valério de oliveira mazzuoli - direito internacional público - 6ª edição - parte geral - ano...

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V alerio O liveira M azzuoli DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO i 6.° edição revista, atualizada e ampliada # EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

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V aler io d í O liveira M azzuoli

DIREITOINTERNACIONAL

PÚBLICOi

6.° edição revista, atualizada e ampliada

# EDITORA

REVISTA DOS TRIBUNAIS

D i r e i t o I n t e r n a c i o n a l P ú b l i c o

P a r t e G e r a l

6.a edição revista, atualizada e ampliada

Valerio de Oliveira M azzuoli

l . a ed. 2004; 2.“ ed. 2005;3.“ ed. 2006;4.“ed. 2008;5.aed. 2010.

© desta edição [2012]E d it o r a R ev ista d o s T r ib u n a is Lt d a .

A n t o n i o B e l i n e l o

0 ‘i *3 Diretor responsável

Rua do Bosque, 820 - Barra Funda Tel. 11 3613.8400-Fax 11 3613.8450 CEP01136-000-S ão Raulo, SP, Brasii

T o d o s o s d ir e it o s r e s e r v a d o s . Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

C e n t r a l d e R e l a c io n a m e n t o RT (atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas)

Tel. 0800.702.2433

e-mail de atendimento ao consumidor [email protected]

Visite nosso site www.rt.com.br

Impresso no Brasil [04-12]

Universitário (texto)

Fechamento desta edição [03.04.2012]

SZSSs.

M n w ia»

ISBN 978-85-203-4298-5

D uas P alavras

Este livro é um a in trodução didática à parte geral do D ireito Internacional Público, tendo sido elaborado com a finalidade de for­necer, ao leitor iniciante, as prim eiras linhas de estudo deste ram o do Direito. Por este m otivo, a presente obra foi concebida num a linguagem bastante simples e dinâm ica, não fugindo à característica principal e aos objetivos d eu m Manual, que é levar informação rápida, mas com conteúdo,"a todos aqueles que necessitam de dados atualizados sobre as diversas vertentes do conhecim ento. Esse fato, po r si só, já justificao conteúdo condensado deste livro, ao estilo do que já fizeram outros autores consagrados, como Thom as Buergenthal, H éctor Gros Espiell, Cláudio Grossm an e H arold G. M aier em seu sintetizado Manual de derecho internacional público (México: Fondo de Cultura Econômica, 1994,168 p .) . Ao leitor que desejar aprofundar-se na disciplina, suge­rimos recorrer ao nosso Curso de Direito Internacional Público, também publiçado pela RT, em que detalham os o estudo de todo o program a da m atéria, em seis grandes partes divididas em vários capítulos e seções. Os candidatos a concursos públicos, da mesma forma, podem se valer do nosso Curso para um estudo mais a longo prazo, e do presente Ma­nual para um a revisão mais célere dos seus principais temas.

Esta obra apresenta, com alguma pouca variação, o que se pode cham ar de parte geral do D ireito In ternacional Público, tal como prevista no program a da disciplina DIN-412 do curso de graduação èm direito da Faculdade de Direito da USP, correspondente à m atéria m inistrada no quinto sem estre escolar, acrescida, porém , de outros temas relevantes, como a teoria das organizações-internacionais, a proteção internacional dos direitos hum anos, o direito internacional do meio am biente, etc.

Nesta nova edição, procedeu-se a um a revisão com pleta do texto, que foi significativamente ampliado e atualizado.

A m aioria das norm as internacionais citadas neste livro encontra- -se na nossa Coletânea de Direito Internacional, que integra a coleção

dos RTMini Códigos, a qual recom endam os como m aterial de apoio ao livro, principalm ente para o acom panham ento das aulas em classe. Ao final da obra, inseriram -se vários testes de m últipla escolha e questões dissertativas de concursos públicos e exames de Ordem, com a finali­dade de auxiliar o acadêmico na fixação da m atéria tratada.

