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1 IstoÉ machismo: operações de sentido através de estereótipos de gênero Caren Leticia Pereira Giacomelli 1 Palavras-chave: Gênero política - mídia IstoÉ estereótipos RESUMO EXPANDIDO O artigo proposto aqui é parte do projeto de pesquisa que busca analisar a forma como as mulheres em situação de poder na América Latina são retratadas pela imprensa, em especial, nas coberturas de revistas do Brasil e da Argentina. A representação da mulher na mídia está submersa em uma série histórica de estereótipos femininos que representam sua generalização social, resultado de um sistema patriarcal enraizado culturalmente nas comunidades mundiais. Essa condição coletiva à qual a mulher está submetida é rechaçada pelos movimentos feministas há muito. No início, de forma isolada e questionando a igualdade de valor entre homens e mulheres. Depois, passando a uma discussão mais crítica da necessidade de extensão ao gênero feminino dos direitos individuais garantidos ao masculino, até chegar aos debates de empoderamento e presença feminina nas esferas públicas. Sendo as condições de gênero determinadas culturalmente pelos grupos nos quais os cidadãos estão inseridos, a situação das nações marcadas pelo colonialismo se apresentam como locais propícios aos enfrentamentos de poder, pois países como os da América Latina tiveram desenvolvimento comprometido por interesses exploratórios, as democracias constantemente ameaçadas e a educação deficitária, e a evolução dos direitos sociais foi atrasada em comparação a outras nações como as da América do Norte e Europa, por exemplo. Condições que permitem grande interferência dos meios de comunicação no aprimoramento das culturas desses territórios, dado seu espaço privilegiado de reprodução e difusão de discursos e significados. Portanto, é possível, como defende Biroli (2010), pensar a mídia como “esfera que participa ativamente da reprodução ou da transformação de práticas, valores e instituições que configuram as formas atuais da representação e da participação política nas democracias e legitimam as formas assumidas 1 Instituição: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)

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IstoÉ machismo: operações de sentido através de

estereótipos de gênero

Caren Leticia Pereira Giacomelli 1

Palavras-chave: Gênero – política - mídia – IstoÉ – estereótipos

RESUMO EXPANDIDO

O artigo proposto aqui é parte do projeto de pesquisa que busca analisar a forma

como as mulheres em situação de poder na América Latina são retratadas pela imprensa,

em especial, nas coberturas de revistas do Brasil e da Argentina.

A representação da mulher na mídia está submersa em uma série histórica de

estereótipos femininos que representam sua generalização social, resultado de um sistema

patriarcal enraizado culturalmente nas comunidades mundiais. Essa condição coletiva à

qual a mulher está submetida é rechaçada pelos movimentos feministas há muito. No

início, de forma isolada e questionando a igualdade de valor entre homens e mulheres.

Depois, passando a uma discussão mais crítica da necessidade de extensão ao gênero

feminino dos direitos individuais garantidos ao masculino, até chegar aos debates de

empoderamento e presença feminina nas esferas públicas. Sendo as condições de gênero

determinadas culturalmente pelos grupos nos quais os cidadãos estão inseridos, a situação

das nações marcadas pelo colonialismo se apresentam como locais propícios aos

enfrentamentos de poder, pois países como os da América Latina tiveram

desenvolvimento comprometido por interesses exploratórios, as democracias

constantemente ameaçadas e a educação deficitária, e a evolução dos direitos sociais foi

atrasada em comparação a outras nações como as da América do Norte e Europa, por

exemplo. Condições que permitem grande interferência dos meios de comunicação no

aprimoramento das culturas desses territórios, dado seu espaço privilegiado de

reprodução e difusão de discursos e significados. Portanto, é possível, como defende

Biroli (2010), pensar a mídia como “esfera que participa ativamente da reprodução ou da

transformação de práticas, valores e instituições que configuram as formas atuais da

representação e da participação política nas democracias e legitimam as formas assumidas

1 Instituição: Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)

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2

pelas relações de gênero”. E foi justamente a América Latina que concentrou o maior

número de mulheres eleitas presidentes de seus países ao mesmo tempo na última década:

Cristina Kirchner (mandato de 2007 a 2011 e 2011 a 2015), Dilma Rousseff (Brasil, de

2011 a 2015 e 2015 a 2016), Michelle Bachellet (Chile, de 2006 a 2010 e 2014 a 2017)

e Costa Rica (Laura Chinchilla, 2010 a 2014). A escolha de representantes do sexo

feminino para governantes, em um território marcadamente dominado por oligarquias

políticas patriarcais, demonstra uma dinâmica social interessante. Mas, como a mídia se

adaptou a esse reajustamento de representações de gênero? Muitos materiais demonstram

que, quando se trata de mulheres e política, a imprensa age como reprodutora de estigmas

ou recorre à estereótipos de gênero para comunicar o que pretende. Esse é o caso do

material analisado neste artigo que recorta do restante da pesquisa um acontecimento

midiático específico: a publicação, pela revista IstoÉ, em 06 de abril de 2016 (ano 39 - nº

2417), de matéria de capa sobre o que chamou de “As explosões nervosas da presidente”,

onde traz uma fotografia de Dilma Roussef com a boca aberta, em semblante de grito.

A edição traz reportagem de oito páginas que abre com a manchete “Uma

presidente fora de si”, e lead que diz: “bastidores do Planalto nos últimos dias mostram

que a iminência do afastamento fez com que Dilma perdesse o equilíbrio e as condições

emocionais para conduzir o país” (p. 32), onde é possível observar operações discursivas

que podem direcionar a compreensão do leitor, como o uso de expressões, cores,

construções frasais, entre outras estratégias, já que a matéria, sem fonte oficial - usa

interlocuções como “assessores palacianos”, “segundo relatos”, “um integrante do

primeiro escalão do governo”, “um de seus assessores”, “outro interlocutor frequente”,

“um importante assessor” -, sugere que a presidente “se entope de calmantes” que “nem

sempre surtem efeitos” (p. 33) e abusa de valorações e adjetivações como incapaz,

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3

despautério, descompostura, destempero, irascível, agressiva, surtos, negação da

realidade, entre outros2.

A publicação recorre ao que Eliseo Verón chamou de metáforas visuais, quando

analisou casos facilmente assimiláveis a esse.

“Aqui se está o mais longe possível do emprego clássico das imagens na

imprensa informativa. Por intermédio de uma retórica que deve ser sempre

muito simples e muito explícita na construção de suas figuras, a

espetacularidade texto/imagem é, neste caso, total” (Verón, 2004, p. 177).

Na intenção de compreender como o discurso veiculado contribui para reforçar ou

perpetuar a ideia dominante de diferença entre homens e mulheres e quais as estratégias

usadas pela IstoÉ neste caso, o trabalho concentra esforços em analisar o discurso, as

operações discursivas presentes no conteúdo apresentada pela revista. São, para tal,

trabalhados conceitos de operações e estratégias discursivas para buscar compreender as

condições de produção e as gramáticas de reconhecimento, a partir das colocações de

Eliseo Verón, para quem “a imagem de imprensa testemunhal tem o estatuto semiótico

de verdadeiro fragmento de realidade; seu valor repousa inteiramente na singularidade

irredutível, única, daquilo que ela consegue mostrar [...]” (Verón, 2004, p.169),

imaginário social que acaba por conferir grande poder à mídia. Lhe dá a capacidade de

reprodutora da verdade, sem espaço para questionamentos e sem dúvidas. Essa condição

de centralidade garante sua influência na construção de sentido, de comportamentos e

criação ou manutenção de estruturas culturais de uma sociedade. “Os fatos são uma coisa,

as opiniões e as interpretações da mídia são uma outra, e a objetividade se mede pela

manutenção escrupulosa da fronteira entre uns e outras” (Verón, p.170).

Em Verón também é possível encontrar indícios para pensar os motivos de

construções como a feita pela revista IstoÉ, que precisou recorrer, na capa, ao uso de uma

fotografia recortada de contexto diferente para que imagem e texto pudessem se articular

2 Em 02 de agosto, a revista IstoÉ foi condenada, pela Justiça do Distrito Federal a conceder direito de

resposta à presidente afastada. A reportagem foi considerada ofensiva e a 18ª Vara Cível de Brasília negou

recurso impetrado pela editora Três, dona da revista, determinando que o veículo publique, com o mesmo

destaque e dimensão da matéria questionada, a manifestação de Dilma Rousseff. A juíza do caso entendeu

que a presidente afastada tem direito à resposta, “tendo em vista as colocações acerca das condições

psicológicas e comportamento da demandante nos dias que antecederam julgamento importante com

relação ao seu mandato [impeachment]”. Na sentença, ela comenta: “Ser objeto de publicação a pessoa

ocupante da Presidência da República não autoriza qualquer meio de comunicação a divulgar

deliberadamente quaisquer informações escondendo-se sob o manto do direito de informação, uma vez que

tal direito tem de ser guiado pela veracidade do conteúdo publicado”.

