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VARIAÇÃO LEXICAL PARA LIBÉLULA NO ATLAS
LINGUÍSTICO DO AMAPÁ
Romário Duarte Sanches (UNIFAP/UEPA)
Celeste Ribeiro (UNIFAP)
RESUMO: Este artigo contempla uma amostra da investigação lexical, partindo do enfoque sobre o
estudo do léxico que atualmente tem sido um tema bastante difundido nas pesquisas de cunho
variacionista. Este estudo foi realizado com base nos dados do Atlas linguístico do Amapá (ALAP),
porém, contemplará apenas os municípios em que já foram feitas todas as coletas de dados, neste caso,
destacam-se os seguintes municípios: Amapá, Calçoene, Tartarugalzinho, Laranjal do Jari, Mazagão,
Oiapoque, Porto Grande, Pedra Branca do Amapari e Santana. A pesquisa tem por base os pressupostos
teórico-metodológicos adotados pelo projeto ALAP. Portanto, analisamos o campo semântico fauna e
flora do questionário semântico-lexical, a fim de verificar os usos feitos nessa região para o item lexical
libélula. Ressalta-se que se observou a variação desse item considerando a dimensão espacial e social,
conforme preconiza a geografia linguística em uma perspectiva multidimensional. Desta forma,
constatou-se que as variantes encontradas no estado do Amapá foram: libélula, jacinta, jacinto, cigarra,
cigana, cinza, caba e gafanhoto. No entanto, a variante mais frequente aqui no estado é jacinta, termo
este já dicionarizado. A análise dos dados também informa que as pessoas que mais utilizam esse termo
são do município de Amapá. Em relação ao fator sexo estão os homens da segunda faixa etária, de todos
os pontos de inquérito, estes apresentam 100% de ocorrência do termo jacinta ao invés de libélula.
PALAVRAS-CHAVE: Variantes lexicais. Libélula. Geolinguística.
ABSTRACT: This article includes a sample of lexical research, leaving the focus on the study of the
lexicon which currently has been a topic quite widespread in the variational-based studies. This study was
based on data from the Linguistic Atlas of Amapa (ALAP), however, will address only those
municipalities that have already been made all collections of data, in this case, we highlight the following
municipalities: Amapa, Calçoene, Tartarugalzinho, Laranjal do Jari, Mazagão, Oiapoque Porto Grande,
Pedra Branca do Amapari and Santana. The research is based on the theoretical and methodological
assumptions adopted by the ALAP project. Therefore, we analyze the semantic field of fauna and flora of
the lexical-semantic questionnaire in order to verify the uses made in this region for the lexical item
dragonfly. It is noteworthy that the observed variation of this item considering the spatial and social, as
recommended by the linguistic geography in a multidimensional perspective. Thus, it was found that the
variants found in the state of Amapa were: libélula, jacinta, jacinto, cigarra, cigana, cinza, caba and
gafanhoto. However, the most frequent variant is jacinta, since this term dictionaries. Data analysis also
reports that the people who use this term are the municipality of Amapa. In relation to gender are the men
of the second age group, from all points of inquiry, they have 100% occurrence of the term jacinta instead
of dragonfly.
KEYWORDS: lexical variants. Dragonfly. Geolinguistics.
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1 INTRODUÇÃO
A heterogeneidade e a mudança na língua não é nenhuma novidade para nós
pesquisadores do ramo da linguagem. Até mesmo quem não participa desses estudos
linguísticos compreende que uma determinada língua não é igual à outra e isso é
impulsionado em diferentes contextos. Também observa que a língua vive em constante
mudança e que determinados vocábulos vão se apresentando com outras formas lexicais
e semânticas no decorrer do tempo.
No que tange a variação lexical, serão apresentadas de forma concisa algumas
variantes para o item lexical libélula. Este estudo faz parte de algumas das pesquisas
realizadas com os dados coletados para elaboração do primeiro Altas Linguístico do
Amapá – ALAP, que nos oferecerá uma ampla fotografia linguística do cenário
amapaense.
