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REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO 81 VIAGEM' AO B R AS I L A MANDO DE SUA MAJESTADE MAXILIANO JOSÉ I Rei da Baviera REALIZADA E DESCRITA DE 1817 á 1820 PELOS Drs, joh, Bap. von Spíx e (ar! Fríed, Phíl, von Martius Munich 1823 (Continuação) CAPITULO IV Viagem de Gibraltar á Madeira, e atravéz o Oceano Atlantico ao Rio de Janeiro Uma escala larga conduz- a este templo que se eleva sobre urna saliencia da montanha, cercado de castanheiras frondosos. O sol, aproxi- mando-se do ocaso doirava o mar, e com os seus raios envolvia de uma luz ningica as regiões da ilha mais afastada, enquanto o sino ua 1 6 1'1.;- ja. de voz retumbante, convidava os viajantes ao legar da romaria. .'1. atenção piedosa deu a esse logar um adorno de arbustos florescentes J.~ Madresilva, Jasmin, Fuchesia cocinéa, Buddleja globosa, e Vinca ma- jor. Esses arbustos exoticos acharam aí uma nova patria que quasi sem pre adornam com as suas formosas flores. O clima dessa ilha feliz favorece com o mesmo sucesso os produtos de cada zona; mas o europeu sente a ausencia dos seus carvalhos, pinheiros, vidoeiros e salgueiros, e vê com surpresa ao lado dos cereais e frutos de origem caucasica, ao lado da figueira, da cana doce, e do Pisang, vindos do Oriente, e ao lado da tamareira, do tomate (Solanum Lycopersicum) e do Arundo Donax, tamLem o "Inhame" ~ Caladium eseulentum, o Solanum l\Ielongena, os cactus, as agaves, e a batata americana, - todos vicejando otima- mente. E' sabido que a cana doce, encontrada na Sicilia, foi daí trans- plantada para esta ilha (da Madeira) pelo infante D. Henrique, o Na- vegador. Se podemos confiar nos relatorios de épocas passadas a fabrica- ção de assucar devia ter sido realizada aí muito cedo, com grande exito; R.N.E. ~ ti ,

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REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO 81

VIAGEM' AO B R AS I LA MANDO DE SUA MAJESTADE

MAXILIANO JOSÉ IRei da Baviera

REALIZADA E DESCRITA DE 1817 á 1820

PELOSDrs, joh, Bap. von Spíx e (ar! Fríed, Phíl, von Martius

Munich 1823(Continuação)

CAPITULO IV

Viagem de Gibraltar á Madeira, e atravéz o OceanoAtlantico ao Rio de Janeiro

Uma escala larga conduz- a este templo que se eleva sobre urnasaliencia da montanha, cercado de castanheiras frondosos. O sol, aproxi-mando-se do ocaso doirava o mar, e com os seus raios envolvia de umaluz ningica as regiões da ilha mais afastada, enquanto o sino ua 161'1.;-

ja. de voz retumbante, convidava os viajantes ao legar da romaria. .'1.atenção piedosa deu a esse logar um adorno de arbustos florescentes J.~Madresilva, Jasmin, Fuchesia cocinéa, Buddleja globosa, e Vinca ma-jor. Esses arbustos exoticos acharam aí uma nova patria que quasisem pre adornam com as suas formosas flores. O clima dessa ilha felizfavorece com o mesmo sucesso os produtos de cada zona; mas o europeusente a ausencia dos seus carvalhos, pinheiros, vidoeiros e salgueiros, evê com surpresa ao lado dos cereais e frutos de origem caucasica, ao ladoda figueira, da cana doce, e do Pisang, vindos do Oriente, e ao lado datamareira, do tomate (Solanum Lycopersicum) e do Arundo Donax,tamLem o "Inhame" ~ Caladium eseulentum, o Solanum l\Ielongena,os cactus, as agaves, e a batata americana, - todos vicejando otima-mente.

E' sabido que a cana doce, encontrada na Sicilia, foi daí trans-plantada para esta ilha (da Madeira) pelo infante D. Henrique, o Na-vegador.

