vi. hidrologia subterrânea reservatórios de Água subterrânea · areia e cascalhos misturados 20...

11
4/9/2015 1 VI. Hidrologia Subterrânea Susana Prada O entendimento das condições de circulação da água subterrânea ultrapassa os limites da hidráulica. A hidrodinâmica das águas subterrâneas resulta da junção da Hidráulica com a Geologia Reservatórios de Água Subterrânea As águas subterrâneas ocorrem em formações geológicas permeáveis conhecidas por aquíferos. Ocupam os espaços vazios das rochas, nomeadamente, os poros intergranulares, os canalículos que os interligam e as fracturas. Aquífero Formação geológica que armazena e possibilita a circulação da água; de onde é possível extrair a mesma em quantidades suficientes de forma a possibilitar o seu aproveitamento pelo Homem; Para a sua exploração ser viável os aquíferos não só armazenam água como possibilitam a sua circulação. São erradamente designados por expressões como lençóis de água, lençóis freáticos e toalhas aquíferas. A quantidade suficiente varia de região para região: em climas semiáridos considera-se economicamente viável uma captação que forneça caudais considerados irrisórios noutra (0,5l/s)! Classificação de aquíferos Quanto à estrutura geológica: porosos, fissurados e cársicos Quanto à localização: costeiros e interiores; basais e suspensos Quanto à pressão a que está submetido: livres ou freáticos; confinados ou cativos.

Upload: trinhkhue

Post on 12-Dec-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

4/9/2015

1

VI. Hidrologia SubterrâneaSusana Prada

O entendimento das condições de circulação da água subterrânea ultrapassa os limites da hidráulica.

A hidrodinâmica das águas subterrâneas resulta da junção da Hidráulica com a Geologia

Reservatórios de Água Subterrânea

As águas subterrâneas ocorrem em formações geológicas permeáveis conhecidas por aquíferos. Ocupam os espaços vazios das rochas, nomeadamente, os poros intergranulares, os canalículos que os interligam e as fracturas.

Aquífero

• Formação geológica que armazena e possibilita a circulação da água;

• de onde é possível extrair a mesma em quantidades suficientes de forma a possibilitar o seu aproveitamento pelo Homem;

• Para a sua exploração ser viável os aquíferos não só armazenam água como possibilitam a sua circulação.

• São erradamente designados por expressões como lençóis de água, lençóis freáticos e toalhas aquíferas.

• A quantidade suficiente varia de região para região: em climas semiáridos considera-se economicamente viável uma captação que forneça caudais considerados irrisórios noutra (0,5l/s)!

Classificação de aquíferos

• Quanto à estrutura geológica: porosos, fissurados e cársicos

• Quanto à localização: costeiros e interiores; basais e suspensos

• Quanto à pressão a que está submetido: livres ou freáticos; confinados ou cativos.

4/9/2015

2

Aquíferos em diferentes meios

• Porosos: a água circula através de poros conectados. As formações geológicas podem ser sedimentares, detríticas, (argilas, areias, cascalheiras) ou vulcânicas (piroclastos)

• Fracturados: a água circula através de fracturas ou pequenas fissuras. As rochas podem ser magmáticas, metamórficas ou sedimentares.

• Cársicos: a água circula em condutas que resultaram do alargamento de diaclases por dissolução dos diversos tipos de calcários. Também pode ser nos tubos de lava, nos ambientes vulcânicos.

Em certos casos, os sistemas aquíferos são simultaneamente de vários tipos:

•As regiões vulcânicas, altamente heterogénesa, são formadas por alternância de escoadas fissuradas, piroclastos e sedimentos, podendo, também, conter tubos de lava.

Continentes: aquíferos costeiros e interiores

• Interiores

• Costeiros

Nas ilhas existe um aquífero de base

4/9/2015

3

Na Madeira, além do aquífero de base que contacta com o mar existem, em altitude, vários aquíferos suspensos

Aquíferos: livres e confinados

Aquífero livre (B)

• Formação geológica permeável, parcialmente saturada de água e limitada na base por uma camada impermeável.

