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VALERIA APARECIDA GALIOTI SILVA PRADO O PERCURSO DE UMA ENTREVISTA NO JORNAL: Alguns procedimentos lingüístico-discursivos na passagem do oral para o escrito e suas conseqüências para a interpretação da enunciação PUC/SP São Paulo 2006

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VALERIA APARECIDA GALIOTI SILVA PRADO

O PERCURSO DE UMA ENTREVISTA NO JORNAL:

Alguns procedimentos lingüístico-discursivos na passagem do oral para o escrito e suas

conseqüências para a interpretação da enunciação

PUC/SP

São Paulo

2006

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VALÉRIA APARECIDA GALIOTI SILVA PRADO

O PERCURSO DE UMA ENTREVISTA NO JORNAL:

Alguns procedimentos lingüístico-discursivos na passagem do oral para o escrito e suas

conseqüências para a interpretação da enunciação

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias.

PUC/SP

São Paulo

2006

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Para Filipe e Gustavo, a minha tradução da palavra Amor.

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À professora Ana Rosa Ferreira Dias, pela orientação, e também pela atenção, pelo carinho, pelo cuidado acrescentados,

Ao professor Dino Preti, pelas correções que contribuíram com este trabalho, e também pelo modelo de profissional a ser seguido,

À professora Zilda Gaspar Oliveira de Aquino, pelas sugestões que enriqueceram não só este trabalho, mas também esta pesquisadora,

À CAPES, pela concessão de Bolsa de Estudos, que propiciou a tranqüilidade necessária à realização deste trabalho,

A Fernando, pelo incentivo, desde o primeiro momento; pelo apoio, nos momentos mais difíceis; pelo orgulho, nos momentos de vitória e pelo companheirismo, sempre, Agradeço.

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RESUMO

A passagem da modalidade oral para a escrita, procedimento freqüente na

comunicação humana e, em especial para esta pesquisa, na imprensa escrita, produz alterações

no discurso. O presente trabalho procura reconhecer algumas estratégias lingüístico-

discursivas utilizadas pelos jornalistas na transmissão da notícia, analisando o percurso de

uma entrevista, do seu pronunciamento oral até sua publicação no jornal, para verificar em

que medida tais estratégias podem servir de instrumento de manipulação de idéias, além de

buscar diferenças no trato da notícia nos dois jornais analisados, levando-se em conta o

comprometimento de um deles com a fonte de informação. Para isso, verificam-se algumas

operações na passagem do oral para o escrito, seguindo-se, em parte, o modelo das operações

textuais-discursivas proposto por Marcuschi (2003). Enfoca-se, também, o estudo do discurso

no que concerne ao seu aspecto fundamental, a subjetividade, com as principais noções

decorrentes dela e pertinentes ao trabalho: teoria da enunciação, polifonia e discurso relatado,

seguindo-se os pressupostos teóricos de Benveniste (1989), Bakhtin (1981), Maingueneau

(2004) e Authier-Revuz (2001), os quais permitem a análise do uso das aspas em duas formas

de citação do discurso alheio, o discurso direto e a “ilha textual em discurso indireto”. Inclui-

se, ainda, uma análise da seleção dos verbos de elocução, acompanhando-se estudiosos como

Marcuschi (1991) e Urbano (2003), os quais são unânimes em afirmar que tais verbos podem

agir sobre a interpretação do discurso que eles introduzem. O corpus escrito objeto da

pesquisa é composto por duas entrevistas exclusivas concedidas pelo ex-deputado federal

Roberto Jefferson, em junho de 2005, ao jornal Folha de S.Paulo, além de uma coletânea da

repercussão dessas entrevistas no mesmo jornal e em O Estado de S.Paulo. O corpus oral

corresponde a trechos das duas entrevistas exclusivas (16 minutos e 9 segundos de gravação).

Os resultados obtidos confirmam que a passagem da modalidade oral para a escrita produz

alterações significativas no sentido dos enunciados e que as enunciações são atos únicos, que

não são reproduzidos, mas reconstruídos, dando origens a novas enunciações. Quando se trata

de entrevistas orais que são, posteriormente, publicadas no jornal, as estratégias de que

tratamos acabam por interferir, principalmente, na força ilocutória pretendida pelo

entrevistado, a qual o jornal redireciona para atender aos seus objetivos, configurando-se, por

essa razão, em eficazes recursos de manipulação da notícia. Quanto a diferenças no trato da

notícia pelos jornais analisados, comprovamos que o comprometimento com a fonte de

informação interfere no sentido dos enunciados.

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SUMMARY

The passage from oral mode to the written one, a common procedure in human

communication, causes discourse distortion. This has been analysed in this research. This

work aims at recognising some linguistic discursive strategies used by journalists while

conveying the news to the readers by analysing the course of an interview, from the

interviewee’s oral report to the interview publication in the newspaper. The purpose of this

study is to what degree such strategies can be used as an instrument od ideas manipulation,

besides searching for differences in dealing with news in both analysed newspapers, tabing

into account the involvement of one of them with the information. Some operations in the

passage from oral report to the written one were verified, following in part the standard of

textual-discursive operations proposed by Marcuschi (2003). We also emphasize the discourse

study regarding its fundamental aspect, the subjectivity, with its main notions and the ones

pertaining to the work: enunciation theory, polyphony and related discourse, following the

presupposed theoretical writings of Benveniste (1989), Bakhtin (1981), Maingueneau (2004)

and Authier-Revuz (2001), who helped the analysis of the inverted commas usage in two

ways of quoting someone else’s discourse, the direct speech and the “textual island” in an

indirect speech. Finally, an analysis of selection of elocution verbs is included according to

experts such as Marcuschi (1991) and Urbano (2003), who unanimously affirm that such

verbs can affect the discourse interpretation that they insert. The written corpus the subject of

the research is composed of two exclusive interviews granted by the Congressman Roberto

Jefferson, in June 2005, to Folha de S.Paulo newspaper, besides several interviews

repercussion in the same newspaper and in O Estado de S.Paulo newspaper. The oral corpus

comprises passages of two exclusive interviews (16 minute and 9 second recording). The final

results confirm the fact that the passage from oral mode to the written one causes a significant

changes in the interpretation of the text and that the enunciations are single acts which are not

reproduced, but rebuilt, originating new enunciations. When oral interviews are concerned

later on published in the newspaper, the strategies analysed interfere mainly with the

discourse power intended by the interviewee. The discouse power is distorted to meet its aims

and thus it becomes an efficient resource for manipulating news. As to the difference with

which the analysed newspapers handle the news, we have evidenced that involvement with

information sources interferes with the interpretation of the texts.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................1

1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS..........................................................................5

1.1. Constituição do corpus.......................................................................................................5

1.2. Contexto histórico..............................................................................................................6

1.3. Tratamento do corpus.......................................................................................................10

2. REFERENCIAL TEÓRICO...............................................................................................16

2.1. O estudo da linguagem: da frase ao discurso....................................................................16

2.2. A língua falada e a língua escrita......................................................................................17

2.2.1. A questão da retextualização..........................................................................................17

2.2.1.1. As substituições...........................................................................................................24

2.2.1.2. As eliminações............................................................................................................26

2.2.1.3. O tratamento dos turnos..............................................................................................30

2.3. O discurso.........................................................................................................................31

2.3.1. A subjetividade a partir de Benveniste: a questão da enunciação e da polifonia. ......32

2.3.2. A subjetividade em Authier-Revuz: o discurso relatado e a questão da autonímia e

da modalização autonímica......................................................................................................35

2.3.2.1. O discurso direto.........................................................................................................39

2.3.2.2. Os verbos de elocução.................................................................................................43

2.3.2.3. O uso das aspas...........................................................................................................47

2.3.3. A subjetividade e o texto jornalístico.............................................................................49

3. ANÁLISE.............................................................................................................................53

3.1.A retextualização...............................................................................................................53

3.1.1. Substituições..................................................................................................................53

3.1.1.1. Novas opções léxicas..................................................................................................53

3.1.1.2. Nomes próprios por nome acompanhado de determinante demonstrativo.................54

3.1.1.3. Nomes próprios por descrições definidas...................................................................54

3.1.1.4. Novas estruturas sintáticas..........................................................................................55

3.1.2. Eliminações..................................................................................................................55

3.1.2.1.(Des)continuidade sintática..........................................................................................55

3.1.2.1.1.Paráfrases.................................................................................................................55

3.1.2.1.2.Repetições.................................................................................................................56

3.1.2.2.(Des)continuidade discursiva.......................................................................................62

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3.1.2.2.1.Digressão lógico-experiencial..................................................................................62

3.1.2.2.2.Digressão retórica-didática......................................................................................63

3.1.2.3.Inserções incompreensíveis..........................................................................................64

3.1.2.4.Expressões avaliativas..................................................................................................64

3.1.3. Acréscimos...................................................................................................................65

3.1.4. Tratamento dos turnos....................................................................................................67

3.1.4.1.Mudança do discurso direto para o discurso indireto..................................................68

3.1.4.2.Acréscimo de turno......................................................................................................68

3.1.4.3.Eliminação de turno.....................................................................................................69

3.1.5. A retextualização e suas conseqüências para a interpretação da enunciação...............72

3.2. Os verbos de elocução.......................................................................................................73

3.2.1. Jornal Folha de S.Paulo..................................................................................................73

3.2.1.1. Função.........................................................................................................................75

3.2.1.2. Ação............................................................................................................................76

3.2.2. Jornal O Estado de S.Paulo............................................................................................76

3.2.2.1. Função.........................................................................................................................79

3.2.2.2. Ação............................................................................................................................80

3.2.3. O uso dos verbos de elocução e suas conseqüências para a interpretação da

enunciação................................................................................................................................81

3.3. O uso das aspas.................................................................................................................84

3.3.1. No discurso direto sem verbo de elocução.....................................................................89

3.3.2. No discurso direto com verbo de elocução....................................................................94

3.3.3.Na “ilha textual em discurso indireto”............................................................................98

3.3.3.1.No termo “mensalão”..................................................................................................98

3.3.3.2.Nos outros termos.......................................................................................................100

3.3.4. O uso das aspas e suas conseqüências para a interpretação da enunciação..................108

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................110

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................114

ANEXOS................................................................................................................................118

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“É, com efeito, na língua e pela língua que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente. O homem sentiu sempre – e os poetas freqüentemente cantaram – o poder criador da linguagem, que instaura uma realidade imaginária, anima as cousas inerentes, faz ver o que ainda não existe, traz ante nós o já desaparecido. Por isso tantas mitologias, ao ter que explicar que na aurora dos tempos pôde nascer alguma cousa do nada, citam como princípio criador do mundo esta essência imaterial e soberana, a Palavra. Não há, certamente, poder mais alto, e todos os poderes do homem, sem exceção – pensemos bem – procedem deste.”

(Benveniste, 1971: 27)

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INTRODUÇÃO

Uma das formas mais comuns de alteração no sentido dos enunciados e,

conseqüentemente, de manipulação de informações é aquela produzida por operações bastante

comuns na comunicação humana, as quais dizem respeito à passagem da língua oral para a

escrita.

A tendência atual das pesquisas em Lingüística Textual, centrada no estudo de textos

autênticos, não-idealizados, permitiu a abertura de novos campos de estudo - como os que

tratam das relações entre língua oral e escrita e o uso da língua na comunicação de massa e na

mídia (Blühdorn e Andrade, 2005)- cujos pressupostos teóricos possibilitaram a explicitação

das transformações produzidas na passagem do oral para o escrito e o conhecimento da

organização do discurso jornalístico, em que essa passagem é uma das etapas.

O crescente interesse pelo texto jornalístico como objeto de estudo deve-se à grande

influência que a mídia exerce sobre a sociedade, por ter com ela uma relação unidirecional, na

qual a informação é oferecida como um produto. Antes de mais nada, faz-se necessário

distinguir “fato” e “notícia”. A comunicação midiática, como observa Charaudeau (2006),

transforma um acontecimento bruto, já interpretado pelo jornalista-testemunha do mundo, em

notícia, que é o acontecimento construído, visando a um determinado receptor. Segundo o

autor, é esse processo que determina os procedimentos de construção da informação, a qual

explicitará, não o poder de sanção que se quer atribuir à mídia, e que ela efetivamente não

tem, mas o poder que ela realmente tem: o de fazer saber, fazer pensar e fazer sentir (idem:

124). E isso não é pouco. Diante do acontecimento bruto, o jornalista irá se posicionar, para

depois transformá-lo e esse posicionamento já produz as primeiras mudanças no sentido dos

enunciados. É muito comum, por exemplo, a queixa de pessoas entrevistadas que se sentem

lesadas ao lerem no jornal um discurso que não reconhecem como seu. Isso ocorre porque,

como observa Charaudeau (idem), os procedimentos de construção do discurso jornalístico,

como de qualquer outro texto, não estão imunes à subjetividade inerente à linguagem, sendo

ela a fonte de mudanças nos “efeitos de sentido” pretendidos pelos entrevistados. Dizemos

“efeitos de sentido”, porque também o discurso dos entrevistados passa por uma

transformação: do “fato” para a “narração do fato”, em que a presença da subjetividade é

inevitável. Diante do exposto, quando analisamos a publicação de uma entrevista no jornal,

estamos analisando o discurso da imprensa, que escreve tendo em vista um leitor

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determinado; o discurso da pessoa entrevistada, sob o ponto de vista do jornalista; e, por

último, o discurso da pessoa entrevistada, sob o ponto de vista dela mesma.

Para explicar problemas como esse, procuraremos, em nosso trabalho, conhecer a

organização desse discurso, no que concerne às estratégias lingüístico-discursivas utilizadas

pelos jornalistas na publicação de entrevistas, respondendo às seguintes questões: 1] De que

maneira a imprensa escrita transforma uma entrevista oral em escrita, no que diz respeito à

seleção das informações?; 2] Qual o tratamento dado ao discurso relatado (doravante DR), no

que diz respeito à seleção do discurso direto (DD) e da “ilha textual em discurso indireto

(DI)”, além do uso dos verbos de elocução?; 3] Em que medida podem variar os efeitos de

sentido obtidos por diferentes jornais, em que pese o fato de um deles ter tido acesso a uma

fonte exclusiva?

Nosso corpus tem como ponto de partida duas entrevistas exclusivas do ex-deputado

federal Roberto Jefferson, concedidas com exclusividade ao jornal Folha de S.Paulo, em 6 e

12 de junho de 2005, denunciando, dentre outras coisas, esquemas de pagamento de propina a

vários deputados federais por parte do Partido dos Trabalhadores, em troca de apoio ao

governo. Trechos em áudio das duas entrevistas foram disponibilizados pela Folha em seu

site, o que nos permitiu o acesso também a parte do corpus oral. A repercussão das entrevistas

nos dias que se seguiram às suas publicações permitiu que selecionássemos farto material, não

só do jornal Folha de S.Paulo, mas também do jornal O Estado de S.Paulo, e pudéssemos

enriquecer nossa pesquisa.

A passagem da língua oral para a escrita, fato corrente no texto jornalístico, é a base de

nosso trabalho. Marcuschi (2003-b) denomina retextualização a esse processo e propõe um

modelo das operações textuais-discursivas na passagem do texto oral para o texto escrito que

pretendemos seguir em parte para verificar as modificações ocorridas em nosso corpus. Para

isso, utilizamos o material gravado e transcrito, comparando-o com o material escrito

publicado pelo jornal Folha de S.Paulo.

No que diz respeito à citação do discurso alheio, é recurso dos mais freqüentes na

comunicação humana e na mídia em geral. Para abordá-lo, traçamos um percurso baseando-

nos nos estudos de teóricos como Benveniste (1989), Bakhtin (1981), Maingueneau (2004) e

Authier-Revuz (2001), dentre outros. O referido percurso inicia com o estudo da

subjetividade, decorrendo dele os conceitos da teoria da enunciação, da polifonia e do DR,

cujo estudo ampliou a visão tradicional que considerava apenas o DD, o DI e o discurso

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indireto livre como formas de citação do discurso alheio. As observações feitas por Authier-

Revuz (2001) acabam por acrescentar outras formas de citação do DR, além de rejeitar a visão

tradicional do DD como sendo a reprodução fiel do discurso de outro, pois o que um DR

relata não é uma frase ou enunciado, mas todo um ato de enunciação. Desse modo, desfaz-se a

idéia de fidelidade do DD e abre-se a possibilidade de efeitos de sentido criados pelo

enunciador para atingir determinados propósitos.

Ao escolher o DD ou a “ilha textual em DI” e marcá-los com as aspas, o enunciador

chama a atenção para o termo que está aspeando. As aspas não são meros recursos gráficos

que delimitam dois atos de enunciação, mas podem ser revestidas de intenções do enunciador.

Para introduzir um discurso alheio em seu próprio discurso, o enunciador, na maioria

das vezes, utiliza os verbos de elocução. Estudiosos como Marcuschi (1991) e Urbano (2003)

são unânimes em afirmar que tais verbos podem agir sobre a interpretação do discurso que

eles introduzem.

Baseando-nos nas reflexões dos autores citados e de outros que o serão no decorrer do

presente trabalho, e nos resultados da análise de um corpus de textos orais transcritos e textos

escritos de um gênero discursivo específico (texto jornalístico), procuraremos reconhecer

algumas estratégias lingüístico-discursivas utilizadas pelos jornalistas para a transmissão da

notícia e sua conseqüente interferência no sentido pretendido pelo entrevistado.

Para realizar o estudo proposto, estruturamos nosso trabalho da maneira relatada a

seguir. Iniciamos com a apresentação de nosso corpus (Capítulo 1), relatando, em detalhes,

como ele foi constituído e situando-o historicamente para uma melhor compreensão dos fatos;

no Capítulo 1, ainda, explicitamos os procedimentos de transcrição do corpus, de delimitação

das ocorrências para análise, bem como os procedimentos de análise e a simbologia adotada

para ressaltar os aspectos relevantes para os nossos propósitos. Na seqüência, realizamos

nossa revisão teórica (Capítulo 2), dividida em três partes: em primeiro lugar, fazemos um

breve histórico sobre as transformações do objeto de estudo da Lingüística; em seguida,

retomamos noções importantes de língua oral e escrita e nos detemos nas operações da

passagem de uma modalidade a outra, a chamada retextualização, atendo-nos a alguns

procedimentos de seleção de informações, quais sejam as operações de substituição, de

eliminação e de acréscimo, e também o tratamento de turnos. Em terceiro lugar, enfocamos o

estudo do discurso no que concerne ao seu aspecto fundamental: a subjetividade, com as

principais noções decorrentes dela e pertinentes ao nosso trabalho: a teoria da enunciação, a

polifonia e o DR, além de uma reflexão sobre a questão da subjetividade no texto jornalístico.

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Dedicamos o Capítulo 3 à análise, dividida em três partes: a primeira dá conta dos

procedimentos de retextualização, concentrados nas ocorrências de substituições,

eliminações, acréscimos e tratamento dos turnos, comparando-se a transcrição das entrevistas

dos dias 6 e 12 de junho de 2005 e a sua publicação no jornal Folha de S.Paulo; a segunda

parte se ocupa da análise do emprego dos verbos de elocução nos jornais Folha de S.Paulo e

O Estado de S.Paulo, nas publicações do dia 12 de junho de 2005; a terceira e última parte se

encarrega do emprego das aspas nas ocorrências de DD e de “ilha textual em DI” em ambos

os jornais no período de 6 a 12 de junho de 2005. Por último, apresentamos nossas

considerações finais.

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1. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

1.1. Constituição do corpus

As duas entrevistas que compõem o corpus do presente trabalho foram concedidas

pelo deputado federal Roberto Jefferson ao jornal Folha de S.Paulo, em 6 e 12 de junho de

2005. O material oral foi coletado da própria fonte, ou seja, o jornal Folha de S.Paulo, que,

em seu site, veiculou trechos das duas entrevistas concedidas à repórter Renata Lo Prete.

Quanto ao material escrito, ele começou a ser coletado a partir do dia 6 de junho de

2005, data da primeira entrevista. A repercussão dessa entrevista, para o que nos interessa no

presente trabalho, deu-se até o dia 12 de junho do mesmo ano, data de publicação da segunda

entrevista, quando os jornais retomaram alguns trechos da entrevista inicial. A partir dessa

data, apenas acompanhamos a repercussão da segunda entrevista, que ocorreu até por volta do

dia 14 de junho. Do dia 15 de junho em diante, a imprensa deu cobertura ao depoimento do

deputado Roberto Jefferson à Comissão de Ética da Câmara Federal, que investigava seu

envolvimento no que ficou conhecido como o “Escândalo dos Correios”. Daí em diante, as

entrevistas concedidas à Folha foram citadas na forma de DI, fenômeno que não estudaremos

no presente trabalho.

O material que foi nosso objeto de análise compreendeu as publicações entre os dias 6

e 12 de junho de 2005. Quanto aos jornais pesquisados, selecionamos textos de jornais de

linhas editoriais distintas: Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, ambos de grande

circulação e dirigidos a leitores das classes A/B. A escolha se explica: buscamos diferenças

significativas no trato da notícia, o que caracterizaria a opção ideológica dos grupos

econômicos que os comandam, além de tornar possível a verificação de diferenças acentuadas

entre ambos, pelo fato de o jornal Folha de S.Paulo estar comprometido com a fonte de

informação e o Estado não.

Os corpora oral e escrito, examinados à luz da Análise da Conversação e da Análise

do Discurso, possibilitaram o estudo do percurso de uma entrevista até sua publicação no

jornal, envolvendo, em primeiro lugar, a verificação de algumas operações na passagem do

oral para o escrito, dentre elas os procedimentos de substituição, eliminação e acréscimo de

informações e o tratamento dos turnos; em segundo lugar, a análise da seleção dos verbos de

elocução e a verificação do uso das aspas em duas formas de citação do discurso alheio

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utilizadas na imprensa escrita, o DD e a “ilha textual em DI”, incluindo-se uma análise

comparativa do tratamento da notícia nos diferentes jornais analisados.

1.2. Contexto histórico

Como o discurso do ex-deputado Roberto Jefferson é a base de nossa análise, cremos

serem necessárias algumas considerações a seu respeito e, principalmente, um breve relato do

contexto histórico no qual se inserem as entrevistas que compõem o nosso corpus, para uma

melhor compreensão dos fatos, uma vez que, como já afirmamos, o “acontecimento bruto” é a

matéria prima da “notícia” (cf. Charaudeau, 2006: 124).

Roberto Jefferson Monteiro Francisco nasceu em Petrópolis (RJ), em 14/6/1953.

Formado em Direito, exerceu a profissão de advogado. Filiado ao Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB) desde 1982, exerceu o cargo de deputado federal nas legislaturas de 83/87,

87/91, 91/95, 95/99, 99/03 e 03/05.

As entrevistas concedidas ao jornal Folha de S. Paulo, em 6/6/2005 e 12/6/2005, e os

seus respectivos desdobramentos foram, na verdade, a reação de Jefferson diante de denúncias

de corrupção nos Correios envolvendo seu nome e de seu partido em práticas que, segundo

ele, eram comuns entre governo e outros partidos da base aliada também. Em suas próprias

palavras, na entrevista do dia 12 de junho, “vão botar tudo no colo do PTB. Toda a corrupção

que tem dentro dessa estrutura de relações da cúpula do PT em algumas empresas do governo

no colo do PTB”.

As denúncias partiram da reportagem publicada pela revista Veja, de 14 de maio de

2005, a qual teve acesso a gravações que vêm denunciar uma prática corrente na política

brasileira: o loteamento de cargos nas empresas estatais para os partidos políticos aliados do

governo. Em outras palavras, o governo distribui os cargos dessas empresas entre os partidos

que o apóiam, e esses partidos, por sua vez, cobram dos funcionários indicados uma mesada

para financiar o partido, dinheiro esse que provém de operações administrativas ilegais.

As imagens, veiculadas depois em âmbito nacional, mostravam o então funcionário

dos Correios, Maurício Marinho, recebendo três mil reais a título de entrada e descrevendo

atos ilícitos do PTB em outras instituições (ele menciona a Infraero, a Eletronorte e a

Petrobrás). Além disso, cita nominalmente o deputado Roberto Jefferson como o chefe do

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esquema de corrupção em toda a máquina federal. Segue-se a esse primeiro vídeo um

segundo, em que o mesmo funcionário confirma as informações e acrescenta o nome do genro

de Roberto Jefferson, Marcus Vinicius Vasconcelos Ferreira.

Injuriado com as acusações, Roberto Jefferson vai à tribuna da Câmara para defender-

se. A crise que se seguiu após a divulgação das imagens de corrupção atingiu o governo, que

temia a instalação de uma CPI para a apuração dos fatos, o que ocorreu no dia 9 de junho de

2005. As investigações apuraram o envolvimento do tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e do

secretário-geral do partido, Silvio Pereira, que participaram da distribuição de cargos federais

entre os partidos aliados do governo.

Mas novas denúncias viriam a comprometer ainda mais o deputado Roberto Jefferson:

o então presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Lídio Duarte, que chegou ao

cargo por indicação do ex-presidente do PTB, José Carlos Martinez, pressionado por Roberto

Jefferson para o pagamento de um valor mensal de quatrocentos mil reais, decide entregar o

cargo.

Acuado por todas essas denúncias, o deputado Roberto Jefferson decide revelar todo o

esquema nas entrevistas para a Folha. A partir daí, deflagra a pior crise política do governo

Lula, denunciando um suposto pagamento de mesada pelo governo aos deputados dos

partidos aliados, que, em troca, davam ao governo o apoio necessário na Câmara. Nessas

entrevistas, também, faz um mea culpa, admitindo a prática de crimes como o tráfico de

influências em estatais. Por essa razão e por fazer acusações sem prova, o que caracteriza a

quebra de decoro na Câmara, Roberto Jefferson tem seu mandato cassado pela Comissão de

Ética daquela Casa, no dia 14 de setembro de 2005, por 313 votos contra 156, ficando

inelegível até 2015.

O governo decide reagir e demite, em 8 de junho, todos os diretores das duas estatais

envolvidas nos escândalos, os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB).

As acusações de Roberto Jefferson, porém, envolveram as pessoas que compunham o

que ele chamou de “cabeça do PT”: o então ministro José Dirceu, o presidente do PT, José

Genoíno, o secretário-geral do PT, Sílvio Pereira, e o tesoureiro Delúbio Soares, além do

suposto operador do que ficou conhecido nacionalmente como “mensalão”, o publicitário

Marcos Valério Fernandes de Souza.

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Verdadeiras ou não suas acusações, a verdade é que, depois delas, a cúpula do PT

passou por uma “faxina”, em que caíram, no dia 16 de junho, apenas cinqüenta horas depois

das denúncias de Jefferson, o ministro José Dirceu, acatando a “sugestão” feita pelo deputado

em sua entrevista: “Zé Dirceu, se você não sair daí rápido, você vai fazer réu um homem

inocente, que é o presidente Lula”; após ele, em 4 de julho, Sílvio Pereira; em 5 de julho,

Delúbio Soares; e, por fim, em 9 de julho, pedem afastamento o presidente do PT, José

Genoíno, e Marcelo Sereno, secretário de Comunicação do PT .

Voltando para a Câmara, para continuar o seu mandato de deputado federal, José

Dirceu amarga mais uma derrota: a cassação de seu mandato em 1º de dezembro de 2005.

Sobre os parlamentares denunciados nas entrevistas, dois deles não tardaram a

renunciar ao cargo: Carlos Rodrigues (RJ) e Valdemar Costa Neto (SP), ambos do PL. Além

deles, mais 15 deputados envolvidos nos escândalos foram investigados.

O panorama acima é suficiente para mostrar o impacto que a série de reportagens

que serviu de corpus para o nosso trabalho teve na política brasileira, conduzindo-a a uma

série de reformas políticas e eleitorais. O reconhecimento pela importância das duas

entrevistas deu-se em forma de dois prêmios para a jornalista Renata Lo Prete: o “Prêmio

Esso”, na categoria Jornalismo, e o “Grande Prêmio Folha de Jornalismo”, concedido

anualmente pelo jornal Folha de S.Paulo, pela relevância social de seu conteúdo. Segundo a

Folha, o que se seguiu à publicação das duas entrevistas foi um “efeito dominó”:

A crise desencadeada pelas entrevistas atingiu a cúpula petista e custou os cargos de José

Genoíno, que presidia o PT, do então tesoureiro Delúbio Soares e dos ex-secretários do partido

Silvio Pereira e Marcelo Sereno. O efeito dominó também causou a queda do ministro José

Dirceu (que depois teria o mandato de deputado cassado), a diminuição do poder de Luiz

Gushiken, que perdeu o status de ministro, e desencadeou um processo investigativo que atinge

o publicitário Duda Mendonça, responsável pela vitoriosa campanha de Lula em 2002.

Escancarou ainda práticas ilegais de pagamentos de despesas de campanha adotadas pelo PT e

por aliados.

As reportagens esclareceram as ligações do publicitário Marcos Valério, sócio das agências

SMPB e DNA, com o comando do PT, com o governo e com empresas estatais.

Jefferson, que admitiu ter recebido ele próprio dinheiro de caixa 2 do PT, posteriormente teve o

seu mandato cassado.

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Quatro parlamentares renunciaram ao mandato para evitar cassação. Outros 11 deputados ainda

enfrentam processos de cassação na Câmara. Dois já foram absolvidos. 1

O papel da imprensa, nesse episódio, foi fundamental, para que as denúncias viessem a

público, para que os responsáveis tomassem atitudes, cobrados pela opinião pública, e, por

fim, para que a sociedade brasileira refletisse sobre suas instituições e desse alguns passos

para a sua maturidade política, tão necessária numa democracia. É o balanço que fez do

episódio o cientista político Bolívar Lamounier, filiado ao PSDB, à Revista Veja:

Você teve em sete meses, de maneira compacta, densa e em tempo integral, um curso a

respeito da corrupção política para 85 milhões de eleitores. Com organograma, com descrição

dos procedimentos, mostrando como o dinheiro sai daqui e entra ali. Isso é fantástico, não tem

paralelo em nenhum país do mundo. Não de forma tão espetacular, tendo até um personagem

teatral, shakespeariano, na figura de Roberto Jefferson. A crise ensinou muita coisa ao eleitor

brasileiro, e esse aspecto positivo supera os negativos.2

O “escândalo do mensalão”, como ficou conhecido, serviu, também, para impulsionar

a investigação de outros escândalos:

O desenrolar das investigações e das CPIs chamaram a atenção para outros escândalos que

envolveram o partido do governo brasileiro em 2005, o Partido dos Trabalhadores (PT), e

eclodiram antes do aparecimento das primeiras grandes denúncias sobre a existência do

mensalão.

Em 2004 estourou o escândalo dos Bingos e em maio de 2005 o escândalo dos Correios. As

investigações das CPIs trouxeram ainda para a pauta das discussões a misteriosa morte do

prefeito Celso Daniel (2002) e as denúncias de corrupção na Prefeitura de Santo André (São

Paulo), administrada por ele.

Por conseguinte, a crise do mensalão envolveu não somente o escândalo provocado pelo

denúncia de compra de votos (o mensalão, propriamente dito), mas todos esses escândalos

1 REVELAÇÃO do ‘mensalão’ ganha Prêmio Folha. Folha de S.Paulo, São Paulo, 2 mar. 2006. Folha Brasil, p. A8. 2 VEJA. São Paulo, 21 dez. 2005, p. 11-15.

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juntos, que de alguma forma ou de outra se relacionam. Um dos elementos que ligam esses

outros eventos com o mensalão são as acusações de que em todos eles foram montados

esquemas clandestinos de arrecadação financeira para o PT. O dinheiro oriundo desses

esquemas, pelo menos em parte, poderia ter sido usado para financiar o mensalão.

Com o desenvolvimento da crise surgiram ainda novas denúncias e novos escândalos, como,

por exemplo: o escândalo dos fundos de pensão, do Banco do Brasil, esquema do Plano Safra

Legal, a suposta doação de dólares de Cuba para a campanha de Lula e a quebra do sigilo

bancário do caseiro Francenildo.3

Nós, por nossa vez, ficamos satisfeitos com a escolha do material, que se revelou

extremamente apropriado para a pesquisa que empreendemos, sem contar o fato de que tal

material prestou um grande serviço às instituições brasileiras.

1.3. Tratamento do corpus

O material gravado foi composto de trechos editados da primeira entrevista (nove

minutos e nove segundos) e da segunda entrevista (sete minutos), veiculados pela Folha em

seu site4, perfazendo em total de dezesseis minutos e nove segundos de gravação. O material

oral foi transcrito segundo as normas de transcrição do Projeto NURC/SP (Preti, 2001:11-12).

O Projeto de Estudos da Norma Urbana Culta (NURC), com núcleos em Recife, Rio de

Janeiro, Porto Alegre, Salvador e São Paulo, é um dos pioneiros nos estudos de língua oral no

Brasil. Concebido, na década de 1970, para investigar a norma objetiva do português culto

falado no Brasil, tem fornecido material para estudos coordenados pelo professor Dino Preti,

em São Paulo, na área da Análise da Conversação, e também para um outro projeto de estudos

do texto falado, o Projeto de Gramática do Português Falado (PGPF), coordenado pelo

professor Ataliba Teixeira de Castilho. A elaboração dos corpora do português brasileiro está

possibilitando o desenvolvimento da lingüística textual no Brasil com um perfil próprio, e

essa é mais uma grande contribuição do Projeto NURC (cf. Blühdorn e Andrade, 2005). Dada

a sua importância, o projeto é referência para qualquer pesquisa sobre língua oral, quer seja

utilizando seus corpora, seus estudos ou suas normas de transcrição. 3 www.wikipedia.com.br, acessado em 17 de julho de 2006. 4 www.folhasp.com.br, acessado em 7 e 13 de junho de 2005.

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As normas são as seguintes:

OCORRÊN-CIAS

SINAIS EXEMPLIFICAÇÃO

Incompreensão

de palavras e

segmentos

( ) do nível de renda ( )

nível de renda nominal

Hipótese do que

se ouviu

(hipótese) (estou) meio preocupado (com o

gravador)

Truncamento

(havendo

homografia, usa-

se acento

indicativo da

tônica e/ou

timbre)

/

e comé/ e reinicia

Entonação

enfática

Maiúscula Porque as pessoas reTÊM moeda

Prolongamento

de vogal e

consoante (como

s, r)

:: podendo

aumentar

para ::::

ou mais

ao emprestarem...

éh ::: ... dinheiro

Silabação - por motivo tran-sa-ção

Interrogação ? e o Banco... Central...

certo?

Qualquer pausa ... São três motivos... ou três razões...

que fazem com que se retenha

moeda... existe uma... retenção

Comentários

descritivos do

transcritor

((minúscula))

((tossiu))

Comentários que

quebram a

seqüência

temática da

exposição;

desvio temático

- - - -

... a demanda de moeda - - vamos

dar essa notação - - demanda de

moeda por motivo

Superposição, Ligando as A. na casa da sua irmã

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simultaneidade

de vozes

Linhas

B. sexta feira?

A. fizeram LÁ...

Cozinharam lá?

Indicação de que

a fala foi tomada

ou interrompida

em determinado

ponto. Não no

seu início, por

exemplo.

(...)

(...) nós vimos que existem...

Citações literais

ou leituras de

textos, durante a

gravação

“ “ Pedro Lima... ah escreve na

ocasião... “O cinema falado em

língua estrangeira não precisa de

nenhuma baRREIra entre nós”...

OBSERVAÇÕES:

1. Iniciais maiúsculas: só para nomes próprios ou para siglas (USP etc.)

2. Fáticos: ah, éh, ahn, ehn, uhn, tá (não por está: tá? você está brava?)

3. Nomes de obras ou nomes comuns estrangeiros são grifados.

4. Números: por extenso.

5. Não se indica o ponto de exclamação (frase exclamativa)

6. Não se anota o cadenciamento da frase.

7. Podem-se combinar sinais. Por exemplo: oh::::...(alongamento e pausa).

8. Não se utilizam sinais de pausa, típicos da língua escrita, como ponto-e-vírgula, ponto

final, dois pontos, vírgula. As reticências marcam qualquer tipo de pausa.

(Preti, 2001: 11-12)

A transcrição das entrevistas (ANEXO A) é apresentada com as seguintes indicações:

na primeira coluna do lado esquerdo, destacamos a numeração das linhas (em intervalos de

cinco linhas); em seguida, identificamos os locutores (L1 e L2), os quais são apresentados no

início da transcrição; por último, transcrevemos o referido material oral.

Quanto ao material escrito publicado, ele foi anexado ao presente trabalho em três

partes. Na primeira (ANEXO B), reproduzimos o conteúdo das duas entrevistas publicadas na

Folha, em ordem crescente de datas e páginas em que aparecem e com linhas numeradas; na

segunda (ANEXO C), apresentamos, na íntegra, as respectivas páginas em que foram

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veiculadas as entrevistas; e, na terceira (ANEXO D), apresentamos os textos analisados que

foram retirados do jornal O Estado de S.Paulo.

Feita a coleta do material, passamos à fase do estabelecimento da amostra da análise.

Nesse ponto, sentimos a necessidade de estabelecer dois tipos de amostra distintos, que

atendessem aos nossos propósitos: o primeiro deles foi selecionar o material escrito

corresponde ao material transcrito, e, nesse caso, tal procedimento deu-se somente em relação

ao jornal Folha de S.Paulo, que foi o veículo detentor do material oral. Feita essa seleção,

pudemos realizar uma análise preliminar que pretendia dar conta da questão da

retextualização, ou seja, como se deu a passagem do oral para o escrito, e que implicações

essa passagem trouxe para o texto quanto a algumas estratégias elencadas no modelo das

operações textuais-discursivas proposto por Marcuschi. Para essa análise, que foi dividida de

acordo com os procedimentos de retextualização avaliados, elaboramos um quadro formado

por colunas, nas quais apresentamos, de um lado, os trechos transcritos (ANEXOS A-1 e A-2)

e, de outro, os respectivos trechos retextualizados (ANEXOS B-1, B-2 ... B-8), ambos

antecedidos da numeração das linhas. Empregamos o recurso do negrito para salientar os

procedimentos analisados em cada item, como, por exemplo, os trechos que foram alterados,

eliminados ou acrescentados.

Desse modo, comparamos a transcrição com a retextualização, concentrando-nos nas

estratégias de eliminação, de substituição, e de acréscimo, além das operações de readaptação

dos turnos e de compreensão, todas elas explicitadas em nosso Referencial Teórico.