2 ABORDAGEM HISTÓRICA DO ESTADO DO AMAPÁ
O Amapá sendo um dos 26 estados brasileiros foi um dos que teve sua
incorporação legal tardia. De acordo com Drummond (2007) e Pereira (2007) essa
incorporação começa em 1901, com o Laudo de Suíça, em que foi decidido que o Brasil
teria soberania do território amapaense contestado que se “localizavam ao norte do rio
Araguari e a leste do rio Oiapoque, em que se fazia metade do atual estado do Amapá”
(DRUMMOND; PEREIRA, 2007, p. 65).
Para Nunes Filho (2009) essas invasões e disputas pelo território são
características comuns das raízes da formação amazônica encontradas nas regiões do
nordeste e sudeste do Brasil há séculos atrás. Devido o interesse por esses produtos
silvestres coletados ou cultivados em terras amapaenses, as disputas se tornam mais
acirradas, quando se descobre ouro na região, fator que ocasiona grande fluxo
migratório que por sua vez resulta na criação de novas vilas e crescimento da atividade
extrativista.
E é em decorrência dessas invasões e disputas que “Portugal inicia no século
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XVIII a construção de fortins, fortes, fortaleza, aldeamentos, povoados e vilas em vários
pontos do que é o Amapá hoje” (NUNES FILHO, 2009, p. 218). Porém para que se
possa começar esse processo de povoação e fortificações em terras amapaenses, havia a
necessidade de se contratar homens para mão-de-obra. Assim, inicia-se a ocupação do
território que de acordo com o então Governador Mendonça Furtado que trouxe para cá
algumas famílias (colonos) vindos das ilhas de Açores, com o objetivo de iniciar uma
pequena povoação e construir barracos para servirem de alojamento aos soldados que
aqui serviriam.
Muitos desses colonos eram degradados de Portugal bem como: prostitutas,
políticos corruptos, negros africanos ou oriundos da Bahia e do Rio de Janeiro, além dos
índios que habitavam o local. Vale ressaltar que no caso dos negros africanos,
Mendonça Furtado foi levado a criar, devido a importância de garantir a segurança e
efetivação de posse das terras, a vila do Mazagão e vila vistoso Madre de Deus.
Também existiram outros motivos que não o de povoamento ou demarcação de
terras para a criação de Mazagão, como afirma Nunes Filho (2009), em que foi dada por
meio de ordens da Coroa Portuguesa para abrigar 163 famílias de colonos portugueses
cristãos, oriundos do Castelo de Mazagran (hoje El Djadidá), no Marrocos, que se
desentendiam historicamente com os mouros (mazaganenses convertidos ao islamismo).
Assim, chegaram os marroquinos a Mazagão, por volta de 1771, fixando-se na vila que
passou também a se denominar Mazagão, em homenagem à terra africana.
Passado o período colonial, outro fator que impulsionara o reconhecimento do
Amapá é quando ele passa a ser território Federal em 1943. Drummond e Pereira (2007)
afirmam que com o Decreto Federal 5. 812, de 13 de setembro observaram-se mudanças
significativas no cenário político-administrativo, como o desmembramento do Amapá
do Estado Pará. Agora, esse novo território compreendia todas as terras adquiridas pelo
Brasil (como consequência da arbitragem de 1901) mais uma porção quase tão grande
de terras situadas a sul do rio Araguari, a leste do rio Jarí e ao norte do rio Amazonas.
Após 45 anos de ser admitido como território, o Amapá passa por outra
transformação em 1988 quando por meio da Constituição brasileira promulgada naquela
época foi elevado à condição de Estado. Porém, em relação aos “investimentos”
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realizados no Amapá se deram bem antes promulgação. Isso aconteceu enquanto o
estado era Território Federal na década de 60-80, pois, nessa época começam as
preocupações com a Amazônia no sentido de integrá-la e combater o contrabando e
exploração de recursos naturais ilegais. Desta forma, o cenário dessa política no Amapá
não foi diferente, houve vários projetos responsáveis pela expansão e ocupação da
região.