Page 4: Veja o Caderno de Resumos

4

e produzir sentido3. O autor, inclusive, considera que as modalidades de enunciação nas

capas das revistas são um fator crucial na construção dos contratos de leitura. Elas trazem

elementos que anunciam um “enunciador pedagógico, que pré-ordena o universo do

discurso na intenção do leitor, que vai guiá-lo, responder perguntas, explicar, informá-lo,

[...]” (Verón, 2004, p. 223).

Certamente que não se pretende aqui esgotar o universo de leituras possíveis para

exemplares midiáticos como o que se apresenta nesse artigo, mas sim contribuir com a

observação dos aspectos que entrelaçam mídia, gênero e poder.

Referências:

BIROLI, Flávia. Mulheres e política nas notícias: Estereótipos de gênero e competência

política », Revista Crítica de Ciências Sociais[Online], 90 | 2010, colocado online no dia

Pg. 45 a 69. Disponível em https://rccs.revues.org/1765

Revista IstoÉ. São Paulo: editora Três, 2016, ano 39 - nº 2417.

VERÓN, Eliseo. Espaços de suspeita. In: Fragmentos de um tecido. São Leopoldo:

Editora Unisinos, 2004, p. 159-212.

_____________. Quando ler é fazer: a enunciação no discurso da imprensa escrita. In:

Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004, p. 215-238.

3 A imagem da capa da revista circulou, principalmente nas redes sociais, gerando uma série de protestos

contra a publicação que foi considerada machista e misógina. Um dos movimentos vinculava as pessoas

através do uso de uma hashtag (ferramenta de indexação): #IstoÉmachismo, termo ao qual o título deste

artigo faz referência.

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5

Representatividade, cultura pop e jornalismo: uma análise

dos coletivos midiáticos Collant sem Decote e Minas Nerds

Christian Gonzatti

Francielle Esmitiz

Vanessa Scopel

RESUMO EXPANDIDO

O artigo se desdobra de um projeto de pesquisa que tem como foco estudar a

produção e a circulação de conteúdos por coletivos midiáticos em contexto de

movimentos em rede e os impactos desses processos na narrativa jornalística digital

(AQUINO BITTENCOURT, 2015). A partir de observações e análises desenvolvidas

para o projeto já mencionado, identificamos uma presença notável de conteúdos

relacionados a questões de gênero, raça e sexualidades, o que nos motivou olhar para

coletivos destinados a tratar dessas questões, obliteradas e tratadas de maneira

preconceituosa4, muitas vezes, pelo jornalismo (VEIGA E FONSECA, 2011). A cultura

pop está articulada, dentro de um cenário massivo, a lógicas de produções midiáticas que

buscam desenvolver visibilidade a partir da construção de sensos de comunidade, afeto e

identificação com os públicos (SOARES, 2015). O seu consumo foi, e ainda é, de certa

forma, atravessado por imposições performativas aos gêneros (MAFFÍA, 2013): se for

menino irá gostar de azul, jogar futebol e assistir desenhos de heróis, se for menina irá

gostar de rosa, brincar de bonecas e assistir aos filmes das princesas da Disney. Alguns

feminismos, em suas vertentes mais contemporâneas, como a teoria queer (BUTLER,

2003; PRECIADO, 2014), tentam romper com essas barreiras, e outras mais complexas,

que atravessam todos os campos sociais, políticos, econômicos e culturais. Há, no Brasil,

diversos espaços jornalísticos destinados a produções noticiosas relacionadas à cultura

pop, mas que acabam reproduzindo padrões não representativos. Assim, nos

questionamos: como coletivos midiáticos articulam a representatividade de gênero, raça

e sexualidade na cultura pop?

O conceito de coletivos midiáticos construído no projeto de pesquisa designa

grupos que se organizam dentro e/ou fora das redes digitais, produzindo e fazendo circular

conteúdos de forma desvinculada das mídias de massa. A emergência desses coletivos

4Travesti é um termo utilizado para designar mulheres trans, as que não se identificam o gênero que lhes

foi imposto ao nascer, no caso o masculino (LOURO, 2013). Como exemplo, trazemos uma matéria do G1

em que uma travesti é tratada pelo pronome masculino: https://goo.gl/vufRCP

Page 6: Veja o Caderno de Resumos

6

está articulada a uma noção de midiatização do ativismo, dentro de um cenário de

convergência e mídia espalhável (AQUINO BITTENCOURT, 2015; JENKINS, 2006;

JENKINS, FORD, GREEN, 2013), em que pessoas podem transformar tecnologias em

meios de produção, circulação e recepção de discursos (FAUSTO NETO, 2008).

Buscamos, então, entender a relação dos coletivos midiáticos Collant Sem Decote5 e

Minas Nerds6 com a emergência de espaços representativos para questões da cultura pop

subalternizadas pelos espaços jornalísticos que atendem a lógicas econômicas de

publicidade e propaganda e não representativas em relação a questões de gênero, raça e

sexualidade. A escolha dos objetos de referência emerge de uma pesquisa exploratória

que buscou localizar coletivos midiáticos representativos qualitativamente na produção

noticiosa em torno da cultura pop. A primeira parte do trabalho se desdobra sobre as

questões de representatividade na cultura pop, a segunda sobre as potencialidades

jornalísticas e sociais dos coletivos midiáticos e a terceira aborda a relação entre coletivos

midiáticos, jornalismo e cultura pop a partir dos objetos já expostos.

Mapeando e identificando elementos de representatividade nos espaços

jornalísticos na mídia de massa destinados a cultura pop e analisando os coletivos

midiáticos Collant Sem Decote e Minas Nerds, a fim de entender as suas potencialidades

narrativas, técnicas e estratégicas, buscamos refletir sobre as possibilidades jornalísticas

e informativas dos coletivos tomados como objetos de referência. Por fim, entendemos

que a cultura pop pode funcionar como materialidade discursiva para a desconstrução de

normas e preconceitos enraizados na sociedade a partir da ação de coletivos midiáticos.

Referências

AQUINO BITTENCOURT, M.C.. As narrativas colaborativas nos protestos de 2013 no

Brasil: midiatização do ativismo, espalhamento e convergência. Revista

Latinoamericana Comunicación. Chasqui, v. 1, p. 325-343, 2015.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade.

Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro, 2003: Civilização Brasileira.

FAUSTO NETO, A. Fragmentos de uma analítica da midiatização. Revista Matrizes, n.

2, abril 2008. Disponível em: http://200.144.189.42/ojs/index.php/MATRIZes/article/

view/5236/5260. Acesso: 21 set. 2016.

JENKINS, H.; FORD, Sam; GREEN, Joshua. Spreadable media: creating value and

meaning in a networked culture. New York University, 2013.

5 http://collantsemdecote.com.br/ Acesso: 21 set. 2016. 6 http://minasnerds.com.br/ Acesso: 21 set. 2016.

Page 7: Veja o Caderno de Resumos

7

JENKINS, Henry. Convergence Culture: Where Old and New Media Collide. NYU:

Press, 2006.

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho- ensaios sobre sexualidade e teoria

queer. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

MAFFÍA, D. Prólogo. In: NATANSOHN, Graciela (Org). Internet em código feminino.

Teorias e práticas. Buenos Aires: lcrj futuribles, 2013.

PRECIADO, B. Manifesto Contrassexual; tradução de Maria Paula Gurgel Ribeiro. São

Paulo: n-1 edições, 2014.

SOARES, Thiago. Cultura Pop: Interfaces Teóricas, Abordagens Possíveis. Intercom,

Manaus, AM, 2013. Disponível em: https://goo.gl/NNazuA Acesso: 21 set. 2016.

