viagem e turismo
DESCRIPTION
Especial IndiaTRANSCRIPT
www.viajeaqui.com.br
EDIÇÃO ESPECIAL
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
I
I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I
VIA
GE
ME
TU
RIS
MO
E
SP
EC
IAL
ÍND
IA
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
II
I
I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I I
A I N D AEdição 134-A
R$14,99
A DEUSA
DE MIL FACES
A DEUSA
DE MIL FACES
• Os TEMPLOS e asCIDADES SAGRADAS
• A ARTE e o luxo dospalácios dos marajás
• PRAIAS, RAVES,SOFTWARES...a revolução da Índia moderna
A COZINHA indiana • O CINEMA de Bollywood • Os melhores PACOTES
POR QUE A NOVA POTÊNCIAASIÁTICA CONQUISTOU O MUNDO
• Os TEMPLOS e asCIDADES SAGRADAS
• A ARTE e o luxo dospalácios dos marajás
• PRAIAS, RAVES,SOFTWARES...a revolução da Índia moderna
A COZINHA indiana • O CINEMA de Bollywood • Os melhores PACOTES
POR QUE A NOVA POTÊNCIAASIÁTICA CONQUISTOU O MUNDO
VT CAPA INDIA - APROVADA 2 16/11/2006 13:23 Page 2
SEÇÕES06 MAPA8 O ESSENCIAL14 SUPERTOUR70 COORDENADAS74 UM OUTRO OLHAR
RIC
OSTR
OWER
O Templo Dourado de Amritsar, no Punjab:esplendor da fé
24 A DEUSA DE MIL FACESEnigmática e contraditória, a Índia surpreende e se torna a nova estrela do mundo globalizado
32 CORES E SONHOS DO RAJASTÃOOs prédios azuis, a cidade cor-de-rosa e a paisagemdourada da região mais visitada do país
36 ODE AO AMORO Taj Mahal, o grande cartão-postal indiano, é poesia concreta de uma paixão ardente
38 PAZ NO PORTAL DO HIMALAIAEntre o Rio Ganges e a montanha, Rishikesh se impõe como a capital mundial da ioga
42 A NAMORADA DE SHIVASagrada, intensa e caótica, Varanasi é uma paradaobrigatória mesmo para o mais cético viajante
46 SOB A ÁRVORE DE SIDARTAA figueira sob a qual Buda alcançou a iluminaçãoatrai milhares de visitantes a Bodhgaya
48 PAISAGEM HUMANAAs pessoas, suas histórias e o sorriso no rosto da multidão: o melhor da paisagem indiana
54 AGITOS TROPICAISFestas pra lá de liberais esquentam as noites de jovens turistas nas praias de Goa e Kerala
58 PRAZERES DA METRÓPOLERiqueza, ousadia e uma pitada de Ocidente fazemde Mumbai a cidade mais vibrante da Índia
64 FESTIVAL DE SENSAÇÕESColorida, saborosa e apimentada, a comida indianaé também remédio e ritual para os deuses
68 DESEJO E ATITUDEA aventura de percorrer a Índia como mochileirocansa o corpo, mas lava a alma
• Os pacotes turísticos indicados na revista nãosão publicidade paga. São selecionados pelaredação entre as melhores opções disponíveis.Os preços são por pessoa, em apartamentoduplo. Referem-se aos menores valores da baixa e da alta temporada (AT). Incluempassagem aérea ida-e-volta, partindo de São Paulo. Exceções estão mencionadas. Todos os valores foram pesquisados em novembro de 2006 e estão sujeitos a alterações.
• Os estabelecimentos que aceitam cartão de crédito são indicados assim:Cc = aceita cartão, Ae = American Express, D = Diners, Mc = MasterCard, V = Visa.
• FALE COM A REDAÇÃO: Comentários sobre esta edição especial de Viagem e Turismo podem ser encaminhados para o atendimento ao leitor:[email protected].
PEQUENO MANUAL DO LEITOR DE VT
CHECK-IN
NA CAPA
O deus Krishna, em pintura na porta de uma casa de Udaipur, no RajastãoFoto de Ric Ostrower
02. INDIA/ Check in 13/11/2006 19:31 Page 4
SEÇÕES06 MAPA8 O ESSENCIAL14 SUPERTOUR70 COORDENADAS74 UM OUTRO OLHAR
RIC
OSTR
OWER
O Templo Dourado de Amritsar, no Punjab:esplendor da fé
24 A DEUSA DE MIL FACESEnigmática e contraditória, a Índia surpreende e se torna a nova estrela do mundo globalizado
32 CORES E SONHOS DO RAJASTÃOOs prédios azuis, a cidade cor-de-rosa e a paisagemdourada da região mais visitada do país
36 ODE AO AMORO Taj Mahal, o grande cartão-postal indiano, é poesia concreta de uma paixão ardente
38 PAZ NO PORTAL DO HIMALAIAEntre o Rio Ganges e a montanha, Rishikesh se impõe como a capital mundial da ioga
42 A NAMORADA DE SHIVASagrada, intensa e caótica, Varanasi é uma paradaobrigatória mesmo para o mais cético viajante
46 SOB A ÁRVORE DE SIDARTAA figueira sob a qual Buda alcançou a iluminaçãoatrai milhares de visitantes a Bodhgaya
48 PAISAGEM HUMANAAs pessoas, suas histórias e o sorriso no rosto da multidão: o melhor da paisagem indiana
54 AGITOS TROPICAISFestas pra lá de liberais esquentam as noites de jovens turistas nas praias de Goa e Kerala
58 PRAZERES DA METRÓPOLERiqueza, ousadia e uma pitada de Ocidente fazemde Mumbai a cidade mais vibrante da Índia
64 FESTIVAL DE SENSAÇÕESColorida, saborosa e apimentada, a comida indianaé também remédio e ritual para os deuses
68 DESEJO E ATITUDEA aventura de percorrer a Índia como mochileirocansa o corpo, mas lava a alma
• Os pacotes turísticos indicados na revista nãosão publicidade paga. São selecionados pelaredação entre as melhores opções disponíveis.Os preços são por pessoa, em apartamentoduplo. Referem-se aos menores valores da baixa e da alta temporada (AT). Incluempassagem aérea ida-e-volta, partindo de São Paulo. Exceções estão mencionadas. Todos os valores foram pesquisados em novembro de 2006 e estão sujeitos a alterações.