Segundo Andrade (2005) essa transformação do então território em estado,
efetivado a partir de 1988, possibilitou que novas oportunidades de trabalho fossem
ofertadas, principalmente na construção civil, o que influenciou numa intensa
movimentação populacional para o estado. Esse aumento das taxas de crescimento
populacional deu-se devido “à abertura de novos garimpos de ouro, à instalação de
várias empresas mineradoras de ouro e à criação de novos municípios” (DRUMMOND;
PEREIRA, 2007, p. 71).
Andrade (2005) observa que em 1990 a dinâmica migratória veio se
consolidando de forma expressiva, pois, o estado recebeu cerca de 40 mil pessoas de
outras unidades da federação, sendo que 72,58% (31.009) vieram do estado do Pará e
13,98% (5.973) do Maranhão. E ressalta ainda que no mesmo período, devido ao
incentivo do governo amapaense aos agricultores já instalados, centenas de famílias
oriundas do Maranhão, Rio Grande do Norte e de outros estados, aumentando o fluxo
migratório e populacional.
Esse grande fluxo migratório ocorre, segundo Andrade (2005), por meio
diversos fatores, bem como instalação da ICOME (Indústria e Comércio de Minérios
S/A), projeto Jarí, à exploração de ouro nos municípios de Calçoene, Tartarugalzinho,
Amapá e Oiapoque, à criação da ALCMS (Área de Livre Comércio Macapá e Santana)
e às ações do governo federal, que impulsionaram obras de infraestrutura social e
econômica.
Assim, percebemos como se iniciou a constituição da sociedade amapaense
como afirma Nunes Filho (2009) com migrações de vários tipos étnicos, classificadas
como: “ameríndios, ingleses, holandeses, franceses, portugueses, africanos, brasileiros
nordestinos” (2009, p. 226). O que resultou em uma mistura de hábitos, costumes,
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tradições, formas de organização, diferentes formas de interação com o meio ambiente e
com a população nativa, ou seja, nasce a pluralidade cultural do povo amapaense, sendo
reflexo de seu passado.
3 VARIAÇÃO LEXICAL
Atualmente, os estudos acerca do léxico são inúmeros. Ainda se discute em
diversos trabalhos a definição de Léxico. Para Carvalho (2009) o léxico, palavra de
origem grega léxicon, em sentido lato, é sinônimo de vocabulário. É entendido com o
inventário completo dos vocabulários que constam sempre em dicionários de uma
língua. Também, considerado como sendo a menos sistemática das estruturas
linguísticas, pois, o léxico depende, em alguns casos, da realidade exterior, não
linguística. Carvalho (2009) ainda define como um conjunto virtual, onde se pode
identificar como unidade básica o morfema, ou unidade significativa mínima.
Por meio dessas discussões acerca do que é o léxico da língua, Carvalho (2009),
assevera que o acervo lexical de uma língua é constituído, por um conjunto de lexemas.
E são nesse conjunto que se observam as mudanças na língua, as suas influências e
modificações. Basílio (2007) corrobora dizendo que as palavras, ou itens lexicais, são os
elementos básicos que utilizamos para formar enunciados. Afirma também que a
palavra é uma unidade linguística básica, facilmente reconhecida por falantes em sua
língua nativa.
Basílio (2007) destaca alguns pontos importantes acerca dos estudos lexicais,
pois, observa que durante muito tempo a análise gramatical considerou a palavra como
unidade mínima de análise linguística. E que no passado a gramática clássica
considerava as palavras como elementos indivisíveis, embora pudessem apresentar
variações de forma, tais como as flexões nominais e verbais.
Desta forma, Basílio (2007), afirma que as palavras não são formadas apenas por
uma sequência de elementos constitutivos e sim que elas podem ser estruturadas e
atingir diferentes níveis.
