veiga, josé eli da - aquecimento global

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  • 7/25/2019 Veiga, Jos Eli Da - Aquecimento Global

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    UNIVERSIDADE de SO PAULO

    FACULDADE de ECONOMIA, ADMINISTRAO e CONTABILIDADE

    DEPARTAMENTO de ECONOMIA

    Aquecimento Global: um balano das controvrsias

    (Texto apresentado na sesso de 7 de Novembro 2007 do ciclo de seminrios do Departamento deEconomia da FEA/USP intitulado Brasil no Sculo XXI: Desafios do Futuro)

    (VERSO 12 NOV 2007)Suas crticas sero muito bem-vindas.

    Jos Eli da Veiga

    Professor Titular do Dep. de Economia da FEA/USPwww.zeeli.pro.br

    Petterson Molina Vale

    Aluno recm-formado em Economia na FEA/[email protected]

    http://www.zeeli.pro.br/mailto:[email protected]:[email protected]://www.zeeli.pro.br/
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    Sumrio

    1. Introduo p. 3

    2. Fsica da mudana climtica p. 4

    3. Economia do aquecimento global p. 8

    4. Poltica do aquecimento global p. 17

    5. Concluso p. 30

    Anexo 1 Modelagem econmico-climt ica p. 33

    Anexo 2 Tabelas p. 40

    Anexo 3 Opes polt icas p. 44

    BIBLIOGRAFIA p. 45

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    Aquecimento Global: um balano das controvrsias

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    (VERSO 12 NOV 2007)

    Jos Eli da Veiga & Petterson Molina ValeProfessor titular e ex-aluno do Dep. Economia FEA/USP

    www.zeeli.pro.br & [email protected]

    1. Introduo

    So dez os mais srios problemas ambientais que precisaro ser enfrentadospara que o processo de desenvolvimento tenha chance de ser sustentvel.2Mash um critrio que imediatamente os distingue. Alguns - como a poluio dosrios, por exemplo - podem ser revertidos, e suas conseqncias tendem a sermitigadas com o enriquecimento das sociedades. Outros como a mudanaclimtica se confirmados, seriam de dificlimo manejo, mesmo na hiptesede que possa surgir prioritria e efetiva ao conjunta da comunidadeinternacional. Alm disso, um srio aquecimento global teria um forte impactonegativo sobre muitos ecossistemas, reduzindo e at anulando ganhos obtidos

    por prticas de conservao da biodiversidade, de gesto dos recursoshdricos, ou mesmo na produo alimentar.

    Em outras palavras, sob o prisma do processo de desenvolvimento, no possvel pensar em muitas reverses de danos ambientais se no forenfrentada concomitantemente a questo climtica. Seja no mbito dos vriostipos de poluio, das reciclagens, dos usos de produtos txicos, do manejo dolixo, do controle de espcies exticas, ou da conservao dos solos e da

    proteo de hbitats. Todas essas conquistas poderiam se mostrar irrisrias

    caso no viessem acompanhadas de conteno da concentrao de gases deefeito estufa (GHG greenhouse gases, GE gases estufa) na atmosfera (quevem sendo atribudo dependncia de fontes fsseis de energia) e deadaptao a uma provavelmente inevitvel nova realidade climtica. Esta a

    1 Texto apresentado na sesso de 07/11/2007 do ciclo de seminrios do Departamento de Economia daFEA/USP intitulado Brasil no Sculo XXI: Desafios do Futuro.2 A lista dos dez que esto na agenda do debate pblico internacional bem diferente da lista de um bomobservador cientfico, como mostra a comparao entre LOMBORG (2002: 113-390) e DIAMOND (2005:582-593). Mas questes como gua, biodiversidade e clima esto bem enfatizadas em ambas.

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    razo da primazia do aquecimento global no debate sobre a relao dodesenvolvimento com o meio ambiente.

    Para abordar tal questo este texto lidar com quatro controvrsias. As duasprimeiras pertencem s cincias naturais, a terceira cincia econmica e aquarta cincia poltica. preciso desde logo enfatizar que no chega a serunnime a tese de que esteja havendo aquecimento, e menos ainda que sua

    principal causa seja de carter antrpico. Admitidas essas duas hipteses,tambm h grande divergncia sobre a avaliao dos custos do combate aoaquecimento, bem como sobre o decorrente plano de repartio de sacrifciose/ou investimentos. Finalmente, h um inevitvel complexo jogo de interessese conflitos geopolticos que necessariamente condiciona o posicionamento do

    Brasil nas negociaes internacionais.

    O exame dessas quatro controvrsias permite que o miolo do texto se estrutureem trs tpicos: a) os dois debates das cincias naturais sobre a mudanaclimtica propriamente dita (item 2); b) o debate sobre a economia doaquecimento global (item 3); e c) o aspecto poltico das negociaesinternacionais relativas ao regime ps-Kyoto, condio sine-qua-non danecessria reviso da posio do governo brasileiro.3

    2. Fsica da mudana climtica

    Na comunidade cientfica, h maior nmero de vozes do que se pensa quecontestam a existncia de aquecimento global, por mais isoladas que possamestar. Muitas outras rejeitam a tese de que o aquecimento esteja sendo mais

    provocado pela emisso de gases estufa por atividades humanas do que porfatores naturais. Qualquer consulta Wikipedia logo exibe a pgina List of

    scientists opposing the mainstream scientific assessment of global warming,

    na qual se pode ter acesso a um amplo leque de argumentos contrrios aosrelatrios do painel intergovernamental da ONU sobre mudana climtica(IPCC). Desses cientistas, o mais influente (pelo menos sobre a equipe de

    3 Um aprofundamento da discusso poltica sobre a posio do governo brasileiro no pode ser feito dombito deste texto. Por isso, o final do tpico 4 se limita a apontar alguns de seus elementos centrais.

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    Bush) parece ser Richard S. Lindzen, titular da cadeira Alfred P. Sloan deCincias Atmosfricas no MIT (GROSSMAN, 2001, LINDZEN, 2005).4

    No Brasil tambm h pesquisadores que rejeitam a viso que se tornouamplamente dominante, mas so rarssimos os que assumem publicamente tal

    posio.5 Seus argumentos so frequentemente tratados como heresias aservio de corporaes recalcitrantes, principalmente petroleiras. E no hdvida de que empresas como Exxon, ou mesmo Philip Morris, organizaramgrandes campanhas para tentar desmoralizar os relatrios do IPCC, como bemcomprovou o jornalista George Monbiot no captulo intitulado The Denial

    Industry de seu recente best seller(MONBIOT, 2007:20-42). Outro exemplofoi o documentrio The Great Global Warming Swindle (DURKIN, 2007),

    difundido pelo canal 4 da televiso britnica em maro de 2007, e logo depoisacusado de apresentar informaes falsas por vrios cientistas de peso,inclusive alguns que participaram do filme, conforme notcia do dirio The

    Independent, de 8 de maio 2007.

    Argumentos semelhantes so facilmente devolvidos pelos acusados, j que ospesquisadores direta ou indiretamente ligados ao IPCC tm muito maisfacilidade de obter financiamentos de pesquisa do que os rotulados cticos.Tendncia que s ser favorecida pelo Nobel da Paz que o painel dividiu com

    o ex-presidente Al Gore.

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    E um dos efeitos desse tipo de fogo cruzado levar4 Embora talvez tenham equivalente influncia algumas das manifestaes de Roy Spencer, U.S. ScienceTeam Leader for the Advanced Microwave Scanning Radiometer (AMSR-E) on NASAs Aqua satellite, ediretor de pesquisas na Universidade do Alabama em Huntsville.5 Podem ser citados apenas o ex-reitor daUnB Jos Carlos Azevedo, doutor em Fsica pelo MIT, e o professorda UFAL, Luiz Carlos Molion, doutor em fsica pela USP, e autor da seguinte avaliao: Em resumo, a

    variabilidade natural do Clima no permite afirmar que o aquecimento de 0,6oC seja decorrente daintensificao - natural ou causada pelas atividades humanas - do efeito-estufa, ou mesmo que essa tendnciade aquecimento persistir nas prximas dcadas, como querem os cenrios produzidos pelo IPCC. A aparenteconsistncia entre os registros histricos e as previses dos modelos no significa que ele j esteja ocorrendo.

    Na realidade, as caractersticas desses registros histricos conflitam com a hiptese do efeito-estufaintensificado. O planeta aqueceu-se mais rapidamente entre 1920 - 50, quando a quantidade de CO

    2lanada

    na atmosfera era inferior a 10% da atual, e resfriou-se entre 1947-76, quando ocorreu o desenvolvimentoeconmico acelerado aps a Segunda Guerra. Dados de satlites no confirmaram o aquecimento ps-1978,aparente na srie de temperatura obtida com dados de superfcie. O nico fato incontestvel que aconcentrao de CO2 aumentou de 35% nos ltimos 150 anos. Porm, isso pode ter sido devido a variaesinternas ao sistema Terra-oceano-atmosfera. Sabe-se que a solubilidade do CO2nos oceanos depende de suatemperatura com uma relao inversa. Como a temperatura dos oceanos aumentou, devido reduo doalbedo planetrio e ao aquecimento do sistema entre 1920-50, a absoro de CO2 pelos oceanos pode ter sidoreduzida e mais CO2 ter ficado armazenado na atmosfera. Portanto, no se pode afirmar que foi o aumento deCO2 que causou o aumento de temperatura. Pode ter sido exatamente ao contrrio, ou seja, que o CO2 tenhaaumentado como resposta ao aumento de temperatura dos oceanos e do ar adjacente(MOLION, 2003:8).6 Exemplo bem recente est na entrevista que o j citado Molion concedeu revistaIsto de 4/10/2007, naqual o IPCC acusado de estar a servio de um terrorismo climtico neocolonialista. Reconhece que

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    observadores srios a pensar que os protestos contra o IPCC so apenassintomas do desespero dos pesquisadores que acabaram isolados com o

    avano do conhecimento cientfico e do debate pblico internacional.

