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IstoÉ machismo: operações de sentido através de
estereótipos de gênero
Caren Leticia Pereira Giacomelli 1
Palavras-chave: Gênero – política - mídia – IstoÉ – estereótipos
RESUMO EXPANDIDO
O artigo proposto aqui é parte do projeto de pesquisa que busca analisar a forma
como as mulheres em situação de poder na América Latina são retratadas pela imprensa,
em especial, nas coberturas de revistas do Brasil e da Argentina.
A representação da mulher na mídia está submersa em uma série histórica de
estereótipos femininos que representam sua generalização social, resultado de um sistema
patriarcal enraizado culturalmente nas comunidades mundiais. Essa condição coletiva à
qual a mulher está submetida é rechaçada pelos movimentos feministas há muito. No
início, de forma isolada e questionando a igualdade de valor entre homens e mulheres.
Depois, passando a uma discussão mais crítica da necessidade de extensão ao gênero
feminino dos direitos individuais garantidos ao masculino, até chegar aos debates de
empoderamento e presença feminina nas esferas públicas. Sendo as condições de gênero
determinadas culturalmente pelos grupos nos quais os cidadãos estão inseridos, a situação
das nações marcadas pelo colonialismo se apresentam como locais propícios aos
enfrentamentos de poder, pois países como os da América Latina tiveram
desenvolvimento comprometido por interesses exploratórios, as democracias
constantemente ameaçadas e a educação deficitária, e a evolução dos direitos sociais foi
atrasada em comparação a outras nações como as da América do Norte e Europa, por
exemplo. Condições que permitem grande interferência dos meios de comunicação no
aprimoramento das culturas desses territórios, dado seu espaço privilegiado de
reprodução e difusão de discursos e significados. Portanto, é possível, como defende
Biroli (2010), pensar a mídia como “esfera que participa ativamente da reprodução ou da
transformação de práticas, valores e instituições que configuram as formas atuais da
representação e da participação política nas democracias e legitimam as formas assumidas
1 Instituição: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
2
pelas relações de gênero”. E foi justamente a América Latina que concentrou o maior
número de mulheres eleitas presidentes de seus países ao mesmo tempo na última década:
Cristina Kirchner (mandato de 2007 a 2011 e 2011 a 2015), Dilma Rousseff (Brasil, de
2011 a 2015 e 2015 a 2016), Michelle Bachellet (Chile, de 2006 a 2010 e 2014 a 2017)
e Costa Rica (Laura Chinchilla, 2010 a 2014). A escolha de representantes do sexo
feminino para governantes, em um território marcadamente dominado por oligarquias
políticas patriarcais, demonstra uma dinâmica social interessante. Mas, como a mídia se
adaptou a esse reajustamento de representações de gênero? Muitos materiais demonstram
que, quando se trata de mulheres e política, a imprensa age como reprodutora de estigmas
ou recorre à estereótipos de gênero para comunicar o que pretende. Esse é o caso do
material analisado neste artigo que recorta do restante da pesquisa um acontecimento
midiático específico: a publicação, pela revista IstoÉ, em 06 de abril de 2016 (ano 39 - nº
2417), de matéria de capa sobre o que chamou de “As explosões nervosas da presidente”,
onde traz uma fotografia de Dilma Roussef com a boca aberta, em semblante de grito.
A edição traz reportagem de oito páginas que abre com a manchete “Uma
presidente fora de si”, e lead que diz: “bastidores do Planalto nos últimos dias mostram
que a iminência do afastamento fez com que Dilma perdesse o equilíbrio e as condições
emocionais para conduzir o país” (p. 32), onde é possível observar operações discursivas
que podem direcionar a compreensão do leitor, como o uso de expressões, cores,
construções frasais, entre outras estratégias, já que a matéria, sem fonte oficial - usa
interlocuções como “assessores palacianos”, “segundo relatos”, “um integrante do
primeiro escalão do governo”, “um de seus assessores”, “outro interlocutor frequente”,
“um importante assessor” -, sugere que a presidente “se entope de calmantes” que “nem
sempre surtem efeitos” (p. 33) e abusa de valorações e adjetivações como incapaz,
3
despautério, descompostura, destempero, irascível, agressiva, surtos, negação da
realidade, entre outros2.
A publicação recorre ao que Eliseo Verón chamou de metáforas visuais, quando
analisou casos facilmente assimiláveis a esse.
“Aqui se está o mais longe possível do emprego clássico das imagens na
imprensa informativa. Por intermédio de uma retórica que deve ser sempre
muito simples e muito explícita na construção de suas figuras, a
espetacularidade texto/imagem é, neste caso, total” (Verón, 2004, p. 177).
Na intenção de compreender como o discurso veiculado contribui para reforçar ou
perpetuar a ideia dominante de diferença entre homens e mulheres e quais as estratégias
usadas pela IstoÉ neste caso, o trabalho concentra esforços em analisar o discurso, as
operações discursivas presentes no conteúdo apresentada pela revista. São, para tal,
trabalhados conceitos de operações e estratégias discursivas para buscar compreender as
condições de produção e as gramáticas de reconhecimento, a partir das colocações de
Eliseo Verón, para quem “a imagem de imprensa testemunhal tem o estatuto semiótico
de verdadeiro fragmento de realidade; seu valor repousa inteiramente na singularidade
irredutível, única, daquilo que ela consegue mostrar [...]” (Verón, 2004, p.169),
imaginário social que acaba por conferir grande poder à mídia. Lhe dá a capacidade de
reprodutora da verdade, sem espaço para questionamentos e sem dúvidas. Essa condição
de centralidade garante sua influência na construção de sentido, de comportamentos e
criação ou manutenção de estruturas culturais de uma sociedade. “Os fatos são uma coisa,
as opiniões e as interpretações da mídia são uma outra, e a objetividade se mede pela
manutenção escrupulosa da fronteira entre uns e outras” (Verón, p.170).
Em Verón também é possível encontrar indícios para pensar os motivos de
construções como a feita pela revista IstoÉ, que precisou recorrer, na capa, ao uso de uma
fotografia recortada de contexto diferente para que imagem e texto pudessem se articular
2 Em 02 de agosto, a revista IstoÉ foi condenada, pela Justiça do Distrito Federal a conceder direito de
resposta à presidente afastada. A reportagem foi considerada ofensiva e a 18ª Vara Cível de Brasília negou
recurso impetrado pela editora Três, dona da revista, determinando que o veículo publique, com o mesmo
destaque e dimensão da matéria questionada, a manifestação de Dilma Rousseff. A juíza do caso entendeu
que a presidente afastada tem direito à resposta, “tendo em vista as colocações acerca das condições
psicológicas e comportamento da demandante nos dias que antecederam julgamento importante com
relação ao seu mandato [impeachment]”. Na sentença, ela comenta: “Ser objeto de publicação a pessoa
ocupante da Presidência da República não autoriza qualquer meio de comunicação a divulgar
deliberadamente quaisquer informações escondendo-se sob o manto do direito de informação, uma vez que
tal direito tem de ser guiado pela veracidade do conteúdo publicado”.
4
e produzir sentido3. O autor, inclusive, considera que as modalidades de enunciação nas
capas das revistas são um fator crucial na construção dos contratos de leitura. Elas trazem
elementos que anunciam um “enunciador pedagógico, que pré-ordena o universo do
discurso na intenção do leitor, que vai guiá-lo, responder perguntas, explicar, informá-lo,
[...]” (Verón, 2004, p. 223).
Certamente que não se pretende aqui esgotar o universo de leituras possíveis para
exemplares midiáticos como o que se apresenta nesse artigo, mas sim contribuir com a
observação dos aspectos que entrelaçam mídia, gênero e poder.
Referências:
BIROLI, Flávia. Mulheres e política nas notícias: Estereótipos de gênero e competência
política », Revista Crítica de Ciências Sociais[Online], 90 | 2010, colocado online no dia
Pg. 45 a 69. Disponível em https://rccs.revues.org/1765
Revista IstoÉ. São Paulo: editora Três, 2016, ano 39 - nº 2417.
