vamos começar falando sobre o sistema de processo penal

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Vamos comear falando sobre o sistema de processo penal. H trs sistemas (modelos) de processo penal condenatrio: processo penal inquisitivo ou inquisitrio processo penal acusatrio processo penal misto No processo penal inquisitivo ou inquisitrio, hoje, quase que uma reminiscncia histrica, as funes de acusar, de julgar e de defender so exercitadas pelo mesmo sujeito processual. O juiz enfeixa (= rene) em suas mos, sobretudo as funes de acusar e de julgar. O prprio juiz formula a acusao e, ao final, ir julgar. No sistema inquisitivo (ou inquisitrio), o juiz figura absolutamente proeminente, pois lhe cabe formular a acusao e, ao mesmo tempo, julgar. A defesa uma espcie de simulacro, ou seja, no h propriamente defesa. O sistema acusatrio, por sua vez, hoje adotado na maioria dos paises, se caracteriza basicamente pela absoluta separao entre as funes de acusar e de julgar. Essas funes - de acusar e de julgar so atribudas a sujeitos processuais diversos. Mais ainda: no sistema acusatrio a defesa (tarefa de defender) exercitada por um outro sujeito processual. Vale dizer, processo do tipo acusatrio um processo de partes: autor, juiz e ru. A jurisdio atividade essencialmente inerte, isto , o juiz atua (age) mediante provocao. No Brasil, no sistema processual brasileiro, diferentemente do que ocorre em outros paises, a separao entre as funes processuais de acusar e de julgar , inclusive, uma separao orgnica, porque MP e a magistratura so carreiras distintas, absolutamente desvinculadas uma da outra. Fala-se em processo de natureza mista (ou hbrida), sobretudo naqueles paises hoje poucos paises - que adotam o modelo do chamado Juizado de Instruo. No processo penal de natureza hbrida, no sistema inquisitivo e no sistema acusatrio, h uma primeira fase preliminar de natureza inquisitiva (ou inquisitria) e outra fase de natureza acusatria. O processo penal brasileiro essencialmente (= predominantemente) acusatrio, porque h absoluta separao entre as funes de acusar e de julgar. O processo penal brasileiro predominantemente acusatrio (e no exclusivamente), porque o CPP, que do sculo passado e entrou em vigor em 01 de janeiro 1942, ainda contm resqucio (vestgios) de um processo penal inquisitivo ou inquisitrio, mas o processo, repito, predominantemente acusatrio porque h absoluta separao entre as funes processuais de acusar e de julgar. A funo de acusar , em regra, exercitada pelo Ministrio Pblico. A ao penal, em regra, pblica, cabendo, privativamente, ao MP promov-la.

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E h casos, expressamente previsto em lei, em que a ao penal promovida pelo particular. Fala-se aqui em ao penal de iniciativa privada. A prpria Constituio de 1988, hoje, predomina a idia de um processo penal constitucional, ou seja, um processo penal de acordo com a Constituio, um processo penal que preserve os direitos e garantias individuais. A prpria Constituio de 1988 purificou (depurou) o sistema acusatrio de processo j adotada pelo cdigo. Por que se diz que a Constituio de 1988 (e l se vo 20 anos de existncia) purificou o sistema acusatrio, que o CPP, desde os seus primrdios, desde a sua edio, j consagrava? A Constituio purificou o sistema acusatrio ao conferir ao MP a funo de promover privativamente a ao penal pblica de natureza condenatria. Isso est no artigo 129, I da CF/88. Nos temos desse artigo, cabe privativamente ao MP promover a ao penal pblica de natureza condenatria. Por que se diz que o artigo 129, I, da CF/88 depurou, purificou, o sistema acusatrio de processo adotado pelo cdigo? Porque at ento, ou seja, at o advento da Constituio de 88, havia entre ns a ao penal promovida de ofcio pelo juiz ou pela prpria autoridade policial, a ao penal de ofcio instaurada mediante portaria ou auto de priso em flagrante da lavra do juiz ou da autoridade policial. Havia entre ns a chamada ao penal de ofcio, que dava ensejo ao processo judicialiforme, processo judicial to-s na forma, nas contravenes penais e nos crimes de homicdio culposo e leso corporal culposa, cuja autoria fosse conhecida nos primeiros 15 dias. Neste caso contravenes e crime de homicdio culposo, cuja autoria fosse conhecida nos primeiros 15 dias - a ao penal era instaurada por portaria ou por auto de priso em flagrante da lavra da autoridade policial ou do juiz. No cabia ao MP nestes casos promover a ao penal. O prprio juiz formulava a acusao mediante portaria ou ele atualmente (sic) no caso de lavratura de auto de priso em flagrante. Esses artigos do cdigo que tratavam da ao penal de ofcio e que davam azo ao processo penal judicialiforme, artigos 26 e 531, CPP e lei 4611/65, no foram recepcionado pela Constituio de 88 e esto revogados desde a Constituio de 88. Art. 26. A ao penal, nas contravenes, ser iniciada com o auto de priso em flagrante ou por meio de portaria expedida pela autoridade judiciria ou policial. Art. 531. O processo das contravenes ter forma sumria, iniciando-se pelo auto de priso em flagrante ou mediante portaria expedida pela autoridade policial ou pelo juiz, de ofcio ou a requerimento do Ministrio Pblico. OBS. REDAO ANTIGA Art. 531. Na audincia de instruo e julgamento, a ser realizada no prazo mximo de 30 (trinta) dias, proceder-se- tomada de declaraes do ofendido, se possvel, inquirio das testemunhas arroladas pela acusao e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Cdigo, bem como aos esclarecimentos dos peritos, s 2

acareaes e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogandose, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate. (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). LEI N 4.611, DE 2 DE ABRIL DE 1965. OBS.: LEI J REVOGADA !!! Modifica as normas processuais dos crimes previstos nos artigos 121, pargrafo 3, e 129, pargrafo 6 do Cdigo Penal. O PRESIDENTE DA REPBLICA, fao saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 O processo dos crimes previstos nos artigos 121, 3, e 129, 6, do Cdigo Penal, ter o rito sumrio estabelecido nos arts. 531 a 538 do Cdigo de Processo Penal.... Vetado.................................................................................................... ............................................................................................................... ..................................................................................... 1 Quando a autoria do crime permanecer ignorada por mais de quinze dias, proceder-se- a inqurito policial e o processo seguir o rito previsto no art. 539. 2 Podero funcionar, como defensores dativos, nas Delegacias de Polcia, como estagirios, na falta de profissionais diplomados e solicitadores, alunos da Faculdade de Direito, indicados pelo Procurador-Geral da Justia. 3 Quando no fr possvel a assistncia de defensor do acusado na lavratura do auto de flagrante, a autoridade policial obrigada, sob pena de nulidade do ato, a mencionar, fundamentadamente, essa impossibilidade. Art. 2 Verificando-se a hiptese do art. 384 e pargrafo nico do Cdigo de Processo Penal, o juiz dar vista dos autos, pelo prazo de trs dias, ao representante do Ministrio Pblico, para o oferecimento da denncia, seguindo o processo o rito ordinrio. Art. 3 Esta lei entrar em vigor na data de sua publicao, no se aplica aos processos em curso e revoga as disposies em contrrio. Braslia, 2 de abril de 1965, 144 da Independncia e 77 da Repblica. H. CASTELLO BRANCO O sistema de processo penal brasileiro predominantemente acusatrio, isto , o processo penal brasileiro no adota o sistema acusatrio puro, mas o CPP (presta ateno que essa distino fundamental) disciplina no apenas o processo penal propriamente dito, mas tambm a fase preliminar, a primeira fase da persecuo penal, que a fase do inqurito policial. Assim, resumindo: o CPP disciplina a fase do inqurito e a fase processual propriamente dita. O CPP no adota, como sugerem e sustentam alguns, um sistema misto (hbrido) de processo penal. Nada disso. O cdigo acusatrio. O cdigo segue o modelo acusatrio. Mas o inqurito policial, tambm regulamentado pelo cdigo, tem natureza inquisitiva ou inquisitria. O cdigo consagra, na verdade, digamos, ambos os sistemas, quais sejam, o sistema inquisitivo no que concerne ao inqurito policial, que no integra o processo penal, que no fase integrante do processo penal. O inqurito policial 3

marcantemente inquisitrio/inquisitivo; j o processo penal marcantemente acusatrio, ou predominantemente acusatrio. Alguns dizem: O processo penal brasileiro de natureza mista. No!! O processo acusatrio, predominantemente acusatrio. O cdigo que adota, que consagra, no que concerne ao inqurito policial o modelo inquisitivo/inquisitrio. J no que diz ao processo penal propriamente dito o modelo acusatrio. Respondendo uma pergunta: A fase de investigao criminal no Brasil , hoje, sempre de natureza inquisitiva/inquisitria. Vamos ver mais para frente, mas j adiantando a idia, que a investigao criminal gnero do qual o inqurito policial uma das espcies. O inqurito policial no a nica espcie, no o nico instrumento de investigao criminal existente no Brasil, pois h outras formas de investigao criminal diferentes do inqurito policial. A investigao criminal, que gnero do qual o inqurito policial uma das espcies, , no atual estgio do direito brasileiro, sempre inquisitivo/inquisitrio. No h procedimento investigatrio de natureza criminal contraditrio. A investigao criminal no Brasil , hoje, sempre inquisitiva/inquisitrio. Pode o legislador ordinrio (infraconstitucional), por opo de poltica criminal, introduzir (passar a exigir a observncia) as garantias do contraditrio e da ampla defesa na fase da investigao criminal? Pode. Essa uma opo de poltica criminal. Nada obsta o legislador de garantir ao indiciado, ainda na fase do inqurito policial portanto, o contraditrio e ampla defesa. Ao sentir do professor, no parece recomendvel que isso seja feito. Mas, em contrapartida, pode o legislador ordinrio subtrair do ru, retirar do acusado, da fase do processo penal propriamente dito, as garantias da ampla defesa e do contraditrio? No, porque estas so garantias constitucionais. O contraditrio e ampla defesa esto inseridos nos rol dos direitos e garantias individuais, so, inclusive, clusulas ptreas, ou seja, sequer emenda Constituio pode subtrair do acusado as garantias da ampla defesa e do contraditrio, consagradas no artigo 5 da Constituio. E por que se diz que a idia hoje predominante no Brasil a de um processo penal constitucional, de um processo penal conforme a Constituio? Essa idia tem a finalidade bsica de conferir efetividade, concretude aos direitos e garantias individuais previstos na Constituio. Vale dizer: as leis processuais penais devem, como todas as leis em geral, mas aqui em particular h uma relevncia todo especial, porque no processo penal est sempre em jogo o direito fundamental do indivduo da liberdade, mas as normas processuais penais devem ser interpretadas, devem ser lidas e relidas de acordo com a Constituio. Isso hoje parece bvio, mas at pouco tempo atrs no era essa a idia que predominava. Na verdade, as leis infraconstitucionais, inclusive o cdigo de processo penal, que norteavam a interpretao da Constituio. Hoje, se interpreta a lei conforme a Constituio. Ento, as normas do cdigo de processo penal devem ser lidas, relidas e interpretadas conforme a Constituio, de maneira 4