    O conhecido grfico que mostra a elevao da temperatura mdia do globodesde 1860 (FIGURA 1 abaixo) impe uma simples indagao que at agorano parece ter sido respondida de forma convincente. Nota-se facilmente umintervalo de relativo esfriamento entre 1947 e 1974, justamente o perodo emque o ritmo de crescimento da economia mundial bateu todos os recordes, a

    ponto de passar para a histria como sua Era de Ouro. Entre 1950 e 1973foram registradas taxas mdias anuais de aumento do PIB mundial total e percapita da ordem de 4,9% e 3,8% respectivamente. Pelo menos o dobro dos

    recordes de fases anteriores ou posteriores, nas quais essas mdias jamaisultrapassaram 2,5% e 2% (VEIGA, 1998). Trata-se, portanto, de umestupendo paradoxo, pois no h como supor que ao longo do mais gloriosoquarto de sculo do capitalismo industrial poderiam ter diminudo as emisseshumanas de gases estufa, apontadas como principal indutor do aquecimento.7

    Mas esse paradoxo seria ilusrio segundo Charles F. Keller, ex-diretor oInstituto de Geofsica e de Fsica Planetria da Los Alamos Branch daUniversidade da Califrnia, atualmente pesquisador do Los Alamos National

    Laboratory. Seu argumento que a sensibilidade do sistema climtico semisses antrpicas passou a ser mais importante do que a variao natural doclima somente aps a II Guerra Mundial. Como ocorrem defasagens entreemisses de CO2, concentrao de carbono na atmosfera e temperatura, asemisses da era do ouro foraram a temperatura apenas na dcada de 1970(KELLER, 2003, 2007). Posio idntica de Daniel P. Schrag, dodepartamento de geocincias da Universidade de Harvard (SCHRAG, 2007). 8

    cientistas so honestos, mas acrescenta que hoje h muito mais dinheiro nas pesquisas sobre clima para quem favorvel tese do aquecimento global. Segundo Molion, muitos cientistas se prostituem, se vendem parater seus projetos aprovados, danando a msica tocada pelo IPCC.7 Na citada entrevista revistaIsto , de 04/10/07, o fsico Luiz Carlos Molion faz a seguinte observao:Quando a gente olha a srie temporal de 150 anos usada pelos defensores da tese do aquecimento, vclaramente que houve um perodo, entre 1925 e 1946, em que a temperatura mdia global sofreu um aumentode cerca de 0,4 frau centgrado. A a pergunta : esse aquecimento foi devido ao CO 2? Como, se nessa pocao homem liberava para a atmosfera menos de 10% do que libera hoje? Depois, no ps-guerra, quando aatividade industrial aumentou, e o consumo de petrleo tambm, houve uma queda nas temperaturas.8 Para os que acham exagerada a importncia atribuda neste tpico s teses do ditos cticos, s se podeaconselhar a leitura do captulo 18 de HOBSBAWN (1995:504-536).

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    FIGURA 1 - Temperatura mdia global na superfcie.

    Variaes anuais, 1860 julho / 2001

    Dados do UKMet Office, Hadley Centre for Climate Prediction and Research.Fonte:KELLER (2003: 361)

    Seja como for, h pelo menos trs boas razes para se admitir que oaquecimento global esteja ocorrendo e seja man-made. Primeiro, o fato de queessa tese venha obtendo muito mais respaldo nas comunidades cientficasenvolvidas do que a tese oposta, dos ditos cticos. 9 fato que a histria dacincia est cheia de exemplos em que a verdade estava com a minoria, mash cada vez menos motivos para se acreditar que a controvrsia sobre o

    aquecimento global ser mais um caso para essa lista. A segunda razodecorre daquilo que tem sido chamado de princpio da precauo, por maisque possa ser polmico.10 Quando h incerteza sobre o rumo que poder

    9 H divergncias internas do lado dos que poderiam ser chamados de convictos. Por exemplo, sobre ainfluncia dos oceanos. Um possvel resfriamento global causado pelo Pacfico, por exemplo, preocupa o

    pesquisador Edmo Campos, do Instituto Oceanogrfico da USP. (cf.Agncia Fapesp, 06/11/2007). Ou sobrea magnitude dosfeedbackspositivos e negativos relacionados s nuvens e s erupes vulcnicas (KELLER,2007). Mas parece bvio que tais divergncias so muito menos srias do que o choque com os ditoscticos.10 Ver a propsito a excelente dissertao de SETZER (2007).

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    tomar um fenmeno com to srias conseqncias sobre o futuro dahumanidade, melhor adotar a pior hiptese.

    E a terceira razo resulta de puro realismo poltico. Por mais que ainda hajacerta resistncia de alguns importantes governos (como os dos EUA e daAustrlia), a comunidade internacional vem agindo h quinze anos com baseem consenso mnimo sobre o aquecimento global antrpico. Momentosdecisivos desse processo foram trs: a Conveno assinada na Rio-92, hojeratificada por quase todas a naes; o Protocolo de Kyoto, de 1997; e adeclarao da cpula do G8, em 2007. O nico lder nacional que ainda remaradicalmente contra tudo isso parece ser o presidente da Repblica Tcheca,Vaclav Klaus.11 E o Protocolo ser substitudo por um novo regime que

    certamente ser mais rigoroso e abrangente, mesmo que ainda se mostreinsuficiente.

    So trs fortes razes para que se atribua muita importncia para asracionalidades - econmica e poltica das possveis propostas de combate aoaquecimento global. Para os objetivos deste texto, o que mais interessa que o

    processo de mudanas institucionais ser decisivamente determinado pelaadmisso da tese do aquecimento global provocado pelas atividades humanas,mesmo entendendo que a controvrsia cientfica sobre ela esteja longe de se

    encerrar.

    3. Economia do aquecimento global

    O aquecimento global est na pauta do debate pblico internacional h quasequarenta anos 12, mas a abordagem econmica desse tema esteve atrecentemente restrita a um nfimo nmero de grupos de pesquisa. A rigor, odebate sobre a racionalidade econmica do combate ao aquecimento s

    ganhou maior visibilidade em 2007, como conseqncia direta da publicaodo relatrio Stern, em outubro de 2006. Foram as crticas por ele provocadasque ajudaram a tornar conhecidos diversos estudos realizados antes graas aosincentivos decorrentes da ascenso do IPCC, criado em 1988.

    11 A conferncia que pronunciou em 07/11/2007 na Chatham House, Londres, teve por ttulo Theproblematic side of global warming alarmism.12Foi em 1971 que a conferncia Study of Mans Impact on Climate reuniu, em Estocolmo, estudiosos

    provenientes de 14 pases.

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    Os alicerces de uma economia do aquecimento global (EAG) foramlanados pelo indiscutvel pioneiro dessa rea de conhecimento: William D.

    Nordhaus, da Universidade de Yale. Ele formulou as perguntas que continuama nortear as pesquisas sobre o tema: (a) qual o nvel de emisses antrpicas deCO2 que realmente provocar srias mudanas climticas? (b) qual nvel dereduo pode e deve ser aspirado? (c) quanto custar o resultante programa dereduo de emisses? (d) como pode ser negociado o controle de emissesentre tantas naes e com interesses to diversos? (NORDHAUS, 1977).

    Nordhaus procurou responder a essas perguntas por meio de um modeloanaltico que toma emisses de CO2 como bem pblico global, aquecimentocomo externalidade global, e que utiliza a otimizao de uma funo de

    crescimento econmico sob restrio do capital natural para derivar os preos-sombra de CO2.

    13 Rapidamente foi levado a propor um imposto sobre asemisses de carbono como melhor alternativa. Em seguida se lanou em

    previses sobre a trajetria futura das emisses de CO2 (AUSUBEL &NORDHAUS, 1983); a estimar os custos do aquecimento previsto (tanto paraos Estados Unidos quanto para o resto do mundo); e a listar as diferentes

    polticas disponveis para enfrentar a ameaa do aquecimento global(NORDHAUS, 1990b). A concluso mais geral e recorrente desses estudos foia proposta de uma climate policy ramp, na qual os esforos de reduo das

    emisses deveriam ser moderados no incio do processo, e s posteriormenteintensificados.

    Na dcada de 1990, certamente por influncia da Rio92, o grupo de pesquisade Nordhaus deixou de ser referncia isolada em EAG. Surgiram outrasabordagens, e teve incio o debate sobre as premissas, metodologias eresultados dos modelos adotados.14Alis, modelos econmico-climticos bemcomplexos, como procura mostrar o ANEXO 1.15 Simultaneamente, o livroThe Economics of Global Warming, de William CLINE (1992), fez claras

    13No apenas o gs-carbnico responsvel pelo efeito estufa, mas todos os gases estufa (greenhouse gases),entre os quais esto o vapor dgua, o metano (CH4), os CFCs e outros. A maioria dos estudos, no entanto, serefere ao CO2, por ser o principal gs emitido pelo processo produtivo (ou apenas ao carbono).14Ver, por exemplo: Alan MANNE (1991), Samuel FANKHAUSER (1992) e Robert MENDELSOHN et al.(1993). E algumas instituies governamentais como o Congressional Budget Office e a EnvironmentalProtection Agency dos Estados Unidos, o Department of the Environment da Inglaterra e a ComunidadeEuropia, bem como instituies intergovernamentais como a OECD e a UNCTAD tambm comearam aabordar o tema.15A literatura de EAG costuma utilizar a sigla IAM (Integrated Assessment Model) para fazer referncia aesses modelos, que tentam prever as repostas que o sistema econmico poder dar no longo prazo smudanas ambientais causadas por ele mesmo. Essas relaes de feedback, assim como todas as demaisinteraes, junto com os longos horizontes de anlise, geralmente superiores a cem anos, fazem com que taismodelos sejam bastante complexos.

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    restries viso de Nordhaus 16, mesmo havendo acordo com a proposta deum imposto sobre as emisses de carbono. Chegou inclusive a uma estimativa

    de US$ 40 por tonelada de carbono (a preos de 1991) para o ano 2000,aumentando US$ 5 a cada ano. Segundo Cline, isso seria suficiente paradiminuir as emisses em 20% relativamente a 1990.

    De maneira mais ampla, o que se procura, entretanto, so trs respostas: aescala aceitvel das emisses de gases estufa, razovel distribuioda rendaobtida (por taxao e/ou comrcio de permisses de emisso), e a alocaoeficiente dos benefcios. A resposta em vigor no plano internacional desde1997 to somente a de impor limites quantitativos s emisses com ummercado de direitos de emisso de carbono (apelidada de cap-and-trade).

    Esse o padro do Protocolo de Kyoto, que estabeleceu para os pases maisindustrializados tetos de emisses em 2008-2012. Na prtica, pretendeuinduzir redues de no mximo 8% para o perodo 1990-2010. Se cumpridas,esses pases teriam uma reduo mdia de 5,2% em duas dcadas.

    Prevaleceu em Kyoto a idia de uma responsabilidade comum, masdiferenciada, que obriga apenas os 40 pases do Anexo I da Conveno areduzirem emisses devido sua responsabilidade histrica. O Protocolotambm considerou que a alocao eficiente seria feita pelo Mecanismo de

    Desenvolvimento Limpo (MDL), que permite aos agentes negociar suasobrigaes de reduo de emisses em um mercado de carbono que deveriaser internacional, comprando redues feitas em pases em desenvolvimento.17

    Tem sido intenso o debate sobre as vantagens e desvantagens de cada um dosesquemas em questo: cap-and-trade versus taxao. No entanto, umsistema cap-and-trade para o carbono funciona, de vrias maneiras, comoum imposto.18 A recente experincia da Unio Europia, que criou ummercado de carbono para grandes atividades emissoras de dixido de carbono, um exemplo de como esse esquema pode funcionar. Em princpio, o governo

    exige que cada tonelada de emisso corresponda a uma permisso e

    16The main thrust of the Nordhaus analysis is that little action needs to be taken on greenhouse abatementunless one is pessimistic about damages. In contrast, the analysis of this study suggests that an aggressivecourse of abatement is warranted, at least with risk aversion (CLINE, 1992: 307).17 muito importante registrar que a expectativa de reduo de emisses que pode ser atribuda ao plenoemprego do atual MDL no chega a 1% da necessidade, mesmo na hiptese arriscada de se adotar comoobjetivo a estabilizao da concentrao de CO2e em 550 ppm. Como enfatiza LUCON (2007), para 2012, a

    primeira de 1.900 Mt CO2e, e a segunda de 205.333 Mt CO2e, o que d 0,9%.18 Neste pargrafo e nos dois seguintes est reproduzida uma das reflexes contidas no excelente Box 4.1 dorelatrio Lighting the way, do INTERACADEMY COUNCIL (2007: 132).

