reforma política pra quê?

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PINÇA DE LASER CAPTURA CÉLULA VIVA AS INTRIGANTES DOENÇAS DO SANGUE Ciência e Tecnologia no Brasil ASSINANTE EXEMPLAR DE VENDA PROIBIDA Agosto 2005 Nº 114 Reforma política para quê?

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Pesquisa FAPESP - Ed. 114

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Page 1: Reforma política pra quê?

PINÇA DE LASERCAPTURA CÉLULA VIVA

AS INTRIGANTES DOENÇAS DO SANGUE

Ciência e Tecnologia no BrasilA

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Agosto 2005 ■ Nº 114

Reforma política para quê?

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Page 2: Reforma política pra quê?

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Page 3: Reforma política pra quê?

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 3

EXPLODIR PARA ENTENDER

O tradicional 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, ganhou um pouco menos de atenção este ano. Nesse dia a sonda Deep Impact lançou contra o cometa Tempel 1 um projétil a 36 mil quilômetros por hora a 130 milhões de quilômetros da Terra. O objetivo da Nasa, a agência espacial norte-americana, é entender mais sobre a origem do sistema solar a partir da análise do impacto com o cometa. Foram registradas a colisão, o material expelido, a estrutura e composição do interior da cratera, além de mudanças no movimento do cometa.

A IMAGEM DO MÊS

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Page 4: Reforma política pra quê?

80 CAPA

Em projeto temático, pesquisadores questionam a urgência de uma ampla reforma política no país

24 INDICADORES

De acordo com o IBGE, retração da economia limitou avanço da inovação no país

POLÍTICA CIENTÍFICA

E TECNOLÓGICA

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www.revistapesquisa.fapesp.br

REPORTAGENS

Países da bacia amazônicaarticulam medidas conjuntas para proteger a biodiversidade

31 GOVERNO FEDERAL

Sergio Rezende assume o Ministério da Ciência e Tecnologia e diz que não mudará estratégias

MIG

UEL

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YAYA

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AZ

12 ENTREVISTA

O geneticista Oswaldo Frota-Pessoa, um cientista muito especial, fala de sua longa vivência como pesquisador, professor e divulgador de ciência

48 CLIMATOLOGIA

Correntes de ar levam umidade ou fumaça da Amazônia até a bacia do Prata

52 ZOOLOGIA

Perereca exclusiva da Caatinga se defende de predadores usando o crânio com espinhos e glândulas de veneno

32 PERFIL

Com 93 anos, Walter Accorsi participa da vida da Esalq e continua a difundir a fitoterapia

42 GENÔMICA

Cientistas agora entendem melhor a biologia de três parasitas que infectam milhões de moradores de países pobres

46 VIROLOGIA

HTLV-1 espalha-se como o vírus da Aids e causa disfunção erétil

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CIÊNCIA

28 PROPRIEDADE INTELECTUAL

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4 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

04a05-114-indice 27/7/05 7:58 PM Page 4

Page 5: Reforma política pra quê?

38 MEDICINA

Pesquisadores associammutações genéticas à origem de doenças sangüíneas de idosos

64 BIOFOTÔNICA

Pesquisadores unem pinça óptica e espectroscopia para facilitar os estudos com células vivas 90 HISTÓRIA

Estudo revela a vida em torno do rio Tietê no início do século 20

Capa e ilustração: Hélio de Almeida

SEÇÕES

Novos materiais magnéticos em escala molecular são desenvolvidos para uso na eletrônica e na medicina

68 QUÍMICA

54 ASTRONOMIA

Regiões mais adensadas de galáxias similares à Via Láctea fornecem gás e poeira para a formação de estrelas

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A IMAGEM DO MÊS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6CARTA DO EDITOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10ESTRATÉGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34SCIELO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58LINHA DE PRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . .60RESENHAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94LIVROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95FICÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96CLASSIFICADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98

70 ENGENHARIA BIOMÉDICA

Sensor faz diagnóstico mais preciso das imperfeições visuais

72 ENGENHARIA DE MATERIAIS

Novo sistema melhora a produção de garrafas produzidas com polímeros

76 RECICLAGEM

Grupo de empresas monta unidade para processarembalagens do tipo longa-vida

86 FILOSOFIA

Projeto discute os perigos da mercantilização da ciência

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DA

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 5

HUMANIDADES

TECNOLOGIA

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04a05-114-indice 27/7/05 7:59 PM Pa ge 5

Page 6: Reforma política pra quê?

6 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

tem uma capacidade de 30, 40.000litros. Um reservatório para produ-zir 1 m3/s, por ano, sem contar asperdas por evaporação, teria que ter31.536.000 m3 de capacidade deacumulação. Uma cisterna abastece-ria uma família de quatro pessoas,cada uma delas consumindo 50 li-tros por dia, durante 200 dias. Isso,se enchesse todos os anos, o que nemsempre acontece. As cisternas são,pois, medidas paliativas. Não resol-vem, com segurança, o problema desuprimento hídrico. Sou favorável àsua construção, inclusive, por razõessanitárias.

4. Adicionalmente, tenho que fa-zer as seguintes considerações sobreo projeto:

• Apregoa-se que os gastos deduas secas correspondem ao custo deexecução do projeto, como se, apóso mesmo, o problema da seca esti-vesse solucionado. O problema daseca se manifesta no abastecimentohumano, urbano e rural e, principal-mente, na produção agrícola, com aquebra da safra devido à ocorrênciados chamados “veranicos”. Este, sim,é o grande problema do semi-áridonordestino, não contemplado noprojeto de transposição como severá a seguir:

• o projeto considera que os300.000 hectares (ha) adjacentes aos600 quilômetros (km) de canais (2,5km de cada margem) são de interes-se público, devendo desapropriar es-ta área para a promoção da reformaagrária e desenvolvimento da agri-cultura familiar;

• a estrutura agrária da área a serdesapropriada é composta, predomi-nantemente, de minifúndios;

• nas bacias dos rios Taperoá eAlto Paraíba existem 2.805 imóveiscom até 5 ha, 2.370 entre 5 e 10 ha,7.395 entre 10 e 50 ha, totalizandouma área de 162.466 ha. Nas baciasdo Alto e Médio Piranhas a situaçãoé a seguinte: 2.959 até 5 ha, 1.774 en-tre 5 e 10 ha e 3.869 entre 10 e 50 ha,

As águas vão rolar

Encaminho comentários sobreas afirmações de João Urbano Cag-nin, coordenador técnico do projetode transposição do São Francisco, pu-blicadas na reportagem “As águas vãorolar”, Pesquisa FAPESP, nº 112, dejunho de 2005:

1. A afirmação de que “a área doprojeto atinge 37% da população dopolígono das secas” mostra que o seualcance é limitado. Como a popula-ção da área inclui os habitantes deCampina Grande e Fortaleza, con-cluímos que o benefício à populaçãorural é menor do que o apregoado.Os autores do projeto escondem queas frentes de emergência emprega-ram nas últimas secas 2,05 milhõesde trabalhadores e que os empregosgerados pela transposição ascenderãoaos 540 mil, 180 mil dos quais dire-tos. Qual o destino dos trabalhadoresrestantes nas épocas das secas?

2. A afirmação de que entre os 70mil açudes “só cem valem a pena”, ede que os demais são grandes eva-poradores de água, é improcedentee até leviana. Não reconhecer a dis-ponibilidade hídrica acumulada nospequenos e médios açudes sem ca-pacidade de regularização é umerro absurdo e não aproveitá-la, umdesperdício inominável. A vocaçãodo pequeno açude existe (como exis-te a dos médios e dos recursos hídri-cos subterrâneos contidos, principal-mente, nos aqüíferos aluviais) e nãoestá sendo aplicada: uso na irrigaçãode salvação – aquela que corrige asirregularidades pluviométricas daestação chuvosa – ou na irrigação decultivos de pequeno ciclo.

3. O dr. Cagnin diz que o gover-no está implementando a constru-ção de 1 milhão de cisternas que pro-duzirão 1 metro cúbico por segundo(m3/s). Isso mostra que o coordena-dor técnico do projeto não tem idéiado que seja a relação reservató-rio/vazão produzida. Uma cisterna

[email protected]

CARTAS

total de 112.263 ha. São, portanto,12.570 pequenos proprietários ru-rais naquela parte da bacia do rioParaíba e 8.602 na parte paraibanado rio Piranhas que terão, em maiorou menor extensão de seus 274.829ha, suas terras desapropriadas, exa-tamente em sua parte mais valiosa eprodutiva, a que fica nas margens doscanais da transposição. Como umaboa parte da área será destinada aempresas, o que se pergunta é se to-dos esses pequenos proprietários se-rão reassentados ou se transforma-rão em novos sem-terras?

• não há uma política de abaste-cimento urbano adequada (disponi-bilidades 100% garantidas) nem pa-ra o abastecimento humano rural;

• não há uma política de irrigaçãocondizente com a Lei 9.433/97, queestabelece “a adequação da gestão derecursos hídricos às diversidades fí-sicas, bióticas, demográficas, econô-micas, sociais e culturais das diversasregiões do país”;

• não há um programa de miti-gação dos efeitos das estiagens sobrea produção agrícola e, muito menos,uma política de aproveitamento hi-droagrícola da estação úmida dosemi-árido nordestino, integrando-ano espaço socioeconômico regionalem termos de:

• zoneamento do espaço produ-tor, com substituição gradativa decultivos visando maior produtivida-de dos solos e agregação da produção;

• preços mínimos dos produtos;• condições de armazenamento;• viabilização mercadológica (es-

coamento, comércio etc.);• finalmente, falta uma visão de

desenvolvimento socioeconômico dofuturo, nos espaços nordestinos, es-taduais e de bacias hidrográficas.

JOSÉ DO PATROCÍNIO TOMAZALBUQUERQUE

Hidrogeólogo e professor aposentado da Universidade Federal

de Campina GrandeCampina Grande, PB

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Page 7: Reforma política pra quê?

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 7

Nova doença

Parabéns a Pesquisa FAPESP pelareportagem sobre a síndrome deSpoan (edição 113). A reportagem semostra clara e objetiva, atingindo commaestria todas as classes de leitores.

SOLANGE SOUSA

Instituto KarolinskaEstocolmo, Suécia

Conquista espacial

Na reportagem “Espaço paraconquistas” (edição 113) que relata asnossas recentes conquistas no setorespacial junto com a empresa Fibra-forte, constou um erro científico notrecho “A alumina é... para dar supor-te ao catalisador e ao irídio...”. Na ver-dade, o conjunto alumina-irídio cons-titui o próprio catalisador. Também

Pesquisa Brasil

Somente posso ouvir o programaPesquisa Brasil, em parceria com aRádio Eldorado AM, por meio da in-ternet. Gravo o programa no compu-tador e depois converto em MP3 eouço no meu player. O programa devocês é excelente, pois me acrescentamuitos conhecimentos.

EDGAR OSMAR GRAZEFFE

Florianópolis, SC

gostaríamos de citar como colabora-dores da pesquisa os seguintes pesqui-sadores: Guy Pannetier e Gérald Djé-ga-Mariadassou, da Universidade deParis VI, Gilberto Marques da Cruz,da Faculdade de Engenharia Quí-mica de Lorena (Faenquil), GustavoTorres Moure, do Centro de Pesqui-sas e Desenvolvimento (Cenpes) daPetrobras, Marisa Aparecida Zacha-rias e Turíbio Gomes Soares Neto, am-bos do Instituto Nacional de Pesqui-sas Espaciais (Inpe).

DEMÉTRIO BASTOS NETTO

Laboratório Associado de Combustão e Propulsão do Inpe

Cachoeira Paulista, SP

Nota da Redação: veja nota no finaldesta seção.

Combustível na cerâmica

Na reportagem “Combustível nacerâmica” (edição 112) faltou constaro nome dos seguintes pesquisadoresque também colaboraram no proje-to: Daniel Z. de Florio, Fábio C. Fon-seca, Eliana N. S. Muccillo, Carlos M.Garcia, Marcos A. C. Berton, Yone V.França e Tatiane C. Porfírio.

REGINALDO MUCCILLO

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen)

São Paulo, SP

Acupuntura

Venho na condição de leitor daPesquisa FAPESP e presidente da So-ciedade Brasileira de FisioterapeutasAcupunturistas (Sobrafisa) com o in-tuito de auxiliar e considerar algunspontos importantes na informaçãoem pesquisa fornecida pela revista nareportagem “A química da acupuntu-ra” (edição 113) :

1) A Acupuntura no Brasil não ésomente uma especialidade médica.Outros conselhos federais da área dasaúde também a reconhecem comoespecialidade, a exemplo do de fisio-

Oque a ciência brasileira produzvocê encontra aqui.

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As reportagens de PesquisaFAPESP retratam a construção do conhecimentoque será fundamental para o desenvolvimento do país.Acompanhe essa evolução.

■ Números atrasados

Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem.Tel. (11) 3038-1438

■ Assinaturas, renovação e mudança de endereço

Ligue: (11) 3038-1434Mande um fax: (11) 3038-1418Ou envie um e-mail: [email protected]

■ Opiniões ou sugestões

Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESPRua Pio XI, 1.500São Paulo, SP 05468-901pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: [email protected]

■ Site da revista

No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.brvocê encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

■ Para anunciarLigue para: (11) 3838-4008

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Page 8: Reforma política pra quê?

terapia, sendo o primeiro desde de1980 a reconhecer a acupuntura comoespecialidade fisioterapêutica;

2) Consideramos importante ocrescimento da acupuntura no Brasilpor profissionais devidamente qua-lificados, mas os demais profissio-nais não-médicos tambémdesenvolvem projetos depesquisa por todo o Brasil;

3) O projeto “Acupuntu-ra solidária”, desenvolvidoem várias cidades e capitaisdo país, presta assistênciaem acupuntura a aproxima-damente 30 mil pacientesdesde 1990, sendo reconhe-cido em várias localidadescom destaque pelo poderpúblico e ainda mantémconvênio com prefeituras eorganizações não-governa-mentais;

4) Os alunos, na condi-ção de pesquisadores, reali-zam trabalhos de cunho ci-entífico que são publicadosna revista trimestral A So-brafisa.

JEAN LUIS DE SOUZA

Presidente da SobrafisaBrasília, DF

É surpreendente como mesmouma revista de divulgação científicade uma fonte íntegra, como a Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estadode São Paulo (FAPESP), possa publi-car matérias pseudocientíficas e su-perficiais. A reportagem “A químicada acupuntura” (edição 113) da re-vista Pesquisa FAPESP faz afirmativasimpressionantes sobre o efeito deagulhas enfiadas na pele, alterandoneurotransmissores no cérebro, semuma mínima evidência empírica.Não deveriam ter sido citados os taisartigos de pesquisas da UniversidadeFederal de São Paulo (Unifesp)? Te-riam sido pesquisas realizadas pelosmesmos cientistas que recentementepromoveram uma conferência sobre

dor não favorece o debate de idéias.Por fim, a leitura feita pelo pesquisa-dor não corresponde ao real conteú-do da matéria publicada.

Correções

O porto de Hunting-ton, onde funcionou efeti-vamente a primeira usina deondas, fica nos Estados Uni-dos, e não na Inglaterra, co-mo foi publicado no qua-dro “Sonho antigo” (edição113).

Na reportagem “Espaçopara conquistas” (edição113) está incorreta a frase“A alumina é extremamentedifícil de ser obtida com aspropriedades adequadas pa-ra dar suporte ao catalisa-dor e ao irídio...”. O corretoé: o conjunto alumina-irí-dio é extremamente difícilde ser obtido para funcio-nar como um catalisador.

Na reportagem “Duro de matar”(edição 113) os desenhos de Henfil,tirados do livro Ubaldo, o paranóico,saíram sem a sua assinatura.

criacionismo? Não deveriam mostrar,numa matéria que alega coisas poucocríveis, alguma mínima evidênciaempírica? Há, ainda, mais na matéria:“... a energia vital Qi circula pelo orga-nismo ao longo de meridianos queterminam em pontos específicos da

pele. O bom funcionamento do corpodepende do equilíbrio entre as duasforças contrárias e complementares –yin e yang – que compõem Qi. Se esseequilíbrio se desfaz, o corpo adoece”.É um despropósito. Ensinam estetipo de medicina na Unifesp? É, defato, constrangedor que o dinheiropúblico (da FAPESP) seja usado paraeditar uma matéria tão precária emcientificidade.

RENATO ZAMORA FLORES

Instituto de Biociências, UFRGS

Resposta do pesquisador Luiz EugênioAraújo de Moraes Mello:

Os trabalhos referidos no artigoforam objeto de publicação em perió-dicos internacionais indexados e po-dem ser facilmente encontrados emdiversas bases de dados. A acupuntu-ra é prática médica reconhecida porentidades médicas no país e no exte-rior. O tom adotado pelo pesquisa-

8 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail [email protected], pelo fax (11) 3838-4181ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidaspor motivo de espaço e clareza.

CARTAS

EMPRESA QUE APÓIA APESQUISABRASILEIRA

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Page 9: Reforma política pra quê?

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 9

m meio a turbulências violentasque a partir das Comissões Par-lamentares de Inquérito instala-

das em Brasília vêm sacudindo a Repú-blica nas últimas semanas,pode atésoar como provocação a afirmação deque o país não tem nesse momento ne-nhuma necessidade urgente de umaampla reforma política – bem ao con-trário do julgamento do senso comum.Não se trata,no entanto,de provoca-ção,e sim de conclusão pensada,frutode pesquisa longamente maturada aolargo e a salvo das imagens reiteradasda mídia que propõem,dia após dia,que uma corrupção sistêmica e inven-cível invadiu o país e hoje corrói seucorpo e sua alma inteiros.A reiteraçãomidiática,sabemos,costuma ser maisapta para espalhar sentimentos do quepara produzir boas reflexões.

Infensos a ela,os pesquisadores quese dedicaram a examinar as estruturas ea ambiência políticas nacionais no pro-jeto Instituições políticas,padrões de inte-ração Executivo-Legislativo e capacidadegovernativa,seguros de que n ão são asinstituições que criam os corruptos,avi-sam que o Brasil precisa de alguma mu-dança na área política,sim,mas nadaradical,sob pena de se cortar canais im-portantes de acesso da população aosistema político.Feito isso,os quatropontos recorrentes na atual discussãosobre reforma política – fidelidade par-tidária,lista fechada de candidatos paraas eleições,cancelamento de registro dopartido que não conseguir eleger pelomenos um representante para o Con-gresso Nacional e financiamento públi-co das campanhas eleitorais – recebemuma análise acurada dos pesquisadoresque termina por demonstrar que há al-go de ingênuo e de falacioso na ânsiade alguns por tudo reformar para am-pliar a eficiência governamental.E é essaanálise,extremamente oportuna nosdias que correm,que é relatada entreoutros pontos,na reportagem de capadesta edição,pelo editor de humanida-des,Carlos Haag,a partir da p ágina 80.

Reflexões longe da turbulência

A população brasileira,al ém de ca-lejada em escândalos que só a demo-cracia destampa,tem se tornado maisvelha,com o aumento cont ínuo da ex-pectativa de vida no país. Infelizmenteisso se faz acompanhar da incidênciacrescente entre nós de doenças típicasdos idosos,caso das mielodisplasias,sobre as quais os clínicos que atendemusualmente as pessoas mais velhas atéaqui sabem muito pouco.Na verdade,mesmo os hematologistas,especialis-tas em doenças que afetam o sangue,só recentemente começaram a ter in-formações mais precisas sobre osdefeitos genéticos,produzidos auto-nomamente pelo próprio corpo ou re-sultante de agressões ambientais,queprovocam as mielodisplasias.Dessaforma,a reportagem do editor assis-tente de ciência,Ricardo Zorzetto,apartir da página 38, é uma contribui-ção importante de Pesquisa FAPESPpara disseminar um pouco mais o quejá se sabe sobre mielodisplasias.Afinal,ante uma anemia intrigante num ido-so,acompanhada de queda no n úme-ro de células brancas do sangue e deplaquetas,o cl ínico cada vez mais pre-cisará pensar em mielodisplasias paraencaminhar o paciente ao tratamentocorreto – que nem sempre, é verdade,terá bons resultados.

Nos domínios da tecnologia,valedestacar nesta edição a reportagem doeditor Marcos de Oliveira sobre umnovo instrumento que põe feixes invi-síveis de laser para trabalhar comopinças ópticas que capturam células emicroorganismos vivos e,aliados a umsistema de espectroscopia,permitemexaminá-los em seu funcionamentopleno e normal,analisando prote ínas,lipídios, aminoácidos e outros compo-nentes. É claro que essa novidade tec-nológica terá aplicação relevante namedicina,possivelmente no campo ali-mentar e em outras áreas onde se mos-tre relevante o exame da célula viva.

CARTA DO EDITOR

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA,

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

FAPESP

CARLOS VOGTPRESIDENTE

MARCOS MACARIVICE-PRESIDENTE

CONSELHO SUPERIOR

ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, HUGO AGUIRRE ARMELIN,

JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO

RICARDO RENZO BRENTANI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVO

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

DIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIALLUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO ),

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO,

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,

RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃOMARILUCE MOURA

EDITOR CHEFENELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIORMARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTEHÉLIO DE ALMEIDA

EDITORESCARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG( HUMANIDADES),

CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T), HEITOR SHIMIZU( VERSÃO ON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA( TECNOLOGIA)

EDITORES ESPECIAISFABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA

EDITORES ASSISTENTESDINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTETÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÃOJOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA

FOTÓGRAFOSEDUARDO CESAR, MIGUELBOYAYAN

COLABORADORESANA LIMA,

ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, DANILO VOLPATO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE),

FRANCISCO BICUDO, LAURABEATRIZ, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO,MARGÔ NEGRO, RENATA SARAIVA, SÉRGIO L. OLIVEIRA,

THIAGO ROMERO (ON-LINE) E YURI VASCONCELOS

ASSINATURASTELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418

e-mail: [email protected]

APOIO DE MARKETINGSINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA

[email protected]

PUBLICIDADETEL: (11) 3838-4008

e-mail: [email protected] (PAULA ILIADIS)

IMPRESSÃOPLURALEDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 35.700 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃODINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIROLMX (ALESSANDRA MACHADO)

TEL: (11) 3865-4949

[email protected]

GESTÃO ADMINISTRATIVAINSTITUTO UNIEMP

FAPESP

RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP05468-901

ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

TEL. (11) 3838-4000 – FAX: (11) 3838-4181

http://[email protected]

NÚMEROS ATRASADOS

TEL. (11) 3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTALOU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

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N 1

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-87

74

MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

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Page 10: Reforma política pra quê?

10 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

Desde o século 18 tenta-se gerar energia a partir do mar

NELDSON MARCOLIN

Difícil de domar

s tentativas de tirarenergia do maraproveitando omovimento das ondasou das marés não são mero reflexo da

busca incessante por fontes baratas e não-poluentes, intensificada nos últimos 35 anos.A idéia é secular e está registrada emdocumentos, desenhos e fotos em vários paísesdo mundo. Dois franceses do século 18 –Phillip Girard e seu filho, cujo primeiro nome se perdeu – depositaram a primeirapatente que se tem notícia de um motormovido por ondas. O texto francês é datado de 12 de julho de 1799, mas não se sabe se os dois Girard tentaram colocar em prática o próprio invento. Essa, aliás, é a regra para as patentes de máquinas pensadas parafuncionar como usinas marítimas. Entre 1855 e 1973, os ingleses contaram 340 patentes

apenas na Grã-Bretanha sobre o mesmoassunto. Nos Estados Unidos também houvenumerosos registros de patentes, boa partedeles ainda no século 19. Lá é possívelencontrar coleções de fotos com as diversasexperiências de inventores diletantes. A queilustra esta página é de um motor construídoem 1891 por Henry P. Holland instalado emum grande rochedo na praia de San Francisco,Califórnia. As ondas movimentavam umagrande bóia, que ativava uma bomba para fazerpassar a água do mar por mecanismos quedeveriam gerar eletricidade. Foi provavelmenteo primeiro motor construído naquela regiãocom uma proposta comercial, mas nãofuncionou como o planejado e o projeto foiabandonado nos anos seguintes. A estruturaperdurou encravada na rocha por 59 anosantes de ser definitivamente destruída por uma tempestade. “A primeira usina a realmente funcionar foi instalada

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no porto de Huntington,também na Califórnia, em1909”, diz o engenheiro EliabRicarte Beserra, do Laboratóriode Tecnologia Submarina daCoordenação dos Programasde Pós-graduação deEngenharia da Universidade doRio de Janeiro (Coope/UFRJ).Esse maquinário terminoutambém destruído pela forçado mar. Depois da atividadeintensa no final do século 19 e começo do 20, o problema só foi retomado com força

Fac-símile da primeirapatente, de 1799: trabalho conjunto

de pai e filho

Motor de Holland instalado em San Francisco (em foto de 1895,

na página anterior) e patente de Charles Buckner, de 1873 (ao lado):dificuldade em sair do papel

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dos anos 1970. “Nesse período,o engenheiro britânico Stephen Salter, da Universidadede Edimburgo, Escócia,chamou para a academia a responsabilidade de projetaruma usina de ondas eficaz,duradoura e viávelcomercialmente.” Graças em boa parte às experiências bem-sucedidas de Salter,por volta de 20 países investemhoje em usinas de ondas,embora apenas Escócia,Portugal e Holanda tenhammodelos comerciais em operação. No Brasil,ainda este ano começará afuncionar uma usina piloto no Ceará, a cargo depesquisadores da UFRJ.

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CientistaMARILUCE MOURA

25.500 po em que eraestudante na Faculdadede Medicina da Uni-versidade de São Paulo(FMUSP), no final dosanos 1940, Isaias Rawconviveu com dois ti-pos de fama: a deempreendedor e a debrigão. Ao unir os doisqualificativos, ele se

transformou num extraordinário agitador educaci-onal, com idéias e projetos dirigidos a professores ealunos que iam do ensino médio ao curso superior –no caso, medicina. Até ter seus direitos cassados peloregime militar, por meio do Ato Institucional nº 5,Raw foi responsável por grande movimentação nes-se setor. A nomeação para o Instituto Brasileiro deEducação, Ciência e Cultura (Ibecc), em 1952, o li-berou para organizar pioneiramente feiras, clubes deciência e museus, a elaborar currículos, treinamentode professores e produção de equipamentos de labo-ratórios. Raw também criou e liderou a fabricaçãoratórios. Raw também criou e liderou a fabricaçãodos famosos kits de química, eletricidade e biologia,caixas repletas de experiências que podiam ser reali-zadas em casa por estudantes comuns.

Ainda nessa primeira fase, entre os anos 1950 e1969, Isaias Raw manteve um ritmo alucinante deatividades. Fundou a Editora da Universidade de SãoPaulo e a da Universidade de Brasília, unificou osexames vestibulares de São Paulo (junto com o pro-fessor e sanitarista Walter Leser), dirigiu a FundaçãoBrasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ci-ências (Funbec), criou a Fundação Carlos Chagas e oCurso Experimental de Medicina da FMUSP. Emmeio a gestões de programas e fundações, continu-

ENTREVISTA FROTA PESSOA

Descanear a partirde cópia fotográ-fica.

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bomde briga

ou um pesquisador atuante em bioquímica, publi-cando em revistas especializadas no exterior.Quando de sua cassação, trabalhou em Israel e emuniversidades norte-americanas. Nos anos 1980 emdiante, de volta ao Brasil, Raw instalou-se no Institu-to Butantan e ajudou, de modo decisivo, a transfor-má-lo no maior centro produtor de vacinas do país,com 200 milhões de doses anuais – hoje é o presiden-te da Fundação Instituto Butantan. Este ano ganhouo Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura, edi-ção 2004, na categoria Ciência Geral. Aos 78 anos,casado, com os três filhos divididos entre os EstadosUnidos e Israel. e três netos, ele ri quando percebe aquantidade de informação que despejou sobre os en-trevistadores: “Sei que é impossível enquadrar, emuma única entrevista, uma vida de 65 anos, contan-do o laboratório na garagem, de atividades, onde mediverti fazendo ciência”.

■ Como o senhor se interessou por educação científi-ca?— Comecei estimulando a observação em análiseexperimental, criando uma feira de ciências em SãoPaulo nos anos 1950. A idéia era ocupar um salão daGaleria Prestes Maia com uma exposição a cada trêsou quatro meses. A feira de ciências, naquele tempo,era uma forma de estimular a criançada a fazer eapresentar seus trabalhos. Depois inventei de levardez estudantes selecionados, do ensino médio, para areunião da SBPC [Sociedade Brasileira para o Pro-gresso da Ciência] e eles se apresentavam como sefossem pesquisadores que mostram seus resultados.A coisa começou nos anos 1950 também porqueexistia um organismo chamado Instituto Brasileirode Educação, Ciência e Cultura, o Ibecc. Era a tra-dução do nome Unesco e representava esse organis-mo no Brasil. FO

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Fundação Ford. Depois fui ao Minis-tério da Educação e vendi a idéia parao Anísio Teixeira, um educador bri-lhante. A cada 15 dias eu ia lá, paraconversar. O problema era que o Aní-sio não era cientista, mas filósofo. Tu-do o que ele dizia numa semana des-dizia 15 dias depois, com a mesmatranqüilidade.

■ O que é um defeito grave, diga-se depassagem.— Não é não, porque era uma conver-sa lógica, encadeada. O Anísio Teixeirafoi o primeiro sujeito que concebeu aescola como deveria ser: pública, gra-tuita e universal.

■ O senhor geria a fábrica de kits e fa-zia pesquisa ao mesmo tempo?— Ao mesmo tempo. Fazia pesquisaem bioquímica. O foco da pesquisa foimudando. Antes da genômica o impor-tante era entender metabolismo e enzi-ma. Naquele tempo a grande promessaera que, se se conhecia a diferença en-tre, digamos, o homem e um parasita,você era capaz então de identificar umadroga que ia inibir a enzima do parasi-ta, que difere da do homem, e curava adoença. Foi naquele momento que secomeçou a fazer bioquímica. Comeceicom o Tripanossoma cruzi quando eraaluno, nos anos 1940. Vi que aquelaárea do conhecimento estava vazia ecomecei a trabalhar nisso.

■ Como o senhor foi parar no Institutode Química?— Havia a necessidade de criar massacrítica, com gente de todas as áreasconversando e trocando experiências.A Faculdade de Medicina era muito fe-chada e não deixava contratar profissio-nais não-médicos. Aí veio a idéia, aindano tempo do Ulhôa Cintra, de pegarmoso Departamento de Bioquímica, que euchefiava, pôr no caminhão e levar parao Instituto de Química, cujo prédionem estava completamente construído.A Faculdade de Medicina reagiu extre-mamente mal a isso. Mas foi essa açãoque levou a criação, na prática, da USP.Até então a universidade era apenasum condomínio. Mesmo já implanta-da, a Cidade Universitária era um con-domínio, as faculdades eram isoladas eninguém falava com ninguém. O Cin-tra me deu cobertura naquela ocasião.

Ele mandou construir o Instituto deQuímica, que era diretamente ligado àFaculdade de Filosofia, Ciências e Le-tras. Depois que eu mudei para lá, como tempo, mudou a Farmácia, pratica-mente inteira, e as outras. Houve umaevolução clara da universidade depoisdessas mudanças.

■ O senhor sempre quis ser pesquisador?— Eu entrei na faculdade definitiva-mente interessado em fazer pesquisa,não em ser médico. A Faculdade deMedicina era um dos poucos lugaresonde havia tempo integral, laborató-rios e permitia fazer pesquisa. Eu tinhaum tio que era um médico “de massa”,atendia mil pessoas por mês. Ele tinhaalguns livros de química farmacêuticaque me interessavam. Meu interesse evontade de pesquisar surgiram quasepor geração espontânea.

■ Mas foi a partir dessas leituras que oseu entusiasmo cresceu, não foi?— É. De alguns livros, um em especialsobre o Louis Pasteur, que ficou obsole-to, obviamente, ninguém tinha desco-berto uma porção de coisas na época.Mas era um livro muito bom, contavaas histórias do Pasteur, que foi outrosujeito que surgiu assim, quase por aca-so, também. Toda a ciência do século19 surgiu desse jeito, alguém que se in-teressou por alguma coisa e foi fazer. OPasteur inventou um modelo, que achoque é o modelo que tentei ressuscitarno Butantan. O Pasteur dizia “vou fazerpesquisa, fazer desenvolvimento, pro-duzir o produto, ganhar dinheiro e fi-nanciar minha pesquisa”.

■ Seus caminhos como pesquisador nãosão nada convencionais.— Vou dizer uma coisa: me divertimuito na minha vida. Eu assisti a pou-cas aulas na Faculdade de Medicina,sabe por quê? Porque eram sempre asmesmas aulas. Nada mudava. E você,em metade do tempo, lê um livro sérioe aprende mais do que ouvindo umprofessor às vezes não muito compe-tente. Meu grande problema era saberque matéria tinha sido dada, para po-der estudar para o exame. Olhando oscadernos dos meus colegas da primeirafila, que enchiam páginas e páginas,descobri que não chegava à conclusãosobre qual era o tema da aula. Quer di-

■ O objetivo era atrair o jovem para aciência desde cedo?— Se não atraíamos os jovens no equi-valente, naquele tempo, ao colégio, pa-ra se dirigir a uma carreira científica, jáperdíamos o aluno. Tem que começarmuito cedo. Colocávamos dez ou 20 jo-vens escolhidos por nós para fazer ex-periências – construir aparelhos, porexemplo, com um torno que era da Es-cola Politécnica num tempo em quenão tinha motor, que era com pedal,e iam fazer a experiência. Mas rapida-mente ficou claro para mim que 20pessoas não iam mudar o Brasil. Tínha-mos que achar um outro jeito de mul-tiplicar esse processo. E esse processoera o clube de ciência – que foi redesco-berto muitos anos depois, no Rio de Ja-neiro, pelo bioquímico Leopoldo deMeis, da UFRJ [Universidade Federaldo Rio de Janeiro]. O problema é quenossos clubes eram muito modestosem termos de número. Achei que, emvez de investir na formação de uma eli-te, deveria intervir na escola secundáriae partir para a massificação usando oskits e minikits de química, eletricidade ebiologia.

■ Como surgiram os kits de ciência?— Eu tinha um laboratório no quintalda minha casa. Naquele tempo se com-prava ácido na esquina, na loja de fer-ragens. Tive a idéia de fazer algo maisorganizado, que as pessoas pudessemcomprar – um pacote de material, comreagentes e o que fosse necessário paratrabalhar em casa, que pudesse ser fe-chado e guardado. Isso já existia comer-cialmente na Alemanha nos anos 1930.Criei uma mala, na verdade um caixotede madeira com uma alça. Aí surgiramos kits de química, de eletricidade, debiologia e até de matemática.

■ O senhor bolou os kits, mas quem fi-nanciava a fabricação?— Fazíamos na Faculdade de Medici-na, primeiro no 4º andar, depois ocu-pamos a garagem. Quando o UlhôaCintra foi reitor da USP, de 1960 a1963, ganhamos um galpão na CidadeUniversitária e tudo passou a ser indus-trializado. Chegamos a ter 650 operá-rios. Quando saí do projeto, a EditoraAbril topou fazer isso comercialmente.Inicialmente recebíamos doação daFundação Rockefeller e, logo após, da

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■ Uma vez cassado o senhor fez o quê?— Fui embora do Brasil. Primeiro, paraa Universidade Hebraica de Jerusalém,em Israel. Eles estavam atrás de mim ha-via muito tempo por causa do ensinoem ciências. Mas não funcionou. Inde-pendentemente do problema de língua,que não é fácil, é muito difícil interferirna educação de um outro país, se vocêé estrangeiro. Não tem jeito.

