vestígios da presença árabe ao longo do rio douro

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V - Vestgios da presena rabe ao longo do rio Douro49

O Douro no Garb al-ndalus A regio de Lamego durante o domnio rabe

V - Vestgios da presena rabe ao longo do rio Douro. 1. As fortificaes de fronteira e os postos de vigia - O ribt de Boassas 2. Vestgios arquitectnicos e arqueolgicos [Castelo, muralha e cisterna de Lamego. Igreja de Almacave. Igreja de Balsemo. Igreja de S. Martinho de Mouros. Castro do Morro da Mogueira.. Igreja de Crquere. Boassas. Igreja de S. Pedro das guias. Igreja de Barr. Casa do Cubo. Azulejos de Escamaro. Igreja de Tarouquela. Ermida do Paiva. Tmulo morabe de Cinfes; Castelo de Penedono; etc.] 3. Cultura, usos e costumes [Manifestaes culturais e sociais populares. Smbolos. Resqucios de linguagem. O barco rabelo. A cultura da oliveira e da vinha. Os socalcos. As lendas e histrias de mouras encantadas, etc.] 4. Toponmia [Monte Mouro. Almedina. Ffel. Almacave. Almofala. S. Martinho de Mouros. Fazames. Boassas. Aougues. Arribada. Alcova. Crdova. Alqueives. Arrabaldes. Barbeita. etc.] 5. Concluso do captulo V

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1. As fortificaes de fronteira e os postos de vigia O ribt de Boassas

1.1. A concepo urbanstica da Arribada de Boassas (Cinfes) O cimo da povoao est ligado ao bairro inferior por uma escadaria tosca e tortuosa que vale a pena descer, para se conhecer as colmeias de moradias designadas pelo nome de Arribada. 1 A Arribada constitui, indubitavelmente, a zona mais antiga da povoao de Boassas, no concelho de Cinfes. A sua estrutura, sinuosa e algo labirntica, parece assemelhar-se, em alguns aspectos, ao urbanismo dos povoados rabes. De facto, se atentarmos bem na sua configurao, sobretudo na sua parte mais antiga, a Arribada (ou Arrbida como tambm designada), verificaremos que no aspecto construtivo, no traado urbano, na forma como as ruas e vielas se organizam em torno de pequenos ptios e terraos, h uma aparente semelhana com a forma como os rabes construam as suas povoaes. Sabemos que a habitao de tradio rabe se desenvolvia em torno de um ptio, que ocupava cerca de um quarto da rea total da casa e em redor do qual se distribuam os compartimentos 2. A dimenso mdia de cada casa era de cerca de 70 a 80 metros quadrados. O acesso rua era feito por um trio que desembocava neste ptio central. 3 Desenvolvendo-se em cascata, ao longo da encosta, os pequenos ptios sucedem-se em volta do arruamento principal e comunicam com este atravs de um pequeno trio, por vezes coberto. No centro do conjunto, existe um largo maior, denominado o Rossio. Este d origem a trs pequenas vielas que por sua vez geram, cada uma, nova sucesso de habitaes e ptios. Uma vez cerrados os outrora existentes portes de acesso de cada um destes caminhos, este ncleo ficaria completamente isolado, sendo ainda um complemento de defesa o cerramento de cada uma das portas dos ptios, designadas pelas gentes da aldeia por portas furenhas (fronhas?). Infelizmente j muito degradada, esta zona tem vindo a ser nos ltimos tempos alvo de intervenes desastrosas, fruto de uma falta de cuidado e zelo quer por parte das prprias gentes, quer pela autarquia, merecendo urgentemente uma cuidada interveno,1 2

DIONSIO, SantAnna - Guia de Portugal, pg. 554 Ver Anexos: Fotografia de um dos tpicos ptios de Boassas, pg. 44 3 Ver: TORRES, Cludio/MACIAS, Santiago - O legado islmico em Portugal, pg. 42

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que urge em chegar, embora se encontre j apontada no P.D.M., que prev, alis, para toda a aldeia a elaborao de um Plano de Pormenor, graas ao seu interesse enquanto Zona de Valor Patrimonial, mas que, lamentavelmente, de nada tem servido. No entanto, pese embora todos estes maltratos e delapidao que tem sofrido, a fisionomia deste ncleo principal da aldeia apresenta, ainda hoje, um certo ar mediterrnico pouco usual nos povoados desta regio 4. 1.2. O ribat de Boassas e as fortificaes de fronteira O topnimo Arribada, em Boassas, afigura-se-nos revelador da evidncia de uma construo defensiva designada em rabe por ribt e que foi bastante usual nas costas e locais de fronteira do al-ndalus. A presena deste topnimo, pela grande proximidade fontica com o termo original rabe, acaba por ser ainda mais evidente que Arrbida, com o qual tambm conhecida esta zona de Boassas. O mesmo topnimo existe tambm na cidade do Porto e indiciaria a presena de uma destas fortificaes. Estas edificaes parecem ter sido prolferas ao longo do rio Douro e podero mesmo ter constitudo o caso indito em todo o Garb al-Andalus, de uma linha defensiva, semelhana das existentes no Oriente 5. tambm no Douro, na regio de Barbariyya, a qual coincide precisamente com a zona de Lamego, que Ibn Hayyn faz a mais antiga meno que se conhece existncia de ribats, no sculo IX, mais precisamente no ano 263/876-7 6, os quais tiveram um papel preponderante na defesa do al-ndalus. Foram, sobretudo, al-Hakam I e Abd al-Rahmn II os principais responsveis pelo reforo do aparelho militar muulmano da poca nesta regio. A fronteira, inicialmente tida como sendo o rio Minho, regride para o Douro, aps as rebelies dos Berberes. H ento uma tentativa clara de fixar no Douro a fronteira definitiva do norte do Garb al-ndalus, sendo reforado o poderio militar muulmano atravs da construo de ribats. Paralelamente foi reforado tambm o poderio administrativo sendo decretado o fim da autonomia destes territrios e colocado (pelo menos) um governador rabe em Coimbra e, talvez, um outro em Lamego. 7 Distinguiam-se estas construes das outras fortalezas pela presena de

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Ver, Anexos - Fotografia da Arribada, Boassas, pg. 42 Ver: PICARD, Christophe - "Les Ribats au Portugal lpoque musulmane: sources et dfinitions, in"Mil anos de fortificaes na Pennsula Ibrica e no Magreb, pg. 207 6 Ver: PICARD, Christophe - "Les Ribats au Portugal lpoque musulmane: sources et dfinitions, in "Mil anos de fortificaes na Pennsula Ibrica e no Magreb, pg. 204 7 Ver: PICARD, Christophe - Le Portugal musulman (VIII.e XIII.e sicle), pg. 111

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marabutos, defensores da f islmica (geralmente voluntrios) que, realizando o dever de praticar a jihd, por um perodo prolongado, de alguns meses geralmente, a se estabeleciam praticando a orao, o recolhimento e a guerra, para a defesa do dr alislam. 8 A anlise de uma fotografia ampliada da zona denominada Arribada, da aldeia de Boassas, revela a existncia de uma estrutura que poder ser a fortificao que deu o nome ao local. Podemos ver, numa zona de difcil acesso, um edifcio que parece ter sido ampliado, mas cuja configurao inicial se assemelha a uma torre de planta quadrangular 9. A sua localizao e o envolvimento entretanto verificado pelas construes adjacentes, fazem com que, no local, esta estrutura passe despercebida. Ser necessrio, contudo, uma cuidada anlise ao local e talvez algumas prospeces arqueolgicas, para determinar da antiguidade deste edifcio e do seu uso. Para o controle das fronteiras e dos locais de passagem destas, eram muitas vezes usados outros locais, que funcionando de forma complementar como fortificaes, quer como postos de vigia, eram adaptados quantas vezes de estruturas pr-existentes ou de afloramentos rochosos naturais e designados, estes ltimos, por Penas ou Penhas. Prximo de Boassas, o macio rochoso denominado Lapa da Ch (note-se que lapa sinnimo de pena ou penha), parece ser um destes casos. Todas as evidncias para isso apontam. O local uma autntica escarpa, quase a pique sobre o rio Douro, constituindo uma autntica fortaleza natural, sendo tambm esplndido para a observao do rio numa grande extenso, precisamente at s proximidades de Lamego e donde se pode observar ainda o topo da Serra de Montemuro. 10 So detectveis nas imediaes indcios da presena humana, alguns socalcos, concavidades escavadas nos topos das rochas e at um trecho de uma calada, aparentemente sem uso sculos e que poder ter sido em tempos o caminho de ligao entre a aldeia e este posto de vigia. 11 A prpria elevao onde este macio se insere, designa-se, sintomaticamente, Monte do Facho, topnimo que, provm do facto de, nesse local, se estabelecerem

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Ver: PICARD, Christophe - Le Portugal musulman (VIII.e - XIII.e sicle), pg. 118 Ver Anexos - Fotografia da Arribada, Boassas, pgs. 42 e 43 10 Ver Anexos - Fotografia da Lapa da Ch, pgs. 49 e 50 11 Ver Anexos - Fotografia area de Boassas e zona limtrofe, pg. 47

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fachos, ou archotes, com os quais se faziam sinais luminosos e se transmitiam mensagens a longa distncia 12. Este termo, facho ou faro, aparece como sendo o substituto do topnimo de origem rabe Atalaia, to frequente no sul do territrio, mas que no logrou implantarse nas regies do norte que mantiveram as designaes mais antigas. 13 Ser de salientar que muitos destes ncleos e fortificaes, aos quais acorriam constantemente os voluntrios muulmanos para a exercer o seu dever de jihd, geralmente por um perodo de alguns meses, acabariam depois, muito provavelmente, por dar origem a pequenos povoados, como parece ser o caso de Boassas. 14

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PINHO, Augusto de - "O Monte do Facho, em Oliveira, Cinfes, Jornal Miradouro de 18/10/1986, ver neste captulo, 4. A Toponmia - O Monte do Facho e a Lapa da Ch, pgs.108/109 13 Ver: LOSA, Antnio - A dominao rabe e a toponmia a norte do Douro, pg. 27, pgs. 1 e 8 14 Ver: PICARD, Christophe - Le Portugal musulman (VIII.e - XIII.e sicle), pg. 178