que sejam efetivamente preservadas os direitos e garantias individuais. o chamado garantismo penal, que hoje, lamentavelmente, vem sendo distorcido, ou, no mnimo, exarcebado. Mas o garantismo penal obriga o Estado, os rgos estatais incumbidos da persecuo penal e o prprio poder judicirio, a realizarem a persecuo criminal respeitando os direitos e garantias individuais. A apurao do fato criminoso, a punio do autor do delito - essa idia, esse o princpio filosfico que informa o garantismo penal - no autoriza, no justifica a violao de direitos e garantias individuais. Quer dizer, o Estado no pode nivelar-se, no pode igualar-se ao criminoso, praticando condutas ilcitas para punir. Tem que haver, sobretudo, um limite tico na atividade persecutria do Estado. A punio do autor do crime no autoriza, no justifica, a violao de direitos e garantias individuais Qual a expresso maior do garantismo na Constituio/88? O que traduz mais essa idia de que a persecuo criminal tem que respeitar e resguardar os direitos e garantias individuais? Onde est essa idia de que o ru, no processo penal, um sujeito de direito e no um simples objeto de investigao. Tudo o que tem a ver com direito e garantia individual se relaciona com o chamado garantismo, ou seja, garantia do indivduo frente ao pode do Estado. Mas na perspectiva do processo penal, qual a maior expresso do garantismo? a proibio das provas ilcitas. At 1988, havia na doutrina e na jurisprudncia a discusso sobre a admissibilidade (sobre a utilizao) de provas ilcitas no processo penal. Doutrinadores de renome, como o professor Hlio Tornaghi, sustentavam a admissibilidade da prova ilcita no processo penal em homenagem ao princpio da verdade real. O esclarecimento da verdade real ... em suma, a punio do autor do delito autorizaria a utilizao de provas obtidas ilicitamente no processo penal, mas sem prejuzo tambm da punio daquele que a tivesse obtido transgredindo a lei. Assim, a busca da verdade real, a apurao do fato criminoso e da sua autoria, a represso penal, justificaria a violao de direitos e garantias individuais, sem prejuzo daquele que houver obtido a prova ilicitamente. O Constituinte de 87/88 fez uma opo, poltica, vedando peremptoriamente, a utilizao das provas obtidas ilicitamente. A proibio est no artigo 5, LVI, CR/88. Diz o artigo 5 que so inadmissveis no processo - qualquer espcie de processo, e no apenas no processo penal - as provas obtidas ilicitamente. Percebam que esta proibio das provas ilcitas est includa no rol dos direito e garantia individual. A jurisprudncia, sobretudo do STF, no admite a prova ilcita pro societate. A gravidade do crime, a repercusso social do delito, a periculosidade de seu autor, no so justificativas para admisso de prova ilcita no processo penal em prol da sociedade. E disse mais o STF: que no se pode, nessa matria, se falar em aplicao dos princpios da razoabilidade e da proporcionalidade, porque um

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direito do indivduo no ter contra si, em qualquer espcie de processo, prova ilcita. Mas, por outro lado, doutrina e jurisprudncia, sem exceo alguma, admitem a prova ilcita pro ru, a favor do ru, com base no critrio de proporcionalidade e razoabilidade, procedendo a uma ponderao entre os valores e interesses constitucionais em conflito. Deve-se admitir a prova ilcita pro ru na salvaguarda da liberdade do indivduo, ou seja, o direito de defesa neste caso deve se sobrepor. Na viso do professor essa uma viso correta, garantista do processo penal. O Estado no pode se nivelar ao delinqente praticando crimes a pretexto de apurar delitos. Hoje, doutrina e jurisprudncia, agora inclusive a jurisprudncia do STF, Supremo esse que, ao sentir do professor, vem exacerbando indevidamente e de forma perigosamente o garantismo, mas uma opo de poltica criminal do tribunal de cpula do pas ... mas hoje doutrina e jurisprudncia tem essa viso garantista do processo penal conforme a Constituio, do processo penal que preserva e que d efetividade aos direitos e garantias individuais. Sempre se sustentou que a finalidade bsica do processo apurao da verdade. No processo penal, diferentemente do que sucede no processo civil, vigora o princpio da verdade real, o carter publicista do processo penal. Mas a verdade real hoje a verdade processualmente vlida, a verdade trazida ao processo de acordo com a lei, ou seja, a verdade do processo. A prova ilcita, ainda que traduza a verdade, no pode ser utiliza para fundamentar juzo acusatrio ou juzo condenatrio. Ao longo do curso vamos aprofundar essas questes, mas, neste particular, preciso ressaltar que o STF, na sua nova composio, vem, com base no chamado garantismo penal e na perspectiva de um processo penal constitucional, alterando sensivelmente a sua jurisprudncia sobre temas relevantssimos no processo penal. A ttulo de exemplo, o STF, ao logo de 16 anos, de 1990 a 2006, sempre decidiu no sentido de que no havia inconstitucionalidade alguma no regime integralmente fechado previsto para os crimes hediondos e assemelhado. O STF chegou at a editar smula 698 neste sentido. J com a sua composio nova, em 2006, o STF, julgado um HC, exercendo o controle difuso de constitucionalidade, ou seja, exercendo o controle de constitucionalidade por questo prejudicial, reconheceu a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, considerando ofensivo ao princpio constitucional da individualizao da pena. Ou seja, durante 16 anos o regime integralmente fechado foi considerado constitucional, mas agora, em 2006, o tribunal fez uma opo poltica e alterou o seu posicionamento acerca da matria para declarar a inconstitucionalidade do regime integralmente fechado. Sobreveio depois dessa deciso do Supremo, a lei 11464/2007, abolindo o regime integralmente fechado nos crimes hediondos e assemelhados. Tal lei deu nova redao ao artigo 2, 1, da lei 8072/90, que falava em regime integralmente fechado, sendo certo que agora regime inicialmente fechado. 6

Outra questo importante, a ttulo de exemplo dessa mudana do STF em matria processual penal. O STF sempre considerou legal, sempre admitiu a execuo da pena privativa de liberdade feita na pendncia de julgamento de recurso especial ou extraordinrio, o que obvio, porque os recurso constitucionais, especial e extraordinrio, no tm efeito suspensivo. So recursos que tm to-somente efeito devolutivo. Mais ainda. Um outro ponto que passa desapercebido dos muitos crticos dessa deciso recente do STF. Esses recursos - esse um absurdo maior dessa nova jurisprudncia do STF no admitem exame da prova, no admitem o reexame da prova existente no processo penal. Esses recursos se destinam to-s ao reexame de questes de direito, direito puro, inadmissvel o exame da prova. E no processo penal o que se discute basicamente provas! O STJ tem smula neste sentido, qual seja, de que a pena deve ser executada se o recurso cabvel contra a condenao no tiver efeito suspensivo - a smula 267. Smula 267 - A interposio de recurso, sem efeito suspensivo, contra deciso condenatria no obsta a expedio de mandado de priso. Agora, recentemente, coisa de duas semanas atrs, o STF mudou o seu posicionamento, alterando a sua orientao acerca dessa matria, e decidiu que a execuo provisria feita na pendncia de julgamento de recurso constitucional, ainda que desprovido de efeito suspensivo, viola o princpio da no-culpabilidade. Essa uma posio poltica do STF que, segundo o professor, uma opo perigosa. Perigosa porque essa jurisprudncia, que em tese vale para todos, reflete o casusmo da jurisprudncia do STF em matria penal. Os beneficirios dessa deciso sero aqueles que detm poder poltico, econmico, ou seja, aqueles que no estaro presos no curso do processo. Em suma: o STF instituiu agora no Brasil quatro graus de jurisdio em matria penal. A smula do STJ perder fora e deixar de ser aplica diante dessa nova jurisprudncia do STF. Um outro ponto importante, dentro desse linha de raciocnio. O cdigo de processo penal brasileiro, embora remendado, de 1941/1942. Esse cdigo foi elaborado na vigncia da Constituio 1937, em pleno Estado Novo. O cdigo de processo penal brasileiro, na sua origem, cpia quase que fiel do cdigo de processo penal italiano, da dcada de 30, chamado cdigo de Mussolini. Esse cdigo de processo penal, alm de ter que ser interpretado na sua estrutura - porque a estrutura permanece intacta -, conforme a Constituio, este cdigo s estar em vigor naquilo em que for compatvel com a ordem constitucional estabelecida a partir da Constituio de 88, ou seja, preciso fazer o que a doutrina chama de filtragem constitucional das normas do cdigo de processo, isto , devemos rel-lo e interpret-lo conforme a Constituio. E, alm disso, preciso verificar a compatibilidade entre as normas do CPP e a Constituio de 88. Essa verificao de compatibilidade entre as normas do CPP e a constituio/88 chamada pelos constitucionalistas de filtragem constitucional.

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Vejam bem. As normas do cdigo de processo penal compatveis com a Constituio/88 so por ela recepcionadas, e esto, portanto, em vigor. O fundamento de validade dessas normas do cdigo de 40 compatveis com a Constituio /88 a nova ordem constitucional, que nem to nova assim. As normas do cdigo incompatveis com a Constituio de 88 no foram recepcionada, mas sim revogadas. Vamos ver ao longo do curso que, ainda hoje, 20 anos depois de promulgada a Constituio, ainda h controvrsia, quase que infindveis, sobre a vigncia, ou no, de determinadas normas do cdigo. A ttulo de exemplo, podemos citar a possibilidade de o juiz requisitar a instaurao de inqurito. Nesse particular, para muitos, o CPP, no foi recepcionado pela Constituio. Ele teria sido revogado, porque requisitar a abertura de inqurito atividade de natureza persecutria, prpria do MP e porque tambm incompatvel com as funes do judicirio. Art. 5o Nos crimes de ao pblica o inqurito policial ser iniciado: II - mediante requisio da autoridade judiciria ou do Ministrio Pblico, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para represent-lo. Pergunta inaudvel. Resposta: vejam bem. A execuo da pena privativa de liberdade, feita enquanto cabvel recurso contra a condenao, , hoje, considerada pelo STF ofensiva ao princpio da presuno de noculpabilidade. Foi isso que o supremo decidiu. Agora vejam bem. Se o ru estive preso, nada obsta que se inicie, desde logo, a execuo da pena. Subsiste a possibilidade de execuo penal provisria. Quando? Quando o ru estiver preso. Se o ru estive preso, a execuo da pena pode e deve, desde logo, ter incio, porque a execuo provisria , neste caso de ru preso, favorvel ao prprio ru. Por que a execuo provisria estando o ru preso lhe favorvel? Porque o ru inserido, desde logo, no sistema da lei de execuo penal. Inicia o cumprimento da pena no regime fixado na sentena, pode, se for o caso, requerer a progresso de regime ou livramento condicional. O que no se admite a execuo provisria mandar prender o ru que recorreu em liberdade. Se o ru estiver preso possvel logo o incio da execuo. Lembro o seguinte: Quando tratar de ru preso desde a sentena, a execuo provisria somente ser possvel se a condenao houver transitado em julgado para o MP. Por que h, em relao a sentena, essa exigncia da jurisprudncia de haver trnsito em julgado da condenao para o MP, para que se possa, desde logo, falar em execuo provisria da pena? Porque se houver recurso do MP o Tribunal poder agravar a pena, e se no houver recurso do MP, no poder agravar a pena, porque proibida a reformatio in pejus. Agora, quando se tratar de deciso j de tribunal, ainda que o MP interponha recurso.especial ou extraordinrio, inicia-se a execuo que favorvel ao ru. Nem sempre a execuo provisria prejudica os interesses do ru. Prejudica se o ru estiver solto. Porque a idia a seguinte: o ru est solto e apela da condenao, ou o MP apela da absolvio. O 8