■ E para onde o senhor foi?— Entrei no MIT [Massachusetts Insti-tute of Technology] primeiro, nos Es-tados Unidos. A vida lá foi conturbadaporque caí de pára-quedas e sem mi-nha equipe de pesquisa. Pesquisa não éuma atividade individual, mas de umgrupo que trabalha harmonicamente.Pensei, vou fazer aquilo que sei, que étrabalhar com ensino em ciências. Eraum negócio que nós tínhamos começa-do no Brasil, onde éramos pioneiros.Nos Estados Unidos se dizia o seguinte:o ensino de ciências é muito sério parase deixar nas mãos de um professor. É acomunidade científica que tem de dizerpara onde vai a ciência. No MIT tinhaalgo parecido com a Funbec e começa-mos um projeto, que chegou a ter umimpacto muito grande e era o reversodo que eu fazia no Brasil: como é quevocê ia ensinar ciência para quem nãoquer aprender ciência? Então nós inven-tamos um projeto. Como o americano élouco para saber o que come, decidi-mos que cada estudante juntaria tudo oque comia num dia dentro de um úni-co saco: Coca-cola, hambúguer, tudo. Edepois passamos meio ano analisandocom método o que ele tinha comido

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pela Opas [Organização Pan-america-na de Saúde] para rever o ensino de fí-sica, de química, de biologia, assim pordiante, algumas delas em Washington,no fim dos anos 1950. E eu era o deno-minador comum, porque a Funbec[Fundação Brasileira para o Desenvol-vimento do Ensino de Ciências], que eudirigia, trabalhava em todas essas áreas.

■ Como foi sua cassação?— Em 1969 já foi diferente. Quandome soltaram, em 1964, minha vidacontinuou normalmente. Fiz o concur-so para catedrático, embora tentassemme impedir, assumi meu posto e conti-nuei trabalhando. Em 1969 fui aposen-tado pelo o AI-5 [Ato Institucional nº5]. Mas entre 1964 e 1969 surgiu umaporção de coisas. O Ibecc tinha viradoFunbec, uma fundação muito impor-tante, não só para o ensino de ciência –era a primeira indústria de eletrônicamédica. No Brasil ninguém tinha equi-pamento médico. Só se tirava eletro-cardiograma quando o médico tinharelho de eletrocardiograma. Monitor,desfibrilador, não tinha nada disso. Eutambém estava profundamente envol-vido com o vestibular unificado, queera feito pela Fundação Carlos Chagas.

■ Isso foi na época que o senhor era pre-sidente da Fundação Carlos Chagas?— É. Havia todo um complexo relacio-nado à educação e ao ensino de ciên-cias que funcionava harmonicamente.No fundo, isso representava poder. Em1969 eu tinha a soma desse poder todoe não era submisso. Era um peão quetinha que ser removido do caminho.

zer, esse sujeito, por mais que ele estu-dasse aquele maldito caderno, não po-dia ter uma nota adequada porque nãotinha a visão do que foi ensinado.

■ Em 1964 o senhor foi preso acusado desubversão. Como foi esse episódio?— Fui preso como um sujeito altamen-te periculoso. Vinte e cinco soldadosvieram me prender às 11 horas da noi-te, quando estava entrando em casa. Foium momento terrível porque, naquelaépoca, minha sogra estava morrendo emeus três filhos eram pequenos. E háalgo muito sério: como é que você ex-plica para os seus filhos pequenos que apolícia está errada e você certo? Nãoexiste isso. Não tem explicação.

■ O que alegaram para o senhor?— Que eu era um violento e subversi-vo comunista. Fiquei 13 dias preso e fuilibertado por dois motivos. O primeirodeles é que eu iria para um congressode bioquímica em Nova York e uns 12professores, incluindo sete ganhadoresde Prêmio Nobel, escreveram um tele-grama de protesto para o presidente daRepública, o marechal Castello Branco,e isso foi notícia na Folha de S.Paulo.Então criou-se um caso. O segundo mo-tivo é que o então diretor de ensino deciências da Unesco, Albert Baez, estavano Brasil e tinha uma hora marcadapara conversar comigo sobre ensino deciências. Como estava preso, ele foi aoquartel. Esses dois fatos ajudaram a melibertar. Na verdade, minha prisão ocor-reu porque o Exército era ignorante, mal-informado e foi enrolado. Na USP tinhaprofessores importantes que formaramuma comissão de extrema direita e en-volveram o Exército. Eu era candidatoimbatível para professor catedrático daFaculdade de Medicina e essa comissãoenvolveu meu nome em atividadessubversivas para me tirar do páreo.

■ O senhor participava de organizaçõesde esquerda?— Não. Uma vez a antiga TV Recordnoticiou que eu era chefe de uma célulacomunista que se reunia em Washing-ton. O que houve é que o programa deensino de ciência do qual eu estava àfrente foi assimilado pela Unesco, quetinha interesse muito grande pelo tema.Durante algum tempo houve uma sériede reuniões internacionais financiadas

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pouco soro antiofídico que o Butantanfazia foi testado em um laboratório cen-tral de controle de qualidade, no Rio deJaneiro, e descobriu-se que era inativo.Então, o Brasil não tinha soro. A essa al-tura, eu já estava tentando resolver oproblema dentro do Butantan. Isso co-meçou a abrir os caminhos e fui re-construindo instalações e comprandomáquinas com a ajuda do governo fe-deral. Da FAPESP nós conseguimosmuita ajuda com auxílios pontuais, in-dividuais, para os pesquisadores.

■ Mas como o instituto se tornou umgrande centro de produção de vacinas?— O orçamento para fazer vacinas imu-nobiológicas no Butantan era zero. Ogoverno do estado não financia cons-cientemente a produção de vacina. Seantes era zero e agora produzimos 200milhões de doses de vacina, de ondeveio esse dinheiro? Tivemos que criaruma estrutura onde esse dinheiro se re-troalimentasse. Essa era uma parte doproblema. A outra era desenvolver tec-nologia. O pesquisador da universidadeimagina que desenvolve tecnologia. Naverdade, ele desenvolve uma idéia debancada. O pesquisador está sempresonhando com uma coisa que mesmono Primeiro Mundo leva muitos anos.Na área de medicamento e vacina levadez anos depois de o produto estar es-tabelecido para se chegar no mercado.Outro conceito fundamental é que, sevocê não faz o produto aparecer, não serealizou nada. Quer dizer, a medida detecnologia não é o trabalho publicado,muito menos a discussão interna. Senão tem um produto, você pouco fezdo ponto de vista industrial. E, se emuma instituição pública esse produtonão é da sociedade como um todo, vocênão fez saúde pública. Para fazer saúdepública tem que ter um custo que opaís comporte. Há um outro problema:no Brasil, aceitou-se a idéia americanade que se o cientista tem uma partici-pação nos lucros ele tem mais interesseem criar tecnologia.

■ Isso não é verdade?Pode até ser. O negócio é que, se for as-sim, ninguém vai fazer nada que nãotenha perspectiva de lucro. Você mata apesquisa. Não dá para imaginar que asolução de todos os problemas passapela empresa lucrativa. Acredito que o

naquele dia. Esse programa teve grandeimpacto e me deu a capa do ChemicalNews, o que naquela época era um bru-tal prestígio. Esse trabalho acabou sain-do em livro em 1972.

■ Quanto tempo o senhor ficou no MIT?— Quatro anos. Quando o programamorreu, fui convidado para ir para aEscola de Saúde Pública da Universida-de Harvard, no Departamento de Nu-trição. Lá fiz um outro negócio que foimuito importante na época e hoje vol-tou a ter importância. Recentementefoi feita uma análise das escolas de me-dicina, das inovações do ensino médicoe quem ganhou primeiro lugar? Lon-drina. O que Londrina fez? De certaforma repetiu o Curso Experimental deMedicina que fiz em 1969 na CidadeUniversitária. Naquela época havia duasidéias em jogo: trazer o curso de medi-cina para a Cidade Universitária e ino-var. Não era para repetir a mesma coisa.Então nós conseguimos aprovar na con-gregação da faculdade o curso experi-mental, que preparava os alunos para oestudo de uma medicina científica.

■ Qual era o conceito do Curso de Me-dicina Experimental?— Acabar com a separação das discipli-nas e tentar integrar ciência básica, clí-nica e medicina social desde o primeirodia do curso. As matérias do curso mé-dico são totalmente artificiais, porquecresceram além dos limites delas. Tam-bém tinha um segundo porém: naque-le tempo, 40% do curso médico era deanatomia descritiva, do mesmo jeitoque se ensinava no século 18. Hoje issomudou, naturalmente. Nossa idéia eramisturar a medicina logo no primeiroano com as outras coisas de ciência bá-sica. Nós, os professores que davam ocurso, nos reuníamos uma vez por se-mana para decidir o que ensinar. “Hojeeu tenho que ensinar citologia do fíga-do, você fala sobre mitocôndria...” Fun-cionou tão bem que, no primeiro ano,escolheram Experimental. Mas, assimque eu saí, durou mais um ano e a fa-culdade acabou com o curso.

■ Depois das experiências bem-sucedi-das nos Estados Unidos, por que voltoupara o Brasil?— Porque o sistema americano de pes-quisa foi pervertido. Deixou de ter uma

estrutura mais ou menos permanentepara ter uns tantos líderes geniais que fa-zem pesquisa e um exército de escravos,que trabalham sete dias por semana, 18horas por dia. Quando acaba a bolsa, seo pesquisador quiser ter família, horá-rios menos ruins, um ordenado maisdecente, tem de ir embora. O pesquisa-dor é temporário. Fazer propriamente apesquisa não é mais uma atividade per-manente de ninguém, a não ser de 1%que está no topo. O resto é um exércitode escravos. Isso ocorre por causa damáquina poderosa que eles têm mon-tada lá, da quantidade de dinheiro exis-tente. Agora, ninguém interfere na pes-quisa, a liberdade é total. O problema éque há uma estrutura em que se tem detrabalhar muito, ser muito bom e cor-rer à beça para ficar no mesmo lugar. Eé impessoal, totalmente impessoal.

■ Na volta para o Brasil o senhor fez oque da vida?— Tentei voltar para a Funbec, mastambém lá o processo havia se perver-tido, num outro sentido. Eles estavamsem uma boa administração e haviamperdido a inovação. Depois de uns doisanos surgiu a oportunidade de ir para oInstituto Butantan e começar do zero.Na época, começo dos anos 1980, nãohavia permeabilidade entre o Butantane a USP e o instituto não tinha pesqui-sa nem aluno. Nesse momento, o WilliBeçak era o diretor da instituição e pe-diu a contratação de dez professores dauniversidade. Eu já estava aposentado enão havia voltado para o Instituto deQuímica por dois motivos. O primeiroera que a condição da Anistia, dos mili-tares, era de perdoar, não de reintegrar.Tinha de assinar um documento dizen-do que você aceitou o perdão e eu nãoaceitei o perdão de ninguém. O segundoe o Ricardo Brentani, diretor do Insti-tuto Ludwig de Pesquisa contra o Cân-cer e diretor presidente da FAPESP.

■ O Butantan começou a ser recompos-to com esses dez professores?— Sim. Entrei em uma área diferentedos outros, porque eu já tinha consegui-do que a Finep [Financiadora de Estu-dos e Projetos] me desse um pouquinhode dinheiro para fazer biotecnologia naFunbec. Só que lá não havia mais condi-ções. Quando vim para cá a coisa mudou.O mundo desabou em 1985 quando o

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ginado pelo menos um ano antes, se nãodois anos antes, então, se vem dinheiro,é como se o governo dissesse: “Não te-nho nada previsto no meu orçamento,portanto não aceito o dinheiro”. É com-pletamente esquizofrênico. Então, a Fun-dação Instituto Butantan, criada em1985, resolveu esse problema. A funda-ção opera como uma empresa privada,mas de modo muito mais flexível.

■ Apesar de andar na contramão, esseparece ser o caminho certo...— É o que acho. Dentro do modeloeconômico atual nós estamos na con-tramão. Qual o país que dá remédiopara Aids gratuitamente? O Brasil criouuma estrutura que permite fabricar oproduto que precisa para a saúde pú-blica a um preço que pode pagar. Aquina Fundação Instituto Butantan eu cui-do mais do preço do que o Ministérioda Saúde. Nós estamos testando umaforma de usar um quinto da dose davacina da gripe para o ano que vem, oque permitirá, com o mesmo dinheiro,baixar a vacinação para 50 anos paracima. Hoje vacinamos de 60 para cima.

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Brasil está, na área de motivo era que eutinha deixado cinco ótimos professoreslá que não precisavam mais de mim –eles eram melhores do que eu. Os maisconhecidos são o Walter Colli, hojetambém assessor adjunto da diretoriacientífica da FAPESP, saúde, na contra-mão dessas idéias.

■ Por quê?— Houve uma evolução considerávelda tecnologia, do controle da qualida-de, para fazer um produto como vaci-na. Quando descobriram que não tinhasoro bom aqui e não dava para impor-tar porque não era produzido usandoveneno extraído das cobras brasileirascriou-se um programa de auto-sufi-ciência de vacinas. Esse programa deri-vou para um monopólio estatal. Quan-do a instituição pública faz a vacina, ogoverno compra sem questionamento,não entra em licitação. Claro que elepaga o preço mais baixo possível e atra-sado, ainda por cima. Freqüentementetenho de comprar matéria-prima pre-viamente, antes da encomenda do go-verno para dar tempo de produzir a va-cina. No momento, estou devendo US$30 milhões usados para fabricar a vaci-na da gripe.

■ Isso vale para todas as vacinas?— Não. As outras nós também faze-mos, mas sempre tem que ter dinheiro.Criamos uma estrutura que é pública,mas não pode ser pública, porque se forpública, stricto sensu, quando o dinhei-ro volta, volta para o Tesouro e desapa-rece. O governo pensa – por causa daregulamentação e não por causa de va-cina em especial – que, se ele está finan-ciando o instituto, se houver lucro, énatural que vá para o Tesouro. O dra-ma é que aí o dinheiro desaparece, nãoé reinvestido no instituto.

■ O dinheiro nunca fica no Butantan?— Não, não. O instituto pode ter essedinheiro, mas desde que o governo nãoo enxergue. Se enxergar o dinheiro, nodia seguinte ele é recolhido ao Tesouro.É uma questão de legislação. Até os pri-meiros auxílios grandes que o Ministé-rio da Saúde nos deu desapareceram noTesouro. A Secretaria Estadual da Saú-de e o Butantan nunca receberam nada.Precisa ser muito burro para inventaruma lei desse tipo. O orçamento é ima-

Também desenvolvemos, com a ajudada FAPESP, o surfactante para protegercrianças prematuras. O governo vai dis-tribuir para todas as maternidades pú-blicas de graça. Isso porque consegui-mos tecnologia para fabricar a umpreço muito baixo. O Brasil é o únicopaís da América Latina que produz va-cina publicamente.

■ A inovação torna-se, então, essencialdentro desse processo?— Sem dúvida. E para ter inovação épreciso ter pesquisador que faz pesqui-sa básica. A convivência entre pesquisabásica e pesquisa aplicada é fundamen-tal. A indústria faz de conta que inven-ta tudo. Ora, quem inventa é o governoamericano, o governo inglês, o francêse assim por diante. O grande financia-mento para desenvolvimento de medi-camento é público, não privado. E parase receber dinheiro público é precisouma estrutura que funcione para fazera pesquisa, que a indústria privada nãotem. O mundo não vai ser mais socialou socialista, mas precisa ser social-mente responsável de algum jeito. Arelevância social foi trocada pela filan-tropia – uma concepção americana dotipo “eu fiquei rico, fiz uma estrada deferro, vou fazer um museu também”.

■ Precisamos de um novo modelo?— Eu acho que sim. Não diria que omodelo do velho Pasteur seja um bommodelo, mas funciona. Tenho 25 dou-tores aqui na fundação e eles têm o di-reito de fazer a pesquisa que querem,desde que façam, em uma parte dotempo, o que foi definido como priori-dade. Ele acaba descobrindo que faz tãoboa pesquisa trabrelevância social foitrocada pela filanalhando nas priorida-des do Butantan como nas idéias dele.

■ Como defensor dos alimentos geneti-camente modificados, o que o senhor pen-sou quando viu a notícia, em maio, sobreestudo da Monsanto relativo a anorma-lidades nos rins e no sangue de ratos ali-mentados com milho transgênico? Ora, quem inventa é o governo ameri-cano, o governo inglês, o francês e as-sim por diante. O grande finandesen-volvimento de medicamento é público,não privado. E para se receber dinheiropúblico é preciso uma estrutura quefuncione para fazer a pesquisa •

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I POLÍTICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA

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A China volta ao espaço

Liwei: em treinamento

A China deve colocar dois as- tronautas em órbita entre se- tembro e outubro, numa nova etapa do programa espacial que busca levar o homem à Lua. A dupla será escolhida num grupo de seis astronau- tas em treinamento. Huang Chunping, artífice do pri- meiro vôo tripulado da Chi- na em 2003, disse que os as- tronautas estão treinando em pares. A dupla com me- lhor desempenho será esco-

O rio Bramaputra, entre a índia e Bangladesh, em maio de 2004.

lhida para viajar na nave Shenzhou VI. Chunping anunciou que a China vai acelerar seu programa espa- cial e pretende construir sua própria estação orbital em 2010. "Até lá a idéia é lançar um vôo tripulado a cada ano", disse Chunping. Em outubro de 2003 a China mandou seu primeiro homem ao espaço. Yang Liwei, hoje com 40 anos, deu 14 voltas ao redor da Ter- ra a bordo da nave Shenzhou V. Segundo Huang Chun- ping, Liwei é um dos seis as- tronautas em treinamento. A China é o terceiro país, depois da Rússia e dos Estados Uni- dos, a enviar com sucesso um astronauta ao espaço. O pro- grama chinês é fruto de um esforço de pesquisa de uma década, que mandou ao es- paço quatro cápsulas não tri- puladas. Com finalidades co- merciais e militares, também lançou 70 satélites. (China- news. com, 5 de julho) •

Previsões censuradas

O Departamento de Ciência e Tecnologia da índia de- cidiu que apenas uma de suas agências, o Departamen- to Meteorológico, tem autoridade para divulgar previ- sões anuais sobre as monções, estação de chuvas torrenciais que vai de junho a setembro. O alvo da de- cisão é o Centre for Mathematical Modelling and Com-

de Pesquisa Científica e Industrial, que foi proibido de divulgar as previsões que realiza a cada ano. O motivo da discórdia é a divergência entre os prognósticos do CMMACS e os oficiais, o que estaria causando "confu- são" na opinião pública, segundo o governo. As discre- pâncias são naturais, uma vez que os dois órgãos va- lem-se de metodologias diferentes. A CCMACS utiliza redes neurais, em oposição à abordagem estatística do Departamento Meteorológico. Tais descompassos, co- muns em previsões climáticas, costumam ajudar pes- quisadores a aperfeiçoar os modelos e alcançar prog- nósticos mais fidedignos. "A índia resolveu a divergência calando uma das instituições de pesquisa", diz R. Rama- chandran, editor de ciência da revista Fronlíine. Cu- riosamente, as previsões do Departamento Meteoro- lógico têm alto índice de erro, em torno de 65%. Se o

os resultados para si. (The Hindu, 5 de julho)

18 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

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... e dois meses depois, na enchente causada pelas chuvas das monções

■ Veredas livres para os elefantes

Uma população de 130 mil elefantes africanos vai recu- perar um antigo corredor migratório que corta países como Angola, Zâmbia e Bo- tsuana. Duas entidades nor- te-americanas, a Roots of Pe- ace (RoP) e a Conservation International, patrocinam a retirada de minas terrestres numa região de 1.500 quilô- metros quadrados no sudeste de Angola. As minas foram instaladas durante a guerra civil angolana e criaram uma

barreira mortal para a popu- lação. Ao mesmo tempo, os elefantes que habitam o nor- te de Botsuana foram impe- didos de voltar a tradicionais áreas de caça em Angola e Zâmbia. A RoP vai contratar empresas especializadas em retirada de minas, com finan- ciamento do Departamento de Estado norte-americano. O Conservation Internatio- nal vai criar programas de exploração sustentável, para garantir renda aos angola- nos e um ambiente saudável para os elefantes. (Eureka- lert, 5 de julho) •

■ O homem que contava o carbono

O cientista norte-americano Charles Keeling, que morreu de enfarte aos 77 anos no dia 22 de junho, dedicou a carrei- ra a fazer medições da quan- tidade de gás carbônico na at- mosfera. Na década de 1950 postou-se numa montanha no Havaí, o pico do Mauna Loa, com um aparelho que media continuamente a quantidade de CO2. Descobriu que a concentração aumentava no inverno e diminuía no verão, como resultado da fotossín-

Keeling: cada vez mais C02

tese. Dez anos mais tarde, após realizar medições contí- nuas, observou que o pico de quantidade de carbono au- mentava a cada ano, na pri- meira evidência de que a queima de combustíveis fós- seis inpulsionava o fenôme- no. Professor do Centro de Pesquisas de Oceanografia Scripps, vinculado à Universi- dade da Califórnia, San Die- go, Keeling deflagrou a preo- cupação com o aquecimento global, que daria lastro à assi- natura do Protocolo de Kyo- to. Entre 1958, quando ele ini- ciou suas pesquisas, e hoje, a quantidade de CO2 aumentou 17%. Embora os Estados Uni- dos, seu país natal, reneguem os esforços internacionais pa- ra reduzir as emissões de gás carbônico, Keeling aceitou re- ceber do presidente George W. Bush, em 2002, a Medalha Nacional das Ciências, maior condecoração dada a um cien- tista no país. •

PESQUISA FAPESP114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 19

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ESTRATéGIAS MUNDO

O sonho da fusão nuclear

O projeto do reator, que será construído na França

Os países participantes do projeto Iter (sigla em inglês para Reator Experimental Termonuclear Internacional) superaram um impasse que durou um ano e meio e esco- lheram o lugar onde será er- guido o primeiro reator de fusão nuclear, tecnologia que encarna a promessa de pro- duzir energia limpa e em quantidade infinita. Cadara- che, no sul da França, venceu a cidade japonesa Rokkasho na disputa para abrigar a planta, que ficará pronta em dez anos. Enquanto a fissão nuclear é controlada há dé- cadas, a fusão é uma técnica ainda em desenvolvimento. Por meio dela busca-se fun- dir núcleos de hidrogênio, produzindo um átomo de hélio e uma enorme quanti- dade de energia. Para obter tais reações, é necessário al- cançar temperaturas supe-

riores a 100 milhões de graus Celsius, muito mais quente que o núcleo do Sol. Os de- safios tecnológicos para con- trolar a reação são gigantes- cos. Mas os benefícios, caso o projeto dê certo, são extre- mamente atraentes. O Iter é o mais caro programa de coo- peração depois da Estação Es- pacial Internacional. Dispõe de um orçamento de 10 bi- lhões de euros. Quarenta por cento serão bancados pela União Européia e 10% cabe- rão à França. Cada um dos outros membros (Estados Unidos, Rússia, Japão, Co- réia do Sul e China) deve con- tribuir com 10% dos custos. Para abrir mão da candida- tura, o Japão recebeu benefí- cios. Terá direito a 20% dos contratos de construção e a 20% dos mil postos de tra- balho em Cadarache. (BBC News, 28 de junho) •

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico

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Bem-vindol

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www.agencia.cnptia.embrapa.br A Agência de Informação Embrapa é um sistema de dados científicos sobre temas de interesse do agricultor, como o cultivo de feijão e a produção leiteira.

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www.ucar.edu/imagelibrary Centenas de imagens sobre clima, desastres naturais, poluição e assuntos afins estão disponíveis no site da University Corporation for Atmospheric Research.

20 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP114

1 1

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ESTRATéGIAS BRASIL

FAPESP é premiada

A revista Pesquisa FAPESP mais uma vez teve destaque no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica concedido pela Aliança para a Con- servação da Mata Atlânti- ca, uma parceria entre as organizações não-governa- mentais Conservação Inter- nacional e a Fundação SOS Mata Atlântica. O editor es- pecial Marcos Pivetta rece- beu menção honrosa com a reportagem "Encruzilhada genética", capa da edição de fevereiro deste ano (ao la- do). O vencedor na catego- ria Impresso foi Reinaldo José Lopes, com a matéria "Diversidade aos pedaços", publicada na Sàentific Ame- rican Brasil. Em segundo lugar ficou Luiz Antônio Fi- gueiredo com "Jóias de um reino (quase) oculto", pu- blicada em Terra da Gente. Maristela Machado Crispim ficou em terceiro lugar com "Mata Atlântica", que saiu

no Diário do Nordes- te. Na categoria Tele- visão, o primeiro lu- gar ficou com José Raimundo Oliveira e equipe, pela repor- tagem "Mata Atlânti- ca, soluções e projetos - Corredores ecológi- cos", do Jornal Nacio- nal, exibida na TV Bahia e Rede Glo- bo. Ernesto Paglia e equipe ficaram em segundo lugar e San- dro Dalpícolo e equi- pe em terceiro - ambos também da TV Glo- bo. Os vencedores em cada categoria participarão da Cúpula Internacional de Mídia e Meio Ambiente, entre 30 de novembro e 2 de dezembro, em Kuching, na ilha de Bornéu, na Malásia. A FAPESP também se desta- cou na internet: seu portal (www.fapesp.br) venceu a etapa brasileira do World Summit Award (WSA) na

categoria e-Science. No Bra- sil, o WSA é organizado pe- la Associação Mídia Intera- tiva e a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. A eta- pa mundial ocorrerá entre os dias 16 e 18 de novembro em Túnis, na Tunísia. O prê- mio é uma iniciativa da Cú- pula Mundial da Sociedade da Informação, realizada pe- la Organização das Nações Unidas e pela União Interna-

cional de Telecomunicações. Na etapa classificatória bra- sileira, a Camara-e.net rece- beu a inscrição de mais de 400 sites e projetos digitais nas categorias e-Learning, e-Culture, e-Science, e-Go- vernment, e-Health, e-Busi- ness e e-Inclusion. O portal da FAPESP reúne diversos serviços e sites: o da revista Pesquisa FAPESP (www.re- vistapesquisa.fapesp.br), com o conteúdo completo de suas edições; a Agência FAPESP (www.agencia. fapesp.br), um boletim diá- rio enviado a 46 mil pesqui- sadores; a biblioteca virtual BV-CDi (www.bv.fapesp.br), que reúne variadas fontes de informações sobre ciên- cia, tecnologia e inovação; e o FAPESRIndica (www. fapesp.br/indicadores), ser- viço que disponibiliza um conjunto de informações sobre a produção e a análi- se de indicadores de ciência, tecnologia e inovação. •

■ Sol, calor e ciência

A 57a Reunião Anual da So- ciedade Brasileira para o Pro- gresso da Ciência (SBPC), em Fortaleza, contou com a participação de 6.894 pessoas em 54 conferências, 72 mini- cursos, 94 simpósios e 14 en- contros científicos. A SBPC avalizou o nome de Sérgio Rezende para a pasta de Ciên- cia e Tecnologia. "Ele fez um trabalho muito importante

DO SERTÃO OLHANDO O MAR CULTURA & CIÊNCIA

57J REUNIÃO ANUAL DA SBPC 17 a 22 de Julho de 2005

Reunião de Fortaleza, no Ceará, reuniu 6.894 pessoas em 54 conferências, 72 minicursos, 94 simpósios e 14 encontros científicos.

à frente da Finep", disse En- nio Candotti, presidente da SBPC, reempossado na reu- nião em Fortaleza. A chapa eleita para o próximo biênio conta ainda, nas duas vice-pre- sidências, com Dora Fix Ven- tura, da Universidade de São Paulo, e Celso Pinto de Melo, da Universidade Federal de Pernambuco. "Uma de nossas missões é trabalhar para que os doutores consigam ser fi- xados em suas próprias áreas de atuação", disse Melo. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 21

Page 22: Reforma política pra quê?

■ Recursos para o café

O governo federal liberou R$ 5,2 milhões - bloqueados desde o início do ano - para dar continuidade aos traba- lhos de pesquisa e desenvolvi- mento do café brasileiro. Os recursos - provenientes do Fundo de Defesa da Econo- mia Cafeeira (Funcafé) - fo- ram repassados para o Con- sórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café (CBP&D/Café), coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em- brapa). Segundo o gerente- geral da Embrapa Café, Ga- briel Bartholo, os recursos per- mitirão o desenvolvimento

0 impacto do asfalto Numa parceria com o Ministério da Saú- de, o Conselho Nacional de Desenvolvi- mento Científico e Tecnológico (CNPq) vai lançar um edital que destinará R$ 2,5 milhões para pesquisas em saúde na área da BR-163, rodovia que liga Cuiabá, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. A es- trada foi aberta há três décadas e mobili- zou milhares de brasileiros para o plano do governo militar de ocupar a Amazô- nia. Em 2007, segundo os planos do go- verno federal, a Cuiabá-Santarém deverá ser asfaltada, dentro do programa de par- cerias público-privadas. A obra terá grande impacto econômico, pois irá faci- litar o escoamento da soja na fronteira agrícola do Mato Grosso. Certamente também terá um impacto ambiental ao atrair mais pessoas para a região. Proje- ções feitas por ecologistas sugerem que,

num espaço de duas décadas, poderá provocar um desmatamento de 30% a 40% da Amazônia. O edital do CNPq vai financiar pesquisas que reduzam os pre- juízos à saúde da população local causa- dos pela obra. Serão apoiados projetos em várias linhas, como avaliação das po- líticas, programas e serviços; endemias; saúde e ambiente; prejuízos associados a traumas e violências; segurança alimen- tar; e saneamento ambiental. A seleção dos projetos será feita em duas etapas. A primeira prevê a avaliação de um plano de trabalho preliminar, que deverá ser apresentado pelos candidatos até 26 de agosto. Num segundo momento serão avaliadas as versões completas dos proje- tos selecionados. A contratação deles está programada para acontecer na primeira quinzena de dezembro. •

de 28 projetos de pesquisa nas áreas de produção sustentável do café e transferência de tec- nologia e comunicação in- tegrada, entre outros. Outro projeto de grande importância e que não pode parar, segun- do Bartholo, é o do Genoma Café, cujos resultados já co- locaram o Brasil na liderança das pesquisas sobre as carac- terísticas genéticas da planta. Cientistas brasileiros, traba- lhando desde fevereiro de 2002 no projeto, concluíram recentemente o primeiro se- qüenciamento mundial do ge- noma do cafeeiro, construin- do um banco de dados com 200 mil seqüências de DNA. Isso permitiu a identificação de mais de 30 mil genes res-

ponsáveis pelos diversos me- canismos de crescimento e desenvolvimento da planta. Com esse resultado, os pes- quisadores brasileiros estão, no momento, trabalhando na decodificação do genoma do cafeeiro. •

■ Relações de gênero

O governo federal lança neste mês um pacote de incentivos à produção de pesquisas so- bre a desigualdade entre ho- mens e mulheres. A principal iniciativa será um edital de seleção de projetos de pesqui- sa sobre relações de gênero, no valor de R$ 1,2 milhão, sob a responsabilidade do Conse- lho Nacional de Desenvolvi- mento Científico e Tecnoló- gico (CNPq). Também será lançado um concurso de re- dações e monografias, aberto

Genoma do Café: o Brasil na liderança

22 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

Page 23: Reforma política pra quê?

Mais espaço ■*eà,"^§ÜÍÈfc H1§5SèI ,-*r^ÍÉk | nativa da Amazônia, seu | acervo foi recolhido princi-

para a flora V \ ■ L***~ E^^^m | palmente nos estados e paí- | ses vizinhos, como Peru,

* v"> 1 }r\ísr- tf 1 Colômbia, Venezuela, Equa- 0 herbário mais tradicional ^jSijfF\& J | dor, Guianas, e América da Amazônia modernizou- -~3PA / / 1 Central. As primeiras cole- se e conquistou mais espaço. < ções foram adquiridas por Com 600 metros quadrados Ik. ^"^"^"'sál »*» \f \, M 1 Huber na Europa. Hoje de área, foi inaugurado em w> wsL i %, i I acumula coleções de plantas julho o novo prédio do Her- ^H* \ ^w^V WB jff mm ^ 1 superiores - angiospermas bário João Murça Pires, do dicotiledôneas e monoco- Museu Paraense Emílio 'm^ i f 1 "& Ês^L^ tiledôneas e gimnospermas Goeldi, em Belém (PA). - e pteridófitas (samam- Criada em 1895 com o no- baias), com cerca de 174 mil me Herbarium Amazoni- exemplares, além de 6 mil cum Musei Paraensis pelo W ÍÊêB' ■ i amostras de briófitas (mus- botânico suíço Jacques Hu- ^^its ' JmgÊF9k -' ""^''^iuJ Sos e hepáticas), 3.778 de ber, a instituição agora está fungos e líquens e uma car- equipada para armazenar .f..»r~:pY P** / «jgm11*1!^ poteca com 7.500 frutos 300 mil amostras botânicas. preservados para fins cien- Celeiro de amostras da flora tíficos. •

a estudantes de ensino médio ou superior. As redações dos estudantes secundaristas de- verão abordar temas como feminismo, homofobia e pa- ternidade. Já as monografias dos universitários devem tra- tar de assuntos como direitos sexuais e reprodutivos, mas- culinidade e arranjos familia- res. A terceira iniciativa é a realização de um Encontro Nacional de Núcleos e Gru- pos de Pesquisa sobre a desi- gualdade de gênero. Previsto para o final de setembro, irá mapear o campo de pesqui- sas sobre gênero e ciências no Brasil e propor ações que contribuam para a promoção das mulheres no campo das ciências e na carreira acadê-

mica. O pacote é uma inicia- tiva do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Secretaria Especial de Políticas para Mu- lheres da Presidência da Re- pública. •

■ Produção científica cresce 15%

A produção científica brasi- leira cresceu 15% em 2004, o país passou a responder por

1,7% da produção mundial de artigos publicados em re- vistas indexadas e assumiu a 17a posição entre os países com atividade científica mais intensa, de acordo com o Ins- titute for Scientific Infor- mation. Os dados foram di- vulgados pelo presidente da Coordenação de Aperfeiçoa- mento Pessoal de Nível Su- perior (Capes), Jorge de Al- meida Guimarães, durante a 57a Reunião Anual da Socie- dade Brasileira para o Pro- gresso da Ciência (SBPC). Apesar de ter se colocado em situação de vantagem em re- lação a países europeus como Bélgica e Áustria, o Brasil foi ultrapassado pela China e Co- réia do Sul. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 • 23

Page 24: Reforma política pra quê?

inovação tecnológica poucoavançou no país entre 2000 e2003, embora tenha cresci-do o número de empresasque realizam pesquisa edesenvolvimento (P&D)de forma contínua. Nes-se período, o númerode indústrias que in-vestiram no desen-volvimento de novos

produtos e processos cresceu, respectivamente, de31,5% para 33,3% entre as empresas consultadasna primeira e segunda edição da Pesquisa Indus-trial de Inovação Tecnológica (Pintec), do Insti-tuto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além de registrar uma taxa de inovação bai-xa, a Pintec 2003 – divulgada no final de junho –credita esse incremento exclusivamente às peque-nas empresas, com 10 a 49 pessoas ocupadas, que,no intervalo desses três anos, desenvolveram ino-vações “de caráter imitativo”, de menores custos e

INDICADORES

Retração da economia limitou avanço da inovação no país, constata pesquisa do IBGE

CLAUDIA IZIQUE

Acidente de percurso

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

A

24a27-114-pesquisa-pintec 27/7/05 7:40 PM Page 24

Page 25: Reforma política pra quê?

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 25

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riscos. Nas demais, constatou-se, houvequeda nos gastos com a inovação.

“A retração econômica de 2003 pre-judicou muito a capacidade inovadoradas empresas no Brasil”, analisa CarlosHenrique de Brito Cruz, diretor cientí-fico da FAPESP. A primeira edição daPintec, em 2000, mapeou a inovaçãonum cenário de ampliação de 4,4% doProduto Interno Bruto (PIB) e de ex-pansão de 4,8% no setor industrial. Osdados da segunda edição da Pintec fo-ram coletados três anos depois, quandoa economia refletia os resultados de po-líticas fiscais e monetárias restritivas,crescimento de 0,5% do PIB e de 0,1%da indústria. Apenas as exportações ti-veram performance favorável, impulsi-onadas pelo câmbio depreciado e pelaqueda da demanda doméstica.