• Os estabelecimentos que aceitam cartão de crédito são indicados assim:Cc = aceita cartão, Ae = American Express, D = Diners, Mc = MasterCard, V = Visa.
• FALE COM A REDAÇÃO: Comentários sobre esta edição especial de Viagem e Turismo podem ser encaminhados para o atendimento ao leitor:[email protected].
PEQUENO MANUAL DO LEITOR DE VT
CHECK-IN
NA CAPA
O deus Krishna, em pintura na porta de uma casa de Udaipur, no RajastãoFoto de Ric Ostrower
02. INDIA/ Check in 13/11/2006 19:31 Page 4
deusade mil faces
COMO SUAS DEIDADES, QUEMUDAM DE ROSTO E HUMOR, AÍNDIA ENCANTA E SURPREENDE
COM SEU MUNDO DE CONTRASTES POR JOMAR MORAIS
A
Édifícil amar a Índia”, escreveu Jean-Claude Carrière, um dos grandes ro-teiristas do cinema contemporâneo,autor de um livro em que expõe suapaixão por esse país distante e enig-
mático. Quarenta dias depois de percorrer mais de10 mil quilômetros do território indiano, visitar ci-dades e vilas, conhecer uma parte de seus templosmilenares e de sua modernidade caótica, pousar
em ashrams de diferentes gurus e interagir com o seupovo em situações que, não raro, desafiam a lógica,peço licença para acrescentar outro detalhe à cons-tatação do cineasta francês. É também difícil, mui-to difícil, não se deixar seduzir pela Índia. E maisdifícil ainda esquecê-la. Amando-a ou detestando-a – e as duas reações podem ocorrer simultanea-mente –, voltamos de lá com um selo indelével apli-cado à mente e ao coração, uma marca formatada
À beira do Ganges, emVaranasi, o sadhu preserva o espírito de eras remotas R
IC O
STR
OW
ER“
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:20 Page 24
deusade mil faces
COMO SUAS DEIDADES, QUEMUDAM DE ROSTO E HUMOR, AÍNDIA ENCANTA E SURPREENDE
COM SEU MUNDO DE CONTRASTES POR JOMAR MORAIS
A
Édifícil amar a Índia”, escreveu Jean-Claude Carrière, um dos grandes ro-teiristas do cinema contemporâneo,autor de um livro em que expõe suapaixão por esse país distante e enig-
mático. Quarenta dias depois de percorrer mais de10 mil quilômetros do território indiano, visitar ci-dades e vilas, conhecer uma parte de seus templosmilenares e de sua modernidade caótica, pousar
em ashrams de diferentes gurus e interagir com o seupovo em situações que, não raro, desafiam a lógica,peço licença para acrescentar outro detalhe à cons-tatação do cineasta francês. É também difícil, mui-to difícil, não se deixar seduzir pela Índia. E maisdifícil ainda esquecê-la. Amando-a ou detestando-a – e as duas reações podem ocorrer simultanea-mente –, voltamos de lá com um selo indelével apli-cado à mente e ao coração, uma marca formatada
À beira do Ganges, emVaranasi, o sadhu preserva o espírito de eras remotas R
IC O
STR
OW
ER“
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:20 Page 24
VIAGEM E TURISMO ÍNDIA 2726 E G I TO26 ÍNDIA VIAGEM E TURISMO
por choques e êxtases que, de algum modo, nos fazrefletir sobre o que jamais pensamos antes.
Mais que misteriosa e mística, a Índia é diversi-ficada e contraditória. E essa predisposição para li-dar com os opostos e acolher tudo, tudo transmu-tando em seu caldeirão de regras escritas e ocul-tas, é a primeira causa de espanto para quem che-ga trazendo na bagagem uma visão idealizada dopaís. Não é confortável ver o clichê de um lugartranqüilo, asséptico e espiritual, onde as pessoasentoariam mantras o dia inteiro, dissolver-se napoeira, na fumaça e na sujeira das ruas, na algara-via constante das multidões – onipresente num paíscom mais de 1 bilhão de habitantes –, na misériaexposta de milhões de pessoas, na esperteza de cer-
tos mistificadores e, sobretudo, no trânsito infer-nal das cidades, onde pedestres, carros, riquixás(triciclos movidos a motor ou pedal) e vacas têmde improvisar acordos na ausência de semáforos.Para alguns, é a frustração de um projeto de vida.“Já vi pessoas que vieram para ficar três meses re-tornarem na primeira semana”, disse-me o cana-dense Gilles Bacon, um professor de ioga de Mon-treal que, pela terceira vez, está passando um anona Índia. “Algumas choram, decepcionadas.” Co-mo os conquistadores arrogantes de outrora e ospreconceituosos de todas as épocas, os que se agar-ram aos contornos imaginários de uma Índia eté-rea e pura acabam impossibilitados de perceberuma outra sutileza desse complexo subcontinente.Na Índia, o presente não descarta o passado e mui-tas eras compartilham o mesmo espaço, numa aqua-rela de hábitos, idéias, crenças, filosofias e tambémciências, que se relacionam até quando se encon-tram em aparente rota de colisão.
