varal especial todos os autores
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Edição Especial da Revista Varal do Brasil contendo todos os autores que participaram até o no. 6, de novembro de 2010.TRANSCRIPT
1
Literário, sem frescuras!
ESPECIAL UM ANO DE
AUTORES: O TALENTO
ESTÁ NO VARAL!
Ano 2 Ano 2 Ano 2 Ano 2 ---- Edição Especial No. 2Edição Especial No. 2Edição Especial No. 2Edição Especial No. 2
ISSN ISSN ISSN ISSN 1664166416641664----5243 5243 5243 5243
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LITERÁRIO, SEM FRESCURAS
Genebra, dezembro de 2010
Edição Especial Autores do Varal
ISSN ISSN ISSN ISSN 1664166416641664----5243 5243 5243 5243
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EXPEDIENTE
Revista Literária VARAL DO BRASIL
Especial Autores do Varal - Genebra - CH
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4
5
• Abílio Pacheco
• Agamenon Troyan
• Alberto Carmo
• Alessa B
• Alessandra Neves
• Alma Lusitana
• Amarilis Pazini Aires
• Ana Anaissi
• Ana Lucas
• Ana Mariah
• Anair Weirich
• Anna Back
• Anne Smaem
• André Luis Aquino
• Ângela Costa
• Antônio Vendramini Neto
• Ariana Tomasini
• Carlos Damião
• Carlos Dias
• Carlos Eduardo Bonfá
• Caroline Freitas
• Carvalho de Azevedo
• Casinho
• Chajafreidafinkelstain
• Clarice Villac
• Cláudio Costa
• Cristiane Stancovik
• Daniel Cravo Silveira
• Dimythryus
• Deyse Zarichta
• Diego Mendes Sousa
• Dúlcio Ulysséa Júnior
• Eurico de Andrade
• Fábio Ramos
• Fabrício Couto Martins
• Flávia Assaife
• Francisco Gregory Júnior
• Geraldo Pereira Lopes
• Gilberto Nogueira de Oliveira
• Gilmar Milezzi
• Gustavo Henrique Bella
• Hugo Pontes
• Icléia Inês Ruckhaber Schwarzer
6
• Igor Medeiros Oliveira
• Infeto
• Irente Zwetsch
• J. Machado
• Jaci Santana
• Jacqueline Aisenman
• Jandira Torreiro
• Jane Vieira Gariba
• Janete Gutierres
• Jania Souza
• Jaqueline Campos
• José Alberto de Souza
• José Carlos de Paiva Bruno
• José Valdir Oliveira
• Ju Petek
• Ju Virginiana
• Júlio César Vicente
• Lariel Frota
• Lázaro Bulos
• Lelo Néspoli
• Lorêny Portugal
• LSM
• Luiz Antônio Cardoso
• Luiz Carlos Amorim
• Luiz Eduardo Gunther
• Luiz Otávio Oliani
• Luzia
• Ly Sabas
• Maíra Galhardo
• Malu Freitas
• Marcello Ribeiro
• Marcelo Candido Madeira
• Marcelo Moraes Caetano
• Marcio Freitas
• Márcio José Rodrigues
• Maria de Fátima Barreto Michels
• Maria Heloísa Fernandes
• Marília Kosby
• Marina Medeiros
• Matheus Paz
• Mauro Maciel
• MS
• Nelson Dias
• Oswaldo Begiato
• Pato do Lago
• Patrícia Lara
7
• Paula Barrozo
• Paulo Roberto Bulos Remor
• Raimundo Candido Teixeira Filho
• Renata Gomes de Farias
• Renata Iacovino
• Ricardo Reis
• Rita de Oliveira Medeiros
• Roberto Gulino
• Rodrigo Fernandes Pereira
• Rosane Magaly Martins
• Roselis Batistar
• Rui Martins
• Samantha Verdan
• Sandra Helena Queiroz Silva
• Silmara Oliveira
• Sonia Alcalde
• Susana Martins
• Suziley Silva
• Tetê Crispim
• Tereza Rodel
• Thiago Maerki
• Tino Portes
• Valdeck Almeida de Jesus
• Valéria Nogueira Eik
• Valnice Costa
• Valquíria Gesqui Malagoli
• Varenka de Fátima
• Veronica dos Santos Silva
• Vicente de Pércia
• Vicência Jaguaribe
• Víctor Manoel G. Vilena
• Victoria Adum
• Vó Fia
• Walnélia Corrêa Pederneiras
8
Tessitura Noturna
Por Abilio Pacheco
Um latido apenas
não protege a rua
ele precisará sempre
que os cães o apanhem
e o lancem a outros cães
e a outros latidos
tal que somados todos
(latidos e cães) na noite
formem (no arcabouço
da matilha)
uma redoma protetora
em torno da rua.
9
A PAZ
Por Agamenon Troyan
Estive presente quando você nasceu. Você era uma criança linda, saudável que desaguou seu medo em lágrimas ao ser retirado do seu pequeno mundo. Passou a ser amamentado com amor e carinho; presentes chegaram aos montes, acabando por to-mar conta do seu redor. Você passou a engatinhar, descobrir o novo mundo que um dia passaria a conhecer. Sua curiosidade era tamanha que quase aprontou uma confu-são.
Quando repreendido com palavras sem nexo passava a chorar amolecendo co-rações. E você foi crescendo... Tornou-se um menino levado; não obedecia mais os pais e só dava ouvidos aos maus conselhos. Suas atitudes revelaram o adolescente que estaria por vir.
Enfim a adolescência! Garotas, carros, motos e Rock and Roll. Até aí nada demais; porém mais tarde vieram as Drogas e com ela, a Violência, o Desprezo pela vida, a Fúria adormecida, o Caos. Queria persuadi-lo, mas não pude. Testemunhei sua alma sendo levada pelo Ódio.
Hoje, daqui da mais alta montanha, eu observo todos os seus feitos: Guerras, Fome, Pragas, Racismo, Infanticídio, Poluição, Terrorismo, Queimadas, Fanatismo e a Degradação do Meio-Ambiente. Tamanho estrago despertou a fúria da Natureza que respondeu enviando-lhe Terremotos, Tornados, Furacões, Maremotos, Incêndios e Tsunamis. Milhares de mortos, e, mesmo assim, você não se redimiu.
Não posso intervir no seu destino. Tenho que permanecer aqui esperando pela sua decisão. Oxalá um dia, quando em seu coração não existir um só resquício de ódio, eu poderei novamente recebê-lo de braços abertos, com o mesmo sorriso quan-do lhe vi nascer.
10
Redondilhas de Paz
Por Alberto Carmo
A Paz de andar de mãos dadas
ver sorrir a bem amada
a emoção compartilhada
viver um conto de fadas
A Paz dos filhos gerados
mentes sãs, sonhos alados
ensinar aos mais afoitos
nem oito, nem oitentoito
A Paz aos mais afobados
afagos aos mais tristonhos
ternura aos mais assustados
ouvir, entender calados
A Paz de participar
ações pro mundo acalmar
pegar lixo e reciclar
e a TV desligar
A Paz dos rostos amigos
dar carinho e bom abrigo
escutar ante o perigo
migo joio, migo trigo
11
APOLÍNEO
Por Alessa B
Quisera que te vissem como eu via Depois, à luz da lâmpada macia
O púbis negro sobre o corpo branco. (Vinicius de Moraes)
Teu corpo esculpido contra a Lua,
Apolo soberano em evidência,
Da pele um calor que se insinua,
Arfando meus desejos, tua essência...
Mil graças, eu te rendo seminua,
Em preces de ternura e indecência...
A serva que te ama e te cultua
Com votos de louvor e apetência.
No branco dos lençóis as tuas linhas
Transpiram convulsões em nós assentes,
Que se desembaraçam pelas minhas
Em fluxos e refluxos tão crescentes!
O gozo frouxo que se adivinha...
Nas tuas belas formas tão contentes!
12
A PAZ
Por Alessandra Neves
E essa paz
Que me toma agora
Não sei explicar
Paz calma
Morna
Quase tão melancólica
Que a fina chuva
Da manhã de outono
Quase calma e silenciosa
Que a pequena nevasca
Ao vento
Mas tão estrondosa
Como o amanhecer
Como o florescer primaveril
Essa calma
Me traz o
Cheiro doce
O toque suave
O sorriso estonteante
É a calma
É a paz
A felicidade me habita ago-ra
E desejo esse
Momento
Que eternize em minha me-mória
Como o dia
Ensolarado
Em que caminho
Entre algodoeiros
Enquanto flutuam
Com leve brisa
E me roça a pele
Ah! a paz
Que bem ela me faz!
13
Invocação à Minha Cidade
Por Alma Lusitana
Memoriar com carinho e alento
Vou descrever o que penso
Sobre esta cidade querida
Tão magnificente que é
Sendo reconhecida até
Sua qualidade de vida.
Sou munícipe entristecido
Por aqui não ter nascido
Por não ser seu filho real
Sem medo me vou confessar
Esta cidade aprendi a amar
Como amo meu Portugal.
Nesta minha invocação
Estou de alma e coração
Embrenhado em afectos
Em verdade, sem sigilos
Como aqui criei meus filhos
Aqui quero criar meus netos.
Cidade esbelta, sempre amiga
Jamais por mim esquecida
Minha nobre companheira
Sou feliz por aqui viver
Serei sempre e até morrer
Fiel, a S. João da Madeira.
14
AMAR COMO A PRIMEIRA VEZ
Por Amarilis Pazini Aires
Quero a minha alegria de volta Correr solta pelos campos
Esperar a lua nascer E o dia amanhecer.
Ler as palavras suaves de amor Deixadas no pedaço de papel
Largado no canto especial Onde só eu sei encontrar.
Quero o olhar doce Refletindo o brilho
Da paixão desperta Do toque de mãos suaves.
Quero olhar as estrelas
E chorar de emoção Esperando o momento
Ao som de uma apaixonante canção.
Quero viver de novo A emoção de amar
Tremer o corpo todo Na ânsia do encontro.
Eu quero amar
Como a primeira vez Na descoberta inocente
Que ele dure eternamente.
15
AS VELHINHAS CARO-NEIRAS
Por Ana Anaissi
-Pra onde as senhoras vão?
-Para a próxima cidade,
A moto caiu com a gente
Na maior velocidade.
-Quer dizer que aquela moto
Destruída lá na estrada...
-Era nossa sim senhor
Só que deu uma derrapada.
-Dá pra levar nossa moto
Nessa sua caminhonete?
É pesada e está quebrada,
Mas não dá pra pagar frete.
-Mas que coisa surpreendente!
Quantos anos vocês tem?
-Eu só tenho oitenta e sete,
Emília tem mais de cem!
-Ai , mas é tão mentirosa!
Não liga não, ela inventa.
Eu nem sou tão velha assim,
Esse ano eu fiz noventa.
Aurora fala mentiras,
Eu acho que é compulsão.
E ela tem oitenta e oito,
Fez no último verão!
-Ei, Emília, quem mandou?
Mas é muito fofoqueira...
Se eu não tivesse sentada,
Te passava uma rasteira.
-As senhoras vão brigar?
Nessa idade e desse jeito?
-Viu só, Aurora, o rapaz
Já cheio de preconceitos?
-Filho, você não viu nada
Tá vendo esta contusão?
Não foi da queda da moto,
Emília que deu um tostão!
-Devia ter dado mais!
Pra aprender a dirigir.
Porque foi ultrapassada,
Começou a se exibir.
Quis fazer pega com o carro
Mas eu disse: Agora não!
Pisou no acelerador
E saiu comendo chão.
E eu pensando, na garupa:
Isso aqui não vai dar certo.
Aurora já está caduca
E o carro tá muito perto.
E eu acabei de pensar,
O burro pisou no freio,
Aurora desconcentrou,
A estrada virou um rodeio.
Pois a moto deu um pinote,
Rapaz, eu subi tão alto
Que pude ver lá de cima
Aurora beijando o asfalto.
Foi só essa a hora boa,
Depois veio a minha vez;
Meu único dente bom
Gastou, na trilha que fez.
Porque eu ralei uns dez me-tros,
Ou melhor, eu capinei.
Abri caminho no mato
E, amigo, eu não parei.
Talvez o Ibama me prenda
No final dessa viagem.
Pois arranquei tanta folha
Que até mudei a paisagem.
16
Tentava me segurar
Pra que, quando viesse o fim,
Sobrasse um número grande
De ossos mais perto de mim.
Nesse ponto até dei sorte,
Só fiquei sem meu dentinho.
Talvez tenha sido bom,
Ele era mesmo sozinho.
Na hora me revoltei,
Fui desprendendo do chão,
Disparei atrás da Aurora
Pra tomar satisfação.
Ela ainda estava deitada.
Que cena desagradável!
Todinha desconjuntada,
Essa doida irresponsável!
Aí fui me aproximando
Do jeito que ainda podia,
Dei-lhe um chute nas costelas
Pra ver se ela se mexia.
No primeiro chute, nada.
Resolvi bater mais forte.
Tentei a boca do estômago
Só pra ver se dava sorte.
E não é que consegui?
Houve um leve murmurar,
Mas ele era tão baixinho
Que eu resolvi confirmar.
-Deixa que eu conto essa par-te.
Eu, meio desacordada,
Já vendo a famosa luz
E só senti a botinada.
Da luz eu voltei pro escuro,
Ou melhor, eu vi Emília;
Tive uma vaga lembrança
Que ela era da família.
E tentei fazer um sinal
Que já estava tudo bem,
Tive medo que essa doida
Chutasse meus rins também.
Debilmente abri meus olhos
E dei de cara com ela.
Se eu não tivesse acabada,
Eu matava essa banguela.
Minha queda foi horrível,
Eu fiquei toda quebrada,
Mas o que traumatizou
Foi aquela botinada.
-Ah, Aurora que exagero!
Eu salvei você, querida.
Mas um dia vai entender
E vai ficar comovida.
Quando dei a tal botinada,
Minha única intenção,
Era de abrir um canal
Pra sua respiração.
-Essa dúvida eu vou ter
Pro resto da minha vida.
Se queria me salvar
Ou me deixar estendida.
-Mas dá pra ver direitinho
Que estão se recuperando.
Vamos esquecer o tombo
Que a cidade está chegando.
E por falar em cidade,
Têm algum parente aqui?
-Não meu filho, só torcida,
Somos lá de Muriqui.
-Só torcida, como assim?
-Você não viu nossas fotos?
Somos famosas no mundo
Pilotando nossas motos.
-Ô Emília, não exagera.
Temos fãs só no Brasil.
E na próxima cidade
Com certeza mais de mil!
-Peraí minhas senhoras,
Eu não posso acreditar!
As duas correm de moto?
-Vai precisar desenhar?
17
-Caramba, não pode ser!
-Só porque somos velhinhas?
Já demos alguns troféus
Pra nossa cidadezinha.
-Mas vocês dirigem bem?
-Você viu que Aurora não.
Mas eu, sou super veloz
Quando pego a direção.
-Hum Emília, vai pensando,
Quem tem mais troféus sou eu.
-Mas na última corrida
Acabou roubando o meu.
Jogou tão sujo comigo
Moço, ela quer que eu desista!
Deu um jeito no meu freio
E jogou óleo na pista.
Pode arregalar o olho,
O juiz arregalou.
Tudo isso é tão nojento
Que até ele duvidou.
-Porque inventou tudo isso!
Uma história sem sentido.
-Sem sentidos fiquei eu.
Meu pescoço foi partido!
-Tá vendo essa exagerada?
Aquilo foi só torção.
-Só que eu fiquei cinco meses
Deitada em observação.
Bom, vamos deixar pra lá,
Que o importante é a corrida.
Vai, acelera meu filho,
Aproveita essa descida.
Amanhã vai ser o treino
Pra ver quem larga na frente,
Vou ganhar, eu estou mais le-ve
Porque perdi mais um dente!
-Nossa Mãe, mas que loucura,
Ninguém vai acreditar!
Eu posso assistir ao treino?
-Só se você me pagar!
-Opa, opa, nada disso!
Tem que me pagar também.
Eu arranjo um lugarzinho
Pra você ver super bem.
-Mas olha que exploradoras,
Dei carona pras senhoras!
-Tá, meu filho, então vai ver
Tudo do lado de fora.
-Está bem vocês ganharam.
Quanto é que eu pago pra ver?
-Nada assim tão extravagante,
Algo que dê pra comer.
Com aquele tombo tremendo,
A comida se espalhou.
Só dois pães com mortadela
Foi que a gente aproveitou.
-Então vamos combinar:
Eu lhes dou toda a comida,
Amanhã eu vejo o treino
E depois vejo a corrida.
-Negócio fechado, filho.
Pisa no acelerador!
Um ventinho nas orelhas
Cá pra nós, é inspirador.
-Vira, vira, vira, vira!
Nesse posto tem comida!
Vou começar por aqui
A ficar abastecida.
-As senhoras vão comer
Essas comidas tão fortes?
-Claro! Porque essa corrida
Não depende só de sorte.
-Vira, vira, vira, vira!
Nesse posto tem comida!
Vou começar por aqui
A ficar abastecida.
-As senhoras vão comer
Essas comidas tão fortes?
18
-Claro! Porque essa corrida
Não depende só de sorte.
Temos que estar preparadas
Alguns truques são os piores;
As pessoas nos sabotam
Porque somos as melhores.
-Então tá, vamos parar.
Dona Aurora também quer?
-Sim, mas minha dentadura
Só aguenta comer filé!
Ainda mais depois do tombo,
Que ela ficou deslocada.
Até mesmo pra falar
Tenho que ficar ligada.
Já pensou se ela despenca
E a gente não acha mais?
Se ganharmos a corrida
Eu vou fugir dos jornais!
-Tudo bem, filé mignon
Pras simpáticas velhinhas!
-Arroz, farofa e feijão
Pra carne não vir sozinha!
-E depois a sobremesa:
Queijo e muita goiabada!
-Por causa da glicemia,
Tem que estar equilibrada.
-E você não vai comer?
-Quando chegar na cidade;
Uma comida caseira
É o melhor pra minha idade.
Já tenho trinta e três anos
E prefiro não abusar.
-Tá vendo, Emília, esse moço
Que nunca vai “esclerosar”?
Não vai ser que nem você,
Que a gordura tomou conta,
Quando não fala besteira,
Fica com cara de tonta.
Aurora, eu estou esclerosada?
Se estou, é só no começo.
Eu que saio todo dia
Com a roupa toda do avesso?
-Chega, está quase na hora,
A corrida é na outra ponta.
Nós vamos indo pro carro,
Você vai pagando a conta.
-Ei, psiu, você, aí do posto...
Bota essa moto no chão?
Segura essa chave dela
E coloca na ignição.
-Vem aqui Aurora, entra logo!
Temos que deixar o moço.
Ele vai nos atrasar.
-Mas e amanhã, nosso almo-ço?
-Põe o cinto e se segura.
O tempo está muito curto.
-Isso que estamos fazendo
Será que é um assalto ou um furto?
Nunca sei a diferença...
-Porque não faz diferença.
Talvez não, no nosso caso,
Porque pedimos licença.
-Pedimos licença como?
-Uai, deixei nossa moto!
-Mas não faz muito sentido,
O rapaz não teve voto.
E além do mais nossa moto...
Só tem peça com defeito
E nem o gênio da lâmpada
Conseguiria dar jeito.
-Ai, Aurora, facilita!
Você quer ou não correr?
Se viéssemos com ele,
Não ia dar nem pra ver!
19
Chegaríamos no fim
E a raiva então subiria
Quando víssemos no pódio
A besta da nossa tia!
-Tia Marga vai correr?
-Vai! Ela estava na lista.
Ela arranjou um patrocínio
De um velho contrabandista.
Ainda alterou a idade dela,
De cem pra noventa e sete,
E vai chamar a torcida
Do tempo que era vedete.
-Coitada, com essa torcida,
Melhor ela nem ganhar...
Se os velhinhos se empolga-rem,
Vão todos ficar sem ar.
-É mas, com ar ou sem ar,
Ela é nossa concorrente.
Seria muito humilhante
Perder pra tia da gente.
-Você então tá devagar!
Acelera aí esse trem!
Nós ainda precisamos
Roubar a moto de alguém!
-Só precisa de uma moto.
Vai ser de dupla a corrida.
-Então eu vou pilotar,
Pois você está proibida!
Depois do que você fez
Vai quietinha na garupa.
Vou te ensinar a correr.
-É isso que me preocupa.
-Olha lá, não é uma moto?
-Por que tá parada ali?
-Ah, pra pararem na estrada,
Ou é cocô ou é xixi.
-Então freia. Mais pra perto.
Tá com a chave aqui também!
Vamos montar bem depressa
Enquanto não vem ninguém!
-Será que fizemos certo
Deixando a caminhonete?
-Eu obstruí a ignição
Com um pedaço de chiclete.
Ainda falta meia hora
Pra corrida começar.
-Ótimo, estamos no prazo,
Acabamos de chegar!
Vou lá inscrever nossa moto,
Colocar na posição.
-E eu vou sabotando algumas
Pra fazer uma seleção.
-E aí, como é que foi lá?
-Uns quatro nem vão sair,
Três vão poder arrancar,
Pra logo depois cair.
Mas tem uma coisa bem cha-ta,
A da titia não deu...
Eu ia chegando pertinho
E ela me reconheceu.
Mandou logo uns dois capan-gas
Tomarem conta da moto.
-Deixa, vem se preparar,
Se der, depois eu saboto.
- Mas eu tenho uma fofoca...
Descobri quem vai com ela
O tal do contrabandista!
-Que festival de banguelas!
Anda, bota o capacete
Que eles vão dar o sinal.
-Espero ficar com ele
Até chegar ao final.
Me lembrei de uma corrida
Que era de dupla também.
Ganhamos, só que passamos
Pela faixa a mais de cem.
20
Seguimos reto na curva,
Atravessamos o muro,
Na hora pensei num filme:
“De volta para o futuro”
Enquanto se segurava,
Seu capacete soltou,
Veio parar nos meus dentes,
Minha arcada se espalhou.
Por isso, precocemente,
Eu tenho essa dentadura.
Foi feita por um pedreiro
Que deixou uma abertura.
Ainda falei, mas seu Zé,
É dentadura e não casa
Por que é que deixou essa porta?
Agora o que eu como, vaza!
-Chega, Aurora, cala a boca!
Nós não temos o dia inteiro!
Presta atenção na titia
E naquele muambeiro.
Agora é concentração...
Vamos! Foi dada a largada!
Ai, garota, o que que é isso?
Aurora, que presepada!
Burra, você sabotou
A moto da nossa frente.
Atropelei a mocinha!
-Ela que foi displicente.
Cair com a perna esticada
Numa pista de corrida
Cujo prêmio é andar de carro
De bombeiro na avenida?
-Que garota sem noção!
E eu não pude fazer nada.
Depois que eu ganhar o prê-mio,
Vou processar a danada!
-“Nós” ganharmos o tal prêmio!
Não se esqueça, se eu quiser
Jogo o corpo pro outro lado.