No decorrer de nossa pesquisa, achamos por bem analisar alguns procedimentos

constantes do Manual da Redação do jornal Folha de S.Paulo, nosso veículo principal de

análise, para compreender as orientações que são transmitidas aos seus jornalistas no que

concerne à edição de entrevistas, declarações textuais, emprego das aspas, consulta às fontes

etc. Trataremos, neste capítulo, apenas da edição das entrevistas. Quanto aos demais itens,

remeter-nos-emos a eles em nosso Referencial Teórico, quando abordarmos os temas

pertinentes.

Em seu Manual da Redação, a Folha, no capítulo “Padronização e estilo”, assim se

pronuncia a respeito de entrevistas:

A finalidade de caracterizar um texto jornalístico como entrevistado é permitir que o leitor

conheça opiniões, idéias, pensamentos e observações de personagem da notícia ou de pessoa

que tem algo relevante a dizer. Em geral, a Folha adota o estilo indireto ao publicar entrevistas.

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Pode-se editar entrevista na forma de pergunta e resposta (pingue-pongue) quando o

entrevistado está em evidência especial ou diz coisas de importância particular. (Manual da

Redação, 2006: 40)

No caso de nosso corpus, as entrevistas foram editadas na forma de pergunta e

resposta e seguiram a orientação da Folha para esse tipo de texto: “texto introdutório

contendo a informação de mais impacto, breve perfil do entrevistado e outras informações,

como local, data e duração da entrevista e resumo do tema abordado” (Manual da Redação,

2006: 66).

O jornal Folha de S.Paulo, porém, ao orientar seus jornalistas para a edição de

entrevistas, abre muitas lacunas para que sejam feitas intervenções:

O trecho com perguntas e respostas deve ser uma transcrição fiel, embora nem sempre

completa, da entrevista. Selecione os melhores trechos. Corrija sempre erros de português;

corrija problemas da linguagem coloquial quando for imprescindível para a perfeita

compreensão do que foi dito. Mas não troque palavras nem modifique o estilo da linguagem do

entrevistado. Se relevantes, eventuais erros ou atos falhos do entrevistado podem ser

destacados com a expressão latina sic entre parênteses. Restrinja o uso desse recurso.

(...)

Recomenda-se preservar a ordem original em que as perguntas foram feitas. (Manual da

Redação, 2006: 66)

A Folha não deixa claro qual o critério para se avaliar, por exemplo, “os melhores

trechos” que devem ser selecionados ou qual seria o critério de relevância para se destacar

erros do entrevistado. Ou seja, os interesses do jornal podem prevalecer na hora dessa escolha

em detrimento dos interesses do entrevistado.

A segunda amostra da análise ampliou o nosso corpus consideravelmente, pois pôde

abranger as duas entrevistas (de 6/6 e 12/6) publicadas no citado jornal, além de sua

repercussão nele mesmo nos dias subseqüentes, e no outro jornal pesquisado. O que

consideramos nesse momento como amostra foi o DR em DD e a “ilha textual em DI”,

sempre que tais relatos apareceram destacados da enunciação do discurso citante por meio das

aspas, vindo ou não acompanhados dos verbos de elocução, cujo emprego mereceu um estudo

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à parte, para o qual comparamos o emprego dos verbos de elocução na Folha e em O Estado

relativamente à publicação do dia 12/6/2005, utilizando o recurso do negrito para destacá-los.

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2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. O estudo da linguagem: da frase ao discurso

O estudo da linguagem, como o de qualquer ciência, é pautado por uma história de

transformação e de evolução. Se, no início dos estudos da Lingüística Textual, da segunda

metade da década de 60 até a primeira metade da década de 70, os estudos se debruçavam

sobre a análise transfrástica e as gramáticas de texto, na década de 80, ampliou-se essa

abordagem para os níveis semântico e pragmático. Hoje, reconhece-se a legitimidade dessas

três abordagens de estudo da Lingüística Textual e se busca a sua integração para a aplicação

nos mais diversos campos. O texto idealizado, antes o objeto de pesquisa da Lingüística

Textual, cede lugar, a partir da década de 90, ao texto autêntico, produzido no cotidiano das

pessoas, e do qual vão emergir os conceitos-chave de intertextualidade e de polifonia,

questionando o conceito do texto legítimo até então existente (cf. Blühdorn e Andrade, 2005).

Dessa evolução, decorre um novo modo de conceber a linguagem, o qual passa a

considerar as condições de produção de um texto como fundamentais para a interpretação de

uma comunicação (cf. Charaudeau e Maingueneau, 2004: 169). É o que se vai chamar de

discurso, “um espaço instável de trocas entre disciplinas diversas, cada uma estudando o

discurso sob uma ótica que lhe é própria” (Maingueneau, 2004: 12) e, dentre essas disciplinas,

duas que são a base para a análise que empreendemos: 1) a Análise do Discurso (daqui em

diante AD), que procura associar a organização textual à situação de comunicação, e 2) a

Análise da Conversação (doravante AC), que estuda os “conhecimentos lingüísticos,

paralingüísticos e socioculturais que devem ser partilhados para que a interação seja bem

sucedida” (Marcuschi, 2003-a: 6). Pela sua própria natureza, a AC parte dos dados colhidos

em gravação de interações naturais e é por essa razão que ela dá tanta importância aos

procedimentos de constituição dos corpora: a gravação e a transcrição (cf. Charaudeau e

Maingueneau, 2004:41).

Nosso trabalho, porque parte de textos orais gravados que foram, posteriormente,

publicados no jornal, utilizará, em primeira instância, os procedimentos metodológicos

adotados pela AC. Convém salientar que os procedimentos gravação e transcrição são parte

do trabalho do jornalista que, na maioria das vezes, parte para um terceiro procedimento

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denominado por Marcuschi (2003-b: 46) de retextualização, que merecerá especial atenção de

nosso estudo. 2.2. A língua falada e a língua escrita

A respeito das diferenças entre língua oral e língua escrita, impõe-se a necessidade de

as distinguirmos, acompanhando Marcuschi (2003-b), como modalidades diferentes de uso da

língua.

A fala é uma prática social inerente ao ser humano e faz parte de sua vida desde os

primórdios da evolução humana. Algumas características suas são:

A) realiza-se no meio sonoro;

B) é normatizada tanto quanto a escrita;

C) apresenta, em sua organização textual e interacional, “marcadores conversacionais,

repetições e paráfrases, parentéticas, sobreposições, anacolutos, hesitações, correções,

freqüência de construções impessoais de fundo atenuador, etc” (Preti, 2004: 125);

D) apresenta, na sintaxe, períodos curtos e, muitas vezes, frases incompletas;

E) é multissistêmica: serve-se das palavras, gestualidade, mímica, prosódia etc;

F) seu planejamento ocorre concomitantemente à sua realização.

A escrita, por sua vez, é uma das formas de “estabelecer, reproduzir e manter relações

de poder” (Marcuschi, 2003-b: 46) e, por isso, possui grande importância em nossa sociedade.

Suas características são:

A) realiza-se no meio gráfico;

B) é normatizada;

C) é multissistêmica: serve-se do alfabeto, fotos, ideogramas etc.

D) seu planejamento ocorre num momento anterior à sua realização, o que permite a

eliminação de todas as marcas de planejamento.

Essas diferenças nas condições de produção fazem com que um discurso, quando

passado de uma modalidade a outra, sofra alterações.

2.2.1. A questão da retextualização

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No caso de entrevistas orais que são publicadas no jornal, na íntegra ou parcialmente,

o que é bastante comum, faz-se presente a questão crucial da passagem do oral para o escrito

e a conseqüente alteração do discurso.

Esse procedimento mereceu estudo de Marcuschi (2003-b-48), no qual identificou as

operações mais comuns que os usuários realizam na passagem da fala (entrevista oral) para a

escrita (entrevista impressa), uma das possibilidades de retextualização. Além dela, há as

possibilidades de passagem da fala (conferência) para a fala (tradução simultânea), da escrita

(texto escrito) para a fala (exposição oral) e da escrita (texto escrito) para a escrita (resumo

escrito).

O grande problema que envolve a retextualização concerne à compreensão daquilo

que é dito, pois é necessário primeiro entendermos um texto para depois retextualizá-lo. Para

ilustrar esse problema, emprestamos a Marcuschi o exemplo que segue. Apesar de extenso,

acreditamos ser indispensável à reflexão que ora empreendemos:

Trata-se da reação de José Ruy Gandra (Folha de S. Paulo, 30/10/1993), em relação à

reclamação do músico Arnaldo Antunes (Folha de S. Paulo, 23/10/1993) que lamentara as

distorções ocorridas no texto que reproduzia uma entrevista para a revista Playboy (nº 219).

Assim se expressa A. Antunes a certa altura de seu texto reclamatório:

Exemplo (1)

Nunca me reconheci tão pouco em uma entrevista. Nunca abominei tanto um discurso

colocado por terceiros em minha boca. Um pequeno e bom exemplo desse procedimento: o

entrevistador me perguntou se eu já tivera relações homossexuais. A resposta foi um sucinto

“não”. Resposta publicada: “Nunca, nem mesmo em troca-troca quando eu era criança”.

Essa espécie de “adorno” às declarações com fantasias e fetiches do entrevistador se tornou

procedimento usual na edição da matéria publicada de uma forma geral.

Em sua réplica, Ruy Gandra escreve o seguinte:

Exemplo (2)

A primeira passagem da entrevista mencionada por Arnaldo Antunes, logo no início de seu

texto, foi a da homossexualidade. Ele diz: “O entrevistador me perguntou se eu já tivera

relações homossexuais. A resposta foi um sucinto ‘não’. Resposta publicada: ‘Nunca, nem

mesmo em troca-troca quando eu era criança’.” (...) Arnaldo Antunes mente, como comprova

a fita número 4 da entrevista. Pergunta: “Você já teve transa homossexual?”. Resposta: “Não,

nunca.” Pergunta: “Nem quando criança, troca-troca?”. Resposta: “Não, nem criança...”

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Com o aval da concordância expressa do entrevistado e em nome da concisão, as duas

perguntas foram fundidas em uma só. Não há nisso nenhum mistério nem ato condenável.

(grifo meu)

Reconstruindo os procedimentos, de acordo com as informações de Ruy Gandra, teríamos o

seguinte segmento da entrevista entre R (Ruy) e A (Antunes):

R: Você já teve transa homossexual?

A: Não, nunca

R: Nem quando criança, troca-troca?

A: Não, nem criança

Transformação publicada pelo jornalista:

R: Você já teve transa homossexual?

A: Não, nunca, nem mesmo em troca-troca quando eu era criança

O entrevistado reclamou de palavras postas em sua boca que não eram dele e o entrevistador

justificou a fusão de perguntas e respostas como ato lícito. Trata-se de uma operação cognitiva

em que o entrevistador inferiu como pertinente fazer um enunciado em que duas perguntas e

duas respostas aparecem fundidas. No caso, não se tratava de um acréscimo ou

reinterpretação, mas atribuição de fala. Se fosse um discurso indireto, teria sido menos

acintoso aos olhos do entrevistado. O problema é que, além de haver uma operação de

transformação com acréscimos e fusões, há ainda a atribuição de autoria desse mesmo

segmento. Baste isso para mostrar como a retextualização é perigosa. (Marcuschi, 2003-b: 70-

71)

Como vimos no exemplo acima, existe uma demanda, por parte da imprensa, para a

explicação de fatos como esse, que sempre vêm à tona, trazidos por políticos, estudiosos em

geral ou simplesmente por pessoas que tenham se sentido lesadas por alguma publicação

indevida. Um outro exemplo disso é a declaração do ex-presidente Fernando Henrique

Cardoso, a respeito do papel dos meios de comunicação numa democracia de massas,

publicada pela revista Veja (20/3/1996), em que ele observa que, nos meios de comunicação,

corre-se o risco “de simplificar os fatos, de valorizar a parte em detrimento do todo, a frase

em prejuízo do texto, a versão em prejuízo do fato real, a imagem em detrimento da

argumentação e, principalmente, o destaque, em qualquer acontecimento, do aspecto

particular que tem ‘impacto’, em vez de mostrar o processo que levou a ele”. A revista Veja,

em defesa da imprensa, respondeu, na mesma matéria, ao alerta do ex-presidente:

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Sim, ao valorizar a parte em detrimento do todo, pode-se perder o todo. Mas às vezes a parte

serve de resumo, de símbolo para o todo. Sim, uma frase isolada pode mudar de significado

quando colocada fora de contexto. Mas como fazer uma manchete, um título, uma capa de

revista, se não for com frases curtas, para anunciar o que está no texto? 5

Outro fato envolveu a filósofa Marilena Chauí, que, em carta a seus alunos da USP, a

qual circulou, primeiro, na Internet e, depois, foi publicada na íntegra pelo jornal Folha de S.

Paulo (21/9/2005), “dá satisfações a respeito de seu comportamento diante do escândalo do

‘mensalão’. Segundo Chauí, o ‘silêncio’ que a ela se atribui é uma ‘construção’ dos meios de

comunicação, os quais ela critica, enumerando as razões que a fizeram encerrar sua

‘manifestação pública por meio da imprensa’. Chauí diz que decidiu escrever a carta porque

soube, por colegas, da ‘perplexidade’ de alunos com sua atitude.”

Nessa carta, a filósofa enumera fatos ocorridos entre ela e a imprensa que a levaram a

adotar a postura de não mais se manifestar por esse meio. Alguns trechos da carta são

extremamente relevantes, pois tratam de fatos que pretendemos analisar no presente trabalho,

dentre eles o fato de a imprensa pinçar trechos de falas suas proferidas em um ciclo de debates

do qual participou, reorganizando-os em outro contexto:

Jornais e revistas, com fotos minhas, não deram uma linha sequer sobre a conferência, mas

pinçaram trechos dos debates, sem mencionar as perguntas nem dar por inteiro as respostas e

seu contexto, transformando em discurso meu um discurso que não proferi tal como

apresentado.6

Procuraremos compreender o fenômeno ora exposto, examinando algumas das

estratégias de retextualização adotadas por Marcuschi (2003-b). Para o autor, é inerente à

passagem de uma modalidade a outra a questão da compreensão do que foi dito. A respeito

dela, Maingueneau afirma:

5 A IMPRENSA entre a utopia e o real. Veja, São Paulo, 20 mar. 1996. V. 12, ano 29, ed. 1436. 6 Folha de S.Paulo, São Paulo, 21 set. 2005.

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Compreender um enunciado não é somente referir-se a uma gramática e a um dicionário, é

mobilizar saberes muito diversos, fazer hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não

é um dado preestabelecido e estável. (2004:20)

Essa questão já se faz presente no primeiro nível da passagem da fala para a escrita

apresentado por Marcuschi (2003-b:51), que é a transcrição, uma transcodificação do sonoro

para o grafemático, em que “o texto oral transcrito perde seu caráter originário e pessoal e

passa por uma neutralização devida à transcodificação”. Para essa operação, adotam-se uma

série de convenções, que variam de um pesquisador para outro.

É importante ressaltar, mais uma vez, que nenhuma transcrição é neutra, pois sofre

uma primeira interpretação na passagem para a modalidade escrita. A esse propósito, uma

notícia publicada na Folha de S.Paulo ilustra muito bem o fato:

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) causou mal-estar na campanha à

Presidência do também tucano Geraldo Alckmin, tachado de privatista por Lula. Em entrevista

à rádio CBN, FHC afirmou: “Não sou contrário à privatização da Petrobrás”.

Horas depois, FHC divulgou nota atribuindo o “mal entendido” a um “cacoete de linguagem” e

a uma “transcrição imprecisa”. Segundo ele, faltou uma vírgula: “Eu não, sou contrário à

privatização da Petrobrás. Ela deve ser outra coisa: uma empresa pública”. 7

Por outro lado, quando se faz apenas uma transcrição, como afirma Marcuschi (idem),

procede-se à passagem da expressão oral, em sua substância e forma, para a expressão escrita.

Quando, além da interferência na expressão, passa-se à interferência na forma e substância do

conteúdo, estamos no âmbito da retextualização, a qual envolve questões éticas, uma vez que

o transcritor pode, por exemplo, colocar em evidência a posição social ou cultural inferior do

falante reproduzindo sua fala repleta de incorreções gramaticais (algumas vezes chamando

mais ainda a atenção para esses erros com um “bem intencionado” sic) ou, pelo contrário,

fazendo as correções necessárias, inclusive interferindo no léxico, para dar mais credibilidade

ao que se diz. (idem:53).

Muitas são as considerações que poderíamos fazer tratando do tema retextualização,

mas nos limitaremos a retirar de seus aspectos teóricos apenas aqueles que nos interessam de

7 Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 out. 2006, capa.

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imediato. Por isso, ao enfocá-la em nosso trabalho, pretendemos responder a algumas

perguntas comuns para quem trabalha com o texto jornalístico: 1] ao publicar uma entrevista,

em que momentos o jornal procedeu a substituições, eliminações ou acréscimos que possam

ter interferido no sentido daquilo que se quis dizer?; 2] Qual é o tratamento dado aos turnos e,

novamente, de que maneira ele interfere no sentido do enunciado? Marcuschi prevê, para os

processos de retextualização, aspectos lingüísticos-textuais-discursivos-cognitivos

distribuídos nos seguintes processos de retextualização:

(A) idealização (eliminação, completude, regularização)

(B) reformulação (acréscimo, substituição, reordenação)

(C) adaptação (tratamento da seqüência dos turnos)

(D) compreensão (inferência, inversão, generalização) (Marcuschi, 2003-b: 69)

Sendo que os processos A, B e C referem-se aos aspectos lingüísticos-textuais-

discursivos e o processo D, a aspectos cognitivos. (idem)

As atividades de “idealização”

dizem respeito sobretudo às operações que envolvem a regularização dos fenômenos de

(des)continuidade sintática na formulação textual, tais como as hesitações, as correções, os

marcadores conversacionais, as repetições e os truncamentos que aparecem na construção das

unidades estruturais. (Marcuschi, 2003-b:61)

A retextualização, em sentido estrito, é feita nas atividades de “reformulação”, que

dizem respeito a operações que vão além da simples regularização lingüística, pois envolvem

procedimentos de substituição, reordenação, ampliação/redução e mudanças de estilo, desde

que não atinjam as informações como tal.” (Marcuschi, 2003-b:62)

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Ambas as atividades receberam o modelo completo de operações apresentado a seguir:

(Marcuschi, 2003-b: 75)

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Optamos pela análise dos procedimentos de substituição, eliminação e acréscimo

ocorridos em nosso corpus, dos quais trataremos a seguir, baseados em algumas das

operações do modelo apresentado, sem nos atermos a todas elas nem a alguma em especial.

Fazemos isso autorizados pelo próprio autor, que, ao tratar do tema, sugere que “é possível

fazer uma análise com interesse específico e observar apenas um conjunto de categorias”

(idem: 123). Além disso, analisaremos os procedimentos de “adaptação”, que compreendem

as operações de citação, além da inevitável análise das operações de “compreensão”, que,

como o autor salienta, perpassam todas as operações.

2.2.1.1. As substituições

A substituição é uma das operações de “reformulação” e pode estar estritamente ligada

ao prestígio social das palavras. Preti (2003) compara a linguagem ao vestuário, para mostrar

que ambas podem valorizar ou desvalorizar seu usuário, de acordo com o uso de elementos de

maior ou menor prestígio social:

A valorização dos vocábulos, na escala do prestígio social, está diretamente ligada ao que se

costuma chamar de atitude lingüística do falante, isto é, o que julgamos ideal para o

comportamento lingüístico, ou seja, uma norma lingüística subjetiva, segundo a qual

estabelecemos critérios de aceitabilidade social da linguagem, assim como estabelecemos

critérios de aceitabilidade social do vestuário, nas diversas situações sociais em que o usamos

(Preti, 2003: 54)

Além disso, a modalidade em que se insere a linguagem - oral ou escrita - também

interfere na escolha lexical. Palavras consideradas adequadas numa conversação espontânea

podem causar estranheza num texto escrito, como, por exemplo, nos editoriais ou noticiários

políticos dos jornais, principalmente os “de elite”, nos quais há uma predominância da

variante culta (cf. Preti, 2003: 55).

O jornal Folha de S.Paulo, em seu Manual da Redação, por exemplo, assim se refere

à linguagem que deve ser adotada:

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O texto de jornal deve ter estilo próximo da linguagem cotidiana, sem deixar de ser fiel à

norma culta, evitando erros gramaticais, gíria, vulgaridade e deselegância.

Escolha a palavra mais simples e a expressão mais direta e clara possível, sem tornar o texto

impreciso. Palavras difíceis e construções rebuscadas dificultam a comunicação e tornam o

texto pedante (Manual da Redação, 2006: 77)

Sobre o emprego de gírias, de acordo com o Manual, deve ser evitado, exceto em

reprodução de declarações (cf. Manual da Redação, 2006: 72).

Ao procedermos à seleção lexical, ainda, estamos, ao mesmo tempo, construindo um

texto, construindo o sentido da palavra no texto e o sentido do texto. É o que afirma Hilgert:

O enunciador, em seu fazer enunciativo, faz escolhas lexicais para produzir os sentidos que

viabilizem os seus propósitos em relação ao enunciatário, na interação em desenvolvimento.

(Hilgert, 2003: 72)

Para Aquino, a escolha lexical feita pelo falante pode ser entendida “não como algo

que ocorre fortuitamente no discurso, mas perfeitamente concatenada aos demais elementos

que o organizam” (Aquino, 2003: 199).

Além da substituição de nomes comuns, pode ocorrer, numa retextualização, a

substituição de nomes próprios, que pode ser dar, entre outras coisas, a) por nome

acompanhado de determinante demonstrativo, em que “o grupo nominal com determinante

designa de maneira direta um referente apresentado como próximo do ato de enunciação,

presente seja no cotexto, seja no contexto não lingüístico.” (Maingueneau, 2004: 187) e b)

por descrições definidas, cuja diferença, aqui, está entre designação direta do referente, no

caso do uso de nomes próprios, e designação indireta, no uso de descrições definidas (idem:

183).

A substituição de vocábulos no processo de retextualização, como afirmam os

estudiosos, deve ser vista com cuidado, já que eles participam da construção do sentido do

texto.

A mudança de estrutura sintática, outra das operações de “reformulação”, implica em

alteração do sentido:

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(...) pode-se dizer que escolhas sintáticas equivalem a escolhas semânticas. Daí haver, nas

retextualizações que interferem na ordem sintática, uma interpretação subjacente que pode

levar a uma outra força ilocutória (produção de outros atos de fala, outras intenções etc.)

(Marcuschi, 2003-b: 86)

Garcia (1988) ratifica essa posição, afirmando que tanto a escolha da oração principal

quanto a sua posição dentro do período não são tarefas gratuitas, pois seguem normas que

levam em conta a lógica do raciocínio e a expressividade:

Uma dessas normas – a que já nos referimos de passagem – recomenda que se coloque, sempre

que possível, nas extremidades do período, os termos ou orações a que se queira dar maior

relevo (1988: 48).

A questão da relevância, como vimos, é central na mudança na ordem dos termos do

período, porque revela a posição do enunciador em relação ao DR.

2.2.1.2. As eliminações

Um dos procedimentos mais comuns nas retextualizações é a eliminação. Pelo fato de

o planejamento da fala ocorrer ao mesmo tempo em que a sua realização, é grande a

ocorrência de descontinuidades em sua formulação:

A descontinuidade, como o próprio termo já diz, consiste numa interrupção do fluxo

formulativo, atribuída, em princípio, ao fato de o falante não encontrar uma alternativa de

formulação imediata e definitiva, o que caracteriza, segundo ANTOS (1982, p. 160), um

“problema de formulação” (Hilgert, 2001: 108)

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As operações iniciais do modelo de Marcuschi, aquelas que dizem respeito às

atividades de “idealização”: eliminação, completude e regularização, visam à regularização

dos fenômenos de (des)continuidade sintática, como hesitações, correções, marcadores

conversacionais, repetições e truncamentos (idem: 61).

Além dos procedimentos de regularização lingüística, ocorrem, na retextualização, a

eliminação dos fenômenos que caracterizam a (des)continuidade discursiva, tais como as

digressões e inserções incompreensíveis, visando à regularização discursiva.

Propomos uma análise das eliminações partindo desse critério. No plano da

(des)continuidade sintática, analisaremos a eliminação de três procedimentos: a paráfrase, a

repetição e a correção, os quais, enquanto atividades de formulação textual, visam à

compreensão do ouvinte e têm “o papel específico de reformular passagens do texto com

vistas à formulação adequada e, em decorrência, à garantia da compreensão por parte do

ouvinte.” (Hilgert, 2001: 126). Nesse sentido, estamos no âmbito da interação e, sem

podermos nos alongar demais no assunto que é bastante complexo, queremos assinalar que o

procedimento de reformulação, segundo Barros (1998: 48) “é sempre argumentativo ou

persuasivo-argumentativo”.

Parafrasear é um procedimento de reformulação em que se estabelece uma relação de

equivalência semântica entre dois enunciados. Essa equivalência pode variar desde um grau

mínimo até um grau máximo e o deslocamento de sentido pode variar do sentido geral para o

específico, havendo tendência à expansão lexical e sintática (paráfrase “expansiva”), do

sentido específico para o geral, com tendência à condensação lexical e sintática (paráfrase

“redutora”) e, por fim, com a mesma dimensão sintática e lexical (paráfrase “paralela”) (cf.

Hilgert, 2001: 114). O que veremos, em nosso corpus, são paráfrases auto-iniciadas, aquelas

em que o interlocutor parafraseia o próprio enunciado e o jornal, por questão de economia,

escolhe um dos enunciados e elimina o outro.

A correção, outro procedimento de reformulação textual, tem como objetivo consertar

os “erros” de um discurso:

O “erro” deve ser entendido como uma escolha do falante – lexical, sintática, prosódica, de

organização textual ou conversacional – já posta no discurso e que, por razões diversas, ele

e/ou seu interlocutor consideram inadequada (Barros, 2001: 136).

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Distinguir entre os procedimentos de parafraseamento e correção nem sempre é tarefa

fácil ou possível. Barros recomenda essa distinção a partir da análise do objetivo da

reformulação:

Pela organização mais global da conversação pode-se, na maior parte das vezes, definir se o

objetivo da reformulação foi marcar a intenção do locutor com uma diferença de sentido, na

correção, ou assinalar essa intenção, por reforço, com a paráfrase (2001: 138)

Para o que nos interessa na análise que ora empreendemos, fazer a distinção entre uma

ou outra não é o mais importante, mas, isso sim, o que a sua eliminação provocou no sentido

do enunciado.

A repetição, por sua vez, pode ser um recurso de produção do enunciado ou um

procedimento discursivo, com o objetivo, por exemplo, de construir relações de afinidade ou

de enfatizar o argumento utilizado (cf. Barros, 1998: 67). A sua eliminação, portanto, deverá

ser vista com bastante cuidado.

No plano da (des)continuidade discursiva, encontramos a digressão, que, segundo

Andrade,

é uma estratégia por meio da qual os interlocutores conduzem o texto, manifestando na

materialidade lingüística o quadro de relevâncias acionado na situação enunciativa. O

deslocamento e conseqüente focalização de um novo ponto no domínio de relevâncias se

instaura a partir da percepção de um dos participantes e se efetiva por meio de marcas formais

que apontam para algo que estava no entorno e que agora é inserido no contexto situacional.

(2000: 100)

A digressão pode ser considerada do ponto de vista de ação ou sob o enfoque

interacional, funcionando, nesse caso, como estratégia que visa a determinados efeitos de

sentido (idem: 100). A digressão pode ser de três naturezas: lógico experiencial, interpessoal e

retórica, de acordo com o seu propósito. No primeiro caso, o propósito é de natureza pessoal,

em que o enunciador direciona o foco de seu discurso para uma experiência vivida por ele. Na

digressão interpessoal, o propósito é de ordem contextual. A digressão retórica contribui para

a produção lingüística e subdivide-se em didática, cuja relevância é de ordem

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metaconversacional ou metalingüística, e persuasiva, a qual tem a intenção de manipular uma

pergunta (cf. Andrade, 2000).

Eliminar trechos de uma entrevista, quer seja visando à regularização lingüística ou

discursiva, pode acarretar grandes alterações no sentido do enunciado.

O jornal Folha de S.Paulo, em seu Manual da Redação, não é exato quanto a esse

procedimento. A respeito da “declaração textual”, ele assim se pronuncia:

A reprodução das declarações deve ser literal. Só podem ser reproduzidas entre aspas frases

que tenham sido efetivamente ouvidas pelo jornalista, ao vivo ou em gravações. (...) Na

reprodução de declaração textual, seja fiel ao que foi dito, mas, se não for de relevância

jornalística (grifo nosso), elimine repetições de palavras ou expressões da linguagem oral:

hum, é, ah, né, tá, sabe?, entende?, viu? Para facilitar a leitura (grifo nosso), pode-se suprimir

trecho ou alterar a ordem do que foi dito – desde que respeitado o conteúdo. (Manual da

Redação, 2006: 39)

Ao mesmo tempo em que defende a literalidade da declaração, o jornal aceita que se

façam eliminações e alterações seguindo-se os duvidosos critérios de “relevância jornalística”

e de facilitação da leitura, sem esclarecê-los. Desse modo, o jornalista passa a ter a liberdade

de fazer as alterações que quiser, respaldado por esses critérios.

A respeito da concisão, considerada uma das prioridades dos jornais, a Folha ensina:

“Tudo o que puder ser dito em uma linha não deve ser dito em duas” (Manual da Redação,

2006: 59).

Portanto, a análise das eliminações encontradas em nosso corpus retextualizado, em

comparação com nosso corpus transcrito, poderá nos revelar até que ponto esse procedimento

interfere no sentido que o entrevistado quis imprimir às suas declarações.

Outra operação de “reformulação” bastante comum em retextualizações é a

denominada por Marcuschi “estratégia de estruturação argumentativa”, a qual

se dá em especial em textos mais complexos em que o aspecto argumentativo predomina ou em

diálogos para os quais se sugere uma retextualização mais global sem atenção para detalhes

informacionais. (Marcuschi, 2003-b: 86)

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Cabe observar que os “detalhes informacionais” aos quais se refere Marcuschi podem

muito bem fazer parte da estruturação argumentativa do falante. É muito comum, nos

diálogos, o ato de narrar fatos que têm ligação com o tema tratado, para marcar as afirmações

que vão sendo feitas durante a conversação (cf. Preti, 2004: 21) Tal recurso é muito

freqüente em entrevistas e pode ser visto como estratégia que legitima o enunciado. Ao

realizar uma retextualização mais global, podemos estar interferindo no sentido desse próprio

enunciado.

2.2.1.3. O tratamento dos turnos

Além dessas atividades de “idealização” e de “reformulação”, existem, ainda, as

atividades de “adaptação” e de “compreensão”. Marcuschi propõe, no primeiro caso,

operações especiais para o tratamento dos turnos:

Técnica I: manutenção dos turnos

Transposição dos turnos tal como produzidos, abolindo as sobreposições e seguindo, no geral,

as operações 1, 2, 3 e 5 do modelo, mas com uma seqüenciação por falantes, introduzindo

segmentos encadeadores a título de contextualização, podendo haver fusão de turnos,

sobretudo os repetidos.

Técnica II: transformação dos turnos em citação de fala

Eliminação dos turnos com acentuada manutenção das falas num texto sem a estrutura

dialógica geral, mas com indicação precisa de autoria das falas e com a aplicação das

operações 1-6 do modelo.

Técnica III: transformação dos turnos em citação de conteúdo

Eliminação dos turnos e introdução generalizada das formas do discurso indireto, com citação

de conteúdos através dos verbos dicendi e surgimento de um texto totalmente monologado,

com reordenação dos conteúdos e do léxico, aplicando-se as operações 1-9 do modelo.

(Marcuschi, 2003-b: 89)

A técnica I é o caso típico das entrevistas publicadas na íntegra, em que se prevê a

manutenção dos turnos. Na técnica II, faz-se presente o DD. Na técnica III, temos a presença

do DI. Essa é a técnica na qual ocorre o maior número de reformulações, substituições

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lexicais e inserções. As técnicas II e III são as mais utilizadas, já que é muito comum, em

entrevistas publicadas em jornais e revistas, termos a eliminação de partes da entrevista, as

quais aparecerão nos resumos iniciais ou nos títulos (idem: 89-91).

O tratamento dos turnos também é contemplado em nossa análise, pois a opção pela

manutenção dos turnos, a transformação dos turnos em citação de fala ou em citação de

conteúdo não é aleatória e tem objetivos essencialmente argumentativos.

As atividades de “compreensão”, por fim, distribuem-se ao longo das operações

anteriores, “já que para poder transformar um texto é necessário compreendê-lo ou pelo

menos ter uma certa compreensão dele” (Marcuschi, 2003-b: 70).

Ao tratarmos das atividades acima, como aponta o próprio Marcuschi, acabamos por

entrar no nível do discurso:

usar uma expressão mais familiar ou mais erudita, uma sintaxe mais elaborada ou menos

elaborada, é uma decisão da alçada do discurso (pragmática, sociolingüística, estilística etc.) e

não da forma lingüística em si. Mas não convém ignorar que mesmo neste caso estamos ainda

no contexto da língua e, por isso, do lingüístico (Marcuschi, 2003-b:68)

2.3. O discurso

A noção de sujeito tem sido, ao longo da história da AD, o grande pilar dos estudos da

língua, a reger avanços na maneira de concebê-la. Tal noção só foi possível a partir do

momento em que se passou a considerar o uso efetivo da língua como o objeto empírico das

teorias lingüísticas (cf. Dijk, 1999: 11). É quando, segundo Brandão, “o sujeito passa a ocupar

uma posição privilegiada, e a linguagem passa a ser considerada o lugar da constituição da

subjetividade” (Brandão, 2004: 54).

A esse respeito, afirma Benveniste:

Muitas noções da lingüística, talvez até da psicologia, aparecerão sob nova luz se as

colocarmos no âmbito do discurso, que é a língua enquanto assumida pelo homem que fala e na

condição de “intersubjectividade”, a única que torna possível a comunicação lingüística.

(Benveniste, 1992: 57)

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2.3.1. A subjetividade a partir de Benveniste: a questão da enunciação e da polifonia

Benveniste, um dos estudiosos cujo pensamento influenciou mudanças na análise da

linguagem, assinala que se deve fazer uma distinção entre o “emprego das formas”, até então

o objeto de estudo das descrições lingüísticas e refletido nas nomenclaturas morfológicas e

gramaticais, e entre o “emprego da língua”,

um mecanismo total e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a língua inteira. A

dificuldade é apreender este grande fenômeno, tão banal que parece se confundir com a própria

língua, tão necessário que nos passa despercebido” (Benveniste, 1989: 82).

Dessas reflexões, surge o conceito de “enunciação”, que, para o autor, “é este colocar

em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (idem), sendo essa sua

condição específica.

Existem elementos necessários para a realização do processo da enunciação: um

“locutor”, o qual se apropria da língua. No momento em que ele se instala, surge o “outro”,

independentemente de sua presença. O terceiro elemento para a realização da enunciação é a

“referência”, uma vez que a língua exprime uma relação com o mundo:

O ato individual de apropriação da língua introduz aquele que fala em sua fala. Este é um dado

constitutivo da enunciação. A presença do locutor em sua enunciação faz com que cada

instância de discurso constitua um centro de referência interno. Esta situação vai se manifestar

por um jogo de formas específicas cuja função é de colocar o locutor em relação constante e

necessária com sua enunciação. (Benveniste, 1989: 84)

Para Pauliukonis, dessas condições, derivam as seguintes conseqüências teóricas que

são a grande contribuição de Benveniste para os estudos da língua: “a referenciação

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lingüística só se concretiza no ato enunciativo e a significação tem no sujeito sua principal

fonte geradora de sentido.” (2003:38/39)

Benveniste completa:

A linguagem é, pois, a possibilidade da subjectividade, porque contém sempre as formas

lingüísticas apropriadas à expressão desta, e o discurso provoca a emergência da

subjectividade, pelo facto de consistir em instâncias discretas. A linguagem propõe, de certo

modo, formas “vazias” de que cada locutor se apropria em situação de discurso, e que relaciona

com a sua “pessoa”, definindo-se ao mesmo tempo como eu e definindo um parceiro como tu.

(1992: 53-54)

A partir dessas reflexões, podemos, também, distinguir dois conceitos de fundamental

importância para o estudo do discurso, enunciado e enunciação, que são entendidos numa

perspectiva de oposição, como propõe Maingueneau, para quem “enunciado se opõe a

enunciação da mesma forma que o produto se opõe ao ato de produzir; nesta perspectiva, o

enunciado é a marca verbal do acontecimento que é a enunciação.” (2004: 56)

O enunciado tem estatuto pragmático e existem marcas lingüísticas que sustentam esse

estatuto, dentre elas, as marcas de tempo e pessoa e os pronomes demonstrativos, que

possuem valor dêitico e ancoram os enunciados na situação de enunciação.

Considerar cada enunciação como um ato único, impossível de ser reproduzido, é uma

das características essenciais do discurso, pois o discurso é contextualizado. É por essa razão,

segundo Maingueneau, que

não se pode verdadeiramente atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto; o ‘mesmo’

enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois discursos distintos. (2004:54)

Tais reflexões acerca da enunciação são de fundamental importância para a análise que

pretendemos fazer, pois reproduzir enunciados é uma das atividades do jornal, o que acarreta

a criação de novas enunciações.

Gavazzi e Rodrigues completam afirmando que

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devemos atentar para o fato de que um texto informativo esconde, muitas vezes, uma forte

argumentação que se concretiza, sobretudo, pela escolha lexical determinada por uma tese

subjacente. A fala de interlocutores, incorporadas a um novo texto, revela-se como uma forte

prova argumentativa na busca de um objetivo persuasivo. O narrador/jornalista, no nosso caso,

impõe uma visão de mundo ao leitor, sustentando-a através de marcas que um leitor proficiente

não deixará escapar. (2003: 60)

Aos enunciados vincula-se o que se chama de força ilocutória ou pragmática, ou seja,

eles são realizados para agir sobre os outros. Um discurso eleitoral, por exemplo, tem o valor

de “Vote em mim” (cf. Charaudeau e Maingueneau, 2004: 73). Quando uma pessoa é

entrevistada, ao produzir seus enunciados, ela pretende agir sobre o entrevistador e sobre

aqueles que o lerão.

As reflexões acerca da subjetividade da linguagem acabaram por influenciar o

pensamento de Bakthin, cujo pilar da concepção de linguagem é o chamado dialogismo (cf.