“Foram anos difíceis”, observa An-dré Tosi Furtado, professor do Depar-

vação. “Não adianta ter políticas de es-tímulo quando o comportamento daeconomia é de instabilidade”, ponde-ra Furtado. Os dados da Pintec 2003revelam que as empresas assumiramposição mais cautelosa em relação aessa modalidade de investimento. Osgastos com inovação, que representa-vam 3,8% do faturamento das indús-trias em 2000, caíram para 2,5% em2003. A queda foi ainda mais acentuadanas despesas com aquisição de conheci-mentos externos, compra de máquinase equipamentos e nos investimentos emprojetos industriais.

A exceção ficou por conta de umafaixa muito pequena de empresas, com10 a 49 pessoas ocupadas, entre asquais a taxa de inovação cresceu de 27%para 31%. Na avaliação de Furtado, elasteriam sido “obrigadas a adotar a ino-vação para sobreviver”. Por representa-

tamento de Política Científica e Tec-nológica do Instituto de Geociênciasda Universidade Estadual de Campi-nas (Unicamp). Quase a metade das28 mil empresas inovadoras identifi-cadas pela Pintec afirmou ter tido di-ficuldades para viabilizar o desenvol-vimento de projetos. Em 2000 esseporcentual era maior, de 54,7%. Masentre 2000 e 2003 os principais obstá-culos à inovação seguem os mesmos:elevados custos, riscos econômicos ex-cessivos, escassez de financiamento, fal-ta de pessoal qualificado e de informa-ção sobre tecnologia. A diferença entreas duas pesquisas é que, em 2000, a di-ficuldade para se adequar aos padrõesocupava a décima posição entre as jus-tificativas das empresas e, em 2003,passou para a sexta posição.

O cenário econômico negativo neu-tralizou as medidas de incentivo à ino-

24a27-114-pesquisa-pintec 27/7/05 7:40 PM Page 25

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rem 79,7% das empresas pesquisadasna Pintec 2003, essas pequenas empre-sas afetam fortemente os indicadoresnacionais. Ele ressalva que a taxa deinovação medida pela Pintec é um in-dicador de difusão tecnológica.“No ata-cado, houve uma adesão maior das pe-quenas. Mas as grandes empresas é quesão responsáveis pelo maior investi-mento em inovação.”

Boa notícia - A boa notíciada Pintec 2003 é que o nú-mero de empresas que rea-lizam pesquisa e desenvol-vimento de forma contínuacresceu de 42,9%, em 2000,para 49,2%, em 2003. Essamudança repercutiu nas es-tatísticas sobre pessoal ocu-pado. Em 2000, o IBGEconstatou que 31,4 mil pes-soas se ocupavam integral-mente das atividades deP&D, enquanto outras 32,9mil o faziam de forma oca-sional. Essa proporção agorainverteu: 32,6 mil pessoasestavam exclusivamente en-volvidas com atividade deP&D e apenas 19,4 mil de-dicavam-se parcialmente aessa atividade. O fenômenofoi observado em todas ascategorias de empresas.

Cresceram também o número depós-graduados e de graduados nas em-presas. Em 2000, entre as 41,5 mil pes-soas ocupadas com P&D, 20 mil tinhamnível superior. Em 2003, os pós-gradua-dos e graduados representavam 21,8 mil,num contingente de 38,5 mil pessoas.

Mesmo assim, na avaliação de BritoCruz, o número de pessoas em P&D em-

presarial ainda é muito pequeno. “Infe-lizmente a Pintec não levantou o indi-cador efetivamente relevante, o núme-ro de pesquisadores, que é menor que onúmero total de pessoas ocupadas emP&D. É uma pena porque continuasendo impossível comparar adequa-damente a situação brasileira com a deoutros países. Sabemos apenas que émenor que 21,8 mil”, afirma Brito, lem-

brando que na Coréia o nú-mero de pesquisadores nasempresas é de 128 mil, nosEstados Unidos, de 800 mil ena Espanha, 20 mil. “É inte-ressante notar que, com essenúmero de pesquisadores emempresas, a Espanha regis-tra anualmente 440 patentesno United States Patents andTrademark Office (USPTO),enquanto o Brasil, com me-nos de 21,8 mil pesquisado-res, conta com pouco maisde 100.

Para Furtado, o cresci-mento do número de pes-soas com dedicação total àP&D demonstra que as em-presas entenderam que a re-cessão da economia era con-juntural. “Os custos foramcortados, os salários caírame as empresas mantiveramsuas equipes”, analisa. As em-

26 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

Participação p0rcentual do número de empresas inovadoras, segundo faixa de pessoal ocupado – Brasil 2000 e 2003

Pessoal Taxa Produto Produto novo Processo Processo novo ocupado de inovação para o mercado para o setor

nacional no Brasil

2000 2003 2000 2003 2000 2003 2000 2003 2000 2003

Total 31,5 33,3 17,6 20,3 4,1 2,7 25,2 26,9 2,8 1,2

de 10 a 49 26,6 31,1 14,1 19,3 2,5 2,1 21,0 24,8 1,3 0,7

de 50 a 99 43,0 34,9 24,5 19,1 6,3 2,3 33,6 28,6 4,4 0,8

de 100 a 249 49,3 43,8 30,0 25,3 9,0 3,9 41,4 37,7 7,2 1,7

de 250 a 499 56,8 48,0 34,4 28,4 10,6 5,8 48,6 38,8 9,7 3,4

de 500 a mais 75,7 72,5 59,4 54,3 35,1 26,7 68,0 64,4 30,7 24,1

Fonte: IBGE, Pintec

Pessoas ocupadas nas atividades de P&D por nível de qualificação –

Brasil 2000 e 2003, em%

%

60

50

40

30

20

10

0

Pós-graduados Graduados Nível médio Outros

Fonte: IBGE, Pintec

7,1 8,1

41,448,5

35,931,9

15,611,5

20002003

24a27-114-pesquisa-pintec 27/7/05 7:40 PM Page 26

Page 27: Reforma política pra quê?

presas que não tinham equipe fixa – eque mantinham pessoal ocupado coma inovação apenas parte do tempo – op-taram por realocar esses funcionáriospara outras atividades.

Aprendizado e difusão - Outro indica-dor importante para avaliar o avançoda inovação empresarial são as fontesde informação e relações de coopera-ção entre os agentes de inovação. Afi-nal, o fortalecimento da interação noâmbito do sistema nacional de inova-ção tem papel fundamental no desen-volvimento tecnológico: facilita o fluxode informações e promove o aprendiza-do e a difusão de novas tecnologias.

A estratégia de inovação adotadapela empresa se reflete na hierarquia dassuas fontes de informação. Nos dois pe-ríodos avaliado, a situação das empre-sas brasileiras pouco mudou: as fontes

mais citadas seguem sendo as áreas in-ternas à empresa (62,7%), fornecedores(59,1%), feiras e exposições (58,4%) eclientes ou concorrentes (53,4%). Aaquisição de licença, patentes e know-how está entre as menos utilizadas. Mascresceu significativamente – de 33,1%para 46% – a importância das redes in-formatizadas na busca de informações.

O número de empresas que operamem cooperação também refletiu os tem-pos de recessão. A primeira edição daPintec identificou 2,5 mil empresas compráticas cooperativas. Em 2003 esse nú-mero caiu para menos da metade: cer-ca de mil. No conjunto das indústriasinovadoras, o porcentual de empresascooperativas despencou de 11% para3,8%. Esse porcentual cresceu apenasentre as grandes, com 500 ou mais pes-soas ocupadas, que têm maior capaci-dade de operar em rede.

É interessante observar, para alémdesses resultados negativos, que as em-presas consultadas colocaram as uni-versidades e institutos de pesquisa emterceiro lugar no ranking de seus par-ceiros privilegiados, atrás apenas dosfornecedores e dos clientes e consumi-dores. “A universidade brasileira já temum papel importante na pesquisa e de-senvolvimento”, observa Furtado.

Apoio governamental - Para avaliar oimpacto dos programas oficiais de in-centivo à inovação e conhecer o perfildas empresas que utilizam recursospúblicos para a P&D, a pesquisa doIBGE incluiu perguntas sobre a aplica-ção de financiamentos, bolsas, aportede capital de risco, entre outras. Cons-tatou-se que, no período analisado, oporcentual de empresas que receberamapoio do governo cresceu de 16,9%para 18,7%. Em 2003 esses incentivosoficiais beneficiavam cerca de 5 milempresas, pelo menos um terço delascom 500 ou mais empregados. Essa re-lação diretamente proporcional entreo tamanho da empresa e o uso de in-centivos pode ser observada em todosos tipos de programas ou linhas de fi-nanciamento.

As linhas de crédito do Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES), Banco do Brasil eCaixa Econômica Federal, entre outros,para a compra de máquinas e equipa-mentos lideram o ranking dos progra-mas mais demandados. São utilizadaspor 13,4% das pequenas empresas ino-vadoras e por 24,5% das grandes. Emsegundo lugar estão os recursos de pro-gramas oferecidos pelas Fundações deAmparo à Pesquisa, Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq), Financiadora de Es-tudos e Projetos (Finep), entre outros.Em terceiro lugar encontram-se os fi-nanciamentos a projetos de pesquisadesenvolvidos em parceria entre em-presas e universidades, realizados pormeio dos fundos setoriais. Essa moda-lidade de apoio, no entanto, é utilizadaapenas por 1,4% das empresas inova-doras. Esse porcentual, no entanto, émaior do que o 0,7% que se benefi-cia dos incentivos fiscais para P&D.“Isso mostra como os instrumentos deapoio à P&D em empresas são inefica-zes”, diz Brito. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 27

Importância dos parceiros nas relações de cooperação –Brasil 2000 e 2003, em %

Concorrentes

Empresas de consultoria

Centro de capacitaçãoprofissional e

assistência técnica

Outras empresas do grupo

Universidades e institutos

de pesquisa

Clientes ou consumidores

Fornecedores

0 10 20 30 40 50 60

Fonte: IBGE, Pintec

6,715,4

11,515,2

15,114,4

22,820,8

29,725,6

42,445,1

55,655,4

2001-20031998-2000

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aíses da bacia amazônica re-solveram juntar forças paraharmonizar suas legislaçõessobre propriedade intelec-tual, proteger recursos ge-néticos e os conhecimentos

tradicionais a eles associados, e ainda combater abiopirataria. Representantes do Brasil, Bolívia,Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Ve-nezuela reuniram-se pela primeira vez, no dia 26de junho, no Rio de Janeiro, para avaliar estraté-gias de atuação, num encontro articulado pela Or-ganização do Tratado de Cooperação Amazônica(OTCA).“Se não adotarmos um enfoque regionalconvergente, não teremos resultados”, diz o em-baixador Roberto Jaguaribe, presidente do Insti-tuto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) esecretário de Tecnologia Industrial do Ministé-rio do Desenvolvimento e Comércio Exterior, queparticipou da reunião.

A OTCA foi criada em 2003 para implementaro Tratado de Cooperação Amazônica, assinado pe-los oito países em 1978, com o objetivo de imple-mentar medidas para preservar o ambiente e osrecursos naturais da região, que abriga umas dasmaiores biodiversidades do planeta.“Todos temosproblemas com biopirataria”, diz a equatorianaRosalia Arteaga, secretária-geral da organização.

No encontro do Rio de Janeiro foi definida umalista de oito ações conjuntas, entre elas a de coo-peração para a identificação de mecanismos queimpeçam o registro indevido de nomes e expres-sões utilizadas por comunidades locais. No anopassado, por exemplo, organizações não-governa-mentais brasileiras, capitaneadas pelo Grupo deTrabalho Amazônico (GTA), tiveram que se mobi-

lizar para resgatar o nome cupuaçu – Theobromagrandiflorum, uma árvore da mesma família do ca-cau e cuja semente é fonte de alimento na região –,registrado como marca pelas empresas transna-cionais Asahi Foods e Cupuaçu International em1998. Mais recentemente, a mesma Asahi Foodsperdeu o registro da patente do Cupulate, uma es-pécie de chocolate feito a partir de sementes do cu-puaçu com tecnologia patenteada pela EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Apropriação indébita - Os países que integram aOTCA têm, isoladamente, tomado uma série demedidas para proteger a sua biodiversidade deações de apropriação de marca. No Brasil, o Mi-nistério do Meio Ambiente concluiu um amplomapeamento das denominações e usos conhe-cidos de cerca de 9 mil espécies animal e vegetal.Essa lista foi encaminhada ao Grupo Interminis-terial de Propriedade Intelectual (Gipi), será ana-lisada pelo INPI e vai compor um banco de dadosque servirá de fonte de consultas e orientação paraescritórios de patentes em todo o mundo.

Apesar de não existir nenhum tratado inter-nacional estabelecendo critérios para registro demarcas, faz parte das regras internacionais rejei-tar denominações conhecidas – como é o caso docupuaçu –, já que não teriam um requisito essen-cial: a capacidade distintiva. Não se registram, porexemplo, marcas com os nomes laranja, mamãoou banana. Não é o caso do cupuaçu. A denomi-nação desses produtos da biodiversidade brasilei-ra e seu uso, no entanto, têm que estar disponí-veis num banco de dados acessível aos escritóriosde marcas e patentes de todo o mundo. A lista comas várias denominações da biodiversidade brasi-

28 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

PROPRIEDADE INTELECTUAL

Países da bacia amazônica articulam medidas conjuntas paraproteger a biodiversidade

CLAUDIA IZIQUE

P

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Aunião faz a força

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leira e suas utilizações nas comunida-des locais vai integrar um banco de da-dos ainda maior com a listagem de pro-dutos de outros países que está sendoorganizada pela OTCA.

Quebra-pedra - A iniciativa brasileiranão é um caso isolado. O Peru, além demontar um banco de dados semelhan-te, criou uma comissão para investigarregistros de patentes de produtos dabiodiversidade regional na Europa, Ja-pão e Estados Unidos. Foram identifi-cados cerca de 500 registros de produ-tos relacionados a espécies autóctonesem escritórios de patentes dos EstadosUnidos, da União Européia e do Japão,segundo informou Santiago Roca, pre-sidente do Instituto Nacional de Defesada Competição e da Proteção da Pro-priedade Intelectual do Peru, aos parti-cipantes da reunião da OTCA no Riode Janeiro.

A denominação chancapiedra ouPhyllanthus niruri, por exemplo – queno Brasil é matéria-prima do chá dequebra-pedra, utilizado no tratamentode problemas renais –, aparece mencio-nada 26 vezes na pesquisa realizada noescritório de patentes norte-america-no, 11 vezes na Europa e 15 no Japão,onde, aliás, está relacionado, desde1991, ao registro de um agente anti-retroviral e, desde 1996, à patente deum tônico capilar. Os outros produtospesquisados foram o hercampuri (Gen-

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 29

EDU

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O nome da plantaPhyllantus niruri, conhecido no Brasil comoquebra-pedra, aparecena denominação de 42produtos registrados nosEstados Unidos, UniãoEuropéia e Japão

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tianella alborosea fabris); ocamu-camu (Myrciaria du-bia); o yacon (Smallanthussonchifolius); caigua (Cylan-thera pedata L); e o sacha in-chi (Phyllantus niruri).

Medida restritiva - O Perutem uma das legislações paraa defesa da biodiversidademais avançadas entre os oitopaíses que integram a OTCA.Em 2002 foi promulgadauma lei estabelecendo regi-me de proteção para o conhe-cimento tradicional e dos po-vos indígenas associado aopatrimônio genético. No Bra-sil, o patrimônio genético é pro-tegido pela Medida Provi-sória nº 2.186, de 2001, quereconhece o direito das comu-nidades indígenas e locais dedecidirem sobre o uso de seuconhecimento associado aosrecursos genéticos e prevê arepartição de benefícios, sehouver uso e comercialização.A medida provisória, no en-tanto, é considerada “muitorestritiva”, segundo Jaguaribe,e até o final do ano o gover-no federal pretende encami-nhar ao Congresso Nacionalum projeto de lei que, aomesmo tempo que combata abiopirataria, incentive o de-senvolvimento da capacitaçãotecnológica e industrial para o aprovei-tamento da biodiversidade. “Medidasrestritas apenas à defesa do patrimôniogenético são contraproducentes e a fis-calização é complicada. O melhor me-canismo de proteção da propriedadeintelectual é a capacitação científica eacadêmica. Isso sim tem capacidade ex-ponencial de produção.”

Enquanto a nova lei não vem, o go-verno busca amenizar o caráter draco-niano da medida provisória por meiode resoluções, como a de número 18,publicada em 2003, que permitiu oacesso de pesquisadores aos compo-nentes do patrimônio genético até en-tão vetado pela legislação. Essa flexi-bilização, no entanto, não impediu aedição, no dia 7 de junho último, doDecreto nº 5.459 disciplinando sançõesàs atividades lesivas ao patrimônio ge-

nético previstas na medida provisória.De acordo com o decreto, são conside-radas infrações: o acesso a patrimôniogenético para fins de pesquisa sem au-torização do órgão competente; remes-sa ilegal de amostras para o exterior;omissão de informações sobre as ativi-dades de pesquisa, bioprospecção oudesenvolvimento tecnológico relaciona-dos à biodiversidade; e a não repartiçãodos benefícios decorrentes da explora-ção econômica de produtos desenvolvi-dos a partir dos recursos da biodiversi-dade ou dos conhecimentos tradicionaisassociados.

Intercâmbio de práticas - Os países in-tegrantes da OTCA não têm a preten-são de fazer uma legislação comum. “Ahomogeneização é impossível, mas aharmonização é concebível”, afirma a

secretária-geral da OTCA.“Os países com legislaçãomais avançada podem aju-dar. Também será importan-te que estas afinidades este-jam presentes nos tratados delivre comércio, como o queestá sendo preparado pelaColômbia, Peru e Equador.Se a iniciativa partir de umconjunto de países, será maiseficaz.

O intercâmbio de normas,práticas e políticas nacionaissobre direitos da proprieda-de intelectual e sistemas na-cionais de inovação encabe-çam a lista de ações conjuntasque os oito países desejam im-plementar e que será apre-sentada numa reunião dechanceleres convocada pelaOTCA, em Iquitos, no Peru.

A coordenação de posi-ções e harmonização norma-tiva será uma medida estra-tégica. “Está havendo umaevolução da globalização. Háuma tendência de centrali-zação e homogeneização denormas da propriedade in-telectual ditada pelos paísesmais ativos e desenvolvidos”,analisa Jaguaribe. As medidasde proteção da propriedadeintelectual nos países em de-senvolvimento, continua, de-pendem de uma estreita coo-

peração e a convergência da legislaçãoserá “um passo inevitável”.“Deveríamosnos mirar no exemplo europeu, que temescritório de patentes conjunto.”

Entre as medidas comuns a seremadotadas pelos oito países está previs-ta a criação e a valorização de indica-ções geográficas amazônicas que agre-guem valor à produção regional. Jáexistem no mercado global produtos,como ervas e fitoterápicos, apresenta-dos como tendo origem na Amazônia.“Queremos evitar que isso ocorra”, ex-plica Jaguaribe. A idéia é criar uma in-dicação de procedência, uma espéciede selo como o que já é utilizado paraidentificar vinhos do Vale do Vinhedo,o café do Cerrado ou a cachaça de Mi-nas Gerais. “Depois disso estabelecere-mos um conjunto de normas padrão”,diz o presidente do INPI. •

30 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

O cupuaçu foi registrado como marca pela japonesa Asahi Foods

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PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 31

ergio Rezende,fí-sico pernambuca-no,é o novo mi-nistro da Ciência eTecnologia. Dou-tor em Física Apli-

cada pelo Massachusetts Institute ofTechnology (MIT) e graduado em en-genharia eletrônica na Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro,Re-zende é um intelectual respeitado ereconhecido em todo o país por seus es-forços em defesa de um sistema na-cional de ciência e tecnologia nopaís.Sua atuação foi fundamental,por exemplo,nas articulações quelevaram à criação da Fundação deAmparo à Ciência e Tecnologia dePernambuco (Facepe),em 1989,aprimeira entre as agências estaduaisde fomento no Nordeste.No últimogoverno Miguel Arraes,entre 1995 e1998,foi secretário estadual de Ciên-cia,Tecnologia e Meio Ambiente.Entre janeiro de 2001 e janeiro de2003,foi secretário do Patrimônio,Ciência e Cultura da Prefeitura deOlinda,até assumir a presidência daFinanciadora de Estudos e Projetos(Finep),agência criada em 1967 como objetivo de financiar a inovaçãoe a pesquisa científica e tecnológicaem empresas.

Rezende,que é membro titularda Academia Brasileira de Ciências,substitui o ex-ministro EduardoCampos,que volta à Câmara dosDeputados para reforçar a base par-lamentar do presidente Luiz InácioLula da Silva.Rezende já anunciouque não mudará as “estratégias e

prioridades”e nem a equipe de seu an-tecessor no MCT.Prometeu manter,ese possível intensificar,a articulação e par-cerias com entidades dos governos fede-ral e estaduais como o Banco Nacionalde Desenvolvimento Econômico e So-cial (BNDES) e a Caixa Econômica Fe-deral,entre outras,de forma a sintoni-zar as políticas de ciência e tecnologia.Na sua primeira entrevista como mi-nistro,por exemplo,Rezende anunciouque a Finep vai lançar,nas próximas se-

GOVERNO FEDERAL

Sergio Rezende assume a Ciência e Tecnologia e garante que nãomudará estratégias do antecessor

S

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Um físico à frente do ministério

manas,o Programa Juro Zero,que des-tinará R$ 100 milhões para pequenasempresas inovadoras que não têm ga-rantias reais para contrair financiamen-tos no mercado.Os recursos ter ão ori-gem numa parceria com o Fundo deAmparo ao Trabalhador (FAT).As em-presas,ele adiantou,j á foram seleciona-das e cada uma delas receberá emprésti-mos de até R$ 900 mil ou o equivalentea 1/3 do faturamento do ano anterior aserem pagos em cem parcelas.

Vice-presidente da Internatio-nal Union for Pure and Applied Phy-sics desde 1977,ele prometeu tam-bém envolver “mais fortemente” osetor empresarial no esforço da pes-quisa,desenvolvimento e inova ção,conforme afirmou em seu discursode posse,no dia 21 de julho. “A Leida Inovação,as medidas da pol íticaindustrial e tecnológica e a MedidaProvisória do Bem,s ão importantesinstrumentos de incentivos às em-presas”, disse.

Rezende aposta que a a regula-mentação do Fundo Nacional de De-senvolvimento Científico e Tecno-lógico (FNDCT),j á aprovada pelaCâmara dos Deputados e em apre-ciação pelo Senado,garantir á maisrecursos para os investimentos eminovação no país. “Os fundos seto-riais são instrumentos importantespara financiar ações de ciência e tec-nologia. Há uma evolução grandena disponibilidade dos recursos des-ses fundos,que em 2002 contavamcom R$ 32 milhões e agora,em2005, têm R$ 750 milhões para se-rem utilizados”, avaliou. •Sergio Rezende e Eduardo Campos (ao fundo)

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os 93 anos,o pro-fessor Walter Ra-damés Accorsicontinua os-tentando boasaúde e a fre-

qüentar quase diariamente o campusda Escola Superior de Agricultura Luizde Queiroz (Esalq) da Universidadede São Paulo (USP) em Piracicaba.Omestre de várias gerações de agrôno-mos prossegue com uma ação a que sededica desde a década de 1920:a divul-gação dos benefícios das plantas medi-cinais brasileiras.Aposentado da Esalqem 1982,aos 70 anos,pela compuls ó-ria,como gosta de ressaltar,ele passa osdias no conjunto de salas intitulado Se-tor de Plantas Medicinais,cedido pelainstituição assim que deixou de dar au-las e recebeu o título de professor emé-rito.Ali ele continua estudando e aten-dendo as pessoas que o procuram embusca de conhecimento sobre as ervasmedicinais. “Eu não sou médico, nãoposso receitar nada,mas sou um divul-gador da fitoterapia”,diz ele. “Conside-ro a medicina popular,que é o conhe-

cimento das plantas sob o ponto de vis-ta prático,como fundamental para a fi-toterapia.”

A fitoterapia de fato é reconhecidapela Organização Mundial da Saúde(OMS),desde 1978,como uma moda-lidade terapêutica. “A medicina popu-lar indica ao fitoterapeuta a parte daplanta que é boa para determinadoproblema”, diz. “Então ele vai examinarem laboratório e verificar se de fato éuma planta medicinal.Se come çasse aestudar a planta sem referência nenhu-ma,o trabalho de pesquisa deveria seriniciado pela raiz e ir até a flor.” Para elesó um médico ou fitoterapeuta forma-do pode receitar os preparados complantas. “O Brasil é detentor da floramedicinal mais rica e diversificada doplaneta,e isso n ão é dito por nós.”

O gosto de Accorsi pelo estudo dasplantas medicinais começou na facul-dade onde entrou,em 1929,para cur-sar engenharia agronômica.Foi o paiquem o induziu a estudar agronomia.Além de uma propriedade em que pre-dominava o cultivo de café,em Dobra-da,uma localidade,hoje munic ípio,

32 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

PERFIL

Com 93 anos, professoreméritoda Esalq participa da vida da universidadee continua a difundir a fitoterapia

A

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

O mestrede muitas gerações

perto da cidade de Matão,no centro doEstado de São Paulo,a fam ília possuíauma serraria,um curtume e uma ofici-na mecânica.Antes de entrar na Esalq,o pequeno Accorsi foi enviado a SãoPaulo,onde concluiu o col égio em1927,e j á em 1928 estava em Piracicabapara fazer o curso preparatório para afaculdade,que ainda n ão pertencia àUSP.Recebeu o t ítulo de engenheiroagrônomo em 1933, “como o terceiroaluno da turma”,e o diploma recebidoem 1934 já tinha a rubrica da USP queacabara de nascer e acolher a Esalq.Re-cém-formado,foi convidado para serprofessor assistente na terceira cadeiradenominada Botânica Geral e Descritivado professor Pedro Moura de OliveiraSantos.Em 1936,fez a livre-doc ência,e,em 1942,o concurso para catedr áti-co. “Eu era professor de botânica. Na-quele tempo dávamos uma noção detudo:fisiologia,anatomia e sistem ática.Tinha queensinar um pouquinho decada,o que,para mim,foi muito bom.Hoje é tudo separado.Al ém da aula,eutambém passava informações terapêu-ticas das nossas plantas.”

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Page 33: Reforma política pra quê?

divulgou, em 1967, uma entrevista como professor Accorsi. Depois disso, aplanta foi alvo de vários estudos no ex-terior. “No Japão, eles me homenagea-ram porque dei todas as orientações so-bre a planta quando representantes daempresa estiveram no Brasil.” Algunsdias antes da homenagem, o ministroda Agricultura, Roberto Rodrigues, alu-no de Accorsi no início dos anos 1960,ficou sabendo do evento e ligou para aembaixada brasileira em Tóquio paraque ela enviasse um representante aoevento com uma mensagem especialpara o professor Accorsi. “Fiquei muitoemocionado porque o texto foi lido emjaponês e em português diante de maisde mil pessoas”, conta. Era a quarta vezque o professor ia ao Japão. Nas vezesanteriores, ele fizera palestras nas uni-versidades de Tóquio e de Kyoto.

Nascido em Taquaritinga (SP) em 9de outubro de 1912, o professor Accor-si não come carne há 60 anos.“Sou her-bívoro.” A filha Walterli Accorsi, admi-nistradora e farmacêutica que comandaa farmácia de manipulação e produtosnaturais em Piracicaba que leva o nome

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 33

Ao longo de todos esses anos, Ac-corsi nunca deixou de considerar comomuito importante a farmacologia, queestuda a extração dos princípios ativosdas plantas. Mas acredita que as plantasin natura têm muito a contribuir com asaúde pública. “A Alemanha tem umafitoterapia avançada, como a Rússia, osEstados Unidos e a China.” Para o Bra-sil, o professor Accorsi diz que é preci-so instalar vários laboratórios no paíspara estudo da biodiversidade e produ-ção de fitoterápicos.

Ipê-roxo - De sua agenda cheia de con-vites para palestras, especialmente paraum homem de 93 anos, destacou-se noano passado uma visita ao Japão. Oconvite e a homenagem vieram da em-presa que produz o chá de ipê-roxo oupau-d’arco (Tabebuia avellanedae), ár-vore encontrada em vários pontos daAmérica do Sul cuja casca é usada paratratamento de tumores cancerígenos,anemia, problemas estomacais e comoanalgésico. Essas propriedades do ipê-roxo tornaram-se populares e rodaramo mundo quando a revista O Cruzeiro

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ProfessorAccorsi: paixão, estudo e divulgaçãodas plantasmedicinais

do professor, diz que ele toma muitasopa de aveia, come várias sementes, gi-rassol entre elas, e, às vezes, come peixe.Vinho ele tomava regularmente mas...“um médico me proibiu e o outro libe-rou”, diz o professor, que ainda nãosabe se segue um ou outro. A proibiçãoé porque um dos médicos prefere que oprofessor se livre primeiro de uma for-te dor de cabeça, que lhe acompanha hámuitos anos. Para se manter em forma,Accorsi faz ginástica na academia dauniversidade.

Como professor, ele chegou a ocu-par os cargos de diretor e vice-diretorda Esalq entre 1951 e 1954. Ao longo demais de 70 anos de vida acadêmica par-ticipou e ainda continua participandodas reuniões da congregação, que ela-bora as diretrizes normativas da Esalq eapresenta as listas tríplices para diretorda instituição, e principalmente dasformaturas. Em uma delas, em 1964,ele foi convidado na última hora parapresidir a cerimônia da turma que esta-va recebendo o diploma. “Era a nossaformatura e o governador do estado,Carlos Alberto de Carvalho Pinto, esta-va em Piracicaba como paraninfo, maso diretor não estava na cidade para pre-sidir a solenidade”, conta o professor daEsalq, Joaquim José de Camargo En-gler, diretor administrativo da FAPESPe ex-aluno de Accorsi. O diretor, Hugode Almeida Leme, havia sido nomeadoministro da Agricultura, e o vice-dire-tor não pôde comparecer ao evento.“Aí,o resultado foi ligar para o decano daescola – o professor mais antigo – quejá era o professor Walter Accorsi. Liga-mos para ele, que já estava de pijama,quase pronto para dormir”, diz Engler.“Mas ele foi e presidiu a cerimônia.Depois, muitas vezes quando nos en-contramos, ele diz ‘lembra daquele diaque salvei vocês’?”

Accorsi é o ex-aluno e o ex-profes-sor mais antigo da escola.“É muito espe-cial, dedicado e, ao longo desses anos,contribuiu para a melhora da qualida-de de ensino na Esalq”, diz Engler. Comduas filhas, dois netos e cinco bisnetos,Accorsi segue bradando neste início deséculo 21 em favor de sua causa: “Aplanta sustenta a vida biológica no pla-neta. Se ela tem os alimentos, por quenão teria os medicamentos?” •

MARCOS DE OLIVEIRA

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Page 34: Reforma política pra quê?

