viagem de sua magestade el rei o senhor dom...

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SUA MAOESTADE EL REI

O 8EXH0R imi FERXAXDO-A.

MARE©C0geSEGUIDO DA DESCRIPÇÁO DA ENTREGA DA

GRÃO CRUZ DA TORRE ESPADA

AO SULTÃO SIl) 3ÍOHA3niEI),

JOSÉ DAXIEL COLAÇO

DEDICADA Á SOCIEDADE DA GEOGRA.PHIA DE LISBOA

m

Tan*ger,Imprexsa Auri n es,

1SS2.

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D'

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AO LEITOE.

Tendo o Sni\ G. T. Abrines, depois de lutar

com obstáculos de toda a espécie, conseguido

instituii' em Tanger un prelo, com o qual deo

começo a provas impressas das mais requeridas

nas Legações e Consulados, e nas ofíicinas com-

merciaes que d'antes tinham de recoiTer á Euro-

pa para a impressão dos seus documentos, conce-

beu o Snr. Abrines a idea de assignalar o debute

do seu útil emprebendimento pela publicação

d'um pequenino li^TO que ao número limitado de

paginas, reuuisse a qualidade de nan'ar umdesses salientes factos que nos povos cultos

prendem a attenção dos espiritus illustrados

para os destinos desta importante região do

continente afiicano.

Lembrou-se para este fim o Snr. Abrines de

formar esta primeira producção da sua nascente

Imprensa, pela compilação d'umas folhas soltas

que em 1856 viram a luz em Lisboa na revista

hebdomadaria intitulada Archivo Universal

sob o nome de ^^iagem de S. jM. O Sm-, D.

Fernando á Africa.

Por muito honroso que para mim fosse o

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IV

f'on^ito (lo Siir. Abrinos, ropTip;nou-iiio toda^•ia

acceitaPo dosdc logo polo facto do tvv ja appa-

rccido, se boui d' iiin modo intercalado, nas

l)agina8 d'uiii jornal, esta narmth'a ; mas tendo

compreliendido o lon^'avel empenho do Snv.

Abrines, e considerando 1. ^ qne sendo o Impé-

rio de Marrocos chamado pela força dos aconte-

cimentos qnc irresistivelmente moA'em a Imma-

nidadc no sentido da hiz e do progresso, a ir

ponco a ponco cedendo ás exigências da ci^'ili-

sáção, tndo qiie a seu respeito se publique devo

principalmente intc^ressar ao po^'o latino ípu,^

primeiro desembarcou os seus guerreiros trium-

fantes nas costas africanas, 2 ^. que o l)o^'o

portuguez, alistado felizmente na luminosa plia-

lange que constituo a A'anguarda dos países cul-

tos, saccode a bidifcrença com que ate ha po\ico

oUiava para os assumptos desta parte do mundo,

em cujas terras se aquilatara em victorias o

derrotas passando circumdada de brilhante

aureola para a posteridade, a heroicidade dos

seus fillios, o o ^. que dadas estas circumstan-

cias é de toda a opportunidade para assumpto do

primeiro Iíato que apparece ^^ublicado em Marro-

cos, a escolha da viagem d' imi liei Portuguez a

esta terra tào ligada ás nossas gloriosas tradi-

ções, accedi gostoso e até com enthusiasmo ao pe-

dido do Snr. Abrines; e digo com enthusiasmo

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pnrqucaidoadcquo a primeira publicação a saliir

0111 TaiigtT, fosse feita ein liiip^oa portiigueza, e

de que a olira, cmb(n'a pequeiiiiia e de iienliuiii

mérito literário, pose,sí?e em relevo o exempLj

que aos exploradores e viajantes africanos dera

uni Príncipe que o po^o Portuguez oxtremcce, c

que todo o mundo ^-eiiera pelas suas grandes vir-

tudes e enciclopédica cultura, assim como

pela sua releA'autissiuia qualidade de rei-artista o

animador das sciencias, das letras e das artes, não

podia menos de ser Aivamunte sympathico a

quem se presa de amar as cousas pátrias e aca-

tar o pais que representa.

Ao mesmo tempo propuz ao Snr. ALrines,

e achou elle opportuua a minlia proposta, que

este primeirij livrinho publicado em Tanger e

em Portuguez, tendo por objeto a viagem de

S. ^I. El Eei O Senhor Dom Fernando a esta

parte da Africa outrora engastada entre os flo-

rões que abrilhantaram a Coroa de Portugal,

fosse dedicado á Sociedade de Geographia de

Lisboa.

Se na acquiescencia a estas combinações

houve desacerto, não fui seguramente voluntá-

rio, e nesse caso remette-se á benevolência da

dita benemérita Sociedade e á indulgência do

leitor, o aiTcpendido author

JosE Daxiel Colaço.

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VJ

P. S.—A presente narrativa vae seguida

cVnma noticia relativa ;í entrega da Grão Cruz

da Torro Espada ao Sultão Sid Moliammod,

prinieii'a condecoração que acceita um Soberano

de Marrocos.

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YIAGEMDE S. M. O SENHOR DOM FERNANDO.

Clicgoii Sua Magcstade á Bahia do Tauger

nos lútimos dias do mezdemaio de 1856, tendo

feito participar ao cônsul geral portnguez na-

quelle paiz qne, tencionando para sua commo-

didade guardar o mais rigoroso incógnito, nào

desejava ser recebido com as demonstrações, fes-

tejos e mais ceremonias, qne a sua pessoa reque-

ria. O cônsul geral disj)oz tudo de modo, que

estes desejos houvessem de ser realisados, po-

dendo S. M. entretanto presencear o ccremonial

alli seguido na recepção de um rei, sem que

necessitasse, em cousa alguma, A'ariar o traje

connnodo de viagem.

O incógnito só podia ser nominal. xVquelle

povo, como todos os já visitados, sabia perfeita-

mente qual era a cathegoria do viajante, que o

vapor MíwMlo le^s^ava a bordo : eram bem na-

turaes, pois, a curiosidade o enthusiasmo que o

animavam, ao receber pela primeira . A'ez umherdeiro d'ac|uelles a cuja coroa pertenecêra

aquella parte da Africa, em epocha não muito

distante.

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Era o tempo de iiiiia das perof-riuaçòes á

Meca, c um grande numero de peregriu(js se

preparava para embarcar a bordo de dois va-

pores, umfrancez, outro inglez, que os deveriam

Címduzir aos lugares santos.

Citínnos de passagem o (j[ue diz um ilustre

escriptor oriental a respeito destas viagens, para

(pie SC possa aA'aliar da sua imjjortancia para os

sectários do islamismo.

Ali-Bey-El-Abassi (D. ])o]iiingos liadia yLeblich) expressa-se assim no primeiro tomo

das suas viagens pela .Vfrica e Ásia. " Os ])re-

ceitos divinos 2)rescriptos pelo Alkorão C(msis-

tcm em: crer n'um só Deus: crer na missão

d(^ seu profeta, como na obrigação das oracòes

canónicas; dar esmola; jejuar durante o líama-

dão; e a peregrinação á Meca. Todo o mussul-

mano de^'e, pelo menos uma vez na vida, fazer

pessoalmente a santa viagem, ou delegar esta

commissão n'um i)eregrino, (^ue a cumpra por

ellc c em sou nome, no caso de se adiar legiti-

mamente impossil)ilitado de o fazer. O objecto

da viagem é visitar a Kaaba, ou casa de Deuscm ]Meca, as collinas Saífa c Merua, (^iie se

acham na mesma cidade, e o monte ^Vrarat, a

pouca distancia d'ella. .^ epodia destas cen»-

monias em lEeca é todos os annos, no mez Dtú-

Iiaja; muitos peregrinos ha que aproveitam a

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occasião para passar a Medina e visitar o scpul-

chro do Profeta;porém isto é acto, pm-amente

de devoção, que não está mandado, nem mesmo

aconselhado pela lei."

Era a primeii*a vez que aquella gente em-

barcava em vapores, a primeira vez também que

devia seguir certa ordem no embarque e acco-

modação a bdrdo;pois que em todos os outros

annos não tinha tido senão alguns na\'ios de

vela mal equipados e de pequeno lote, que ali

appareciam com o fim de a transportar a Alexan-

dria. Logo que punham pé na embarcação,

tomavam posse do mn pequeno lugar, em que

se faziam fortes, não se an-edando imia polle-

gada e defendendo-o até á ultima. Ora como

cada barco levava um numero de passageiros

muito maior do que lhe permittia a sua capaci-

dade, seguia-se que os desgraçados perfeitamente

imprensados, além de expostos ao rigor dos ele-

mentos, dui-ante uma longa viagem, moniamem grande parte antes de leval-a a cabo. Muitas

vezes aconteceu chegar o na\do ao seu destino

alliviado de metade dos peregrinos.

As cousas porém tinham variado como dis-

semos ; e os passageiros com quanto tentassem

praticar como nos annos anteriores, tiveram de

sujeitar-se ao lugar que se lhes havia destinado

segundo as convenções feitas em terra. Ver-

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dado c que para esse fim foi necessária a presen-

ça das authoridades marroquinas, e até a do

próprio bacliá Ben-Abd-El-Malek, que correram

em auxilio do capitão e tripulações dos vapores,

que debalde haviam empregado todos os exfor-

ços para evitar e suffocar a desordem a bordo.

Davam-se estes factos no mesmo dia e á

mesma hora, em que fundeava na bahia de Tan-

ger o nosso vapor do guerra Mindello; o que

explica e desculpa o comportamento do gover-

nador, que não pôde, como devia ii* comprimen-

tar Sua Magestade logo á sua chegada.

O Visconde da Foz, ajudante d'ordens d'El-

Rei, informado das circumstancias occorridas

e accompanhado do cônsul geral de Portugal

n'aquella praça, e mais pessoas do consulado,

dirigiu-se a b(5rdo do vapor inglez Araxes^ onde

então se achava o bachá, o qual da parte de

S. M. significou, que lhe ficava relevada a falta

commettida : feito o que, foi a terra tractar de

preparar os aposentos, que haviam de receber

Sua Magestade. No intervallo o bachá desem-

barcou á pressa e esperou a chegada d'elrei que

teve lugar pelas cinco horas da tarde.

Era um bello e grandioso espectáculo para

commover o coração portuguez, que o presen-

ceou ! O sol quasi a esconder-se detraz das

montanhas do occidente, como unioo espectador

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que existia das nossas glorias pasadas ii'aquelle

paiz, parecia deter-se para saudar o apparcci-

mento de um rei de Portugal n'aquelles pra-

ias quasi desertas. El Rei de pé no seu escaler,

que deslisava pausadamente pelas aguas mansas

da bacia, observava eom curiosidade o montão

de casinliae brancas, intercaladas aqui e acolá

de figueirais, de mesquitas, de marabous, que

se chama Tanger.

El-marsa é o nome da praia, onde Sua Ma-

gestade desembarcou. Ahi foi recebido pelo

cônsul geral de Portugal, pelos administrado-

res e capitão do porto. Quanto ao bachá, esse

segundo o costume do paiz, teve a hom-a de

acolherEl Rei maisadeante, debaixo de uma pe-

quena arcada, que fica á direita da porta do mar

por baixo de duas baterias. A poucos passos

dapmia, mandava elle pôr á disposição de S. M.

o melhor cavallo da sua cavallariça, ajaezado de

seda, velludo e oiu'o, tudo no mais apui'ado gos-

to mourisco, e levado á rédea por um pagem

em sumptuoso costume oriental. El Rei dignou-

se analisar o nobre animal e os ricos arreios

que o ornavam; mas não se utilisando delle, e

não havendo no império de Marrocos uma só

carruagem, nem cousa alguma que tenha rodas,

prohibida, como c pelo estúpido fanatismo d'

aqu<3lla gente, teve de continuar a pé.

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A tarde estava serena : era uma dessas ul-

timas tardes do mez de maio, em que a prima-

vera começa a depor nas mãos do verão os seus

mais ricos thezouros.

O governador vestido dos ricos trajes de ge-

neral mouro, ergueu-se do sitio em que estava

assentado e veio cumprimentar El Eei.

Corria o nono mez lunar, que toma o nomede Eamadan -pov n'elle ser a cpocha do jejum

dos moiu*os assim denominada. Como S. M.estava fumando, e como este jejum, dui*ante

todo o mez consiste em não comer, nem beber,

nem fumar, nem cheirar o fumo de cigan*o ou

de outro qualquer aroma, desde ofeger ou cre-

púsculo da manliã, até ao esconder do sol, o go-

vernador no momento de se lhe aproximar

S. M. levou uma das pontas do albumoz á cara,

cobrindo cuidadosamente a bocca e o nariz, emquanto com a mão direita fazia os cumprímen-

tos do costume.

Entretanto fora da arcada residia uma guar-

da de hom'a de soldados de infanteria armados

de espadas o de iDaus.

Depois de breve demora com o governador,

continuou El Eei com as pessoas, que tinham a

hom-a de o seguir, tomando a porta do mar pela

calçada ou rua, que atravessa desde alli irregular-

mente a cidade de este a oeste. Adeantc c atraz

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cia comitiva iam os soldados da guarda, de man-

gas arregaçadas, distribuindo paulada por tudo

quanto se oppunlia A passagem. Os terraços

de todas as cazas estavam apinhados de mulhe-

res moiu-as, com as caras tapadas, e judia*. Asmoui-as lançavam, ri^^alisando em exforço, os

espantosos gritos ou guinchos, que costumam,

á chegada ou na passagem dos reis e em outras

solemnidades. Homens e creanças de todos os

sexos atulhavam as pequenas e tortuosas ruas

com um sussuiTo diabólico.

Aquelle povo, pouco costumado á presença

de pessoas reaes, e nesses mesmos casos raros,

habituados a olhar para um rei, como para umacousa sagi-ada, um idolo, que deve ser conduzi-

do por outros, não sabia á primeira vista, qual

dos que iam, no meio dos soldados, era o Eei de

Portugal.

Assim era curioso ouvii* as vozes que sahiam

dos difEerentes grupos. Uns diziam "aquelle

é o rei " e apontavam para o visconde da Foz

sem duvida porque era o de mais edade : outros

suppunliam que o rei ficara a bordo e que aque-

lle personagem para quem se dirigiam os res-

peitos era um seu commissionado, emquanto

mouros santurròes, d'aquellesmais supersticiosos,

recuavam com terror julgando que El Eei vinha

ulli sim, mas como um espirito, com tençòes de

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tildo ver e espreitar, ate os lugares mais santos.

Tudo acreditavam u'aquellos momentos,

menos que o cavalheiro alto e louro, que prece-

dia o çrupo de viajantes, fosse o rei de Portu-

gal;porque ia a pé, fallava e fumava como os

outros homens. P(5de-se dizer que chegavam

a acreditar o. contrario á força das pauladas,

que os soldados davam a certa distancia, emtodas as direcções para abrir caminho : circums-

tancia esta que com aquelle furor, só tem logar

quando se trata de uma pessoa muito real.

Passou a comitiva, durante o transito por

defronte de El-jamaa-el-kebii'(mesquita grande),

mas S. M. conhecedor sem duvida da repugnân-

cia que os mouros teem pela entrada de chris-

tãos nos seus templos, não quiz visitar ao menos

por alto, aquelle edifício, e continuando até dar

volta por Soc-d'El-Medina (mercado da cidade)

dirigiu-se para o consulado geral de Portugal,

caza que honrou para sempre dignando-se accei-

tal-la como residência^ durante o tempo que

estivesse em Tanger.

NaqueUa mesma tarde S. M. quasi de noite,

sahiu para ver o basar, algumas cazas de berbe-

riscos e analysar o estado de miséria original,

em que se acham aquellas ruas e logares : assim

o fez observando tudo com minuciosidade e in-

teresse, andando por aquellas ruas mal calçadas.

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cheias de barrancos e pedregulhos, quasi intran-

sitáveis, com mais facilidade ainda do que os

próprios habitantes.

Quando S. M. proseguia no seu passeio que

muito lhe agradava por ser livre de etiquetas,

um tiro de peça dispersou os innumeraveis

gi*upos, que pela occasião do desembarque de

S. M. se haviam estabelecido nos differentes

sitios por onde El Eei devia passar. Era o pôr

do sol, hora de comer para os crentes n'aquella

temporada, de jejuns, e que elles receberam,

porque todo o dia tinham guardado abstinência,

com um grito geral e prolongado, que se levan-

tou de toda a cidade e de todos os legares po-

voados. Entretanto e seguindo o exemplo dos

sacerdotes no alto das mesquitas, os mouros

antes de se irem desforrar do jejum de todo o

dia, fizeram como de costume a oração e a abluc-

ção segundo lhes manda a lei.

Transcrevemos de Ahj-Bey o seguinte tre-

cho sobre o Ramadan: "Este jejum obriga

todos os homens e mulheres, exceptuando os

enfermos, viajantes, mulheres prenhes ou emestado de impureza legal, as que criam meninos,

velhos decrépitos, pessoas a quem a abstinência

poderia comprometter a saúde, e dementes. Se

o jejum é interrompido por esquecimento, dis-

tracção, doença, viagem ou outro qualquer

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motivo logitimo, iica-se obrigado a satisfazer

esta divida jejuando outros tantos dias em outro

tempo aã libitum, porém se a transgressão do

jejum de um só dia foi voluntária sem causa

que á justifique, então para espiar esta falta

deve-se jejuar setenta e um dias.

'* Desde o pôr do sol até á hora da ora(*ão da

manhã pode-se comer, beber, fumar, e divertii*

quanto se quizer durante a noute; porém as

pessoas timoratas, ou escrupulosas empregam o

seu tempo em rezar em caza ou nas mesquitas,

ler o Koran^ fazer obras de caridade, reunii'em-

se (homens com homens ou mulheres com mui*

heres,) em sociedade agradável porém sempre

circunspecta: n'este tempo acabam as inimisa-

des, reunem-se as famílias e os pobres se vêemsoccorridos mais do que de ordinário com abun-

dantes esmolas.

" As mesquitas estão abertas e illuminadas

durante a noute, todo o tempo do Eamadan, e

a multidão entra e sahe incessantemente ; as

lojas abertas e frequentadas por ambos os sexos,

assim como os cafés, porém estes unicamente

pelos homens e sempre conservando o caracter

de gravidade que distingue o musulmano. Comotodo o dia passam sem comer nem beber, espe-

ram com impaciência a hora do niagreh ou pôr do

sol ; ao primeiro signal do miiciden ou gritador

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publico, colocado na occasião do tiro de peça

no alto dos minaretes, toda a gente se põe emmovimento c de prompto come uma espécie de

papas de farinha com mel, assucar, ou outro

condimento nutritivo, em seguida fazem aablu-

ção e oração, e poucos momentos depois vão

comer. Muitos comem três, quatro, e mais

vezes dui'ante a noite;porém eu tomava sim-

plesmente chá, e de manhã antes da aurora

umas passas ou um pouco de cuscus.

" Os ricos aj)enas sentem o jejum do Eama-dam; pois passam o dia a dormii-, para se des-

forrarem amplamente das suas privações da nou-

te, de maneira, que não fazem mais do quemudar

a época de seus gozos diários;porem é peniten-

cia bem dui'a para a gente do povo, pois não

tendo outro moio de subsistência além do tra-

balho do dia, nem ao menos pode illudir o rigor

do preceito acceitando aquclle modo de vida.

ObseiTa-sc com tanta ponctualidade o jejum do

Ramadam, que o musulmano que o quebrantasse

voluntariamente, sem causa legitima, e sobre

tudo na presença de testemunhas, seria tido por

digno da pena de morte como infiel. Sendo

lunares os mezes árabes, e principiando cada umdesde o momento cm que se descobre a lua nova

á simples vista, os musulmanos observam com a

maior attenção o ceu; téem para isso tacto

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finíssimo e ^^sta sunimamente penetrante, de

maneira que muitas vezes me apontavam a pa-

ragem onde viam a lua nova, que a mim meera impossivel descobrir, e depois, com o auxilio

de um telescópio, a descobria exactamente no

ponto do ceu que me tinham indicado compa-

rado com um objecto teiTCstre. Para fazer pro-

clamar a entrada do mez basta a declaração de

duas testemunhas que depõe perante o Kadi

terem visto a lua, e no caso em que as nuvens

impedissem o vel-a, o cumprimento dos trinta

dias do mez anterior dão logar ao novo.

" O principio do Eamadam se anuncia emFez por meio de tiros de espingarda desde umaaltui'a visinha, e pelo lúgubre som (desta ma-

neii*a também em Tanger) das trombetas que

tocam os gritadores públicos desde o alto de to-

dos os minaretes das mesquitas : o momento de

terminar o dito mez ou a pascbôa se annuncia

igualmente com tiros dos teiTaços das casas. Po-

bres d'aquelles que amam o socego, e sobre tudo

pobres os doentes, que ficam atui'didos pelo es-

trondo das armas de fogo e dos gritos da alegria

universal ! Apesar do caracter augusto que

imprime a religião no mez do Eamadam, muitos

moui'os do povo baixo tornam-se quasi fi*eneti-

cos, a maior parte perde a cabeça de tanto rezar

e ler o Koran^ e outros de lerem livros ascéticos

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ou sagrados ; outros finalmente pela debilidade

do estômago e a tristeza que é a sua compan-

heira inseparável ; e o que a todos altera é o

horrivel e fúnebre som das trombetas que soam

do alto dos minaretes a differentes horas do dia

e da noute, o qual produz muitas contendas no

povo baixo.