Se podemos confiar nos relatorios de épocas passadas a fabrica-ção de assucar devia ter sido realizada aí muito cedo, com grande exito;

R.N.E. ~ti

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para fins do sec. XV veio talvez da Madeira a maior parte do assuearconsumido na Europa. Segundo as noticias do historiador Lemos Fariae Castro, 150 engenhos entregaram 60.000 arrobas de assucar por anoao quinto Regio. Mas quando conheceram a fertilidade das coloniasportuguesas na America, - muito maior que a da Madeira, - acabou.pouco a pouco o cultivo da cana doce nesta ilha. O inhame foi in-troduzido aí logo depois de descoberto o Novo Mundo, e sendo cultiva-do em logares de certa inclinação e faceis de regar, é agora 'um dos gene-ros alimenticios mais geralmente usados, mesmo de preferencia á bata-ta. Quanto á familia Camara, como donatarios, foi dado a ilha, estescomeçaram a favorecer principalmente o cultivo da uva; e a produçãode vinhos aumentou desde então com tanta rapidez, que já se tornou,ha 150 anos, o mais importante ramo do comercio da colonia. A maiorparte das uvas é branca, e tem bagas alongadas; uma das especies maisapreciadas é a chamada "Verdelho". (Hist. geral de Portugal, Lisb.8, vol, 6, p. 184). A maneira de tratar a uva difere aqui dos processosusados em Portugal, pois fazem alastrar-se a planta sobre grades de ma-deira, levantadas a varios pés de altura sobre o solo, em logares pedrego-sos e acessiveis aos raios do sol. Tambem formam uns amenos fetos defolhagem e ramadas, debaixo das quais não raras vezes conduz o cami-nho duma choupana de viticultores para outra. No clima quente dessailha, cujo solo de basalto negro e nú armazena o calor, e o trans-mite ás uvas, esta especie de cultura parece particularmente util para oescopo em questão, ao passo que dá menores resultados nos paises de cli-ma mais frio. Em varias regiões da Italia, por exemplo, as ramadas d",viticultura (Pergole) produzem menos abundantemente que os pés deuvas plantadas em forma de grinaldas. A uva é cultivada desdeas praias do mar até a 215 da altura da ilha. A produção por ano é avu-liada em 20.000 a 30.000 pipas. O melhor desses vinhos é, segundodizem, o malvasio, cuja uva veio originariamente da Grecia.

Se tivessemos mais de um dia para a nossa estadia na Madeira,poderiamos talvez juntar ainda varias contribuições interessantes ás no-ticias excelentes da Flora das ilhas Canarias que von Buch deu ao pu-blico e que podem servir de linha de direção para todas as investigaçõesfuturas da vegetação insular tem geral. Quando o descobridor Zarcoavistou de Porto Santo pela primeira vez esta ilha (da Madeira) estavacoberta de florestas sombrias e quasi impenetravei:; desde o maraté ao ponto mais elevado e só depois de um incendio de 7 anos foidestrui da esta selva. Das formas particulares dessa ilha muitas foram

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talvez destruidas nessa ocasião. Dragoeiros (Dracaena Draco) da mesmaespecie que a arvore antiquissima de Orotavo em Tenerife, veem-seaqui raras vezes, e sómente dispersas nos jardins. Mais tarde a culturacontribuiu com o seu quinhão, para expelir as formas naturais do soloe introduzir, outras exoticas. De resto, pode-se observar ainda hoje a afi-nidade mais pronunciada com as plantas das Ilhas Canarias e as variaszonas de vegetação podem ser caracterizadas de maneira semelhante ao,metodo aplicado com respeito a essas, por von Buch. No entanto nãodistinguimos 5 zonas diferentes, uma sobre a outra, mas só 4, das quaisas duas mais baixas são determinadas especialmente pelas particularida-des da cultura, as duas de cima pelo estado natural da vegetação.

Ricos em tesouros da Natureza de toda especie, mas cançadospelo grande esforço, voltámos a horas tardes á cidade, seguindo por uma

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estrada aberta entre campos de uvas. Posto que o calor, aumentadopela rocha negra tio basalto, nos incomodasse bastante nessa excursão,o termometro mostrou ás dez horas da noite apenas 15°,5 Réaumur,no ar, e 16°,0 na agua, o higrometro indicou 42° e o aerometro dentrodo anteporto 2°,75, mais tarde, no alto mar 3. Vis10 que a fragata jáse tivesse abastecido com uma quantidade consideravel do delicioso vi-nho da ilha, e estivesse pronta para a viagem, devíamos seguir imedia-t.amente para bordo.