CIÊNCIA

O cheiro da mãe A habilidade de encontrar a mãe pelo odor - essencial para os recém-nascidos se alimentarem e se protege- rem - desenvolve-se lentamente, assim como a de reco- nhecer o mundo pela visão: poucas semanas depois do nascimento começa a se formar a rede de circuitos neu- rais ligados ao olfato, como resultado do treino de sen- tir a fragrância materna. Alterações nessa circuitaria tendem a, mais tarde, tornar menos perceptíveis e rele- vantes o registro de odores, concluíram Kevin Franks e Jeffry Isaacson, da Universidade de Califórnia, em San Diego, Estados Unidos, por meio de um estudo publicado na Neuron. Os pesquisadores identificaram no cérebro de ratos duas proteínas essenciais da rede de neurônios ligados à percepção olfativa: os receptores Ampa e NMDA, que são ativados por mensageiros quí- micos chamados neurotransmissores - nesse caso, o glutamato. Nesse experimento, o grupo da Califórnia desativou uma narina de ratos recém-nascidos, deixan- do-lhes sem estímulos olfatórios em um lado do cére- bro. No lado do cérebro que não recebeu estímulos, houve uma queda na atividade dos receptores NMDA. Essa redução fez com que os neurônios se tornassem mais ativos, em conseqüência da interferência dos ou- tros receptores, os Ampa. •

■ Benefícios do Viagra para as plantas

Margarida Prado, do Insti- tuto Gulbenkian de Ciência, em Portugal, descobriu que os tubos polínicos dependem de oxido nítrico, que os guia até o lugar certo - e assim po- dem levar a fertilização adiante. Em meio a subs- tâncias como o princípio ativo de medicamentos como o Viagra, que ini- bem as enzimas que des- troem o oxido nítrico, a sensibilidade das plantas ao oxido nítrico eleva-se bastante, influenciando o encurvamento do tubo polínico, essencial ao en- contro das células mas- culinas e femininas das plantas. Margarida ofe- receu aos tubos polínicos do lírio branco (Lilium longiflorum) uma dose Lírio

extra de oxido nítrico e en- tão, removendo-o, notou que a reorientação do tubo polí- nico foi bloqueada. Essa pro- priedade, acredita a pesquisa- dora, poderia ser usada para bloquear o acesso de duas ou mais células sexuais masculi- nas a um só óvulo. •

tubos polínicos mais ativos

34 ■ AGOSTO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 114

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Idéias novas contra o HIV "Ficarei desapontado se em cinco anos não surgirem no- vas formas de tratamento contra a Aids", comentou Ro- bert Gallo, diretor do Institu- to de Virologia Humana da Universidade de Maryland, Estados Unidos. Co-descobri- dor do vírus HIV, no mês pas- sado ele participou em São Paulo do Fórum Aids: as no- vas descobertas e o modelo brasileiro de assistência. Uma das novas possibilidades são as quimiocinas, peptídeos - fragmentos de proteínas - produzidos naturalmente em resposta a processos inflama- tórios. São também liberadas por um dos tipos de células do sangue, os linfócitos, ativa- dos mas não infectados pelo HIV. As três quimiocinas já identificadas bloqueiam a en- trada do vírus ao se ligarem ao receptor CCR5, uma mo- lécula da superfície dos linfó- citos. Segundo Gallo, podem surgir fármacos não das pró- prias quimiocinas, mas a par- tir da habilidade, já testada por indústrias farmacêuticas, de bloquear esse receptor. A CCR5 parece ter pouca im- portância para os seres hu- manos, mas é essencial para o HIV, que se liga nesse recep- tor antes de despejar seu ma- terial genético nas células do sangue. Outros medicamen- tos podem emergir a partir de uma molécula que inibe a transformação de um dos ti- pos do vírus, o HIV-1, em partículas infecciosas. Essa molécula, descrita este mês em dois artigos científicos pu- blicados na revista Nature Structural & Molecular Bio- logy, sugere que as formas imaturas do vírus podem ser vistas como outro alvo a ser combatido. •

0 vírus: pequena esfera sobre a superfície de um linfócito

■ As causas da necrose da seringueira

A seringueira {Hevea brasilien- sis) é freqüentemente abalada pela síndrome da necrose da casca, que reduz a produção de látex e atinge um terço das árvores na África, na Ásia e nas Américas. Cogitou-se que essa doença, diagnosticada pela primeira vez em 1983, fosse causada por um agente patogênico específico - fun- go, vírus ou bactéria -, mas um grupo internacional de pesquisas concluiu que se tra- ta do resultado da combina- ção de muitas causas, que

desregulam o funcionamento da planta. Uma delas é a com- pactação do solo, que reduz a absorção de água pelas raízes. Como se observou, as serin- gueiras atacadas pela necrose têm, de fato, raízes atrofiadas e a síndrome se desenvolve es- pecialmente em plantas com deficiência de água, especial- mente durante as épocas de seca. O estresse hídrico induz à morte das células e à conse- qüente liberação de compos- tos químicos que causam o espalhamento da necrose para as partes superiores do tron- co. Este é um dos primeiros estudos abrangentes sobre

Nova York: prédios mudam os ventos e o regime de chuvas

essa síndrome: reuniu espe- cialistas em solo, em vírus, em fisiologia e em doenças de plantas de 12 países, incluin- do o Brasil, com coordenação do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRF) da França. •

■ Cidades interferem no clima e no tempo

Os loteamentos e a constru- ção de prédios e de estacio- namentos alteram dramati- camente a rugosidade da superfície, o fluxo de calor e de água, a reflexão de luz e a cobertura vegetal das cidades, de modo mais intenso em me- trópoles como São Paulo, No- va York, Paris ou Tóquio, com impactos sobre o clima. Ain- da que a interferência das ci- dades não seja considerada na maioria dos modelos de pre- visão de clima, edifícios co- mo o Empire State Building, em Nova York, podem alterar a qualidade do ar, a tempera- tura, a distribuição de nuvens e os padrões de chuva, de acordo com um estudo publi- cado no Bulletin of the Ame- rican Meteorological Society. "Para qualquer pessoa", co- mentou Marshall Shepherd, pesquisador da Nasa e um dos autores desse estudo, "é im- portante saber que a urbani- zação afeta coisas com que todos nos preocupamos, co- mo a quantidade e a freqüên- cia de chuvas e quão fria ou quente a temperatura da rua pode ser." As mudanças at- mosféricas próximas às cida- des já podem ser registradas por satélites da própria Na- sa, como o Aqua, Landsat e o Terra. Atualmente, as áreas urbanas cobrem somente 0,2% da superfície terrestre, mas abrigam aproximada- mente a metade da popula- ção mundial. •

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Encontrado fungo letal no Brasil Agora há evidências de que chegou ao Brasil um fungo que em outros países da Amé- rica Latina e da Ásia elimi- nou populações de anfíbios e, em conseqüência, quebrou o equilíbrio ecológico, favo- recendo a multiplicação de insetos, dos quais esses ani- mais se alimentam, e prejudi- cando a alimentação de aves, de répteis e de mamíferos, pe- los quais são predados. Zoó- logos da universidade Esta- dual Paulista (Unesp) de Rio Claro e do Museu de Zoolo- gia de Vertebrados, de Berke- ley, Estados Unidos, encon- traram pela primeira vez o fungo Batrachoclytrium den- drobatidis na rã-de-corredei- ra (Hylodes magalhaesi), uma espécie de 3 centímetros, pele castanho-escuro e ventre es- curo com pintas brancas, que

A rã-de-corredeira, que vive em riachos na Serra da Mantiqueira: provável reservatório de um fungo que devastou populações de anfíbios em outros países

vive em riachos no alto de morros da Serra da Manti- queira cobertos por Mata Atlântica, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Identi- ficado na fase larval dessa es- pécie por meio de seqüências específicas de DNA, esse fun- go causa deformações na boca dos girinos e, supõe-se, prejudica a metamorfose, a ponto de levar os animais à morte. "O Hylodes magalhae- si pode ser um reservatório do fungo, que assim pode contaminar outras espécies", diz Célio Haddad, pesquisa- dor do Instituto de Biociên- cias da Unesp e um dos auto- res da descoberta. Segundo ele, os dados são preocupan- tes também porque a rã-de- corredeira é uma espécie ameaçada de desaparecimen- to por causa da fragmenta-

ção de seu hábitat natural. Já houve relatos de extinção lo- cal de outra espécie do mes- mo gênero, o Hylodes asper, a 300 quilômetros do ponto de coleta do H. magalhaesi. Em- bora esse episódio tenha sido atribuído às mudanças cli- máticas, os pesquisadores não descartam a hipótese de que possa tratar-se de um impac- to desse fungo, que se propa- ga por meio das águas frias dos riachos que correm nas montanhas. Essa espécie de fungo, embora tenha sido detectada só agora, pode ter se instalado no país há muito tempo. "Desde 1980, quando eu ainda fazia estágio na gra- duação", conta Haddad, "já encontrava girinos com a boca deformada, um dos si- nais mais característicos dei- xados por esse fungo." •

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■ Uma cratera em Santa Catarina

Nunca viu um astroblema? Não, não é um problema as- tronômico, mas gigantescas crateras deixadas pelo impac- to de meteoritos na superfície da Terra. No Brasil, o mais re- cente é o Domo de Vargeão, no oeste de Santa Catarina, com cerca de 12 quilômetros de diâmetro e um desnível de até 150 metros. Descrito pela equipe do geólogo Álvaro Crósta, da Universidade Esta- dual de Campinas, o Domo de Vargeão integra a lista dos 60 principais sítios paleonto- lógicos e geológicos mapea- dos pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleo- biológicos (Sigep). Os sítios dessa lista - como o Arenito Mata, no Rio Grande do Sul, com fósseis de troncos de coníferas com 30 metros de comprimento, ou a Toca da Boa Vista, na Bahia, com 84 quilômetros de extensão - são candidatos a integrar o Patri- mônio Mundial da Humani- dade da Unesco. •

A água extinta de Marte Hoje uma poeira fina e brilhante co- bre a superfície marciana, espalhada por ventos constantes, mas já houve água por lá, embora nem sempre abundante, de acordo com seis arti- gos de pesquisadores da Nasa publi- cados na Nature. Outra novidade é que a cratera Gusev, onde pousou o jipe-robô Spirit, nunca foi um imen- so lago, como se pensava. Abaixo da poeira o solo é escuro, de origem vulcânica, e as rochas contêm oxido de ferro e enxofre, incorporados em um processo que necessita de pouca água, segundo a equipe da Nasa, da qual participa o físico brasileiro Pau- lo de Souza Júnior, da empresa de mineração Vale do Rio Doce. Do ou- tro lado do planeta, os dados do jipe Opportunity indicam que o Meridi- ani Planum já foi um mar: ali há he- matita, mineral que só se forma com água. Os jipes também seguiram a órbita das duas luas marcianas: Dei- mos, que está se afastando de Marte, e Phobos, que deve se chocar com Marte em 40 milhões de anos. •

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inte anos atrás alguns casos incomunsde anemia começaram a chamar a

atenção no Hemocentro da Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em vez de adultos jovens, como habitual-mente, eram os idosos que apresentavam

uma expressiva redução na taxa de hemoglobina,molécula encontrada no interior das células verme-lhas responsável pelo transporte de oxigênio e pelovermelho vivo do sangue. Mais intrigante: a anemiados idosos não cedia ao tratamento convencional, àbase de vitaminas e suplementos de ferro. As médi-cas hematologistas Irene Lorand Metze e Sara Saad,que trataram esses casos, constataram: a causa dessaanemia não era a carência de nutrientes essenciais àprodução das células vermelhas ou hemácias como oferro e as vitaminas do complexo B. A origem do pro-blema era bem mais complexa: estava nas células-tronco da medula óssea, da qual se originam as trêsfamílias de células sangüíneas – as vermelhas, asbrancas e as plaquetas. Não se tratava, portanto, deanemias resistentes a tratamento, mas de uma dasformas de um grupo de doenças raras chamadassíndromes mielodisplásicas ou mielodisplasias, cujo

MEDICINA

V

Defeitos genéticos começama explicar a origem de doençassangüíneas de idosos

Estudos em vermelho

RICARDO ZORZETTO

FOTOS HELIO DE ALMEIDA

CIÊNCIA

tratamento até hoje desafia a ciência médica, embo-ra suas causas sejam mais bem conhecidas.

Com características semelhantes às da leucemiamielóide aguda – a forma mais freqüente de leuce-mia aguda em adultos –, as mielodisplasias alteram acomposição sangüínea por dois mecanismos opos-tos. Ambos ocorrem na medula óssea, o tecido quepreenche os grandes ossos do corpo, no qual as célu-las do sangue se formam e se desenvolvem antes deserem lançadas às veias e artérias. O primeiro meca-nismo provoca a morte em massa das células precur-soras do sangue. O segundo leva essas células a semultiplicarem de modo descontrolado – e as célu-las da geração seguinte chegam à corrente sangüíneaimaturas e incapazes de funcionar como deveriam. Oefeito é o mesmo: o sangue contém células vermelhasmaduras em número insuficiente para abastecer ostecidos com oxigênio; também não há a quantidadeadequada de células brancas, que combatem mi-croorganismos invasores; nem de pedaços de célulasconhecidos como plaquetas, que bloqueiam he-morragias. É por isso que quem desenvolve mielodis-plasia sente-se cansado e apresenta infecções freqüen-tes ou sangramentos de difícil contenção.

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A análise dos mais de 200 casos jáatendidos no Hemocentro da Unicampestá ajudando a compreender como es-ses problemas surgem e evoluem. Emtestes de laboratório com medula ósseade portadores de mielodisplasia, Irene eSara descobriram alterações na expres-são de três genes que controlam a morteprogramada – ou apoptose – das célu-las do sangue. Por esse motivo, no iní-cio da doença a taxa de apoptose geral-mente é elevada e impede a produçãode células vermelhas, brancas e plaque-tas em níveis adequados ao funciona-mento normal do organismo. Nos está-gios mais avançados, porém, ocorre ooposto: a apoptose diminui e são as cé-lulas precursoras do sangue chamadasblastos que alcançam a circulação –ainda há casos em que os blastos sãoproduzidos em quantidade adequada,mas não geram células maduras dosangue. “Não se sabe se esse desequilí-brio na mortalidade celular é conse-

qüência apenas de distúrbios genéticosnas células doentes ou se, ao menos emparte, é decorrente da atuação do siste-ma de defesa do organismo, voltada àeliminação dessas células”, comenta Sa-ra, que detectou outro comportamentoanormal das células na mielodisplasia:cultivadas em laboratório, as célulasbrancas eram capazes de se multiplicarmesmo na ausência de sinais químicosque induzem à divisão celular, diferen-temente das células sadias.

Resistência à morte - Enquanto essa dú-vida permanece, o certo é que há umaredução dos sinais químicos que dispa-ram a morte programada dos blastos eum aumento dos comandos que a im-pedem, como constataram Irene, Eli-sangela Ribeiro, Carmen Lima e Kon-radin Metze, em um estudo publicadoem 2004 na Leukemia & Lymphoma.“À medida que a doença progride essascélulas contendo alterações se tornam

menos suscetíveis à apoptose”, explicaIrene, uma das principais pesquisado-ras brasileiras que estudam as síndro-mes mielodisplásicas. Num trabalhoque deve sair em breve na Leukemia Re-search – desenvolvido com pesquisado-res espanhóis da Universidade de Sala-manca e do Hospital Miguel Servet, emSaragoça –, Irene e sua equipe detecta-ram indícios de que as alterações nodesenvolvimento celular característi-cas da mielodisplasia podem ocorreraté mesmo em um estágio anterior aosblastos, nas próprias células-troncopluripotentes. É um achado que ajuda aexplicar por que tanto a taxa das célulasvermelhas e das plaquetas como a dascélulas brancas podem se encontrarabaixo dos níveis normais nessas sín-dromes.

Ainda não se conhecem todos osdefeitos genéticos associados às mielo-displasias, mas estima-se que essas alte-rações – como a perda de parte dos cro-

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mossomos 5, 7 e 20 ou a presença deuma cópia extra do cromossomo 8 –contribuam para quase metade dos ca-sos dessas doenças. Em geral, as lesões nomaterial genético das células não sur-gem de uma hora para outra.“Esses de-feitos genéticos, detec-tados em 40% a 50%das mielodisplasias,são fruto de uma sériede lesões que se acu-mulam ao longo davida e se manifestampor volta dos 60 anos”,explica a hematologis-ta Maria de LourdesChauffaille, da Univer-sidade Federal de SãoPaulo e do InstitutoFleury, que investiga as característicasgenéticas dessas doenças.

Hoje se sabe que alguns medicamen-tos utilizados no tratamento de câncerpodem danificar o material genético(DNA) das células e levar ao desenvol-vimento de mielodisplasia. Também sesuspeita que a exposição prolongada àfumaça do cigarro, a agrotóxicos, a sol-ventes como o benzeno e à radiaçãodanifiquem o DNA das células precur-soras do sangue e, em 10% dos casos,originem essas síndromes.

Depois dos 60 - Esses efeitos cumulati-vos explicam por que as mielodispla-sias são mais comuns após os 60 anos.Estima-se que, antes dessa idade, cincoadultos em cada grupo de 100 mil de-senvolvam uma das formas de mielo-displasia. Apartir dos 60 anos, essas sín-dromes se tornam de quatro a dez vezesmais freqüentes: atingem de 20 a 50 in-divíduos em cada grupo de 100 mil.Segundo especialistas, nos Estados Uni-dos surgem 15 mil novos casos de mie-lodisplasia por ano, uma indicação deque essas síndromes são tão freqüentesquanto a forma mais comum de leuce-mia nos países ocidentais, a leucemialinfocítica crônica. Ainda que de modoindireto, a etnia e as condições socioe-conômicas e ambientais parecem in-fluenciar a idade de início da doença.Na Europa e nos Estados Unidos as mie-lodisplasias se manifestam por volta dos70 anos, enquanto no Brasil elas sur-gem mais cedo, antes dos 60.“A tendên-cia é que o número de casos aumente àmedida que nossa população envelhe-

ce”, afirma Sara, da Unicamp. Estima-tivas do IBGE apontam que nos pró-ximos 15 anos a população brasileiramaior de 60 anos deve crescer 74% epassar dos atuais 16,3 milhões para28,3 milhões de pessoas.

as nem sempre o pro-blema está com as cé-lulas precursoras dosangue. O grupo coor-denado por MariaMitzi Brentani, da Uni-

versidade de São Paulo, Radovan Boro-jevic, da Universidade Federal do Riode Janeiro, e Luiz Fernando Lopes, doHospital do Câncer AC Camargo, emSão Paulo, investigou outro conjunto decélulas encontradas no interior dos os-sos: a células do estroma, o tecido nu-tritivo no qual estão mergulhadas as cé-lulas precursoras do sangue. Como aterra que sustenta e nutre uma árvore,o estroma fixa essas células e regula odesenvolvimento delas. A conclusão éque a saúde do estroma pode fazer to-da a diferença, de acordo com o estudopublicado em agosto de 2004 na Leuke-mia Research. Em uma placa de vidrocom estroma de portadores de mielodis-plasia células precursoras do sangue sau-dáveis passaram a se comportar comoas células mielodisplásicas: prolifera-vam-se sem controle e não amadure-ciam – possivelmente pela produção desinalizadores químicos que induzem àapoptose, como o fator de necrose tu-moral alfa e o interferon gama. Tam-bém se verificou o oposto: células damedula de pessoas com mielodisplasiaapresentaram desenvolvimento saudá-vel quando cultivadas em estroma depessoas sem a doença.

Analisados em conjunto, os estudosdos últimos dez anos ajudam a enten-der por que em alguns casos de mielo-displasia os exames, feitos com sanguecolhido de uma veia do braço, apresen-tam contagem baixa das células madu-ras, enquanto em outros aparece umnúmero elevado de blastos. Esse desa-juste reprodutivo que pode surgir emumas poucas células se amplifica du-

Mrante a fabricação do sangue. Formadopor cerca de 20 tipos de células distin-tas, diluídas em uma sopa de água eproteínas, o sangue está em constanterenovação. Quando tudo vai bem noorganismo, 1% das células sangüíneassão substituídas diariamente. A cada 24horas a medula dos ossos fabrica cercade 200 bilhões de células vermelhas, 10bilhões de células brancas e 400 bilhõesde plaquetas, em substituição àquelasque se tornaram velhas e foram destruí-das pelo baço.

Nesse processo natural de reposição,as células-tronco da medula óssea se di-videm sucessivas vezes, produzindo ini-cialmente cópias idênticas de si mesmas.Mas em determinado ponto desse pro-cesso reprodutivo essas células deixamde se autocopiar e passam a gerar célu-las especializadas em uma determinadafunção, mas com menor capacidade dese reproduzirem e de originarem ou-tros tipos de células. É que a capaci-dade de gerar qualquer tipo de célulasangüínea, a pluripotência, é privilégiodas células-tronco mais primordiais.

À procura de saídas - Diante das des-cobertas recentes sobre a origem e aevolução das mielodisplasias, as alter-nativas de tratamento continuam res-tritas, motivo de desconforto entre osmédicos. A única maneira de curar amielodisplasia é o transplante de me-dula óssea, procedimento em que as cé-lulas-tronco extraídas do osso do qua-dril de um doador sadio são injetadasno esterno do portador da doença.Após a eliminação das células anormaispor quimioterapia, as células saudáveisrepovoam o sangue. Mas o uso de me-dicamentos altamente tóxicos e de ra-diação para eliminar as células anor-mais da medula limitam a aplicação dotransplante, em geral realizado em pes-soas com menos de 60 anos – os resul-tados são melhores antes dos 40 anos. Éque depois dos 60 anos as pessoas nãoresistem aos efeitos indesejáveis do tra-tamento feito antes de receber a me-dula. Mesmo quando o transplante épossível, a taxa de sucesso é baixa: emapenas 40% dos casos a pessoa perma-nece livre da doença por cinco anos.

Nem entre as crianças os resultadossão animadores. “Nesses casos, a maiordificuldade é encontrar doadores commedula compatível em uma popula-

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Estudo da fisiologia do sistema imune nas neoplasias, na auto-imunidade e nas imunodeficiências por citometria de fluxo

MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa

COORDENADORA

IRENE LORAND METZE – Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 1.345.226,42

O PROJETO

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zes de eliminá-las, como a citarabina ea daunoblastina, usadas no tratamen-to das leucemias. Com a diminuiçãodas células vermelhas do sangue, umadas opções é tratar o portador da mie-lodisplasia com um hormônio de cres-cimento celular chamado eritropoieti-na, produzido por bactérias Escherichiacoli que receberam uma cópia do genedessa proteína. Outro hormônio é o fa-tor estimulante de colônias de granuló-citos, utilizado para estimular a produ-ção de células brancas. Dependendo do

grau de anemia, transfusões de sanguemensais – ou mesmo semanais – po-dem se tornar necessárias.

Atualmente, dezenas de medicamen-tos que combatem as células doentesou estimulam a proliferação das célu-las sangüíneas saudáveis encontram-seem avaliação em ensaios clínicos feitosprincipalmente nos Estados Unidos ena Europa. Mas ainda não se chegou aum remédio que reúna três qualidadesfundamentais: ser eficaz, pouco tóxicoe barato. “Nos últimos 20 anos, váriosmeteoros terapêuticos atravessaram osnegros céus dos tratamentos das sín-dromes mielodisplásicas, mas apenaspara desaparecer em seguida”, escreve-ram os hematologistas italianos MarioCazzola e Luca Malcovati, em um co-mentário publicado em fevereiro desteano no New England Journal of Medici-ne sobre a mais recente promessa demedicamento capaz de aumentar as cé-lulas vermelhas, a lenalidomida, umderivado da talidomida menos tóxicoe mais eficaz. Os resultados animam,mas ainda é cedo para comemorar.“Es-peramos que outros estudos clínicosconfirmem os efeitos promissores dalenalidomida”, concluíram. •

ção miscigenada quanto a nossa”, dizo oncologista pediátrico Luiz FernandoLopes, do Hospital do Câncer, que nofinal da década de 1980 identificou osprimeiros casos de mielodisplasia in-fantil no país e coordena o grupo que jáatendeu quase 250 crianças com o pro-blema. Muito raras até os 18 anos – afe-tam quatro crianças e jovens em cadamilhão –, as síndromes mielodisplási-cas são mais agressivas nessa faixa etá-ria: oito em cada dez casos evoluem emmeses para a leucemia mielóide aguda,em que uma torrente de células brancasimaturas chega ao sangue e deixa o or-ganismo vulnerável a infecções. “Hojeconhecemos razoavelmente bem ascausas e a evolução das mielodispla-sias”, diz Lopes. “Mas ainda não sabe-mos como tratá-las de modo eficiente.”

Nos casos em que o transplante nãoé viável, a saída é combater as manifesta-ções graves da enfermidade, que variamsegundo o tipo de mielodisplasia – hásete tipos de mielodisplasia, segundo aclassificação mais recente. Quando oprincipal efeito dessa reprodução celu-lar anormal é o aumento da quantidadede células imaturas no sangue, os médi-cos administram medicamentos capa-

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bioquímica Santuza Teixeira te-ve de interromper por duas ve-zes suas férias no mês passadoe correr ao seu laboratóriono Instituto de Ciências Bio-médicas da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG). Por sorte, não pararesolver problemas, mas para comemorar com sua equi-pe dois acontecimentos que fogem da rotina. No dia 5Santuza soube que sua proposta de estudar a variabilida-de genética do protozoário Trypanosoma cruzi, causadorda doença de Chagas, foi selecionada pelo Instituto Ho-ward Hughes, dos Estados Unidos, e receberá um finan-ciamento de US$ 70 mil por ano, nos próximos cincoanos – privilégio concedido a poucos grupos de pesquisano Brasil. Dez dias depois saía na revista Science um ar-tigo científico de amplo interesse médico e científico, doqual seu grupo havia participado, esmiuçando o conjuntode genes – o genoma – do parasita retratado ao lado.

O genoma do Trypanosoma cruzi é o mais complexoentre os três descritos na edição de 15 de julho da Scien-ce – lá estavam também o Trypanosoma brucei, causadorda doença do sono, e a Leishmania major, responsávelpor um dos tipos de leishmaniose. Resultado de um es-forço internacional de pesquisa liderado por especialis-

GENÔMICA

ACientistas detalham as estratégiasde sobrevivência de três parasitas que infectam milhões de moradores de países pobres

Fascínio e terror

CIÊNCIA

CARLOS FIORAVANTI

FOTOS RENATO MORTARA

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tas norte-americanos, ingleses e suecos,com a participação de grupos de Mi-nas, de São Paulo e do Rio de Janeiro,esses trabalhos devem nortear, daquipara a frente, os estudos dedicados a es-ses protozoários, já que uma série de se-melhanças, de peculiaridades e de prová-veis vulnerabilidades de cada um delesse tornaram mais claras.

Essas descobertas podem acelerar abusca de métodos e reagentes diagnós-ticos ou de medicamentos que redu-zam o alcance das doenças causadaspor esses parasita o T. cruzi, transmiti-do pelo inseto conhecido como barbei-ro, infecta 18 milhões de pessoas naAmérica Latina, podendo provocarproblemas cardíacos; o T. brucei, que seespalha por meio da mosca tsé-tsé, ins-talou-se no organismo de 500 mil pes-soas de 36 países africanos, causandofebre, dor de cabeça, distúrbios do sonoe problemas neurológicos; já a Leish-mania major, igualmente transmitidapor mosquitos, serviu como modelo deestudo para as cerca de 30 espécies queafetam 12 milhões de moradores de 88países, entre os quais o Brasil, e podemprovocar lesões desfigurantes ou atacaras vísceras. Juntas, as três doenças ma-tam cerca de 150 mil pessoas por anono mundo.

“O fato de os genes desses parasitasterem sido identificados é um incenti-vo para que as companhias farmacêu-ticas e mesmo as empresasestatais de medicamentosinvistam no desenvolvi-mento de novas drogas an-tiparasitárias, porque po-deriam começar em umestágio mais avançado”, dizJosé Franco da Silveira Fi-lho, pesquisador da Uni-versidade Federal de SãoPaulo (Unifesp), que tra-balhou na identificaçãodos telômeros – as pontasdos cromossomos – do Trypanosomacruzi. Justamente nos telômeros é quese concentram os genes responsáveis pe-la produção de proteínas de superfície,que facilitam a invasão das células demamíferos e ajudam a burlar as defesasdos organismos em que se instalam.

Os três parasitas, embora tenham seseparado de um ancestral comum hácerca de 200 milhões de anos, apresen-tam 6.158 genes em comum, associados

a funções metabólicas e estruturaisbásicas – os genes exclusivos de cada es-pécie são relativamente poucos, varian-do de 910 na Leishamia major a 3.736no Trypanosoma cruzi. “A partir dessenúcleo comum, é possível começar apensar em compostos que sirvam paraos três”, diz Angela Cruz, da Faculdadede Medicina de Ribeirão Preto, da Uni-versidade de São Paulo (USP), que par-ticipou do seqüenciamento e da análisedo cromossomo 2 da Leishamia major.

“Mas o maior problema”, acrescen-ta, “é que estamos falando de doençasnegligenciadas, de países pobres”. Atéagora as indústrias farmacêuticas têmmostrado pouco interesse em desenvol-ver medicamentos mais eficazes e me-nos tóxicos que os raros hoje em usoporque os ganhos poderiam não cobriros gastos, já que os compradores seriamos governos ou os habitantes de paísespobres. De acordo com uma reporta-gem publicada em 3 de julho no jornalNew York Times, os custos de desenvol-vimento de um novo medicamentopassaram de US$ 800 milhões em 2000para quase US$ 1 bilhão. O salto nasdespesas está fazendo com que as in-dústrias se concentrem na busca devariações de produtos nos quais já te-nham experiência ou que contem comum mercado assegurado, como diabe-tes, câncer, distúrbios mentais e algunsproblemas cardíacos.

ntre os pesquisadores édiferente. “Para nós, e pa-ra muitos outros cientis-tas que trabalham comtripanossomas, há um in-teresse genuíno em enga-

jar-se na luta contra as doenças negli-genciadas”, comenta a esta revista NajibEl-Sayed, biólogo molecular do Insti-tuto de Pesquisa Genômica (Tigr), dosEstados Unidos, que nessa edição daScience assinou dois artigos como pri-meiro autor e outro como pesquisadorsênior – além dos três estudos descre-vendo os genomas, havia outro compa-rando-os e mais dois comentando asdescobertas. “Essa pesquisa é impor-

E

tante do ponto de vista médico, porquenão existem bons medicamentos dis-poníveis”, diz Bjorn Andersson, do Ins-tituto Karolinska, da Suécia, que estudaa doença de Chagas desde 1996.“Tenhoesperanças de que realmente surjam no-vos fármacos.”

Dessa empreitada participaram 235pesquisadores de 21 países – não só doBrasil, Argentina e Venezuela, onde es-ses problemas são antigos, mas tam-bém da França, Escócia, Estados Uni-dos ou Cingapura, nos quais um casode leishmaniose causaria mais espantoque a chegada de um marciano. Esseconsórcio de instituições começou a seformar em 1994 quando a OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS) aprovou umfinanciamento modesto, de US$ 20 mil,o chamado seed money, para a propos-ta de seqüenciamento do genoma deparasitas causadores de doenças tro-picais, apresentada por Carlos Morel,da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),do Rio de Janeiro, que liberou outrosUS$ 20 mil. A partir daí o desafio foiagregando mais cientistas e em 1998seduziu a Tigr, que se tornaria uma dasinstituições líderes do consórcio. Aoreceber um financiamento estimadoem US$ 32 milhões, essencialmentedos Institutos Nacionais de Saúde(NIH), dos Estados Unidos, e do Well-come Trust, do Reino Unido, o traba-lho deslanchou.

Seres de transição - Tamanha mobili-zação deve-se também, é verdade, aointeresse pela biologia desses microor-ganismos unicelulares. “Alguns fenô-menos, como a edição de RNA e a varia-ção antigênica, foram identificados oubem caracterizados em tripanossomas”,exemplifica El-Sayed, com quem traba-lha a brasileira Daniela Bartholomeu.Embora sejam eucariotos (células do-tadas de núcleos, como os animais e asplantas superiores), eles apresentamalgumas características dos procario-tos, como são chamados os organis-mos unicelulares sem núcleo, mais pri-mitivos, como as bactérias.

“Esses parasitas são extremamentefascinantes”, diz Franco da Silveira, quetrabalha em colaboração com outrosgrupos da Unifesp, como o de NobukoYoshida e Renato Mortara. “São umaespécie de fósseis vivos, como se fossemexperiências da natureza que tenham

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sobrevivido e originado seres muitomais refinados.” Nos três, mostrou-sebastante conservada a ordem dos genes– ou sintenia –, em escala mais acen-tuada na L. major, como se ela fosse o or-ganismo mais antigo e de seus cromos-somos, devidamente embaralhados ousegmentados, tivessem se originado asoutras duas espécies de protozoários.

Um dos achados surpeendentes noTrypanosoma cruzi é uma família degenes chamada Masp, sigla de proteínasde superfície associadas à mucina, jácom 1.300 integrantes, mas cujas fun-ções ainda são desconhecidas. Esse foi,por sinal, o mais indomável dos trêsparasitas, a ponto de ter exigido modi-ficações nos programas de montagem eanálise de genes. “O genoma do T. cru-zi é altamente complexo e repetitivo,mais que o usual”, reconhece Anders-son. Pelo menos metade das seqüênciasgenéticas tem uma cópia e a outra me-tade pode ter mais de duas cópias. “Porcausa dessas seqüências repetitivas”,conta Santuza, “não foi possível fazer amontagem completa do genoma”. Ou-tra razão pela qual não se pôde dar aogenoma a forma de uma longa fita éque não se sabe ao certo quantos são os

cromossomos – as estruturas que con-têm os genes – do T. cruzi: deve ser algopróximo a 28; o problema é que algunscromossomos têm só uma cópia e ou-tros, duas ou mais.

Driblando anticorpos - Essas repetiçõesde genes e de cromossomos, cogitaSantuza, devem facilitar a recombina-ção genética e o aperfeiçoamento de ar-tifícios que permitem a esses parasitasescapar das defesas dos organismos queinvadem – mesmo com um vasto tre-cho do genoma em comum, os tritryps,como foram chamados, guardam dife-renças sutis, mas essenciais. O Trypano-soma brucei vive no sangue de mamífe-ros e escapa dos anticorpos produzindodiferentes proteínas de superfície – é avariação antigênica: os anticorpos re-conhecem os invasores que tenhamuma proteína A, digamos, mas deixamescapar os que já trocaram a proteína Apor uma B qualquer. Curiosamente, osgenes ligados às proteínas de superfíciesão geralmente truncados – só 7% fun-cionam direito.

Já o T. cruzi invade as células – pri-meiro as da pele e depois as do coração– e se vale da chamada variabilidade

antigênica: o causador da doença deChagas produz, ao mesmo tempo, de-zenas de variantes de proteínas de su-perfície, que lhe permitem não só dri-blar os anticorpos como também seligar com as células de mamíferos nasquais vive ao longo de seu ciclo de vida.

“Talvez estejamos mais perto deentender como esses parasitas têm tan-to sucesso e sobrevivem em organis-mos tão diferentes”, comenta AngelaCruz, da USP de Ribeirão Preto, “mastemos de usar esse conhecimento paraalgo útil. Quem trabalha com a genéti-ca desses organismos deveria se unircom aqueles que trabalham com estru-tura de proteínas ou fazem desenhosde medicamentos, para otimizar a bus-ca de melhores alvos nos parasitas e ge-rar compostos para serem testados. Te-mos de fazer um esforço concentrado econcertado para chegar a medicamen-tos ou a métodos preventivos factíveisno combate a essas doenças”. •

Momento inicial da infecção: T. cruzi invadem uma célula de mamífero

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alvador,a capital da Bahia,amarga a maior incidência deportadores do vírus HTLV-1no Brasil.Em cada grupo demil habitantes,20 estão con-taminados com o vírus linfo-trópico de células T humanas,um mal silencioso que,em5% dos casos,causa um tipogravíssimo de leucemia ouuma mielopatia,doença neu-

rológica que provoca problemas de locomoção eperda de controle muscular.A incidência da molés-tia em Salvador é cinco vezes maior do que a obser-vada em São Paulo e sete vezes superior à do Rio deJaneiro.No Brasil,estima-se que 2 milhões de pes-soas estejam contaminadas.Tais números têm oaval dos bancos de sangue do país,que desde 1993realizam obrigatoriamente testes anti-HTLV-1 emtodo o sangue doado.Tamanha expressão da mo-léstia transformou a capital baiana num ambientepropício para pesquisas sobre o HTLV-1,um retro-vírus que tem parentesco distante com o HIV,cau-sador da Aids.

Um estudo publicado na edição de março doInternational Journal ofImpotence Research dá con-ta de que o comprometimento da atividade sexualentre as vítimas da doença em Salvador é mais co-mum do que se calculava e que a disfunção erétil,associada a outros sintomas urinários, é um impor-tante marcador do início da moléstia.Assinado pelourologista Neviton Castro,do Servi ço de Imuno-logia do Hospital Universitário Professor EdgardSantos, vinculado à Universidade Federal da Bahia(UFBA),a pesquisa acompanhou um grupo de 79pacientes atendidos no Ambulatório Multidiscipli-nar de HTLV-1 da instituição,por onde j á passarammais de 800 vítimas da doença desde 2000.O índi-

Golpes abaixo da cinturaHTLV-1 espalha-se como o vírus da Aids e causa disfunção erétil

FABRÍCIO MARQUES

CIÊNCIA

VIROLOGIA

S

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ce dos que não conseguiram ereções sa-tisfatórias em mais da metade das ten-tativas de fazer sexo chegou a 36,7% e45,5% responderam que tiveram poucaou nenhuma satisfação sexual, levan-do-se em conta o espaço de tempo de30 dias anteriores à pesquisa. A maioriadas vítimas tinha de 35 a 50 anos.

Em 95% dos indivíduos infectadoso HTLV-1 não apresenta nenhum sin-toma, embora os portadores do víruscontinuem espalhando a doença. Nos5% restantes, depois de um período delatência que pode durar até 20 anos, po-dem eclodir duas moléstias distintas.Uma é a leucemia das células T, que,uma vez instalada, implica uma sobre-vida de no máximo 24 meses. Graças auma enzima, a transcriptase reversa, ogenoma do HTLV-1 se integra ao dacélula hospedeira. Essa integração fazcom que, em alguns casos, a célula in-fectada sofra processo de malignização.O linfócito T, responsável em grandeparte pela imunidade mediada por viacelular, é o alvo do vírus.

A disfunção erétil e a dificuldade decontrolar a micção estão associadas auma das manifestações da moléstia, amielopatia chamada paraparesia es-pástica tropical. Conduz a um proces-so inflamatório que leva à destruiçãoda bainha de mielina, isolante das célu-

las nervosas. Outros sintomas obser-vados são a perda progressiva dos mo-vimentos dos membros inferiores, in-flamações do globo ocular e até umaforma grave de escabiose, a sarna. “Te-mos casos raros em que pacientes jo-vens pararam de andar e passaram a terproblemas de ereção e de controle doato de urinar”, diz o médico Castro.“Trata-se de uma doença incapacitante,para a qual há poucas opções de trata-mento”, afirma. Não existe cura. As te-rapias para impedir a proliferação dovírus e reduzir a velocidade degenera-tiva reúnem corticosteróides, vitami-na C e interferon. Também não há va-cina contra esse retrovírus, que sofreconstantes mutações. Os remédios dafamília do Viagra são eficientes paraamenizar boa parte dos casos de dis-função erétil, mas a estratégia não fun-ciona para os pacientes mais graves.

Escravos - Tanto o HTLV-1 como o HIVsão transmitidos por via sexual, sanguecontaminado, compartilhamento de se-ringas ou por amamentação. As coinci-dências terminam aí. O HIV infecta oslinfócitos T e os destrói, provocandouma severíssima imunodepressão. Jáo HTLV-1 causa uma multiplicaçãoanômala dos linfócitos, associada àeclosão de processos inflamatórios.