VERÓN, Eliseo. Espaços de suspeita. In: Fragmentos de um tecido. São Leopoldo:
Editora Unisinos, 2004, p. 159-212.
_____________. Quando ler é fazer: a enunciação no discurso da imprensa escrita. In:
Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 215-238.
3 A imagem da capa da revista circulou, principalmente nas redes sociais, gerando uma série de protestos
contra a publicação que foi considerada machista e misógina. Um dos movimentos vinculava as pessoas
através do uso de uma hashtag (ferramenta de indexação): #IstoÉmachismo, termo ao qual o título deste
artigo faz referência.
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Representatividade, cultura pop e jornalismo: uma análise
dos coletivos midiáticos Collant sem Decote e Minas Nerds
Christian Gonzatti
Francielle Esmitiz
Vanessa Scopel
RESUMO EXPANDIDO
O artigo se desdobra de um projeto de pesquisa que tem como foco estudar a
produção e a circulação de conteúdos por coletivos midiáticos em contexto de
movimentos em rede e os impactos desses processos na narrativa jornalística digital
(AQUINO BITTENCOURT, 2015). A partir de observações e análises desenvolvidas
para o projeto já mencionado, identificamos uma presença notável de conteúdos
relacionados a questões de gênero, raça e sexualidades, o que nos motivou olhar para
coletivos destinados a tratar dessas questões, obliteradas e tratadas de maneira
preconceituosa4, muitas vezes, pelo jornalismo (VEIGA E FONSECA, 2011). A cultura
pop está articulada, dentro de um cenário massivo, a lógicas de produções midiáticas que
buscam desenvolver visibilidade a partir da construção de sensos de comunidade, afeto e
identificação com os públicos (SOARES, 2015). O seu consumo foi, e ainda é, de certa
forma, atravessado por imposições performativas aos gêneros (MAFFÍA, 2013): se for
menino irá gostar de azul, jogar futebol e assistir desenhos de heróis, se for menina irá
gostar de rosa, brincar de bonecas e assistir aos filmes das princesas da Disney. Alguns
feminismos, em suas vertentes mais contemporâneas, como a teoria queer (BUTLER,
2003; PRECIADO, 2014), tentam romper com essas barreiras, e outras mais complexas,
que atravessam todos os campos sociais, políticos, econômicos e culturais. Há, no Brasil,
diversos espaços jornalísticos destinados a produções noticiosas relacionadas à cultura
pop, mas que acabam reproduzindo padrões não representativos. Assim, nos
questionamos: como coletivos midiáticos articulam a representatividade de gênero, raça
e sexualidade na cultura pop?
O conceito de coletivos midiáticos construído no projeto de pesquisa designa
grupos que se organizam dentro e/ou fora das redes digitais, produzindo e fazendo circular
conteúdos de forma desvinculada das mídias de massa. A emergência desses coletivos
4Travesti é um termo utilizado para designar mulheres trans, as que não se identificam o gênero que lhes
foi imposto ao nascer, no caso o masculino (LOURO, 2013). Como exemplo, trazemos uma matéria do G1
em que uma travesti é tratada pelo pronome masculino: https://goo.gl/vufRCP
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está articulada a uma noção de midiatização do ativismo, dentro de um cenário de
convergência e mídia espalhável (AQUINO BITTENCOURT, 2015; JENKINS, 2006;
JENKINS, FORD, GREEN, 2013), em que pessoas podem transformar tecnologias em
meios de produção, circulação e recepção de discursos (FAUSTO NETO, 2008).
Buscamos, então, entender a relação dos coletivos midiáticos Collant Sem Decote5 e
Minas Nerds6 com a emergência de espaços representativos para questões da cultura pop
subalternizadas pelos espaços jornalísticos que atendem a lógicas econômicas de
publicidade e propaganda e não representativas em relação a questões de gênero, raça e
sexualidade. A escolha dos objetos de referência emerge de uma pesquisa exploratória
que buscou localizar coletivos midiáticos representativos qualitativamente na produção
noticiosa em torno da cultura pop. A primeira parte do trabalho se desdobra sobre as
questões de representatividade na cultura pop, a segunda sobre as potencialidades
jornalísticas e sociais dos coletivos midiáticos e a terceira aborda a relação entre coletivos
midiáticos, jornalismo e cultura pop a partir dos objetos já expostos.
Mapeando e identificando elementos de representatividade nos espaços
jornalísticos na mídia de massa destinados a cultura pop e analisando os coletivos
midiáticos Collant Sem Decote e Minas Nerds, a fim de entender as suas potencialidades
narrativas, técnicas e estratégicas, buscamos refletir sobre as possibilidades jornalísticas
e informativas dos coletivos tomados como objetos de referência. Por fim, entendemos
que a cultura pop pode funcionar como materialidade discursiva para a desconstrução de
normas e preconceitos enraizados na sociedade a partir da ação de coletivos midiáticos.
Referências
AQUINO BITTENCOURT, M.C.. As narrativas colaborativas nos protestos de 2013 no
Brasil: midiatização do ativismo, espalhamento e convergência. Revista
Latinoamericana Comunicación. Chasqui, v. 1, p. 325-343, 2015.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade.
Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro, 2003: Civilização Brasileira.
FAUSTO NETO, A. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Revista Matrizes, n.
2, abril 2008. Disponível em: http://200.144.189.42/ojs/index.php/MATRIZes/article/
view/5236/5260. Acesso: 21 set. 2016.
JENKINS, H.; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable media: creating value and
meaning in a networked culture. New York University, 2013.
5 http://collantsemdecote.com.br/ Acesso: 21 set. 2016. 6 http://minasnerds.com.br/ Acesso: 21 set. 2016.
7
JENKINS, Henry. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. NYU:
Press, 2006.
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho- ensaios sobre sexualidade e teoria
queer. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
MAFFÍA, D. Prólogo. In: NATANSOHN, Graciela (Org). Internet em código feminino.
Teorias e práticas. Buenos Aires: lcrj futuribles, 2013.
PRECIADO, B. Manifesto Contrassexual; tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São
Paulo: n-1 edições, 2014.
SOARES, Thiago. Cultura Pop: Interfaces Teóricas, Abordagens Possíveis. Intercom,
Manaus, AM, 2013. Disponível em: https://goo.gl/NNazuA Acesso: 21 set. 2016.
VEIGA, Márcia da Silva; FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. A contribuição do
jornalismo para a reprodução de desigualdades: um estudo etnográfico sobre a produção
de notícias. Verso e Reverso, vol. XXV, n. 60, setembro-dezembro 2011. Disponível em:
<https://goo.gl/KYk2Qm> Acesso: 21 set. 2016.
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Núcleo Teresas: um grupo de mulheres desenvolvendo
mulheres no cinema
Cristiane Maria Schnack
Lisiane Fagundes Cohen
Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
Palavras-chave: Comunicação; Cinema; Identidades de Gênero; Roteiro
RESUMO EXPANDIDO
O presente trabalho apresenta, analisa e discute a criação do Núcleo Teresas como
um espaço imprescindível para (re)dimensionar a responsabilidade que a linguagem
audiovisual tem, como dispositivo midiático, nos processos sociais de construção das
identidades de gênero. O Núcleo Teresas é formado por um grupo interdisciplinar de nove
mulheres que tem por objetivo pesquisar, discutir e desenvolver o protagonismo feminino
no audiovisual. O núcleo surgiu da necessidade de aprofundar e buscar a mudança na
forma de representar a mulher no cinema, bem como proporcionar mais espaço de
protagonismo, tanto como personagens, como na atuação em funções de poder e criação
nas equipes técnicas.