Agradecemos, aos estimados leitores, a acolhida deste Manual e esperamos que ele possa bem servir aos propósitos para os quais foi concebido.

São Paulo, abril de 2012.

6 j DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

V a l er io d e O liv eir a M a z z u o l i

S u m á r io

DUAS PALAVRAS ........................................................................................... 5

Capítulo I ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL................... 131. Entendendo oçjue é o direito internacional público......................... 13

2. Sociedade e comunidade internacional............................................. 13

3. Breve origem do dfreito internacional público................................... 154. Problemas de definição.......................................................................... 17

5. Demais sujeitos de direito internacional público ............................. 186. Aplicação internacional e in terna........................................................ 20

8. Leitura com plem entar............................................................................ 21

C apítu lo II FUNDAMENTO DO DIREITO INTERNACIONALPÚBLICO ....................................... ................................. 23

1. Fundamento do direito internacional.................................................. 23

2. Doutrinas................................................................................................... 233. Doutrina voluntarista............................................................................... 24

4. Crítica à doutrina voluntarista............................................................... 24

5. Doutrina objetivista................................................................................. 25

6. Fundamento do DIP na regra pacta suntservanda ............................ 25

7. Leitura com plem entar............................................................................ 27

Capítulo III FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTESPRIMÁRIAS......... ............................................................... 28

1. Conceito de fonte (fontes formais e materiais).................................... 28

2. Rol das fontes do direito internacional público.................................. 293. Os tratados internacionais..................................................................... 31

4. O costume internacional........................................................................ 31

5. Os princípios gerais de direito............................................................... 32

6. Leitura com plem entar............................................................................ 34

Capítulo IV FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: MEIOSAUXILIARES E NOVAS FONTES..................................... 35

1. Jurisprudência internacional................................................................. 35

2. Doutrina dos publicistas......................................................................... 36

8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

3. Atos unilaterais dos Estados.................................. ................................. 37

4. Decisões das Organizações Internacionais........................................ 38

5. Analogia e equidade................................................................................ 39

6. A questão da softlaw ............................................................................... 40

7. Leitura com plem entar............................................................................. 41

Capítulo V CODIFICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONALPÚBLICO ........................................................................... 42

1. Propósito da codificação......................., ................................................ 42

2. A regra da Carta da O N U ............................................ :........................... 43

3. Tentativas de codificação do D IP .......................................................... 44

4. Estado atual da codificação do DIP....................................................... 45

5. Leitura com plem entar............................................................................. 46

Capítulo VI TEORIA GERAL DOSTRATADOS INTERNACIONAIS.. 471. Conceito de tratado internacional........................................................ 47

2. Validade da Convenção de Viena de 1969 no Brasil......................... 47

3. Desmembrando o conceito de tra tado ................................................. 48

4. Terminologia dos tratados....................................................................... 50

5. Estrutura dos tratados............................................................................... 51

6. Classificação dos tratados....................................................................... 52

7. Processo de formação dos tratados....................................................... 55

8. Reservas aos tratados multilaterais....................................................... 59

9. Emendas e modificações aos tratados multilaterais........................... 61

10. Interpretação dos tratados....................................................................... 62

11. Processualística constitucional para a celebração de tratados........ 63

12. Extinção dos tratados............................................................................... 67

13. Suspensão dos tratados............................................................................ 72

14. Leitura com plem entar............................................................................. 72

Capítulo VII RELAÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL COM ODIREITO INTERNO......................................... ................. 74

1. Colocação do problem a......................................................................... 74

2. Teoria dualista........................................................................................... 74

3. Teoria monista........................................................................................... 75

4. Monismo nacionalista............................................................................. 76

5. Monismo internacionalista..................................................................... 77

SU M Á R IO

6. Monismo internacionalista dialógico...................................................

7. Doutrina conciliatória.............................................................................

8. Conflito entre tratados internacionais comuns e normas da Cons­tituição ........................................................................................................