Trata-se das formações regulares e formações cristalizadas no léxico. Ou seja,
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“há uma enorme variação de situações de não previsibilidade de forma e significado nas
construções lexicais, desde pequenas sub-regularidades, desvios e extensões de sentido
até a irregularidade total”. (BASÍLIO, 2007, p. 22). Essa diversidade de situações de
regularidade das formações derivadas sempre criou problemas para o desenvolvimento
de estudos lexicais nas diferentes abordagens teóricas.
Os problemas criados com esses diferentes níveis e tipos de regularidade, para
Basílio (2007), é uma situação característica do léxico. Os elementos que constituem os
itens lexicais evoluem semanticamente como um todo, porém, suas partes continuam
morfologicamente inalteradas. E como consequência disso têm-se formas cuja
significação pouco tem a ver com o que se poderia esperar pelas características
morfológicas da palavra.
A respeito da variação lexical, pode-se dizer que as mudanças políticas e
culturais não causaram, nem causam transformações imediatas no sistema lexical, pois,
todas as mudanças no léxico resultam da fala, ou seja, do uso da língua – através da fala
se produzem as mudanças no sistema lexical, mudando as normas e, consequentemente,
criando novas normas. (BASÍLIO, 2007, p. 21)
Conforme Fernández (1998), para explicação da criação dessas novas formas,
caberá à variação lexical a explicar o uso alternante de certas formas léxicas em
determinadas condições linguísticas e extralinguísticas, bem como as diferentes
unidades de origem geolinguística presentes em uma dada comunidade. Além de tentar
identificar o léxico característico dos diferentes grupos sociais: léxico de faixa etária, de
profissão, escolaridade, entre outros fatores.
Daí, dizer, de acordo com Aragão (1999), que as variações lexicais podem ser e
geralmente são consideradas, ora como puramente geográficas, dialetais ou diatópicas,
como sociais ou diastráticas, ou ainda dependentes do estilo, estilísticas ou diafásicas.
Fishman (1968), também reforça esta ideia ao mencionar que existem diferentes
falares dentro de uma mesma comunidade linguística e que estas diferenças acontecem
devido a diversos fatores, tanto internos quanto externos à língua. Para ele as variações
internas estão relacionadas a fatores linguísticos nos campos da fonologia,
morfossintaxe e semântica, o que caracterizará estas informações nos itens lexicais. Já
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as externas são aquelas intrínsecas aos usuários da língua, como a faixa etária, o gênero
feminino ou masculino, etnia, além dos fatores sócio-geográficos e contextuais aos
falantes.
Para descobrir que tipo de léxico caracteriza os grupos sociais que formam uma
comunidade, existem vários itinerários metodológicos, segundo Paim (2011). Um deles
é o estudo de corte etnográfico - mediante a convivência continuada dentro de um grupo
social ou a observação direta dos discursos. Paim (2011) assegura-se que este
procedimento é um dos mais importantes, especialmente se a intenção é fazer uma
análise qualitativa, isto é, determinar quais são os itens lexicais que aparecem de forma
característica em cada grupo social.
Outra possibilidade metodológica, para o estudo da variação do léxico, é a
entrevista, que pode servir para o pesquisador induzir ou provocar amostras da variação
léxica em estudo. Este tipo de coleta de dados garante o surgimento de certas unidades
léxicas em uma quantidade determinada e, portanto, revela-se o mais satisfatório para os
estudos quantitativos. Assim, os possíveis objetos de estudo do léxico são ilimitados:
pode-se analisar a preferência de um ou mais grupos de uma comunidade por certas
formas léxicas segundo o tipo do interlocutor, segundo a situação (estilo formal-
informal); pode-se analisar a maior ou menor presença em certos grupos sociais de
formas antigas ou modernas, padrão ou não padrão. (PAIM, 2011, p. 2)
Assim, para Santos (2011), o léxico de uma língua natural constitui uma das
partes principais que integram os sujeitos, enquanto falantes/ouvintes, para expressar o
mundo/espaço dito real. A autora ainda afirma que por essa razão, o léxico tem sido
objeto de estudo de várias áreas da Linguística. Dado pelo seu caráter complexo e pela
dificuldade de encontrar um referencial teórico-metodológico adequado para tratamento
dos dados semântico-lexicais, principalmente no que se refere aos pesquisadores da
Geolinguística.