VEIGA, Márcia da Silva; FONSECA, Virginia Pradelina da Silveira. A contribuição do

jornalismo para a reprodução de desigualdades: um estudo etnográfico sobre a produção

de notícias. Verso e Reverso, vol. XXV, n. 60, setembro-dezembro 2011. Disponível em:

<https://goo.gl/KYk2Qm> Acesso: 21 set. 2016.

Page 8: Veja o Caderno de Resumos

8

Núcleo Teresas: um grupo de mulheres desenvolvendo

mulheres no cinema

Cristiane Maria Schnack

Lisiane Fagundes Cohen

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Palavras-chave: Comunicação; Cinema; Identidades de Gênero; Roteiro

RESUMO EXPANDIDO

O presente trabalho apresenta, analisa e discute a criação do Núcleo Teresas como

um espaço imprescindível para (re)dimensionar a responsabilidade que a linguagem

audiovisual tem, como dispositivo midiático, nos processos sociais de construção das

identidades de gênero. O Núcleo Teresas é formado por um grupo interdisciplinar de nove

mulheres que tem por objetivo pesquisar, discutir e desenvolver o protagonismo feminino

no audiovisual. O núcleo surgiu da necessidade de aprofundar e buscar a mudança na

forma de representar a mulher no cinema, bem como proporcionar mais espaço de

protagonismo, tanto como personagens, como na atuação em funções de poder e criação

nas equipes técnicas.

É, portanto, sobre o núcleo em si e seu processo de construção que este trabalho

se debruça, para compreender suas potenciais contribuições para o cenário audiovisual e

mais amplamente para o cenário midiático. Essas contribuições estão pautadas, como se

pode vislumbrar, em um primeiro plano, na oferta de produtos audiovisuais que impactam

a representatividade feminina projetada nas telas, capaz de desencadear um projeto

conhecido como washback effect. Ou seja, ao reconhecer, nas telas, diversas formas de

ser mulher abre-se a possibilidade de que essas identidades de gênero sejam repensadas

na sociedade como um todo. Em um segundo plano, essas contribuições dizem respeito

ao próprio processo criativo do núcleo, pautado pela escuta sensível e interdisciplinar

sobre os processos sociais de significar e construir identidades de gênero. Neste âmbito,

a interdisciplinaridade amplifica os entendimentos sobre os processos sociais,

especialmente de gênero, constituindo este dispositivo como um produto mais sensível

de representação da sociedade e, portanto, dos processos sociais no qual se insere.

No atual contexto, em que a mídia brasileira traz a expressão “bela, recatada e do

lar” para descrever a esposa do Presidente Michel Temer como algo muito positivo, bem

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9

como a cobertura das Olimpíadas, em que veículos de várias partes do mundo utilizaram

de machismo para seus títulos e conteúdos de matérias, o trabalho do Núcleo torna-se

indispensável. A questão de gênero no cinema é antiga, mas atualmente conquista um

espaço e uma ação no sentido de transformação desta realidade que se alastra pelo mundo.

O uso e a divulgação cada vez maior do “Bechdel Test” tem gerado debate, criando um

contexto favorável para propostas e fortes campanhas para que roteiristas atentem à

construção de personagens femininas diferentes da que tem sido apresentadas em filmes

ou séries sejam levadas a cabo.

O “Bechdel Test” é uma criação da cartunista americana Alison Bechdel que, em

1985, lançou-o na série de tirinhas Dykes to Watch Out For. O teste objetiva avaliar a

presença de mulheres nos filmes e utiliza três perguntas: existem no filme duas ou mais

mulheres com nomes? Elas conversam entre si? Elas conversam entre si sobre algo que

não seja um homem? Este teste não avalia a qualidade dos filmes, nem mesmo se são

feministas, apenas demonstra como se dá a presença feminina neles. Os resultados

mostram que são raros os filmes aprovados no “Bechdel Test”.

Em 2011, a diretora Jennifer Siebel Newsom lançou seu primeiro filme intitulado

“Miss Representation” em que expõe a maneira como a grande mídia contribui para a

sub-representação das mulheres em posições de poder e influência. O filme estreou no

festival de Sundance e gerou enorme repercussão. A diretora criou, então, uma

organização que se chama Projeto Representação, com o objetivo de "inspirar indivíduos

e comunidades para desafiar e superar os estereótipos limitantes para que todos,

independentemente do sexo, raça, classe, idade, orientação sexual ou circunstância possa

realizar o seu potencial humano.” (http://therepresentationproject.org/about/mission/)

Neste movimento, surgiu, em 2014, a campanha “Ask Her More” que

sugere que jornalistas devem mudar a abordagem das atrizes nos tapetes vermelhos de

eventos cinematográficos. Normalmente, as perguntas giram em torno do que as atrizes

estão vestindo, o tempo que levaram para ficarem prontas, sobre cabelo, casamento, filhos

e nenhuma pergunta sobre o filme, a personagem, o processo de construção, enfim, sobre

o trabalho.

Recentemente foi realizada uma pesquisa nos Estados Unidos intitulada

"Nobody’s Damsel Study Looks at Modern Female TV Characters and the People Who

Love Them”, na qual foram apontadas diversas informações sobre que tipo de

personagem feminino que o público deseja ver na televisão. A pesquisa traz dados muito

interessantes e alguns surpreendentes. A pesquisa foi realizada com 1200 pessoas

Page 10: Veja o Caderno de Resumos

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espalhadas pelo país, sendo metade do sexo feminino e a outra metade, dos sexo

masculino. A pesquisa foi online e os participantes precisavam ter acima de 13 anos,

assistir, no mínimo, 7 horas de televisão por semana e ser, ou ter sido, espectador de, pelo

menos, um programa protagonizado por um personagem feminino.

O estudo centrou-se na televisão, uma vez que os fãs geralmente têm

mais tempo para desenvolver um relacionamento com um personagem

ao longo de várias temporadas de TV do que com outras formas de

mídia, e descobriu que sexo, idade, e valores políticos dos espectadores

impactou o tipo de representação da mulher que eles querem

ver. (http://www.themarysue.com/nobodys-damsel-interview/ 2015,

tradução nossa)

Um dos resultados surpreendentes refere-se à chamada Geração Z, dos 13 aos 17

anos, que, em contraste com espectadores de 25 anos ou mais, quer ver os homens em

funções que são tradicionalmente reservados às mulheres, enquanto preferem ver as

mulheres em posições de liderança geralmente ocupados por homens. Os adolescentes

também demonstraram forte identificação com as questões feministas.

A pesquisa traz, também, a diferença de preferência entre o público masculino e

o feminino no que se refere às características mais desejadas nas personagens femininas.

Os 5 traços (inteligência, beleza, força de vontade, firmeza, auto-confiança) preferidos do

púbico masculino estão alinhados com os do público em geral, com diferenças

percentuais, que trazem alterações de ordem de preferência. Para o público em geral, a

ordem fica em inteligência, firmeza, beleza, força de vontade, auto-confiança. Já para o

público feminino, existem dois outros traços que gostaria de ver representados a

compaixão e a independência.

A iniquidade de gênero não é um tema restrito ao mercado de trabalho de

profissões conhecidas nitidamente como masculinas, mas também uma realidade do

cinema nacional. De acordo com pesquisa apresentada pela diretora da Ancine, Débora

Ivanov, no Rio Content Market desse ano, dos 2606 produtos audiovisuais que emitiram

Certificado de Produto Brasileiro (CPB) em 2015, apenas 19% foram dirigidos por

mulheres e 23% tiveram uma mulher como roteirista.

Diante desses dados, e do desejo de desenvolver um projeto coerente a longo

prazo, que contribua para a transformação dessa realidade de desigualdade, a proposta de

Teresas consiste em desenvolver projetos audiovisuais, com protagonistas femininas,

escritos por mulheres e tendo mulheres como líderes; fomentar a formação de roteiristas

e diretoras para o mercado brasileiro audiovisual; trabalhar no aumento do protagonismo

Page 11: Veja o Caderno de Resumos

11

de mulheres no cinema brasileiro e trazer visões multi-facetadas sobre o universo

feminino, contribuindo com a construção e validação de identidades sociais, a partir de

projetos que trazem outros valores ligados ao universo feminino.