• O seu limite superior é o nível freático (NL).

• O nível da água no aquífero está à pressão atmosférica.

• O nível freático coincide com o nível piezométrico (furo 3)

Aquífero suspenso

• É um aquífero livre que ocorre acima do nível de saturação regional devido à existência, na base, de uma camada impermeável. Existe uma zona não saturada entre a camada confinante e o nível de saturação geral.

4/9/2015

4

Aquífero confinado (A)

• Formação permeável completamente saturada de água e limitada no topo e na base por camadas impermeáveis.

• A pressão da água no aquífero é superior à pressão atmosférica, o nível piezométrico (NC) ascende acima do tecto do aquífero (1), imobilizando-se quando se estabelece um equilíbrio entre as pressões da água e atmosférica. Quando a água sobe acima da superfície topográfica, o furo é artesiano repuxante (2).

Parâmetros hidrodinâmicos fundamentais dos aquíferos

Tipo Designação

Função capacitiva (n) Porosidade e porosidade eficaz (ne)

(S) Coeficiente de armazenamento

Função transmissiva

(K) Condutividade hidráulica

(T) Transmissividade

Piezometria e gradiente

(h) Nível piezométrico

(i) Gradiente hidráulico

Caudal e velocidade

(Q) Caudal

(ve) Velocidade efectiva de circulação e velocidade de Darcy (v)

Porosidade

Propriedade que os solos e as rochas têm de possuir poros ou cavidades. É um parâmetro adimensional, exprime-se, normalmente, em %:

n = (Vv / Vt) x 100

Vv = volume de vazios que é ocupado por fluidos ( m3)

Vt = volume total ocupado pelo solo ou rocha ( m3)

Porosidade

Porosidade Primária: características intrínsecas à formação da rocha, à sua génese.

Porosidade Secundária: originada por processos posteriores à sua formação. Fracturação no caso dos basaltos e granitos, cavidades por dissolução, nos calcários.

Os factores secundários podem actuar nos dois sentidos, aumentando ou diminuindo o volume de vazios.

4/9/2015

5

1. A porosidade depende da homogeneidade dos grãos:

• Se os grãos são de dimensão variada, a porosidade tende a ser menor do que num caso de grãos uniformes, uma vez que os grãos menores ocupam os espaços vazios entre os maiores.

Areias ou cascalheiras bem calibrados 25 – 50 %

Areia e cascalhos misturados 20 – 35%

2. A porosidade depende do arranjo dos grãos:

• Para a mesma dimensão e forma, a porosidade varia com a geometria do arranjo dos grãos:

3. A porosidade depende da dimensão dos grãos:

• Em geral, quanto menor a granulometria (tamanho dos grãos), apesar do volume de cada poro ser menor, o somatório de todos os poros confere à rocha uma maior a porosidade.

Valores médios de porosidade

n (%)

Depósitos não consolidados

Cascalho 25 – 40

Areia 25 – 50

Silte 35 – 50

Argila 40 – 70

Rochas

Basalto fracturado 5 – 50

Calcário carsificado 5 – 50

Arenito 5 – 30

Calcário, dolomito 0 – 20

Xisto argiloso 0 – 10

Rocha cristalina fracturada 0 – 10

Rocha cristalina densa 0 – 5

Intervalo de valores de porosidade Davis (1969)

4/9/2015

6

Porosidade

• Na zona saturada a água subterrânea preenche todos os vazios, portanto, a Porosidade é uma medida directa da água contida por unidade de volume:

n = (Vv / Vt)

Porosidade eficaz (ne)

• No entanto não está disponível para o escoamento toda a água contida no volume de vazios: o meio poroso, devido às forças de tensão superficial, retém água contra a força gravítica.