4 VARIANTES LEXICAIS PARA LIBÉLULA NO ESTADO DO AMAPÁ
De acordo com Santos (2011) a análise dos atlas linguísticos bem como dos
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estudos geolinguísticos produzidos no Brasil nas últimas décadas evidencia o interesse
crescente pelo enfoque do componente semântico-lexical por parte de todos quantos se
dedicam à Geolinguística. Desta forma, este trabalho se mostra como um desses estudos que
crescem no Brasil, na região Norte e principalmente no estado do Amapá.
Para o desenvolvimento da pesquisa foram utilizados os dados do projeto
ALAP que seguem os pressupostos teórico-metodológicos da geolinguística. O projeto
está sendo realizado a partir de três etapas. A primeira, já concluída, realizou a
formação e treinamento do grupo de pesquisadores. A segunda, em andamento, está
concentrada na realização da pesquisa in loco, com a localização dos informantes em 10
municípios do estado, sendo que só resta fazer coleta no município de Macapá. Os
informantes selecionados possuem o seguinte perfil: 02 mulheres e 02 homens com
idade entre 18 a 30 anos e 50 a 75, com nível de escolaridade fundamental incompleto,
já na capital, acrescentam-se mais 04 com o mesmo perfil, mas com escolaridade
superior completa. Para a terceira etapa, estão sendo feitas as transcrições das
gravações, revisão das transcrições e análise dos dados coletados, tendo em vista a
sistematização, organização e publicação dos resultados, cujo prazo está previsto para
novembro de 2014.
Ressalta-se, agora, algumas análises dos dados coletados acerca do item lexical
libélula que compõem o questionário semântico-lexical (QSL) do projeto ALiB, que
serviu de base para a elaboração do Atlas Linguístico do Amapá – ALAP.
Por meio do método geolinguístico pode-se recolher variantes lexicais para
libélula nos seguintes pontos de inquéritos: Amapá, Calçoene, Tartarugalzinho, Laranjal
do Jari, Mazagão, Porto Grande, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari e Santana.
Algumas variantes serão analisadas com base nas definições expostas em quatro
Dicionários de Língua Portuguesa: Houaiss (2001), Rocha (2001), Aulete (2008) e
Ferreira (2009). Outras, não constam em nenhum dos dicionários mencionados levando
a analisar os itens lexicais a partir do contexto social e espacial.
Desta forma, o item analisado se apresenta da seguinte forma no questionário
semântico-lexical: 85. LIBÉLULA ... o inseto de corpo comprido e fino, com quatro
asas bem transparentes, que voa e bate a parte traseira na água?
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Dos nove municípios (pontos de inquéritos), onde se realizou a pesquisa,
totalizam 36 informantes, estes sendo dois homens e duas mulheres com a idade de 18-
30 e 50-75, sendo que nem todos conseguiram responder ao questionário, fazendo com
que alguns municípios como Calçoene, Mazagão e Pedra Branca do Amaparí ficassem
sem a denominação do item libélula. No entanto com os demais dados dos outros pontos
de inquéritos, observaram-se as seguintes respostas: libélula, jacinta, jacinto, cigarra,
cigana, cinza, caba e gafanhoto.
Durante o estudo do termo libélula e suas variantes nos dicionários de Língua
Portuguesa, os únicos que designam, de fato, são os dicionários Aurélio e Houaiss. Os
outros itens constam também nos dicionários, porém, com outros sentidos que não o do
léxico em questão.
Na tabela a seguir mostremos o significado dado à libélula, bem com a
existência das variantes encontradas para o inseto. Sinalizaremos com (+) a entrada dos
outros itens lexicais e com (–) a ausência dos termos nos dicionários, sendo que estes
constam em dicionários, porém, estão com significados distantes do que foi designado
pelos informantes nos municípios pesquisados.