O Núcleo foi criado em 2015 e possui 8 projetos, em etapa de desenvolvimento,

entre séries e longas-metragens que estão participando de editais de fomento, bem como

estão sendo apresentados para possíveis patrocinadores. A constituição interdisciplinar

confere às produções um caráter múltiplo no tratamento de questões de gênero ao longo

de todo o processo criativo e executivo. Faz-se necessário para enfrentar um entendimento

que, por mais das vezes, ainda é concebido como essencialista nos processos sociais de

midiatização, especialmente no que tange as identidades de gênero, reduzindo gênero a

sexo biológico, por exemplo, mas não apenas. Ou seja, não é somente no par relacional

homem-mulher que se encontra um tensionamento das identidades de gênero. É preciso,

também, questionar a (não) visibilidade de identidades de gênero que transcendam as

características de classe, idade, cor, nacionalidade, entre outras. Neste âmbito,

entendemos que a interdisciplinaridade amplifica os entendimentos sobre os processos

sociais, especialmente de gênero, constituindo este dispositivo, o audiovisual, como um

produto mais sensível de representação da sociedade e, portanto, dos processos sociais no

qual se insere.

A análise do Núcleo Teresas, desde sua configuração até as criações que dele se

originam, é fundamental para compreendermos que ele próprio, o Núcleo, é uma reação

a processos sociais vigentes em vários cenários. Por fim, entendemos que essa análise, no

âmbito da academia, tem o potencial de contribuir para compreendermos o cenário da

midiatização das questões de gênero e apontar caminhos de atuação.

Page 12: Veja o Caderno de Resumos

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Hashtag como mecanismo de voz em uma sociedade

midiatizada: apontamentos sobre o caso #meuprimeiroassedio

Gabriela Schuch Kastner

Palavras-chave: Midiatização – circulação - ambiência – redes sociais - hashtag

RESUMO EXPANDIDO

A proposta apresentada a seguir consiste no levantamento empírico/teórico inicial

do projeto de pesquisa que visa investigar como a ambiência e a circulação exercem

papeis fundamentais em um processo que geralmente é estudado apenas do ponto de vista

da cibercultura: a utilização da hashtag como mecanismo de voz e não apenas como

ferramenta de indexação. Para tal problematização, será apresentado empiricamente o

caso da menina Valentina Schultz e sua relação com a hashtag feminista

#meuprimeiroassedio.

Em 20 de outubro de 2015 a Rede Bandeirantes apresenta à televisão brasileira a

versão júnior do MasterChef Brasil7, apresentado pela jornalista Ana Paula Padrão e

tendo como jurados os chefes Henrique Fogaça, Paola Carosella e Erick Jacquin. Entre

os participantes, crianças entre 9 e 13 anos disputando o prêmio de uma viagem para a

Disney com direito a cinco acompanhantes, um curso de culinária e um vale compras de

R$ 1 mil por mês durante um ano e um kit de eletrodomésticos.

Ambas as edições da versão adulta de MasterChef Brasil veiculadas anteriormente

pela mesma emissora – por meio da hashtag #MasterChefBR – repercutiram de forma

considerável nas redes sociais, tornando-se assim assunto de matérias sobre o assunto8. O

modelo infantil, apesar de igualmente despertar as redes sociais, alertou para a

necessidade da discussão de um assunto de relevância social: o abuso – tanto sexual

quanto moral – na infância.

7 MasterChef é um talent show de culinária brasileiro exibido pela Rede Bandeirantes, baseado no

consagrado formato original de mesmo nome exibido pela BBC no Reino Unido. O programa é apresentado

pela jornalista Ana Paula Padrão e os jurados são os chefes Henrique Fogaça, Erick Jacquin e Paola

Carosella. A primeira temporada estreou em 2 de setembro de 2014. A segunda temporada da estreou em

19 de maio de 2015. 8 A segunda temporada do programa foi integrada com as redes sociais, divulgando, inclusive a vencedora,

primeiramente via twitter: http://www.b9.com.br/60736/social-media/e-o-vencedor-do-masterchef-brasil-

foi-o-twitter/

Page 13: Veja o Caderno de Resumos

13

A vítima dos comentários de cunho pedófilo era uma candidata de apenas doze

anos de idade: Valentina Schultz. Tais postagens foram percebidas por outros internautas

– e em sua maioria telespectadores do programa – e rebatidas. E é nesse ambiente de

repulsa que surge a hashtag primeiroassedio, criada por Juliana De Faria, fundadora do

coletivo feminista Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu, com a intenção

de incentivar mulheres a exporem a precocidade em que o problema de abusos físicos e

morais ocorre e consequentemente alertar para o fato de que essas atitudes não são fatos

isolados ou que ficam restritos a uma troca de postagens ao longo de um programa de

televisão. Milhares de compartilhamentos surgiram daí, e as histórias foram além da

hashtag, dando repercussão para o assunto tanto na internet, quanto na imprensa brasileira

– inclusive contando com a versão nacional de veículos renomados como BBC e El Pais.

A origem da problematização desse cenário se dá por perceber no caso

características que mostram a da hashtag não como uma ferramenta de indexação, mas

sim como um mecanismo de ruptura comunicacional que só é possível pelos traços da

sociedade midiatizada a qual nos encontramos. A partir disso, fez-se monitoramento

dessas hashtags (#MasterChefBR e #meuprimeiroassedio), com a finalidade de tentar

entender o processo de circulação e mudança de sentido que as mesmas promovem em

um contexto de sociedade midiatizada.

Para tal, a proposta de estudo estrutura-se em torno da percepção de quais lógicas

midiáticas são acionadas pelas hashtags no caso meuprimeiroassédio. Além disso,

questiona-se se a hashtag se configura como agente promotora de circuitos e em que

medida as instituições não midiáticas desenvolvem uma prática de contágio social9 por

meio do uso de dispositivos múltiplos.

Em seu momento abdutivo de desenvolvimento do caso, foi feita a decupagem do

programa MasterchefBrasil Junior. Nesse processo é possível perceber que Valentina não

tem nenhum enfoque especial nos primeiros blocos. Selecionada no grupo das massas,

Valentina tem um destaque maior ao ser chamada pela bancada: ela é a primeira que

aparece falando (1), tem a maior quantidade de imagens de cobertura (2) e é a que aparece

por mais tempo conversando com os chefes (3). Além disso, assim como com Lorenzo, a

mãe de Valentina influencia e interrompe o momento que é da filha (4).

9 Essa ideia está proposta no livro O poder das conexões - A importância do networking e como ele molda

nossas vidas e defende que não apenas agentes patogênicos são transmitidos de uma pessoa para outra,

mas também comportamentos - seja o riso ou atos suicidas, decisões sobre compras ou costumes

Page 14: Veja o Caderno de Resumos

14

Imagem 1: Valentina falando na entrevista.

Imagem 2: Valentina como imagem de cobertura

Imagem 3: Valentina conversando com os jurados

Imagem 4: Mãe de Valentina interagindo com a filha

Imagem 5: Valentina também tem destaque por uma crise de choro por achar que tudo dará errado

Page 15: Veja o Caderno de Resumos

15

Faz parte da estratégia da emissora chamar para que as pessoas interajam durante

o programa utilizando a hashtag #masterchefbr. Além disso, ao longo do programa

passam chamamentos para as redes sociais do Masterchef. A interação do primeiro

episódio deu início a uma série de comentários com cunho pedófilo na internet.

Ainda durante a exibição do primeiro episódio do programa, a internet – que por

meio de internautas/telespectadores comentavam o Masterchef passou a reparar nesse

aspecto da menina Valentina e comentá-lo na web. Os internautas, principalmente no

Twitter, postavam frases de cunho sexual relacionadas à candidata, que por ser loira e ter

olhos azuis, chamava a atenção:

Imagem 6: exemplo de tuíte de cunho pedófilo postados ao longo da estreia do programa em 20 de outubro

de 2015

Como forma de defesa dessa movimentação de cunho pedofilo, surge a hashtag

meuprimeiroassedio em que mulheres expunham situações sobre a primeira vez que

foram supostamente assediadas (com a intenção de mostrar que assim como com a menina

Valentina essa é uma prática recorrente e que faz parte da vida das mulheres muito cedo

– e também que assédio não necessariamente é apenas abuso sexual):

Page 16: Veja o Caderno de Resumos

16

Imagem 7: seleção de tuítes sobre o movimento #meuprimeiroassedio

A hashtag primeiroassedio, criada por Juliana De Faria, fundadora do coletivo

feminista Think Olga e criadora da campanha Chega de Fiu Fiu, com a intenção de

incentivar mulheres a exporem a precocidade em que o problema de abusos físicos e

morais ocorre e consequentemente alertar para o fato de que essas atitudes não são fatos

isolados ou que ficam restritos a uma troca de postagens ao longo de um programa de

televisão.