• A porosidade eficaz, ne corresponde ao espaço ocupado pela água gravítica ou livre, a que está disponível para o fluxo. Cedência específica é a água que drena por gravidade, é sinónimo de porosidade eficaz.

• É o quociente entre o volume de vazios disponível para o escoamento, Ve (volume de água drenada), e o volume total da rocha:

ne = (Ve / Vt) x 100

Retenção específica (nr)

• Dado que não está disponível para o escoamento a totalidade da água contida no volume de vazios, o meio poroso retém água contra a atracção gravítica;

• A retenção específica, nr, corresponde ao volume de água que fica retida no solo contra a força da gravidade, corresponde à capacidade de campo.

• É o quociente entre o volume de água retida, Vr, e o volume total da rocha:

nr = (Vr / Vt) x 100

Então:

n = nr + ne

n, porosidadenr, retenção específicane, cedência específica

A retenção específica aumenta com a diminuição da granulometria das partículas - uma argila pode ter uma porosidade de 45% com uma retenção específica de 40%

4/9/2015

7

Lei de Darcy: Q = K A (Δh/∆l)

• Darcy concluiu que para um meio poroso, o caudal escoado é proporcional à área da secção de escoamento e ao gradiente hidráulico (razão entre a diferença do nível de água entre dois pontos ∆h, e a distância ∆l, entre eles).

Condutividade hidráulica ou Coeficiente de permeabilidade, K

• O coeficiente de permeabilidade K, da lei de Darcy, tem dimensões de uma velocidade e não é apenas uma característica intrínseca do meio geológico, pois depende, também, das características do fluído que atravessa a rocha (água, petróleo, gás).

• Condutividade hidráulica é a maior ou menor facilidade com que

um aquífero se deixa atravessar pela água, em m/d, cm/s

• No campo mede-se K através de ensaios de bombeamento

• No laboratório, com permeâmetros, mede-se a Permeabilidade ou permeabilidade intrínseca Ki das rochas (característica exclusiva do meio poroso). Para obter a condutividade hidráulica multiplica-se pelas características do fluido (fórmula de Hazen)

• Pode escrever-se a Lei de Darcy, incluindo como coeficiente de proporcionalidade, entre a velocidade do fluxo (v) e o gradiente

hidráulico (i), a condutividade hidráulica (K). A velocidade de circulação da água aumenta com um acréscimo de gradiente:

Q = K A (∆h/∆l)

Q = K A i

Q/A = K i

v = K i

Q, caudalK, Condutividade Hidráulica [LT-1]A, área da secção transversal∆h, diferença de cota piezométrica∆l, distância i = ∆h/∆l, gradiente hidráulicov, velocidade de Darcy

v = K i Dado que o volume efectivo de material

disponível para a circulação é menor que o volume total que

decorre da experiência de Darcy (toda a secção A e todo o

comprimento L), a velocidade de Darcy não corresponde à

verdadeira velocidade de circulação no terreno (V<Ve)

ve= v/ne

ve = (K i )/ne

ve, é a velocidade efectiva ou velocidade real de circulação da

água nos aquíferos

ne, é a porosidade eficaz

4/9/2015

8

Validade da lei de Darcy

A lei de Darcy é válida apenas para escoamentos laminares (Re ‹ 4).

Re = (V x d x ρ) /μ Re é adimensional

d, é o tamanho médio das partículas

V, é a velocidade de Darcy

μ, é a viscosidade dinâmica

ρ, é a massa específica

Re < 10 ⇒ escoamento laminar10 < Re < 60 ⇒ escoamento mistoRe > 60 ⇒ escoamento turbulento

A experiência tem mostrado que a lei de Darcy é válida apenas em condições em que as forças de viscosidade predominam. Estas condições verificam-se quando o nº de Reynolds é menor do que 4.

Isto significa que a lei de Darcy se aplica apenas em águas subterrâneas que se movam muito lentamente.