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2. Vestgios arqueolgicos e arquitectnicos 1. Muralha, castelo e cisterna de Lamego 2. Igreja de Santa Maria de Almacave 3. Igreja de S. Martinho de Mouros 4. A Ermida do Paiva 5. Igreja de Barr 6. S de Lamego 7. Capela morabe de S. Pedro de Balsemo 8. Crquere - Oratrio, mesquita ou castelo? 9. Igreja de S. Pedro das guias 10. Igreja de Tarouquela 11. Igreja de S. Cristvo de Nogueira 12. Igreja de Sernancelhe 13. Igreja da Ermida (Oliveira do Douro) 14. Castelo de Penedono 15. Castelo de Numo 16. Castro do Morro da Mogueira 17. Castro das Portas de Montemuro 18. Casa do Cubo em Boassas 19. Tmulo morabe de Cinfes 20. Azulejos mudjares de Escamaro 21. A Cuba de Miomes 22. A Torre da Lagaria 23. A Torre de Ch 24. Os lagares mouros Lamego parece ser a zona do Douro, e mesmo de toda a regio norte, onde mais se faz sentir a presena muulmana e o rio Douro ir ser mesmo, durante um largo perodo de tempo de cerca de quatro sculos, a linha de fronteira melhor definida entre os reinos muulmanos e cristos de todo o al-ndalus. Para o sul e sueste o Douro formava a linha mais ordinaria das sempre vacilantes fronteiras entre christos e mussulmanos. (...) Canados de to dilatadas guerras, e de tantas devastaes mutuas, godos e sarracenos tractaram sriamente da55

paz, que a final foi jurada entre o mir de Cordova e Afonso III, e durou por todo o resto do reinado deste prncipe, isto , por todo o largo perodo de vinte sete annos. Os limites dos territrios christos fixaram-se definitivamente ao sul e sueste pelo Douro... 15 O rio Douro ir mesmo servir, a determinada altura, como veculo por onde seguem as tropas muulmanas na conquista do territrio. Era em destruir Compostella, correndo a Galliza do sul ao norte, que o hadjeb (Al-Mansur) puzera a mira. (...) Em quanto elle atravessava o territrio das modernas provncias da Extremadura castelhana, Salamanca, e Beira alta, onde os seus aliados christos se lhe vieram unir, uma frota sahida de Alcacer (Al-Kassr-Abu-Danes) ia aportar na foz do Douro, e desembarcar junto ao Porto (Bortkal, Portucale) mais tropas e apetrechos de guerra. (...) Entretanto os sarracenos avanavam seguindo a corrente do Douro para o nascente, assolando tudo na sua passagem. 16 Aps muitas lutas e uma resistncia persistente, Lamego seria finalmente tomada por Fernando Magno em 1057, aps cerca de quatrocentos anos de domnio muulmano. J posteriormente a sua vocao como local de passagem ainda acentuada pelo seguinte facto histrico: Affonso Henriques (...) seguido das suas cohortes, desceu das margens do Lima, veiu passar o Douro junto de Lamego, e marchou para Trancoso. 17 Desta presena, em to grande espao de tempo, teriam forosamente que ficar no territrio marcas culturais e civilizacionais. Se a civilizao rabe tem o seu auge no al-Andalus e se a arquitectura a sua forma de expresso por excelncia, seria impossvel que em to grande espao de tempo nada se houvesse consumado. Com as deficincias existentes em termos de investigao e de estudo, sobretudo ao nvel da arqueologia, tentamos ainda assim identificar esses vestgios da forma mais exaustiva possvel, guiados por vezes apenas pela intuio e por algum conhecimento que existe da regio.

1. Castelo, muralhas e cisterna Lamego, instituda em sede de valiato aps o domnio muulmano, veio a constituir parte importante, seno mesmo o centro, de uma linha de defesa definida por15 16

HERCULANO, Alexandre - Histria de Portugal, vol. 1, pg. 137 e 138 HERCULANO, Alexandre - Histria de Portugal, vol. 1, pg. 154 e 156 17 HERCULANO, Alexandre - Histria de Portugal, vol. 1, pg. 335

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uma srie de fortificaes estabelecidas ao longo do Douro, em que as mais imponentes seriam: (...) Feira, Vila Nova de Gaia, Cinfes, Crquere, Numo e Penedono (...) 18, as quais pretendiam salvaguardar a defesa do territrio muulmano, contra os assaltos dos cristos, localizados nas terras do norte. O destino da cidade de Lamego acaba por andar de alguma forma ligado ao de Viseu, vindo a ser conquistada, como referimos, pelas tropas crists conduzidas por Fernando Magno, em 29 de Novembro de 1057, sendo Viseu tomada no ano seguinte. A fortificao de Lamego, embora tenha sido consecutivamente destruda e reconstruda, fruto das muitas batalhas ali travadas, ainda hoje apresenta notveis vestgios de construo da poca rabe. Na zona da alcova podemos ver como a muralha apresenta, na sua base, um tipo de aparelho diferente do restante, escalonado e algo mais rude do que o das camadas superiores. Cludio Torres compara a tipologia construtiva da muralha de Lamego com as de Trancoso e Idanha a Velha, datando-a do sc. IX/X e referindo-a mesmo como exemplo da tcnica construtiva utilizada pelos rabes: As muralhas muulmanas eram, num perodo inicial constitudas por um certo arcasmo, utilizavam silhares reaproveitados e procuravam uma semelhana com a monumentalidade do aparelho romano e visvel em algumas fortificaes ao longo do Douro, entre as quais as do castelo de Lamego. 19 Lamego, tal como Viseu, possua uma linha de cintura de defesa, com a sua respectiva torre de menagem, embora de rea relativamente pequena, o que nitidamente imposto pelas prprias caractersticas do local. Ser de referir que Lamego mantm a presena de bispo mesmo durante o domnio muulmano, pelo que teria, logicamente, para alm da sua igreja episcopal, uma importante comunidade morabe. Assim, a igreja episcopal no poderia pois, pelas suas dimenses localizar-se na exgua zona da alcova, pelo que esta dever-se-ia localizar extra-muros, provavelmente no local onde se ergue hoje a igreja episcopal de Almacave com a sua torre acastelada. Os vestgios arqueolgicos da poca rabe, em termos de fortificao, que podemos encontrar em Lamego so pois, essencialmente, os restos da muralha na antiga alcova, hoje bairro e freguesia de Almacave (topnimo que indicia a preexistncia de um cemitrio muulmano - al-macab, recinto dos mortos, ou campo santo).

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CAMPOS, Jos A. Correia de - Arqueologia rabe em Portugal, pg. 66/67 TORRES, Cludio; MACIAS, Santiago - O legado islmico em Portugal, pgs. 39 e 60

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Contudo tambm a prpria cisterna do castelo de Lamego, para alm de muito bem conservada e de manter caractersticas notveis e deveras peculiares, aparenta ser de origem rabe ou mourisca. Apresenta-se profusamente siglada, tal como algumas outras obras da mesma poca, nomeadamente: a prpria torre da s de Lamego; a Ermida do Paiva; a igreja de Barcos; a igreja de Armamar; etc. 20

2. Igreja de Almacave A igreja de Almacave parece ter sido, desde h muito, a igreja episcopal de Lamego. Aparentemente o facto da muralha primitiva, que cingia a alcova, ser de reduzidas dimenses, ter levado, como vimos, a que a igreja episcopal fosse construda fora das mesmas. Apesar de no ser um monumento de poca rabe, apresenta contudo alguns vestgios da presena e influncia islmica. Os prprios capitis do portal principal so rabes ou de tradio rabe. Embora seja um monumento romnico bastante antigo, provavelmente do sculo XII, (...) no tem nas suas portadas arcos semicirculares ou de meio ponto e todos os que possui so construdos segundo a tcnica oriental, embora a primeira arcatura da sua portada o no parea, por defeito de construo. Desconhece-se a data em que foi erguida, parecendo contempornea da torre sineira da actual catedral. 21 O facto de na sua base ser possvel facilmente identificar vestgios de uma construo anterior, em que o aparelho escalonado e mais rude que o dos nveis superiores, semelhante ao que era concebido pelos rabes, conjugado com o prprio topnimo rabe do local (Almacave), tem levado a que variados autores conjecturem sobre a possibilidade de a se localizar a antiga mesquita da cidade 22. Talvez s a necessria prospeco arqueolgica, e estudo sobre a poca rabe de Lamego, que tanto tarda em chegar, prove definitivamente esta suspeita. Apresenta este templo semelhanas com outras igrejas da regio, sobretudo ao nvel do portal principal, nomeadamente com as de S. Martinho de Mouros, Ermida do Paiva e Barr. Ao nvel da decorao revela tambm afinidades com a igreja de Tarouquela.

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Ver: GIL, Jlio - Os mais belos castelos de Portugal, pg. 47 MONTEREY, Guido de - Lamego, Terras ao lu, pgs. 161 a 163 CAMPOS, Jos A. Correia de - Arqueologia rabe em Portugal, pgs. 67/68 22 Ver: PEDREIRINHO, Jos Manuel in -Como reconhecer a arte Islmica (dir. Mandel, Gabriele), pg. 64 e COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. I, pg. 603

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3. S de Lamego A S de Lamego ostenta na sua torre sineira, a qual parece ser o elemento mais antigo de toda a construo e a nica reminiscncia de poca romnica, alguns vestgios de arquitectura islmica ou oriental. Sabendo que o local foi um arrabalde (do rabe arrabad) da cidade, onde se implantou uma significativa comunidade morabe, tal no dever provocar grande admirao. A fresta com adornos trilobados que se apresenta no alado sul, na frontaria principal, a cerca de cinco metros do solo revela ntida influncia oriental. Nesta construo podemos ainda observar outros elementos de tradio rabe ou de influncia oriental, como as ameias dos telhados e as arcaturas das janelas, as quais apresentam curiosos relevos e aves de influncia suevo-bizantina. 23 Apresenta-se profusamente siglada, tal como outras construes da poca.

4. Capela morabe de S. Pedro de Balsemo A capela de Balsemo , sem dvida, um caso peculiar na arquitectura religiosa portuguesa, no s pela sua singela beleza e antiguidade, mas sobretudo por se tratar de um magnfico exemplar de arte morabe. Apresenta ntidas semelhanas com as igrejas de Lourosa da Serra e S. Frutuoso de Montlios. O templo foi bastante alterado na primeira metade do sculo XVII, de forma a ser integrado na casa dos Viscondes de Balsemo, tendo tambm sofrido algumas alteraes no interior. Do exterior, porm, no possvel depreender a riqueza do seu interior. Trata-se de um pequeno templo de planta longitudinal, de trs naves, separadas por arcadas de volta perfeita, sendo as colunas encimadas por capitis corntios. No interior desta pequena igreja morabe so evidentes, juntamente com as influncias da arte asturiana, paralelos com peas meridionais dos sculos IX e X. 24 Os elementos morabes preponderantes e que se podem distinguir so: o arco ultrapassado, ou de ferradura, da entrada da cabeceira e os muros laterais que o englobam, as impostas de rolos idnticas s de Lourosa e um fragmento de alfiz que contorna as arcaduras.

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CAMPOS, A. Correia de - Arqueologia rabe em Portugal, pgs. 67/ 68 TORRES, Cludio/MACIAS, Santiago - O legado islmico em Portugal, pg. 63

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5. Ermida do Paiva A Ermida do Paiva apresenta afinidades decorativas com as igrejas de Tarouquela, Sernancelhe, Crquere, S. Pedro das guias e Balsemo. O prtico principal, de arco quebrado, assemelha-se, na sua estrutura, aos de Almacave e S. Martinho de Mouros, apresentando ainda o mesmo alfiz em xadrez. Motivo que se repete tambm nos prticos laterais de Almacave e Barr. As esculturas dos capitis do prtico principal revelam semelhanas com as de Almacave e S. Martinho de Mouros e o tmpano apresenta, em alto relevo, uma cruz bizantina. Este vetusto e singelo templo, implantado j no limite sul da Serra de Montemuro, em zona que precede uma impressionante vertente da serra, contm ainda um muito interessante tecto mudjar ou hispano-rabe 25. O visigotismo que alguns autores pretendem ver neste magnfico templo romnico, nomeadamente nas manifestaes escultricas, no mais, quanto a ns, que o emergir das suas caractersticas morabes, fruto de se implantar numa regio onde a cultura rabe teve vasta implementao e que est at bem presente no nome da povoao que lhe fica mais prxima: RIBAS. Por outro lado, os mesmos autores, invariavelmente associam este templo ao de Balsemo, o que evidente, mas o qual hoje classificado como tendo evidentes caractersticas e influncias morabes.