Tribunal d provimento ao recurso do MP para reformar a sentena absolutria, ou nega provimento ao recurso do ru para manter a sentena condenatria. Expedia-se, desde logo, o mandado de priso. Por qu? porque o recurso cabvel contra deciso do Tribunal de Justia ou do Tribunal Regional Federal no tem efeito suspensivo, recurso constitucional, que no admite sequer reexame de prova, conforme a smula 267 (sic). Qual a natureza jurdica desse priso? Essa priso tem (ou tinha) natureza cautelar? No. uma priso-pena, execuo penal. Agora, execuo penal provisria ou definitiva? Execuo penal provisria, porque a sentena ainda no transitou em julgado. isso que o STF no admite mais, pois agora a execuo s se inicia, estando o ru solto, depois do trnsito em julgado da condenao. como se houvesse - e na prtica h quatro graus de jurisdio. A deciso do TJ ou do TRF no produz efeito algum, ou seja, os tribunais foram completamente desmoralizados. Agora, fica ressalvada a possibilidade de decretao de priso cautelar, mas a a priso tem que ser fundamentada numa daquelas duas hipteses prevista no artigo 312 CPP (assegurar a aplicao da lei penal ou para garantia da ordem pblica, convenincia da instruo no, porque a instruo est encerrada). O juiz pode, quando da sentena condenatria, manter o ru preso, se ele estiver preso, ou decretar fundamentadamente a priso do ru. Isso est no artigo 387, nico, do CPP, com a redao dada pela lei 11.719/2008. Qual a natureza jurdica desse priso prevista no artigo 387, nico, do CPP? Essa priso cautelar. Art. 387. O juiz, ao proferir sentena condenatria:(Vide Lei n 11.719, de 2008) I - mencionar as circunstncias agravantes ou atenuantes definidas no Cdigo Penal, e cuja existncia reconhecer; II - mencionar as outras circunstncias apuradas e tudo o mais que deva ser levado em conta na aplicao da pena, de acordo com o disposto nos arts. 59 e 60 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Cdigo Penal; (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). III - aplicar as penas de acordo com essas concluses; (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). IV - fixar valor mnimo para reparao dos danos causados pela infrao, considerando os prejuzos sofridos pelo ofendido; (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). V - atender, quanto aplicao provisria de interdies de direitos e medidas de segurana, ao disposto no Ttulo Xl deste Livro; VI - determinar se a sentena dever ser publicada na ntegra ou em resumo e designar o jornal em que ser feita a publicao (art. 73, 1o, do Cdigo Penal). Pargrafo nico. O juiz decidir, fundamentadamente, sobre a manuteno ou, se for o caso, imposio de priso preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuzo do conhecimento da apelao que vier a ser interposta. (Includo pela Lei n 11.719, de 2008). Suponhamos que o juiz no mantm, nem decreta a priso do ru, pode o Tribunal depois, ao julgar a apelao, decretar a priso do 9

acusado? Pode, desde que fundamentadamente. Qual a natureza jurdica dessa priso? priso cautelar. O que o Tribunal no pode mais, de acordo com essa nova orientao do STF, , ao julgar a apelao do MP ou da defesa, mandar prender o ru para dar incio execuo. Pode prender, desde que cautelarmente. Ou seja, se o sujeito no estava preso anteriormente, no vai ser preso. S vai ser preso, se for o caso, depois de transitado em julgado a condenao. Pergunta inaudvel. Resposta: todo o tempo de priso provisria no curso do processo, abatido do tempo de pena a ser cumprida. O problema que para prender o Tribunal tem que decretar a priso. A priso no mais execuo da pena. A priso pode at ser decretada, desde que fundamentadamente. APLICAO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO Questo importantssima, principalmente agora que est em curso uma reforma pontual do cdigo de processo. Mas antes de falarmos especificamente sobre a aplicao da lei processual penal no tempo vamos ver o seguinte. Quais os princpios que regem a aplicao da lei penal no tempo? E qual a natureza.jurdica desses princpios? H dois princpios bsicos que regem a aplicao da lei penal no tempo. A lei penal no retroagir - princpio da irretroatividade da lei penal -, salvo quando de qualquer modo favorecer o agente a retroatividade da lei penal benigna, ou seja, a retroatividade da lei penal que de qualquer modo favorea o agente. A lei penal que agravar a situao do agente somente ser aplicvel aos crimes praticados na sua vigncia. A lei anterior ter o efeito da ultratividade, ou seja, ser aplicada mesmo havendo lei nova. Estes princpios princpio da irretroatividade da lei penal gravosa, da retroatividade da lei penal benigna - esto inseridos no rol dos direitos e garantias individuais, so direitos fundamentais do indivduo, so princpios consagrados pelo artigo 5, XL, da Constituio. Estamos falando dos princpios que informam a aplicao lei penal no tempo, e que so basicamente 2 princpios: irretroatividade da lei gravosa e retroatividade da lei benigna. Qual o princpio que informa, que orienta, que disciplina a aplicao da lei processual penal no tempo? o princpio da aplicao imediata, consagrado pelo artigo 2, do CPP. Art. 2o A lei processual penal aplicar-se- desde logo, sem prejuzo da validade dos atos realizados sob a vigncia da lei anterior. A lei processual penal tem aplicao imediata, sem prejuzo, entretanto, da validade dos atos processuais praticados na vigncia da lei anterior, ou seja, ao contrrio do que muitos pensam, a lei processual penal no retroage. Retroagir nos atos processuais praticados sob a gide da lei anterior seriam nulos. Na verdade, a lei processual penal tem aplicao imediata, sem prejuzo, no entanto, da validade dos atos praticados na vigncia da lei anterior. Aqui, o princpio do tempus regit actum leva em conta o tempo da prtica do ato processual (o tempo do processo), e no o tempo do crime. 10

Assim, repito, a lei processual penal no retroage, a lei processual penal tem aplicao imediata, sem prejuzo, entretanto, da validade dos atos praticados na vigncia da lei anterior. Continuando. H certas normas processuais, normas que regulamentam questes genuinamente processuais, que afetam e restringem direitos e garantias fundamentais do indivduo. Por exemplo: Lei nova que proba (vede) a liberdade provisria. Essas normas sobre liberdade provisria so normas de direito penal ou so normas de direito processual penal? No h dvida que norma processual-penal, ou seja, so normas que tem a natureza processual, porque liberdade provisria instituto de processo. Porm, a vedao, ainda que legtima, liberdade provisria significa restrio a um direito fundamental do indivduo, qual seja, o direito de liberdade. A lei pode proibir a liberdade provisria, est no artigo 5, LVI, da Constituio. Mas o fato que lei que proba a liberdade provisria estar cerceando o direito fundamental do indivduo a liberdade. Embora ainda haja discusso entre alguns, hoje, inclusive no Brasil, amplamente majoritrio o entendimento de que essas normas, conquanto de natureza processual, devem se aplicadas de acordo com o princpio da proibio da retroatividade da lei in pejus (da lei gravosa), ou seja, essas normas apenas sero aplicadas em relao aos crimes ocorridos na sua vigncia. Isso porque essa lei estar restringindo direito fundamental do indivduo. Logo, embora de natureza processual, essa norma somente ser aplicada aos crimes ocorridos na sua vigncia. Aqui no se pode falar em aplicao imediata. Aqui tem que ser respeitado o princpio da irretroatividade da lei penal gravosa. Ah, mas a norma de natureza processual. de natureza processual, mas afeta direito fundamental do indivduo. Por exemplo: norma sobre regime de cumprimento de pena ou que cuide de progresso de regime, ou, mais especificamente, que trate de requisito para a progresso de regime. Essa norma penal? No! Essa norma , predominantemente, processual. Regime de cumprimento de pena no , a rigor, questo de direito penal, questo de direito de execuo penal, questo, portanto, predominantemente, de natureza processual. Lei nova que venha a agravar (exasperar) os requisitos para a progresso pode ser, desde logo, aplicada? No, porque essa norma estar afetando direito do indivduo (afeta, ainda que por via oblqua, o direito de liberdade), logo essa norma somente ser aplicada aos crimes ocorridos na sua vigncia. o que ocorre com a lei 11.464/07. Tal lei, alm de estabelecer que a pena por crime hediondo ou assemelhado, deve ser cumprida inicialmente no regime fechado, e no mais integralmente fechado, estabeleceu tambm requisitos especficos para a progresso dos crimes hediondos e assemelhados, requisitos temporais especficos. Quais requisitos? Cumprimento de 2/5 da pena se o condenado for primrio, ou de 3/5 se for reincidente => artigo 2, 2, da lei 8.072/90. Esses requisitos podem ser exigidos desde logo, em relao 11

s execues penais que se iniciem na vigncia dessa lei, j que se trata de uma norma de carter predominantemente processual? No! Esses requisitos, e assim j decidiu o STF em mais de uma oportunidade, s podem ser exigidos em relao aos crimes praticados na vigncia da lei, ou seja, em relao aos crimes hediondos e assemelhados anteriores professor comenta que uma vergonha o que o legislador fez, apesar de achar que a interpretao do STF est correta - basta que o condenado por crimes hediondos e assemelhados cumpra 1/6 da pena, ou seja, isso uma brincadeira, afinal, 1/6 da pena para conseguir progresso no nada. Requisitos de 2/5 e 3/5 s na vigncia da lei 11.464, s relao aos crimes praticados a partir de 29 de maro de 2007. Ou seja, s vezes, a norma processual penal no ser aplicada com a observncia do princpio consagrado pelo artigo 2 do CPP, no haver aplicao imediata da lei processual penal. Haver casos em que a lei, no obstante seja predominantemente de natureza processual, somente ser aplicada aos crimes ocorridos na sua vigncia. Isso ocorre quando essa lei afetar, restringindo, direito ou garantia fundamental do indivduo. Essa reforma recente do CPP que de maneira geral, na opinio do professor, piorou o CPP, apesar de nesse ponto que ele vai falar agora foi boa - aboliu o protesto por novo jri. O protesto por novo jri era um recurso privativo da defesa. Era uma verdadeira excrescncia, comenta o professor, porque ele no era propriamente um recurso. Ele conferia ao ru o direito a um novo julgamento to-s em razo da pena aplicada. Era uma excrescncia porque h crimes da competncia do juiz singular apenados mais severamente do que os crimes da competncia do jri. Enfim, o protesto pressupunha condenao igual ou superior a 20 anos => artigo 607 do CPP. Havia dois artigos do CPP tratando do protesto - artigo 607 e 608 -, mas ambos foram revogados pela lei 11.689/08. Eu pergunto a vocs: protesto por novo jri era considerado recurso? Sim, era recurso no CPP, privativo da defesa. H no CPP recursos privativos da defesa, um deles era o protesto por novo jri que foi abolido. Essa norma introduzida no CPP norma processual -, que revogou os artigos 607 e 608 e aboliu o protesto por novo jri, tem aplicao imediata, nos termos do artigo 2 do CPP? Vejam bem. Suponhamos uma lei que trate sobre recurso. Qual a lei que deve ser observada em se tratando de recurso? Questo de direito intertemporal. Qual a lei que ser aplicada, em matria de recurso, havendo sucesso de leis no tempo? a lei vigente (em vigor) quando da deciso, ou seja, poca da sentena (o ato processual, para fins de saber qual lei aplicvel, sentena e haver recurso da sentena ou da deciso). No h dvida alguma que, em relao aos recursos, deve ser observada a lei em vigor poca da sentena. Ento, se poca da sentena havia protesto por novo jri, o ru que protestou por novo jri ser submetido a um novo julgamento. Aqui no h dvida alguma.