-Você não é besta, mulher!
Se jogar, caímos juntas
E o nosso prêmio já era.
Você, gorda, vai rolar
Mas eu vou pra estratosfera.
Estou magrinha, top model
E a única desvantagem
É que um impulso pequenino
Se transforma em uma via-gem.
O meu corpo é tão levinho...
O vento ainda empurra mais.
Vou parar um pouco longe,
Sei lá, sou frágil demais.
-Você, Emília, top model?
Tendo essa cara de ameixa?
Você só não come mais
Porque a prótese não deixa.
-Vixe, olha lá a nossa tia!
Acabou de ultrapassar!
Olha só, o contrabandista,
Querendo comemorar.
-Encosta neles Emília!
Me empresta a sua botina.
Vou dar um cacete nele
Pra subir a adrenalina.
-Tem que bater na titia.
Ela que está dirigindo!
-A mamãe não vai gostar.
-Mas ela não tá assistindo!
“-Não desrespeitem os mais velhos.”
-Nunca cansa de falar.
-Mais velhinhos que nós duas
Tem poucos pra respeitar.
Cá pra nós, com a nossa ida-de,
Mais velha, tem só a titia;
E só um desrespeitozinho
A gente bem que podia...
21
-Então chega de falar,
Pé na tábua minha filha!
A gente vence a titia
E desmancha uma quadrilha!
Porque do contrabandista,
Não precisamos ter pena.
Vai ser tanta humilhação
Que ele vai sair de cena.
“Bora”, “bora”, tá encostando...
Estamos quase no fim...
Já que essa é a última volta.
Vai com tudo, manequim...
-Ao invés de debochar,
Por que não presta atenção?
Você não me ajuda em nada,
Me tira a concentração!
-Você viu o que você fez?
A moça ainda estava lá;
Passou nos dedinhos dela;
Não ouviu ela gritar?
-Pensei que fosse você
Gritando um viva por nós.
Ultrapassamos titia,
Nossa moto é mais veloz!
- Eu nem precisei bater?
Ufa, assim mamãe não briga.
E, não sei, bater em tia...
Sei lá se Deus me castiga.
-Por falar em nossa moto,
Você desacelerou,
Pude ver na arquibancada
Os dois que a gente roubou.
Estavam lá, os dois juntinhos.
-Tavam torcendo pra gente?
-Pra gente se espatifar,
Vieram ver pessoalmente!
-Se ganharmos a corrida,
Corre logo pros bombeiros.
Assim temos proteção
Contra esses dois pistoleiros!
Não estou vendo mais titia
Pelo meu retrovisor.
-Porque nos ultrapassaram,
Deram um jeito no motor!
Também vou usar o meu tru-que
Que faz você correr mais.
-Aurora, não estou gostando,
Não faz besteira aí atrás!
Uau, estou pegando fogo!
-Então acelera abestada!
Quando cruzarmos a faixa,
A tocha vai ser tirada.
-Aurora, vou te matar!
Ui, socorro, eu estou ardendo!
-Olha pra frente, dramática!
Estamos quase vencendo!
Viva, viva, conseguimos!
Nós ganhamos a corrida!
Corre, corre que os bombeiros
Vão salvar a nossa vida!
-Vão salvar nos dois sentidos.
Queimei metade da bunda!
-Capitão, aqui tem tina?
E rasa? Que Emília afunda!
Viva, vitória, vitória!
Esse carro não é lindo?
-Se eu não tivesse na tina
Também estaria curtindo.
-Não vai reclamar agora.
Nós ganhamos a corrida!
-Mas titia vem aí,
Se juntou com os homicidas!
-Também não são tão homici-das...
Roubamos eles na estrada!
-Mas tão vindo nos matar,
22
Vai ver deram uma surtada.
E vão nos denunciar,
Confiscar nosso troféu.
-Se chegarem muito perto,
Nós fazemos um escarcéu.
-Bombeiros, vamos mais rápi-do,
Ela está passando mal!
Dá pra ligar a sirene
Pra afastar o pessoal?
-Vamos sair da cidade,
Precisamos respirar.
Esses fãs são sufocantes,
Sei lá se vão nos rasgar.
Estão vendo aquela moto
Que está caída no posto?
Podem pegá-la pra nós?
Nos dariam tanto gosto...
Isso, coloca aqui em cima.
Vamos virar pra direita?
-Muito obrigada, meninos.
E daqui a gente se ajeita.
Podem voltar pra cidade,
Deixa a moto aqui caída.
Já vamos nos preparar
Para a próxima corrida.
Emília, mais um troféu!
Nós não somos geniais?
Sempre somos vencedoras
E nem moto temos mais!
-Ah Aurora, que pecado!
Nossa moto é uma carcaça
Mas faz parte do cenário
Pra termos tudo de graça.
-Vem Emília, estica o braço,
Lá vem uma caminhonete.
Faz cara de quem caiu.
Vamos ganhar mais um frete!
-Pra onde as senhoras tão in-do?
-Para a próxima cidade.
A moto caiu com a gente
Na maior velocidade.
-Quer dizer que aquela moto
Destruída lá na estrada...
-Era nossa sim senhor
Só que deu uma derrapada...
fim
23
Teatro de Rua
Por Ana Lucas
Parei no sinal vermelho, atrás de um carrão. Quinta-feira na hora do almoço, dia de feira, mu-lherada apressada carregando abacaxi, abóbora, tomate, berinjela, peixe, criança, cachorro, panela. Um bando de gente falando mal do governo na porta do bar.
Aí eu vi o senhorzinho parado bem ao lado do carrão, esperando também o sinal abrir, empur-rando um carrinho de mão feito de madeira, maior que ele, cheio de papelão e plástico que pe-gou pela rua. Um homem mirrado e torcido pela idade e pelo sofrimento. Estava lá, erguendo a cabeça com dificuldade para ver as luzes do semáforo.
Olhei em volta e acho que só eu mesma reparei nele. O homem olhou para trás e pude ver o seu rosto, muito enrugado e miúdo. Os olhos apertados por causa do sol, o cansaço estampa-do na boca seca e que já não sorria há muito tempo. Usava um bonezinho colorido com a mar-ca do Ayrton Senna na cabeça. Provavelmente ele nem sabia quem era o Senna.
A camisa clara era daquelas baratas, de tecido fino bem porcaria, comprada em loja popular - vestida com camiseta por baixo, que era digno. A calça estava puída nos bolsos de trás e a cor verdadeira já desaparecera e se transformara numa espécie de roxo pálido. O velhinho pa-recia uma assombração mansa, daquelas que surgiam nos cantos das casas antigas sem di-zerem nada, e que sumiam logo.
Pela calçada passou uma garota comendo um lanche e bebendo o último gole do refrigerante. Ela jogou a latinha no chão assim que a esvaziou e seguiu caminho. O velho já acompanhava a menina com o olhar, torcendo para ela jogar fora a lata, e assim que a dita bateu no cimento, o velho se movimentou com esforço, subiu na calçada, andou, abaixou-se fazendo uma careta e a pegou com todo o cuidado. Olhou para latinha de refrigerante extasiado e voltou para o seu carrinho, guardando o tesouro no meio dos papelões.
O catador permanecia invisível para o resto das pessoas. Velho e torcido.
O motorista do carrão acabou olhando para o lado e achou o velho. Subiu os vidros e deve ter ligado o ar condicionado. Voltou a se concentrar no semáforo.
Um motoqueiro que estava atrás do meu carro notou que o sinal ia mudar e foi deslizando lá para frente, metendo-se entre os veículos, quase atropelando o coitado do catador de papelão. Disse um palavrão para o velhinho, acelerou a moto e passou com o sinal ainda vermelho.
24
Galope
Por Ana Mariah
Entre nós, o encontro sempre
será eterno mesmo sem palavras,
sem toques ou sinais de fumaça.
Nas ausências, vejo suas cores, sinto sua ânsia
e sonho com teus braços tantas vezes protetores, em outras, impetuosos.
Impossível esquecer quem somos.
Campos percorridos, entre galopes
e passos cadenciados. Cada lado procura diminuir a distância
entre corpos e almas.
25
A Paz
Por Anair Weirich
Pa...
de papelada inútil arquivada.
Pa...
de panfletagem poética no ar.
Pa...
de pacífica jornada,
Pa... de paz na nossa estrada,
Pa...
de paz, do levantar ao deitar!
26
POEMA A UMA FLOR
Anna Back
Tu, que desabrochas na aurora da existência...
Tu, que traduzes o que de mais belo a vida pode dar:
Tu, filha amada, que vives hoje,
Aos quinze anos, a tua primavera,
Ouve as palavras que te quero dar!
Tu que sonhas,
Que ousas querer
Tudo o que da vida esperas
E que mereces ter.
Ouse, sonhe, queira,
Aos quinze, tudo é permitido.
No doce embalo
Do sonho e da quimera!
Deus criou maravilhas:
Cantos, flores, perfumes,
Cores, e amores.
E fez surgir a primavera.
E plantou para mim, para nós, um jardim...
E deu-nos uma flor viva, de alma nobre,
Gentil e amiga!
Você, a mais encantadora dentre todas,
Você, filha querida!
27
ERRO
Por Anne Smaem
Cometi erros e eles voltam
Sempre como fantasmas
Me assustando noite e dia
Me deixando a pensar
Que se piscar os olhos
Acontecerá sempre mais um
erro.
28
Os amantes do circulo – polar
Por André Luis Aquino
Deve ser a parte tóxica do meu sangue que faz isso comigo, o meu louco gos-to pelas segundas intenções. Amorardente, sempre buscando sangrar pelo umbigo.Nos conhecemos na escola, ainda na infância.E os anos nos juntam e nos separam com tanta freqüência, como se tudo isso estivesse acontecendo ao sabor do vento.
Amordormente. Deve ser a parte doce do meu sangue que faz isso com a gen-te. Naquela época mal nos falávamos; apenas nos olhávamos, enamorados, mas sem coragem de se aproximar. Duas crianças que se apaixonaram uma pela outra, sem que um saiba do sentimento do outro.
Amorlouco, deve ser a parte venenosa do meu sangue que faz isso comi-go.Quando alguém mente não nos olha nos olhos, pra te confundir eu fa-ço exatamente ao contrário.Uma história de amor que atravessa duas déca-das repletas de altos e baixos, cheias de idas e vindas. Amorencontrado, deve ser a parte suave do meu sangue que faz isso com a gente.Medos, amores, ciúmes, tudo isso vai e vem, regido pelo destino, por uma lei aleatória de en-contros e desencontros.
Amorperdido pela parte do meu sangue malvado. “Eu poderia contar toda a minha vida como um trem de coincidências”. Direção é o meu sexto sentido. Amoreterno é a parte sólida do meu sangue carinhoso.“A vida tem muitos ci-clos”.
Há coisas que nunca acabam e o amor é uma delas.
29
Poema Etílico
Por Ângela Costa
Sobre o álcool, sei que é uma alquímica mistura de carbono, água e símbolos.
Sei que é algo quimicamente transmutável em comportamento. Causa e consequência de nascimentos e mortes.
Sobre a dor, sei que não cabe em copos de licor.
Corre talvez pelas mesmas veias da embriaguez, ue alimentam o lado cerebral da paixão.
Sobre a paixão, sei que é uma questão de detalhes, um mistério a princípio, um copo de dor no cotidiano.
Sobre os detalhes do cotidiano, talvez o álcool ajude às vezes...
30
FOLHAS MORTAS
Por Antônio Vendramini Neto
Folhas Mortas.
Outrora verdejantes.
Agora, caídas no chão.
É o poder da natureza.
De encantos e belezas.
O tempo foi cruel.
Como folhas de papel.
Escondidas em um livro.
Amareladas, cansadas.
Folhas não vistas.
Eternamente esquecidas.
Nos livros, nos gramados.
Antes vigorantes.
Nos galhos, nos livros.
Paisagens delirantes, frases efervescentes.
Colírio para os olhos!
31
TEUS ERROS POR MIM
Por Ariana Tomasini
Por todos os erros por ti cometidos
Peço perdão a mim
Por não ter compreendido
Mais cedo
E assim só guardado
Para mim
O bem que fizeram
Por mim.
32
Teu olhar flutuante
Por Carlos Damião
Teu olhar vagante pela noite e pelo dia
se perde em voos de coisas quietas
que se abrigam em suspiros de fartura.
A aragem desarruma o tempo no quanto cada passo leve das nuvens
desperta como semente ou pedra
num exercício de labirintos e fronteiras
– em horas iguais e melodiosas.
Inventário do coração oscilante que se insinua no corpo do poema:
um jardim sem rosto
germinado pela visitação infantil de asas e brinquedos
sonhando afetos na nossa úmida quietude e na alegria mais ardente
que em nós se alonga
como um aceno flutuante a colorir de ternura
estas horas luminosas e indecifráveis.
33
POEMA VAGABUNDO
Por Carlos Dias
Este poema não inventei não tem dono nem autor neste espaço o guardei
para ele não gritar de dor
O encontrei triste e sozinho nas ruelas a vaguear
sem querer um caminho ou cantinho para estar
É poema vagabundo
não procura nem a paz nem respostas para o mundo
e as palavras tanto lhe faz
Com rima ou por rimar não importa o conteúdo só quer palavras soltar
sem significado ou conteúdo
Este poema não existe foi um grito que dei
com tinta transparente que em mim encontrei
34
SILÊNCIO
Por Carlos Eduardo Bonfá
Cilicia O silêncio
Que silencia A música
Que necessita Encontrar
Para ritmar O mundo.
Mas O silêncio
É o Cio
Do som.
35
Posse
Por Caroline Freitas
Decifro-te os gestos Num movimento veloz.
Te toco em silêncio E tiro-lhe a voz.
Te sigo apressada E não deixo rastro. Você olha pra trás
Mas é vão. Eu escapo.
Na volta eu assopro O calor do sentido. Te olho por dentro
E celebro o domínio.
36
Poeta não Morre
Por Carvalho de Azevedo
Poeta não morre, encanta.
Encantado, eleva e enleva a alma.
Seduz, corrompe, violenta, depois acalma.
Poeta não morre em uma estação do ano
Nunca é poente, apenas nascente tecendo sua teia.
Nascente, faz-se luz, clareia, impregna, incendeia.
Poeta não morre, inda mais na véspera da primavera.
Na primavera, espalha perfumes, cores e flores.
Poeta nunca vê, inda mais a morte com seus censores.
Poeta não morre, brinca de morrer.
Encantado, mora com as estrelas faz do céu seu quintal
Conversa com os anjos, aprende a ser imortal.
Poeta não morre. Brinca de ir embora.
Deixa para uns poucos suas tristezas e poesias
Para outros suas amarguras, pecados, paixões e alegrias.
Poeta não morre. Inda que assim pareça
Poeta não tem temores.
Poeta vai e volta, no coração de seus amores.
37
PASSA PASSADO
Por Casinho
Vamos viver pra frente Uma vida contente Desprovida de dor.
Passa, passado! Passa, vai embora! Deixa a vida que tenho, não amola!
O sabiá gemeu lá na gaiola E, no meu peito, um gemido não de agora.
Abro a portinhola. Estás livre, vai agora! Passa, passado! Passa, vai embora! Deixa a vida que tenho, não amola!
38
DOS OLHOS
Por CHAJAFREIDAFINKELSZTAIN
Olhar materno... totalmente protetor
Olhar poderoso e revelador
Se quiser esconder algo... não chegue perto
Nem encare
Ela logo descobrirá!
Todas as mães têm esse poder?
Eu tenho... minha mãe... também sempre teve
Os olhos verdes límpidos
Iluminados
Que algumas vezes ficam confundidos com azul singular
Tão expressivos
Eles falam!
Sozinhos marcam o seu rosto
Se preciso lembrar dela
A primeira ideia vem do olhar
Tão vivo e presente
Vida você atropelou-a em diferentes momentos e ela...
Traz sofrimento marcado no braço
Tem a marca de prisioneira de campo de concentração
Nunca números foram tão feios...
Tem sofrimento marcando o corpo
De alguém que lutou e sobreviveu com garra
Seu nome bíblico faz jus a sua saga
Teve muito pouco de paraíso no seu existir
Mas sempre foi uma lutadora
Jamais entregou as armas
Pensando em ti... hoje
Te procurei pelos olhos verdes que combinam
A beleza com a sua grandeza
E mais que na hora já era necessário fazer tal registro...
39
Em tempo
Por Clarice Villac
Os bons tempos
têm como ingredientes
imaginação, sonho, alegria, aventura...
Podemos criar tempos
memoráveis
a qualquer tempo !
É só nos empenharmos,
com alegria, sonho, imaginação
e nos aventurarmos !
Para sentir inspiração
basta inspirar o ar renovado de cada amanhecer
pirar em busca do ainda utópico
e trilhar o caminho da ação !
40
DOS PRAZERES
Por Cláudio Costa
Assim ela era conhecida lá no bairro. O movimento naquela casa, lá no fundo com um grande jardim atiçava minha curiosidade. Mulher de an-cas largas, seios fartos, mas com o olhar triste. Vivia assim, não dos
prazeres próprios, mas dando prazeres aos outros. Ainda moleque, na-quela terra de ninguém, fui à busca do prazer. Então, naquela noite,
descolei uma grana. Ela me deu banho, fez janta, assistimos TV e de-pois me colocou para dormir. No outro dia estava prontinho para a es-cola . Ela me deu um beijo na testa e com um lindo sorriso ficou me
olhando, parada no portão.
41
Rotina
Por Cristiane Sancovik
Na rotina de fechar meus olhos venho aqui todos os dias neste mundo impudico tênue na consciência
do reles mortal que sou tele transporto-te comigo para um mundo nubente
de compromisso com nós dois confirmando que a felicidade
o bem estar de um coração apaixonado sustenta o depois
que o simples toque do perfeito desvenda mistérios
desmistifica o impossível concretiza o desejo
da sensação dolente de um sentimento indescritível
envolvendo-te na dimensão exata que é exatamente permanecer comigo no além
tendo a certeza de que quando fechas teus olhos sentes o mesmo prazer
que eu estou sentindo também.
42
POR QUE?
Por Daniel Cravo Silveira
Amei teu coração
sem saber teu rosto.
Amei teu corpo
sem jamais sentir-lhe o gosto.
Abri minh’alma
a toda a esperança
de estar contigo.
Sem saber que ela
seria, para sempre,
justamente o meu castigo!
Ousei o amor
que jamais seria meu.
Ousei sonhar
a vida novamente!
De sermos um só.
Ser teu amante, teu amigo;
cobrindo-te de beijos,
adivinhando teus desejos,
bastando a mim
a paga do teu sorriso.
Senti toda a dor
da perda.
Sem me lembrar
de que, nem por um instante
sequer, fosses minha.
Se por zelo ou desleixo
perdi a flor,
que jardineiro sou?
Nem o rastro do perfume me restou...
Anjo ou demônio?
Fada ou sereia?
Por que te ausentas,
faltas, não ligas?
Por que tantas reticências?
Minando, erodindo,
o que foi construído
com tanto cuidado!
Sendo assim,
desse jeito estranho,
destruído.
Por que o bálsamo da promessa
é passado
pela mesma mão que nega
a carícia?
Por que a desconfiança
envolve esta paixão?
E o amor que nasce
carrega o estigma
da ilusão?
Porque a dúvida
nunca é desfeita?
Os “por quês” nunca respondidos?
E a ausência é sempre
tua resposta...?
Por que?
43
Para aconselhar-me
Por Deyse Zarichta
Para aconselhar-me, é necessário um pequeno relato,
Que diabos colocarei aqui? Coloco toda minha amargura, antes que como fel
Passe por minhas veias levando embora todo o san-gue
Assusta a possibilidade do eterno retorno Acontece sempre
Um mesmo início, um mesmo fim, tudo exatamente igual
Com suas, irrelevantes, diferenças
Lerei essas pequenas notas assim que sentir o perigo Que é fácil identificar
Começa com a poesia dos estúpidos Olhares inflamados de desejo e mensagens sutis
anunciam, te quero Interessante é passar o tempo jogando com essas pe-
ças E apesar de já conhecer o fim, esperar, que dessa
vez, ao menos dessa vez Haja controle absoluto da situação
É inevitável, e parece até castigo, esse mesmo fim mi-
serável Lágrimas, e uma fraqueza que percorre lentamente
cada milímetro do corpo Deixando bem claro que é tudo o que se tem, matéria
rejeitada A mesma cena , tão desesperadamente forçada a ser
enterrada Agora parece tão mais estúpida, uma vez que já não é
acidente, é quase uma escolha
Tudo é beleza, romance e história Tudo é a irresponsável vontade de, mais uma vez Levar adiante a estupidez de encenar uma paixão
Que acaba inevitavelmente nessa inversão das forças E o que era poder, agora é peso, culpa e dor
44
Sêmen de Incêndio
Diego Mendes Sousa
na solidão mora o amor e o amor
faz-se outono quando apenas amamos.
consola-me amar.
amar é procurar é perder é morrer.
todos amam e amar, é chorar: amar é minha primavera de boêmio é minha
cabala é minha máscara.
amar em todas as noites só por amar.
amar eternamente amar, eu amaria a primeira mulher, sem medida, se amar
fosse
somente carne, mas amar, amar mes-mo, é desespero.
é verdade, também, que amar é clarivi-dente no beijo, no sexo, no gozo e,
além disso, amar é salivar assim como se consome a laranja, a manga, a amei-
xa, o figo: a mulher.
é lamber o mel na boca.
os limões são azedos e a mulher: doçu-ra.
amar não é viver azul é sofrer azul e, às vezes, amargar em branco.
amar é provar a poesia dos dias, o en-gano do tempo.
amar é voar sob o céu sob a tempesta-de sob o manto de luz das estrelas e
cair, cair, cair, cair...
e ressuscitar na derradeira brisa.
não há pecado em amar,
amar é amar e é tudo e é nada.
e se nada é tudo, o tudo é sempre.
sempre é amar e amar é fugir.
estou perdido entre indagações, confes-so.
um sopro disse-me que amar é vento.
o vento é plumbaginoso.
o amor: música: vida.
aqui, volto ao outono.
será o amor regresso ou escarlatim ou devaneio?
muitos se suicidam outros esquecem.
outros se calam e pesam.
Amar é fogo e o Amor: incêndio.
45
Chão de gente
Por DIMYTHRYUS
Chão De pedras, histórias
Chão duro Chão d’ouro
Outrora transparente Diamante
Chão de gente Nossa gente
Chão de pretos Pregos correntes e gritos ‘çoites, quilombos, estalos Chão de inverno gelado
Chão preto De ouro roubado
Chão da nossa terra Chão de Ouro Preto
Dourado.