No dia 8 de junho, ás 4 horas da manhã, levantamos ancora eo navio fez-se ao alto. Tivemos melhor sorte nesta ocasião, do que onavio que pouco tempo depois levou S. Alteza Real e Imperial a Senho-ra. Princesa Herdeira a este legar, e por um vento do Sul que irrom-peu subitamente, foi impelido demasiadamente proximo da costa; tevede cortar depressa as duas amarras para se fazer ao alto. O mar é tãoprofundo ao redor da Ilha que só muito proximo á costa, onde se encon-tram 35 a 50 linhas de profundidade, é possivel lançar ancora, pois fa-cilmente acontece prender-se o ferro nos escolhos de basalto. Por estarazão é que muitas vezes os navios devem voltar ao alto mar, apesarde perderem as ancoras: dá-se isto principalmente nos mezes de novem-bro ti. fevereiro, época em que as borrascas do Suloeste ou do Sulesreameaçam atirar os navios contra a costa. Saimos do anteporto doFunchal com um fraco vento do Norte que logo mudou para E, e ~E,e continuou todo o dia na direção favoravel á nossa viagem. Pelo meiodia vimos a sua parte meridional para B; em breve, as nevoas densase uma chuva que durou pouco tempo, esconderam-nos a ilha.Um brigue

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inglês que tinha a bordo colonos para a nova Holanda, passou nestalatitude muito proximo ao nosso navio. Havia entre estes viajantesmuitas mulheres, as quais, apesar de expulsas da sua patria, pareciamviajar corajosas para a terra nOV8do seu destino. A tarde ainda nomesmo dia, tambem surgiu á vista a ilha do "Ferro"; mas como acon-tece quasi sempre, em-olvida em densas nevoas. Assim haviam os ul-trapassado os limites da navegação de outrora, dos quais o audaz espiri-to empreendedor de Bartolomeu Dias, Colombo, Magalhães, diri-gira o leme para novos mundos; confiando na arte e ciencia humanas,prosseguimos pelo Oceano que se expandia diante de nós, atá a distan-cias invisiveis, e continuámos na direção do alvo da nossa viagem. Seo tripulante da pequena embarcação, avistando o elemento imenso e agi-tado, sente uma emoção de horror, do outro lado, observando o edificío.artificial que passa triunfalmente vencendo o ar e as aguas, o apcrf'ei-çoamento da nautica e da construção dos navios nesta uossa época, dáao viajante um sentimento de segurança e de vida agradavel que afu-genta todos os pensamentos de perigo. Assim pois, em boa companhia,viajando num navio de excelente construção, e dirigido com pruden-cia e conhecimentos especiais, tambem conhecemos o lado mais agrada-vel da vida maritima . Ora em divertimentos, ora em musica, 011 emocupações literarias, achámos que as horas passavam tão rápidas comoo nosso excelente navio cortava as ondas.

Os pequenos temporais que vêm e passam rapidamente, de agoraem diante irrompiam de vez em quando. pareciam somente dar variaçãoávida marítima tão tranquila, pois ao mesmo tempo grandiosos e amea-çadores, despertavam as mais diversas emoções na alma. Exatamenteá altura da ilha do Ferro arremessou-se uma rajada violenta contra f}>

navio, quebrou varias vergas, lançou pedaços ao convez e feriu algunsmarinheiros; além disso, porém, não se notaram consequencias desagra-daveis. A visinhança das formosas ilhas ás quais a antiguidade já de'].o nome de "Ilhas Felizes", despertou. principalmente nos natura-listas, o desejo de descer em uma delas na primeira oportunidade.Desejavamos ver de perto o Pico. Entre outros objetos notaveis havia-mos estudado com maior interesse, os vestigios dos Guanchos, osquais, pelo seu vulto esbelto, pelos labios aparentemente grossos, e pelonariz chato, se parecem com os negros, mas pelas maçãs do rosto, agu-das e salientes, e pelos cabelos lisos e mais compridos, se assemelham D'JS

egipcianos antigos. Passamos. porém, longe do grupo de ilhas, pois quoo vento nos levou com velocidade cada vez maior. Depois de alguns-

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dias achamo-nos á latitude do Cabo Verde. No dia 14 de junho, - á.noitinha, - avistamos a Ilha da Bôa Vista, que se apresenta como terracomprida, e não muito elevada: a parte mais meridional da ilha, porém,ficou ao l.[orte para Oeste a ] 2 milhas marítimas de distancia. Não seviu nenhuma das outras ilhas, pois que nuvens cÍI zentas cobriam o céudurante todo o dia. No cantil, entre as Ilhas do Cabo Verde e o Conti-nente da Africa, observa-se durante consideravel parte do ano, e sobre-tu-Io ao longo da costa, uma nevoa branca e densa, que é produzidaprovavelmente pela combinação das exalações do mar com a poeira finis-sima que do Deserto de areia visinho é transportado a este logar pelosventos do N. E. Além disso é possivel que as proprias ilhas, dispersasnesta região, contribuam muito para acumular e condensar as exalaçõesdo Oceano. Por isso é raro que os marinheiros tenham o céu limpidopara as observações neste canal e nas viagens para o Cabo (da BôaEsperança), - para as Indias Orientais, Nova Holanda, e Ameri-ca . Preferem atualmente navegar longe das ilhas, ao passo que :18