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E em relao s sentenas condenatrias proferidas pelo tribunal do jri j na vigncia da lei nova, caber ou no protesto? Aqui se instaurou a polmica. Isso tudo tem a ver com a aplicao da lei penal no tempo e com a prpria interpretao da lei processual penal, com a prpria viso garantista do processo penal. Duas orientaes na doutrina e nos tribunais. A primeira posio: no h mais protesto por novo jri em relao s sentenas proferidas na vigncia da nova lei, ou seja, no se pode mais cogitar em protesto, porquanto este foi abolido, logo, aplica-se a lei vigente poca da sentena. Ora, se a sentena foi proferida na vigncia da lei nova e no h mais protesto por novo jri, no caber esse recurso => artigo 2 do CPP. Essa orientao , aparentemente, majoritria. Assim, no cabe mais protesto em relao s sentenas proferidas na vigncia da lei nova. Segunda posio: h quem pense diferentemente segundo o professor, as conseqncias prticas so absurdas, porque haveria protesto daqui a 30 anos, muito embora o professor reconhea que os argumentos dessa posio sejam bastante razoveis. H quem entenda que, nesse particular, no se pode seguir a regra do artigo 2, ou seja, no se pode aplicar desde logo a lei que aboliu o protesto por novo jri, porque este, diferentemente dos outros recursos, privativo da defesa e inspirado nos princpios do favor rei e do favor libertati. ADENDO GOOGLE: O Princpio do "Favor Rei" diz respeito, entre outras coisas, interpretao do texto legal, nas hipteses em que esta no possvel de forma pacfica (forma unvoca). H, ento, de prevalecer a mais benfica ao ru. Para Fernando da Costa Tourinho Filho, o princpio do favor rei (ou favor inocentiae, ou favor libertatis), pelo qual, num conflito entre o jus puniendi do Estado e o jus libertatis do acusado, deve a balana inclinar-se a favor deste ltimo. Isso significa que, na dvida, sempre prevalece o interesse do acusado (in dubio pro reo). Por isso a prpria lei prev a absolvio por insuficincia de prova...; a proibio da reformatio in pejus...; os recursos privativos da defesa, como o protesto por novo jri..., os embargos infringentes ou de nulidade..., a reviso criminal..., o princpio do estado de inocncia ... etc." Em sntese, tende o Direito Processual Penal absolvio do ru persistindo dvidas a respeito de sua atuao. Vide: Art. 386, VI e 621 do CPP ---------------------------------#---------------------------------------------#-----------------------Segundo o culto doutrinador Fernando Capez, o princpio "favor rei" consiste em que qualquer dvida ou interpretao na seara do processo penal, deve sempre ser levada pela direo mais benfica ao ru. Ora, a supresso desse recurso privativo da defesa significaria restrio do direito constitucional de defesa, ou seja, restrio do direito que a Constituio confere ao ru de ampla defesa. Nesta perspectiva, a lei nova (a lei que aboliu o protesto) somente ser aplicvel em relao aos crimes ocorridos na sua vigncia, ou seja,

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daqui a 30 anos o sujeito que foi condenado pelo jri vai poder protestar. Isso soa um absurdo. Mas o argumento dessa posio, que uma viso exacerbada do garantismo, de que, sendo o protesto um recurso privativo da defesa, a sua supresso significa afetao de direito fundamental do indivduo, no caso, direito de defesa. No se deve falar aqui em ofensa ao duplo grau, isso uma bobagem. No falem em duplo grau no tocante ao protesto, porque o protesto , ou era, julgado pelo prprio juiz presidente do jri, ou seja, no h duplo grau. A questo aqui diz respeito a ampla defesa e no ao duplo grau de jurisdio. Assim, para a primeira orientao, deve-se levar em conta, luz do artigo 2, do CPP, a data da sentena. Se na data da sentena havia protesto, ento, o ru protestando vai a novo jri => princpio da aplicao imediata da lei processual penal. J em relao s sentenas proferidas na vigncia da lei nova, no cabe mais protesto, porque a lei acabou com o protesto por novo jri. A segunda orientao diz que se deve considerar no o tempo da sentena, mas sim o tempo do crime, porque a supresso do protesto restringiu o direito fundamental do indivduo de defesa. Ainda sobre a aplicao da lei no tempo e ainda sobre a reforma do CPP. A lei 11.719/2008 alterou significativamente os ditos procedimentos comuns do CPP. O procedimento comum do cdigo abrange o procedimento ordinrio e o procedimento sumrio. Hoje, abrange o procedimento ordinrio, sumrio e o sumarssimo, nas infraes de menor potencial ofensivo. O que mudou de nesse primeiro momento? Mudou o critrio de determinao do procedimento a ser observado. No sistema anterior lei 11.719/08, o procedimento ordinrio era observado no processo e julgamento dos crimes punidos com recluso, que no contassem com procedimento especial, ou seja, levava-se em conta a qualidade da pena, a espcie de pena privativa da liberdade, no caso, pena de recluso. J o procedimento sumrio era para o processo e julgamento dos crimes apenados com deteno. Ou seja, pena de recluso => ordinrio; pena de deteno => sumrio. Ambos - procedimentos ordinrio e sumrio eram procedimentos comuns. Agora qual o critrio? O critrio agora o da quantidade da pena: Pena mxima igual ou superior a 4 anos => procedimento ordinrio. Pena mxima inferior a 4 anos => procedimento sumrio. Infrao de menor potencial => procedimento sumarssimo. Isso est no artigo 394, 1 CPP, com a redao da lei 11.719/2008. Art. 394. O procedimento ser comum ou especial. (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). 1o O procedimento comum ser ordinrio, sumrio ou sumarssimo: (Includo pela Lei n 11.719, de 2008). I - ordinrio, quando tiver por objeto crime cuja sano mxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Includo pela Lei n 11.719, de 2008).

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II - sumrio, quando tiver por objeto crime cuja sano mxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Includo pela Lei n 11.719, de 2008). III - sumarssimo, para as infraes penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. (Includo pela Lei n 11.719, de 2008). Ento, antes se considerava a qualidade da pena (recluso e deteno). Agora, leva-se em conta a quantidade da pena (da pena mxima). Pena mxima igual ou superior a 4 anos => procedimento ordinrio. Pena mxima inferior a 4 anos => procedimento sumrio. So ritos (procedimentos) novos. Logo, no h dvida alguma, mas a lei 11.719/2008, nesse particular, de natureza processual, afinal, procedimento questo de processo, matria de processo. Logo, esses procedimentos devem, desde logo (desde a entrada em vigor da referida lei), serem observados. Eles tm aplicao imediata. Importante ressalvar porque muita gente no sabe mas esses procedimentos devem ser observados desde a entrada em vigor da lei 11.719/2008, com a ressalva contida no artigo 6, da Lei de Introduo ao Cdigo de Processo Penal, que prev que se a produo da prova testemunhal j tiver sido iniciada segue-se o procedimento da lei anterior. Decreto-Lei n 3.931, de 11 de dezembro de 1941 Lei de Introduo ao Cdigo de Processo Penal Art. 6 - As aes penais, em que j se tenha iniciado a produo de prova testemunhal, prosseguiro, at a sentena de primeira instncia, com o rito estabelecido na lei anterior. Esse artigo 6, da lei de introduo ao CPP, excepciona a regra do artigo 2, do CPP. Essa ressalva (exceo) regra do artigo 2 se justifica, porque seno, no processo, seria observado um procedimento hbrido (misto), isto , uma mistura do procedimento anterior com o procedimento da lei nova. Ento, iniciada a produo da prova testemunhal, segue-se o procedimento da lei anterior. Aqui tambm h uma questo importante, objeto de discusso. A questo a seguinte. Nesses procedimentos do cdigo o ordinrio e o sumrio, mas j era assim tambm no procedimento sumarssimo - o interrogatrio do ru sempre o ltimo ato da instruo criminal probatria, ou seja, o ru interrogado depois de ouvidas a vtima e as testemunhas. O ru interrogado sabendo o que testemunhas e vtimas disseram em juzo. Isso d ao interrogatrio, inegavelmente, um colorido de meio de defesa. Isso acentua ainda mais a idia de que o interrogatrio um meio de defesa, porque o ru interrogado depois de colhida a prova (depois de ouvidos o ofendido e as testemunhas). Isso est nos artigos 400 e 531 do CPP, ambos com a redao da lei 11.719/08. O interrogatrio sempre, nestes procedimentos - no so em todos, mas nesses procedimentos sempre - o ltimo ato da instruo criminal probatria. Depois do interrogatrio vem os debates, alegaes finais e sentena. Art. 400. Na audincia de instruo e julgamento, a ser realizada no prazo mximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se- tomada de 15