Galembeck, 2002:69). Tal concepção diz respeito ao caráter interativo de todo discurso:

Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que

procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o

produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em

relação ao outro. (Bakhtin, 1981: 113)

Quando o enunciador profere um enunciado, dirige-se a uma instância, real ou virtual,

para a qual orienta seu discurso e, de certa forma, acaba por orientá-lo (cf. Maingueneau,

2004:54). É por essa razão que não se pode admitir uma instância passiva, que apenas recebe

o discurso sem agir sobre ele. Admite-se a existência de um co-enunciador, parceiro do

enunciador na construção do discurso e é essa característica a base da moderna teoria

lingüística da concepção de sujeito.

O termo polifonia entrou para a pragmática lingüística para designar, “dentro de uma

visão enunciativa do sentido, as diversas perpectivas, pontos de vista ou posições que se

representam nos enunciados” (Koch, 2003: 64-65).

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É o que afirma Pauliukonis (2003: 39):

Ao lado de um sujeito histórico, deve-se atentar para um sujeito ideológico, cuja fala é um

recorte das representações sociais de seu tempo, ou um sujeito heterogêneo que insere outras

vozes em seu discurso e delas se utiliza em suas argumentações.

Assim, a polifonia passa a ser vista como recurso interferente no sentido de um

enunciado e estratégia em textos opinativos “quando usada como endosso, ou como ponto de

vista a questionar, nos textos argumentativos” (Angelim, 2003: 15). Do mesmo modo, abre

uma nova perspectiva no plano da enunciação: a de que vários planos se articulam,

constituindo o que Authier-Revuz (2001) vai denominar “heterogeneidade enunciativa”.

2.3.2. A subjetividade em Authier-Revuz: o discurso relatado e a questão da autonímia e da

modalização autonímica

Um discurso nunca está só, ele sempre se constrói a partir de algo que já foi dito,

segundo o dialogismo bakthiniano. É o que Authier-Revuz denomina “heterogeneidade

constitutiva” de todo discurso, “designando com isso a presença permanente, profunda, de

‘outros lugares’, do ‘já dito’ dos outros discursos condicionando todas as nossas palavras e

ressoando nelas.” (2001: 135)

A par dessa presença efetiva do “outro” no discurso, existem as formas que a autora

denomina da “heterogeneidade mostrada”, que se referem à representação, num discurso, de

um outro discurso, como, por exemplo, o DR.

Authier-Revuz (2001) considera parcial a descrição tradicional do DR em DD, DI e

discurso indireto livre (DIL) evocada tradicionalmente. Segundo a autora, ampliando o leque

de opções da gramática tradicional, várias são as formas de se relatar um discurso dentro de

outro discurso:

a) modos explícitos de representação, que se compõem de formas marcadas,

unívocas, e de formas marcadas que exigem um trabalho interpretativo; o primeiro

caso compreende o DD, o DI e a modalização em discurso segundo sobre o

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conteúdo e sobre as palavras. No caso das formas que exigem um trabalho

interpretativo como referência a outro discurso, encontramos o conjunto das aspas,

itálico, entonação e modalização autonímica.

b) formas puramente interpretativas, que compreendem o discurso direto livre, o DIL,

as citações escondidas, alusões, reminiscências.

Nesse ponto, façamos a distinção entre dois conceitos fundamentais para o estudo do

DR: autonímia e modalização autonímica. A autonímia refere-se ao uso do signo para falar

dele mesmo e possui duas propriedades essenciais: a) poder ocupar qualquer função na frase,

independentemente da classe gramatical a que pertença; b) não possuir sinônimos. Nesse

sentido, diz-se que a autonímia faz “menção” a um termo e é dessa característica que deriva o

DD:

No DD, o enunciador relata um outro ato de enunciação e, usando suas próprias palavras na

descrição que faz da situação de enunciação e (quem fala, a quem, quando...?), ou seja, naquilo

que chamamos sintagma introdutor, mas faz menção às palavras da mensagem que relata

(Authier-Revuz, 2001: 139).

Na modalização autonímica não há somente menção, como no caso do DD, mas uso

com menção. Isso ocorre quando, ao mesmo tempo em que empregamos um signo no fio do

discurso, chamamos a atenção para o fato de o estarmos empregando, ou seja, falamos de uma

coisa, por exemplo, “casa” e, ao mesmo tempo, falamos da palavra “casa” (idem, 141).

A modalização autonímica é empregada com diferentes propósitos. Authier-Revuz

(2001: 20-21) assinala quatro campos de “não-coincidência” do dizer:

a) não-coincidência interlocutiva entre dois co-enunciadores;

b) não-coincidência do discurso consigo mesmo, afetado pela presença em si de outros

discursos;

c) não-coincidência entre as palavras e as coisas;

d) não-coincidência das palavras consigo mesmas, afetadas por outros sentidos, por outras

palavras, pelo jogo da polissemia, da homonímia etc.

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Dentre os quatro campos acima, nosso trabalho insere-se naquele que a autora

denomina “não-coincidência do discurso consigo mesmo”. Segundo a autora, esse campo

marca uma fronteira entre ele e um outro discurso:

Assinalando entre suas palavras a presença estranha de palavras marcadas como pertencendo a

um outro discurso, um discurso esboça em si o traçado – assinalando uma “interdiscursividade

representada” – de uma fronteira interior/exterior. (idem: 23)

Um caso especial de modalização autonímica, aquele que nos interessa, é a “ilha

textual em DI”, que Authier-Revuz define como sendo

um caso de imagem particular de funcionamento do sinal de modalização autonímica: aquela

extremamente freqüente na imprensa, em particular, na qual um DI, relatando um outro ato de

enunciação num modo que é o seu, ou seja, o da reformulação, assinala, localmente, um

elemento como “não traduzido”, como fragmento conservado da mensagem de origem (2001:

142).

É muito comum, na comunicação entre as pessoas, a citação do discurso alheio, quer

seja em uma conversa informal ou discursos proferidos por autoridades, quer seja na

literatura, nas cartas, na imprensa. No último caso, o discurso alheio representa grande parte

do material publicado. Maingueneau (2004:138) denomina “discurso citante” o enunciado

jornalístico, a “voz do jornalista”, e “discurso citado” a “voz do outro”, aquele a quem o texto

jornalístico se refere. Assim, quando se trata da citação do discurso alheio, não se trata de

reprodução desse discurso, mas de uma enunciação sobre outra enunciação (idem:139). No

mesmo sentido, afirma Bakhtin (1981: 144):

O discurso citado é o discurso no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo

tempo, um discurso sobre o discurso, uma enunciação sobre a enunciação.

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Ao citar o discurso alheio o jornalista relata todo um ato de enunciação, cujos

elementos envolvidos são:

um ato de enunciação E, definido por um par de interlocutores L, R, uma situação SIT, com

seu Tempo, Lugar e, entre a infinidade de dados referenciais, um acontecimento particular que

é o ato de enunciação e que é objeto da mensagem M de E; e sendo ele mesmo, definido por l,

r, sit... (Authier-Revuz, 2001:146)

Para não pairarem dúvidas quanto à simbologia adotada, reforçamos:

Num dado discurso que contém a mensagem M, entre dois pares de interlocutores L e

R, ocorrido numa determinada situação SIT, com seu tempo T, seu lugar L e outros dados

referenciais, ocorre uma referência a um outro discurso que contém a mensagem m, entre dois

pares de interlocutores l e r, ocorrido numa determinada situação sit, com seu tempo t, seu

lugar l e outros dados referenciais.

O jornalista não relata somente o que o outro disse, mas toda a situação de enunciação

em que essa fala estava inserida: o par de interlocutores, quando, onde, como. Toda essa

descrição, porém, por mais minuciosa que seja, não consegue restituir completamente o ato de

enunciação citado. Para Authier-Revuz,

o que caracteriza todo DR (DD ou DI) é que a situação de enunciação e na qual e através da

qual a mensagem m de e ganha sentido não é um dado de fato, como em um ato de fala

ordinário, mas está presente apenas pela descrição que L faz dela em M (2001:148).

Portanto, o ato de enunciação citado somente pode ser descrito pelo enunciador e não

reproduzido. É a conclusão a que chega Venâncio (2002:33), ao fazer, em sua dissertação de

mestrado, um balanço das diferentes abordagens do discurso citado direto (DCD),

considerando o enunciado citado uma reconstrução do discurso original. Para Venâncio, em

seu trabalho,

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todos os enunciados citados apresentados sob o esquema de citação do DCD, serão

considerados reconstruções operadas pelo locutor citante, as quais passam a participar da

construção de seu discurso com finalidades específicas (pelo desempenho de diferentes

funções) (2002: 34)

Dentre os modos explícitos de representação do discurso elencados por Authier-Revuz

interessa-nos o estudo de uma das formas marcadas, unívocas, de representação do DR, no

caso o DD, e uma das formas marcadas que exigem um trabalho interpretativo, no caso a “ilha

textual em DI”. Salientamos que, nos dois casos, privilegiamos o uso das aspas, que são,

segundo Authier-Revuz (2001: 19), um dos tipos formais de modalização autonímica. São

elas que indicam a menção ao enunciado (cf. Maingueneau, 2004: 157).

Resta-nos mais uma consideração acerca do DR: o fato de que é muito comum, nas

entrevistas, que o entrevistado relate enunciações passadas suas e de outras pessoas, seus

interlocutores de então. Ao fazer isso, porém, o faz carregado de subjetividade, pois age como

um “filtro” dessas enunciações, “fazendo prevalecer as suas próprias interpretações dos

acontecimentos e dos discursos passados” (Carreira, 2001: 161). Tal procedimento é bastante

freqüente em nosso corpus, principalmente no que se refere ao uso do DD.

2.3.2.1. O discurso direto

A descrição tradicional do DD o define como sendo uma forma de expressão “em que

o personagem é chamado a apresentar as suas próprias palavras” (Cunha, 1972: 623),

reproduzindo-as. Suas características são, no plano formal, a presença dos verbos dicendi

para indicá-lo ou, na falta deles, a recorrência ao contexto e a recursos gráficos como dois

pontos, aspas, travessão e mudança de linha. No plano expressivo, sua característica é a

capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação o personagem, tornando-o vivo

para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de

indicador das falas” (idem: 624-625).

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Fazemos, aqui, duas ressalvas da visão tradicional dessa forma de citação do discurso

alheio: a primeira, que considera o DD uma “reprodução” da fala e a outra, que relega ao

enunciador do discurso citado uma função de mero indicador das falas, sem considerar a sua

interferência no sentido da enunciação, por exemplo, quando utiliza os verbos de elocução ou

procede à descrição da situação de enunciação.

Para Othon M. Garcia, tanto o DD quanto o DI servem para expressar o pensamento

do personagem real ou imaginário. No caso do DD, “o narrador reproduz (ou imagina

reproduzir) textualmente as palavras” (1988: 129) das personagens, ao passo que, no DI,

transmite-se a essência do pensamento.

Platão e Fiorin (1990: 184) atentam para o fato de que o narrador, quando opta pelo

DD, “cria um efeito de verdade, dando a impressão de que preservou a integridade do

discurso citado e a autenticidade do que reproduziu”, ou seja, já se faz a ressalva de que o DD

não é literal.

Foi a alteração do campo de estudo da língua, da frase para o discurso, que

possibilitou a inclusão de componentes ao discurso como a presença do outro e o conseqüente

questionamento quanto à literalidade do DD, possibilitando uma nova ótica ao seu estudo.

Uma das pioneiras nesse estudo foi Authier-Revuz, que, a respeito do DD, anota que

ele não pode ser considerado como ‘objetivo’, na medida em que reproduzir a materialidade

exata de um enunciado não significa restituir o ato de enunciação – do qual o enunciado é

(apenas) o ‘núcleo’ – na sua integralidade (2001: 134).

Segundo Maingueneau (2004: 140),

o discurso direto (DD) não se contenta em eximir o enunciador de qualquer responsabilidade,

mas ainda simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as

duas situações de enunciação: a do discurso citante e a do discurso citado.

Quanto à questão da fidelidade do DD, o referido autor (1993: 85) afirma que ele deve

ser visto como a teatralização de uma enunciação, ressaltando o fato de que o DD pode relatar

uma enunciação sonhada ou futura, por exemplo, e, mesmo nos casos em que essa enunciação

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tenha sido efetivamente proferida, “trata-se apenas de uma encenação visando criar um efeito

de autenticidade” (2004: 141).

Abandonada, portanto, a idéia de literalidade e objetividade do DD, percebemos que

sua escolha, em qualquer situação de comunicação, aponta para alguns objetivos

essencialmente argumentativos, dentre eles:

a) a intenção de criar autenticidade;

b) a intenção de distanciar-se daquilo que foi dito, ou porque o enunciador não quer

assumir para si essa responsabilidade ou por respeito à autoridade de quem disse;

c) e, por último, para mostrar-se objetivo. (cf. Maingueneau, 2004:142)

O mesmo afirma Leite (2005: 85):

O discurso direto é uma estratégia discursiva escolhida pelo sujeito falante por dois motivos

principais: porque é eficaz para imprimir o efeito de sentido de verdade, de realidade, de

objetividade que a situação exige, ou porque o momento interacional em sua plenitude aceita,

ou exige, que o conteúdo venha acompanhado de pormenores, da simulação da enunciação em

que apareceu originalmente o discurso citado.

A questão do uso do DD como estratégia discursiva fica ainda mais clara quando o

enunciador do discurso citado o emprega para referir-se a falas suas ou de outras pessoas, com

o objetivo, dentre outras coisas, de convencer o seu interlocutor daquilo que ele diz (cf. Leite,

2005: 90). Segundo a autora,

o discurso citado é mais freqüente quando o sujeito falante constrói seu texto no modo

narrativo, quando relembra acontecimentos/eventos ou faz projeções de ações que poderiam ter

acontecido daquela maneira como são relatadas, não importando para isso se a fala citada é a

sua própria ou de outrem. (idem: 92)

O que devemos, sempre, ter em mente, é que, mesmo que a citação seja textual, o que

se está reproduzindo é uma enunciação inserida numa nova enunciação. Por mais detalhada

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que seja a descrição da situação de enunciação relatada, nunca ela será como a própria

enunciação. Para Maingueneau (2004: 141),

por mais que seja fiel, o discurso direto é sempre apenas um fragmento de texto submetido ao

enunciador do discurso citante, que dispõe de múltiplos meios para lhe dar um enfoque pessoal.

Esse enfoque pessoal remete-nos à questão da subjetividade inerente à linguagem.

Para Brandão, “se toda enunciação é um ato de apropriação da língua, impõe-se,

necessariamente, a figura de um sujeito, de alguém que pratica o ato de apropriação.” (2004:

58)

Ao se apropriar da linguagem para relatar um outro ato de enunciação, o enunciador,

necessariamente, faz operações de seleção e de interpretação. Informar a opinião de alguém,

portanto, é sempre apresentar um discurso interpretado (cf. Marcuschi, 1991:78). Essa

interpretação se dá de três maneiras:

A) interpretação explícita, em que há um comentário feito pelo redator da notícia;

B) interpretação implícita, que é feita pela seleção dos verbos que introduzem opiniões ou por

expressões equivalentes, sem um comentário adicional;

C) interpretação pela seleção do que é informado. O fato de se prestar uma e não outra parte

das opiniões de alguém já é uma forma de interpretar o discurso através da omissão. A

simples seleção é, pois, um tipo especial de interpretação pelo interesse. (idem)

Detenhamo-nos um pouco neste ponto. A interpretação explícita, no que diz respeito à

informação de opinião no jornal, não é muito comum, já que aparentar objetividade é uma

busca incessante dos veículos de comunicação, que preferem deixar que os fatos falem, sem

emitir juízo (explícito) de valor, exceto quando se trata de artigo em editorial.

A terceira forma de interpretação de um discurso citado, a interpretação pela seleção

do que é informado, abrange um fato que em nada pode ser desprezado: a escolha é de plena

consciência dos jornalistas (cf. Marcondes Filho, 1989:12).

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Quanto àquela interpretação que é feita quando da seleção dos verbos de elocução,

muito se tem a refletir.

2.3.2.2. Os verbos de elocução

Consideramos, concordando com Marcuschi (2003-b: 47), que, quando citamos um

discurso alheio, passamos inevitavelmente, em primeira instância, pelo processo de

compreensão do que foi dito. Além disso, ao introduzirmos esse discurso por meio dos verbos

de elocução, continuamos a interferir na interpretação desse mesmo discurso, uma vez que a

seleção lexical pode variar de uma aparente neutralidade até uma explícita avaliação de

conteúdo. Para Marcuschi, “as estratégias jornalísticas para relatar opiniões não são uma mera

questão de estilo, pois as palavras são instrumentos de ação e não apenas de comunicação.”

(1991:92)

É muito comum o uso de verbos para indicar o interlocutor que está com a palavra, os

chamados verbos “de elocução”, que Othon M. Garcia classifica em dicendi ou declarandi e

sentiendi, genitivos do gerúndio dos verbos dicere, declarare e sentire, que significam,

respectivamente: “de dizer”, “de declarar”, “de sentir” (1988:130). Os verbos de elocução

pertencem, segundo o autor, a nove áreas semânticas:

a) de dizer (afirmar, declarar);

b) de perguntar (indagar, interrogar);

c) de responder (retrucar, replicar);

d) de contestar (negar, objetar);

e) de concordar (assentir, anuir);

f) de exclamar (gritar, bradar);

g) de pedir (solicitar, rogar);

h) de exortar (animar, aconselhar);

i) de ordenar (mandar, determinar). (Garcia, 1988: 131)

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Os verbos citados são, segundo o autor, os mais comuns de sentido geral, mas existem

também, em cada área, aqueles de sentido específico, mais caracterizadores da fala, que ele

classifica como os verbos “de sentir”, como gemer, suspirar, queixar-se, explodir:

Esses e seus similares constituem uma espécie de vicários dos dicendi, com função

predominantemente caracterizadora de atitudes, gestos ou qualquer manifestação de conteúdo

psíquico (Garcia, 1988: 133).

Ainda a respeito dos verbos de elocução, Urbano também os distingue. Para ele, há

aqueles básicos e neutros, como “falar” e “dizer”, que freqüentemente introduzem a fala

citada:

Consideramos que são básicos e neutros, em contraste com eventuais substitutos

modalizadores, como “gritar, murmurar, pedir” e muitos outros, que, ao mesmo tempo em que

informam o ato de falar ou dizer, acrescentam à descrição do ato enunciativo matizes

complementares do comportamento do falante: gritar = dizer gritando; murmurar = dizer

murmurando; cochichar = dizer em voz baixa; pedir = proferir um pedido. (2003: 141)

Como se vê, Urbano, assim como Garcia (1988: 133), assinala diferenças

significativas no emprego dos verbos de elocução. Do mesmo modo Maingueneau:

Geralmente esses introdutores de discurso direto não são neutros, mas trazem consigo um

enfoque subjetivo. Com efeito, o verbo introdutor fornece um certo quadro no interior do qual

será interpretado o discurso citado. Se um verbo como “dizer”, uma preposição como

“segundo” podem parecer neutros, não é esse o caso de “confessar” ou “reconhecer”, por

exemplo, que implicam que a fala relatada constitui um erro. (2004: 144)

Concordando com Maingueneau (2004), Gavazzi e Rodrigues (2003) afirmam que a

seleção dos verbos de elocução,

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além de meramente comunicar uma informação, estaria reproduzindo a ideologia predominante

no jornal, espelho da classe social a que se destina/a que serve. Manifesta-se, por inferência,

então, a visão de mundo dos sujeitos inscritos no discurso – a palavra passa a uma dimensão

que ultrapassa os limites do dizer. (2003: 52)

O jornal Folha de S.Paulo, a respeito do que ele denomina “verbos declarativos”,

recomenda:

Use apenas para introduzir ou finalizar falas dos personagens da notícia, não para qualificá-las

ou para insinuar opinião a respeito delas. Evite, assim, verbos como admitir, reconhecer,

lembrar, salientar, ressaltar, confessar, garantir, a não ser quando usados em sentido

estrito. Nenhum deles é sinônimo de dizer. Ao empregá-los de modo inadequado, o jornalista

confere caráter positivo ou negativo às declarações que reproduz, mesmo que não tenha a

intenção.

Use de preferência os verbos dizer, declarar, afirmar, os mais neutros, quando o objetivo for

apenas indicar a autoria de uma declaração (Manual da Redação, 2006: 104)

Como se vê, os efeitos de sentido causados pelos verbos de elocução são de pleno

conhecimento dos jornalistas e eles são orientados para terem cautela ao empregá-los.

Marcuschi (1991), em estudo acerca do que ele denomina verbos introdutores de

opiniões, faz duas distinções básicas entre os verbos dicendi: a sua “função” e a sua “ação”.

No primeiro caso, há uma função essencialmente organizadora dos verbos introdutores de

opiniões, que é a de “costurar” os argumentos do autor de um texto pré-existente (1991:89).

Gavazzi e Rodrigues atentam para o fato de que tais verbos marcam “a fronteira entre o

discurso citante e o citado, evidenciando duas enunciações” (2003: 53). Marcuschi sugere sete

classes gerais de funções organizadoras:

I - Verbos indicadores de posições oficiais e afirmações positivas:

“declarar”, “afirmar”, “comunicar”, “anunciar”, “informar”, “confirmar”, “assegurar”

II - Verbos indicadores de força do argumento:

“frisar”, “ressaltar”, “sublinhar”, “acentuar”, “enfatizar”, “destacar”, “garantir”

III - Verbos indicadores de emocionalidade circunstancial:

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“desabafar”, “gritar”, “vociferar”, “esbravejar”, “apelar”, “ironizar”

IV - Verbos indicadores de provisoriedade do argumento:

“achar”, “julgar”, “acreditar”, “pensar”, “imaginar”

V - Verbos organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso:

“iniciar”, “prosseguir”, “introduzir”, “concluir”, “inferir”, “acrescentar”, “continuar”,

“finalizar”, “explicar”

VI - Verbos indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos:

“comentar”, “reiterar”, “reafirmar”, “negar”, “discordar”, “temer”, “admitir”, “apartear”,

“revidar”, “retrucar”, “responder”, “indagar”, “defender”, “reconhecer”, “reconsiderar”,

“reagir”

VII - Verbos interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido:

“aconselhar”, “criticar”, “advertir”, “enaltecer”, “elogiar”, “prometer”, “condenar”, “censurar”,

“desaprovar”, “incentivar”, “sugerir”, “exortar”, “admoestar”

(Marcuschi, 1991: 89)

Tais verbos constroem um texto a partir de um outro texto relatado, assumindo

funções que nem sempre fazem justiça ao que foi dito originalmente (cf. Marcuschi, 1991: 90)

Nesse ponto, entramos no que ele denomina a “ação” dos verbos, uma vez que,

convenhamos, existe uma grande diferença, para além da variação lexical, entre a utilização

de “disse”, por exemplo, e “confessou”. Seguindo a mesma linha de Garcia (1988) e Urbano

(2003), Marcuschi (1991: 84) defende a hipótese de que esses verbos hierarquizam,

discriminam, classificam os autores do discurso citado.

Seguindo Maingueneau, Gavazzi e Rodrigues propõem que os verbos de elocução

podem ser descritivos e avaliativos. No primeiro caso, devem-se incluir os verbos “que situam

o discurso relatado na cronologia discursiva” (Gavazzi e Rodrigues, 2003: 57), como,

continuar, acrescentar, concluir etc., e aqueles “que indicam o tipo de discurso do

interlocutor ou modo de realização fônica do enunciado” (idem), como perguntar, responder,

descrever, murmurar etc. Quanto aos verbos avaliativos, as autoras postulam que estão “mais

ligados à credibilidade e à legitimidade do redator da matéria em relação ao seu entrevistado –

é ele quem traduz as intenções do seu interlocutor, segundo o seu próprio ponto de vista ou de

um grupo que ele representa” (idem: 58). Analisando os verbos sob essa perspectiva, a da

avaliação, estaríamos, portanto, no âmbito da ação de tais verbos, que revelariam a intenção

do enunciador do discurso citante nas seguintes categorias (cf. Gavazzi e Rodrigues, 2003:

57-59):

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a) Efeito de imparcialidade: aqui enquadram-se verbos como dizer, falar, declarar,

opinar etc., considerados “neutros” em relação a outros modalizadores, como observa Urbano

(2003: 141).

b) Valorização negativa: verbos como jurar, imaginar, garantir, acreditar, eximir-se,

sonhar, tentar justificar, choramingar, desconversar etc., ao serem empregados, desvalorizam

a fala do entrevistado, não lhe conferindo credibilidade.

c) Valorização positiva: nesse caso, enaltece-se a figura do entrevistado, colocando-o

em posição de superioridade, na qual ele pode aconselhar, explicar, pontificar, analisar,

diagnosticar, ensinar, ponderar, teorizar etc.

d) Polemização: os verbos desta categoria revelam o conflito existente entre pessoas e

grupos, contribuindo para acirrar ainda mais a discussão. São eles: ironizar, devolver (no

sentido de revidar uma ofensa/acusação), atacar, disparar, alfinetar, culpar, gozar, cutucar,

discordar, entre outros.

e) Solidariedade: utilizados quando o entrevistado encontra-se, segundo o jornalista,

em posição de injustiça social, solidarizando-se com sua causa: desabafar, queixar-se,

indignar-se, lamentar, pedir, lembrar.

Desse modo, acreditamos, seguindo os estudiosos citados, que o uso dos verbos de

elocução, ao agirem sobre a organização do discurso relatado, acabam por agir também sobre

a sua interpretação, configurando-se em poderoso instrumento de manipulação de idéias.

2.3.2.3. O uso das aspas

As aspas possuem, no discurso, diferentes funções e, dentre elas, uma função

organizadora: delimitar a fronteira entre o discurso citante e o discurso citado. Nesse sentido,

ela é vista como uma marca tipográfica, assim como os dois pontos, os travessões e o itálico

(cf. Maingueneau, 2004: 143) e pode ser encontrada no DD.

Além disso, também podem atuar como uma marca do discurso do outro, como no

caso da “ilha textual em DI”, “mas uma marca que deve ser interpretada como referência a

um outro discurso” (Authier-Revuz, 2001: 143).

Desse modo, o sentido a ser dado aos elementos entre aspas pode variar

significativamente, uma vez que, como já dissemos, o que um enunciador cria, ao citar um

outro discurso, é uma nova enunciação. Interpretar as aspas passa a ser uma atividade

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fundamental a ser desenvolvida pelo co-enunciador quando da leitura de um texto, “um sinal a

ser interpretado” (Maingueneau, 2004: 160). Daí decorre uma imprevisibilidade inerente ao

seu uso:

O valor semântico das aspas e o interesse que representam para a AD estão ligados

precisamente a este caráter imprevisível bem como à sua relação com o implícito. Colocar

entre aspas não significa dizer explicitamente que certos termos são mantidos à distância, é

mantê-los à distância e, realizando este ato, simular que é legítimo fazê-lo. Decorre daí a

eficácia deste mecanismo. (Maingueneau, 1993: 90)

O que se põe em jogo nesse uso é o respeito às “leis do discurso”: colocar, por

exemplo, elementos entre aspas para relatar o discurso alheio criando enunciações que não

correspondam à verdade poderia ser visto como um desrespeito a uma das leis do discurso, a

da sinceridade. O que ocorre, porém, é que esses procedimentos nunca se mostram às claras

no discurso, uma vez que o acordo entre enunciador e co-enunciador não é explícito. É o que

observa Maingueneau:

Isso não se faz por intermédio de um contrato explícito, mas por um acordo tácito, inseparável

da atividade verbal. Entra em ação um saber mutuamente conhecido: cada um postula que seu

parceiro aceita as regras e espera que o outro as respeite. Essas regras não são obrigatórias e

inconscientes como as da sintaxe e da morfologia, são convenções tácitas. ( 2004: 31)

Sob esse prisma, o uso das aspas passa a ser visto como mais um recurso utilizado

pelo enunciador na criação do sentido de seu enunciado. Ao empregá-las,

chama a atenção do co-enunciador para o fato de estar empregando exatamente as palavras que

ele está aspeando; salientando-as, delega ao co-enunciador a tarefa de compreender o motivo

pelo qual ele está assim chamando sua atenção e abrindo uma brecha em seu próprio discurso.

(Maingueneau, 2004: 161)

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2.3.3. A subjetividade e o texto jornalístico

Há uma tendência em se atribuir ao texto jornalístico características como

imparcialidade ou neutralidade, que, como vimos, não podem existir, porque ele, como

qualquer texto, está sujeito a todas as questões inerentes à própria linguagem, sendo a

subjetividade a principal. Do “acontecimento bruto”, como chama Charaudeau (2006) ou

“história real”, como prefere Pedro (1997), à “notícia” (Charaudeau, 2006) ou “apresentação

da história real” (Pedro, 1997), muitas são as variáveis que irão interferir no sentido dos

enunciados. Tais variáveis dizem respeito sobretudo à maneira particular que cada um tem de

ver o mundo e de representá-lo, expressando a sua identidade e percebendo a identidade do

Outro. A textualização desse mundo particular será sempre fruto de escolhas também

pessoais, que revelarão o posicionamento do enunciador e, no caso do texto jornalístico, o

posicionamento que ele pretende que seus leitores tenham diante da notícia (cf. Pedro, 1997:

294). Segundo Brait (1991: 85), o texto jornalístico, “assim como os demais textos, tem um

destino interpretativo, atua segundo estratégias e configura-se como uma cadeia de recursos

expressivos”.

As estratégias lingüístico-discursivas de que tratamos em nosso referencial teórico são

exemplos de como o jornalista dispõe de muitos meios para criar efeitos de sentido que

atendam aos seus objetivos: de escolhas lexicais, posição dos termos na frase, eliminações de

repetições, passando pelo recurso à polifonia como forma de argumentação, com a escolha do

DD e da “ilha textual em DI” dentre as várias formas de citação do DR e o uso das aspas e dos

verbos de elocução. Para Brait (1991: 86), é a partir da organização do plano da expressão que

se constroem os sentidos do texto, os quais revelarão o posicionamento do jornal e aquele que

ele pretende para os seus leitores.

Embora não tenha poder de decisão, e, por essa razão, não possa produzir um discurso

de poder, a imprensa exerce grande influência sobre a sociedade, pois vende um produto, a

notícia, a qual vai construir a opinião pública, cuja definição do ponto de vista das mídias,

para Charaudeau (2006: 123), não é uma tarefa fácil, pois ela depende do entrecruzamento

múltiplo de conhecimentos e crenças de um lado, e opiniões e apreciações de outro:

Os casos de corrupção, os problemas de sociedade (o véu islâmico), as grandes questões

internacionais (as catástrofes, as guerras) são tratados pela imprensa, pelo rádio e pela televisão

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utilizando-se, em graus variáveis, de hipóteses (não necessariamente conscientes) ora sobre as

possíveis opiniões e argumentos que circulam numa sociedade a respeito desses temas, ora

sobre os imaginários relativos a apreciações e crenças, como, por exemplo, os sentimentos de

generosidade, de justiça e de honestidade (idem).

O poder de influenciar a formação da opinião pública é a questão central no exercício

da mídia. A esse respeito, Fairclough (apud Pedro, 1997: 26) afirma:

O poder envolve controlo, nomeadamente de um grupo sobre outros grupos. Além do recurso à

força para o exercício do controlo da acção, o poder, hoje, utiliza formas muitas vezes bastante

eficazes, através da persuasão, da dissimulação ou da manipulação – os casos da publicidade,

dos media, do discurso político são disso exemplos paradigmáticos, estratégias que encontram

na produção textual a melhor garantia dessa eficácia.

Para Dijk (2005), existe uma distinção crucial entre persuasão e manipulação.

Enquanto a primeira é legítima, pois os interlocutores estão livres para aceitar ou não os

argumentos empregados pelos locutores, a manipulação é ilegítima, pois, nela, o papel dos

interlocutores é passivo e os manipuladores, por sua vez, fazem os interlocutores acreditarem

ou fazerem coisas de seu interesse8:

Esta conseqüência negativa do discurso manipulativo ocorre tipicamente quando os receptores

são incapazes de compreender as intenções reais ou de ver as amplas conseqüências da opinião

ou das ações defendidas pelo manipulador. Este pode ser o caso especialmente quando aos

receptores falta o conhecimento específico que pode ser usado para resistir à manipulação.

(Dijk, 2005) 9

8 “Without the negative associations, manipulation could be a form of (legitimate) persuasion. The crucial difference in this case is that in persuasion the interlocutors are free to believe or act as they please, depending on whether or not they accept the arguments of the persuader, whereas in manipulation recipients are typically assigned a more passive role: they are victims of manipulation.” 9 “This negative consequence of manipulative discourse typically occurs when the recipients are unable to understand the real intentions or to see the full consequences of the beliefs or actions advocated by the manipulator.”

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Feito pela elite e sobre a elite, normalmente responsável por acontecimentos relevantes

que se tornarão notícia, o jornal cria uma relação de dependência entre jornalistas e

informantes. Kunczik (1997: 259), ao refletir sobre essa relação, salienta:

Como responsáveis por informações de grande relevância (notícias), a elite social tem um

potencial relativamente grande de sanção e em geral é capaz de controlar muito bem o uso que

se dá à informação divulgada.

A Folha, em seu Manual da Redação, orienta que seus jornalistas tenham um “contato

regular com suas fontes de informação” (Manual da Redação, 2006: 19). Está criada a relação

de dependência à qual aludimos, relação essa que existiu em nosso corpus, pois as entrevistas

que o constituem foram dadas com exclusividade à Folha. Observar diferenças no trato da

notícia entre jornais diferentes pode nos mostrar essa relação que, para Kunczik, é intrínseca:

Para garantir um fluxo contínuo de informações, há entre os jornalistas uma tendência

fundamental no sentido de adotar os pontos de vista de suas fontes ao se emitir a informação

que delas se obteve. Por outro lado, os informantes conseguem publicidade, o que significa

poder estabelecer uma relação simbiótica entre os jornalistas e os informantes. (Kunczik, 1997:

260)

Apesar dessa relação “viciada”, a imprensa tenta se defender contra as pressões dessa

elite, buscando, entre outros mecanismos, na “objetividade”, essa defesa, quer seja somente

citando fontes confiáveis, quer seja buscando ouvir sempre os dois lados da notícia para

aparentar neutralidade. (cf. Kunczik, 1997: 261)

A Folha assim se pronuncia a respeito das fontes:

Hierarquizar as fontes de informação é fundamental na atividade jornalística. Cabe ao

profissional, apoiado em critérios de bom senso, determinar o grau de confiabilidade de suas

fontes e o uso a fazer das informações que lhe passam. (Manual da Redação, 2006: 37)

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Quanto a ouvir o outro lado, é a seguinte a posição da Folha: “Quando uma

informação é ofensiva ou contém acusações a uma pessoa ou entidade, ouça o outro lado e

publique as duas versões com destaque proporcional.” (Manual da Redação: 46-47)

Os próprios meios de comunicação, porém, reconhecem o fato de que a objetividade é

um expediente impossível de ser atingido, como o jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, que,

em seu Manual da Redação, assim se pronuncia a respeito da objetividade:

Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o

jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais,

hábitos e emoções.

Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível.

Para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstâncias e as repercussões, o

jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem

desinteresse. Consultar outros jornalistas e pesquisar fatos análogos ocorridos no passado são

procedimentos que ampliam a objetividade possível. (Manual da Redação, 2006: 46)

Todos esses mecanismos, dos quais o jornal procura se valer para ser, ou parecer ser,

objetivo, não são suficientes, pois a imparcialidade que os meios de comunicação tentam

vender é praticamente impossível (cf. Gavazzi e Rodrigues, 2003: 60).

A imprensa é um poderoso instrumento de manipulação de idéias e, como tal, lança

mão de todos os meios disponíveis para atingir seus objetivos, desde a seleção dos fatos que

serão notícia até as escolhas lingüístico-discursivas às quais já nos referimos. Não se pode

falar em imprensa livre ou em objetividade do texto jornalístico:

Atuar no jornalismo é uma opção ideológica, ou seja, definir o que vai sair, como, com que

destaque e com que favorecimento, corresponde a um ato de seleção e de exclusão. Este

processo é realizado segundo diversos critérios, que tornam o jornal um veículo de reprodução

parcial da realidade. Definir a notícia, escolher a angulação, a manchete, a posição na página

ou simplesmente não dá-la é um ato de decisão consciente dos próprios jornalistas. (Marcondes

Filho, 1989: 12)

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3. ANÁLISE

3.1. A retextualização

3.1.1. Substituições

3.1.1.1.Novas opções léxicas

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (24) no parlamento nacional

b) (41) eu falei “vai morrer o assunto”

c) (63) vamos abortar esse troço do mensalão

2ª entrevista (ANEXO A-2)

d) (71) já há deputada

e) (97) é uma cautela minha pra consolidar

f) (98) até a con/ a convenção do diretório

(ANEXO B-3)

a) (112) no Congresso Nacional

b) (123) Eu pensei: vai acabar

c) (139) Vamos abortar esse negócio

(ANEXO B-8)

d) (24) Já tem deputada

e) (134-135) É cautela para proteger

f) (135) até a reunião do diretório

Nos exemplos acima, notamos que a substituição lexical atende a propósitos bem

variados. Um deles diz respeito à adequação do termo ao leitor do jornal e não,

necessariamente, ao critério de correção gramatical; é o caso de “parlamento”, no exemplo a,

para “Congresso”, e de “convenção”, no exemplo f, para “reunião”, em que as novas

expressões estão mais presentes no dia-a-dia do leitor, pois as usadas pelo enunciador

pertencem ao universo da política, do qual ele faz parte. O mesmo propósito pode se fazer

notar, também, na substituição de alguns termos por expressões não advindas da linguagem

popular, como é o caso de “vai morrer o assunto”, no exemplo b, para “vai acabar”, ou da

gíria, no caso de “troço”, no exemplo c, para “negócio”. Tal substituição é muito comum nos

jornais “de elite”, sendo, inclusive, um dos pontos abordados em seus manuais de redação. Ao

mesmo tempo, porém, há a substituição do verbo “há”, no exemplo d, por um verbo mais

empregado em linguagem informal: “tem”, a qual observamos ser aleatória.. O exemplo

deixado por último para ser analisado é aquele, acreditamos, mais revestido de intenções por

parte do jornalista, pois ele substitui “consolidar”, no exemplo e, que denota “manter algo já

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conquistado” por “proteger”, que denota “manter algo que está sendo ameaçado”, no caso, a

posição do entrevistado no partido do qual é presidente. A substituição, nesse caso, parece não

atender à orientação do Manual da Redação, pois ambos os verbos pertencem à linguagem

formal.