A Think Olga é uma ONG que surgiu em abril de 2013, idealizada pela jornalista

Juliana de Faria. De acordo com a cartilha do site da ONG, seu objetivo consiste em lutar

pelo empoderamento feminino por meio de informação. Para que isso seja possível, suas

participantes investem na criação de conteúdo que sirva para instigar a reflexão sobre a

complexidade das mulheres.

É a partir desse momento que se torna possível observar de forma abdutiva a

formação de um processo de circulação. Em um primeiro momento circular, as respostas

o grupo que desdenhou da causa feminista. Foi o caso do cantor Róger da banda Ultraje

a Rigor, que ilustra um novo significado para a hashtag:

Imagem 8: replicação da replicação – o uso da hashtag meuprimeiroassedio com um novo significado

As histórias levantadas pelo movimento #meuprimeiroassedio foram além da hashtag,

dando repercussão para o assunto tanto na internet, quanto na imprensa brasileira –

inclusive contando com a versão nacional de veículos renomados como BBC e El Pais:

Page 17: Veja o Caderno de Resumos

17

Imagem 9: matérias veiculadas com a pauta relacionada ao abuso infantil com ênfase no movimento

#meuprimeiroassedio

Os reflexos das notícias veiculadas anteriormente, trazem novas forças e sentidos

para o movimento #primeiroassedio. Foi o caso da criação de uma hashtag para abuso

sexual em meninos e também matérias tratando de “meninas que a hashtag não alcança”.

Os resultados obtidos a partir da circulação que iniciou no final de outubro

seguiram dando gerando novos conteúdos. Um desses reflexos de uma sociedade

midiatizada é o reflexo de conteúdo abordados na internet tomarem proporção para migrar

para os meios de comunicação clássicos.

Em seis de dezembro, uma das criadoras da hashtag comparece ao programa

Esquenta com Regina Casé para falar da campanha da hashtag #primeiroassedio e

questões ligadas ao feminismo10.

A participação ocorre a partir dos 4:45, com destaque a partir dos 6 minutos e 30

segundos quando Regina Casé questiona se “uma hashtag pode mudar a consciência de

um país e a responsável pelo Think Olga responde “a gente começou com uma discussão

via hashtag e hoje estou aqui” (dando ênfase para o ganho de espaço por meio da força

da circulação na internet).

Passados seis meses do ocorrido inicial. Em abril de 2016 mulheres mexicanas

fizeram circular a hashtag #miprimeracoso com exatamente a mesma finalidade proposta

pelo movimento web brasileiro. Na matéria do El País internacional, inclusive o histórico

do Brasil é resgatado pela reportagem:

10 http://gshow.globo.com/programas/esquenta/episodio/2015/12/06/esquenta-recebe-daniela-mercury-e-

paula-fernandes.html#video-4657648

Page 18: Veja o Caderno de Resumos

18

Imagem 10: resgate do tema passados meses do evento inicial

O artigo a ser apresentado consiste no aprofundamento dos movimentos

encontrados, bem como a apresentação de diagramas desenvolvidos considerando a

latência dos conceitos de ambiência e circulação, propostos por Gomes (2005) e Fausto

Neto (2010b), respectivamente.

Por fim, o trabalho proposto objetiva uma reflexão sobre o papel de conceitos

provenientes de uma sociedade midiatizada na legitimação do discurso, considerando que

a midiatização se revela, exatamente, pela potência dos fluxos adiante, quando o tema

passa a existir na mídia como um todo, jornais impressos, revistas de beleza, televisões,

redes sociais, há uma uníssono sobre.

Para tal, considera-se na análise a circulação através da relação entre atores e

instituições não midiáticas, conforme proposto por Eliseo Verón (1997), que sugere ainda

que a midiatização ocorra no cruzamento entre esses elementos. A partir disso, passa-se

a considerar a hashtag como mecanismo de ressignificação uma vez que a mesma se

constitui nesses pontos de intersecção.

Referências bibliográficas:

BRAGA, José Luiz. Comunicação, disciplina indiciária. In: Revista Matrizes. Vol. 1.

Nº02, abril de 2008, p. 73-88

FAUSTO NETO, A. A circulação além das bordas. In: FAUSTO NETO, A;

VALDETTARO, S (org.). Mediatización, sociedad y Sentido: diálogos entre Brasil y

Argentina. Rosário: Universidad Nacional de Rosário, 2010b, p. 2-15.

Page 19: Veja o Caderno de Resumos

19

GOMES, Pedro G. O processo de midiatização da sociedade. Paper/Unisinos. São

Leopoldo, 2005. Disponível em

https://rolandoperez.files.wordpress.com/2009/02/midiatizacao-da-sociedade-pedro-

gilberto-gomez.pdf. Acesso em 22.07.2016

VERÓN, Eliseo, Esquema para el análisis de la mediatización. Diálogos n° 48. Buenos

Aires, 1997. p. 9-16

Page 20: Veja o Caderno de Resumos

20

“Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres11:

movimentos de mulheres em marcha nas mídias”.

Keyla de Nazaré Gusmão Negrão

Lucas Porto dos Santos

Atácia dos Santos Freitas

Estácio de Sá – FAP- Pólo Belém do Pará

RESUMO EXPANDIDO

Resumo: Esse trabalho visa organizar vozes do movimento de mulheres que atuam em Belém do

Pará, ressaltando as necessidades de suas práticas sociais, que configuram resistência, e hoje,

articulam as possibilidades de comunicação, mídias sociais e tradicionais, como estratégias de

interação com a sociedade.

Hoje vivemos o auge do feminismo. Mulheres que tinham dificuldades de se

locomover, que tinham demandas domésticas com filhos, famílias, hoje, por

meio de redes alternativas sociais de comunicação, podem de algum modo

participar, opinar, interagir, circular ideias, ações, denúncias. O movimento

feminista encampou várias campanhas na internet, como por exemplo:

#meuprimeiroassédio;#eu empregadadoméstica;#eunãomereçoserestuprada e

outras, e sobretudo, a campanha para massificar o uso do aplicativo 180 fases

para denúncias de violência contra mulheres. (OLIVEIRA, 2016)

Tatiana Oliveira, bancária, militante do movimento feminista, Marcha Mundial

das Mulheres, um coletivo de mulheres criado em 1995, no Canadá, Quebec, quando 850

mulheres marcharam 200 quilômetros, pedindo simbolicamente, pão e rosas. Depois

disso, muitas pautas das mulheres foram conquistadas, como o salário mínimo. No Brasil,

o movimento se articulou, a partir de coletivos de mulheres da CUT.

A cada 5 anos a MMM realiza uma ação internacional, com debates políticos

itinerantes, atravessando várias cidades, como a caminhada de 2010 à beira da rodovia

em São Paulo, que tinha paradas estratégicas para conversar com as mulheres das

comunidades. Em 2013, no auge de movimentos de mobilização de rua, a MMM criou o

coletivo de mulheres comunicadoras, porque como diz Tatiana Oliveira “a comunicação

sempre foi uma preocupação da Marcha, para registrar ações, criar circuitos de exibição,

articular os coletivos, ações municipais”.

Esse trabalho busca discutir como esses movimentos de mulheres pensam os

desafios da pauta feminista, a partir da comunicação, como espaço de interação e de

11 Slogan do Movimento da Marcha Mundial de Mulheres.

Page 21: Veja o Caderno de Resumos

21

fomento de lutas. Como as mídias podem articular as pautas das mulheres num novo

contexto do feminismo e das mídias? Um cenário, como dizem as militantes da Marcha,

no auge do feminismo, após 100 anos de lutas, nunca houve movimento social com mais

conquistas que o movimento mulheres.

Uma inserção específica das pautas feministas está relacionada à organização das

mulheres negras. Em Belém do Pará, a Casa Preta surgiu do encontro de quatro jovens negros do

estado do Pará em 2008, jovens esses que não são paraenses. O fundador da Casa Don Perna veio

para trabalhar no Pará com inclusão Digital através do Programa do Ministério da Comunicação.

O apelido Casa dos Pretos passou a ser Coletivo Casa Preta com sonho de criar uma casa de

cultura com membros, principalmente de maioria negra e periférica, além de dar importância ao

matriarcado a ser recuperado dentro das falas e ações de cultura dentro de quilombos urbanos .