declaraes do ofendido, inquirio das testemunhas arroladas pela acusao e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Cdigo, bem como aos esclarecimentos dos peritos, s acareaes e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogandose, em seguida, o acusado. (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). CAPTULO V DO PROCESSO SUMRIO Art. 531. Na audincia de instruo e julgamento, a ser realizada no prazo mximo de 30 (trinta) dias, proceder-se- tomada de declaraes do ofendido, se possvel, inquirio das testemunhas arroladas pela acusao e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Cdigo, bem como aos esclarecimentos dos peritos, s acareaes e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate. (Redao dada pela Lei n 11.719, de 2008). Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdio do juiz ser inquirida pelo juiz do lugar de sua residncia, expedindo-se, para esse fim, carta precatria, com prazo razovel, intimadas as partes. 1o A expedio da precatria no suspender a instruo criminal. 2o Findo o prazo marcado, poder realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatria, uma vez devolvida, ser junta aos autos. 3o Na hiptese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poder ser realizada por meio de videoconferncia ou outro recurso tecnolgico de transmisso de sons e imagens em tempo real, permitida a presena do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realizao da audincia de instruo e julgamento. (Includo pela Lei n 11.900, de 2009) Art. 222-A. As cartas rogatrias s sero expedidas se demonstrada previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. (Includo pela Lei n 11.900, de 2009) Pargrafo nico. Aplica-se s cartas rogatrias o disposto nos 1o e 2o do art. 222 deste Cdigo. (Includo pela Lei n 11.900, de 2009) H quem entenda o professor acha at razovel que, apesar da ressalva contida no artigo 6 da lei de introduo ao CPP, o juiz deve observar, nesse particular, o sistema da lei nova, ou seja, ainda que o ru j tenha sido interrogado e j se tenha iniciado a inquirio das testemunhas, o juiz, depois de encerada a fase de colheita da prova oral, deve proceder a um novo interrogatrio do ru. O procedimento j estava em curso, o ru j havia sido interrogado, porque no sistema anterior o interrogatrio do ru era sempre o primeiro ato da instruo criminal probatria. O ru era citado para comparecer em juzo a fim de ser interrogado. Depois do interrogatrio => defesa prvia no prazo de trs dias => inquirio de testemunhas da denncia => inquirio de testemunhas da defesa => diligncia => alegaes finais => sentena. Agora no !! Agora o interrogatrio feito por ltimo. Ento, razovel ( de bom alvitre), at para evitar que amanh todos esses processos venham a ser anulados, melhor que o juiz, mesmo j tendo sido o ru interrogado, proceda, agora, na vigncia da lei nova, 16

a um novo interrogatrio, depois de encerada a colheita dos depoimentos do ofendido e da testemunha. Esse uma interpretao que d concretude, efetividade, ao direito de defesa. O professor desconhece deciso de tribunal superior sobre o assunto. Na prtica, o professor disse que os juzes esto reinterrogando, exatamente para evitar a nulidade. Isso porque, apesar da ressalva contida no artigo 6 da LICPP, o interrogatrio meio de defesa, logo, tem a ver com o direito constitucional de defesa, com o direito a ampla defesa. Assim, melhor que o juiz proceda a um novo interrogatrio do ru, sem prejuzo da observncia depois de todo o procedimento previsto na lei nova. Vejamos, ento, um outro aspecto tambm relevante da aplicao da lei no tempo e a reforma. A sentena de absolvio sumria do jri (antigo artigo 411, do CPP), antes da reforma da lei 11.689, se sujeitava ao duplo grau obrigatrio de jurisdio, ou seja, havia reexame necessrio, sendo que o cdigo chama de recurso de ofcio. E tal sentena desafiava recurso em sentido estrito do antigo artigo 581, VI, do CPP. Art. 411. O juiz absolver desde logo o ru, quando se convencer da existncia de circunstncia que exclua o crime ou isente de pena o ru (arts. 17, 18, 19, 22 e 24, 1o, do Cdigo Penal), recorrendo, de ofcio, da sua deciso. Este recurso ter efeito suspensivo e ser sempre para o Tribunal de Apelao. REDAO ANTIGA. Art. 581. Caber recurso, no sentido estrito, da deciso, despacho ou sentena: VI - que absolver o ru, nos casos do art. 411; (Revogado pela Lei n 11.689, de 2008) Aqui mudou muita coisa. Primeiro porque absolvio sumria agora est disciplinada no artigo 415, do CPP (antes artigo 411), sendo certo que passou a desafiar apelao (artigo 416, do CPP), e no mais recurso em sentido estrito. Ou seja, antes era recurso em sentido estrito agora apelao, porquanto o artigo 581, VI do CPP, foi expressamente revogado. Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolver desde logo o acusado, quando: (Redao dada pela Lei n 11.689, de 2008) I provada a inexistncia do fato; (Redao dada pela Lei n 11.689, de 2008) II provado no ser ele autor ou partcipe do fato; (Redao dada pela Lei n 11.689, de 2008) III o fato no constituir infrao penal; (Redao dada pela Lei n 11.689, de 2008) IV demonstrada causa de iseno de pena ou de excluso do crime. (Redao dada pela Lei n 11.689, de 2008) Pargrafo nico. No se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 Cdigo Penal, salvo quando esta for a nica tese defensiva. (Includo pela Lei n 11.689, de 2008) Art. 416. Contra a sentena de impronncia ou de absolvio sumria caber apelao. (Redao dada pela Lei n 11.689, de 2008) E mais: 17

o artigo 415, do CPP, diferentemente do artigo 411, no prev mais o recurso de ofcio, vale dizer, foi abolido o recurso de ofcio (o recurso obrigatrio, o reexame necessrio) no tocante a sentena de absolvio sumria. Assim, foi tacitamente revogado o artigo 574, II, do CPP, que fazia referncia ao antigo artigo 411. Vamos ver o artigo 574, II, do CPP. Art. 574. Os recursos sero voluntrios, excetuando-se os seguintes casos, em que devero ser interpostos, de ofcio, pelo juiz: I - da sentena que conceder habeas corpus; II - da que absolver desde logo o ru com fundamento na existncia de circunstncia que exclua o crime ou isente o ru de pena, nos termos do art. 411. Em suma, agora apelao do artigo 416 (que um recurso voluntrio), pois o art. 415 no prev mais recurso de ofcio da sentena de absolvio sumria, logo, foi revogado tacitamente o artigo 574, II CPP. Assim, qual o recurso voluntrio cabvel contra a sentena de absolvio sumria? Apelao (art. 416, CPP). Mas ns estamos falando na aplicao da lei processual penal no tempo. Esse um problema que tem sido pouco discutido porque, normalmente, nestes casos, ou como no h recurso, ou no h interesse nenhum em se discutir isso. Se houvesse interesse, o MP recorreria. Mas a questo a seguinte: essa supresso do recurso de ofcio alcanaria, inclusive, as sentenas de absolvio sumria (do antigo artigo 411, do CPP), proferidas na vigncia da lei anterior? Vamos imaginar o seguinte: o juiz, antes da lei 11.689, portanto, antes da supresso do duplo grau de jurisdio (do recurso necessrio), absolveu sumariamente o ru, nos termos do antigo artigo 411, e recorreu de ofcio da sua deciso. O MP no interps recurso voluntrio, ou seja, no recorreu em sentido estrito, alis, o prprio MP havia se manifestado pela absolvio sumria. A questo aqui a seguinte: o Tribunal deve conhecer desse recurso e, se for o caso, dar provimento para pronunciar o ru, ou no? Quando da sentena havia recurso de ofcio, tanto que o juiz recorreu de ofcio e o processo est no tribunal. O desembargador pega o processo, olha que recurso de ofcio, portanto, no um recurso voluntrio, e observa que o CPP foi modificado para no mais prever o recurso de ofcio, ento, o desembargador deve, ou no, conhecer do recurso? caso de no conhecimento de recurso, j que o recurso foi abolido, ou, tecnicamente, o tribunal teria que conhecer do recurso para prov-lo, ou no? Lembro que houve recurso obrigatrio (reexame necessrio) na vigncia da lei anterior, que previa esse recurso. O professor diz que o tribunal deveria conhecer desse recurso, porque se deve levar em conta aqui a lei vigente poca da sentena. Na prtica, o professor soube que algumas Cmaras dos Tribunais no esto conhecendo o recurso. E o professor diz que ningum se manifesta em resignao a isso, porque o MP j na origem no recorreu voluntariamente. Obedecendo a lei do menor esforo o 18

Tribunal no conhece do recurso, ao argumento de que no h mais reexame necessrio. Porm, nesse caso, haveria, sim, reexame necessrio porque a sentena, poca em que foi proferida, se sujeita ao reexame necessrio. Alguns utilizam o argumento, que ao sentir do professor parece convincente, mas que deve ser questionado. Eles dizem que no se deve conhecer do recurso porque o recurso de ofcio contra o ru. Isso, de fato, verdade, porque o recurso visa possibilitar a reforma da sentena para pior, em prejuzo do ru (no caso, para possibilitar a pronncia), logo, e por isso, no se deve mais conhecer desse recurso. O recurso de ofcio sempre contra o ru, porque o cdigo da dcada de 40 e partia da desconfiana que o promotor e o juiz no iam atender suficientemente aos interesses estatais da represso. No toa que o recurso de oficio para HC e para absolvio sumria. Vamos continuar para encerrar esse assunto. H determinadas normas processuais isso no tem propriamente a ver diretamente com direito ou garantia fundamental do indivduo mas h certas normas processuais com contedo penal. Ou seja, normas processuais, normas predominantemente processuais com efeitos (reflexos) penais. So as chamada normas processuais penais materiais. Essa doutrina distingue as normas processuais em i) normais processuais penais formais, que so normas exclusivamente de natureza processual e; ii) normas processuais penais materiais, que so normas predominantemente processuais, mas que possuem um contedo penal (tem repercusso penal). Exemplo de norma processual penal material: representao do ofendido. A representao do ofendido , inegavelmente, um instituto de natureza processual (a maioria segue essa orientao), porque ela uma condio de procedibilidade. uma condio especial (especfica) da ao penal. H casos em que a lei subordina a iniciativa do MP representao do ofendido => ao penal pblica condicionada. Pois bem. A representao, alm de ser renuncivel, se sujeita a prazo decadencial. Renncia e decadncia, ambas, so causas extintiva da punibilidade (art. 109, IV e V, do CP). Ambas so, portanto, institutos de natureza penal. Ou seja, a representao do ofendido no tocante a renncia e a decadncia - , na verdade, um instituto de natureza hbrida, isto , um instituto predominantemente processual com reflexos penais. Mais ainda: modernamente, a representao do ofendido, que uma condio de procedibilidade, vista como uma espcie de medida despenalizadora, de natureza processual. medida despenalizadora indireta. Por que a representao do ofendido considerada como uma espcie de medida despenalizadora? Ao exigir a representao do ofendido, o legislador dificulta a prpria instaurao da ao penal. O legislador condiciona a iniciativa persecutria do Estado, da polcia e do MP concordncia da vtima. A representao a concordncia, aquiescncia, da vtima, quanto a punio do autor do crime, ou seja, 19

a prpria iniciativa persecutria do Estado se subordina aquiescncia da vtima. A exigncia de representao dificulta a instaurao da ao penal, logo, cuida-se de uma medida despenalizadora. Vamos trabalhar com duas questes pontuais, uma relacionada com a outra. At a lei 9099/95, a ao penal correspondente aos crimes de leso corporal leve e leso corporal culposa era pblica incondicionada, porque no havia nesses crimes a condio da representao. Pois bem. Sobreveio a lei 9099/95 que passou a exigir a representao nesses crimes. Representao do artigo 88 da lei 9099/95 que , induvidosamente, uma condio de procedibilidade. Art. 88. Alm das hipteses do Cdigo Penal e da legislao especial, depender de representao a ao penal relativa aos crimes de leses corporais leves e leses culposas. Esta representao do artigo 88 uma condio de procedibilidade at ento inexistente. A surge a seguinte questo: essa norma do artigo 88, que estabelece a representao do ofendido como uma condio de procedibilidade, deve ser aplicada aos processos instaurados antes da sua vigncia? ou ela tem aplicao imediata, isto , s a partir da sua vigncia? Essa representao seria necessria em relao aos processos j em curso? Seria, porque essas normas processuais materiais (isto , normas de natureza hbrida, normas predominantemente processuais com contedo penal) devem ser aplicadas no tempo de acordo com os princpios de aplicao da lei penal, ou seja, proibio de retroatividade da lei gravosa e retroatividade da lei benigna. A exigncia de representao do artigo 88 beneficia ou prejudica o ru? Beneficia, porque passa a condicionar a ao do Estado concordncia do ofendido. O legislador, atento a isso, inseriu na prpria lei uma norma de carter transitrio, qual seja, artigo 91 - essa situao, hoje, diz o professor, est superada porque a lei entrou em vigor h 14 anos, logo, esses fatos j foram hipoteticamente alcanados pela prescrio. Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representao para a propositura da ao penal pblica, o ofendido ou seu representante legal ser intimado para oferec-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadncia. Esse artigo 91 exige a representao do ofendido para o prosseguimento da ao penal j em curso. Essa representao do artigo 91 diferente da representao do artigo 88. A representao do artigo 88 uma condio de procedibilidade. A do artigo 91 uma condio de prosseguibilidade, isto , condio para o prosseguimento das aes em curso. O professor pensa que no h mais essa situao, dado o lapso temporal entre a lei e a data de hoje. A representao do artigo 91 diz respeito aos processos j em curso quando da entrada em vigor da lei nova.