No caso das novas opções léxicas, portanto, observamos que alterações no plano da

expressão podem interferir no plano da expressão do conteúdo, embora o jornal tenha evitado

fazê-las. 3.1.1.2. Nomes próprios por nome acompanhado de determinante demonstrativo

Transcrição Retextualização

2ª entrevista (ANEXO A-2)

a) (52-55) tudo era tratado com o conhecimento

do Zé Dirceu com o conhecimento

do Genuíno com o conhecimento do

Delúbio e::: do Sílvio Pereira ... isso

na constituição lá atrás ... no início

do governo do Presidente Lula

(ANEXO B-7)

a)(80-81)Tudo era tratado com o

conhecimento dessas pessoas e

do Sílvio Pereira. Isso no início

do governo.

Imediatamente antes do uso da expressão “essas pessoas”, o entrevistado cita

nominalmente as três primeiras pessoas (Zé Dirceu, Genuíno e Delúbio) e não cita Sílvio

Pereira. É por essa razão que o jornal o mantém na retextualização. 3.1.1.3. Nomes próprios por descrições definidas

Transcrição Retextualização

2ª entrevista (ANEXO A-2)

a) (89-90) uma reunião do ministro Walfrido

... do líder Zé Múcio ... do Fleury

do Ibsen (e outros) para pedir

(ANEXO B-8)

a) (130) Uma reunião da cúpula do PTB

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Provavelmente o jornal acredite que, para seu leitor, será mais útil a informação

“cúpula do PTB” do que os nomes próprios que podem não dar uma idéia clara do referente

do entrevistado nesse enunciado.

3.1.1.4. Novas estruturas sintáticas

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a)(12-13) o doutor Delúbio procura o Zé Múcio e

diz

b)(25-26) eu liguei pro ministro Walfrido isso

princípios de dois mil e quatro era janeiro

ou fevereiro

2ª entrevista (ANEXO A-2)

c) (88) então tem que ter cuidado

(ANEXO B-3)

a) (105) o doutor Delúbio o procura:

b) (114) No princípio de 2004, liguei

para o ministro Walfrido

(ANEXO B-8)

c) (129) Eu tenho que ter cuidado

Verificamos, no exemplo a, a busca pela correção gramatical com o uso do pronome

oblíquo o na função sintática de objeto direto e, no exemplo b, a busca de clareza ao se

colocar o adjunto adverbial “No princípio de 2004” no início da frase. No exemplo c, porém,

ao se passar para a 1ª pessoa o verbo ter, percebemos mudança na força pragmática do

enunciado, pois o entrevistado não se coloca especificamente como a pessoa que deveria ter

cuidado.

3.1.2. Eliminações

3.1.2.1. (Des)continuidade sintática

3.1.2.1.1. Paráfrases

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1) (ANEXO B-3)

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a) (63-64) sem trair a confiança do governo

sem jogar o/o governo ... no meio

da rua

b) (66-67) Depois ... recuou retirou a/a/a

denúncia do mensalão não é?

2ª entrevista (ANEXO A-2)

c) (83-85) Eu disse isso aos ministros ano

paSSAdo Renata eu falei aos

ministros ano passado nenhum

deles pegou ... como é que isso foi

chantagem? Foi advertência

a)(139)Sem jogar o governo no meio da rua

b) (141) e depois voltou atrás.

(ANEXO B-8)

c) (126-127)Eu falei do “mensalão” aos

ministros no ano passado. Isso

não é chantagem, é

advertência.

A paráfrase que o enunciador faz no exemplo a pode ser classificada como

“expansiva”, pois vai de um sentido mais geral, porque abstrato: “trair a confiança” para um

mais específico, porque concreto: “jogar no meio da rua”. No exemplo c, temos uma paráfrase

“paralela”, em que ocorre apenas a troca de “disse”, para “falei”.

Sendo a paráfrase um procedimento de reformulação que tem como objetivo a

compreensão do co-enunciador, é esperado que, se o jornal precisa eliminar um dos dois

enunciados, que seja o primeiro, pois o segundo, supõe-se, vai mais ao encontro daquilo que o

enunciador quis dizer, e é o que ocorre nos exemplos acima.

O exemplo b revela-nos um caso interessante de paráfrase: o enunciador, em primeiro

lugar, reformula seu enunciado empregando uma paráfrase “expansiva”, indo de “recuou”,

geral, para “retirou a denúncia do ‘mensalão’”, mais específica. O jornal, por sua vez, ao fazer

a retextualização, emprega uma outra paráfrase: “voltou atrás”. O que observamos com essa

troca é a força pragmática conferida ao enunciado, pois “voltar atrás” numa decisão é muito

mais forte do que simplesmente “recuar” ou “retirar a denúncia do mensalão”.

3.1.2.1.2. Repetições

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O entrevistado, conhecido por sua personalidade forte e por seu comportamento

dramático, utiliza, durante todo o trecho transcrito, inúmeras repetições, não só de expressões,

mas de situações que enfatizam seus esforços para denunciar a existência do “mensalão”. Tais

repetições foram eliminadas ao serem editadas, para tornar o texto mais conciso. Ao se fazer

isso, porém, pode-se estar interferindo no sentido que o enunciador quis conferir ao seu

enunciado.

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (31-35)“em hipótese alguma Roberto em

hipótese alguma eu não terei

coragem de olhar nos olhos do

presidente Lula EM hipótese

alguma” eu falei “então nós não

vamos aceitar o mensalão” ele disse

“não não vamos aceitar o mensalão”

“então está fechada a nossa posição

vamos resistir a isso”

(ANEXO B-3)

a) (117-118)“Em hipótese alguma. Eu não

terei coragem de olhar nos

olhos do presidente Lula. Nós

não vamos aceitar.”

A expressão “em hipótese alguma”, repetida três vezes, com ênfase na terceira

repetição, observada pela elevação da voz em “EM”, ao ser eliminada, tira a força da

indignação do enunciador com a situação.

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (17-21) aí reúnem-se o bispo Rodrigues

Valdemar Costa Neto e o Pedro

Henry que a essa época era líder do

PP para pressionar o Múcio “que

que é isso pô? vocês não vão

receber? Que conversa é essa

(ANEXO B-3)

a) (108-111)Aí reúnem-se os deputados

Bispo Rodrigues (PL-RJ),

Valdemar Costa Neto [SP,

presidente do PL] e Pedro

Henry (PP-MT) para

pressionar o Múcio: “Que

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Múcio ( ) de melhor do que a

gente?” aí o Múcio voltou a mim

falou “Roberto fui pressionado

pelos três líderes ... pelo

presidente do PL pelo líder do

PL e pelo líder do PP nessa

conversa do mensalão”

b) (21-23) eu falei “Múcio EU NÃO QUERO

receber ... não aceitarei isso na

presidência do PTB porque isso é

coisa ‘’’de qui/ de câmara de

vereador de quinta categoria isso

desmoraliza

O conteúdo do trecho eliminado foi dito

anteriormente, quando o deputado estava

conversando com o então presidente do PTB,

Martinez Correia:

c) (4-5) eu digo “sou contra ... sou contra

porque isso é coisa de câmara de

vereador de quinta categoria

d) (30-31) até as últimas conversas com o

deputado Zé Múcio e ele disse

e) (55-59) falei isso ao Aldo Rebelo que era

líder do governo àquela época ...

disse a ele ... sobre o mensalão

denunciei a existência do

mensalão e a pressão que eu no

PTB recebia de alguns deputados

que sabendo que outros

que é isso? Vocês não vão

receber? Que conversa é

essa? Vão dar uma de

melhores do que a gente? Aí

o Múcio voltou a mim.

b) (111) Eu respondi: “Isso desmoraliza.”

c) (101-102)Eu digo: “Sou contra. Isso é

coisa de Câmara de

Vereadores de quinta

categoria.

d)(116-117) Até as últimas conversas

e)(132-133) Falei isso ao Aldo Rebelo, que

então era líder do governo na

Câmara.

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deputados de outros partidos

recebiam e o PTB não recebia

esse malfadado ... mensalão

O conteúdo do trecho eliminado foi dito

anteriormente, logo após a conversa com o

ministro Walfrido:

f) (35-36) e passei a viver uma brutal pressão

porque alguns deputados de meu

partido sabiam que os deputados do

PL do PP recebiam esse mensalão

todo mês

g) (66-69) depois ... recuou retirou a/a/a

denúncia do mensalão não é? eu

falei com ele quando ele era

aMIgo do governo e falei (ao

presidente) quando ele era

Ministro das Comunicações ...

mensalão PL PP (e queria) o

PTB não é? ...

O conteúdo do trecho eliminado foi dito

anteriormente:

h) (50-55) aí fui ao ministro Miro Teixeira nas

Comunicações e levei junto comigo

o deputado João Lira e o deputado

Zé Múcio falei

“Ciro/Miro/Miro/Miro Teixeira/Miro

tá havendo o MENSALÃO isso é um

escândalo” o Miro falou “não é

f) (118-119) E eu passei a viver uma brutal

pressão. Porque deputados do

meu partido sabiam que os

deputados do PL e do PP

recebiam.

g) (141) e depois voltou atrás.

h) (130-132) Aí fui ao ministro Miro

Teixeira,nas Comunicações.

Levei comigo os deputados

João Lyra (PTB-AL) e José

Múcio. Falei: “Conte ao

presidente Lula que está

havendo o “mensalão”.

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possível Roberto” eu falei “diga ao

presidente” - - porque até essa época

o presidente Lula não nos recebia - -

“conte isso ao presidente Lula isso

vai explodir AMIGO isso é um

esCÂNdalo vai explodir”

2ª entrevista (ANEXO A-2)

i) (14-19) o PTB fora éh:: convidado a

participar e o PTB repelira isso

disse isso ao Ciro Gomes disse

isso ao Miro Teixeira e

NINguém contou ao presidente

essa nossa conversa ... há um ano

atrás eu falei isso a eles e toda

crise que nós estamos vivendo de

relação hoje na Câmara dos

Deputados com o Poder

Executivo ... não vota corpo

mole isso que você está vendo é

conseqüência dessa política de

mensalão ... e acho que os

ministros erraram traíram a

confiança do presidente

j) (61-62) e ele que faz a distribuição éh::: de

recursos para líderes e presidentes

do partido da base aliada ... e eu sei

que o deputado

Nessa época o presidente

não nos recebia.

(ANEXO B-7)

i)(46-47) O PTB fora convidado a

participar e repelira. Acho que os

ministros traíram a confiança do

presidente.

(ANEXO B-6)

j) (57-58) É ele quem faz a distribuição de

recursos. Sei que o deputado

A eliminação do trecho em negrito, em a, não interfere na compreensão do enunciado,

uma vez que a situação eliminada havia sido descrita em detalhes imediatamente antes dela.

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Roberto Jefferson, porém, ao repeti-la, quer endossar aquilo que já disse, como uma prova de

que está falando a verdade e, desse modo, eliminá-la acaba por interferir nessa sua intenção.

No caso do exemplo b é diferente, pois eliminou-se uma resposta que foi dada a

pessoas diferentes: a primeira vez para Martinez Correia, quando pressionado por Delúbio

Soares, e a segunda para José Múcio, quando pressionado por deputados que já recebiam o

“mensalão”. O fato de Roberto Jefferson ter dado a mesma resposta revelaria a firmeza de sua

posição e, novamente, a força ilocutória que ele queria imprimir não só a esse trecho, mas a

toda a entrevista. A repetição a que ele recorre durante toda a entrevista é persuasivo-

argumentativa (cf. Barros, 1998: 66).

A narrativa de Roberto Jefferson segue a ordem cronológica dos acontecimentos e o

fato de haver sido eliminado, no exemplo d, o trecho “com o deputado Zé Múcio” pode ser

explicado por ter sido a última conversa narrada por Jefferson.

A repetição, nos exemplos e e g, tem , novamente, função argumentativa, pois enfatiza

os esforços de Jefferson para denunciar o “mensalão” e sua “bravura” ao resistir a tanta

pressão, inclusive por parte de pessoas de seu partido.

No exemplo i, o trecho eliminado corresponde ao relato feito por Roberto Jefferson

ainda na 1ª entrevista. A conversa com Miro Teixeira está relatada no exemplo h e a conversa

com Ciro Gomes foi a seguinte:

“Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: “Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um

“mensalão”. Hoje eu sei que são R$ 3 mi, R$ 1,5 mi de mensal para o PL e para o PP. Isso vai

explodir”. O Ciro falou; “Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso.” (Folha de S.Paulo,

6/6/2005, A5)

Ao repetir duas das tentativas que fez para denunciar o “mensalão”, Roberto Jefferson

confirma o que disse na 1ª entrevista e enfatiza novamente seus esforços. A repetição tem

objetivos argumentativos.

Quanto ao exemplo j, Jefferson já repetira inúmeras vezes para quem era feito o

repasse do “mensalão”. Nesse caso, acreditamos que seja realmente desnecessária a repetição.

Nas duas entrevistas, portanto, elimina-se a repetição de toda a situação já descrita

pelo entrevistado e, além disso, o desabafo dele em relação ao drama que estava vivendo,

pressionado pelos deputados de seu partido e pela base aliada do governo para que aceitasse

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participar da distribuição do “mensalão”, mostrando todas as tentativas que fez para que as

pessoas comunicassem ao presidente o fato. Tira-se, portanto, toda a força pragmática que o

entrevistado queria conferir ao seu enunciado, ao colocar-se como alguém que não mediu

esforços para denunciar o “mensalão” e, acima de tudo, lutou contra ele.

3.1.2.2. (Des)continuidade discursiva:

3.1.2.2.1. Digressão lógico-experiencial

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (5-9) de quinta categoria Martinez - -

quando eu recebia a mesada

quando menino ... meu pai me dizia

“sábado meia-noite em casa””” se

eu chegasse meia noite e meia eu

não podia ir na domingueira do

Petropolitano para dançar com

ninguém e eu adorava dançar ... - -

vai nos escravizar e vai nos

desmoralizar” ...

b)(9-10) O Martinez então não fez né- - uma

decisão minha e dele --- receber essa

mesada

c) (45-46) O Ciro Gomes maio junho - - que a

coisa continuou não parou - - fui

ao Ciro no ministério e falei

(ANEXO B-3)

a) (102) de quinta categoria. Vai nos

escravizar e vai nos

desmoralizar.

b) (102-103) O Martinez decidiu não

aceitar essa mesada

c) (127) Lá para junho eu fui ao Ciro

Gomes. Falei:

No exemplo a, o entrevistado utiliza a digressão, por meio de uma experiência pessoal

vivida, como forma de argumentação para mostrar as conseqüências de se aceitar o

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recebimento do “mensalão”. Nesse caso, ao relembrar de fatos acontecidos entre ele e seu pai

quando ainda era criança, pretende mostrar-se como uma pessoa sincera, que possui valores

morais elevados. Além disso, o entrevistado cita, em sua digressão, uma fala de seu pai, uma

pessoa muito próxima e cara a ele, com o nítido propósito de “criar um efeito de verdade”

(Leite, 2005: 112) sobre aquilo que ele está contando e a sua eliminação acaba por interferir

em sua argumentação.

A digressão feita no exemplo b acrescenta uma informação, para Roberto Jefferson,

relevante: o fato de a decisão de não aceitar o recebimento do “mensalão” ter sido sua e de

Martinez. Ao eliminar a digressão, o jornal atribui apenas a Martinez essa decisão. A questão

da relevância, de fato, é central no emprego da digressão (Andrade, 2000: 100) e, ao retirá-la,

existente uma interferência na argumentação de Jefferson. O mesmo acontece no exemplo c,

pois, para Jefferson, é relevante dizer que, mesmo depois de várias tentativas de denunciar o

“mensalão” a alguns ministros, não houve nenhuma providência.

3.1.2.2.2. Digressão retórica didática

Transcrição Retextualização

2ª entrevista (ANEXO A-2)

a) (95-97) então não é não é chantagem ...

chantagem o que que é ó se

você não me der isso eu vou

contar não não se trata disso ... é

uma cautela

(ANEXO B-8)

a) (134) Então, não se trata de chantagem.

É cautela.

A questão da relevância, na digressão acima, está no fato de se utilizar um recurso

metalingüístico – o significado da palavra chantagem – para argumentar em seu favor, ou

seja, provar que aquilo que está fazendo não é chantagem por meio da definição da palavra.

O que podemos concluir, concordando com Andrade (2000: 125), é que o jornal, ao

eliminar as digressões feitas por Roberto Jefferson, interfere na sua argumentação.

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3.1.2.3. Inserções incompreensíveis

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (40-41) “o Delúbio tá errado eu só contei

isso ... isso não pode acontecer

(ANEXO B-3)

a) (122-123) “O Delúbio está errado. Isso

não pode acontecer.

A frase eliminada acima é, de fato, incompreensível e poderia suscitar dúvidas dos

leitores ou interpretações erradas. Para evitar problemas, ou “facilitar a leitura” (Manual da

Redação, 2006: 39), a Folha resolveu eliminá-la.

3.1.2.4. Expressões avaliativas

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (13) O Roberto é um homem muito difícil

2ª entrevista (ANEXO A-2)

b) (12-13) com alguns MUItos representantes

das bancadas

c) (95) um grupo eNORme que quer sair e

um grupo que quer ficar

(ANEXO B-3)

a) (105) O Roberto é um homem difícil

(ANEXO B-7)

b) (45) Com representantes de suas

bancadas

(ANEXO B-8)

c) (133-134)Um grupo que quer sair, um

grupo que quer ficar.

O jornal Folha de S.Paulo recomenda aos seus jornalistas que não empreguem

adjetivos ou advérbios que expressem juízos de valor, utilizando o seguinte argumento: “A

opinião sustentada em fatos é mais forte do que a apenas ou excessivamente adjetivada”

(Manual da Redação, 2006: 50). O que ocorre, porém, nesse trecho, é que as palavras

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avaliativas foram empregadas pelo entrevistado e retirá-las altera o sentido que ele quis

imprimir às suas declarações. No exemplo a, a fala foi atribuída por Roberto Jefferson a

Delúbio Soares que, ao procurar José Múcio para propor o “mensalão” ao PTB, justifica que

optou por falar com ele porque Roberto Jefferson não estaria aberto a tal proposta. Nesse

caso, o advérbio “muito”, intensificando o adjetivo “difícil”, reforçaria um atributo positivo

de Jefferson, que, no caso, seria a retidão de caráter.

No exemplo b, Roberto Jefferson realiza um procedimento de reformulação no

momento em que está relatando ao presidente Lula em que consistia o “mensalão” e diz que

ele era distribuído primeiro para “alguns”, depois para “muitos” deputados. Ao proceder à

autocorreção, poderia estar revelando uma certa hesitação que o jornal, para não ter problemas

- seria essa a “relevância jornalística” de que fala seu Manual (2006: 39)? – preferiu eliminar.

Ao nosso ver, porém, não se trata de hesitação, mas de uma correção buscando exatidão, uma

vez que, ao realizá-la, o entrevistado enfatiza sua primeira sílaba – MUItos -, chamando a

atenção para a palavra que irá proferir.

No último caso, o exemplo c, o adjetivo “enorme” cria um contraste entre o grupo que

quer sair, que é maior, e o grupo que quer ficar na base do governo. Assim dito, o que

Jefferson dá a entender é que seu apoio dentro do partido é grande, pois a maioria concorda

com ele em sair da base aliada do governo. Sem o adjetivo, o que se vê é um equilíbrio de

forças, que não é verdadeiro, pelo menos não de acordo com o que Jefferson disse.

Portanto, todas as eliminações das palavras com caráter avaliativo interferiram na

argumentação do entrevistado.

3.1.3. Acréscimos

Empregamos, abaixo, o sinal ( ? ) para indicar, na transcrição, a localização do trecho

que foi acrescentado na retextualização.

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (35-37) e passei a viver uma brutal pressão

porque alguns deputados de meu

(ANEXO B-3)

a) (118-120) E eu passei a viver uma

brutal pressão. Porque

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partido sabiam que os deputados do

PL do PP recebiam esse mensalão

todo mês ... ( ?) eu fui ao ministro

Zé Dirceu

2ª entrevista (ANEXO A-2)

b) (30-32) o outro cargo que foi nomeado foi

o Fernando Cunha para a BR

Distribuidoras todo/toda estrutura

abaixo do Fernando Cunha foi

nomeada pelo éh:: pelo Silvio

Pereira ( ? ) e um dia perguntei

c) (64-66) inclusive eu já vi um depu/um

ministro ( ? ) que ficou muito

irritado com ele porque ele se

apresentava como operador do Zé

Dirceu

d) (71-72) já há deputada em Goiânia ( ? )

dizendo que foi assediada pelo líder

do PL ( ? ) um milhão de luvas e

trinta mil reais por mês

deputados do meu partido

sabiam que os deputados do

PL e do PP recebiam. As

informações que eu tenho

são que o PMDB estava

fora. Não teve “mensalão”

no PMDB. Fui ao ministro

Zé Dirceu

(ANEXO B-7)

b) (67-69) Outro cargo: Fernando Cunha,

para a BR Distribuidora. Toda

a estrutura abaixo do Fernando

Cunha foi nomeada pelo Silvio

Pereira. Na área de

Petrobrás, de petroquímica,

quem manda é ele. Um dia

perguntei:

(ANEXO B-6)

c) (59-60) Inclusive eu já vi o ministro Zé

Dirceu [chefe da Casa Civil]

muito irritado com ele porque ele

se apresentava como “operador

do Zé Dirceu”.

(ANEXO B-8)

d)(24-26) Já tem deputada em Goiás

[Raquel Silveira, licenciada,

do PSDB] dizendo que foi

assediada pelo líder do PL na

Câmara, Sandro Mabel (GO),

[com a proposta de] R$ 1

milhão de luvas e R$ 30 mil por

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e) (83) (em hipótese) alguma ... ( ? )a

chantagem tem uma contraprestação

financeira

mês.

e) (125-126)Em hipótese alguma.

Chantagem é para ganhar

dinheiro, ter

contraprestação financeira.

Quanto às inserções nos exemplos a e b, os trechos não se encontravam no áudio a que

tivemos acesso, portanto não podemos afirmar que eles, de fato, não foram pronunciados.

Os trechos acrescentados pelo jornal entre colchetes deixam claro que são inserções

suas para trazer ao leitor informações que ele possa não saber: o cargo do ministro José

Dirceu, no item c, e a quem Jefferson se refere quando fala da deputada assediada com o

“mensalão”, no exemplo d. Ainda nesse exemplo, o trecho entre colchetes preenche uma

ruptura sintática: “com a proposta de”. Esses são procedimentos comuns nos jornais e a

Folha, ao se referir à edição de entrevistas, ensina: “Ao introduzir informações que

complementem resposta do entrevistado, use colchetes para deixar claro que se trata de

inclusão da Redação” (Manual da Folha, 2006: 66)

No exemplo e, temos o acréscimo da paráfrase “chantagem é para ganhar dinheiro” ao

enunciado “a chantagem tem uma contraprestação financeira”, com clara intenção explicativa.

Nesse caso, de acordo com a orientação acima, deveria haver, aqui também, o uso dos

colchetes.

Voltando ao exemplo c, existe um acréscimo, no mínimo, duvidoso, pois Jefferson não

diz que está se referindo ao ministro José Dirceu, pelo contrário, emprega o artigo indefinido

“um” para referir-se ao ministro de quem está falando.

O que concluímos, portanto, sobre os acréscimos, é que existe, salvo a exceção acima,

um cuidado da Folha em não atribuir ao entrevistado um enunciado que ele não tenha

proferido.

3.1.4. Tratamento dos turnos

É muito presente, no discurso que estamos analisando, o emprego do recurso do DR

por parte de Roberto Jefferson, para se referir a falas suas e também de outras pessoas nas

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situações que ele está rememorando. De fato, o entrevistado constrói seu texto no modo

narrativo e emprega o DD como forte e recorrente estratégia argumentativa com a intenção de

convencimento de que fala Leite (2005: 90), não só de sua interlocutora, no caso a jornalista,

mas também dos leitores do jornal. Portanto, qualquer mudança na forma de citação de seu

discurso interferirá na argumentação elaborada por Jefferson.

3.1.4.1. Mudança do DD para o DI

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (15-16) ele falou “eu não posso tomar

atitude sem a autorização de meu

presidente”

b) (26-27) falei “Walfrido quero falar coisa

grave a você” ...

(ANEXO B-3)

a) (107-108) O Múcio respondeu que não

poderia tomar atitude sem

falar com o presidente do

partido

b) (115) e disse que precisava relatar algo

grave.

Quando o DD é substituído pelo DI, nos exemplos acima, interfere-se na estratégia

discursiva adotada por Roberto Jefferson durante toda a entrevista, que foi a de narrar os fatos

empregando o tempo todo o DD para referir-se a falas suas ou de outras pessoas para dar o

efeito de verdade que ele pretendia, afinal ele, com as revelações da entrevista, passava da

posição de acusado a acusador e precisava mostrar-se merecedor de credibilidade.

3.1.4.2.Acréscimo de turno

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (24-26) no parlamento nacional ... eu liguei

pro ministro Walfrido isso

princípios de dois mil e quatro era

janeiro ou fevereiro

b) ( ? )

(ANEXO B-3)

a) (112-114) no Congresso Nacional.

Folha: O sr. deu ciência

dessas conversas ao governo?

Jefferson: No princípio de

2004, eu liguei para o

ministro Walfrido

b) (134) Folha: “A quem mais no

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c)(72-78) L2 Aí eu contei ao presidente o que

que era o mensalão o presidente

Lula CHOrou

L1 Isso quando?

L2 Agora em janeiro ... desse ano o

presidente Lula CHOROU falou

“não é possível isso” e chorou

governo o sr. denunciou a

situação?”

c) (145-147) Jefferson: Aí eu expliquei ao

presidente.

Folha: Qual foi a reação

dele?

Jefferson: O presidente Lula

chorou. Falou: “Não é

possível isso”. E chorou.

O que se percebe na introdução de turnos é que ela é feita nos turnos do entrevistador,

no caso o jornal Folha de S.Paulo, e tem a função de destacar alguns pontos para os quais

quer chamar a atenção, no caso, as pessoas ligadas ao governo que foram avisadas pelo

entrevistado, nos exemplos a e b, e a reação do presidente Lula ao saber da existência do

“mensalão”, no exemplo c.

3.1.4.3. Eliminação de turno

Transcrição Retextualização

1ª entrevista (ANEXO A-1)

a) (15-16) Ele falou “eu não posso tomar

atitude sem a autorização de meu

presidente” ... Múcio ... “me

parece que o meu presidente é

contra porque já me falou” ... aí

reúnem-se

b) (19-23) Aí o Múcio voltou a mim falou

“Roberto fui pressionado pelos

três líderes ... pelo presidente do

PL pelo líder do PL e pelo líder

do PP nessa conversa do

mensalão” eu falei “Múcio EU

NÃO QUERO receber ... não

(ANEXO B-3)

a) (107-108) O Múcio respondeu que não

poderia tomar atitude sem

falar com o presidente do

partido

b) (110-111) Aí o Múcio voltou a mim. Eu

respondi: “Isso desmoraliza.”

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aceitarei isso na presidência do

PTB porque isso é coisa de qui/

de câmara de vereador de quinta

categoria isso desmoraliza

c) (27-30) “que que é Roberto? Tô indo pra

Belo Horizonte ... no jatinho

você vai comigo e vamos

conversando eu tô indo pra

casa” “então eu vou até Belo

Horizonte pra conversar um

assunto grave com você” ... e

sentei no avião e falei “Walfrido

tá havendo essa história de

mensalão”

d) (31-35) “em hipótese alguma Roberto em

hipótese alguma eu não terei

coragem de olhar nos olhos do

presidente Lula EM hipótese

alguma” eu falei “então nós não

vamos aceitar o mensalão” ele

disse “não não vamos aceitar o

mensalão” “então está fechada a

nossa posição vamos resistir a

isso”

e) (49-50) “Roberto é muito dinheiro eu não

acredito nisso” digo “acredite

amigo porque tá acontecendo”

“não acredito”

f) (52-53)“Miro tá havendo o MENSALÃO

isso é um escândalo” o Miro falou

“Não é possível Roberto” eu falei

“diga ao presidente”

c) (115-116) Conversamos num vôo para

Belo Horizonte. “Walfrido,

está havendo essa história de

‘mensalão’.”

d) (117-118) “Em hipótese alguma. Eu

não terei coragem de olhar

nos olhos do presidente

Lula. Nós não vamos

aceitar.”

e) (129-130)“Roberto, é muito dinheiro, eu

não acredito nisso.”

f) (131-132)Falei: “Conte ao presidente

Lula que está havendo o

‘mensalão’”

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g)(54-55) “conte isso ao presidente Lula isso

vai explodir AMIGO isso é um

esCÂNdalo vai explodir”

g) ( ? )

A eliminação de turnos, como se vê, é bastante significativa e certamente interfere no

“efeito de verdade” (Leite, 2005: 112) que Jefferson queria imprimir ao seu discurso. Ao

empregar o DD, ele utiliza marcadores conversacionais, para dar ares de realidade àquilo que

está contando, como “então” nos exemplos c e d; emprega, também, os vocativos “Roberto” e

“Múcio”, no exemplo b, “Roberto”, no exemplo c, “Miro” e “Roberto” no exemplo f, mais

uma característica muito forte da fala, como se ele estivesse encenando as situações relatadas,

fazendo múltiplos papéis. Outra forma de alcançar o efeito de realidade pretendido é a

reprodução da fala em “que que é”, “tô” e “pra” no exemplo c.

O DD eliminado no exemplo e, por sua vez, era introduzido pelo verbo de elocução

“digo”, no presente do indicativo, o que, para Leite, “constrói um efeito de sentido de

perenidade da situação” (2005: 101), o que viria dar mais credibilidade à argumentação de

Jefferson.

No exemplo c, foram eliminados os turnos dos dois interlocutores: Walfrido, em

primeiro lugar, seguido de Jefferson. Tais turnos descreviam a situação em que se

encontraram e mostram que o encontro não foi ao acaso. Na retextualização, o leitor fica sem

essa informação e Jefferson, sem a força pragmática que quis conferir ao enunciado.

No exemplo a, elimina-se o turno em que o líder do PTB na Câmara, ao ser

pressionado para que seu partido receba o “mensalão”, enfatiza a posição contrária do

presidente do partido, no caso, o entrevistado, o que confere muita força à argumentação,

porque é a “voz” de outra pessoa revelando a posição de Jefferson e não dele próprio.

Os dois turnos eliminados no exemplo d são atribuídos por Roberto Jefferson a ele

mesmo, o primeiro marcado pelo verbo de elocução falei e o segundo reconhecido pela

entonação e pelo emprego do marcador conversacional então, que claramente introduz outra

“voz” no fio de seu discurso. O primeiro turno eliminado atribui a Jefferson a iniciativa de

não aceitação do “mensalão”, acompanhada por Walfrido em seu turno, no qual, primeiro,

concorda com Jefferson dizendo “não”, para, em seguida, firmar a sua posição “não vamos

aceitar o mensalão”; o segundo turno eliminado, iniciado pelo marcador conversacional

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“então”, encerra o assunto, como alguém que tem autoridade para tanto e, ao ser eliminado,

esvazia-se a força ilocutória de seu ato de linguagem (cf. Maingueneau, 1996: 7).

3.1.5. A retextualização e suas conseqüências para a interpretação da enunciação

Nas quatro operações de retextualização analisadas em nosso corpus, confirmamos

que a mudança da modalidade oral para a escrita acarreta grandes alterações no sentido dos

enunciados. Referimo-nos, principalmente, àquelas que dizem respeito à força ilocutória que

o enunciador quis conferir ao seu enunciado. Estando o entrevistado em uma posição de

desvantagem perante a opinião pública (cf. Cap. 1 – Procedimentos Metodológicos, item 1.2.

Contexto histórico), era esperado que, durante as duas entrevistas, ele procurasse convencer o

leitor do jornal, se não de sua inocência - uma vez que ele admite a prática de atos ilegais

como deputado e por essa razão tem seu mandato cassado -, de que tais atos são comuns no

governo e praticados por muitos outros políticos e, mais do que isso, de que havia deputados

em situação moral muito pior do que a sua, uma vez que nem ele nem seu partido aceitaram o

recebimento do “mensalão”, enquanto muitos outros, segundo ele, aceitaram. É movido por

esses objetivos que o entrevistado emprega repetições, paráfrases, digressões e o DR como

estratégias argumentativas com a clara intenção de colocar a opinião pública a seu favor. A

retextualização do jornal Folha de S.Paulo esvazia essa função ilocutória de seu ato de

linguagem, neutralizando-a naquilo que era de interesse do entrevistado. 10

10 Lembramos que a retextualização analisada neste trabalho refere-se a uma das quatro possibilidades elencadas por Marcuschi (2003-b) – a passagem da fala (entrevista oral) para a escrita (entrevista impressa) – e é por essa razão que não incluímos neste item o jornal O Estado de S.Paulo. Para incluí-lo, precisaríamos desenvolver uma metodologia de análise para verificar a retextualização da escrita (texto escrito) para a escrita (resumo escrito), o que não seria possível para os limites deste trabalho.

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3.2. Os verbos de elocução

Procuraremos verificar a hipótese, defendida pelos autores em nosso referencial

teórico, de que a utilização dos verbos introdutores de opiniões, ou verbos de elocução, além

de funcionarem como organizadores de duas enunciações, agem sobre o DR, condicionando a

interpretação de tal discurso. Partiremos das sete classes gerais de funções organizadoras

apontadas por Marcuschi (1991) e procuraremos, no âmbito da ação de tais verbos, seguir a

proposta de categorização de Gavazzi e Rodrigues (2003), fazendo uma análise comparativa

entre trechos da retextualização da entrevista do dia 12 de junho de 2005 no jornal Folha de

S.Paulo e no jornal O Estado de S.Paulo. Antes, fazem-se necessárias algumas observações.

O jornal Folha de S.Paulo, detentor da exclusividade da entrevista, opta pela retextualização

na forma pergunta e resposta, dividindo a entrevista em algumas páginas do jornal e fazendo,

em cada um desses trechos, um texto introdutório no qual apresenta alguns trechos da

entrevista utilizando alguns verbos de elocução. O jornal O Estado de S.Paulo, por sua vez,

opta por uma retextualização global e, por essa razão, utiliza mais os verbos de elocução.

Nossa proposta é fazermos uma análise comparativa entre as duas retextualizações, para

verificarmos, ou não, a ocorrência de diferenças na função e na ação dos referidos verbos. Os

marcadores e numerações empregados na análise correspondem aos empregados em nosso

referencial teórico quando tratamos da função e da ação dos verbos de elocução.

3.2.1. Jornal Folha de S.Paulo

(1) “Em nova entrevista exclusiva, presidente do PTB afirma que ‘mesada’ para parlamentares aliados chegava

a Brasília em malas

Dinheiro do ‘mensalão’ vinha de estatais e empresas, diz Jefferson

Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), afirma que o

dinheiro do ‘mensalão’ pago pelo PT a deputados de partidos aliados no Congresso vinha de estatais e de

empresas do setor privado.

‘Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas’, diz Jeferson. (...)

O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na próxima terça, vai

contar tudo o que ‘vivenciou’ nesta relação de dois anos e meio com o governo do PT’. (...)

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Jefferson, que se diz contrário ao recebimento do ‘mensalão’ entre deputados do seu partido, fechou, porém,

outro acordo com o PT. (...) ‘O primeiro recurso chegou em julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie’,

diz.(...)” ( ANEXO B-5)

Segundo a classificação proposta por Marcuschi, temos, no trecho (1), a ocorrência

dos verbos dizer e afirmar, que são “indicadores de afirmações positivas” (I) e criam o efeito

de “imparcialidade” (a) sugerido por Gavazzi e Rodrigues, o que mostra, de início pelo

menos, que a Folha não pretende se posicionar claramente em relação às declarações de seu

entrevistado. Vejamos se esse posicionamento se confirma nas outras páginas.

(2) “Homem de Delúbio carregava mesada na mala, diz Jefferson

Presidente do PTB diz que ‘mensalão’ era recolhido entre empresas e estatais

Depois de anunciar que só voltaria a falar na sindicância da Câmara e na CPI, o deputado Roberto Jefferson

decidiu romper o silêncio e, na noite de sexta-feira, revelou novos detalhes sobre o ‘mensalão’, que denunciara

em entrevista à Folha publicada na segunda. (...)”(ANEXO B-6)

No trecho (2), o jornal mantém o posicionamento da capa, procurando manter o

mesmo distanciamento da fala de seu entrevistado.

(3) “Jefferson nega ter gravações e diz que negociava cargos no Planalto, numa sala reservada a Silvio Pereira,

na presença de Delúbio e Dirceu (...)

Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do ‘mensalão’ para mostrar à CPI. ‘Tenho a

palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.’

O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de cargos no

governo. ‘Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez

em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O

Genoino também.’” (ANEXO B-7)

O uso, por duas vezes no exemplo (3), do verbo negar, que é, segundo Marcuschi,

“organizador dos aspectos conflituosos” (VI), pode ser explicado da seguinte forma: após a

primeira entrevista, especulou-se que o deputado teria provas das acusações que fizera,

causando polêmica. O verbo negar, aí, retoma tal polêmica. Com efeito, seguindo Gavazzi e

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Rodrigues, classificaríamos esse verbo na categoria “polemização” (d), na qual os verbos são

utilizados para mostrar o conflito causado pelas declarações dos falantes. Ainda segundo as

autoras, o uso do verbo descrever é “descritivo” e não “avaliativo”, colocando-se o jornal em

posição metalingüística ou, como prefere Marcuschi, organizando um “momento

argumentativo no conjunto do discurso” (V).

(4) “Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em ‘armadilha’ preparada pelo

ministro José Dirceu (...)

Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa ‘armadilha’ do ministro

José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. (...) (ANEXO B-8)

Por fim, no exemplo (4), mais um verbo – acusar - que podemos classificar no rol dos

“verbos interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido” (VII), agindo como

desencadeador de “polemização” (d) e a opção novamente pelo verbo dizer, criando o efeito

de “imparcialidade” (a).