Quem consegue superar esse choque inicial lo-go percebe que a Índia, apesar de seus contrastes,não é um país mergulhado no atraso, em descom-passo com o mundo atual. Ela detém a segundaconcentração de Ph.Ds. do planeta (atrás apenasdos Estados Unidos), fornece especialistas em in-formática para vários países, dispõe de um exce-lente sistema de comunicações, envia satélites aoespaço e até virou potência nuclear. Favorecida porum estado laico e democrático, sua economia cres-ce ao ritmo de 7% ao ano e pode tornar-se a tercei-ra do planeta até 2040, segundo algumas previ-sões. É, no entanto, zelosa de seu patrimônio cul-tural e espiritual de mais de 5 mil anos e a ele serefere constantemente para viver o presente, ain-da que não existam garantias de que continuará afazê-lo para moldar o futuro. Conhecê-la é desfru-tar de uma oportunidade rara de realizar uma via-gem física no tempo, navegando na diversidade ecomplexidade do único império ancestral a sobre-viver quase intacto nos nossos dias, com um arca-
O insólito painel indiano, em sentido horário: o riquixá comtração humana, em Calcutá; a sala dos pujas e a suástica(ícone ariano adulterado por Hitler), símbolo do movimento da vida; o jainista de mordaça, para não ferir nem mesmo uminseto; e, na página oposta, vacas no centro de Mumbai
RIC
OST
RO
WE
R
RIC
OST
RO
WE
R
JOM
AR M
OR
AIS
JOM
AR M
OR
AIS
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:26 Page 26
VIAGEM E TURISMO ÍNDIA 2726 E G I TO26 ÍNDIA VIAGEM E TURISMO
por choques e êxtases que, de algum modo, nos fazrefletir sobre o que jamais pensamos antes.
Mais que misteriosa e mística, a Índia é diversi-ficada e contraditória. E essa predisposição para li-dar com os opostos e acolher tudo, tudo transmu-tando em seu caldeirão de regras escritas e ocul-tas, é a primeira causa de espanto para quem che-ga trazendo na bagagem uma visão idealizada dopaís. Não é confortável ver o clichê de um lugartranqüilo, asséptico e espiritual, onde as pessoasentoariam mantras o dia inteiro, dissolver-se napoeira, na fumaça e na sujeira das ruas, na algara-via constante das multidões – onipresente num paíscom mais de 1 bilhão de habitantes –, na misériaexposta de milhões de pessoas, na esperteza de cer-
tos mistificadores e, sobretudo, no trânsito infer-nal das cidades, onde pedestres, carros, riquixás(triciclos movidos a motor ou pedal) e vacas têmde improvisar acordos na ausência de semáforos.Para alguns, é a frustração de um projeto de vida.“Já vi pessoas que vieram para ficar três meses re-tornarem na primeira semana”, disse-me o cana-dense Gilles Bacon, um professor de ioga de Mon-treal que, pela terceira vez, está passando um anona Índia. “Algumas choram, decepcionadas.” Co-mo os conquistadores arrogantes de outrora e ospreconceituosos de todas as épocas, os que se agar-ram aos contornos imaginários de uma Índia eté-rea e pura acabam impossibilitados de perceberuma outra sutileza desse complexo subcontinente.Na Índia, o presente não descarta o passado e mui-tas eras compartilham o mesmo espaço, numa aqua-rela de hábitos, idéias, crenças, filosofias e tambémciências, que se relacionam até quando se encon-tram em aparente rota de colisão.
Quem consegue superar esse choque inicial lo-go percebe que a Índia, apesar de seus contrastes,não é um país mergulhado no atraso, em descom-passo com o mundo atual. Ela detém a segundaconcentração de Ph.Ds. do planeta (atrás apenasdos Estados Unidos), fornece especialistas em in-formática para vários países, dispõe de um exce-lente sistema de comunicações, envia satélites aoespaço e até virou potência nuclear. Favorecida porum estado laico e democrático, sua economia cres-ce ao ritmo de 7% ao ano e pode tornar-se a tercei-ra do planeta até 2040, segundo algumas previ-sões. É, no entanto, zelosa de seu patrimônio cul-tural e espiritual de mais de 5 mil anos e a ele serefere constantemente para viver o presente, ain-da que não existam garantias de que continuará afazê-lo para moldar o futuro. Conhecê-la é desfru-tar de uma oportunidade rara de realizar uma via-gem física no tempo, navegando na diversidade ecomplexidade do único império ancestral a sobre-viver quase intacto nos nossos dias, com um arca-
O insólito painel indiano, em sentido horário: o riquixá comtração humana, em Calcutá; a sala dos pujas e a suástica(ícone ariano adulterado por Hitler), símbolo do movimento da vida; o jainista de mordaça, para não ferir nem mesmo uminseto; e, na página oposta, vacas no centro de Mumbai
RIC
OST
RO
WE
R
RIC
OST
RO
WE
R
JOM
AR M
OR
AIS
JOM
AR M
OR
AIS
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:26 Page 26
28 ÍNDIA VIAGEM E TURISMO
bouço filosófico a cada dia maissolicitado no Ocidente.
Em Varanasi, a mais sagra-da das sete cidades sagradasdo hinduísmo, deparei comum retrato perfeito dessa acu-mulação dos séculos. Numaviela enlameada, uma vaca,ciosa de seu status divino,aguarda a passagem de devo-tos de Shiva, a caminho doTemplo Dourado, esgueiran-do-se sob a placa de uma lan house bem equipa-da, onde jovens se conectam ao resto do mundopela internet. Pés descalços e testas marcadas pe-lo vibhuti vermelho, a cinza sagrada com a qual oshindus assinalam o ajna – o olho astral, entre ossupercílios –, muitos na multidão portam telefo-nes celulares sofisticados, produzidos no sul dopaís e exportados para a Ásia e a Europa. Quandouma brecha se abre entre os fiéis, a vaca cruza a vie-la, entra por uma pequena porta e, finalmente, aco-
moda-se num curral domésticode menos de 20 metros quadra-dos, para espanto de visitantes,como eu. Que país conseguiriamanter assim, tão próximos e in-teragindo, uma era de rituais to-têmicos e os tempos cibernéti-cos? A Índia consegue e, às ve-zes, isso é difícil de entender senão olharmos para a mitologia so-bre a qual ela existe e se move.