"Na noute do dia 27 ha continuadamente

nas mesquitas um ministro que sem ter livro

deante, recita o Koran em voz alta ; o povo está

de pé escutando-o. Esta reza vae intei-jiolada

com orações ; a pessoa que reza é successiva-

mente revesada por outra dé maneira que ao

apontar do dia tem-se recitado o Koran todo in-

teiro, ífa mesma noute ha illuniinação nas

ruas e terrados ; o gentio é immenso, e por toda

a parte se vêem mulheres aos bandos que vão

visitar as mesquitas, nas quaes innumeravel mul-

tidão de creanças de todas as edades, mulheres,

sanctosou sanctoes, imbeceis bonse maus movemuma confusão infernal ; e no entretanto, ou se

recita o Koran ou se dizem orações. Todas as

noutes de Eamadam, antes de amanhecer ha de-

pendentes das mesquitas que con-em pelas ruas,

armados de enormes maças, com as quaes dão

repetidos golpes nas portas das casas, para que

seus moradores se levamtem a comer antes da

oração da manhã.

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14

E' de notar que como no Eamaclan não se

fazem cazamentos, baptisados, nem outras cere-

mouias, cousas estas que constituem a parte mais

interessante do paiz, S. M. El Rei D. Fernando

foi á Berbéria na oecasião talvez em que menos

se podem apreciar ou gosar os costumes mais

curiosos d'aquelle paiz :—é occasiâo de pouco

movimento, pouca vida, se é que ha alguma

n'aquellas regiões.

S. M. no dia seguinte depois de almoçar dig-

nou-se receber o coi-po consular que com nmita

instancia tinha pedido para lhe beijar a mão,

não em uniforme porque desde logo El Rei pro-

hibira toda a sorte de formalidade. Em seguida

sahiu diringindo-sc ao atelier de um pintor fran-

cez que alli se achava, onde viu e comprou dois

quadros de costumes árabes do mesmo pintor,

que hoje existem no palácio das Necessidades;

representando um

uma festa na cidade de Te-

tuáo—e o outro um i^végador e narrrador de legen-

das nhi7napraça de Tanger rodeado de povo.—Emseguida entrou de novo no bazar, aonde se dig-

nou ver algumas judias vestidas em trajos ri-

quíssimos; n'um dos corredores se achava sentado

na forma do costume, imi tocador de rebeca

árabe, que por meio de gritos desesperados can-

tou deante d'El Rei certos cantos populares que

só têem poesia quando se compreheude bem a

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lingua do paiz e quando o ouvido está acostu-

mado a guinchos d'aquella natiu'eza. Seguiu

logo S. M. pelas tiu*tuosissimas travessas que

por esse lado conduzem á porta da cidade pelo

lado de ten'a, chamada Bab-el-Fahs. Aç mu-ralhas que ficam á esquerda e á direita são pela

maior parte assim como outras e muitas baterias,

ainda do tempo da dominação portugueza, e n'

ellas se vêemalgumas guaritas de pedra. Estas e

outras construcções tem resistido ao rigor dos

furacões, e das guerras que por dífferentes vezes

tem havido, e ultimamente quando em 1844 o

Príncipe de Joinville bombardeou os portos de

mar de Marrocos, foram por assim dizer as úni-

cas que ficaram do pé despresando as balas dos

canhões francezes. S. M. parou no intervallo

das duas portas, em que se acham os ferradores

dos cavallos da tropa e do publico, para ver

ferrar os que perteneciam á escolta que no dia

seguinte o devia acompanhar na jornada de Te-

tuão : observou com attenção, andando por entre

os cavallos, an-eios e cavalleiros que lá se acha-

vam preparando-se para a marcha ; lá tambémse concertam as espingardas e mais objectos

principalmente de ferro, havendo sempre n'aque-

lle sitio um barulho infernal augmentado sobre-

maneh-a pelos continuados gritos dos que conti-

nuadamente entram ou sahem da cidade.

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16

A' sabida da porta El-Eei entrou no principal

caravanserail d'aq[uelles sitios, logo á dii-cita e

em continuação da mesma porta : alli se reúnem

todas as caravanas qHie vêem do interior, e tam-

bém as que devem partir, sendo aquelle o sitio

da carga ou descarga dos objectos de importação

e exportação ; ba occasiões em que está simia-

mente pittoresco, sobre tudo de tarde, perto da

noitinba, quando se encbe dos camellos que du-

rante o dia têem sido levados á pastagem. Toda

a parte sul do caravanserail é mui'alba do tempo

dos portuguezes. S. M. passou em seguida a

visitar a borta do cônsul de Suécia, sitio bas-

tante ameno, de muitas larangeiras e flores, a

borta eiu'opea mais perto da cidade ; depois

de alguns passeios em que foi também acom-

panbado pelo mencionado cônsul, descançou na

sala de uma bonita casa de campo que ba na

mesma borta. Ao sabii* d'aquelles sitios, S. M.

se dirigiu, sempre a pé, ao acampamento de pe-

regrinos que então se acbava no Sock-de-barra,

(mercado de fora), grande espaço em que desem-

bocam todos os caminbos que vem do interior.

Este acampamento composto de barracas de

todos os tamanbos, de todas as qualidades, e de

formas a qual mais capricbosa, por entre as

quaes bavia centenares de individues de todos

os sexos e um sem numero de cavalgaduras, ca-

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mellos e aves, produzia um efíeito extramamente

pittoresco, maravilhoso. As barraquinhas mais

notáveis eram as que perteneciama uma s(5 pes-

soa e que o peregrino construo logo que chega,

em poucos momentos, de raminhos seccos ou

verdes, e terra ; se aquelle sitio se podesse pôr de

pè dir-se-hia que eram outros tantos ninhos de

pessaros errantes adaptados á parade. S. M.

El-Eei teve occasião de vêr o estado de miséria

e abandono das famílias ou pessoas que as habi-

tavam, cujo aspecto é o mais triste que se pode

imaginar, alli as mulheres contra todo o rigor do

costume musulmano teem geralmente os rostos

inteií-amente descobertos, apresentam algumas

debaixo dos andi'ajos remendados que mal as co-

brem, tjrpos de uma pureza e de uma belleza

raras, ás portas, rojando pelo chão meias nuas,

empregadas pela maior parte umas nos arranjos

das an-emendadas e sujas roupas que as cobrem,

ficando algumas para este fim cobertas, só com

ervas ou palhas, e outras em prepararem a es-

cassa e ordinária comida com que devem reparar

os estômagos ao canhão da tarde. Alguns

d'estes miseráveis vêem de terras bem longiquas,

das immediações do deserto, alguns morrem pelo

caminho debaixo do sol ardente que os queimam,

e depois de resistii*em por terra a rigores d'essa

natui'eza vão passar por mar, o que ja fica dito

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em outra parte : é este modo de fazerem a pcre-

gi-inação uma prova bem frisaute da força do fa-

natismo que domiua o coração d'aquonas gentes:

cada um ou cada familia tem deante da sua bar-

raca os animaes ou objectos que possue, e que

vendidos lhes devem produzir, juntamente com o

que já trazem das suas terras trocado por din-

lieii'o, o importe de sua passagem a bordo dos na-

vios que os devem conduzir' a Alexandiia, porto

em que desembarcam para seguir depois por

ten'a com os novos martpios da sua peregrina-

ção á terra do Proplieta. O quadi"0 é por toda

a parte miserável, doloroso e nojento. Foi pois

pelo meio de todas essas barracas, com o sol

abrazador do meio dia, que S. M. El-Eci J). Fer-

nando, sem cuidar nos inconvenientes que o mui-

to calor e a proximidade d'aquelles entes immun-

dos poderia trazer á sua saúde, e levado só pelo

amor de satisfazer a sua bem fundada curiosi-

dade, passeou pelo acampamento em todas as

direcções detendo-se aqui e acolá, nos pontos emque alguma cousa de maior interesse lhe chamava

mais a attenção, fazendo difíerentes perguntas

a que tínhamos a hom-a de responder, merecendo

particular e justamente a approvação de S. M. as

physionomias encantadoras de algmnas raparigas

Berberes.

S. M. recolheu pela volta das duas horas da

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tarde e ao entrar no pateo da casa consular,

seu domicilio, a banda da armada real que acom-

panhava El-Eei a bordo do yapor Mindello^ e

que se tinha feito desembarcar por disposições

anteriores, tocou o hymno de D. Fernando.

Depois de ter executado differentes peças escol-

hidas, a musica árabe composta dos melhores

músicos do paiz, rompeu também nos seus en-

thusiastas, ainda que monótonos cantos mou-

riscos, cuja novidade pareceu agradara El-Eei

;

alli desdobravam, alternando com a nossa bella

musica da armada real toda a serie de cantigas

de que se compõe o repertório berberisco, o que

produzia um contraste tão estranho quanto agra-

dável. Pouco depois \ieram os difPerentes gru-

pos de pretos phylarmonicos com os seus tam-

bores e castanholas de metal, que são os pri-

meiros dançarinos da cidade, vinham vestidos

de branco com chachias (barretes) encarnados

de borla azul, caras luzidias e risonhas, e chailes

ou lenços á roda da cabeça e da cintura ; toca-

vam, dançavam, pulavam, berravam e davamvoltas infemaes com um furor e produzindo

um barulho taes, que não havia ouvidos que

lhes resistissem e em poucos momentos S. M.desejou não continuar a omdl-os, pelo que

foram mandados retirar em boa paz.

Em seguida appareceu a companhia dos

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saltimbanques ou titiriteiros Sussis, arlequins

oriundos da proyincia do Suz, a mais austral do

império e que percorrem com as suas cobras e

punhaes todas as terras do littoral, arvorando

em praça de espectáculo o primeiro logar emque se acham, uma vez que seja sufíiciente-

mente extenso para poderem pular, sem que

para isso se tome necessário aplanar ou arranjar

o terreno.

Estes homens são de uma habilidade espan-

tosa, e trabalham espontaneamente nos terrenos

mais desiguaes e perigosos ; n'aquella occasião

estavam no pateo da casa consular portugueza

que é todo de pedi'a ; usam trages muito ligei-

ros e sempre descalços, dão saltos simples, du-

plos e variados, verdadeií-amente mortaes, exe-

cutando outras sortes não menos perigosas, tudo

com uma velocidade, limpeza e difficuldade que

pasmam sendo tudo isto natui*al n'elles, pois

que não teem escola alguma de gymnastica, e

são tão bárbaros como os outros, se bem que

muito mais espertos. El-Eey dignou-se gos-

tar muito d'estes jogos, applaudindo muito os

sussis. Pouco depois tivemos a honra de ser

convidados a jantar com S. M. pelas cinco horas

da tarde e ao som da banda de musica militar.

El-Eei viu também uma berberisca vestida no

traje mourisco de maior luxo, riqueza e elegan-

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cia, que para esse fira foi levada á'sua presença.

Tendo S. M. determinado a sna viagem a

Tetuão para o dia seguinte de madrugada, assim

se dispoz e o Bachá governador poz, para esse

effeito, ás ordens d'El-Eei o seu melhor cavallo

de jornada. A noute passou-se sem novidade,

inteiTompida porém com o lúgubre tocar das

trombetas no alto dos minaretes, o arruido do

tambor e o bater da maça pelas ruas e portas

chamando os fieis á comida ; entre estes barul-

hos da noute, no Eamadam, os intervallos são

muito cui'tos.

As cinco horas da manhã veiu o cavallo

que o governador enviava a S. M., e um nume-

ro de mulas coiTcspondente ao das pessoas

que tinham a hom^a de acompanhar El-E«i.

S. M. determinou que os aiTcios mouriscos do

cavallo fossem substituídos por outros á europea,

o que assim se fez para maior commodidade de

S. M. ; e achando-se tudo em trem de partida

se diiigiram para a porta Bab-el-Fahs. Logo á

sahida, esperando a S. M., se achava o gover-

nador e os trinta soldados de cavallaria que

compunham a escolta de sua pessoa.

Depois de feitas as primeiras recommenda-

çoes pelo governador ao kaid ou chefe da es-

colta, ancião respeitável e acreditado militar,

El-Haje-Haman-Burbega, seguiu a comitiva

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pelo primeiro caminho da esquerda, descida que

desemboca na praia e areias por onde se vae

tomar a estrada de Tetuão. Durante uma hora

o Bachá governador acompanhou S. M. dirigin-

do-lhe em lingua e estylo árabe cumprimentos

do maior respeito, e manifestando-lhe quanta

hom'a e felicidade era para elle o ter-lhe a Pro-

videncia proporcionado essa occasião em que

podia apreciar de perto as altamente sublimes

qualidades e afiáveis maneiras do rei de Por-

tugal.

Tornou o Bachá a recommendar ao kaid e

a cada soldado em particular a Pessoa de El-

Eei, tornando-os responsáveis pelo mais peque-

no inconveniente que podesse sobrew durante

a viagem. Ordenando-lhes ale'm disto, que até

chegarem a Tetuão houvessem de executar sem-

pre que o terreno lh'o permittisse, as corridas,

evoluções e tiros, que de uma maneira sui gene-

ris constituo n'aquelles cavalleii'os a phantasia

árabe, tudo com o fim de divertirem a Pessoa

de S. M. Poucos momentos depois teve lugar

a despedida do Bachá, e a comitiva continuou

pelo caminho que conduz a Tetuão.

Deixou S. M. Tanger no dia 22 de maio

para seguir o caminho de Tetuão ; e como dis-

semos, a separação do governador Abd-El-Malek

teve logar a uma milha de Tanger pouco mais

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ou menos e rL'iim logar cliamado pelos moiu^os

Meferak-El-Trok, areal per onde se entra no

caminho de Tetnão, não continuando o bachá

mais adiante, como desejava, porque S. M. se

dignou dai* por terminada a sua companhia, fi-

cando para segurança da sua pessoa a escolta

dos 30 soldados mencionados dos quaes quatro

eram alcaides e um d'estes cunhado, do próprio

governador. O chefe da escolta chamado El-

Haje-Haman-Burbega era um velho militar

da guarnição de Tanger que pelo seu respeito,

probidade e coragem mereceu a escolha do go-

vernador para uma missão tão hom'osa.

Desde que o terreno o permittiu e apesar do

jejum que parece lhes deveria tirar toda a von-

tade de exercícios violentos, principiaram os ára-

bes a executar as corridas chamadas de pólvora,

deixando-se ficar atraz da comitiva em grupos

de seis, oito ou mais, e correndo depois a toda

a brida com o fim de passarem a curta distancia

de S. M. para lhe ofíerecerem as descargas de

honra atii-adas tanto mais á queima-roupa e

estrondosas quanto mais elevada é a cathegoria

da personagem que querem obsequiar. Assim

os árabes no furor da sua corrida passavam cer-

ca da pessoa d'El-Eei descarregando-Ihe as es-

pingardas mesmo ao pé, signal este do maior

respeito e veneração que se conhece n'aquelle

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pais em actos d'aquella natiu'eza.

O tempo estava sereno, e o toldado do ceu

que cobriu durante todo o dia aquella parte

da natui^eza, parecia como uma disposição da

Providencia para que os raios do sol que por

aquelles dias tinham ostentado um ardor insu-^

portável, não fossem incommodar a pessoa de

S. M. A marcha continuava sem interrupção

e n'um passo regular. El-Eei sobre um for-

moso cavallo que o bachá de Tanger tinha posto

á sua disposição para fazer a jornada, e a sua

comitiva montada em mulas, porque n'aquelle

paiz quando muitas pessoas teem de fazer umaviagem sobre animaes, que não estão habitua-

dos a viver juntos, as mulas são preferíveis aos

cavallos por serem estes desinquietos a ponto

de causarem muitas vezes graves incommodos

ás pessoas que n'elles caminham.

Antes de passar a pequena ponte que se

acha no principio de El-ahadir-El-Kebir, grande

planície de pastagem de gados e cavallos, e

quasi defronte do aduar chamado " moghogha,"

ha uma collina cobei-ta de mattas espinhosas

e pedras, detraz da qual existe a sepultm-a de

um grande santo d'aquella província. No mo-

mento em que a real comitiva por ali passava,

viram-se despontar no alto da collina ti'es vultos

brancos ; os quaes depois de terem feito uma

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invocação com as mãos erguidas para o ceu do

lado do oriente como para pedir a intervenção

de Mohamed se precipitaram para a estrada

fliictuando-llies os seus largos roupões brancos.

Tinham, como depois vimos, caras macilentas e

descamadas, olhos tristes e expressivos, barbas

pretas até á cintura, cabeça rapada segundo o

costume moui'o, trazendo ao pescoço por cima

da "dgilabia" ou roupão de lã, rosários de

grossas contas e paus compridos na mão. Aovel-os correr desesperadamente, saltar por sobre

as mattas, pedidas e ban-ancos com a rapidez e

agilidade da gazella, ao scintillar dos olhos du-

rante a corrida, dir-se-hia que eram três fuiias

infernaes que, emissários do phi*ofeta, vinham

amaldiçoar a viagem dos infiéis;porém era tudo

o contrario, desciam cheios de enthusiasmo, na

melhor fé, eram três respeitáveis religiosos ani-

mados das melhores intenções que espontanea-

mente comam a abençoar a jornada d'El-Eei

de Portugal.

S. M. conhecedor do motivo que obrigava

assim a correr para a sua pessoa três entes tão

estranhos, parou : os religiosos chegando ao pé

d'El-Eei beijaram-lhe a perna direira e o lado

direito do cavallo, passaram ligeiramente a mãopor todos os viajantes, e proferindo suaves pa-

lavras d'uma pequena reza do Al-Korao parti-

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ram polo mesmo caminho por onde tinham vin-

do, e provavelmente para o mesmo sitio d'ondc

tinham saído, que seria sem duvida a sepultura

do mencionado santo. Convém dizer aqui o que

seja n'aquelle paiz um religioso e o que seja

um santo já que falíamos n'elles.

O religioso, chamado por elles " talhe

"

plural '' tolha," é o mestre da religião. São re-

putados como sahios e são elles os que conser-

vam algumas tradições e os que quasi exclusi-

vamente teem alguns conhecimentos históricos.

Toda a sciencia d'elles consiste todavia por assim

dizer em saber ler e escrever, tratando princi-

palmente matéria religiosa e muito pouco de

historia. São particularmente os tolhas quem

fazem ou arranjam toda a qualidade de relíquias

e escriptos. Dominam os Djenuns, génios ou

espiíitos que estão em toda a parte e a toda a

hora influenciando sohre a vida de todos e de

tudo, sendo indispensável estar sempre bem comelles. Os tolhas fazem-se passar por feiticeiros,

folgam possuii- segredos de grande importância

enganando com estas e outras astúcias os igno-

rantes. Esta ceremonia de abençoar a ^dagem

de um príncipe, é quasi sempre feita por um só

religioso ; e sendo aquelle estrangeiro, vae por

assim dizer forçadamente;para El-Kei de Por-

tugal foram três, soubemos que abençoaram a

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augusta jornada da melhor vontade apesar de

ser príncipe christão, sem duvida por ser mo-

narcha portuguez. Ora isto não admira por-

que sendo os tolbas como dissemos, os que

conservam algumas tradições, quando se trata

do tempo da dominação portugueza é sempre

com respeito e sympathia que faliam dos nossos

individues e das nossas coisas ; o que prova que

rasgos de heroismo e grandezas d'alma pratica-

das n'aquelle paiz, quando sobre as suas Kasbas

tremulava o pavilhão das quinas, deixaram de-

terminada de uma maneii'a indelével entre aquel-

les bárbaros a nobreza do caracter portuguez.

Santo na Berbéria não se julgue que é como

entre nós a reimião do maior numero de virtu-

des possível no mesmo individuo, e este vivendo

S(5 para Deus sacrificando constantemente o bemestar do corpo á pureza da alma. Não, pelo

contrario, ha santos que são, por assim dizer,

os representantes de todos os vicios, a estampa

nojenta da mais immunda misería. A santidade

ali pôde ser considerada quasi coiqo um officio,

ou melhor como um modo de vida que muitas

vezes se exerce quando, como e aonde bemapraz; ha uma santidade hereditária e outra

por demência, é n'esta que está a especulação.