Também provoca depressão do sistemaimunológico, embora de forma bemmais amena que o HIV. Uma tese dedoutoramento a ser defendida por RitaMascarenhas, da Escola Baiana de Me-dicina e Saúde Pública e do Laborató-rio Avançado de Saúde Pública da Fun-dação Oswaldo Cruz (Fiocruz), emSalvador, evidenciou uma queda na res-posta imunológica mesmo em vítimasdo HTLV-1 que não tinham sofrido aproliferação anômala dos linfócitos T.Rita pertence a um outro grupo de pes-quisadores, liderado pelo patologistaBernardo Galvão, com um trabalhodestacado na análise do HTLV em Sal-vador. Eles também criaram, em 2002,um ambulatório que acompanha cercade 400 pacientes, o Centro HTLV, e sededicam a pesquisas no campo da imu-nologia e do estudo da origem do vírus.“Cada vez mais, o HTLV-1 é visto comouma síndrome com indícios de imunos-supressão e diferentes manifestações clí-nicas inflamatórias”, diz Fernanda Gras-si, médica e pesquisadora da Fiocruzem Salvador. As pesquisas realizadaspelos grupos da Fiocruz e da UFBAcomplementam-se. O caráter imunos-supressor do HTLV-1 já havia sido evi-denciado em pesquisas do médico Ed-gar Carvalho, da UFBA, mostrandoque as vítimas são mais suscetíveis amoléstias como tuberculose e esquis-tossomose e sofrem o agravamento doquadro provocado pela parasitose in-testinal estrongiloidíase.

Um trabalho realizado por Luiz Car-los Alcântara, pesquisador do Labora-tório Avançado de Saúde Pública e pro-fessor da Escola Baiana de Medicina eSaúde Pública, encontrou respostas pa-ra a prevalência exagerada de HTLV-1em Salvador. O fenômeno, que mesclagenética e história, resultaria de múlti-plas introduções de linhagens do vírusprovenientes do sul da África. Escravosbantos trazidos de Angola e Madagas-car entre os séculos 17 e 19 teriam tra-zido os subtipos mais disseminados emSalvador. Da mesma forma, o vírus é es-pecialmente prevalente no sudeste dosEstados Unidos onde há agrupamen-to de negros. Não se trata, contudo, deuma doença vinculada à etnia africana.A infecção pelo HTLV-1 é endêmica nasilhas do sul do Japão, com 40% da po-pulação contaminada, e no Caribe, ondeo contágio chega a 10%. •

Atleta em descanso,João Batista Ferri

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ntre dezembro de 2002 efevereiro de 2003, os pes-quisadores que partici-param da etapa brasilei-ra do projeto SALLJEX(South American Low-

Level Jet Experiment) lançaram nos céus da Ama-zônia cerca de 700 balões semelhantes aos usadospara decorar festas infantis. Alguns deles, em umacaixa, transportavam sensores que mediam a pres-são atmosférica, a temperatura, a umidade do are a velocidade dos ventos.

A análise dos dados – armazenados em com-putadores no Brasil, na Bolívia, na Argentina eno Paraguai – está detalhando as características eas trajetórias dos chamados jatos de baixos níveisda América do Sul (South American Low-LevelJet, ou SALLJ), além de apontar os fenômenosque ajudam a desencadear. Identificados na déca-da de 1960, os jatos nascem na Região Norte ecruzam o país em direção ao sul, estabelecendouma relação direta entre os ventos que sopram naAmazônia para o sul, ao leste dos Andes, e as chu-vas que caem na bacia do Prata, vasta área que,além de São Paulo e dos estados do Sul, abrangeo Uruguai e o norte da Argentina e do Paraguai.

Correntes de ar levam umidade ou fumaça da Amazônia até a bacia do Prata

O mapa dos ventos

CLIMATOLOGIA

FRANCISCO BICUDO

EImpacto remoto: massas de ar próximas à superfície transportamgases de desmatamentos como este que podem reduzir as chuvas ao sul

CIÊNCIA

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“Esses jatos são como rios voado-res, que carregam umidade do nortepara o sul”, explica José Antonio Ma-rengo Orsini, do Centro de Previsão deTempo e Estudos Climáticos (CPTEC)do Instituto Nacional de Pesquisas Es-paciais (Inpe) e coordenador do tra-balho.“Os jatos se localizam nas cama-das mais baixas da atmosfera, a até 3quilômetros de altitude, e viajam comvelocidades que podem atin-gir 50 quilômetros por hora”,acrescenta Maria AssunçãoFaus da Silva Dias, pesquisa-dora do CPTEC e integrantedesse estudo. “Quando che-gam ao Prata”, completa Ca-rolina Vera, da Universidadede Buenos Aires, outra parti-cipante do projeto, “os jatossão um dos responsáveis pelaocorrência de fortes chuvas,especialmente no verão”.

Marengo, Assunção e Carolina in-tegraram uma equipe de cerca de 50pesquisadores de oito países: Brasil,Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia,Chile, Peru e Estados Unidos. O SALL-JEX integra o Programa Internacionalde Variabilidade do Sistema de Mon-ção da América (Vamos, Variability ofAmerican Monsoon System), patroci-nado pelo Programa Internacional deVariabilidade e Previsibilidade de Cli-ma (Clivar, Climate Variability andPredictability), associado à Organiza-ção Meteorológica Mundial. Para Ma-rengo, esse trabalho ajuda a estimar ospossíveis impactos causados pelo des-matamento da Floresta Amazônica so-bre o clima na porção sul da AméricaLatina, além de contribuir para me-lhorar a previsão do tempo para essasáreas.

A origem dos jatos de baixos níveisestá associada aos ventos alísios vindosdo oceano Atlântico, que invadem o ter-ritório brasileiro pela ponta superiorda Região Nordeste. Quando chegamà Amazônia, absorvem muito vapord’água, liberado pelas folhas da florestapor meio da transpiração. Já na frontei-ra do Estado do Acre com a Bolívia en-contram a cordilheira dos Andes. Asmontanhas funcionam simultaneamen-te como um acelerador e uma barreira,já que aumentam a velocidade de cir-culação dos jatos e os desviam rumo aosul. Os jatos passam então pelos esta-

dos de Mato Grosso, Mato Grosso doSul e São Paulo. Ao chegar à bacia doPrata, interagem com o relevo e comfrentes frias nascidas no pólo Sul, fa-zendo surgir os Complexos Convecti-vos de Mesoescala. São nuvens extre-mamente espessas, que atingem até 18quilômetros de altitude e mil quilôme-tros de diâmetro, com ciclo de vida quepode durar até 36 horas.

ormadas normalmente du-rante a noite e principalmen-te no verão, essas nuvens sãoresponsáveis por tempesta-des e por descargas elétricasverificadas no sul do país e

no norte da Argentina e do Paraguai.“Graças aos jatos de baixos níveis, quan-do começa a ventar lá, é bom já se pre-parar para chuvas bem fortes por aqui”,compara Pedro Leite da Silva Dias, pro-fessor do Instituto de Astronomia, Geo-física e Ciências Atmosféricas (IAG) daUniversidade de São Paulo (USP) e par-ticipante do projeto. Dias lembra que ainfluência dos jatos é mais evidente du-rante o verão, quando a umidade é in-tensa; no inverno, estação mais seca, oimpacto tende a diminuir.

Os jatos que representam as fontesde chuvas, no entanto, podem servircomo meio de deslocamento para ele-mentos nem tão bem-vindos. “O pro-

blema é que os jatos também podemtransportar a fumaça das queimadas”,alerta Marengo, principal autor dosartigos científicos que detalham essesresultados, publicados na revista Cli-mate Dynamics em janeiro deste ano ena Journal of Climate em junho de2004. “Com o desmatamento aumen-tando”, diz ele, “supõe-se que a reduçãoda contribuição do vapor d’água da ve-getação da Amazônia para a atmosfe-ra afete sensivelmente o transporte deumidade para a bacia do Prata, comconseqüências diretas sobre as estaçõeschuvosas, embora ainda não seja possí-vel quantificar essa mudança”. O alertafaz sentido. Entre 2003 e 2004, o Inperegistrou o segundo maior índice dedesmatamento da Floresta Amazônica,desde que a série de acompanhamentofoi criada, em 1988. Foram 26.130 qui-lômetros quadrados de árvores destruí-das, uma área semelhante ao Estado deAlagoas.

Fumaça e poeira - O impacto das quei-madas, uma das principais estratégiasutilizadas para a expansão das frontei-ras agrícolas, é bem conhecido: ameaçade extinção de espécies de animais e deplantas e erosão do solo, que fica menosprotegido. A fumaça e os gases libera-dos – como o monóxido de carbono eo ozônio – concentram-se no ar e tor-nam o clima mais seco e as temperatu-ras, mais altas. Por causa dos jatos debaixos níveis, é possível afirmar quemesmo quem vive nas regiões Sul ouSudeste do país e mesmo em países vi-zinhos não está livre dessas conseqüên-cias. Embora a emissão de fumaça sejalocalizada, seu impacto é global. Comas queimadas, os jatos tornam-se me-nos caudalosos e, em vez do vapord’água, ajudam a transportar poeira egases poluentes para o Prata.

As alterações sobre o clima da Re-gião Sul podem ser significativas. Se-gundo o Inpe, em janeiro de 2002 aquantidade média de chuvas nos esta-dos do Rio Grande do Sul e de SantaCatarina foi de 100 a 150 milímetros;em 2003, no mesmo período, a médiafoi mantida – com a diferença que, emuma longa faixa territorial localizadano sul gaúcho, esse valor caía para 50-100 milímetros. No ano seguinte, osdois estados registraram chuvas totaisde 50-100 milímetros, sendo que, no

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O PROJETO

Componente Brasileira do Experimento de Campo do Jato de Baixos Níveis a Leste dos Andes:Interações em Meso e Grande Escala entre as Bacias Amazônica e do Prata (Salljex-Brasil)

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADOR

JOSÉ ANTONIO MARENGO ORSINI –CPTEC/Inpe

INVESTIMENTO

R$ 1.150.742,09 (FAPESP)

F

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noroeste gaúcho, a quantidade chegavaa apenas 25-50 milímetros. A situaçãomelhorou em janeiro último, quandoRio Grande do Sul e Santa Catarina vol-taram a anotar quantidade de chuvasentre 100 e 150 milímetros. É verdadeque os jatos de baixos níveis não são osúnicos responsáveis pelas chuvas, asso-ciados também às massas de ar frio quepartem do pólo Sul e às correntes ma-rítimas, além do El Niño, que esquentaas águas do oceano Pacífico.

Menos chuva - “A economia da bacia doPrata depende basicamente da agricul-tura e da pecuária, que por sua vez de-pendem das estações chuvosas”, dizTercio Ambrizzi, professor do IAG daUSP que participou do projeto. Essapreocupação também se justifica. A sa-fra da Região Sul em 2003/2004 foi deaproximadamente 49 milhões de tone-ladas, mas a previsão é que caia para 45milhões em 2004/2005. Os especialistasespeculam que a alteração no perfil daschuvas, causada pela variabilidade na-

tural de clima e pela ação humana, es-pecialmente as queimadas da Amazô-nia, pode ser uma das responsáveis poressa queda da produtividade, já que aárea cultivada manteve-se estável.

Esse tipo de transporte de umidadecomeçou a ser estudado há quatro dé-cadas, quando o norte-americano Wil-liam Bonner estabeleceu a relação entreos jatos de baixos níveis nascidos nogolfo do México e o clima úmido dasplanícies centrais dos Estados Unidos.Depois o alemão Gordon Gutman, quevivia na Argentina, identificou ventossemelhantes que caminhavam ao longodos Andes, mas foi o tanzaniano Has-san Virji, radicado nos Estados Unidos,quem demonstrou a existência dos ja-tos também na América do Sul, já noinício dos anos 1980.

Vinte anos depois, no dia 19 de ja-neiro de 2003, em Santa Cruz, na Bolí-via, o avião emprestado pelo NationalOceanic and Atmospheric Administra-tion, dos Estados Unidos, usado com osbalões na coleta de dados, detectou jatos

de baixos níveis em quantidade eleva-da, viajando a uma velocidade próximaa 40 quilômetros por hora. No dia 20atingiam 50 km/h. Um dia depois enor-mes nuvens cobriam os céus da Argen-tina e do Paraguai – eram os Comple-xos Convectivos de Mesoescala. Fortestempestades atingiram esses dois paí-ses nos dias 22 e 23 de janeiro. “Acom-panhamos todo o processo, desde a for-mação dos jatos na Amazônia até astempestades do Prata”, comemora Ma-ria Assunção.

Mas nem sempre os jatos de baixosníveis aparecem nos boletins de previ-são do tempo. O problema não está naresolução dos modelos meteorológicos,mas no fato de haver poucas estaçõesde observação na Região Norte do país.A Organização Meteorológica Mundialrecomenda uma estação a cada 500 qui-lômetros, mas na Amazônia a distânciapode chegar a mil quilômetros. Por isso,os jatos muitas vezes passam desperce-bidos e as tempestades no Prata não sãoprevistas com tanta antecedência. •

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A dupla função da cordilheira dos Andes: barreira e aceleradora dos ventos rumo ao sul

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Enquanto achuvanão chega

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o sentir os primeiros sinaisde que a terra está esquen-

tando e a água escassean-do,a jia-de-parede se

enfia de costas numestreito buraco de ár-

vore e se fecha usando como tampa suacabeça chata e ossuda em forma deescudo.Essa perereca de pelelisa e úmida,que mede de 10a 15 centímetros de compri-mento com as patas estica-das,pode ficar alojada alidentro durante meses ouanos,dependendo da in-tensidade da seca,pra-ticamente sem perderágua,até a chuva voltar.Passa os dias imóvel,meiozonza de sono,e só acordaà noite,caso detecte alguminseto por perto.Nesse caso,rapidamente o abocanha e,sa-ciada,retorna ao estado de dor-mência,com o organismo funcionan-do lentamente.A Corythomantis greeningi éum exemplo notável de adaptação de anfíbios àcrônica falta d’água do sertão nordestino.

Por décadas se pensou que sua habilidade depoupar água se devesse somente à sua cabeça secae dura como uma pedra,que fecha a entrada doburaco ou das fendas de rochas em que se esconde.

ZOOLOGIA

Mas uma equipe do Instituto Butantan coordena-da pelo biólogo Carlos Jared demonstrou que a ca-beça por si só,mesmo funcionando como tampa,colabora pouco para a economia de água. “O pró-prio ato de esconder-se e de criar uma barreiracom parte do corpo permite uma brutal economia

hídrica”,diz.Em um artigo publicado narevista inglesa Journal ofZoology ,

Jared e outros pesquisadores doButantan,da Universidade de

São Paulo (USP) e da Uni-versidade Federal de SãoPaulo (Unifesp) demons-tram que essa cabeça ra-ra tem um papel muitomais importante:pro-teger a perereca contrapredadores. Além de serum capacete, é coberta

por espinhos e glândulasde veneno,liberado por

meio de protuberâncias se-melhantes a verrugas escuras,

bem maiores na cabeça que norestante do corpo.

Mesmo sabendo do veneno,Jared,como propósito de mostrar quão dura e magra é a ca-beça dessa perereca,segura com a m ão um dos 16exemplares trazidos de Angicos, no Rio Grande doNorte,e mantidos no biot ério do Butantan.Sen-tindo-se preso,o animal imediatamente come ça agirar e a esfregar o crânio entre os dedos de Jared,

Perereca exclusiva da Caatinga vive em buracos de árvore que fecham com sua cabeça dura e espinhosa

CARLOS FIORAVANTI

FOTOS CARLOS JARED

CIÊNCIA

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liberando um líquido esbranquiçado eviscoso, cuja letalidade se aproxima àdo veneno da jararaca, como uma equi-pe do Butantan atestou. “Dói um pou-co, mas foi superficial, não entrou nacorrente sangüínea”, diz o biólogo antesde lavar as mãos apressadamente. Jaredhavia sugerido em um estudo publica-do em 1999 que a secreção da pele des-sa espécie teria também uma ação an-tibiótica, já que o animal permaneciamuito tempo fechado em um ambien-te úmido, provavelmente povoado porfungos e bactérias. Como outra equipedo Butantan comprovou, há de fato umantibiótico nessa secreção da pele.

Camuflagem natural - Na luta contraos predadores, a jia-de-parede contatambém com os espinhos que formamuma camada óssea na pele e cobremtoda a cabeça, até mesmo as pálpebras.“Com esses espinhos”, diz Jared, “ficamuito difícil para os predadores aboca-nhar a perereca ou tirá-la de seu escon-derijo”. Ele acredi-ta que os espinhose as glândulas deveneno funcionematé contra animaispequenos como osinsetos hemató-fagos que tenhamdescoberto sua ca-muflagem – a ca-beça tem a mesmatextura e cor dascascas de árvore –e queiram tirar-lhealgum sangue.

Identificada em1896 pelo biólogobelga George Al-bert Boulanger apartir de exemplares mantidosno British Museum, em Londres,essa espécie exclusiva da Caatin-ga ganhou o nome popular de jia-de-parede porque às vezes aparecegrudada nas paredes dos banhei-ros das casas do norte de MinasGerais até o Maranhão. É tambémuma forma de diferenciar da jia ver-dadeira, também chamada de rã-pi-menta (Leptodactylus labyrinthicus),de porte mais impressionante, dez ve-zes mais pesada que a jia-de-parede ecapaz de comer dois camundongos in-teiros com uma só abocanhada.

Outros anfíbios se valem de artifí-cios até mesmo opostos que lhes permi-tem resistir ao atordoante calor dosemi-árido. É o caso do sapo-cururu(Bufo jimi), um grandalhão exibido:pode ser visto caçando insetos até mes-mo sob um sol intenso. Ele resiste por-que, segundo Jared, sua pele é consti-tuída por uma espessa camada degrânulos de cálcio que barra a saída deágua. Essa armadura parece estar au-sente só na região da virilha, intensa-mente vascularizada, por onde a águapenetra no corpo dos anfíbios. “Umsapo sentado sobre uma região úmidapode estar bebendo água à sua manei-ra”, diz o biólogo do Butantan.

Já as rãs Proceratophrys cristiceps,outra espécie exclusiva da Caatinga,abrem caminho à procura de umidadecom as patas traseiras na areia do leitode rios temporários, cuja superfície jásecou. Podem ficar enterradas em umacoluna de até 1 metro de areia e res-surgir adormecidas quando os mora-

dores locais cavam um poço nos riossecos em busca de água. O estado detorpor com que a Proceratophrys se exi-be nessas horas é o equivalente dos tró-picos à hibernação – é a chamada esti-vação, acionada pela seca ao invés dofrio, quando o metabolismo dos ani-mais praticamente pára.

Quando a chuva volta, nos primei-ros meses do ano, as plantas renascemde um dia para o outro, a terra se cobrede verde e as pererecas, as rãs e os sapossaem do estado de torpor: começa en-tão o roc-roc-roc dos machos à pro-cura das fêmeas para o acasalamento.As Proceratophrys machos cantam emuníssono e criam um som forte quemesmo as fêmeas mais distantes con-seguem escutar. Não se pode perdertempo: é preciso reproduzir-se e ali-mentar-se com rapidez, antes que aépoca das chuvas termine e a seca voltea assolar o sertão. •

Fugindo da seca: a jia-de-parede

passa meses escondida (à esquerda), protegend0-se

com sua cabeça cheia de espinhos (no detalhe).

Só reaparece com as primeiras chuvas do ano

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onaldo de Sou-za e DimitriGadotti, astrô-nomos da Uni-versidade de SãoPaulo (USP),

dispuseram-se nos últimos cinco anosa investigar como e quando se forma-ram as galáxias.Hoje não têm todas asrespostas,claro,mas conseguem expli-car melhor a formação e o desenvolvi-mento de cerca de um terço do 1 bilhãode galáxias existentes no Universo.Aobservação de quase uma centena des-ses aglomerados de estrelas,aliada àperspicácia de recorrer a um antigoteorema da mecânica clássica,permitiuaos dois astrônomos elaborar um pro-grama de computador que calcula aidade e as dimensões de estruturas pe-culiares de galáxias similares à Via Lác-tea,que abriga o Sistema Solar.Souza eGadotti constataram que essas estrutu-ras com a forma aproximada de retân-gulos – ou barras – podem ser relativa-mente recentes ou,nos casos extremos,quase tão antigas quanto as própriasgaláxias chamadas de barradas.São asbarras,como eles verificaram,que ali-mentam a região central dessas galá-xias com poeira e gás que formarão no-vas estrelas.O modelo matemático quecriaram está ajudando a reclassificar atémesmo outros tipos de galáxias.

ASTRONOMIA

R As galáxias barradas são similares àVia Láctea,classificada como gal áxiaespiral,porque tamb ém apresentamcentenas de milhões de estrelas na re-gião central em forma de esfera – o nú-cleo – e outras centenas de milhões dis-persas em um fino disco de gás e poeirasemelhante a um redemoinho cósmi-co. Uma característica das barradas éque,naquela faixa luminosa em formade retângulo,a densidade de estrelas émaior que no disco,mas inferior à donúcleo, também chamado de bojo.

Uma série de estudos teóricos atri-buía às barras o papel de fermento ga-láctico.Formadas em regi ões de maiorconcentração de estrelas no disco,es-sas estruturas crescem como um pãono forno,mas muito lentamente – ematé bilhões de anos. À medida que setornam mais espessas que o disco,asbarras alimentam o bojo das galáxiascom poeira e gás, matérias-primas pa-ra a produção de estrelas,contribuindopara o acúmulo de matéria no núcleo.Mas esse era um panorama construídoa partir de simulações em computador.Faltavam dados de observação diretapara confirmar se o comportamento doCosmo era mesmo esse. “Cinco anosatrás,quase nada se sabia sobre a idade,as dimensões e a evolução das barras”,comenta Souza,coordenador dessa li-nha de estudos que integra um projeto

Regiões mais adensadas de galáxias similares à Via Láctea fornecem gás e poeirapara a formação de outras estrelas

Fermento cósmico

CIÊNCIA

temático sobre a evolução de galáxias,conduzido por Sueli Viegas,do Institu-to de Astronomia,Geof ísica e CiênciasAtmosféricas (IAG) da USP.

Os primeiros sinais de que o mode-lo estava certo surgiram em 2001.Emparceria com a astrônoma Sandra dosAnjos, também do IAG,Gadotti anali-sou imagens de 257 galáxias espirais.Constatou que realmente há uma con-centração maior de estrelas jovens nobojo das galáxias barradas – como aNGC 4314 à direita – do que no núcleodaquelas sem barra.Era um ind ício deque as barras alimentam a região cen-tral dessas galáxias,uma vez que as es-trelas em geral se formam em regiõesdistantes dali,no disco.

Medidor de galáxias - Com o auxílio deum telescópio no hemisfério Norte ede outro no hemisfério Sul,os astr ô-nomos da USP observaram as carac-terísticas de 14 galáxias que aparecemno céu próximas à projeção da linha doEquador,o chamado Equador Celeste.Ao longo de dez noites de 1999,2000 e2002,Souza e Gadotti registraram empontos do disco,da barra e do bojo decada galáxia a média das velocidadescom que as estrelas se deslocam,apro-ximando-se ou se afastando do obser-vador em Terra – medida conhecidacomo dispersão de velocidades.Desco-

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SPbriram que, no disco, as estrelas se mo-

vimentam a velocidades que, em mé-dia, variam de 5 a 20 quilômetros porsegundo (km/s), enquanto esses valoressão próximos a 100 km/s no bojo.

Foram essas medidas que permiti-ram aos pesquisadores estimar a idadedas barras. “Identificamos barras bas-tante jovens, formadas há 1 bilhão deanos, e outras mais evoluídas, quasetão antigas quanto as próprias galáxias,formadas cerca de 10 bilhões de anosatrás”, afirma Gadotti, atualmente no la-boratório da astrônoma grega Lia Atha-nassoula, no Observatório Astronômicode Marselha-Provença, na França. Iso-lados, porém, esses dados eram insufi-cientes para determinar a espessura e otempo de formação dessas estruturas.

Para definir a espessura das barras,os astrônomos recorreram a um antigoteorema da mecânica clássica – o Teo-rema de Virial, proposto em 1870 pelofísico alemão Rudolf Clausius –, pormeio do qual associaram a dispersãodas velocidades das estrelas à massadas diferentes regiões das galáxias. Feitosos cálculos, concluíram: a formaçãodas barras dura de 1 a 2 bilhões de anos,quando elas atingem sua espessura má-xima, correspondente a duas ou trêsvezes à do disco. Em uma galáxia bar-rada com a dimensão da Via Láctea, aespessura do disco seria de cerca de 9,5

quatrilhões de quilômetros e a da barra,de 19 a 27 quatrilhões de quilômetros –o tripulante de uma nave capaz de via-jar a velocidades próximas à da luz le-varia entre 19 mil e 27 mil anos parapercorrer a espessura da barra. Tambémobservaram que essas barras podemdesaparecer e depois ressurgir, numprocesso cíclico que alimenta continua-mente o bojo da galáxia.

Novas formas - Outro achado surpreen-dente: duas galáxias com uma barrabastante desenvolvida, mas sem o discoque a teria originado – uma estruturainusitada. Uma avaliação mais deta-lhada revelou que, na realidade, a re-gião interna do disco havia desapareci-do, restando apenas seu resquício: umanel que envolvia a barra e o bojo. Ain-da não existe uma explicação consen-sual para a ausência de disco. Em umartigo publicado no Astrophysical Jour-nal em 2003, Souza e Gadotti propu-seram duas possibilidades: ou essas ga-láxias são exemplos extremos em que aformação da barra consumiu quasetodo o disco, ou estariam envoltas emum halo ligeiramente achatado deuma forma de matéria que não emiti-ria luz e, portanto, não poderia ser ob-servada pelos telescópios – a chamadamatéria escura. “Testamos o modeloda matéria escura e constatamos que o

halo com forma elíptica pode induzirà formação das barras mesmo sem aexistência do disco”, explica Gadotti.

O programa de computador que ele,Souza e Sandra criaram deve tambémfacilitar a vida dos astrônomos que sededicam à classificação das galáxias se-gundo sua forma. Esse método, criadopelo astrônomo Edwin Hubble em1926, separa as galáxias em dez catego-rias, que incluem das esferóides, combojo semelhante a uma esfera perfeita esem disco, às elípticas e às espirais comou sem barras. Chamado Budda (siglaem inglês para Análise da Decomposi-ção Bojo/Disco), o programa usa equa-ções desenvolvidas pela equipe do IAGpara analisar 11 parâmetros relacio-nados à luminosidade e à geometriado disco e do bojo da galáxia – antesobservavam-se só três parâmetros. Noprimeiro teste foram examinadas ima-gens de 51 galáxias observadas no La-boratório Nacional de Astrofísica, emMinas Gerais. E o Budda impressionouao identificar estruturas ocultas – comodiscos que não podiam ser observadosou a existência de barras secundárias –e detectar incorreções na classificaçãode 15 galáxias. Estima-se que de 10% a15% das galáxias estejam classificadasem categorias erradas. •

Sementes de estrelas:faixa luminosa de poeira e

gás alimenta a regiãocentral da galáxia NGC 4314

RICARDO ZORZETTO

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Page 56: Reforma política pra quê?

O Comitê Consultivo SciELO Brasil aprovou o pedido de inclusão de quatro novos títulos que, em breve, estarão disponíveis no site SciELO Brasil. Em Ciências Biológicas entrou Entomologia y Vectores e, em Ciências Humanas, Kríteríon: Revista de Filosofia, RAE Eletrônica e Revista Brasileira de Educação. Informação complementar sobre o processo de seleção e avaliação de periódicos da coleção SciELO Brasil pode ser acessada a partir do endereço: www.scielo.br/avaliacao/ avaliacao_pt.htm

Biblioteca de

Revistas Científicas

disponível na internet www.scielo.org

Notícias

História

Paixão pela ciência

A relevância do arquivo de Carlos Chagas Filho para os estudos da his- tória da ciência no século 20 é o mote do artigo "Ciência, política e paixão: o arquivo de Carlos Chagas Filho", de Ana Luce Girão Soares de Lima, Francisco dos Santos Lourenço e Ricardo Augusto dos San- tos, da Casa de Oswaldo Cruz (COC), e Cecília Chagas de Mesquita e Leonardo Arruda Gon- çalves, da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro. O estudo tem como base docu- mentos referentes às instituições em que Chagas Filho atuou, tais como a Organização das Na- ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cul- tura (Unesco) e a Academia Pontifícia de Ciên- cias do Vaticano, além daquelas em que ele foi o criador, como o Instituto de Biofísica da Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A intenção desse trabalho é resgatar facetas da trajetória do cientista dentro dos processos de formulação de políticas públicas de desenvolvi- mento e valorização da prática científica no Brasil e no exterior. "Vivemos um período em que, com a valorização da história cultural, os pesquisadores debruçam-se cada vez mais so- bre as biografias, entendidas não apenas como um gênero literário, mas também como aque- las que nos são descortinadas pelos arquivos, esses nossos velhos conhecidos", afirmam os pesquisadores. O estudo defende que um ar- quivo pessoal está longe de ser uma biografia, mesmo porque lhe falta a retórica, inerente ao trabalho do historiador, ou o estilo literário do escritor. "Entretanto, não pode ser tratado como um mero vestígio à espera de quem lhe dê sentido, pois é rico portador de uma infini- dade de registros, a verdadeira dimensão mate- rial da memória." Chagas Filho nasceu no Rio de Janeiro em 12 de setembro de 1910. Médico, formado pela Faculdade de Medicina da Uni- versidade do Rio de Janeiro, teve como lega- do uma fortíssima herança científica, carregada até mesmo no nome. Dentre os grandes blocos

temáticos presentes no arquivo, destacam-se: a fundação do Instituto de Biofísica em 1945, ma- triz para a elaboração de uma política científi- ca no Brasil, e as pesquisas com o peixe-elétrico ou poraquê, Electrophorus electricus, e o curare, substância com ação farmacológica comprova- da, extraída de várias espécies de vegetais, am- bos originários da região Amazônica.

HISTóRIA, CIêNCIAS, SAODE-MANGUINHOS - VOL. 12 - N° 1 - Rio DE JANEIRO - JAN./ABR. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soi04- 5970200500oioooio&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Educação

Análise crítica da psiquiatria

A alegria de passar na residência médica de psiquiatria talvez seja comparável, em intensida- de, ao desespero sentido pelo residente quando se dá conta da quantidade de informação que o espera. E pior: terá apenas dois anos para ab- sorver tudo. "É difícil entender como uma das especialidades que mais crescem com a medici- na pode ser assimilada em tão curto período de tempo", dizem os autores do artigo "Residência em psiquiatria no Brasil: análise crítica", Bruno Coelho, Marcus Zanetti e Francisco Lotufo Ne- to, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). "A psiquiatria evoluiu mui- to nas últimas décadas e seu estudo tornou-se, conseqüentemente, mais complexo", explica o es- tudo. "Os avanços em neurociências, aliados aos estudos clássicos de psicopatologia, psicofar- macologia, psicoterapia e neurologia, influen- ciaram grandemente o diagnóstico e o trata- mento psiquiátricos. Apesar disso, a residência em psiquiatria no Brasil não se adequou a essa nova realidade", apontam os pesquisadores. Par- tindo das recomendações da World Psychiatry Association (WPA), o artigo compara diversos programas de residências brasileiros com os de países das Américas e Europa. A idéia foi pro- por um currículo mínimo para a residência em psiquiatria no Brasil. Segundo o estudo, alguns pontos se destacam na maioria dos programas pesquisados. Entre eles: duração mínima de três anos, estágio integral em neurologia por no mínimo um mês, ensino e prática das diversas

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Page 57: Reforma política pra quê?

linhas psicoterápicas e abrangência das várias etapas da vida (crianças, adultos e idosos). "Porém, o modelo brasileiro de residência em psiquiatria encontra-se de- fasado em relação à formação proposta pela WPA. A residência necessita, respeitando as diferenças regio- nais de cada escola, prover o mínimo para uma boa formação do psiquiatra", citam os autores. Levando em consideração as atuais limitações do modelo pedagó- gico e curricular, o artigo propõe uma reestruturação dos programas de residência médica em psiquiatria no Brasil, a começar pelo tempo de formação mínimo exigido. "A especialização é fruto do desenvolvimento, mas, como o paciente é um todo, é necessária a inte- gração. Para isso é preciso tempo."

REVISTA DE PSIQUIATRIA DO RIO GRANDE DO SUL - VOL.

27 - N° 1 - PORTO ALEGRE - JAN./ABR. 2005

www.scielo.br/scielo.ph p?script = sci_a rttext&pid = Soioi-

8io820050ooioooo2&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Protocolo

Combate à desnutrição infantil

Avaliar a evolução antropométrica, terapia nutricio- nal e mortalidade de crianças desnutridas hospitali- zadas em um centro de referência da cidade de São Paulo. Este foi o objetivo do estudo "Tratamento da desnutrição em crianças hospitalizadas em São Paulo". "Tem sido observada uma significativa redução na prevalência da desnutrição energético-protéica em di- versas partes do mundo, incluindo o Brasil. Apesar dis- so, tal doença ainda se configura como importante problema de saúde pública, especialmente em crianças menores de 5 anos", apontam os pesquisadores. Por conta disso, o estudo retrospectivo avaliou 98 prontuá- rios de crianças desnutridas, sem doença crônica asso- ciada. Foram coletadas informações como diagnós- tico e tempo de internação, tipo, via e tolerância da dieta, além de peso e estatura na internação e na alta. O artigo alerta para os elevados índices de letalidade, inalterados nas últimas décadas, ocorrendo especial- mente nas formas graves de desnutrição. "Uma das causas prováveis para esse fato reside no desconheci- mento dos profissionais de saúde com relação à fisio- patologia da desnutrição energético-protéica (DEP) grave. E, conseqüentemente, a instituição aplica terapias inadequadas que resultam em sérias complicações lo- go nos primeiros dias da internação hospitalar, culmi- nando com a morte." Tendo em vista a necessidade de atualização e adequada capacitação dos profissionais de saúde envolvidos na assistência a crianças grave- mente desnutridas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou e divulgou, em 1999, um manual com essa finalidade. "O protocolo da OMS é efetivo no tratamento de crianças gravemente desnutridas, pro- piciando recuperação nutricional satisfatória com bai- xo índice de letalidade", conclui o estudo. Experiências positivas dessa redução já foram observadas em re-

giões como Bangladesh, África do Sul e Brasil. Segun- do o artigo, a facilidade de implantação deste protoco- lo, que pode ser efetuado em cerca de uma semana, jus- tifica sua utilização em larga escala.

REVISTA DA ASSOCIAçãO MéDICA BRASILEIRA - VOL. 51 - N° 2 - SãO PAULO - MAR./ABR. 2005

www.scielo.br/scielo. prip?script=sci_arttext&pid=Soio4-

423020050oo20ooi8&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Agronegócio

Os poderes da soja

O consumo de soja tem sido associado à redução do risco de doenças crônicas. As isoflavonas, compostos fenólicos encontrados na soja, estão envolvi- das em atividade anti- carcinogênica, redução da perda de massa ós- sea e diminuição do colesterol do sangue. O artigo "Isoflavonas em produtos comerciais de soja" mostra que no Brasil, o segundo produtor mundial de soja, cerca de 70% do farelo de soja é destinado à ex- portação e os 30% restantes utilizados em ração ani- mal. Com o crescente aumento da procura por alimen- tos à base de soja no país, diversos produtos têm sido lançados no mercado e pouco se conhece quanto à presença e a concentração das isoflavonas. Por conta disso, o estudo, assinado por Silvana Favoni e Adelaide Beléia, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), e Mercedes Panizzi e José Mandarino, ambos do Centro Nacional de Pesquisa da Soja (Embrapa Soja), procu- rou identificar a concentração de isoflavonas em pro- dutos à base de soja produzidos no Brasil. Foram ana- lisados cinco tipos de farinha de soja, quatro tipos de proteínas texturizadas, dois extratos hidrossolúveis em pó e quatro tipos de formulados infantis. A distribui- ção do teor total de isoflavonas nos produtos analisa- dos variou em função das condições de processamen- to, sendo a temperatura durante o desenvolvimento do grão o fator mais importante. Em farinha de soja e em proteína texturizada, por exemplo, predominaram os compostos malonil-conjugados, enquanto em ex- tratos hidrossolúveis e formulados infantis predomi- naram os b-glicosídeos. Em formulados infantis à base de soja, o teor de agliconas foi proporcionalmente su- perior ao apresentado pelas farinhas analisadas.

CIêNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS - VOL. 24 - N° 4 - CAMPINAS - OUT./DEZ. 2004

www.scie lo.br/scielo. php?scri pt=sci_arttext&pid=Soioi-

2o6i200Z)0004oooi7&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 59

Page 58: Reforma política pra quê?

I TECNOLOGIA

■ Um laptop barato e revolucionário

O laptop popular, de US$ 100, que seria capaz de revolucio- nar o ensino público em paí- ses pobres, ainda não existe. Mas o idealizador da versão supereconômica de um PC portátil, Nicholas Negropon- te, fundador e coordenador do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), não se cansa de procurar parceiros de peso dispostos a abraçar a idéia. Sobretudo os governos de países em desenvolvimen- to, como a China e a índia, que, em tese, poderiam com- prar milhões de máquinas para seus alunos e, assim, dar economia de escala ao proje- to. No final de junho, Negro- ponte esteve no Brasil, onde foi recebido pelo presidente Lula. O professor norte-ame- ricano, que lançou o projeto do laptop popular em janeiro

passado, durante o Fórum Mundial Econômico na cida- de suíça de Davos, explicou como seria o microportátil e propôs ao governo brasilei- ro a aquisição de 1 milhão de unidades da engenhoca para uma experiência piloto. En- quanto o Brasil e outros gi- gantes subdesenvolvidos não respondem se aderem ou não à iniciativa, os pesquisadores do MIT garantem que a tec-

nologia para construir o PC de US$ 100 já está disponível. Sem fios e com conexão para celulares, o laptop popular, segundo Negroponte, não te- ria "gorduras", mas faria qua- se tudo o que um laptop bem mais caro faz. Somente sua capacidade de armazenar da- dos seria bem menor do que a dos micros atuais. Seu disco rígido teria cerca de 1 gigaby- te, pouco mais do que o con-

Eficiência com eletrônica simples e pouca memória

teúdo de um CD-ROM. Essa característica, no entanto, não afetaria o desempenho da máquina, que viria equipada com um microprocessador de 500 megahertz (MHz). Sua tela de 12 polegadas cus- taria no máximo US$ 25 e usaria uma forma alternativa - e barata - de projetar ima- gens. Apenas programas de uso livre e gratuito seriam usados no laptop. •

■ Papel eletrônico flexível e colorido

A empresa japonesa Fujitsu desenvolveu um papel eletrô- nico flexível e colorido que possui memória para arma- zenar as imagens mostradas. O novo papel, que funciona com baixo consumo de ener- gia elétrica, constitui-se de um filme de polímero super- fino, formado por três cama- das nas cores vermelha, azul e verde e recoberto com circui-

60 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP114

Page 59: Reforma política pra quê?

Hidrogênio no ar As pesquisas para uso de hidrogênio nos motores de aviões começam a crescer. A primeira foi a Boeing, que anunciou os primeiros estudos de células a combustível nas turbinas dos aviões. Esses geradores semelhantes a bateria de carros transformam hidrogênio e oxigênio em energia elétrica produzindo menos poluição, além de serem mais silencio- sos e mais eficientes, como mostram as provas de quase to- das as montadoras de automóveis que testam esse equi- pamento. Agora foi a vez da empresa norte-americana AeroVironment, que construiu e testou com sucesso um avião não-tripulado com 15 metros de envergadura chama- do de Global Observer Hale. O protótipo da empresa fun- ciona com hidrogênio líquido, embora a empresa não re- vele se o propulsor é uma célula a combustível. Isso provavelmente acontece porque o avião faz parte de um projeto confidencial e poderá ser usado pelo governo nor- te-americano em missões militares. Mas o equipamento, que poderá voar na altitude de 19 quilômetros, também servirá para monitorar furacões, tempestades, incêndios florestais e áreas de agricultura e pecuária, além de fazer imagens aéreas. •

tos eletrônicos. Ao anunciar a nova tecnologia, a empresa informou que, como não é necessário o uso de filtros de cores, elas são reproduzidas de maneira mais intensa que nas telas convencionais de cristal líquido. Entre as apli- cações previstas para o novo papel, que a empresa pretende colocar no mercado até 2007, está o uso em painéis publici- tários, além de transferência de textos ou imagens de tele- fones celulares ou outros dis- positivos portáteis para telas

maiores, sem a necessidade de cabos. Outras aplicações do papel eletrônico incluem os cardápios de restaurantes, cartazes em lojas e manuais. A memória desenvolvida per- mite que uma mesma ima- gem seja mostrada continua- mente, sem consumo de eletricidade. Além de superar todas as mídias utilizadas atualmente, a maioria basea- da em LEDs, ou diodos emis- sores de luz, o papel eletrôni- co também pode ser aplicado sobre superfícies curvas. •

Superfino, o novo papel eletrônico

possui memória para armazenar

imagens

BRASIL

Cores precisas no consultório

Refletor com luz fria e baixo consumo de energia

Um novo refletor desenvolvi- do para o mercado odontolo- gia), em fase final de testes, permitirá aos dentistas enxer- gar as cores exatas de dentes e gengivas. O equipamento uti- liza a tecnologia chamada LED, sigla em inglês para dio- do emissor de luz, que pro- duz uma luz totalmente bran- ca. "O LED permite revelar com bastante fidelidade o que o dentista está vendo", diz o professor Vanderlei Salva- dor Bagnato, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, que desenvolveu o novo apa- relho em parceria com a em- presa Gnatus, fabricante de equipamentos médico-odon- tológicos. As lâmpadas haló- genas usadas atualmente nos refletores dos consultórios têm uma tonalidade mais amarelada e, por isso, dificul- tam a visualização. Como o diodo emissor tem um prin- cípio de produção de luz di- ferente da lâmpada de fila- mento, ele não emite calor e, portanto, não causa descon-

forto ao paciente. Outra van- tagem é que, como se trata de uma luz fria, é baixo o consu- mo de energia, sem contar que a lâmpada tem uma vida útil muito maior. •

■ Prêmio incentiva a inovação

A Siemens lançou a primeira edição do Prêmio Werner von Siemens de Inovação Tecno- lógica, para comemorar os cem anos em que está instala- da no Brasil. A iniciativa abre espaço para projetos de estu- dantes e pesquisadores das áreas de telecomunicações, tecnologia da informação, automação e controle, geração, transmissão e distribuição de energia, soluções eletromédi- cas, transporte metroferroviá- rio, iluminação e técnica au- tomotiva, as mesmas em que a empresa atua. Os primeiros colocados receberão R$ 15 mil e um troféu. As inscrições, que se encerram no dia 2 de se- tembro, podem ser feitas pelo site www.siemens.com.br. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 61

Page 60: Reforma política pra quê?

Hidrogênio no ar As pesquisas para uso de hidrogênio nos motores de aviões começam a crescer. A primeira foi a Boeing, que anunciou os primeiros estudos de células a combustível nas turbinas dos aviões. Esses geradores semelhantes a bateria de carros transformam hidrogênio e oxigênio em energia elétrica produzindo menos poluição, além de serem mais silencio- sos e mais eficientes, como mostram as provas de quase to- das as montadoras de automóveis que testam esse equi- pamento. Agora foi a vez da empresa norte-americana AeroVironment, que construiu e testou com sucesso um avião não-tripulado com 15 metros de envergadura chama- do de Global Observer Hale. O protótipo da empresa fun- ciona com hidrogênio líquido, embora a empresa não re- vele se o propulsor é uma célula a combustível. Isso provavelmente acontece porque o avião faz parte de um projeto confidencial e poderá ser usado pelo governo nor- te-americano em missões militares. Mas o equipamento, que poderá voar na altitude de 19 quilômetros, também servirá para monitorar furacões, tempestades, incêndios florestais e áreas de agricultura e pecuária, além de fazer imagens aéreas. •

tos eletrônicos. Ao anunciar a nova tecnologia, a empresa informou que, como não é necessário o uso de filtros de cores, elas são reproduzidas de maneira mais intensa que nas telas convencionais de cristal líquido. Entre as apli- cações previstas para o novo papel, que a empresa pretende colocar no mercado até 2007, está o uso em painéis publici- tários, além de transferência de textos ou imagens de tele- fones celulares ou outros dis- positivos portáteis para telas

maiores, sem a necessidade de cabos. Outras aplicações do papel eletrônico incluem os cardápios de restaurantes, cartazes em lojas e manuais. A memória desenvolvida per- mite que uma mesma ima- gem seja mostrada continua- mente, sem consumo de eletricidade. Além de superar todas as mídias utilizadas atualmente, a maioria basea- da em LEDs, ou diodos emis- sores de luz, o papel eletrôni- co também pode ser aplicado sobre superfícies curvas. •

Superfino, o novo papel eletrônico

possui memória para armazenar

imagens

BRASIL

Cores precisas no consultório

Refletor com luz fria e baixo consumo de energia

Um novo refletor desenvolvi- do para o mercado odontolo- gia), em fase final de testes, permitirá aos dentistas enxer- gar as cores exatas de dentes e gengivas. O equipamento uti- liza a tecnologia chamada LED, sigla em inglês para dio- do emissor de luz, que pro- duz uma luz totalmente bran- ca. "O LED permite revelar com bastante fidelidade o que o dentista está vendo", diz o professor Vanderlei Salva- dor Bagnato, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, que desenvolveu o novo apa- relho em parceria com a em- presa Gnatus, fabricante de equipamentos médico-odon- tológicos. As lâmpadas haló- genas usadas atualmente nos refletores dos consultórios têm uma tonalidade mais amarelada e, por isso, dificul- tam a visualização. Como o diodo emissor tem um prin- cípio de produção de luz di- ferente da lâmpada de fila- mento, ele não emite calor e, portanto, não causa descon-

forto ao paciente. Outra van- tagem é que, como se trata de uma luz fria, é baixo o consu- mo de energia, sem contar que a lâmpada tem uma vida útil muito maior. •

■ Prêmio incentiva a inovação

A Siemens lançou a primeira edição do Prêmio Werner von Siemens de Inovação Tecno- lógica, para comemorar os cem anos em que está instala- da no Brasil. A iniciativa abre espaço para projetos de estu- dantes e pesquisadores das áreas de telecomunicações, tecnologia da informação, automação e controle, geração, transmissão e distribuição de energia, soluções eletromédi- cas, transporte metroferroviá- rio, iluminação e técnica au- tomotiva, as mesmas em que a empresa atua. Os primeiros colocados receberão R$ 15 mil e um troféu. As inscrições, que se encerram no dia 2 de se- tembro, podem ser feitas pelo site www.siemens.com.br. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 61

Page 61: Reforma política pra quê?

LINHA DE PRODUçãO DRASIL

A prova da economia

^^^^ÍB

1 ■SaànÇ-

Wlackenzie, com o Evolution (à esq.), ficou em primeiro na pista da GM, e a UFMG, com o CEA M-i, em segundo

É difícil imaginar um car- ro capaz de percorrer 396,5 quilômetros com apenas 1 litro de gasolina. O de- safio de projetar um veí- culo tão econômico foi vencido por estudantes de engenharia mecânica da Universidade Macken- zie, com o projeto Evolu- tion, coordenado pelo professor José Pucci. A equipe vencedora da Ma- ratona da Economia para Carros, realizada no mês de julho no campo de pro- vas da General Motors, em Indaiatuba, no interior de São Paulo, concorreu com outros 12 grupos, repre- sentantes de oito institui- ções de ensino superior. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), segunda colocada, levou para a pista o protótipo CEA M-l, que atingiu a marca de 227,6 quilôme- tros por litro. O terceiro lugar coube ao protótipo Revolution, também do

Mackenzie, com 186,5 qui- lômetros. A prova consiste de quatro voltas na pista circular de 4.300 metros, no total de 17.200 metros, com um tanque abasteci- do com 200 mililitros de gasolina. Na direção, pi- lotos com estatura média de 1,45 metro e peso má- ximo de 45 quilos. Com- pletado o percurso, os tanques são removidos e o combustível restante é pesado em uma balança de precisão. Com base nes- ses dados, é feita uma pro- jeção de quanto o veículo percorreria com 1 litro de gasolina. Esta é a segun- da edição da prova, reali- zada pela primeira vez em 2004 e vencida também pelo Mackenzie. "O car- ro, feito com fibra de vi- dro e alumínio, foi monta- do com pneus de bicicleta de 26 polegadas, com pres- são bastante alta para di- minuir a resistência ao ro- lamento", diz Pucci. •

■ Simbiose entre pessoas e máquinas

Dentro de um museu os visi- tantes correm os olhos sobre uma pintura ou escultura e imediatamente recebem infor- mações relacionadas à obra que podem ser compartilha- das e debatidas com outras pessoas que se encontrem a quilômetros de distância, pois elas podem ver e ouvir a mes- ma coisa. Para adentrar esse cenário futurista basta colo-

Capacete capta imagens

car um capacete, equipado com duas câmeras e dois mi- crofones, que captam imagens e sons. Os dados são proces- sados e transmitidos por um laptop carregado em uma mo- chila pelo usuário que está presente no museu. No pro- tótipo desenvolvido no pro- jeto de doutorado de Glauco Todesco, do Laboratório de Sistemas Integrados (LSI) da Escola Politécnica da Univer- sidade de São Paulo (USP), ele é carregado em uma mochila pelo usuário. "Informações relacionadas à obra, como mapas indicativos de outras obras do mesmo artista, apa- recem projetadas na tela de óculos especiais usados pelo usuário", diz Todesco. O siste- ma, chamado de simbiose di- gital, possibilita explorar no- vas formas de interação entre homens e máquinas e pode também ser configurado para vários tipos de espectadores, com informações adaptadas a públicos específicos. Um pro- fessor, por exemplo, teria aces-

62 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

Page 62: Reforma política pra quê?

so a um conteúdo diferente do destinado a uma criança. Essa aplicação está sendo es- tudada pela Petrobras, para ser utilizada nas plataformas de extração de petróleo. Dessa forma, o técnico especializa- do em manutenção não pre- cisa se deslocar até alto-mar, em locais de difícil acesso. •

■ Caça a vírus de computadores

Um laboratório criado espe- cialmente para analisar vírus desenvolvidos na América La- tina, que infectam os compu- tadores de empresas e usuários comuns, foi inaugurado no mês de julho pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e pela empresa Hauri do Bra- sil, subsidiária da sul-coreana Hauri, especializada no desen- volvimento de softwares de se- gurança. Qualquer pessoa que tenha um arquivo suspeito po- derá acessar o sfewww.labora- torioantivirus.com.br, preen-

cher o cadastro e enviá-lo pa- ra que seja analisado, sem cus- to algum. Uma rede fechada e isolada da internet, composta por oito máquinas, vai rodar os arquivos e verificar os efei- tos causados. O acesso às ins- talações do laboratório, que fica dentro do IPT, na Cidade Universitária, em São Paulo, será restrito exclusivamente aos pesquisadores, para evitar

que os arquivos com vírus se espalhem para outros com- putadores. •

■ Apoio para empresa de base tecnológica

O Inovar Semente, programa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vai investir R$ 300 milhões em empresas nascentes de base tecnológica.

O programa prevê a criação de 25 fundos de capital semente em todo o Brasil, cada um com montante inicial de R$ 12 mi- lhões. E pretende apoiar cerca de 340 empreendimentos em seis anos. A proposta é que os fundos sejam organizados por cidades, privilegiando aquelas com vocação tecnológica. O Rio de Janeiro e São Paulo te- rão seus fundos, mas também Santa Rita do Sapucaí (MG), Petrópolis (RJ), São José dos Campos (SP), Campinas (SP), Campina Grande (PB), Lon- drina (PR), Caxias do Sul (RS), São Carlos (SP), entre outras. Cada fundo vai apoiar entre 12 e 15 empresas, com investimentos entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. Os recursos têm como objetivo viabilizar a construção de protótipos e a contratação de executivos, entre outras ações necessárias para empresas em estágio pré- operacional, muitas das quais se encontram em incubado- ras e universidades. •

Patentes

Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: [email protected]

Limpeza com ultra-som

Desenvolvimento de um transdutor bifreqüencial para sistemas de limpeza u- ltra-sônicos. Esse dispositi- vo converte energia elétrica em energia mecânica na forma de ultra-som, em fre- qüências inaudíveis para o ouvido humano. Emitido pelo transdutor num líqui- do, o ultra-som induz o fe- nômeno da cavitação, que gera diferenças de pressões e temperaturas capazes de promover a limpeza de su-

jeiras em instrumentos la- boratoriais, equipamentos de dentistas e de médicos- cirurgiões. Também podem ser usados na área industrial, na limpeza de placas eletrô- nicas e de peças automobilís- ticas. A novidade desenvolvi- da no Grupo de Cerâmicas Ferroelétricas do Departa- mento de Física da Univer- sidade Federal de São Carlos (UFSCar) tem como inova- ção a geração de duas fre- qüências de ultra-som, 25

kilohertz (kHz) e 40 kHz, com um único transdutor. A maioria dos equipamen- tos existentes no mercado apresenta apenas uma fre- qüência, o que limita a fai- xa de tamanho de partícu- las que são eficientemente removidas pelo ultra-som. O aparelho multifreqüen- cial de limpeza que será de- senvolvido para o mercado terá os mesmos custos de produção dos existentes atualmente.

Título: Transdutor

ultra-sônico de potência

tipo Langevin

bifreqüencial otimizado

para operar nos modos

de ressonância

lambda/2 e lambda

para aplicações

em sistemas de limpeza

por ultra-som

Inventores: José Antônio

Eiras e Antônio

Henrique Alves Pereira

Titularidade: UFSCar

e FAPESP

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 63

Page 63: Reforma política pra quê?

a tela de uma televisão nomeio de um laboratório api-nhado de lasers microscó-pios e computadores, é pos-sível ver uma hemácia, acélula vermelha do sangue,

sendo esticada, e até um parasita vivo, o protozoárioLeishmania amazonensis, que provoca a doença leish-maniose, se debatendo para escapar de uma armadilhainvisível que o impede de continuar se movimentandoem uma placa de cultura de microorganismos. O quefaz esticar a hemácia e prender o microorganismo uni-celular são feixes invisíveis de laser que trabalham co-mo pinças ópticas. Um equipamento montado noInstituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp) usa essaspinças num trabalho que está em desenvolvimento des-de o início da década de 1990. A mais recente inovaçãodo Laboratório de Aplicações Biomédicas de Lasers doinstituto foi unir a pinça óptica com um sistema deespectroscopia para análise de proteínas, lipídios, ami-noácidos, cálcio e outras substâncias químicas existen-tes em células e em microorganismos. Tudo isso como

Espectros da vidaPesquisadores unem pinça óptica e espectroscopia para facilitar os estudos em células vivas

MARCOS DE OLIVEIRA

BIOFOTÔNICA

TECNOLOGIA

N

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Page 64: Reforma política pra quê?

EDU

AR

DO

CES

AR

se fosse um filme e com as análises sendo realizadasem tempo real nos organismos vivos capturados e semexendo.

A diferença com os sistemas atuais de espectros-copia é comparável a uma fotografia que congela umdeterminado momento, enquanto o filme mostra oprocesso ao longo de um determinado tempo. “Nos-sa intenção foi juntar pinça óptica, lasers e espectros-copia para que vários tipos de análise sejam realizadosde forma simultânea sem destruir o material analisa-do”, diz Carlos Lenz Cesar, coordenador do grupo quedesenvolve as pinças ópticas. Ele descobriu a pinça óp-tica por meio do seu criador, o físico Arthur Ashkin,quando fazia pós-doutorado nos laboratórios Bell daempresa de telecomunicações AT&T, no período 1988a 1990, nos Estados Unidos. Os trabalhos com arma-dilhas ópticas começaram no início dos anos 1970.No início, Ashkin usava o laser para movimentar e es-tudar partículas sólidas, primeiro com microesferas delátex e depois com átomos. Os primeiros estudos commaterial biológico em nível celular também foramfeitos por Ashkin com a bactéria Escherichia coli e he-mácias e publicados em 1987 na revista Nature.

Ao lado, nanocristais quantum

dots dissolvidos em água. Abaixo, protozoário Leishmania fluorescente pela acão dos quantum dots

e por feixes de laser

O sistema de espectroscopia vem complementarcom sua capacidade de microanálise as propriedadesmecânicas de manipular microorganismos e célulasvivas da pinça óptica. Dessa forma, a força de adesãoentre um parasita e a superfície de uma célula no exa-to momento da infecção pode ser observada tanto doponto de vista mecânico quanto bioquímico. Outrosexemplos de medidas mecânicas com pinças ópticassão a análise de forças de impulsão dos microorganis-mos, a viscosidade de fluidos e a elasticidade de mem-branas celulares.

O trabalho de junção da espectroscopia com apinça óptica fez parte da tese de doutorado da físicaAdriana Fontes e foi aceito para publicação na revistaPhysical Review E. O trabalho também rendeu umapremiação de melhor pôster apresentado no Congres-so Photonics West, nos Estados Unidos, que reuniu,em janeiro deste ano, 15 mil participantes das áreasde fotônica e biofotônica. Adriana, hoje pós-douto-randa no IFGW, trabalha há oito anos, desde a inicia-ção científica, com lasers no mesmo laboratório e estávinculada, como toda a equipe do professor Lenz, aoCentro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, um dos dezCentros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) fi-nanciados pela FAPESP.

Na prática, os pesquisadores uniram um micros-cópio óptico convencional, que possui uma câmerade vídeo acoplada e é usado para observação de mi-croorganismos, com um espectrômetro instalado aolado desse instrumento clássico de laboratório. A pin-ça consiste de um feixe de laser focalizado pela obje-tiva em um ponto da imagem. Pela tela do monitor épossível observar partículas sendo aprisionadas nofoco do laser e movidas com grande precisão, sem da-nos celulares. O feixe de laser é invísivel, operando noinfravermelho, exatamente para evitar a absorção daluz e a produção de calor, que causaria danos térmi-cos. O laser usado como pinça no IFGW é à base deneodímio, um dos elementos conhecidos como terrararas, cuja luz é emitida no comprimento de onda de1.064 nanômetros (nm). A absorção é necessária, poroutro lado, quando se deseja destruir corpúsculos oufurar paredes celulares através de um bisturi óptico.Nesse caso, os pesquisadores utilizam outro laser à basede neodímio com luz emitida na metade do compri-

IFG

W/U

NIC

AM

P

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descobrir as “assinaturas” ou “impres-sões digitais” que cada substância oumolécula emite quando interage com aluz. Uma dessas assinaturas resulta dasvibrações moleculares, cuja freqüênciadepende das massas e das forças entreos átomos de uma molécula. O resul-tado é um espectro no qual se observa aintensidade das ondas eletromagnéticasemitidas em cada freqüência. “Desco-brimos a presença de uma determinadamolécula através do pico de intensidadeda sua freqüência de vibração”, diz Lenz.

Vibrações visíveis - Como materiais bio-lógicos possuem muitas moléculas que,por sua vez, apresentam muitos picos, aidentificação das substâncias é feita pormeio de uma comparação com uma bi-blioteca de espectros. “Essas vibraçõesmoleculares também aparecem comouma modulação em um feixe espalha-do de luz vísivel e pode ser detectadapor meio da chamada espectroscopiaRaman.” Esse é um processo de espalha-mento com um fóton incidente e umfóton espalhado, mas também é possí-vel ocorrer processos com dois fótonsincidentes e um fóton espalhado, cha-mados de espalhamentos ou espectros-copia hiper Rayleigh. Processos multi-fotônicos como esses só acontecem setodos os fótons envolvidos colidiremcom a mesma partícula ao mesmo tem-po. Por isso esses processos necessitamde lasers pulsados, nos quais os fótonssão emitidos ao mesmo tempo em lu-

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mento de onda infravermelho, 532 nm,que danifica a célula apenas na regiãodesejada.

o se comportar co-mo uma partícu-la, a luz transfereimpulso sempreque o feixe lu-minoso é des-

viado ou absorvido, permitindo queum cone de raios de luz capture outrapartícula. Esse comportamento da luzfoi descoberto por Albert Einstein em1905 no estudo sobre efeito fotoelétri-co. Ele chamou essas partículas lumi-nosas de fótons (do grego photos, luz) emostrou que elas transportam energia,além de impulso. Foi com esse trabalhoque Einstein ganhou o Prêmio Nobelem 1921, e não pela famosa teoria da re-latividade.

As forças geradas por essa armadi-lha óptica são muito pequenas. Uma ex-celente pinça óptica é capaz de gerarforças com valores máximos em tornode 200 picoNewtons (pN), equivalen-te a 1 bilionésimo de 1 peso de 1 quilo.Nessas dimensões, as pinças ópticas sãocapazes de capturar partículas com ta-manhos de 40 e 50 nanômetros (1 na-nômetro é 1 milímetro dividido por 1milhão de vezes) até 20 ou 30 micrô-metros (1 micrômetro é igual a 1 milí-metro dividido por mil). Para capturarum microorganismo vivo, com forçamotora própria tentando escapar daarmadilha, uma pinça deve ser capaz defornecer, no mínimo, forças de 50 pN.Um excelente teste da qualidade de umapinça óptica é mostrar que ela é capazde capturar um espermatozóide vivo.Embora essas forças ópticas sejam mui-to pequenas, elas são da mesma ordemde grandeza das forças que atuam nascélulas e microorganismos. Por isso, apinça óptica é a ferramenta ideal paramedir intensidades de forças, além deoutras propriedades mecânicas, no uni-verso microscópico.

No âmbito da espectroscopia, o tra-balho foi realizado com várias técnicas,mas sempre com o mesmo objetivo de

gar da emissão constante de fótons doslasers contínuos.

A luz espalhada pelos processos deespectroscopia é capturada na mesmaobjetiva da pinça óptica e enviada parao espectrômetro, onde será decompos-ta e analisada para se descobrir as vibra-ções moleculares.“Assim, sabemos quaisas moléculas que estão naquela célulaou ser vivo”, diz Adriana. “É uma infor-mação química.” Com esse sistema épossível coletar os espectros de um para-sita, como o protozoário Leishmania, porexemplo,enquanto a pinça óptica o man-tém capturado em uma mesma posi-ção, mas vivo e se mexendo. Também se-ria possível acompanhar modificaçõesbioquímicas que ocorram quando outrapinça o aproximar da célula que gostade infectar.

Para espectroscopias de um fóton,como Raman, os pesquisadores utili-zaram um laser contínuo de titânio-sa-fira, cuja emissão pode ser selecionadana região do infravermelho entre 780 e1.000 nm. Já para as espectroscopiasmultifótons, utilizaram um laser de ti-tânio-safira com pulsos de duração tãocurta quanto 100 femtossegundos (fs),tempo para a luz percorrer uma distân-cia de apenas um terço do diâmetro deum fio de cabelo. Um femtossegundo éigual a 1 segundo dividido por 1 qua-trilhão de vezes.

Outra assinatura de moléculas mui-to utilizada é a fluorescência, um pro-cesso no qual certas moléculas emitem

Na pinça óptica, hemácia esticada em teste de flexibilidade por meiode feixes de laserinvisíveis.Na outra página, hemácias fluorescentes na cor vermelha por meio de quantum

dots. Ao lado,células cerebrais chamadas de gliasmarcadas por quantum dots

na cor verde

IMA

GEN

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FGW

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a UFRJ envolve estudos com neurôniose glias, que são células do cérebro, en-quanto estudos com o protozoário Leish-mania amazonensis são feitos em con-junto com o Instituto de Biologia daUnicamp. As aplicações das pinças óp-ticas na Unicamp se iniciaram na cola-boração com o Centro de Hematolo-gia, com a equipe da médica Sara Saad,para caracterizar as propriedades me-cânicas das hemácias, relacionando-ascom doenças como a anemia falcifor-me e tempo de estocagem em bancosde sangue (veja Pesquisa Fapesp nº 58).

A integração da pinça óptica comespectroscopias de um ou mais fótons ecom o uso de pontos quânticos comomarcadores unifica quase todas as téc-nicas mais modernas de biofotônica emum só sistema e abre vários novos cam-pos de pesquisa. “É um mar de possibi-lidades”, diz Lenz.“São processos bioló-gicos que podem ser observados com amanipulação em nível celular. Por exem-plo, um pesquisador norte-americanoganhou um financiamento de quaseUS$ 1 milhão para auxiliar uma indús-tria de laticínios na determinação, compinça óptica, das forças com que bacté-rias existentes no leite se ligam nas pa-redes de embalagens tipo longa-vida equanto tempo lá permanecem. Com osistema integrado, é possível observar,além das forças, quais as substânciassão liberadas no leite.” Tudo isso semmatar a bactéria ou destruir as substân-cias que se deseja estudar. •

mente, no Departamento de Químicada Universidade Federal de Pernambu-co (UFPE).

Estudo amplo - Atualmente, os traba-lhos científicos e acadêmicos levaram auma colaboração mais ampla com aUFPE, envolvendo no IFGW os profes-sores Lenz e Luiz Carlos Barbosa, alémde Selma Giorgio, da Biologia, Sara Saade Fernando Costa, do Hemocentro, to-dos da Unicamp. Na UFPE participamRicardo Ferreira e Gilberto Sá, do De-partamento de Química Fundamental,Beate Santos, da Farmácia, e Patrícia Fa-rias, da Biofísica. Também colaboram,os professores Vivaldo Moura Neto eJane Amaral, do Departamento de Ana-tomia da Universidade Federal do Riode Janeiro (UFRJ). A colaboração com

O PROJETO

Pinças ópticas e espectroscopia

MODALIDADE

Centros de Pesquisa, Inovaçãoe Difusão (Cepid)

COORDENADOR

HUGO FRAGNITO – IFGW, Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica(CePof ) na Unicamp

INVESTIMENTO

R$ 1.000.000,00 por ano para todo o CePof (FAPESP)

uma luz típica quando iluminadas porfótons com maior energia do que os fó-tons emitidos. Entretanto, como sãopoucas as substâncias com fluorescên-cia eficiente, é comum a introdução decorantes como marcadores. “O proble-ma é que esses corantes tendem a ser tó-xicos, ou citotóxicos, e a emitir luz porpouco tempo devido à fotodegradação”,diz Adriana. Uma solução para esses pro-blemas é o chamado ponto quântico, ouquantum dot, que são nanocristais desemicondutores, chamados de sulfeto,seleneto e telureto de cádmio indicadosnas aplicações biológicas. A maior van-tagem do ponto quântico em relação aoscorantes é sua grande fotoestabilidade,que permite aquisição de imagens porhoras seguidas sobre iluminação inten-sa. Além disso, apresenta citotoxicidademuito baixa. Outra grande vantagem éque o tamanho do ponto quântico con-trola a cor da fluorescência emitida porele. É possível obter fluorescência depontos quânticos de telureto de cádmio,por exemplo, em azul, verde, amarelo evermelho variando seu diâmetro entre1 e 5 nanômetros.

O grupo da Unicamp produz pon-tos quânticos desde 1989, mas em vi-dros, visando ao desenvolvimento dedispositivos ultra-rápidos para comu-nicações ópticas. O trabalho com pon-tos quânticos em soluções começou naUnicamp em 1999, inicialmente parauma comparação com pontos quânti-cos produzidos em vidro, e, simultanea-

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primeira vista,asmatérias-primasutilizadas por umgrupo de pesqui-sadores da Uni-versidade Fe-

deral de Minas Gerais (UFMG) nãopoderiam ser mais prosaicas.São ferri-tas,basicamente o mesmo tipo de com-posto metálico presente nos ímãs e usa-do há milênios pela humanidade.Há,no entanto,uma diferença fundamen-tal.A pesquisadora Nelcy Della SantinaMohallem e seus colegas do Departa-mento de Química estão usando essesvelhos conhecidos,mas em escala na-nométrica,medida equivalente a 1 mi-límetro dividido por 1 milhão de vezes.Nesse tamanho,as ferritas podem gerarmateriais e dispositivos inovadores emcampos tão diversos como a eletrônica,a química industrial e a medicina.

Nelcy explica que o principal inte-resse dos pesquisadores ao manipularas ferritas – óxidos de ferro que tam-bém podem incluir outros metais,como zinco,níquel e cobalto,em suacomposição – se deve à rapidez da res-posta das suas propriedades magnéti-cas.É por isso que,há várias décadas,os

ímãs são muito utilizados em motores,sistemas de radar e de telecomunica-ções.“Ao longo do tempo,o tamanhodos dispositivos foi diminuindo”,contaa pesquisadora.No entanto,abaixo deum certo limite,a utilização das ferritascomeça a enfrentar problemas devido àsua resistência elétrica,que limita umamaior miniaturização de equipamen-tos eletrônicos.É aí que entra a nano-tecnologia.

Nelcy e colegas como Juliana Batis-ta da Silva,do Centro de Desenvolvi-mento de Tecnologia Nuclear (CDTN),de Belo Horizonte,e Miguel Novak,daUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ),com suporte do LaboratórioNacional de Luz Síncrotron (LNLS),em Campinas,estão desenvolvendo na-nocompósitos que são materiais híbri-dos,com tamanho variando entre 5 e100 nanômetros.Eles combinam um“núcleo”de ferrita com uma matriz iner-te,que pode ser composta de sílica oualumina,por exemplo.A matriz,chama-da de densa pelos pesquisadores,criavários nanoímãs separados.“Dessa for-ma,é possível eliminar a interferência eas perdas e aumentar a resistência elétri-ca,além de produzir um acoplamento

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QUÍMICA

Novos materiais magnéticos em escala molecular serãoúteis na eletrônica e na medicina

NanoTECNOLOGIA

A entre as nanopartículas vizinhas,crian-do melhores propriedades magnéticas”,explica a pesquisadora.

Memória turbinada - Uma das aplica-ções promissoras desse tipo de nanopar-tícula é o disco rígido dos computado-res:usar unidades nanom étricas paraarmazenar informação em forma mag-nética aumenta o potencial de miniatu-rização dos computadores,e o materialtambém poderia turbinar a rapidez comque a memória é acessada.Nesse caso,o nanocompósito estaria disposto emforma de filme ou película. “Nós tam-bém somos capazes de moldar a micro-estrutura desses compósitos em peçasde alguns milímetros,conforme a ne-cessidade de cada aparelho”,diz Nelcy.É uma vantagem quando se consideraque hoje a maioria desses compósitossó existe em forma de pó.

Alterações na estrutura da matrizpermitem que os nanocompósitos sejamutilizados para um fim completamentediferente:facilitar rea ções químicas.Esse é o papel dos chamados catalisado-res,e a escala nanom étrica,mais umavez,ajuda a tornar esse trabalho maiseficiente.Para fins de cat álise,a equipe

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No caso de um tumor, por exemplo,haveria dois modos de levar os ímãsnanoscópicos a seu destino. Um campomagnético poderia conduzi-los “ma-nualmente” até o tecido afetado pelocâncer, ou a eles seriam acoplados anti-corpos específicos para o tipo de tumorque se deseja atacar, de forma que os na-noímãs aderissem ao tecido doente. Ter-minada essa fase do processo, a idéia éaplicar de forma rápida e alternada ocampo magnético externo. O movimen-to das partículas geraria calor suficien-te para matar as células cancerígenas.Outros trabalhos do grupo sugeremque um sistema como esse seria parti-cularmente útil para tratar tumores emfase inicial, ainda pequenos.

A cobertura dos nanoímãs para tor-ná-los biocompatíveis é feita com umtipo de açúcar chamado de ciclodex-trina. Essa composição foi desenvol-vida junto com o professor Rubén Si-nisterra, do mesmo Departamento de

Química da UFMG, dando origem auma patente. “Temos o material muitobem caracterizado quimicamente”, dizNelcy. A intenção agora é fazer parceriasque permitam, no âmbito científico, tes-tar o produto em seres vivos.