É, portanto, sobre o núcleo em si e seu processo de construção que este trabalho
se debruça, para compreender suas potenciais contribuições para o cenário audiovisual e
mais amplamente para o cenário midiático. Essas contribuições estão pautadas, como se
pode vislumbrar, em um primeiro plano, na oferta de produtos audiovisuais que impactam
a representatividade feminina projetada nas telas, capaz de desencadear um projeto
conhecido como washback effect. Ou seja, ao reconhecer, nas telas, diversas formas de
ser mulher abre-se a possibilidade de que essas identidades de gênero sejam repensadas
na sociedade como um todo. Em um segundo plano, essas contribuições dizem respeito
ao próprio processo criativo do núcleo, pautado pela escuta sensível e interdisciplinar
sobre os processos sociais de significar e construir identidades de gênero. Neste âmbito,
a interdisciplinaridade amplifica os entendimentos sobre os processos sociais,
especialmente de gênero, constituindo este dispositivo como um produto mais sensível
de representação da sociedade e, portanto, dos processos sociais no qual se insere.
No atual contexto, em que a mídia brasileira traz a expressão “bela, recatada e do
lar” para descrever a esposa do Presidente Michel Temer como algo muito positivo, bem
9
como a cobertura das Olimpíadas, em que veículos de várias partes do mundo utilizaram
de machismo para seus títulos e conteúdos de matérias, o trabalho do Núcleo torna-se
indispensável. A questão de gênero no cinema é antiga, mas atualmente conquista um
espaço e uma ação no sentido de transformação desta realidade que se alastra pelo mundo.
O uso e a divulgação cada vez maior do “Bechdel Test” tem gerado debate, criando um
contexto favorável para propostas e fortes campanhas para que roteiristas atentem à
construção de personagens femininas diferentes da que tem sido apresentadas em filmes
ou séries sejam levadas a cabo.
O “Bechdel Test” é uma criação da cartunista americana Alison Bechdel que, em
1985, lançou-o na série de tirinhas Dykes to Watch Out For. O teste objetiva avaliar a
presença de mulheres nos filmes e utiliza três perguntas: existem no filme duas ou mais
mulheres com nomes? Elas conversam entre si? Elas conversam entre si sobre algo que
não seja um homem? Este teste não avalia a qualidade dos filmes, nem mesmo se são
feministas, apenas demonstra como se dá a presença feminina neles. Os resultados
mostram que são raros os filmes aprovados no “Bechdel Test”.
Em 2011, a diretora Jennifer Siebel Newsom lançou seu primeiro filme intitulado
“Miss Representation” em que expõe a maneira como a grande mídia contribui para a
sub-representação das mulheres em posições de poder e influência. O filme estreou no
festival de Sundance e gerou enorme repercussão. A diretora criou, então, uma
organização que se chama Projeto Representação, com o objetivo de "inspirar indivíduos
e comunidades para desafiar e superar os estereótipos limitantes para que todos,
independentemente do sexo, raça, classe, idade, orientação sexual ou circunstância possa
realizar o seu potencial humano.” (http://therepresentationproject.org/about/mission/)
Neste movimento, surgiu, em 2014, a campanha “Ask Her More” que
sugere que jornalistas devem mudar a abordagem das atrizes nos tapetes vermelhos de
eventos cinematográficos. Normalmente, as perguntas giram em torno do que as atrizes
estão vestindo, o tempo que levaram para ficarem prontas, sobre cabelo, casamento, filhos
e nenhuma pergunta sobre o filme, a personagem, o processo de construção, enfim, sobre
o trabalho.
Recentemente foi realizada uma pesquisa nos Estados Unidos intitulada
"Nobody’s Damsel Study Looks at Modern Female TV Characters and the People Who
Love Them”, na qual foram apontadas diversas informações sobre que tipo de
personagem feminino que o público deseja ver na televisão. A pesquisa traz dados muito
interessantes e alguns surpreendentes. A pesquisa foi realizada com 1200 pessoas
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espalhadas pelo país, sendo metade do sexo feminino e a outra metade, dos sexo
masculino. A pesquisa foi online e os participantes precisavam ter acima de 13 anos,
assistir, no mínimo, 7 horas de televisão por semana e ser, ou ter sido, espectador de, pelo
menos, um programa protagonizado por um personagem feminino.
O estudo centrou-se na televisão, uma vez que os fãs geralmente têm
mais tempo para desenvolver um relacionamento com um personagem
ao longo de várias temporadas de TV do que com outras formas de
mídia, e descobriu que sexo, idade, e valores políticos dos espectadores
impactou o tipo de representação da mulher que eles querem
ver. (http://www.themarysue.com/nobodys-damsel-interview/ 2015,
tradução nossa)
Um dos resultados surpreendentes refere-se à chamada Geração Z, dos 13 aos 17
anos, que, em contraste com espectadores de 25 anos ou mais, quer ver os homens em
funções que são tradicionalmente reservados às mulheres, enquanto preferem ver as
mulheres em posições de liderança geralmente ocupados por homens. Os adolescentes
também demonstraram forte identificação com as questões feministas.
A pesquisa traz, também, a diferença de preferência entre o público masculino e
o feminino no que se refere às características mais desejadas nas personagens femininas.
Os 5 traços (inteligência, beleza, força de vontade, firmeza, auto-confiança) preferidos do
púbico masculino estão alinhados com os do público em geral, com diferenças
percentuais, que trazem alterações de ordem de preferência. Para o público em geral, a
ordem fica em inteligência, firmeza, beleza, força de vontade, auto-confiança. Já para o
público feminino, existem dois outros traços que gostaria de ver representados a
compaixão e a independência.
A iniquidade de gênero não é um tema restrito ao mercado de trabalho de
profissões conhecidas nitidamente como masculinas, mas também uma realidade do
cinema nacional. De acordo com pesquisa apresentada pela diretora da Ancine, Débora
Ivanov, no Rio Content Market desse ano, dos 2606 produtos audiovisuais que emitiram
Certificado de Produto Brasileiro (CPB) em 2015, apenas 19% foram dirigidos por
mulheres e 23% tiveram uma mulher como roteirista.
Diante desses dados, e do desejo de desenvolver um projeto coerente a longo
prazo, que contribua para a transformação dessa realidade de desigualdade, a proposta de
Teresas consiste em desenvolver projetos audiovisuais, com protagonistas femininas,
escritos por mulheres e tendo mulheres como líderes; fomentar a formação de roteiristas
e diretoras para o mercado brasileiro audiovisual; trabalhar no aumento do protagonismo
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de mulheres no cinema brasileiro e trazer visões multi-facetadas sobre o universo
feminino, contribuindo com a construção e validação de identidades sociais, a partir de
projetos que trazem outros valores ligados ao universo feminino.
O Núcleo foi criado em 2015 e possui 8 projetos, em etapa de desenvolvimento,
entre séries e longas-metragens que estão participando de editais de fomento, bem como
estão sendo apresentados para possíveis patrocinadores. A constituição interdisciplinar
confere às produções um caráter múltiplo no tratamento de questões de gênero ao longo
de todo o processo criativo e executivo. Faz-se necessário para enfrentar um entendimento
que, por mais das vezes, ainda é concebido como essencialista nos processos sociais de
midiatização, especialmente no que tange as identidades de gênero, reduzindo gênero a
sexo biológico, por exemplo, mas não apenas. Ou seja, não é somente no par relacional
homem-mulher que se encontra um tensionamento das identidades de gênero. É preciso,
também, questionar a (não) visibilidade de identidades de gênero que transcendam as
características de classe, idade, cor, nacionalidade, entre outras. Neste âmbito,
entendemos que a interdisciplinaridade amplifica os entendimentos sobre os processos
sociais, especialmente de gênero, constituindo este dispositivo, o audiovisual, como um
produto mais sensível de representação da sociedade e, portanto, dos processos sociais no
qual se insere.
A análise do Núcleo Teresas, desde sua configuração até as criações que dele se
originam, é fundamental para compreendermos que ele próprio, o Núcleo, é uma reação
a processos sociais vigentes em vários cenários. Por fim, entendemos que essa análise, no
âmbito da academia, tem o potencial de contribuir para compreendermos o cenário da
midiatização das questões de gênero e apontar caminhos de atuação.