46
Pra onde eu vá
Por Dúlcio Ulysséa Júnior
Pensar em mim impossível
Sem antes em ti
Não tenho outra morada
Se não for ai
Como conseguir viver
Sem que te tenha aqui
Mesmo que eu vá
Aqui, ali, lá ou acolá
E volte pra cá
Não irei conseguir sem que cá
Aqui pra mim não estiver
Carrego você pra aqui, pra ali, pra cá, pra acolá
Para qualquer lugar
Onde eu possa ir ou imaginar
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Bembem padece de amor
Por Eurico de Andrade
O Raimundo barbeiro estava quase indo à falência. A machaiada de Tabuí fizera da sua barbearia ponto de encontro predileto, onde se ficava sabendo de tudo. Quem tava ficando rico ou pobre, quem gostava de quem, quem apanhou de quem, quem tava saindo com quem... E o Raimundo brabo com a falta da freguesia que refugava de tanto falatório. Fre-guês que se aventurasse ali, mal saía, a ficha tava completa e era assunto por uma semana. Até que um dia o barbeiro resolve espantar o azar. Zequinha Bembem, o açougueiro simpló-rio, o mais conversador de todos, contador de papo, inventor de histórias, metido a brabo e a paquerador, era quem mais divertia a turma da barbearia. Raimundo acha de aprontar com o Bembem para ver se espalhava aquela homai-ada da sua barbearia e a freguesia voltava. Escreveu bilhete com letrinha delicada, capri-chando na língua pátria. "Zequinha, tô pacho-nada por ocê. Sou sua fãn ocurta. Quero mar-cá incontro. Guarda segredo." E colocou o bi-lhete debaixo da porta do açougue, já tarde da noite, para não correr o risco de ser visto.
No dia seguinte, mal o Raimundo abre a barbearia, lá vem o Zequinha Bembem corren-do, eufórico.
- Remundo, óia só! Ela tá paixonada por mim, sô!
E Raimundo leu o bilhete que ele mesmo escrevera, mostrando espanto.
- Mas ocê não tá guardano o segredo que ela pediu, ô Bembem!
- Só tô contano procê, Remundo! - Óia, é bom ocê não contá para mais
ninguém não, sô! Cê num conhece aquele di-tado que diz que quem tiver segredo, não con-te pra mulher casada, pois ela conta pro mari-do e ele pro seu camarada? Segredo tem per-na curta, home! Ainda bem, Bembem, que sou homem de pouca fala! E quem será ela?
- Sei não... Pode sê a... E Bembem teceu uma longa lista das possí-
veis pretendentes. De solteiras donzelas a ca-sadas que jogavam água fora da bacia, até a beatas convictas e juramentadas.
- Ah, Remundo! É dessa vez que eu disincravo, sô! Vai s'imbora, solidão!...
Bembem passou o dia inquieto, rindo a toa, doido para enfronhar conversa de amor. Como
ninguém deu trela, ele se calou. E Raimundo, só de butuca, querendo ver até quando o ho-mem guardava segredo. Antes de ir para casa, comecinho da noite, escreve outro bilhete, no-vamente com letrinha delicada "Beimbeim, meu amor. Quero mim revelá procê amanhã de noite ao beco do Mijo 9 in ponto. Se eu de-morá um poco, mim espera. Vái sozinho. De camisa branca pra mode eu vê ocê no iscuro. Nem paletó, nem blusa e nem xapéu. Oia o segredo viu? Sua amada". Deixa-o debaixo da porta do açougue e vai pra casa esconder-se do frio entre as colchas e coxas da patroa.
De manhãzinha, lá vem o Bembem corren-do de novo, emocionado e sem fala, escon-dendo papelzinho rosa no bolso.
- Remundo, ela me escreveu de novo, sô!
- Ih, é? Dexovê! - Na-na-ni-na-não! Desta veiz não! Vô
guardá segredo. É pedido dela. - Deixa de sê bobo, sô! Cumpoco cê
tá pensando que eu quero passá ocê pra trás? - Né isso não, Remundo! Amanhã eu
conto procê, tudo, no seu tintim, viu? Ah!... Es-ta noite vai acontecê coisas!... - suspirou ele, revirando o zoinho.
Raimundo viu o amigo pra lá de emociona-do. Os olhos brilhando, a respiração ofegante e ele não parava um instante sequer, saltitante feito tiziu.
Bembem, naquele dia, não abriu o açougue e nem matou vaca. Ficou zanzando pela rua, ruminando seu segredo, vendo passarinho ver-de, doido pra contar para alguém, mas se se-gurando nos trancos, em respeito ao pedido da amada desconhecida.
À noite, a barbearia funcionou até bem mais tarde. O Raimundo, pedindo boca de siri, con-tou pra mais de uns quinze a história do Bem-bem. E todo mundo ficou sabendo o que iria acontecer.
Um pouquinho antes das nove, tá a turma toda abafada, dentro da barbearia, tiritando de frio, cada um mais encapotado que o outro, esperando Bembem passar. Para chegar ao beco do Mijo, aquele era o único caminho. Cin-co pras nove, um avisa lá vem o home! Bem-bem vem, em manga de camisa branca, banho tomado, perfumado e barba feita, olhando des-confiado para a porta da barbearia, de onde saia luz e bafo de macho. Assim que vai pas-sando, encolhido pelo frio e para não ser visto,
48
alguém grita lá de dentro ô Bembem, ondé cocê vai, sô? Vamo chegá, home! O açouguei-ro, pego de surpresa, treme nas bases, sente batedeira, perde o tesão incontido e começa a suar frio.
- Tá com frio não, Bembem? - Vô ali! Tô não! - responde o moço
às duas perguntas de uma vez. - Vem cá, Bembem! Vamo tomá uma
pra esquentar o peito, home! - insiste o outro. - Depois em venho, tá? Larga deu!
Dexeu em paz! E isala no mundo, ganhando a escuridão do
beco do Mijo. Nessa hora, o Raimundo barbei-ro entra em ação. Pega sua bicicleta velha, de nome magricela, bastante escangalhada, e sai também em direção ao beco do Mijo. Passa pelo Bembem e finge não conhecê-lo. Dá uns cinco minutos de prazo e volta. Repete a ida e a vinda mais umas duas vezes, enquanto o Bembem se espreme entre um muro e um poste de luz sem luz, imaginando que não se-ria visto e nem reconhecido pelo barbeiro. Pra-guejava pros seus botões, querendo saber o que o Raimundo fazia por ali, àquela hora da noite. E, emocionado, espera, espera, espe-ra... Tremendo de frio. Até que, da emoção, após mais de uma hora, passa à raiva e resol-ve ir embora. O povo, estranhamente, - Bem-bem achou -, naquele frio, continuava na bar-bearia. Puto da vida, resolve pular dois muros do quintal do Alfredão, correndo risco de mor-dida de cachorro, para não ser mais visto por aquele bando de vagabundos. Passa no seu açougue, já quase 11 da noite para procurar sinal da amada. E acha. Papelzinho cheiroso, cor de rosa, com letrinha delicada, dizia:
"Meu bem. Me perdoa gostozão. Num deu pra mim falá cocê. Si ocê num sabe, sou muié casada e o tarado do Remundo barbero tá dis-confiado e aresorveu dá em riba deu e a sigui-eu fazeno preposta obissena de sequisso. Co-mo num quero ficá malafamada, adeus".
Bembem não esperou pelo dia seguinte. Saiu de si e deixou, no coração, lugar para ho-mem brabo. Pegou faca de sangrar vaca e foi pra barbearia. A turma, incentivada pelo Rai-mundo, esperava.
- Cadê aquele disgraçado do Remun-do? Remundo!... Traidô! Vem cá fora procê vê o quequié bão pa tosse! Cê tá dano inriba de-
la, né, fedaputa?!... Entrou em campo a turma do deixa disso e
foram segurar o Zequinha Bembem. Começa-ram os empurra-empurras e os sopapos. E uns passaram a descontar nos outros as má-goas de antigamente, as fofocas mal ditas e as falas bem ditas, dando e levando bordoada. Cada um por si e Deus por todos. O fuzuê foi feio, em plena rua, beirando a meia-noite. Na refrega, alguém sumiu com a faca do açou-gueiro, desapareceram a peruca do alfaiate Cirilo e a dentadura do Laerte. Quando chegou o Divino soldado, o Toim Zaroio procurava, ta-teando o chão, os seus óculos fundo de garra-fa e ninguém entendeu porque o Mané Falafi-na, o qualira da cidade, mais conhecido como arame liso, perdeu a calça e tava sentado no colo do Xinco Mangüara num cantinho mais escuro. Com o Divino, tudo acalmou quando, franzino e baixinho, ele teve que gritar, dando pulinhos e tiros pro alto para impor sua vonta-de.
- Cês num tão veno a otoridade aqui não, ô? Pára cuisso, cambada de fedaputa! Ao ouvir os tiros e sentir cheiro de autoridade, cada um foi saindo de fininho pra caçar seu canto, fugindo de ver o sol nascer quadrado. E Raimundo, o único que não tomou parte da confusão no meio da rua, fechou sua barbea-ria em paz, enquanto os da turma, alguns de olho inchado, boca sangrando e cuspindo den-te, ficaram de nariz torcido e de mal uns com os outros. Era o que queria Raimundo, para atrair de novo a freguesia.
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Incertezas
Por Fábio Ramos
Corredores escuros
Avenidas desertas, cidade morta
Todos julgam-se amigos, companheiros
E, mesmo assim
Tudo é em vão, tudo é inútil
O tempo é só, incrédulo da própria realidade
O tempo é só...
É só ele em seu silêncio
Sussurrando apenas aos sábios, as almas puras
Tudo o que sente, o que pensa
No vem e vai, nada fica, tudo um dia partirá
A felicidade é por pouco tempo
Ela chega , encanta, e desaparece
Some em meio à sonhos, ilusões...
Pensamentos...
Quem sabe,
O segredo de ser feliz, é desaparecer
Partir junto a ela, sem rumo, sem direção
Mesmo que...
Uma vida toda, um passado por inteiro fique para traz
Mesmo que o destino torne-se incerto
E, o caminho obscuro, surpreso
Mesmo que tudo e todos
Contra o destino reajam, o julguem
Porque tudo vale, tudo se pode
Quando em meio a tantas incertezas
A razão de todas as loucuras
Seja um eterno amor...
50
Os juízes
Por Fabrício Couto Martins
E os pastores farão sua oração,
Os crédulos requererão sua recompensa,
Os descrentes pedirão o que pensam merecer,
Os juízes esperarão para ver,
Os condenados perecerem,
E os juízes esperarão
Pela condenação
Que também tem para
receber.
51
O que é Felicidade? Me diz.
Flávia Assaife
O que é felicidade? Me diz.
É um contentamento que liberta sentimento?
É ventura que aumenta a temperatura?
É o bem-estar que se sente ao amar?
O que é felicidade? Me diz.
É o quebrar das ondas a beira-mar?
É a brisa que sopra a refrescar?
É o cheiro do mato que o vento insiste em compartilhar?
O que é felicidade? Me diz.
É o cheiro do café fresquinho ao acordar?
É a fina sinfonia dos colibris a cantarejar?
É a euforia de um novo despertar?
O que é felicidade? Me diz.
É ter prazer em realizar?
É a força interior para prosseguir?
É o aroma exalado por uma flor?
O que é felicidade? Me diz.
É ser o que sempre se quis?
É nunca estar por um triz?
É ter amigos e cor na vida?
O que é felicidade? Me diz.
É a leveza e doçura ao caminhar?
É a mão suave a acarinhar?
É a voz macia a sussurrar?
O que é felicidade? Me diz.
É secar a lágrima que desce quando os lá-bios sorriem?
É o murmúrio das palavras? Arrepio?
É êxtase? Euforia?
O que é felicidade? Me diz.
Talvez seja ser o que se quis
Viver sem medo de ser infeliz
Sonhar os sonhos e pedir bis
Tornar a realidade uma matriz
Isto tudo e tudo mais é que faz você feliz!
52
ENCRUZILHADA
Por Francisco Gregory Junior
São seis horas da manhã,
Agoniza o velho à minha frente.
A esperança já se faz ausente,
Sentimentos confundem minha mente.
Persiste o martírio doloroso
De um homem não mais vivo.
Coração a bater forte em seu peito,
Tendo sua alma já o deixado há algum tempo.
Martírio de uma velha companheira,
Negando-se a aceitar a perda definida,
Passando a clamar por ato difícil de ser feito,
Fosse eu capaz ou tivesse esse direito.
Como abreviar este fim,
Desligar aparelhos, interromper infusões?
De um modo, certo achava,
De outro modo, me negava.
Um misto de alívio e dor, finalmente.
A morte veio, final de uma história até frequente,
Não fora o velho doente o pai,
Não fora eu, seu filho, o médico assistente.
53
Fala poeta!
Por Geraldo Pereira Lopes
Brother;
Um grande poeta de cunho internacional assim se expressou: tudo, tudo vale a pena se a alma não é pequena. Um outro poeta não menos internacional do que o primeiro disse: eles passarão e eu passarinho. Um terceiro poeta, catarinense de Timbó, não menos in-ternacional que os dois primeiros, buscou no mais profundo dos seus sentimentos — per-cepção, nos dando de brinde: menor que meu sonho, não posso SER!
Busco um quarto poeta, que ousa fazer a ponte entre esses (03) três ícones da Poesia Internacional e acrescenta: ainda que me sonho possa me tornar marginal, diante da igno-rância, da hipocrisia do olhar alheio, que vive por demais centrado no seu próprio umbigo e quando dele se afasta, vai exatamente em direção ao seu próprio quintal e realiza um belo jardim e a partir daí, começa a receber N elogios. Se o seu quintal é assim, imaginem o tamanho da casa. Esquecendo que o seu quintal, a sua casa, nada mais são que o seu próprio umbigo ampliado.
Portanto, se temos a capacidade de realizar para nós mansões, vamos auxiliar outrem a conquistarem a sua dignidade-cidadania, a sua moradia, para que no mundo haja HAR-MONIA!
Se quisermos entender e praticar a mensagem, vamos caminhar para um 2.010 bem me-lhor para todos.
Pois, pois, pois, tudo que tu possa imaginar tem que ter (SER) uma palavra chave no campo prático da vida: harmonia.
Quando o mundo, (as pessoas — "autoridades" teorizam em demasia e praticam minima-mente), passamos a presenciar na prática, o que estamos a presenciar diuturnamente sem limites: injustiças sociais, agressões ao meio ambiente, a vida em geral de forma por demais assustadora, comprometedora.
Pois, tudo que sobra lá e sempre querendo mais e o pouquinho que aqui precisa e satis-faz, vai — vem sempre ficando pra trás. Muitos gritos sufocados, muitos sangue derrama-do, muitas fontes de luz procurando ocultar os crimes, muitos seres abandonados. Agora, foi dado o recado, depois, (...) Da minha obra musical: Temos Que Do-mar a Fome.
Portanto amigos amigos, é urgente, urgentíssimo, divulguem por favor: o que mantém todos os equilíbrios sociais, são exatamente as diferen-ças. Agora, quando são elas, as diferenças muito acentuadas, elas causam efeitos contrários — causam implosão. Por isso estamos a presenciar com bastante frequência, alterações climáticas catastróficas em vários níveis e também as sociais, porque nos distanciamos em de-masia do aprimoramento das relações das relações, que é com (SER)teza a humana, que tem desdobramentos nas demais relações com tudo e com todos os outros seres que compõem nosso pequeno uni-verso de percepção.
Silêncio se faz..., eco, se procura..., e eu, simplesmente poeta o poeta do SER!
54
O ESTRANHO
Por Gilberto Nogueira de Oliveira
Vivia num quarto trancado
Fazendo, ninguém sabe o que?
Talvez flores
Talvez uma bomba atômica
Seria um gênio?
Seria um louco?
Ninguém o compreendia
Quem sabe ele descobriria
A formula da alegria?
Não saía para nada
Lá dentro, comia
Lá dentro, digeria
Ninguém sabe como.
Um dia a porta abriu
E todos correram para ver...
Não havia nada
Nem ele mesmo
Provavelmente, ele consumiu-se
55
O GARANHÃO DE FLORIANÓPOLIS
Por Gilmar Milezzi
Esta é a história de Lírio, um sujeito muito po-pular entre as mulheres da Ilha de Florianópolis no início da década de 70. Nas praias de Co-queiros, Itaguaçu e Bom-Abrigo ele reinava ab-soluto, para admiração e inveja de seus com-panheiros de farra. Não tinha prá ninguém: on-de houvesse empregadas domésticas, moci-nhas com os hormônios em ebulição e solitá-rias já não tão mocinhas assim dando sopa, lá estava o Lírio fazendo a festa. Mas aquilo não lhe subia à cabeça. Havia algo que o atormen-tava em a sua decantada virilidade. Ninguém sabia, mas a fama de garanhão que o acompa-nhava, embora justa e merecida, tinha uma má-cula. Algo que ele escondia tanto quanto possí-vel, temendo o implacável julgamento da malta invejosa. Ele temia, sobretudo, o desprezo que adviria e que o acompanharia no ostracismo a que certamente seria condenado. Parecia ina-creditável, mas ele tinha realmente motivos pa-ra preocupar-se. Por alguma razão, que só os deuses poderiam explicar, o seu ímpeto de ga-ranhão só se manifestava com mulheres feias. Quanto mais feia fosse a mulher, mais ele se empenhava em conquistar seus favores. E ti-nha ainda um outro detalhe: Lírio adorava mu-lher de pés grandes. Quando descobria que a dita cuja calçava mais de 40, era um delírio. Já com as mulheres bonitas, ele sentia uma indife-rença atroz do seu velho companheiro de bata-lhas. Não havia nada que acordasse o, antes, impávido colosso.
Sujeito simpático, e de grande traquejo social, Lírio era bastante popular nas rodas de samba do bar do Nino, em coqueiros, e das noitadas regadas a caipirinha do Bar das Pedras, na praia de Itaguaçu. Nessas ocasiões, podia ser visto rodeado de belas mulheres, mas sempre terminava a noite nos braços de uma mocréia qualquer. Essa era a vida do Lírio. E seria uma vida boa, se ele se conformasse com o que ti-nha. Mas no fundo da alma, ele se ressentia e sonhava com o dia em que teria nos braços uma daquelas lindas meninas que frequenta-vam as boates do Lira Tênis Clube e do Painei-
ras nas noites de verão. Disposto a mudar sua vida, Lírio foi à luta. Num baile do clube Limo-ense, ele conheceu Aline, uma loura espetacu-lar recém chegada de Blumenau. A atração foi mútua e eles dançaram a noite inteira, com di-reito a alguns amassos dissimulados. Todavia, a moça era de respeito e não deu mole para o incorrigível conquistador. Experiente no trato com as mulheres, Lírio logo percebeu que de-via refrear seu temperamento ardoroso e esme-rar-se no galante papel de um cavalheiro cheio de boas intenções. Apesar dessas restrições iniciais, ou por causa delas, começaram a na-morar várias semanas depois daquele primeiro encontro. Depois de algum tempo, ele já fre-quentava a casa dos pais de Aline, e ela já não se mostrava tão puritana quando eles trocavam carícias na parte escura da varanda da casa dela, onde tinha até uma lâmpada providencial-mente queimada Tudo parecia perfeito.
Contudo, Lírio vivia apavorado com o momento em que teria que fazer jus à fama que granjea-ra durante tanto tempo. E, se dependesse do entusiasmo da moça, esse momento não tarda-ria a chegar. As carícias foram se tornando mais ousadas e a moça mais exigente. Lírio, por outro lado, desconversava quando as coi-sas se tornavam mais quentes, na tentativa de ocultar suas dificuldades sob o manto do res-peito que lhe dedicava. Aquele era um bom pretexto, mas não ia durar muito. Ele precisava encontrar uma forma de superar a ausência de reação que lhe afligia nos momentos mais calo-rosos. Pesquisando discretamente, ouviu falar numa benzedeira que vivia na costa da Lagoa da Conceição, e que sabia preparar uma garra-fada que era tiro e queda para o problema que o afligia. A queda ele dispensava, naturalmen-te, mas foi procurar a mulher.
56
Após ouvir uma atrapalhada explicação sobre o problema de um suposto amigo, a tal benzedei-ra preparou uma beberagem para ele, compos-ta de vinho, ovo de pata, amendoim e algumas ervas estranhas de que ele nunca tinha ouvido falar. O resultado daquela mistura foi um litro de um líquido marrom escuro, de aspecto não muito atraente. A benzedeira entregou-lhe a garrafada com instruções para que ele a enterrasse numa noi-te de lua cheia e a deixasse de repouso por três dias. Após isso, Lírio deveria tomar um cá-lice daquela beberagem todos os dias antes de dormir. Quando o conteúdo da garrafa acabas-se, seu problema estaria resolvido. Alguns dias depois que ele começou aquele “tratamento”, Aline o encontrou. Estava entusi-asmada com a possibilidade de ficar sozinha em casa no fim de semana, em razão de seus pais irem para Blumenau. Era a oportunidade que eles tanto desejavam, segundo a moça, e com a qual ele apressou-se a concordar, sem muito entusiasmo. Lírio, que já estava ficando confiante na eficá-cia da garrafada, começou a ficar apavorado com a aproximação do fim de semana. Estava tão inseguro, que quando a sexta-feira chegou, ele tomou o restante do conteúdo da garrafa de uma vez antes de ir ao encontro de Aline. Todo aquele líquido no estômago o fez sentir-se um tanto estranho, mas não fez caso disso. Reso-luto, foi para a casa dela, martelando na mente aquele velho mantra: “Seja o que Deus quiser”. No caminho ele se acalmou, e quanto mais pensava em Aline, mais sentia suas calças apertarem. Estava funcionando, pensou entusi-asmado. Apressou o passo, pois sentia que não devia perder tempo. Mal ela abriu a porta, Lírio a agarrou. Tal era o seu ímpeto que Aline sorriu toda feliz com a reação que tinha provocado no amado. Aquilo dissipava as dúvidas que a estavam incomo-dando ultimamente quanto ao que ele sentia por ela. Pelo jeito não ia dar tempo nem para degustar o jantarzinho caprichado que ela ha-via feito. Isso não a incomodava, é claro. A or-dem dos fatores não alterava o produto e aque-la noite prometia. Foram atravessando a sala deixando peças de roupa pelo caminho, dando a Lírio a certeza que havia conseguido dissipar o bloqueio que tanto lhe atormentava. Graças à benzedeira e
a garrafada que ela lhe dera. Mentalmente anotou o compromisso de levar um presente para a mulher. Foi com esse pensamento que sentiu o primeiro espasmo do intestino. Suas entranhas pareciam estar entrando em colap-so, como se tivesse tomado litros de algum tipo de laxante. No segundo espasmo sentiu que deveria correr para o banheiro. Antes que des-se um passo, veio o terceiro espasmo, e ele percebeu que não havia tempo para mais na-da. Aline olhou para ele perplexa, ainda sem compreender o que estava acontecendo. De-pois, tapou o nariz e correu para o banheiro. Lírio ficou só, com sua dignidade esvaindo per-na abaixo. Aquilo era o fim, pensou. Mas o fim ainda não havia chegado. A porta da sala se abriu naquele momento atroz, e o pai de Aline entrou para pegar a carteira de motorista que havia esquecido. Felizmente para Lírio, sua desgraça foi tam-bém a sua salvação, pois o que seria difícil ex-plicar foi creditado a um mal estar súbito acar-retado pela sua emergência intestinal. Todavia, o namoro com Aline não prosperou. Depois daquele vexame, ele decidiu nunca mais se arriscar com beberagens estranhas e voltou para os braços das feias e mal amadas da ilha.