viagens de outróra eram feitas muito proximas ao Continente. Os na-vios que seguem pelo Canal, mantem-se á longitude 19° e 20~ paraOeste de Greenwich, e durante os mezes nos quais o sol está ao sul,acham vantagem aproximando-se mais do Continente, onde nessa épo-ca os ventos do Norte costumam predominar. Desse modo evitam osbaixios chamados "Banco de Porgas" cuja existencia, porém, é recen-temente objeto de duvidas, assim como tambem o recife perigoso decorais de "Boneta", que, - segundo dizem, - deve estar situado a 2milhas marit. ao E. para N. da ponta mais septentrional de Bôa Vista.

Quanto mais nos aproximavam os das Ilhas do Cabo Verde,tanto mais diferente se tornava o carater dos elementos. 'A.inda á lati-tude das Ilhas Canarias percebemos as rapidas mudanças do ar, e de vezem quando irrompiam as rajadas e borrascas isoladas e rapidas quese observam frequentemente nestas regiões. Só depois de passarmosesse grupo de ilhas, e entre 11 e 12 de junho, á longitude de 21°,51' aO. de Paris, tendo o nosso navio atravessado o Tropioo do Cancer, osventos do N e de E, que antes disso brincando se cortavam, uniram-seformando um vento do NE, e afinal um NNE, que soprava de dia e denoite com força igual, na direção do Equador. Com esta regularidadeconstante do vento de E., percorremos 150 milhas maritimas em24 horas. Tambem com respeito á temperatura 00 ar e da agua, no teorem sais, assim como em outros fenomenos físicos, deu-se mudança igual.Fora dos Tropicos a temperatura do ar mudava de dia e de noite dife-

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rindo sempre pelo menos de um grao da temperatura da agua; agoraporém, a diferença era menor, e a temperatura dos dois oscilava emlinhas quasi paralelas.

O instrumento indicou tambem uma diminuição continua doteor em sais na agua do mar, de tal forma, porém, que tambem nestaregião, a agua das camadas profundas continha mais sal do que a aguáda superficie. A humidade do ar havia aumentado consideravelmen-te; exceto durante o quente e seco meio-dia, e principalmente de manhãe a tardinha, o higrometro indicava maxima relaxação. Aí na zona torrida o mar de cor azul indico, ondeava em vagalhões iguais, começandoa reluzir a noite com um brilho vivo e forte, o que antes disso era me-nos perceptivel. Este fenomeno magestoso, o corisco aparecendo commaior frequencia, e inumeráveis estrelas errantes, assim como o calorque se tornara mais abafado, pareciam indicar' maior tensão eletricados elementos, apesar da indicação do electrometro o qual, com a hu-midade aí dominante, anunciou um pouco menos electricidade queantes. Tambem no ambiente mais proximo manifestou-se agora poucoa pouco uma notavel mudança, da qual nós mesmo participavamosconjuntamente com os outros objetos. E' que pelo meio dia viamos asnossas pessoas libertadas cada vez mais da sombra, como se tudo nestecirculo da creação se tornasse mais independente e houvesse de suportarmenos peso do Imperio das Sombras. Nesta latitude é que os peixesvoadores - Exocoetus volitans, aparecem á superfície do mar em car-dumes, e oferecem ao observador solitario um espetaculo divertido.

Afim de escapar aos navios veleiros e aos peixes voraces que osperseguem, levamtam-se, ora isolados, ora em grande multidãoa alguns pés de altura acima da superficie da agua, e depois de umvôo de 40 a 50 pés contra o vento, mergulham, desapare-cendo nas ondas; ás vezes o vento atira-os ao convez onde são apa-nhados pelos marinheiros. Os seus inimigos, ou atuns, (Scomber 'I'hynnus) e os Bonitos (Scomber Pelamis) nadam junto com '0 navio queavança rapido como a seta. Nadam revelando uma força incrível,pois no meio do movimento mais veloz, saltam subitamente fora daagua, até á altura de varios pés acima da superficie do mar, para se pre-cipitar depois repentinamente, e de cabeça para baixo, na profundezadas aguas. Encontrámos ai tão grande quantidade que a tripulaçãodo navio podia continuamente prover a nossa mesa, arpoando-os ou pes-cando-os. O maior destes peixes que foi arrastado para bordo, pesava70 libras.