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Hashtag como mecanismo de voz em uma sociedade
midiatizada: apontamentos sobre o caso #meuprimeiroassedio
Gabriela Schuch Kastner
Palavras-chave: Midiatização – circulação - ambiência – redes sociais - hashtag
RESUMO EXPANDIDO
A proposta apresentada a seguir consiste no levantamento empírico/teórico inicial
do projeto de pesquisa que visa investigar como a ambiência e a circulação exercem
papeis fundamentais em um processo que geralmente é estudado apenas do ponto de vista
da cibercultura: a utilização da hashtag como mecanismo de voz e não apenas como
ferramenta de indexação. Para tal problematização, será apresentado empiricamente o
caso da menina Valentina Schultz e sua relação com a hashtag feminista
#meuprimeiroassedio.
Em 20 de outubro de 2015 a Rede Bandeirantes apresenta à televisão brasileira a
versão júnior do MasterChef Brasil7, apresentado pela jornalista Ana Paula Padrão e
tendo como jurados os chefes Henrique Fogaça, Paola Carosella e Erick Jacquin. Entre
os participantes, crianças entre 9 e 13 anos disputando o prêmio de uma viagem para a
Disney com direito a cinco acompanhantes, um curso de culinária e um vale compras de
R$ 1 mil por mês durante um ano e um kit de eletrodomésticos.
Ambas as edições da versão adulta de MasterChef Brasil veiculadas anteriormente
pela mesma emissora – por meio da hashtag #MasterChefBR – repercutiram de forma
considerável nas redes sociais, tornando-se assim assunto de matérias sobre o assunto8. O
modelo infantil, apesar de igualmente despertar as redes sociais, alertou para a
necessidade da discussão de um assunto de relevância social: o abuso – tanto sexual
quanto moral – na infância.
7 MasterChef é um talent show de culinária brasileiro exibido pela Rede Bandeirantes, baseado no
consagrado formato original de mesmo nome exibido pela BBC no Reino Unido. O programa é apresentado
pela jornalista Ana Paula Padrão e os jurados são os chefes Henrique Fogaça, Erick Jacquin e Paola
Carosella. A primeira temporada estreou em 2 de setembro de 2014. A segunda temporada da estreou em
19 de maio de 2015. 8 A segunda temporada do programa foi integrada com as redes sociais, divulgando, inclusive a vencedora,
primeiramente via twitter: http://www.b9.com.br/60736/social-media/e-o-vencedor-do-masterchef-brasil-
foi-o-twitter/
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A vítima dos comentários de cunho pedófilo era uma candidata de apenas doze
anos de idade: Valentina Schultz. Tais postagens foram percebidas por outros internautas
– e em sua maioria telespectadores do programa – e rebatidas. E é nesse ambiente de
repulsa que surge a hashtag primeiroassedio, criada por Juliana De Faria, fundadora do
coletivo feminista Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu, com a intenção
de incentivar mulheres a exporem a precocidade em que o problema de abusos físicos e
morais ocorre e consequentemente alertar para o fato de que essas atitudes não são fatos
isolados ou que ficam restritos a uma troca de postagens ao longo de um programa de
televisão. Milhares de compartilhamentos surgiram daí, e as histórias foram além da
hashtag, dando repercussão para o assunto tanto na internet, quanto na imprensa brasileira
– inclusive contando com a versão nacional de veículos renomados como BBC e El Pais.
A origem da problematização desse cenário se dá por perceber no caso
características que mostram a da hashtag não como uma ferramenta de indexação, mas
sim como um mecanismo de ruptura comunicacional que só é possível pelos traços da
sociedade midiatizada a qual nos encontramos. A partir disso, fez-se monitoramento
dessas hashtags (#MasterChefBR e #meuprimeiroassedio), com a finalidade de tentar
entender o processo de circulação e mudança de sentido que as mesmas promovem em
um contexto de sociedade midiatizada.
Para tal, a proposta de estudo estrutura-se em torno da percepção de quais lógicas
midiáticas são acionadas pelas hashtags no caso meuprimeiroassédio. Além disso,
questiona-se se a hashtag se configura como agente promotora de circuitos e em que
medida as instituições não midiáticas desenvolvem uma prática de contágio social9 por
meio do uso de dispositivos múltiplos.
Em seu momento abdutivo de desenvolvimento do caso, foi feita a decupagem do
programa MasterchefBrasil Junior. Nesse processo é possível perceber que Valentina não
tem nenhum enfoque especial nos primeiros blocos. Selecionada no grupo das massas,
Valentina tem um destaque maior ao ser chamada pela bancada: ela é a primeira que
aparece falando (1), tem a maior quantidade de imagens de cobertura (2) e é a que aparece
por mais tempo conversando com os chefes (3). Além disso, assim como com Lorenzo, a
mãe de Valentina influencia e interrompe o momento que é da filha (4).
9 Essa ideia está proposta no livro O poder das conexões - A importância do networking e como ele molda
nossas vidas e defende que não apenas agentes patogênicos são transmitidos de uma pessoa para outra,
mas também comportamentos - seja o riso ou atos suicidas, decisões sobre compras ou costumes
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Imagem 1: Valentina falando na entrevista.
Imagem 2: Valentina como imagem de cobertura
Imagem 3: Valentina conversando com os jurados
Imagem 4: Mãe de Valentina interagindo com a filha
Imagem 5: Valentina também tem destaque por uma crise de choro por achar que tudo dará errado
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Faz parte da estratégia da emissora chamar para que as pessoas interajam durante
o programa utilizando a hashtag #masterchefbr. Além disso, ao longo do programa
passam chamamentos para as redes sociais do Masterchef. A interação do primeiro
episódio deu início a uma série de comentários com cunho pedófilo na internet.
Ainda durante a exibição do primeiro episódio do programa, a internet – que por
meio de internautas/telespectadores comentavam o Masterchef passou a reparar nesse
aspecto da menina Valentina e comentá-lo na web. Os internautas, principalmente no
Twitter, postavam frases de cunho sexual relacionadas à candidata, que por ser loira e ter
olhos azuis, chamava a atenção:
Imagem 6: exemplo de tuíte de cunho pedófilo postados ao longo da estreia do programa em 20 de outubro
de 2015
Como forma de defesa dessa movimentação de cunho pedofilo, surge a hashtag
meuprimeiroassedio em que mulheres expunham situações sobre a primeira vez que
foram supostamente assediadas (com a intenção de mostrar que assim como com a menina
Valentina essa é uma prática recorrente e que faz parte da vida das mulheres muito cedo
– e também que assédio não necessariamente é apenas abuso sexual):
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Imagem 7: seleção de tuítes sobre o movimento #meuprimeiroassedio
A hashtag primeiroassedio, criada por Juliana De Faria, fundadora do coletivo
feminista Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu, com a intenção de
incentivar mulheres a exporem a precocidade em que o problema de abusos físicos e
morais ocorre e consequentemente alertar para o fato de que essas atitudes não são fatos
isolados ou que ficam restritos a uma troca de postagens ao longo de um programa de
televisão.
A Think Olga é uma ONG que surgiu em abril de 2013, idealizada pela jornalista
Juliana de Faria. De acordo com a cartilha do site da ONG, seu objetivo consiste em lutar
pelo empoderamento feminino por meio de informação. Para que isso seja possível, suas
participantes investem na criação de conteúdo que sirva para instigar a reflexão sobre a
complexidade das mulheres.
