, é de um traço contínuo e alongado,representando uma determinada exten-são, delimitada ou não. Destarte, tal ima-gem remete à de linearidade — ao que seestende em linha ou em comprimento;ao que se projeta de forma linear.

Porém, partindo das múltiplas possibi-lidades de leitura temporal, as linhasdo tempo podem assumir diversasfeituras ou tessituras que reflitam maisalém do que a simples demarcação ho-rizontal de acontecimentos instituídose institucionalizados (os chamados fatoshistóricos), selecionados e avaliadospelo saber dominante, pela subjetivida-de ideológica e pelo direcionamentopolítico de quem os seleciona.

Noutra direção, as linhas do tempo de-vem ousar na forma, na função e nosconteúdos (principalmente no teor dosconteúdos), distanciando-se do simplesarrolamento de fatos inertes e amorfos,no intuito de refletir sobre as visões demundo e os espíritos das épocas passa-das e, sobretudo, na medida do possível,oferecer um panorama sobre dúvidas,questionamentos, indagações e outrasdemandas sociais do presente, em rela-ção à dinâmica dos tempos passados.

Tal reflexão é um convite às novas ediferentes leituras sobre o tempo e, aci-ma de tudo, sobre o encontro de cultu-ras tão distintas, proporcionado a par-tir da presença holandesa no Brasil doséculo XVII (1630–1654): sobre umtempo, sobre o tempo — O Tempo dosFlamengos —, sobre um tempo do Brasilem que ainda há muito por se conhecere se revelar.

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01. 1578 · Jean de Léry. Guerreiros Tupinambás. Le voyageau Brésil, 1578. Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

02. 1617 · Peter Poul Rubens (1577-1640). O Rapto dasfilhas de Leucipo, 222 x 209 cm. Munich, AltePinokothek.

03. 1621 · P. Scharck. Escritório da Companhia das ÍndiasOcidentais em Amsterdam. Gravura, Coleção J. deSouza Leão. Rio de Janeiro, GB.

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05. 1630 · Albert Eckhout (1610-1665). Índio Tupi, 269 x170 cm, óleo sobre tela, 1643. Museu Nacional daDinamarca.

06. Frans Post (1612-1680). Vista da Sé de Olinda, óleosobre madeira, 45 x 70 cm.

07. 1632 · Rembrant (1606-1669) Lição de Anatomia doDr. Nicolaes Tulp, 162,5 x 216,5 cm. Acervo doMauritshuis, Amsterdam.

08. 1633 · Frans Hals (1582-1666). Malle Babbe ou ABruxa de Haarlem (c.1630-33) 74,93 x 64,13 cm.Staotliche Museum, Berlim Ocidental.

09. 1633 · Vermeer (1632-1675) A Leiteira (1655-1661) 45x 40 cm. Rijks Museum, Amsterdam.

10. 1635 · Frans Post. Paisagem da Paraíba, óleo sobremadeira, 45,4 x 53,7 cm. Acervo do Museu deBelas-Artes, Rio de Janeiro.

11. 1636 · Zacharias Wagener. O Mercado dos Escravos daRua dos Judeus. Extraído do Thierbuch, séc. XVII.Kupferstich Kabinett, Dresden.

12. 1637 · Thodor Matham. João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679). Gravura, ilustração do livro deGaspar Barléu, 42,5 x 28 cm. Acervo FundaçãoBiblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

Linha do tempo

13. 1637 · Albert Eckhout. Mameluca, 169 x 170 cm,óleo sobre tela, 1641. Museu Real da Dinamarca.

14.1 637 · Moeda obsidional em ouro, mandada cu-nhar por João Maurício de Nassau provavelmen-te entre 1645 e 1646, resgatada da nau Utrecht,afundada em 1648 na Bahia. Coleção do CentroCultural da Marinha, Rio de Janeiro.

15. 1637 · Armas da Casa de Orange. Coleção BancoItaú.

16. 1638 · Georg Marcgrave. Imagem do livro HistoriaRerum Naturalium Brasiliae, 1648. Coleção Ruy Sou-za e Silva.

17. 1641 · Albert Eckhout. Mulato, 268 x 165 cm, óleosobre tela, 1641. Museu Real da Dinamarca.

18. 1641/1642 · Palácio de Friburgo. Gravura em cobresegundo desenho de Frans Post, pintada a mão,extraída do livro de Gaspar Barléu, 42,5 x 55,5cm. Acervo Fundação Biblioteca Nacional, Riode Janeiro.

19. 1643 · Boa Vista. Gravura em cobre, segundo dese-nho de Frans Post, pintada a mão, extraída dolivro de Gaspar Barléu, 42,5 x 55,5 cm. AcervoFundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

20. 1644 · Reynaldo Fonseca. Fernandes Vieira, óleo s/tela, 70 x 50 cm, 1993.

21. 1649 · 1ª Batalha dos Guararapes, autor ignorado,264 x 259 cm, óleo sobre madeira, 1709. Acervodo Museu do Estado de Pernambuco.

22. 1654 · Tereza Costa Rego. Batalha dos Guararapesou A árvore da Liberdade. Acrílico sobre madeira,160 x 220 cm, 1993.

23. 1678 · Tapeçaria Lê deux Torreaux.24. Séc. XX · Capa da edição do livro Tempo dos

Flamengos, do historiador José AntônioGonsalves de Mello.

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