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    simultaneamente determina qual ser a quantidade de permisses disponvel aesses grandes emissores. Tanto quanto um imposto, esse esquema aumenta o

    preo das energias de origem fssil, estimulando ao mesmo tempo aminimizao dos custos de reduo das emisses. Claro, desde que taispermisses possam ser livremente vendidas e compradas. As empresas srecorrero compra desse tipo de direito caso seu preo seja inferior ao custode evitar a corresponde emisso. Alm disso, tanto quanto um imposto, oesquema cap-and-trade poderia gerar recursos para o governo, desde quehouvesse a deciso de leiloar as permisses.

    A diferena essencial entre as duas abordagens est na antecipao dosresultados. A taxao permite que os custos sejam conhecidos desde o incio,

    sem que se possa antecipar qual ser o volume final das emisses. Emcontraste, com um programa do tipo cap-and-trade, tal volume ser pr-estabelecido e coincidir com o resultado se houver capacidade deenforcement, mas os custos sero incertos.

    A rigor, um imposto pode ser calibrado de tal modo que se obtenhadeterminada meta de reduo de emisses. Tambm perfeitamente possvelque um esquema cap-and-trade seja concebido de tal forma a minimizar aincerteza sobre preo. Pela criao, por exemplo, de uma vlvula de

    segurana derivada da garantia de que o governo vender novas permissessempre que o preo de mercado ultrapasse determinado patamar. Esta , alis,uma boa maneira de contornar as dificuldades polticas inseparveis de toda equalquer proposio de novo imposto.

    Para a convencional teoria microeconmica das externalidades, aregulamentao quantitativa tende a ser menos eficiente que a taxao, j queesta sinaliza as decises dos agentes atravs do mercado, produzindo,

    portanto, maior eficincia alocativa.19 No caso do aquecimento global,argumenta-se que um imposto harmonizado sobre as emisses de carbono

    seria mais eficiente por vrias razes: apresenta maior flexibilidade para seadaptar incerteza; reduz drasticamente os custos de transao; evita o

    problema do carona; e levanta recursos para o investimento em mitigao eadaptao (NORDHAUS, 2006).

    19 Apesar de o aquecimento global no ser uma externalidade padro, pois envolve incertezas de grandemagnitude, ineficincia institucional e a ausncia de uma jurisdio mundial nica.

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    importante ressaltar que esse dilema entre os dois esquemas vem sendomotivo de grande preocupao entre os parlamentares americanos e britnicos

    (CBO, 2003, 2005; HOUSE OF LORDS, 2005). Os relatrios tcnicos queencomendaram tendem a ser favorveis posio de Nordhaus, muito emboradevessem apenas descrever o estado da arte em EAG.

    O economista Richard Tol, da Universidade de Hamburgo, tambm foi almao enfatizar que as concluses fundamentais de Nordhaus esto consolidadas.Alm disso, mediante anlise de 103 estimativas do custo marginal dasemisses de carbono publicadas em 28 trabalhos cientficos, ele concluiu queestimates in excess of $50/tC require relatively unlikely scenarios of climatechange, impact sensitivity and economic values (TOL, 2005: 1). 20

    Todavia, preciso esclarecer que qualquer clculo sobre o atual custo socialdo carbono, assim como do valor do imposto que deveria ser estabelecido numfuturo prximo, depende de duas escolhas arbitrrias que sempre estarocondicionadas a pressupostos ticos. Primeiro, a fixao do objetivo emtermos de concentrao de dixido de carbono na atmosfera (ou de aumentoda temperatura). Depois, a taxa de desconto (ver ANEXO 1). Conformeclculos mais recentes de Nordhaus, se a opo for por um aumento limitado a2 graus centgrados entre 1900 e 2100, sua estimativa do custo social do

    carbono para 2005 ser de US$ 45,3 e o valor do imposto proposto para 2010de US$ 60,2. No entanto, como tambm calculou que o aumento timo seriade 2,8 graus centgrados (o que est longe de ser consenso entre os cientistasnaturais), ento prope para 2010 um imposto de apenas US$ 33,8 -correspondente a uma estimativa do custo social do carbono de US$ 27,3 em2005 (mais detalhes dessas estimativas esto na TABELA A3-1, no ANEXO3).

    Uma das principais recomendaes do estudo feito em 2005 para os lordesbritnicos foi no sentido de que o Tesouro tomasse a liderana em aprofundar

    o entendimento da EAG. Como a opinio pblica estava pouco informadasobre o assunto, e as repercusses para o oramento do governo de uma

    20 Tol calculou que a estimativa mdia de 93 US$ / tC (mediana = 4 US$ / tC e 95 percentil = 350 US$ /tC). No caso dos estudos que adotam uma taxa de desconto do consumo (r) inferior a 2%, o 95 percentil ficaacima dos US$ 2.000 / tC, enquanto para uma taxa de desconto superior a 4% esse valor fica em 37 US$ / tC,evidenciando a altssima sensibilidade dos resultados taxa de desconto adotada. Tambm notou umacorrelao positiva entre a premissa de uma taxa de desconto muito baixa e a ausncia de reviso do trabalho

    por outros estudiosos (peer-review). Ou seja, os trabalhos de menor qualidade (sem peer-review) tenderiam asuperestimar as estimativas de custos, enquanto a estimativa mdia dos trabalhos que passaram pelo crivo deoutros estudiosos fica prxima dos US$ 50 / tC, sendo que a maior parte das observaes est abaixo disso.

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    deciso mal tomada poderiam ser catastrficas, impunha-se um dispassionateevidence-based approach. Mas o resultado foi o j citado relatrio Stern, cuja

    concluso central deu grande fora crtica viso de Nordhaus feita desde1992 por Cline.

    Segundo o relatrio Stern, a sociedade deve enfrentar imediatamente oproblema do aquecimento global, investindo 1% do PIB do planeta. Casocontrrio, o valor presente dos custos dos danos futuros ser igual perda de5% a 20% do PIB mundial agora e para sempre. A julgar por taisconcluses, a humanidade estaria no limiar de uma verdadeira catstrofe.

    Alguns de seus crticos acham que esse relatrio at pode estar certo por

    razes erradas. Concordam com a proposta de incio imediato de aes muitomais firmes que as previstas no Protocolo de Kyoto, mas ponderam que o

    pressuposto tico da igualdade intergeracional 21 no um argumentoeconomicamente razovel para justificar tal urgncia. (MURPHY, TOL &YOHE, 2007).22A diferena entre a trajetria dos investimentos em mitigao

    proposta pelo relatrio Stern e pela rampa de Nordhaus est ilustrada naFIGURA 2.

    Nesse debate, o grupo favorvel a Nordhaus vem argumentando que o

    relatrio Stern no cumpre os padres mnimos de transparncia cientfica,pois no divulga informaes importantes que so necessrias para que oprocedimento adotado seja reproduzido. Por outro lado, os partidrios de Sternenfatizam o fato de que o relatrio trata a incerteza de maneira menos omissado que seus oponentes, adotando um modelo estocstico, que considera noapenas o valor mais provvel de uma varivel, como tambm a suadistribuio de probabilidades.

    21Stern invoca o pressuposto tico de igualdade intergeracional para assumir uma taxa de desconto do tempo() = 0,1%. Argumenta que a preferncia pelo consumo presente () s se justifica devido ao risco de extinoda espcie humana, pois no seria moralmente correto dar maior peso ao consumo presente por simplesimpacincia. Imputando esse valor na equao do equilbrio de Ramsey (VI), junto com = 1 e g = 1,3%, orelatrio obtm uma taxa de retorno do capital de 1,4%, que fica muito abaixo das taxas reais de jurosobservadas no mercado. Note-se que tal posicionamento ressuscitou as idias de CLINE (1992). Ele haviaadotado = 0,1%, = 1,5 e g = 1,5%, respectivamente, e acreditava que esses parmetros no deveriam serdeterminados pelas taxas observadas no mercado.22Segundo as estimativas desses autores, o custo social da tonelada de carbono estaria atualmente por volta deUS$ 15 e deveria aumentar consistentemente a uma taxa anual igual taxa real de juros.

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    FIGURA 2 Taxas de mitigao da rampa deNORDHAUS, do Relatrio STERN e do cenrio BAU 1

    O grfico mostra a rampa de investimentos em mitigao proposta porNORDHAUS, a proposta de interveno imediata de STERN o cenrio emque no h interveno (BAU).

    Fonte:NORDHAUS, 2007: 169.

    Coube a DASGUPTA (2006, 2007) esclarecer que est em jogo umadiscusso mais ampla sobre as diferentes correntes filosficas que defendemescolhas ticas alternativas. A escolha tica feita por Stern est alinhada com aescola utilitarista, ao procurar distribuir igualmente o consumo entre asdiferentes geraes. A opo de Nordhaus a de utilizar os sinais observveisno mercado sobre a remunerao do capital, e no fazer nenhum tipo deconsiderao sobre qual seria a mais desejvel distribuio inter-e-intratemporal. E lembra que tambm existem outras perspectivas filosficas,como a de RAWLS (1972), segundo a qual a sociedade deve beneficiar a

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    gerao mais pobre. Ou a de KOOPMANS (1972), que exige que cadagerao deixe para a prxima pelo menos a mesma quantidade de capital

    (tangvel, natural, humano e tecnolgico) que recebeu da gerao anterior. Oque admitiria uma vasta gama de taxas de desconto no nulas.