6. A igreja de S. Pedro das guias Esta igreja, para alm de estar ligada s lendas tpicas do imaginrio popular local e que envolvem sempre os mouros26

, tambm um exemplo tpico da forma

como a influncia oriental foi transmitida arquitectura religiosa e aos templos cristos. No se sabe a data exacta da sua fundao, mas j em 1117, foi feito um prazo de confirmao ligado fundao do convento entre os frades beneditinos e D. Pedro Ramires e D. Joo Ramires, padroeiros do mosteiro. Note-se que na data apontada, 1117, haviam passado apenas 50 anos sobre a tomada de Lamego por Fernando Magno, devendo ainda, nessa data, ser governador do territrio o alvazir morabe, Conde Sesnando Davidiz. Os vestgios e influncias orientais que se podem observar so, essencialmente: o arco triunfal de ferradura no interior; o arco de ponto subido, talvez ajimez da porta

25 26

Ver: ALMEIDA, Jos Antnio Ferreira de - Tesouros artsticos de Portugal, pg. 190/191 Ver neste mesmo captulo o pargrafo 3. Cultura, usos e costumes, pgs. 77 a 81

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lateral e a profusa decorao dos portais exteriores, com especial destaque para o grupo escultrico, de sugesto bizantina, de quatro esculturas zoomrficas, que ladeiam o prtico principal. O orientalismo de S. Pedro das guias to acentuado e evidente que Reynaldo dos Santos colocou mesmo a hiptese de terem trabalhado neste templo artistas rabes.27

7. Crquere - Oratrio, mesquita ou castelo? Ao visitar o conjunto arquitectnico acastelado que engloba a igreja de Santa Maria de Crquere notei, na capela romnica adjacente, dos Condes de Resende, uma singular janela com ntidas influncias orientais e com parecenas com outras existentes em Tarouquela e S. Pedro das guias. Contudo, s aps a descoberta providencial dos alfarrbios de Correia de Campos e aps nova visita ao local, foi possvel descortinar um pouco o segredo envolto naquele misterioso conjunto. O referido autor chama-nos a ateno para (...) as duas extraordinrias e desconcertantes janelas de arcaria do altar-mor (...), salientando a desarmonia estilstica existente entre o conjunto formado por estas e pelo altar-mor, com o resto da igreja romnica e acabando por referir ainda que, poder-se-ia dar a hiptese de a capela-mor ter sido destruda e substituda por esta edificao. A hiptese porm de rejeitar por haver na mesma edificao estranhas msulas e um fecho de abbada de estilizao diferente do corpo da igreja. Da conclumos ser esta pequena edificao anterior igreja romnica. A confirmar a nossa conjectura, observmos num dos lados uma estreita janela, que fora aberta para iluminao, quando o oratrio estava isolado, antes de se erguer a igreja romnica, sendo depois a referida janela tapada ao alargarse o templo. Tambm notmos, surpreendidos, que os modilhes, j empregados pelos rabes, mas considerados ainda pelos nossos crticos de arte como romnicos tivessem sido apostos na pequena edificao, alis indevidamente classificada de gtica! 28 Ser de referir que uma dessas janelas, que refere Correia de Campos, era anteriormente uma porta, como tivemos oportunidade de observar no local 29, o que vem corroborar a sua tese de que esta parte da igreja anterior e no posterior ao resto da edificao, pois no faria sentido a existncia de uma porta na bside a dar directamente para o altar-mor.27 28

Ver: COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. I, pg. 607 CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pgs. 109 a 112 29 Ver anexos, fotografia da janela da bside de Crquere, pg. 7

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Correia de Campos deduz assim uma evoluo a partir de um pequeno morbito ou oratrio muulmano para uma mesquita e posteriormente igreja crist, o que no ser de estranhar e sucedeu, como hoje se sabe, em outros locais. No seria, na realidade, despropositado, ou descabido de sentido, fazer uma reavaliao, atravs de novos estudos e escavaes arqueolgicas no local, desta parte da igreja romnica de Crquere. A prpria ideia de que a capela-mor ser do perodo gtico, essencialmente devido existncia da abbada de nervuras, arcos de ogiva e colunas com capitis difcil de conceber, uma vez que, se assim fosse se apresentariam manifestamente injustificados em termos das opes construtivas ali encontradas. Por outro lado, atendendo a que a abbada de nervuras existente era j bem conhecida dos alarifes rabes, assim como o arco de ogiva e as colunas com capitis, como o demonstram os mais variados monumentos da arquitectura islmica, no nos causa espcie admitir uma construo de poca rabe com estas caractersticas naquele local, sabendo ainda que Crquere chegou tambm a ser referido pelos autores rabes da poca como uma fortaleza, a qual se encontra associada a nomes como al-Surunbqi e Ibn Marwn al-Jiliqui.

Ibn Marwn e Crquere Crquere foi pois, notavelmente, um importante reduto e centro de defesa muulmano. H referncias vrias em autores rabes ao local a que chamavam Karkar. Hoje, tambm o facto de haver na Sria uma povoao com este mesmo nome no nos parece mera casualidade 30. Este local est tambm associado aos dois nomes histricos da dissidncia muulmana j referidos - Ibn Marwn e Sa'dun ibn Fath al-Surunbqi a quem o rei D. Afonso III entregou a fortaleza de Carcar, junto ao Douro.31 Correia de Campos refere um artigo publicado pelo historiador e arabista Dr. Francisco Jos Velozo na revista O Islo (Agosto 1969, n. 5) intitulado: Um Muulmano Precursor da Independncia Portuguesa: Bem Marvo, o Galego e que refere o seguinte: Este irrequieto muulmano, em 868, frente de conversos e cristos, revolta-se em Mrida, a antiga capital da Lusitnia, contra o Emir ou Sulto Mafamede I. Em herica resistncia consegue favorvel capitulao, alcanando mesmo que se

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Ver: ROBIN, Christian Julien - "As Tribos da Arbia Deserta, Revista Histria, n. especial Para Compreender o Islo, pg. 20 31 Ver: PICARD, Christophe - Le Portugal Musulman (VIII.e XIII.e sicle) LOccident dal-Andalus sous domination islamique, pg. 122

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lhe entregue o lugarejo de Caria, de nome Batalice, a moderna Badajoz, que procura fortificar. Sabendo que antes de completar as obras de defesa do seu lugarejo ia ser atacado por Hxim, para o reduzir obedincia, retira-se, dirigindo-se com os seus partidrios para os espaos vazios que separavam as populaes muulmanas e crists, como refere Benalcotia. O lugar escolhido foi o castelo de Crcer ou Crquer. Diz o historiador Francisco Jos Velozo: No nos atrevemos a identific-lo com Santa Maria de Crquere, no longe de Lamego, mas no seria absurdo, nestas condies. O Galego no poderia levar as suas foras para o sul, a meter-se na boca do lobo, como alguns sugerem... Dali envia Sdum Arromarri, tambm converso (note o segundo nome), apoderar-se de Mons Salutis, na antiga Lusitnia. A seu pedido, Afonso III, o Magno, Rei de Leo, mandou-lhe tropas, que ele junta s suas hostes. Vence por fim Hxim, que aprisiona, mas que tratou benignamente, no obstante, quando depois de vencido, em Crdova, este o ter mandado esbofetear e insultar. Depois de ter fortificado convenientemente Badajoz, instala-se nesta praa de guerra com a sua corte, da governando todo o territrio lusitano a sul do reino da Galiza. Triunfante, morreu em glria, dando incio a uma nova dinastia, que s terminou em 930. O seu nome completo era Abderramo bem Marvo Beniunus, o Galego. Protegido por Afonso III, de Leo, e tendo-se instalado no castelo de Crquere, certamente teria l ampliado o pequeno morbito, transformando-o em mesquita. E seria esse material que, em parte, foi aproveitado, como dissemos, quando foi feita a igreja romnica de Santa Maria de Crquere. Harmoniza-se assim o que tnhamos deduzido na classificao do material observado, com os textos histricos. 32 Ibn Marwn (Abd al Rahmn Ibn Marwn ibn Ynus) apelidado pelos historiadores rabes de Ibn al-Djillqui (o filho do Galego), porque originrio de uma famlia do norte de Portugal que se havia instalado em Mrida, era pois um muladi, ou convertido ao Islo, que se revoltou contra o poder do Emir Mohammed I e tendo de fugir para o norte, obtm proteco por parte do rei de Leo, D. Afonso III e refugia-se no castelo de Crcar. 33 A povoao de Marvo, que identificamos nas proximidades da Rgua, junto a S. Leonardo da Galafura, onde existe tambm um cemitrio rabe, acaba por reforar32 33

CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pgs. 111 a 112 Ver, SIMONET, Francisco Javier - Historia de los Mozarabes de Espaa, Tomo III, pg. 509 e LVI-PROVENAL - Histoire de lEspagne Musulmane, vol. I, pgs. 295 a 298

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esta ideia e dar ainda mais evidncia a todos estes factos. Em Cinfes (Nespereira) existe tambm uma outra povoao com este mesmo topnimo.

8. Igreja de S. Martinho de Mouros A visita, fortemente aconselhada, a este impressionante monumento, dificilmente deixar algum indiferente. No fossem alguns, poucos, elementos de simbologia religiosa e pensaramos estar em presena de uma construo militar. Aparentemente, este carcter fortificado do templo deve-se, segundo Gonalves da Costa, necessidade das populaes neo-godas ou crists se defenderem contra os ataques dos muulmanos refugiados nas vizinhanas aps a reconquista. 34 Tal afirmao, talvez no seja destituda de sentido, embora nos parea que o carcter fortificado possa ser j uma herana de uma construo anterior, pois, semelhana do que se passa em outros monumentos, tais como Almacave, Castro da Mogueira ou a muralha de Lamego, tambm aqui possvel observar o mtodo construtivo tpico rabe, nomeadamente um embasamento em pedra de carcter mais rude e aparelhado de forma escalonada. O mesmo autor acaba por tambm chegar a essa concluso, referindo que talvez primitivamente consistisse num alccer mourisco do alto do qual os vigias dominavam as veredas de Montemuro, prontos a dar rebate em caso de perigo e a chamar a gente para defesa da povoao.35

Pinho Leal refere que no arco cruzeiro da igreja possvel observar a data de 707, mas que tradio firme que remonta ocupao dos mouros, e que fora obra deles, como muitos outros templos da pennsula 36. Esta data porm, caso exista, o que no conseguimos apurar, no se poder referir a construo islmica, tal como mencionado por Gonalves da Costa pois, como sabido, a invaso muulmana s se d a partir de 711. A igreja de S. Martinho de Mouros apresenta semelhanas, nomeadamente quanto ao prtico principal, com a Igreja de Almacave em Lamego, Ermida do Paiva em Castro Daire e ainda Barr em Resende.37

34 35

COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. I, pg. 608 COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. I, pg. 608 36 LEAL, Pinho - Portugal Antigo e Moderno, vol. 5, pg. 240/241 37 Ver: www.monumentos.pt (DGEMN)

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9. Igreja de Barr Esta belssima igreja, de um romnico tardio, (sculo XIII), foi classificada como Monumento Nacional em 1922. A torre sineira, nitidamente desfasada, obra muito posterior, datada do sculo XVII. O corpo principal da igreja detm um prtico lateral, de arco apontado, decorado com um alfiz em xadrez, assente em impostas de tmpano cego, bastante parecido com os prticos principais das igrejas de Almacave; S. Martinho de Mouros e Ermida do Paiva. Tal facto deve resultar da influncia e proximidade desses templos bem mais antigos. ainda de notar o facto de apresentar tambm afinidades com as igrejas de Escamaro, S. Cristvo de Nogueira e Tarouquela (Cinfes) 38.