À margem de rios e na solidãodas florestas, os indianos conceberam no passadoum universo que – ao contrário daquele modelo es-treito e linear, centrado na Terra, adotado por mui-tos séculos no Ocidente – tinha dimensões inco-mensuráveis e ciclos temporais que se repetem ese entrelaçam. Nessa representação, é possível aconvivência dos opostos e compreensível a existên-cia de um panteão de divindades que beira os 36 mildeuses e semideuses, cada um expressando tão-so-mente aspectos, diferentes e polarizados, de umaúnica substância. Desde a concepção védica, ba-seada em arquétipos e cultos tribais, o universo in-diano é complexo e repleto de atalhos que realçama impossibilidade de um sentido único, evidenciama ilusão das formas e nos convidam a fruir o prazerdos encontros inevitáveis. A Índia vive esse mode-lo. Para entendê-la, é preciso que esqueçamos, ain-da que por um breve tempo, o pensamento lógicode nossas elaborações e comparações, permitindo-nos o deleite de suas cores e crenças sem a preo-cupação de explicar coisa alguma.
Em Bodhgaya, a cidade onde Sidarta Gautamatornou-se o Buda, ao ver budistas e hinduístas pra-ticando rituais distintos sob o mesmo templo, per-guntei a meu jovem guia, Habi, qual a sua religião.Habi respondeu, sorrindo: “Na Índia, todos somoshinduístas. Tudo é hinduísmo”. Não poderia sermais preciso. O que chamamos hinduísmo – e es-ta é uma palavra criada pelos ingleses no século 19
O Akshardham Complex, de Délhi: parque temáticohinduísta com porte e recursos técnicos da Disney
Em Jaisalmer, como em toda a Índia, atradição e a tecnologia já se entendem
No Forte Meherenghar, um marco de guerra emJodpur, a poesia da dança
MAR
IE A
NG
E
FAB
IAN
A Z
ANN
I
DIV
ULG
AÇÃO
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:27 Page 28
28 ÍNDIA VIAGEM E TURISMO
bouço filosófico a cada dia maissolicitado no Ocidente.
Em Varanasi, a mais sagra-da das sete cidades sagradasdo hinduísmo, deparei comum retrato perfeito dessa acu-mulação dos séculos. Numaviela enlameada, uma vaca,ciosa de seu status divino,aguarda a passagem de devo-tos de Shiva, a caminho doTemplo Dourado, esgueiran-do-se sob a placa de uma lan house bem equipa-da, onde jovens se conectam ao resto do mundopela internet. Pés descalços e testas marcadas pe-lo vibhuti vermelho, a cinza sagrada com a qual oshindus assinalam o ajna – o olho astral, entre ossupercílios –, muitos na multidão portam telefo-nes celulares sofisticados, produzidos no sul dopaís e exportados para a Ásia e a Europa. Quandouma brecha se abre entre os fiéis, a vaca cruza a vie-la, entra por uma pequena porta e, finalmente, aco-
moda-se num curral domésticode menos de 20 metros quadra-dos, para espanto de visitantes,como eu. Que país conseguiriamanter assim, tão próximos e in-teragindo, uma era de rituais to-têmicos e os tempos cibernéti-cos? A Índia consegue e, às ve-zes, isso é difícil de entender senão olharmos para a mitologia so-bre a qual ela existe e se move.
À margem de rios e na solidãodas florestas, os indianos conceberam no passadoum universo que – ao contrário daquele modelo es-treito e linear, centrado na Terra, adotado por mui-tos séculos no Ocidente – tinha dimensões inco-mensuráveis e ciclos temporais que se repetem ese entrelaçam. Nessa representação, é possível aconvivência dos opostos e compreensível a existên-cia de um panteão de divindades que beira os 36 mildeuses e semideuses, cada um expressando tão-so-mente aspectos, diferentes e polarizados, de umaúnica substância. Desde a concepção védica, ba-seada em arquétipos e cultos tribais, o universo in-diano é complexo e repleto de atalhos que realçama impossibilidade de um sentido único, evidenciama ilusão das formas e nos convidam a fruir o prazerdos encontros inevitáveis. A Índia vive esse mode-lo. Para entendê-la, é preciso que esqueçamos, ain-da que por um breve tempo, o pensamento lógicode nossas elaborações e comparações, permitindo-nos o deleite de suas cores e crenças sem a preo-cupação de explicar coisa alguma.
Em Bodhgaya, a cidade onde Sidarta Gautamatornou-se o Buda, ao ver budistas e hinduístas pra-ticando rituais distintos sob o mesmo templo, per-guntei a meu jovem guia, Habi, qual a sua religião.Habi respondeu, sorrindo: “Na Índia, todos somoshinduístas. Tudo é hinduísmo”. Não poderia sermais preciso. O que chamamos hinduísmo – e es-ta é uma palavra criada pelos ingleses no século 19
O Akshardham Complex, de Délhi: parque temáticohinduísta com porte e recursos técnicos da Disney
Em Jaisalmer, como em toda a Índia, atradição e a tecnologia já se entendem
No Forte Meherenghar, um marco de guerra emJodpur, a poesia da dança
MAR
IE A
NG
E
FAB
IAN
A Z
ANN
I
DIV
ULG
AÇÃO
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:27 Page 28
VIAGEM E TURISMO ÍNDIA 31
– não constitui uma doutrina homogênea, mas umaamálgama de crenças ancestrais, seitas e filosofiasque têm por base a idéia de um universo multifa-cetado, essencialmente inexplicável e só compreen-sível pela experiência. Talvez esteja aí o espírito zenque tantos buscam e nem sempre encontram nasperegrinações junto ao Ganges e nos retiros comgurus: uma abertura fundamental para a vida, a dis-posição de fluir com ela e, ao contrário do que ima-gina o senso comum, também para interagir e mu-dar com as circunstâncias.