    Em suma, existe uma forte controvrsia sobre o nvel timo de mitigao dasemisses de CO2, que levar bastante tempo para ser superada (se for), devidoaos pressupostos ticos envolvidos. Por outro lado, verifica-se a formao decerto consenso sobre a necessidade de criao de imposto sobre as emissesde carbono. 23Posio semelhante foi adotada pelos lordes, tambm em 2005,ao criticarem o imposto criado pelo governo britnico para reduzir as emissesde carbono, pois estaria mal direcionado ao recair sobre a energia e no sobre

    o carbono: We urge the Government to replace the present Climate ChangeLevy with a carbon tax as soon as possible (HOUSE OF LORDS, 2005: 6).24

    No entanto, em 2007, com o incio da publicao do quarto relatrio do IPCC,passou a ser mais considerada a possibilidade de um aquecimento abrupto (emdecorrncia da perda de resilincia do sistema climtico) que poderia causardanos irreversveis. Isso tem reforado as dvidas quanto tese da maioreficincia de um imposto sobre o carbono, pois com ele no possvel garantir

    ex-anteque ser respeitado determinado limite de emisses. Quanto mais clarafor a possibilidade de mudana de patamar da curva de danos climticos, emdecorrncia de um aumento abrupto da temperatura, mais aconselhvel setorna o controle quantitativo das emisses, pois permite que se estabelea

    23 Os tcnicos do Congresso americano formularam tal consenso com as seguintes palavras: In sum, price-

    based policy instruments appear to be superior to caps, at least for the presentwhen uncertainty about thepotential for catastrophic effects is large, the temperature increase that could trigger catastrophic outcomes isunknown, and the emissions reductions being contemplated fall substantially short of a complete shutdown.However, the choice of instrument could be revisited as information and circumstances change. Policymakerscould switch from a price instrument to an emissions cap if possible future damages became more imminent

    and certain or if the potential for catastrophic effects became clearer. A hybrid cap-and-trade program with asafety-valve price could be easily transformed into an emissions cap simply by eliminating the safety valve(CBO, 2005: 31).24 Eles assim resumiam as vantagens da taxao do carbono: it raises the price of emissions; it could beintroduced only after a per capita income threshold has been reached, avoiding any initial rejection of themeasure by developing countries but gradually bringing them into the agreement as their development

    proceeds; it could be based on consumption; it avoids tariffs in relation to trade between parties to theagreement, but with border tax adjustments for trade between participating and nonparticipating countries;and it avoids potential large changes in permit prices which can have a detrimental effect on investmentdecisions. The tax remains constant, or rises steadily over time, and emissions adjust. E as desvantagens:(...) taxes may fail to achieve quantitative goals if governments fail to estimate accurately the response ofemitters. Varying the tax as information about such responses evolve is one option, but this may onlyreinforce the uncertainty that emitters face (HOUSE OF LORDS, 2005: 67-68).

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    como teto de emisses um nvel inferior quele que potencialmente causariaum aumento brusco da temperatura.

    Como j foi dito, o esquema cap-and-tradeno permite saber de antemocomo sero distribudos os direitos e benefcios. As duas possibilidades quetm sido exploradas pelo CBO (2007) so a de venda e a de distribuiogratuita desses direitos a determinados setores. A primeira utilizaria omercado para distribu-los, j que estariam venda desde o incio para quemquisesse compr-los, e levantaria fundos que poderiam ser utilizados nareduo de outros impostos, de modo a manter o equilbrio fiscal.

    A segunda possibilidade mais conhecida, pois j utilizada pela Unio

    Europia desde 2005. Um dos principais argumentos para a sua adoo o deque os setores privilegiados com o recebimento dos direitos de emisso

    poderiam ser aqueles ligados explorao de recursos energticos, j que osimples anncio do controle lhes causaria a perda de valor de mercado.

    As conseqncias de um ou outro tipo de regulao recairiammajoritariamente sobre os consumidores. Por isso, devem ser considerados osresultados em termos de distribuio de renda, j que os custos e benefcios dainterveno poderiam ter impactos regressivos. E, nesse caso, a alternativa que

    se destaca a da venda dos direitos, pois a receita obtida poderia serempregada na reduo da carga tributria de modo a atenuar possveis efeitosregressivos da regulamentao. Alm disso, pode ser direcionada s empresasou aos setores que perderem valor de mercado devido ao incio daregulamentao.

    Tudo indica que a conscincia das vantagens e desvantagens de cada esquemapoder levar a uma evoluo do consenso que j parece ter se formado emtorno da necessidade de um imposto. 25 Mas no est nem um pouco claro seo regime que vigorar aps 2012 se basear na racionalidade econmica que j

    pode ser deduzida da controvrsia polarizada por Nordhaus e Stern.

    25 Uma evoluo no sentido de um arranjo hbrido, assim formulado por William D. Nordhaus: We suggest

    that a hybrid approach, which we call cap-and-tax, might combine the strengths of both quantity and priceapproaches. An example of a hybrid plan would be a traditional cap-and-trade system combined with a basecarbon tax and a safety-valve available ata a penalty price. For example, the initial carbon tax might be $30

    per ton of carbon with a safety-valve purchases of additional permits available at a 50 percent premium.(NORDHAUS, 2007:130)

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    4. Poltica do aquecimento global

    O desafio da cooperao internacional envolve decises polticas de grandepeso, pois cada pas tem interesses dos mais diferenciados no combate mudana climtica, e a conjugao desses interesses acaba quase sempredeixando os argumentos econmicos em segundo plano. Por isso, osresultados do Protocolo de Kyoto nem se aproximaro daqueles que foramsonhados por seus articuladores, e to repetidos por ingnuas torcidas.

    Apesar de terem sido irrisrias as metas atribudas a cada pas - emisses decarbono em 2010 apenas 8% inferiores s de 20 anos antes (ainda menos em

    vrios casos) somente um parzinho de naes de peso poder apresentarbalano positivo: Alemanha e Reino Unido. verdade que o vexame no sercompleto para dois outros dos grandes emissores - Frana e Holanda j que

    podero exibir talhos prximos a 2%. Outros pases que tambm se valerodessa atenuante quase no contam: Blgica, Sucia, Dinamarca e Finlndia.Redues verdadeiramente significativas s ocorrero em uma dezena deeconomias destroadas do Leste europeu, entre as quais s chegam a teralguma importncia relativa as da Polnia, da Romnia e da Repblica Checa(o ANEXO 2 contm quatro tabelas com os dados que levam a essas

    concluses). Por isso, no h dvida de que em 2008-2012 as emisses teroaumentado na maioria dos pases com metas, ao lado dos recalcitrantes EUA eAustrlia, e de intrpidos emergentes como a China, ndia, frica do Sul,Brasil e Mxico. Um fracasso retumbante.

    Diante desse panorama, o que pensar das perspectivas de outro regime paradepois de 2012? A resposta mais comum afirmar que tudo depender dequem vier a ocupar a Casa Branca no incio de 2009. As inequvocasmudanas de percepo sobre os riscos do aquecimento global,

    particularmente entre os americanos, j teriam criado as condies polticas

    para se chegar a algum compromisso mais srio e global. E, nesse embalo,tambm seria provvel que a semi-periferia se dispusesse a aceitar algum tipode compromisso, mesmo que diferenciado.

    Esse raciocnio considera que foi bom o arranjo institucional construdo emKyoto, e que ele s fez gua por no ter sido ratificado pela principal potnciamundial. Ou seja, com uma possvel mudana no tabuleiro poltico, a questo

    poderia ser resolvida com a fixao de novas metas de emisso. E no seriamero mais do mesmo porque algum outro tipo de responsabilidade viria a

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    ser assumido pelos principais pases emergentes. Como, por exemplo, umbasta ao desmatamento de florestas tropicais.

    Todavia, pode-se pensar exatamente o oposto. Que o arranjo de Kyoto foiinepto, pois teria levado a resultados semelhantes mesmo sem dissidnciaamericana. No devido ilusria esperteza dos emergentes que conseguiramficar de fora para aumentar impunemente suas emisses. Afinal, isso s foi umvalioso presente poltico aos republicanos de Bush. O problema muito maissrio, pois a arquitetura institucional do acordo foi equivocadamente copiadado Protocolo de Montreal sobre a camada de oznio, e de esquemas anterioresde combate chuva cida. Nesses dois casos, o desafio era criar estmulos

    para a adoo de inovaes tecnolgicas j disponveis. Alm disso, os poucos

    atores envolvidos, fossem governos ou empresas atingidas, s tinham a ganharcom o esquema de limites s emisses acoplados ao livre comrcio de

    permisses (cap-and-trade). No entanto, essa proposta no funciona quandoainda se depende de descobertas cientficas, e quando so 170 os pasesque

    precisam chegar a um acordo que incentive o surgimento das inovaes.26

    Por isso, no poderia ter sido mais oportuno o relatrio Iluminando ocaminho: em direo a um futuro de energia sustentvel, lanado no final deoutubro de 2007 pelo INTERACADEMY COUNCIL (2007), que articula as

    mais importantes academias de cincia e de engenharia do mundo, com sedena Holanda. Toda a nfase est na necessidade de acelerar as pesquisascientficas e tecnolgicas focadas nas possibilidades de descarbonizao dasmatrizes energticas. Claro, enquanto esses futuros modos de subverter aditadura das energias fsseis no se viabilizarem, ser imprescindvel avanarem solues paliativas, entre as quais se destacam nove: a) aumento daeficincia energtica; b) reduo da intensidade de carbono das economias; c)captura e seqestro de carbono proveniente de combustveis fsseis,

    principalmente do carvo; d) uso da energia nuclear condicionado aoequacionamento de sua tripla restrio (custo, segurana e risco blico); e)

    maior uso de energias renovveis j disponveis; f) maior uso debiocombustveis; g) tecnologias de armazenagem de energia; h) melhoresinfraestruturas de transmisso; i) desenvolvimento de novos vetoresenergticos, como o hidrognio.

    Contudo, tanto a acelerao das pesquisas de fronteira, quanto essesimprescindveis avanos em solues paliativas, dependero de sinalizao

    26 Ver a respeito o captulo 4 do Relatrio do Banco Mundial de 1999-2000, p.87-102.

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    de preo para a emisso de carbono, repete incansavelmente o relatrio. Nasdezenas de pginas em que tal condicionante mencionada, l-se que tal

    sinalizao deve ser certa, significativa, realista, clara, robusta,firme, consistente, e efetiva. Outras passagens garantem que j existiriarazovel consenso de que o preo da emisso de uma tonelada de carbonodeveria estar hoje entre US$ 100 e US$ 150, o que significaria um preo entreUS$ 27 e US$ 41 para a tonelada de CO2.

    Esses valores podem ser facilmente contestados, pois - como foi visto notpico anterior - seus clculos dependem de duas escolhas arbitrrias comevidentes pressupostos ticos: a de um teto para o aumento da temperatura (ou

    para a concentrao de CO2 na atmosfera), e a de uma taxa de desconto do

    futuro. Tambm no h clareza no relatrio sobre a necessidade de se acoplarum imposto ao esquema de metas quantitativas de emisses, o que engendrariauma poltica hibrida (cap-and-tax). Mas tais insuficincias so bemsecundrias se comparadas relevncia da contribuio desse relatrio para ofortalecimento da tese de que emisso de carbono tem que custar caro. E issos aumenta as chances de que a racionalidade econmica tambm sejaconvidada a participar das negociaes que tomaro forte impulso com areunio da Conveno do Clima do incio de dezembro de 2007 em Bali.

    Muito mais do que a racionalidade econmica, o que influencia o processoinstitucional de combate ao aquecimento global o pressuposto de que jexistem as imprescindveis solues tecnolgicas. S assim se pode entender ageneralizada convico de que o melhor caminho o da adoo/imposio demetas mximas nacionais de emisses de gases-estufa, contrabalanada pelaconstruo de um mercado de carbono baseado no MDL. No entanto, umasria questo no pode ser evitada: ser realmente possvel estabilizar (paradepois reduzir) a concentrao de gases estufa na atmosfera com iniciativasque fixem limites s emisses, conforme, diretriz adotada desde 1995?