10. Igreja de Tarouquela A Igreja de Santa Maria Maior de Tarouquela, em Cinfes, monumento nacional classificado desde Maro de 1945. Trata-se de uma notvel construo, indubitavelmente de poca romnica, mas que apresenta vestgios de aproveitamento de outras construes, que foi sofrendo alteraes consecutivas e restauros mltiplos ao longo dos tempos. Tambm nesta edificao podemos encontrar a marca dos alarifes rabes, ou dos seus ensinamentos. Assim, a sacristia aparenta ser construo muito antiga e rudimentar. Acentua esta ideia o seu prprio portal que d para a frente sul, a qual possui um outro portal. Este facto invulgar, s ser explicvel se considerarmos que um dos portais j existiria anteriormente. A portada mais antiga parece ser a que no tem colunas e dever ser material de aproveitamento. Os modilhes exteriores desta edificao transformada em sacristia, so diferentes dos do resto da igreja e assemelham-se aos utilizados em monumentos de poca rabe e que acabaram por ser utilizados tambm em muitas construes portuguesas posteriores. Existem ainda duas janelas geminadas, em ogiva, construdas segundo a tcnica rabe, cujo carcter vetusto e arcaico apenas ajuda a acentuar a noo de que no pode, de forma alguma, esta parte da edificao ser posterior ao corpo da igreja, mas sim o

38

Ver: www.monumentos.pt (DGEMN) e DIONSIO, Sant Anna - Guia de Portugal, V volume, pg. 712

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contrrio

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. Este mesmo tipo de fenestrao, por outro lado, aparece tambm em

algumas edificaes de poca rabe nos territrios do sul de Portugal. Tambm no interior possvel identificar alguns elementos dissonantes do resto da construo e que, segundo Correia de Campos, constituiro material de aproveitamento suevo-bizantino, de arte popular. Poderemos ainda, no interior da igreja, profusamente decorada, detectar outros elementos, nomeadamente de tradio rabe, como as arcarias cegas e capitis de duplo colarinho. A existncia deste profuso material de aproveitamento sugere com relevo e evidncia a possibilidade da existncia anterior de um outro templo.40 Para alm do apontado, notamos ainda semelhanas evidentes entre a decorao das janelas e portais desta igreja com as de S. Pedro das guias e Crquere. Apresenta ainda semelhanas com as mencionadas igrejas de Balsemo, Ermida do Paiva, Barr e Sernancelhe.41

11. Igreja de S. Cristvo de Nogueira Bastaria o facto de esta igreja apresentar semelhanas com a de Tarouquela para se justificar aqui a sua incluso. A comparao com Santa Maria Maior de Tarouquela acaba tambm por relacionar esta igreja directamente com outras do mesmo perodo. Infelizmente, trata-se de um templo que sofreu muitas alteraes ao longo do tempo. Mantm, contudo, semelhana das outras edificaes da mesma poca analisadas, alguns indcios de aproveitamento de material anterior, nomeadamente no centro exterior da cabeceira, onde possvel observar vestgios de um arco. Os arcos existentes so de ogiva, geralmente descritos como apontados e apresentam fecho de arco oriental. Tambm a decorao apresenta semelhanas com outros templos da poca. A ornamentao com esferas que debrua o prtico principal assemelha-se utilizada na Igreja de Escamaro. Todas estas semelhanas dever-se-o, neste caso, a influncias de construes congneres, o que no ser de estranhar atendendo proximidade com as mesmas e profuso de elementos rabes e orientais existentes na regio. A este templo encontra-se associada, tambm, mais uma lenda de mouros. Assim, diz a populao autctone que os mouros, que vem como gigantes de fora

39 40

Ver CAMPOS, Jos A. Correia de - Arqueologia rabe em Portugal, pgs. 57 e 58 Ver CAMPOS, Jos A. Correia de - Arqueologia rabe em Portugal, pg. 58 41 www.monumentos.pt (DGEMN) e COSTA, M. G. da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. IV, pg. 602

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sobre-humana, transplantaram, em uma s noite, esta igreja, desde os designados campos de Nogueira para a sua localizao actual.

12. Igreja de Sernancelhe A singela Igreja matriz de Sernancelhe no esconde as suas razes populares e aparenta uma mui vetusta fundao. Ter sido reconstruda em 1124 pelos senhores donatrios que nessa poca atriburam foral vila. O facto de se fazer meno a uma reconstruo pressupe, obviamente, uma pr-existncia. De facto, atendendo existncia integrante de elementos decorativos pr-romnicos, no nos causa espcie alguma admitir estar em presena de mais uma igreja onde intervieram alarifes rabes, ou mesmo reparada nos fins do sculo X pelos prisioneiros muulmanos, como ter sucedido noutras igrejas da regio. Gonalves da Costa refere a possibilidade de poder tratar-se de um templo de poca sueva, chamando a ateno para a pia de gua benta aberta num capitel visigtico, os drapejamentos num troo de escultura, as tampas de sepulturas ornadas de cruzes suvicas, as insculturas no friso do cruzeiro em forma de serra ou espinha de peixe 42. Este autor coloca ainda este monumento no mesmo grupo da igreja morabe de Balsemo.

13. Igreja da Ermida (Oliveira do Douro) A Igreja da Ermida um pequeno templo hoje praticamente desconhecido. Foi a igreja paroquial da freguesia de Oliveira do Douro, Cinfes, at incios do sculo XX. H alguns anos atrs, aquando da elaborao do Plano Director Municipal de Cinfes, pedimos a sua classificao como patrimnio municipal, depois do choque de uma primeira visita, em que na sacristia, transformada em pocilga, habitava o respectivo inquilino. A chuva infiltrava-se sob o telhado degradado, fazendo sair a cal das paredes, revelando os frescos h tanto tempo escondidos. A vandalizao era bem visvel, nas lpides partidas e no cho revolvido. O pedido de classificao foi aceite, mas os resultados...nulos. Hoje a degradao aumentou... e a runa eminente. Embora no exista praticamente documentao sobre este edifcio, trata-se de um templo muito antigo, cuja bside, seguramente de poca romnica inicial, apresenta42

COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. I, pg. 611

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uma muito bela janela. Trata-se, na realidade, de uma fresta ladeada por duas colunas, encimadas por capitis de rude decorao, aparentemente zoomrfica. O capitel do lado direito no se apresenta identificvel, enquanto o do lado esquerdo aparenta ser figura de animal selvagem, talvez um leo. O arco apresenta um alfiz de formas geometrizantes idntico ao do portal de S. Pedro das guias. A circundar a bside, e logo abaixo da altura da janela, existe um friso decorado tambm com formas geomtricas, a lembrar alguns motivos visigticos.

14. Castelo de Penedono Este singular castelo, de magnfica beleza e imponncia, cuja existncia no sculo X se encontra documentada, sendo referido num testamento datado de 11 de Junho de 960 43, parece ser um dos mais importantes e bem conservados da poca rabe, existentes ao longo do Douro. A construo das suas muralhas, de forma claramente diferente da geralmente usada em outras construes do gnero em toda a regio, evidencia o mtodo de construo rabe, em que fiadas de pedra mida se sobrepem a outras maiores, ligadas por uma argamassa especial e assim sucessivamente, tal como se podem encontrar nas fortificaes rabes de Sal e nas muralhas de Rabat, em Marrocos, por exemplo.44 Este castelo haveria ainda de mudar novamente de mos, passando novamente para o domnio rabe com as incurses de Almanor e s aps 1055, data em que Fernando Magno atravessa o Douro na regio de Zamora e entra na provncia da Beira, que este passa definitivamente para o domnio cristo.

15. Castelo de Numo Este imponente castelo (classificado como monumento nacional em 1910), que era alis um burgo fortificado, localizado a cerca de 700 m de altitude, na margem sul do Douro, encontra-se j referido no ano de 960, no testamento de D. Flmula Rodrigues e ter sido arrasado pelos irmos Tedon e Rausendo Ramires, nas suas incurses guerreiras contra os dominadores muulmanos. Na encosta Este, junto designada porta de S. Pedro e onde existiu uma capela com o mesmo nome existem dez sepulturas antropomrficas escavadas na rocha. Este43

GIL, Jlio - Os mais belos castelos de Portugal, pg. 69 e CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pgs. 69 e 70 44 Ver Anexos, fotografia do castelo de Penedono, pg. 55

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local designado usualmente pela populao local como sendo o cemitrio dos mouros. Existe uma outra porta, designada do sol e cujo caminho que lhe d acesso designado pela populao como sendo a calada romana. O recinto possui no centro uma cisterna circular, sem cobertura. A designada torre da vaca, localizada a Oeste, possui embasamento escalonado, tal como os rabes construam as suas fortificaes, tal como se pode ver em S. Martinho de Mouros e Lamego. Os vestgios parecem, assim, apontar vrias pocas de ocupao, desde a civilizao castreja, passando pelos romanos e pelos rabes, at ao perodo romnico 45. Esta fortificao fazia parte, sem dvida, da linha de defesa fronteiria estabelecida ao longo do Douro, reforada e ampliada no perodo rabe e dispunha de uma atalaia donde, graas sua posio elevada, eram enviados avisos para as outras fortificaes circundantes: Numo, Penedono, etc. 46 16. Castro do Morro da Mogueira As referncias poca do domnio muulmano, em S. Martinho de Mouros, no se ficam apenas pelo nome e pela toponmia. No local, mais exactamente no designado Castro do Morro da Mogueira, estao arqueolgica classificada como Imvel de Interesse Pblico em 25 de Junho de 1984, onde em 1891, Leite de Vasconcelos identificou uma estao luso-romana e parecem ser os vestgios de um castro romanizado47

, foram identificadas runas de uma muralha em pedra com um48

aparelho de blocos bem organizados

do perodo rabe.

Localizando-se na margem esquerda do Douro, no cimo de uma imponente escarpa grantica que se eleva aos 450 metros, quase totalmente rodeada por duas linhas de gua e de muito difcil acesso, na proximidade de importantes locais de passagem, nomeadamente do que se localiza a montante de Porto de Rei, muito prximo de Mogueira e que corresponde provavelmente ao traiectus de um ramal da estrada Mrida-Braga49

, a qual ligava a Crdova e Sevilha

50

, era, sem dvida, o local

propcio para o estabelecimento das foras rabes, na delimitao e controlo da linha de defesa formada pelo Douro, da mesma forma que o havia sido anteriormente para os romanos.45 46 47 48 49 50

Ver: CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pgs. 49 a 52 Ver: DIONSIO, Sant Anna - Guia de Portugal, volume V, pgs. 793 a 797 MANTAS, Vasco Gil - A inscrio rupestre da Estao Luso-Romana de Mogueira (Resende), in Revista de Guimares, volume XCIV, pg. 362 TORRES, Cludio/MACIAS, Santiago - O legado islmico em Portugal, pg. 61 MANTAS, Vasco Gil - A inscrio rupestre da Estao Luso-Romana de Mogueira (Resende), in Revista de Guimares, volume XCIV, pg. 370 Ver Anexos: Mapa das Vias de Comunicao, pg. 67

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tambm referida a existncia no local de um provvel cemitrio mourisco e um rochedo cncavo, com sinais de uma azenha ou piso de moer sementes mouros. Na base deste morro, do lado nascente, existe uma furna de grandes dimenses a que o povo chama Buraca da Moira e que dizem ser um tnel por onde os mouros levavam os cavalos a beber ao rio mas que, tudo leva a crer, ser porm uma sada alternativa ou uma cisterna.51

, bem

como a probabilidade de se tratar de um castro, ocupado posteriormente por romanos e

17. Castro das Portas de Montemuro O designado castro das Portas de Montemuro (I. I. P., Decreto n. 735/74 de 2112), povoado fortificado datado da Idade do Ferro, parece integrar, conjuntamente com outros povoados fortificados da regio, parte de uma linha de defesa da prpria Serra de Montemuro, durante o perodo do domnio rabe. Arnaldo Rocha 52, defende mesmo a sua origem entre os sculos VIII e X, o que, porm, no nos parece provvel. Antes nos parece mais aceitvel que tenha existido um aproveitamento, por parte dos povos rabes/islmicos, de uma estrutura pr-existente, tal como era usual e fizeram noutros locais da regio como, por exemplo, no anteriormente referido Castro da Mogueira, em S. Martinho de Mouros. A presena de variados topnimos na regio montemurana, qual anda associada a memria da populao local de renhidas batalhas entre mouros e cristos, ajuda a sedimentar esta ideia, da existncia de fortificaes que ajudassem a defender e controlar o territrio. De facto, nas gentes do Montemuro, ficou bem gravada a memria de ferozes e renhidas batalhas, travadas no planalto montemurano, entre mouros e cristos (entre os nossos e os mouros, como dizem). Os locais das lutas, geralmente referidos, so O Campo de S. Pedro, O Perneval e a Lagoa de D. Joo. Assim, no nos custa a crer que outros castros da regio, como o de Aldeia (ou das Coras) em Ferreiros de Tendais; o de Sampaio, prximo de Cinfes e o de Tendais; bem como as Torres de Ch e da Lagaria, possam ter feito parte de todo este sistema defensivo e de vigia.