Nas condições da maioria das águas subterrâneas a velocidade é suficientemente baixa para que se possa aplicar a lei de Darcy.

Excepções podem ser as rochas com grandes aberturas, tais como cavidades por dissolução e no interior de tubos de lava.

Porosidade vs Condutividade hidráulica

A conexão hidráulica entre os vazios é fundamental para que a uma porosidade elevada possa corresponder

uma elevada permeabilidade

Tipo de rocha Porosidade (%) Condutividade Hidráulica (m/d)

Cascalheira 30 > 1000

Areia 35 10 a 5

Argila 45 < 0.001

É muito comum relacionar a condutividade hidráulica com a porosidade, o que nem

sempre é correcto:

Uma rocha porosa pode ter uma elevada condutividadehidráulica se os seus poros forem grandes e bemconectados (areias grosseiras e cascalheiras) ou ter umacondutividade hidráulica quase nula se os seus poros foremmuito pequenos, retendo fortemente a água (argilas).

4/9/2015

9

Diminui com a diminuição da granulometria dos

sedimentos

⇒ mais elevada

⇒ mais baixa

Diminui com a litificação dos sedimentos

Aumenta com a fracturação das rochas

Condutividade hidráulica de rochas sedimentares, detríticas, desagregadas, em cm/s

Transmissividade

• Corresponde à capacidade de um aquífero para transmitir ou ceder água em toda a sua espessura saturada, expressa-se em m2/dia:

T= K x bK, condutividade hidráulica (m/d)

b, espessura saturada do aquífero (m)

• A transmissividade é o parâmetro que mais condiciona o fluxo da água subterrânea sendo por isso o parâmetro hidrodinâmico mais usado na avaliação de recursos hídricos subterrâneos.

• Determina-se in situ através de ensaios de caudal em obras de captação.

Captações de água subterrânea

• Entende-se por CAPTAÇÃO DE ÁGUA SUBTERRÂNEAqualquer dispositivo que permita extrair a água contidanum sistema aquífero, quer seja por gravidade querseja por bombagem, ou qualquer outro sistema deelevação:

• Furos

• Poços

• Galerias

• Nascentes

4/9/2015

10

Tipos de captação

• Furos ou poços: tratam-se de captações cilíndricas, verticais, cujo diâmetro é muito menor do que a profundidade. São o tipo de captação mais frquente.

• A água penetra através das paredes laterais gerando fluxo radial. Há consumo de energia na sua extracção

Captações no Porto Santo: nora e furo com galeria

• Galerias: tratam-se de perfurações sub-horizontais de grande diâmetro (1,5x2m) com uma profundidade muito maior do que o diâmetro (comprimentos desde 500m a 3000m ou até interceptarem o nível de saturação). São captações muito dispendiosas.

• A água penetra ao longo da obra criando um fluxoaproximadamente paralelo e horizontal.

• A água captada circula por gravidade.

4/9/2015

11

Nascentes: não requerem obras de captação, uma vez que a água drena naturalmente, devido à intercepção do nível freático com a superfície topográfica. Na Madeira, existe um sistema de canais, as levadas, que recolhem e transportam a água das nascentes.

Ensaios de bombeamento

Objectivos:

1. Determinar os parâmetros hidráulicos do aquífero

2. Definir o regime de exploração

3. Testar o estado de construção da captação

Valores de condutividade hidráulica de aquíferos

K (m/dia) Classificação

K ‹ 10-2 muito baixa

10-2 ‹ K ‹ 1 baixa

1 ‹ K ‹ 10 média

10 ‹ K ‹ 100 alta

K > 100 muito alta

Valores de transmissividade de aquíferos

T (m2/dia) Classificação

T ‹ 10 muito baixa

10 ‹ T ‹ 100 baixa

100 ‹ T ‹ 500 média

500 ‹ T ‹ 1000 alta

T > 1000 muito alta