9. Leitura com plem entar.............................................................................

Capítulo VIII HIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS E AS LEIS IN­TERNAS...............................................................................

1. Falta de disposição constitucional.........................................................

2. Prevalência dos tratados e "sistema paritário".....................................

3. Crítica à posição do STF em relação aos tratados dos com uns........

4. Teoria do "ato próprio"............................................................................

5. Especialidade das leis..............................................................................

6. O art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dosTratados.......

7. Leitura com plem entar.............................................................................

Capítulo IX INCORPORAÇÃO DOSTRATADOS INTERNACIO­NAIS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL...........

1. Exceção ao procedimento geral de incorporação de tratados.........

2. Norma específica da Constituição de 1 9 8 8 ........................................

3. Vertentes dos direitos e garantias fundamentais na Constituição de1 9 8 8 ............................................................................................................

4. Consagração de uma dupla fonte normativa.......................................

5. índole constitucional dos tratados de direitos hum anos ...................

6. Hierarquia infaconstitucional dos tratados com uns..........................

7. Normas de direitos humanos e jus cogens...........................................

8. Aplicabilidade imediata dos tratados de direitos hum anos..............

9. Tratados de direitos humanos como "cláusulas pétreas" constitucio­nais..............................................................................................................

10. As três correntes atuais, no Brasil, sobre o assunto ............................

11. A reforma do Poder Judiciário e os tratados de direitos humanos....

12. Controle de convencionalidade no Brasil............................................

13. Leitura com plem entar.............................................................................

Capítulo X HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E O PROBLEMA DAS SENTENÇAS PROFERIDAS POR TRIBUNAIS INTERNACIONAIS......................................

1. Introdução.................................................................................................

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1 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G er a l

2. Comentários à regra do Código de Processo Civil............................ 119

3. O problema das sentenças proferidas por tribunais internacionais. 121

4. Leitura complementar........................................................................... 125

Capítulo XI NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA À LUZDA EMENDA 54/2007..................................................... 126

1. A nacionalidade originária brasileira na Constituição de 1988...... 126

2. Histórico constitucional do problem a................................................ 126

3. Entendimento da Emenda 54/2007..................................................... 128

4. Uma incongruência da Emenda 54/2007.......................................... 128

5. Leitura complementar............. :............................................................ 129

Capítulo XII AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS INTERGOV-ERNAMENTAIS................................................................. 130

1. Introdução.............................................................................................. 130

2. A Organização das Nações Unidas (ONU)........................................ 131

3. Os órgãos das Nações Unidas.............................................................. 132

4. Organismos especializados da O N U ................................................. 137

5. Organizações regionais........................................................................ 140

6. Organizações supranacionais............................................................. 1417. Leitura complementar........................................................................... 142

Capítulo XIII SOLUÇÕES PACÍFICAS DE CONTROVÉRSIAS INTER­NACIONAIS...................................................................... 143

1. Introdução.............................................................................................. 143

2. Conceito de controvérsias internacionais.......................................... 143

3. Finalidade da matéria............................................................................ 144

4. As regras da Carta das Nações Unidas e da Carta da OEA.............. 144

5. Hierarquia dos meios de solução de controvérsias........................... 145

6. Meios diplomáticos (não judiciais)...................................................... 146

7. Meios políticos....................................................................................... 148

8. Meios semijudiciais............................................................................... 149

9. Meios judiciais....................................................................................... 152

10. Meios coercitivos........................................ .......................................... 155

11. Leitura complementar........................................................................... 158

SU M Á RIO 11

Capítulo XIV DIREITOS DOS INDIVÍDUOS NO PLANO INTER­NACIONAL....................................................................... 159