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O artigo 91 parte do princpio de que a representao do ofendido tem natureza hbrida, de que a representao medida despenalizadora. A representao do artigo 91 uma condio de prosseguibilidade, ou, como preferem alguns, uma condio de procedibilidade imprpria. H doutrinadores que dividem as condies de procedibilidade em prprias e imprprias. As condies de procedibilidade prprias so condies da ao, so condies para o exerccio do direito de ao. As condies de procedibilidade imprprias so condies de prosseguibilidade, isto , condies para o prosseguimento da ao. Vamos ver o artigo 90 da 9.099/95. Art. 90. As disposies desta Lei no se aplicam aos processos penais cuja instruo j estiver iniciada. (Vide ADIN n 1.719-9) Essa vedao contida no artigo 90 da lei 9.099/95, de que a referida lei no se aplica aos processos cuja instruo j esteja iniciada, diz respeito to-s as suas normas de natureza puramente processual, no alcanando as normas de natureza hbrida, no alando as medidas despenalizadoras da lei 9.099/95 (transao, suspenso, composio civil e representao). Essa proibio do artigo 90 tem de ser interpretada luz da Constituio, em especial do art. 5, XL. Ver observaes extras, no final da aula, acerca desse artigo 90. XL - a lei penal no retroagir, salvo para beneficiar o ru; Tem uma questo mais nova. A chamada lei Maria da Penha (lei da violncia domstica e familiar contra a mulher) probe, em termos peremptrios (vedao absoluta), a aplicao da lei 9.099/95 aos crimes praticados com violncia domstica ou familiar contra mulher. Essa vedao est prevista no artigo 41 da lei 11.340/2006. Art. 41. Aos crimes praticados com violncia domstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, no se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Ou seja, o Estado brasileiro, o poder legislativo brasileiro, reconheceu a absoluta impropriedade do sistema da lei 9099/95, ao proibir a sua aplicao nos crimes praticados com violncia domstica contra mulher. O grande diferencial da lei Maria de Penha esse de afirmar que no se aplica a lei 9.099. OBS. Um pouco incompreensvel o que o professor disse (1:55h), mas acredito que o professor comenta que a lei 9099/95 instaurou o clima de impunidade com a chancela do Estado. Antes, a impunidade passava despercebida, mas com a lei 9.099 agora tem a chancela do MP, do Poder Judicirio. Enfim ... Embora haja na doutrina e mesmo na jurisprudncia dos tribunais, opinio no sentido de que essa vedao inconstitucional por violar o princpio da igualdade, tranqilo no STJ e STF que no h inconstitucionalidade ao contrrio, inclusive h juiz e promotor respondendo nos Conselhos por no aplicarem essa vedao e continuarem fazendo transao nesses casos, sendo que provavelmente eles sero punidos - mas de acordo com a jurisprudncia do STJ e do STF (embora no haja deciso especfica sobre o assunto, j se falou sobre isso como razes de decidir em 21

vrias oportunidades), no h inconstitucionalidade alguma no artigo 41. No h nenhuma ofensa ao princpio da igualdade na vedao que o artigo 41 prev. Ao contrrio, essa vedao uma espcie ao afirmativa baseada no princpio da equidade, que d a mulher uma especial proteo jurdico-penal. O professor comenta que a lei 9.099 ruim e no deveria ser aplicada para nada. De qualquer forma, como isso no ir acontecer, pelo menos, o professor acha que a vedao de no aplicar a lei 9.099 contida na lei Maria da Penha deveria alcanar qualquer crime praticado no mbito domstico e familiar, independentemente do sexo da vtima. Mas essa questo de se aplicar a lei apenas a mulheres opo poltica do legislador. Do jeito que est realmente o professor comenta que fica esquisito, porque um crime praticado contra uma mulher adulta no aplica a lei 9.099; um crime contra um menino, um garoto, em tese, aplica a lei 9.099. Idoso do sexo masculino aplica; uma jovem do sexo feminino no aplica. Um detalhe importante observar que a lei expressamente ressalva que, independentemente da opo sexual (a lei moderna..rs), ela s se aplica a mulher. Agora, aos homens com opo diferente, opo pelo padro feminino, a lei Maria da Penha no se aplica a esse homem. A Roberta Close uma situao diferente, porque ela conseguiu mudar o registro civil e, hoje, ela mulher. Quem tiver interesse na aplicao tem que fazer a operao e conseguir mudar o registro civil, assim como a Roberta Close. A Roberta Close pode at ser estuprada, porque ela mulher, pois o que vale no o sexo biolgico, mas o sexo que consta no registro civil. Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raa, etnia, orientao sexual, renda, cultura, nvel educacional, idade e religio, goza dos direitos fundamentais inerentes pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violncia, preservar sua sade fsica e mental e seu aperfeioamento moral, intelectual e social. Continuando. Leso corporal leve do artigo 129, 9, CP, que no , vejam bem, infrao de menor potencial ofensivo. 9o Se a leso for praticada contra ascendente, descendente, irmo, cnjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relaes domsticas, de coabitao ou de hospitalidade: (Redao dada pela Lei n 11.340, de 2006) Pena - deteno, de 3 (trs) meses a 3 (trs) anos. (Redao dada pela Lei n 11.340, de 2006) A leso corporal do artigo 129, 9, CP no infrao de menor potencial ofensivo, porque a sua pena mxima de 03 (trs) anos. uma leso leve qualificada, praticada no mbito domstico ou familiar. O sujeito passivo desse crime qualquer pessoa - homem ou mulher -, e no exclusivamente a mulher. Essa uma leso leve, apesar de qualificada pela relao de mbito domstico e familiar (no leso grave ou gravssima). Se leso leve, a ao penal, nos termos do artigo 88 da lei 9099, pblica condicionada a representao. 22

A surge a seguinte pergunta: e quando se tratar de vtima mulher, a ao penal ser pblica condicionada a representao ou pblica incondicionada? O professor pensa que, agora, seria pblica incondicionada, sendo certo que o STJ, recentemente, decidiu assim tambm. Voltou a ser pblica incondicionada, porque a exigncia de representao est na lei 9099/95, e esta lei no se aplica aos crimes praticados com violncia domstica ou familiar contra mulher, logo, decidiu recentemente o STJ, que a ao penal, agora, pblica incondicionada. pblica incondicionada especificamente neste caso, porque a representao uma exigncia da Lei 9099. Se a exigncia de representao estiver no CP, como ocorre, por exemplo, com o crime de ameaa, a ao continua sendo pblica condicionada a representao (artigo 147, P, do CP). O que a lei probe a aplicao da lei 9099/95. A exigncia de representao nas leses leves est na lei 9099, logo, a ao passou a ser pblica incondicionada, salvo em relao aos crimes praticados antes da vigncia da lei 11.340/2006 (aqui o mesmo raciocnio do artigo 90, da lei 9099). Em relao a esses crimes a ao penal continua sendo pblica condicionada. Por qu? Porque a lei nova agrava (prejudica) a situao do ru. Ah, mas a lei processual? processual, mas essa representao tem natureza hbrida e uma medida despenalizadora. Assim, crime anterior lei Maria da Pena - leso corporal leve contra mulher com violncia domstica e familiar a ao penal ser pblica condicionada a representao. Crime praticado na vigncia da lei => ao penal pblica incondicionada. RECURSO ESPECIAL N 1.000.222 - DF (2007/0254130-0) RELATORA : MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) RECORRENTE : MINISTRIO PBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITRIOS RECORRIDO : E S O (PRESO) ADVOGADO : ROSALVO ROSA FACCHINETTI (ASSISTNCIA JUDICIRIA) EMENTA PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLNCIA DOMSTICA. LESO CORPORAL SIMPLES OU CULPOSA PRATICADA CONTRA MULHER NO MBITO DOMSTICO. PROTEO DA FAMLIA. PROIBIO DE APLICAO DA LEI 9.099/1995. AO PENAL PBLICA INCONDICIONADA. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR O ACRDO E RESTABELECER A SENTENA. 1. A famlia a base da sociedade e tem a especial proteo do Estado; a assistncia famlia ser feita na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violncia no mbito de suas relaes. (Inteligncia do artigo 226 da Constituio da Repblica). 2. As famlias que se erigem em meio violncia no possuem 23

condies de ser base de apoio e desenvolvimento para os seus membros, os filhos da advindos dificilmente tero condies de conviver sadiamente em sociedade, da a preocupao do Estado em proteger especialmente essa instituio, criando mecanismos, como a Lei Maria da Penha, para tal desiderato. 3. Somente o procedimento da Lei 9.099/1995 exige representao da vtima no crime de leso corporal leve e culposa para a propositura da ao penal. 4. No se aplica aos crimes praticados contra a mulher, no mbito domstico e familiar, a Lei 9.099/1995. (Artigo 41 da Lei 11.340/2006). 5. A leso corporal praticada contra a mulher no mbito domstico qualificada por fora do artigo 129, 9 do Cdigo Penal e se disciplina segundo as diretrizes desse Estatuto Legal, sendo a ao penal pblica incondicionada. UFA 2 3