    Resposta das mais otimistas veio de Robert Socolow e Stephen Pacala, doispesquisadores de Princeton, reproduzida na edio especial da revistaScientific American Brasilde outubro 2006. Para que haja estabilizao nos

    prximos 50 anos, sem impedir o crescimento econmico, seria preciso adotarum conjunto de medidas adiante sintetizado em meia dzia de tpicos.

    (1) No transporte, alm de uso crescente de biocombustveis, os derivados depetrleo tambm devem ser substitudos por hidrognio obtido por eletrlise.Para conseguir a indispensvel eletricidade limpa, propem amplo leque de

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    Uma clara manifestao da crena de que j existem as solues tecnolgicasque viabilizariam o combate ao aquecimento global antrpico est no j citado

    best seller de George MONBIOT (2007), redigido com a assistncia dopesquisador Matthew Prescott. Nessa obra, o j clebre especialista do jornalbritnico Guardian tenta mostrar que pases ricos como a Gr Bretanhapoderiam, sem regredir, cortar 90% de suas emisses de gases-estufa at 2030.O livro talvez at persuada parte dos leitores nos captulos sobre osanacrnicos padres da construo civil, assim como das cadeias industriaisque lhes fornecem cimento, eletricidade e calor. Ou mesmo nas avaliaes docomrcio varejista e dos sistemas de transporte terrestres. Mas Monbiot se viuliminarmente obrigado a reconhecer que viagens areas so simplesmenteincompatveis com o objetivo de controlar a mudana climtica.28

    Posio bem diferente a do fsico Martin I. Hoffert, da Universidade de

    Nova York, para quem qualquer mudana revolucionria na matriz energtica,para poder surgir em tempo, j deve ter sua infra-estrutura em construo(apudGIBBS, 2006). Da a importncia do acordo internacional firmado emnovembro de 2006 para construir o maior reator de fuso nuclear do mundo: oIter (Reator Termonuclear Experimental Internacional). Desse projeto

    participam: Unio Europia, EUA, Japo, Coria do Sul, Rssia, China endia.29

    Tambm foi Monbiot que fez a melhor sntese do problema poltico a serenfrentado para que um novo regime internacional a vigorar a partir de 2012no seja mais incuo, como foi o Protocolo de Kyoto. No prefcio edio de2007 ele comea por evocar o consenso entre cientistas naturais de que serloucura deixar que a temperatura global aumente dois graus centgrados (2 C)alm de seu nvel pr-industrial. Vrios dos riscos de relar nesse teto estoestimados: entre 0,7 e 4,4 bilhes de pessoas sofreriam de crescente falta degua; haveria queda de rendimentos agrcolas em muitos pases pobres; asflorestas amaznicas seriam irreversivelmente comprometidas; de 15 a 40%

    das espcies se extinguiriam; geleiras desapareceriam; o derretimento da placade gelo da Groenlndia aceleraria a elevao do nvel do mar; e o permafrostsiberiano exalaria seu imenso estoque de metano (CH4), gs do efeito estufa

    bem mais furioso que o dixido de carbono (CO2).

    28 No encontrou melhor maneira de fechar esse captulo do que acusar seu leitor de assassinato: If you fly,you destroy other people lives (MONBIOT, 2007: 188).29O Brasil foi o nico dos BRIC a declinar do convite. E ningum ligou.

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    Como o processo de aquecimento em grande parte determinado pelaconcentrao desses gases na atmosfera, baseado no quarto relatrio do IPCC

    (2007), Monbiot lembra que haveria 50% de probabilidade que o marco de 2C fosse evitado se a concentrao fosse estabilizada abaixo de 450 partes pormilho em equivalentes de dixido de carbono (450 ppm CO2e). Ao contrrio,se essa concentrao no fosse freada, passaria dos atuais 430 para 550 ppmCO2e em cerca de trs decnios. Neste caso, a probabilidade de que oaquecimento ultrapassasse os 2 C ficaria acima de 77%. Pior: com 550 ppmCO2e, a chance de que o aumento da temperatura excedesse 3 C seria de 30 a70%, e a de que excedesse 4 C de cerca de 24%.30

    Saltos com impactos imprevisveis, mas to calamitosos quanto poderia ser o

    colapso de inmeros ecossistemas. No difcil perceber, portanto, queassumidas como corretas as projees do IPCC, o Protocolo de Kyoto

    precisaria ser substitudo por um acordo que tivesse por meta central oestabelecimento de um limite para a concentrao de 450 ppm CO2e.

    No essa, entretanto, a proposta que mais ganha corpo nos debatesinternacionais, graas ao sedutor argumento de que o custo anual do combate mudana climtica seria de 1% do PIB global. O influente relatrio de Sir

    Nicholas Stern, cujos principais alvos so os governos dos EUA e da

    Austrlia, toma por baliza o temerrio horizonte de 550, em vez de 450 ppmCO2e (alm de ter optado por nfima taxa de desconto, como j foi assinalado).Impossvel, portanto, haver o menor lampejo de otimismo sobre o regime ps-Kyoto que poder emergir no final de 2007 em Bali, apesar das rpidas e

    profundas mudanas de percepo e de conscincia a respeito do maior dosproblemas ambientais.

    S pode duvidar das possibilidades de tais correes de rumo quem no se dconta de que vm proliferando sinais indicativos de uma significativa guinadada opinio pblica de mais elevado nvel educacional sobre as ameaas da

    mudana climtica. Alm do aumento de freqncia dos desastres naturais,que nem podem ser cientificamente relacionados ao aquecimento 31, antes da

    30 O relatrio Stern cria certa confuso nesse debate, pois implica em altssima precificao do carbono (US$305 em 2010), mas, simultaneamente aceita que o limite de concentrao possa ser de 550 ppm. Ora, com um

    preo to alto para as emisses, seria possvel atingir o nobre obejtivo de se ter apenas 1,5 C de aumento datemperatura entre 1900 e 2100, o que exigiria, evidentemente, concentrao at inferior a 450 ppm, limite

    proposto pelos seus mais severos crticos! Ver TABELA A3-1, no ANEXO 3.31 Como furaces mais freqentes e intensos nos EUA e no Caribe; fortes incndios em muitas reas dosEUA e da Austrlia; mortes de onda de calor na Europa; intensificao de tufes e tormentas severssimas no

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    atribuio do Nobel da Paz ao IPCC e a Al Gore, Eduardo VIOLA (2007)havia relacionado oito fatos bem marcantes:

    1. O premiado filme Uma verdade inconveniente, de DavisGuggenheim.

    2. O relatrio Stern.3. O nmero especial da revista The EconomistO Mundo em 2007.4. A publicao do Quarto Relatrio do Painel Internacional sobre

    Mudana Climtica a partir de fevereiro de 2007.5- O primeiro debate sobre mudana climtica pelo Conselho de

    Segurana da ONU, em abril de 2007, solicitada pelo governo britnico,mas que havia sido impulsionada por Kofi Annan desde 2005.

    6. A reunio do G8 na Alemanha, em junho de 2007, tendo como temacentral a primeira proposta incisiva para mitigar o aquecimento global.

    7. A reunio de chefes de estado no incio da Assemblia Geral da ONUde setembro de 2007, tendo como agenda central a mudana climtica.

    8. A reunio de setembro de 2007, em Washington, das 16 maioreseconomias do mundo, a convite do governo Bush, para sondar a

    possibilidade de um acordo prvio Conferncia das Partes daConveno de Mudana Climtica a ser realizada em Bali em dezembrode 2007.32

    No se pode deixar de mencionar aqui dois fatos bastante recentes eextremamente importantes (mas cujas interpretaes ainda so um tantosuperficiais). Em primeiro lugar, a evoluo recente da posio do governoBush parece estar mais relacionada conscincia sobre a falta de seguranaenergtica dos EUA enquanto estiverem to dependentes de petrleoimportado do que a uma nova interpretao do papel do pas no combate smudanas climticas. Em segundo lugar, ressaltamos o fato de o robustoaumento do preo do petrleo (que j est beirando os US$ 100,00 por barril)no ter, at agora, gerado sinais de recesso na economia. Esse, que j est

    sendo chamado de terceiro choque energtico mundial, o primeiro que est

    Japo, na China, nas Filipinas e na Indonsia; inundaes catastrficas ao lado de severssimas secas na ndiae na frica; inusitada seca na Amaznia brasileira; e de um primeiro furaco registrado no Atlntico Sul.32A reunio de Washington foi um fracasso por causa da posio conservadora do governo americano, masmostrou a consolidao da mudana de posio do governo Bush no ltimo ano, no sentido de no haver maisincertezas sobre a gravidade do aquecimento global. Inclusive isso pr-anuncia uma mudana muito provvelda posio do Executivo americano a partir da assuno do novo presidente em 2009: todos os pr-candidatosdemocratas tm uma posio favorvel a uma virada na posio americana no sentido de liderar, com

    propostas consistentes e incisivas, os esforos internacionais para mitigar o aquecimento global; e, entre ospr-candidatos republicanos, dois (MacCain e Giuliani tem posies prximas dos democratas) e os restantestem posies mais favorveis que Bush (VIOLA, 2007:3).

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    sendo causado pela expanso da demanda, e no por problemas do lado daoferta. 33

    importante assinalar aqui o anncio de que a Unio Europia defender nareunio de Bali que todos os pases desenvolvidos cortem suas emisses decarbono entre 20% e 30% em 2020 com relao a 1990. Essa linha j estdetalhada em documento nico, e segue o plano defendido pela primeira-ministra alem, Angela Merkel, na primeira reunio do G-8 dedicada ao tema.O objetivo evitar aumento superior a 2 C acima no nvel pr-industrial.

    Relacionando esses sinais de mudana, tanto com o perfil dos pases que maisemitem, quanto com as oportunidades tcnico-econmicas e mudanas

    comportamentais favorveis a uma transio a uma economia de baixocarbono, VIOLA (2007) chega a trs cenrios possveis para as negociaesinternacionais:

    1.

    Hobbesiano, no qual se repetiria a baixa capacidade de cooperaodemonstrada nas negociaes do Protocolo de Kyoto. Neste caso, emduas dcadas seria ultrapassado o perigoso limiar de 550 ppm CO2e,e no haveria segurana climtica.34

    2.

    O intermedirio - que chama de Kyoto Aprofundado - com aparticipao dos EUA e da Austrlia e algum tipo de compromissopor parte dos emergentes. Embora menos catastrfico que ohobbesiano, tambm no geraria segurana climtica.

    3. O otimista - que chama de Grande Acordo (mas tambm poderiachamar de Wilsoniano / idealista) com a retomada, em patamarmais incisivo, da liderana conjunta dos trs principais plos daeconomia mundial EUA, UE e Japo - que levou abertura dasnegociaes do tratado de Kyoto em 1996-1997. Esta seria a grande

    oportunidade do Brasil para se tornar parte do grupo lder juntando-se aos EUA, Unio Europia e ao Japo, cumprindo papel deengajamento e persuaso da China e da ndia (p.16)

    33 Ver artigo de Jad Mouawad, doNew York Times, traduzido pelaFolha de S.Paulo, 11/11/2007, p. B16.Uma anlise mais detalhada do problema se encontra em NORDHAUS (2007b).34Segurana climtica significa manter a estabilidade relativa do clima global, diminuindo significativamenteo risco de aquecimento mediante mitigao e adaptao. Adaptao da sociedade internacional e suasunidades nacionais a novas condies de planeta mais quente e com a existncia mais freqente e mais intensade fenmenos climticos extremos (VIOLA, 2007:5).