Dessa perspectiva, mulheres do coletivo que se tornaram maioria na Casa falam:

O gênero mulher tem uma luta diária, uma pirâmide, que se desenha

hierarquicamente, pela figura do homem branco, mulher branco, homem negro

e mulher negra. Como lidar com isso? Estamos abertas e dispostas a diálogos

com a sociedade, resistindo, mesmo que para algumas classes ou gêneros isso

pareça uma afronta. (VANESSA,

Francilene Saillant (2016) discute essa questão do fato de algumas minorias

sofrerem discriminação sistemática. No caso Brasil, mais de 95 milhões de negros, mas

as questões de direito são propagadas como questão de dívida histórica, uma questão em

constante debate na sociedade da informação. Sobre essa perspectiva de visibilidade das

minorias, a autora afirma:

“O caso dos indígenas e dos afrodescendentes das Américas foi vinculado à

colonização e à escravidão parecem ser os mais evidentes. Esta condição de

povo minorizado não impediu que esses povos elaborassem uma cultura, uma

identidade e uma memória própria”. (SAILLANT, 2016: 23)

Nossa perspectiva de trabalho é pensar, investigar como as mídias podem ser

articuladas como instrumentos de construção dessa memória, de uma plataforma de

direitos, que hoje possa empoderar as mulheres na comunicação, para construir um acervo

de histórias do movimento.

Essa questão de empoderamento é também um debate de linguagem que traz

algumas contradições de comunicação, como afirma Tatiana Oliveira: “o tema

Page 22: Veja o Caderno de Resumos

22

empoderamento tem se tornado problemático e agregado alguns estereótipos dentro do

próprio movimento feminista, embora tenha sido os movimentos de mulheres que

popularizaram o termo empoderamento”.

A Marcha Mundial de Mulheres criou desde 2013 o coletivo de mulheres

comunicadoras, e como afirma Liliane Nascimento, “essa frente de ação do coletivo visa

além de divulgar as ações do movimento, poder elaborar ideias, opiniões, posturas que

ajudem as mulheres a tomar posição em relação ao patriarcado e ao capitalismo”.

A Casa Preta tem vários projetos, um deles é “As negras no poder”, constituído

por 13 mulheres, que se articulam através de um grupo nas redes sociais, Facebook. Essas

mídias são apropriadas para elas articularem reuniões, encontros, eventos, e se mantêm

conectadas diariamente.

Nossa discussão atravessa o movimento feminista, mas fazemos um recorte

estratégico no século XXI, a partir dos usos de ferramentas de mídias, que deslocam o

lugar dos entes sociais para indivíduos e movimentos organizados dentro de uma nova

lógica produção de informação. E um dos territórios mais explorados desse recorte são as

mulheres: sua história, seu corpo, seus modos de expressar a experiência das mulheres,

modos de vida, etc.

Referências:

RABELO DE ALMEIDA, Juniele (org.). História Oral e movimento social. São Paulo:

Letra e voz, 2016.

MATTOS, Hebe (org.) História Oral e Comunidade – reparações e culturas negras. São

Paulo: Letra e Voz, 2016.

JORGE FORBES, MIGUEL REALE JÚNIOR, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ

JÚNIOR (orgs.). A invenção do futuro. Rio de Janeiro: Editora Manole, 2005.

Sites

www.marchamundialdasmulheres.org.br

https://movimentocasapreta.wordpress.com/sobre

Page 23: Veja o Caderno de Resumos

23

Midiatização e identidades femininas nas redes sociais digitais

Marcilene Forechi

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Palavras-Chave: Estudos Culturais; Conexão; Identidades Femininas; Midiatização.

RESUMO EXPANDIDO

Vivemos hoje, com o fenômeno das redes sociais na internet, o que Jenkins (JENKINS,

GREEN E FORD, 2014) chama de cultura da participação. Assim como outros autores,

ele destaca que esse movimento cultural não se dá ou ocorre com e na internet apenas,

mas se relaciona à própria movimentação do ser humano na sociedade. Tudo se modifica

rapidamente e temos a sensação de que todas as coisas estão fora de lugar. O pensamento

em rede torna-se necessário e produtivo para pensar os processos constitutivosdo sujeito

assim como os deslocamentos que ele realiza nas mais diferentes instâncias. Este ensaio

propõe uma reflexão sobre midiatização de identidades femininas produzidas na internet

com a visibilidade e a problematização de temas relacionados às diversas pautas históricas

dos movimentos feministas. Essas reflexões emergem como integrantes de uma pesquisa

de doutorado em andamento, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação

da UFRGS, com apoio do CNPq, na qual se busca refletir e compreender as identidades

femininas produzidas a partir e com comentários, postados nas páginas do Portal G1 e do

jornal Zero Hora no Facebook, relativos a três hashtags de grande repercussão nos meios

de comunicação de massa e no ciberespaço nos anos de 2015 e 2016: #EnemFeminista,

#VaiTerShortinho e #belarecatadaedolar.

O ensaio que ora se apresenta não trata da análise do material da pesquisa, uma

vez que ela se encontra em andamento. A proposta é discutir alguns aspectos da cultura

conectada em rede e das muitas possibilidades de agenciamentos produzidos no ambiente

digital a partir de práticas de propagabilidade, conexão, participação e produção em rede.

Trata-se, então, de um exercício de pensamento e de reflexão que nos ajude a

compreender a diversidade e multiplicidade de processos em jogo e pelos quais as

identidades femininas estão sendo construídas nas interações que ocorrem articuladas aos

processos midiáticos. As problematizações apresentadas nesse ensaio e na pesquisa que

a ele se relaciona estão inseridas dentro de uma perspectiva pós-estruturalista dos Estudos

Culturais em sua articulação com a Educação, a Comunicação e os estudos de Gênero.

Page 24: Veja o Caderno de Resumos

24

Assim, toma-se como pressupostos orientadores a impossibilidade de buscar algum tipo

de completude, de respostas deterministas ou de certezas. Antes, as incertezas, as dúvidas

e as problematizações tendem a ser consideradas mais produtivas para os objetivos

(igualmente provisórios) que se colocam.

O ano de 2015 chegou a ser apontado, por especialistas e pela própria imprensa

em diversos momentos, como o ano do feminismo na internet ou o ano em que o

feminismo “pegou fogo” nas redes sociais digitais. Exageros à parte, uma observação um

pouco mais detida faz perceber que, naquele ano, uma série de movimentações ocupou as

redes sociais digitais com assuntos envolvendo mulheres, feminilidades, sexualidade,

gênero e feminismo, entre outros. Essa movimentação em torno desses assuntos não é

nova, mas parece ter ganhado fôlego no ano de 2014, quando a jornalista e blogueira Nana

Queiroz lançou uma campanha contra o estupro, usando, para isso, a hashtag

#EuNaoMerecoSerEstuprada, que teve 44 mil adesões no Facebook. A campanha da

jornalista foi motivada pela divulgação da pesquisa “Tolerância social à violência contra

as mulheres”, feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O estudo,

divulgado no dia 3 de março e 2014, apontou que 58% dos entrevistados concordavam

com a afirmação de que “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos

estupros”.

No ano de 2015, houve vários outros movimentos, provocados ou estimulados

principalmente por grupos de feministas reunidas em coletivos e blogs voltados para o

tema e que usam as redes sociais como espaço privilegiado de discussão e visibilidade.

Apresento, para efeitos da produção deste ensaio, três episódios que foram

destacadosnaquele ano, nas redes sociais digitais e também nos veículos de comunicação

de massa (TV, rádio, jornais e revistas), em portais de notícias, em blogs e outras

publicações on line. Dois desses episódios ocorreram no mês de outubro e o terceiro, em

dezembro. O primeiro deles foi a repercussão provocada pelo tema da redação do Enem

2015 e de uma questão objetiva da prova, que produziu milhares de manifestações no

Twitter e no Facebook a partir, principalmente, da hashtag #EnemFeminista. O tema da

redação abordou “A persistência da violência contra a mulher” e a questão

objetivaapresentou a frase da filósofa Simone de Beauvoir “não se nasce mulher, tornar-

se mulher”.