Segundo Nelcy, é grande a corridano mundo todo para transformar ma-teriais como esses nanocompósitos emcomponentes de equipamentos usadosno dia-a-dia. Governos como os dosEstados Unidos reconhecem que o po-tencial deles é estratégico. “As nossaspropostas não ficam nada a dever aoque é feito fora do Brasil. Quando asapresentamos em congressos científi-cos, é comum o pessoal ficar impres-sionado”, diz a pesquisadora da UFMG.“Mas, com os problemas de financia-mento que enfrentamos, muitas vezesacabamos não sendo os primeiros a pu-blicar em revistas científicas.” Ela cita ointeresse, ainda um tanto incipiente, deempresas brasileiras pela incorporaçãode algum componente nanotecnológicoem seus produtos e sugere que elas po-deriam ser mais ousadas.“Eles estão in-teressados em coisas que fazíamos hádez anos, e não na nanotecnologia deponta”, relata. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 69

da UFMG montou as nanopartículasde ferrita dentro de uma matriz extre-mamente porosa, e não densa como nocaso dos discos de computadores. “Po-deríamos dizer que 95% da matriz é ar”,afirma Nelcy. Isso significa que as par-tículas ganham um volume proporcio-nalmente muito grande. A superfície decontato que esse volume expandido pro-porciona faz com que elas promovamreações químicas com maior eficiência.“Usando muito menos material do queusaria normalmente, é possível mantere até aumentar a velocidade das reaçõesquímicas catalisadas pelo nanocompó-sito”, explica a pesquisadora.

Contra o câncer - Outra das idéias dogrupo envolve um ambiente ainda maisdelicado que o interior dos computa-dores ou a química industrial: o corpohumano. Assim como outros pesqui-sadores no Brasil e no exterior, Nelcye seus colegas estão explorando a pos-sibilidade de que nanoímãs ataquemdoenças como câncer e infecções. Fun-cionaria assim: partículas magnéticasem forma de fluido, envoltas por ummaterial biocompatível, seriam injeta-das na corrente sangüínea do doente.

Imagens de nanocompósitos de ferrita com distribuição de átomos de ferro e cobalto (acima),e envoltos em uma matriz de sílica (ao lado)

IMA

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s cirurgias paracorrigir proble-mas de visão,como astigma-tismo, mio-pia e hiper-

metropia,são uma prática corriqueiranos consultórios oftalmológicos brasi-leiros.Essas intervenções são feitas hojecom a ajuda de medidas personalizadasde cada olho do paciente,baseadas eminformações obtidas nos exames pré-operatórios por meio de aparelhos cha-mados de wavefront – ou frente deonda – que analisam a luz que atingeo globo ocular.Atualmente,todos osaparelhos desse tipo usados no Brasilsão importados.Mas em pouco tempoisso pode mudar,porque a Eyetec Equi-pamentos Oftálmicos,uma empresa deSão Carlos (SP),prepara-se para dispu-tar esse mercado com um novo apare-lho,também baseado na tecnologia wa-vefront,mas com um sensor que utilizaum princípio diferente dos outros.

“Em vez de várias pequenas lentesquadradinhas,simétricas,uma ao ladoda outra,foi criada uma lente circular,com foco contínuo que aponta a defor-mação do olho ponto a ponto”,diz ooftalmologista Paulo Schor,chefe doSetor de Bioengenharia Ocular da Uni-versidade Federal de São Paulo (Uni-

fesp).“O mapeamento feito pelo novosensor,em cada ponto do olho,possibi-lita fazer diagnósticos mais detalhados,o que aumenta a precisão e a flexibili-dade nas cirurgias.”

Schor e o também oftalmologistaWallace Chamon levaram a proposta dedesenvolver o equipamento no Brasilao professor Jarbas Caiado de CastroNeto,do Grupo de Óptica do Institutode Física da Universidade de São Paulo(USP) de São Carlos e um dos sócios daEyetec.A empresa recebeu financiamen-to da FAPESP na modalidade Progra-ma Inovação Tecnológica em Peque-nas Empresas (PIPE),projeto que temCastro Neto como coordenador.O novoaparelho foi patenteado no Brasil e noexterior e recebeu informalmente o no-me de sensor Castro,em homenagemao professor da USP responsável pelasolução tecnológica inovadora.

Estrelas e galáxias - O sistema wave-front foi usado inicialmente,e durantemuito tempo,na astronomia para an á-lise e correção das distorções da luz dasestrelas e galáxias,permitindo que,mes-mo a milhares de anos-luz,sejam vistasna Terra com excelente qualidade.Em1994 vislumbrou-se a possibilidade dea tecnologia wavefront ser usada tam-bém na oftalmologia.Nesse ano,um

ENGENHARIA BIOMÉDICA

Sensor faz diagnósticomais detalhado das imperfeições visuais

DINORAH ERENO

Olharaguçado

TECNOLOGIA

grupo de pesquisadores da Universida-de de Heidelberg,na Alemanha,publi-cou um primeiro trabalho que tratavado uso de sensores ópticos para mediras deformidades visuais.Foi o pontap éinicial para os instrumentos oftalmoló-gicos baseados nessa tecnologia come-çarem a ser desenvolvidos por europeuse norte-americanos.

Os sensores de frentes de onda dis-poníveis comercialmente são compos-tos por centenas de pequenas lentes,cha-madas de lentículas,similares ao olhode um inseto.Uma microc âmera atrásdas lentículas produz pontos espaçados,distribuídos de forma regular.A regula-ridade determina se a imagem que che-ga à retina e,conseq üentemente, formaa visão é ou não normal,porque paraum olho sem problemas é possível iden-tificar a distribuição regular dos pon-tos.Mas nos olhos com defeitos ou ir-regularidades não é possível identificaressa regularidade.C álculos e gráficos fei-tos por um software apontam a formaexata da frente de onda que sai do olhoe,com isso, é possível fazer as medidasde astigmatismo,miopia e hipermetro-pia e também das irregularidades maissutis.“Nós partimos do princípio de queas irregularidades do olho têm uma si-metria circular”,diz Castro.Por isso fo-ram criadas várias lentes circulares para

A

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Os avanços obtidos com o equipa-mento wavefront nacional, que mapeiaas irregularidades em cada ponto do olho,fruto da parceria entre pesquisadoresda Unifesp e da USP, não são o único re-sultado do trabalho conjunto dos doisgrupos de pesquisa. O primeiro foi o de-senvolvimento de um aparelho para me-dir a curvatura da córnea, o topógrafocorneano, lançado pela Eyetec em 1998para uso nas cirurgias de miopia. “Na-quela época só existiam similares im-portados que eram muito caros para opadrão brasileiro”, diz Schor. O topó-grafo vendeu cerca de 400 unidades nomercado nacional. “Se importado, cadatopógrafo custaria ao país cerca de US$20 mil. Portanto a economia de divisasfoi de aproximadamente US$ 8 milhões”,contabiliza Castro. O trabalho que resul-tou no aparelho foi também uma dasbases para se estabelecer há seis anos naUnifesp o Setor de Bioengenharia Ocu-lar, criado para desenvolver tecnologiamultidisciplinar. Com o novo sensor,em fase de testes pré-clínicos, os parcei-ros esperam também bons resultados,já que, além da inovação, pelo produtonão estar associado a um tipo de laserespecífico, como os outros aparelhos emuso atualmente, pode ser vendido paradiagnósticos e utilizado nos consultó-rios e nas clínicas oftalmológicas. •

mapear os problemas ponto a ponto.Quando a luz é jogada no fundo do olhodurante o exame, ela acompanha a si-metria e pega todas as nuances, apon-tando para o local exato em que seencontra a irregularidade. “A inovaçãotecnológica é a capacidade de mapearos defeitos oculares em cada ponto comalta precisão e simplicidade”, diz Schor.

Visão ideal - Antes de a técnica de fren-te de onda ser utilizada em cirurgiasrefrativas, assim chamadas porque mu-dam o grau, ou refração do olho do pa-ciente, a única possibilidade era corrigirproblemas como miopia, astigmatismoe hipermetropia pela mudança da cur-vatura ocular para mais ou para me-nos. “Hoje, muda-se a forma da córneapara melhorar a qualidade e a quanti-dade da visão”, diz Castro.

O analisador da frente de onda de-fine e corrige o grau do paciente de for-ma muito mais precisa do que os tradi-cionais aparelhos utilizados para dar asmedidas das receitas de óculos mensu-radas em múltiplos de 0,25 grau. Comoo sensor óptico captura e quantifica asdeformidades que as imagens dos obje-tos sofrem ao serem observadas por cadaponto no olho, a correção feita na ci-rurgia pode melhorar em alguns pa-cientes a visão noturna, porque as pupi-

las se dilatam no escuro e as irregulari-dades existentes na periferia da visãotornam-se mais evidentes nesse período.Realizado no período pré-operatório, oexame reproduz um mapa tridimen-sional das irregularidades ópticas que étransferido para o laser no momentoda cirurgia. Como resultado da utiliza-ção do wavefront, as imagens passam aser captadas sobre a retina com maiorresolução e nitidez, sem irregularidadesou aberrações sutis, antes não detecta-das nem corrigidas. E muitos pacien-tes, após a cirurgia refrativa, podem teruma qualidade de visão superior ao dacirurgia convencional.

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Desenvolvimento de um equipamento para determinação de aberrações oculares utilizando a medida de wavefront

MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica emPequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR

JARBAS CAIADO DE CASTRO NETO – Eyetec

INVESTIMENTO

R$ 325.750,00 e US$ 12.250,00(FAPESP)

O PROJETO

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m novo processo industrial irápermitir que garrafas descartá-veis para refrigerantes e águamineral, entre outros produtosfabricados com polímeros, pos-sam ser produzidas em menor

tempo, reduzindo os custos industriais e, quem sabe, opreço final ao consumidor. A inovação que está prestes asair dos laboratórios do Departamento de Engenhariade Materiais da Universidade Federal de São Carlos(DEMa/UFSCar) é formada por um sistema óptico paramonitorar e controlar a cristalização de materiais poli-méricos durante o processo de produção. O sistema po-derá trazer ganhos importantes de produtividade paraas indústrias especializadas na fabricação de garrafasproduzidas com o polímero poli (tereftalato de etileno),mais conhecido como PET, além de outras peças molda-das por injeção, a técnica de moldar algo plástico a partirde matéria-prima fundida que é empregada na produçãode pára-choques de automóveis, carcaças de computado-res, de impressoras e de celulares. O processo, segundoos pesquisadores, permite identificar o momento exatoem que o polímero é cristalizado dentro do molde, le-vando à economia de preciosos segundos no processode fabricação. Estimativas feitas pelos pesquisadores doDEMa revelam, por exemplo, que uma fábrica com ca-pacidade para produzir anualmente 160 milhões de gar-rafas PET poderia ter um ganho adicional de US$ 600mil, caso o sistema reduzisse em 1 segundo parte do ci-clo de moldagem das garrafas de 2 litros de PET, quedura, em média, 22 segundos.

Plástico sobcontroleSistema desenvolvido na UFSCar melhora a produção de garrafas feitas com polímeros

YURI VASCONCELOS

ENGENHARIA DE MATERIAIS

U

TECNOLOGIA

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ções revelam o momento exato da cris-talização. Hoje não há exatidão do mo-mento em que a garrafa de PET, porexemplo, está pronta.

esmo quando opolímero não cris-taliza ou quandoos seus cristais sãomuito pequenos,como no caso do

PET sob algumas condições de produ-ção, o novo sistema permite que se de-tecte o momento do descolamento dapeça dentro do molde ou então falhasno preenchimento de pontos específi-cos da cavidade, evitando assim defei-tos no produto. O processo, desenvol-vido no DEMa pela professora Rosarioe dois alunos de doutorado, MarceloFarah e Alessandra Marinelli, poderáem breve estar disponível para o mer-cado. “A empresa Quantum Tech, deSão Carlos, se mostrou interessada emdesenvolvê-lo para uso comercial emindústrias de transformação. É impor-tante dizer que não existem sensoresiguais no Brasil ou no exterior e mes-mo os similares ainda não são empre-gados comercialmente”, diz Rosario.

O desenvolvimento do sistema óp-tico para a indústria de moldagem porinjeção de polímeros foi apenas umdos avanços conseguidos pela equipede Rosario durante a realização de umprojeto temático financiado pela FA-PESP. O grupo também realizou dentrodesse projeto um estudo centrado naviabilidade de incorporar borracha des-vulcanizada por meio de ultra-som aopoliestireno, outro tipo de polímero,para produzir blendas. Blenda é o no-me dado a um material polimérico fei-to a partir da mistura de dois ou maispolímeros. Um dos usos mais comunsdesse tipo de material é a fabricação deboxes de banheiro, que são conhecidospopularmente como boxes de “plásticoou acrílico”. A finalidade da pesquisa foiadicionar a borracha desvulcanizada,oriunda de pneus usados e descartados,ao poliestireno para melhorar sua resis-tência ao impacto. A desvulcanizaçãopor ultra-som da borracha foi realizadana Universidade de Akron, nos EstadosUnidos, por outro aluno de doutoradodo grupo, Carlos Scuracchio.

“Normalmente, utiliza-se uma bor-racha sintética de polibutadieno vir-gem para reforçar o poliestireno, o quedá origem a uma blenda conhecida co-mo poliestireno de alto impacto. A van-tagem de usar a borracha desvulcani-zada por ultra-som é conferir um fimnobre aos pneus usados, que consti-tuem um grave problema ambiental”,afirma Rosario. “Nossas pesquisas ain-da estão em andamento, mas já sabe-mos que a mistura da borracha desvul-canizada com o polímero aumentousua resistência, embora não no mesmonível da mistura com borracha de po-libutadieno. Acreditamos que o tama-nho das partículas de borracha desvul-canizada misturada ao poliestireno nãofoi ainda suficientemente pequeno pa-ra elevar de forma significativa sua re-sistência ao impacto.”

Outra pesquisa relacionada à mor-fologia de polímeros envolveu o uso deredes neurais artificiais, um conceitode inteligência artificial que visa traba-lhar de forma semelhante ao cérebrohumano, acumulando informações,processando-as e tomando decisões.Neste trabalho foram investigadas blen-das formadas por poli (sulfeto de pa-rafenileno), conhecida como PPS, e umelastômero ou borracha termoplástica.

1. Estudo e simulação do desenvolvimento da microestruturade blendas e compósitos poliméricosdurante o processamento2. Invenção de um método e sistemapara monitorar a cristalização de materiais poliméricos durante a moldagem por injeção

MODALIDADE

1. Projeto Temático2. Programa de Apoio à PropriedadeIntelectual (PAPI)

COORDENADORA

ROSARIO ELIDA SUMAN BRETAS – UFSCar

INVESTIMENTO

1. R$ 183.578,92 e US$ 80.698,52(FAPESP)2. R$ 6.000,00 (FAPESP)

OS PROJETOS

A grande novidade do sistema, cujoregistro de patente já foi encaminhadoao Instituto Nacional de PropriedadeIndustrial (INPI), é conseguir fazer omonitoramento da cris-talização do polímero e,ao mesmo tempo, o con-trole de produção de cadapeça, independentementede seu tamanho, volumeou forma. A cristalizaçãoé um mecanismo físicopelo qual um polímerosemi cristalino no esta-do fundido se solidifica.Atualmente, o monitora-mento da cristalização nãoé feito ao longo do processo de molda-gem por injeção do polímero, mas so-mente depois de sua conclusão, com ouso de várias técnicas como microsco-pia óptica e eletrônica. Segundo a enge-nheira química Rosario Elida SumanBretas, coordenadora das pesquisas queresultaram no desenvolvimento da no-va tecnologia, o estudo da cristalizaçãodo polímero é importante porque to-das as propriedades mecânicas, ópticase elétricas desse material dependem desua cristalinidade.“É por meio da mor-fologia e do volume de cristalinidadeexistente no polímero, desenvolvidosdurante o processo de cristalização, quese determinam as características de ri-gidez, flexibilidade, resistência mecâni-ca e transparência”, diz a pesquisadora.

Laser na safira - Composto por ummolde metálico, um laser, duas fibrasópticas, um detector e um atenuadorde laser, o sistema pode ser adaptado aqualquer máquina injetora, que mol-da as peças, possibilitando a reduçãodo tempo de trabalho do equipamentoe do processo. Ele funciona assim: den-tro da cavidade do molde da garrafa oude qualquer outra peça é inserida umafibra óptica que envia, através de umajanela de safira, um feixe de laser. A sa-fira é usada porque é transparente aolaser e suporta as altas temperaturas epressões existentes dentro do molde. Ofeixe atravessa o polímero, que é injeta-do no estado fundido, e o sinal é coleta-do do outro lado do molde por outra fi-bra óptica. O resultado é mostrado pormeio de um software que analisa a in-tensidade da luz, a pressão e a tempera-tura dentro da cavidade. Essas informa-

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uma enorme quantidade de peças paraconseguir informações sobre essaspropriedades, o que consumiria tempoe dinheiro. Com o uso do sistema deredes neurais, o número de peças inje-tadas e testadas caiu para 5% do queseria necessário em um processo tradi-cional”, afirma Rosario. “As redes neu-rais nunca antes haviam sido usadaspara relacionar os parâmetros do pro-cesso de moldagem por injeção com a

O PPS é normalmente usado nafabricação de conectores elétri-cos de computadores e de certoscomponentes da indústria auto-mobilística. Por ser muito rígido,esse material tem baixa resistên-cia ao impacto, mas, em compen-sação, suporta temperaturas mui-to elevadas, de até 250°C. Adoutoranda Cybele Lotti mistu-rou ao PPS uma borracha termo-plástica, conhecida como Sebs,um terpolímero, ou polímero for-mado por três monômeros, feitode estireno, etileno e butadieno.“Nosso objetivo foi melhorar a flexi-bilidade e a resistência ao impacto dablenda polimérica”, explica Rosario.Com o auxílio de redes neurais artifi-ciais, os pesquisadores conseguirampredizer propriedades como a morfo-logia, a quantidade ou volume de cris-talinidade da blenda, resistência ao im-pacto e as propriedades mecânicas emsituação de tração. “No processo con-vencional, teríamos que injetar e testar

Monitoramento dacristalização do

polímero por meiode laser (acima).Ao lado, material

fomado pelospolímeros PET e LCP

microestrutura e as propriedades deblendas poliméricas.”

Tigela de cobras - Outra vertente do te-mático envolveu o estudo da orienta-ção molecular em blendas formadaspor PET e vários cristais líquidos poli-méricos, conhecidos pela sigla LCP (deLiquid Crystal Polymer), que são mate-riais resistentes a altas temperaturas eusados na produção de bobinas, conec-tores elétricos, sensores, equipamentoscirúrgicos, embalagens de líquidos cor-rosivos, vestuário de astronautas etc. OLCP também possui como característi-ca uma relativa organização molecularquando fundido, ao contrário da maio-ria dos polímeros tradicionais que nãotêm nenhuma organização no estadolíquido. Para usar uma metáfora, os po-límeros fundidos se assemelham a umatigela cheia de cobras de diferentes ta-manhos, em permanente movimento,enquanto o LCP mantém-se organiza-do, com estruturas retas e paralelas, naforma de uma caixa de lápis. O objeti-vo dessa pesquisa foi melhorar a pro-priedade de impermeabilidade da blen-da, porque o LCP possui baixíssima taxade permeabilidade, uma das menoresentre os polímeros, sendo impermeávelà maioria dos gases. O problema, noentanto, é que ele é ainda muito caro,cerca de US$ 25 o quilo.

“Entender a orientação moleculardessa blenda foi fundamental para com-preendermos as propriedades mecâni-cas e de permeabilidade desse material”,diz Rosario. Para compreender essascaracterísticas, as blendas poliméricasforam submetidas a estudos de orienta-ção molecular na UFSCar e no Labora-tório Nacional de Luz Síncrotron, emCampinas, pela pós-doutoranda Mar-cia Branciforti. Para produzir as blen-das de PET e LCP, o grupo superou ou-tro desafio: construir um acessório queconfere o formato final a um produto,porque não existiam no mercado equi-pamentos específicos para essa finali-dade. Essa matriz foi construída peladoutoranda Lucineide da Silva. “Perce-bemos que a nossa matriz proporcio-nou orientação molecular ao PET emelhorou a do LCP”, diz Rosario. Ago-ra a equipe do DEMa está realizandoestudos de permeabilidade para melho-rar essa propriedade das películas dePET e LCP. •

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odos os anos cerca de 160mil toneladas de embala-gens longa-vida são produ-zidas no Brasil para acon-dicionar leite,sucos,massade tomate e até água-de-

coco.Desse total,apenas 25% é reciclado num pro-cesso que aproveita apenas o papel e direciona paraos aterros sanitários os dois outros componentesdessas pequenas caixas,o plástico e o alumínio.Umcenário que começou a mudar a partir de maio des-te ano com a inauguração em Piracicaba (SP) deuma unidade fabril para o processamento total des-ses materiais.A fábrica é dotada de um processotecnológico inédito no mundo capaz de fazer a se-paração total do alumínio e do plástico que fazemparte das paredes das embalagens longa-vida,tam-bém chamadas de cartonadas.O desenvolvimentoda nova técnica foi possível com a união de quatroempresas:Alcoa,que produz alumínio,a TSL,deengenharia ambiental,a Klabin,produtora de pa-pel,e a Tetra Pak,fabricante das embalagens.Elasesperam que o porcentual de reciclagem aumente,inicialmente,para 65% do total produzido no país.

“Foram sete anos de pesquisa e desenvolvimen-to para chegarmos a esse novo processo”,diz Nel-son Findeiss,presidente da Tetra Pak.Para ficarpronta,a nova fábrica de Piracicaba consumiu in-vestimentos de R$ 12 milhões,divididos entre asquatro empresas da parceria.A TSL,que construiue opera a unidade de 2,2 mil metros quadrados,temquatro anos para devolver o dinheiroinvestido pe-las outras três empresas.Ela é a responsável peloprocessamento do material e pela venda dos produ-tos resultantes como lingotes de alumínio,papele parafina obtida do plástico.A fábrica é capaz de

processar 8 mil toneladas de plástico e alumíniopor ano,o equivalente a 32 milhões de toneladas deembalagens longa-vida.Segundo Fernando von Zu-ben,diretor de meio ambiente da Tetra Pak,com oinício de operação da planta será possível elevar ovolume desse tipo de reciclagem,incrementando acadeia que participa dessa atividade,com geraçãode emprego e de renda.“Acreditamos que,com aimplantação da reciclagem total,o valor das emba-lagens longa-vida recolhidas pelos catadores,hojeem cerca de R$ 250 a tonelada,aumentará 30%”,dizVon Zuben.A unidade de reciclagem em Piracica-ba será abastecida com material coletado por coo-perativas de catadores,pequenos sucateiros e pelosprogramas municipais de coleta seletiva de lixo.

Plasma na matéria - Baseada no desenvolvimentosustentável,a tecnologia criada pela TSL utiliza oplasma como principal agente da reciclagem.O plas-ma é um gás produzido em alta temperatura,par-cialmente ionizado,com perda de el étrons e modi-ficações moleculares e atômicas. São característicasque o deixam diferente dos demais estados existen-tes,como o s ólido,o l íquido e o gasoso.Portanto,umquarto estado da mat éria.O g ás indutor doplasma,nesse caso, é o argônio. Também conheci-do como plasma químico ou industrial,ele age emtemperaturas elevadas,de cerca de 15.000 °C, gera-das pelo uso de eletricidade nas chamadas tochasde plasma,presentes num reator.

Para entender como funciona o processo de re-ciclagem ao plasma, é preciso saber que as embala-gens longa-vida,compostas por papel (75%),pl ás-tico do tipo polietileno (5%) e alumínio (20%),s ãoinicialmente processadas em um equipamento co-nhecido como hydra-pulper,que faz a separação do

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RECICLAGEM

Grupo de empresas montaunidade para processarembalagens do tipo longa-vida

Aproveitamento total

TECNOLOGIA

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parafina, que pode ser vendido para in-dústrias petroquímicas, onde é utiliza-do como aditivo para lubrificante, en-tre outros usos. O alumínio presente nomaterial, constituído por filmes de 6micra de espessura (1 micra correspon-de à milésima parte do milímetro), éderretido e recuperado na forma delingotes de alta pureza. Ele é vendido àAlcoa, que o reemprega na produçãodas folhas de alumínio das novas em-balagens longa-vida.

Além de fazer a reciclagem total,com inegáveis ganhos ambientais, so-ciais e econômicos, a tecnologia a plas-ma tem outra vantagem: o processo élimpo, porque não há emissão de ne-nhum tipo de poluente. Isso aconteceporque o processamento do plástico e o

alumínio no reator é feito sem uso deoxigênio e de qualquer tipo de queima.Os eventuais efluentes líquidos resul-tantes do processamento, por sua vez,são tratados para remoção de impure-zas e a água pode ser reutilizada na mes-ma fábrica. A eficiência energética doprocesso, de quase 90%, é outro atrati-vo da tecnologia.“A transferência de ca-lor da chama de plasma para os produ-tos que estão sendo reciclados (plástico ealumínio) é de 90%. Para ter uma idéiade como essa transferência é alta, bastasaber que quando esquentamos água nofogão a eficiência energética é de ape-nas 30%”, explica Fernando von Zuben.

Segundo o engenheiro RobertoSzente, do Instituto de Pesquisas Tecno-lógicas do Estado de São Paulo (IPT),contratado para avaliar a nova tecnolo-gia, o processo de reciclagem a plasmaé uma variante do processo de trata-mento de borras de petróleo e soloscontaminados com hidrocarbonetos,desenvolvido há cinco anos pela TSLAmbiental. A adaptação para o trata-mento de material plástico e alumíniofoi analisada e comprovada pelo Grupode Plasma do IPT. “Depois que o usoda tecnologia para o processamento doplástico e do alumínio das embalagenscartonadas mostrou-se técnica e eco-nomicamente viável, foi feita a parceriaentre as quatro empresas para a cons-trução e instalação da unidade de reci-clagem no interior de São Paulo”, afir-ma Szente. A TSL possui a patente doprocesso nos Estados Unidos e já deuentrada de pedido idêntico em váriospaíses europeus.

O sucesso da tecnologia já desper-tou interesse no exterior e, até o finaldo ano, deverá ser inaugurada a pri-meira planta industrial fora do Brasil. ATSL está construindo uma unidade emValência, na Espanha, em parceria coma fabricante de papel Nessa, que realizaa reciclagem do papel das embalagenslonga-vida. Além disso, missões de di-versos países, como Suécia, China e Ín-dia, já visitaram a unidade industrial dePiracicaba e a planta piloto da TSL Am-biental em Osasco, na Grande São Pau-lo, demonstrando interesse em asso-ciar-se à empresa para construção denovas unidades de reciclagem em seusrespectivos países. •

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papel. Depois de separadas, as fibrasde papel são recicladas e utilizadas nafabricação de papelão. Essa primeiraetapa da reciclagem é feita por uma fá-brica da Klabin, localizada ao lado daunidade de reciclagem a plasma. A em-presa possui capacidade para produçãode 400 mil toneladas de papel recicladopor ano.

Na segunda etapa do processo, o alu-mínio e o plástico resultantes da sepa-ração são encaminhados para o reatorde plasma térmico da TSL Ambiental.Os compostos plásticos são quebradosem cadeias menores e volatilizados,deixando o reator na forma de vapores.Depois esses vapores de hidrocarbone-tos gerados no processo a plasma sãocondensados, gerando um composto de YURI VASCONCELOS

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reforma política é a mãe de todas asreformas”, afirmou o presidente doSenado, Renan Calheiros. A partirda recente CPMI dos Correios, oapreço filial por mudanças no sis-tema político nacional está pre-sente no discurso de acusadose acusadores, incluindo-se opolêmico deputado RobertoJefferson, que, em seu de-poimento, a invocou como

panacéia para a corrupção. “Instituições não criamcorruptos. Precisamos de algumas mudanças, masnada radical, sob pena de, na contramão do esperado,cortarmos canais de acesso importantes da popula-ção ao sistema político”, avisa Argelina Figueiredo,coordenadora do projeto Instituições políticas, pa-drões de interação Executivo-Legislativo e capacidadegovernativa (que tem apoio da FAPESP), em parce-ria com Fernando Limongi.“A performance do siste-ma político brasileiro não é tão negativa e não justifi-ca propostas de reforma política, ao menos não comesta urgência e/ou profundidade com que o tema étratado ante a opinião pública. Reformas não são an-tídotos para as crises e seu efeito sobre a composiçãoda classe política é duvidoso e incerto”, diz.

A discussão sobre uma reforma política é multi-facetada, mas tem quatro pontos recorrentes e sobreos quais não existe consenso: a fidelidade partidária,a fim de diminuir a migração entre partidos; a ado-ção de uma lista fechada, ou seja, os partidos ordena-

POLÍTICA

ASerá que o país precisa mesmo de uma reformade seu sistema eleitoral?

Aemendado

soneto

CARLOS HAAG

ILUSTRAÇÕES HÉLIO DE ALMEIDA

CAPA

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riam a lista de seus candidatos antes das eleições,restando ao eleitor apenas votar na legenda, o quesupostamente terminaria com o “individualismo”eleitoral; a cláusula de barreira, que prevê o cancela-mento do registro do partido que não conseguisseeleger ao menos um representante para o Congres-so Nacional, ou que não obtivesse ao menos 50 milvotos; um sistema de financiamento público decampanhas, que poria fim ao chamado caixa dois.“Precisamos tomar cuidado com o hiperinstituciona-lismo ingênuo que acredita que tudo pode ser modi-ficado por instituições públicas, apenas pela existên-cia de regras”, analisa Limongi. Para os autores, aemenda poderia sair pior do que o soneto: “Emnome da ‘governabilidade’ e da eficiência governa-mental não é necessário mudar o sistema de gover-no e restringir ainda mais os direitos parlamentarese, muito menos, estabelecer barreiras de entrada nosistema político, impedindo que demandas sociaissejam canalizadas pelo Legislativo”, dizem os pes-quisadores. “Não há razão para diminuir o númerode partidos e dar maiores vantagens aos líderes par-tidários. As reformas restringiriam o papel do Con-gresso na definição da agenda governamental e suainfluência autônoma na formulação de políticas pú-blicas”, observam.

As críticas ao sistema atual são conhecidas: a de-mocracia brasileira ainda estaria em processo deconsolidação e se veria sempre ameaçada por uma “cri-se de governabilidade” por causa do multipartidaris-mo e da representação proporcional. Para os reformis-

tas, a incorporação crescente das massas ao proces-so político resultaria num excesso de demandas que,não atendidas, levariam a um radicalismo que mi-naria as bases da democracia. Seria preciso sacrificaras muitas escolhas possíveis em nome da criação damaioria, da convergência da vontade do eleitor parao centro. “O metro usado para distinguir a vitalida-de das instituições é dado pelo grau de restrição im-posto às preferências dos eleitores. Segundo esse ra-ciocínio, são fracas as instituições que espelham ourefletem essas preferências. São fortes as que atuamsobre os eleitores, impedindo que estes levem à pola-rização e à radicalização”, analisa Limongi. Poucospartidos e partidos fortes: diminuindo as opções doseleitores e restringindo suas vontades, a democraciasairia fortalecida. Os pesquisadores discordam. “Nãoé verdade que o governo brasileiro se encontra imo-bilizado por excessivas demandas da sociedade quese expressam sem filtros no sistema político”, assegu-ram. Os autores também discordam das críticas auma suposta fraqueza do presidencialismo, que, numregime de muitos partidos, acabaria sempre gerandogovernos minoritários que se veriam obrigados a bar-ganhas individuais com membros do Legislativo, fa-zendo concessões em detrimento do bem-estar gerale da agenda governamental.

“Essas críticas equivocadas partem do princípiode que o presidencialismo de coalizão, ao contráriodo parlamentarismo, é impossível”, diz Limongi.“Mas as evidências não sustentam a afirmação deque o apoio obtido pelo Executivo tenha resultado

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fundamentalmente da barganha individual com par-lamentares. Os partidos se comportam disciplina-damente, na contramão do que se afirma, e comoatores coletivos. Verificamos que os presidentes doperíodo pós 1988 comandaram coalizões partidá-rias que foram responsáveis pela aprovação da agen-da legislativa do governo”, avisam os autores. Segun-do eles, o sistema político brasileiro não opera deforma muito diferente do parlamentarismo, pois ospresidentes formam o governo da mesma maneiraque os primeiros-ministros: distribuindo ministé-rios aos partidos e formando uma coalizão que asse-guraria os votos necessários no Legislativo. “Temosum presidente forte e um sistema decisório fechadoque impede o individualismo congressual”, observaArgelina. As exceções confirmariam a regra.

Lula - “Collor estava em minoria e acreditava que po-deria enfrentar o Congresso com o apoio popular.Lula, no seu primeiro ano de governo, também op-tou por um governo minoritário, chegando a desau-torizar José Dirceu a negociar uma coalizão efetivacom o PMDB. Ele pensava que conseguiria apoioapenas em função de sua agenda, sem ceder espaçono governo”, avalia a autora. E nisso, completa ela,aproximou-se da política parlamentarista, até por-que, de início, contou com o apoio dos partidos deoposição. Foi, porém, obrigado a voltar atrás. “A coa-lizão de Lula é diferente da feita por FHC. Em seusmandatos, a união entre PSDB e PFL funcionoubem, até porque o governo soube controlar os parti-

dos, que se reuniram em torno da agenda de estabi-lização monetária e da inserção no mercado interna-cional.” Já a relação do PT de Lula com o PL, de or-ganização mais fraca do que o PFL (inserido há umlongo tempo na engrenagem governamental), é deli-cada. “Ao contrário do PSDB, o PT tem em seu inte-rior vertentes ideológicas muito diferentes, o que di-ficulta o controle do partido pelo presidente. Aresultante desses fatores foi a necessidade de agregarmuitos parceiros numa coalizão heterogênea quecomplica a vida política do governo”, fala Argelina.Para ela, independentemente do sistema de governo,uma coalizão funciona melhor quanto menor for onúmero de parceiros e a diversidade entre eles.

Segundo os resultados da pesquisa, isso poderiaser diferente, pois, afirmam os autores, “os nossospartidos são atores coletivos e as bancadas, ao con-trário do mito tão propalado, são disciplinadas”. De1989 a 1999, nas 675 votações acontecidas na Câ-mara dos Deputados, observou-se a indicação dolíder partidário e nove em cada dez parlamentaresvotou com o seu partido. Assim, cada vez mais, o go-verno se vê obrigado a conversar com o partido emvez do deputado individual.“O sistema político bra-sileiro não gera as condições motivacionais e nemmesmo institucionais para que políticos baseiemsuas carreiras políticas exclusivamente em vínculospessoais e apartidários com os eleitores e com o Exe-cutivo”, revelam os autores. Mais um fator que, asse-veram os professores, vai de encontro à necessidadede uma “lista fechada”, como a preconizada pelos re-

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mente neutralizado, seja pela concentração dos po-deres nas mãos do Executivo, seja pelo aumento dopoder das lideranças partidárias. Mas o excesso decertos remédios pode provocar outras doenças. “Al-gumas propostas de reforma política sugerem elevarainda mais o poder das lideranças. Hoje a força des-ses líderes no Congresso é tão grande que os depu-tados são obrigados a obedecê-los totalmente parapoder atuar. São esses dirigentes que definem a par-ticipação dos parlamentares em mesas, secretariasetc. e, dessa forma, controlam a atuação dos colegasde bancada”, nota Argelina. Se, por um lado, observa,isso garante uma atuação partidária coesa, por outro,estimula a mal-afamada troca de siglas, o “troca-tro-ca” partidário. “As trocas, por paradoxal que possaparecer, não são provas do individualismo da nossaclasse política. Antes o contrário. O estímulo para asmigrações no período recente vem das liderançaspartidárias. São os líderes partidários que têm in-centivos para atrair deputados para suas siglas”, afir-ma Limongi. Seria preciso, então, “amarrar as mãosdeles, retirar-lhes a tentação de atrair quadros parao partido. É preciso outros incentivos para que odeputado fique no partido em que foi eleito, maisdo que a fidelidade artificial por força de lei”, refor-ça Argelina.