Na mitologia hindu, registrada parcialmente nogigantesco poema épico Mahabharata e no Rama-yana, nem os deuses estão presos às suas identi-dades e atribuições. Shiva já foi Rudra na pré-his-tória védica. Gayatri, um raio do sol, metamorfo-seou-se numa deusa de cinco cabeças. Indra per-deu parte de seu poder. Textos sagrados se sucede-ram e se completaram ao longo de milênios. Abai-xo desse Olimpo, a Índia humana e concreta tam-bém se move, mais rapidamente do que podemosperceber a distância, na direção de um futuro só emparte decifrável. As vitrines do Connaught Place,a área do comércio chique de Délhi, não escon-dem, com a sua profusão de modelitos ocidentaise roupas sumárias, que os indianos estão sendo as-sediados por novos desejos. A escassez de santuá-rios hinduístas nas ruas de Bangalore, a capital dainformática e da biotecnologia na Índia, talvez se-ja um sinal de que Krishna e Ganesha já disputamespaços com os deuses da tecnologia. A explosão,em Mumbai – a locomotiva econômica e culturaldo país –, de bares que vendem bebidas alcoólicase de boates liberais, onde até um tímido movimen-to gay mostra a cara, aponta para o início de umarevolução de costumes numa Índia tradicional-mente conservadora e pacata.
O espírito da Índia ancestral e ascética sobrevi-verá a esses tempos de McDonald’s e Pizza Hut,rock e música tecno, debates na imprensa sobre li-beração sexual e consumo explícito nas ruas e na te-
levisão? Talvez a resposta certa para essa questão se-ja a que ouvi do executivo Shaile Singh, no tremque me levou a Rishikesh: “Há séculos os ociden-tais despejam aqui suas novidades. Nós as absorve-mos e as transformamos”, disse o jovem, devoto deHanuman, o mítico macaco servidor de Rama, in-vocado pelos hindus nas situações em que se faznecessária uma saída criativa. Talvez a razão este-ja com a serenidade de Deepak Lakshman, um en-genheiro de cabelos grisalhos que encontrei a cami-nho de Puri, no extremo leste. “Chegou a hora doequilíbrio”, afirmou. “É preciso aproveitar o melhordos sistemas de vida do Oriente e do Ocidente.”Talvez, enfim, estejam certos os que acreditam quea cosmogonia e o conjunto de tradições que resis-tiram a séculos de invasões e domínio estrangeirosucumbirão em breve ao furacão da cultura ociden-tal globalizada. Na dúvida, o melhor é arrumar asmalas e ir já conhecer o que a Índia tem a mostrarcomo senhora do tempo, uma deusa de mil faces.
Em Junagad,as cores dafeira de frutase legumes
RIC
OST
RO
WE
R
RIC
OST
RO
WE
R
Na ghat de Varanasi, o sadhu medita alheioao movimento da vida:a meta é unir-se a Shiva
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:28 Page 30
VIAGEM E TURISMO ÍNDIA 31
– não constitui uma doutrina homogênea, mas umaamálgama de crenças ancestrais, seitas e filosofiasque têm por base a idéia de um universo multifa-cetado, essencialmente inexplicável e só compreen-sível pela experiência. Talvez esteja aí o espírito zenque tantos buscam e nem sempre encontram nasperegrinações junto ao Ganges e nos retiros comgurus: uma abertura fundamental para a vida, a dis-posição de fluir com ela e, ao contrário do que ima-gina o senso comum, também para interagir e mu-dar com as circunstâncias.
Na mitologia hindu, registrada parcialmente nogigantesco poema épico Mahabharata e no Rama-yana, nem os deuses estão presos às suas identi-dades e atribuições. Shiva já foi Rudra na pré-his-tória védica. Gayatri, um raio do sol, metamorfo-seou-se numa deusa de cinco cabeças. Indra per-deu parte de seu poder. Textos sagrados se sucede-ram e se completaram ao longo de milênios. Abai-xo desse Olimpo, a Índia humana e concreta tam-bém se move, mais rapidamente do que podemosperceber a distância, na direção de um futuro só emparte decifrável. As vitrines do Connaught Place,a área do comércio chique de Délhi, não escon-dem, com a sua profusão de modelitos ocidentaise roupas sumárias, que os indianos estão sendo as-sediados por novos desejos. A escassez de santuá-rios hinduístas nas ruas de Bangalore, a capital dainformática e da biotecnologia na Índia, talvez se-ja um sinal de que Krishna e Ganesha já disputamespaços com os deuses da tecnologia. A explosão,em Mumbai – a locomotiva econômica e culturaldo país –, de bares que vendem bebidas alcoólicase de boates liberais, onde até um tímido movimen-to gay mostra a cara, aponta para o início de umarevolução de costumes numa Índia tradicional-mente conservadora e pacata.