57
Aceito a noite longa
Por Gustavo Henrique Bella
Aceito a noite lenta de horas vagas
Grisalhos cabelos surgem com a névoa branca
Lembranças cintilantes no céu passado
E aquela mão roga por um toque
Recebe uma face em meio a noite
O tempo que sofre entre as horas negras
Grita pelo nome de alguém que passa
Apenas um eco na escuridão faminta
Levando beijos que serpenteiam o coração
Cravando presas de veneno amargo
Derrubando os fortes e consumindo os fracos
Irônica vida de encantos tolos
Fortes palavras ditas a esmos
Sem salvação ou redenção
São apenas as presas encontram o tempo
E a noite longa ganha força ante as horas
Consumindo o corpo e diluindo a alma.
58
Por Hugo Pontes
59
RESPEITO
Por Icléia Inês Ruckhaber Schwarzer
Respeito tua opinião
Respeito tua decisão
Somente quero que saibas
Que respeito meu coração
Nesta ilusão deixei meus sonhos me levar
Onde somente em pensamentos eu posso chegar
Desta louca paixão vi em meus olhos brotar
As lagrimas que temem em rolar
Lembrando dos doces momentos
Da ilusão da minha alma
Da alegria de um dia te amar
Hoje em minha alma
Teus rastos persistem em ficar
Mesmo que eu queira
Não consigo te evitar
Saudades, dor ilusão
Lamentos do meu coração
60
Cotidiano cruel
Por Igor Medeiros Oliveira
Ele acorda. Lava-lhe a face. Esconde o colarinho de baixo da gola do terno. Nos tem-po antigos, mostrava-se o colarinho com orgulho, batendo no peito. Era o ídolo da garotada. Comprava bala, pirulito, entre várias guloseimas para eles. Agora, se mos-trasse o colarinho, era vaiado. Atiravam-lhe tomates podres e fétidos em sua idosa face.
Mira-se no espelho. Um típico e respeitável cidadão. Trajava um terno escuro, com botões de detalhes dourados. Uma camisa de linho egípcio, alvíssima, e uma char-mosa gravata vermelha. Os bigodes, já lhe arrancavam a juventude do rosto." Se eu tirar, fica pior" sempre dizia à esposa. Os cabelos outrora eram um emaranhado amazônico, agora mais pareciam pasto de gado velho.
Vai no seu respeitável escritório e abre seu e-mail. Recebe um proposta: R$ 100 000,00 para alterar o plano-diretor. Se ele cedesse, ninguém descobriria. Ele estava acima da lei. Ele era a lei. Mas ele nunca aceitara nenhuma proposta corrupta. Mas R$ 100 000,00?
Sai pra tomar um café, de colarinho escondido. Encontra mendigos moribundos, fun-dindo-se às calçadas de sua cidade. Uma criança lhe pede esmola, e ele tira da car-teira cinquenta reais. O "mini-deliquente" lhe mostra a arma, e lhe alvejando, sai em disparada.
Seu cadáver tomba ao chão, ferido pelo povo que nunca feriu. Aparado pelo chão que sempre protegeu. E vislumbrando a tão ignorada sombra da morte sobre seus olhos, esclarece-lhe a mente. Não aceitaria a proposta. E com o sangue vertendo-lhe a vida, morre, o último "homem" da Terra.
61
Perfume do Sol
Infeto
Cadê o perfume do sol, que eu trouxe para você?
Seu aveludado. Céu laminado.
Não está mais aqui!
Olhos nos olhos. Na mente.
Dente nos dentes. Semente.
Você caiu e me arrastou.
Quem se mistura com farelos. Por porcos são comi-
dos.
Eu sou um porco e aspiro uma carreira de você.
Esse mato seco, não molha mais minha alma.
Vou sentar numa pedra.
Com uma cartela de drágeas de alguma paroxetina.
Menina, mulher, vadia, santificada. Advogada do dia-
bo.
Numa liturgia na encruzilhada.
Faz o que quer, mas não me diz nada.
No meu quintal e no meu coração, você não nasce
mais.
Onde estão suas sementes?
Baby, Baby!
Onde estão suas sementes?
Onde está o perfume do sol que te dei?
O perfume do sol, não é mais azul.
62
A GAIVOTA
Por Irene-Zwetsch
Voa longe a gaivota,
segue o curso, sua rota.
Voa firme, alto, livre
Lá embaixo, quem se importa?
Seu traçado belo, rápido
de infinitos mergulhos
Proclama aos ventos
Asas abertas, uma ode à liberdade.
Voa tranquila, gaivota,
Voa sem medo, sem rota
Vai levando tua leveza
Vai depressa, não te importes
Que nós, aqui embaixo
Sonharemos teu percurso
E nas asas de nossos sonhos
Te seguiremos, rumo à eternidade azul.
63
Como se fosse doçura
Por J. Machado
Quanto tempo temos até o entardecer?
As horas passam seguidas de histórias.
Serão nossos momentos contados?
Quem escreverá a ata com tantos fatos?
A poesia é amarga.
Escrevo o amargo como se fosse doçura!
Então sinto um sabor agridoce. A própria vida!
Nada é tão doce. Nada é tão azedo.
As nuvens passam apressadas. Parece que fogem!
Nem meus olhos acompanham tanto voar.
São os ventos do sul.
Enquanto olho para o céu, te espero.
Talvez você venha num cavalo branco.
64
Êxtase
Por Jaci Santana
Amar-te e querer-te. Este é o meu mais sublime desejo.
São vagos delírios de posse e arrebatamento. Esta sôfrega paixão que por um momento,
traiu-me sem perdão. Meu olhar perdido em ti,
flagrou-me hipnotizada em teus meneios, olhando-te se movendo com uma agilidade estonteante. Teu olhar divagando... E tuas mãos... O corpo tocando,
com tal doçura e leveza que, em êxtase, a este proibido sentimento entreguei-me.
Este frio! Este tremor! Este arrepio! Que minha atormentada alma, sozinha,
gemia além do esperado. Em meio à multidão,
em meu fervoroso pensamento, estavas tu, ali, presente.
E no tilintar de partidos corações, estava o meu, entre os seios pudentes,
repletos de desejos ardentes e segredos inocentes. E ao longe, abria-se a várzea enegrecida, tímida e nebulo-
sa, a espreitar a lúgubre noite.
Dentro de mim, vozes ecoavam sóbrias e tristes. Insanos sorrisos disfarçavam o pranto vertido,
Pois, já não eras parte de mim.
65
O QUE TE EQUILIBRA? Por Jacqueline Aisenman
O que te equilibra? Sério, responde. Se não responder pra mim, responde pra ti
mesmo. O que te equilibra? Vem de dentro ou vem de fora? O que te dá aquele
sentimento de que os dias passaram (e bem) sem que tenhas que ter lembrado de-
les a cada manhã ao acordar, ao sair da cama?
O que te equilibra e te dá aquela sensação de quase dever cumprido talvez não no
final de cada dia, mas no momento de olhar alguma foto, ou simplesmente de olhar
para trás. O que te equilibra é uma pessoa, um hábito, uma crença, um remédio,
um trabalho, um alimento, um animal, um lugar, um sonho, uma esperança...? O
que te equilibra?
O que te faz caminhar sorrindo pelo fio da vida, esta corda de circo que mais alta
não poderia estar, com os braços abertos, o sorriso no rosto, até chegar do outro
lado? Neste circo, onde não podes olhar para baixo para saber se a rede está lá
embaixo para te amparar, se o público irá te aplaudir ou esta torcendo para que
caias... onde o outro lado nada mais é do que a outra ponta, idêntica ponta de onde
saístes em caminhada destemida e quase cega...
O que te equilibra? O que te dá a força de manter o equilíbrio? Vem de dentro ou
vem de fora? Veio a ti ou fostes buscar? Te dá o verdadeiro equilíbrio ou apenas a
ilusão de estar equilibrado? É de concreto, é um tapete, é uma nuvem, o que está
sob os teus pés? Qual a sua solidez?
O que te equilibra poderia te desequilibrar se desaparecesse hoje? E para onde te
levaria o desequilíbrio?
66
AS ARMAS NÃO MATAM
Por Jandira Torreiro
Perguntam-me: ”Porque eu jejuo às sex-tas feira Faço-o pela conversão dos pecado-res, ela erradicação da violência no mundo Num tom solene argumentam: "Deus não quer sacrifícios, quer misericórdia”.! Conheço bem a expressão. Fiquei me perguntando: Deus quer minha misericórdia, minha compaixão com a miséria alheia! Mas, por mais que tenha com-paixão, que use de misericórdia, por mais que eu faça algo por meu semelhante, sozinha ja-mais será o suficiente para atingir o que eu busco. A erradicação da violência no mundo, Para esta pandemia que se alastra do Ociden-te ao Oriente do norte ao sul do planeta, só existe um antídoto, "o AMOR ” o amor que le-vou Jesus a se sacrificar por nós, a dar a vida por seus irmãos. E para que todos tenham consciência da necessidade deste antídoto é necessário muita oração, jejum e penitencia. Enquanto os homens não crerem no mistério da paixão e ressurreição de Cristo, e que pelo Seu Sangue derramado passamos a ser uma só família, que temos Seu DNA do amor , que somos todos irmãos independentemente de cor, raça, ou credo!
Quando o governo se decidiu fazer uma caça as armas, como estratégia de Combate a violência, a população se alegrou! Acreditava que com as armas recolhidas, os assaltos os homicídios diminuiriam, mas logo o povo se deu conta que ficaria desarmado à mercê dos bandidos que sempre têm um jeitinho de con-seguir armas e assim disse não no plebiscito.
Ainda se estava no processo e dentro do prazo de recolhimento Eis que continuam as notícias de homicídios mesmo sem arma de fogo, al-guns com cunho de perversidade muito além do imaginável, como aquele matricídio e parri-cídio praticados por uma adolescente, com ajuda do namorado e futuro cunhado, Continu-am as mortes nas boates ,onde pais pensam estar seguro seu filho e até o leva ali, sem se-quer desconfiarem que aquela seria a última vez que o estariam transportando, pois às ve-zes ele não volta mais ao lar, vítima da cruel-dade de outrem Continuam as mortes no cam-po entre os sem terra, e sem teto, mesmo sem uso da arma de fogo. Continuam as mortes en-
tre torcedores fanáticos de futebol. Continua a guerra entre as gangues do narcotráfico, usan-do armas de fogo que certamente não foram recolhidas, multiplicam-se as guerras entre nações, A mídia noticia um novo matricídio por um jovem desesperado. Um namorado ciu-mento queima viva sua namorada adolescente As mortes proliferam., continuam os homicídios de mendigos queimados vivos, a perseguição e morte de travestis, numa ostensiva discrimi-nação social .
Continuo dizendo! As Armas Não Matam! Quem mata são pessoas, movidas por proble-mas sociais, falta de escolas, de trabalho e até falta de comida!, Problemas psicológicos, de-samor, desagregação familiar, e problemas es-pirituais desconhecem o amor de Deus, o dom divino de perdoar e de pedir perdão. Enquanto o homem permanecer longe de Deus, desco-nhecendo ignorando o Seu imenso amor de mãe por nós, continuará a hegemonia da vio-lência, principalmente quando estamos sendo espectadores de um traumatizante espetáculo de impunidade na Nação!
Sabemos que a pena imposta ao ladrão é me-nor que a pena imposta ao homicida, mas há agravantes e atenuantes Desviar da nação os impostos arrecadados e pagos às vezes com sacrifício pela população crente que sua con-tribuição seria utilizada para o bem estar soci-al, na construção de estradas, de escolas apa-relhamento de hospitais, contratação e capaci-tação de pessoal, e depois vir a saber que aqueles impostos escorrem por valeriodutos, sem que os infratores sejam punidos
Façamos pois, nós cristãos, não importa a religião, todos cremos num Deus misericordi-oso imparcial e bom. Façamos juntos um dia por semana de jejum, para que tão grave e dis-seminada pandemia que se intensifica e se aprofunda a cada dia. Seja erradicada definiti-vamente do planeta!
67
“ Sobre Viver” com Arte: Um conclame aos Artistas que vivem na terra de Anit a
Por Jane Vieira Gariba
Olá leitor e leitora! Sabe, eu muito pensei antes de começar a redigir este texto, a con-vite de nossa maravilhosa consultora. Logo me veio à mente: vou à Internet e “pesco” algu-mas idéias pra desenvolvê-lo... Depois, fica fácil concluí-lo. Conversa! Foi então, que decidi realizar alguma atividade pré-concebida para o dia que me fizesse refletir e encontrar um caminho onde minhas palavras discorreriam. E assim, nasceu!
Erguendo meus braços abertos, ao vento, quase na ponta dos pés, com uma das mãos escorada a uma fina linha de nylon e a outra carregando centenas de fios de algodão coloridos, me libertei! Principalmente, quando utilizei recursos básicos da Física, num con-junto de alavancas perfeitas, feitas de fragmentos de madeira e arame. Isso! Foi assim, es-tendo roupas no varal que minhas ideias brotaram.
Comecei pensando, porque hoje em dia está tão difícil escolher entre o “ser” e o “ter”? Conheço centenas de pessoas que “tem” filhos, mas não “são” pais. “Têm” uma infini-dade de cursos, mas não “são” capazes de transformá-los em vivências. “Tem” posses, mas não “são” donos. “Tem” diplomas universitários (=educação), mas não “são” educados. Enfim, são centenas de vezes que podemos citar estes verbos... Em vão.
E o que isso tem a ver com a Arte? Já explico: É que em muitos e muitos momentos durante nossa vida, somos bombardeados pelo
“ter”. Exigem-nos ter carreira. Ter moradia. Ter transporte. Ter família formada. Ter alicer-
ce. Somos empurrados a construir um futuro que muitas vezes não é o qual sonhávamos. Por que tanta pressa para viver? Porque o dia se torna tão carregado de obriga-
ções? Que tempo reservamos para “sermos” felizes contagiando quem nos cerca? É aí que entra a Arte de Viver... De sobreviver com a Arte !
O artista é encantado pela vida. Necessita retirar esse imo de felicidade todos os di-as. E nas terras de Anita, isso brota nas esquinas. Não importa vivermos marginalizados pelos trocadilhos da sociedade, porque nossa essência é a vida. O “ter” se esbarra no nos-so “ser” nos tornando mais fortes. Mais amantes do que somos. Não precisamos “ter” um título para nos sentirmos artistas, porque já somos artistas da vida. Não digo aqui, que não precisamos estudar. Necessitamos! Sempre! O que não precisamos é viver amarrados a uma posse, seja ela de qual natureza for.
E hoje, especialmente, conclamo aos artistas que vivem na terra de Anita a se uni-rem. A exporem suas obras. A participarem de um circuito de Arte Lagunense, criando refe-rência no sul do nosso Estado.
68
EU SÓ QUERIA UM AMIGO
Por Janete Gutierres
Eu só queria ter um bom amigo,
Que pudesse me ouvir. Que pudesse olhar em meus olhos
E sentir a dor que consome meu coração. Que pudesse ser fiel e doce, que estivesse
Comigo nos momentos que mais precisasse. Que me defendesse e me amasse.
Que lutasse por mim nos momentos difíceis. Que pudesse pegar as minhas mãos entre as
Suas e me consolar. Eu só queria ter um amigo que pudesse
Caminhar ao meu lado, Que eu pudesse ter a certeza que ele
Estaria lá, e não me deixaria só. Um amigo verdadeiro.
Eu só queria um amigo.
69
Nos Braços do Carnaval
Jania Souza
De serpentina, baiana ou Pierrô
Vou mergulhar nos braços da folia
Só peço a Deus, nosso Senhor
Sua prazerosa e constante companhia
Para desfilarmos entre as cores da alegria
Na diversidade de musicalidade
E fazer do sonho puro
A maior realização do nosso astral.
Vou pular, vou amar, vou sorrir
Vou voar nos braços da felicidade
Entregar-me a Momo com o Galo da Madrugada
E levar comigo a plena liberdade
Para viver a espera do próximo carnaval.
70
CARTAS DE AMOR
Por Jaqueline Campos
Você me disse uma vez
Que após alguns anos
Eu não me lembraria do seu nome.
Mas ao reconhecê-la na rua
Descobri que você entrou em mim.
Outro dia, num repente
Juntei todas as nossas cartas de amor
(Eu não tive coragem de reler)
Mas levei todas, cuidadosamente
E acendi uma fogueira por nós...
71
UM FADO À FRANCISCO JOSÉ
Por José Alberto de Souza
“Vienen a ser novedades las cosas que se olvidaran.” LOPE DE VEJA
O cais vazio. Uma figura solitária. Os armazéns enfileirados. O vento nordeste. Ondas na amu-rada. O sol nascente. Gaivotas. As águas no horizonte. Um lugarejo além-mar. A luz fraca do acetileno. O cascalho das ruas estreitas. Lua minguante. Alvas casas de portas e janelas colo-ridas. As cordas percutidas de uma guitarra. O canto dolente de um fado. FRANCISCO JOSÉ: Partir, Ter de te dizer adeus E sentir falta dos lábios teus. (Um bêbado apoiado no poste grita na noite, conversa com seres imaginários que não o perce-bem; estes falam entre si.) BÊBADO: Nunca que vocês tiram ela de mim, metam-se e eu acabo com sua raça de bastar-dos. OS OUTROS (afagam-se, olhares perdidos, braços e pernas confundindo-se na massa): Nin-guém nos compreende, temos mais de aproveitar a onda. (Ruído de um grilo, o ronco saindo de uma veneziana, gemidos, o ranger de uma cama, casca-ta tamborilando no urinol.) FRANCISCO JOSÉ: O que resta após despedida Nada mais é do que saudade, Lembrança daqueles momentos Que tivemos de felicidade. (A orquestra ajustada, violinos ao fundo, o coro na frente, a guitarra quase humana.) VIOLINOS (discretos): Sonhemos, é eterna a nossa noite. O CORO (altissonante): Grande coisa amar desse jeito. A GUITARRA (chorando): Tenham pena de mim... (A mariposa na direção do facho no sentido da luz gira a bolsa, provoca os passantes.) FRANCISCO JOSÉ: Partir, Ter de te abandonar Com a esperança de voltar. (A réstia vermelha e tênue escapando através da porta entreaberta, cadeiras arrastadas, a tra-jetória de uma garrafa no ar, um corpo caindo na laje fria, crianças adormecidas na calçada).
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O CALHORDA (sacudindo a poeira da queda): Mas que gente mais estúpida; precisavam me tratar assim só porque dancei com a garota do chefão. O PORTEIRO (dedo no meio dos lábios, tapinha nas costas dele): Psiu, não vai acordar os coitadinhos. (Clareia o dia, as lanternas se apagam, janelas batem abrindo aos pares, carroças surgem de todos os cantos, ferraduras tiram faíscas das pedras, o lugarejo some do pensamento.) FRANCISCO JOSÉ Vou m’embora pra bem longe de ti (solta todos os agudos): Com o coração em pedaços Pois minha maior vontade Seria querer-te em meus braços.
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presso da revista!
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Chegada
Por José Carlos Paiva Bruno
Clarão do meu destino,
Surpresa em revelar...
Espraiada d’emoção,
Mais perfeita oração.
Cambaleando e perseguindo,
Sonho imaculado,
Gládio desesperado,
Éden alcançado!
Suprema felicidade,
Ardente flâmula,
Brado afortunado,
Arauto do coração...
Ritmo frenético,
Por vezes patético,
Despenseiro da angústia...
Que nos leva, como ladrão.
Pra longe da verdade,
Sorriso da eternidade,
Esquivança da razão,
Calma da carne e d’alma...
Poesia da paixão,
Pois que o caminhar,
Desnuda minha existência,
Precedente ao chegar!
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O PEÃO ROMÂNTICO DO TORDILHO NEGRO
Por José Valdir Oliveira
Na semana em que as areias da praia
de Copacabana na cidade do Rio de Janeiro
amanheceram cravadas com 700
(setecentas) cruzes pretas, representando
700 vidas ceifadas pela violência urbana so-
mente desde o inicio do ano. Fato repug-
nante e sinistro que desencadeou no país
um misto de espanto e de indignação pelo
desvalor da vida. Na Palhoça, no entanto,
para contrabalançar o horror da vida e aca-
lantar nosso contentamento, teve lugar,
uma singular e dis�nta declaração de amor
de um homem por uma mulher, declarando
ao mundo dos vivos que nem tudo está per-
dido e que a violência não é a única forma
possível do relacionamento humano. Para
nossa felicidade tal alento de esperança e
de dignidade fez-se na noite em que o nosso
amigo Té, o peão român�co do tordilho ne-
gro, veio lá das bandas do paredão, convi-
dou os parentes e amigos para dizer a todos
naquele dia quão grande e verdadeira é sua
paixão pela musa, namorada, mulher e ago-
ra noiva Regiane. Os convidados aos poucos
foram chegando e foram se acomodando
nas cadeiras e mesas,cumprimentando os
presentes, saudando o noivo, a noiva e fa-
miliares. O som do Tom, irmão do Té rolava
o sertanejo român�co, indicando que a noi-
te seria de arrebatadoras emoções e de co-
rações rasgados. Uma dupla de loiras, loira
Mara e loiras engarrafadas suadas de calor e
frio, também enunciavam tudo de bom a
confraria do Te e Regiane. As loiras gaseifi-
cadas e suadas de tanto gelo eram tragadas
entre conversas, piadas e risadas, acompa-
nhadas sobremaneira de alguns cow-boys
do litro verde. Na verdade, nessa ocasião, o
certo era que já estávamos quase todos em-
briagados conjugadamente pelo teor alcoó-
lico tequilar e pela alegria de aguardar o
melhor da festa, numa rara e feliz oportuni-
dade de se testemunhar o amor de um ho-
mem por uma mulher. De se dizer ao mun-
do sem a vergonha “quer, quer, quer!!!!