51 52

DUARTE, Joaquim - S. Martinho de Mouros ROCHA, Arnaldo - A muralha das Portas, algumas consideraes para uma leitura diferente, in Terras de Serpa Pinto n. 2, pgs. 31 a 43

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18. A Casa do Cubo - Boassas (Cinfes) Estranhamente, e apesar da sua grande antiguidade, a aldeia de Boassas no tem um templo religioso de poca remota. A sua capela, tendo em conta os vestgios antigos da povoao, que remetem para pocas anteriores fundao da nacionalidade, recente - data de 1710. A prpria capela particular da Casa do Cubo, mais antiga, dever datar de incios do sculo XVII, pois tem no seu interior um tmulo datado de 1650. Salientamos, contudo, o facto de que, esta capela, ao contrrio do que frequente nas casas senhoriais, no se encontra integrada ou adossada referida casa, mas sim bastante afastada. Sobre este pequeno templo refere o historiador M. Gonalves da Costa: No mesmo lugar (de Boassas) fundou o P.e Manuel Pereira a capela da Senhora do Amparo, obrigada a 24 missas por ano e 2 ofcios de 7 padres, um deles celebrado durante a Quaresma. A 10 de Junho de 1650, o cnego Clemente Gonalves Carneiro, em s vacante, passou licena de nela se dizer missa, depois de satisfeitos os 3.440 ris da chancelaria. Em 1726, a administrao pertencia a Antnio Barbedo. 53 Defendemos, em determinada altura, a hiptese de haver sido durante muito tempo a Casa do Cubo a capela (ou igreja) de Boassas 54. De facto muitos vestgios para isso apontam, porm, hoje, pensamos que a sua origem ser ainda supostamente mais remota. Atendendo s caractersticas muito antigas da construo e de alguns dos seus motivos decorativos aparentarem ser de poca romnica; atendendo ainda provvel fundao rabe da aldeia, somos levados a pensar que, tambm aqui, poder estar mais um elo de ligao de todos estes elementos. Ser que a construo original que veio a transformar-se naquela que hoje a Casa do Cubo, poder ter sido, inicialmente, o ribt muulmano que originou a Arribada e posteriormente a capela da aldeia? Talvez s uma apurada investigao e algumas escavaes arqueolgicas o permitam saber. A prpria designao Casa do Cubo, que at agora sempre nos pareceu enigmtica e algo anacrnica, ganha lgica e revela algum sentido, quando analisada luz de uma provvel origem rabe do povoado. De facto, o topnimo CUBO poder provir da palavra rabe qbba, que designa o pequeno edifcio religioso, onde se abrigavam os eremitas sufis, de planta quadrada e cobertura semi-esfrica, tambm designado morbito e muito comum no Alentejo.

53 54

COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. IV, pg. 375 Ver: CERVEIRA PINTO, Manuel da - A Casa do Cubo, in Terras de Serpa Pinto, n. 6, pgs. 69 a 74

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Textualmente a palavra qbba significa cpula. A explicao em voga, que remete para uma parte da edificao localizada na parte superior que detm forma cbica e que, assim, teria dado origem ao nome da casa no plausvel uma vez que esse acrescento da casa recente, provavelmente de incios do sculo XX, finais de XIX e, j muito anteriormente, nos sculos XVII e XVIII, a casa era assim designada em documentos da poca. Ser ainda de salientar que a varanda da casa do cubo constitui um dos melhores locais em Boassas para se observar o rio Douro. 55

19. O tmulo morabe da Igreja Matriz de Cinfes At ao momento apenas encontramos referncias a este tmulo, existente no interior da Igreja Matriz de Cinfes, em Correia de Campos. Segundo este autor e colocando desde j as necessrias reservas, estaremos em presena do tmulo de um personagem cristo com indumentria rabe. 56 Trata-se de um tmulo aparentemente muito antigo, de uma rudeza singular, no qual a esttua jacente no apresenta feies. Estes dois factos, o no apresentar feies, semelhana do que era frequente na representao figurativa dos artistas muulmanos, de forma a respeitar os preceitos do Aloro e o tipo de indumentria com que o personagem se encontra representado, sugerem estarmos na presena de pessoa importante, sepultada de forma crist, mas que ter adoptado a cultura rabe. 57 O facto de a esttua jacente no apresentar feies afigura-se intencional, uma vez que o sarcfago onde esta se encontra lavrada est assente sobre dois cachorros, que embora esculpidos tambm de forma rude e grosseira, apresentam as respectivas cabeas trabalhadas. Por outro lado, sabe-se que eram precisamente os personagens nobres, mais abastados e de maior posio social, que aderiam mais facilmente cultura rabe/islmica. [Basta ver casos como os dos prprios reis D. Afonso X o sbio, ou D. Diniz e, at na prpria regio, primeiro com os condes que se juntam a Almanor e posteriormente na forma como o comando de Lamego, aps a sua conquista pelos cristos, acaba por ficar por um largo perodo de tempo nas mos de morabes como Echa Martim, o qual havia mesmo sido anteriormente o ltimo vali mouro de Lamego e

55 56

Ver Anexos - Fotografias da Casa do Cubo, pgs. 52/53 CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pg. 112/113 57 Ver, CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pg. 112/113

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D. Sesnando 58 governador de Coimbra e que fora vizir no supremo conselho do famoso emir de Sevilha Ibn Abed al-Mu'tamid.] Este sarcfago, acompanhado de um outro tambm muito antigo teriam vindo da anterior igreja de Santo Antnio, instituda no ano de 1388 e entretanto demolida para dar lugar ao templo actual, parecendo porm ser bem mais antigos que esta, atendendo s suas caractersticas arcaicas e rudes, que no se coadunam de forma alguma com as esttuas jacentes de outros tmulos da mesma poca. Sem outros elementos que nos ajudem a esclarecer esta questo, resta-nos apenas concordar com Correia de Campos na acepo de que talvez a abertura do mausolu desse soluo ao interessante problema. 59 20. Os azulejos mudjares da igreja de Escamaro A vetusta e singular Igreja de Escamaro, Imvel de Interesse Pblico classificado em 1950 referida, por vezes, como tendo afinidades com as igrejas de Barr e Tarouquela 60. Referente a este templo ser, sem dvida, invulgar e digno de registo, a existncia de dois painis de azulejos (em rabe, al-zulayj) hispano-rabes, ou mudjares, nos frontais dos altares da igreja romnica de Nossa Senhora da Natividade de Escamaro, tambm em Cinfes. Este conjunto representa tambm mais um profundo golpe na ideia pr concebida de que a influncia da arte islmica e mourisca no ter chegado at aos territrios do norte de Portugal, assim como na prpria noo de que o mesmo se ter verificado no entrosamento entre a arte islmica e crist, de facto muito mais evidente no sul do pas. Da mesma forma, provando tratarem-se de facto de azulejos mudjares, ver-se- confirmada ainda a ideia, defendida por Adalberto Alves, de que, afinal, a fabricao de azulejos tambm foi uma realidade no Garb al-ndalus. De qualquer modo e independentemente disso, teremos agora que concordar plenamente com o citado autor quando afirma que questionvel a assero, geralmente aceite, de que no teria havido fabrico de azulejos no Garb al-ndalus. 61

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Nota: D. Sesnando administra Lamego e o seu territrio a partir de 1064/1065 CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal , pgs. 112 /113 60 Ver: www.monumentos.pt (DGEMN) 61 ALVES, Adalberto - A herana rabe em Portugal, pg. 53

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21. A cuba de Miomes Um priplo por terras de Resende, aquando de uma das visitas ao Mosteiro de Crquere, atravs de estradas recentes e menos conhecidas levou-nos passagem por Miomes. A singularidade da edificao, adossada a um edifcio de autntica arquitectura tradicional, prendeu-nos de imediato a ateno, pois no nada usual depreendermo-nos com uma igreja redonda e de cobertura em abbada, nesta regio. 62 Por momentos pensamos estar no sul, pois a construo assemelha-se a alguns oratrios, cubas ou morbitos existentes no Alentejo, como o de Galveias, o de Brotas, ou mesmo o da igreja de Santana em Peniche 63. A adaptao destas estruturas a capela de casas senhoriais, ou mesmo a igrejas, foi bastante frequente, sobretudo no Alentejo e sul de Portugal e acabou tambm por influenciar alguns tipos de construo. A casa ter sido edificada no sculo XVII, porm a capela evidencia ser prexistente e a casa que lhe ter sido adossada. Ser ainda de notar que os oratrios ou cubas de planta redonda so mesmo os mais raros e invulgares, o que acaba por nos fazer pensar que, mesmo que o exemplo em questo, no se trate de um monumento da poca rabe, a influncia da sua cultura na regio teria que ser grande, para se fazer sentir de forma no s a serem adoptados modelos invulgares no norte da pennsula como, inclusive, os genericamente menos utilizados.

22. A Torre da Lagaria A torre da Lagaria um impressionante monumento que, por vrios motivos merece ser visitado. O seu carcter histrico vetusto e imponente, assim como a prpria localizao, inspiraram o romance de Ea de Queiroz intitulado A Ilustre Casa de Ramires. Encontra-se classificada como Imvel de Interesse Pblico desde 1977. No nos deveremos enganar muito se apontarmos a sua fundao para meados ou final do sculo X. A edificao, circundada parcialmente por muro semi-circular, seria inicialmente uma atalaia ou torre de vigia.64 Apresenta pequenas janelas geminadas de ogiva, de tipo oriental, embasamentos marcados e um mata-ces apoiado em msulas. 65

62 63

Ver: Anexos. fotografia da Capela (ou morbito) de Miomes, pg. 61 Ver CAMPOS, Jos A. Correia de - Monumentos da antiguidade rabe em Portugal, pgs. 85 a 115 64 Ver, www.monumentos.pt (DGEMN) 65 Ver: fotografia da Torre da Lagaria, pg. 57

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Aparenta ser um monumento semelhante Torre de Ch, no extinto concelho de Ferreiros de Tendais, actual concelho de Cinfes e que foi o solar da famlia Pinto, senhores de Riba de Bestana e do Pao de Covelas. 23. A Torre de Ch Esta fortificao, hoje desaparecida e da qual existem apenas alguns registos, est ligada a factos histricos relevantes de toda a regio de Cinfes, nomeadamente do tambm extinto concelho de Ferreiros de Tendais. Diz a lenda ter sido edificada por Giraldo Giraldes o sem pavor, famoso guerreiro morabe bem conhecido, cuja fama ombreia com o Cid o campeador. Se o facto no confirmado pelos dados histricos, no deixa de ser curiosa a relao com a personagem, sobretudo em sabendo-se da sua ligao com os muulmanos. Por outro lado esta torre, que descrita e mencionada por vrios autores, como por exemplo Camilo Castelo Branco no seu romance intitulado Maria da Fonte, teria uma fisionomia idntica, como j referi, da Torre da Lagaria e est, inclusive, relacionada com a mesma famlia dos Pintos. Ser tambm de notar o epteto desta famlia: Pintos de Riba de Bestana, Senhores da Torre de Ch. Quanto a ns, esta designao poder ser reveladora da prpria funo da torre, e os Senhores da Torre de Ch poderiam mesmo ser, pois, nada mais nada menos, que os Pintos do Ribt de Bestana. Curiosamente at na prpria posio geogrfica ambas as torres se assemelham. Supomos que, no local, ser ainda possvel detectar alguns elementos deste vetusto monumento, sobretudo na chamin da actual casa. A pequena capela adjacente e que sobreviveu destruio, denominada de Sto. Antnio, bem mais recente e parece datar do sculo XVII, a avaliar por uma inscrio existente no retbulo interior, que diz o seguinte: Esta capella mandou fazer Francisco de Oliveira e Brito e sua mulher Isabel Pinto da Costa. 1671.. Nas imediaes existem algumas lajes tumulares, uma delas prefigurando-se antropomrfica, que parecem indiciar a presena de uma necrpole. O melhor registo grfico que se conhece deste antigo monumento, entretanto desaparecido, um desenho pena do Dr. Jos Cabral Pinto de Rezende. 66