Efetivamente, não há lógica em forçar um depu-tado a permanecer no seu partido como forma decoibir a migração entre partidos por parlamentaresque buscam interesses particulares. Afinal, alguémque supostamente se venderia no PL continuaria

formistas. “Se os partidos agem disciplinadamenteno Congresso, a lista aberta é um falso problema.Além disso, a lista fechada eliminaria a participaçãodo eleitor na competição intrapartidária, diminuin-do sua chance de intervenção. O sistema atual é me-lhor, pois se dá em dois estágios: uma eleição no in-terior do partido e depois a escolha do candidatopelo eleitor”, observa Limongi.

m outro bom exemplo de que é exa-gerada a visão pessimista sobre o sis-tema político nacional é o novo pro-cesso orçamentário, que conseguiuminorar as chances de corrupção.“As emendas individuais não são pri-

vilegiadas pelo Legislativo. Os regulamentos inter-nos ao Congresso garantem às emendas coletivas aapropriação da maior parcela dos recursos alocados.Tudo ocorre sem a intervenção do Executivo. Issocoloca sob suspeição a noção de que o processo or-çamentário é orientado basicamente para atenderinteresses locais ou particularistas de clientelas dosparlamentares”, avaliam os pesquisadores.

Para eles, a soma desses e outros fatores é umaprova de que o “voto pessoal” está sendo gradativa-

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aberto a negociações caso debandasse para o PFL,por exemplo. O problema, como notam os autores,parece mesmo estar nos líderes. Hoje, lembram, elese o presidente da Mesa estabelecem a pauta dos tra-balhos e têm direitos procedimentais que lhes per-mitem controle estreito sobre o processo legislativoe sobre o comportamento do plenário. Do outro la-do da Esplanada, o Executivo tem a seu favor o poderda edição de medidas provisórias. A MP é capaz demodificar a estrutura da escolha parlamentar e fazdo presidente o principal legislador da nação. Aindaque as MPs precisem ser aprovadas pela maioria dosparlamentares, o Executivo consegue uma alta taxade sucessos na aprovação de seus projetos, não sódeterminando a pauta dostrabalhos legislativos comoinfluindo em seus resultados.“O padrão de produção legis-lativa observado no Brasil nãose encontra muito distanteda performance dos regimesparlamentaristas, seja peloprisma da iniciativa, seja emrelação ao grau de sucessodas proposições do chefe doExecutivo”, afirmam os pes-quisadores. Assim, o que re-formar?

Um dos pontos em dis-cussão a favor das mudançasé o financiamento das cam-

panhas.“Há um novo mito no mercado: diz-se que ascampanhas brasileiras são as mais caras do mundo.Não creio que saibamos qual o custo real das campa-nhas em todos os países do mundo. Os dados sobreo Brasil vêm de estimativas, quando não de puros chu-tes”, pondera Limongi. Dessa forma, nada garante quea proposta do financiamento público de campanhasseja uma medida eficaz contra o mal maior e atual docaixa dois. “Público ou privado, não será com essetipo de alteração que acabaremos com essa prática.Adotar o caixa um não garantiria o fim do dois. “Oque é necessário é incentivar os financiadores a fazerdoações legais por meio de incentivos fiscais. Pode-se também fazer uma previsão de gastos dos partidos

e exercer maior fiscalizaçãosobre eles. Mas levando emconta um teto de financia-mento realista, não ideal”, dizArgelina. O que, talvez, evi-tasse os embates atuais noCongresso, em que deputa-dos e senadores acusam unsaos outros de subestimar noTribunal Superior Eleitoral(TSE) os gastos reais feitosem suas campanhas. “Os 20anos de autoritarismo, emque a sociedade foi proibidade se expressar, contribuírampara a ampliação da corrup-ção”, acredita a pesquisadora.

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O PROJETO

Instituições políticas, padrôes de interaçâo Executivo-Legislativo e capacaidade governativa

MODALIDADE

Projeto Temático

COORDENADORES

FERNANDO LIMONGI – Cebrape ARGELINA FIGUEIREDO – USP

INVESTIMENTO

R$ 228.739, 26 (FAPESP)

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inda assim, ela não acredita nochamado “mensalão. “Seria umprocedimento irracional e semgarantias para o governo. Osistema não é movido a cor-rupção e patronagem. Se há

algo, não ocorre entre governo e deputados emparticular, mas via partidos. O que pode ter ocor-rido foi a distribuição de dinheiro para alguns par-tidos que, por sua vez, o repartiram entre os seusmembros.” O mais razoável, segundo a professora,é que houve um imenso caixa dois feito com baseem doações ilegais de empresas, no superfatura-mento dos contratos do governo ou ainda pormeio dos bônus de veiculação, o dinheiro de cam-panhas publicitárias devolvido para as agências depublicidade como forma de atrair anúncios. “Ébom que essas práticas estejam sendo julgadas nes-se momento, o que pode levar a uma mudança nocontrole do financiamento dos partidos e das lici-tações do Executivo.”

No caso específico das acusações feitas ao PT,Argelina afirma ainda não ser possível avaliar o im-pacto da revelação de um suposto caixa dois dopartido. “Mas muitos petistas estão satisfeitos com

esse processo, pois ele pode ajudar a consolidar opartido. Ele cresceu muito e rapidamente e seriaidealismo imaginar que não fosse afetado por al-gum tipo de corrupção.” A exposição positiva dasmazelas do PT não deve, no entanto, ser compara-da, diz a pesquisadora, com o “sucesso” midiáticode Roberto Jefferson. “O único objetivo das suasdenúncias é tentar emplacar a idéia de que todos ospolíticos são corruptos como ele. Isso desanima apopulação, que é tomada por um cinismo, um ce-ticismo sobre os políticos e o sistema político. Jef-ferson não cumpre nenhum papel importante paranossa democracia. Apenas é um corrupto que nãorecebeu o que queria e sentiu-se inseguro com oseu esquema nos Correios”, alerta. Outro aviso im-portante da pesquisadora para a opinião pública éexercer o direito de controle sobre a CPMI em cur-so. “Não é verdade que todas as CPIs ‘acabem empizza’. Muitas foram fundamentais e efetivas, ape-nas não viraram manchete dos jornais. No caso daatual, está havendo um grande jogo de cena e, senão existir uma pressão da sociedade, os parla-mentares não irão aos fatos, mas se perderão emexibições para seus eleitores.” Mas, lembra a autora,o sistema sobreviveu ao affair Collor e vai sobrevi-ver à crise atual com a mesma força. “Deveríamosestar comemorando o sucesso de nossa democra-cia, e não nos lamentando”, diz Limongi. “Não hásistemas políticos a salvo de crises. Não é refor-mando o sistema que se resolvem conflitos e desa-venças. Eles ocorrem e são normais.” •

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o cunhar a frase “natureza ator-mentada”, no início do século17, numa referência ao objetodo conhecimento científico,Francis Bacon não imaginouque esse ideal iria, no século

21, atormentar filósofos e cientistas. O “tormento” domundo natural, para ele, significava conhecê-lo, nãopelo saber desinteressado, mas para dominar, trans-formar e, então, utilizar esse universo da maneira maiseficiente. E de forma precisa. O instrumento eleitopara essa tarefa foi dado por outro pensador daqueletempo, Galileu, que assegurou serem as qualidades dosobjetos naturais redutíveis à matemática e à mecânica.O berço da ciência moderna trazia a estrutura paraque o ideal de controle da natureza pudesse ser reali-zado. À frente do italiano surgiu a Igreja, com suas su-perstições e obscurantismos, e logo foi preciso separarfato, privilégio do pensamento científico, dos valores,ligados à autoridade e ao social. O recém-nascido seriaimparcial, neutro e autônomo.

“A ciência precisa assumir que possui também oseu lado engajado, pois, apesar de se declarar despro-vida de valores, traz em si o ideal do controle donatural, que já é um valor. Nada contra, pois essa von-tade faz parte intrínseca do ser humano. Mas é preci-

FILOSOFIA

HUMANIDADES

Projeto discute os perigos da mercantilização da ciência

Natureza atormentada

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so sempre levar em conta que, às ve-zes, há um problema: como controlarquem controla a natureza”, afirma Pa-blo Ruben Mariconda, coordenador doProjeto Temático Estudos de filosofia ehistória da ciência, apoiado pela FA-PESP, um espaço de discussão e análise,histórica e filosófica, dos caminhos tri-lhados pela ciência, dos seus primór-dios no século 17 até o momento atual.

O projeto já resultou numa revista,a Scientia Studia (versão on-line www.scientiaestudia.org.br), que traz textoscríticos e analíticos de vários pesquisa-dores e também obras científicas histó-ricas (cartas, tratados etc.), traduzidas ecomentadas. Além do foco histórico, apesquisa se debruça sobre a chamadapolêmica da tecnociência, a união deciência e tecnologia. “A tecnociência,por vezes, une a supervalorização do as-pecto aplicado do conhecimento com adesvalorização da pesquisa pura e doconhecimento como um fim em si mes-mo”, diz Mariconda. O princípio da difu-são por toda a sociedade dos produtosteóricos e intelectuais pode, em algunscasos, dar lugar a uma intensa privati-zação do saber em troca de lucros.

“Hoje, em vários setores, é quase im-possível separar pesquisa científica deinteresses e não se cumprem mais osvalores de eqüidade e benefício geral,atributos natos da ciência”, diz Mari-conda. “Esse estado de mercantilizaçãopode colocar em risco a ciência como aentendemos e desejamos.” Foi, no en-tanto, um processo lento. O ideal dedominação da natureza nasceu no sé-culo 17, mas não se realizou a não serna geração do conceito de ciência útil.Era a resolução de um impasse iniciadono Humanismo renascentista, que pre-conizava o poder do homem em co-nhecer e dominar a realidade. Haviaentão duas formas de pensar o valorda ciência. Uma entendia a teoria cien-tífica como a busca do conhecimentopelo conhecimento, pela ampliação dosaber sobre o desconhecido, sem queisso implicasse a aplicação prática dasdescobertas. Ao lado disso estava o uti-litarismo, que defendia a valoração daciência em função da quantidade deaplicações práticas que uma dada des-coberta pudesse permitir. Não se podiaperder tempo, pois era preciso dar or-dem ao mundo e controlá-lo pratica-mente. A decisão mais acertada dentre

várias escolhas possíveis num experi-mento seria aquela com a maior efi-ciência de garantir uma finalidadepragmática. No século 17, o julgamentode Galileu foi um ponto nevrálgicodessa mudança pois, fato e valor foramenfim dissociados. No tribunal, de umlado estava um homem da razão que viuseu pensamento ser confrontado coma fé. Naquele momento foi necessárioentão que a incipiente ciência fosse to-talmente desprovida dos chamados valo-res sociais para distanciar-se ao máximodo que não fosse racional, cognitivo.

A ciência adotou a matematização,mas a realização do paradigma do con-trole só se daria no século 19, com osurgimento das condições sociais e eco-nômicas necessárias. A Primeira Revo-lução Industrial reuniu, pela primeiravez, produção de conhecimento e pro-dução de mercadorias. A partir de en-tão, essa relação entre ciência e técnicafoi naturalmente se estreitando. O fimda Segunda Guerra Mundial marcouainda mais a confluência entre ciênciae tecnologia que, em tempos mais re-centes, desembocou na chamada tec-nociência.

Negação - A reação, afirma Mariconda,foi excessiva, a ponto de inspirar críti-cas radicais, pós-modernistas, que con-denam a ciência e as patentes na sua to-talidade, sem racionalização. O projetode Mariconda não caminha no sentidodessa negação total, mas, dentro domelhor espírito científico, defende a va-lidade das pesquisas científicas, apenasprefere avisar sobre o perigo da valora-ção excessiva do controle da naturezasobre outras formas de relacionamentocom os objetos naturais. Nesse contex-to, a ciência moderna seria uma abor-dagem possível entre outras tantas, semradicalização dos elementos de neutra-lidade e autonomia, preservando a suaimparcialidade.

Mas, reconhece o pesquisador, estácada vez mais complicada essa amplia-ção do leque de escolhas, na medida emque, de forma crescente, a pesquisa mi-grou das universidades para as corpo-rações econômicas, que também apli-cam recursos no desenvolvimento denovos conhecimentos. O número de pa-tentes revela a desproporção: no mun-do todo, apenas 3% delas são concedi-das a pesquisadores vinculados a uma

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O PROJETO

Estudos de filosofia e história da ciência

MODALIDADE

Projeto Temático

SUPERVISÃO

PABLO RUBEN MARICONDA – USP

INVESTIMENTO

R$ 116.332,00 (FAPESP)

instituição acadêmica. “Essa questão éum ponto nevrálgico, pois restringe oacesso de procedimentos biológicos aum grupo de pessoas que tem a paten-te. No longo prazo, isso pode acarretaro retalhamento do campo científico emum sem-número de patentes, o que im-possibilitaria o conhecimento univer-sal. Esse ficaria limitado pelas áreasreguladas pelas patentes e será difícilfazer pesquisa independente”, avisaMariconda. “Precisamos nos conscien-tizar de que não se pode ficar apenas napesquisa aplicada.” Felizmente, alertaMariconda, o Brasil é um dos poucospaíses da América Latina que não abriumão da pesquisa básica.

Conhecimento - “Temos muitos institu-tos que, embora de ponta para a pes-quisa aplicada, canalizam esforços nabusca de conhecimento científico quesolucione problemas fundamentais dasociedade brasileira”, elogia o pesqui-sador, que ressalta o valor do trabalhode fundações de fomento à pesquisa,como a FAPESP, a Fundação de Ampa-ro à Pesquisa do Rio de Janeiro (Fa-perj), o Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico(CNPq) e a Comissão de Aperfeiçoa-mento do Ensino Superior (Capes), en-tre outras. Um dado novo a se analisarverifica-se na polêmica da quebra daspatentes, em especial das drogas usa-das no tratamento da Aids. “O governotem suas razões para tanto, mas apenasem casos extremos como esse, pois setrata de uma situação em que os pro-dutos são caros e deveriam estar bene-ficiando a todos. Em casos de vida emorte, o lucro não pode se sobrepor àsnecessidades da população”, defende.“A propriedade difusa, pública e coleti-va, associada ao conhecimento dos po-vos e das comunidades em geral e mes-mo da comunidade científica emparticular, começa a competir de modoperigoso com a propriedade privada,associada a um conhecimento tecnoló-gico avançado, cujo desenvolvimentodependerá cada vez mais de grandes in-vestimentos que só existirão com a ga-rantia de retorno ainda maior”, avalia opesquisador.

Para Mariconda, no âmbito da ciên-cia, pode-se, no limite, estabelecer quehá um empobrecimento cultural e inte-lectual: a tecnociência contemporânea,

se predatória, leva o conhecimentopúblico, ideal da ciência moderna, atornar-se conhecimento privado. “Aodefendermos a imparcialidade da pes-quisa científica, como a feita nas fun-dações e nas universidades, falamos afavor de um conhecimento livre deingerências externas que se mascaramde humanistas e progressistas para im-por uma ideologia que se volta contra ohomem e inibe a liberdade de pensa-mento”, avalia o pesquisador. Afinal,advoga Mariconda, a presença de valo-res não impede a ciência de atingir umconhecimento objetivo e imparcial.

“Ter a chance de conhecer a fundoos fenômenos e, dessa forma, controlara natureza em si não é um mal. O pro-blema é a utilização estritamente ma-terialista dessa conquista. O mesmo co-nhecimento pode ser usado de váriasformas”, avalia.

Já controlar os cientistas é umaquestão delicada. “Muitos insistem natese da neutralidade e na idéia de que omau uso de suas descobertas é respon-sabilidade do capitalismo e do Estado, enão deles. Essa não é uma atitude sau-dável. Sempre que produzimos conhe-cimento somos responsáveis pelos efei-tos colaterais dessa criação”, avisa oautor. Mariconda lembra o exemplo deEinstein, que, apesar de ciente das conse-qüências de suas descobertas, não pa-rou as suas pesquisas. O que não o im-pediu de usar a sua figura pública parapropagar o pacifismo. Afinal, naqueledia do julgamento, apesar da violênciacom que era ameaçado, Galileu não sedeixou levar. O eppur se muove era to-talmente verdade. •

CARLOS HAAG

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magine chegar bem perto das águasdo rio Tietê, ver seus peixes abrindo es-paço para uma embarcação e criançasnadando enquanto, ao fundo, dois clu-bes disputam uma regata. Cena impos-sível de se ver hoje, mas que pode ser

vislumbrada, por meio da história, nas páginas datese de doutorado O rio que a cidade perdeu – O Tie-tê e os moradores de São Paulo 1890-1940, defendidapor Janes Jorge no Departamento de História da USPem abril.

Bolsista da FAPESP de 1999 a 2003, Jorge enfren-tou o desafio de realizar um trabalho de história socialdo cotidiano que dialogasse com os estudos sobre aurbanização de São Paulo e com a nascente históriaambiental, fórmula inevitável perante as profundasdiscussões contemporâneas sobre o papel do Tietê navida da metrópole. “Parti do pressuposto de que nãoé possível ter idéia dos custos sociais e ambientais daurbanização paulistana no século 20 sem que a pes-quisa histórica nos informe, ainda que parcialmen-

HISTÓRIA

Estudo revela a vida em torno da principal via hídrica de São Paulo no início do século 20

Em busca do

Tietê perdido

RENATA SARAIVA

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HUMANIDADES

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Aquarela de Chanderlain (1820) mostrando ao longe o pico do Jaraguá e, no primeiro plano, a várzea da Lapa

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sobre o que fazer com o rio permanece-ram nos anos seguintes até que, no finaldos anos 1930, o então prefeito PrestesMaia deu início ao processo de retifi-cação que deu origem à forma que oTietê tem hoje.

“Nos anos 1920, ganhou força aidéia de que as margens dos rios deviamacolher grandes vias de circulação dacidade. E, ao contrário de alguns planosque antecederam o seu, o de Prestes Maianão contemplava áreas de lazer no en-torno do Tietê”, conta Jorge. EnquantoPrestes Maia queria que as laterais do riofossem grandes avenidas, a Light andPower Co., empresa que detinha o mo-nopólio da eletricidade e transportes em

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te, sobre o que existia antes disso”, diz opesquisador.

Também a experiência pessoal con-tou para a escolha do tema. Como suafamília vive na Vila Maria, um dos bair-ros vizinhos ao Tietê, Jorge tinha namemória relatos sobre transformaçõesdrásticas do ambiente em torno do rioocorridas na simples passagem de umageração para a outra.

rocurei dar uma vi-são abrangente dasrelações sociais en-tre os diversos gru-pos sociais paulista-nos e o rio naquele

período, investigando diferentes di-mensões da vida social. A documenta-ção pesquisada, no entanto, possibilitainúmeras pesquisas específicas, como ahistória da pesca em São Paulo ou o im-pacto social das grandes obras urbanasna vida dos moradores e no meio am-biente”, afirma Jorge.

Pois a pesca foi apenas uma das ati-vidades desenvolvidas pelas populaçõesestudadas por Jorge. “O que se vê nesseperíodo é que se trata do momento emque o rio foi mais utilizado, por contado rápido crescimento da cidade e dosinúmeros recursos que oferecia. Aomesmo tempo, ele já está caminhandopara a sua triste condição atual”, diz ohistoriador.

Propostas de intervenção geral nocurso do Tietê na cidade de São Pauloganharam força a partir de 1890, data

que dá início ao período estudado porJorge. “O governo do estado instituiuuma comissão de saneamento com oobjetivo de evitar, principalmente, asepidemias que ameaçavam a expansãoda economia cafeeira”, conta o pesqui-sador. “Na época havia controvérsiascientíficas sobre a origem das doenças eacreditava-se que muitas delas eram cau-sadas por miasmas, que se formavamdevido à umidade excessiva e às águasestagnadas.”

“Em 1893, um projeto de retifica-ção do rio foi apresentado, mas não foilevado adiante devido a problemas po-líticos e econômicos enfrentados pela eli-te cafeeira”, diz Jorge. Mas as discussões

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São Paulo, tratava de afastar o poder pú-blico da administração efetiva do Tie-tê e seus afluentes, como forma de evi-tar concorrentes no uso das águas ourestrições ao seu modo de operar.

O poder público e a Light não eramos únicos interessados no potencial eco-nômico do Tietê. Ao lado deles, outrosagentes da frenética urbanização explora-vam sua bacia, extraindo areia e pedre-gulho para a construção civil ou usandoas águas para o transporte das cargas quechegavam à metrópole em formação.

Houve uma exploração intensa doTietê no período analisado por Jorge. Ese o Tietê era um grande negócio paramuitos, no extremo oposto, para os tra-

balhadores pobres, era o local de ondese tirava sustento, fosse por meio dapesca e da caça, da retirada de areia epedregulho ou do trabalho em cháca-ras às margens do rio e seus afluentes.

Predatória - Era inevitável que tal cená-rio resultasse em todo tipo de conflito,como entre chacareiros e loteadores ur-banos; entre barqueiros novos e anti-gos; entre pessoas que praticavam pescapredatória e aquelas que condenavamessa atividade ou aqueles referentes àsdesapropriações que precisavam ser fei-tas para as obras de retificação.

Os rios eram tão importantes para avida da cidade que uma das figuras que

se destacavam no cenário urbano noinício do século 20 era a do fiscal derios. A ele eram atribuídas diversas fun-ções. De verificar e regulamentar as con-dições de pesca e da extração da areia aprestar socorro às populações ribeiri-nhas nos casos de enchentes – sim, jánaquela época elas existiam.

A análise de alguns relatórios deixa-dos por esses fiscais permite identificara realidade ambígua das condições am-bientais e sociais no entorno do Tietê. Eé nas palavras de um deles, José Joa-quim de Freitas, em carta ao prefeitoAntonio Prado, em 1903, que se podeter a dimensão exata de quanto o Tietêjá estava condenado a ser o que é hoje:“Esta corrente é de importância vitalpara a cidade de São Paulo. Do seu lei-to extraem a areia e o pedregulho; dasmargens, o tijolo e a telha; das várzeas,muita da hortaliça que abastece o mer-cado; dá o transporte mais econômi-co a todos esses produtos. (...) O Tietê,puro, capaz de transportar as imun-dices que lhe são confiadas, é o sanea-mento, poluído, sobrecarregado de de-tritos que se vão sedimentando eputrefando (...). De há muito me arre-ceio pela poluição do Tietê, e esperopelo remédio contra esse mal. Mas hádois anos que esse receio se tornou pa-vor, e hoje sinto necessidade de chamara zelosa atenção do sr. Dr. Prefeito, pa-ra que reclame dos poderes competen-tes a solução desse problema de vidaou morte para S. Paulo”.

Pelo mesmo esperam, até hoje, ospaulistanos, não só os que vivem àsmargens do rio, mas em todas as áreasprejudicadas cada vez que seu leito de-cide reapropriar-se do espaço que suaságuas perderam com a urbanizaçãoda cidade. •

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Clube de Regatas à beira do rio Tiête numa vista tomada por volta de 1905: na mensagem lê-se “O pequeno Tâmisa de São Paulo”

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94 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

s militares,mesmocom o fim do re-gime de exceção,

ainda se mantêm como umestigma dentro da socieda-de brasileira.Para muitos,eles seriam inúteis nessesnovos tempos,sem guerrasfrias ou ameaças externasao Brasil.Para outros,elessão lembrados com umaponta de saudosismo,res-ponsáveis por um país “ple-no de ordem,disciplina eprogresso”.A verdade é que,apesardo papel fundamental que sempreexercitaram na história nacional,pouco sabemos sobre os militares.Esse novo estudo de José Murilo deCarvalho é uma honrosa exceção,em especial por reunir textos com-postos pelo historiador ao longo de

30 anos.Dessa forma,escritos de1964,em que o autor se perguntava“por que não estudamos os milita-res”antes que eles fizessem o golpe,são complementados por outros,re-centes,que nos avisam da necessida-de de rediscutir o papel dos militaresnos novos tempos,sob pena,alerta o

Uma velha história sem final feliz

O historiador, de “corrermoso risco de sermos surpreen-didos pelos acontecimentoscomo em 1964 e sermos,novamente,atropelados pe-la roda da fortuna”.O queesperar do Exército hoje? Operigo mora no desinteres-se por esse dilema,tanto doExecutivo quanto do Legis-lativo.Murilo de Carvalhoobserva que o episódio re-cente do pronunciamentomilitar favorável à repres-

são,e que levou à queda do ministroda Defesa, é uma prova de que nemtudo foi resolvido.Para Jos é Murilode Carvalho,as manchas do passadoforam,cedo demais,esquecidas.

Jorge Zahar (21) 2240-0226 www.zahar.com.br

Forças Armadas

e política no Brasil

José Murilo de Carvalho

Jorge Zahar Editor

224 páginas / R$ 38,00

m período de crisespolíticas,um fan-tasma ronda o ima-

ginário de todos:CarlosLacerda.O inventor do cha-mado “mar de lama”, ape-sar de polêmico, não podeser comparado com a bo-çalidade dos denunciantese moralistas de plantão dostempos atuais.Uma boaprova de seu talento apare-ce nessa interessante cole-ção de cartas escritas porele e para ele num período que se es-tende de 1939 até 1968,incluindo,aparte mais saborosa,todo um volu-me dedicado às epístolas que falamde sua relação com o regime militar.Nisso,temos direito mesmo a sur-presas,como um telegrama em queo defensor ferrenho do golpe de 1964

se transforma em crítico da ditadu-ra,pregando a anistia aos cassadosdaquele ano. “Respondendo ao seutelegrama entendo tema deve abran-ger,segundo penso,exame.Revolu-ção em face tentativa dividir-nos.Promover restauração.Processar vol-ta de homens banidos pelo movi-

Cordialmente, Carlos Lacerda

E

mento.” Mas nem tudo é política ehá várias cartas para escritores e in-telectuais,como Carlos Drummondde Andrade,JK,Erico Verissimo,Gilberto Freyre,M ário de Andrade.

Editora UnB (61) 3035-4200 www.unb.br

LIVROS

Minhas cartas

e as dos outros

Carlos Lacerda

UNB/Fundamar

2 volumes

R$ 54,00 (cada)

94-114-pesquisa-resenha 27/7/05 6:05 PM Page 94

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De perto e de longe

Didier Eribon/Claude Lévi-StraussCosac Naify272 páginas, R$ 26,90

Uma conversa imperdível em que o grande antropólogo francês conta a sua trajetória,definindo-se como um “Dom Quixote da antropologia”.

A entrevista traz em cena as grandes figuras intelectuaise artísticas do século 20,como Lacan,Duchamp,Ernst, Jakobson, Braudel, Boas, Merleau-Ponty, amigose influências de Lévi-Strauss.Partindo da sua infância,o antropólogo conta a sua formação acadêmica,a descoberta de Marx,os tempos passados no Brasilcom Braudel e Bastide,na fundação da USP em 1935.

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Vencer ou morrer:futebol, geopolítica e identidade nacional

Gilberto AgostinoMauad/Faperj272 páginas, R$ 38,90

Esporte capaz de arrebatar paixões e também de fazer história.Nessa obra,GilbertoAgostino mostra o futebol por um ângulo diferenciado:a interação do jogo com os modelos e sistemas políticos,bem como sua participa ção no processo de construção de identidades nacionais no Brasil e no globo.O t ítulo remete a uma frase de Mussolini,dita aos seus soldados antes de entrarem em batalhas.

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A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX)

Flávio dos Santos GomesEditora Unesp464 páginas, R$ 58,00

O Brasil pode se orgulhar de ter na história da resistência escrava nas Américas o maior número de povoamentos de cativos fugidos.Segundo o autor,assenzalados e aquilombados trabalharam juntos numa inusitada e pouco conhecida resistência contínuacontra o sistema de escravidão.

Editora Unesp (11) 3242-7171www.editora.unesp.br

O Brasil e a economia internacional

Paulo Nogueira Batista Jr. Editora Campus162 páginas, R$ 35,00

Um livro importante nesses tempos em que o quadro econômico varia comgrande velocidade,em especial no

terreno internacional.Nogueira Batista discute a dimensão cambial e financeira do relacionamento externo da economia brasileira.Ao mesmo tempo,o pesquisador avalia as negociações comerciais do Brasil,em especial a delicada questão da implementação da Alca,tema que gera um debate intenso entre governos.

Editora Campus (11) 5105-8555www.campus.com.br

A história do diabo

Vilém FlusserAnnablume214 páginas, R$ 38,00

“É possível a afirmativa de que o tempo começou com o Diabo,que oseu surgir ou a sua queda representamo início do drama do tempo,e que

diabo e história sejam dois aspectos do mesmo processo”,afirma Flusser no seu delicioso e pol êmicolivro,um elogio ao “príncipe das trevas”, escrito com paródias a textos sagrados.Para Flusser,influ ência divina é tudo o que procura superar o tempo e influência diabólica,tudo o que quer preservar o mundo no tempo.

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LIVROS

Identidades, discurso e poder:estudos da arqueologia contemporânea

Pedro Paulo Funari, Charles Orser Jr.e Solange Nunes de Oliveira (org.)Annablume/FAPESP246 páginas, R$ 40,00

Uma interessante e importantecoletânea de artigos que mostra a dimensão e o trabalho da arqueologia brasileira.Entre os temastratados nessa reunião de textos: “Os espaços da resistência escrava em Cuba”,de Gabino Cozo;“Questão étnica no discurso arqueológico”,de Oliveira.

Editora Annablume (11) 3812-6764www.annablume.com.br

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omecei a me afeiçoar a esse lugar no dia em que derrubei quase meia xícara decafé sobre um dos meus cadernos.Quando terminei a última linha da décimafolha,meu braço tremia tanto que acabei esbarrando na xícara e derrubando o

café.O líquido – quase meia xícara de café! – cobriu as palavras e,quando eu tive certe-za de que não conseguiria ler nada por baixo da mancha escura,até porque meia xícarade café não é pouca coisa,comecei a chorar.Na mesma hora,a moça do caixa veio meconsolar:fazia questão de trazer para mim outra xícara de café.Aliás,eu não precisariapagar de novo.O problema era o caderno,expliquei.A garota pediu desculpas e disseque esse problema ela não tinha como resolver,já que vendiam café,café com leite,lei-te e até mesmo refrigerante,mas não cadernos.Não devia custar grande coisa,conti-nuou,um caderno,só que talvez seja mais caro que uma xícara de café,ou meia,já queeu tinha tomado uma parte,possivelmente um pouco mais da metade,muito emboratenha sobrado café suficiente para cobrir a folha e deixar tudo completamente ilegível.Se eu tivesse escrito a caneta,talvez conseguisse ler alguma coisa,já que o café,mesmose for muito,quase meia xícara,costuma fazer contraste com a tinta azul.Finalmente elacompreendeu,mas mesmo assim,talvez porque fosse do caixa e não trabalhasse no balcão(e,portanto,não estava cansada,o que lhe dava mais energia para consolar os clientes,principalmente aqueles que derrubam meia xícara de café em cima do rascunho de suatese de doutorado,motivo mais do que suficiente para tomar muito café,o que é um pa-radoxo,já que se tomasse menos café possivelmente haveria mais líquido na xícara e oestrago seria maior e talvez até cobrisse as anotações para as notas de rodapé,fato maisdesesperador,porque banca alguma aceita uma tese de doutorado com menos de trezen-tas notas,não por nada,mas porque as notas demonstram o conhecimento bibliográ-fico indispensável para qualquer um que esteja querendo ostentar o título de doutor),oque a deixava mais disposta para consolar os clientes que,por qualquer motivo,derru-bam quase meia xícara de café em cima de um caderno com dez folhas de anotações alápis,sim,porque se fosse a caneta,a cor do café se misturaria ao azul da tinta e o efeitoseria muito bonito:até mesmo as notas de rodapé ficariam elegantes,o que é um sinalvalioso para a banca,principalmente porque isso,a elegância da nota de rodapé e não ocontraste da cor do café com o azul da tinta da caneta,demonstra horas de estudo,o queé indispensável para qualquer um que deseje ostentar o título de doutor.Para não per-der o fio,é importante lembrar que se aquela moça trabalhasse no balcão,possivelmen-te estaria cansada e sem nenhuma disposição para consolar os clientes que,por motivosvariados,derrubam quase meia xícara de café sobre um caderno com dez folhas escri-tas a lápis.Se estivessem a caneta,possivelmente a moça que trabalha no balcão tambémnão se animaria a consolar o fulano,mas ocorre que o fulano,por sua vez,também nãocomeçaria a chorar,porque o café,mesmo que seja quase meia xícara,não esconde pa-lavras escritas a caneta,pelo contrário,acaba tornando o tom do azul mais bonito.É quese o fulano,no caso eu,tivesse escrito a caneta o café não teria coberto as palavras eele,muito possivelmente,não começaria a chorar,já que o conhecimento novo que éuma das principais exigências para uma tese de doutorado,além das seiscentas notas derodapé,não seria destruído por causa de meia xícara de café que acabou virando por-

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que o fulano, no caso eu mesmo, estava muito emocionado por ter finalmente escritodez folhas com um conhecimento genuinamente novo, um dos pré-requisitos para aaprovação de uma tese de doutorado, além das novecentas notas de rodapé, que de-monstrariam que o candidato tinha pleno domínio da bibliografia referente ao assuntoda sua tese. Só que como o fulano, ou, o que me dói muito ter que admitir, eu mesmo,tinha escrito a lápis e nada mais lhe restava do que chorar em cima do café derramadosobre o conhecimento novo que eu, ou melhor, o fulano, tinha acabado de perder. O queme afeiçoou a esse lugar não foi a atitude da garota que trabalha no caixa – eu tenho cer-teza de que se ela trabalhasse no balcão a coisa teria sido muito diferente, ainda que euadmita claramente que sua gentileza é rara nos dias de hoje: ninguém mais quer saberda tragédia dos outros, nem mesmo quando o fulano perde mil e duzentas notas de ro-dapé, praticamente uma livre-docência! Eu sei que ninguém está a salvo de derrubarquase meia xícara de café em cima de dez páginas de sua (ou, no caso, minha) tese dedoutorado. Aliás, pode até acontecer com a própria banca, bem no momento em que ela,a banca, e não a moça que trabalha no balcão (sim, porque se fosse a do caixa), vai lem-brar o candidato de que o conhecimento novo, e não um amontoado sem nexo de no-tas de rodapé, só pode ser obtido a partir da combinação de determinados fatores dife-rentes na forma de um texto qualquer, por mais que ele, o texto qualquer e não oconhecimento novo, esteja embasado por mil e quinhentas notas de rodapé. Nesse mo-mento, se o membro da banca não tiver escrito uma tese com mil e oitocentas notas derodapé, ele pode vacilar, já que seu argumento será mais frágil e portanto sujeito à fácilrefutação pelo candidato, e terminar derrubando meia xícara, ou mesmo uma inteira,sobre a tese. Evidentemente que nesse caso não há motivo para choro, já que o conheci-mento novo não estará perdido, pois o membro da banca pode muito bem pedir em-prestado para o colega de argüição (esse um pouquinho mais seguro, pois fez uma tesecom duas mil e cem notas de rodapé) seu exemplar para continuar desenvolvendo o ra-ciocínio. Claro que daí em diante tudo ficará prejudicado, pois o candidato já não teráânimo nenhum para ouvir as considerações do membro da banca, que sequer teve o cui-dado de deixar a xícara de café longe do exemplar da tese, prevenção básica para qual-quer um que sabe que não é todo texto que constitui um conhecimento novo, muito me-nos os que terminam manchados por quase meia xícara de café, mesmo que ela tenhasido derrubada por um professor que redigiu, à sua época, uma tese de doutorado comduas mil e quatrocentas notas de rodapé, o que demonstra indiscutivelmente um conhe-cimento novo, mas não a segurança para tomar direito um gole de café, até porque o co-lega de banca que vai falar logo a seguir escreveu uma tese, por sua vez, com duas mil esetecentas notas de rodapé, o que demonstra que seu conhecimento novo é mais genuí-no que o do outro, coisa que naturalmente deixa todo mundo inseguro, a ponto de der-rubar o café. A menos, é claro, que a pessoa tenha, ela mesma, escrito uma tese com trêsmil notas de rodapé. Mas aí é pedir demais.

RICARDO LÍSIAS é escritor, autor de, entre outros, Duas praças (Editora Globo).

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