Quer casar comigo”, fazendo-se assim, acre-
ditar que ainda há uma esperança de cami-
nhar pela vida acompanhado de uma paixão
mulher. Nessa breve cerimônia de anuncia-
ção das bodas, o quase noivo Té corria e
sorria entre as mesas ora passando a mão
na cabeça, ora na barriga, servindo os ami-
gos e calibrando alguns drinques para dri-
blar a emoção sofreada até o ponto alto da
noite. A escolhida, rainha da festa e também
quase noiva se desdobrava entre a família e
os amigos. Tudo já indicava que o pedido de
noivado estava preste a acontecer, o Fábio,
agora cidadão içarense já havia aprovado o
churrasco, o Zé da Marise ba�a o pé, o Diniz
dizia que a cerveja ali na festa estava gelada,
o Sérgio nem falava tão alto, o Alaor da Tâ-
nia soltava sua risada pouco conhecida, o
Odair, para os amigos, o carreirinha, passava
a mão sobre sua volumosa cabeleira olhava
para a Márcia pro Maneca e pra dona Célia,
pensa�vo indagava, hoje que esse noivado
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noivado sai. Enquanto isso alheio a toda es-
sa mul�a�vidade, o Adriano Velho dormia
sentado numa cadeira debaixo de um bico
de calha sem se importar com o aguaceiro
que desabava sobre Palhoça. Foi tanta água,
após longos dias de poeira que só poderia
ser cumplicidade dos anjos para regar e ce-
lebrar o noivado. O clima era perfeito, mas
ainda �nha gente que chegava, era o Bolão
�o do noivo e a Miriam, o Guto, ainda pen-
sando no dominó, com a Soaria, juntamente
com o Irminho, que com as mãos para o alto
exclamava “obrigado Jesus!” Nada mais ha-
via a protelar o feito! Quando então de for-
ma solene o Tom, irmão do noivo, D J da
ocasião, faz soar: Aleluia!, Aleluia!!!! Ale-
luia!!!!! Proclamando pelos trompetes ele-
trônicos toda a pompa que a circunstância
exigia para esse ato solene. Agora, nesse
momento,todas as atenções se voltavam pa-
ra o palco improvisado. Ato conXnuo, lá, es-
tava todo garboso o audacioso Té, de pronto
chamou a amada a sua companhia, os pais,
os irmãos, e se o espaço fosse maior talvez
ainda es�vessem chamando alguns. Ele es-
tava decidido, mas a companhia dos amigos
e parentes nesses momentos sempre ajuda
muito, socializa a coragem e a alegria. Na
expecta�va, e parafraseando uma música
dos anos 70, a platéia toda aplaudia e só de-
sejava ser feliz, ansiosa aguardando ansiosa
o pedido de noivado. Doce ilusão esperar
que o pedido de noivado viesse logo de
pronto, na verdade, após o protocolo inicial,
o quase noivo que não fechava a boca sor-
rindo e que coçava a barriga sobre a cami-
seta, inclinou a cabeça para o lado da noiva
que refreava o con�do o choro. E como não
havia mais o que protelar, o Té respirou fun-
do e passou a narrar o breve relacionamen-
to de dez anos com Regiane,dizendo: antes
de qualquer coisa, vou contar uma história
para vocês. Vocês sabem né, eu a Regiane
nos conhecemos, estamos juntos e somos
companheiros desde o tempo em que eu
estava na 6ª série e ela na 5ª série, no pri-
meiro grau. Eu olhei pra ela, ela olhou
pra mim e foi daquele jeito né. Quando che-
gou o fim do ano perguntei a professora se
eu �nha reprovado? A professora me res-
pondeu que sim e eu disse então, é isso que
me dá felicidade. Dessa forma quis o des�-
no que eu reprovasse para estudarmos jun-
tos. Daí eu cheguei pra Regiane tal e coisa e
tal, ficamos umas duas vezes e pedi com
brevidade para namorarmos. Regiane me
disse sim, que por ela tudo bem, mas o pai
dela somente deixava namorar depois dos
quinze anos – eu disse tudo bem, não tem
importância, sou mesmo meio fora da lei. Aí
quando ela fez quinze anos eu fui à festa na
casa do pai dela. E desde essa época, esta-
mos sempre juntos, superamos todos os
conflitos e as crises da adolescência, con�-
nuamos unidos na experiência de um relaci-
onamento mais maduro e adulto, e, esta-
mos hoje aqui na presença dos parentes e
amigos para consagrar, através desse noiva-
do, o nosso desejo de seguirmos enamora-
dos pegados um no outra vida a frente. Ao
findar toda essa especial narra�va de vida
e sonho, a fala do pai da noiva foi abafada
76
pelos aplausos, diante dessa muito bela e louca palhocense história de amor. O ato heróico, pedido formal de noivado final-mente estava realizado. Finalmente as ali-anças se enlaçaram nas mãos de Té e Re-giane. Somando-se a tudo isso para a co-roação do evento, Dna Aparecida, mãe do Té muito emocionada, pegou a todos de surpresa, trazia nas mãos duas tacinhas de cristal conformando a champagne es-pumante, as mesmas tacinhas que há muitos anos atrás haviam celebrado o ca-samento dos avos do Té, o Senhor, Evádio e a Dna Edite. E que na casa desses per-maneceu como testemunha silenciosa pa-ra em algum momento quanto chamada recontasse àquela e, refizesse a historia de outros personagens. Não há quem não
diga qual linda história de amor nos faz
sen�r mais humano, quando uma paixão
assim acontece para lavar a almas dos
amantes, como também dos medrosos e
insa�sfeitos. Esse brinde a vida deve,
pois, ser como uma praga, uma pandemia
repe�damente espalhada aos gritos, aos
confins da solidão do mundo inú�l e esté-
ril do co�diano que nos tem abreviado os
sen�dos e o gosto de viver. Ave seja! O
peão român�co do tordilho negro com
sua inseparável amada, que recitem ao
mundo a forma normal e infinita da convi-
vência apaixonada, sinalizando sempre
que o júbilo da eternidade temporária
não dispensa a coragem de apostar no
que lhe parece bom e no entendimento
que esse bom é o outro e como tal é o di-
ferente, muito embora, desavisadamente
pela vida procuremos o sempre igual...
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* Se foi enviada pelo autor
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AHHH ... POESIA ....
Por Ju Petek
A poesia cabe na palma da mão deixa rastros no chão
A poesia voa num balão embala uma canção
A poesia pode o mar navegar
a ventania enfrentar e mesmo que naufragar
elevar-se ao amar
A poesia atravessa um oceano eleva-se ao céu
atinge a estratosfera e se perde na imensidão da pureza do teu olhar
A poesia é a pureza que recito
é sentir teu coração de tocar-te com palavras
de querer-te em letras de estar contigo nesse instante ... de pura poesia
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Indomável pensamento
Por Ju Virginiana
Meu pensamento voa, vaga Arrisca e se perde em ti
Constrói sua morada E em segredo
Brinca, sonha e ri
Acorda calado E em silêncio
Deixa uma lágrima cair
Vaga, divaga, Insiste, desiste
E ali volta a residir
Fica, demora, devora Para e não quer sair Aquece, endoidece Dilacera, explode
E não me deixa dormir
Indomável pensamento Domina meu coração de menina
Cavalga em seu poder
Sua imagem passeia em mim Desnuda meu ser
Seu nome chama pelo meu E baila no salão do sonho
E o sono não vem
O pensamento insiste, Não desiste
Exausta me entrego, deixo fluir
E o pensamento voa, vaga E paira definitivamente em ti.
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HOMEM E ANIMAL
Por Júlio César Vicente
De Laguna vem um belo exemplo de cumplicidade entre homem e animal. Quando os golfinhos ajudam pescadores a encher a rede de tainhas, a parceria vira um es-petáculo para encantar turistas.
Quando os golfinhos dão o sinal, as tarrafas começam a cair em sequência. O espe-táculo da pesca com o auxílio de golfinhos só existe em três lugares do mundo: na costa da Austrália, na Mauritânia, no continente africano, e em Laguna, Santa Catari-na.
É na temporada da tainha, que a parceria se torna mais frequente e os pescadores passam o dia inteiro na água à espera dos cardumes trazidos pelos golfinhos.
Com o auxílio dos golfinhos, os pescadores chegam a capturar mais de 80 tainhas de uma só vez. A convivência cria intimidade e cada golfinho é chamado pelo nome. “Os pescadores conseguem não só identificar os indivíduos, mas quais os comporta-mentos que eles estão tendo que indicam a presença ou não de peixes na área. Es-se nível de interação é único e ocorre somente na Lagoa de Santo Antônio”.
Em 1997, os golfinhos foram declarados patrimônio natural de Laguna
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O CÃO DE ASAS DE LUZ
Por Lariel Frota
Nos momentos mais difíceis
De lágrimas, conflitos e dor
Se aproxima mansamente
Assusta seu mal odor.
É velho, magro sarnento
Espanta pela feiura
Mas por mágico momento
Sua figura repugnante
Chama a atenção, e o problema
Se esquece por breve instante.
Enxotado a pedradas
Ninguém lhe nota o olhar
Doce, meigo paciente
Carrega na feia figura
Na magreza, no fétido odor
O que só a alma pura
É capaz de ver, o amor
Xingado, chutado, ferido
Menosprezado, esquecido
Sua sina calado conduz
Mas na hora do descanso
Voa com asas de luz!!!!
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Cidade branca
Por Lázaro Bulos
Despertei-me na branca cidade,
E até não me lembro da minha idade.
Até não me lembro quem eu sou
É a minha vida que só me deixou.
E todo o dia, sem esperança,
Sem a inocência de uma criança,
Ando ignorante sem ter objetivos
Neste paraíso de ridículos artifícios.
Será que essas mentiras estão no roteiro?
Ou sou eu o único cego que não vejo,
Que não vejo perdidos nossos desejos?
Então tentei olhar além do nevoeiro Mas meu olhar se perdeu em novo erro
Vi em volta de mim e vi um mundo inteiro,
Um mundo que pede sua própria morte
Um mundo que não tem, tristeza, nenhuma sorte.
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Ocaso
Por Lelo Néspoli
Na Praça do Pôr do Sol, o homem e o seu cão observavam fixamente o horizonte. Quando foram notados pela primeira vez, eles causaram certa estranheza pelo jeito curioso como se postavam na praça. Ninguém os via chegando nem deixando o local. Porém essa imagem de estranhamento que os frequentadores tinham dos dois foi esmaecendo até passar despercebi-da. Com o tempo, parecia que homem e cão faziam parte do cenário junto aos bancos, arbustos e pinheiros.
O cachorro não era de raça, mas também não se podia dizer que era um vira-latas; era as-tuto e tinha certa aparência que lembrava os coiotes. Porte médio, sua pelagem era lisa e acin-zentada, nele se destacando as orelhas, as patas e o focinho que eram negros. Postado ao lado direito do homem, com a cabeça entre as patas mantinha os olhos bem abertos, quieto, sempre olhando para onde o homem olhava.
O homem tinha cabelos grisalhos, os olhos fundos, castanhos e circunspectos, encrava-dos na face vincada. Suas rugas eram como linhas de tempo, todas remetendo a algum lugar do seu passado.
O que os frequentadores da praça mal sabiam eram as reflexões de que se ocupava o homem. Uma dizia respeito à dualidade entre a circularidade e a linearidade do tempo. Porque – pensava -, se por um lado existiam inúmeros fatos e fenômenos que se repetiam – afinal, não estava o Sol a se pôr sempre ao final de todo dia? -, por outro, se contrapunha um tempo que atuava como uma seta encaminhando tudo em uma só direção até o ponto de não retorno, irre-versível.
A segunda dizia respeito ao tempo cosmológico e biológico. O tempo cosmológico, resul-tado da evolução cósmica iniciada a bilhões de anos, é infinito. As estrelas morrem, outras nas-cem e o universo se renova constantemente. Nesse turbilhão, nosso destino foi habitar um pla-neta que é um grão de areia na imensidão do Universo. A existência da vida terrestre também seria fruto da aleatoriedade e da evolução, mas finita, dependente de hipóteses diversas, como por exemplo, enquanto durasse o combustível solar. Buscar outros planetas onde a vida seria aprazível conspirava contra o tempo da existência humana. Assim - pensava o homem - não há ponto de fuga, somos eternos prisioneiros em nosso pálido ponto azul.
Todo fim de tarde, via-se o homem imerso em suas reflexões ser seguido pelo cão. Nes-se período observavam um ponto brilhante que parecia ir sendo puxado pelo Sol em seu mergu-lho no horizonte. Muitos na praça exaltavam - “Que bela estrela”! - se referindo ao planeta Vê-nus, a estrela vespertina, como os antigos o chamavam.
Quando caia a noite, eclipsada pela poluição e pela intensa luminosidade da metrópole paulistana, a visão noturna não era mais a mesma. Mesmo assim, homem e cão não se impor-tavam e ficavam esquadrinhando o firmamento apinhado de estrelas.
Longe de conhecerem o passado do homem e do seu cachorro, aqueles que de início os observaram com visível interesse faziam especulações acerca daquele excêntrico personagem: “um astrônomo”, “um místico”, mas para muitos ele era apenas um “ser errante”.
Que sentimentos poderiam provocar no homem essas opiniões tão contraditórias? E o que se podia dizer do seu fiel cão?
Alheios às diferentes opiniões, homem e cão seguiam acompanhando o ciclo das esta-ções. A partir do outono a frequência à praça diminuía. Vênus já não era mais visto à tarde, apa-recendo antes do nascer do Sol como ‘estrela d´alva’. Com o início da primavera a praça flores-cia e as pessoas iam retornando e tomando conta do lugar novamente.
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Num sábado já em pleno verão quem chegava à praça experimentava uma estranha sen-sação, como se algo estivesse fora do lugar. Tudo parecia estar como antes: os fotógrafos clica-vam, os desenhistas preparavam seus esboços, alguns liam, enquanto outros simplesmente aproveitavam o dia ensolarado. Sem que pudessem explicar, nesse entardecer ninguém deixa-va a praça. Talvez pressentissem e esperassem algo acontecer.
Quando o Sol desceu no horizonte e a noite foi chegando, ouviu-se um som agudo, longo e estridente. Instantaneamente, os olhares se voltaram para local de onde vinha aquele lamento e puderam observar o cão em pé sobre o banco, cabeça levantada, as orelhas eriçadas, uivan-do como um velho lobo e com os olhos bem abertos olhava para onde o homem sempre olhava. Somente então todos perceberam que o homem já não se encontrava mais ao lado do cão.
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OUTONO
Por Lorêny Portugal
Quando o lilases e os róseos pintam ipês,
e bordam o capim-gordura das encostas do caminho,
é o desamor que vem chegando.
Os cheiros da canela, do cardamomo, do anis-estrelado
que vêm do fogão de lenha entranham as vísceras,
fazem doer o coração. Assim, de manso,
tiram o sorriso dos lábios, mandam os olhos chorar.
Não vou fazer mais bordados,
nem sianinhas, nem bicos de crochê,
nem colcha de retalhos.
Nem lerei os peixes da Adélia
que por muitas vezes povoaram
meus sonhos de um casamento feliz.
Nem os cotovelos se encontrarão ou se baterão, assim... de leve.
No meio de caminho,
as flores róseas e lilases se intensificam.
Aqui, ali, na mata ao longe, às vezes indecisos, sozinhos,
Eretos, fugidios, sem firmeza.
Sofrimento de amor é bonito de se ter!
Há quem diga que o olhar perde o viço.
Mas buscam longe - lugar da solidão.
Vê com as tintas do infinito
onde os olhos buscam o perdão.
Sofrimento de amor é colcha de retalhos
em cada parte, um verde, em cada som, um riso,
em cada quadro
o alguém para se lembrar.
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LONGE DE SER CIENTÍFICO
Por LSM
Tenho saudade dos sentimentos bons provocados em mim, não de quem
ou o que os provoca. Só algo tão abstratamente definido (ou indefinido) quanto o fa-
to de sentir pode estar conectado com o “sentir falta”, conexão essa que a matéria
não seria, de forma alguma, capaz de fazer parte. Essa relação e esse conjunto de
sentimentos que é a saudade é quase indescritível para quem sente, e ainda mais
para quem tenta desvendá-la sem senti-la, quem busca na matéria explicação para o
abstrato. Impossível de ser analisada em laboratório, é exclusivamente sentida.
Essa peculiar palavra da língua portuguesa expressa em apenas três síla-
bas o que na maioria das línguas faz-se necessário o uso de duas ou três palavras. I
miss you, tu me manques, te extraño.Saudade. Tão simples e pequena, tão abran-
gente quanto ao significado. Saudade é um sentimento de vazio que consome quem
sente, e é ainda pior para aqueles que não podem sentir de novo aquilo de faz falta.
É como se a cada instante a vontade de voltar no tempo e reviver fosse maior, à me-
dida que ele passa.
Sinto falta do que me fez bem porque não me deixou, no momento, sentir
falta de mais nada. Saudade é um círculo vicioso de substituições de razões para
senti-la, e a ela estamos sempre sujeitos, já que vivemos. Vem e nunca passa, só se
renova; se passa, faz-nos falta sentir falta, o que é puro pleonasmo. E é tão humana,
essa tal de saudade, que sufoca e logo em seguida, ao sentir de novo, faz de tudo
melhor. É ela que deixa um vazio e logo o preenche para esvaziá-lo de novo. Enche
e esvazia o quê, nem eu sei, assim como ninguém sabe. Pode ser algo como um es-
paço incurável dentro do ser humano, onde sentimentos são guardados e nem mes-
mo os mais brilhantes cientistas, aliados a toda a tecnologia, um dia virão a localizar.
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SOLIDÃO
Por Luiz Antônio Cardoso
Propensos a quereres semelhantes,
tendo a poesia inata em nossas mentes,
tínhamos o infinito... e como amantes
seríamos estrelas reluzentes.
Mas eis que seus desejos, tão arfantes,
fizeram dos meus sonhos, tão descrentes,
migalhas de lembranças arquejantes,
fenecendo em processos deprimentes.
Recusaste o poeta que há em mim,
e todos os meus versos, que sem fim,
esculpiram o amor que eu quis te dar...
e decretaste enfim, a solidão,
para me acompanhar à imensidão...
onde hei de eternamente te esperar!
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A PAZ QUE EU QUERO
Luiz Carlos Amorim
Pra que a guerra? Pra que revolta,
ódio, dor, ganância? Eu quero a paz,
serenidade, amor, quero asas povoando o céu...
Quero crianças correndo em meu caminho, quero ouvir risos em todos os lugares,
quero sorrisos no rosto do irmão... A paz, ah, a paz...
Não vá embora, amiga escorraçada. Fica um pouquinho mais... Inda há crianças por aqui,
anjos pequeninos, brancos, negros, amarelos, pardos,
anjos que te têm nas asas, como pássaros em liberdade
andando pelo chão para depois voar...
Vem que eu te quero, paz. Não deixe que eu morra pelo ódio,
não importa quando eu vá. Quero morrer com uma flor na mão, na outra mão um toque de criança
e nos olhos um sorriso teu... Sorriso de vitória por estar aqui,
amiga paz, até que eu vá e até depois que eu tenha ido...
Pois há de haver, mesmo que eu não esteja mais aqui, pássaros no céu, crianças pelo chão,
flores a desabrochar e corações abertos. Paz, teu tempo é sempre,
teu lugar é aqui!
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TER E PERDER
Por Luiz Eduardo Gunther
Há uma música
saindo da casa
daquela mulher,
junto com o aroma
de uma comida
qualquer.
É preciso prestar
atenção:
essa melodia,
esse aroma,
podem transformar
todo seu dia.
É preciso considerar
o que se tem
como frágil/provisório:
tudo o que vale
de repente
se pode perder.
89
RESGATE
Por Luiz Otávio Oliani
como posso resgatar o que não existe em mim?
ao beijar a solidão eu me dispo por inteiro
da escória que é o homem na inútil tentativa
de ser Deus por um minuto
90
SOMOS CONTIGO
Por Luzia
Somos quem pisa com teus pés o chão.
Mas também quem te dissolva e não em vão.
Somos quem ouve tuas preces na escuridão.
E os que silenciam sem jamais largar a tua mão.
Somos a lanterna oculta em teus bolsos de prontidão.
Mas aguardamos sempre as pilhas vindas do teu coração.
Somos quem somos e os nomes nada são.
A importância está em tua condição...
De amar junto a nós.
De orar junto a nós.
De elevar junto a nós
O pensamento a todo o cosmos,
O que somos fora e dentro de ti.
Porque são o mesmo e não estamos a esmo
Contigo,
Guiando-te.
91
Requiem aeternam
Por Ly Sabas
De quê morreste tu, meu coração, assim tão de repente?
De que sonhos inconfidentes,
De que desejos inconfessáveis?
O que levaste, coração, para o infinito?
Se não um verso sem rima, haicaístico,
Se não uma frase capenga de emoção?
O que deixaste, meu coração, como legado?
Se nem ao menos cometeste um pecado,
Se não sofreste nenhuma ingratidão?
Caminhas agora, coração, acabrunhado,
Por prosas áridas de sentimentos emaranhados,
Por contos tristes desprovidos de paixão.
De quê morreste coração, tão de repente?
92
Chão
Por Maíra Galhardo
O pão da vida Temperado com o sal da terra O que será do nosso amanhã?
Se já não conseguimos mais colher nossos frutos
Não há mais raízes, princípios, vontades, virtudes... Estamos sem chão
Para que a vida cresça em nós Para que vejamos Deus em tudo e todos
Nos nossos pensamentos, palavras e atitudes
93
Por Malu Freitas
94
Ela e eu
Por Marcello Ribeiro
Uma canção quer nascer no meio dessa gritaria.
Versos cantados medido,
vozes na porta do meu edifício
Quando vou te ouvir dizer:
Não falo tua língua.
Soam faróis e buzinas,
sobram perdas nessa confusão
Uma nação quer crescer no meio dessa covardia.
Vozes caminhos contidos,
versos na parede do meu edifício
Como vai entender?
Não falo tua língua.
Soam faróis e buzinas ,
sonho perder essa confusão
95
Um dia de sol em Zurique
Por Marcelo Candido Madeira
Nos dias de inverno, em Zurique, ter um dia de sol é uma raridade. Como a cidade é situada entre vales, a margem de um imenso lago, é comum pairar sobre nossas cabeças uma grossa névoa dias a fio, semanas, ou até meses, sem exagero. Às vezes, podemos ob-servar a grande bola ardente por detrás das nuvens, sem óculos escuros, ou mesmo, sem apertar os olhos. Quando o sol aparece, as pessoas na rua param e sentam-se para apro-veitar um pouquinho de vitamina D.
Aqui em casa fico de olho na janela, atento a sua chegada. Geralmente é coisa rápi-da, ele surge meio tímido, sem aviso prévio. Nesses casos, ponho minhas roupas de inver-no e me preparo para sair.
Primeiro o minhocão, uma meia grossa, a calça, depois uma malha fina e pegajosa no corpo, uma camisa de manga comprida e...Pronto, ao olhar de novo pela janela o sol já se foi. Desisto. Com um frio desses, é melhor ficar em casa. Tiro primeiro a calça, o minho-cão, a meia grossa, depois a camisa e quando eu menos espero, eis que surge novamente o sol, um solzinho de nada. Visto primeiro o minhocão, a meia grossa, a calça de um tecido grosso, depois a camisa de manga comprida, uma suéter de lã e por fim, um casacão, calço a bota, jogo sobre o pescoço o cachecol, afundo um gorro na cabeça, puxa... Enfim, estou pronto. Confiro pela janela e lá está ele. Vejo se está tudo bem antes de sair, tudo fechado, fogão desligado e ao olhar de novo pela janela o sol já não está mais lá. Maldição. Sinto um calor desgraçado com toda a indumentária dentro de casa e decido ficar. Tiro a bota, o ca-checol, o gorro, o minhocão, a calça, já estou suando de calor...Abro as janelas e entra um frio lancinante. Fecho as janelas. E não deixo de reparar que o sol voltou. Ele acanhado pa-rece zombar de mim.