Resumindo, temos o seguinte quadro da função e da ação dos verbos de elocução

utilizados na Folha:

3.2.1.1. Função

Verbos “indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I):

Exemplo 1: afirmar (3 vezes)

dizer (5 vezes)

Exemplo 2: dizer (2 vezes)

revelar

Exemplo 3: dizer

Exemplo 4: dizer (2 vezes)

Verbos “organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso” (V):

Exemplo 3: descrever

Verbos “indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos” (VI):

Exemplo 3: negar (2 vezes)

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Verbos “interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido” (VII):

Exemplo 4: acusar

3.2.1.2. Ação

Verbos descritivos:

Exemplo 3: descrever

Verbos avaliativos:

Categoria efeito de “imparcialidade” (a):

Exemplo 1: afirmar (3 vezes) e dizer (5 vezes)

Exemplo 2: dizer (2 vezes) e revelar

Exemplo 3: dizer

Exemplo 4: dizer (2 vezes)

Categoria “polemização” (d):

Exemplo 3: negar (2 vezes)

Exemplo 4: acusar

3.2.2. Jornal O Estado de S.Paulo.

(5) “Mensalão vinha na mala, conta Jefferson. (...)

Presidente do PTB volta à carga e diz que mesada a deputados era paga em dinheiro vivo, proveniente de

empresas estatais e privadas

O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) voltou a acusar o esquema de mesadas a deputados, afirmando que o

chamado mensalão era pago em dinheiro vivo, provinha de estatais e empresas privadas, e trazido em malas,

basicamente por dois ‘operadores’, o líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR), e o publicitário Marcos

Valério, dono das empresas DNA Propaganda e SMP&B, ambas de Belo Horizonte. (...)

Na nova entrevista que concedeu ao jornal Folha de S.Paulo, Jefferson garantiu que as direções do PP e do PL

recebiam diretamente os recursos para pagar o mensalão. (...)

Jefferson acusou seu colega José Janene de forma contundente. De acordo com o presidente do PTB, Janene

seria um dos ‘operadores’ diretos do esquema do mensalão, informando que ele ‘vai na fonte, pega, vem’. E

disse mais: ‘Eu já vi o Zé Dirceu muito irritado com ele porque ele se apresentava como ‘operador’ do Zé

Dirceu’.

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Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso são ‘uma crise de

abstinência’: ‘O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes

da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, a bancada de aluguel’, afirmou. (...)

O deputado petebista narrou as reações do presidente, insistindo na versão de que Lula chorou quando ouviu a

história do mensalão: ‘Foi como se alguém dissesse (para ele) ‘olha ali a tua mulher com outro homem’, aquela

reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram’. (...)” (ANEXO D-1)

O trecho (5) inicia com o verbo contar, curiosamente não contemplado pelo estudo de

Marcuschi nem pelo estudo de Gavazzi e Rodrigues. Podemos classificá-lo como pertencente

à área semântica dos verbos “indicadores de afirmações positivas” (I), como afirmar, declarar,

comunicar, porém nos arriscamos a levantar a hipótese de que sua ação difere da levantada

nos exemplos 1 a 4 para esses verbos; contar, aqui, encaixar-se-ia na categoria “valorização

negativa” (b) do entrevistado, remetendo ao sentido “contar uma história”, desacreditando-a.

Vejamos se essa hipótese se confirma.

O verbo dizer, bastante presente nos exemplos 1 a 4, aparece apenas 2 vezes no

exemplo 5. Além dele, os outros verbos que procuram criar um efeito de “imparcialidade” (a)

são afirmar (2 vezes) e informar. A locução verbal voltou a acusar e o verbo acusar,

classificados como “organizadores de aspectos conflituosos” (VI), criam um efeito de

“polemização” (d); os verbos garantir e insistir, por sua vez, “indicadores de força do

argumento” (II), valorizam negativamente a fala do entrevistado, principalmente o verbo

insistir, antecedido do verbo narrar, que nos remete à hipótese levantada no início com o

verbo contar. A utilização de tais verbos - contar e narrar -, até aqui, vai-se nos afigurando

como uma tentativa de desacreditar a fala do entrevistado, comparando-a a uma história, fruto

de sua imaginação.

(6) “Na entrevista, Jefferson contou que, logo após a divulgação da primeira denúncia dos Correios, os ministros

José Dirceu e Aldo Rebelo tentaram convencê-lo a atrair a crise para si – e depois ele seria ajudado a livrar-se do

problema. (...)

O parlamentar fluminense atacou seletivamente o comando do PT, nomeando as pessoas que busca atingir:

“Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira (secretário-geral do partido), Zé Dirceu. É esta a cabeça’, acusou. E deu o

seu diagnóstico: ‘O PT entendia, na sua cabeça, na sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado

do que discutir com os partidos um projeto de governo’.

Nessa parte da entrevista, ele acusou diretamente o ministro José Dirceu. Disse que vários ministros (mencionou

Ciro Gomes, Paulo Bernardo, Aldo Rebelo e José Dirceu) quiseram ir a sua casa para demovê-lo a resistir à

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primeira denúncia e retirasse sua assinatura da CPI. Jefferson teria se recusado a recebê-los. ‘No dia seguinte’,

contou, ‘eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros

Aldo Rebelo e Zé Dirceu. (...)

Com o passar dos dias, percebeu um erro tático e disse ao ministro Walfrido dos Mares Guia: ‘Vão botar tudo no

colo do PTB’. E acrescentou: “Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento – Zé Dirceu, Genoino, Delúbio –

para colocar esse cadáver podre no colo do PTB’, reiterou agora.

Na entrevista, Jefferson rebateu a afirmação de Delúbio – de que estaria fazendo chantagem com o PT e o

governo. ‘No ano passado, eu falei do mensalão aos ministros. Isso não é chantagem. Chantagear é para ganhar

dinheiro’, esquivou-se.

E definiu, com frieza calculada o estado das relações do PTB com o governo: ‘Chegamos a um ponto em que

se exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do governo. Eu

entendo que acabou a relação’.

Antes, revelou as penosas conversas sobre a repartição de cargos, quase todas, segundo ele, feitas numa sala

ocupada por Sílvio Pereira, secretário-geral do PT, em pleno Palácio do Planalto.

Com a mesma frieza, passou mais um recado para garantir a tensão dos próximos dias: reconheceu que ‘as

coisas têm de ser paulatinas’ e explicou por que tem falado em conta-gotas para contar o que sabe. ‘Se eu falo

paulatinamente, não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram.’, explicou, como se

estivesse compondo um roteiro de novela.

No arremate, o recado final: ele não se sente ameaçado em sua segurança pessoal. ‘Se fizerem alguma coisa

comigo’, advertiu, ‘cai a República’. (ANEXO D-1)

Novamente, no trecho (6), aparece o verbo contar (2 vezes), para o qual continuamos

a defender a hipótese de “valorização negativa” (b) do entrevistado. Verbos que poderiam ser

considerados “neutros”, neste trecho, são os seguintes: dizer (2 vezes), indicador de

“afirmações positivas” (I), e acrescentar e explicar, “organizadores de um momento

argumentativo no conjunto do discurso” (V); quanto aos dois últimos, Gavazzi e Rodrigues

enquadram acrescentar no quadro de “verbos descritivos” e explicar no quadro de “verbos

avaliativos”, na categoria de “valorização positiva” (c) da fala do entrevistado. Estaríamos,

então, errados quanto à nossa hipótese de valorização negativa do entrevistado? Não nos

deixemos enganar pelas aparências, pois, logo em seguida, tal valorização é invertida, pois o

mesmo verbo é repetido, seguido da expressão “como se estivesse compondo um roteiro de

novela”. Confirma-se aqui, portanto, nossa hipótese: a fala do entrevistado é desacreditada

pelo jornal. Atacar, acusar (2 vezes), reiterar e rebater, “organizadores dos aspectos

conflituosos” (VI), agem na categoria de “polemização” (d). Esquivar-se, também com a

mesma função, age, porém, na categoria de “valorização negativa” (c), pois o assunto do qual

o entrevistado trata, naquele momento, é muito delicado: ele está rebatendo uma acusação de

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chantagem, e o jornal, ao utilizar tal verbo, desacredita sua fala. Logo após os verbos atacar e

acusar, o jornal utiliza a expressão “deu o seu diagnóstico”, equivalente ao verbo

diagnosticar, classificado por Gavazzi e Rodrigues na categoria “valorização positiva” (c),

que é aquela em que a figura do entrevistado é enaltecida, colocando-o em posição de

superioridade. Na verdade, não é esse o caso, mas o mínimo que se espera de uma pessoa que

está fazendo acusações tão sérias é uma explicação para os fatos denunciados. Por essa razão,

acreditamos que a função do termo é a mesma dos “verbos indicadores de força do

argumento” (II) e sua ação é a “polemização” (d). O verbo definir, empregado duas vezes no

texto, organizador “de um momento argumentativo no conjunto do discurso” (V), é

classificado por Gavazzi e Rodrigues como um verbo apenas “descritivo”, porém sua ação

deixa de ser “neutra” no texto quando ele vem acompanhado da expressão modal “com frieza

calculada”, e passa a valorizar negativamente a fala do entrevistado. O verbo revelar,

indicador de “afirmações positivas” (I), mostra que o fato revelado era um segredo que agora

era tirado de sua condição velada e, desse modo, cria “polemização” (d). Advertir,

classificado como um dos “verbos interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido”

(VII), age de maneira a criar “polemização” (d), no momento em que o entrevistado diz não

temer por sua segurança, pois há muitas pessoas do governo envolvidas em suas denúncias.

Assim, o entrevistado “apimenta” ainda mais a discussão e gera expectativa quanto ao seu

depoimento na Comissão de Ética da Câmara.

Abaixo, o quadro das funções e das ações dos verbos no jornal O Estado de S.Paulo:

3.2.2.1. Função

Verbos “indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I):

Exemplo 5: contar

dizer (2 vezes)

afirmar (2 vezes)

informar

narrar

Exemplo 6: contar (2 vezes)

dizer (2 vezes)

revelar

Verbos “indicadores de força do argumento” (II):

Exemplo 5: garantir

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insistir

Verbos “organizadores de um momento argumentativo no conjunto do discurso” (V):

Exemplo 6: acrescentar

explicar

definir

Verbos “indicadores de retomadas opositivas, organizadores dos aspectos conflituosos” (VI):

Exemplo 5: acusar (2 vezes)

Exemplo 6: atacar

acusar (2 vezes)

reiterar

rebater

esquivar-se

Verbos “interpretativos do caráter ilocutivo do discurso referido” (VII):

Exemplo 6: advertir

3.2.2.2. Ação

Verbos descritivos:

Exemplo 6: acrescentar

Verbos avaliativos:

Categoria efeito de “imparcialidade” (a):

Exemplo 5: dizer (2 vezes)

afirmar (2 vezes)

informar

Exemplo 6: dizer (2 vezes)

Categoria “valorização negativa” (b):

Exemplo 5: contar

garantir

insistir

narrar

Exemplo 6: contar (2 vezes)

explicar (2 vezes)

esquivar-se

definir

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Categoria “polemização” (d):

Exemplo 5: acusar (2 vezes)

Exemplo 6: atacar

acusar (2 vezes)

reiterar

rebater

revelar

advertir

dar o diagnóstico

3.2.3. O uso dos verbos de elocução e suas conseqüências para a interpretação da enunciação

Comparando os resultados obtidos para os dois jornais quanto à ação dos verbos

introdutores de opiniões, podemos chegar a algumas conclusões quanto ao seu uso.

JORNAL EXEMPLO VERBO FUNÇÃO AÇÃO

Folha de S.Paulo 1 Afirmar (3x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

Folha de S.Paulo 1 Dizer (5x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

Folha de S.Paulo 2 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

Folha de S.Paulo 2 Revelar Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

Folha de S.Paulo 3 Dizer

Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

Folha de S.Paulo 4 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

Folha de S.Paulo 3 Descrever

Organizadores de momento

argumentativo Descritivo

Folha de S.Paulo 3 Negar (2x) Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: polemização

Folha de S.Paulo 4 Acusar

Interpretativos do caráter

ilocutivo do discurso referido

Avaliativo: polemização

O Estado de S.Paulo

5 Contar

Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: valorização negativa

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O Estado de

S.Paulo 5 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

O Estado de

S.Paulo 5 Afirmar (2x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

O Estado de

S.Paulo 5

Informar Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

O Estado de

S.Paulo 5

Narrar Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 6 Contar (2x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 6 Dizer (2x) Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: efeito de

imparcialidade

O Estado de

S.Paulo 6

Revelar Indicadores de posições oficiais

e afirmações positivas

Avaliativo: polemização

O Estado de

S.Paulo 5

Garantir Indicadores de força de

argumento

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 5

Insistir Indicadores de força de

argumento

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 6

Acrescentar Organizadores de momento

argumentativo

Descritivo

O Estado de

S.Paulo 6

Explicar (2x) Organizadores de momento

argumentativo

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 6

Definir Organizadores de momento

argumentativo

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 5 Acusar (2x) Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: polemização

O Estado de

S.Paulo 6

Atacar Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: polemização

O Estado de

S.Paulo 6 Acusar (2x) Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: polemização

O Estado de

S.Paulo 6

Reiterar Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: polemização

O Estado de

S.Paulo 6

Rebater Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: polemização

O Estado de

S.Paulo 6

Esquivar-se Organizadores dos aspectos

conflituosos

Avaliativo: valorização negativa

O Estado de

S.Paulo 6

Advertir Interpretativos do caráter

ilocutivo do discurso referido

Avaliativo: polemização

O Estado de 6 Dar o

Indicadores de força do

argumento

Avaliativo: polemização

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S.Paulo diagnóstico

Quanto à função de tais verbos, temos, no jornal Folha de S.Paulo, o predomínio dos

“verbos indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I), que agem criando um

efeito de “imparcialidade” (a), bem apropriado a um jornal que está publicando, com

exclusividade, denúncias que atingem as mais altas esferas de poder do país. O jornal procura

colocar-se numa posição “neutra”, evitando, inclusive, polemizar (d), visto que só

encontramos duas ocorrências de verbos dessa categoria, e, também, valorizar positivamente

(c) a figura do entrevistado, o que poderia ser um sinal de apoio, ou negativamente (b), o que

seria um sinal de descrédito de sua fonte exclusiva.

O jornal O Estado de S.Paulo, por sua vez, faz uma utilização muito diversa da Folha.

Os “verbos indicadores de posições oficiais e afirmações positivas” (I), embora apareçam

também em O Estado, não só criam um efeito de “imparcialidade” (a), mas também agem

polemizando (d) e valorizando negativamente (b) a figura do entrevistado. Os outros verbos,

em sua maioria, têm a função de organizar a argumentação, agindo sempre no sentido de

polemizar (d) ou valorizar negativamente (b) o entrevistado. O Estado, portanto, posiciona-se

claramente contra o entrevistado, revelando suas convicções políticas, ideológicas e, por que

não dizer, econômicas. Afinal o “furo” de reportagem, empregando aqui um jargão

jornalístico, não foi seu, mas de seu concorrente. A Folha, porém, ao se colocar em posição

“neutra”, não revela menos do que O Estado suas convicções políticas ou ideológicas, apenas

mostra seu grau de comprometimento com uma fonte de informação que, dependendo do

tratamento que lhe for dado, pode “secar”.

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3.3. O uso das aspas

Selecionamos, abaixo, os trechos dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo,

no período de 6 a 12 de junho de 2005, nos quais verificamos o uso das aspas para os casos já

mencionados em nosso referencial teórico. Os textos que serão nosso objeto de análise neste

momento são de duas naturezas: os do jornal Folha de S.Paulo pertencem ao que ele

denomina texto introdutório, que deve sempre vir antes de entrevistas no formato pingue-

pongue, ou seja, aquelas em forma de pergunta e resposta. A orientação do jornal para esse

tipo de entrevista é a seguinte: “Exige texto introdutório contendo a informação de mais

impacto” (Manual da Redação, 2006: 66). Portanto, ao elaborar esse texto, o jornalista faz a

seleção do DD por critérios subjetivos, segundo o que ele julga que possa causar maior

impacto no leitor, o qual possui, em seguida, a íntegra da entrevista com o DD no contexto em

que ele foi enunciado, mas já retextualizado, acrescente-se. O jornal O Estado de S.Paulo

retextualiza a entrevista do deputado Roberto Jefferson a partir da entrevista publicada na

Folha e o faz na forma de um resumo construído em duas vozes: a do jornalista e a do

entrevistado, relatando seu discurso em DI e em DD e também no que Maingueneau

denomina “resumo com citações”, um tipo de DR muito utilizado na imprensa e que pretende

ter o valor de um documento:

Nesse resumo com citações, as unidades entre aspas são empregadas ao mesmo tempo como no

DI, que restitui o sentido, e como no DD, que restitui as palavras empregadas: o leitor apreende

o sentido e, ao mesmo tempo, lê as palavras mesmas utilizadas pelo enunciador citado.

(Maingueneau, 2004: 155)

Quanto à simbologia adotada, reforçamos: num dado discurso que contém a

mensagem M, entre dois pares de interlocutores L e R, ocorrido numa determinada situação

SIT, com seu tempo T, seu lugar L e outros dados referenciais, ocorre uma referência a um

outro discurso que contém a mensagem m, entre dois pares de interlocutores l e r, ocorrido

numa determinada situação sit, com seu tempo t, seu lugar l e outros dados referenciais (cf.

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Authier-Revuz, 2001:146). Denominaremos, ainda, E o discurso citante e e o discurso citado,

o qual estará em negrito.

a) Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma em entrevista exclusiva que o tesoureiro do PT,

Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio no Congresso. (...)

(...) A partir daí, afirma, o “mensalão” acabou.

Jefferson diz que a mesada era tática do partido. “É mais barato pagar o exército mercenário do que

dividir poder.”

(...)

Questionado sobre por que mudou de idéia, disse que o governo agiu para isolar o PTB. “Vai ter que

sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. Estou percebendo

que estão evacuando o quarteirão e o PTB está ficando isolado para ser explodido.” (ANEXO B-1)

b) “(...)

Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir de então,

ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. “O Zé [Dirceu] deu um soco na mesa: ‘O Delúbio

está errado. Eu falei para não fazer’”.

Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. “Presidente, o Delúbio vai botar uma

dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.” “Que ‘mensalão’?”. Jefferson

explicou. “O presidente Lula chorou.” E depois da conversa com Lula? “Tenho notícia de que a fonte secou.

A insatisfação está brutal [na base aliada] porque a mesada acabou.”

Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: “É mais barato pagar o exército mercenário

do que dividir poder”. O PT, no entender do deputado, “nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e

tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”.

(...) (ANEXO B-2)

c) Presidente do PTB diz que o PT trata seu partido “como se fosse gente de segunda” e que vai enfrentar

a situação de peito aberto

‘Sim, eu preciso da CPI, eu errei’, diz Jefferson Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos Correios

no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é “fundamental” para a sua imagem

e de seu partido. “Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter

recuado.”

(...) Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. E mais: “Ele [o PT] nos usa como uma

amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”.

Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de corrupção

envolvendo seu nome. “O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são solidários.”

(...)

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E confessou: “[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto”.

(ANEXO B-4)

d) O “mensalão” que teria sido pago a deputados federais, em particular do PP e do PL, na base de cem

vezes o “mensalinho”, o salário mínimo, se tornou o aspecto mais importante das recentes denúncias do

deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB. De fato, o “mensalão” choca pelo que tem de vergonhosamente

insólito, pela sua propalada fonte de financiamento, pela estatura política e pela aventada omissão dos

interlocutores a quem o deputado disse ter levado o assunto.

Entretanto, quando se lê a íntegra da entrevista há outras menções que não causaram tanto espanto da

classe política, mas que por isso mesmo são escandalosas pelo que revelam da trivialidade com que certos

negócios políticos são tratados no Brasil. Vejamos alguns desses trechos.

Sobre seu relacionamento com Lídio Duarte, ex-presidente do IRB (a resseguradora estatal), indicado

para o cargo pelo PTB, o deputado explicou: “... eu pedi a ele que ajudasse através das seguradoras e

corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB...” Ou seja, não se vê nenhum problema

em pedir ao então presidente do IRB que usasse sua posição para angariar contribuições desse tipo, um pedido

que, se atendido, o colocaria em posição vulnerável pelo que poderia ser solicitado em troca. (...)

Sobre a reportagem da revista Época desta semana, na qual se aponta um sorveteiro como “laranja” do

deputado em duas rádios, Jefferson declarou que um empresário “...pediu duas concessões de rádio, e eu

ofereci”. E disse: “Você vai colocar lá o Durval (o sorveteiro), ... amigo do peito. Você vai ajudar dando a

ele a participação acionária na contrato social da rádio. É uma maldade, é uma perversidade da revista

tratar o Durval como laranja.” Ou seja, não se vê nenhum problema em intermediar a concessão de um

serviço público, esse da rádio, para um ou outro protegido. (...) (ANEXO D-1)

e) Sobre “boa fé”, quem entrega os Correios a um político com o passado “troglodita” auto-assumido por

Roberto Jefferson não tem boa fé nem é socialista. Tem cegueira (ou talvez coisa pior, dependendo do

andamento das investigações). (ANEXO B-9)

f) Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), afirma

que o dinheiro do “mensalão” pago pelo PT a deputados de partidos aliados no Congresso vinha de estatais e de

empresas do setor privado.

“Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas”, diz Jefferson. “Sei que as direções do PP

e do PL recebiam.”

O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na próxima terça,

vai contar tudo o que “vivenciou” “nesta relação de dois anos e meio com o governo do PT”. A discussão

sobre cargos entre os dois partidos acontecia, segundo ele, no Palácio do Planalto, em uma sala “ao lado do

gabinete” do ministro José Dirceu.

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(...) Teria sido aprovada uma verba de R$ 20 milhões. “O primeiro recurso chegou em julho: R$ 4

milhões, em dinheiro, em espécie”, diz. Segundo ele, as outras parcelas não vieram, “tensionando a relação”

PTB-PT. Na entrevista, Jefferson poupa Luiz Inácio Lula da Silva. “Deixaram o presidente completamente

desinformado. (ANEXO B-5)

g) (...) Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília “em malas” para ser distribuído em ação comandada

pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o publicitário Marcos Valério e o

líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR).

Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em pivô da pior

crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do “mensalão”, Jefferson nega ter gravações

comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores que tomaram conta de Brasília ao

longo da semana. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.”

Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o “mensalão”, Jefferson não poupa

ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma conversa com o próprio deputado

no início deste ano. A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. “O corpo mole [na Câmara] é

porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base.”

Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais integrantes do que

ele chama de “cabeça” do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Narra suas

reuniões com esse time para tratar da distribuição de cargos, em uma sala “reservada ao Silvio Pereira” ao lado

do gabinete de Dirceu no Palácio do Planalto.

Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a entrevista

que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua segurança. “Se fizerem

alguma coisa comigo, cai a República.” (ANEXO B-6)

h) Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para mostrar à CPI.

“Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.”

O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de

cargos no governo. “Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio

Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé

Dirceu participava. O Genoino também.” (ANEXO B-7)

i) Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em “armadilha” preparada

pelo ministro José Dirceu

“Se fizerem algo comigo, cai a República” Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa “armadilha” do

ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. A partir daí, “recrudesceu o

noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”.

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A mesma mão ele vê na orientação do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz tudo na

correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.”

O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita a idéia

de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz tranqüilo, apesar de tudo.

“Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido,

quanto à sociedade brasileira." (ANEXO B-8)

j) 1. O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) voltou a acusar o esquema de mesadas a deputados,

afirmando que o chamado mensalão era pago em dinheiro vivo, provinha de estatais e empresas privadas, e

trazido em malas, basicamente por dois “operadores”, o líder do PP na Câmara, deputado José Janene (PR), e o

publicitário Marcos Valério, dono das empresas DNA Propaganda e SMP&B, ambas de Belo Horizonte.

(...)

Segundo ele, no PTB os parlamentares foram “acalmados” com a promessa de que, nas eleições, o PT

daria ao PTB recursos para serem divididos entre os candidatos trabalhistas. A primeira etapa dessa “parceria”

aconteceu nas eleições municipais de 2004 (...)

(...) De acordo com o presidente do PTB, Janene seria um dos “operadores” diretos do esquema do

mensalão, informando que ele “vai na fonte, pega, vem”. E disse mais: “Eu já vi o Zé Dirceu muito irritado

com ele porque ele se apresentava como ‘operador do Zé Dirceu’”.

Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso são “uma

crise de abstinência”: “O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a

líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, a bancada de aluguel”,

afirmou. (...)

O deputado petebista narrou as reações do presidente, insistindo na versão de que Lula chorou quando

ouviu a história do mensalão: “Foi como se alguém dissesse (para ele) ‘olha ali tua mulher com outro

homem’, aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram”. (...) (ANEXO D-2)

l) 2. (...) A sugestão era que Jefferson “matasse no peito” e “puxasse” a crise para o PTB, limpando a

área do PT e do governo. (...)

O parlamentar fluminense atacou seletivamente o comando do PT, nomeando as pessoas que busca

atingir: “Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira (secretário-geral do partido), Zé Dirceu. É esta a cabeça”,

acusou. E deu o seu diagnóstico: “O PT entendia, na sua cabeça, na sua cúpula, que era muito mais barato

alugar um deputado do que discutir com os partidos um projeto de governo”.

Nessa parte da entrevista, ele acusou diretamente o ministro José Dirceu. Disse que vários ministros

(mencionou Ciro Gomes, Paulo Bernardo, Aldo Rebelo e José Dirceu) quiseram ir a sua casa para demovê-lo a

resistir à primeira denúncia e retirasse sua assinatura da CPI. Jefferson teria se recusado a recebê-los. “No dia

seguinte”, contou, “eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda

subir os ministros Aldo Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho, estão os dois sentados na sala”.

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Segundo Jefferson, Dirceu teria repetido o pedido que antes fora feito por Chinaglia – “matar no peito

e puxar a crise para si”, prometendo nomear um indicado seu para a Eletronorte. Ele, então, concordou em

começar a “matar no peito”, isto é, retirar a assinatura da CPI.

Com o passar dos dias, percebeu um erro tático e disse ao ministro Walfrido dos Mares Guia: “Vão

botar tudo no colo do PTB”. E acrescentou: “Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento – Zé Dirceu,

Genoino, Delúbio – para colocar esse cadáver podre no colo do PTB”, reiterou agora.

Na entrevista, Jefferson rebateu a afirmação de Delúbio – de que estaria fazendo chantagem com o PT e

o governo. “No ano passado, eu falei do mensalão aos ministros. Isso não é chantagem, é advertência.

Chantagear é para ganhar dinheiro”, esquivou-se.

E definiu, com frieza calculada o estado das relações do PTB com o governo: “Chegamos a um ponto

em que se exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do

governo. Eu entendo que acabou a relação.”

(...)

Com a mesma frieza, passou mais um recado para garantir a tensão dos próximos dias: reconheceu que

“as coisas têm de ser paulatinas” e explicou por que tem falado em conta-gotas para contar o que sabe. “Se eu

falo paulatinamente, não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram”, explicou, como

se estivesse compondo um roteiro de novela.

No arremate, o recado final: ele não se sente ameaçado em sua segurança pessoal. “Se fizerem alguma

coisa comigo”, advertiu, “cai a República”. (ANEXO D-2)

3.3.1. As aspas e o DD sem verbo de elocução

Os verbos de elocução, como já vimos, podem direcionar a interpretação do discurso

relatado. Sua ausência, portanto, poderia pressupor uma isenção maior do enunciador em

relação a esse mesmo discurso. Façamos a verificação.

a) Jefferson diz que a mesada era tática do partido. “É mais barato pagar o exército

mercenário do que dividir poder.”

(...)

Questionado sobre por que mudou de idéia, disse que o governo agiu para isolar o PTB. “Vai

ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos

chacais. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão e o PTB está ficando isolado

para ser explodido.” (ANEXO B-1)

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No trecho a, verificamos que e, nos dois casos, é empregado para avalizar E, e o DD,

aqui, cumpre bem esse papel. É interessante notar, também, a rede metafórica criada por meio

da seleção do DD, que conduz o co-enunciador a um “campo de guerra”: “exército

mercenário”, “sangrar a cabeça”, “guilhotina”, “carne e sangue aos chacais”, “evacuando o

quarteirão”, “isolado”, “explodido”. Essa rede, aliás, já se inicia em E com o emprego da

palavra “tática”. Quando o interlocutor L fez a seleção do DD: “É mais barato pagar o

exército mercenário do que dividir poder”, ele também tinha à sua disposição, imediatamente

após, a paráfrase: “É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo.”

A intenção, nesse caso, ao fazer a seleção do DD, encaminha-nos para o cenário político

daquele momento, em que o deputado, acuado por diversas acusações, resolve deflagrar uma

verdadeira “guerra” contra seus “algozes”, justifica o espaço aberto na Folha para seu

pronunciamento e revela, poderíamos dizer, um certo sensacionalismo. Configura-se nesse

exemplo, portanto, o que Marcuschi denomina “interpretação pela seleção do que é

informado’, que é “um tipo especial de interpretação pelo interesse” (Marcuschi, 1991: 78).

b) Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a

partir de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. “O Zé [Dirceu] deu

um soco na mesa: ‘O Delúbio está errado. Eu falei para não fazer’”. (ANEXO B-2)

No trecho acima, o DD também é usado como recurso argumentativo comprobatório

de E, exemplificando uma das tentativas de denúncia elencadas pelo deputado Roberto

Jefferson. Nesse trecho da entrevista, o deputado cita conversas que teve com seis pessoas e a

escolhida para exemplificar E foi justamente a do então ministro José Dirceu. Levantamos,

aqui, duas hipóteses: a primeira de que existe uma intenção de ressaltar a figura do ex-

ministro como, na melhor das hipóteses, uma pessoa omissa; a segunda diz respeito à atitude

enérgica (dar um soco na mesa) do ex-ministro quando informado por Roberto Jefferson,

seguindo a mesma linha de agressividade da capa.

c) Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. “Presidente, o Delúbio vai

botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.” “Que

‘mensalão’?”. Jefferson explicou. “O presidente Lula chorou.” E depois da conversa com

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Lula? “Tenho notícia de que a fonte secou. A insatisfação está brutal [na base aliada]

porque a mesada acabou.” (ANEXO B-2)

O trecho acima é essencialmente polifônico. Nele, alternam-se dois planos de

enunciação: o plano do interlocutor L, no caso o jornalista, e o plano do interlocutor l, no caso

o deputado Roberto Jefferson, em conversa com o interlocutor r, o presidente Lula. As únicas

marcas tipográficas que delimitam tais planos são as aspas (Maingueneau, 2004: 140). O

interlocutor L, ao empregar tal recurso, assume algumas informações e não assume outras.

Por exemplo: L assume a informação “Jefferson explicou”, embora não tenha provas de que

isso tenha realmente ocorrido, uma vez que, na entrevista, o deputado apenas diz: “Aí eu

expliquei ao presidente”. Logo em seguida, coloca entre aspas a informação: “O presidente

Lula chorou”, não a assumindo. Se a assumisse, poderia ter dito: “Jefferson explicou e o

presidente Lula chorou”, mas assumi-la seria acreditar nela e se posicionar claramente, o que,

como vimos na análise dos verbos de elocução, a Folha evitou fazer. A ausência de introdutor

explícito confere dinamismo ao relato, como se fossem várias cenas de uma peça de teatro, e

transfere ao co-enunciador a tarefa de atribuir o discurso citado às fontes corretas.

d) Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos

Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é

“fundamental” para a sua imagem e de seu partido. “Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu

não deveria ter recuado, não deveria ter recuado.” (ANEXO B-4)

No trecho acima, e vem, novamente, comprovar a tese de E: o DD é utilizado como

prova do DI e recurso argumentativo bastante forte, pois revela uma confissão do locutor l,

assumindo o seu erro; arrependido, elabora frases curtas e utiliza repetições enfáticas.

e) Na entrevista de ontem, o petebista também atacou o PT e o governo Luiz Inácio Lula da

Silva. Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. E mais: “Ele [o PT] nos usa como

uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. (ANEXO B-4)

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O interlocutor l, na entrevista, ao afirmar que “o partido do presidente não tem

coração”, faz uma analogia à relação entre um homem e sua amante, aludindo à ausência de

amor nesse tipo de relação. A relação entre esses dois enunciados, portanto, é natural: o

segundo seria uma exemplificação do primeiro. Da forma como eles aparecem, entretanto, o

segundo acrescenta-se ao primeiro, conferindo-lhe uma gravidade maior, inclusive porque

nossa sociedade é monogâmica e relações extraconjugais não são aceitas.

f) Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de

corrupção envolvendo seu nome. “O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são

solidários.”(ANEXO B-4)

g) Na entrevista, Jefferson poupa Luiz Inácio Lula da Silva. “Deixaram o presidente

completamente desinformado.” (ANEXO B-5)

h) Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em

pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do “mensalão”, Jefferson

nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores

que tomaram conta de Brasília ao longo da semana. “Tenho a palavra e a vivência desta

relação de dois anos e meio com o governo do PT.”(ANEXO B-6)

i) A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. “O corpo mole [na Câmara] é

porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da

base.”(ANEXO B-6)

j) Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a

entrevista que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua

segurança. “Se fizerem alguma coisa comigo, cai a República.”(ANEXO B-6)

l)Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para

mostrar à CPI. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o

governo do PT. (ANEXO B-7)

Nos trechos h a l, vai-se confirmando a tendência, no uso do DD sem introdutor

explícito, da utilização de e para confirmar o que é dito em E. Emprega-se, portanto, o DD

para comprovar as afirmações que vão sendo feitas ao longo do texto, confirmando a

afirmação de Maingueneau (2004) de que o DD seria uma encenação visando criar um efeito

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de autenticidade. Notemos que, em f e g, temos em E uma interpretação das situações

descritas por meio das expressões “se declarou abandonado” e “poupa”. Em nenhum

momento o interlocutor l disse “estou me declarando abandonado” ou “eu poupo o

presidente”. Essas são interpretações de L para as situações descritas e direcionam a

interpretação dos enunciados, como afirma Marcuschi, para quem a informação de opinião “é

sempre a apresentação de um discurso interpretado” ( Marcuschi, 1991: 78). Confirma-se,

também, a afirmação de Maingueneau (2004: 141), que chama a atenção para o fato de que o

enunciador de E possui muitos meios para dar um enfoque pessoal a e. Acreditamos que os

exemplos f e g revelem um desses meios.

m) O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a

ocupação de cargos no governo. “Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa

salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta,

entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O Genoino

também.”(ANEXO B-7)

A opção pelo DD, no trecho anterior, põe em evidência a naturalidade com que as

negociações entre o PTB e o PT aconteciam, em pleno Palácio do Planalto e, principalmente,

a desenvoltura dos membros do PT nessas reuniões, de conhecimento de todos. Ao manter o

DD, L promove exatamente ao que ele se presta: uma teatralização dos fatos. (cf.

Maingueneau, 1993: 85)

n) Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em “armadilha”

preparada pelo ministro José Dirceu

“Se fizerem algo comigo, cai a República”(ANEXO B-8)

O DD, no exemplo (n), é empregado no título e, assim isolado do ato de enunciação

em que ele foi proferido, ganha uma gravidade maior, assumindo a força pragmática de uma

ameaça. Na entrevista, porém, tal enunciado corresponde a uma resposta:

Folha – Nos últimos dias, o sr. passou a temer por sua segurança?

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Jefferson – Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a

República. (...) (ANEXO B-8, linhas 139-141)

o) A mesma mão ele vê na orientação do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz

tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.”

O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita

a idéia de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz

tranqüilo, apesar de tudo. “Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu

partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira." (ANEXO B-8)

No trecho o, temos, novamente, em e, a confirmação de E, por meio do DD.

p) O deputado petebista narrou as reações do presidente, insistindo na versão de que Lula

chorou quando ouviu a história do mensalão: “Foi como se alguém dissesse (para ele) ‘olha

ali tua mulher com outro homem’, aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas

brotaram”. (...) (ANEXO D-2)

Nesse trecho p, e, mais uma vez, constrói uma analogia com a relação homem/mulher,

para falar da reação de uma pessoa quando descobre que foi traída. O apelo de l à emoção de

quem o leria, ao empregar tal analogia, é muito forte e tem por intenção isentar o presidente

Lula de qualquer responsabilidade. L, porém, parece empregá-la com outro objetivo, pois, em

E, utiliza os termos “narrou” e “insistindo na versão” que, como já analisamos anteriormente,

pretendem desacreditar l e, ao acrescentar e, ilustra sua tese com as palavras dele mesmo.

Cria-se, portanto, um discurso distinto, como propõe Maingueneau (2004:54).

Portanto, o que podemos concluir em relação ao uso do DD sem verbo de elocução é

que existe uma forte tendência a utilizá-lo como recurso argumentativo de L.

3.3.2. As aspas e o DD com verbo de elocução

Temos razões para afirmar que existem dois usos diferentes do DD: o primeiro, sem os

verbos de elocução, em que o DD é empregado como prova irrefutável da tese lançada por L

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em E, como já confirmamos no item 3.3.1., e o segundo, com os verbos de elocução, em que

o DD vai acrescentando informações inéditas, e os verbos, por sua vez, vão condicionando ou

não sua interpretação. Façamos a verificação:

a)Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: “É mais barato pagar o exército

mercenário do que dividir poder”. (ANEXO B-2)

No item a, o DD é empregado para criar um distanciamento de l: como foi l quem

denunciou a existência do “mensalão”, é natural que ele mesmo explique o porquê desse

procedimento.

b) ‘Sim, eu preciso da CPI, eu errei’, diz Jefferson (ANEXO B-4)

c) E confessou: “[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito

aberto”. (ANEXO B-4)

Os itens b e c trazem a admissão de culpa de l e a revelação de sua fragilidade,

confirmada no uso do verbo “confessou”, introduzindo o DD e, portanto, já condicionando a

sua interpretação. Nesse caso, o DD cria a autenticidade necessária para relatos tão subjetivos.

d) Sobre seu relacionamento com Lídio Duarte, ex-presidente do IRB (a resseguradora estatal),

indicado para o cargo pelo PTB, o deputado explicou: “... eu pedi a ele que ajudasse através

das seguradoras e corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB...”