É a partir desse momento que se torna possível observar de forma abdutiva a
formação de um processo de circulação. Em um primeiro momento circular, as respostas
o grupo que desdenhou da causa feminista. Foi o caso do cantor Róger da banda Ultraje
a Rigor, que ilustra um novo significado para a hashtag:
Imagem 8: replicação da replicação – o uso da hashtag meuprimeiroassedio com um novo significado
As histórias levantadas pelo movimento #meuprimeiroassedio foram além da hashtag,
dando repercussão para o assunto tanto na internet, quanto na imprensa brasileira –
inclusive contando com a versão nacional de veículos renomados como BBC e El Pais:
17
Imagem 9: matérias veiculadas com a pauta relacionada ao abuso infantil com ênfase no movimento
#meuprimeiroassedio
Os reflexos das notícias veiculadas anteriormente, trazem novas forças e sentidos
para o movimento #primeiroassedio. Foi o caso da criação de uma hashtag para abuso
sexual em meninos e também matérias tratando de “meninas que a hashtag não alcança”.
Os resultados obtidos a partir da circulação que iniciou no final de outubro
seguiram dando gerando novos conteúdos. Um desses reflexos de uma sociedade
midiatizada é o reflexo de conteúdo abordados na internet tomarem proporção para migrar
para os meios de comunicação clássicos.
Em seis de dezembro, uma das criadoras da hashtag comparece ao programa
Esquenta com Regina Casé para falar da campanha da hashtag #primeiroassedio e
questões ligadas ao feminismo10.
A participação ocorre a partir dos 4:45, com destaque a partir dos 6 minutos e 30
segundos quando Regina Casé questiona se “uma hashtag pode mudar a consciência de
um país e a responsável pelo Think Olga responde “a gente começou com uma discussão
via hashtag e hoje estou aqui” (dando ênfase para o ganho de espaço por meio da força
da circulação na internet).
Passados seis meses do ocorrido inicial. Em abril de 2016 mulheres mexicanas
fizeram circular a hashtag #miprimeracoso com exatamente a mesma finalidade proposta
pelo movimento web brasileiro. Na matéria do El País internacional, inclusive o histórico
do Brasil é resgatado pela reportagem:
10 http://gshow.globo.com/programas/esquenta/episodio/2015/12/06/esquenta-recebe-daniela-mercury-e-
paula-fernandes.html#video-4657648
18
Imagem 10: resgate do tema passados meses do evento inicial
O artigo a ser apresentado consiste no aprofundamento dos movimentos
encontrados, bem como a apresentação de diagramas desenvolvidos considerando a
latência dos conceitos de ambiência e circulação, propostos por Gomes (2005) e Fausto
Neto (2010b), respectivamente.
Por fim, o trabalho proposto objetiva uma reflexão sobre o papel de conceitos
provenientes de uma sociedade midiatizada na legitimação do discurso, considerando que
a midiatização se revela, exatamente, pela potência dos fluxos adiante, quando o tema
passa a existir na mídia como um todo, jornais impressos, revistas de beleza, televisões,
redes sociais, há uma uníssono sobre.
Para tal, considera-se na análise a circulação através da relação entre atores e
instituições não midiáticas, conforme proposto por Eliseo Verón (1997), que sugere ainda
que a midiatização ocorra no cruzamento entre esses elementos. A partir disso, passa-se
a considerar a hashtag como mecanismo de ressignificação uma vez que a mesma se
constitui nesses pontos de intersecção.
Referências bibliográficas:
BRAGA, José Luiz. Comunicação, disciplina indiciária. In: Revista Matrizes. Vol. 1.
Nº02, abril de 2008, p. 73-88
FAUSTO NETO, A. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, A;
VALDETTARO, S (org.). Mediatización, sociedad y Sentido: diálogos entre Brasil y
Argentina. Rosário: Universidad Nacional de Rosário, 2010b, p. 2-15.
19
GOMES, Pedro G. O processo de midiatização da sociedade. Paper/Unisinos. São
Leopoldo, 2005. Disponível em
https://rolandoperez.files.wordpress.com/2009/02/midiatizacao-da-sociedade-pedro-
gilberto-gomez.pdf. Acesso em 22.07.2016
VERÓN, Eliseo, Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos n° 48. Buenos
Aires, 1997. p. 9-16
20
“Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres11:
movimentos de mulheres em marcha nas mídias”.
Keyla de Nazaré Gusmão Negrão
Lucas Porto dos Santos
Atácia dos Santos Freitas
Estácio de Sá – FAP- Pólo Belém do Pará
RESUMO EXPANDIDO
Resumo: Esse trabalho visa organizar vozes do movimento de mulheres que atuam em Belém do
Pará, ressaltando as necessidades de suas práticas sociais, que configuram resistência, e hoje,
articulam as possibilidades de comunicação, mídias sociais e tradicionais, como estratégias de
interação com a sociedade.
Hoje vivemos o auge do feminismo. Mulheres que tinham dificuldades de se
locomover, que tinham demandas domésticas com filhos, famílias, hoje, por
meio de redes alternativas sociais de comunicação, podem de algum modo
participar, opinar, interagir, circular ideias, ações, denúncias. O movimento
feminista encampou várias campanhas na internet, como por exemplo:
#meuprimeiroassédio;#eu empregadadoméstica;#eunãomereçoserestuprada e
outras, e sobretudo, a campanha para massificar o uso do aplicativo 180 fases
para denúncias de violência contra mulheres. (OLIVEIRA, 2016)
Tatiana Oliveira, bancária, militante do movimento feminista, Marcha Mundial
das Mulheres, um coletivo de mulheres criado em 1995, no Canadá, Quebec, quando 850
mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo simbolicamente, pão e rosas. Depois
disso, muitas pautas das mulheres foram conquistadas, como o salário mínimo. No Brasil,
o movimento se articulou, a partir de coletivos de mulheres da CUT.
A cada 5 anos a MMM realiza uma ação internacional, com debates políticos
itinerantes, atravessando várias cidades, como a caminhada de 2010 à beira da rodovia
em São Paulo, que tinha paradas estratégicas para conversar com as mulheres das
comunidades. Em 2013, no auge de movimentos de mobilização de rua, a MMM criou o
coletivo de mulheres comunicadoras, porque como diz Tatiana Oliveira “a comunicação
sempre foi uma preocupação da Marcha, para registrar ações, criar circuitos de exibição,
articular os coletivos, ações municipais”.
Esse trabalho busca discutir como esses movimentos de mulheres pensam os
desafios da pauta feminista, a partir da comunicação, como espaço de interação e de
11 Slogan do Movimento da Marcha Mundial de Mulheres.
21
fomento de lutas. Como as mídias podem articular as pautas das mulheres num novo
contexto do feminismo e das mídias? Um cenário, como dizem as militantes da Marcha,
no auge do feminismo, após 100 anos de lutas, nunca houve movimento social com mais
conquistas que o movimento mulheres.
Uma inserção específica das pautas feministas está relacionada à organização das
mulheres negras. Em Belém do Pará, a Casa Preta surgiu do encontro de quatro jovens negros do
estado do Pará em 2008, jovens esses que não são paraenses. O fundador da Casa Don Perna veio
para trabalhar no Pará com inclusão Digital através do Programa do Ministério da Comunicação.
O apelido Casa dos Pretos passou a ser Coletivo Casa Preta com sonho de criar uma casa de
cultura com membros, principalmente de maioria negra e periférica, além de dar importância ao
matriarcado a ser recuperado dentro das falas e ações de cultura dentro de quilombos urbanos .
Dessa perspectiva, mulheres do coletivo que se tornaram maioria na Casa falam:
O gênero mulher tem uma luta diária, uma pirâmide, que se desenha
hierarquicamente, pela figura do homem branco, mulher branco, homem negro
e mulher negra. Como lidar com isso? Estamos abertas e dispostas a diálogos
com a sociedade, resistindo, mesmo que para algumas classes ou gêneros isso
pareça uma afronta. (VANESSA,
Francilene Saillant (2016) discute essa questão do fato de algumas minorias
sofrerem discriminação sistemática. No caso Brasil, mais de 95 milhões de negros, mas
as questões de direito são propagadas como questão de dívida histórica, uma questão em
constante debate na sociedade da informação. Sobre essa perspectiva de visibilidade das
minorias, a autora afirma:
“O caso dos indígenas e dos afrodescendentes das Américas foi vinculado à
colonização e à escravidão parecem ser os mais evidentes. Esta condição de
povo minorizado não impediu que esses povos elaborassem uma cultura, uma
identidade e uma memória própria”. (SAILLANT, 2016: 23)
Nossa perspectiva de trabalho é pensar, investigar como as mídias podem ser
articuladas como instrumentos de construção dessa memória, de uma plataforma de
direitos, que hoje possa empoderar as mulheres na comunicação, para construir um acervo
de histórias do movimento.