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Depois de entrarmos nesta regiao de paz e tranquilidade entreos tropicos, tiraram as almofadas que tinham sido colocadas em redordas mesas para impedir que' os copos, as garrafas e os pratos caissemno chão, e o marinheiro confiava agora na viagem tranquila e segu-ra. O nosso navio, levado pelo vento regular, corria de dia e de noitecom velocidade igual nesta. viagem semelhante a um passeio, e os mari-nheiros tinham tempo bastante para se divertir com jogos e festas. Con-ceberam a idéa de montar um teatro de bonecas, e assaz fantasticamentecombinados apareceram no grande Oceano, o Polichinello folgasão oDoutor pedantico, e a graciosa Colombina. Só uma unica vez foiinterrompida esta alegre vida maritima. Navegando a 8e 12' de latitudeNorte, avistámos ao longe um navio grande que pelos seus movimentosprovocou desconfiança. Esta região ó tornada perigosa pelos corsariosde Buenos Aires e da .America do Norte, de modo que principalmenteos navios espanhóis e portugueses devem deles cuidadosamente se acau-telar.

Mas esses corsarios tambem não respeitavam os navios ingleses,o que, entre outros, o senhor Conde Von Werbna devia experimentar,pois voltando, como mensageiro especial, do Rio de Janeiro, num navioingles, foi agredido e roubado, sofrendo perigo de morte. A' vista dessenavio fizemos imediatamente os necessarios preparativos militares; ruaspelo rumo que tomou para a costa da Africa, ficou logo demonstradoque não tinha intenções hostis. Provavelmente foi um navio negreiroportugueses, de viagem para a Guiné.

A,o passo que a concordancia da ação dos elementos se tornavacada vez mais harmoniosa, começou tambem o céu estrelado a entrar noequilibrio para os tripulantes da pequena embarcação. No dia 15 de ju-nho, á latitude de 14° 6' 45", mostrou-se nos pela primeira vez a magni-fica constelação do céu meridional, o Cruzeiro, que é para todos os mari-nheiros um sinal de paz, e pela sua posição, um indicador das horasda noite. Havia muito que seperavamos ver esta constelação, como gúiapara o outro hemisferio; por essa razão, foi indíscriptivel o nosso coa-tentamento ao avistá-lo de brilho vivo, no céu. Todos o consideravam

• como sinal de Salvação, com emoção de profunda adoração; mas a al-ma sentia-se principalmente elevada por este aspeto, pensando que tam-bem até nesta região, na qual brilha esta formosa constelação, de nomesignificativo de Cruzeiro, o européu trouxe a nobreza da humanidade,- a cultura cristã e ciêntifica, e impelido por altos sentimentos, procu-ra espalha-Ia cada vez mais largamente até ás regiões mais distantes.

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Em grao correspondente á elevação do céu estrelado meridional, sobre ohorizonte, descia o do hemisferio septentrional. Só com dolorosas emo-ções olhavam os que á Europa exelusivamente chamavam patria sua,- para a estrela polar que ia descendo pouco a pouco e afinal desapa-receu nas densas nevoas do horizonte. Quanto mais avançávamos paraQ sul, tanto mais diminuia tambem a força do vento do NE, e se rru-zava com ventos mais frescos que sopravam ora do norte ora do leste.- A' latitude Norte de 10° 30', e á longitude de 23° 15', para Oeste deParis, acabou-se emfim todo vento e no céu e na agua reinava cemplcta tranquilidade , Enquanto permaneciamos nesta região das cal-marias o termometro indicava 2 de manhã e 1 ás 6 hs. 30, a tempera-tura media de 21°,50 R., na sombra, e 22°,00 na agua: ás 7 hs. 30 nasombra e na agua, 22°; - ao meio dia: 24°,75 ao sol, e 22°,50 na som-bra e na agua; ás 8 hs. 30, da noite: 22°,50 na agua e no ar; ás 9 hs.no ar 22°,00 e na agua 22n.5Q; 21°,50 na agua tirada duma profun-didade de 200 braças, O aerometro indicou 2°,75 na agua da superfi-eie e mais tarde 2°,50 e 2°,25; de 200 braças de profundidade, 2',51.O higrometro estava entre 54° e 64°; o barometro indicou 28°, a de-clinação da agulha magnetica entre 13°,48 e 12°,48, para oeste.

Resplandescen te surge do mar nesta região, o sol da manhã,doirando as nuvens que cingem o horizonte e depois, formando gru-pos variados e grandiosos, parecem mostrar ao observador verdadei-ros continentes com montanhas altas, vales, vulcões e mares, - forma-ções mitologicas e outras obras de fantasia. Pouco a pouco sobe o astrodo dia a regiões altas do céu azul etéreo.

(Contínua)

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