Agora me apresso, visto tudo o mais rápido que posso, o minhocão, a meia, a calça, a camisa, a suéter, o casacão, a bota, o cachecol, o gorro...Corro para a porta. Chego à rua e sinto um solzinho mixuruca acalentar o meu rosto. Fecho os olhos e logo bate um frio de lascar, abro um olho e depois o outro e me desespero. É tudo sombra. E um vento impiedo-so começa a perfurar os meus ossos. Corro para casa. Entro esbaforido, tranco a porta e já sinto um calor. Tiro tudo. Vou até a janela na esperança de vê-lo novamente, mas é tudo breu. Escureceu. Agora, só me resta esperar pelo dia seguinte. Amanhã, ele não me esca-pa!
96
Sonho de Sete de Setembro
Por Marcelo de Oliveira Souza
Glorifiquemos a Independência com orgulho e satisfação
Um País gigante, de influência Formador de opinião.
Políticos de sapiência
Que ama o povo e a educação Exaltando nossa bandeira
Símbolo da Nação!
A virtude da igualdade Em cada segmento
A saúde com recorde de desenvolvimento Curando a ferida aberta sem sofrimento.
Respeito mutuo e contentamento
Uma grande virada no nível de vida
Bloqueando os ressentimentos.
O Brasil que é campeão Não só no futebol
Que era homenageado e gritado Por desempregados e desdentados.
Celeiro do mundo
Exportador de Tecnologia O Brasil potente Cheio de alegria.
Acorde ! é só hoje que podemos sonhar
Amanhã tudo permanece igual!
97
Homenagem ao Hino da Marinha Brasileira
(“A canção do marinheiro”)
Por Marcelo Moraes Caetano
Qual cisne branco que em noite de lua
Mostra suas asas sob o céu azul,
Minha fragata, num sonho, flutua,
Beijando os mares de norte a sul.
E a minha pátria, tão vasta e sozinha,
Chorosa pela falta de seus filhos,
Mas já regresso, ó pátria mãe minha,
Vê que voltamos, como estribilhos.
Sob os coqueiros das tuas enseadas
Hei de regar a sede dos teus seios,
Que dá nas deusas marinhas e aladas,
Carentes das tuas mãos, dos teus esteios.
Belo regresso, pelas madrugadas,
Que já decerto viram sol inteiro,
Vamos voltando, entre as águas salgadas:
Cada marujo, um lindo brasileiro.
98
Casa via Consolação
Por Marcio Freitas
São rápidos olhares
Tempo é curto e custa caro
Passos apressados
Metrô lotado
Aqui em cima o calor, o frio...
Um carro parado
À frente um importado passa lentamente
Um negro sujo, contente
E um fusca branco dando-lhe a vez
Mulheres bem vestidas
Homens também
Chicletes pela calçada
Bancas de revista sem good news
Folhetos diversificados
Caiu um do meu lado
Mais suja a cidade!
A Paulista marcada de ponta a ponta de ci-garro
Festival de cores e pigarros
Consigo ver o ar que respeito e aspiro
Nos dois sentidos
Sem nenhum sentido
Mais um celular na mão pela boca
Negócio?
Esposa?
Mesada das crianças?
Amante?
Bem, não tenho nada com isso
Já tenho compromisso
Basta um instante
E com a mente de um pequeno gigante
Vejo café, garoa, Oswald de Andrade
Poema pílula
É cada uma do Oswald
Mês que vem tem feriado
Um dia sem sufoco
Litoral afogado
Quanto avisto a Pamplona, felizmente
Mulheres bonitas, elegantes
Por baixo da seda seus segredos
Ou talvez cigarro na bolsa
Uma ponta de sol deixa o MASP mais char-moso
E o relógio urbano acusa frio
Mas tenho calor na espinha
Só para não esquecer
Deixei colado em minha porta
Que hoje é noite de luar.
99
MARIA DO BENONI E O MENINO JESUS Por Márcio José Rodrigues São tempos de natal. Hoje pergunto-me se ainda existe espaço para que Jesus nasça nos corações de uma socieda-de hipnotizada pela posse dos bens materiais, conforto, individualismo, poder e aplauso. Lembrei-me da cena surpreendente que um casal pitoresco fez acontecer no centro da cidade, faz algum tempo. Benoni, analfabeto, doente, mendigo, desprezado e marginalizado, cômico, por ser torto, levan-do a sua Maria grávida, num carrinho de mão, a caminho do hospital Senhor Bom Jesus dos Passos. Uma Maria do ventre cheio do seu fruto, um Menino Jesus marginal prestes a nascer nos braços do Jesus dos Passos, conduzidos por um José sem jumento nem estrela. Mulheres e homens perplexos paravam à beira da calçada assistindo à inusitada cena daquela mulher que mal conseguia cobrir a imensa barriga com o curto e roto vestido, desconfortavel-mente reclinada na concha do carrinho, tentando com esforço, manter o tronco um pouco ereto, mal sustentado nos cotovelos; as pernas dobradas como se fosse dar à luz ali mesmo. Ele, andando em frente, o rosto crispado da imensa ansiedade de saber da pressa, parecendo nem perceber a nossa presença e nem sequer pedindo ajuda, as pernas trôpegas, o corpo ar-queado e as mãos firmes agarradas como tenazes aos varais da improvisada ambulância. Ela sorria daquele sorriso humilhado dos indefesos, quase a nos pedir desculpas por ser tão po-bre ou por estar usando a nossa rua para desfilar sua miséria, como fazem os que sentem ver-gonha até de chorar. Sentimos pena, algum remorso , achamos graça? Nem sei. Mas, penso que nenhuma mulher teria tido uma prova de amor tão eloquente, como aquela Ma-ria suja e ridícula, deitada num carrinho de mão, o olhar angustiado observando as pessoas, como se tentasse desesperadamente gritar o seu drama, ou quem sabe, proclamar sua glória. Talvez até provocasse a inveja em muitas outras que porventura nunca tivessem merecido tal declaração do seu homem. Ou como se Benoni estivesse a ministrar uma aula a homens que nunca chegaram a fazer uma declaração de amor heroico e sem restrições, assim, à sua mulher. Patéticos, grandiosos, inesquecíveis
100
A fuga da abelha rainha
Por Maria de Fátima Barreto Michels
Majestade do mel
sei que planejas te mudar
e, desta vez,
não permitirás que te sigam.
Percebo...
São outras as tuas intenções.
Já não te alimentam mais
geleia e própolis,
que outrora te satisfizeram...
Exausta,
tentas despistar teu séquito,
o qual sem rumo descobre-se,
em orfandade.
Tua natureza de apontar floradas,
ninguém esquecerá...
e o mel que nos deixas de herança,
contem uns sais
que não deterioram.
Eu que bem te vi um dia com o cetro...
Agora,
acompanho em preces teu voo derradeiro,
para a Flor Maior.
Quando sumires de vez na imensidão,
operárias nos revezaremos.
Abelhas, é de nossa natureza honrar tua doçura.
Compreendo.
Segues para lá, onde o mel já está pronto.
101
ABSOLUTA
Por Maria Heloísa Fernandes
Coração inquieto Amores e dissabores
Não é eterno! Percebo-te a chorar!
A lágrima quente que rola Minha alma consola Solidão, decepção,
Desilusão! Você indecisa
Lamenta, chora, pisa Descontente com o mundo
Absoluto! Profundo!
Agora em meu canto Que canto, encanto e te ofereço
Não te iludo te reconheço Sei que sou quem procuras.
Se um dia quiseres Admire a linha do horizonte
Há um mundo único De amor a te ofertar.
Hoje te gosto! Sussurro, suspiro!
Em ti aspiro Meu amor!
Pedra preciosa, afanosa no lapidar Receberás mil flores!
Conquistas muitos amores! Mas único e seguro?
Somente o meu!
102
Oração ao caos
Por Marília Kosby
Enquanto existires Caos
Serás da minha vida o único porto
E farás de mim o teu preciso norte
Te empresto as minhas roupas
Invisto contra ti as minhas armas brancas de negra
Guardo o teu caminho
Bendito caos Eu te prometo
Mas me sejas brando como eu te sou vigia
E me sejas doce como eu te sou cultora
Caos
Bendito seja o fogo que me ateias
Benditos sejam os amanhãs de onde despontas
103
Fotos
Por Marina Medeiros
104
Alvorecer
Por Matheus Paz
Rasgos são traços
Esboço do pescoço
que rasga
com a barba
que se traça
Montanhas escuras
Alvorece lá no morro
a manhã fuzilada
105
Chove lá fora e aqui
Por Mauro Maciel Quando chove como agora no Rio de Janeiro, então toda a cidade chora em um só tempo; Tempo fechado, foge o azul, no céu fito o cinzento. Faz vento e o quando esfria, levando a calmaria. Nesse lamento essa cidade mulher é senhora quieta, parada, silenciosa quando chora. Despindo tristezas de pedra no seu corpo negro, da gávea de granito, da embarcação que anco-ra. Os dois irmãos monolíticos avistam a boca do mar, carpindo as outras pedras, num estrondo re-petido. Pedra do pão, pedra do sal, pedra bonita. Rampa dos embarcados no ar das gaivotas. Com sua firmeza escorregadia de perigo a solta. Pedra feita de açúcar é almirante negro da baía. Tem em seu peito as esquadras do porto e as chibatas da revolta, Com os pés cravados na areia, lavados na espuma derramada a força cândida. O açoite verde de mata atlântica minguante vem e também pisa o mar. Levitando no limo do surfe, a esgrima fina das marés e dos corpos em luta. Trapezistas em suas tábuas de equilíbrio são canoas de pescadores em humana ousadia, vora-zes e velozes dominadores de ondas em harmonia. Das costas negras marinadas, grandes corcovas rígidas, o granito Tijuca ronda. Com a imponência e a firmeza de guerreiro solidário, em vigília maciça, atento a tudo à sua vol-ta. Legião de pedras formam a grande muralha milenar em guarda. Vidigal e Rocinha avistam tudo do alto com os seus olhos humanos. São faróis habitados por gente simples, também eles equilibristas na coragem das encostas ín-gremes, tal qual a natureza de suas próprias vidas. Em tudo chove, em todos chove enorme, caudalosa a cidade escorre. Como mulher Marina que se pintou, é cinza agora e aborreceu a todos. Trazendo seu nevoeiro parado, chorosa, mascarada, colombina fria. Vazia é outra, quando traz os seus olhos pintados dessa cor tão desolada. Todos resistem desajeitados, tentando não se molhar na chuva ao serem quase Paulistas. Mas não é possível, não adianta a deselegância discreta, pura intolerância tola do poeta diante dessa magoa urbana de névoa. A cidade é marinha de cais e maresia, então soluça no aguaceiro. Promessas de sol restarão lapidadas na memória, mesmo que não cumpridas. Pessoas e praias ficam guardadas para o depois, pura birra da natureza. Nessa hora aparecem os lamentos do dilúvio lavando os braços tropicais do Cristo, sempre abertos a todos e a qualquer tempo. Com sua face também de pedra, ele reclama do esconderijo de nuvens a que é imposto, nesse calvário acanhado de cidade molhada, resguardada e vestida.
106
Mais que vestida, encapuzada nos casulos de guarda-chuvas e mantos e capas e panos, es-condendo o calor dos sonhos de pele, de cida-de desejada e quente, na realidade do fastio da correnteza de águas exageradas. O Corcovado é um guardião da baía de Guana-bara, feia e fria agora, observador acabrunhado que a tudo vê, tudo nota calado. Também calada toda a cidade em águas, numa postura combinada sem palavras, aguardando que a tristeza morra nos caminhos tortos da Niemeyer. Onde o oceano tem raiva, e irado rebate na pérgula, gritando mágoas incontidas. Demarcam os seus espaços terra e água, água e gente, gente e pedra, desaparecendo nas es-pumas brancas de força bruta e quente, como aguardente. Ondas de dor arrebentando nessas pedras, que apanham pregadas como fieis penitentes, arpoados com o arpão do sal e o iodo da cura, padecentes em ebulição de fervura, torturadas pelas águas. O mar invade tudo, lambendo o corpo nu da pedra do arpoador solitária, com sua língua branca é íntimo deixando-a úmida. Numa solidão confusa dos que namoram e bri-gam, mas não se separam nunca, as pedras é firme no caminho enquanto o tudo é água mo-vente. Tudo fica calado, fica pra outra hora, tudo se atrasa, fica engarrafado. Para a tarde no trânsito enquanto não houver outra tarde ensolarada de depois, do futuro, de outro dia, outra meteorologia, outro tempo, ou-tra vida, outra verdade comum a claridade do equador. Como o sentimento profundo e mudo de fim de amor, quando o coração fica calado, preservan-do-se, porque quando acaba o amor resta o silêncio, o tempo é adestrado ao silêncio triste. A tristeza é o butim da solidão. A cidadela de festas guarda na intimidade das suas paredes concretas a ausência, tudo é me-mória, tudo é o fim, só o silêncio fala seu minu-to de glória. Resguardando as avenidas das pernas e cor-pos, nos chiados dos pneus e espelhos d'agua espirrados, nos barulhos de poças. Onde estarão suas moças? Onde estarão que não as vejo? Com seus sorrisos de olhos abraçando as es-quinas do sol. Quando chove assim no Rio ele as perde, ficam
raras ou poucas, cheias de bo-tas e roupas, tecem pressa nos cabelos das escovas progressi-vas. Preservadas no mofo armário dos apartamentos, reclusas dos ventos, nos velhos casacos de inverno falsos, nos escritórios de papel e máquinas. Nas ruas os comandos apregoam as sombri-nhas de dez reais, preciosas chinesas do con-trabando. Nas bocas dos vendedores da chuva. Escondidas das águas seus corpos somem, com eles vão também seus trejeitos. Esvai o fascínio feminino, tudo esta em desam-paro, em desalinho. Descompondo a paisagem natural das praias, o deserto de areia é abandono. Exílio o temporário das morenas do caminhar despojado das calçadas portuguesas, também essas feitas de pedras recortadas e juntas. Devaneios, desejos e encantos são lavados, ficando cinza, tudo é griz, a cidade mingua em-balsada nesse engano. O amor não se propaga e quase finda, até que venha o sol e reponha cor em cena com seu giz de luz e brilho. Sem suas moças o Rio fica perdido, tudo fica perdido sem sua gente, o Rio tem alma fêmea, é cidade feminina. Sem elas definitivamente não vale a pena, sem elas a natureza esfria e não serena. Mas se isto é tudo, eu não posso ir embora, chove lá fora.
107
POEMA
Por MS
O dia está clareando
E eu não acordei ainda
Minh’alma dorme
Meu coração palpita
Meu pensamento voa
E eu...
Eu não acordei ainda
Meu corpo se movimenta
Minha mente fica clara
A vida está acordada
O dia está claro
Só falta eu...Eu não acordei ainda
Versos, sussurrem para minha alma
Desperte-a
108
O QUE SE FOI E O QUE FICA
Por Nelson Dias
Parte de quem parte
Permanece
Não se desvanece
Ilude-se ao partir
Que nada deixou
O vento leva as folhas
Os galhos envelhecem
A raiz permanece
O importante ficou
Parte de quem fica
Parte junto sem ser vista
Diluída em saudade infinita
E a parte que fica
Sente a falta da parte que lhe falta
Que se completa na parte que se foi
E dessa mudança que nada mudou
A parte que permanece
Dela não se esquece
Sonha com a parte toda
Mas se contenta
Com a parte que ficou.
109
Por Oswaldo Antônio Begiato
110
MEUS PAÍSES, MINHAS CASAS
Por Pato do Lago
Eu amo o meu país Brasil
Lá longe com as praias azuis
E com as verdes matas
E o povo tão gentil.
Mas eu amo também com carinho
A Suíça que me acolheu
Com os seus queijos e as montanhas
E um povo amável.
Por isto eu digo que tenho dois países
Tenho duas casas e um só coração
111
"Acordando os sonhos"
Por Patrícia Lara
A rede de metáforas onde me deitei, estreita,
não coube todas as imagens que projetei.
O chumbo da lógica pesou na imaginação de leves fios e foi necessário renunciar.
Corajosa, me pus na abstração
dos sonhos e acordei para nunca mais sonhar.
112
Paulo Barrozo apresenta:
Thiago Arancam
Vou lhes falar desse Grande Tenor, Mundialmente conhecido, Amigo Querido e que acompanhei o começo da carreira. Filho de Sergio, um Amigo nosso de Londrina, cantava para nós em reuniões feitas na chácara de seu pai e em outras reuniões que organizávamos na casa de Amigos como um Lindo Show que orga-nizamos da casa des Mes Chers Amis Thelma e Chico Gregori que foi uma re-velação para os londrinenses !!!!
Me lembro ainda quando falava com ele ao telefone e ele com Aquela Voz Divina cantava para mim “Amigos para Sem-pre...”, só de pensar me arrepio inteira... E eu sempre lhe dizia... “Você será um Grande Sucesso Mundial, tenho certeza disso, Mon Chéri !!!! “
Cada vez que o ouvíamos cantar, me emocionava...
Era impossível conter as lágrimas !!!!
Agora Voilà Thiago Aracam, aquele me-nino Querido, Doce e Super Educado virou um Astro Internacional, aclamado pelos Grandes Tenores !!!!
Um pouquinho do seu curriculum :
Começa seus estudos musicais em São Paulo em 1998 na "Escola Municipal de Música" e continua na "Faculdade de Música Carlos Gomes" onde se forma em "Canto Erudito" em 2003. Participa do V Concurso Internacional de Canto Erudito Bidu Sayão em 2004, onde ven-ce o "Prêmio Revelação" e a bolsa de estudo do projeto "VITAE".
Logo depois é convidado a frequentar a conceituada "Accademia de Canto Lírico do Teatro alla Scala" de Milão, sob dire-ção da famosa soprano Leyla Gencer, tornando-se o primeiro Brasileiro a in-gressar nesta Accademia.
Aqui encontra o atual maestro de técnica vocal, Vincenzo Manno.
Estreia em concerto lírico no "Alla Scala" dia 27 de Feverei-ro de 2005 e participa depois de diversos concertos e produ-ções de opera.
Em 2007 apresenta-se em uma tournée com a "Orchestra Sinfônica do Friuli-Venezia Giulia": qua-tro concertos de árias de Zarzuela e de canções clássicas Espanholas, e no dia 24 de Junho, diploma-se em "Canto Lírico" no Teatro alla Scala de Milão.
Recebe, em Bolzano, Itália, o prestigioso premio pela melhor voz lírica emergente 2007/2008, "Premio Alto Adige – Talento Emergente della Lirica 2007/2008", pela "Associação Amigos da Lirica L’Obietti-vo" de Bolzano.
Em Dezembro, debuta na opera "Le Villi" de G. Puccini, interpretando Roberto, no Teatro Coccia de Novara e no Teatro So-ciale de Mântua.
Em 2008 participa de uma tournée nos Emirados Árabes, com a orquestra da Accademia do Teatro alla Scala e de dois concertos de grande sucesso com a Orquestra Camerata Brasil de Brasília, sob a regência do maestro Sílvio Barba-to.
Em ocasião das comemorações do dia da Independência, se apresenta na Em-baixada do Brasil em Roma.
113
Participa do conceituado concurso lírico internacional Operalia 2008, organizado pelo te-nor Placido Domingo, onde ganha três prêmios: PREMIO ZARZUELA, PREMIO DO PUBLI-CO e SEGUNDO PREMIO OPERA. Escolhido por Placido Domingo, estréia o papel de Don Josè (Carmen, de Georges Bizet) em Novembro, no Washington National Opera, (EUA), ao lado da mezzosoprano Denyce Graves e regido pelo maestro Julius Rudel.
Em 2009 debuta Cavaradossi (Tosca, de Giacomo Puccini) em Frankfurt, Conte Maurizio (Adriana Lecouvreur, de Francesco Cilea) no Teatro Regio di Torino, Radames (Aida, de Giuseppe Verdi) em Sanxay, (França), e se apresenta em Londres em um recital em St. John's (Rosenblatt Recitals).
� Alguns de seus prêmios : "Prêmio Revelação" do V Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão 2004.
� "Prêmio Alto Adige – Talento Emergente della Lirica 2007/2008", pela "Associação Amigos da Lirica L’Obiettivo" de Bolzano, durante as comemorações da Operetta "La musa leggera".
"Operalia 2008" - Primo Prêmio Zarzuela "Don Placido Domingo", Primo Prêmio Audience (do público), e Segundo Prêmio Opera.
Hoje casado com a Linda Michela e residindo na Itália é nosso Orgulho Nacional !!!!!
FAÇA PARTE DO PRIMEIRO LIVRO IMPRESSO DA REVISTA VARAL!
VARAL ANTOLÓGICO
5 páginas por autor (textos e uma biografia)
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Lançamento em março de 2011 em Florianópolis, SC, Brasil.
O número de participantes será limitado e cada autor receberá 15 exem-plares. Se você gostou da ideia, venha para nossa primeira edição!
Todos os detalhes são enviados por e-mail ([email protected]) e a previsão de lançamento da Antologia é março de 2011.
Alguma dúvida? Pergunte! Escreva para [email protected]
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PAZ
Paulo Roberto Bulos Remor
Estar em paz é ter Deus no coração, na vida, em seus caminhos.
Estar em paz é em Cristo ter paz, amor, caridade, justiça, verdade.
Estar em paz é ter sabedoria no bem viver, bem querer.
Estar em paz, no mundo, paz mundial, o projeto para o futuro de todos nós.
Estar em paz, em nosso interior, bem para a alma.
Estar em paz é conhecer a si mesmo, sem reservas.
Estar em paz é viver a vida, intensamente, com coragem, com valores morais e éticos.
Estar em paz é cultivar bons hábitos como o da leitura, cinema, teatro.
Estar em paz é ter fé em dias melhores, sem violência, corrupção, sem crimes de quaisquer espécies.
Estar em paz é acreditar em nossos governantes para que possamos viver em melhores condições de vida, vida digna, sem pobreza, sem maldade, construindo não só o
bem do nosso país mas do mundo todo.
Estar em paz é preservar o meio ambiente.
Estar em paz é amar a seu irmão, a seu próximo.
Estar em paz é ter amor em nossos lares, com os paren-tes, amigos, vizinhos.
Estar em paz é ter uma casa para morar com tranquilida-de e harmonia..
Estar em paz é ter um salário justo para sustentar suas famílias.
Estar em paz nos mínimos detalhes, nas minúcias, nos pequenos afazeres da vida diária.