Essa questão de empoderamento é também um debate de linguagem que traz
algumas contradições de comunicação, como afirma Tatiana Oliveira: “o tema
22
empoderamento tem se tornado problemático e agregado alguns estereótipos dentro do
próprio movimento feminista, embora tenha sido os movimentos de mulheres que
popularizaram o termo empoderamento”.
A Marcha Mundial de Mulheres criou desde 2013 o coletivo de mulheres
comunicadoras, e como afirma Liliane Nascimento, “essa frente de ação do coletivo visa
além de divulgar as ações do movimento, poder elaborar ideias, opiniões, posturas que
ajudem as mulheres a tomar posição em relação ao patriarcado e ao capitalismo”.
A Casa Preta tem vários projetos, um deles é “As negras no poder”, constituído
por 13 mulheres, que se articulam através de um grupo nas redes sociais, Facebook. Essas
mídias são apropriadas para elas articularem reuniões, encontros, eventos, e se mantêm
conectadas diariamente.
Nossa discussão atravessa o movimento feminista, mas fazemos um recorte
estratégico no século XXI, a partir dos usos de ferramentas de mídias, que deslocam o
lugar dos entes sociais para indivíduos e movimentos organizados dentro de uma nova
lógica produção de informação. E um dos territórios mais explorados desse recorte são as
mulheres: sua história, seu corpo, seus modos de expressar a experiência das mulheres,
modos de vida, etc.
Referências:
RABELO DE ALMEIDA, Juniele (org.). História Oral e movimento social. São Paulo:
Letra e voz, 2016.
MATTOS, Hebe (org.) História Oral e Comunidade – reparações e culturas negras. São
Paulo: Letra e Voz, 2016.
JORGE FORBES, MIGUEL REALE JÚNIOR, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ
JÚNIOR (orgs.). A invenção do futuro. Rio de Janeiro: Editora Manole, 2005.
Sites
www.marchamundialdasmulheres.org.br
https://movimentocasapreta.wordpress.com/sobre
23
Midiatização e identidades femininas nas redes sociais digitais
Marcilene Forechi
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Palavras-Chave: Estudos Culturais; Conexão; Identidades Femininas; Midiatização.
RESUMO EXPANDIDO
Vivemos hoje, com o fenômeno das redes sociais na internet, o que Jenkins (JENKINS,
GREEN E FORD, 2014) chama de cultura da participação. Assim como outros autores,
ele destaca que esse movimento cultural não se dá ou ocorre com e na internet apenas,
mas se relaciona à própria movimentação do ser humano na sociedade. Tudo se modifica
rapidamente e temos a sensação de que todas as coisas estão fora de lugar. O pensamento
em rede torna-se necessário e produtivo para pensar os processos constitutivosdo sujeito
assim como os deslocamentos que ele realiza nas mais diferentes instâncias. Este ensaio
propõe uma reflexão sobre midiatização de identidades femininas produzidas na internet
com a visibilidade e a problematização de temas relacionados às diversas pautas históricas
dos movimentos feministas. Essas reflexões emergem como integrantes de uma pesquisa
de doutorado em andamento, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFRGS, com apoio do CNPq, na qual se busca refletir e compreender as identidades
femininas produzidas a partir e com comentários, postados nas páginas do Portal G1 e do
jornal Zero Hora no Facebook, relativos a três hashtags de grande repercussão nos meios
de comunicação de massa e no ciberespaço nos anos de 2015 e 2016: #EnemFeminista,
#VaiTerShortinho e #belarecatadaedolar.
O ensaio que ora se apresenta não trata da análise do material da pesquisa, uma
vez que ela se encontra em andamento. A proposta é discutir alguns aspectos da cultura
conectada em rede e das muitas possibilidades de agenciamentos produzidos no ambiente
digital a partir de práticas de propagabilidade, conexão, participação e produção em rede.
Trata-se, então, de um exercício de pensamento e de reflexão que nos ajude a
compreender a diversidade e multiplicidade de processos em jogo e pelos quais as
identidades femininas estão sendo construídas nas interações que ocorrem articuladas aos
processos midiáticos. As problematizações apresentadas nesse ensaio e na pesquisa que
a ele se relaciona estão inseridas dentro de uma perspectiva pós-estruturalista dos Estudos
Culturais em sua articulação com a Educação, a Comunicação e os estudos de Gênero.
24
Assim, toma-se como pressupostos orientadores a impossibilidade de buscar algum tipo
de completude, de respostas deterministas ou de certezas. Antes, as incertezas, as dúvidas
e as problematizações tendem a ser consideradas mais produtivas para os objetivos
(igualmente provisórios) que se colocam.
O ano de 2015 chegou a ser apontado, por especialistas e pela própria imprensa
em diversos momentos, como o ano do feminismo na internet ou o ano em que o
feminismo “pegou fogo” nas redes sociais digitais. Exageros à parte, uma observação um
pouco mais detida faz perceber que, naquele ano, uma série de movimentações ocupou as
redes sociais digitais com assuntos envolvendo mulheres, feminilidades, sexualidade,
gênero e feminismo, entre outros. Essa movimentação em torno desses assuntos não é
nova, mas parece ter ganhado fôlego no ano de 2014, quando a jornalista e blogueira Nana
Queiroz lançou uma campanha contra o estupro, usando, para isso, a hashtag
#EuNaoMerecoSerEstuprada, que teve 44 mil adesões no Facebook. A campanha da
jornalista foi motivada pela divulgação da pesquisa “Tolerância social à violência contra
as mulheres”, feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo,
divulgado no dia 3 de março e 2014, apontou que 58% dos entrevistados concordavam
com a afirmação de que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos
estupros”.
No ano de 2015, houve vários outros movimentos, provocados ou estimulados
principalmente por grupos de feministas reunidas em coletivos e blogs voltados para o
tema e que usam as redes sociais como espaço privilegiado de discussão e visibilidade.
Apresento, para efeitos da produção deste ensaio, três episódios que foram
destacadosnaquele ano, nas redes sociais digitais e também nos veículos de comunicação
de massa (TV, rádio, jornais e revistas), em portais de notícias, em blogs e outras
publicações on line. Dois desses episódios ocorreram no mês de outubro e o terceiro, em
dezembro. O primeiro deles foi a repercussão provocada pelo tema da redação do Enem
2015 e de uma questão objetiva da prova, que produziu milhares de manifestações no
Twitter e no Facebook a partir, principalmente, da hashtag #EnemFeminista. O tema da
redação abordou “A persistência da violência contra a mulher” e a questão
objetivaapresentou a frase da filósofa Simone de Beauvoir “não se nasce mulher, tornar-
se mulher”.
O segundo episódio que coloco em destaque foi a campanha #PrimeiroAssedio,
lançada pelo coletivo feminista Think Olgaapós os comentários sexistas dirigidos auma
menina de 12 anos, que participava do programa de talentos Master Cheff Junior, exibido
25
pela TV Bandeirantes. A hashtag foi usada mais de 100 mil vezes no Twitter e levou
milhares de mulheres a relatarem casos de assédio, a maioria sofridos antes dos 9 anos de
idade. Já o terceiro episódio ocorreu no mês de dezembro de 2015, quando, por meio da
hashtag #MeuAmigoSecreto, foi feita uma convocação para que as
mulheresdenunciassem atitudes machistas vividas e presenciadas por elas no dia a dia,
bem como as praticadas por pessoas de seu convívio mais próximo, na família, no
trabalho ou entre os amigos.