Os santos por demência, que são a maior parte,

andam cobertos só de andrajos cheios de peque-

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nos remendos a ponto de se não poder conhecer

a primitiva fazenda do vestuário, usam o cabei-

lo crescido e emaranhado á vontade, o que

faz das suas cabeças uma excepção bem notória

de todas as cabeças musulmanas que são rapa-

das, e cada um tem a sua mania ; uns estão

constantemente a rir, outros choram, estes se

coçam sem cessar, aquelles correm todo o dia

cantando, berrando ou gemendo, e alguns san-

tos ha que se entretêem em atii'ar com pedras

a quem lhes parece. Em rigor o paciente não

se deve escandalisar por isso, pelo contrario,

deve receber a pedrada como um aviso de Deus

para entrar n'um caminho mais virtuoso. Avoz pubhca diz sempre isto : porém, parece

nos que nem sempre acontece assim, e já vimos

um rapaz mouro levemente ferido na cabeça

por um d'aquelles santos, com a dor que sentia,

tendo porém cuidado que os seus concidadãos

não o ouvissem, amaldiçoar desapiedadamente

o homem que lhe tinha feito um tal presente

por ordem dizia elle, do diabo e não de Deus.

ISfo entretanto uma aberração similhante no es-

pirito de um fiel é raríssima n'aquelle paiz, e

em geral os mouros pelos seus santos fazem os

maiores sacrifícios : crêem elles que aos santos

está incumbida por intervenção do propheta a

salvação das almas.

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29

Para algumas donzellas mesmo terem rela-

ções com homens d'esta natureza é um grande

privilegio divino. O fanatismo bárbaro d'aque-

llas gentes sobre este ponto é de uma estrava-

gancia sem limites. Em geral estes homens

acham por toda a parte a mais cordial hospita-

lidade ; são verdadeii'os parasitas procurando o

seu sustento na casa da cidade ou da aldêa que

melhor lhes parece, e por muito bem recompen-

sada se dá a familia que teve a dita de receber

na sua casa um santo d'aquelles, se este se dig-

nar fazer uma pequena oração por elles.

Comprehende-30 pois a especulação que deve

haver n'este género de santidade e podemos

dizer com verdade que de ordinário são maus.

Já tivemos occasião de fallar em particular comum d'elles, que em virtude do seu estado de

embriaguez nos confessou que por algumas mor-

tes e outras hoas acções que tinha feito, e para

por este motivo escapar aos rigores da justiça,

cega e mais que cega n'aquelle paiz, tinha adop-

tado aquelle modo de vida.

Os outros santos são os que herdam a san-

tidade; estes pela maior parte proprietários ricos,

montam bons cavallos, pelejam pela sua religião

a risco muitas vezes da vida, visitam as terras

da irmandade de que são chefes, e são recebi-

dos no palácio do sultão que os consulta e con-

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30

vive com elles. Tanto uns como outros gosam dos

mesmos privilégios moraes, e quando um d'estes

ou d'aquelles morre se lhes construo da mesmamaneira uma casinha chamada cobba, que é umaespécie de pequeno templo aonde depois os fieis

vão orar, e aonde se o local o permitte vão algu-

mas vezes familjas inteiras passar um ou mais

dias para rezar, comer e cantar. Esses legares sa-

grados são também um refugio para os crimino-

sos que podem fugir aos agentes da policia.

Como dissemos os religiosos seguiram o seu

caminho e a real comitiva continuou tomando a

estrada que borda o lado oriental da planicie por

cujos terrenos os árabes executaram por inter-

vallos as corridas da phantazia. Sempre que

isto tinha logar El-Eei parava para melhor os

ver passar mostrando gostar muito d'aquelles

exercícios originaes. Com effeito, a phantazia

árabe é uma demonstração que frisa de umamaneira original a parte alegre do caracter

d'aquelles habitantes, e o árabe sobre o cavallo

é o extremo opposto do árabe na choupana.

O mouro fora do cavallo é como o peixe fora

da agua ; entristece, desanima, definha : no

cavallo está no seu elemento, vive, reanima-se,

apparece-lhe nos olhos a alegria da alma, e emquanto o cavallo executa prazenteiro todas as

suas vontades, corre e precipita-se por onde

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31

elle quer, sem outro signal mais que o desejo

do cavalleiro, este falia, ri e grita freneticamen-

te de enthusiasmo e de orgulho.

Os movimentos do árabe são tão rápidos

como violentos, toma sobre a sella posições es-

travagantes ; ergue-se na força da corrida sobre

os estribos e dispara a sua comprida espingarda

para o ar, para o chão, para diante, para traz,

para a esquerda, para a direita ou para onde

pede a evolução que executa. De pé sobre a

base dos estribos durante a corrida com a boca

entre aberta,, os olhos dii-igidos sempre horison-

talmente e todas as roupas fluetuantes, o cava-

lleiro árabe despreza os reis, julga se o soberano

de tudo quanto existe, o senhor dos senhores.

O cavallo é para elle como um vehiculo pode-

roso, todo espirito, todo vontade. As terras

por onde passa sem as tocar são mundos que

lhe desapparecem por debaixo dos pés, em quan-

to rolam com a mesma rapidez pelo seu espirito

mundos de illusão que pelas regiões ethereas

por onde voa o levam a communicar com a pró-

pria divinidade. O homem é grande, o homemé poeta ; uma ley natural impede a continuação

d'aquelle movimento, o cavallo pára, o caval-

leiro acorda do seu sonho. Isto se repete, e

quando no fim de muitas corridas o árabe se

apeia, passa o homem da poesia á prosa, do ceu

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a2

á terra. Isto é em resumo o que se passa n'uma

phantazia. Pouco depois, quem tiver a ciuiosi-

dade de percorrer um acampamento verá aqui

e acolá um cavallo amarrado pelas duas mãos

defronte de uma barraca, de uma choupana ou

em pleno descampado; sem animação, sem mo-

vimento, com o pescoço estirado, saindo agua

d'elle como da estatua de uma fonte, parece de

pedida : mais adiante sobre uma esteií-a ordinária

ou sobre a relva um vulto comprido com umtiu'bante n'um dos extremos e umas babuchas

no outi'o, indica um árabe ; ae nos aproximarmos

o veremos pálido, immovel, mergiilliado talvez

em pensamentos tristes; parece um cadáver.

Dir-se ha que são duas metades mortas de umtodo cheio de vida. Eram pois aquellas corri-

das chamadas de pólvora que constituem a phan-

tazia, o que tanto chamava a attenção de S. M.

El-Eei o senhor D. Fernando.

Assim continuamos a andar por espaço de

umas seis léguas até chegarmos a um sitio cha-

mado "AainGedida" no qual se acha umagrande estalagem a que os moui'os chamam"fondac" com caravanserail (pousada de ca-

ravanas) destinada aos viajantes, tropas e cor-

reios que transitam principalmente entre Tetuão

e Tanger. A pouca distancia do edifício se

achava, por disposição anterior do nosso consu-

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lado geral, uma barraca atapetada com algu-

mas almofadas mouriscas, onde S. M. El-Eei se

dignou descançar e tomar um pequeno almoço.

Defronte da porta tremulava uma bandeii'a por-

tugueza. Dm'ante a ciu-ta demora de S. M.

n'aquelle logar, alguns chefes dos habitantes

das montahas visinhas, appareceram com pe-

quenos presentes de gallinhas, ovos e cuscus,

segundo o costume do paiz n'essas occasiões; e

mesmo depois de seguir a comitiva a marcha

que foi meia hora depois da entrada d'El-Eei

na barraca, como o mesmo augusto senhor de-

terminara, appareciam aqui e acolá nas diffe-

rentes ruasinhas do bosque que percoma, árabes

dos aduares próximos, uns com ovelhinhas,

outros com pequenas tigellas de manteiga e

outros só com o íim de admirar a pessoa d'El-

Eei D. Fernando. Se não fosse tempo de jejum

em que principalmente a gente do campo soffre

muito, por isso que lhes h diíhcilimo conciliar

o ti'abalho do dia com as comidas da noute, de

modo que possam tirar algumas horas de des-

canso, alguns dias antes d'esta épocha ou mel-

hor alguns dias depois, em que se festejam as

paschoãs, a affluencia de gentes teria sido muito

maior, o regosijo e enthusiasmo natm^almente

mais manifestos.

Tanto o accesso como a descida d'aquella

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grande montanlia chamada Kasba, apresentam

difficuldades análogas, e foi depois de algumas

horas de transito que tivemos a felicidade de

ver descer aos campos immediatos sem o mais

pequeno inconveniente S. M. El-Eei, bem como

toda a comitiva que tinha a honra de o acom-

panhar. Chegados ao descampado continuaram

por um caminho naturalmente bom na direcção

da cidade. Como o terreno já o permittia, os

árabes da escolta de ahi por diante nâo deixa-

ram de mostrar a sua destreza por meio das cor-

ridas e descargas do costume, ostentando assim

as suas boas qualidades de cavalleiros, e emcujos exercícios apesar de se acharem faltos de

força pelas circumstancias do jejum acima ex-

presso, cada um fazia grandes esforços por so-

bresair aos outros. S. M. parecendo achar-se

sempre satisfeito, nada se passou que mereça

mencionar-se até chegar a uma ponte chamada

Bu-Sefiha a quatro milhas pouco mais ou menos

da cidade de Tetuão. Sobre ella se achava o

agente portuguez d'esta praça com as mais pes-

soas pertenecentes á agencia, esperando a che-

gada de S. M. Este vice cônsul como outros

de difíerentes portos do littoral em que não ha

funccionarios, tanto ao serviço de Portugal

como de outras nações, são pela maior parte

negociantes hebraicos por ser n'esta classe que

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na Berbéria se achavam outrora pessoas habilita-

das para o desempenho dos cargos consulares su-

balternos. E ainda que entre elles haja alguns

de probidade, e este era um d' elles, estão tão

pouco correctos com os nossos usos e costumes,

que o referido agente apesar da sua vontade

adoptou como trajo mais serio e digno de rece-

ber a S. M. el-Eei o seguinte : chapéu redon-

do de forma antiga com um mal feito laço azul

e branco, lenço ao pescoço de listas encarnadas,

collete cinzento, calças de cor clara e umas

grandes luvas amarellas : os mais vinham ves-

tidos segundo o costume do paiz. Chegada que

foi a real comitiva e apoiados os que tinham a

honra de vir esperar S. M. el-Eei, o referida

agente chamado Abraham Hassan offereceu umligeiro refresco composto de uma limonada es-

pecial que só se prepara em Tetuão, e que el

Rei se dignou acceitar. Os mais viajantes tam-

bém foram servidos e depois de poucos momen-

tos continuou a cojnitiva pela parte do caminho

que conduz á cidade.

Teríamos andado duas milhas quando n'uma

pequena altura chamada "Merra" depois da

qual principiam as primeií-as hortas e vergéis

que circumdam a cidade, se achava o segundo

governador desta chamado "Atitas" com toda

a cavallaria da guarnição para ter a honra de

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rooebor El-Pici.

Acubadíi :i torjnalidadt» {[uv ]m(|iiellos puizes

jio reduz u lima iii(-liiuu;à<> (\c caLera, nlj^niinas

jíulavras de- resiieito acompanhadas sempre: do

nomo íiv Deus, o uma ligeira iiidieaeão com a

mão direita para o eaminlio que se deve seguir

eoTuo j»edirid(» ao rriuoipe <[Ue se dignasse entrar

nacpiella.s terras, seguiu a eoniitiva a parte d;i

estrada <|ue detinitivãmente conduz a Tetuflr»;

nâo tardou nuiito ([ue imo descobrissemos ao

voltiir de uma pecpiena (devaeão, as muralhas,

terraços e minaretes desta cidad(\

Antes de chegarmos á i)orta da cidade cha-

mada "Bab-el-tuts" foi El-liei recebido jíelo

bachá governador Iladdad com o resto da guar-

nição que se conq^unha na maior parte de artil-

lieiros ricamente vestidos. A recepção teve logar

n'um grande largo coberto de i)oa'o, e o bachá se

adiantou para cumprimentar Sua Magestade.

O bachíi Iladdad contrastava perfeitamente

com o bachá Abd-el-IMalek e montava n'uma

mula á maneira dos ricos negociantes daquelle

paiz íí cuja classe pertence.

A multidão alli como em Tanger era tanta

e invadia de tal maneii"a o terreno, que os sol-

dados para desembaraçar a passagem recorriam

á prompta distribuição de fortes pauladas emtodas as direcções. S. M. El-Eei, precedido

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dos soldados que abriam caniinJio e seguido de

toda a tropa quo se tiulia reunido, entrou com

a sua C'Oiniti"\a por Balj-el-Tuts, no meio do on-

tliusiasiiK) daquellc p<»N'0, sendo o ohjeeto da

admiração geral pelas inaneiras aítaveis que s*'

dignava manifestar, e o aho do ávido olhar de

milhares de formosuras que guarneeiam acpudlas

nmralhas e cobriam a<[uell('s terraeos: desta

maneira tomou o aeompaidiamentu a direceão do

palácio destinado ao sultão mouro quandr» visita

aquellas terras, cliamado "líiad-del-Lel»badi ''

que é de construceão mourisca, eque tem sallas

espaçosas, e b(mitos jardins eom iniiita agua.

Alli, debaixo de uma parreira tinha o governa-

dor de antemão preparado uma comida (pn: jul-

gava ser á europea mas que nem por sombras

merecia tal nome.

Como o palácio do .sultão destinado a S. ^I.

não estava preparado de maneira que podessc

servir para o hospedar, por isso que segundo o

costume maiToquino não tinha por mobilia mais

do que tapetes e coxins, foi necessário procurar

na cidade um íqiosento em melhores condições

j)arà satisfazer aquello altíssimo fim, merecendo

a hom-a da acceitação de 8. M. a casa do vice-

consul de Portugal referido, aonde depois da

comida, a comitiva se dirigiu. Durante o tran-

sito ia precedida e seguida por um numero res-

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peitavel de soldados de infanteria que são alli

a policia das cidades ; estes uiimoseavam a mul-

tidão com as pauladas do estylo.

O agente sendo hebraico tinha a sua casa

no "Mellali" parte da cidade occupada pelos

hebreus; porque em todas as cidades da Ber-

béria á excepção de Tanger, esta gente vive

separada dos mouros em um grande bairro mu-ralhado que de noite se fecha ficando uma guar-

da de soldados mouros para a defeza da porta.

As judias de Tetuão cuja belleza é proverbial

no império de Marrocos, anciosas por conhecer

o esvelto e amável Eei de Portugal, tinham pro-

curado por todos os meios ao seu alcance tor-

narem-se dignas da parte que lhes competia no

objecto da visita d'el-Eei D. Fernando áquella

terra. Os terraços, as janellas, as portas e as

ruas, se achavam cobertas de legiões destes seres

angélicos, e dir-se-ia que o ceu, como para em-

bellezar os sitios que El-Eei visitava, se abrira

derramando por sobre elles aquella deslumbrante

chuva de pérolas animadas.

Chegados á casa consular S. M. tomou posse

dos aposentos que pouco antes lhe tinham sido

preparados da melhor maneira possível. Aquella

noite foi destinada ao repouso, que uma jornada

incommoda quanto violenta tinha tornado indis-

pensável.

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S. M. que saii-a de Tanger com teneões cie

Toltar para alli embarcar, tinlia ordenado que o

vapor de guerra Mimlcllo que o conduzira, fi-

casse surto naquella baliia ate o seu regresso

;

por isso que, no verão em que o vento leste so-

pra com frequência e com força naquelles ma-

res, é muito arriscado o porto de Tetuão,'para

navios de certo lote, que não podendo entrar no

rio são obrigados a ficarem no alto mar lutando

contra o vento e contra as vagas que correm

sobre a costa. ííessas circumstancias é preferí-

vel a bahia de Tanger, porque ha nella mais

recursos no caso de compromettimento.

Mas como o caminho de Tetuão a Tanger é

como vimos tão escabroso e tão aniscado, S. M.,

mesmo porque dava por concluída a sua digres-

são por aquelle paiz, ordenou que o vapor Min-

clello viesse recebei-lo a Tetuão. Para este fim

enviou-se a Tanger naquella mesma noite umcorreio com as ordens competentes.—Correio, umdaquelles homens que na Berbéria percorrem o

pais em todas as direcções e com todos os tem-

pos sem que os seus passos ou antes corrida seja

alterada, quer debaixo do sol abrazador do estio,

quer debaixo dos temporaes fmiosos do invierno,

ora atravessando os rios a nado por sobre cor-

rentes procelosas; ora nadando no seu próprio

suor ao atravessar os areaes de fogo que tanto

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abundam uaquollc paiz—ávautc, sempre avante,

o correio não couliece. não sente nem a\'alia as

diíiculdacle.s—com um rimpào gTOssciro amarra-

do á cintimi i)or nina corda de Csiparto, comnin pau comprido na mão direita e um sacco de

pallia ordinário a tiracol, lia de cliegar ao ponto

do sen destino a nma hora determinada como se

fosse nm barco de Aapor ou uma locomotiAii de

caminlio de ferro. São naturezas de ferro que

Deus creou para serviço daquelle paiz.

O dia 2o foi destinado por S. M. j^ara visitar

acidado; ao percorrer aqnellas ruas e praças,

ao entrar naqnellas casas e bazares, e ao exa-

minar os usos dos seus liabitantes, El- liei pod(»

apreciar melhor do que em Tanger o A-erdadeiro

typo de uma cidade mourisca, que a de Tetuão

apresenta debaixo de todo o ponto de vista con-

siderada. Sendo isto devido a que em Tanger

as casas dos monros, dos hebreus e dos christãos

estão disseminadas pela cidade sen; que haja

separações entre as que pertenecem a indi-

vidues de religiões diversas, havendo além

disso nma tal misturada de costumes, de inte-

resses e até de sentimentos, que muitas vezes

custa a extremar entre pessoas diíferentes, a

religião ou a nacionalidade. O caracter uion-

risco se acha alli por isso muito adulterado, ao

passo que Tetuão, em que os mouros, os christãos

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c os judeus formam vida o sociedade ;i parte,

teud(j estes como dissemos um baiiTO separado,

havendo alli uma communicação e um commer-

eio mais intimo e mais vasto com o interior,

que com o exterior do paiz, miiis que em Tan-

ger em que este, seníio mettcrmos em linha de

conta as relações mercantis dos europeus, e as

diplomáticas, porque como sabemos é alli que

reside o cor^io consular estrangeiro, é muito

limitado, Tetuão diziamos, é uma cidade perfei-

tamente de mouros. O seu numero de mesquitas

é maior porque a sua população também é mais

considera"\'el ; a architectui-a ou construcção das

casas posto que grosseira, porque naquelle paiz só

ha das ai-tes imia parodia tão ridiciúa quanto la-'

nientavel, tem impresso o caracter momisco.

E' pena que alli, como no resto de todo o paiz,

não se veja desenvolvido por meio do estudo

aquelle gosto arabesco tão caprichoso como ele-

gante. As artes tem sido sacrificadas a um certo

numero de processos mecânicos fáceis, que pro-

vavelmente herdaram dos seus antepasados ou

que obtiveram de povos mais illusti-ados, os

quaes applicam machinalmente a todas as coisas,

esquivando-se sempre ás difficuldades do estudo.

O governo pela sua parte ignorante e despótico,

não sente a necessidade de desenvolver conhe-

cimentos que não possue, e somente ti*ata de

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sustentar e arreigar o turbillião de preconceitos

e preocupações que aquelle povo abraça como

parte integrante e de indispensável observância

do islamismo. D'aqui resulta que o estado de

coisas d'aquelle paiz é estacionário senào retro-

gado, e o espirito dos seus habitantes aliás tão

susceptível de cultivo, dorme no berço da igno-

rância embalado pelas mãos da preguiça e em-

briagado ao perfume da essência de roza que o

vicio e a luxuria despedem dos seus incen-

ciarios.

En Tetuão como em Tanger, Sua Mages-

tade percorreo a cidade a pe, porque como ja

o dissemos, em Marrocos não ha carruagens,

devendo acrescentar aqui, que quando mesmo

se tivesse querido fazer uma excepção com El

Eei o Senhor D. Fernando, a fim de proporcio-

nar-lhe vehiculo mandando o trazer de fora se

tivesse havido aviso anticipado da sua visita a

este pais, não poderia o mesmo Augusto Senhor

servir-se da carruagem, porque o péssimo estado

das ruas, praças e calçadas maiToquinas, a isso

se oppoem.

El-Eei depois de ter mandado fazer algu-

mas compras de objectos do paiz e de se ter.

vestido com um "haik," fazenda de lã muito

fina em que os mouros abastados costumam en-

volver-se, sendo assim comparado, como ouvi-

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mos, a um chefe dos "Beni-Amer," por terem

estes efectivamente uma cor e um typo muito

parecidos com os de S. M., decidiu, como disse-

mos, visitar naquelle dia a cidade.—Precedido

e seguido dos soldados de costume, porque a

multidão que o rodeava a cada passo era immen-

sa, S. M. percoiTia as ruas, mais direitas c de

melhor piso que as de Tanger, mostrando para

com todos a sua bem conhecida amabilidade e

sympathicas maneiras que tão justamente éap-

tivam e chamam a atten(;ão dos europeus, e que

com muita mais razão souberam conquistar o

coração dos musiilmanos que só estão habitua-

dos a receber do seu monarcha provas de tyrania

ou de despreso, deixando-os cheios de admi-

ração.