Estar em paz é enamorar-se apaixonadamente, é amar, entregar-se, cúmplice do amor, do carinho a dois.
Estar em paz é ajudar os outros sem esperar recompen-sas.
Estar em paz é, enfim, amar, amar, amar.
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Fastio
Por Raimundo Candido Teixeira Filho
Ultimamente,
tenho carregado demasiado peso: ausências indefinidas, presenças indesejadas
e saudade de um doce sal que jamais provei!
A vontade de conter o mundo me franze as sobrancelhas
neste nevoeiro denso a me reter num abraço.
Necessito verter um vômito inorgânico que se acumulou
em minhas prateleiras: aclamações induzidas,
anulações forçadas e as crenças ilusórias
que retraíram meu ser!
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Metrópole
Por Renata Gomes de Farias
Em algum lugar que não esta em destaque no mapa e mesmo que estivesse quem iria se preocupar em saber do nome de todas as pessoas que ali resi-dem. Inúmeros rostos e passos deixados nas ruas lamacentas nos dias de chu-va ou fazendo poeira nos dias de sol forte. Em cada janela uma sombra um vul-to nas noites escuras com gatos boêmios a cantar nos muros. Cada veneziana um segredo, cada cortina uma sedução e em cada janela suada um choro. Nas ruas entre uma e outra esquina passava alguém e seus passos ecoavam em um silêncio sepulcral, um cheiro de medo vinha trazido com vento e nele olor de perfume barato. Ao amanhecer tudo ia criando volume e movimento, crian-ças a caminho da escola, homens e mulheres apressados como se estivessem sempre atrasados, carros parados e o salseiro estabelecido, buzinas, motos, fumaça, desordem, caos...
Este lugar morre e renasce todo o dia a cada amanhecer, transborda vida a ci-dade, a metrópole, e tudo vai depois para os jornais, onde muitas vezes as no-ticias não são boas, quase nunca. Trancar-se e ignorar o que se chama reali-dade nem sempre é inteligente, mesmo que sua realidade seja outra, seu lugar é também o de outros.
Entre tantas coisas sempre existe uma praça e nela crianças que chegaram para espalhar sorrisos para quem os quer ver, pássaros a construir ninhos, mães dando a luz, o mar quebrando na areia e alguém caminhando sobre a espuma da praia. Parado no sinal vermelho ergue os olhos e vê uma pipa lá ao alto, colorida dançando ao bel-prazer do seu dono o vento, na calçada uma mãe de mãos dadas conversa animada com sua pequenina filha que leva na guia um lindo cachorrinho. São estes os verdadeiros nomes de cada um seu estado de espírito e como ele encaminha seu dia, escondido atrás de uma ja-nela ou caminhando despretensiosamente no lugar que mais gosta ir e sem se importar o que irá enfrentar para chegar lá.
117
Não lembrava
Por Renata Iacovino
Não lembrava
o que é passar
dia assim à deriva
sem ninguém pra amar.
Não lembrava
o que é deixar
o gosto da saliva
à beira mar.
Não lembrava
que o não estar
me incentiva
a me escancarar.
Não lembrava
que Dele me ausentar
é uma iniciativa
pra reencarnar.
118
ABUTRE
Por Ricardo Reis
No quadro de minha janela
no azul esmaecido
cruzam sinais.
Eis que ressoam sentidos
do que nunca houvera sido.
Corta o quadro
o voo planador de abutre vil
sobre a cidade.
Eis que renovam desejos
do destino apetecido.
Afora não haja destino
não mais
só acaso e necessidade.
119
SALVE TETÊ
Por Rita de Oliveira Medeiros
Salve Tetê! Sempre cheia de charme,
Sempre tão repleta de graça! O amor pelos teus sempre esteve contigo
e conosco também! Bendita fostes tu
entre todas as mães que a vida me deu e benditos os teus frutos, nossos amigos,
que o teu acolhimento transformou em nossos irmãos!
O universos agora te recebe de volta, pois dele tu saíste!
E se realmente, somos feitos de poeira de estrelas,
agora és uma delas novamente! Amém
120
UM APELO EXTREMO
Por Roberto Gulino
“A paz começa, precisamente, onde termina a ambição.“ - Edward Young,
poeta inglês, 1683/1765 ( Homenagem ao poeta Eno Theodoro Wanke ( 1929/2001) que clamou
pela paz no soneto APELO, traduzido para mais de 160 idiomas).
Lamentável que o mundo afugente um apelo
do poeta que clama um resíduo de paz,
entre a guerra maldita e o infortúnio que traz,
muito além do martírio em frontal pesadelo.
Mas tem sempre um conflito, apesar do desvelo
que pelo ar a flanar carregamos mordaz,
contra nossa vontade e sem força capaz
que de dentro se expurgue esse mal a varrê-lo.
Paz... eterna utopia entre os puros de ardor,
desprezada entre a força e vaidade do mundo,
mascarando a ganância enfeitada de amor.
E por ser essa paz um desejo profundo,
dela plante a semente onde estás, com fervor,
que será um começo eficaz e fecundo.
121
"DIRETAS JÁ! PROVA AMANHÃ!!!
Por Rodrigo Fernandes Pereira
"Sempre fui um grande devorador de jornais. Houve épocas, ainda adolescente e sem in-ternet, que lia seis diferentes diários. E sem-pre gostei de política. Tenho sangue Bitten-court, pois neto de Almerinda Bittencourt Fer-nandes, integrante do clã Bittencourt de Ima-ruí.
Sempre e desde cedo, fiz campanhas políti-cas, sendo que a mais remota, penso, para Mário José Remor/Joãozinho, que disputaram vitoriosamente o Paço Municipal de Laguna.
Sempre fui politizado e participativo, escre-vendo cartas e comentários para jornais, re-vistas e blogs.
Sempre fui bom aluno. Em algumas épo-cas, excelente. Em matérias como História, Geografia, OSPB (sic!) Educação Moral e Cí-vica, sempre estive dentre os melhores da classe.
Depois dessa introdução e a propósito do post do dia 22 de julho último, "Uma Pro-va de Fogo" , in http://certaslinhastortass.blogspot.com/, recordei-me da seguinte passagem de minha vida.
Era abril de 1984. Campanha pelas 'Diretas Já'. A imprensa já não podia mais esconder o assunto. Mas era muito tímida e havia censu-ra, como lembra o jornalista Moacir Perei-ra no seu livro "O Golpe do Silêncio".
No dia 25 daquele mês - mesmo dia e mês em que teve início dez anos antes a Revolu-ção dos Cravos em Portugal - estava prevista a primeira votação na Câmara dos Deputados da "Emenda Dante de Oliveira", que preten-dia restabelecer as Eleições Diretas no Brasil para Presidente da República.
Eu estava muito interessado no assunto e acompanhei direto de Brasília, durante todo o dia 25, inclusive à noite, aqueles episódios que integram a nossa história. Como eram lacônicas as notícias na televisão, usei um radinho.
Sigo, agora, para o tema central desta crôni-
ca, provocado em minhas memórias pela nossa simpática representante em Genebra, Jacqueline Aisenman, que recentemente contou em seu blog a aventura estudantil que teve com a aplicação de uma prova pelo “professor que roda a gente porque dá a pior nota de todas.”
Naquele ano eu iniciava os estudos num no-vo Colégio, o CEAL, cursando o Primeiro Ano do Segundo Grau. No dia 26 de abril eu tinha prova de História com a professora Mar-ta Remor.
Acredito que versava sobre ‘Revolução In-dustrial’ (hoje os dois livros de História por ela indicados ajudam ao meu filho Guilherme, de 11 anos, nos estudos, embora ele prefira o 'santo Google)'.
Obviamente que não tive tempo para estu-dar. Estava cansado, com sono, pois tinha ficado até tarde 'colado' no radinho.
Na sala de aula eu sentava na carteira atrás do meu colega Carlos Alberto Tesch. As pro-vas foram entregues e eu imediatamente co-mecei a tentar colar dele. Lembro-me que sentávamos numa fila de carteiras junto à pa-rede que fazia divisa com o corredor. Co-mo não era versado na estripulia, não conse-guia ser discreto. Ao contrário, olhava sem pudores e desastrosamente sobre os ombros do meu colega.
Fui advertido uma vez pela gentil professora. Mais adiante fui advertido uma segunda vez. E ainda sem ter escrito nada, não tive dúvi-das em me levantar e disse-lhe algo assim:
"-D. Marta, não estudei. Fiquei acompanhan-do pelo rádio os fatos que se sucederam on-tem em Brasília por conta da votação da ‘Emenda das Diretas’. Peço-lhe desculpas. Se a senhora puder me ministrar a prova noutro dia, tudo bem. Caso contrário, é justo que eu tire zero."
Pelo mês do ano, deve ter sido a primeira prova. Não tinha ainda muita afinidade com os colegas, oriundo que era da Escola Bási-ca Jerônimo Coelho, na qual orgulhosamente cursei todo o Primeiro Grau.
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Petulância semelhante diante dum professor, com certeza, não era comum. Mas D. Marta, como sempre educada, disse que depois falaria comigo e eu me retirei da sala.
Mais tarde conversamos. Pedi novamente desculpas. Ela aceitou e me aplicou noutra ocasi-ão uma prova oral, na qual tirei dez.
Voltando à Brasília, a Emenda Dante de Oliveira foi rejeitada por apenas 22 votos. Mas foi uma Vitória de Pirro do Governo. De nada adiantou a violência instalada naqueles dias na Capital Federal pelo General Newton Cruz, Comandante Militar do Planal-to, montado em seu cavalo branco. A ditadura estava na iminência de ser sepultada.
Na votação ocorrida no Colégio Eleitoral em 1985, ano seguinte, o candidato da situação foi derrotado, com a esmagadora vitória de Tancredo Neves, na nossa última eleição indireta para a Presidência da República. Nascia então, a "Nova República".
O ato do jovem de 14 anos, que preferiu escutar no rádio momentos vitais para a redemocra-tização do Brasil, ao invés de estudar para a prova do dia seguinte, hoje não é recrimina-do pelo pai de família e advogado de 41 anos. Foi uma escolha calculada, acreditem!
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RISCO IMINENTE
Por Rosane Magaly Martins
Há cada vez mais dentro, introspecta Há alguns espaços inocupados
Cantos escuros com imagens riscadas
Embaixo de tudo há tapetes úmidos No centro da sala sombra do espectro de piano
E os silêncios que circundam o passado
Esferas descem as escadas imóveis O pó encobre o olhar pela janela
A chuva é mais longa que o tempo de sol
Enquanto as palavras não ditas espreitam-na seus chinelos gastos ficam por ali
ao lado do gato embalsamado
Há um risco em viver dentro de si com tempo de higienizar as vísceras
como se pérolas fossem traumas doces
Ar rarefeito, narinas ferozes anseiam ventos pele seca, rugosa e fria aguarda trancafiadas carícias
sob olhares do escuro que oculta o corpo inerte
Busca o pulso, o relógio quebrado e queda-se Nuances restritas e confinadas do que não fora
E a certeza da nenhuma possibilidade de reproduzir-se.
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O NOVE CABALISTICO
Por Roselis Batistar
Por que o nove me persegue?
Sete mais dois
Quatro mais cinco
Se o meu afinco é somar inicios ?
Se no principio do setenta e dois
Te via pois como eterno amado
Com um bocado de prendas de afoito?
Mas era o um com o oito
O que somava a terrivel adiçao final!
Eu nao via o mal
Posto que cresciam as rosas
Agora destruidas pelo três mais seis
Consumidas pelo hipotético
Pela imagética pétala da ingenuidade?
Nao havia idade na bola do nove
So havia um poste que levava à bolha
Aquela unica vara que eu subia
Com a certeza da alegria
Como sorria boba a um futuro incerto.
Agora vem o belo alçapao ligeiro
Saido das luzes da tenebrosa cova
Que me abrigava entao!
Despencada eu estava!
E para surpresa desta presa eterna
Moras num nove estranho:
Soma sem tamanho,
Que acende mas sucumbe
A pobre corola minha!
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É DIRETO NO QUEIXO Por Rui Martins
Era junho 2006 e recebi um e-mail do Eliakim, que não conhecia, só de ter visto na tevê Man-chete quando ia ao Brasil, me convidando para integrar o grupo de jornalistas do Direto da Re-dação.
Até hoje não sei como lhe veio essa ideia, pois vivo numa espécie de periferia das grandes ca-pitais europeias e já fazia quatro anos que re-cebera meu bilhete azul da CBN, certamente, como disse o paraibano, escritor e colega, Car-los Aranha, por ter incomodado o pessoal com minhas provas de processo penal contra o en-tão candidato a governador Paulo Maluf. Coin-cidentemente, minha entrada na CBN como correspondente tinha o título de Direto da Euro-pa.
Cria do Estadão da Major Quedinho, já não era mais seu correspondente, sabe-se lá porquê, mesmo se o jornal, na minha época, convivia com gente de esquerda e mesmo comunista, pois lá fui contemporâneo de Vladinir Herzog e Miguel Urbano Rodrigues e foi lá que Arrudão me levou à Fulgor, editora do PC, para publicar meu livro A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, explicando sociologicamente o surgi-mento do ídolo Roberto Carlos, pelo vazio cria-do no Brasil gerado pela ditadura militar.
Sem CBN e Estadão, sentia que logo seria es-quecido pelos ex-leitores e ouvintes. Nossa profissão é tão efêmera quanto os jornais, que envelhecem em um dia, e quanto os boletins de rádio, lançados ao vento. De minha passagem pelo Pasquim, logo no começo de meu exílio, nada restou. Foi com certa surpresa que, numa livraria de São Paulo, constatei não haver ne-nhum de meus textos, de 69/70, na antologia do Pasquim.
Despedido do Estadão, em 68, depois de ter organizado o Encontro com a Liberdade, com antigos companheiros como Narciso Kalili, Da-vid de Moraes, Ivan de Barros Bela, Audálio Dantas, no Teatro Paramount, em São Paulo, tinha ao meu lado na mesa, Mario Martins, pai do atual ministro Franklin (não somos parentes, descendemos todos de portugueses e gale-
gos).
Nada também restou da Última Hora – Rio, de Samuel Wainer, cuja sucursal dirigi, dois anos, na avenida São Luiz, ao lado da sucursal do JB. A UH-Rio, jornal popular de esquerda, que hoje nos faz tanta falta, morreu há décadas e, ironia do destino, seu vizinho em Sâo Paulo, também acaba de morrer.
Ressuscitei para o Estadão, graças ao Luiz Fernando Emediato, em 86, numa viagem que fiz ao Brasil para ficar com meu pai, que pouco vira durante o exílio, já doente, e que morreu à minha frente. De Santos, onde estava, telefonei ao Emediato, e passei a escrever cartas de Ge-nebra, para depois fazer parte da equipe do Caderno 2, cobrir festivais de cinema e de dan-ça, falar de livros e fazer entrevistas. Com a saída do Evaldo Mocarzel, sucessor de Emedi-ato, me foi encerrado esse capítulo.
Como dizia, recebi o convite do colega Eliakim, quando só escrevia para o Expresso, depois de alguns anos no Público, ambos de Lisboa. E estava nas livrarias, com certo sucesso, o livro sobre segredo bancário suíço, as contas do Maluf e minha demissão da CBN – O Dinheiro Sujo da Corrupção, pela Geração Editorial, cria-da e dirigida pelo Emediato.
Teria sido o livro, a causa do convite ? Não sei, nunca perguntei e nem vou perguntar ao Elia-kim. Mas, minha entrada no Direto coincidiu com uma atividade benévola que iria se desen-volver e me levar a assumir uma bandeira an-tes nunca imaginada – a de dar visibilidade na mídia aos emigrantes, praticamente ignorados no Brasil .
Minhas duas primeiras colunas, em junho e ju-lho 2006, neste Direto da Redação foram so-bre a injustiça criada pela reforma da Constitui-ção de 88, num parágrafo aprovado pela Cons-tituinte em 1994 – tinham retirado a nacionali-dade brasileira nata dos filhos dos brasileiros nascidos no Exterior.
Com isso, cerca de 300 mil crianças filhas de brasileiros se tornariam apátridas em 2012 (cerca 18 a 20 mil por ano) em países como
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como Alemanha, Suíça e Japão, enquanto as nascidas nos EUA perderiam os laços com o Brasil pois seriam só americanas.
Da denúncia na mídia, a campanha pelos brasi-leirinhos apátridas virou movimento social de cidadania com lideranças em diversos países de emigração e graças ao ex-senador cearen-se, Lúcio Alcântara, ao ex-deputado Carlito Merss, hoje prefeito de Joinvile, e Rita Camata, ex-deputada e provável futura senadora, surgiu a proposta de emenda constitucional 272/00, vitoriosa e hoje Emenda 54/07, que restituiu à nacionalidade brasileira aos filhos dos nosso emigrantes.
O Direto teve ação de ponta-de-lança nessa fase final da campanha, da qual participaram colegas jornalistas de tendências diversas e de diversos órgãos de imprensa, porque a causa era consensual. De um lado Cláudio Humberto assustava o MRE em suas colunas, por sua vez Caros Amigos denunciava a falha que iria favorecer advogados e despachants. E a vitória dos brasileirinhos acabou por nos levar a outra trincheira – em favor dos pais dos brasileiri-nhos.
Foi o surgimento do projeto pelo que poderia ser um Estado dos Emigrantes, pois 4 milhões de emigrantes brasileiros dispersos pelo mun-do, já constituíam um verdadeiro Estado. Seria preciso, porém, parlamentares emigrantes em Brasília, possibilidade que nos deu o senador Cristovam Buarque, com sua proposta de emenda constitucional criando deputados emi-grantes.
O projeto, hoje amadurecido com o formato de uma Secretaria de Estado da Emigração ou dentro de um super-Ministério das Migrações, incluindo migração, imigração e emigração, não é consensual como foi a causa dos Brasileiri-nhos. Houve um primeiro choque quando se exigiu laicidade do parte do governo, na I Con-ferência de Emigrantes no Itamaraty, para se evitar o controle religioso sobre a emigração.
A seguir, as associações e grupos formados em torno dos emigrantes, muitas das quais dis-so vivem, assim como doleiros, despachantes, advogados e recém-chegados em busca de prestígio, rejeitam um órgão institucional emi-grante autônomo e independente do Itamaraty. Por sua vez, o MRE, criou uma alternativa híbri-da para o órgão institucional e não abre mão da tutela sobre os emigrantes, frustrando os que esperavam, nesse setor do governo Lula, o ad-vento de alguma coisa concreta, como as Se-cretarias da Mulher, da Igualdade Racial, dos Direitos Humanos.
Em lugar de um Conselho de transição para um órgão institucional, surgiu um conselho consulti-vo, inútil mas com função de vitrina, destinado a dar assessoria ao Itamaraty em matéria de emigração, e uma Conferência anual de emi-grantes, que, por vergonha de usar a palavra emigrantes, o Itamaraty chama pomposamente de Brasileiros no Mundo, destinada a coletar um rosário de reivindicações sem o compromis-so de serem atendidas.
Além de sua função de mídia livre, o Direto po-pulariza, assim, para os brasileiros do continen-te, a questão emigrante, enquanto nem Comu-nique-se e nem o Observatório da Imprensa encontraram uma fórmula para divulgar o que vai pela mídia emigrante, engatinhando em al-guns países mas viva e atuante nos EUA.
Quando aceitei o convite de Eliakim, lá se vão quatro anos, longe estaria de imaginar que o Direto teria tanta influência na transformação do jornalista observador em militante pela cau-sa da emigração. E isso vem a calhar, pois o Direto da Redação, editado em Miami, é tam-bém um emigrante.
E a grande vantagem desta tribuna eletrônica é que me sinto livre o suficiente para denunciar, provocar e desferir so-cos diretos no queixo, sem compromisso religi-oso ou partidário.
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FOTOS
Samantha Verdan
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PRISIONEIRA
Por Sandra Helena Queiroz Silva
Vesti minha túnica humana
E fiquei prisioneira do mundo
Feito de enganos onde canto e
Exalto-me.
E tu que nunca reparas
Nem sabes que sou alma rara.
Sei que me medes, me pesas,
Observas-me, me destilas,
Revolto-me, fujo e entristeço.
Crio asas e voo no silêncio
Como a abelha de flor em flor
Fabricando mel sem ter colmeia...
Nasci livre, como o vento,
Eu quero, apesar da minha idade,
Que este amor sufocado
Ainda se expanda
E dentro da minha ternura
Nestes instantes de beleza calma
Presa a este amor confuso
Meu ser se transfigura
Porque sinto que o amor é luz
E a mais alta manifestação do ser.
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Um dia de Alice
Por Silmara Oliveira
Dá vontade voltar a ser criança! E porque não?
O mundo das crianças é bem diferente do nosso. O mundo das crianças é mais livre, mais despreocupado, mais inocente, mais divertido e mais leve.
Imaginário. Alice era assim. imaginava tudo o que podia. Exercitava sua imagi-nação e sua curiosidade pela vida. Sua coragem fortalece quem a segue. e por-que também não somos Alice?
Alice é criança e conhece o que nenhum adulto conhece (ou se esquece?). Alice conhece a simplicidade da vida. A alegria dos seres e das coisas.
Nós adultos somos meros Coelhos Brancos ou Ratos cheios de medos, somos Lagartos julgadores ou Lagartas egoístas, Duquesas orgulhosas e imponentes, um Gato de Cheshire que aparece e desaparece sem se importar com ninguém, somos loucos como o Chapeleiro Maluco e matamos o tempo sem o aproveitar, somos Arganaz que dorme e permanece dormindo a grande parte do tempo, so-mos autoritários e impulsivos como a Rainhas de Copas, somos acusados como o Valete de Copas e somos acomodados como o Rei de Copas e vivemos a nos considerar vítimas do destino como a Tartaruga Fingida.
O que podemos fazer? Vamos viver como Alices pelo menos um pouquinho por dia, vamos correr, brincar, rir, cantar, cair em tocas de coelhos por pura curiosi-dade, vamos crescer, vamos diminuir, vamos chorar até quase se afogar nas lá-grimas e aprender a nadar para novas descobertas.
Vamos tomar um chá no país das maravilhas?
Ser criança é ser Alice.
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Às mães sem nome
Por Sonia Alcalde
Mãe, três vezes santa: na dor, na renúncia e no sacrifício. Frase ressaltada nu-ma escultura em Rio Grande. Não sei se ainda existe por lá, mas ficou eternizada em minha memória.
Era o ano de 1970. A visão dessa escultura instigou-me rever a responsabilida-de de ter filhos. Quanto de mim daria para que eles crescessem protegidos, nutridos em amor e normas que os tornassem independentes? Não tinha noção, a referência era a dedicação de minha mãe, com a figura do pai sempre presente, do seu jeito: pro-vedor, parceiro nos trabalhos domésticos, de jogar dama, dominó e banco imobiliário. Contador de histórias, de causos da família, com inserções da mãe. Adorávamos ouvi-los, enquanto ela servia a sopa. À noite, só de legumes, mais apropriada, dizia. Vez por outra, quando corria um ar frio a la carioca, era sopa “levanta defunto”, de feijão-manteiga, com risos e prosas. Hoje, ela se refere a esta sopa como “levanta forças”, para não apressar sua hora.