Para proceder a essas reflexões fiz um levantamento no Google com o termo
“Feminismo e Facebook”, com o objetivo de perceber circularidades da movimentação
dos temas – destacados no ano de 2015 – e deslizamentos ocorridos nas abordagens por
diversas mídias, culminando ou circunscrevendo o tema aos embates travados no
Facebook, nos espaços já mencionados e que são objeto da pesquisa de doutorado. Para
realizar essas reflexões busco fazer uma articulação entre conexão e processos de
midiatização. Esses processos de midiatização levam em consideração as formas como a
sociedade vive na contemporaneidade e a maneira como pensa, estabelecendo uma
articulação e uma centralidade para os processos culturais em curso, que não se limitam
ao desenvolvimento tecnológico.Compartilhamos com Parente (2013) a ideia de que
pensar na contemporaneidade é uma prática que se dá em rede. Já mídia é um termo que
tem sido compreendido em sua complexidade e possibilidade de usos, sendo que nos
parece inspiradora a noção que dela tem Shirky (2011) em sua afirmação de que a mídia
forma uma espécie de tecido conjuntivo da sociedade.
REFERÊNCIAS
JENKINS, Henry. GREEN, Joshua. FORD, Sam. Cultura da Conexão. Criando valor e
significado por meio da mídia propagável. Tradução: Patrícia Arnaud. São Paulo: Aleph,
2014.
PARENTE, André. Enredando o pensamento: redes de transformação e subjetividade.
In: PARENTE, André (org.). Tramas da rede. Coleção Cibercultura. Porto Alegre: Sulina,
2013.
SHIRKY, Clay. A cultura da participação. Criatividade e generosidade no mundo
conectado. Tradução: Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
26
Onde vilãs e princesas se misturam: discursos de gênero e a
produção de feminilidades, a partir de uma cena do filme
Cinderela dos Estúdios Disney, 2015.
Olívia Pereira Tavares
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Palavras-chave: Cinema, Contos de Fada, Feminilidades, Pedagogias culturais.
RESUMO EXPANDIDO
O presente trabalho busca analisar, por meio da interface comunicação e
educação, como os contos de fada produzidos pelo cinema podem produzir e reproduzir
certos discursos normativos que delimitam as possibilidades de ser e estar no mundo,
mantendo lógicas binárias, excluindo o diferente, o outro. Desde a concepção, são
colocadas expectativas de gênero e vão sendo delineados os modos de ser menino/menina.
A partir daí, somos interpelados e reiterados por uma lógica heteronormativa
“naturalizada”, em que se deve vivenciar o gênero em conformidade com o sexo que o
sujeito foi concebido.
O cinema é instigante e tem, dentre suas características principais, a mensagem
subliminar, a possibilidade de diferentes interpretações, além de confundir o espectador
entre ficção e realidade (ALVES, 2011, 45). Com o desenvolvimento deste meio de
comunicação, foi sendo introduzida a ideia de contar histórias, baseada em um roteiro e
com a existência de personagens, buscando um processo de identificação entre imagens
produzidas e como o espectador as recebe. A necessidade de exuberância acaba por tomar
as imagens como realidade e possibilita vivenciar experiências.
A relevância desse estudo está relacionada com os processos de midiatização, que,
por meio de contos de fada, contribuem para a formação da diferença de gênero, através
de uma infinidade de pedagogias culturais pelas quais somos interpelados a todo instante.
Considera-se que o conceito de pedagogias está em constante mutação e, apesar das
discussões acerca da insuficiência do conceito de pedagogias culturais, porque toda
pedagogia seria produzida pela cultura, o termo refere-se a práticas culturais
extracurriculares. Além disso, oferecem subsídio aos investimentos que vão oferecer
sentidos e moldar/sugerir experiências, urdir vidas cotidianas, atravessar os múltiplos
27
artefatos tendo em vista a produção de sujeitos que se associam ao consumo de tudo que
circula no referido complexo (CAMOZZATO, 2014). O cinema é um exemplo dessas
pedagogias e, por meio de contos de fada, produz fantasias com castelos, príncipes
encantados, magia e finais felizes. Um mergulho em um mundo de fantasia que irá deixar
marcas de sua influência na vida adulta.
O objetivo do trabalho é analisar na cena do filme Cinderela, datado de 2015, a
percepção dos discursos de bem e mal, configurados nas personagens de Ella e sua
madrasta, propondo distintas maneiras de manifestação das feminilidades. Pela escolha
de algumas cenas específicas do filme, será analisado como os personagens se expressam
em contraposição, de um modo em que apenas um terá o tal “felizes para sempre”. Para
tanto, a referência ao desenho animado produzido em 1950, com mesmo título, pode ser
efetivada, para comparar se há determinadas renovações ou manutenção de discursos
sobre o feminino. Os estúdios Disney produziram para o cinema múltiplas releituras de
diversos contos de fada. Estes fabricam um projeto de felicidade, pautado nos diferentes
comportamentos das personagens e que definirão o destino das mesmas. Além disso,
pautam toda a realização das personagens a partir do amor romântico, simbolizado no
casamento e da formação da família heteronormativa.12
A questão a ser problematizada é como contos de fada e o filme elencado para
este trabalho potencializam discursos de feminino através de um antagonismo de bem e
mal? Existem, no desenho animado Cinderela de 1950 e no filme de mesmo título
produzido em 2015, diferentes manifestações de feminilidades?
O recorte do objeto visa a perceber como são construídos os discursos antagônicos
de feminilidades através de uma cena contida na releitura do filme Cinderela, produzido
pelos Estúdios Disney em 2015 e dirigido por Kenneth Branagh, relacionando com o
desenho animado, de mesmo título e do mesmo estúdio, de 1950. A cena contemplada
nesta análise inicia em 6’34’’, no luto dos personagens de Ella e seu pai pela morte da
mãe e esposa e vai até os 10’10’’, com a chegada da Madrasta e as irmãs postiças em sua
nova residência.
O gênero produz uma falsa noção de estabilidade, em que a matriz heterossexual
estaria assegurada por dois sexos fixos e coerentes, os quais se opõem como todas as
12 Faço referência ao gênero contos de fada produzidos pelos Estúdios da Disney, desde seu primeiro longa,
em 1939, Branca de Neve e Sete anões, desenho animado que traz a primeira Princesa, inaugurando a
sequência de produções que exaltam tal figura. Recentemente, as produções realizadas pelo mesmo estúdio
quebraram a lógica do casamento como desfecho de felicidade, em títulos como Valente, Frozen e
Malévola.
28
oposições binárias do pensamento ocidental: macho x fêmea, homem x mulher,
masculino x feminino. Para esta análise, o antagonismo será pautado em bem x mal, que
caracteriza as personagens femininas dentro desta perspectiva e todo um discurso que
leva à manutenção da tal ordem compulsória. Para Judith Butler (2014), em nossa
sociedade estamos diante de uma “ordem compulsória”, que exige a coerência total entre
um sexo, um gênero e um desejo/prática, que são obrigatoriamente heterossexuais.
O aporte teórico-metodológico foi pautado por estudos pós-estruturalistas, estudos
culturais e estudos de gênero, enfocando as performances femininas das personagens
elencadas para este estudo. A metodologia utilizada foi a análise fílmica, pautada,
principalmente, em Jacques Aumont e Michel Marie. Para isso, alguns passos são
necessários, como a contagem dos planos da cena, percepção das cores e sons e
movimentos da câmera. Previamente, foi realizada uma contextualização do cinema no
período em que as obras foram produzidas, assistidos os filmes, escolhidas as cenas que
seriam analisadas, relatadas as impressões relativas às imagens, para que, assim, fossem
realizadas as análises.