O segundo episódio que coloco em destaque foi a campanha #PrimeiroAssedio,

lançada pelo coletivo feminista Think Olgaapós os comentários sexistas dirigidos auma

menina de 12 anos, que participava do programa de talentos Master Cheff Junior, exibido

Page 25: Veja o Caderno de Resumos

25

pela TV Bandeirantes. A hashtag foi usada mais de 100 mil vezes no Twitter e levou

milhares de mulheres a relatarem casos de assédio, a maioria sofridos antes dos 9 anos de

idade. Já o terceiro episódio ocorreu no mês de dezembro de 2015, quando, por meio da

hashtag #MeuAmigoSecreto, foi feita uma convocação para que as

mulheresdenunciassem atitudes machistas vividas e presenciadas por elas no dia a dia,

bem como as praticadas por pessoas de seu convívio mais próximo, na família, no

trabalho ou entre os amigos.

Para proceder a essas reflexões fiz um levantamento no Google com o termo

“Feminismo e Facebook”, com o objetivo de perceber circularidades da movimentação

dos temas – destacados no ano de 2015 – e deslizamentos ocorridos nas abordagens por

diversas mídias, culminando ou circunscrevendo o tema aos embates travados no

Facebook, nos espaços já mencionados e que são objeto da pesquisa de doutorado. Para

realizar essas reflexões busco fazer uma articulação entre conexão e processos de

midiatização. Esses processos de midiatização levam em consideração as formas como a

sociedade vive na contemporaneidade e a maneira como pensa, estabelecendo uma

articulação e uma centralidade para os processos culturais em curso, que não se limitam

ao desenvolvimento tecnológico.Compartilhamos com Parente (2013) a ideia de que

pensar na contemporaneidade é uma prática que se dá em rede. Já mídia é um termo que

tem sido compreendido em sua complexidade e possibilidade de usos, sendo que nos

parece inspiradora a noção que dela tem Shirky (2011) em sua afirmação de que a mídia

forma uma espécie de tecido conjuntivo da sociedade.

REFERÊNCIAS

JENKINS, Henry. GREEN, Joshua. FORD, Sam. Cultura da Conexão. Criando valor e

significado por meio da mídia propagável. Tradução: Patrícia Arnaud. São Paulo: Aleph,

2014.

PARENTE, André. Enredando o pensamento: redes de transformação e subjetividade.

In: PARENTE, André (org.). Tramas da rede. Coleção Cibercultura. Porto Alegre: Sulina,

2013.

SHIRKY, Clay. A cultura da participação. Criatividade e generosidade no mundo

conectado. Tradução: Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

Page 26: Veja o Caderno de Resumos

26

Onde vilãs e princesas se misturam: discursos de gênero e a

produção de feminilidades, a partir de uma cena do filme

Cinderela dos Estúdios Disney, 2015.

Olívia Pereira Tavares

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Palavras-chave: Cinema, Contos de Fada, Feminilidades, Pedagogias culturais.

RESUMO EXPANDIDO

O presente trabalho busca analisar, por meio da interface comunicação e

educação, como os contos de fada produzidos pelo cinema podem produzir e reproduzir

certos discursos normativos que delimitam as possibilidades de ser e estar no mundo,

mantendo lógicas binárias, excluindo o diferente, o outro. Desde a concepção, são

colocadas expectativas de gênero e vão sendo delineados os modos de ser menino/menina.

A partir daí, somos interpelados e reiterados por uma lógica heteronormativa

“naturalizada”, em que se deve vivenciar o gênero em conformidade com o sexo que o

sujeito foi concebido.

O cinema é instigante e tem, dentre suas características principais, a mensagem

subliminar, a possibilidade de diferentes interpretações, além de confundir o espectador

entre ficção e realidade (ALVES, 2011, 45). Com o desenvolvimento deste meio de

comunicação, foi sendo introduzida a ideia de contar histórias, baseada em um roteiro e

com a existência de personagens, buscando um processo de identificação entre imagens

produzidas e como o espectador as recebe. A necessidade de exuberância acaba por tomar

as imagens como realidade e possibilita vivenciar experiências.

A relevância desse estudo está relacionada com os processos de midiatização, que,

por meio de contos de fada, contribuem para a formação da diferença de gênero, através

de uma infinidade de pedagogias culturais pelas quais somos interpelados a todo instante.

Considera-se que o conceito de pedagogias está em constante mutação e, apesar das

discussões acerca da insuficiência do conceito de pedagogias culturais, porque toda

pedagogia seria produzida pela cultura, o termo refere-se a práticas culturais

extracurriculares. Além disso, oferecem subsídio aos investimentos que vão oferecer

sentidos e moldar/sugerir experiências, urdir vidas cotidianas, atravessar os múltiplos

Page 27: Veja o Caderno de Resumos

27

artefatos tendo em vista a produção de sujeitos que se associam ao consumo de tudo que

circula no referido complexo (CAMOZZATO, 2014). O cinema é um exemplo dessas

pedagogias e, por meio de contos de fada, produz fantasias com castelos, príncipes

encantados, magia e finais felizes. Um mergulho em um mundo de fantasia que irá deixar

marcas de sua influência na vida adulta.

O objetivo do trabalho é analisar na cena do filme Cinderela, datado de 2015, a

percepção dos discursos de bem e mal, configurados nas personagens de Ella e sua

madrasta, propondo distintas maneiras de manifestação das feminilidades. Pela escolha

de algumas cenas específicas do filme, será analisado como os personagens se expressam

em contraposição, de um modo em que apenas um terá o tal “felizes para sempre”. Para

tanto, a referência ao desenho animado produzido em 1950, com mesmo título, pode ser

efetivada, para comparar se há determinadas renovações ou manutenção de discursos

sobre o feminino. Os estúdios Disney produziram para o cinema múltiplas releituras de

diversos contos de fada. Estes fabricam um projeto de felicidade, pautado nos diferentes

comportamentos das personagens e que definirão o destino das mesmas. Além disso,

pautam toda a realização das personagens a partir do amor romântico, simbolizado no

casamento e da formação da família heteronormativa.12

A questão a ser problematizada é como contos de fada e o filme elencado para

este trabalho potencializam discursos de feminino através de um antagonismo de bem e

mal? Existem, no desenho animado Cinderela de 1950 e no filme de mesmo título

produzido em 2015, diferentes manifestações de feminilidades?

O recorte do objeto visa a perceber como são construídos os discursos antagônicos

de feminilidades através de uma cena contida na releitura do filme Cinderela, produzido

pelos Estúdios Disney em 2015 e dirigido por Kenneth Branagh, relacionando com o

desenho animado, de mesmo título e do mesmo estúdio, de 1950. A cena contemplada

nesta análise inicia em 6’34’’, no luto dos personagens de Ella e seu pai pela morte da

mãe e esposa e vai até os 10’10’’, com a chegada da Madrasta e as irmãs postiças em sua

nova residência.

O gênero produz uma falsa noção de estabilidade, em que a matriz heterossexual

estaria assegurada por dois sexos fixos e coerentes, os quais se opõem como todas as

12 Faço referência ao gênero contos de fada produzidos pelos Estúdios da Disney, desde seu primeiro longa,

em 1939, Branca de Neve e Sete anões, desenho animado que traz a primeira Princesa, inaugurando a

sequência de produções que exaltam tal figura. Recentemente, as produções realizadas pelo mesmo estúdio

quebraram a lógica do casamento como desfecho de felicidade, em títulos como Valente, Frozen e

Malévola.

Page 28: Veja o Caderno de Resumos

28

oposições binárias do pensamento ocidental: macho x fêmea, homem x mulher,

masculino x feminino. Para esta análise, o antagonismo será pautado em bem x mal, que

caracteriza as personagens femininas dentro desta perspectiva e todo um discurso que

leva à manutenção da tal ordem compulsória. Para Judith Butler (2014), em nossa

sociedade estamos diante de uma “ordem compulsória”, que exige a coerência total entre

um sexo, um gênero e um desejo/prática, que são obrigatoriamente heterossexuais.

O aporte teórico-metodológico foi pautado por estudos pós-estruturalistas, estudos

culturais e estudos de gênero, enfocando as performances femininas das personagens

elencadas para este estudo. A metodologia utilizada foi a análise fílmica, pautada,

principalmente, em Jacques Aumont e Michel Marie. Para isso, alguns passos são

necessários, como a contagem dos planos da cena, percepção das cores e sons e

movimentos da câmera. Previamente, foi realizada uma contextualização do cinema no

período em que as obras foram produzidas, assistidos os filmes, escolhidas as cenas que

seriam analisadas, relatadas as impressões relativas às imagens, para que, assim, fossem

realizadas as análises.