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6. A nova redao do pargrafo 9 do artigo 129 do Cdigo Penal, feita pelo artigo 44 da Lei 11.340/2006, impondo pena mxima de trs anos a leso corporal qualificada, praticada no mbito familiar, probe a utilizao do procedimento dos Juizados Especiais, afastando por mais um motivo, a exigncia de representao da vtima 7. RECURSO PROVIDO PARA CASSAR O ACRDO E RESTABELECER A DECISO QUE RECEBEU A DENNCIA. Informativo n. 0382 Perodo: 2 a 6 de fevereiro de 2009. LEI MARIA DA PENHA. AO PENAL PBLICA INCONDICIONADA. A Turma, por maioria, denegou a ordem, reafirmando que, em se tratando de leses corporais leves e culposas praticadas no mbito familiar contra a mulher, a ao , necessariamente, pblica incondicionada. Explicou a Min. Relatora que, em nome da proteo famlia, preconizada pela CF/1988, e frente ao disposto no art. 88 da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que afasta expressamente a aplicao da Lei n. 9.099/1995, os institutos despenalizadores e as medidas mais benficas previstos nesta ltima lei no se aplicam aos casos de violncia domstica e independem de representao da vtima para a propositura da ao penal pelo MP nos casos de leso corporal leve ou culposa. Ademais, a nova redao do 9 do art. 129 do CP, feita pelo art. 44 da Lei n. 11.340/2006, impondo a pena mxima de trs anos leso corporal qualificada praticada no mbito familiar, probe a utilizao do procedimento dos juizados especiais e, por mais um motivo, afasta a exigncia de representao da vtima. Conclui que, nessas condies de procedibilidade da ao, compete ao MP, titular da ao penal, promov-la. Sendo assim, despicienda, tambm, qualquer discusso da necessidade de designao de audincia para ratificao da representao, conforme pleiteava o paciente. Precedentes citados: HC 84.831-RJ, DJe 5/5/2008, e REsp 1.000.222-DF, DJe 24/11/2008. HC 106.805-MS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 3/2/2009. Pergunta: Marido comete leso leve contra a mulher. Mulher vai delegacia registrar queixa e tal, a ao penal pblica incondicionada. Mas suponhamos que depois ela se arrependeu (professor comenta que isso o que acontece muitas vezes). Em face do princpio da famlia, que tem assento constitucional, o promotor pode pedir arquivamento? Resposta: o pessoal faz de tudo para no ter processo, mas, segundo o professor, a resposta no, no pode arquivar, porque hoje leso, mas amanh o sujeito mata a mulher. Em nome da sobrevivncia da mulher no pode aplicar. ao contrrio. O professor diz que, nesses casos, o problema a prpria mulher. A coisa no funciona por causa dela. Registra a queixa no calor do acontecimento. Mas quando chega em juzo no quer mais ao penal. Assim, reconhecendo isso, a Lei Maria da Penha, que foi feita por mulheres, aboliram a exigncia de representao. Assim, o intuito do legislador foi de dizer: Bem, 25

agora no fica mais a critrio da mulher o prosseguimento da ao penal em caso de leso. Fica a critrio da mulher at a ameaa! Muita gente diz que isso inconstitucional, porque viola o princpio da igualdade, que se o ofendido for homem a ao pblica condicionada, que isso retira da mulher o poder de se retratar da representao, que isso seria contrrio ao que dispe o artigo 16. O artigo 16 da lei dispe da retratao da representao, naqueles casos em que a representao exigida. Aqui diferente, porque a representao deixou de ser exigida. O importante anotar que essa vedao do artigo 41 - e isso vale para a representao, vale para outros casos de transao e suspenso condicional do processo -, s se aplica aos crimes com violncia domstica contra mulher praticados na vigncia da lei 11.340/06. Em relao aos crimes anteriores aplica-se a lei 9099/95. Interpretao da lei O professor diz que tem um outro problema, agora de interpretao da lei, e ele diz que bom exemplificar com a lei Maria da Penha. No direito processual penal possvel o emprego da analogia e da interpretao extensiva. Est no artigo 3 do CPP. O professor lembra que agora est falando de interpretao da lei e no mais sobre a aplicao da lei no tempo. Art. 3o A lei processual penal admitir interpretao extensiva e aplicao analgica, bem como o suplemento dos princpios gerais de direito. Uma coisa que passa despercebida da maioria, portanto, prestem ateno. O artigo 41 da lei Maria da Penha probe a aplicao da lei 9099/95 em relao aos crimes praticados com violncia domstica e familiar contra mulher. Art. 41. Aos crimes praticados com violncia domstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, no se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. No direito penal brasileiro infrao penal gnero do qual so espcie os crimes ou delitos (so expresses sinnimas) e as contravenes penais. Ento, h duas espcies de infraes penais no direito brasileiro: crimes ou delitos (sinnimos) e contravenes penais. No h infraes sui generis como sugerem alguns. Ou crime ou contraveno. No h no Brasil, diferentemente do que ocorre em Portugal, por exemplo, uma infrao intermediria, isto , uma contra-ordenao. Eu pergunto: o artigo 41 probe a aplicao da lei 9099/95 quando se tratar de crime praticado com violncia domstica e familiar contra a mulher. E quando se tratar de contraveno penal? A cabe a aplicao da lei 9099/95. Por isso, muitas leses leves esto virando agora, no Frum, vias de fato, porque esta contraveno e essa proibio no alcana as contravenes, porque no se pode empregar a analogia ou proceder-se a interpretao extensiva no direito penal em prejuzo do ru. Ou seja, inadmissvel a analogia in malam parten. 26

O legislador esqueceu, foi um descuido. O legislador deveria ter dito infrao penal, pois a abarcaria, alm dos crimes, as contravenes. Mas ao se referir especificamente aos crimes, o legislador omitiu as contravenes e deixou em aberto essa possibilidade. Ento, contraveno penal cabe a aplicao da lei 9099/95, ainda que haja situao de violncia domstica e familiar contra a mulher. Por exemplo: vias de fato (art. 21), perturbao da tranqilidade (art. 65), importunao ofensiva ao pudor (artigo 61). Ateno que a relao domstica abrange at a relao de trabalho. No s relao familiar ( relao domstica e familiar). Pergunta inaudvel. Resposta: possvel haver, antes mesmo da instaurao do processo penal, ainda na fase de inqurito policial, produo antecipada de prova testemunhal em juzo, com base no artigo 225 do CPP, aplicando-se subsidiariamente as disposies do CPC sobre produo antecipada de prova. Essa produo antecipada seria uma medida de natureza cautelar. Neste caso em que a prova testemunhal produzida antes mesmo de instaurar o processo (situao excepcional), no incide o disposto no artigo 6 (sic), porque no vai haver nenhuma mistura de procedimento, j que a prova testemunhal ter sido produzida de acordo com o procedimento das medidas cautelares do CPC. A pode seguir o procedimento da lei nova. No vai misturar procedimento, porque a prova foi produzida antes da prpria instaurao do processo. Isso pode acontecer, embora com pouca freqncia. O que pode acontecer? Da prova testemunhal ser jurisdicionalizada ainda na fase do inqurito, para conferir-lhe efetivo valor probatrio, ou seja, para a prova poder servir de base para condenao. uma mediada cautelar, porque suponhamos que a vtima ou testemunha do crime est em estgio terminal de uma doena. Ao tempo da ao penal provavelmente estar morta. Logo, possvel a sua inquirio em juzo, sob o contraditrio, como medida cautelar. Neste caso, depois o processo pode ser observar o procedimento da lei nova, porque a instruo ainda no est iniciada. Essa produo antecipada de provas seguiu o procedimento prprio, que o procedimento da medida cautelar. FIM OBSERVAES EXTRAS: O artigo 90, da Lei 9099, foi impugnado por meio de ADIN, cuja ementa segue a seguir: Art. 90. As disposies desta Lei no se aplicam aos processos penais cuja instruo j estiver iniciada. (Vide ADIN n 1.719-9) Vide comentrios da Ada acerca desse artigo 90: Importante consignar que o STF: Aula 02 FASE I 21/03/09 Professor Antnio Jos Na aula passada terminamos falando sobre a aplicao da lei processual penal no tempo. 27

INVESTIGAO CRIMINAL Vamos tratar hoje da investigao criminal, salientando que a atividade persecutria penal do Estado se desdobra em duas fases distintas. H duas fases distintas na atividade que o Estado desenvolve visando a apurao do fato criminoso e a punio do seu autor. Investigao criminal e ao penal so as duas fases que compem a persecuo penal; so os dois momentos, as duas etapas da atividade persecutria Estatal. A investigao criminal no integra o processo penal propriamente dito, ou seja, ela no uma das fases do processo penal. Ela sempre pr-processual e objetiva/visa preparar a ao penal. A investigao criminal , portanto, um procedimento pr-processual porque antecede o processo - preparatria da ao penal. No processo penal brasileiro a investigao criminal , em regra, realizada pela polcia civil (estadual ou federal), que o CPP chama de polcia judiciria. A polcia judiciria a que se refere o CPP, por exemplo o artigo 4, tem a finalidade bsica de realizar a investigao criminal. A polcia civil atua na represso dos delitos. Trata-se de uma polcia de investigao, diferentemente, da polcia militar que exerce um policiamento ostensivo, fardado, e, por isso mesmo, preventivo. A polcia militar no uma polcia de investigao, muito embora lhe caiba investigar os crimes de natureza militar praticados por policial militar ou bombeiro militar vamos falar mais disse depois. Neste caso, em se tratando de crime militar, a investigao feita por inqurito policial militar, artigo 9 do CPP militar, e no mbito da prpria corporao. Mas aqui importante saber que a investigao criminal, que precede a instaurao da ao penal (que prepara o oferecimento da denncia), gnero do qual o inqurito policial uma das espcies. O inqurito policial no a nica espcie de procedimento investigatrio criminal existente no Brasil. Alm do inqurito policial h outros procedimentos investigatrios de natureza criminal. A investigao criminal, em regra, realizada pela polcia judiciria, que se vale para tanto do inqurito policial, ou seja, a polcia se serve do inqurito policial para realizar a investigao criminal. O inqurito policial, numa definio clssica, o conjunto de diligncias investigatrias realizadas pela polcia civil (polcia judiciria) com a finalidade de apurar (elucidar) o fato criminoso, suas circunstncias e a sua autoria, tornando possvel ao MP o oferecimento da denncia, ou da queixa, se se tratar de ao privada. Vale dizer, o destinatrio direito (imediato) do inqurito policial o MP, que o legitimado para a promoo da ao penal. MP na ao pblica ou ofendido na ao penal privada. Por que o destinatrio direto (imediato) do inqurito sempre e sempre o MP? Porque cabe, privativamente, ao MP promover a ao penal pblica de natureza condenatria, conforme artigo 129, I, da CF. Destinatrio imediato do inqurito ser o ofendido, se se tratar de crime de ao penal de iniciativa privada. Em regra, com base nos 28