Os Estúdios Disney são responsáveis por eternizar contos de fada e, mesmo com
novas produções, releituras, os desenhos animados com esta temática continuam em voga,
transformando esses títulos em clássicos atemporais e presentes em diferentes contextos.
No entanto, carregam signos e discursos do contexto em que foram produzidos,
necessitando ser renovados.
A manutenção e/ou mudanças na ordem social ocorre por meio de atos, gestos e
signos que se repetem no âmbito cultural e é possível vislumbrar as permanências e
modificações propostas na construção dos diferentes discursos de feminilidade pela
inferência de cenas do desenho animado de 1950, em comparação com o filme de mesmo
título, Cinderela, de 2015.
Referências:
ALVES, Márcia Nogueira; FONTOURA, Mara; ANTONIUTTI, Cleide Luciane. Mídia
e produção audiovisual: uma introdução. 2ª Edição. Curitiba, Ibpex, 2011.
AUMONT, Jacques & MARIE, Michel. A análise do Filme. 3ª Edição. Lisboa: Texto e
Grafia, 2004.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. 7ª
Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
29
CAMOZATTO, Viviane Castro. Pedagogias do Presente. Educação e Realidade, Porto
Alegre, v. 39, n. 2, p. 573-593, abr./jun. 2014. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/edu_realidade>
FRIEDERICHS, Marta. Quanto mais quente melhor: corpos femininos nas telas do
cinema. 2015. 207 f. (tese de doutorado). Faculdade de Educação, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
RUDIGER, Francisco. O Amor e a Mídia: problemas de legitimação do Romantismo
Tardio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013.
VANOYE, Francis & GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a Análise Fílmica. 7ª
Edição. Campinas, SP: Papirus Editora, 2012.
CINDERELA. Direção: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske. Estados
Unidos: Walt Disney, 1950. (75 min.)
CINDERELA. Direção: Kenneth Branagh. Estados Unidos, Walt Disney, 2015. (105
min.)
30
“Meu corpo, minhas regras”:
uma análise das relações construídas na página oficial de Elle
Brasil no Facebook
Vivyane Garbelini Cardoso
FACULDADE CÁSPER LÍBERO
Palavras-chave: Midiatização. Feminismo. Facebook. Web 2.0. Revista Elle Brasil.
RESUMO EXPANDIDO
Resumo: Em uma França devastada pela Segunda Guerra Mundial, no ano de 1945, foi
criada uma revista feminina chamada Elle. Através da Editora Abril, a versão brasileira
teve início em 1988; ano da Constituição que consolidava a democracia nacional e
marcava a luta pelos direitos das mulheres. Uma Carta Magna comprometida com a
cidadania, um momento no qual crescia o consumismo individualista. Reproduzindo a
forte influência dos Estados Unidos e da França, a publicação se desenvolveu. Dicas de
moda, novidades de grifes, fotografias de desfiles, tendências de roupas, maquiagem e
cabelo. Celebridades, modelos profissionais e célebres profissionais da Moda. Tudo isso
recheava suas páginas. Apesar de ter passado por diversas reestruturações ao longo de
seus atuais 28 anos, sempre manteve Moda, Beleza e Casa como assuntos principais,
enaltecendo a preocupação com tendências e constante renovação de práticas e produtos.
Na década de 1990, enquanto a internet comercial dava seus primeiros passos discados,
triunfavam as revistas voltadas para o consumo e o culto às celebridades. As revistas
femininas direcionadas para o mercado, incluindo Elle, confirmaram-se como
importantes agentes da consolidação da sociedade de consumo. Em 2009, no cenário de
internet comercial relativamente popularizada, criou-se a página de Elle Brasil no
Facebook, site que se configura como um dos ícones da Web 2.0. A fanpage, desde os
primeiros posts divulga, prioritariamente, matérias do próprio site da revista e do portal
M de Mulher, cumprindo mais a função de disponibilizar e menos a de interagir: o que
aponta para uma característica de Web 1.0. Aqui, aceitamos as teorizações de Raquel
Recuero sobre características dos sites de redes sociais, para realizar uma reflexão sobre
o Facebook nesse contexto da Web 2.0, tal qual explana Lucia Santaella. Com suas
páginas impressas e com sua página de Facebook, a revista conquistou o posto de
31
autoridade no assunto Moda. Paralelamente, não dedicou muito espaço para retratar o
tema Feminismo, não sendo, conseguintemente, reconhecida como uma autoridade nesse
assunto. Ressalva-se que ao longo da história de Elle, em papel e em pixel, tal tema foi
abordado. Utilizando-se também de termos semelhantes para indicá-lo, a exemplo de
“Girl Power”. Contudo, pondera-se que isso foi feito de maneira esparsa e reduzida. A
partir de Maio de 2015, notou-se um aumento da recorrência dessa temática. Posto isso,
chega-se ao corpus do presente ensaio. No dia 30 de novembro de 2015, Elle realizou
cinco postagens em sua fanpage, com o intuito de divulgar a edição de dezembro do
mesmo ano, cujo tema foi “Moda e Feminismo” e na qual havia um “Manifesto
Feminista”. O post selecionado para a presente análise foi aquele que, dentre os cinco,
obteve mais interações (curtidas, comentários e compartilhamentos). Formado pela
combinação de um texto de 280 caracteres e a imagem de uma das quatro opções de capa,
figura nele uma modelo negra junto à chamada principal: “Meu corpo, minhas regras”. A
postagem recebeu 9.100 curtidas, 329 comentários e teve 3.789 compartilhamentos. Tais
números referem-se à data de fechamento do presente estudo. Os comentários variavam
entre críticas e elogios à publicação e à edição. Houve postagem de “memes”, interações
entre usuários-comentaristas - algumas respeitosas, outras agressivas. Escreveu-se sobre
“ditadura da magreza”, beleza hegemônica, cooptação do Feminismo por parte do
Capitalismo, uso excessivo da ferramenta Photoshop. Ademais, houve a aparente
simplicidade dos comentários formados apenas por emojis e stickers (recursos
pictográficos do site). Então, buscando uma noção de “social” enquanto ação em curso, a
postagem será analisada como registro de uma associação social, registro de uma
conversação em rede. Parte-se da concepção de que o Facebook age como mediador e
influencia nas interações, não sendo intermediário neutro ou mero condutor de dados.
Enquanto empresa, lucra através do conhecimento que possui de seus usuários e
respectivas redes de contatos. Pretende-se fazer uma análise das relações entre os actantes
da rede a partir das conceituações da Teoria Ator-Rede, de Bruno Latour, mobilizadas
por Alex Primo. Complementarmente, pretende-se explorar o conceito de Mais Valia 2.0,
trabalhado por Marcos Dantas, com o intuito de pensar sobre trabalho, ação política e
Facebook. Afinal, os actantes que participam da conversação nesse site de rede social
trabalham, sem receberem remuneração. Esse trabalho apropriado também compõe a
lucratividade de tal empresa. Empresa preocupada com tendências de comportamento, tal
qual a revista/marca Elle. Este ensaio busca, portanto, investigar a conversação em uma
postagem na página oficial no Facebook de Elle Brasil, na qual anuncia-se a edição da
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revista que mobiliza, tanto no meio impresso quanto no digital, o tema Feminismo. Trata-
se de uma representação, feita por Elle, de uma parte do Feminismo contemporâneo.
Sendo ele fragmentado e complexo, vive com contradições. Sendo ele plural, pode-se,
aliás, pensar em “Feminismos”. No entanto, parece defensável apontar que há, em todas
os fragmentos, forte influência da lógica e das práticas da mídia. Nesse sentido, o presente
texto aproxima-se do conceito de Midiatização, ao procurar compreender de que maneira
o movimento social referido tem sido afetado pelas redes sociais de modo geral e,
especificamente, pelo Facebook. Procurando, em pensamento genealógico, refletir sobre
a influência mútua entre as ondas feministas e os veículos de comunicação. O que seria
um Feminismo 2.0? Nesse contexto, qual seria o Feminismo à moda de Elle Brasil?