O espírito da Índia ancestral e ascética sobrevi-verá a esses tempos de McDonald’s e Pizza Hut,rock e música tecno, debates na imprensa sobre li-beração sexual e consumo explícito nas ruas e na te-
levisão? Talvez a resposta certa para essa questão se-ja a que ouvi do executivo Shaile Singh, no tremque me levou a Rishikesh: “Há séculos os ociden-tais despejam aqui suas novidades. Nós as absorve-mos e as transformamos”, disse o jovem, devoto deHanuman, o mítico macaco servidor de Rama, in-vocado pelos hindus nas situações em que se faznecessária uma saída criativa. Talvez a razão este-ja com a serenidade de Deepak Lakshman, um en-genheiro de cabelos grisalhos que encontrei a cami-nho de Puri, no extremo leste. “Chegou a hora doequilíbrio”, afirmou. “É preciso aproveitar o melhordos sistemas de vida do Oriente e do Ocidente.”Talvez, enfim, estejam certos os que acreditam quea cosmogonia e o conjunto de tradições que resis-tiram a séculos de invasões e domínio estrangeirosucumbirão em breve ao furacão da cultura ociden-tal globalizada. Na dúvida, o melhor é arrumar asmalas e ir já conhecer o que a Índia tem a mostrarcomo senhora do tempo, uma deusa de mil faces.
Em Junagad,as cores dafeira de frutase legumes
RIC
OST
RO
WE
R
RIC
OST
RO
WE
R
Na ghat de Varanasi, o sadhu medita alheioao movimento da vida:a meta é unir-se a Shiva
06. INDIA/AS MIL FACES 16/11/2006 12:28 Page 30
sonhosdo tempo dos marajás
NO RAJASTÃO, A ARTE E ARIQUEZA DE FORTALEZAS E PALÁCIOS NABABESCOS
POR FÁBIO NEGRÃO
Cores e
Tapeceiros de Jaipur:artesanatofino na cidadeerguida porum marajá do século 18
Éna fronteira com o Paquistão – ondeencontrar um camelo nas ruas é tãocomum quanto uma lata de Coca-Co-la – que está a Índia mais colorida detodas. Jaipur, a capital, é repleta de
edifícios cor-de-rosa. Jodpur, toda azul, ganhou atéo apelido de “a cidade dos smurfs”, numa referên-cia aos duendes azulados do desenho televisivo in-fantil. E Jaisalmer, com seu forte medieval doura-
do, leva-nos a sonhar com as aventuras árabes de AsMil e Uma Noites. Estamos falando do Rajastão, omaior estado indiano, com suas cidades milenares,lagos sagrados e desertos a serem explorados – cla-ro! – nas corcovas dos camelos.
O Rajastão é a região mais visitada da Índia. Etantos olhares de turistas acabam por alterar ocomportamento dos nativos, ofuscando um pou-co a alma desse lugar, que guarda, em paláciosAL
EX
RO
BIN
SON
07. INDIA/RAJASTAO 14/11/2006 15:11 Page 32
sonhosdo tempo dos marajás
NO RAJASTÃO, A ARTE E ARIQUEZA DE FORTALEZAS E PALÁCIOS NABABESCOS
POR FÁBIO NEGRÃO
Cores e
Tapeceiros de Jaipur:artesanatofino na cidadeerguida porum marajá do século 18
Éna fronteira com o Paquistão – ondeencontrar um camelo nas ruas é tãocomum quanto uma lata de Coca-Co-la – que está a Índia mais colorida detodas. Jaipur, a capital, é repleta de
edifícios cor-de-rosa. Jodpur, toda azul, ganhou atéo apelido de “a cidade dos smurfs”, numa referên-cia aos duendes azulados do desenho televisivo in-fantil. E Jaisalmer, com seu forte medieval doura-
do, leva-nos a sonhar com as aventuras árabes de AsMil e Uma Noites. Estamos falando do Rajastão, omaior estado indiano, com suas cidades milenares,lagos sagrados e desertos a serem explorados – cla-ro! – nas corcovas dos camelos.
O Rajastão é a região mais visitada da Índia. Etantos olhares de turistas acabam por alterar ocomportamento dos nativos, ofuscando um pou-co a alma desse lugar, que guarda, em paláciosAL
EX
RO
BIN
SON
07. INDIA/RAJASTAO 14/11/2006 15:11 Page 32
Himalaiano portal do
ENTRE O RIO E A MONTANHA,RISHIKESH TEM BELEZA, MISTICISMO
E SAUDADE DOS BEATLES POR CLARA HORI
Paz
Rishikesh é para a ioga o que o Vaticanoé para a religião católica: o centro domundo. Quem tem saudade dos anos60 se sentirá (quase) em casa. Rishi-kesh ficou conhecida porque os Bea-
tles foram para lá encontrar com Maharishi Mahesh,seu guru. Os Beatles não existem mais, e o Mahari-shi também não, mas milhares de pessoas continuamfazendo a mesma rota, procurando seus mestres, que,quando não estão em transe meditativo em cavernas
escuras, recebem seus seguidores nas margens dorio. A ioga está em todos os lugares. Os hotéis e atémesmo os restaurantes oferecem aulas, e qualquermuro ou poste está coberto de cartazes e panfletosoferecendo auto-realização instantânea. Pequenas li-vrarias aparentam modéstia, mas possuem um esto-que capaz de levar metade da população mundial aonirvana. CDs com mantras, tradicionais e remixadospor DJs da moda na Inglaterra, tocam em todos oslugares. O místico é corriqueiro em Rishikesh – e
Na manhã de Rishikesh, aságuas do Ganges e a brumada montanha inspiram odevoto de Krishna
HE
NR
IQU
E R
AUCC
I
09. INDIA/RISHIKESH 14/11/2006 15:14 Page 38
Himalaiano portal do
ENTRE O RIO E A MONTANHA,RISHIKESH TEM BELEZA, MISTICISMO
E SAUDADE DOS BEATLES POR CLARA HORI
Paz