S. M. se dignou entrar em algumas cazas

hebraicas aonde as divindades de Tetuão-o es-

peravam com os seus melhores vestuários..

As mulheres daquella terra são formosas

quanto se pôde ser formosa, as linhas que com-

põem as suas fysionomias são puras e o coujunc-

to e de uma regularidade e belleza quasi sobre-

naturaes; na forma nada mais ha a desejar.

A expressão e os movimentos são, porem,

de uma suavidade e inacção que revelam bema frieza daquellas mulheres sem coração ; são

rosas sem espinhos, e o aroma, essa alma da

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rosa fjuo tanto nos oníhvin^n, nfio o tom: faliam

Jiiais ao8 uIIkjs do c|Uo ao corarão o paroce (^uc

loram feitas para so admirar o não para se amar;

é uma lolieidado; so assim nào fora, se as graeas

(ias Taugcriuas ou dai Andaluzas tomassem pos-

se daquellas formas aiiijcUcas, ;is mulheres, de

Tetulo seriam eoinourn iman que cliamaria sobre

si toda a adoraí^fio terrestre : e a ísim ellas, raios

de um sol ardente deseid(js /iquolkis parni^f-ns,

queimariam d'amor e de arrebatamento o cora-

ção seiísirel dos homens que por uma força su-

perior fossem atraliidos por ellas.

Totuão seria por assim dizer uma sepultura

sompiT' aborta ás victimas de uma epidemia inc-

vitarol, coisa que L)eus nào podia consentir, e

por isso equilibrou todas as coisas a bem da Im-

manidade.

Dopeis do sair da mandão da fnrmusur^i El-

lioi D. Fernando so dirigiu á casa do mouro

'•Besini," negociante rico e o mouro de mais

oduoaçào que ha por aquellas teiTas, o qual do

i.njoijuij tinha preparado \\m chá segundo o os-

tyic das capitães do iniVíOrio, C|UO S. ?»I. El-Rei

se diírnou acceitar. A oria:inalidíKlod<» serviço,

as afiáveis o oriontaes maneiras do árabe, a mis-

teriosa a])ari( ão das suns mvilhores que contra

todas as prescripçòes do rito musulmano saíram

durante o chá levadas da irresistiyel curiosi-

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dado de vôr a El-Rei D. Fernando, o niiirmiuio

da agua por entro os arabescos e arcadas de

a/ulejo d(» i)ateo a ísíhIkj, c o eli;i. essa bebida

idolatrada do africano, transformado em néctar

d{>lici()so pelo aroma de escolhidas liervas odo-

riferas e do sublime âmbar, segundo o uso dos

palácios, com a conversa simultaneamente ani-

mada c silenciosa daquella s(jciedade amiga do

árabe e cavalheiros portuguezes n'um salão

mourisco, presidida por El-Roi de Portugal,

tornaram o acto solemnemente poeticí» e muito

agradável a S. M. El-líei o aos cavalheiros que

tinham a honra de o acompaidiar.

Xa tarde do dia 2o a cidade de Tetuào está

toda alvoraçada, a j^opulaça corre ])ov todas as

2)artes rompi-ndo em gritos de entliusiasmo, gru-

pos de mulheres mouras enroladas nos seus

mantos de seda e là e rodeadas de formosas

creanças ricamente vestidas se agitam dirigindo-

se para um certo lado como outras tantas vir-

gens rodeadas de aujinlios e enviadas paradi^i-

uisar algum logar privilegiado.

(.)s hebreus seguidos das suas famílias saem emconfusão do "Mellah" tomando todos um mesmorumo, soldados de iufanteria correm enthusias-

mad<»s com os hirgos roupões brancos traçados

por l>aixo do braço e agitando os seus penachos

azues sobre os compridos bam-tes encarnaílos,

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de tempos a tempos um bando de cavalleiros

passa ferindo lume por sobre as pedras ; não se

A'ee]u e parecem trovões e relâmpagos, tudo é

Yociferio constante, tudo bulha, tudo algazarra,

tudo címteníamento.

Que festa popular se vae commemorar n'-

aquelle dia? que triumplios se vão festejar

n'aqnella terra?—que glorias se vão cantar

n'aquelles sitios?

O festejo, o triumplio, a gloria é uma grande

phantasia árabe na vasta praça do mercado emobsequio a El-Eei de Portugal.

Pelas 5 horas da tarde a praça ofíerecc umquadro pintoresco e cheio de vida—os teiTaços

das cazas que a rodeam estão cheios de mulheres

mouras ATstidas de branco entre as quaes bril-

ham ao sol as pedras deslumbrantes dos touca-

dos e bracel(}tes de algumas judias—a praça está

coberta de gente de todos os- sexos e de todas as

religiões. Uma larga diagonal que corta a

praça do sudoeste ao nordeste, e que os soldados

de infanteria tem o cuidado de conservar limpa

fi força de paolada é o espaço destinado á phan-

tasia—^esta é a arena onde se vão bater os ta-

lentos equestres sedentos da corrida.

Pelas 5 c meia horas El-Eei apparece e occu-

pa com os cavalheiros que o accompanham umapequena altura aonde A^m terminar a rua prin-

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cipal, immediata a uma arcada—á sua chegada,

da praça e caserio que estão atulhados de espec-

tadores se ergue uma voz geral acompanhada

de gritos de euthusiasmo—tudo aquillo é bello,

tudo aquillo é pintoresco—as muralhas da parte

do poente solitárias e enegrecidas pelo tempo,

contrastam bem com as brancas casinhas po-

voadas, da parte esquerda ; a algazarra e movi-

mento dos mouros, com o silencio dos hebreus

e com a espectativa dos christãos—o hastear das

bandeiras brancas e encarnadas dos marabous

com a immobilidade da palmeira; a suvidade da

planicie com o arrojado das gigantescas e azula-

das montanhas que correm do sudoeste ao sudeste

recortando o ceu n'uma linha de ondulações

estravagantemente graciosas; o movimento de

todo aquelle immenso largo com a serenidade e

pureza de um ceu todo de anil ; o barbarismo

do poA^o musulmauo com a magestade christã.

Eil-a a cavallaria, além se agita em diffe-

rentes grupos que se encontram; faiscas saem

dos olhos dos cavalleiros, espumando os cavallos

agitados ; as cores vivas dos vestuários e arreios,

e o brilho das compridas espingardas deslum-

bram a vista, a impaciência os devora, e como

para minorar essa anciedado, alguns tiros são

disparados ao ar, de tempos a tempos. Quemsão os felizes que vão encentar o divertimento

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daquclla tarde de regosijo?

Quem são os qiic primeiro vão le\'ar aos pés

d'El-Kci a pólvora em fumo das suas espingar-

das ?

Eil-os, clles ahi vem, arreda, arreda, o salto,

o galope, a corrida, o voo se succedem iustauta-

neamentc naquellc grupo de eavalleiros que emmitos frenéticos de enthusiasmo se destaca da

massa, dcsappareccm envolvidos na poeira, e

depois no fumo que envolve também S. M.

l)ir-se-ia que uma nuvem animada vem sus-

pirar de prazer e admira(;ão aos pés do rei de

Portugal. Ao passar já se distinguem os rostos

dos soldados e todos olliam com avidez para

vS. M. como pedindo um signal de appr()A'aeão; o

grupo se compõe de quinze eavalleiros jx^rten-

ccntes á escolta que acompanhava El -liei a Te-

tuão. Ha um delles que merc^ce as palmas da

]\Iagestade e este cliama-se " Abdallali Uitlier."

Quem tal diria? O ca-N-alleiro que tem um"Iveidar" (s(mdeiro) por cavallo, e que A-este

quasi andrajos por haik,? mas é que Abdallali

é senq)re entre os mouros como entre os estran-

geiros o cavalleiro por excellencia.

Abdallah cuja vida excêntrica e extrava-

gante o tem reduzido a uma pobreza com a

(piai vive contente, veste trajos grosseiros, e

monta lun ca\'allo esbranqidçado que apenas

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tíMii a iiinvca, osp;alibado, abatido c inap^ro c tal

pouto que so Iko poderiam contar iim por umos mais i)eqiieuos ossos do esqueleto se as suas

espessas criuas amarelladas o o velho trem que

o aparelha não os encobrissem.

Abdallah teve por todo o paiz uuui fama de

bom cavalloiro que ainda merece, e tido sempre

como mestre, diziam os mouros que de um máulun-ro era capaz de fazer imi boni cavallo. Ab-

dallah que era homem de boas qualidades, foi

porém arrastado por um certo numero de más

tendências que o perderam ; c tanto na sua vida

das cidades como nas suas correrias e campan-

has, Abdallah tanto a cavallo como a pé, exer-

ceu cada vez em maior escalla três modos de

vida simultâneos, sendo bobado, jogador e la-

drão—fazia iDorém estas coisas de tal maneira

que nunca a justiça o perseguira, nunca os seus

companheiros deixaram do rir desculpando o se

alguma vez o surprehendiam em qualquer de

suas costumadas acções.

Abdallah tinha já passado por uma épocha

cm que a sorte lhe correra perfeitamente a favor,

e então montava arrogante sol)ei'bos cavallos

ostentando pelas cidades a sua figm'a e as suas

galas; então dominava o vicio, agora porem, vic-

tima da sua estravagancia e das enfermidades

que ella lhe trouxera, envelhecido pelos revezes

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de uma vida turbulenta, Abdallah se achava

na sua decadência, estava mudado, pobremente

vestido, montava um animal que em género

diíferente guardava um perfeito parallelo com

a sua pessoa.

Duas coisas tiidia porém conservado inaltc-

rayeis, o caracter extravagantemente alegre e

as boas qualidades de eximio cavalleiro: po-

dendo-se até dizer que estas tocavam hoje os

seus últimos limites entliusiasmando-se na phan-

tasia, mais agora do que entào; é que agora já

não tem gallas a luzir nas cidades, sú tem espi-

rito a ostentar na phantasia ; do Abdallah ele-

gante só existe o espirito de Abdallah.

Yêde-o outra vez, tendo sido o ultimo a

sair do grupo de cavalleiros, é o primeiro a che-

gar ao pé de S. M. ao passo que os outros mais

tarde, passam dispersos a grandes distancias.

As 2)osições que toma sobre o cavallo durante

a corrida são extremamente graciosas, os seus

movimentos puramente árabes. O cavallo e o

cavalleiro no seu voo tomam a forma de umtraço animado que em ondulações difíerentes se

move com a rapidez do relâmpago.

O tiro de espingarda c disparado com arte

e tão perto d'El-Eei que a sua augusta pessoa

é toda envolvida em fumo. Ao passar, senlior,

do seu cavallo como da sua vontade, pára de

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repente e ficaudo immovel como uma estatua

recolhe cheio de enthusiasmo as pahuas e as

felicitações d'El-Eci D. Fernando.

Como uma luz que está a apagar-se as lou-

cui'as daquella tarde de gloria são por assim

dizer para Abdallah os últimos lampejos daque-

lla vida cjue ainda lhe fica, e pouco tempo de-

pois que S. M. deixara as costas da Berbéria,

Abdallah, que fazia parte de um contingente

mandado de Tanger para incorporar-se na capi-

tal, ao exercito que devia ser mandado sobre

o liiff, deu o ultimo suspiro entre Tanger e

Fez, nos braços dos seus companheiros que

apesar de guerreiros o choravam muito tempo

depois.

]N"a parte esquerda do sitio em que se acha

S. M. ha uma rampla de j^edras que conduz a

um velho castello aonde vão parar todos os ca-

valleii'os da corrida. A phanthasia continua, e

a cada momento, ora cavalleiros de Tanger, ora

de Tetuaõ, chegam atropelladamente escorre-

gando na rampla, e esbarrando nas portas do

castello; tudo é movimento, tudo enthusiasmo,

tudo fúria; ao chegar são tantas as faiscas,

é tal o estrondo, que parecem outras tantas

bombas que arrebentam.

A rivalidade entre uns e outros faz executar

a cada um d'aquelles homens sedentos de palmas

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rcaes, prodígios de ligeireza e de nio\ iiueiitos.

Xo entretanto nota- se nnia grande diíferen(;a

(>ntre os árabes da e^eolta e os da gnarni(;rio de

Tetnão. Esta eavallaria está mnito bem equi-

pada, todos os soldados vestem burnouses de

uni azul brilhante sobre suUiames braneos de

neve: os barroteis encarnados são todos novos,

a maior parte dos eavallos são bonitos porém

tem as crinas e as caudas cortadas com eguul-

dade, a corrida é \v]o7., correm muito, e correm

bem: mas o estudo preside á corrida como a:o

vestuário. Xos de Tanger é só a arte e a natu-

ralidade que operam ; lia um certo abandono no

vestuário, uma certa originalidade e desdém

nos moviment<>s, uma tal harmonia entre o ca-

valleiro e ca^allo, que apresentando o verdadeiro

typo do árabe da j)hantliasia não deixam nada

a desejar; o árabe de Tanger é o mestre da phan-

tasia, o de Tetnão é n'ella um verdadeiro recruta.

8. M. l]l-liei J). Fernando a quem o espec-

táculo tem tlgradado sobremaneira, já não occu-

pa a mesma posição c passa de uns pontos para

os outros da grande pra(;a seguido dos ca^'alhei-

ros portuguezes que o aeompaidiam, todo cober-

to de poeira que os eavallos levantam ao passar,

e misturando-se nos diíferentes grupos ora de

gente a pé oiii de eavalleiros que o rod(\im

:

surri eonstaiitejneute, e a harmonia entre a sua

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augn>;ta possua o o po\-o inonrisro e tão n/>tõria

que parece haver uma atiuidade intima entre os

sentimentos d'El-llei e todo acpielle quadro

brilhante. Com eifcito, ha naquella phantasia

um não sei que de mysterioso, relati^'0 ú nossa

historia, de fantastieo e poetieo, que não p(íde

deixar de produzir no eoraefio j)ortuguez ([\ie a

preseneeia, uma impressão profundissima. Xomeio de um povo que foi nosso festejtmdo tão

de eoraeão a api^arioão de um líei portuguez

estahcleee-se uma serie de reeoadaeíies taes que

levando-nos de seeulo a seeulo vae eomo de

pedra em pedra abrir no fundo da nossa alma

uma fonte inexgotavel de saudade.

S. 31. não somente é o primeiro eliefe da-

quella festa pehi realeza, mas é-o tauibeui pelo

sentimento—c o eoraçáo de todos aquelles cora-

ções e na enthusiastica parte (pie toma naquelle

festejo popular feito em seu obsequio parece ser

iníluenciado per alguui poder desconhecido.

Que espirito occulto estabelece aquella rela-

ção, aquella irmandade entre os portuguezes e

os árabes? será algum emissário conciliador

enviado de um seeulo de guerra a um seeulo de

paz para-sauccionar por parte d'algum génio da

antiguidade a lei de harmonia que duzentos

annos de honrosas relações elaboraram entre o

povo árabe e o portuguez V

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OUiac para a corrida—contemplae a phanta-

sia—admirao c cxamiuae todo aqucllc grande

espectáculo ;—não descubris nelle cousa alguma

que Yos chame particularmente a atenção?

Sim, por certo.

A cada intervallo depois que cada um dos

grupos de cavalleiros tem corrido, quando ummomento de silencio e de repouso vem succeder á

algazarra geral e ao estrondo dos tiros, apparece

no campo do festejo um árabe de gentil figura,

só, sem que ninguém saiba d'onde vem, nempor onde entrou na praça, com o rosto coberto

e elegantemente vestido. Corre sem que nen-

hum outro ginete ouse acompanhal-o e quemolhar bem para elle verá que executa as mais

difiiceis e escolhidas evoluções do cavalleii'o

árabe com imi desdém e com uma facilidade

que pasmam, transluzindo porém atravez do

genuino caracter mourisco que apresenta, a ele-

gância e as maneiras distinctas do cavalleiro e

do cavalheiro peninsular.

As ligeiras roupas que o envolvem adaptan-

do-se por momentos ao seu svelto talhe, deixam

ver umas formas simultaneamente delicadas e

desenvolvidas que mais parecem as de algum

illustre guerreii'o de outros tempos.

A sua posição a cavallo não tem o aspecto

caricato do habitual dos árabes e parece ser

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tain mestre na pliantasia como eximio conhece-

dor das nossas regras de equitação.

O cavallo que monta bem se pode chamar

gazella e é de umas formas, de uma cor vaga

e de uma intelligencia como melhor não tivera

o propheta.

Os arreios que o ornam são simultanea-

mente ricos e singellos sem que ninguém possa

dizer de que são. São duas entidades que vie-

ram em peregrinação não se sabe de que terras,

uma trazendo a outra.

O cavalleii'o m^^sterioso não corre com os

outros árabes de quem é companheiro sem que

elles o sejam delle.

Os seus pontos de parada são tão desconhe-

cidos como desconhecida a sua origem, a sua

personalidade, o íim para que alli viera daque-

11a maneira.

S. ]M. El-Eei e os distinctos cavalheii'os que

o acompanhavam bem o viram. Se fossemos

daquelles que ainda crcem na reapparição nestas

terras de Portugal de um priucipe proscripto que

sairá da pátria ha três séculos, quando não

quizessemos confesar que o guerreiro desconhe-

cido daquella tarde de regozijo, que nunca se

riscará da nossa memoria era o próprio Enco-

berto, pelo menos diríamos que aquelle homemque ao correr se desliza pelo ar mais do que

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passa pela t«iTa, fostojniido silcnciosanionte a

presença d'El-Eei D. Feruaudo, o svclto man-

cebo de haik transparente que espalha essências

c que faz nascer saudades, o árabe mysterioso

que apparcccndo e reappareccndo como por en-

canto cm todos os pontos da praça, faz rebombar

Q tiro sinmltaneamente sonoro e longiípio da

sua delicada espingarda nas catacumbas do sé-

culo deeimo-sexto aonde existem as cinzas de

tantos guerreiros portuguezes que morremo fa-

zendo voar para o céu da pátria illeso e imacu-

lado o estandarte das cinco chagas, essa sombra,

esse fantasma, esse homem era o espirito d'El-

Rei D. Sebastião.

Diríamos que o guerreiro temerário succes-

sor de D. João III que sairá da pátria pai*a

fazer sentii* ao povo musulmano o aroma da flor

da religião christá sem calcular que meia dúzia

de valentes era um ténue numero para limpar

primeiro a athmosfera daquella terra dos inve-

terados vicios do islamismo, o christão que se

engolfara com os seus em torrentes de árabes

fanáticos fazendo porém com que os mouros

apesar de vencedores sempre sl' ineliuassem

deante do pavilhão das quinas ; esse homemmorre mas o seu espirito fica boiando no occea-

no dos tempos sem (pie ouse abordar, de pejo

ávS terras da pátria que julga ter sacrificado,

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sendo cUe o cordeiro que so queimara eiii holo-

causto por cila. Diriamos que o espirito do

monarelia que morrera pela cruz appareeia iia-

quella liora solemne guardando o mais rigoroso

incoguito como incógnito guardava a magesta-

de que visita^'a aquella terra, para abençoar emsegredo como sacerdote venerando o consorcio

de sentimentos entre o po^'o marroquino e o

povo portugTiez representado na pessoa d'El-Kei

D. Fernando.

Xa manha do dia 24 de maio o vapor de

guerra poi-tuguez Mímlcllo fundeava fora da

barra d(j rio de Tetuão ao passo que uma grande

caAalgata se postava á porta do vice-consul

Abraliam Ilassan esperando o augusto \iajante.

—S. M. tinha decidido embarcar naquelle dia

Poucos minutos depois S. 31. El-Eei D. Fernan-

do saia fora do Mellah tomando a comitiva no

meio de toda a população que precipitadamente

saia cheia de gratidão para com o real hospede

que se dignara ^isital-a, o caminho do embar-

cadouro que se acha a légua e meia da cidade.

O segundo governador, não sendo o j)rimei-

ro como vimos luilitar, e por isso não tam com-

petente naquelle paiz, para estas ccremonias,

foi o encarregado d(» C(^mandar a cavallaria que

aecompanhara El-Rei a qual não tiului já nen-

hum soldado dos que vieram com ÍS. M. a Te-

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tuão, por liaverein regressado aos seus acampa-

meutos de Tanger.

Com tudo, uão deixarão de mostrar, até ao

sitio do embarque, que apesar de não serem os

melhores cavalleiros daquelle paiz, são sempre

os árabes da corrida de pólvora.—jNTada se pas-

sou que mereça mcncionar-se durante o tran-

sito do caminho plano e em ondulações que

conduz a Martin, sitio do embarcadouro, senão

a ceremonia do offerecimeuto do leite a metade

do caminho. Xo principio da viagem, como

vimos, os árabes tinham pedido a Deus por in-

tervenção do propheta seu intermediário, li-

vrasse a pessoa d'El-Rei D. Fernando de todo

o inconveniente, concedendo-lhe uma jornada

venturosa. Esta demonstração publica quando

os príncipes viajam é mais um uso rigoroso se-

guido naqucllas terras, que uma prescripção

do rito musulmano. Isto mesmo com as rezas

do costume, se faz entre os particulares quando

os árabes ricos ou pobres emprehendem as suas

jornadas, e não é raro ver ao sair das cidades,

musulmanos de differentes classes collocados cmalgumas proeminências ou ao pé dos rios, emoração com a face voltada para o oriente, pe-

dindo a Deus uma jornada feliz. Quando a

viagem se termina, louvores são dados por meio

de fervorosas orações dirigidas ao Creador por

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òt^

intervençjlo de Mohanicd.