Quadro 1 – Significado das variantes para libélula em dicionários
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4. 1 ANÁLISE DOS DADOS
Apresentaremos a seguir a análise dos dados em duas dimensões: a espacial e a
social. A dimensão espacial corresponde as variantes encontradas nos noves municípios
estudados e a social se dá em uma análise das variantes referentes à faixa etária e sexo.
4. 1. 1 Análise das variantes para libélula: dimensão espacial
Diante dos dados coletados, encontramos a variante jacinta com maior
frequência entre todos estes pontos de inquéritos, como será mostrado na tabela abaixo,
podendo-se afirma que a população amapaense em sua maioria denomina aquele “inseto
de corpo comprido e fino, com quatro asas bem transparentes...” de jacinta ao invés de
libélula.
Contudo, a maior ocorrência do termo se deu no município de Amapá com 90%,
já nos demais, foram 50% em Tartarugalzinho, 25% Laranjal do Jari, 25% Mazagão,
50% em Oiapoque, 50% em Pedra Branca do Amaparí e 50% em Santana. Outra
variante a se destacar é a designação de cigarra para libélula, onde constatamos que nos
municípios de Amapá, Laranjal do Jari, Oiapoque e Pedra Branca do Amaparí há
também a ocorrência de cigarra. Como em Amapá com 10%, Laranjal do Jari 50%,
Oiapoque 25% e Pedra Branca do Amaparí 25%.
Destacamos ainda a ocorrência de outras três variantes como: cigana, cinza,
caba, gafanhoto e jacinto: 25% designam cigana no município de Laranjal do Jari, 25%
cinza em Mazagão, 25% caba em Porto Grande, 25% gafanhoto em Oiapoque e 25%
jacinto em Tartarugalzinho. Ressalta-se aqui, que essas variantes precisam ser estudadas
minuciosamente, tentando entendem quais a implicações ou motivações para tais
denominações, já que suas incidências são menores, porém, não podem ser descartadas
como variantes de libélula encontradas no estado do Amapá.
Em última análise, temos o termo em questão: libélula. Foi encontrada tal
designação nos municípios de Tartarugalzinho com 25%, Porto Grande com 25% e em
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Santana com 25%. A tabela abaixo mostrará os dados coletados em forma de
porcentagens e também quais os municípios em que não houve respostas, no qual os
informantes não conseguiram designar ou lembrar. Daí destaca-se o município de
Calçoene onde não houve nenhuma ocorrência, já Mazagão e Porto Grande constatam-
se duas ocorrências, Pedra Branca do Amaparí e Santana com três.
Quadro 2 – Variação diatópica do item libélula no Amapá
Mapa 1 – Pontos de Inquérito
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4. 1. 1 Análise das variantes para libélula: dimensão social
Em relação à análise da dimensão social das variantes em questão, fazem-se
algumas considerações, lembrando que este estudo como qualquer outro da
geossociolinguística tende a ser multidimensional. Assim, serão analisados os fatores:
escolaridade, faixa etária e sexo.
O fator escolaridade nos permite identificar que pessoas com o ensino
fundamental completo tendem a designar tal inseto de libélula, como os informantes dos
municípios de Tartarugalzinho, Porto Grande e Santana. Porém, há ainda a necessidade
de se estudar melhor a variação diastrática do termo, pois também se percebeu que há
informantes com escolaridade até a 7ª ou 8ª série e que não conhecem o inseto por
libélula e sim por jacinta, cigarra, cigana, e outros, como em Laranjal do Jari, Pedra
Branca do Amaparí, Amapá e Oiapoque. Daí afirmarmos que qualquer conclusão a
cerca da variação lexical para libélula, no que tange a dimensão social, nos gerará
alguns desconfortos e dúvidas em relação a pesquisa, se esta análise for sucinta e sem
nenhum aprofundamento e apoio em teorias como análise da conversação, análise do
discurso e outras.