1. Generalidades.......................................................................................... 159

2. A questão das "gerações de direitos"................................................... 160

3. Críticas ao sistema geracional e direitos............................................ 163

4. Gênese do direito internacional dos direitos humanos................... 164

5. O direito internacional dos direitos humanos........................ .......... 167

6. O direito da Carta da O N U .................................................................. 170

7. Declaração Universal dos Direitos Humanos................................... 172

8. Leitura com plem entar.......................................................................... 178

Capítulo XV NOÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOMEIO AMBIENTE............................................................... 180

1. Introdução.............................................................................................. 180

2. Instrumentos internacionais de proteção........................................... 182

3. O direito ao meio ambiente como um direito humano fundamen­t a l .............................................................................................................. 183

4. A proteção do meio ambiente no direito brasileiro......................... 189

5. O direito ao meio ambiente sadio no sistema interamericano dedireitos humanos..................................................................................... 191

6. Inter-relação dos direitos humanos com o meio am bien te ............. 192

7. Leitura complementar............................................................................ 194

Capítulo XVI RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO1. Conceito de responsabilidade internacional.................................... 196

2. Características da responsabilidade internacional........................... 196

3. Elementos constitutivos da responsabilidade.................................... 198

4. Formas de responsabilidade internacional........................................ 199

5. Natureza jurídica da responsabilidade internacional....................... 200

6. Órgãos internos e responsabilidade internacional........................... 201

7. Excludentes da responsabilidade........................................................ 203

8. Projeto de convenção internacional da O N U ................................... 205

9. Leitura complementar............................................................................. 205

BIBLIOGRAFIA............................................................................................... 205

ANEXOS........................................................................................................... 217

I - Questões objetivas de concursos públicos.................................. 217

A - Direito internacional público................................................ 217

B - Direito internacional dos direitos hum anos....................... 219

II - Questões objetivas da OAB (vários Estados)............................... 227III - Questões dissertativas de concursos públicos da magistratura

federal........ ..................................................................................... 234

1 2 I DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G era l

OUTRAS OBRAS DO AUTOR 237

C a p í tu lo I O r ig e n s d o D i r e i to I n t e r n a c i o n a l

1. E n tendendo o q u e é o d ire ito in ternacional público: desde o mom ento em que o hom em passou a viver em sociedade, com todos os problemas e implicações que esta lhe impõe, tom ou-se prem ente e necessária a criação de norm as de conduta para reger a vida em grupo —lembre-se a afirmativa de Aristóteles de que o hom em é um ser social - , harm onizando e regulamentando os interesses individuais, visando sempre a almejada pacificação das relações sociais.

Em decorrência de sua evolução e de seu progresso como ciência, o direito passa a não mais se contentar em reger situações limitadas às fronteiras territoriais da sociedade que, modernamente, é representada pela figura do Estado. À medida que os Estados se multiplicam e à medida que crescem os intercâmbios internacionais, nos mais diversos e varia­dos campos da vida humana (econômico, financeiro, político, social, comercial, cultural, religioso etc.), o direito vai superando os limites territoriais da soberania estatal rum o à criação de um sistema de normas jurídicas capaz de coordenar vários interesses simultâneos, permitindo a tais Estados alcançar suas finalidades e interesses recíprocos.

Ao passo que este fenômeno se verifica, o direito vai deixando de somente regular questões internas para também disciplinar atividades que transcendem os limites físicos dos Estados, criando um conjunto de norm as jurídicas capazes de realizar esse mister.

Esse sistema de normas jurídicas que visa disciplinar e regulamentar as atividades exteriores da sociedade dos Estados (e também, moder­namente, das Organizações Internacionais intergovemamentais e dos próprios indivíduos) é o que se chama de direito internacional público.