66

Ver anexos - Desenho da Torre de Ch, pelo Dr. Jos Cabral Pinto de Rezende, pg. 59

75

24. Os lagares mouros Em Boassas notvel a produo de azeite, o que sugerido logo pelo nome da prpria freguesia onde se insere - Oliveira do Douro. Toda a povoao se encontra rodeada de olivais. As outras culturas preponderantes so a vinha e os laranjais. Seria portanto mais do que natural que existissem locais onde se pudesse fabricar o azeite, o que de facto acontece. Dentro da povoao existem, pelo menos, dois lagares (aqui chamados azenhas), afastados algumas dezenas de metros. Um deles ainda funcionaria h no muito tempo, do outro, mais antigo, no existe memria do seu funcionamento. Na realidade trata-se, neste ltimo caso, de uma construo muito antiga que sofreu ao longo do tempo muitas alteraes, tendo servido de cantina, posto de correios, palheiro e arrecadao de material agrcola. Recentemente detectamos, na ombreira de uma antiga porta deste mesmo edifcio, duas inscries com a data de 1072, das quais no foi ainda possvel verificar a autenticidade. 67 Ao comprovar-se esta data estaramos, portanto, em presena de um autntico lagar mouro, isto se tivermos em conta que Lamego s tomada definitivamente pelos cristos em 1057, e que a partir de 1064/1065 a prpria administrao do territrio ir ser feita pelo morabe D. Sesnando. Ainda nas proximidades de Boassas foram identificados mais dois lagares mouros, estes abertos na rocha, um prximo do cemitrio de Oliveira do Douro e outro junto Quinta do Pao, na Chamusca, prximo da povoao de Fundoais 68. Este ltimo, aps visita ao local, parece-nos contudo ser o aproveitamento de uma sepultura escavada na rocha, posteriormente adaptada a lagar 69. Tambm no vizinho concelho de Resende, junto igreja romnica de Nossa Senhora da Assuno, em Barr, foi identificado um outro lagar da mesma poca.

67 68

Ver: Anexos, fotografia da inscrio do Lagar mouro de Boassas, pg. 45 PINHO, Lus M. Silva - Subsdios para o inventrio arqueolgico do Vale do Bestana, pg. 14 69 Ver: Anexos, fotografia do Lagar mouro da Chamusca-Boassas, pg. 46

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3. Cultura, usos e costumes [Manifestaes culturais e sociais populares. As lendas e histrias de mouras encantadas. Smbolos. Resqucios de linguagem. O barco rabelo. A cultura da oliveira e da vinha., etc.]

As lendas de mouras encantadas As terras de Lamego, semelhana do que se passa um pouco por todo o pas, prdiga em lendas de mouras encantadas. Assim, no Castelo de S. Paio, prximo de Cinfes diz o povo haverem os mouros feito uma estrada subterrnea entre este local e o Poo Negro, no Ribeiro de Cabris 70, isto semelhana do que em Resende sucede com a denominada Buraca da Moira, no j citado Morro da Mogueira, onde afirmam, construram os mouros um tnel que desembocava no Rio Douro e que lhes permitiria, em poca de cerco prolongado, abastecerem-se de gua e levar os prprios cavalos a beber. Da mesma forma, afirmam tambm que no Castelo da Aldeia, (Castro Cio ou do Monte das Coras), na freguesia de Ferreiros de Tendais, em Cinfes, teriam os mouros feito uma passagem subterrnea que iria ligar ao Rio Bestana. A tradio menciona tambm que nas proximidades construram os mouros (ou tentaram construir) uma ponte. Seja como for, no se nos afigura que seja de desprezar a ideia de que estes castros da regio (castelos, como lhes chama o povo) tero sido, em regra, ocupados pelos mouros, uma vez que possuam material para construir abrigos e fortificaes e se localizavam em locais estratgicos de onde era fcil organizar a defesa e vigiar o territrio, sobretudo o rio Douro. Se muitos haviam j sido anteriormente ocupados pelos romanos porque motivo no o haveriam de ser agora pelos rabes? Neste citado Castro da Aldeia, para alm da bvia referncia toponmica, existe tambm um muito interessante forno que se afigura medieval e umas curiosas furnas escavadas na rocha saibrosa que aparentam ter sido celas de eremitas (poderiam ser sufis ?). A povoao de Boassas e seus arredores tambm no escapa regra das lendas de mouros. Stios como a Lapa da Ch, a Pedra que bole, a Bulha, etc., so os

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Ver: PEREIRA, Verglio - Cancioneiro de Cinfes, pg. 30

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locais encantados referidos, na maior parte dos casos, pelos populares. Na Penajia, perto de Lamego, o impressionante afloramento rochoso chamado Castelo dos Mouros tambm alvo de uma curiosa lenda, a existiriam grutas subterrneas, onde uma moura encantada guardava um tesouro. Estavam a duas talhas escondidas. Uma faria a riqueza de quem a encontrasse, pois teria ouro a mais no poder ser. A outra - a talha da peste - se achada, no s mataria o curioso, como arrasaria toda a freguesia... 71 A histria ou lenda mais vulgar prende-se, porm, com as Fontes da Moura, que segundo a tradio eram habitadas por uma moura que, nas proximidades, guardava os seus tesouros debaixo de uma penedia. De uma forma geral, minas, poos e grutas andavam invariavelmente associados a este tipo de imaginrio. Nenhuma destas lendas porm se assemelha s Lendas de Ardnia e de Alcanides, do castelo de Lamego.

A lenda de Ardnia (Ardnia ou Ardinga) A lenda da Princesa Ardnia revela-se de especial significado para o estudo desta regio, da sua cultura e do seu patrimnio, acabando mesmo por ser um interessante elo de ligao entre vrios elementos e smbolos populares da regio. Seno vejamos: O pai da lendria princesa chama-se Huim Albocem e ter sido vali de Lamego (este nome vai adquirindo vrias cambiantes e aproxima-se muito daquele que tido como o fundador de Boassas - Zidi Abolace). O cavaleiro cristo chama-se D. Tedon (ou Tedo) que o nome de um rio da regio, afluente do Douro. Por outro lado, parte da cena passa-se no local onde hoje se ergue o singelo templo romnico de S. Pedro das guias, o qual manifesta ntidas influncias orientais na sua concepo. 72 Reza assim a descrio da lenda de Ardnia pelo licenciado Jorge Cardoso, no tomo I do seu Agiologio Lusitano: Em Lamego, a violenta morte da Princesa Ardinga, filha de um rei mouro daquela cidade, ao tempo que nela, e na maior parte de Espanha dominavam os (...) Ismaelitas. Esta levada da fama das grandes faanhas do ilustre capito Tedon, bisneto do rei D. Ramiro II de Leo, que o mundo apregoava, e vencida do amor, e casta afeio de o alcanar por consorte, disfarada ausentou-se do palcio de seu pai, em companhia de uma sua colaa, e havendo caminhado alguns dias, fugindo das estradas,

71 72

LARANJO, F. J. Cordeiro - No Compasso do Concelho de Lamego (24 Freguesias), pg. 67 Ver neste captulo o ponto 2. Arqueologia e arquitectura, pgs. 60/61

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veio ter ao mosteiro de S. Pedro das guias da Ordem de So Bento na comarca da Beira, de que era abade Gelsio, monge de muito santa vida, o qual alcanando nas primeiras palavras, que com ela falou, quem era e o fim da sua vinda, lhe persuadiu, que se o queria ter por bom terceiro em sua pretenso, havia primeiro que seguir a f de Cristo, o que ela de boa vontade aceitou, e instruda na doutrina e Sagrados mistrios, recebeu a gua do Santo Baptismo. O que sabendo seu pai, veio dissimuladamente em sua busca e com infernal furor (no se fiando de outrem) ele prprio por suas mos afogou, em dio de nossa sagrada religio, que havia professado: pelo que piamente cremos goza na glria esta purprea rosa (nascida entre os espinhos da seita maometana) da ilustre coroa de mrtir. 73 Detectamos ainda uma outra verso, aparentemente mais recente, que diz o seguinte: Ardinga era uma formosa princesa moura, pouco mais que adolescente. O pai, vli de Lamego no Sculo X, guardava para o califa de Crdova (hoje Espanha) esta terra, mas verdadeiramente guardava-a para si das tentativas de conquista do rei leons. Neste cenrio de guerra desabrochou o amor no corao de Ardinga. No castelo contavam-se histrias de hericos cavaleiros cristos e de um melhor que todos D. Telon, que batalhava nas montanhas de nascente. Ardinga ouvia estas narrativas e sentia mais fervor por elas que pelas repetidas histrias das Mil e Uma Noites que as aias lhe contavam com os olhos de sono. E o seu corao prendeu-se ao cavaleiro cristo com o mais belo dos amores. Certa noite, juntamente com uma irm que lhe anima o sonho formoso, fugiu do castelo. Seu amor levava asas e guiou-lhe os passos por caminhos das cristas difceis de transpor, por vales onde repousa sombra das ermidas. Num alcantil do rio Tvora So Pedro das guias, eremitrio confundido com os rochedos o abade Gelsio animava os guerreiros e curava-lhes as feridas da alma e do corpo. Ardinga beijou-lhe o manto e contou-lhe o seu segredo. Mas o seu cavaleiro, perdido nas lutas, demorava a tomar posse do seu corao, j feito cristo pelo baptismo. Enfurecido, o vli seu pai procurou Ardinga pelo caminho que conduz aos cristos. Encontra-a e, duro no perdo, mistura o sangue mrtir da filha com as guas inocentes do rio. Quando o cavaleiro cristo chegou, s conheceu a tragdia. Nunca mais o seu corao de poeta havia de amar seno a memria do amor da jovem princesa moura. Hoje, as rotas de Ardinga passam por muitos templozinhos

73

Ver: www.mundodacultura.com

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cristos de romnico saboroso, construdos com amor sobre as runas das ermidas que guiaram a princesa. 74

A lenda de Alcanides Esta lenda vem, de alguma forma, complementar a anterior e revela tambm uma grande carga simblica. Em muitas noites, noutros tempos, nos cus de Lamego, quando no havia o claro da lua cheia, podia ver-se pairando sobre o castelo da cidade uma alva pomba que enebriava de suave aroma todo o ambiente. Era a alma de Alcanides, a irm colaa de Ardnia. Aquela, prodigiosamente, teria salvo agarenos em difcil empresa. Estes, haviam enterrado na capela de Nossa Senhora da Paz a imagem desta Senhora. D. Tedon (ou Tedo), que teria jurado vingar a morte de Ardnia, mandou colocar a imagem de Nossa senhora numa balana e exigiu o seu peso em prata. Por mais metal precioso que os mouros deitassem no outro prato, a balana no se equilibrava. Pedida a interveno de Alcanides que estava presa nas masmorras do castelo, como cmplice na fuga de Ardnia, logo a presena daquela teve a arte de fazer equilibrar a balana e, assim, foram libertados os refns de D. Tedon. Ela no quis a libertao que lhe foi oferecida. Aps a morte a sua alma passou a pairar sobre o castelo sempre que no havia luar. 75

As mouras encantadas do castelo de Lamego Um rei mouro, muito antigo, levado por poderosa fada feiticeira, mandou abrir, secretamente, no bairro do castelo, trs tneis para uma sala, cada qual com a sua porta fechada. Mais, fez afixar uma legenda entrada destas portas. Numa estava escrito: peste que pode matar gente at uma lgua em volta; noutra: tesouro de grande riqueza; e numa terceira: encantamento. Mas, ficou tambm ali uma advertncia: cuidado, que esto as legendas trocadas. Este senhor do castelo, um dia, receando ser morto pelo nosso Rei D. Afonso Henriques, resolveu fugir, sem ver modo de levar consigo as suas trs filhas formosssimas e jovens. Assim, pediu a uma fada feiticeira que o acompanhava, que as encantasse. Tomaram as trs lindas mouras o blsamo do encantamento, que lhes