No que tange a variável faixa etária, observou-se que mulheres da primeira faixa
etária (18-30 anos) utilizam o termo cigarra 25% e jacinta 25% com maior frequência,
já em menor ocorrência temos libélula 20%, cigana 15% e cinza 15%. Já as mulheres
da segunda faixa etária (50-75 anos) também fazem uso das variantes, porém jacinta
aparece com maior ocorrência, cerca de 40%, enquanto em menor ocorrência estão as
variantes: jacinto, cigarra, caba e gafanhoto com 15% todas.
Já os homens da primeira faixa etária (18-30 anos) fazem uso mais recorrente
dos termos jacinta com 50%, cigarra 40% e libélula apenas 10%. No entanto, é
interessante salientar que todos os informantes da segunda faixa etária (50-75 anos)
denominam libélula como jacinta chegando aos 100% de ocorrência.
Quadro 3 – Variação diageracional do item libélula no Amapá
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MULHERES 18-30 MULHERES 50-75 HOMENS 18-30 HOMENS 50-75
Cigarra – 25% Jacinta – 40% Jacinta – 50% Jacinta – 100%
Jacinta – 25% Jacinto – 15% Cigarra – 40%
Libélula – 20% Cigarra – 15% Libélula – 10%
Cigarra – 15% Caba – 15%
Cinza – 15% Gafanhoto – 15%
Em relação ao fator sexo, notou-se que os homens tendem a designar tal inseto
como jacinta com 75%, já cigarra aparece com 20% e libélula 5%. Não muito diferente
dos homens, as mulheres também aparecem com um uso mais recorrente de jacinta,
cerca de 40%, enquanto cigarra 30%, libélula 15% e cinza, cigana, jacinto e gafanhoto
com 3,75% de ocorrência cada.
Mapa 02 – Variantes lexicais
O mapa acima mostra de forma concisa a distribuição lexical para libélula nos
diferentes municípios do estado, além de delinear o perfil do informante que se utiliza
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de tais variantes lexicais. Os códigos FA, FB, MA e MB corresponde aos seguintes
informantes: FA = Mulher de 18-30 anos com ensino fundamental incompleto, FB =
Mulher de 50-75 anos com ensino fundamental incompleto, MA = Homem de 18-30
anos com ensino fundamental incompleto, MB = Homem de 50-75 anos com ensino
fundamental incompleto. O símbolo em forma de cruz (+) corresponde à posição dos
informantes especificada do lado esquerdo da figura.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões, exposições e análises dos dados coletados é possível inferir que a
denominação que mais persiste no estado do Amapá, para o item lexical libélula, é o termo
jacinta, que já se encontra em dicionários como Houaiss e Aurélio. Também se pode afirma que
no município de Amapá é onde ocorre com mais frequência a utilização da variante jacinta e
que os homens da segunda faixa etária, de todos os municípios pesquisados, tendem a fazer
mais uso dessa variante do que cigarra, libélula e outras encontradas. No entanto, ainda se
precisa ter cautela com os dados e aprimoramento com as análises, já que também foram
constatadas outras variantes que necessitam de uma explicação linguística e extralinguística,
procurando entender quais foram suas implicações ou motivações para tal designação, como as
variantes: cigana, cinza, cigarra, gafanhoto e jacinto.
Cabe agora levantarmos alguns questionamentos acerca dessas variantes, pois, será que
se trata de um desvio semântico-lexical? Será que a forma de como foi conduzida a pergunta do
item lexical favoreceu a associação com outros insetos, como a aparição do termo gafanhoto?
Será que cigana é uma variante de cigarra? E cinza de jacinta? Enfim, estes são estudos que
deverão ser feitos consequentemente, e que não devem ter apenas como o suporte teórico-
metodológico a dialetologia e a geografia linguística, mas como também a análise da
conversação, análise discursiva, bases sociológicas, antropológicas, históricas e tantas outras
ciências que poderão auxiliar nessas explicações. Tudo isso, para então afirmamos que novas
designações para libélula são encontradas no estado do Amapá e poderão ser inseridas
futuramente em dicionários de Língua Portuguesa.
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Recebido Para Publicação em 22 de setembro de 2013.
Aprovado Para Publicação em 23 de novembro de 2013.