Os Estúdios Disney são responsáveis por eternizar contos de fada e, mesmo com

novas produções, releituras, os desenhos animados com esta temática continuam em voga,

transformando esses títulos em clássicos atemporais e presentes em diferentes contextos.

No entanto, carregam signos e discursos do contexto em que foram produzidos,

necessitando ser renovados.

A manutenção e/ou mudanças na ordem social ocorre por meio de atos, gestos e

signos que se repetem no âmbito cultural e é possível vislumbrar as permanências e

modificações propostas na construção dos diferentes discursos de feminilidade pela

inferência de cenas do desenho animado de 1950, em comparação com o filme de mesmo

título, Cinderela, de 2015.

Referências:

ALVES, Márcia Nogueira; FONTOURA, Mara; ANTONIUTTI, Cleide Luciane. Mídia

e produção audiovisual: uma introdução. 2ª Edição. Curitiba, Ibpex, 2011.

AUMONT, Jacques & MARIE, Michel. A análise do Filme. 3ª Edição. Lisboa: Texto e

Grafia, 2004.

BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. 7ª

Edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.

Page 29: Veja o Caderno de Resumos

29

CAMOZATTO, Viviane Castro. Pedagogias do Presente. Educação e Realidade, Porto

Alegre, v. 39, n. 2, p. 573-593, abr./jun. 2014. Disponível em:

<http://www.ufrgs.br/edu_realidade>

FRIEDERICHS, Marta. Quanto mais quente melhor: corpos femininos nas telas do

cinema. 2015. 207 f. (tese de doutorado). Faculdade de Educação, Universidade Federal

do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.

RUDIGER, Francisco. O Amor e a Mídia: problemas de legitimação do Romantismo

Tardio. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013.

VANOYE, Francis & GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a Análise Fílmica. 7ª

Edição. Campinas, SP: Papirus Editora, 2012.

CINDERELA. Direção: Clyde Geronimi, Wilfred Jackson, Hamilton Luske. Estados

Unidos: Walt Disney, 1950. (75 min.)

CINDERELA. Direção: Kenneth Branagh. Estados Unidos, Walt Disney, 2015. (105

min.)

Page 30: Veja o Caderno de Resumos

30

“Meu corpo, minhas regras”:

uma análise das relações construídas na página oficial de Elle

Brasil no Facebook

Vivyane Garbelini Cardoso

FACULDADE CÁSPER LÍBERO

Palavras-chave: Midiatização. Feminismo. Facebook. Web 2.0. Revista Elle Brasil.

RESUMO EXPANDIDO

Resumo: Em uma França devastada pela Segunda Guerra Mundial, no ano de 1945, foi

criada uma revista feminina chamada Elle. Através da Editora Abril, a versão brasileira

teve início em 1988; ano da Constituição que consolidava a democracia nacional e

marcava a luta pelos direitos das mulheres. Uma Carta Magna comprometida com a

cidadania, um momento no qual crescia o consumismo individualista. Reproduzindo a

forte influência dos Estados Unidos e da França, a publicação se desenvolveu. Dicas de

moda, novidades de grifes, fotografias de desfiles, tendências de roupas, maquiagem e

cabelo. Celebridades, modelos profissionais e célebres profissionais da Moda. Tudo isso

recheava suas páginas. Apesar de ter passado por diversas reestruturações ao longo de

seus atuais 28 anos, sempre manteve Moda, Beleza e Casa como assuntos principais,

enaltecendo a preocupação com tendências e constante renovação de práticas e produtos.

Na década de 1990, enquanto a internet comercial dava seus primeiros passos discados,

triunfavam as revistas voltadas para o consumo e o culto às celebridades. As revistas

femininas direcionadas para o mercado, incluindo Elle, confirmaram-se como

importantes agentes da consolidação da sociedade de consumo. Em 2009, no cenário de

internet comercial relativamente popularizada, criou-se a página de Elle Brasil no

Facebook, site que se configura como um dos ícones da Web 2.0. A fanpage, desde os

primeiros posts divulga, prioritariamente, matérias do próprio site da revista e do portal

M de Mulher, cumprindo mais a função de disponibilizar e menos a de interagir: o que

aponta para uma característica de Web 1.0. Aqui, aceitamos as teorizações de Raquel

Recuero sobre características dos sites de redes sociais, para realizar uma reflexão sobre

o Facebook nesse contexto da Web 2.0, tal qual explana Lucia Santaella. Com suas

páginas impressas e com sua página de Facebook, a revista conquistou o posto de

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autoridade no assunto Moda. Paralelamente, não dedicou muito espaço para retratar o

tema Feminismo, não sendo, conseguintemente, reconhecida como uma autoridade nesse

assunto. Ressalva-se que ao longo da história de Elle, em papel e em pixel, tal tema foi

abordado. Utilizando-se também de termos semelhantes para indicá-lo, a exemplo de

“Girl Power”. Contudo, pondera-se que isso foi feito de maneira esparsa e reduzida. A

partir de Maio de 2015, notou-se um aumento da recorrência dessa temática. Posto isso,

chega-se ao corpus do presente ensaio. No dia 30 de novembro de 2015, Elle realizou

cinco postagens em sua fanpage, com o intuito de divulgar a edição de dezembro do

mesmo ano, cujo tema foi “Moda e Feminismo” e na qual havia um “Manifesto

Feminista”. O post selecionado para a presente análise foi aquele que, dentre os cinco,

obteve mais interações (curtidas, comentários e compartilhamentos). Formado pela

combinação de um texto de 280 caracteres e a imagem de uma das quatro opções de capa,

figura nele uma modelo negra junto à chamada principal: “Meu corpo, minhas regras”. A

postagem recebeu 9.100 curtidas, 329 comentários e teve 3.789 compartilhamentos. Tais

números referem-se à data de fechamento do presente estudo. Os comentários variavam

entre críticas e elogios à publicação e à edição. Houve postagem de “memes”, interações

entre usuários-comentaristas - algumas respeitosas, outras agressivas. Escreveu-se sobre

“ditadura da magreza”, beleza hegemônica, cooptação do Feminismo por parte do

Capitalismo, uso excessivo da ferramenta Photoshop. Ademais, houve a aparente

simplicidade dos comentários formados apenas por emojis e stickers (recursos

pictográficos do site). Então, buscando uma noção de “social” enquanto ação em curso, a

postagem será analisada como registro de uma associação social, registro de uma

conversação em rede. Parte-se da concepção de que o Facebook age como mediador e

influencia nas interações, não sendo intermediário neutro ou mero condutor de dados.

Enquanto empresa, lucra através do conhecimento que possui de seus usuários e

respectivas redes de contatos. Pretende-se fazer uma análise das relações entre os actantes

da rede a partir das conceituações da Teoria Ator-Rede, de Bruno Latour, mobilizadas

por Alex Primo. Complementarmente, pretende-se explorar o conceito de Mais Valia 2.0,

trabalhado por Marcos Dantas, com o intuito de pensar sobre trabalho, ação política e

Facebook. Afinal, os actantes que participam da conversação nesse site de rede social

trabalham, sem receberem remuneração. Esse trabalho apropriado também compõe a

lucratividade de tal empresa. Empresa preocupada com tendências de comportamento, tal

qual a revista/marca Elle. Este ensaio busca, portanto, investigar a conversação em uma

postagem na página oficial no Facebook de Elle Brasil, na qual anuncia-se a edição da

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revista que mobiliza, tanto no meio impresso quanto no digital, o tema Feminismo. Trata-

se de uma representação, feita por Elle, de uma parte do Feminismo contemporâneo.

Sendo ele fragmentado e complexo, vive com contradições. Sendo ele plural, pode-se,

aliás, pensar em “Feminismos”. No entanto, parece defensável apontar que há, em todas

os fragmentos, forte influência da lógica e das práticas da mídia. Nesse sentido, o presente

texto aproxima-se do conceito de Midiatização, ao procurar compreender de que maneira

o movimento social referido tem sido afetado pelas redes sociais de modo geral e,

especificamente, pelo Facebook. Procurando, em pensamento genealógico, refletir sobre

a influência mútua entre as ondas feministas e os veículos de comunicação. O que seria

um Feminismo 2.0? Nesse contexto, qual seria o Feminismo à moda de Elle Brasil?