Ou seja, não se vê nenhum problema em pedir ao então presidente do IRB que usasse sua

posição para angariar contribuições desse tipo, um pedido que, se atendido, o colocaria em

posição vulnerável pelo que poderia ser solicitado em troca. (...)(ANEXO D-1)

e) E disse: “Você vai colocar lá o Durval (o sorveteiro), ... amigo do peito. Você vai ajudar

dando a ele a participação acionária na contrato social da rádio. É uma maldade, é uma

perversidade da revista tratar o Durval como laranja.” Ou seja, não se vê nenhum

problema em intermediar a concessão de um serviço público, esse da rádio, para um ou outro

protegido. (...) (ANEXO D-1)

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O emprego do DD nos itens d e e, marcando a fronteira entre E e e, provoca um

distanciamento proposital de L, que utiliza e como ponto de partida para as críticas que

pretende fazer, criando dois discursos distintos: o que originalmente era argumento favorável

ao entrevistado torna-se argumento contrário.

f) “Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, em malas”, diz Jefferson. “Sei que as

direções do PP e do PL recebiam.” (ANEXO B-5)

g)(...) Teria sido aprovada uma verba de R$ 20 milhões. “O primeiro recurso chegou em

julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie”, diz (ANEXO B-5)

As informações acrescentadas por e a E são revelações importantes que, por seu forte

conteúdo, não são assumidas por L, deixando que o DD promova esse distanciamento.

h)E disse mais: “Eu já vi o Zé Dirceu muito irritado com ele porque ele se apresentava

como ‘operador do Zé Dirceu’”.(ANEXO D-2)

O que podemos assinalar, no exemplo h, é que, em E, o emprego da expressão “E

disse mais” dá ênfase a e, como se dissesse “foi mais além, não parou por aí”. O mesmo

ocorre no trecho i, com o verbo “acusou”, posposto ao DD, para não deixar dúvidas a respeito

da intenção de l, e com a expressão “E deu o seu diagnóstico”, introduzindo o DD,

condicionando a sua interpretação, ou seja, o DD é a sua opinião a respeito da lógica do

“mensalão”.

i) O parlamentar fluminense atacou seletivamente o comando do PT, nomeando as pessoas que

busca atingir: “Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira (secretário-geral do partido), Zé

Dirceu. É esta a cabeça”, acusou. E deu o seu diagnóstico: “O PT entendia, na sua cabeça,

na sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado do que discutir com os

partidos um projeto de governo”.

Nessa parte da entrevista, ele acusou diretamente o ministro José Dirceu. Disse que vários

ministros (mencionou Ciro Gomes, Paulo Bernardo, Aldo Rebelo e José Dirceu) quiseram ir a

sua casa para demovê-lo a resistir à primeira denúncia e retirasse sua assinatura da CPI.

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Jefferson teria se recusado a recebê-los. “No dia seguinte”, contou, “eu estava tomando

banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros Aldo

Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho, estão os dois sentados na sala”.(ANEXO

D-2)

No relato pertencente a e, acima, l, ao narrar uma sucessão de fatos em ordem

cronológica (“No dia seguinte”), pretende dar veracidade ao seu discurso e, como afirma Preti

(2004: 21), “ pode ser analisado como um recurso de que o falante dispõe para referir-se a

eventos ocorridos e que têm ligação com o tema sobre o qual está falando”. L, porém, ao

empregá-lo em E com o verbo “contou”, além de não se responsabilizar por e, direciona o

leitor a interpretá-lo como uma história, como já vimos na análise dos verbos de elocução.

Atentemos para o emprego do futuro do pretérito no verbo “teria”, indicando um fato

hipotético.

j) Com o passar dos dias, percebeu um erro tático e disse ao ministro Walfrido dos Mares Guia:

“Vão botar tudo no colo do PTB”. E acrescentou: “Eu vejo nitidamente o dedo desse

segmento – Zé Dirceu, Genoino, Delúbio – para colocar esse cadáver podre no colo do

PTB”, reiterou agora.

Na entrevista, Jefferson rebateu a afirmação de Delúbio – de que estaria fazendo chantagem

com o PT e o governo. “No ano passado, eu falei do mensalão aos ministros. Isso não é

chantagem, é advertência. Chantagear é para ganhar dinheiro”, esquivou-se.

E definiu, com frieza calculada o estado das relações do PTB com o governo: “Chegamos a

um ponto em que se exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que

podem continuar na base do governo. Eu entendo que acabou a relação.”(ANEXO D-2)

l) “Se eu falo paulatinamente, não é por chantagem. É para ir mostrando como as coisas

se deram”, explicou, como se estivesse compondo um roteiro de novela.

No arremate, o recado final: ele não se sente ameaçado em sua segurança pessoal. “Se fizerem

alguma coisa comigo”, advertiu, “cai a República”.(ANEXO D-2)

Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso são

“uma crise de abstinência”: “O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio

sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército

mercenário, a bancada de aluguel”, afirmou. (...) (ANEXO D-2)

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Os trechos j e l são diretamente condicionados pelo emprego dos verbos de elocução.

L emprega o DD nos trechos em que l é mais contundente, não só nos exemplos acima, como

na maioria dos exemplos analisados.

3.3.3. As aspas e a “ilha textual em DI”

Os casos de “ilha textual em DI” são aqueles em que fragmentos de e são

acrescentados ao fio do discurso de E, como que conservados da sua mensagem de origem,

como elementos “intraduzíveis”. Verifiquemos, nos exemplos abaixo, por que razão o

enunciador L preferiu conservar tais fragmentos.

3.3.3.1. As aspas no termo “mensalão”

Um dos termos mais empregados pela mídia em 2005/2006, a palavra “mensalão” não

consta de nenhum dicionário da língua portuguesa, pois é um neologismo. A seu respeito,

pesquisamos na Internet e reunimos as seguintes informações:

1. Escândalo do Mensalão ou esquema de compra de votos de parlamentares é o nome dado a

maior crise política sofrida pelo governo brasileiro do então presidente Luiz Inácio Lula da

Silva (PT) em 2005/2006. O neologismo mensalão, popularizado pelo então deputado federal

Roberto Jefferson em entrevista que deu ressonância nacional ao escândalo, é uma variante da

palavra “mensalidade” usada para se referir a uma suposta “mesada” paga a deputados para

votarem a favor de projetos de interesse do Poder Executivo. Segundo o deputado, o termo já

era comum nos bastidores da política entre os parlamentares para designar essa prática ilegal.

A palavra “mensalão” foi então adotada pela mídia para se referir ao caso. A primeira vez que

a palavra foi grafada em um veículo de comunicação de grande reputação nacional ocorreu no

jornal Folha de S.Paulo, na matéria do dia 6 de junho de 2005.

2. Mensalão: apareceu pela primeira vez nas declarações do deputado Roberto Jefferson para

designar o suposto pagamento mensal feito para deputados. Com a descoberta de que alguns

deputados recebiam recursos com uma certa regularidade, porém nem sempre mensal (semanal,

quinzenal, diária etc), o significado da palavra foi expandido e passou a designar pagamentos

com uma certa regularidade para comprar deputados. Num sentido mais amplo pode significar

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todo pagamento feito a deputado com fins de suborno. A CPMI dos Correios definiu

“mensalão” em seu relatório de 21 de dezembro de 2005 como: “Fundo de recursos utilizados,

especialmente, para atendimento a interesses político-partidários”. Algumas pessoas usam a

palavra como sinônimo de “propina” ou “suborno”. 11

Pelas informações obtidas, o primeiro uso público do termo “mensalão” foi feito pelo

deputado Roberto Jefferson na entrevista à Folha do dia 6/6/2005. A primeira menção ao

termo foi feita na capa:

a) Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma em entrevista exclusiva que o

tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio

no Congresso. (...)

(...) A partir daí, afirma, o “mensalão” acabou. (ANEXO B-1)

O termo “mensalão” aparece como pertencendo a e, e, portanto, de responsabilidade

de l. De fato, por ser um termo novo, desconhecido, L prefere atribuir a responsabilidade de

seu emprego a l, antecedendo-o do artigo indefinido “um”, que reforça o desconhecimento do

termo. A partir daí, o jornal Folha de S.Paulo continua a empregar o termo, porém antecedido

do artigo definido “o” e sempre utilizando as aspas da modalização autonímica, remetendo ao

primeiro emprego do termo, feito por Roberto Jefferson na entrevista exclusiva:

b) “(...)

Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir

de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. (ANEXO B-2)

c) Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson

(RJ), afirma que o dinheiro do “mensalão” pago pelo PT a deputados de partidos aliados no

Congresso vinha de estatais e de empresas do setor privado. (ANEXO B-5)

d) Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em

pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do “mensalão”, Jefferson

nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores

que tomaram conta de Brasília ao longo da semana.(ANEXO B-6)

11 www.wikipédia.com.br, acessado em 17/7/2006.

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e) Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o “mensalão”, Jefferson

não poupa ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma

conversa com o próprio deputado no início deste ano.(ANEXO B-6)

f) Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para

mostrar à CPI. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo

do PT.” (ANEXO B-7)

Após o emprego do termo na Folha, a palavra passa ao domínio público e é adotada

pela mídia para se referir ao caso, possuindo, inclusive, variantes de sentido, designando

qualquer pagamento feito a deputado com o objetivo de suborno ou ainda dando origem ao

termo “mensalinho”, no caso que envolveu o ex-presidente da Câmara dos Deputados,

Severino Cavalcanti.

3.3.3.2. As aspas nos outros termos

g) O PT, no entender do deputado, “nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e tem

vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. (ANEXO B-2)

h) Presidente do PTB diz que o PT trata seu partido “como se fosse gente de segunda” e que

vai enfrentar a situação de peito aberto (ANEXO B-4)

i)(...) Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. (ANEXO B-4)

j) A sugestão era que Jefferson “matasse no peito” e “puxasse” a crise para o PTB, limpando

a área do PT e do governo. (...)(ANEXO D-2)

l) Segundo Jefferson, Dirceu teria repetido o pedido que antes fora feito por Chinaglia –

“matar no peito e puxar a crise para si”, prometendo nomear um indicado seu para a

Eletronorte. Ele, então, concordou em começar a “matar no peito”, isto é, retirar a assinatura

da CPI.(ANEXO D-2)

Nos casos g a l, os fragmentos conservados poderiam ser classificados como

intraduzíveis por conterem expressões populares ou com forte carga emotiva. É o que

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Authier-Revuz denominaria a “não-coincidência do discurso consigo mesmo” (2001: 23),

uma vez que a linguagem jornalística busca objetividade. Por outro lado, a Folha, em seu

Manual de Redação (2006: 66), orienta os jornalistas, no caso de publicação de entrevistas, a

não trocar palavras nem modificar o estilo da linguagem da pessoa entrevistada, a qual, no

nosso caso, sabe manejar muito bem a linguagem e tem um estilo teatral de se comunicar,

com gestos largos e modulações na voz. Ao ser descrito pela jornalista Catia Seabra (Folha de

S. Paulo, 6/6/2005, A4), por exemplo, lhe é atribuído o adjetivo “performático”.

É interessante notar, no item j, que E se aproveita da rede metafórica criada por e,

acrescentando a expressão “limpando a área”, que também se refere ao jargão futebolístico.

m)Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos

Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é

“fundamental” para a sua imagem e de seu partido. (ANEXO B-4)

Poderíamos levantar a hipótese de que existe uma certa ironia ao se salientar apenas o

termo “fundamental”, pois seu uso chama a atenção para o seguinte fato: Roberto Jefferson

mudou de idéia ao assinar a citada lista, retirar seu nome dela e, novamente, decidir-se por

assiná-la. Assinalar localmente tal termo não pode ser visto como um mero acaso.

n) Sobre a reportagem da revista Época desta semana, na qual se aponta um sorveteiro como

“laranja” do deputado em duas rádios, Jefferson declarou que um empresário “...pediu duas

concessões de rádio, e eu ofereci”. (ANEXO D-1)

A modalização autonímica acima mostra muito bem como se pode construir um texto

com fragmentos de discurso citado, empregando-o para, em seguida, criticá-lo. É o que o

interlocutor L faz em boa parte de E, na qual se propõe a analisar trechos da primeira

entrevista de Roberto Jefferson (6/6/2005), os quais, segundo L, são escandalosas revelações

de como é feita a política no Brasil e aos quais não se deu tanta atenção. Ou seja, L, na

introdução de seu texto, já diz a que veio: esmiuçar trechos da entrevista que merecem maior

atenção, pois são reveladores de graves procedimentos. Para fazer isso, emprega e, que, nesse

contexto, adquire valor completamente diverso do original. No original, era recurso

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argumentativo favorável a Roberto Jefferson, que não via gravidade em procedimentos

correntes na política nacional e os empregava para explicar suas atitudes; recortado, porém,

do original, e empregado no texto de E, transforma-se em recurso argumentativo desfavorável

não só a Roberto Jefferson, mas a toda a classe política brasileira: são suas palavras usadas

contra ele. Aqui podemos perceber claramente o valor das aspas, que chamam a atenção para

e e comprovamos que “o ‘mesmo’ enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois

discursos distintos.” (Maingueneau, 2004:54)

o) Sobre “boa fé”, quem entrega os Correios a um político com o passado “troglodita” auto-

assumido por Roberto Jefferson não tem boa fé nem é socialista. Tem cegueira (ou talvez coisa

pior, dependendo do andamento das investigações). (ANEXO B-9)

A principal acepção do termo “troglodita”, em qualquer dicionário, é “que vive em

cavernas”. Empregado como caracterizador do substantivo “passado”, poderia ser interpretado

como “passado em que se era pouco evoluído”, decorrendo, disso, tudo o que se pode atribuir

a um “homem das cavernas”: pouco conhecimento, pouco ou nenhum diálogo, uso da força

para resolver os problemas (a “lei do mais forte”) etc. O que notamos, porém, em primeiro

lugar, é que a atribuição do termo “troglodita” a Roberto Jefferson é duvidosa. Há duas

possibilidades: a primeira seria uma referência ao seguinte trecho:

Eu não temo o enfrentamento público. Nunca temi. Talvez por isso eu tenha construído essa

fama de truculento, de homem violento. Não sou um homem agressivo, não tenho na minha

vida registro de uma lesão corporal contra uma pessoa, não fiz nenhum mal a uma pessoa. Só

cara de bravo, pinta de bravo, jeito de bravo. (ANEXO B-4, linha 97)

Nesse caso, observamos duas discordâncias: a primeira é que Roberto Jefferson, na

entrevista, não utiliza o termo “troglodita”, mas “truculento”, cuja acepção, nos dicionários, é

“feroz, cruel, brutal”, referindo-se exclusivamente à questão da violência que lhe é atribuída.

De fato, Roberto Jefferson, em seguida, confirma essa acepção, empregando a paráfrase “de

homem violento”. “Troglodita”, se estiver sendo usado em substituição a “truculento”,

assumiria outro valor, referindo-se não só à questão da violência, mas também à ignorância,

pouca evolução de Roberto Jefferson.

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A segunda discordância, cremos mais grave ainda, é o fato de que Roberto Jefferson,

em sua enunciação, não assumiu ser uma pessoa truculenta, pelo contrário, disse que tem a

fama de ser assim e negou esse fato, argumentando que só tem a aparência de um homem

truculento, mas que nunca agrediu ninguém. Portanto, a atribuição a ele desse termo revela-

nos a intenção do jornalista de denegrir a imagem de Roberto Jefferson por ele mesmo, como

se dissesse, “ele mesmo disse, ele assumiu isso”. Nesse trecho, houve uma clara tentativa de

persuadir o leitor empregando as aspas para referir-se à fala de l como forte recurso

argumentativo, como afirmam Gavazzi e Rodrigues, para quem tal procedimento “revela-se

como uma forte prova argumentativa na busca de um objetivo persuasivo” (Gavazzi e

Rodrigues, 2003: 60).

A outra possibilidade à qual nos remetemos seria uma referência a um texto que faz

uma retrospectiva da vida pública de Roberto Jefferson:

Jefferson conquistou notoriedade como advogado de pobres no popular “O Povo na TV”, na

década de 80. Armado e com 170 quilos, Jefferson admite: “Era um troglodita”. Hoje, mesmo

com a redução do estômago e aulas de canto, reage quando pedem calma: “Mudei. Mas não

virei Mary Poppins”. (ANEXO B-2, linha 75)

Nesse caso, as ilhas textuais não se encontram em nenhum trecho da entrevista que foi

publicada no dia 6/6/2005 e podem estar fazendo referência a outro ato de enunciação de

Roberto Jefferson. O problema, aqui, seria o fato de não haver menção da situação em que tal

enunciado tenha sido proferido (sit), bem como dos elementos pertinentes a ela: t, l e outros

dados referenciais. O recorte do enunciado, que é apenas parte do ato de enunciação, cria

outras encenações que não correspondem à realidade.

p) O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na

próxima terça, vai contar tudo o que “vivenciou” “nesta relação de dois anos e meio com o

governo do PT”. A discussão sobre cargos entre os dois partidos acontecia, segundo ele, no

Palácio do Planalto, em uma sala “ao lado do gabinete” do ministro José Dirceu. (ANEXO B-

5)

No trecho p, podemos observar usos diferentes para as três ocorrências de

“modalização autonímica”. A “não-coincidência das palavras consigo mesmas” parece ter

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intenções distintas. No caso do termo “vivenciou”, o que podemos afirmar é que ele foi

empregado em primeira pessoa por l no seguinte trecho:

Vou colocar claramente ao Brasil tudo o que vivenciei, tudo o que conversei, tudo de que

tratei. Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.

(ANEXO B-7, linha 31)

Embora l tenha empregado o verbo “vivenciei” e o substantivo “vivência”, parece-nos

que seu emprego em 3ª pessoa quer chamar a atenção para o fato de l estar, na entrevista,

relatando fatos de sua vida, de sua experiência pessoal. Nesse trecho, o uso com menção a que

se refere Authier-Revuz nos casos de “modalização autonímica” fica bastante evidente,

quando “a enunciação desse signo, em vez de se realizar ‘simplesmente’, no esquecimento

que acompanha as evidências inquestionáveis, desdobra-se como um comentário de si

mesma.” (Authier-Revuz, 2001: 14)

No caso da expressão “ao lado do gabinete”, vemos a clara intenção de L em salientar

que as conversas entre Roberto Jefferson e membros do governo aconteciam com o

conhecimento do ex-ministro José Dirceu. Analisemos o trecho da entrevista (Folha de

S.Paulo, 12/6/2005, página A5), de onde foi extraída a expressão:

Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Várias vezes

eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era

tratado com o conhecimento dessas pessoas e do Sílvio Pereira. Isso no início do governo. Há

uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em

quando nós fazíamos essas conversas.

Noventa por cento das conversas eram feitas no palácio, numa salinha que era reservada ao

Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava

e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também. (ANEXO B-7, linha 78)

Em primeiro lugar, temos uma alteração no termo empregado originalmente por l, que

usa a expressão “contígua à do gabinete”, substituída, em e, por “ao lado do gabinete”,

expressão mais informal e com maior força pragmática, salientando o fato de que é impossível

alguém, no caso o ex-ministro José Dirceu, não saber de algo que se passava tão próximo

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dele, ou, popularmente, “nas suas barbas”. Em segundo lugar, por que colocar apenas essa

expressão entre aspas e não colocar, por exemplo, “no Palácio do Planalto”, que também faz

parte do enunciado original? Talvez porque, ao salientar o termo “Palácio do Planalto”,

poderia se estar chamando a atenção para o fato de que as conversas aconteciam muito

próximas do presidente Lula; por outro lado, temos um forte indício, já levantado por nós na

análise do exemplo 3.3.1-b, de que o jornal tinha a intenção de “derrubar” o ex-ministro José

Dirceu.

q) Segundo ele, as outras parcelas não vieram, “tensionando a relação” PTB-PT.(ANEXO B-

5)

No trecho q, a ilha textual chama a atenção para o fato de que a tensão entre os dois

partidos, culminando com a denúncia do “mensalão”, ocorreu porque o dinheiro prometido

pelo PT não veio.

r) Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais

integrantes do que ele chama de “cabeça” do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira

e Marcelo Sereno. Narra suas reuniões com esse time para tratar da distribuição de cargos, em

uma sala “reservada ao Silvio Pereira” ao lado do gabinete de Dirceu no Palácio do

Planalto.(ANEXO B-6)

O termo “cabeça” revela um caso de “não-coincidência interlocutiva” em que se

explicita o termo empregado como não pertencente a L, mas a l; tal caso é uma das

modalidades das não-coincidências do dizer estudadas por Authier-Revuz (2001: 22) e que

não serão enfocadas aqui.

O termo “reservada ao Sílvio Pereira” aparece destacado, acreditamos, pela mesma

razão do exemplo p: chamar a atenção para o lugar onde aconteciam as reuniões e também

para o fato de que um membro do PT possuía uma sala no Palácio do Planalto para tratar de

assuntos relativos ao partido.

s) Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em

“armadilha” preparada pelo ministro José Dirceu (ANEXO B-8)

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t)Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa

“armadilha” do ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios.

A partir daí, “recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”. (ANEXO B-

8)

O interlocutor L, ao colocar entre aspas o termo “armadilha”, nos exemplos s e t,

delega a responsabilidade de seu uso ao interlocutor l, já que afirmar que o ex-ministro José

Dirceu teria tido tal atitude seria muito comprometedor. O outro trecho: “recrudesceu o

noticiário, e eu vi claramente a mão do governo” poderia ser visto como a conseqüência

imediata à suposta “armadilha” preparada pelo então ministro José Dirceu. Colocando os dois

fragmentos em forma de “ilha textual”, L se isenta da responsabilidade de seu emprego, como

que dizendo: “foi l quem disse, eu só estou reproduzindo suas palavras”.

u) O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) voltou a acusar o esquema de mesadas a deputados,

afirmando que o chamado mensalão era pago em dinheiro vivo, provinha de estatais e

empresas privadas, e trazido em malas, basicamente por dois “operadores”, o líder do PP na

Câmara, deputado José Janene (PR), e o publicitário Marcos Valério, dono das empresas DNA

Propaganda e SMP&B, ambas de Belo Horizonte.

(...)

Segundo ele, no PTB os parlamentares foram “acalmados” com a promessa de que, nas

eleições, o PT daria ao PTB recursos para serem divididos entre os candidatos trabalhistas. A

primeira etapa dessa “parceria” aconteceu nas eleições municipais de 2004 (...)

(...) De acordo com o presidente do PTB, Janene seria um dos “operadores” diretos do

esquema do mensalão, informando que ele “vai na fonte, pega, vem”. (ANEXO D-2)

O termo “operadores”, empregado em u duas vezes, encontra-se destacado da

reformulação que é feita em DI por L da fala de l. Parece-nos que o termo, assim aspeado,

chama a atenção para o fato de que ele não está aqui muito adequado, uma vez que nos

remete a atividades lícitas como, por exemplo, “operador da bolsa de valores”. As aspas

poderiam ser interpretadas como um pedido de licença para o emprego do termo, como um

“se é que se pode chamar assim”, ao mesmo tempo em que, ao fazer isso, chama a atenção

para aqueles que cumpririam esse papel.

O termo “acalmados”, por sua vez, de fato foi empregado pelo ex-deputado, no

seguinte trecho:

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“Eu e o líder Zé Múcio acalmamos nossa base dizendo o seguinte: o PTB não vai ter

“mensalão”, que desmoraliza e escraviza o deputado, e nas eleições a gente compõe com o PT

uma troca de apoio e pede o financiamento para candidaturas que nós entendemos que

devemos ganhar.” (ANEXO B-6, linha 84)

Ressaltado, porém, pelas aspas, em E, parece-nos ter a intenção de chamar a atenção

para o fato de que os parlamentares do PTB estavam nervosos por não estarem recebendo o

“mensalão”, enquanto outros parlamentares recebiam. De fato, em seguida, confirma-se nossa

hipótese, pois L chama de “parceria”, também entre aspas, essa relação não menos

“promíscua” entre PTB e PT. Parceiros são aqueles que lutam juntos pelos mesmos ideais, o

que, em hipótese alguma, não é o caso, uma vez que o PTB, em troca do dinheiro, apoiaria os

projetos do governo, independentemente de acreditar neles.

Por último, o emprego de “vai na fonte, pega, vem”, parece ser mantido porque ilustra

de forma bastante clara a função de um “operador” do “mensalão”: uma pessoa que se presta

ao papel de transportar dinheiro secretamente em malas. De fato, relatar o conteúdo de tal

trecho em DI seria perder toda a força pragmática do enunciado.

Em relação ao emprego das aspas, vai-se confirmando a hipótese levantada quando da

análise do uso dos verbos de elocução pelo Estado: L posiciona-se claramente,

desmoralizando l.

v) (...) Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília “em malas” para ser distribuído em ação

comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o

publicitário Marcos Valério e o líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR). (ANEXO B-6)

Destacamos, em primeiro lugar, o uso do termo “operadores”, também ressaltado pelas

aspas na Folha, acreditamos que pela mesma razão de O Estado. No caso do destaque dado à

expressão “em malas”, poderíamos explicá-lo como sendo uma resposta à pergunta que a

sociedade fez após a publicação da primeira entrevista que denunciou a existência do

“mensalão”: como ele era pago? Ao mesmo tempo em que revela a resposta, chama a atenção

para um fato tão inusitado.

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x) Segundo Jefferson, as dificuldades que o governo passou a enfrentar este ano no Congresso

são “uma crise de abstinência”(ANEXO D-2)

A expressão “crise de abstinência” é metafórica, uma vez que nos remete às reações

orgânicas e psicológicas que dependentes químicos têm quando privados do uso de drogas às

quais seu corpo estava habituado. Roberto Jefferson revela saber manejar muito bem a língua

ao usar a expressão para referir-se à reação dos deputados quando deixaram de receber o

“mensalão”. O jornal, por sua vez, aproveita toda a força pragmática da expressão, que

compara o “mensalão” a uma droga, ressaltando-a entre aspas.

3.3.4. O uso das aspas e suas conseqüências para a interpretação da enunciação

Façamos a distinção entre as duas formas de DR analisadas: o DD e a “ilha textual em

DI”.

No primeiro caso, encontramos exemplos que confirmam que a seleção de um

determinado trecho em DD em detrimento de outro já revela uma interpretação pelo interesse

daquilo que deve ser informado. Muitos são os casos, também, que confirmam o uso do DD

com o objetivo de criar distanciamento do dito ou para criar um “efeito de autenticidade”

(Maingueneau, 2004). Notamos, ainda, diferenças no uso do DD com ou sem verbo de

elocução. Sem o verbo, existiu uma tendência em empregá-lo como comprovação do DI

imediatamente anterior e, com o verbo de elocução, a interpretação do DD foi condicionada

por ele. Nos dois casos, entretanto, o emprego do DD mostrou-se essencialmente

argumentativo e a ausência do verbo de elocução não tornou a interpretação do DR mais

“neutra”, como poderíamos supor.

Nos casos de “ilha textual em DI”, várias foram as razões para que o enunciador do

discurso citante conservasse alguns elementos não-traduzidos no DI, como o emprego de

neologismo, expressões populares ou com forte carga emotiva, mas prevaleceram as razões de

caráter argumentativo: ênfase, ironia, persuasão. A grande contribuição, porém, que esta

análise vem dar, é a confirmação, por meio de vários exemplos, dos postulados teóricos

acerca da teoria da enunciação, principalmente no que diz respeito à afirmação de que os atos

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de enunciação são únicos, impossíveis de serem reproduzidos, e citá-los numa outra

enunciação implica na criação de novas enunciações. Foram muitos os exemplos da análise

em que se criaram, por meio desse expediente, discursos distintos: o que era argumento

favorável, por exemplo, transformou-se em argumento contrário.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por objetivo analisar o percurso de uma entrevista, desde o

momento em que ela é concedida, portanto na modalidade oral, até a sua publicação no jornal,

já em sua modalidade escrita, para verificar possíveis mudanças em seu conteúdo, analisando,

para isso, algumas estratégias lingüístico-discursivas, e levando em consideração o fato de

que tal análise acaba por abranger três discursos distintos: o discurso da imprensa para o seu

leitor, o discurso da pessoa entrevistada na perspectiva do jornalista e o discurso da pessoa

entrevistada na perspectiva dela mesma. São esses três discursos que, em vários momentos

vão se opor, de acordo com os interesses do jornal.

Para a realização do trabalho, propusemo-nos a verificar, em primeiro lugar, as

modificações concernentes à passagem do oral para o escrito, a chamada retextualização,

baseados no fato de que essa passagem produz mudanças significativas no sentido que o

enunciador quis conferir ao seu enunciado. Para isso, enfocamos as operações de substituição,

de eliminação, de acréscimo e de tratamento dos turnos. Baseando-nos, principalmente, nos

estudos de Marcuschi (2003) e comparando nossos corpora oral e escrito, pudemos verificar

que, em alguns momentos, tais mudanças realmente existiram.

Nas operações de substituição, a que menos mudanças provocou no sentido do texto,

encontramos o caso do exemplo e da 2ª entrevista, cuja substituição alterou o conteúdo do

enunciado.

As operações de eliminação, por sua vez, possibilitaram-nos o agrupamento das

ocorrências em dois planos: o da (des)continuidade sintática e o da (des)continuidade

discursiva, verificando, no primeiro caso, a eliminação de paráfrases e de repetições, dois

procedimentos de reformulação textual, cujo uso, segundo Barros (1998), tem função

persuasiva ou persuasivo-argumentativa, como comprovamos em nosso corpus, no qual, ao se

eliminar principalmente as repetições, eliminou-se também toda a força pragmática que o

enunciador quis conferir ao seu enunciado. No plano da (des)continuidade discursiva,

percebemos uma sistemática eliminação de digressões, cujo emprego pode ser norteado pelos

critérios de relevância (Andrade, 2000) ou de “efeito de verdade” (Leite, 2005). Desse modo,

tais eliminações interferiram na argumentação do enunciador, assim como as eliminações de

palavras com caráter avaliativo, como adjetivos.

Quanto aos acréscimos, notamos o cuidado do jornal em não atribuir ao entrevistado

palavras que ele não tenha proferido, mesmo porque é uma das formas mais evidentes de

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alteração. Mesmo assim, o exemplo c da 2ª entrevista deixa margem a dúvidas. Por fim, em

relação ao tratamento dos turnos, cabe aqui a observação de que a opção do jornal em publicar

a entrevista no formato pergunta e resposta acabou por reduzir significativamente a

interferência nos turnos, exceto no que concerne a uma estratégia discursiva bastante utilizada

pelo entrevistado, que foi a de empregar o DD para referir-se a falas suas ou de outras pessoas

ao relembrar os fatos que estava narrando. Nesse caso, houve interferência do jornal,

principalmente na eliminação de turnos que reproduziam falas suas e de outras pessoas,

comprometendo-se, novamente, o “efeito de verdade” (Leite, 2005) que o entrevistado quis

conferir ao seu enunciado.

Desse modo, avaliamos, respondendo à primeira pergunta elaborada em nossa

introdução (De que maneira a imprensa escrita transforma uma entrevista oral em escrita, no

que diz respeito à seleção das informações?), que o jornal, ao fazer a passagem do oral para o

escrito, interferiu de maneira decisiva na força ilocutória dos atos de linguagem do

entrevistado, o qual, em posição de acusado, empregou os recursos lingüístico-discursivos

analisados como estratégias argumentativas para colocar a opinião pública a seu favor e o

tratamento dado pelo jornal ao seu discurso acabou por esvaziá-lo desse seu objetivo, fazendo

prevalecer o discurso da imprensa e comprovando que a retextualização pode ser um eficaz

instrumento de manipulação da notícia, porque opera por meio de recursos que os leitores, e

também os entrevistados, não dominam, e que atuam muito mais no nível discursivo do que

no lingüístico.

Para responder à segunda pergunta (Qual o tratamento dado ao DR, no que diz respeito

à seleção do DD e da “ilha textual em DI”, além do uso dos verbos de elocução?), fizemos,

inicialmente, a análise do uso dos verbos de elocução a partir de sua função e de sua ação no

corpus, seguindo as classes gerais de funções organizadoras apontadas por Marcuschi (1991)

e, no âmbito da ação de tais verbos, acompanhando a proposta de categorização de Gavazzi e

Rodrigues (2003). Partimos do princípio de que os verbos de elocução, além de organizar o

texto, marcando claramente a fronteira entre o discurso citante e o discurso citado, também

agem sobre ele, interferindo na interpretação desse mesmo discurso, uma vez que a seleção

lexical pode variar de uma aparente neutralidade até uma explícita avaliação de conteúdo. Por

isso, propusemos uma análise comparativa entre os jornais Folha de S.Paulo e O Estado de

S.Paulo, para verificar diferenças significativas na ação dos verbos de elocução, uma vez que,

como já dissemos, a Folha estava comprometida com a fonte da informação e o Estado, não.

Desse modo, poderíamos, também, responder à terceira questão (Em que medida podem

variar os efeitos de sentido obtidos por diferentes jornais, em que pese o fato de um deles ter

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tido acesso a uma fonte exclusiva?) formulada em nossa introdução. Nesse quesito, portanto,

a análise mostrou-se bastante satisfatória, uma vez que, como prevíamos, assinalamos

diferenças quanto à ação dos verbos de elocução. Na Folha, preferiu-se o uso de verbos como

“afirmar” e “dizer”, que agiram criando um “efeito de imparcialidade”, apropriado para o

jornal detentor da fonte exclusiva, evitando polemizar ou valorizar positiva ou negativamente

a figura do entrevistado. Já, em O Estado, houve o predomínio de verbos como “acusar” e

“insistir”, que agiram, respectivamente, polemizando ou valorizando negativamente a figura

do entrevistado. Portanto, quanto ao uso dos verbos de elocução, confirmamos que ele pode

orientar a interpretação do DD, configurando-se em um eficaz recurso de manipulação de

idéias.

O tratamento dado ao DR quando da escolha do DD ou da “ilha textual em DI” foi

estudado na terceira parte de nossa análise (item 3.3.) com o título “O uso das aspas”, que são,

segundo Maingueneau (2004), “um sinal a ser interpretado”, pois inserem uma enunciação

(discurso citado) em outra enunciação (discurso citante), criando, para o DR, quer em DD ou

em “ilha textual em DI”, uma nova enunciação. Para a análise do DD, empreendemos uma

divisão que levou em consideração a presença ou não de verbo introdutor explícito, pois, se,

como confirmamos com o estudo dos verbos de elocução, sua presença interfere na

interpretação do DR, sua ausência poderia pressupor uma interferência menor nessa

interpretação. O que observamos nos casos de ausência de verbo de elocução foi uma

tendência no uso do DD como recurso argumentativo, aparecendo sempre depois do DR em

DI, com a intenção de criar um “efeito de autenticidade” (Maingueneau, 2004) ou, ainda, uma

teatralização dos fatos (Maingueneau, 1993). Confirmamos, ainda, um dos postulados de

Maingueneau (2004), para quem, ao se relatar um discurso em outro, cria-se um discurso

distinto. Desse modo, mesmo sem os verbos de elocução interferindo na interpretação do DD,

encontramos o próprio DD conduzindo a interpretação do texto como um todo.

Nos casos de DD com verbo de elocução, confirmamos a forte presença de tais verbos,

condicionando a interpretação do DD, que é empregado com os objetivos definidos em nosso

Capítulo 2: para criar a autenticidade necessária ao discurso do entrevistado, como no

exemplo j, e para promover um distanciamento do enunciador do discurso citante, como no

exemplo e.

Os casos de “ilha textual em DI” revelaram-se, como os dois anteriores casos de uso

das aspas, revestidos de intenções do enunciador do discurso citante, confirmando a

necessidade de interpretação das aspas “como referência a um outro discurso” (Authier-

Revuz, 2001: 143). Assim, conservaram-se fragmentos do discurso citado que continham

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expressões populares, por exemplo, que Authier-Revuz denominaria a “não-coincidência do

discurso consigo mesmo” (2001: 23); por outro lado, recorrentes foram os empregos do

recurso da “ilha textual em DI” com claros objetivos persuasivos, como no exemplo o.

Confirmam-se, portanto, também para o texto jornalístico, os postulados dos

estudiosos contemplados em nosso trabalho, para os quais a subjetividade é inerente à

linguagem. Nesse sentido, nosso trabalho vem demonstrar, mais uma vez, que a enunciação é

um ato único, impossível de ser reproduzido. Relatar algo que foi dito por alguém, quer na

modalidade oral, quer na modalidade escrita, está longe de ser um processo simples e

inofensivo. A seleção do léxico, a eliminação de informações aparentemente repetitivas, a

escolha da forma de se relatar um discurso – DD, DI, “ilha textual em DI” etc. – são

operações muito comuns em nosso dia-a-dia, mas que trazem consigo, em todas as suas

instâncias, uma carga muito forte de subjetividade – inerente à linguagem, lembremos. É o

que Maingueneau chama de “uma enunciação sobre outra enunciação” (cf. Maingueneau,

2004:139).

Sobre diferenças no trato da notícia nos diferentes jornais analisados, concluímos que

o comprometimento com a fonte de informação obriga o jornalista a buscar efeitos de

“imparcialidade” ao escolher as estratégias lingüístico-discursivas que usará, quer seja na

escolha dos verbos de elocução ou dos trechos em DD, mas tais estratégias são apenas uma

encenação, pois, como vimos, a Folha foi muito eficaz na neutralização dos efeitos

pretendidos pelo entrevistado ao fazer a retextualização.

Como era esperado em nosso trabalho, as operações realizadas pelo jornal para

transformar um “acontecimento bruto” em “notícia” revelam que a poder da mídia reside

exatamente aí: na escolha do acontecimento, na interpretação do jornalista, nas diversas

opções lingüístico-discursivas que ele tem à sua disposição e que, se não poderiam ser

classificadas de ilegítimas, porque de fato não o são, podem servir de instrumento de

manipulação da notícia desde que escolhidas de forma consciente e com propósitos bem

definidos, de um lado, e sem o devido conhecimento do leitor, de outro.

Nosso trabalho possibilita que o leitor, mesmo sendo um receptor passivo, condição

inerente ao meio de comunicação unilateral que é o jornal (Charaudeau, 2006), conscientize-

se dos procedimentos analisados, para que o jornal possa se transformar de instrumento de

manipulação para instrumento de persuasão, cuja diferença, como já ressaltamos, reside numa

questão central para o ser humano: o conhecimento e, por meio dele, a possibilidade de fazer

suas próprias escolhas.