Assim um "talbe" ancião c o rcligif»so'niais

venerado das circujnvi.sinhan(;as de Tetuào, ro-

deado de uma multidão de camponezes lu»m«'ns

e crean<,'a.s, appareceram |K«la parte i\s<iu('rda

do caminho e na occasião de passar S. M.El-Iiei D. Fernando, estendendo as màospara <•

monarclia, o religioso, ancião de barbas bran-

cas até íí cintura e de rosto em cuj.i modelação

parecia terem andado as mflos do próprio Crca-

dor, typo que nunca tivera por íiumIcIo nemimaginara llubens, se ificlinou juira S. M. olíc-

receudo-lhe em signal de alegria c bom agouro,

o primeiro leite de uma vaquinha sua, servido

n'uma ec?pecie de grande tigela de barro (jue

principalmente os habitantes das montanhas

usào e a que os mom'os chamào "selafa." 8. M.

El-Rei se dignou acceitar o leiti' oífereeido, e

todos os viajantes beberam da "selafa'' com

verdadeiro prazer, aquelle symbolo de felicidaile.

Martin é uma pequena povoarão á borda

do rio e cujas cazas sào em grande parte desti-

nadas a receber as mercadorias qu«' s»ígnem dv-

pois a Tetuào, scrvindi» o resto para habitação

dos seus morad«.)res (jiie com jíoiicas exet-pcoes

são todos empregados no serviço maritimo da-

quelle ponto; alli se acha a alfandega e outros

locaes em que se reúne a classe commercial dt

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GO

Tetuão que alli tem occupações, assim como as

tripulações dos pequenos navios surtos no rio.

Quando S. M. chegou a Martin a quantidade

de gente alli reunida era immensa. O com-

mandante do vapor Míndello e outros officiaes

assim como o piloto marroquino que conduzira

o vapor de Tanger a Tetuão que tinham ido

receber S. M. a meio caminho de Martin, incor-

porarão-se na real comitiva que poucos momen-

tos depois chegou ao sitio do embarque.—

O

augusto passageiro era esperado pelos escalleres

reaes de remos levantados nos quaes tremulava

brandamente a uma ligeira brisa de vento oeste

a magestosa bandeira portugueza cujo harmo-

nioso azul e branco brilhava com suavidade á

luz do sol, casando-se bem com um céu azul

povoado de vaporosas nuvensinhas brancas que

parecia ser seu modelo, e contrastando sensivel-

mente com o afogueado pertencioso dos pavil-

hões mouriscos. S. M. dignou-se entrar no

primeiro escaler, e não foi sem a mais profunda

saudade, decidida sympathia e admiração geral,

por S. M. El-Eei D. Fernando, e sem que ficas-

sem mais apertados os laços de amizade e hon-

rosa união entre os portuguezes e os habitantes

da Berbéria, que os mouros perderam de vista

o vapor de guerra portuguez Mindello.

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Algumas horas depois S. M. El-Eei D. Fer-

nando foi recebido pelo general governador e

estado maior hespanliol em grande uiforme da

praça de Ceuta, e tendo-se dignado El-Eei visi-

tar aquella cidade e suas fortificações que o dito

general teve a honra de lhe mostrar, o vapor

Mindello^ na madrugada do dia 25 tomava o

rumo de Gibraltar.

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OFFEEECDIEXTO

GRÃ-CRT7 DA TORRE ESPADA

AO EMPERADOR DE MARROCOS.

Partiu o enviado pru-tuguoz do Tanger, no

dia 3 de Junho ultimo, pelo meio-dia, tendo

por comitiva as seguintes pessoas que, da melhor

vontade, se promptiíicarani a partilhar os incon-

venientes da viagem em tão critica estação e

por pai*agens tão pouco seguras : empregados

superiores, Manuel de Jesus Colaço, na quali-

dade de immediato e primeiro intei^prete árabe,

por haver ficado o vice-consul encarregado in-

terinamente do consulado geral ; Júlio Eey Co-

laço, na de Secretario. Inferiores : Haim Ben-

delak, interprete ordinário e Sid-El-Arbi El

Xedjar, escrivão árabe; além d'estes, um alkaide

de cento com a competente escolta, criados e

almocreves, formando a caravana umas quarenta

pessoas. Coincidência singular; no dia 3 de

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Junho de 1793, o cônsul Geral de Portugal,

Jorge Pedro Colaço, saia de Tanger para a

corte de Fez, no desempeulio de uma missão

do Eei Pidelissimo junto do Sultão Muley-

Solimão.

Como então, o hacM governador de Tanger,

ao constar-lhe esta partida, saiu ao encontro do

representante portuguez com uma guarda de

honra, ate que, cedendo ás instancias d'este

enviado, despediu-se, recommendando ao refe-

rido aikaide todo o cuidado com a comitiva por-

tugueza. De Tanger a Mequinez gastaram-se

seis dias distribuídos pelos seguintes pontos in-

termédios, onde se pernoitou: Garbia, Tleta

de Eaissana, Alkassar-Kebii', Ben-Auda, Hab-

bassi e Ben Eshliah.

Ao chegar o trem da embaixada a todos

estes pontos, ordinariamente de tarde, estabe-

lecia-se o acampamento, no meio do qual era

arvorada a bandeira portugueza. Em Alcassar,

juntou-se ao representante portuguez, o nosso

vice-consul em Larache Yictor José de Sousa,

que sollicitamente o acompanhou na qualidade

de medico, expondo-se como os mais emprega-

dos, aos incommodos e riscos de uma viagem

que, tanto para elle medico como para alguns

criados e soldados, teve o mau resultado de-lhes

produzir febres. Quanto a esta jornada de ida,

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65

não levando em couta uma rixa que teve logar

em Alkassar, onde a comitiva chegou em dia

de grande ajuntamento, por haveir feira, entre

os almocreves da embaixada e alguns montan-

heh^os árabes, que pagaram cara a tentativa, a

circumstancia desagradável que convém registar,

é o calor abrasador que suffocava os viajantes

augmentado na volta, juntamente com a es-

casses de agua potável, sobre tudo nas planícies

de Scberarda, onde por necessidade a bebiam

de rios revoltos e quentes. Quanto ao mais,

foram os portuguezes muito bem tratados pelos

governadores dos ditos pontos do itinerário, os

quaes, logo que chegava a nossa embaixada,

fomeciam-lhe por ordem do sultão os melhores

manjares que podiam cosinhar, e os productos

mais escolhidos que possuíam, causando admi-

ração encontrar em legares onde os homens teem

a apparencia e os costumes de salvagens, ricas

bandejas de prata pittorescamente la\Tadas,

contendo bellissima loiça da china, nas quaes

eram o representante portuguez e sua comitiva

servidos de chá superior e finas conJitui"as comessência de rosa que não invejariam as de Cons-

tantinopla,

O memorável Wad-El-Mehkasen (rio das

aguas podres,) assim chamado pelo estado horri-

pilante e fétido em que ficou depois da batalha

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66

de Alcassar-Kobir, foi passado pelas 6 horas

da manhã do dia 5 de Junho, duas horas antes

de chegar a Alcassar, o aqui cabe dizer que, ao

pisar o representante os ondulantes campos onde

se dera a infeliz batalha, ao contemplar aquella

vasta arena, onde por uma temeridade infantil

e crenças prematuras se eclipsaram as antigas

glorias da pátria; aquelles cami^os onde as se-

menteiras parecem nascer tremulas, e onde as

aves matutinas, deixando o bosque immediato

ao nascer do sol apparentam vii* chorar em trina-

dos melancólicos o sangue derramado dos nossos

guerreiros; ao engolfar a vista por aquelles

horizontes amarellos por onde appareceram as le-

giões dos combatentes luzitanos, o representante

de S. M. F. em cujo peito bate um coração por-

tuguez, não pôde menos que sentir-se possuido

d'um horrível estremecimento e d'uma melan-

colia indescriptivel misturada, forçoso é con-

fcssal-o, de sentimentos patrióticos^ cuja de-

monstração não vem para o caso.

X'aquelle mesmo dia, pelas seis horas da

tarde foi atravessado o rio Luceus dos Eomanos.

No dia 8, sobre as 5 também da tarde, passou

a embaixada era grosseiras lanchas o majestoso

Sebú.

Ao partir a embaixada do ultimo ponto, Che-

rarda, onde terminam aqucUas vastas planícies

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para subir as montanhas que conduzem a Me-

quinez, o Alkaide Ben-Eshliah da Kabila emque se pernoitou, poz á disposição do represen-

tante portuguez uma força respeitável de caval-

laria, pois a grande tribu de Gueruan, visinha

da dita capital se acha quasi sempre hostil ao

governo vigente, e è composta de fanáticos in-

sofíriveis; estes mouros atropelaram ultimamente

uma caravana enviada pelo Eei, ao passar por

aquelles mesmos sitios, e quatro dos mais com-

plicados nos crimes resultantes, foram execu-

tados em Mequinez, e as cabeças espetadas emcompridos páos, e collocadas ás portas da cidade

para exemplo.

A partida do aduar de Ben-Eshliah teve

logar pelas 5 horas da madrugada, do dia 9 de

Junho, sob a tibia claridade da minguante lua

;

o caminho que a embaixada tomou era esca-

broso, a cavallaria escoltava o representante

portuguez com as armas preparadas, e os guerri-

lheiros de Gueruan, que divagavam com as suas

compridas espingardas, alguns meios nus e com

cavallos sem freios, por entre as rochas e o em-

maranhado da montanha, apercebendo rapida-

mente os christãos, os encaravam estupefactos

;

porque os nazarenos são para elles, entes de

summa raridade, e objeto do mais encarniçado

odio.

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Depois (lo quatro horas Jc rnaroha, c oocii-

pando-se uni lindo recinto formado por gra-

ciosos nioiiticulos, foi encontrado uni numeroso

acampamento de cavallaria, que o Sultão havia

mandado estabelecer alli, para conter os imper-

tinentes caprichos da Kabila d(i Gueruan, o

obviar á passagem dos viandantes. Alli, a pe-

dido do enviado portuguez, teve logar umagraça feita pelo alkaide do acampamento, a uminfeliz mouro, que coberto de farrapos e acom-

panhando o ligeiro passo da cavallaria, vinha

desde muitas léguas chegado ao cônsul, sollici-

tando a sua intervenção junto do dito alkaide,

de cuja authoridade dependia por haver ficado

miserável, em virtude de uns trigos que lhe

haviaíii extorquido.

O cônsul agradeceu a boa justiça do alkaide

e, recebendo as benções do filho da miséria,

proseguiu a sua marcha.

O referido alkaide commaiidante do acam-

pamento, ofPereceu logo á embaixada uma força

de cavallaria a qual, substituindo a que se levava

da ultima etapa, accompanhou os viajantes até

á cidade de Mequinez.

A chegada a esta capital do Império teve

logar pelas 11 horas do referido dia. Era sexta

feira, dia sanctificado dos musulmanos, e a corte,

segundo os últimos avisos, só contava com a

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chegada da embaixada, oii na tarde d'aquclle

dia ou no immediato pela mauliã. Os viajantes^

porém, haviam accclcrado a marcha, porque

segundo a opinião dos próprios árabes, não era

prudente fazer nenhum alto na tribu de Gue-

ruan, e em segundo logar interessava não per-

manecer por mais tempo, aos raios do um sol

abrasador. A dita hora estavam por tanto as

portas da cidade fechadas, porque segundo a

praxe religiosa dos mouros, assim se pratica,

qiiando o monarcha e os mais fieis vão orar ás

mesquitas.

Soube porem S. 31., que o representante

portugucz se aproximava da capital, e apesar

de se achar a corte entregue ao sauctoexer cicio

do dia, que por motivo algum deve inteiTom-

per-se, ordenou o Sultão que immediatamente

fossem abertas as portas de Mequinez, e que umnumeroso corpo de cavallaria negTa dos Bok-

haris, saisse a galope ao encontro da embaixa-

da, commandada por um dos primeiros alkaides

da corte em ricos atavios.

Eífectivamente a embaixada foi recebida por

essa força, e pouco depois veio á procura do

enviado portugucz, acompanhado de muita in-

fanteria, o bacliá governador de Mequinez, cuja

authoridade largou precipitadamente a sua missa

para ir receber e cumprimentar eu nome do

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Sultão o representante portiiguez, repetindo emvoz alta em meio d'um gentio immenso o sig-

nificativo "Marhba bikum" "miats Marhba

bilvum.—^bem vindo, cem vezes bem vindo.

Em seguida o próprio bacliá conduziu a

comitiva á casa que o Sultão lhe destinara, á

porta da qual foi postada uma guarda de infan-

teria commandada por dois alkaides, tendo sido

os aposentos preparados ao estylo mourisco, comricas alcatifas das melhores fabricas do Império,

colchões de seda e damasco pittorescamente or-

namentados, alampadas e flores; o que jun-

tamente com os arabescos das ogivadas portas

e com as phantasticas letras que compunham

os versetos do Alcorão esculpidos nas muralhas,

faziam um todo extremamente agradável.

N'aquella residência desde o primeiro até

ao ultimo dia que a embaixada esteve em Me-quinez, foram-lhe diariamente enviados pelo go-

verno marroquino as seguintes provisões : pão,

carne, carneiro, gallinhas, ovos, pombos, legu-

mes, hortaliças, frutas, chá, .café, assucar e

velas—tudo em tanta abundância, na conformi-

dade dos sentimentos hospitaleiros do Sultão,

que havia não só para toda a comitiva, mas até

]3ara profusamente distribuir pelos pobres,

fornecimentos gratuitos que trazen origem da

antiga hospitalidade com que se acolhiam os

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viandantes nos povos de Ismael e a que os mou-

ros dão collectivamente o nome de "muna."

Esta "muna" nos pontos do caminho que

a embaixada havia percorrido, e exceptuando a

dos governadores de provincia, que também era

importante, não podia ser, em rasâo á pobresa

dos legares, nem tam abundante, nem tum va-

riada como na corte.

O bachá governador, tendo saido do referido

edificio depois de deixar n'elle instalados os via-

jantes, tomou a apresentar-se ao representante

portuguez para o cumprimentar de novo emnome do Imperador e por essa occasião asseverou

que tinha Sua Magestade um sentimento que

era o de não haver recebido o enviado de

Sua Magestade Fidelissima debaixo dos estan-

dartes musulmanos, e com outras demonstrações

da verdadeira predilexão que dedica á nação

portugueza, o que não teve logar pela anticipa-

ção com que a entrada da comitiva se effectua-

ra e a pressa com que n'aquelle dia sanctiíicado

deixaram o templo para ir receber o represen-

tante de Portugal, assegurando o bachá com

voz alta e fiime que o Sultão nos olha e nos

estima como nação alliada das mais antigas e

queridas.

O bachá tornou o repetir en nome do Eei

bem vindo, cem vezes bem vindo—isto se pas-

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sou no clía nove cm quo também foi o cônsul

visitiido por outros magnates.

Xo dia 11 teve o enviado portuguez a pri-

meira entrevista com o ministro do Sultão, cha-

mado Sid-Tliaieb-Beliamani, vulgo Bu-òclierin,

homem de nus sessenta annos de cdadc, assaz

pálido, bem parecido, de olhos vivíssimos c ma-

neiras agradáveis, e mostrando ser muito in-

telligente.

Xcssa entrevista nao achou o cônsul oppor-

tuno commnnicar-lhe o objecto da sua com-

misSíão porque S. E. estava rodeado de paren-

tes e grandes da corte, mimoseando o dito côn-

sul com o aromático chá, que costumam offe-

recer aos amigos. Xo dia immediato, 12, nmaluzida escolta de cavallaria veio procurar o re-

presentante e comitiva á sua residência, para

os obsequiar com um di^'ertido passeio pelos

sitios mais pittorcscos dos arrabaldes, e n'esta

digressão foi visitado o acampamento das tro-

pas regulares do imperador, que, se bem deixam

muito a desejar, no que respeita á disciplina

militar e equipamentos comparativamente com

os corpos de Europa, com tudo manifestam a

tendência, que hoje existe no centro do império,

graças ao bom espirito de que se acha animado

o Sultão, para a organisação do sou exercito,

^'cstc empenho lucta com o dualismo ; os velhos

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alkaidcs d'um lado optando pelo antigo s^^stoma,

c os officiaes modernos pela reforma.

O dia 14 foi o destinado pelo Sultão para

a audiência publica, que concedeu ao enviado

portuguez, e interessava por tanto explicar ao

primeiro ministro quanto antes o objecto d'uma

commissão nunca vista em ^larrocos, isto é a

dadiva d'uma condecoração ao Sultão d'este

império, e que a entrega da competente Carta

regia ou Diploma devia ter logar conjuncta-

mente com as insígnias da Torre Espada, que

era a condecoração a oíferecer em nome do Eei

de Portugul, na occasião solemne da referida

audiência.

Por incommodos, porem, do referido minis-

tro, só houve a noite do dia 13, véspera da en-

trevista, para esta difficil tarefa, a qual teve o

êxito que o enviado portuguez desejava, sendo

perfeitamente acolhida a explicação pelo pri-

meiro minihjtro Sid-Tliaieb-Beliamani, o qual

ficou simultaneamente satisfeito e pensativo.

Uma conversa animada sobre condecorações se-

guiu-se entre o cônsul o o ministro, finda a

qual apertou este a mão d'aquelle pronun-

ciando com emphase as palavras :

'

"Sim amigo, o Sultão receberá com agrado

o Xichan (condecoração), c na sua entrega ob-

servaremos a vossa regra."

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74

Se este primeiro resultado foi desde logo

honroso para a naçcão que se arrojou a enviar

uma condecoração ao Imperador de Marrocos,

aos antecessores do qual nem sequer se podia

fazer menção de similhante objecto, lionrosis-

simo foi o que se deu na manhã immediata, e

que vamos referii' em seguida.

As 8 horas da manhã do dia 14 de Junho,

tendo-se o enviado portuguez munido cuidado-

samente do diploma acima referido e da caixa

contendo as insignias da Grã Cruz da Torre

Espada, achando-se de imiforme assim como

os empregados que o acompanhavam, apresen-

tou-se na sua residência ricamente trajado o

Kalifa do Ivaid Mesuar do Sultão, isto é, o se-

gundo introductor de Embaixadores, para, na

forma do estylo, conduzir o representante por-

tuguez e sua comitiva á presença do seu sobe-

rano com a competente guarda de honra. Mon-

tando todos a cavallo, precedidos e seguidos de

soldados negros da casa imperial, bem como da

escolta de Tanger, emprehendeu a embaixada

a marcha em cavallos da casa real para esse fim

enviados pelo imperador. Ajuntou-se pelas

ruas do transito muito povo que acudia levado

da curiosidade, saindo d'entre a multidão as

seguintes palavras : " este é amigo do Eei" etc.

As avenidas do palácio imperial estavam

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cobertas de tropas, qne á passagem da comitiva

fomavam alns d'uni e d'oTitro lado honrando o

represeutante de S. M, I". com coutiiiencias

militares.

Essas tropas, com parte das que guarneciam

a praça da recepção, constituiam una divisão de

oito mil homens aproximadamente e eram das

regulares que o Sultão organiza em Mequinez,

Fez, Marrocos e outras cidades centraes.

Seguidamente chegou a comitiva a uma es-

espaçosa praça ou esplanada, vendo na frente

uma alta muralha, interrompida no centro por

um grande pórtico ogivado, ao estylo mourisco,

e á distancia d'ums vinte metros outro pórtico

da mesma forma, mas de menores dismensoes,

levantando-se majestosamente pela parti3 do

dentro d'essa muralha os minaretes e cúpulas do

palácio imperial.

Do lado opposto havia torrasses, cheios prin-

cipalmente de mulheres mouras com as caras

cobertas e envolvidas em roupas brancas.

A immensa esplanada estava igualmente

guarnecida de tropas; somente aqui, como era

o ponto de reunião entre o representante iK)r-

tuguez e o Sultão, havia também grande numero

de tropas indigenas ou irregulares das comman-dadas pelo bachá de Mequinez e outros velhos

alkaides do Império, governadores, e cherifes,

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os quaes formavam, á frente das suas legiões,

grupos distinctos, que offereciam um interes-

sante apparato.