2. Sociedade e com unidade internacional: o direito internacio­nal público disciplina e rege prioritariam ente a sociedade internacional, formada por Estados e Organizações Internacionais intergovemamen­tais, com reflexos voltados também para a atuação dos indivíduos no

1 4 DIREITOINTERNACIONAL PÚ B L IC O -P a r t e G e r a l

plano internacional. Não acreditamos, pelo menos por enquanto, na existência de um a comunidade internacional. A formação de uma co­munidade (Gemeinschaft) pressupõe um laço espontâneo e subjetivo de identidade (familiar, social, cultural, religioso etc.) entre os seus partí­cipes, onde não exista dominação de uns em detrimento de outros, em tudo diferindo da existência de uma sociedade (Gesellschaft). A socieda­de internacional reveste-se de características diametralmente opostas às de uma comunidade. Sua formação se baseia na ideia de vontade dos seus partícipes (ainda que não espontânea), visando determinados obj etivos e finalidades comuns. Mas se tais vínculos ou finalidades comuns não lograrem êxito, é mais fácil para os seus componentes desligarem-se do grupo (da sociedade) para buscar outras alternativas que atendam os seus interesses no cenário internacional. Tal desligamento seria certamente mais dificultoso de existir num campo onde os laços que unem uma comunidade se apresentam.

O que existe, portanto, no âmbito internacional, é um a sociedade de Estados que se suportam m utuam ente, enquanto isso lhes convém e enquanto isso lhes interessa. Trata-se de um a relação de suportabili- dade, nada mais do que isso. Não se vislumbra, nesse panorama, uma comunidade estatal unida por um laço espontâneo e subjetivo de iden­tidade, sem dominação de uns em relação aos outros ou sem demais interesses presentes. Os Estados unem -se com os outros e negociam entre si por interesses recíprocos, não por qualquer tipo de irmandade (ou solidariedade) entre eles.

Daí o entendim ento atual, seguido por grande parte da doutri­na, de que não existe (pelo m enos por enquanto) um a comunidade internacional, apesar de a expressão “com unidade” ser ainda bastante utilizada em inúm eros acordos e docum entos internacionais, como na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (v.g., art. 531), em resoluções da ONU, e tam bém pela jurisprudência e doutrina, nacional e estrangeira.

1. Art. 53 (Convenção de Viena de 1969): “É nulo um tratado que, no mo­mento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma im­perativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma

ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL 1 5

O que existe de concreto, sem embargo dos avanços nos campos científico e tecnológico, de que é exemplo a rapidez dos m eios de comunicação, é a existência de um a sociedade internacional em franco desenvolvimento, integrada por Estados, por Organizações Internacio­nais intergovemamentais e também (ainda que de forma mais limitada) pelos próprios indivíduos.

3. Breve origem do direito internacional público: o direito inter­nacional público tem sua origem constatada em inúmeros fatos sociais, políticos e econômicos da Idade Média. Ao contrário do que se pensa, na Antiguidade não existia um direito internacional propriamente dito, como o concebemos hoje, mas apenas um direito que se aplicava às relações entre cidades vizinhas (não entre Estados), de língua comum, de mesma origem e com as mesmas crenças religiosas, a exemplo do que ocorria com as anfictíonias gregas (que eram ügas pacíficas de caráter religioso) e também com as conhecidas confederações etruscas. Mas afora esses ca­sos particulares, não existia um direito propriamente internacional entre nações estrangeiras nesse período, porque não existiam regras de conduta comuns entre tais nações, nem sequer igualdade jurídica entre elas.

A evolução do direito internacional durou vários séculos e se desen­volveu de forma quase que desordenada. Suas primeiras e mais singelas manifestações aparecem quando dos intercâmbios que passam a existir entre os vários feudos da Idade Média - lembre-se do grande poder de relacionamento e do enorme prestígio que detinham os senhores feudais nessa época—e das alianças que celebravam entre si, muitas delas relacio­nadas às questões de segurança externa. Todos os tratados, nesse período, passaram a ser celebrados sob a égide da Igreja e do Papado e as decisões do Papa passaram a ser respeitadas em todo o continente, principalmente naquilo que dizia respeito à esfera espiritual de homens e mulheres.