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Ver: www.unex.es Ver: www.mundodacultura.com

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permitia durao eterna, ficando guardadas no dito subterrneo aonde existem...Tambm foi encerrado, noutro tnel, o tesouro real. E l se foi o rei mouro para os Algarves. Pensava voltar um dia, com a fada que lhe desencantaria as filhas, e haveria igualmente o tesouro escondido. Faleceu em Tavira. A fada que o acompanhou, tambm. Continuam no bairro do castelo as trs princesas mouras... Quem as procura receia abrir por engano o tnel da peste, e todos tm desistido. 76

A lenda do Ladoeiro do Castelo de Lamego Esta uma das lendas, quanto a ns, mais belas e significativas, pelo que revela relativamente ao prprio sentimento das pessoas quanto aos chamados mouros. Assim, (...) segundo a tradio, os mouros teriam plantado, junto ao castelo, a rvore africana do ladoeiro, perpetuada nas armas da cidade, cujos frutos fazem esquecer a ptria e assim por c ficariam para sempre. S que, fora de frica, o ladoeiro no d frutos. 77

A breza de Montemuro Jorge Dias descobre, em plena serra de Montemuro um cesto cujas semelhanas so, segundo a sua prpria expresso, flagrantes, com um cesto egpcio da XII dinastia, encontrado por Gayet, no tmulo de Antinoe. Este tipo de cesto, de formas variadas e de utilizao diversa, assim chamado por ser construdo com breza, ou seja, colmo ou palha de centeio atada com silvas. Este objecto artesanal ainda hoje manufacturado em Cinfes nas povoaes serranas de Bustelo da Laje e Gralheira de Montemuro. Jorge Dias acredita estar em presena de um caso de difuso a partir do prprio Egipto, at porque a sua tcnica de fabricao se espalha por todo o Norte de frica e regies ainda mais longnquas, sendo portanto muito provvel que tenha sido trazido para a Pennsula por um cesteiro berbere aquando da invaso muulmana78

, mas

poder tambm ter sido trazido por um dos muitos egpcios que integravam essas expedies. O citado autor menciona tambm, como provvel, a difuso da tcnica de fabricao da breza para outros locais, onde possvel encontrar este tipo de cestaria (Amarante, Oliveira de Azemis e Bragana), a partir da prpria serra de Montemuro.76 77

Ver: http://castelos. Planetaclix.pt COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. I, pgs. 73/74 78 Ver: DIAS, Jorge - Estudos de Antropologia, vol. II, pg. 147

81

A cano marroquina do cancioneiro de Cinfes Tambm na msica os vestgios da presena rabe se fazem notar na regio. Em meados do sculo XX, Verglio Pereira elabora a recolha do notvel Cancioneiro de Cinfes e surpreende-se ao encontrar uma cano de extrema raridade e, porventura, nico exemplar conhecido no nosso Pas, at ao momento. A Coreia n. 264, concebida em compasso OCTANRIO. Para acentuar, ainda mais, o carcter nico deste achado, verifica que este ritmo se julgava mesmo, at esse momento, exclusivo da msica marroquina. O mencionado Cancioneiro de Cinfes, refere: Recolhida na freguesia de Travanca. Tipo meldico: coral de Luthero. Gnero meldico: Chula. A notar: pela primeira vez aparece grafada uma cantiga tradicional portuguesa no compasso OCTANRIO, que parecia exclusivo da msica clssica dos marroquinos, gerada na Pennsula durante os sculos X a XV (no Alandalus). A diviso binria do tempo, em oposio ao tempo perfeito, era novidade no sculo XIV. O presente compasso, como alis, o quinrio, solicitam-nos para o problema da leitura das tercinas na msica dos trovadores. 79

79

PEREIRA, Verglio - Cancioneiro de Cinfes, pg. 108

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Quero cantar, que mouvides, J que eu vos falar no posso; Eu quero que vos lembreis, O meu corao qu vosso. Eu dava-te uma castanha, Se o castanheiro ma desse; Eu prometi de ser tua, Se o meu amor no viesse... 80 Verglio Pereira refere ainda um outro exemplo detentor de influncia oriental, nomeadamente a cano n. 193, recolhida em Moimenta, em que, semelhana do que acontece na msica rabe, vai acelerando medida que se aproxima do fim.

Resqucios de linguagem Alguns termos de origem rabe so ainda usados na regio, ou eram at h bem pouco tempo. Muitos desses termos esto ligados agricultura e s medidas utilizadas, como por exemplo: o arrtel; a teiga, o alqueire e o almude. Na serra de Montemuro, os pastos tm a designao, proveniente do rabe, de alqueives (as pessoas pronunciam alquves). So vulgares termos como: alarido; algazarra; arrais; almadia; alcova; aldrava; tabique; albornoz; aljube; ceroulas; aafate; albarda; alforge; almofariz; almotolia; aacaia; acquia; aude; azenha; nora; aafro; regueifa; azeitona; tremoo; alfarroba; tmara; acepipe; alade; adufe; rabeca; etc... Na gastronomia tambm possvel encontrar indcios da presena rabe, em comidas como a aorda; a aletria, as filhs, os formigos; etc. So ainda usuais expresses como: oxal [se Al quiser!], tem fora como um mouro, mourejar ou trabalhar como um mouro.

O barco rabelo H quem aponte origem Viking para os barcos rabelos, o que, diga-se, nos parece bastante improvvel, pelo menos no tanto quanto a outra hiptese geralmente aceite, que a de ser de origem rabe, ou pelo menos mediterrnica. De facto, a sua80

PEREIRA, Verglio - Cancioneiro de Cinfes, pgs. 516/517

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forma assemelha-se, ainda que vagamente, aos barcos egpcios do Nilo e alguns autores situam mesmo o seu aparecimento em entre os sculos IV e IX. 81 Uma presena constante de quase quatrocentos anos, (contrastando com a cultura Viking que apenas se fez sentir esporadicamente) um conhecimento profundo tanto da arte da navegao, como da prpria construo naval, aliados cultura da vinha, que na poca parece ter sentido grande impulso, parecem-nos motivos bem mais que suficientes para sugerir uma provvel origem rabe do barco rabelo, ou pelo menos influenciar grandemente a sua adaptao e transformao. A prpria existncia de um barco de nome rabe existente no Douro, denominado azurracha e que poder ser o antepassado do barco rabelo, d maior credibilidade a esta opo.

A azurracha Trata-se de um barco, de configurao semelhante ao rabelo, embora sem vela. A sua denominao, provm da lngua rabe e significa pequena embarcao. Azurracha, s. f. embarcao usada no rio Douro, com um remo a servir de leme (espadela) e dois remos laterais. (Do rabe az-zallaj, espcie de barca) 82 Poder ser o prprio barco rabelo tambm uma herana rabe ? Armando de Mattos no seu livro O barco rabelo, refere essa possibilidade. Ser, sem dvida, interessante e talvez profcua uma investigao neste campo, nomeadamente atravs do contacto com alguns marinheiros dos rabelos, alguns dos quais ainda so vivos e habitam em Boassas e Porto Antigo, no concelho de Cinfes.

O mestre arrais Este era o nome dado ao capito do barco rabelo. Ser interessante verificar a provenincia deste nome. Assim, segundo o dicionrio: arrais, s. m. 2 nm. patro ou mestre de um barco ou lancha. (Do rabe ar-ri, capito de um navio) 83

Smbolos O sino saimo - Em Boassas os marinheiros dos barcos rabelos usavam nos

81

Ver: MONTEREY, Guido de - Miomes (Resende), O rio Douro, os barcos rabelos, in Jornal Miradouro n. 1337, de 11 de Janeiro de 2002 82 COSTA, J. Almeida / MELO, A. Sampaio e - Dicionrio da Lngua Portuguesa, pg. 226 83 COSTA, J. Almeida / MELO, A. Sampaio e - Dicionrio da Lngua Portuguesa, pg. 178

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braos uma tatuagem de um sino saimo ou estrela de David (de seis pontas). Este smbolo oriental ainda hoje utilizado na porta das casas, gravado nas pedras ou no cimento. Para este mesmo efeito tambm utilizada a estrela de cinco pontas. elemento decorativo usado nas igrejas de Crquere e Tarouquela. Por curiosidade e a este respeito, transcrevo uma passagem do livro de Alves Redol, Porto Manso: A neblina da manh amaciava os longes. As quebradas dos montes vinham juntar-se em baixo, suavemente, segredando o caminho do rio. Os refegos, acastelados, ficavam no horizonte, como panejamentos de cores suaves, onde havia cinzentos fimbrados de moreno bao com laivos de neve, to branco se tornara o nevoeiro com o contacto da luz do sol. Nos primeiros planos das dobras dos montes ainda se desenhavam copas de rvores em borro; mas, l adiante, s ficava o dentado dos cerros mais altos em caprichos de formas. E aldeias espalhadas. Porto Antigo e do outro lado do Avestncia, Souto do Rio. Depois Buaas, l longe, onde os homens trazem tatuado nos braos um sino-saimo. A estrela de cinco pontas Nas portas das casas encontram-se, ainda hoje, gravadas na pedra ou no cimento, estrelas de cinco pontas. Este smbolo era tambm utilizado nos barcos rabelos. As pessoas usam-no ainda e dizem que serve para dar sorte, ou para afastar o azar, o mau olhado, ou a cousa ruim.84

A cultura da oliveira e da vinha. Os socalcos A as culturas da vinha da oliveira e do trigo so elementos primordiais para a fixao dos povos do sul. O facto de em alguns locais do vale do Douro ser possvel encontrar alguns microclimas que propiciam a sua cultura ser um factor importante e mesmo decisivo, para que estas comunidades a se venham a instalar. Sabendo que os berberes montanheiros eram mestres na construo de socalcos e na arboricultura85

, no ser difcil imaginar o contributo precioso que

tero dado para a transfigurao da paisagem do alto Douro vinhateiro.

84 85

REDOL, Alves - Porto Manso, pg. 163 RIBEIRO, Orlando - Opsculos geogrficos, pg. 109

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As provas H ainda pessoas em Boassas que se lembram deste ritual. Assim, era costume, aps a noite de npcias o noivo e sua famlia, no meio de grande algazarra, percorrerem os locais principais da povoao mostrando um lenol ensanguentado, como prova da virgindade da noiva. Este ritual, digno de ser estudado por um antroplogo, parece ter grandes semelhanas com o que se passa em algumas comunidades rabes/berberes, nomeadamente em Marrocos, ainda nos tempos actuais. Infelizmente no foi possvel obter grandes informaes, sobretudo escritas, acerca deste assunto.

