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    Reforma poltica e imprensa

    Fbio Wanderley Reis

    O tema geral da reforma poltica irrompeu de novo com fora. Asequncia de denncias que atingiram o Congresso levou, por exemplo, aque um jornal como aFolha de S. Paulo, duas semanas atrs, retomasse emeditorial a defesa do voto facultativo, no entendimento de que com elediminuiria a distncia entre a sociedade e seus representantes, ajudando nasuperao da impunidade que a repugnncia pelos polticos, por si s,no traz. Mas a notcia de que polticos tanto governistas como de oposio

    se mobilizam para aprovar o financiamento pblico de campanhas e o votoem listas levou as coisas mais longe: o que vemos, alm de enfticoseditoriais e colunas contra a proposta, a prpria veiculao das notcias arespeito envolta, nos diferentes meios, em ira e sarcasmo. E tomerepugnncia!

    Impossvel negar o que h de feio nos fatos que as dennciasrevelam. E ver a proposta mencionada ganhar viabilidade no Congresso em

    seguida s denncias com certeza autoriza apontar um oportunismo midocomo parte, pelo menos, dos motivos da movimentao atual. Mas ilusrio contar com que nosso eventual avano institucional venha aresultar, sem mais, de parlamentares nobremente motivados a discutir comcompetncia e iseno os problemas do pas. E caberia talvez esperar que aduradoura face negativa da realidade poltica brasileira fosse ela prpria umincentivo a que a imprensa, em vez da perene exposio minuciosa de cadamalfeito, abrisse maior espao discusso e ao esclarecimento das

    dificuldades que envolvem o campo tcnico e polmico das reformasinstitucionais, de que fala o prprio editorial citado da Folha de S. Paulo.J lembrei aqui a reduzida ateno dedicada, pela imprensa em geral, s

    propostas relatadas por Ronaldo Caiado, na Cmara, e derrotadas enquantoramos inundados com as aventuras de Renan Calheiros.

    De minha parte, sou favorvel manuteno do voto obrigatrio. Aocontrrio do argumento invocado com frequncia, e retomado agora, no h

    qualquer razo (sobretudo, ironicamente, na perspectiva edificante quetende a predominar) para ver no voto somente um direito, e no tambm

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    um dever do cidado. De um ponto de vista analtico e emprico, almdisso, a sociologia eleitoral h muito mostra que, com o voto facultativo, osmais pobres e desinformados so os que se veem desproporcionalmenteexcludos do sufrgio. A no ser numa tica elitista e algo cnica, difcil

    defender a ideia de que a representao melhore ao se facilitar a operaode um fator adicional de excluso dos j marginais socioeconomicamente.Mas, de novo ao contrrio do que s vezes se sustenta, o voto facultativotender ainda a estimular o recurso a mecanismos clientelsticos demobilizao dos eleitores, j que, no sendo todos obrigados a votar, taismecanismos podero fazer a diferena em termos de resultados eleitoraisem nossas condies sociais negativas.

    Sou tambm favorvel a que experimentemos com o financiamentopblico e o voto em listas. Quanto ao financiamento pblico, umaponderao inicial tambm de natureza doutrinria: se asseguramosigualmente o direito de votar para todos, evidente a diferena entre ricos e

    pobres no que se refere ao exerccio do direito de ser votado, ou decandidatar-se a cargos eleitorais com perspectivas de xito, e ofinanciamento pblico um meio bvio de se procurar neutralizar asdistores que o dinheiro privado traz ao processo eleitoral e sua influncia

    antidemocrtica e corruptora na prpria administrao pblica ainda queseja necessrio prestar ateno possibilidade de democratizao dofinanciamento privado que a campanha de Barack Obama acaba demostrar-nos.

    Por seu turno, o voto em listas defensvel, em primeiro lugar, porpermitir a fiscalizao efetiva do uso dos recursos ao concentrar aresponsabilidade nos partidos. Em perspectiva mais ampla, porm, ele

    concorre na direo geral do indispensvel fortalecimento dos partidoscomo pontos de referncia e, eventualmente, como agentes consistentes edecisivos do processo poltico e eleitoral, em vez da disperso personalistaque experimentamos h muito. notvel que essa disperso seja descrita,tambm em editorial, como arma democrtica de que disporiam os eleitorespara combater os abusos dos seus representantes pelo mesmo jornal queaponta, para defender o voto facultativo, o cidado a curvar-se numaespcie de corveia eleitoral e a outorgar mandatos que sero exercidos na

    impunidade e na arrogncia.

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    Sem dvida, h o perigo verdadeiro das famosas oligarquiaspartidrias. Convm, naturalmente, pensar em dispor de maneira adequadasobre coisas como convenes democrticas e eleies primrias paraassegurar que as bases partidrias tenham um grau significativo de controle

    dos lderes, bem como sobre listas flexveis em que se preserve ainiciativa do eleitor. Mas o que importa que o eleitor possa escolher entre

    partidos que agreguem interesses e vocalizem alternativas relevantes, e patente que a preocupao com a construo de partidos reais deve terprecedncia sobre a preocupao com a sua oligarquizao: uma vez que sejogue o jogo eleitoral, so sobretudo partidos fracos que se prestam aocontrole de oligarquias. Ao contrrio, o comando e a coeso reais so

    partes importantes e articuladas de partidos capazes de eficcia eleitoral e

    governativa.

    De todo modo, lamentvel que as circunstncias contaminem tonegativamente o debate dos problemas. E que a imprensa bem pensanteseja, de mais de uma forma, o instrumento desatento dessa contaminao.

    Valor Econmico, 11/5/2009

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