Rishikesh é para a ioga o que o Vaticanoé para a religião católica: o centro domundo. Quem tem saudade dos anos60 se sentirá (quase) em casa. Rishi-kesh ficou conhecida porque os Bea-
tles foram para lá encontrar com Maharishi Mahesh,seu guru. Os Beatles não existem mais, e o Mahari-shi também não, mas milhares de pessoas continuamfazendo a mesma rota, procurando seus mestres, que,quando não estão em transe meditativo em cavernas
escuras, recebem seus seguidores nas margens dorio. A ioga está em todos os lugares. Os hotéis e atémesmo os restaurantes oferecem aulas, e qualquermuro ou poste está coberto de cartazes e panfletosoferecendo auto-realização instantânea. Pequenas li-vrarias aparentam modéstia, mas possuem um esto-que capaz de levar metade da população mundial aonirvana. CDs com mantras, tradicionais e remixadospor DJs da moda na Inglaterra, tocam em todos oslugares. O místico é corriqueiro em Rishikesh – e
Na manhã de Rishikesh, aságuas do Ganges e a brumada montanha inspiram odevoto de Krishna
HE
NR
IQU
E R
AUCC
I09. INDIA/RISHIKESH 14/11/2006 15:14 Page 38
ShivaVARANASI, A CIDADE MAISSAGRADA DO HINDUÍSMO,
É UM SHOW DE RITUAIS QUEEXALTAM A VIDA E A MORTE
POR CLARA HORI
Anamorada
Varanasi, às margens do Rio Ganges é olugar mais sagrado para os hinduístas.Também rotulada de Benares durantea invasão muçulmana, é conhecida pe-los devotos simplesmente como Kashi,
a cidade da luz fundada pelo próprio Shiva. É umadas cidades mais antigas do mundo, com mais de 2mil anos de história, e um destino imperdível paraquem visita a Índia, ainda que chocante para os olhos
ocidentais. Hindu que se preze deve peregrinar atéVaranasi pelo menos uma vez na vida e, de preferên-cia, todos os anos. Na tradição hinduísta, o Rio Gan-ges é “a grande mãe”, fonte de vida emanada do pró-prio Shiva, e os hindus acreditam que suas águas po-dem limpar os pecados de uma vida inteira e melho-rar o karma. É bom purificar-se no Ganges – e em Va-ranasi ele é caudaloso. Melhor ainda é morrer na ci-dade. Longe de ser mórbido, é auspicioso, já que,
de
Ritual do banho depurificação nas águas do Ganges: uma porta de acesso ao nirvana
HE
NR
IQU
E R
AUCC
I
10. INDIA/VARANASI 16/11/2006 19:37 Page 42
ShivaVARANASI, A CIDADE MAISSAGRADA DO HINDUÍSMO,
É UM SHOW DE RITUAIS QUEEXALTAM A VIDA E A MORTE
POR CLARA HORI
Anamorada
Varanasi, às margens do Rio Ganges é olugar mais sagrado para os hinduístas.Também rotulada de Benares durantea invasão muçulmana, é conhecida pe-los devotos simplesmente como Kashi,
a cidade da luz fundada pelo próprio Shiva. É umadas cidades mais antigas do mundo, com mais de 2mil anos de história, e um destino imperdível paraquem visita a Índia, ainda que chocante para os olhos
ocidentais. Hindu que se preze deve peregrinar atéVaranasi pelo menos uma vez na vida e, de preferên-cia, todos os anos. Na tradição hinduísta, o Rio Gan-ges é “a grande mãe”, fonte de vida emanada do pró-prio Shiva, e os hindus acreditam que suas águas po-dem limpar os pecados de uma vida inteira e melho-rar o karma. É bom purificar-se no Ganges – e em Va-ranasi ele é caudaloso. Melhor ainda é morrer na ci-dade. Longe de ser mórbido, é auspicioso, já que,
de
Ritual do banho depurificação nas águas do Ganges: uma porta de acesso ao nirvana
HE
NR
IQU
E R
AUCC
I
10. INDIA/VARANASI 16/11/2006 19:37 Page 42
humanaA ALMA DA ÍNDIAESTÁ NAS PESSOAS,
EM MEIO À MULTIDÃOTEXTO E FOTOS CACO DE PAULA
Paisagem
XIVA
S
Mulher casada,com anéis nospés e sári colorido:15 horas atrás deágua e lenha
Acena se passa em segundos pela jane-la do trem. Crianças e jovens acoco-ram-se na murada de uma ponte. Gru-dados uns aos outros, aquecem-se co-mo um bando de pássaros sobre um
fio de luz. Estamos no Nordeste da Índia. A idéiade privacidade parece não fazer parte da vida poraqui. Às vezes os indianos mostram curiosidade in-fantil diante do estrangeiro. São muitos, não guar-
dam distância entre si e aglomeram-se naturalmen-te em torno de quem usa o computador num ciber-café, a ponto de verem estas impressões de viagemque escrevo agora. Aqui a alta densidade demográ-fica deixa de ser uma noção abstrata para tornar-seuma experiência. Em Varanasi, chego de barco àsghats, escadarias que mergulham no Rio Ganges.Subo cercado por pedintes e vendedores. Amanhe-ceu há pouco e o ar já está tomado pela fumaça de
12. INDIA/CACO 14/11/2006 15:22 Page 48
humanaA ALMA DA ÍNDIAESTÁ NAS PESSOAS,
EM MEIO À MULTIDÃOTEXTO E FOTOS CACO DE PAULA
Paisagem
XIVA
S
Mulher casada,com anéis nospés e sári colorido:15 horas atrás deágua e lenha
Acena se passa em segundos pela jane-la do trem. Crianças e jovens acoco-ram-se na murada de uma ponte. Gru-dados uns aos outros, aquecem-se co-mo um bando de pássaros sobre um
fio de luz. Estamos no Nordeste da Índia. A idéiade privacidade parece não fazer parte da vida poraqui. Às vezes os indianos mostram curiosidade in-fantil diante do estrangeiro. São muitos, não guar-