N'este momento, aproximando-se ao cônsul

o bachá de Mequinez, disse este com contenta-

mento para os outros grandes raahometanos,

que se chegavam a cumprimentar o represen-

tante de S. M. F. "Fui eu o primeiro mouro

com quem o embaixador portuguez fallou ao

entrar em Mequinez "

Precisamente no centro desse largo assim

occupado por milhares de soldados e especta-

dores, tomou posição o cônsul e comitiva para

esperar o Sultão seguindo-se alguns momentos

de pausa.

O Imperador de Marrocos não tardou emapparecer singelamente trajado com ligeiras ves-

tes brancas, apanhadas no ineio do corpo por

um rico cinturão azul e cavalgando um soberbo

ginete, com arreios de prata. S. M. vinha acom-

panhado do Kaid-Meshuar—isto é, introductor

de Embaixadores, pelos seus ministros e grandes

da corte a pé—os quaes ficaram a alguma dis-

tancia, figurando no séquito os cavallos de res-

peito, lindamente ajaezados e trazidos á mão,

bem como uma carruagem de cor azul e orna-

mentos de oiro, puchada por um só cavallo

igualmente trazido pela rédea jimto dos primei-

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ros, os quaes foram collocados em semicii'culo á

direita do Sultão. A este tempo S. M. que se

havia adiantado a cavallo, achava-se junto do

enviado portuguez, que pela sua parte se havia

dirigido ao encontro do Sultão. Este soberano

dirigiu-lhe então as mais afíaveis expessões allu-

sivas á sincera e antiga amisade que liga os

dois povos portuguez e marroquino, e cabendo

ao cônsul responder-lhe, cumpriu a sua com-

missão saudando a S. M. e manifestando-lhe

com phrases apropriadas, os sentimentos de re-

ciprocidade que animam a El-Eei de Portugal,

para com o seu amigo o imperador de Marrocos;

tudo segando as instracções que o cônsul le-

vava do governo portuguez.—Ao mesmo tempo,

em presença do estado maior do Sultão, das tro-

pas e do numeroso e brilhante concurso alli

reunido, verificou o enviado de S. M. F. a entre-

ga solemne da grão Cruz da antiga e muito

nobre ordem militar portugueza da Torre Es-

pada do valor. Lealdade e Mérito, que o Impe-

rador de Marrocos aceitou com summo agrado e

satisfação, alargando fora do seu costume os

próprios braços para receber o diploma e as in-

sígnias da ordem.—Estes objectos foram depois

depositados nas mãos do Kaid-Meshuar para

serem condusidos ao interior do real palácio, e

assim ficou introduzida no Império de Marrocos

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a primeira couticcoração, que o seu soberano

recebe de um mouarclia estrangeiro para honra

da na(;ào portugueza ú iniciativa da qual se deve

por este facto um grande passo para a civilisa-

(,*ào do mesmo Império.

8ua Magestade por essa occasião pergun-

tou ao representante de Portugal, se tinlia sido

bem tratado pelos governadores de província,

e aecrescentou cora verdadeiro contentamento

"Miats, Alef marlibabek"—cem vezes, mil vezes

bem vindo.—Finda esta importante, quanto rara

ceremonia, que foi presenciada com profimdo

silencio e admii*açã.o pelos espectadores, e depois

de apresentados os addidos á embaixada, reti-

rou- se S. M. ao som da musica militar, que liavia

acompanhado todo este acto. O enviado Por-

tugnez, sendo cumprimentado pelos officiaes su-

periores, montou a cavallo com a sua comitiva,

sendo conduzidos por entre as tropas c o povo

á respectiva residência, do mesmo modo que

liam aquelle logar haviam ido.

Xeste regresso, a multidão acudia ainda

mais do que á ida, saindo repetidas vezes d'entre

as massas as seguintes palavras:—"o Hei é

amigo d'este clnistão, bem vindo seja, bem vin-

do o amigo do liei" Cabe aqui dizer, que foi

esta occasiào propicia para o oíferecimento, nun-

ca até aqui tentado, de uma condecora(;ão ao im-

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pcrador de Marrocos, pois n'esta viagem do

consiil a Meqiiinez, não somente este viu coito-

boradas as suas suj)posições sobre o actual sultão

não ser afíerrado, como os seus antepassados,

ao fanatismo que infelizmente a.inda domina no

seu Império, mas que este mesmo soberano

pensa em instituir uma ordem subjeita á forma

do sol.

Xa tarde d'esse dia houve novo passeio a

cavallo com brilhante escolta, e por disposição

de S. M. no seguinte dia, o magnate Sid-Ab-

dallah, encarregado pelo Sultão da dii'ecção e

provimento das tropas, oífereceu ao enviado

portuguez um lauto jantar, onde se achavam o

grande Sherif Ediis, parente do antigo Eei

Muley Soleiman, outros magnates do império

c o coronel Krudja, orimido de Tunez, instruc-

tor d'um corpo de tropas.

Is o dia 17 obsequiou S. M. o representante

portuguez, fazendo-o percorrer com um luzido

acompanhamento os seus bellos jardins d'Agdal,

onde o gracioso con-er das gazellas forma cmioso

contraste com os pesados movimentos do aves-

tiiiz.

A noite o primeiro ministro, Sid-Thaieb-

Eeliamani ofíereceu ao cônsul uma esplendida

ceia profusamente servida por soldados negros,

n'um lindo jardim de estylo verdadeiramente

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oriental, cheio de fontes, arabescos e flores; e

por essa occasião combinou o representante de

Portugal com o primeiro ministro, e apresenta-

ção de despedida ao Sultão.

Efíectivamente na manhã do dia 18, tendo

sido conduzido á presença do dito soberano comas mesmas formalidades da primeira audiência,

S. M. recebeu-o com igual, senão maior afabili-

dade, repetindo os seus desejos de conservar e

estreitar cada vez mais com S. M. el Eei de Por-

tugal, as boas relações que tanto amaram seus

avós e que ligam ambos os povos.

A apresentação n'esse dia teve logar na

quinta regia d'Agdal, e tanto na ida como na

volta, as tropas regulares do Sultão, postadas

em pelotões pelo caminlio que seguia a comitiva,

executavam differentes evoluções; alem d'isto

o grande largo das guardas que precede a dita

quinta estava coberto de tropas irregulares, as

quaes se achavam assentadas com as armas no

chão, levantando-se em continência á passagem

do representante de Portugal.

Havendo este regressado penhorado das

maneiras do Imperador á sua residência, e sendo

meio-dia, enviou-lhe S. M. de presente um for-

moso cavallo, ricamente ajaezado, acompanhado

de um grande official da corte, do primeiro

alkaide das reaes cavallariças e de uma guarda

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de honra. O dito alkaide apresentou-Ihe mais

uma espingarda mourisca, e a cada ura dos em-

pregados uma espada, cabendo aqui dizer, que

o dito cavallo e arreios correspondentes, é a mel-

hor coisa que o Sultão tem dado aos represen-

tantes christãos que o tem ido visitar. E assim

havia de acontecer, pois não foi o animal escol-

hido por nenhum alkaide, como geralmente tem

logar, senão pelo próprio Sultão, dando ao re-

presentante portuguez o mesmo cavallo com que

o governador da província de shauia presenteou

o Sultão, por accasiào da ultima visita de S. M.

á cidade de Eabat. O Eei tinha este cavallo

em muita estimação, e alguns dos seus parentes

lh'o haviam pedido em troca de outros objectos

de grande valor; mas o Sultão nunca quiz ce-

del-o nem prestal-o para montar, fazendo uso do

animal alternando com outros, para ir nas sex-

tas-feiras á mesquita, até que chegando o cônsul

portuguez Ih'o ofíereceu como prova inequívoca

de predilecção. íí''esse dia foi o enviado por-

tuguez mui cumprimentado pelo modo excepcio-

nalmente benévolo como o Sultão o havia acol-

hido, e a cada um dos creados do cônsul coube

o donativo de um bom vestuário.

A 20 fez o representante portuguez suas

ultimas despedidas aos magnates, que o haviam

obsequiado, distribuindo pelos empregados e

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creados da corte ao seu serviço as gratificações

do estylo, o tendo tudo pronipto para jnntir, o

Ministro í^id-]Muí?sa, particular amigo e confi-

dente do Imperador desde a juventude desse

monarclia. por disposição do seu amo e desejo

próprio, preparou ao cônsul portuguez um agra-

dável festim nocturno, acompanhado de musica.

A bella residência em que este convite teve logar,

achava-sc illuminada com alampadas mouriscas,

e á par que o serviço da ceia era executado por

alkaides e que o ministro Sid-Mussa com o gran-

de Sherif-El-Bakkali obsequiavão os seus hospe-

des de todos os modos que podiam, o som interes-

sante e poético das musicas árabes que tocavam

á entrada do salão, tornavam cada vez mais

agradável aque lia festa de consideração e ami-

sade.

Sid-Mussa, ao obsequiar assim o represen-

tante de Portugal, obrava, não só para satisfazer

á vontade do Eei, mas também pela estima que

os seus antepassados sempre entretiveram comos do cônsul, sendo certo, que esse ministro

não constuma obsequiar os christãos que vão

á corte, cuja incumbência pertence aBeliamani.

No dia immediato, 21, partiu a embaixada

de Mequinez sendo acompanhada pelo bachá go-

vernador e a sua tropa até algumas milhas de

distancia onde agradccendo-lhc o cônsul atten-

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33

ção, rogou-llic que se retirasse. Mais adiante

o Allíaide Achaeh thesoiireiro da casa real veiu

imniediatamente cumprimentar o representante,

e ao mesmo tempo insistiu em que o medico por-

tuguez da embaixada aceitasse uma finesa que

em remuneração dos medicamentos por elle sub-

ministrados na corte lhe enviava o Imperador.

Debalde se tentou recusar esta offerta; o refe-

rido alkaide tinha ordens terminantes para não

a levar de volta, e aqui terminaram os agra-

dáveis dias de Mequines; mas como para neu-

tralisar os seus bons efíeitos, calores e fadi-

gas de maior grau ainda que as primeiras, .aguar-

davam os viajantes n'esta jornada de regresso

na qual a alguns individues da caravana sobre-

vieram doenças.

Esse j)rimeiro dia foi preciso passal'o emmarcha sob os raios d'um sol equatorial para

poder transpor, ainda de dia, as perigosas mon-

tanhas da fanática kabila de Gueruan que o Sul-

tão trata de submetter em occasião op23ortuna; e

como por disposição do governo mouro, foi de-

terminado que . se costeassem quanto possível

aquelles terrenos para se afastarem os viajantes

do centro, passou a comitiva a curta distancia

de Mulay-Edris-1-garhora sanctuario do funda-

dor de Fez, e foi sempre o cônsul escoltado por

cavallaria que, conforme se avançava, ia-se ren-

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(Itnido no raiiunhõ ato chegar a comitiva áspla-

uieies de Sherarda e ao logar do alkaide já no-

meado Ben-Esliliali. As tribiis de Slierarda não

são das mais paeiticas do Império e amam a

guerra eom as eirciimvizinhas, oude também se

aeham os Beni-Hassen por onde depois passou

a eiid)aixada.

JNiiido de parte a narrativa de pequenos

incidentes de viagem por ociosos, não deixa-

remos poriam de notar um acontecimento que

podia não somente ter eclypsado o bom êxito de

tão lionrosa eommissão, mas ser a origem do

massacre de toda a caravana.

Pelas três iKnas da madrugada do dia 22,

deixamos Ben-Eshliah, cujo alkaide nos for-

neceu \mvà força de cavallaria para nos acom-

panliar até o governo de El-Habbassi, da pro-

Yun-.ia do Garb; e como a jornada era longa, tal

vez mais do que a anterior, nos convinha cortar

o rio Sebu a tempo de chegar, ainda de dia, ao

dito governo.

A intensidade do calor que se sentia n'essa

interminável e Hamejante planicie era incon-

cebivel, e muito sentiu o cônsul não tercomsigo

um thermometro para fixar o grau do intenso

fogo que por todos os lados devorava os viajan-

tes. Chegaram estes ás margens do Sebu quan-

do o sol estava ]7er]3endicular, é |ydssaram vaga-

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so

rosaracnte aqiiellc rio nas suas pesadas lauchas.

Esta passagem foi assaz demorada, port^iie al-

guns animaes extenuados de cansaço, nào que-

riam saltar para dentro das lanchas, e foi mis-

ter suspendel-os. Ao ganhar em fim a margemopposta, martyrisados os viajantes pelo calor,

o seu primeiro objeto foi procvu-ar com a vista

coisa que se parecesse com uma arvore, e nào

esperando que o grosso das escoltas, ainda a

passar o rio, os acompanhasse, partirão a galope

em direcção de três ermas figueiras que entre

os vapores das terras descubriram, e a cuja

escassa sombra se abrigaram. O chão estava

cheio de herva comprida e secea, por viúvv a

qual saltavam e esvoaçavam milhares de insectos

diversos, e a não muita distancia começavam os

trigos, defficientes este anuo, dos muitos aduarcs

espalhados por aquellas planicies. A debilidade

dos viajantes era extrema, pois nenhum ali-

mento haviam tomado em todo o dia, por haver

ficado o trem das bagagens, segundo o costume,

a grande distancia na retaguarda, rrgiuíh» ]»or

tanto preparar alguma comida da ([uese h;\a\a

de prevenção, por fazer, ordenou o cônsul qur

SC accendesse lume, O estado i)orem de torpor

era que infelizmente se achava o fadigado ser-

vente d'isso incumbido, junto com a violência

do vento quente que soprai a pelo lado d*» occi-

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SQ

dente, fez com que o lume se' transformasse

instantaneamente em lavareda, e corresse pelo

campo dando repetidos estalos na direcção dos

trigos, com uma rapidez incrível, sendo inúteis

quantos esforços fizeram os yiajantes para a^^a-

gal-o.

A vista das cliammas alarmou as gentes

semi-selvagens d'aquellas paragens; e á chamada

d'um chefe árabe alli attrahido, o qual, de pé en-

cima da sua cavalgadura acenava com o seu bor-

noz branco á roda da cabeça e despedia hor-

rivelmente o grito de guerra que entre aquelles

povos, usão, centenares de mouros appareceram

em breves instantes em grande parte quasi nus,

uns a cavallo, outros, a pé, de todas as idades'

e

de ambos os sexos, armados de tudo quanto o mo-

mento lhes havia proporcionado, coiTcndo emnossa direcção, e cahindo sobre as lavaredas compasmoso furor e anciedade. Immediatamente

estabeieceram-se em duas columnas de apaga-^

dores, uma encarregada de arrancar as liervas e

mattas a grande distancia das chamas; outra

dando n'estas incessantes golpes com espadas,

paus, ramos das figueiras, e quanto tinham á

mão : as mulheres pelo seu lado chorando amar-

gamente diziam que os christãos lhes haviam

arruinado todo o pão do anuo. ''

N'esta faina foram enqjregados os soldados

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e mais gentes da embaixada ; e apesar de que os

alkaides, pela responsabilidade qne para com o

enviado portn.gues lhes cabia, convidaram este a

deixar aqnelle sitio onde o gentio embrutecido

qne para elle corria era já immenso, nem tal

conselho podia seguir-se sem fazer crer áquelles

fanáticos que o fogo houvesse sido ateado de

propósito, nem era airoso abandonar o logar do

perigo quando, embora involuntariamente, era

a embaixada a causa daquelle desagradável in-

cidente. O fogo h'aquelles momentos fazia re-

cordar esses grandes incêndios que devastam

por vezes as savanas da America fazendo fugir

de terror até os animaes ferozes. Deliberamos

pois auxiliar quanto possivel a extinção do fogo

que felizmente, depois de atui'ado trabalho, quiz

a providencia que fosse vencido antes mesmode cheirar aos triç^os e ás barracas dos mom-os,

sem uma só gotta de agua e unicamente á força

de pancadas. K'este feliz momento romperam

as turbas no sou omphatico "el hamdu-lillali"

isto (3, louvado seja Deusl

A esse tempo, uma multidão immensa de

Bemi-salvagens rodeava os christãos; mas diri-

gindo o mencionado chefe a palavra ao cônsul,

dissedhe que não tivesse cuidado, que elle era

considerado como irmão, e que se ás forças que

levava quizesse juntar alguns dos seus, estavam

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ss

promptos para o seguirem.

O quadro era expressivo, depois do pânico

produzido pelo fogo.

Findo este incidente, que tão tristes resultados

poderia liaver tido, caso de que os embrutecidos

fanáticos vissem arder os trigos do seu sustento,

e as cabanas de pelles de animaes cm que vivem

n'aquellas planicies, o cônsul agradeceu ao dito

chefe, sem aceitar, a offerta que lhe havia feito,

e proseguiu com a sua comitiva a marcha para

o sitio do governador Habbassi, aonde che-

garam quasi á noite, muito cançados, e na maior

debilidade.

Só algumas horas depois da chegada dos

viajantes, é que a esses pontos de etapa chegava

o trem das bagagens e mais utensílios, pois,

para adiantar caminho, não se podia esperar de

manha que se levantasse o acampamento onde

se pernoitava, e, por via de regra, partiam sem-

pre os viajantes muito adiante do referido trem.

Xo logar do governador El-Habbassi termi-

naram, por assim dizer, os tormentos da viagem,

pois se bem o calor era sempre intenso, as jor-

nadas, pelo seu lado, eram mais curtas e seguras,

encontrando-se também, de dia para dia, mais

arvoredo e melhor agua.

D'este modo, e tendo-se distinguido entre

os governadores de provincia o bachá Ben-Ouda

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pela pompa com que tratou o representante por-

tuguez, chegou este á Garbia pelas 6 horas da

tarde do dia 26 de Junho, e quasi á mesma hora

do dia seguinte á cidade de Tanger, onde foi

recebido pelas authoridadea. Logo depois de

regressar, foi cumprimentado pelo bachá gover-

nador da cidade o provincia, e por todo o corpo

diplomático e consular.

Só no logar chamado ''Telata-de-Baissana,"

n^este ultimo trecho desde El-Habassi a Tanger,

no dia anterior á chegada á Garbia, foi preciso

durante a noite, ficar todo o acampamento acor-

dado e de armas na mão, pois sabia-se que varias

partidas de salteadores se achavam dissemina-

das pelos sitios de Escuicherruas, Gebel-Habib

e outros, costumando ser Telata-de-Raissana o

seu ponto de reunião, principalmente á noite.

Não passaremos em claro que desde El-Hab-

bassi a Tanger n'esta viagem de volta e ao

deixar Alcácer Kebir, não pode resistir o cônsul

ao desejo de visitar as duas pontes ainda exis-

tentes se bem que em condições diversas, sobre o

rio Mehkazen no campo da memorável batalha.

Assim, logo que o representante portuguez che-

gou a estes sitios, em logar de seguir o caminho

de S. O. a N. E., que levava a co9iitiva, e en-

carando a formosa posição que ao principio da

batalha havia occupado o exercito portuguez,

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'90

desvioií-se da estrada e dii'igin-se a galope se-

guido de iim soldado de cavallaria para a reiu*

trança que do lado direito forma o curso . ondu-

latório do rio. Alli a vegetação que orna ús

suas margens, sendo espessa^ occulta aos que

passam pelo dito caminho, avista das históricas

pontes. Chegado o cônsul á primeira d'estas,

encontrou-a perfeitamente solida passando-a e

tornando-a a passar. Xão denota ella o me-

nor indicio de querer abalar por lado algum, au^

tes parece modelo perpetuo de boa construoção.;

somente o tempo llie tem por partes acinzen-

tado, por partes amarellado a cor; as teiTas ac-

cumulando-se sobre seus arcos de um e outix) ex-

tremo, a tem como que abraçada, reverdecendo

por entre as fendas do seu empedernido material

algumas pálidas raminhas que apropriadamente

a matizam. Alem d'isso uma frondosa figueira,

erguendo-se conchegada por uma das paredes

do centro, faz cahir as suas entrelaçadas ramas

para o meio da ponte, produzindo uma agradá-

vel sombra.

De longe affigura-se este exilado montimen-

to como um saudoso jazigo.

Da segmida ponte só resta um torrado frag-

mento em fornia de pálpebra martyrisada por

alguma dor. Por entre ambas as pontes, as aguas

hoje límpidas, do Mehkazen, movem-sc tacitur-

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Dl

nas iuteiToupendo a tranquillidade das margens

com lastimosos murmúrios.

Dir-se-hia que as lagrimas da pátria correm

alli sempre carpindo a malfadada sorte de Se-

bastião, n'aquelle cemitério, onde ficaram enter-

radas as antigas glorias de Portugal. E qual

foi o caminho que El-Rei tomou quando engol-

fado na mauritana chusma, assegurava que a

dignadade real havia de perder-se com a vida ?

Iria na direcção que Luiz de Brito segundo

alguns historiadores, referia sem que neiihura

sarraceno lhe desse alcance ?

Julgamos que não, e pensamos antes, que

desde aquelles campos seguiu um caminho sem

que nenhum mortal o acompanhasse ao remon-

tar o seu voo, porque foi para o ceu.