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    A abordagem de teoria dos jogos tem sido utilizada para acoplar o enfoqueestritamente econmico do custo-benefcio macroeconmico (em nvel global)

    de diferentes estratgias de combate ao aquecimento com o enfoquemicroeconmico, em que cada pas individualmente decide se os benefcios deser parte de uma coalizo excedem os custos. FINUS & CABRERA (2005)chamam um acordo de individualmente racional quando os benefcios lquidosde participao so maiores do que os de no participao. Mas isso no basta

    para que o pas decida cooperar, pois os benefcios de tomar uma carona comos que se comprometerem com o esforo podem ser ainda mais elevados.Como no existe uma instituio supranacional capaz de punir esse tipo deatitude, a coalizo deve ser self-enforcing.

    Os citados autores analisam esquemas cooperativos baseados em diversasconcepes de equidade, como por exemplo: do tipo igualitrio, em que adistribuio dos direitos de emisso se d em base per-capita, sob a filosofiade que cada indivduo tem igual direito de emitir, o que beneficia pases comoChina e ndia; do tipo responsabilidade histrica, na qual os direitos soinversamente proporcionais s emisses acumuladas, caso em que o Brasil se

    beneficia; do tipo capacidade de pagamento, em que se distribuem os direitosde emisso aos pases mais pobres utilizando o PIB como parmetro; do tipocapacidade de poluio, em que os direitos so distribudos em quantidade

    inversamente proporcional s emisses histricas per-capita, prejudicando ospases desenvolvidos; do tipo eficincia energtica, em que o que se considera o atual nvel de emisses relativamente ao PIB, beneficiando pasesdetentores de tecnologias limpas e prejudicando pases com indstriasaltamente poluidoras, como a China; do tipo soberania, em que os pesos soalocados de acordo com o atual nvel de emisses; do tipo compensao, emque os pases ricos fazem transferncias para os pases pobres de modo adividir os custos.

    Ou seja, existem muitas maneiras de se definir eqidade em coalizes para a

    mitigao de emisses de gases estufa. Mesmo assim, a abordagem da teoriados jogos capaz de produzir alguns resultados robustos, entre eles o de que aausncia de punies crveis para osfree-ridersfaz com que apenas coalizescom metas bastante moderadas de emisses sejam cumpridas, e vice-versa, demodo que existe um trade-off entre eficincia e efetividade. Alm disso,coalizes com pequeno nmero de participantes do melhores resultados emtermos de cumprimento dos objetivos do que grandes coalizes (EYCKMANS& FINUS, 2003). So resultados importantes, tanto para se avaliar as possveis

    polticas do ps-Kyoto, quanto para discutir a posio brasileira.

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    Todavia, com todos os graus de incerteza que existem nos mbitos das

    cincias naturais, da economia e da poltica, s pode ser altamente temerriaqualquer concluso prospectiva a respeito de tais negociaes. Afinal, naspossveis reaes a respeito do risco, preciso que sejam considerados os trstipos mais comuns de propenses, que resultam de cruzamentos entre quatrovises sobre a natureza, com outras quatro sobre a condio humana.

    Como to bem explica John ADAMS (2006:29-50), h primeiro quem estejaconvicto de que a natureza essencialmente benigna. Isto , to robusta,estvel, e previsvel, que seu manejo por uma linha no-intervencionista seriacapaz de contrabalanar os males que lhes so infligidos pelos humanos. Em

    segundo, h quem a veja como essencialmente delicada. Isto , to frgil,precria, e efmera, que os humanos s poderiam lidar com ela como seestivessem pisando em ovos. Em terceiro esto os que preferem entend-lacomo simultaneamente perversa e tolerante, pois aceitam ambas as posturas jmencionadas. Acham que - dentro de certos limites - a mais aceitvel a

    primeira (benigna), mas que preciso ter cuidado para no ultrapassar taislimites, pois - a partir da - estaria mais certa a segunda (frgil). E em quartolugar surge a idia de que a natureza essencialmente caprichosa. Toimprevisvel que escapa de qualquer pretenso humana de control-la.

    J as quatro inclinaes mticas sobre a condio humana so certamente maisfamiliares ao leitor, dispensando detalhamento: a individualista, a hierrquica,a igualitria, e a fatalista. Pois bem, quando se examina as principaiscombinaes daqueles primeiro conjunto de quatro vises sobre a naturezacom este outro, com quatro sobre a condio humana, emergem trs

    propenses bsicas diante do risco: a) no levar a srio qualquer pretenso dereduzi-lo; b) adotar apenas medidas preventivas que no comprometamliberdades; c) persuadir a coletividade a adotar medidas drsticas necessrias sua eliminao, construindo muralhas institucionais capazes de lidar com ele

    do mesmo modo que um exrcito lida com o inimigo.

    Essas trs atitudes bsicas s podem se exacerbar quando no se est apenasdiante de riscos, mas de incertezas. Diz-se que h risco quando se percebe um

    perigo possvel que seja mais ou menos previsvel. Qualquer jogador percebesua atividade como risco quando est em condies de prever quaisacontecimentos podem ocorrer, assim como estimar a probabilidade delesocorrerem. J a incerteza define a possibilidade de ocorrer um acontecimento

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    (em geral perigoso) sem que seja possvel ter noo sequer aproximada daprobabilidade de ocorrncia. Fala-se ento de probabilidade subjetiva.

    Uma das circunstncias mais comuns sob a qual as sociedades no conseguemresolver um problema quando ele toma a forma de uma tendncia lenta,oculta por grandes e freqentes variaes. Como diz Jared DIAMOND (2005),o melhor exemplo disso em tempos modernos justamente o aquecimentoglobal. Ele no quer dizer que o clima fique exatamente 0,01 C mais quenteque o ano anterior. Ao contrrio, varia aleatoriamente para cima e para baixode ano a ano: certo vero pode estar trs graus mais quente que o anterior, osubseqente ainda dois graus a mais, quatro graus mais frio no seguinte, umgrau mais frio no prximo, ento cinco graus mais quente no outro, etc. Com

    flutuaes to grandes e imprevisveis, demorou muito tempo at que atendncia mdia de aumento de 0,01 por ano fosse discernvel. 35

    De qualquer forma, parece extremamente fragilizada a condio do Brasilnesse incio de negociaes de regime ps-Kyoto, j que no se sabe sequer se realmente correta a idia to repetida de que mais de que trs quartos de suasemisses podem ser atribudas ao desmatamento na Amaznia, bordo que setornou o principal coringa do Itamaraty nas negociaes internacionais. Essedado resultou de inventrio divulgado em 2004, mas com dados de 1990-94!36

    35 Os groelandeses medievais tinham dificuldade semelhante para reconhecer que seu clima estavaesfriando de forma gradual, e os maias e anasazis tinham problemas semelhantes para discernir que seu climaestava ficando mais seco. Os polticos usam o termo normalidade deslizante para se referir a essas lentastendncias ocultas por trs de flutuaes confusas. Se a economia, a educao, o trnsito ou qualquer outracoisa estiverem se deteriorando aos poucos, difcil reconhecer que cada ano sucessivo est em mdialigeiramente pior do que o anterior, de modo que o padro bsico daquilo que constitui a normalidade mudagradual e imperceptivelmente. Pode levar algumas dcadas de leves mudanas anuais at que as pessoas sedem conta, com surpresa, de que as condies costumavam ser muito melhores algumas dcadas antes e que

    aquilo que se considera normal hoje em dia uma deteriorao daquilo que era normal anteriormente(DIAMOND, 2005:508).36 Segundo recentes estimativas do professor Jos Goldemberg, o Brasil pode ter emitido 1,141 bilho detoneladas em 2006, das quais 855 milhes (75%) teriam vindo de mudanas de uso do solo, como o corte equeima de rvores. Esse nmero poderia estar superestimado, pois, conforme a Dra. Thelma Krug, Secretriade Mudanas Climticas do Ministrio do Meio Ambiente, em 2006 as emisses provenientes dodesmatamento da Amaznia girariam em torno de 684 milhes de toneladas de CO2. Mas concorda que odesmatamento ainda a principal contribuio brasileira, e na mesma proporo observada no perodo1990/1994: 75%. Tambm insiste que 96% das emisses lquidas provenientes de mudanas de uso do solodevem ser creditadas converso de florestas em atividades de agricultura e pecuria. E informa que somenteem 2009 sero divulgados os clculos das informaes coletadas entre 1995 e 2000, ocasio em que talvez

    possam tambm ser divulgadas estimativas para o perodo 2001-2006. (cf. Cristina Amorim: Pas no detmdesmate e permanece entre campees de emisso de CO2, O Estado de S.Paulo, 06/11/2007, p. A18.

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    No livro de GORE (2006: 230-1) h uma belssima imagem noturna domundo, elaborada ao longo de seis meses por um satlite do Departamento de

    Defesa americano. As partes coloridas em vermelho so locais em que maisesto ocorrendo queimadas. Destaca-se a frica onde, segundo o livro, isso sedeve ao uso de lenha para cozinhar, o que simplesmente no d para entender.Mas o pior que no h qualquer comentrio sobre o fato de a Amrica Latinasurpreender por mostrar que h muitssimo mais queimadas fora do que dentrodo chamado arco de desmatamento da Amaznia, apesar de todas asevidncias j recolhidas sobre a absurda recorrncia desse crime.

    Isto deveria exigir que se fizesse clara distino entre os dois fenmenos, emvez de se atribuir apenas aos desmatamentos a responsabilidade pelas

    emisses de carbono resultantes de queimadas. As duas prticas precisam sercombatidas com todo vigor, energia, e firmeza, mas talvez se mostre muitomais difcil acabar com queimadas que no esto associadas a desmatamentosdo que o contrrio. Todavia, quase todos os analistas do aquecimento globalrepetem que as emisses brasileiras, por exemplo, seriam radicalmentereduzidas com o simples fim dos desmatamentos amaznicos, como se fosseessa a nica contribuio proveniente de mudanas do uso do solo.

    Supondo, de qualquer forma, que o fim dos desmatamentos da Amaznia seria

    importantssimo trunfo no processo de negociaes, a questo passa a ser a daviabilidade poltico-institucional de se conseguir tal proeza. Como so poucosos cidados que se declaram a favor da continuidade desse crime, poderia

    parecer que j se formou sobre ele um grande consenso. No entanto, essa uma suposio que perde resistncia quando sai do mbito das intenes eruma para o dos custos e sua repartio.