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ANEXOS

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119

ANEXO A: TRANSCRIÇÕES...............................................................................................120

A-1: 1ª entrevista.....................................................................................................................120

A-2: 2ª entrevista.....................................................................................................................123

ANEXO B: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE

S.PAULO.................................................................................................................................129

B-1: 6/6/2005 – capa...............................................................................................................129

B-2: 6/6/2005 – página A4......................................................................................................130

B-3: 6/6/2005 – página A5......................................................................................................131

B-4: 6/6/2005 – página A6......................................................................................................136

B-5: 12/6/2005 – capa.............................................................................................................138

B-6: 12/6/2005 – página A4....................................................................................................140

B-7: 12/6/2005 – página A5....................................................................................................143

B-8: 12/6/2005 – página A6....................................................................................................146

B-9: 10/6/2005 – página A2....................................................................................................149

ANEXO C: ÍNTEGRA DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE

S.PAULO.................................................................................................................................150

C-1: 6/6/2005 – capa...............................................................................................................150

C-2: 6/6/2005 – página A4......................................................................................................151

C-3: 6/6/2005 – página A5......................................................................................................152

C-4: 6/6/2005 – página A6......................................................................................................153

C-5: 12/6/2005 – capa.............................................................................................................154

C-6: 12/6/2005 – página A4....................................................................................................155

C-7: 12/6/2005 – página A5....................................................................................................156

C-8: 12/6/2005 – página A6....................................................................................................157

ANEXO D: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL O ESTADO DE

S.PAULO.................................................................................................................................158

D-1: 9/6/2005 – página A2 .....................................................................................................158

D-2: 12/6/2005 - página A4 ...................................................................................................159

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ANEXO A – TRANSCRIÇÕES ANEXO A-1: 1ª entrevista (Jornal Folha de S.Paulo, 6/6/2005 (seg.)

Entrevistadora: Renata Lo Prete (L 1)

Entrevistado: Roberto Jefferson (L 2)

L 2 (...) ( ) do Martinez Correia seTEMbro de 2003 (agosto) ele me procurou ... ele

falou “Roberto é que o Delúbio me procurou ... ele está fazendo um esquema ... de

meSAda ... o mensalão ... para os partidos da base o PP o PL e quer que o PTB receba

... trinta mil reais para cada deputado ... que que você me diz disso?” eu digo “sou

contra ... sou contra porque isso é coisa de câmara de vereador de quinta categoria 5

Martinez - - quando eu recebia a mesada quando menino ... meu pai me dizia ‘sábado

meia-noite em casa’ se eu chegasse meia-noite e meia eu não podia ir na domingueira

do Petropolitano para dançar com ninguém e eu adorava dançar ... - - vai nos

escravizar e vai nos desmoralizar” ... o Martinez então não fez né - - uma decisão

minha e dele - - receber essa mesada que segundo ele aquela época o doutor Delúbio já 10

passava ao PP e ao PL ... morto o Martinez o PTB elege como líder o deputado José

Múcio ... final de dezembro princípio de janeiro o doutor Delúbio procura o Zé Múcio

e diz “o Roberto é um homem muito difícil eu quero ver falar com você ... tem aqui o

PP o PL têm uma participação que a gente faz de uma mesada e eu queria ver se vocês

aceitam isso” ele falou “eu não posso tomar atitude sem a autorização de meu 15

presidente” ... Múcio ... “me parece que o meu presidente é contra porque já me falou”

... aí reúnem-se o bispo Rodrigues Valdemar Costa Neto e o Pedro Henry que a essa

época era líder do PP para pressionar o Múcio “que que é isso pô? vocês não vão

receber? que conversa é essa Múcio ( ) de melhor do que a gente?” aí o Múcio

voltou a mim falou “Roberto fui pressionado pelos três líderes ... pelo pelo presidente 20

do PL pelo líder do PL e pelo líder do PP nessa conversa do mensalão” ... eu falei

“Múcio EU NÃO QUERO receber ... não aceitarei isso na presidência do PTB porque

isso é coisa de qui/de câmara de vereador de quinta categoria isso desmoraliza ... eu

tenho vinte e dois anos de mandato e nunca vi acontecer isso no parlamento nacional”

... eu liguei pro ministro Walfrido isso princípios de dois mil e quatro era janeiro ou 25

fevereiro - - não posso te situar bem - - ele estava no Rio falei “Walfrido quero falar

coisa grave a você” ... “que que é Roberto? tô indo pra Belo Horizonte ... no jatinho

você vai comigo e vamos conversando eu tô indo pra casa” “então eu vou até Belo

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Horizonte pra conversar um assunto grave com você” ... e sentei no avião e falei

“Walfrido tá havendo essa história de mensalão” aí contei desde o Martinez até as 30

últimas conversas com o deputado Zé Múcio e ele disse “em hipótese alguma Roberto

em hipótese alguma (eu não terei) coragem de olhar nos olhos do presidente Lula EM

hipótese alguma” eu falei “então nós não vamos aceitar o mensalão” ele disse “não

não vamos aceitar o mensalão” “então está fechada a nossa posição vamos resistir a

isso” e passei a viver uma brutal pressão porque alguns deputados de meu partido 35

sabiam que os deputados do PL do PP recebiam esse mensalão todo mês ... eu fui ao

ministro Zé Dirceu e contei isso “Zé” logo no início de 2004 “tá havendo essa história

de mensalão e os/alguns deputados do PTB tão me cobrando isso e eu NÃO VOU

PEGAR MENSALÃO NÃO TEM JEITO de eu fazer isso no PTB” o Zé Dirceu deu

um soco na mesa e disse “o Delúbio tá errado eu só contei isso ... isso não pode 40

acontecer eu falei pra não fazer” eu falei vai morrer o assunto ... mas continuou e ...

éh:: eu me lembro numa ocasião que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do

PTB oferecendo a eles mensalão que recebia de repasse do doutor Delúbio (e eu pedi)

ao deputado Iris Simões que dissesse a eles que se fizer eu vou pra tribuna e denuncio

isso ... morreu o assunto não levaram os dois deputados do PTB ( ) o Ciro Gomes 45

maio junho - - que a coisa continuou não parou - - fui ao ao Ciro no ministério e falei

“Ciro vai dar uma ZEbra nesse governo tem o mensalão hoje eu sei que são três

milhões um milhão e meio de repasse para o PL e para o PP isso vai explodir” e eles

queriam cooptar o PTB Ciro falou “Roberto é muito dinheiro eu não acredito nisso”

digo “acreDIte amigo porque tá acontecendo” “não acredito” aí fui ao ministro Miro 50

Teixeira nas Comunicações e levei junto comigo o deputado João Lira e o deputado Zé

Múcio falei “Ciro/Miro/Miro/Miro Teixeira/Miro tá havendo o MENSALÃO isso é

um escândalo” o Miro falou “não é possível Roberto” eu falei “diga ao presidente” - -

porque até essa época o presidente Lula não nos recebia - - “conte isso ao presidente

Lula isso vai explodir AMIGO isso é um esCÂNdalo vai explodir” ... falei isso ao ao 55

Aldo Rebelo que era líder do governo àquela época ... disse a ele ... sobre o mensalão

denunciei a existência do mensalão e a pressão que eu no PTB recebia de alguns

deputados que sabendo que outros deputados de outros partidos recebiam e o PTB não

recebia esse malfadado ... mensalão ... disse isso ao ministro Palocci “Palocci tem isso

e é uma BOMba” ... fui informando a todos do governo a respeito desse mensalão ... 60

me recordo inclusive quando o deputado Miro Teixeira deixou a liderança do governo

ele me chamou falou “Roberto eu vou denunciar o mensalão você me dá estofo?” falei

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“eu não posso fazer isso vamos abortar esse troço do mensalão sem trair a confiança

do governo sem jogar o o governo ... no meio da rua ... vamos nós dois f/falar com o

presidente Lula que tá dando isso” e recordo até que o Miro deu uma entrevista ao 65

Jornal do Brasil denunciando o mensalão depois ... recuou retirou a/a/a denúncia do

mensalão não é? eu falei com ele quando ele era aMIgo do governo e falei (ao

presidente) quando ele era Ministro das Comunicações ... mensalão PL PP (e queria) o

PTB não é ... agora no princípio do ano quando em duas conversas com o presidente

Lula em presença do Walfrido Mares Guia do líder Chinaglia do ministro Aldo Rebelo 70

do ministro Zé Dirceu eu disse ao presidente Lula “presidente o Delúbio vai botar uma

dinamite na sua cadeira ... ele continua dando mensalão” ele falou “que mensalão?” aí

eu contei ao presidente o que que era o mensalão o presidente Lula CHOrou

L 1 Isso quando? 75

L 2 Agora em janeiro ... desse ano o presidente Lula CHOROU falou “não é possível

isso” e chorou eu falei “é possível sim presidente” estavam presentes o Chinaglia ... o

Gilberto ... Carvalho ... Gilberto Carvalho ... o ministro Walfrido ... o líder Chinaglia

... eu repeti isso ao presidente Lula ... porque toda a pressão que eu recebi nesse 80

mandato como presidente do PTB por dinheiro foi em função desse mensalão que

contaminou a base parlamentar ... tudo o que você tá vendo aí nessa queda de braço é

que o mensalão tem que passar pra cinqüenta é que o mensalão tem que passar pra

setenta tudo isso que você tá vendo aí ... essa paralisia está presa a essa MALdição que

chama mensalão 85

L 1 Isso não existia no governo Fernando Henrique?

L 2 NUNca aconteceu ... eu tenho VINte e três anos de mandato ... caminhando pro

vigésimo quarto ( ) de mandato nunca eu vi ou ouvi dizer que houvesse repasse de 90

mensalidade para deputados federais aqui na Câmara dos Deputados em Brasília por

parte de membros de partido de governo (...)

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123

ANEXO A-2: 2ª entrevista (Jornal Folha de S.Paulo, 12/6/2005 (dom.) Entrevistadora: Renata Lo Prete (L 1)

Entrevistado: Roberto Jefferson (L 2)

FAIXA 1

L 2 Primeiro achei que os ministros foram ... COVARDES com o Presidente da República

... todos eles ... porque o Palocci (que) sabia do mensalão porque eu falei pra ele ... o

ministro Walfrido errou de não ter dito ... ao presidente sobre o mensalão porque eu

falei a ele ... o CIRO Gomes sabia ... o Zé Dirceu eu conversei com ele VÁrias vezes

sobre o mensalão e nunca falou isso ao presidente quer dizer deiXAram o presidente 5

completamente desinformado de uma das coisas que ... viciou a relação do governo e

do PT em especialmente desse comando do PT com a base aliada no Congresso

Nacional ... logo na primeira conversa minha esse ano com o presidente lá no gabinete

dele do Palácio do Planalto - - estávamos eu e o ministro Walfrido - - ... quando eu

disse a ele do mensalão ... ele tomou um susto ... aí eu expliquei a ele com que que 10

consistia o mensalão era um repasse de recursos do Delúbio para líderes e presidentes

de partidos da base aliada para dividir em dinheiro por mês com alguns MUItos

representantes das bancadas em especial PT/PP/PP Partido Progressista e PL Partido

Liberal o PTB fora éh:: convidado a participar e o PTB repelira isso disse isso ao Ciro

Gomes disse isso ao Miro Teixeira e NINguém contou ao presidente essa nossa 15

conversa ... há um ano atrás eu falei isso a eles e toda crise que nós estamos vivendo

de relação hoje na Câmara dos Deputados com o Poder Executivo ... não vota corpo

mole tudo isso que você está vendo é conseqüência dessa política de mensalão ... e

acho que os ministros erraram traíram a confiança do presidente.

20

FAIXA 2

L 2 (o PT) como partido não participa disso com os dirigentes ... a bancada não tem nada

a ver não há essa conversa que a bancada do PT receba mensalão você entende? a

banCAda está fora disso a reação da bancada é de indignação de surpresa COM os 25

seus dirigentes ... quando lá atrás o Martinez era presidente e nós começamos a

constituir a relação ... depois de nomeado oooo ... oooo Walfrido que é Ministro do

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Turismo o segundo cargo que foi nomeado foi o Delegado Regional do Trabalho do

Rio de Janeiro ... toda a estrutura embaixo de fiscalização foi nomeada a partir do

Silvio Pereira ... o outro cargo que foi nomeado foi o Fernando Cunha para a BR 30

Distribuidoras todo/toda estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo éh::

pelo Silvio Pereira e um dia perguntei falei “mas como é que é isso? vocês dão a

cabeça e tomam o corpo? ...

L 1 o que ele disse pro senhor? 35

L 2 ele disse que esse era o jeito deles e o jeito do PT de repartir poder ... foi assim o

primeiro indicado do Denit que foi indicado pela bancada de São Paulo - - acho que é

Pimentel o nome esse que aparece nos jornais tá em Belém do Pará - - ... toda estrutura

embaixo foi montada pelo Silvio Pereira e pelo Delúbio ... o gerente é o tal de Lauro 40

chama Lauro e é:::: e foi candidato a prefeito pelo PT é homem do PT ele mandava

mais do que o diretor-geral do Denit toda a estrutura de poder que era transferida ao

PTB embaixo o PT e eu não quero dizer bancada do PT na Câmara no Senado a

direção do PT nomeava pessoas que controlavam toda a estrutura de poder ...

nomeados do PT 45

L 1 quando o senhor fala direção do PT presidente o senhor está falando explicitamente

de quais pessoas?

L 2 José Genoino ... Marcelo Sereno ... Delúbio Soares ... Zé Dirceu sabia de tudo sempre 50

soube de tudo várias vezes eu conversei com ... Zé Genoino e com Delúbio no

Gabinete éh:: do Ministro Zé Dirceu TUdo era tratado com o conhecimento do Zé

Dirceu com o conhecimento do Genoino com o conhecimento do Delúbio e::: do

Silvio Pereira ... isso na constituição lá atrás ... no início do governo do presidente

Lula 55

FAIXA 3

L 2 o dinheiro chega a Brasília pelo que eu sei em Malas tem um GRANde operador que

trabalha junto ao Doutor Delúbio chamado MARcos Valério que é um publicitário de 60

Belo Horizonte e ele que faz a distribuição éh::: de recursos para líderes e presidentes

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do partido da base aliada ... e eu sei que o deputado Janene é um dos operadores disso

também ele vai na fonte ele pega ele vem ele ele é tido como UM dos operadores

desse esquema do mensalão ... éh: éh:: conhecido inclusive eu já vi um depu/um

ministro que ficou muito irritado com ele porque ele se apresentava como operador do 65

Zé Dirceu ... mas ele é um dos homens que controem também o caixa pra repartir

entre os deputados do PP e do PL

FAIXA 4

70

L 2 já há deputada em Goiânia dizendo que foi assediada pelo líder do PL um milhão de

luvas e trinta mil reais por mês

L 1 o senhor tá falando do su/do Sandro Mabel é isso?

75

L 2 isso ... isso ninguém segura era de conhecimento público eu li que o próprio

presidente do Supremo o Ministro Jobim já ouvira dizer do mensalão ... era uma coisa

que a/que Brasília sabia só que ninguém queria dizer o meu papel foi só destampar a

panela e tornar isso público ao Brasil

80

FAIXA 5

L 2 (em hipótese) alguma ... a chantagem tem uma contraprestação financeira ... eu disse

isso aos ministros ano paSSAdo Renata eu falei aos ministros ano passado nenhum

deles pegou ... como é que isso foi chantagem? foi advertência ... é que eu acho que 85

nós chegamos a um ponto éh::: que exauriu a relação ... ainda há companheiros do

meu partido que pensam que podem continuar no governo na base do governo ... eu

entendo que acabou a relação então tem que ter cuidado porque nessa segunda-feira à

noite aqui em casa houve uma reunião do ministro Walfrido ... do líder Zé Múcio ... do

Fleury do Ibsen (e outros) para pedir que eu renunciAsse ... as coisas têm que ser 90

paulaTInas eu tenho que consolidar minha posição dentro do partido porque se EU

renunciasse nessa segunda-feira eu seria jogado de de ovelha aos leões na arena ... eu

pedi prazo a eles até o diretório para a gente conversar no diretório então eu tenho uma

questão política também inTERna uma disputa inTERna éh::: de de poder dentro do

PTB ... um grupo eNORme que quer sair e um grupo que quer ficar então não é não é 95

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chantagem ... chantagem o que que é ó se você não me der isso eu vou contar não não

se trata disso ... é uma cautela MInha pra consolidar paulatinamente a minha posição

dentro do partido até a con/a convenção do diretório que já tá convoCA::da ... vai ser

na próxima terça-feira dia dezessete e eu posso ficar ou não presidente do partido ...

não é isso? ... nessa colocação pública que eu devo fazer eu acompanho o noticiário 100

eletrônico eu VEjo que a Polícia Federal está aGINdo politicamente porque ... de

forma legal ela NÃO poderia usar um juiz de primeiro grau para investigar um

deputado federal age na carreira porque sabe que no Supremo as coisas são mais

criteriosas ela faz na carreira para tentar me inibir de falar antes do do::: pra eu chegar

de cabeça baixa na terça-feira dia quatorze na Comissão de Ética que é quando falarei 105

além da Folha de S.Paulo novamente na Comissão de Ética e para todo o Brasil.

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ANEXO B: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE

S.PAULO.

ANEXO B-1: 6/6/2005, capa São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 2005 DIRETOR DE REDAÇÃO: OTAVIO FRIAS FILHO ✎ ✎ ✎ UMJORNAL A SERVIÇODOBRASIL ✎ ALAMEDABARÃODE LIMEIRA, 425 ✎ ANO85 ✎ Nº 27.823 ✎ R$ 2,50 + 5 SÃO PAULO ✎ E D 10 I ÇÃ

O ✎ Concluída às 23h 15 EXCLUSIVO

Pt dava mesada de R$30mil a parlamentares, diz Jefferson 20 Presidente do PTB afirma que avisou ministros, mas que esquema de compra de apoio só parou após conversa com Lula

RENATA LO PRETE ........................................................................................ 25 EDITORA DO PAINEL Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, afirma em entrevista exclusiva que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, pagava um “mensalão” a parlamentares em troca de apoio no Congresso. Eram, diz, R$ 30 mil mensais entregues a representantes do PP e do PL pelo 30 menos até janeiro. O deputado, da base aliada do governo, afirma que contou sobre a mesada a ministros, como José Dirceu (Casa Civil) e Antônio Palocci (Fazenda), no ano passado, mas que a prática teria continuado. Diz que procurou, então, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no início do ano. Segundo Jefferson, Lula chorou ao ser informado. A partir daí, afirma, o “mensalão” acabou. Jefferson diz que a mesada era tática do partido. “É mais barato pagar o 35 exército mercenário do que dividir poder.” O deputado é acusado de envolvimento em suposto esquema de corrupção nos Correios e no IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), estatais que têm indicados de seu partido em seus quadros principais. As acusações levaram a pedido de CPI que o governo quer enterrar. O deputado, que já atacou a abertura da comissão, agora afirma ser a favor. Questionado sobre por que mudou de idéia, disse que o governo 40 agiu para isolar o PTB. “Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. Estou percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido.”

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ANEXO B-2: 6/6/2005, A4 A 4 segunda-feira, 6 de junho de 2005 AB B R A S I L E X C L U S I V O Acusado no caso dos Correios, deputado do PTB reage e ataca governo Lula e base 5 aliada

Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT 10 RENATA LO PRETE ........................................................ EDITORA DO PAINEL Roberto Jefferson cumpriu a promessa de que falaria. E falou muito. Em entrevista exclusiva 15 à Folha, o presidente do PTB disse que na base das dificuldades que o governo enfrenta no Congresso estão problemas com o chamado “mensalão”, uma mesada de R$ 30 mil que seria distribuída a congressistas aliados pelo tesoureiro do PT, Delúbio Soares. A prática durou até o começo do ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Jefferson, tomou conhecimento do caso, pelo próprio petebista. Outros ministros, como José Dirceu (Casa 20 Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) haviam sido alertados antes do esquema—que beneficiaria pelo menos o PP e o PL. Jefferson está há três semanas no centro do noticiário pelas denúncias que atingem os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil, estatais que têm indicados do PTB em seus quadros. A crise decorrente das denúncias levou a um pedido de CPI que o governo pretendia enterrar nesta semana —agora, Jefferson diz que defende e quer 25 a investigação. Segundo ele, a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo. “O Zé [Dirceu] deu um soco na mesa: ‘O Delúbio está errado. Eu falei para não fazer’”. Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula. “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.” “Que ‘mensalão’?”. 30 Jefferson explicou. “O presidente chorou.” E depois da conversa com Lula? “Tenho notícia de que a fonte secou. A insatisfação está brutal [na base aliada] porque a mesada acabou.” Chamado a explicar a lógica da mesada, Jefferson diz: “É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir poder”. O PT, no entender do deputado, “nos usa [aos partidos aliados] como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. A entrevista 35 publicada nas duas páginas que se seguem foi concedida por Jefferson em seu apartamento funcional em Brasília, na tarde de ontem. O deputado falou sempre de forma ponderada e em nenhum momento deixou de aparentar segurança e tranquilidade. 40 O D E P U T A D O

Petebista liderou tropa de choque de Collor

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45 Ele foi investigado pela CPI do Orçamento CATIA SEABRA .................................................................................... DA REPORTAGEM LOCAL 50 Militante da tropa de choque do presidente Fernando Collor, o performático Roberto Jefferson, 51, sobreviveu a momentos turbulentos da política nacional. Além do processo de impeachment de Collor, resistiu à outra CPI, a do Orçamento. Em 1993, seu nome foi citado entre os envolvidos no esquema de propina na Comissão de Orçamento. Em 1994, durante 55 depoimento, Jefferson chorou por duas vezes, lamentando o fato de sua família ter sido exposta. No relatório, foi incluído na lista de 14 parlamentares sobre os quais seria necessária maior investigação. Seu capítulo ocupou uma página do relatório do hoje desafeto Roberto Magalhães (PE).Nele, a conclusão era que, com crédito total de US$ 470mil em cinco anos, seu patrimônio e movimentação bancária seriam compatíveis com o rendimento. A 60 Subcomissão de Patrimônio teria constatado, porém, a existência de bens não declarados à Receita. Já no governo Fernando HenRique Cardoso —para o qual fez indicações, como a do titular da Delegacia do Trabalho do Rio— Jefferson teve papel fundamental para o rompimento do PSDB com o PFL: no prazo fatal, o emtão líder do PTB formalizou um bloco com a bancada tucana, permitindo que o deputado Aécio Neves (MG) concorresse à 65 presidência da Câmara, vaga prometida ao pefelista Inocêncio Oliveira(PE). No ano seguinte, apoiou Ciro Gomes à Presidência da República. Até então, compara petistas ao demônio. Um deles foi o hoje líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante(SP). Após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que, apesar das diferenças, PTB e PT se uniriam “com afeto”. A partir daí, fixou uma estratégia: aceitar cargos pouco expressivos, como o 70 Ministério dos Esportes, para crescer dentro do governo e poder exigir mais. Com o crescimento da bancada, Roberto Jefferson começou a exigir mais e a se queixar publicamente do não-atendimento das reivindicações. Como presidente do PTB, ano passado, determinou a aliança com o PT nas capitais para as eleições de 2004, contrariando a filha, aliada a Cesar Maia (PFL) no Rio. Em troca, o PT ajudaria financeiramente o PTB. Jefferson 75 conquistou notoriedade como advogado de pobres no popular “O Povo na TV”, na década de 80.Armado e com170 quilos, Jefferson admite: “Era um troglodita”. Hoje, mesmo com a redução do estômago e as aulas de canto, reage quando pedem calma: “Mudei. Mas não virei Mary Poppins”. 80

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ANEXO B-3: 6/6/2005, A5 “ “ “ AB B R A S I L segunda-feira, 6 de junho de 2005 A 5 E X C L U S I V O Jefferson afirma que foi ‘informando a todos do governo’ sobre a mesada a 5 deputados paga por Delúbio e que Lula chorou ao saber do caso

Contei a Lula do ‘mensalão’, diz deputado 10 DO PAINEL ............................................................................................................. Em sua entrevista à Folha, Roberto Jefferson afirma que levou a questão do “mensalão” a vários ministros do governo Lula e ao próprio presidente. Ele acredita que a prática só foi 15 interrompida após Lula ser informado por ele, o que teria acontecido em duas conversas no princípio deste ano. (RENATA LO PRETE) ✎ Folha - Na tribuna da Câmara, o sr. disse ter sido procurado por pessoas que 20 lhe pediam para resolver pendências nos Correios, que teria se recusado a traficar influência e que interesses contrariados estariam na origem da denúncia da revista “Veja”. Por que o sr. não denunciou essas pessoas? Roberto Jefferson - Não se faz isso. Se você for denunciar todo lobista que se aproxima de você, vai viver denunciando lobista. 25 Folha - O consultor Arlindo Molina, uma das pessoas que o procuraram para tratar dos Correios, afirma que, ao contrário do que o sr. disse no pronunciamento, o conhece há anos. Essa versão procede? Jefferson - A entrevista dele está completamente equivocada, até nas datas. Eu o conheci em março de 2005. Não é verdade que nos conhecíamos antes disso. 30 Folha - O sr. fala em guerra comercial. Mas não está em curso nos Correios, também, uma guerra por espaço entre os partidos? Jefferson - Não. Mas eu entendo o Fernando Bezerra [senador pelo PTB e líder do governo no Congresso] porque, na primeira matéria da “Veja”, está dito que ele indicou o Ezequiel Ferreira para a diretoria de Tecnologia dos Correios. Mas o Ezequiel nunca assumiu. Por que 35 não mostraram quem está no cargo, se 60% daquela fita [a que registra a cobrança de propina] se refere às operações da diretoria de Tecnologia? Esconderam o atual, indicado pelo Silvio Pereira [secretário-geral do PT]. O Policarpo [Júnior, repórter de “Veja”] protegeu o PT. Folha - Na contramão do que declarou à PF, o ex-presidente do IRB Lídio Duarte diz em gravação [divulgada pela “Veja”] que, enquanto esteve no cargo, 40 foi pressionado a destinar mesada de R$ 400 mil ao PTB. O que o sr. tem a dizer? Jefferson - É algo que ele terá de esclarecer à PF. Eu tenho dele uma carta em que ele nega ter dado a entrevista. Em carta à “Veja”, disse que não disse. Na PF, sob juramento, disse que

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não disse. Quem tem de decidir é a Justiça. Conheci o doutor Lídio no princípio de 2003, na 45 casa do José CarLos Martinez [presidente do PTB morto em outubro daquele ano em acidente aéreo]. Sabendo que o PTB indicaria o presidente do IRB, ele veio para se apresentar. Tive excelente impressão. Depois da morte do Martinez ele se distanciou completamente do PTB. Por volta de agosto de 2004, eu o chamei ao meu escritório no Rio e disse: quero que você me ajude, procurando essas empresas que trabalham com o IRB, para fazerem doações ao partido 50 nesta eleição, porque estamos em situação muito difícil. Ele ficou de tentar. Em setembro, ele voltou a mim e disse: deputado, não consegui que as doações sejam “por dentro”, com recibo; querem dar por fora, e isso eu não quero fazer. Eu falei: então não faça. Na conversa, o Lídio avisou que estava perto de se aposentar. Eu então avisei que iniciaria um processo para substituí-lo. Levei aos ministros José Dirceu [Casa Civil] e Antonio Palocci [Fazenda] o nome 55 do doutor Murilo Barbosa Lima, diretor técnico do IRB. O nome ficou meses em aberto. A imprensa começou a dizer que havia dossiê contra ele. E o doutor Lídio, que dissera que iria se aposentar, se agarra com o doutor Luiz Eduardo de Lucena, que é o diretor comercial indicado pelo José Janene [líder do PP na Câmara], para ficar na presidência. Aí se instala uma queda-de-braço entre o PTB e o PP. O Palocci conversa comigo e diz o seguinte: 60 Roberto, vamos fazer uma saída por cima. Nós temos o diretor administrativo, um homem de altíssimo gabarito, o Appolonio Neto, sobrinho do Delfim Netto, fez um dos melhores trabalhos de modernização do IRB. A gente passa o Appolonio como sendo do PTB, e ele sendo sobrinho do Delfim, que é do PP, e a gente resolve a situação. Eu falei: não sou problema, está dada a solução. O doutor Appolonio foi uma indicação salomônica do ministro 65 Palocci. Folha - O sr. considera correta, legítima, essa forma de partilha dos cargos do governo? Jefferson - Você entrega aos administradores dos partidos que compõem o governo a administração do governo. O PT tem participação muito maior que a dos outros partidos da 70 base.Tem20% da base e 80% dos cargos. Mesmo o IRB: o PTB tem a presidência, mas todos os cargos abaixo são do PT. A Eletronorte: o presidente, doutor Roberto Salmeron, é um dos melhores quadros do PTB. Mas, de novo, toda estrutura abaixo é do PT. O diretor mais importante, o de Engenharia, é o irmão do ministro Palocci. O doutor Salmeron é uma espécie de rainha da Inglaterra. A ministra [Dilma Rousseff, das Minas e Energia] despacha com o 75 irmão do Palocci. Tudo isso foi construído lá atrás, com o Silvio Pereira, o negociador do governo. Folha - Qual é a sua relação com Henrique Brandão, da corretora de seguros Assurê? Jefferson - Pessoal. Meu amigo fraterno há 30 anos. Era um homem pobre. Por seu mérito, 80 transformou-se no maior corretor privado do Brasil. O Henrique é grande há muito tempo. Está em Furnashá12, 15anos. Folha - De volta à gravação, o sr. rejeita a afirmação de que Henrique Brandão pedia contribuições em seu nome no IRB? Jefferson - Nunca foi feito tal pedido. Volto a dizer: a única coisa que houve foi um pedido, 85 feito por mim ao Lídio, de ajuda para o PTB na eleição. E eu compreendi as razões de ele não poder ajudar. Eu quero contar um episódio. Na véspera de eu fazer meu discurso no plenário da Câmara, hávia uma apreensão muito grande dos partidos da base, em especial o PL e o PP, e do próprio governo. Dez minutos antes de eu sair paRa falar chega aqui, esbaforido, Pedro Corrêa (PE), presidente do PP: “Bob, cuidado com o que você vai falar. O governo 90 interceptou uma fita de você exigindo do Lídio dinheiro para o PTB”. Eu dei um sorriso e disse: “Pedrinho, se era essa a sua preocupação, pode ficar tranqüilo, essa conversa nunca existiu. Não sou assim, nem o doutor Lídio é assim”. Aí ele rebateu: “Mas pode ter sido seu genro [Marcus Vinícius Ferreira]”. Eu falei: “Meu genro é um homem de bem. E eu vejo,

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Pedrinho, que você não tem convicção de fita nenhuma. Fica calmo que eu não vou contar 95 nada do que eu sei a respeito de ‘mensalão’”. Folha - E o que o sr. sabe? Jefferson – Um pouco antes de o Martinez morrer, ele me procurou e disse: “Roberto, o Delúbio [Soares, tesoureiro do PT] está fazendo um esquema de mesada, um ‘mensalão’, para os parlamentares da base. O PP, o PL, e quer que o PTB também receba. R$ 30 mil para cada 100 deputado. O que você me diz disso?”. Eu digo: “Sou contra. Isso é coisa de Câmara de Vereadores de quinta categoria. Vai nos escravizar e vai nos desmoralizar”. O Martinez decidiu não aceitar essa mesada que, segundo ele, o doutor Delúbio já passava ao PP e ao PL. Morto o Martinez, o PTB elege como líder na Câmara o deputado José Múcio (PE). Final de dezembro, início de janeiro, o doutor Delúbio o procura: “O Roberto é um homem difícil. Eu 105 quero falar com você. O PP e o PL têm uma participação, uma mesada, eu queria ver se vocês aceitam isso”. O Múcio respondeu que não poderia tomar atitude sem falar com o presidente do partido. Aí reúnem-se os deputados Bispo Rodrigues (PL-RJ), Valdemar Costa Neto [SP, presidente do PL] e Pedro Henry (PP-MT) para pressionar o Múcio: “Que que é isso? Vocês não vão receber? Que conversa é essa? Vão dar uma de melhores que a gente?”. Aí o Múcio 110 voltou a mim. Eu respondi: “Isso desmoraliza. Tenho 22 anos de mandato e nunca vi isso acontecer no Congresso Nacional”. Folha - O sr. deu ciência dessas conversas ao governo? Jefferson - No princípio de 2004, liguei para o ministro Walfrido [Mares Guia, Turismo, PTB] e disse que precisava relatar algo grave. Conversamos num vôo para Belo Horizonte. 115 “Walfrido, está havendo essa história de ‘mensalão’.” Contei desde o Martinez até as últimas conversas. “Em hipótese alguma. Eu não terei coragem de olhar nos olhos do presidente Lula. Nós não vamos aceitar.” E eu passei a viver uma brutal pressão. Porque deputados do meu partido sabiam que os deputados do PL e do PP recebiam. As informações que eu tenho são que o PMDB estava fora. Não teve “mensalão” no PMDB. Fui ao ministro Zé Dirceu, ainda 120 no início de 2004, e contei: “Está havendo essa história de mensalão. Alguns deputados do PTB estão me cobrando. E eu não vou pegar. Não tem jeito”. O Zé deu um soco na mesa: “O Delúbio está errado. Isso não pode acontecer. Eu falei para não fazer”. Eu pensei: vai acabar. Mas continuou. Me lembro de uma ocasião em que o Pedro Henry tentou cooptar dois deputados do PTB oferecendo a eles “mensalão”, que ele recebia de repasse do doutor 125 Delúbio. E eu pedi ao deputado Iris Simões (PTB-PR) que dissesse a ele: se fizer, eu vou para a tribuna e denuncio. Morreu o assunto. Lá para junho eu fui ao Ciro Gomes. Falei: “Ciro, vai dar uma zebra neste governo. Tem um ‘mensalão’. Hoje eu sei que são R$ 3mi, R$ 1,5 mi de mensal para o PL e para o PP. Isso vai explodir”. O Ciro falou: “Roberto, é muito dinheiro, eu não acredito nisso”. Aí fui ao ministro Miro Teixeira, nas Comunicações. Levei comigo os 130 deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio. Falei: “Conte ao presidente Lula que está havendo o ‘mensalão’”. Nessa época o presidente não nos recebia. Falei isso ao Aldo Rebelo, que então era líder do governo na Câmara. Folha - A quem mais no governo o sr. denunciou a situação? Jefferson - Disse ao ministro Palocci: “Tem isso e é uma bomba”. Fui informando a todos 135 do governo a respeito do “mensalão”. Me recordo inclusive de que, quando o Miro Teixeira, depois de ser ministro, deixou a liderança do governo na Câmara, ele me chamou e falou: “Roberto, eu vou denunciar o ‘mensalão’. Você me dá estofo?”. Eu falei: “Não posso fazer isso. Vamos abortar esse negócio sem jogar o governo no meio da rua. Vamos falar com o presidente Lula que está havendo isso”. Me recordo até que o Miro deu uma entrevista ao 140 “Jornal do Brasil” denunciando o “mensalão” e depois voltou atrás. No princípio deste ano, em duas conversas com o presidente Lula, na presença do ministro Walfrido, do líder Arlindo Chinaglia, do ministro Aldo Rebelo, do ministro José Dirceu, eu disse ao presidente: “Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’

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aos deputados”. “Que ‘mensalão’?, perguntou o presidente. Aí eu expliquei ao presidente. 145 Folha - Qual foi a reação dele? Jefferson - O presidente Lula chorou. Falou: “Não é possível isso”. E chorou. Eu falei: É possível sim, presidente. Estava presente ainda o Gilberto Carvalho [chefe-de-gabinete do presidente]. Toda a pressão que recebi neste governo, como presidente do PTB, por dinheiro, foi em função desse “mensalão”, que contaminou a base parlamentar. Tudo o que você está 150 vendo aí nessa queda-de-braço é que o “mensalão” tem que passar para R$ 50mil,R$ 60 mil. Essa paralisia resulta da maldição que é o “mensalão”. Folha - Isso não existia também no governo passado? Jefferson - Nunca aconteceu. Eu tenho23 anos de mandato. Nunca antes ouvi dizer que houvesse repasse mensal para deputados federais por parte de membros do partido do 155 governo. Folha - O que, em sua opinião, leVou a essa situação? Jefferson –É mais barato pagar o exército mercenário do que dividir o poder. É mais fácil alugar um deputado do que discutir um projeto de governo. É por isso. Quem é pago não pensa. 160 Folha - O que fez o presidente Lula diante de seu relato? Jefferson - Depois disso [da conversa] parou. Tenho certeza de que parou, por isso está essa insatisfação aí [na base parlamentar]. Ele meteu o pé no breque. Eu vi ele muito indignado. Pressão, pressão, pressão, pressão. Dinheiro, dinheiro, dinheiro, dinheiro, todo mundo tem, todo mundo tem. Acho que foi o maior erro que o Delúbio cometeu. E o presidente agora, 165 desde janeiro, quando soube, eu garanto a você [que o “mensalão” foi suspenso]. A insatisfação está brutal porque a mesada acabou. Serenamente eu já tenho o caminho traçado: não me preocupa mais o mandato, não vou brigar por ele. Só não vou sair disso como um canalha, porque não sou. Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília 170

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ANEXO B-4: 6/6/2005, A6 segunda-feira, 6 de junho de 2005 B R A S I L AB E X C L U S I V O Presidente do PTB diz que o PT trata seu partido “como se fosse gente de segunda” 5 e que vai enfrentar situação de peito aberto

‘Sim, eu preciso da CPI, eu errei’, diz Jefferson A L I G A Ç Ã O J E F E R S O N - D E L Ú B I O 10 DO PAINEL ............................................................................................................. Depois de assinar e dias depois retirar seu nome da lista de parlamentares a favor da CPI dos Correios no Congresso, Roberto Jefferson disse ontem que a instalação da comissão é 15 “fundamental” para a sua imagem e de seu partido. “Sim. Eu preciso [da CPI]. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter recuado.” Na entrevista de ontem, o petebista também atacou o PT e o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, o partido do presidente “não tem coração”. E mais: “Ele [o PT] nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia”. 20 Sobre o Palácio do Planalto, se declarou abandonado após as recentes denúncias de corrupção envolvendo seu nome. “O governo se afastou, correu. Não são parceiros, não são solidários.” Na entrevista com a Folha, Jefferson relatou sua relação com os personagens citados nas últimas denúncias. Se disse distante de Maurício Marinho (ex-servidor dos Correios que aparece em fita negociando propina) e sugeriu que o ex-presidente do IRB(Instituto de 25 Resseguros do Brasil) Lídio Duarte estava bêbado quando tratou de propina em entrevista. E confessou: “[O momento] é difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto”. (RENATA LO PRETE) ✎ Folha - Como presidente do PTB, há alguma coisa que hoje o sr. faria diferente 30 em relação ao PT e ao governo Lula? Roberto Jefferson - O PT não tem coração. Folha -Mas, à luz de sua mágoa... Jefferson - Eu não tenho mágoa, não. Folha - Se o senhor voltasse atrás, o senhor conduziria o partido de alguma 35 outra maneira? Jefferson - Não faria, não faria, não faria, não faria o acordo com o governo. Não faria. Eu sempre disse aos meus companheiros, e eles são testemunhas desde o início, o PT não tem coração, só tem cabeça. Ele nos usa como uma amante e tem vergonha de aparecer conosco à luz do dia. Nós somos para o PT gente de segunda, eu sempre me senti assim. A relação 40 sempre foi a pior possível. O [José Carlos] Martinez [então presidente do PTB] morreu [em 2003] dizendo que ele queria carinho do presidente Lula, que jámais o recebeu. Essa política mudou recentemente. O presidente passou a fazer política há algum tempo atrás e a nos receber. A nossa relação com o PT não é boa, não é boa. Você não pode confiar —o que está fechado não está fechado. Tudo o que é dito não é cumprido. Toda a palavra que é empenhada 45