—&^>âH?^5Ê^^íêO^—

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Do oíícrccimeuto da Grã Cruz da Torre c

Espada ao Im^ícrador Mulcy Mohainmed que

deixamos uarrado, occupou-se a acreditada folha

do Lisboa "Jornal do Commercio," nos seus

números 3-jGG c 3507, de 7 e 8 de Setembro

de 1865; e como o enviado portuguez, repu-

tando o cavallo e arreios com que o dito Sobera-

no o presenteara, assaz preciosos para serem oííe-

reeidos a Sua MagestadeEl-Eei o Senhor DomTiuiz J, supplicára ao mesmo Augusto Senhor

que os aceitasse, a cuja siipplica se dignou Sua

Magestadc aunuir, o referido Jornal, no seu N f

3545, do dia 12 de Agosto d'aquelle anno, no-

ticiara este offcrecimento nos termos seí?:uintes

:

drijSíde ao rei.

"Alguns jornacs, por mal informados, toem

"noticiado que o Imperador de Marrocos preseu-

" toara S. M. El-Rci o Senhor Dom Luiz, cora

"um cavallo baio marroquino, de três annos,

"destinado a padrear.''

"S. M. recebeu eíiectivãmente umbello ca-

"vallo marroquino ajaezado ricamente, isto o

"dignou-se acceitar aquelle com que o Impera-

"dor de Marrocos presenteou o nosso cônsul em"Tanger quando foi a Mequinez em uma com-

" missão especial do governo portuguez."

"Tão rico foi este presente que o Imperador

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"de Marrocos fez ao Sr. -José Uauiel Colaço que

"este nosso fuuccionario, o achou digno de o

"oíferecer a El-Eei, que se dignou acceitar-lh'o.

"O Sr. Raymundo Celestino Colaço, irmão

"do Cônsul, veiu a Lisboa trazer o presente e

"ainda se acha n'esta capital." '^t '•'"

Ja que falíamos da primeira acceitação de

uma ordem distinctiva por parte do Soljorano de

Marrocos, que nunca d'antes tinha admittido

taes oferecimentos, diremos também que o íilho

de Sid Mohammed, o actual Sultão d'aquelle

Império, Muley El-Hassan, foi igualmente por

Sua Magestade El-Sei de Portugal agraciado

com a Grão Cruz da Torre Espada. Somente

que, desta vez não foi feita a entrega em audiên-

cia publica, e sim na particular que para o offei^

to Muley El-Hassan nos concedeu, isto pelas

razões seguintes:

Corria o anno 187G, e tendo deliberado o

Governo Portuguez enviar uma Missão Especial

a este Soberano, com o objeto de em nomo de

Sua Magestade Eidelissima felicitai-o pela sua

elevação ao Throno Cherifiano, como assim tam-

bem resolveram, por parte dos seus respectivos

Soberanos, os governos da Allemanha, Grão

Bretanha, França, Itália o Plespanha, foi orga-

nizada a expedição Portugueza, que pai-íiu de

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Tanger cm Maio de 1877, em cujo anno se effec-

tuai-am as Missòes das ditas Potencias.

Isho era ja a primeira condecoração a oííere-

cer ao Imperador de Marracos, cuja primazia

havia pertencido á ceremonia de 18G5 que aci-

ma fica relatada, e como dissemos, o objeto prin-

cipal da Missào, de que tiv^emos a honra de ser

incumbidos, era apresentar a Muley El-Hassan

os emboras da Corte Portugueza pela exaltação

ao Throno dos seus antepassados, para o desem-

penho da qual éramos portadores da competente

credencial, e a par disso levávamos o alto encar-

go de lhe oíferecer a mencionada Grão Cruz,

por parte do nosso Augusto Soberano.

Os embaixadores das ontras Potencias se

haviam limitado a apresentar ao Sultão no acto

da Audiência publica, as suas respectivas cre-

denciaes, depositando no campo da audiência os

presentes materiaes de que eram portadores, e

como nós iamos em análogas condições, e alem

disso o Grão Yizir nos havia manifestado o de-

sejo de obter de nós uma explicação verbal do

significado da distincção, por isso combinamos

que a entrega da Grão Cruz a faríamos n'uma

audiência particular.

Para maior esclarecimento acerca destes

factos, e mesmo como informação relativa ao

modo honi'oso como o Enviado Portuguez rea-

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95

lizoii a sua viagem á corte marroquina, em se-

guida transcrevemos, com a devida vénia do

Governo de Sua Magestade, os seguintes docu-

mentos :

Officios x^os. 15 e IG, datados em Mequi-

nez a 7 e 10 de Junho de 1877 e dirigidos ao

Exmo. Sr. Ministro e Secretario d' Estado dos

Negócios Estrangeiros em Lisboa.

Eelatorio datado de 19 de Junho de 1877,

e additamento de 10 d' Agosto do mesmo anuo.

Aqui cabe explicar, que a ostentação de todo

um exercito, ao chegar um Embaixador estran-

geiro á corte marroquina, é caso peregrino emMarrocos, que nesta viagem foi devido á cir-

eumstancia de o Soberano ter sido acompanhado

de Fez a Mequinez pelo exercito, á frente do

qual o Sultão devia seguir para o Sul dos seus

Estados a fim de submetter á obediência tribus

revoltosas de diversas localidades, e devido tam-

bém á graciosidade que Muley El-Hassan quiz

usar para com o Enviado de Sua Magestade

El-Eei de Portugal.

Nas occasiões ordinárias, ha sempre grande

concurso de tropas quando um Embaixador faz

a sua entrada na corte; mas não um exercito,

porque geralmente, na corte não o ha reunido

como aconteceu quando a EmbaixadaPortugueza

chegou a Mequinez no dia 7 de Junho de 1887.

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06

Mequixez, 7 cIc Junho do 1877.

Ulmo. e Exmo. ÍSr.

Tendo tido o Sultão Mnlcj' El-Hassan de

passiir de Fez para esta capital em virtude do

movimento militar a que o abrigara o estado de

insubordinação em que se acliam certas kabilas

que nunca prestaram uma completa obediência

ao sen governo, recebi, depois de sete dias de

marcha, e precisamente no logar onde se bifur-

cam os caminhos de Fez e Mequinez, uma carta

do primeii'o Ministro Sid-Mussa-Ben-Hemed,

concebida nos termos mais aííectuosos, convi-

dando-me a seguir vagarosamente para esta ca-

pital, a fim de dar tempo á passagem que o Sul-

tão effectuava d'aquella para esta cidade, dando

ao mesmo tempo o Yizir marroquino as necessá-

rias ordens para que em todo e qualquer ponto

onde melhor me appronvesse demorar, fosse tra-

tado pela authoridade respectiva, com as maiores

attençõcs, e • recommendando fortemente que

nada me faltasse.

Assim, depois de dezoito dias de marcha

desde a nossa sahida de Tanger que foi a 21 do

próximo passado, e tendo sido recebido pelas

authoridades dos diíferentes districtos por onde

passei, com as devidas honras, segundo explica-

rei no competente relatório, cheguei hoje aqui

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pelas uo^o horas da manliã, teiido-me o Sultão

Muley El-Hassan preparado a entrada mais bril-

hante que ate hoje se tem feito, bastando dizer

a Y. E. que S. M. Scherifiana mandou estender

o exercito que desde Fez o acompanhara, e a

guarnição desta cidade, em alas na distancia de

três millias ate as portas desta capitel, cuja

força calculo em vinte mil homens, sahindo ao

meu encontro todas as authoridades e principaes

habitantes, bem como todos os Magnates que de

Fez vieram com o Imperador, e achaudo-se apin-

hada por toda a parte sobre as muralhas, sanc-

tuarios e minaretes, terraços c nas ruas do tran-

sito, quasi toda a povoação desta cidade. Con-

fesso a Y. E. que o espectáculo era sobremodo

cinioso, imponente, e no dizer de todos ('; a pri-

meiríi vez que um Enviado christão é recebido

com tantas provas de symj)athia c esplendidez.

O que tenho a hom'a c a satisfação de levar

ao superior conhecimento de Y. E.

Deus guarde a Y. E.

Ulmo. e Exmo. Sr. Marquez d' Ávila e de

Eoloma, D. Par do Eeino^ Presidente do Con-

selho de !?iIinistros, Ministro e Secretario de

Estado dos Xegocios Estrangeiros.

JosE D.vxiEL Colaço.

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Mequixez, 10 de Juulio de 1877.

limo. e Emo. Sr.

Tenho a honra do communicar a V. E., que

a minha audiência publica com Sua Magestadc

o Imperador Muley El-Hassan, teve hoje logar

á 8 horas da manhã, pela seguinte forma

:

Chegando á grande praça contigua e perten-

cente ao palácio imperial, aonde me apeei, ahi

encontrei todas as authoridades militares e civis

da cidade, e formada em redor toda a força mi-

litar de infanteria da guarnição, api^arecendo

em seguida, montado em um lindíssimo cavallo

de cor russa, ricamente ajaezado á oriental,

Sua Magestade Imperial, acompanhado por umnumeroso séquito de peões, que constituem a

sua corte, e entre os quaes occupava o primeiro

logar á direita, o Yizir do império SidMussa Ben-

Ilemmed, e outro dictincto personagem, que

como de costume levava o riquíssimo chapeo de

sol para resguardar Sua Magestade dos raios so-

lares, precedendo todos o iutroductor dos em-

baixadores, o qual depois de Sua Magestade

aproximar o seu corsel, me annunciou, receben-

do-me Sua Magestade com testemunho de su-

perior affecto e distincção, circumstancia mui

particularmente obserA^ada pelos principaes de

Marrocos.

Por occasião de depositar nas mãos do sobe-

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99

rano man*oquino a credencial, pela qual Sua Ma-gestade me nomeou cliefe da missão especial

junto a esta corte, expliquci-lhe a expressão

delia, dizendo também o muito apreço em que

Sua Magestade meu Augusto Amo o conside-

rava, dignando-se Sua Magestade imperial res-

ponder-me, que caprichava em consers'^ar as

boas relações d' amisade que sempre existiram

entre Portugal e Marrocos desde o seu anteces-

sor Muley-xVbdelali.

Concluido este acto apresentei as pessoas da

minha comitiva, retirando-se Sua Magestade

cm seguida e salvando a artilheria das fortalezas

da cidade.

Por esta occassião cumprc-me também levar

ao superior conhecimento de Y. E. que soube,

pelo primeiro ministro, que Sua Magestade ac-

cedia a dar-me uma entrevista particular na sua

residência para a entrega da Grã Cruz da Torre

Espada, valor, lealdade e mérito.

Deus guarde a Y. E. '

Ulmo. e Exmo. Sr. Marquez d' Ávila e de

Bolama, digníssimo Par do Peino, Presidente

do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario

d' Estado dos Xegocios Estrangeiros.

JosE Daniel Colaço.

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RELATÓRIOda viagem da missão especial de Sua Mages-

TADE Fidelíssima á curte marroquina, e da en-

trega ao Sultão Muley-El-Hassan, da Grã Cruz

da Torre Espada do Yalor, Lealdade c Mento.

'No dia 21 de Maio de 1877, ás 2 horas da

tarde, partiu de Tanger a missão especial de

Sua Magestade Fidelíssima ao Sultão de Marro-

cos Muley-El-Iíassau, cujo pessoal se compun-

ha de:

José Daniel Colaço, Enviado Especial, e fa-

mília. Fernando Maria Bomtempo, Secretario.

Manoel de Jesus Colaço, Vice Cônsul em Tan-

ger. José Butler, Yice Cônsul em Safíi, ser-

vindo de Interprete. Doutor Arthiir Leared,

súbdito inglez medico, e esposa. Mimon Del-

mar, Interprete local. Abd-Rahman Belaiachi,

soldado mouro, Vinte creados, sendo o prin-

cipal o portuguez João dos Reis, tendo a seu

cargo a bandeira nacional e a collocação delia

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101

em todos os acampamentos. Arrieiros e carre-

gadores, 46. Uma força de cavallaria de 50

cavallos, commandada por iim alcaide de ele-

vado rango. Trinta cavalgaduras de sella.

Bestas de carga, cavallos mulas e camellos, 100.

Barracas para os acampamentos, 35. Total 128

pessoas e 180 cavalgaduras.

PRIMEIRO DIA DE YIAGEM.

21 DE Maio de 1877.

Fomos acompanhados até ao rio Suani pelos

Ministro de Hespanha, com todo o pessoal da

Legação, Ministro d' Itália, Ministro de França

e seu pessoal, Representante dos Estados-Unidos

d' America, Secretario da Legação ingleza, e

varias outras pessoas; próximo ao rio éramos

esperados pelo Pachá de Tanger com uma força

de cavallaria, o qual nos fez as suas despedidas

desejando-nos uma feliz viagem, e confirmando a

recommendação dada pelo Sultão para que fosse-

mos tratados com as maiores attenções, che-

gando á primeira estação ou acampamento emKaarmel ás 5|^ horas da tarde logo depois da

passagem do rio M'harhar.

Passada meia hora da nossa chegada, vieram

os habitantes daquelles arredores traser a munaa que são obrigados por ordem do Sultão, como

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102

prova de boa hospitalidade para com os embai-

xadores estrangeiros, e que consta de vitellas,

carneiros, gallinhas, ovos, pombos, pão, man-

teiga, chá, assucar, stearina, hortaliça, fructa

e por vezes alguns pratos da cosinha marroqui-

na, não esquecendo o nacional hishis.

2 f DIA, 22 DE Maio dl 1877.

Sahimos de Kaarmel ás 5^ horas da manhã,

despedindo-se de nós o Eepresentante dos Es-

tados Unidos d' America, que até este ponto nos

acompanhara. Hora e meia depois, o segundo

governador de Tanger Sid-Abdelmaleck-Bel-

hashmi, que se achava em commissão naquelle

districto, veio cumprimentar-nos até ao limi-

te do mesmo, tendo logar esta entrevista no

sitio chamado N'-Zala de Benhatab, junto ao

rio M'gerah-el-liechef, chegando ao segundo

acampamento em Gharbia ás 9 ^ horas da manhã.

De tarde os habitantes dos aduares mais

próximos trouxeram uma abundante mima.

3 f DIA, 23 DE Maio de 1877.

Sahimos ás 4 J horas da manhã de Gharbia;

1 ^ hora depois passamos o rio Aiaxa e pelas 8

horas no logar chamado Ben-el-iamani, ponto

dimarcativo entre os districtos de Tanger e La-

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103

rache, esperava-nos uma força de cavallaria

euviada pelo pachá deste ultimo ponto, e com-

mandada pelo seu kalifa ; ahi, trocados os devi-

dos cumprimentos e feita a despedida do segundo

governador de Tanger, continuamos a marcha,

começando a cavallaria com os seus lindos exer-

eicios, vulgarmente conhecidos por corridas de

pólvora, aonde bem se pode admirar a belleza e

qualidades do cavallo deste paiz, e a dextresa e

firmesa do soldado marroquino. Estas corridas

que são das maiores honras que os moiu-os podemdispensar, continuaram sem interrupção até ao

quarto acampamento em Telata de Eaissana

aonde chegamos ás 10;| horas da manhã. Ahi

se achava o Vice Cônsul portuguez em Larache

que veio ao nosso encontro para nos cumpri-

mentar. De tarde como de costume, os habi-

tantes dos aduares mais próximos trouxeram a

muna.

" 4 f DIA, 24 DE :Maio de 1877.

Sahimos de Telata de Eaissana ás 5 horas

da manhã; uma hora depois, achando-nos j^roxi-

mo da celebre ponte do rio M'Khazen, que

quer dizer deposito, (nome posto pelos mouros

pela quantidade de sangue e cadáveres que ali

se accumularam na nefasta batalha de Alcassar-

el-Kebir do dia 4 d' Agosto de 1578) ahi, de-

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104

pois de bem examinada esta antiga ponte e pas-

sarmos as horas do calor, seguimos a jornada

sendo esperados a meio caminho pelo segundo

governador de Larache com a sua cavallaria,

authoridades d' Alcassar-el-kebii*, e sua musica,

distincção que só costumam usar os mouros emdemonstração de sympathia e obséquios entre

elles, acampando junto a esta cidade ás G horas

da tarde, aonde as referidas authoridades man-

daram distribuir uma abundantíssima mima.

5 f Dia, 25 de Maio de 1877.

Sahimos d' Alcassar-el-kebir ás o horas da

manhã ; meia hora depois passamos o rio Liicos,

onde se despedio o irmão do governador de La-

rache; ás 8 i tendo encontrado o filho do gover-

nador Benooda, que nos esperava no limite do

seu districto, separou-se de nós a cavallaria de

Larache, depois de feitas as despedidas do

estylo. e ás 9 j^ horas da manhã chegamos ao

acampamento em Benooda, aonde 3 horas de-

pois nos foi distribuída uma boa muna.

6 f Dia, 26 de Maio de 1877.

Sahimos de Benooada ás 5 horas da manhã;

meia hora depois passamos o rio Mda\ ás 6^

passamos próximo ao santuário Sid-Aissa-Bel-

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lOõ

Hesseu, é ás 7 J da manhã chegamos ao a cam-

pamcnto cm Ilabassi, indo primeiro descansar

para casa do governador, aonde nos foi servido

iim delicioso ahnoço marroquino, em quanto se

ai-mayam as nossas barracas ; voltando ao acam-

pamento, logo depois começou o ofíerecimento

da muna, que bastará dizer, durou horas. De tar-

de tivemos a visita do governador, com corridas

de pólvora pela sua cavallaria, em frente da bar-

raca onde jantámos, ficando todos penhorados

pelos obséquios que nos dispensou.

7 f Dia, 27 de Maio de 1877.

Sahimos de Habassi ás 5 horas da manhã,

acompanhados pelo governador até ao rio Sehii,

aonde chegamos ás 6 horas da manhã; ahi, accei-

tando-lhe a sua despedida, e agradecendo-lhe

tantos obséquios, passamos o rio em uma barca,

armando cm seguida do outro lado uma barraca

para com comodidade e á sombra, esperarmos

que se fizesse a passagem, também em barcas,

de creados, bagagens, cavallaria etc, o que

durou 4 horas, pondo-nos por conseguinte a

caminho ás 10 horas e chegando ao acampa-

mento em Beni-Hessen na curva e proximi-

dades do mesmo rio ao meio dia. De tarde veio

como de costume a muna.

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106

8 f Dia, 28 de Maio de 1877.

Sahimos de Beni-Hessen ás 5 horas da manhãchegando a Cherarda ás 11 horas, aonde acam-

pamos junto á casa do governador Abdelah-

Bensheliah, por quem fomos obsequiados o mais

possível, durante 3 dias que ali estivemos, pela

circumstancia imprevista quo relatei om offlcio

N f 15 de 7 do corrente.

11 f Dia, 31 de Maio de 1877.

Sahimos de Cherarda ás 5 ^ horas da manhãchegando a Zaguta ás 9 ^ horas sem occorrencia

extraordinária durante a jornada, aonde acam-

pamos e nos demoramos até receber aviso para

seguir a viagem em direcção a Mequinez, sendo

dignos de menção os obséquios que nos dispen-

sou a povoação, aonde até as mulheres nos espe-

ravam com os seus acostumados gritos de sym-

pathia e agintando os seus lenços em forma de

bandeiras.

16 f Dia, o de' Junho de 1877.

De Zaguta sahimos ás 5^ horas da manhã

chegando a Alcassar Faraon ás 8 1 horas, aonde

acampamos, junto ás antigas ruinas romanas, e

á %ista da cidade de Muley Edris, muito adorada

entre os mouros pelo sanctuario que ali existe.

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107

A posição cia cidade é de grande offeito á

vista, porque está eutre ura yalle e cercada d'

olivedo.

17 f Dia, õ de Junjo de 1877.

Sahimos de El Kassar Faraon ás •! horas da

tarde e chegamos a Uad-el-chejar ás 6 horas aoude

acampamos á vista de Mequinez, sendo espera-

dos desde meio caminho pelas principaes autho-

ridades e grandes forças militares, como sempre

aconteceu durante a viagem, sem excepção de

districto, distinguindo-se a kabila destas proxi-

midades do monte Gueruau, n'um curioso simu-

lacro militar de completa illusào.

Quazi era escusado repetir que meia hora

depois da nossa chegada nos foi oíferecida umaabundantíssima muna.

18 Dia, 7 de Jcxho de 1877.

8ahimos de Uad-el-chejar ás 6 horas, en-

trando em Mequinez com as honras devidas á

missão, ás 9 horas da manha, conforme relatei

cm oiiicio X f 15 do 7 de Junho.

Xa cidade fui alojado em um palácio per-

tencente ao Sultão para este fim expressamente

adornado, tendo ás minhas ordens, á entrada,

uma força de cem soldados de infanteria, que

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108

cu i^ccli para ser roduzidíi a 2õ, ficando encar-

regados, por ordem do Sultuo, dois dos seus pri-

meiros administradores de providenciarem para

(|ue nada nos faltasse.