Porque nunca foi Boassas preponderante em termos polticos? Segundo Felgueiras Gayo, ter sido Jorge Vaz Campello o primeiro instituidor do Morgado de Aboaas (Boassas). Este era pai de Anselmo Campello, cidado do Porto e Juiz do concelho de Ferreiros de Tendais, que viveu em Boassas e a faleceu em 29-06-1638. Esta informao corroborada por M. Gonalves da Costa que diz, referindo-se ao braso da Casa de Revogato em Oliveira do Douro: ...o av paterno, Anselmo Campelo, filho do P.e Jorge Campelo, que lhe deu o morgado de Boassas, institudo por testamento de 29 de Abril de 1580. 86 Boassas era nesta poca a maior povoao da freguesia e a mais importante. Embora a sede de freguesia fosse em Oliveira do Douro, podemos verificar, segundo as Memrias Paroquiais datadas de 1758 que enquanto a sede da freguesia, possua dezassete casas de habitao, Boassas tinha na mesma altura oitenta e sete e Ferreiros de Tendais, embora fosse vila, possua apenas quarenta e um fogos. Este facto revela-se bastante estranho uma vez que a povoao ter sido sempre, tanto no passado como at aos dias de hoje, a maior, mais rica e mais populosa da regio. Por outro lado, sabemos tambm que muitos dos prprios governadores do concelho, capites e sargentos-mores, eram da naturais e viviam em Boassas (alguns, na mencionada Casa do Cubo). Porque motivo no era ento Boassas a sede concelhia, ou pelo menos de freguesia? Ser que a resposta poder estar no prprio passado histrico da aldeia, relacionado de alguma forma com a sua origem rabe, ou com uma persistncia de outros ritos, outra cultura...outra religio?86

COSTA, M. Gonalves da - Histria do Bispado e Cidade de Lamego, vol. IV, pg. 376

86

4. A toponmia A toponmia, que a princpio parecia ser algo secundrio nos nossos estudos, foi ganhando cada vez uma maior preponderncia, at se tornar um factor muito importante e significativo, sobretudo para compreender melhor o povoamento durante a poca do domnio rabe/islmico, na regio que nos propusemos estudar. Pedro Cunha Serra ao analisar a toponmia do noroeste peninsular 87, apercebeuse de que a cidade de Lamego, assim como a prpria regio, constituam algo digno de ser melhor estudado. Acabaria por publicar, posteriormente, um pequeno estudo apenas sobre o caso da regio de Lamego, intitulado Alguns Aspectos da Toponmia Lamecense, onde comea por comparar Lamego com outros focos de moarabismo conhecidos, nomeadamente: Coimbra, Lorvo, Lafes e Arouca 88. No entanto, estamos em crer que este apenas mais um importante factor, a juntar a muitos outros, que assinalam peremptoriamente quo forte foi o impacto da cultura e da civilizao rabe/islmica nesta regio. Limitamo-nos, neste caso, a recolher apenas os topnimos da regio de Lamego, nomeadamente do espao outrora designado por Beira-Douro, salvaguardando, no entanto, algumas excepes, justificadas pelo seu significado e importncia, e tambm pela proximidade. Siglas adoptadas [segundo A. de Almeida Fernandes] CT - Contribuio Topoantroponmica, por Cunha Serra DC - Diplomata et Chartae - Portugaliae Monumenta Historica DP - Documentos Particulares - Documentos Medievais Portugueses DR - Documentos Rgios - Documentos Medievais Portugueses IS - Inquisitiones - Portugaliae Monumenta Historica LP - Livro Preto da S de Coimbra

Alguns topnimos rabes da regio S. Martinho de Mouros. No vizinho concelho de Resende, bem prximo de Boassas, ainda nas faldas da serra do Montemuro e a meio caminho entre Cinfes e Lamego, existe a povoao denominada S. Martinho de Mouros.

87

Ver: SERRA, Pedro Cunha - Contribuio Topo-Antroponmica Para o Estudo do Povoamento do Noroeste Peninsular, Lisboa, Centro de Estudos Filolgicos, 1967 88 Ver: SERRA, Pedro Cunha - Alguns Aspectos da Toponmia Lamecense, pg. 11

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A designao do local provir do facto de que, devido fertilidade do local, os muulmanos tenham resistido com todas as suas foras conquista crist, motivo pelo qual, sendo j tomado todo o territrio do noroeste, (...) estando ainda S. Martinho nas mos dos Mouros, os cristos de Resende, falando de S. Martinho, lhe chamavam de Mouros89

. Sabe-se que aps a tomada de Lamego por Fernando Magno muitos

muulmanos fugiram para as montanhas, enquanto outros se refugiaram e continuaram a resistir nos castelos das imediaes, nomeadamente: S. Justo, Tarouca, S. Martinho de Mouros, Ceia, Travanca e Penela. conhecida a existncia, em local prximo de S. Martinho de Mouros, no designado Castelo ou Morro da Mogueira, de um provvel cemitrio mourisco e um rochedo cncavo, com sinais de uma azenha ou piso de moer sementes 90, bem como a forte probabilidade de se tratar de uma povoao castreja ocupada posteriormente por Romanos e Mouros. Na base desta elevao, do lado nascente, existe uma furna de grandes dimenses a que o povo chama Buraca da Moira e que, dizem, seria um tnel por onde os mouros levavam os cavalos a beber ao rio, sendo mais provvel, porm, que fosse uma sada alternativa em caso de cerco, ou uma cisterna. Ainda no mesmo concelho de Resende, e bem prximo de S. Martinho de Mouros, existe uma aldeia que, sugestivamente, se denomina Crdova. Junto a Tabuao existe um local chamado Sevilha e junto ao Douro, prximo de Lamego - Marrocos. Mais a ocidente, em Castelo de Paiva, na freguesia de Paraso, junto ao rio Paiva, uma outra povoao denomina-se Almanor, facto que nos leva a pensar que o caminho romano existente ao longo do rio Paiva, denominado j em 1067 de carraria antiqua, poder ter sido o percurso utilizado pelo clebre hjibe Almanor, na sua campanha de 997 a Santiago de Compostela 91. sabido que, no regresso dessa clebre campanha, precisamente em Lamego que Almanor estaciona as suas tropas e faz a repartio do saque pelos condes (cristos) da regio, que o acompanharam. Marvo, lugar da freguesia de Nespereira, concelho de Cinfes. Em 1258 escrevia-se Marvam. Este topnimo, que existe noutras regies do pas, como por exemplo na freguesia de Moura Morta prximo da Rgua, no concelho

89 90

DUARTE, Joaquim - S. Martinho de Mouros DUARTE, Joaquim - S. Martinho de Mouros 91 Ver: PINHO, Lus M. Silva / LIMA, Antnio M. C. / CORREIA, Alexandre L. - Roteiro Arqueolgico de Cinfes, pg. 34

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de Santa Marta de Penaguio, deriva do nome pessoal que os rabes aportaram para a Pennsula, Merwn ou Marwn92

.

Este topnimo poder estar relacionado com a presena do prncipe muulmano (muladi) de Badajoz, cujo nome era Abd al Rahmn Ibn Marwn ibn Ynus (apelidado al-Djillqui, o Galego) e a quem o rei D. Afonso III entregou a fortaleza de Crquere, da qual ainda hoje resta a torre da alcova, junto famosa igreja. 93 Couce, o mesmo que Alcouce. Lugar na freguesia de Oliveira do Douro do concelho de Cinfes, prximo de Boassas. um topnimo frequente em Portugal e provm do rabe al-kau, que significa o arco. 94 Barbeita, nome de duas aldeias na provncia de entre Douro e Minho, arcebispado de Braga; nome de lugar na freguesia de Oliveira do Douro e de uma quinta na freguesia de Ferreiros de Tendais, ambas no concelho de Cinfes e prximo da aldeia de Boassas. Significa o campo da casa. Provm do rabe barr baita, nome composto de barr - campo e de baita - casa. 95 Sames, lugar da freguesia de Espadanedo do concelho de Cinfes. Este topnimo aparece em 1101 sob a forma de Zalimes, o que remete para a sua origem o nome pessoal rabe Slim. arroteado e feito morada. 9796

Almeida Fernandes sugere que, tratando-se de

plural se deve referir a descendncia de indivduo desse nome, o qual teria aqui

Outros topnimos rabes da regio de Lamego: Aboadela, lugar da freguesia de Cepes do concelho de Lamego. tambm o nome de uma freguesia do vizinho concelho de Amarante. Em 954 era Abohadella (954 DC 68). Deriva do nome pessoal rabe ab abd Allah, e que significa pai do servo de Deus 98. Refira-se, como curiosidade, que este era o nome do ltimo rei de Granada, Mohamed XII, que entregou a clebre cidade,

92 93

Ver: SERRA, Pedro Cunha - Alguns Aspectos da Toponmia Lamecense, pg. 20 Ver neste captulo o ponto 7. Crquere - Oratrio, mesquita ou castelo?, Ibn Marun e Crquere, pgs. 62 a 64 94 LOSA, Antnio - A Dominao rabe e a Toponmia a Norte do Douro, pg. 15 95 SOUSA, Joo de - Vestgios da Lngua Arbica em Portugal, pg. 75 96 SERRA, Pedro Cunha - Alguns Aspectos da Toponmia Lamecense, pg. 20 97 FERNANDES, A. de Almeida - Povoaes do Distrito de Viseu (Origens), Beira Alta, vol. LXI, (fascculos 1 e 2), 1. e 2. trimestres de 2002, pg. 23 98 MACHADO, Jos Pedro - Vocabulrio portugus de origem rabe, pg. 22

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ltimo reduto do al-Andalus, aos Reis Catlicos e que ficou conhecido nas crnicas crists como Boabdil. Aougue, na cidade de Lamego existe a Rua (ou travessa) dos Aougues Velhos. Tambm na freguesia de Lalim, do mesmo concelho de Lamego, existe ainda este topnimo. Em rabe - as-souk- e significa, ainda hoje, mercado, bazar. Em espanhol mantm o mesmo significado a palavra azogue, mercado, praa. Em portugus o aougue designa o que hoje chamamos talho. 99 Alccima, local junto vila de Tarouca. Ser, quanto a ns, at pela sua prpria localizao, a mesma coisa que Alcova, topnimo frequente em Portugal, derivado do rabe al-qab, e que significa cidadela, castelo de cidade. 100 Alcaovela, lugar da freguesia de S. Martinho de Mouros do concelho de Resende. (Almeida Fernandes escreve Alcaofela e denomina-o um provvel vestgio de moarabismo). 101 No est referenciado na carta militar e no consegui localizar. Ser um diminutivo do topnimo de origem rabe referido anteriormente, Alcova (+ela)? 102 Alcaria, topnimo bastante frequente em Portugal e estudado, nomeadamente por Leite de Vasconcelos. Na regio de Lamego encontramo-lo com frequncia, nomeadamente na freguesia do Mezio, Mondim da Beira e Tarouca, onde Almeida Fernandes refere nada menos que seis localidades com este mesmo nome. 103 Nas freguesias de S. Joo de Tarouca e Alvite do concelho de Tarouca existe este mesmo topnimo, embora no plural, Alcarias. Provm, pois, do rabe al-kariya, com o significado de a aldeia; a aldeola. Alcba (ou Alcba), nome que os rabes davam ao sistema montanhoso que integrava a prpria serra de Montemuro. Acerca desta serra, Pinho Leal refere o seguinte: Situada na margem esquerda do Douro, no declive da serra de Monte Muro (ou Monte do Mouro) do lado do N. della. Esta serra, com as da Franqueira, Castro, S. Macrio, Perneval, Arouca, Freita, Caramullo e outras, so ramificaes da serra do Bussaco, e s quaes todas chamavam os antigos serra dAlcba.99

LOSA, Antnio - A dominao rabe e a Toponmia a Norte do Douro, pg. 12/13 MACHADO, Jos Pedro - Vocabulrio Portugus de Origem rabe, pg. 44 e TEIXEIRA, Ricardo - Castelos e organizao dos territrios nas duas margens do curso mdio do Douro - in Mil anos de Fortificaes na Pennsula Ibrica e no Magreb (500-1500): Actas do Simpsio Internacional sobre Castelos, pgs. 472 a 474 101 FERNANDES, A. de Almeida - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, Resende, vol. 25, pg. 224 102 FERNANDES, A. de Almeida - Grande Enciclopdia Portuguesa e Brasileira, S. Martinho de Mouros, vol.. 27, pg. 560 103 FERNANDES, A. de Almeida - Toponmia Taraucense, Beira Alta, vol. XLIV, fascculo 4, 4. trimestre 1985, pgs. 608 a 610100

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tambm o nome de uma aldeia Beir, do concelho da Guarda. Deriva do rabe al-qbba, pequena torre. 104 Alcouce, localidade da freguesia de S. Romo do concelho de Armamar. o mesmo que o topnimo atrs estudado Couce (em rabe kau), embora