dam distância entre si e aglomeram-se naturalmen-te em torno de quem usa o computador num ciber-café, a ponto de verem estas impressões de viagemque escrevo agora. Aqui a alta densidade demográ-fica deixa de ser uma noção abstrata para tornar-seuma experiência. Em Varanasi, chego de barco àsghats, escadarias que mergulham no Rio Ganges.Subo cercado por pedintes e vendedores. Amanhe-ceu há pouco e o ar já está tomado pela fumaça de
12. INDIA/CACO 14/11/2006 15:22 Page 48
metrópoleRICA E OUSADA, MUMBAI
DESAFIA COSTUMES ECOMANDA A VANGUARDA
CULTURAL DA ÍNDIA POR CLARA HORI
Prazeres da
Mumbai é uma cidade que vibra.Com 16 milhões de habitantes e40% do PIB indiano, esta dinâmi-ca e moderna metrópole coman-da as mudanças que estão trans-
formando a Índia. Locomotiva econômica e culturaldo país, é centro financeiro, pólo industrial e umagrande produtora de software. Sem falar em Bolly-wood, com a sua Film City, que produz anualmente
mais títulos que Hollywood (leia mais na pág. 60).Progressista e com um jeito quase ocidental, Mum-
bai dita novos costumes: vida noturna agitada, povofesteiro e consumo de bebida liberado (em quase to-da a Índia, é restrito). Tem até um certo movimentogay, oficialmente ilegal (não confundir com homensde mãos dadas em público: em toda a Índia, isso écomum entre amigos). E tem seus problemas – en-tre eles, a falta de espaço (a cidade é, na verdade, um
Casamento emMumbai: tradiçãocolorida e barulhentanuma cidade que tem alma festeiraR
IC O
STR
OW
ER
14. INDIA/MUMBAI 2_NEW 14/11/2006 17:07 Page 58
metrópoleRICA E OUSADA, MUMBAI
DESAFIA COSTUMES ECOMANDA A VANGUARDA
CULTURAL DA ÍNDIA POR CLARA HORI
Prazeres da
Mumbai é uma cidade que vibra.Com 16 milhões de habitantes e40% do PIB indiano, esta dinâmi-ca e moderna metrópole coman-da as mudanças que estão trans-
formando a Índia. Locomotiva econômica e culturaldo país, é centro financeiro, pólo industrial e umagrande produtora de software. Sem falar em Bolly-wood, com a sua Film City, que produz anualmente
mais títulos que Hollywood (leia mais na pág. 60).Progressista e com um jeito quase ocidental, Mum-
bai dita novos costumes: vida noturna agitada, povofesteiro e consumo de bebida liberado (em quase to-da a Índia, é restrito). Tem até um certo movimentogay, oficialmente ilegal (não confundir com homensde mãos dadas em público: em toda a Índia, isso écomum entre amigos). E tem seus problemas – en-tre eles, a falta de espaço (a cidade é, na verdade, um
Casamento emMumbai: tradiçãocolorida e barulhentanuma cidade que tem alma festeiraR
IC O
STR
OW
ER
14. INDIA/MUMBAI 2_NEW 14/11/2006 17:07 Page 58
UMA VIAGEM (DE LAMBER OS DEDOS)PELA CULINÁRIA INDIANA
POR MÁRCIA BINDO
Inesquecíveis. Os coloridos pratos indianosde aromas únicos, formas inusitadas e sa-bores picantes são um convite para aguçare ampliar os sentidos. É só estar aberto paranovas experiências. Como aconteceu comi-
go, em minha estréia nesta requintada alquimia.Degustei um almoço nos moldes típicos da cultura:sentada no chão, usando os dedos da mão direita co-mo talheres, na companhia agradável de uma famíliahospitaleira de indianos. Esse hábito, tão diferente
para nós, ocidentais, é comum nas casas e em fes-tividades religiosas. Se você achou esquisito, podeficar tranqüilo: os restaurantes, em sua maioria,oferecem mesas e a opção de talheres.
Como o país é grande, sua culinária é bastantediversificada. Mas pode-se dizer que uma refeiçãobásica indiana leva arroz, dhal (uma espécie decreme de grão de bico, feijão ou lentilha), legumese pães sem fermento, conhecidos como naan e cha-patis, comumente vendidos como petiscos nas ruas,
Almoço emfamília, nointerior da Índia:comida empratos de folhaseca, no chão
Festivalsensaçõesde
MAR
CIA
BIN
DO
15. INDIA/ALIMENTACAO 14/11/2006 17:18 Page 64
UMA VIAGEM (DE LAMBER OS DEDOS)PELA CULINÁRIA INDIANA
POR MÁRCIA BINDO
Inesquecíveis. Os coloridos pratos indianosde aromas únicos, formas inusitadas e sa-bores picantes são um convite para aguçare ampliar os sentidos. É só estar aberto paranovas experiências. Como aconteceu comi-
go, em minha estréia nesta requintada alquimia.Degustei um almoço nos moldes típicos da cultura:sentada no chão, usando os dedos da mão direita co-mo talheres, na companhia agradável de uma famíliahospitaleira de indianos. Esse hábito, tão diferente
para nós, ocidentais, é comum nas casas e em fes-tividades religiosas. Se você achou esquisito, podeficar tranqüilo: os restaurantes, em sua maioria,oferecem mesas e a opção de talheres.
Como o país é grande, sua culinária é bastantediversificada. Mas pode-se dizer que uma refeiçãobásica indiana leva arroz, dhal (uma espécie decreme de grão de bico, feijão ou lentilha), legumese pães sem fermento, conhecidos como naan e cha-patis, comumente vendidos como petiscos nas ruas,
Almoço emfamília, nointerior da Índia:comida empratos de folhaseca, no chão
Festivalsensaçõesde
MAR
CIA
BIN
DO
15. INDIA/ALIMENTACAO 14/11/2006 17:18 Page 64