Xo dia 9 de Junho fui convidado pelo Vizir

ou primeiro Ministro Sid-Mussa, para um almoço

que nos foi servido, com mesa e talheres a eu-

ropea, em uma das salas do seu palácio com vista

para o jardim, sendo os pratos os mais finos da

cosinha marroquina, de muito agrado dos eu-

ropeus presentes, e dignos de mencionar pela

quantidade que excedia a 50, convindo tamhem

. acrescentar, que quantos mais pratos se servem

ao almoço ou jantar, maior é o favor, obsequio

ou consideração, que se tem pelo convidado.

Depois do almoço tivemos uma entrevista

com o referido ministro, que nos acolheu comgrande affecto, tecendo os maiores elogios ao

paiz que representamos, felicitando-se pelo

paiz e pelo Sultão, da amisade que ha longos

annos existe entre Portugal e Marrocos, pedindo

a Allah pela sua continuação, e combinando

para que no dia seguinte ás 8 horas da manhãfosse a audiência publica com Sua Magcstade o

Sultão, a qual teve logar como communiquei emoíficio X f 1-j de 10 d'ste mes,

Findo esto acto, fui convidado pelo pri-

meiro ministro, da parte de Sua Magcstade

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109

o Sultão, para visitar a sua propriedade de A(/(Ial

a dois kiloinctros de distancia da cidade, aonde

fomos a cavallo e com a farda que timliamos

vestida para a audiência. E' difficil com umapequena visita fazer a descripção de tão rara e

ríca propriedade, aonde pastam aproximada-

mente 500 egoas, e onde estão os eavallos repro-

ductores escolhidos, entre os quaes ha alguns

que pela raridade da sua belleza não se lhes pode

estipular valor. A extenção não se pode cal-

cular de repente ; tem oliveiras de um tamanho

e altura enormes, e uma quantidade de cha-

lets muito curiosos para o europeu, pela sua

raridade, gosto e riqueza.

Como o calor augmentava, não podemos pro-

longar a visita, retirando-nos com saudade, emdirecção á nossa residência.

iS^o dia 12 de Junho fui convidado pelo Ba-

cha de Fez Sid Ab-AUah Ben Ilamed para umsumptuoso almoço que nos foi servido ao meio

dia á europea em uma das salas do seu palácio,

com um sem numero de pratos da cosinha mar-

roquina, assistindo todos osprincipaes juriscon-

sultos desta cidade e os que de Fez acomjianha-

ram o Imperador, tocando a musica do paiz du-

rante o almoço e acabando esta brilhante festa

mourisca ás "1- horas da tarde. O lutroductor

dos embaixadores (Ivaid-el-Mecnuar) Hage Mo-

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hnmcd Bcn Aish, também nos obsequiou comum opíparo almoço no dia 16 do coiTentc na sua

linda casa, que pode bem comparar-se a um pa-

raiso oriental.

A entrega da Grã Cruz a Muley El-Hassan

effectuou-se no dia 18 ás 8 horas da manhã, ementrevista particular n' um dos pavilhões de

Agdal, junto ao seu palácio, recebendo-nos Sua

Magestade com inequívocas provas de benevo-

lência. Demos-lhe as explicações que desejou

saber acerca da antiga e muito nobre ordem da

Torre Espada cujas insígnias tomou com agrado

de nossas mãos; e alludindo á amissade exis-

tente entre Portugal e Marrocos, manifestou

novamente o desejo que o anima de que essa

amisade seja cultivada, fazendo nesse momentoum intelligente elogio á nação Portugueza, an-

tiga alliada dos seus antepassados. Sua Ma-gestade sempre com expressões as mais attencio-

sas, pcrgimtou-nos com interesse pela saúde do

pessoal que nos acompanha, depois do qué fize-

mos as nossas despedidas.

MEQriNEZ, 19 de Junho de 1877.

Ulmo. e Exmo. Sr.

Em additamento ao Eelatorio que tive a

honra de passar ás mãos de V. E. em 19 de

Junho ultimo, adjunto ao meu Officio Xf^

17

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da mesma data, ciimpre-mo em primeiro logar

levar ao Superior conhecimento de T. E. que o

presente que o governo de Sua Magestade en-

viou para o Sultão Muley-El-Hassan, junta-

mente com a Grâo Cruz da Torre Espada do

Yalor, Lealdade e Mérito, foi levado da casa de

minha residência em Mequinez, para a grande

praça do Palácio Imperial onde teve logar a

minha recepção em audiência publica pelo Sul-

tão explicada no meu ofíicio N f IG de 10 do

dito mes, cujo j)i*<^sente, colocado na esplanada

junto do meu pessoal, por disposição anterior

do primeiro ministro Sid-Mussa-Ben-Hamed,

ficou alli mesmo publicamente entregue ao So-

berano segundo a pratica deste pais em taes

casos, tendo eu dado ao Yizir Marroquino a

chave da caixa que continha o serviço de prata

para almoço a que por ultimo se referio o Des-

pacho de Y. E. X f 3 datado de 19 d' Abril

Occorreo isto no dia 18 de Junho próximo

pretérito; e tendo nos dias 19 e 20, visitado

algiimas partes mais importantes da cidade e

immediações, fui, no dia 21, acompanhado de

todo o pessoal da Missão, fazer as minhas des-

pedidas do primeiro Ministro Sid-Mussa-Ben-

Hamed, pois tínhamos previamente combinado

que a nossa partida para Tanger se effectuaria

no dia immediato 22.

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O primeiro Ministro recebeo-me com a sua

habitual affabilidado, e havendo-lhe manifes-

tado a minha tenção de emprehender a marcha

no dia seguinte, pedio-me que a transferisse

para o dia 23, porque o Sultão havia disposto

dar-me uma audiência de despedida que ficai-a

combinada para a manhã do referido dia 22, a

qual teve logar afíectivamente pelas oito horas

no mesmo pavilhão de Agdal em que no dia

18 havia eu feito a entrega da Grão Cruz da

Torre Espada a Sua Magestade.

Alli achava-se presente o primeiro ministro

Sid-Mussa-Ben-Hamed, tendo-me o Sultão re-

cebido com os mesmos signaes de benevolência

que me manifestara nas entrevistas anteriores,

sem cessar de alludir á amizade existente, entre

os dons paises, e ao muito que tem apeito conser-

vara e estreitaPa. Ao mesmo tempo. Sua Ma-

gestade, como ja m'o havia também significado

o seu dito Ministro, mostrou-me desejos de que

ao nosso regresso para Tanger fizéssemos ca-

minho por Fez a fim de visitarmos aquella ca-

pital. Agradeci devidamente ao Sultão Muley-

El-Hassan a justiça que fazia ao pais que tenho

a honra de representar, e as repetidas atteuçoes

e obséquios que para commigo e pessoas da min-

ha comitiva tinhão sido, por sua imperial ordem,

praticados pelas authoridades deste Império com

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113

quem durante a minha jornada e estada na cur-

te havia cu estado em contacto. Findas estas

reciprocas declarações de amizade, e tendo-me

julgado na obrigação de annuir ao desejo de

El-Eei sobre o nosso regresso por Fez, fiz as

rainhas definitivas despedidas de Sua Magestadc,

e mais tarde, n' aquelle mesmo dia, do referido

primeiro Ministro, ao qual, com tudo, signifi-

quei, que para não demorar eu a minha viagem

e também para evitar o excessivo calor que se-

gundo as noticias havia dentro de Fez, ficaria,

com a vénia de Sua Magestade, no acampamento

que estabeleceria, n' um logar junto ao rio na

proximidade d' aquella capital, ao que desde

logo o primeii'o Ministro tomou sobre si satis-

fazer em nome do Seu Soberano; e tendo-se

seguido entre nós uma conversa amistosa ver-

sando principalmente sobre as boas relaçOes que

sempre existiram entre os nossos antepassados,

cuja amisade hoje se renovava sob os auspicios

do esperançoso reinado de Muley-El-Hassan,

ficamos despedidos e a viagem determinada para

o dia immediato 23 de Junho.

xV nossa sabida foi ás 8 - horas da manliã

;

ás 11|^ horas descançaraos na bonita ponte cha-

mada Jedida, e ás 3 horas da tarde continuamos

a marcha ate ao acampamento que havíamos

mandado collocar no rio Uad enjá onde chega-

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114

mos pelas 6 horas da tarde, tendo encontrado

tanto n' mn como n' outro ponto, abundantís-

sima e boa agoa.

No dia 24 de Junho ás 5 J horas da madru-

gada deixamos aquelle bello sitio e continuando

a nossa marcha, chegamos ao acampamento no

rio de Fez mui próximo ás muralhas da parte

da cidade conhecida por Fez novo, ás 8 horas

da manhã. Em quanto as barracas se arma-

vam, passamos a uma horta do Sultão denomi-

nada Bujulud, onde o filho do liacha de Fez,

pois o pae, conforme tive a honra de mencionar

no meu citado Eelatorio, estava cm Mequinez

junto do Sultão, veio logo visitar-me, assim como

as principaes authoridadcs, e logo que fui avi-

zado de achar-se prompto o acampamento, diri-

gi-me a elle acompanhado do Baclia interino

das ditas authoridadcs e da minha comitiva,

tendo agradado muito aos referidos magnates

a disposição do acampamento onde, como de

costume, ondeava a bandeira Portugueza, junto

de minha barraca.

AUi foram incontiuenti instalados pelo Ba-

clia interino dois Administradores da capital

com ordens expressas c terminantes de nada nos

faltar; e tendo-se despedido e retirado as men-

cionadas authorirades, ap^^arcceo a muna envia-

da de Fez, abundante e variada.

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115

O resto desse dia foi destinado ao descanso

e os dias 25 e 26 de Junho, einpregaram-se emvisitar a povoação, sempre acompanhados da

competente escolta, assim como o sitio real a

curta distancia da cidade, chamado Dar-de-bibag

onde o Soberano, quando alli esta, costuma pas-

sar os dias de grande calor pela amenidade que

offerece aquelle logar cheio de larangeiras, e de

cristalinas correntes d' agoa.

Feitas as nossas despedidas dos mencionados

personagens e havendo combinado que a nossa

volta para Tanger fosse pelo pais montanhoso

de Cheraga afim de fugirmos aos fortes calores

e ás péssimas agoas do caminho vulgarmente

seguido pelos districtos dos governadores do

Garb, nos pozemos em marcha no dia 27 de

Junho ás oito horas e um quarto da manhã, de-

baixo da agoa pluvial que felizmente trazia

n'essa ocasião o revoltoso vento Oeste. Pelas

11^ horas chegamos ao sitio denominado Ulad-

Jameh, em Cheraga, onde á sombra do seu

bello arvoredo, descansamos ate ás 4 horas da

tarde em que, retomando o caminho por aquel-

las pintorescas encostas, chegamos ás 6| horas

da mesma ao sitio denominado Ilesau, depois

de atravessar o rio Sebu, sem necesidade de

barcas, em cujo sitio havia-mos disposto a co-

locação do acampamento.

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HG

Xo dia 28 ás 5 horas passadas da manhã,

sahimos desse acampamento e nos dirigimos,

a marchas forçadas, ao rio Varga no qual pa-

ramos j)ara ahnoçar ás 9i da manhã, sahindo

daili ás o horas da tarde e dirÍ2;indo-nos ao

acampamento em Had-el-curt, onde chegamos

ás 7 horas da tarde, devendo advertir que d'umpara outro ponto fomos acompanhados por umcorpo de cavallaria que o goveruador Ben-

Ohoda, logo que soube a nossa marcha por aque-

lles sitios, enviou galantemente para a nossa

maior segiu'ança, visto que tivemos de passar

l^or kabilas que não se acham em completa obe-

diência á authoridade do Sultão.

Tendo por este caminho poupado duas jor-

nadas, no dia 29 partimos de Had-el-curt ás

y^ horas da manhã, e havendo ficado desde as 9

lioras ate a uma hora para descansar na horta

do kaid Jeraiíi, chegamos pelas 5^ horas da tarde

a Alcaçar Xebir. Xesta cidade fomos recebi-

dos antes do cortar o rio Lucus 2:)clas authorida-

dcs da terra, sendo para notar que a musica da

mesma também nos esperava para nos acompa-

nhar ate o nosso acampamento tanjendo as suas

curiosas sonatas nacinnaes. Tanto em esta lo-

calidade como nas anteriores onde pernoitamos,

nos foi servida com j)rofusào a muna de costume.

De Alcaçar sahimos no dia 30 para Tanger

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117

por Larache ás 5f lioras da manliã, tcndo-nos

dirigido ao bosque para descansar e ahi paramos

ás 9^ horas da manhã, tornando a caminhar

pouco depois e entrando em Larache ás 2^ horas

da tarde acompanhados pelo governador da ci-

dade que com a sua cavallaria e infanteria tinha

sahido ao nosso encontro, assim como o vice-

consul de Portugal. Aqui fui visitado pelos

vice-consules de Allemanha, Hespanha e Grão

Bretanha, o de Portugal representando outras

nações, e as embarcações portuguezas surtas no

rio logo qae souberam da nossa chegada, em-

bandeiraram. Pelas 9 horas da noite, depois de

jantar em casa do vice-consul, atravessamos o rio

na barcaça do capitão do porto com a nossa co-

mitiva indo buscar á outra banda, o nosso acam-

pamento alli collocado por disposição anterior.

'No dia 1 f de Julho ás õ horas da manha dei-

xamos Larache continuando a marcha para Tan-

ger. Pelas 10 horas pouzamos em Sid Eliamani,

e ás 5 lioras da tarde paramos no acampamento

da Garbia do qual partimos no dia 2 de Julho

ás õ|- lioras da manhã, e depois de descansar emAin-Dalia, continuamos a marcha chegando a

Tanger ás 4 horas da tarde, onde fui recebido

cordialmente e visitado por todos os meus co-

legas, assim como pelo Baclia e pelo Ministro

dos Negócios Estrangeiros Marroquino,

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118

Ao terminar, julgo da minha obrigação ex-

por a V. E. que o Senhor Fernando Bomtempo,

enviado por esse Ministério, a meu pedido, para

servir-me na qualidade de Secretario durante a

Missão Especial que fui desempenhar junto do

novo Sultão deste Império, houve-se com todo

o zelo e intelligencia no exercicio das suas fun-

ções, sendo também digno de elogio o Dr. Ai*-

thur Leared pelos serviços que prestou como

Medico da Missão, assim como o Senhor José

Butler, vice-consul em Saffi e intei"prete da

mesma, e Manoel de Jesus Colaço.

Deus guarde a V. E.

Tanger, 10 de Agosto de 1877.

Ao Illmo.e Exmo. Snr. Marquez d' Ávila e

de Bolama, D. Par do Eeino, Presidente do

Conselho de Ministros, Ministro e Secretario de

Estado dos ííegocios Estrangeiros.

Como complemento ás citadas narmtivas,

diremos que, não sendo no império de Marrocos

as' distincções honorificas os presentes que mais

se apreciam, porque o estado moral e de instruc-

ção dos seus habitantes, contrariado pela in-

fluencia de sentimentos fanáticos inveterados

entre os mahometanos e de uzos e costumes

essencialmente diversos da maneira de ser dos

povos que vivem impulsados pelas necessidades

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119

do progresso, permanece aquém do nivel intel-

lectual onde começa a comprehensão e o apreço

das referidas distincções e das menções honro-

sas ao mérito, por esta razão, e também pelo

facto da descrença em que muitos, com os allu-

didos fundamentos, estavão sobre a aceitação

d' uma condecoração por parte do Imperador

de Marrocos, será ponto curioso para as pessoas

que se dignem ler esta modesta publicação, co-

nhecer ou rememorar o modo como a primeira

distincção offerecida ao Soberano deste império

foi por elle comprehendida, e a forma da mis-

siva em que Muley-Mohammed expressou a Sua

Magestade El-Eei o Senhor Dom Luiz o seu

agradecimento, ao eííectuar-se a Missão Espe-

cial de 1865.

Para isso, temos á mão o Diário do Governo

N f 126 de 8 de Junho de 1874, que á par d'

uma noticia sobre as dynastias mahometanas

que teem occupado o throno dos cherifes, pu-

blicou na sua integra a citada missiva que ao

diante reproduzimos. E quanto á que seu filho

Muley-El-Hassan enviou por igual motivo a

Sua Magestade Fidelissima quando se realizou

a Missão Especial de 1877, sabemos que o seu

conteúdo não foi inferior em expressões de cor-

tezia e manifestação de amizade, se bem foi de

estylo menos figurado.

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120

''Carta que o Sultão de Marrocos Sid Moliaiu-

nied, dirigiu a El-Eei de Portugal. D.

Luiz I. para agradecer-llie a gran-cruz

da Torre e Espada.

Traducção,

Louvado seja somente Deus. Xão lia força

nem jDoder senão em Deus, o elevado, o grande.

Do servo de Deus, que se resigna á vontade de

Deus, e a elle confia o seu ser e misteres, o

principe dos Crentes, filho do principe dos

Crentes, íilho do principe dos Crentes, íilho do

principe dos Crentes, íilho do principe dos Cren-

tes, filho do principe dos Crentes, filho do pri-

cipe dos Crentes, que é. Segue se o nome e

o sêllo do Sultão Sid Mohammed Ben Abd-

Eahman cujos dias Deus torne felizes e exalte

os seus estandartes ; ao querido, o sábio, o que

passa por entre as illustradas cabeças dos gran-

des capitães, tocando no alvo com flecha cer-

teira, o que pelo seu poder e illustração vemos

elevado até uma immensa altura, o liberal, o

grande da nação portugneza, e o muito nobre

soberano Luiz I, etc, etc. Chegou a nós a

vossa carta que é a expressão da mais perfeita

amisade, a qual encerra votos pela conservação

da nossa honrosa alliança, e alcançamos com

ella provas inequívocas de uma aíieição sincera

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121

que os temidos uão poderão alterar, provas da

Yossalealdade e da vossa sinceridade consumma-

da, as quacs ficarão sempre debaixo das nossas

cuidadosas vistas, e juntamente nos chegou a

distincção com que vos dignaes honrar a nossa

pessoa, que Deus proteja; presente que se faz

aos grandes Eeis, o qual é a ordem militar de

Portugal, que nos foi entregue pelo vosso re-

presentante, o distincto e illustrado cavalheiro

cônsul geral da vossa nação em nossos dorainios,

que Deus j)roteja, e, de facto, temos experimen-

tado uma satisfação manifesta com este presente

o qual aceitámos com summa alegria e enthu-

siasmo, pois ohomem intclligente seregosija comaquillo que lhe vem do seu querido ; e teem ao

mesmo tempo, em consideração e apreço ao func-

cionario que vem em seu nome. Xão tenhaes

duvida alguma ; vós sois, em nosso conceito,

das nações mais escolhidas, e a nossa amisade

conivosco é antiga, assentando a sua edificação

sobre sólidos e profundos alicerces, e as amigá-

veis relações que uniam os nossos avós aos vos-

sos avós são celebres e conhecidas de toda a

gente, certamente nos demonstrou o vosso men-

cionado representante, uma cousa, que não nos

era extranha, isto é, a excellencia das vossas

qualidades, e a abundância com que vos elogiou

ú tal que faz augmentar a ambição com que vos

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122

queremos, renovando-se e estreitando-se os laços

da amisade. Isto tem-nos outro sim provado

assas a inteireza e a sinceridade com que o vosso

representante desempenha as funcções do seu

cargo e o ardente zelo que o anima no bom de-

sempenho dos deveres que lhe são confiados.

E o fim.—Em 22 de Moharrem o sagi-ado, anno

de 1282. (Corresponde a 17 de Junho de 1865.)"

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Se supplica aos indulgentes leitores que,

attendendo a ser este o primeiro livro que sahe

do prelo que também por primeii'a vez se esta-

belece no Império de Marrocos no meio das

inimagináveis difíiculdades com que tenho tido

que lutar, devidas ás condições excepcionaes

em que ainda permanece este pais, desculpem

por tão fundados motivos, as muitas faltas que

a impressão deste trabalho deve ofíerecer contra

o sincero desejo do impressor

G. T. ABRINES.

Tanger e Dezembro de 1882.

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ERRATAS.Paginas Onde se lê Leia-se.

1^0 frontispício. .Seguido da. . . . Segjiida daIII uu prelo iim prelo.

8 naquellos momentos naquelles momentos.10 circunspecta circujnspecta.

11 e 111 . colocado coUocado.

11 e 21. . Earaadam Ramadan.12 Ramadam se anuncia Ramadan se annuncia.

17 pessaros errantes. . pássaros errantes.

,, que os queimam. . . . que os queima.

20 saltimbanques .... saltimbancos.

25 Al-Korao Al-Korão.

29 e 49 . . estravawancia .... extravag^ancia.

31. .. .posições estravagantes posições extravagantes

,, divinidade di\ándade.

'33 paschòas paschoas.

51 rampla rampa.54 atenção attenção.

56 imaculado immaculado.71 predilexão predilecção.

83. . . .Muley Edris-l-garhora Mídey Edris.

89 Escuicherruas Beni-gorfet.

93 para o offeito para o effeito.

96 a que se abrigara ... a que se obrigara.

113 descancamos descansamos.

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