Nesse mesmo mom ento histórico formam-se as Cidades-Estado italianas, j á no quadro da transição para a Idade Moderna, as quais pas­saram a m anter freqüentes intercâmbios políticos e econômicos entre

da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada pornorma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.”

1 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G era l

si, dando início ao esboço dos contornos norm ativos de um direito menos doméstico e mais internacional já nesse período.

Contudo, foi tão somente a partir do século XVII que o direito internacional público aparece como ciência autônoma e sistematizada, notadamente a partir dos tratados de Westfália, de 1648, que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos, conflito religioso envolvendo soberanos católicos e protestantes, que encheu a Europa de sangue de 1618 a 1648. Muitos autores consideram que antes da Paz de Westfália não existia um direito internacional propriamente dito, como se conhece hoje. Antes dos tratados de Westfália não existia uma sociedade internacional com poder para suj eitar os Estados ao cumprimento de suas regras de conduta. Portanto, a Paz de Westfália pode ser considerada como um verdadeiro divisor de águas na história do direito internacional público. Além disso, esse fato histórico teve grande importância internacional por marcar o surgimento do que hoje conhecemos por Estado moderno, que a partir desse momento passou a tomar-se o ator mais importante do direito inter­nacional (é certo que com os temperamentos introduzidos pelas normas mais modernas de limitação da autoridade absoluta dos monarcas).

Em suma, com os dois tratados de Westfália (Tratado de Münster, assinado por Estados católicos, e Tratado de Osnabrück, assinado pelos protestantes) demarcou-se a nova era do Direito Internacional Público, que a partir de então passaria a ser conhecido como ramo autônomo do Direito moderno. Por qual motivo? Pelo fato de, pela primeira vez, se ter reconhecido, no plano internacional, o princípio da igualdade formal dos Estados. Assim, mais do que colocar fim à Guerra dos Trinta Anos, os tratados de Westfália criaram um sistema pluralista e secular de uma sociedade de Estados independentes, em substituição à ordem hierarquizada da Idade Média.

A afirmação histórica do direito internacional e, consequente­mente, aprova de sua existência, decorreu da convicção e do reconhe­cimento por parte dos Estados-membros da sociedade internacional de que os preceitos do direito das gentes obrigam tanto interna como internacionalm ente, devendo os Estados, deboa-fé, respeitar (e exigir que se respeite) aquilo que contrataram no cenário internacional.

O direito internacional público, dentre todos os modernos ramos jurídicos, é o que mais tem se desenvolvido, principalm ente depois

ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL 1 7

da m udança do cenário internacional pós-segunda guerra, quando começam a aparecer, com mais vigor, as organizações internacionais intergovernamentais, seguidas de uma verdadeira avalanche de trata­dos, versando sobre matérias das mais diversas, como a terra, o mar, o espaço ultraterrestre e os fundos marinhos.

4. P rob lem as d e defin ição: o direito internacional público, também chamado de direito das gentes (law ofnations, nos países anglo- am ericanos; droit des gens, em francês, ou Võlkerrecht, no alemão), tradicionalmente sempre foi definido como sendo aquele direito capaz de reger as relações interestatais, consubstanciado num complexo de norm as que regulam as condutas recíprocas dos Estados. Trata-se do conceito clássico (positivista) de direito internacional público. O adjetivo internacional surge, em 1780, com jurista inglês Jeremias Bentham (1748-1832), para diferenciar o direito que cuida das relações entre Estados (intemational law) do direito nacional (national law) e do direito m unicipal (municipal law). Posteriorm ente adicionou-se o term o “público” à expressão “direito internacional” no intuito de diferenciá-lo do direito internacional privado (conhecido, nos países anglo-americanos, pela terminologia mais adequada conflict oflaws), cuj as norm as resolvem prioritariam ente conflitos de leis no espaço em relação a casos concretos subjudice com conexão internacional.