Mãe que fazia meus vestidos, colocava-me sobre a mesa para acertar a barra da saia godê. Mãe que tomava tabuada na mesa da cozinha, ensinava a fazer bolo português, rabanada, carne assada, bolo de batata... Mãe que nas férias aceitava en-comenda de viandas para ter mais dinheiro e confeccionar fantasia de nega maluca, borboleta, escrava, colombina, bate-bola... Mãe que cuidava de tias doentes, sobri-nhos, vizinho dementado... Mãe que lutava por crianças carentes, abrigando-as, dando-lhes o melhor de si. Mãe que se revelou compositora cantando a dor da saudade quando o amor partiu. Minha mãe.
O tempo passou, meus filhos nasceram, cresceram, já se multiplicaram. Acho que alguma coisa acertei, não com tanta dor e sacrifício. Certa renúncia, sim, a come-çar pelo sono interrompido. Foi o que me chamou mais atenção, ainda que amenizado pelo cuidado paterno. Quando casaram, parecia ter encerrado esse capítulo até minha mãe vir morar conosco. O ciclo está fechando. Num desses dias, de madrugada, le-vantou-se e caiu. O estrondo ecoou pela casa, corremos para socorrê-la... Ainda bem que foi mais o susto. Emocionada, envolvi-a em meus braços, beijei seus cabelos brancos. Lembrei de outras mães, desprotegidas.
Vejo-me no espelho/ lembro aquelas que me antecederam/ a que surgiu de mim/ as que me ajudam com amizade./ Ouso ir mais longe/ sinto gemidos/ daquelas que não conseguem/ ver seus filhos crescer./ Queria meu peito estender-lhes/ um pou-
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QUEM Por Susana Martins Ela tem a vibração certa para cada um que lhe cruza o caminho. Ela caminha atra-vés da leveza das dores sentidas, do passado sofrido. Ela sustém tantos perigos e é tão forte, por vezes... Prende, por horas, alguém que pensou apenas passar pela sua presença. Quase nunca se acovarda, é tão frágil... Tão abismo... Que num suspiro traz o tudo do dito. Ela abarca soluções, tem doçura e coragem diante do perigo. Ela se aventura e nos leva aonde sozinhos não iríamos. Ela faz coisas absurdas serem simples, ela complica a vida! Ela segura tão forte cada mão insegura. Pelos laços, ela liga pontos díspares e con-trários. Ela é contradição: por vezes cumpre juras, em outras nem se quer lembra-se do pro-metido. Ela desata os nós e resolve problemas... Ela se cala e confessa não ter saída. Ela assume covardias, mas, dissimula verdades. Ela não diz quase nada quando grita. Ela diz tudo pelo silêncio. Ela fabrica perguntas desnecessárias com a mesma facilidade que tem de não levar a sério algumas res-postas. Ela não é de vidro. Se pudéssemos dar-lhe um colorido ela seria o violeta. Através do que ela escreve alguns encontram saídas, outros se perdem num labirin-to e ela continua a brincar com as letras. Ela tem um novo diário, mais sério, mais tristonho, mais adulto, menos enigmático. Ela, hoje em dia, é menos. Menos afobada, menos sonhadora, ela é menos do me-nos. As vezes, ela molha o olhar com alguma coisa úmida que sai de dentro de si... ela permitiu essa coisa úmida sair das pálpebras e experimentou o sabor desse líquido tão sagrado que poucas vezes saiu do seu dentro; foi uma luta, tão dolorida e sofri-da, que ela sentiu praticamente o coração diluir-se por entre esse fluido; quando provou desse líquido ela sentiu o salgado doce do seu sofrimento. Ela é forte, ela é imbatível, inquebrável e tão sensível! Ela agrega toda a liberdade possível por entre as asas prateadas dos voos que alça... Ela constrói um abismo com uma única palavra e com outra é capaz de elevar um coração ao paraíso. Ela tem o seu inferno, o seu anjo, o seu horror, o seu abismo, ela é tão treva... Ela é uma multidão! Tão solitária quanto sua presença. Ela desenha novos traços, entre novas cores, mas, ela finaliza no preto e branco. Na verdade, ela é sépia... Mas, agrega um brilho incomparável. Ela sabe que é única. Ela olha, de quando em vez, no espelho ou na margem e sus-surra - dentro do meu ouvido - “eu!”.
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O pai das telecomunicações
Por Suziley Silva
É este o título e a homenagem que deve merecer o ilustre padre inventor e cientista nasci-do na segunda metade do século XIX aos 21 de janeiro de 1861 nesta cidade de Porto Alegre. No ano de 2011 completará 150 anos do nascimento daquele sacerdote que foi o quarto filho de uma família de quatorze irmãos cujos pais, Inácio José Ferreira de Moura e Sara Mariana Landell de Moura, possuíam ascendência inglesa. Pe. Roberto Landell de Moura era antes de mais nada um livre pensador; um profícuo inventor; um cientista nato. E as provas estão, aí, para que todos vejam e constatem. Foram inúmeras contribuições e inovações. Basta citar algumas apenas: foi o pioneiro na radio emissão e telefonia por rá-dio (por isso é o patrono dos radioamadores do Brasil); precursor na transmissão de ima-gens (a televisão) teletipo à distância e tantos outros trabalhos, pesquisas e estudos. Aliás, o padre em questão era detentor de um balizado arcabouço teórico aliado a um espantoso lado pragmático que o orientava na construção e na operacionalização de suas úteis in-venções. Landell fazia acontecer a necessária união entre teoria e prática. Pois o sacerdo-te gaúcho “teorizava a vida e vivenciava a teoria”. Além disso, por vocação ministerial e mística era um ardoroso pastor que amava os seus fiéis com estimada e paternal atenção. Todavia, os grandes homens, geralmente, não são compreendidos por seus pares. Não são compreendidos nem apoiados pelas autoridades que pouco caso dispensam aqueles que pelo espírito, pela mente, pelas ideias inovadoras, encontram-se muito à frente do seu tempo e lugar. E com o Pe. Landell de Moura não foi diferente. O peregrino das ciências físicas e metafísicas não recebeu nenhum suporte e aos 67 anos, em 30 de junho de 1928, faleceu, anonimamente, no Hospital da Beneficência Portuguesa de Porto Alegre, acometi-do por uma tuberculose. Pelo pouco que li a respeito da figura carismática do Pe. Landell, ainda que houvessem os que o consideravam um “louco e desvairado”, (julgamento pró-prio das mentes pequenas que não enxergam um palmo à frente do próprio nariz, que dirá erguerem as cabeças enterradas na areia do próprio chão das suas ignorâncias para longe avistarem o horizonte da genuína sabedoria...), ele foi um homem, um sacerdote, um pas-tor, um ser humano, também, muito querido pelas pessoas que com ele conviveram ou de alguma forma se encontraram com aquele “apóstolo do Cristo”. E é por estas razões, por sua inteligência inventiva provada e comprovada em suas descobertas e invenções de muita utilidade para a humanidade, pela personalidade carismática e caridosa, por todo seu esforço, estudo, pesquisa e ciências, é que com muita alegria anunciamos o início desde, ontem, do acontecimento de eventos alusivos a comemoração no ano que vem do sesquicentenário do seu nascimento. Convocamos, ainda, a população de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, de todos os Estados do Brasil, a aderirem a um abaixo-assinado elabo-rado pelo Movimento Landell de Moura (MLM), composta por radioamadores, preenchendo o formulário na http://www.mlm.landelldemoura.qsl.br/abaixo_assinado.html e clamando bem alto SIM façamos justiça à memória daquele brilhante brasileiro com o reconhecimen-to pelas autoridades nacionais e internacionais da mais que merecida, ainda que póstuma, atribuição da nota que de fato ele, magistralmente, o foi, a saber: o Pai das Telecomunica-ções!! Façamos a nossa parte. Sintonizemos as ondas do nosso “rádio” interior e lhe pres-temos esta justa homenagem.
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Tereza Rodel
Garimpando Poesias
CORPOS SUADOS
Tua mão macia tocou minha alma
Teus lábios doces roçaram os meus
Teus seios nus no meu peito fizeram meu coração
Bater mais forte, e esse amor tão puro tal qual,
Branda luz no escuro, me fez a mente confundir e
nesse momento tão sublime em que nada do corpo é pecado......
Nos abraços de meus braços,
No calor do corpo teu.
A meiguice do teu tocar,
A meninice do teu olhar...
A sensação tão doce do teu amor.
O perfume sutil da essência da vida no ar.
E o tato dos meus dedos
Na tua pele macia me fazia cavalgar neste campo farto sob o fascínio da
Canção alucinante do prazer.
A boca molhada de beijos, falando coisas de aventura
Me levou as alturas e me senti em ti na intimidade dos teus segredos.
(Poesia de Demétrio Nazário Verani – Orleans (SC))
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Prisma Caótico
Por Tetê Crispim
Ecos agudos calam a sinfonia do mundo, Faces sem brilho deixam cair lágrimas,
Olhos sem direção fixam apenas no chão,
Mentes em multidão seguem em reunião, Num prisma caótico onde domina reflexo,
Vozes ecoam sem nexo, Falso sorriso convexo,
Façanhas da submissão,
Xepas de festim substituem o pão,
Resultam promessas xaropes de êxito, Armas na mão do soldado inflexível, Corpos exaustos Clamam por justiça,
Choro profundo no vale da destruição,
Flores no acaso mexem com o coração, Um prisma convicto emite um facho,
Flui cantares de esperança na alma,
Gritos sem medo,
Ideias em cheque,
Renovam a construção.
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Despedida Por Thiago Maerki Sinto muito, mas terei que partir Para outras terras distantes não sei o quanto... Não quero que chorem Que caiam em pranto Quando eu partir Não sei para onde irei, mas tenho que par-tir Fugir do meu próprio eu Para um lugar em que não possa encon-trar-me... Sei que ninguém sentirá minha falta Quando eu partir Preciso fugir Sair de mim Ver pores-do-sol Solitário como um corpo jogado aos ver-mes Quando eu fugir Quando eu partir Distante, para não sei onde Que eu não deixe saudades E leve todas as minhas lembranças Quando eu partir E assim como um vocábulo apagado Há muito tempo não invocado Eu veja o que fui E o que deixei de ser Quando eu parti
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Varais
Por Tino Portes
Pequenino,
Observava
A mulher que eu mais amava
Sob o sol a estender
Sob a chuva a recolher
Tanta roupa no varal
Pequenino,
Admirava
Como o bambu não arriava
Sob o peso a suspender
Sob o tempo a escorrer
Como as roupas no varal
Pequenino,
Eu nem pensava
Nem com isto me animava:
Que eu iria versos escrever
Pra noutro varal suspender
Que não fosse do bambuzal
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Amor com ela
Por Valdeck Almeida de Jesus
Ela me quer
Ela me ama
Ela me beija
E não reclama.
Dá-me a vida
Faz-me feliz
Ajuda-me sempre
Sempre me quis.
Ela me adora
Não me deixa só
Por mim ela desata
Da vida o nó.
Não a ajudo
Não a recompenso
Faço pouco por ela
Só em mim penso.
Ela é a natureza.
Eu sou o homem.
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Rosas vermelhas
Por Valéria Nogueira Eik A rosa vermelha e o sorriso cativante foram entregues ao �inal do dia.
Amelia, olhos baixos, fez um muxoxo de menina e tentou alongar a magoa.
Encarou o riso inocente e esqueceu as palavras rudes da noite anterior.
A rosa era tao linda!
Duas rosas vermelhas foram entregues no inıcio da noite por um sorriso suplicante.
Amelia exibia um pequeno corte na boca. Derramou soluços incontidos e mais algu-
mas lagrimas.
Olhou as rosas. Sorriu tristemente. Desculpou a ressaca matinal.
Tres rosas vermelhas foram entregues, quando duas ou tres estrelas salpicavam o
pedaço de ceu que se condensava diante da janela.
Amelia, deitada na cama, invadida por todas as dores, relutava em perdoar.
O sorriso dele, quase paternal, delineava motivos e a absolviçao das culpas.
Quatro rosas vermelhas foram entregues quando a madrugada cobria a cidade.
Amelia, amontoada no chao, ainda recolhia os cacos do proprio corpo.
O riso infantil implorava por perdao e afagos.
Cinco rosas vermelhas foram entregues, quatro ou cinco dias depois, por um par de
olhos desesperados.
Amelia, de malas prontas, queria ir, queria �icar.
As marcas arroxeadas e a pele costurada começavam a ganhar tons suaves.
E suaves �icaram as duvidas.
Seis rosas vermelhas foram entregues por um sorriso impes-
soal.
Amelia, agasalhada por outras tantas �lores e pelo brilho das
velas, nao pode ver nem perdoar.
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Amando...
Por Valnice Costa
Não quero palavras copiadas para expressar meus sentimentos.
Não quero palavras clonadas, pois cairão no esquecimento!
Quero palavras criadas.
Quero palavras inspiradas.
Quero palavras produzidas pelo mais puro e profundo argumento: o Amor!
Um sentimento.
Uma postura.
Um desejo.
Um querer.
Uma canção.
Uma conquista.
Uma lembrança eterna.
Uma inspiração!
Uma Força Divina maior que o universo,
enchendo o peito da metida a fazer verso!
Criando nas pessoas o desejo de amar.
Ame...
Sinta.
Posicione-se.
Deseje.
Queira.
Cante.
Conquiste.
E lembre-se eternamente desse grande argu-mento maior que o universo:
O Amor, que na Força de Deus enche o peito das pessoas que desejam amar.
Fale de amor.
Esqueça a dor.
Cante o amor.
Inspire outros a amar.
Doe o seu sorriso.
Presenteie com flores.
Chova ou faça sol, ame.
Amar não é favor.
Amar é doar-se com amor!
Ame as pessoas, os animais, a vida, o pre-sente, pois seu passado não volta mais.
Ame as crianças, os velhos, a natureza. Sa-bendo que amar não é fraqueza!
Ame a Deus sobre todas as coisas e a “mim” como a ti mesmo, pois estes mandamentos são cheios de sentimentos e das melhores
intenções também!
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Regresso
Por Valquiria Gesqui Malagoli
Perguntaste a mim,
que meus pés molhava
neste mar sem fim,
para o que eu olhava...
Eu, ah, olhava ao longe
sem pensar em nada,
imitando um monge
de vista ilibada.
(– Que descanso imenso
mora onde eu não penso!)
Só fui retornar
porque me chamaste,
e ao que perguntaste,
respondi: “pro mar!”
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O Homem é uma peça de reciclagem
Por Varenka de Fátima
Reciclar, reciclar, reciclar
O homem pode ser como um automóvel
Que montamos e desmontamos peça por peça
Quando nasce nu, sem folhagem
Traz apenas a herança hereditária
Que pode ser curada e reciclada.
Reciclar, reciclar, reciclar
Despido de conceitos sociais
Começa a educação no berço
Para não estancar e virar lobisomem
Passa pela escola primaria, social, educação física
Artes em geral, espiritual e florestal.
Reciclar, reciclar, reciclar
O homem tem que estudar a vida toda
Para se formar em direito, farmácia,
Em medicina que com sua evolução
Reciclar o homem com cirurgia plástica
Com o bisturi pode reciclar total
Reciclar, reciclar, reciclar
O medico e o material cirúrgico auxiliam
Em colocar e retirar o que se quer do corpo
Reciclando e rejuvenescendo o homem
Por preços aquecíveis
Como a Floresta Amazonas e o Brasil.
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CANTO SILENCIOSO
Por Veronica dos Santos Silva
Canto a música cativa, quase um acalanto
lembra olhares, toques e encantos de um tempo mágico, lá de trás
Canto ao som do silêncio
companheiro destes tempos de guerra É uma fase que se encerra...
trégua pacífica deste confronto
Canto sem acordes, sem melodia sem instrumentos, acompanhamentos
só nostalgia...
É por isso que meu canto está ainda, preso Ouça-o...
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QUINTAL DE NAGÔ Por Vicente de Pércia Que fazer com a casa desarrumada? Com os olhos críticos do branco? Com os preconceitos edemáticos? Tudo isso não são peripécias do aca-so, são afeições, fervor, gosto, sentenças... são para dar arras ao temperamento às visitações incessantes. Dobrado no dia e na noite o transporte de antigos segredos do sonho bebido em bronze, prata e ouro, sustento das palavras não ditas lembranças das que ficaram. Aqui não temos assoalhos compridos nem jarros para de flores com água mudada frequentemente. Só a proteção do céu existe; pra males físicos, morais e espirituais. Em potes os ingredientes para o aluá. Axé! Axé!...Axé!... Expandam-se os males com garrafi-nhas com água e galho de arruda colocado no centro da mesa caixotes cuias tigelas de barro latas de doce do senhor deixadas. - Pra todas bandas a inocência - Se chegue ao Quintal de Nagô! Negrinha, que escondes atrás da por-ta? em baixo das tuas palhas nos rasgões do tecido surrado nos cestos
nos balaios nos tabuleiros debaixo da tua lingua? - Miséria que vem a galope - A matéria forte vinda como vento sacode as narinas. Surge no corpo acarinha as coxas quentes as ancas fortes sob um peitinho de seda preta que chama pra longas navegações que recebe a dádiva do céu e da lua. A proteção de todos os Orixás. Um peixe vermelho faz tremer os olhos negros do negro enfeitiçando tudo... e seu tronco feito relâmpago capaz de afagar os cinco cantos do mundo espelha realeza. Que ora despojada luta contra a sede e a fome. No tamborimento dos teus dedos o contar das estrelas o bater de todos os atabaques. Obá! Obá!...Obá!... Não ponhas nada fora. A tina da barrela de cinza pra lavar a bacia de areia molhada pra lixívia. Visíveis e invisíveis formas; da terra do mar do fogo do ar. Fertilizando e enraizando a nova terra.
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Ela
Por Vicência Jaguaribe
Ela apareceu de repente. Eu não a esperava.
Tenho perdido o hábito de olhar o calendário. Apareceu esplêndida
Num céu sem nuvens.
Ela, só.
Quis alcançá-la enquanto dirigia. Mas ela, indiferente, escondeu-se
Por trás de uma árvore.
Acelerei. Mas um prédio
Substituiu a árvore. E outro prédio mais apareceu.
E a sucessão de prédios Foi mais rápida do que eu.
Quando, finalmente,
Ficamos frente a frente E eu pude encará-la,
Tive que dobrar à esquerda.
Constrange-me dizê-lo: - Perdi-a numa curva do caminho.
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Guerrilheira
Por Víctor Manoel G. Vilena
Guerrilheira de meus ardentes desejos,
do silêncio e do tempo...
Tua luta é minha paixão
Tua arte carinhosa cheia de ardores
é meu refúgio no tempo dos meus sonhos e apetites...
Guerrilheira da beleza,
Guerrilheira do fogo e da paixão,
com teus cantos vitoriosos,
a guerra você declara com amor,
que espera impassível
nas trincheiras do fogo,
para combater no campo de batalha
a insurgência do desamor,
e com sons de fanfarra de ardentes desejos,
você marcha ao campo de batalha
conquistando territórios de prazer.
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UM SONHO...PARIS
Por Vó Fia
Solange era o nome daquela menina linda, ela era o encanto de sua família e também dos amigos, porque era loirinha, pele rosada, dentinhos clarinhos e enormes olhos azuis, mas mesmo em sua infância ela já demonstrava ser uma pessoinha sonhadora, vivia imersa em sonhos e muitas vezes, se esquecia da vida .
Seus sonhos cresceram com ela e no colégio era uma aluna inteligente, porém desaten-ta, parecia estar sempre em outra galáxia, mas como era muito gentil e alegre, os professores não se zangavam, mas não facilitavam e suas notas eram sempre baixas, porque notas não se ganha sem merecimento.
Já adulta Solange continuou sonhando acordada, mas agora seu sonho era sempre o mesmo e se concentrava em Paris, que ela conhecia através de leituras, imagens fotográficas e filmes sobre a desejada Cidade Luz; sem condições financeiras ela jamais visitou a cidade e se contentava em sonhar.
O tempo todo ela fantasiava viagens e passeios maravilhosos em Paris, fechada em seu quarto ela fechava os olhos e se sentia as margens do Rio Sena, de mãos dadas com um hipotético namorado a luz do luar, ao som de lindas canções cantadas por Edith Piaf, mas na vida real ela não tinha ninguém ao seu lado.
Vivendo nesse mundo irreal ela quase não saia de casa e apesar de ser linda, nunca namorou e era motivo de piadas dos conterrâneos pela sua mania por Paris, porque além de sonhar ela falava sobre a cidade, como se conhecesse tudo por lá, citava o Museu do Louvre, a Catedral de Notre Dame e muito mais
A areia do tempo correndo e Solange sonhando com Paris e se esquecendo de viver, com sua obsessão incurável ela só conversava sobre esse assunto e as pessoas passaram a se afastar dela; cada vez mais solitária, ela foi definhando e aos quarenta anos de idade pare-cia uma velha decrépita, mas não desistia de sonhar
Viveu mais dois anos e por fim morreu só em seu quarto e ao ser encontrada pela família, segurava com as duas mãos uma miniatura da Torre Eiffel, como símbolo de uma paixão doentia e anormal por uma cidade nunca vista realmente, mas sempre desejada; So-
lange tinha tudo para ser feliz, mas viveu e morreu só com seus sonhos
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Lenço branco
Por Walnélia Corrêa Pederneiras
deixo no traço da escrita
aquilo que Verso
e que também pode
ser Inverso,não importa.
Se a letra em palavras
diz ou capta,
é questão de
momento inspirado
Tudo ou Nada
pode ser diferença
mas pode ser sinônimo...
Nem sempre é verde a folha
pode ser seca ou branca
de simples papel ou traço
em hediondo espaço
Dizer da dor às vezes
quer dizer observá-la
sim, ela a Dor
por que interpretá-la
dentro do verso
se foi captada fora?!..
muito embora esteja
dentro no Aqui e Agora...
...é melhor que deixe o poeta
sem julgá-lo em seus vestidos
de festa ou desnudado
de qualquer compromisso
situação ou tempo
Deixe que ele continue em acenos
feitos de letras como se fossem
"lenços brancos" em contraste
com o verde das montanhas...
mas também pode não ser con-
traste
afinal, a cor é relativa...lenço ver-
de,
lenço azul, é o gesto
é a escrita, é o ato da escrita
em momento inspirado...
e o é passa a ser É.
Deixe que ele continue livre
sem estilos ou metas
Simplesmente vive e morre
mil vezes, sem que isso interfira
no caminho traçado chamado
Vida de cada Ser...
Muito embora tenha um nome
marcante e assinante,
para escrever necessita
do impessoal, da transparência
do Ser.
Permita que o poeta acabe o verso
assim, sem querer...
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