elementos informativos do inqurito, ou seja, com base nas provas contidas no inqurito, que o MP formaliza a acusao, oferecendo a denncia. Em geral, a justa causa necessria para a instaurao da ao penal condenatria fornecida pelo inqurito policial. E esse procedimento pr-processual preparatrio da ao penal, que o CPP chama de inqurito policial, tm trs caractersticas bsicas, que o distingue do processo penal propriamente dito. O inqurito policial inquisitivo ou inquisitrio (expresses sinnimas), sigiloso, ou seja, a autoridade policial pode conduzi-lo sigilosamente e escrito. Dessas caractersticas, a mais marcante e importante a inquisitorialidade ou inquisitividade. isso, fundamentalmente, que diferencia o inqurito policial (procedimento pr-processual preparatrio da ao penal) do processo penal propriamente dito. A natureza inquisitiva ou inquisitria do inqurito se contrape natureza contraditria da instruo criminal. Na instruo criminal => contraditrio e ampla defesa. O inqurito policial, por sua vez, marcantemente inquisitivo ou inquisitrio. Por que marcantemente inquisitivo ou inquisitrio? Porque a autoridade policial conduz discricionariamente as investigaes. A autoridade policial que presidir o inqurito conduzir discricionariamente as investigaes, realizando a seu critrio as diligncias que considerar necessrias ou teis ao esclarecimento do fato criminoso, de suas circunstncias e autoria. Ou seja, as diligncia que se revelem necessrias ou teis elucidao do crime (do fato criminoso), de suas circunstncias e de sua autoria. No h um procedimento (um rito) que deva ser rigorosamente seguido e tenha que ser observado pela autoridade policial na conduo das investigao do inqurito. O indiciado ... aqui um parntese: na atual sistemtica do cdigo - a tendncia isso se modificar -, o indiciado a denominao que recebe o suspeito da prtica do fato criminoso objeto da investigao. O indiciado o suspeito, ou seja, a pessoa em relao a qual pairam indcios de autoria do crime, vale dizer, o suposto autor do delito. Aqui importante saber que no h, na atual sistemtica do cdigo, isso tende a mudar, nenhuma diferena entre suspeito e indiciado. Suspeito e indiciado se confundem. Indiciado o suspeito, ou seja, o possvel autor do fato criminoso objeto da investigao. A rigor, no h no CPP nenhum artigo que trate do indiciamento ou da indiciao. Nenhum artigo do cdigo diz quando e como a autoridade policial deve, formalmente, indiciar o at ento suspeito. O projeto de reforma do cdigo que se encontra no Congresso, neste ponto (no ponto que trata da investigao criminal) distingue, expressamente, entre suspeito e indiciado, dando ao indiciado isso no est na atual sistemtica do cdigo -, a partir do ato formal de indiciao, uma srie de direitos. O projeto pretende at estabelecer, a partir do indiciamento, o contraditrio em relao a certas provas, no caso, as provas tcnicas/provas periciais que, dificilmente, podem ser renovadas na instruo criminal. Mas esse

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diferenciao, por enquanto, no h existe. Pergunta: isso mitigaria o sistema inquisitivo? Resposta: de certa forma mitigaria. A idia introduzir o contraditrio e a ampla defesa ainda na fase do inqurito policial, especificamente em relao s provas tcnicas, em relao percia, isto , provas, normalmente, irrepetveis, provas que, dificilmente, podem ser repetidas na instruo criminal. Agora, repito, isso projeto, no est no CPP em vigor. No CPP em vigor, o indiciado o prprio suspeito. O indiciado se confunde com o suspeito. importante salientar que o indiciado no mais visto como um simples objeto da investigao. Vai longe o tempo em que o indiciado era visto com simples objeto da investigao criminal. O indiciado, malgrado no haja contraditrio e ampla defesa na fase do inqurito, o sujeito de direito. Todas as garantias e direitos individuais inseridos no rol do artigo 5, CF, devem ser assegurados, inclusive, ao indiciado, exceto, evidentemente, na atual estrutura do CPP, o contraditrio e ampla defesa. O indiciado visto como sujeito de direito e no como simples objeto de investigao. Pergunta inaudvel. Resposta: As restries impostas ao indiciado na fase do inqurito so as decorrentes da concesso de fiana ... Pergunta inaudvel: qual o efeito prtico de uma pessoa ser indiciada? Resposta: efeito prtico no h nenhum, porque o MP pode oferecer denncia contra quem no tenha sido formalmente indiciado e pode deixar de denunciar quem tenha sido formalmente indiciado. O efeito prtico que o indiciado, diferentemente da testemunha ... o sujeito intimado para depor no inqurito na qualidade de testemunha, quando, na verdade, suspeito da prtica do crime. O indiciado tem direito ao silncio. A testemunha, no. Ento, na verdade, h algumas nuances que favorece ao indiciado. Assim, o inqurito inquisitivo/inquisitrio, porque a autoridade policial conduz discricionariamente as investigaes. Porm, o indiciado, que sujeito de direitos, pode requerer diligncias investigatrias autoridade policial, que as realizar, ou no, a seu exclusivo critrio, ou seja, de acordo com um critrio discricionrio de convenincia e oportunidade. Isso diferente do que ocorre na instruo criminal. O contraditrio garante s partes, sobretudo ao ru, o direito de produzir provas, porquanto isso um corolrio da garantia constitucional do contraditrio. O indiciado pode requerer diligncia autoridade policial, que as realizar ou no a seu exclusivo critrio critrio de convenincia e oportunidade. Ou seja, o indiciado no tem o direito a produo de provas na fase do inqurito policial, embora possa colaborar com a investigao ou possa participar da investigao requerendo diligncias a autoridade policial, que as deferir ou no a seu alvedrio - est no artigo 14, do CPP. Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado podero requerer qualquer diligncia, que ser realizada, ou no, a juzo da autoridade. Ambos os sujeitos do delito - sujeito ativo (indiciado) e o 30

sujeito passivo (ofendido) - podem participar do inqurito requerendo diligncias investigatrias, que sero realizadas a critrio exclusivo da autoridade policial. Resposta a uma pergunta inaudvel: por isso que o inqurito inquisitivo, pois se houvesse o contraditrio, a autoridade policial estaria obrigada a realizar as diligncias requeridas pelo indiciado. Agora, h uma exceo a regra do artigo 14. A exceo diz respeito ao exame de corpo de delito. Quando se tratar de requerimento de exame de corpo de delito formulado pelo indiciado ou ofendido, a autoridade policial ter que deferi-lo - est no artigo184, CPP. Art. 184. Salvo o caso de exame de corpo de delito, o juiz ou a autoridade policial negar a percia requerida pelas partes, quando no for necessria ao esclarecimento da verdade. Por que o legislador se preocupou, no artigo 184 do CPP, em excepcionar a regra da inquisitividade ou inquisitorialidade do inqurito, em relao especificamente ao exame de corpo de delito? Qual a finalidade do exame de corpo de delito? Para que serve o exame de corpo de delito? O exame de corpo de delito serve, basicamente, para comprovar/demonstrar a existncia material do fato criminoso, a existncia fsica do fato criminoso, comprovar, portanto, a chamada materialidade do delito. O exame de corpo de delito a percia que recai sobre o corpo de delito. o exame pericial do corpo de delito. Por exemplo: o exame do cadver do crime de homicdio. O exame de corpo de delito deve ser realizado to logo seja possvel, a fim de que os vestgios no desapaream, impossibilitando a sua realizao no futuro. , justamente por isso, que o cdigo obriga a autoridade policial a deferir requerimento de exame de corpo de delito. Obriga a autoridade policial e o prprio juiz, tudo para evitar que os vestgios desapaream, impossibilitando a comprovao da existncia material do fato criminoso. A autoridade policial deve, inclusive, to logo seja possvel e de oficio, isto , independentemente de provocao, providenciar o exame de corpo de delito. Ou providenci-lo a requerimento. Ver artigo 6, VII, do CPP. Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prtica da infrao penal, a autoridade policial dever: VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras percias; Quando ser caso de se proceder a exame de corpo de delito? Quando o crime deixar vestgio. Quando se tratar de crime de fato permanente. Assim, se o crime deixar vestgios a autoridade policial dever, logo que possvel, providenciar a realizao do exame de corpo de delito. De ofcio => artigo 6, VII, ou a requerimento => artigo 184. O exame de corpo de delito indispensvel para a prova da existncia material do fato criminoso. Ver o artigo 158 CPP. Art. 158. Quando a infrao deixar vestgios, ser indispensvel o exame de corpo de delito, direto ou indireto, no podendo supri-lo a confisso do acusado. Quando a infrao penal (crime ou 31

contraveno) deixar vestgios ser indispensvel o exame de corpo de delito, no podendo supri-lo, sequer, a confisso do acusado, ou seja, na sistemtica do CPP, o exame de corpo de delito indispensvel para a comprovao da existncia material do fato criminoso. E se os vestgios - aproveitando o ensejo - deixados pelo crime desaparecerem? O exemplo clssico: cadver da vtima do crime de homicdio desaparece, ou incinerado, ou dissolvido em cido, ou jogado no mar e o cadver se decompe => no h vestgio, no h cadver, fato esse que impossibilita a realizao da percia, que impossibilita a realizao do exame de corpo de delito. Ainda assim, ou seja, mesmo no caso de desaparecimento dos vestgios, ser possvel a comprovao da existncia material do fato criminoso? Ou o desaparecimento dos vestgios torna o fato impune? Ainda que os vestgios hajam desaparecido a materialidade pode ser comprovada. Ento, no caso de desaparecimento de vestgio, de sumio, por exemplo, do cadver, a prova testemunhal assume carter supletivo, carter subsidirio. Por qu? Porque poder suprir da o seu carter supletivo - a falta do exame de corpo de delito. O juiz poder reconhecer como provado a existncia material do crime com base nos depoimentos de testemunhas. Assim, a prova testemunhal poder, no caso de desaparecimento dos vestgios, suprir a falta do exame de corpo de delito. Ver artigo 167 do CPP. Art. 167. No sendo possvel o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestgios, a prova testemunhal poder suprir-lhe a falta. S no caso de desaparecimento de vestgios e, veja bem, a prova testemunhal poder - mera possibilidade - suprir a falta do exame de corpo de delito. Caber ao juiz valorar a prova testemunhal, para ter como comprovada, ou no, a existncia material do fato criminoso. Uma observao importantssima sobre esse assunto. O STF, na vigncia da CF de 88, deu uma nova interpretao aos artigos 158 e 167, ambos do CPP, e, assim, reformulou a sua jurisprudncia. De acordo com os artigos 158 e 167, somente a prova testemunhal, numa interpretao literal desses artigos, que poder, no caso de desaparecimento dos vestgios, suprir a falta do exame de corpo de delito. A exigncia do exame de corpo de delito desaparece no caso de os vestgios sumirem. Nesta hiptese, a prova testemunhal, est no artigo 167, poder suprir a falta do exame de corpo de delito. O STF vem decidindo que, se os vestgios deixados pelo crime desaparecerem, qualquer prova (qualquer elemento de convico) - e no apenas a prova testemunhal -, desde que obtida licitamente, poder suprir a falta do exame de corpo de delito. Prova testemunhal, prova documental, prova indiciria (que sempre, ou quase sempre, a prova mais convincente) e at mesmo, hipoteticamente, a prpria confisso do acusado. Essa interpretao a que melhor se coaduna com o sistema do livre convencimento motivado que o CPP adota. Essa interpretao, que privilegia o livre convencimento motivado do juiz, se baseia no artigo 32

5, LVI, CR/88, que probe as provas ilcitas. Ao proibir as provas ilcitas, a Constituio est admitindo, para a comprovao de qualquer fato no processo penal ou civil, a utilizao de qualquer prova, desde que lcita. Agora, preciso que essa prova supletiva supletiva porque destinada a suprir a falta do exame de