    Mesmo assim, nunca houve um momento mais propcio para a adoo demetas de desmatamento, como esto propondo nove organizaes no-governamentais nacionais e estrangeiras: um Pacto pela Valorizao da

    Floresta e pelo Fim do Desmatamento na Amaznia. Essas ONGs estimamque zerar a devastao demandar um prazo de sete anos. Mas os fundamentoseconmicos dessa proposta j esto sendo duramente criticados por

    pesquisadores especializados em temas amaznicos.37

    37 Os fundamentos foram elaborados pela Macrotempo Consultoria Econmica, com equipe de consultoresformada por Amir Khair, Luis Afonso Simoens e Vivian MacKnight, coordenados por Carlos Eduardo F.Young. Ver YOUNG (2007). Poucas semanas aps o lanamento desse Pacto, mais de cem pesquisadores

    participantes de seminrio da Rede Temtica de Pesquisa em Modelagem Ambiental da Amaznia (RedeGeoma, Petrpolis, 30-31 de outubro de 2007) aprovaram uma carta de repdio. Na ocasio, a gegrafaBertha Becker, da UFRJ, disse que a proposta imobiliza de novo a Amaznia ao sugerir que a floresta seja

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    muito comum que se diga que no Brasil a mudana imposta pela questo

    climtica no requerer tantos sacrifcios quanto em outras sociedades. Diz-seat que a maioria das coisas que faro do Brasil uma sociedade de baixocarbono deveria ser feita de qualquer forma, mesmo na ausncia dessaameaa.38Mas essa idia est irremediavelmente ligada suposio de que asemisses de carbono do Brasil sero facilmente minimizadas com odesmatamento zero da Amaznia. Suposio que tambm gera controvrsia,

    pois, como mostra o caso do Pacto, so freqentes as evidncias opostas.

    Na reunio realizada pelo IPCC no Rio de Janeiro no final de outubro 2007,embora tenha concordado que o desmatamento um grande problema, o

    professor Luiz Pinguelli Rosa, secretrio executivo do Frum Brasileiro deMudanas Climticas, lembrou que sua reduo no contribui para odesenvolvimento. Depois tambm realou as vantagens do Brasil em relao aoutros pases devido ao uso do biocombustvel, da hidreletricidade, da energiaelica (vento) e do biodiesel. Todavia, fez questo de denunciar aes doMinistrio de Minas e Energia, como o fato de o pas gastar US$ 2 bilhes

    para subsidiar o uso do diesel para gerar energia eltrica no Amazonas. Essedinheiro poderia ser canalizado para o uso de energia alternativa. A Amaznia rica em recursos naturais, apontou. A introduo de usinas a carvo no

    Brasil foi outro ponto criticado. um contra-senso o Brasil importar carvopara gerar energia eltrica, disse ele. 39

    Para Mrcio Pereira Zimmermann, Secretrio de Planejamento eDesenvolvimento Energtico do Ministrio das Minas e Energia, irreversvelo efeito dos leiles de energia realizados desde 2005 para a piora da matrizenergtica brasileira. Mesmo com a construo das hidreltricas do Madeira ede Belo Monte, alm do reator nuclear de Angra 3, o Brasil mais do quedobrar, nosprximos dez anos, as emisses de gases estufa produzidos portermeltricas.40

    No menos importante lembrar que a indstria brasileira est cada vez maispetroleira, para usar as palavras do Iedi. A participao dos setores de refino

    simplesmente mantida em p, em vez de investir na explorao sustentvel dos recursos florestais. o queprecisa ser remunerado uma mudana de paradigma, para produzir sem destruir (apud Herton Escobar,Cientistas rejeitam pagamento por preservao, O Estado de S. Paulo, 01/11/2007, p.A25).38 Ver, por exemplo, ABRANCHES (2007:63).39Cf.Agncia Fapesp, 30-10-2007.40 Cf. a informativa matria de Daniel Rittner Com trmicas, pas dobrar a emisso de poluentes em 10anos, Valor, 5/11/2007, p. A5.

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    de petrleo e lcool praticamente dobrou na indstria entre 1996 e 2005.Nesse perodo, s foram significativos os aumentos de participaes na

    economia de 3 dos 24 setores industriais: petrleo, metalurgia e indstriaextrativa, com destaque para o refino de petrleo.41 Finalmente, mas nomenos importante, deve-se registrar a recente descoberta de megajazida de

    petrleo no litoral de Santos, SP, o bloco Tupi, mesmo que s venha entrar emproduo dentro de oito ou dez anos.

    Em sntese, h poucas semanas da importante reunio da Conveno do Climade dezembro de 2007, a sociedade brasileira desconhecia por completo o

    posicionamento e eventuais propostas que seu governo levaria a Bali. Oanunciado Plano Nacional de Mudanas Climticas era previsto apenas para

    meados de 2008, e o governo corria para fechar um conjunto de medidaspontuais, a tempo de divulg-las antes do inicio dessa conferncia.42

    5. Concluso

    Esta reviso de controvrsias sobre a cincia, a economia, e a poltica doaquecimento global indica que qualquer posicionamento sobre a questo

    passa, antes de tudo, por uma inevitvel alternativa: admitir os argumentos dosditos cticos, ou levar a srio as previses do IPCC.

    Quem tender a acatar a primeira opo, certamente concordar com a brilhanteexposio de motivos feita por Nigel LAWSON (2006) para a tese de que overdadeiro perigo enfrentado pelas sociedades atuais no vem do clima, massim da nova religio eco-fundamentalista. Para ele, a resposta mais racional auma mudana climtica - caso, por alguma razo, venha a ocorrer simplesmente adaptar-se a ela. E, neste caso, mais que responsabilidade, serobrigao dos pases ricos da parte do mundo de clima temperado dar ajuda

    aos pases pobres da faixa tropical para que se lancem na nessa necessriaadaptao.

    Quem preferir o outro lado da alternativa, dificilmente poder encontrar umaorientao comparvel primeira em termos de simplicidade. Logo perceber

    41 Cf.Folha de S.Paulo, 05/11/07.42 Cf. matria do editor de cincia do jornal Folha de S.PauloGoverno define pacote anteaquecimento,10/11/2007, p. A33,

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    que existem profundas questes ticas que condicionam as propostas polticas,assim como a racionalidade econmica em que precisam se apoiar.

    As posturas ticas das quais dependem as propostas polticas soessencialmente duas: a) qual o risco que pode ser assumido quanto elevao da temperatura neste sculo em relao ao nvel pr-industrial? b)qual o custo do combate ao aquecimento que pode ser deixado para futurasgeraes?

    Vrias respostas a essas perguntas podem ser encontradas nos debates sobre oaquecimento global.43 Destacam-se as posies de Stern sobre altosinvestimentos em mitigao de emisses que devem comear urgentemente

    para reduzir o risco de catstrofes, e a de Nordhaus, sobre uma rampa deinvestimentos, comeando em patamar baixo e crescendo linearmente aolongo do tempo. A controvrsia entre as estimativas de custos desses autores

    perdurar enquanto no forem resolvidos os dilemas ticos da justiaintergeracional. Todavia, se prevalecer o princpio da precauo, serinaceitvel adotar limites superiores a 450 ppm para a concentrao de dixidode carbono, ou de aumento superior a 2 C at 2100 com relao a 1900.

    Assim, caso seja assumida uma taxa de desconto de 4% - que significa deixar

    boa parte dos custos para geraes futuras - chega-se a um custo social44

    datonelada de carbono superior a US$ 50, que deveria aumentar pelo menos uns20% at 2010, atingindo pouco mais de US$ 60. Ao contrrio, se forconsiderada a baixssima taxa de 0,1% assumida pelo relatrio Stern, o custoda tonelada de carbono deveria ser cinco vezes maior em 2010. H, portanto,uma ampla margem de manobra oferecida aos negociadores do ps-Kyoto,sendo razovel supor que sejam levados a optar por um imposto cujo valor

    provavelmente superar os US$ 100.

    A questo do nvel de controle das emisses parece estar melhor encaminhada

    do que a dos custos, chegando a haver concordncia entre a maioria doseconomistas em que a imposio de uma taxa sobre as emisses de carbono

    bem mais eficiente do que um esquema cap-and-trade, ao estilo do atualProtocolo de Kyoto. E essa concordncia se estende para o fato de que umimposto harmonizado mundialmente politicamente invivel, de modo que

    43 Quase todas esto na Tabela A3-1, no ANEXO 3.44Por custo social entende-se o custo adicional causado por mais uma tonelada de carbono emitida.

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    um esquema hbrido, apelidado de cap-and-tax, passa a ser a estratgia maisatraente.

    Finalmente, o que se deve concluir deste balano das controvrsias que:nada pode ser mais incoerente do que levar a srio as concluses do IPCC, e,simultaneamente, supor que o problema possa ser enfrentado medianteacordos internacionais do gnero do Protocolo de Kyoto. Se o IPCC estivermesmo com a verdade, todos os pases do mundo, a comear pelos mais ricose poderosos, deveriam enfrentar o problema como se estivessem diante deuma grande guerra, em vez de barganharem ridculas metas de conteno deemisses.

    Mas isso s poderia acontencer se as negociaes internacionais conseguissemproduzir algum tipo de enforcementque reduzisse o benefcio de se tomar umacarona (aproveitar as vantagens de uma reduo de emisses por parte dosdemais pases sem pagar o preo dessa reduo). Alm disso, os sistemas deCincia, Tecnologia & Inovao (CT&I) deveriam ser drasticamentereorientados para o objetivo prioritrio de encontrar maneiras de superar adependncia das energias fsseis, j que essa pesquisa energtica (atualmenteconcentrada na energia nuclear) est sendo feita com oramentos que malchegam a 5% dos oramentos da pesquisa militar.

    A fragilidade da posio brasileira resulta de diversos fatores, com destaquepara o anacronismo do nico inventrio conhecido de emisses, num perodoem que a matriz energtica est perdendo aquela limpeza que podia serevocada h 15 ou 20 anos atrs. Alm disso, continua prisioneira de uma visogeopoltica incoerente com a admisso da seriedade das concluses do IPCC.Afinal, quando uma embarcao martima est afundando, de pouco vale saberquem comeou antes a furar o casco, e mesmo quem fura mais ou fura menos.Para evitar o naufrgio preciso que todos parem de furar. E esta a principalambigidade do debate poltico internacional, pois frequentemente parece que

    no se leva realmente a srio os relatrios do IPCC, muito embora se diga queeles estejam muito prximos da certeza cientfica.

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    ANEXO 1

    Modelagem econmico-climtica

    A modelagem do aquecimento global tradicionalmente feita por meio deintegrated assessment models (IAMs), modelos dinmicos que integram asvrias dimenses da mudana climtica (fsica, econmica e social) numa

    plataforma de representaes matemticas que simula as cadeias decausalidade responsveis pelo clima, incluindo as relaes defeedback, comona FIGURA 1 abaixo:

    FIGURA 1 cadeias de causalidade do IMAGE 2.0

    Fonte: Van der SLUIJS (1996: 3)

    O IAM trabalha com uma grande quantidade de variveis determinadassimultaneamente perodo aps perodo em prazos muito longos, simulandocomputacionalmente a realidade e permitindo que se tracem cenrios

    probabilsticos relativos aos valores futuros das variveis em questo. As

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    funes que compem esses modelos, responsveis por fornecer aocomputador a maneira como as diversas variveis se relacionam, se assentam

    em pressupostos tericos que podem ser mais ou menos corretos. A interaodinmica entre essas funes, portanto entre as premissas tericas adotadas,quando aplicada a valores iniciais de cada uma das variveis, permite que serode o modelo e que se chegue a um cenrio futuro em um determinadoinstante do tempo. Os erros contidos em cada uma dessas funes tambminteragem horizontal (num dado perodo) e verticalmente (ao longo dotempo), fazendo com que a incerteza se multiplique pelo modelo.