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não é honrada. O PT esgarçou, esgarçou, esgarçou a minha autoridade como presidente do PTB, porque prometeu e não cumpriu. O pior foi na eleição, o que o Genoino [presidente do PT] fez comigo. Ele e o seu Delúbio [Soares, secretário de Finanças do PT]. Prometeram e não cumpriram, e eu avalizei diante dos companheiros o que eles fariam, lá na sede do PT. Então esgarça a autoridade, esgarça o limite, a relação. Quando atende, já não vale mais, 50 porque você já sofreu tanto, já passou tanta privação, já ficou um negócio tão ruim. Folha - A impressão é que a relação entre PT, governo e PTB caminhava para um entendimento mais orgânico. Jefferson - Essa fita da revista [“Veja”] sobre a empresa de Correios. O governo se afastou, correu. Porque entendeu que a relação ao nosso lado... o próprio discurso do Genoino 55 desqualificava a relação. Eu entendi claramente o discurso do deputado Genoino de que seria preciso requalificar a base—o PTB é uma base desqualificada. Foi isso que afetou. Não segurou ninguém. Não são parceiros, não são solidários. Folha - E a relação do sr. com os ciTados nos casos dos Correios e do IRB [Instituto Brasileiro de Resseguros]? 60 Jefferson - Não tratei de nenhum assunto com o doutor [Maurício] Marinho [ex-funcionário dos Correios que aparece em fita negociando propina]. Com a CPI, com a quebra de sigilos telefônico e fiscal, vai ficar claro que ele não tem nenhuma relação comigo. Tenho relação com o doutor Antonio Osório [ex-diretor de Administração dos Correios]. É meu velho amigo, amigo querido, deputado federal comigo em 1982. Vinha sempre terminar as noites 65 aqui no PTB, batendo papo comigo. Um homem sério, um homem honrado, correto. Podem investigar a vida dele que não vão encontrar nada, porque não tem. Pobrezinho. Vive do salário do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], onde ele é funcionário há 35 anos. Folha –O senhor quer a CPI? 70 Jefferson - Sim. Eu preciso. Eu errei. Eu não deveria ter recuado, não deveria ter recuado. Porque vão circunscrever a desonra ao PTB. E o PTB só pode recuperar sua auto-estima e sua honra falando de público ao povo, para ser julgado. Quero olhar nos olhos do povo, porque eu não tenho dúvida de que a CPI será transmitida por todo mundo, pelas redes de TV e de rádio. Então, eu vou falar olhando dentro dos olhos das pessoas que estão em casa. Para a 75 honra do PTB, para a nossa imagem e a do PTB, é fundamental que haja CPI. Folha - Por que o sr. mudou de opinião sobre a CPI? Jefferson - Eu vi que o governo agiu para isolar o PTB. Vai ter que sangrar a cabeça de alguém na guilhotina, tem que haver carne e sangue aos chacais. A “Veja” falou que sou o homem-bomba. E o que você faz com a bomba? Ou desativa ou faz explodir. Estou 80 percebendo que estão evacuando o quarteirão, e o PTB está ficando isolado para ser explodido. Folha - E o Lídio Duarte? Jefferson –A minha relação com o doutor Lídio [Duarte, ex-presidente do IRB] foi a mais elevada e a mais correta. Se você me disser: ‘Roberto, você ficou com alguma chateação com 85 o doutor Lídio?’ Eu respondo: fiquei. Achei que, por ódio, por eu tê-lo afastado da presidência do partido. Conheço o doutor Lídio por ter conversado com ele umas três ou quatro vezes pessoalmente. Achei que na entrevista à “Veja” ele estava um pouquinho alterado, bebida. Tanto que ele procurou se redimir nas cartas e no depoimento à PF. Eu tenho dele a melhor impressão, um homem honrado, honrou o PTB à frente do IRB, não é? Ajudou, 90 dentro da lei, ao PTB quando nós pedimos ajuda a ele. Quando eu pedi a ele que ajudasse através das segurados e corretoras, que ele influísse para que elas fizessem doações ao PTB, ele não conseguiu, porque ninguém queria dar por dentro [de maneira legal], temendo isso que está aí, isso de que o Henrique Brandão é hoje vítima. Doou R$ 70 mil para a campanha de Cristiane, filha de Roberto Jefferson, esse bandido. É a leitura que fazem. Ninguém quer 95

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correr riscos. Isso é ruim. Nós vamos ter de discutir esse processo. Aqui, doação é sinônimo de crime, quando não é. Eu não temo o enfrentamento público. Nunca temi. Talvez por isso eu tenha construído essa fama de truculento, de homem violento. Não sou um homem agressivo, não tenho na minha vida registro de uma lesão corporal contra uma pessoa, não fiz nenhum mal a uma pessoa. Só cara de bravo, pinta de bravo, jeito de bravo. 100 Folha - Como têm sido seus últiMos dias? Jefferson - Antes eu temia no olhar das pessoas a rejeição da obesidade mórbida que eu ostentava [pesava 175 kg antes de operação de redução do estômago. Hoje está com 96 kg]. Era uma coisa meio patológica, que graças a Deus eu superei. Agora vou enfrentar mais essa. Já passei já por duas CPIs, a do Collor e a do Orçamento. Quando o senador [Eduardo] 105 Suplicy me denunciou, ou o PT me denunciou, disse que eu houvera recebido US$ 1milhão, a minha vida virou um inferno. Já fui investigado, minha ex-mulher foi investigada, meus filhos, meu pai. É um sofrimento. E eu estou vendo que esse processo está voltando. Eu não posso mais sair na rua. Eu estou cativo das denúncias que são feitas contra mim. Hoje eu sou prisioneiro, aqui do apartamento funcional. Se eu sair na rua, você verá: “Olha lá o ladrão dos 110 Correios, o ladrão do IRB”. Nem ao dentista eu estou conseguindo ir mais. É difícil, mas eu vou enfrentar, vou enfrentar de peito aberto. Folha - Nesta semana a revista “Época” traz reportagem na qual um sorveteiro é acusado de atuar como laranja do sr. em duas rádios. Jefferson - O [empresário de Três Rios] Edson [Elias Bastos] Jorge, que já possuía uma 115 rádio, a Rádio Três Rios, pediu duas concessões de rádio, e eu ofereci. E disse: “Você vai colocar lá o Durval [da Silva Monteiro, dono de uma sorveteria em Cabo Frio e ex-funcionário do petebista], que é meu irmão preto, esse guerreiro, meu amigo do peito. Você vai ajudar dando a ele a participação acionária no contrato social da rádio. Então você vai dar na rádio AM que vai sair em Paraíba do Sul e nessa FM de Três Rios, a participação do 120 Durval”. É uma maldade, é uma perversidade da revista tratar o Durval como laranja. Colaborou EDUARDO SCOLESE, da Sucursal de Brasília

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ANEXO B-5: 12/6/2005, capa ab São Paulo, domingo, 12 de junho de 2005 DIRETOR DE REDAÇÃO: OTAVIO FRIAS FILHO ✎ ✎ ✎ UMJORNAL A SERVIÇODOBRASIL ✎ ALAMEDABARÃODE LIMEIRA, 425 ✎ ANO85 ✎ Nº 27.829 ✎ R$ 3,50 5 + SÃO PAULO ✎ E 10 D I Ç Ã O 15 ✎ Em nova entrevista exclusiva, presidente do PTB afirma que ‘mesada’ para parlamentares aliados chegava a Brasília em malas 20

Dinheiro do ‘mensalão’ vinha de Estatais e empresas, diz Jefferson RENATA LO PRETE ........................................................................................ 25 EDITORA DO PAINEL Em nova entrevista exclusiva à Folha, o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), afirma que o dinheiro do ‘‘mensalão’’ pago pelo PT a deputados de partidos aliados no Congresso vinha de estatais e de empresas do setor privado. ‘‘Esse dinheiro chega a Brasília, 30 pelo que sei, em malas’’, diz Jefferson. ‘‘Sei que as direções do PP e do PL recebiam.’’ O presidente do PTB afirma não ter provas, mas diz que, em depoimento na Câmara na próxima terça, vai contar tudo o que “vivenciou” “nesta relação de dois anos e meio como governo do PT”. A discussão sobre cargos entre os dois partidos acontecia, segundo ele, no Palácio do Planalto, em uma sala “ao lado do gabinete” do ministro José Dirceu. Jefferson, que se diz 35 contrário ao recebimento do ‘‘mensalão’’ entre deputados do seu partido, fechou, porém, outro acordo como PT. Em troca de apoio ao governo, os petistas financiariam campanhas municipais do PTB em 2004. Teria sido aprovada uma verba de R$ 20milhões.“O primeiro recurso chegou em julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie”, diz. Segundo ele, as outras parcelas não vieram, “tensionando a relação” PTB-PT. Na entrevista, Jefferson poupa Luiz 40 Inácio Lula da Silva. ‘‘Deixaram o presidente completamente desinformado.’’ À noite, o ministro José Dirceu (Casa Civil) disse que Jefferson “quer se transformar em vítima, mas é réu”. O presidente nacional do PT, José Genoino, afirmou que as acusações são “infundadas, agressivas e cheias de ódio”. Brasil 45

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ANEXO B-6: 12/6/2005, A4 A 4 domingo, 12 de junho de 2005 AB B R A S I L E S C Â N D A L O D O “ M E N S A L Ã O ”

Homem de Delúbio carregava 5

mesada na mala, diz Jefferson ✎ Deputado cita o publicitário Marcos Valério como o operador do petista ✎ Presidente do PTB diz que ‘mensalão’ era recolhido entre empresas e estatais 10 RENATA LO PRETE ........................................................ EDITORA DO PAINEL 15 Depois de anunciar que só voltaria a falar na sindicânCia da Câmara e na CPI, o deputado Roberto Jefferson decidiu romper o silêncio e, na noite de sexta-feira, revelou novos detalhes sobre o “mensalão”, que denunciara em entrevista à Folha publicada na segunda. De acordo com o presidente do PTB, os recursos para alimentar esse esquema, que consistiria no pagamento de mesadas de R$ 30mil, pelo PT, a deputados de outros partidos da base aliada, 20 vinham de estatais e de empresas privadas. Dinheiro que, segundo ele, chegava a Brasília “em malas” para ser distribuído em ação comandada pelo tesoureiro petista, Delúbio Soares, com a ajuda de “operadores” como o publicitário Marcos Valério e o líder do PP na Câmara, José Janene (PP-PR). Levado ao centro do noticiário pelos escândalos nos Correios e no IRB e transformado em pivô da pior crise política enfrentada por Lula a partir da denúncia do 25 “mensalão”, Jefferson nega ter gravações comprometedoras contra autoridades do governo, contrariando os rumores que tomaram conta de Brasília ao longo da semana. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT.” Ao repisar o histórico do que teriam sido suas advertências contra o “mensalão”, Jefferson não poupa ministros, mas procura proteger Lula, a quem nada teria sido relatado até uma conversa com o próprio 30 deputado no início deste ano. A partir daí, volta a dizer Jefferson, a mesada teria cessado. “O corpo mole [na Câmara] é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base.” Se poupa Lula, Jefferson faz o oposto com o ministro José Dirceu e com os demais integrantes do que ele chama de “cabeça” do PT: José Genoino, Delúbio Soares, Silvio Pereira e Marcelo Sereno. Narra suas reuniões com esse time para 35 tratar da distribuição de cargos, em uma sala “reservada ao Silvio Pereira” ao lado do gabinete de Dirceu no Palácio do Planalto. Do apartamento funcional que ocupa em Brasília, Roberto Jefferson concedeu por telefone a entrevista que segue abaixo e nas duas páginas seguintes. O deputado diz não temer por sua segurança. “Se fizerem alguma coisa comigo, cai a República.” 40 publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos Noventa por cento das conversas [sobre 45 cargos] eram feitas no

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palácio, Folha - De onde vem o dinheiro para pagar o “mensalão” que, segundo o seu relato, era pago pelo PT a deputados de partidos aliados do governo no 50 Congresso? Roberto Jefferson – Vem de operações com empresas do governo e com empresas privadas. Folha - Que operações? Jefferson - Transferência de dinheiro à vista. Esse dinheiro chega a Brasília, pelo que sei, 55 em malas. Tem um grande operador que trabalha junto do Delúbio, chamado Marcos Valério, que é um publicitário de Belo Horizonte. É ele quem faz a distribuição de recursos. Sei que o deputado José Janene (PP-PR) é um dos operadores. Ele vai na fonte, pega, vem, é tido como um dos operadores do “mensalão”. Inclusive eu já vi o ministro Zé Dirceu [chefe da Casa Civil]muito irritado com ele porque ele se apresentava como “operador do Zé Dirceu”. Ele 60 também é um dos homens que constroem o caixa para repartição entre deputados do PP e do PL. Folha - Qual era exatamente o papel de Marcos Valério? Jefferson - Ele é operador do Delúbio, desde o início do governo. O Janene faz a mesma operação. É de conhecimento notório. 65 Folha - O sr. poderia citar nomes de deputados que recebiam essa remuneração mensal? Jefferson - Isso eu vou deixar para a imprensa investigar. Mas eu sei que as direções do PP e do PL recebiam. Não é segredo. Eles insinuaram isso para o Zé Múcio [deputado por Pernambuco e líder do PTB na Câmara], que não quis entrar. Eu quero inclusive dizer aqui 70 que, quando o Múcio veio conversar comigo a primeira vez, quando o Delúbio Soares [tesoureiro do PT] o procurou, o Múcio veio a mim e disse: “Roberto, estou com você, sou contra receber “mensalão”. Mas nós já asbíamos naquela época, meados de 2003, que havia esse repasse de recursos ao PL e ao PP. Se você perguntar: “Tem prova? Fotografou? Gravou?”. Não. Mas era conversa cotidiana na Câmara a repartição de mesada entre os 75 deputados da base aliada, em especial o PL e o PP. Nunca ouvi falar do PMDB, e tenho certeza de que os deputados e os senadores do PT jamais receberam isso. Folha - O presidente do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP), já anunciou a decisão de processá-lo. Jefferson - É um direito dele. Na colocação que fiz, eu o atingi duramente. Ele tem o direito 80 democrático de me processar. Folha - Houve problema de diNheiro entre PT e partidos da base na campanha municipal? Jefferson - Eu e o líder Zé Múcio acalmamos nossa base dizendo o seguinte: o PTB não vai ter “mensalão”, que desmoraliza e escraviza o deputado, e nas eleições a gente compõe com o 85 PT uma troca de apoio e pede o financiamento para candidaturas que nós entendemos que devemos ganhar. Foi pedida ao PTB, pelo José Genoino [presidente do PT] e pelo Delúbio, uma planilha por Estados de campanhas a prefeito que o PT financiaria para nós. Apresentamos uma planilha de R$ 20 milhões. Esse recurso foi aprovado pelos dois e pelo Marcelo Sereno [secretário de Comunicação do PT]. No princípio de julho de 2004, eu reuni o 90 partido e comuniquei. O repasse do dinheiro se daria em cinco etapas. O primeiro recurso chegou na primeira quinzena de julho: R$ 4 milhões, em dinheiro, em espécie. Em duas parcelas: uma de R$ 2,2 milhões e, três dias depois, uma de R$ 1,8 milhão. Quem trouxe o recurso à sede do PTB foi o Marcos Valério, em malas de viagem. Eu e o Emerson Palmieri [tesoureiro informal do PTB] dividimos esses recursos entre candidatos. E assumimos o 95 compromisso, que era o do Genoino comigo, que outras parcelas viriam. Elas não vieram, e os

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candidatos do PTB que haviam assumido compromissos de campanha entraram em crise brutal. Essas coisas foram esticando a corda, tensionando a relação do PTB com o PT. 100

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ANEXO B-7: 12/6/2005, A5 AB B R A S I L domingo, 12 de junho de 2005 A 5 E S C Â N D A L O D O “ M E N S A L Ã O ” Jefferson nega ter gravações e diz que negociava cargos no Planalto, numa sala 5 reservada a Silvio Pereira, na presença de Delúbio e Dirceu

‘Não tenho fitas, vou relatar fatos que vivi’ 10 DA EDITORA DO PAINEL ............................................................................................................. Nos trechos abaixo, Roberto Jefferson nega ter prova do pagamento do “mensalão” para mostrar à CPI. “Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo 15 do PT.” O presidente do PTB também descreve as negociações de seu partido com o PT para a ocupação de cargos no governo. “Noventa por cento das conversas eram no palácio, numa salinha reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava. O Genoino também. (RLP) ✎ 20 Folha - A semana foi marcada por rumores de que o sr. teria fitas comprometedoras. Isso é verdade? Roberto Jefferson - A única fita que tenho é a da entrevista que a Folha gravou e que a Comissão de Ética da Câmara está pedindo. Não tenho nenhuma fita. Não faço isso. Eu vou [no depoimento desta terça] relatar fatos que vivi neste ano e meses em que presido o PTB. 25 Das reuniões que tive com Genoino, Delúbio, Silvio Pereira [secretário-geral do PT], com o Zé Dirceu. Das conversas que tivemos tanto para construir a aliança do PTB com o governo quanto a aliança eleitoral do PT com o PTB. Folha - No depoimento desta terça, e depois na CPI, o sr. tem a apresentar unicamente o seu relato? 30 Jefferson - Vou colocar claramente ao Brasil tudo o que vivenciei, tudo o que conversei, tudo de que tratei. Tenho a palavra e a vivência desta relação de dois anos e meio com o governo do PT. Folha - Que avaliação o sr. faz das reações dos membros do governo citados em sua entrevista anterior? 35 Jefferson - Os ministros foram covardes como presidente. O ministro Palocci [Fazenda] sabia do “mensalão” porque eu falei para ele. O ministro Walfrido [Turismo] errou por não ter dito ao presidente sobre o “mensalão”, porque eu falei com ele. O ministro Ciro [Integração] sabia. O Zé Dirceu, conversei com ele várias vezes sobre o “mensalão”. Deixaram o presidente completamente desinformado de algo que viciou a relação do governo, e do 40 comando do PT em especial, com a base aliada no Congresso. Quando de minha conversa com o presidente este ano, lá no gabinete dele no Palácio do Planalto, estávamos eu e o ministro Walfrido, quando eu disse a ele do “mensalão”. Ele tomou um susto. Expliquei a ele no que consistia: um reparte de recursos do Delúbio para líderes e presidentes de partido da base aliada dividirem um dinheiro por mês com representantes de suas bancadas, em especial 45

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o PP e o PL. O PTB fora convidado a participar e repelira. Acho que os ministros traíram a confiança do presidente. Como pode ministros minimizarem, dizendo que não havia importância em minhas palavras, e ter essa explosão no Brasil quando a Folha as coloca para a opinião pública? Só eles não tinham dimensão da explosão que isso iria provocar? O presidente [quando ouviu 50 o relato], foi como se alguém dissesse “olha ali a tua mulher com outro homem”. Aquela reação de surpresa, de mágoa, as lágrimas brotaram.Ele me pediu que explicasse como funcionava o “mensalão”. Eu disse. Depois ele se levantou, me deu um abraço e eu saí. E o que eu sei, até pela vivência da Casa —essas coisas não se escondem — é que houve uma atitude forte, porque o “mensalão” secou. E nós estamos assistindo a uma crise de abstinência. 55 O corpo mole é porque está faltando aquilo que o Delúbio sempre transferiu a líderes e presidentes da base: o dinheiro para pagar o exército mercenário, as bancadas de aluguel. Folha - Que avaliação o sr. faz da entrevista do tesoureiro do PT? Jefferson - Achei que ele foi fraco. Não teve como enfrentar a imprensa. O Genoino parecia um cão de guarda. Se alguém tentava uma segunda pergunta, o Genoino cortava. A meu ver, 60 Delúbio não convenceu. Não esclareceu sua relação com os partidos que compõem a base do governo. Folha - Como se estabeleceu a reLação do PTB com a cúpula petista? Jefferson - Quando, lá atrás, o José Carlos Martinez era presidente do PTB, e nós começamos a constituir a relação, depois de nomeado o Walfrido Mares Guia ministro do 65 Turismo, o segundo cargo foi o do delegado regional do Trabalho no Rio, Henrique Pinho. Toda a estrutura abaixo dele foi nomeada pelo Silvio Pereira. Outro cargo: Fernando Cunha, para a BR Distribuidora. Toda a estrutura abaixo do Fernando Cunha foi nomeada pelo Silvio Pereira. Na área de Petrobras, de petroquímica, quem manda é ele. Um dia perguntei: “Mas como é isso? Vocês dão a cabeça e tomam o corpo?”. E ele disse que esse era o jeito do PT de 70 repartir poder. Foi assim no Departamento Nacional de Infra Estrutura e Transportes. A primeira indicação para o Dnit, feita pela bancada de São Paulo, acho que é Pimentel o nome [Sérgio Pimentel], esse que hoje aparece nos jornais. Toda a estrutura abaixo foi montada pelo Silvio e pelo Delúbio. O gerente, um tal de Lauro [Lauro Corrêa], é homem do PT. Ele mandava mais que o diretor-geral do Dnit. O PT nomeava as pessoas que controlavam a 75 estrutura de poder por baixo dos nomeados do PTB. Folha - A quem o sr. se refere quando fala na direção do PT? Jefferson -Genoino, Marcelo Sereno, Delúbio Soares, Zé Dirceu, que sempre soube de tudo. Várias vezes eu conversei com o Genoino e com o Delúbio no gabinete do ministro Zé Dirceu. Tudo era tratado como conhecimento dessas pessoas e do Silvio Pereira. Isso no 80 início do governo. Há uma sala contígua à do gabinete do ministro Zé Dirceu no Palácio do Planalto, e de vez em quando nós fazíamos essas conversas. Noventa por cento das conversas eram feitas no palácio, numa salinha que era reservada ao Silvio Pereira. De vez em quando o Delúbio metia a mão na porta, entrava, sentava, conversava e saía. O Zé Dirceu participava da conversa, e o Genoino também. 85 Folha - Após a primeira reportagem da “Veja” sobre os Correios, duas nomeações iminentes de petebistas foram abortadas: uma na empresa e outra em Furnas, certo? Jefferson - O doutor Ezequiel Ferreira, indicado pelo senador do PTB Fernando Bezerra [líder do governo no Congresso],nunca chegou a ser diretor dos Correios. Iria para a 90 Tecnologia, ocupada pelo doutor Eduardo Medeiros, indicado pelo Silvio Pereira. Era uma negociação que cortava um pedaço de poder do PT na carne. Furnas foi o próprio presidente Lula que ofereceu ao PTB. Na diretoria de Engenharia, a mais poderosa do setor elétrico do país, está o doutor Dimas Toledo. Há 12 anos. É muito ligado ao governador Aécio Neves (PSDB-MG). O presidente queria tirá-lo porque houve um programa em Minas, num repasse 95

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de recursos federais de mais de R$ 1 bilhão, o “Luz para Todos”. E quando houve a exploração política desse programa, o Aécio só botou na placa “governo de Minas Gerais”. E o presidente se sentiu traído. Com a ajuda do então presidente da Eletronorte, meu companheiro Roberto Salmeron, eu cheguei ao nome de Francisco Pirandel, um técnico de altíssimo nível, que já trabalhou com o senador Delcídio [Amaral, líder do PT no Senado]. 100 Levei o currículo ao presidente Lula, que mandou que eu despachasse de uma vez com o ministro José Dirceu e levasse uma cópia para a ministra Dilma Rousseff[Minas e Energia]. Ela disse: “É um dos melhores nomes”. Aí começaram as pressões para que o Dimas não saísse. Do presidente Itamar Franco, lá Em Roma, no enterro do papa. De grandes empreiteiras. Até o Zé Dirceu disse: “A pressão está muito forte para não trocar”. Eu disse: 105 “O PTB não é problema. Nós não queremos gerar uma crise”. Quando nós voltamos, Walfrido e eu, para conversar com o presidente, nós nos dispusemos a abrir mão. Ele falou: “Não. Eu faço questão”. Ficou marcada a assembléia, se não me engano para 16 de maio. Dia 14 de maio saíram as primeiras denúncias da “Veja”. Na assembléia, a ministra mandou suspender a troca. Três dias depois, vem conversar comigo em casa o Arlindo Chinaglia [petista, líder do 110 governo na Câmara]. Logo depois do meu discurso na Câmara, falando em nome pessoal, para pedir que eu matasse no peito, que o PTB puxasse a crise para si e esclarecesse rapidamente, e que depois as coisas caminhariam normalmente, que aconteceria a nomeação em Furnas. E eu disse: “Mas por que você fala isso?”. Ele respondeu: “Porque foi o governo que sustou”. Quando saiu a matéria da “Veja”, o Janene e o Severino Cavalcanti [presidente 115 da Câmara, PP- PE] foram para cima do Zé Dirceu para impedir que houvesse essa troca. Eles adotaram o Dimas como indicação do PP. Pressão direta do Janene e do Severino para que eles não assinassem a CPI.

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ANEXO B-8: 12/6/2005, A6 A 6 domingo, 12 de junho de 2005 B R A S I L AB E S C Â N D A L O D O “ M E N S A L Ã O ” Roberto Jefferson acusa Polícia Federal de agir politicamente e diz que caiu em 5 ‘armadilha’ preparada pelo ministro José Dirceu

‘Se fizerem algo comigo, cai a República’

DA EDITORA DO PAINEL 10 ............................................................................................................. Na última parte da entrevista, Roberto Jefferson se diz convencido de que caiu numa “armadilha” do ministro José Dirceu ao retirar sua assinatura do pedido de CPI dos Correios. A partir daí, “recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo”. A mesma mão ele vê na orientaÇão do trabalho investigativo da Polícia Federal. “A PF faz tudo na correria 15 para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética.” O deputado lança um desafio: duvida que Dirceu venha a público negar suas acusações. Rejeita a idéia de estar praticando chantagem ao não contar sua história toda de uma vez e se diz tranqüilo, apesar de tudo. “Estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira.” (RLP) 20 ✿ Folha - Qual é o caminho a percorrer para comprovar a prática do “mensalão” no Congresso? Roberto Jefferson - Já tem deputada em Goiás [Raquel Silveira, licenciada, do PSDB] dizendo que foi assediada pelo líder do PL na Câmara, Sandro Mabel (GO), [com a proposta 25 de] R$ 1 milhão de luvas eR$30 mil por mês. Isso ninguém segura. Era de conhecimento público. Eu li que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, já ouvira falar do “mensalão”. Era uma coisa que Brasília sabia. Só que ninguém queria dizer. O meu papel foi só o de destampar a panela e tornar isso público. Folha - O deputado Miro Teixeira (PT-RJ) confirmou ter sido procurado pelo sr., 30 mas disse que o sr. se recusou a tornar pública a denúncia da prática do “mensalão”. Jefferson - É um equívoco dele. Eu falei com ele quando ele era ministro. Mais de um ano atrás. Na frente dos deputados João Lyra (PTB-AL) e José Múcio. Ele deixou o Ministério das Comunicações. Veio ser líder do governo na Câmara. Aí me chama: “Roberto, vamos colocar 35 para fora esse ‘mensalão’”. Eu digo: “Vamos, mas depois de dizer ao presidente Lula, porque eu tenho certeza de que ele não sabe disso”. Porque havia, até janeiro deste ano, um cordão sanitário em torno do presidente Lula. Nós não conseguíamos conversar com ele. Nós só chegávamos até o Zé Dirceu, ou até o Aldo Rebelo. A primeira vez que eu pude conversar com o presidente Lula no gabinete dele despachando foi em janeiro deste ano. E quando eu 40 disse a ele, olhando nos olhos dele, do “mensalão”, o choque dele... Eu tenho seis mandatos. Eu sou deputado federal desde o presidente Figueiredo. Eu nunca tinha ouvido falar de financiamento de bancada aliada na base pelo partido do governo. E contei isso ao presidente Lula. E vi a reação dele de perplexidade. E então as coisas pararam. Mas o que eu estranho é que a Abin, depois que eu disse isso ao presidente Lula, parte para mandar arapongas contra o 45 PTB. Alguém, dentro do governo, não gostou que nós passamos essa informação ao presidente Lula. Folha - Como o sr. vê a reação do ministro Dirceu à sua entrevista?

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Jefferson - Eu vejo que ele está esperando para ver como vou me colocar para ele poder se manifestar. Eu posso apostar que ele vai falar depois desta entrevista que eu dei. Eu duvido, 50 du-vi-do, que ele negue o que eu estou dizendo. Folha - O sr. concorda com o discurso do Planalto segundo o qual o “mensalão”, se existiu, é problema do PT e não do governo? Jefferson - Eu acho que está certo, mas tem gente do governo metida. O ministro Aldo Rebelo, quando ainda líder do governo na Câmara, foi informado por mim do “mensalão”. Ele 55 já sabia. É um homem digno. Tentou resolver. Conversou conosco que isso iria dar um escândalo nacional. Quando ele fala “o governo”, está se referindo ao presidente Lula. Esse não sabia, nitidamente. E não é o PT. Não são os deputados ou os senadores do PT. Isso eu quero deixar claro aqui. É essa cabeça do PT: Genoino, Delúbio, Silvinho Pereira, Zé Dirceu. É essa cabeça que, para não distribuir poder—porque o PT tem 20% do Congresso, mas na 60 Esplanada tem 80% do PT—, para que isso não desse uma crise... Esse negócio de exército mercenário, “mensalão”, começou agora, com o Genoino, o Delúbio e o Zé Dirceu. E ele se torna efetivo —eu me recordo bem da conversas do [José Carlos] Martinez comigo — em agosto de 2003. Porque havia uma grande insatisfação, não se repartia poder, não se nomeava ninguém para cargo nenhum, e eles começaram a compensar a ausência da transferência de 65 poder. O PT entendia, na sua cabeça, a sua cúpula, que era muito mais barato alugar um deputado do que discutir com os partidos um projeto de governo. Folha - Como o sr. compara a reação do governo à primeira reportagem de “Veja” sobre os Correios e a exibida após suas declarações? Jefferson - Num primeiro momento, o Zé Dirceu ficou muito hostil comigo depois do meu 70 discurso na Câmara, quando eu assinei a CPI. Na véspera, houve reunião da Executiva do PTB para que todos os companheiros assinassem a CPI e nós devolvêssemos os cargos ao governo. À noite, os ministros tentaram vir à minha casa: Ciro Gomes, Paulo Bernardo [Planejamento], Zé Dirceu, Aldo Rebelo. Para me demover de assinar a CPI. Eu disse: “Não vou recebê-los. Porque isso tudo foi tramado pelo governo”. Vamos para a CPI, a maneira 75 mais clara de limpar a honra do PTB. No dia seguinte, eu estava tomando banho, toca o interfone, a empregada aqui de casa, a Elza, manda subir os ministros Aldo Rebelo e Zé Dirceu. Quando eu saio do banho estão os dois sentados na sala da minha casa. Eu coloquei ao Zé Dirceu tudo o que eu já disse a você na entrevista passada. Nesse ínterim, sobe um boletim da Polícia Federal, trazido pelo advogado 80 do PTB, dizendo que o Mauricio Marinho [funcionário dos Correios flagrado em gravação recebendo propina e citando Jefferson] descredenciara a fita. Eu falei: “Se é assim, eu não te- nho nenhum problema em retirar a assinatura da CPI. Mas Zé Dirceu, vocês, que esticaram a corda até romper, me expliquem como foi essa coisa de Furnas”. Aí ele repetiu a conversa do Chinaglia. Que recebeu pressão do Severino e do Janene, com ameaça de assinar a CPI, e que 85 adiante eles reconduziriam o Pirandel. Eu falei: “Mas me importa a restauração da minha honra. A ‘Veja’ está fazendo um verdadeiro linchamento”. Ele respondeu: “Roberto, na ‘Veja’ não tenho nenhuma ação, porque a ‘Veja’ é tucana”. Eu falei: “Mas ‘O Globo’ e a Globo estão repetindo o linchamento”. Ele falou: “No ‘Globo’ eu falo por cima. Dá para segurar”. Retirar a assinatura foi o meu maior erro. Depois que fiz isso, recrudesceu o 90 noticiário contra o PTB. Eu entendi que foi uma armadilha do Zé Dirceu para mim. Recrudesceu o noticiário, e eu vi claramente a mão do governo. Folha - Viu onde e como? Jefferson – Nas matérias que saíram na revista “Época” e no “Globo” no fim de semana seguinte. Violentamente contra mim e contra o PTB. Eu falei: “Eu errei, eu me enfraqueci ao 95 retirar a assinatura da CPI, e o Zé Dirceu armou essa arapuca para mim”. Foi quando disse ao Walfrido: “Vão botar tudo no colo do PTB. Toda a corrupção que tem dentro dessa estrutura de relações da cúpula do PT em algumas empresas do governo no colo do PTB”. Eu li agora

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que a PF “identificou um esquema de corrupção nos Correios, no IRB e na Eletronorte”. Vão colocar no nosso colo. Vão enterrar a CPI e, enterrando a CPI, é inquérito, e o delegado da PF 100 está agindo politicamente. Ele só vem para cima do PTB. Aliás, numa violenta ilegalidade, porque, para investigar deputado federal, tem que ser Supremo, não pode ser juiz de primeiro grau. Todas as diligências —apreensão de documentos, prisões de pessoas, apreensões de computadores —têm sido autorizadas por juiz de primeiro grau contra o deputado federal Roberto Jefferson, quando o foro competente devia ser o Supremo Tribunal Federal. E hoje 105 [sexta-feira] no “Globo”, num noticiário promovido pelo governo, sai que eu mandei gravar o Marinho. Que a PF e o governo “desconfiam” que o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, foi à Abin e pediu que um órgão de Estado filmasse o Marinho. Olha a conversa! Eu vejo nitidamente o dedo desse segmento—Zé Dirceu, Genoino, Delúbio— para colocar esse cadáver podre no colo do PTB. 110 Folha - E quanto a seu amigo Henrique Brandão, dono da corretora de seguros Assurê, contra quem a PF diz ter obtido indícios? Jefferson - É meu amigo há 30 anos, um homem honrado. E eu quero dizer uma coisa: foi o único que ajudou o PTB, da maneira possível, nas eleições municipais. Eles querem pegar o Henrique Brandão para me atingir pessoalmente e ao meu partido como um todo. Ele não é 115 suspeito de nenhuma irregularidade. Por que a invasão da casa dele, do escritório dele, apreensão de computador? Eu vejo claramente que está hávendo um inquérito político, e nesta semana a coisa voltou a recrudescer porque eu marquei o meu depoimento, aberto à imprensa, na Comissão de Ética, na próxima terça-feira, às 14h30. Está havendo uma correria política da PF no Ministério da Justiça para tentar enfraquecer o que eu devo dizer ao Brasil. A PF faz 120 tudo na correria para eu chegar de cabeça baixa à Comissão de Ética. Folha - Na entrevista que concedeu quarta-feira, Delúbio Soares o acusou de praticar chantagem. O sr. não acha que, ao não contar sua história toda de uma vez, o sr. respalda essa interpretação? Jefferson – Em hipótese alguma. Chantagem é para ganhar dinheiro, ter contraprestação 125 financeira. Eu falei do “mensalão” aos ministros no ano passado. Isso não é chantagem, é advertência. É que eu acho que chegamos a um ponto em que exauriu a relação. Há companheiros no partido que pensam que podem continuar na base do governo. Eu entendo que acabou a relação. Eu tenho de ter cuidado, porque na segunda-feira passada houve aqui em casa uma reunião da cúpula do PTB para pedir que eu renunciasse. Mas as coisas têm de 130 ser paulatinas. Tenho de consolidar minha posição dentro do partido. Se eu tivesse renunciado, eu seria jogado aos leões na arena. Eu pedi prazo a eles, até a reunião do Diretório Nacional [no próximo dia 17]. Eu tenho também uma disputa política interna. Um grupo que quer sair, um grupo que quer ficar. Então, não se trata de chantagem. É cautela para proteger minha posição no partido até a reunião do diretório. Se eu falo paulatinamente não é 135 por chantagem. É para ir mostrando como as coisas se deram. Eu sento, fico aqui pensando, tomo notas das coisas que aconteceram, tentando rememorar com clareza os fatos para não ferir a verdade e não entrar em contradição. Com toda a serenidade. Folha - Nos últimos dias, o sr. passou a temer por sua segurança? Jefferson - Não temo, não. Depois do que eu já disse, se fizerem alguma coisa comigo, cai a 140 República. Creio em Deus. Rezo. E estou muito seguro de que estou fazendo bem tanto ao meu partido, lavando o rosto do meu partido, quanto à sociedade brasileira. Tenho certeza de que as coisas serão diferentes a partir de agora.

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ANEXO B-9: 10/6/2005 – A2

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ANEXO C: ÍNTEGRA DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO ANEXO C–1: 6/6/2005 - capa

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ANEXO C-2: 6/6/2005 – A4

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ANEXO C -3: 6/6/2005 – A5

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ANEXO C-4: 6/6/2005 – A6

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ANEXO C-5: 12/6/2005 – capa

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ANEXO C-6: 12/6/2005 – A4

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ANEXO C-7: 12/6/2005 – A5

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ANEXO C-8: 12/6/2005 – A6

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ANEXO D: TRECHOS DA 1ª E DA 2ª ENTREVISTAS NO JORNAL O ESTADO DE S.PAULO ANEXO D-1: 9/6/2005 – A2