    H duas divises importantes: entre modelos de avaliaoe de otimizaodepolticas pblicas, e entre modelos estocsticose deterministas. Enquanto os

    modelos de avaliao assumem um determinado conjunto de polticas eavaliam seus resultados. Os de otimizaofixam o objetivo de maximizaode um resultado e derivam a poltica tima. Os modelos estocsticos

    produzem a distribuio probabilstica dos resultados atravs de simulaesde Monte Carlo, portanto modelando a incerteza, enquanto os deterministasseguem o caminho do best-guess, incluindo o mximo de informao possvel(e, em alguns casos, o mnimo necessrio) e adotando o resultado mais

    provvel ou um conjunto de cenrios possveis (TOL, 2006: 3).

    Os IAMs surgiram em meados da dcada de 1980 em decorrncia danecessidade de uma interface dinmica entre cincia e polticas pblicas parao tratamento de complexas questes ambientais, e tiveram seudesenvolvimento potencializado pela tecnologia computacional. O primeiroIAM (RAINS Regional Acidification INformation and Simulation) data demeados da dcada de 1980, e era voltado anlise dos efeitos da chuva cidasobre a economia e de possveis polticas de controle do problema. Logo emseguida (1986) surgiu o IMAGE (Integrated Model to Assess the Greenhouse

    Effect), voltado especificamente para a anlise do efeito estufa e atualmenteutilizado pelo IPCC.

    Os modelos que ganharam mais destaque na EAG foram o DICE e o PAGE.O primeiro -Dinamic Integrated Climate-Economy Model foi criado pelaequipe de Nordhaus em 1974 45e est em sua 5 verso (NORDHAUS, 2007:5). determinista, e mescla o enfoque analtico com o de otimizao de

    polticas pblicas. O segundo - Policy Analysis of Greenhouse Effect foi

    45 Mesmo assim, a literatura que trata dos IAMs considera o RAINS o primeiro modelo que caracterizacompletamente a metodologia de integrated assessment, provavelmente porque at 1992 o DICE no era ummodelo dinmico e sim desteady-state, de modo que poucas variveis eram endgenas.

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    criado para a Unio Europia, em 2002, por uma equipe coordenada por ChrisHope, e ganhou notoriedade por ter sido o modelo usado na elaborao do

    relatrio Stern. estocsticoe de anlisede polticas pblicas. E sua versomais recente foi feita em co-autoria com a economista Erica PLAMBECK(PLAMBECK & HOPE, 1995).

    NORDHAUS (2007) realiza uma srie de exerccios utilizando o DICE-2007,desde deduzir a poltica tima que maximiza o valor do consumointertemporal, at analisar os resultados da aplicao da proposta do relatrioStern. STERN (2006), por outro lado, emprega o PAGE-2002 para acomparao entre um cenrio base, representado pelo cenrio A2 do IPCC(concentrao atmosfrica de CO2 equivalente de aproximadamente 1250

    ppm no ano 2100, rpido crescimento populacional e ausncia de polticas dereduo de emisses), e um cenrio mais pessimista chamado de high climate.

    A diferena fundamental entre esses modelos a maneira como tratam aincerteza: Nordhaus deixa claro que a inteno do DICE no modelar aincerteza 46, enquanto para Hope explicitar a incerteza inerente ao modelo essencial para o entendimento dos resultados de determinada poltica. Umaimportante semelhana entre as verses mais recentes desses modelos aincluso da possibilidade de uma mudana climtica abrupta. Ambos seguem

    a filosofia de que parts of the problem about which we have little knowledgemust not be ignored (...) carefully elicited expert judgement should be usedwhen formal models are not possible. (MORGAN & DOWLATABADIS,1996, apud: HOPE, 2006: 25).

    STERN (2006) argumenta que a maioria dos IAMs disponveis se limita a umpequeno subconjunto dos impactos mais bem entendidos mas menos danosos,subestimando as estimativas de danos. Portanto, se alinha a Hope noentendimento de como a incerteza se transforma em risco: assumem quemaior incerteza significa maiores perdas, enquanto Nordhaus adota a posio

    de no precificar a incerteza at que haja um mnimo embasamentocientfico para tal (STERN, 2006: 150-151). Para Hope e Stern, a estratgia de

    Nordhaus representa uma omisso quanto a riscos potenciais.

    CLINE (1992) no chegou a desenvolver um modelo prprio, mas contribuiubastante para o desenvolvimento dos IAMs ao sintetizar os modelos mais

    46 Apesar disso, o autor apresenta a distribuio de probabilidades para oito importantes variveis(NORDHAUS, 2007: 81).

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    )(t

    importantes existentes poca para criticar os seus pontos fracos. O DICE,por exemplo, era um modelo de steady state, e se transformou num modelo

    dinmico depois da crtica de Cline:In earlier studies, I developed a simple cost-benefit framework for determining theoptimal steady-state control of CO2and other greenhouse gases. (...) The earlierstudies had a number of shortcomings, but one of the most significant from ananalytical point of view was the inadequate treatment of the dynamics of theeconomy and the climate. The earlier work examined a "resource steady state," onein which all physical flows are constant (e. g., in which population, emissions,concentrations, and climate change have all stabilized in their steady state)although there might be improvements in real incomes because of resource-savingtechnological change. (...) A complete analysis of the economics of climate change

    must recognize the extraordinarily long time lags involved in the reaction of theclimate and economy to greenhouse gas emissions. (...) It would appear, therefore,that the dynamics are of the essence and that an examination of the steady statemay provide misleading conclusions for the steps that we should take at the dawn ofthe age of greenhouse warming. (NORDHAUS, 1993: 28)

    Atualmente existe uma infinidade de IAMs que se diferenciam principalmentepor serem ou no desagregados geograficamente, por endogeneizarem ou noa inovao tecnolgica, por serem estocsticos ou deterministas e por seremanalticos ou de otimizao (Ver lista na Tabela A1).Desde o incio, o DICE se diferenciou dos tradicionais modelos econmicosagregados por incluir o capital natural como um tipo adicional de estoque decapital. O CO2 pode ser visto como capital negativo, na medida em quediminui o estoque de capital natural. E a reduo de emisses comoinvestimento que diminui a quantidade de capital negativo. O produto dessaeconomia - - dado pela representao modificada de uma funo deproduo neoclssica (equao I), em que capital e trabalho so representadospor uma funo Cobb-Douglas. O capital natural tratado atravs de umafuno de danos climticos (II), e de uma funo de mitigao das emisses(III). Os danos climticos so funo da temperatura mdia global - - e

    os custos de mitigao so funo da taxa de reduo de emissesantropognicas -

    tQ )(

    )(tAT

    . A ligao entre atividade econmica e emisses seencontra na varivel temperatura mdia global, que funo de fatoresexgenos e do estoque total de carbono na atmosfera, o qual depende, entreoutros fatores, da taxa de controle de emisses.

    (I)

    [ ] ttttttQ = 1y )L()()()(1)()( y

    (II) 22 )(tAT2)()(1)( 1

    ttt =1 )(11)( tt AT ++=

    (III)

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    )

    )L(t

    onde:

    tQ )( = oferta lquida total de bens e servios, lquida de mitigao e danos

    (bilhes de US$))(t = funo de danos ambientais (danos climticos como frao da produo

    mundial))(t = funo de mitigao (custos de mitigao como frao da produo

    mundial)= produtividade total dos fatores (em unidades de produtividade))(t= estoque de capital (em bilhes de US$)(t= populao (milhes)

    = elasticidade da produo em relao ao capital (nmero absoluto)

    A trajetria do consumo depende da maximizao de uma funo de bem-estarsocial intertemporal (U) sujeita restrio da variao do estoque total decapital da economia. Essa funo representa um conjunto de preferncias bemdefinidas, e cresce com o consumo per-capita - ( )[ ] 0' >tcu - a uma taxadecrescente - ( )[ ] 0u ''

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    TABELA A1 lista dos integrated assessment modelsmais conhecidos

    A utilizao de modelos desse tipo a maneira mais segura de se fazerprevises de longo prazo que se distanciem minimamente da mais puraespeculao. Mesmo assim, por se assentar sobre uma quantidade muitogrande de pressupostos relativos ao tipo de relao que existe entre as diversas

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    variveis econmicas e climticas, a sobreposio de falhas pode levar a errosde grande magnitude.

    Os esforos dos que trabalham com modelagem tm se concentrado nanecessidade de se entender como a incerteza (tanto fsica como econmica) se

    propaga pelo modelo, tanto horizontal como verticalmente. Tambm tentamexplorar a dimenso geogrfica, procurando entender como diferentes grausde aquecimento podero repercutir sobre as diversas regies do mundo.

    Todavia, no surpreendente que, dentre as inmeras premissas necessriaspara se rodar um IAM, aquela relativa taxa de desconto do tempo seja a quemais impacta os resultados, dados os longos horizontes de anlise. Aotimizao do modelo acima leva seguinte concluso, conhecida comorelao de equilbrio de Ramsey:

    (VI)

    ( )g

    +== rg

    ( )

    = tcg

    r

    onde:= taxa de desconto do tempo ou preferncia pelo consumo presente

    = taxa de crescimento do consumoper-capita

    A taxa tima de crescimento do consumo per-capita (g) dada pela razo

    entre o incentivo poupana e a elasticidade da utilidade marginal doconsumo (). O incentivo poupana ser to maior quanto maior for a taxade remunerao do capital (r) relativamente preferncia pelo consumo

    presente (). Retornando a (IV), fcil notar que afeta negativamente ovalor presente do bem-estar social agregado. No longo prazo, tem um efeitomuito forte j que est elevado ao nmero de perodos do modelo. Adeterminao desse parmetro um tanto subjetiva, pois esto em jogo tantoconsideraes ticas sobre a moralidade de se descontar o consumo dasgeraes futuras quanto a sensibilidade dos resultados do modelo.

    Desde a dcada de 1970 Nordhaus adotou o modelo de otimizao de Ramseypara realizar anlises de custo-benefcio do aquecimento global. A suapremissa fixar a taxa de retorno do capital de acordo com as taxas reais dejuros observadas no mercado. Assim, em seus primeiros trabalhos adotou r=10%, mas foi diminuindo esse valor ao longo do tempo at chegar aos atuais5%.

    A posio de CLINE (1992) era diferente, pois dava mais peso ao pressupostotico da igualdade intergeracional, de modo que optou por fixar = 0,

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    obtendo, por conseqncia, r = 1,5% ( = 1 e g = 1,5%). Para ele, aremunerao