Na prática internacional e nos livros de doutrina não é de rigor a utilização do qualificativo “público” na designação do direito inter­nacional público (pois quando se fala em “direito internacional” já se subentende o direito internacional público). Em contrapartida, a palavra qualificadora “privado” não está dispensada da designação do direito internacional privado (devendo sempre aparecer esta expressão a fim de distingui-lo daquele).

Não obstante a expressão direito in ternacional público ser a mais em pregada, tan to na doutrina como na prática das relações internacionais, não se descarta, ainda hoje, chamá-lo de direito das gentes (term inologia advinda do direito francês: droit des gens), como pretendiam os escritores mais antigos dessa disciplina.

Em suma, nos term os da definição clássica desta nossa discipli­na, som ente os Estados podem ser sujeitos de direito internacional

1 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

público, de modo que som ente eles são capazes de contrair direitos e obrigações estabelecidos pela ordem juríd ica internacional. Esta doutrina, baseando-se nas premissas teóricas do dualism o de Carl H einrich Triepel, nega que os indivíduos possam ser sujeitos de direito internacional, sob o fundam ento de que o direito das gentes som ente regula as relações entre os Estados, jam ais podendo chegar até os indivíduos, sem que haja um a prévia transformação de suas norm as em direito interno. Os benefícios ou obrigações porventura reconhecidos ou im postos a outras instituições, que não o Estado, dentro desta definição tradicional, são considerados como sendo m eram ente derivativos, visto terem sido adquiridos em virtude da relação ou dependência que tiveram com o Estado respectivo, este sim único sujeito internacionalm ente válido.

5. D em ais su jeitos de d ire ito in ternacional público: a con­cepção tradicional de direito internacional público, com preendida acima, deve ser m odernam ente afastada, por não mais corresponder à realidade atual das relações internacionais. Nos tem pos atuais o direito internacional não mais se circunscreve às relações entre os Estados, exclusivamente. Hans Kelsen, entretanto, chegou a adm itir a autenticidade desta afirmação, reconhecendo que, a esta regra de apreensão tão som ente mediata da conduta de cada indivíduo pelo direito internacional, cabem im portantes exceções, a exemplo dos casos justam ente nos quais o direito internacional diz respeito dire­tam ente aos indivíduos, na m edida em que tais norm as já im põem imediatamente não só o que deve ser feito, mas também qual indivíduo tem que adotar a conduta por elas prescritas.

Na atualidade, o direito internacional vai m uito mais além, não se circunscrevendo exclusivamente às relações entre os Estados. Tem ele, hoje, uma estrutura muito mais complexa e um alcance muito mais amplo, visto que se ocupa da conduta dos Estados e das organizações internacionais e de suas relações entre si, assim como de algumas de suas relações com as pessoas naturais (veja-se, por exemplo, os vários aspectos ligados à “proteção internacional da pessoa hum ana”) ou jurídicas. É dizer, figura o direito internacional como um conjunto de regras e princípios que disciplinam tanto as relações jurídicas dos

ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL 1 9

Estados entre si, bem como destes e outras entidades internacionais, como também em relação aos indivíduos.

Assim, também podem ser considerados sujeitos de direito in­ternacional público na atualidade, além dos Estados soberanos, as Organizações Internacionais intergovernam entais (v.g., as Nações Unidas, que têm capacidade jurídica para celebrar tratados de caráter obrigatório, regidos pelo direito internacional, com os Estados e com outros organismos internacionais), bem como os indivíduos, embora o campo de atuação destes últim os seja mais limitado, sem, contudo, perder ou restar dim inuída sua importância.

Esta nova concepção dos sujeitos de direito internacional teve início logo depois da segunda grande guerra, quando a sociedade internacional começou a cada vez mais e seguidamente considerar o indivíduo como “suj eito de direito internacional”, o fazendo de forma habitual e não mais esporádica. Ou seja, reconheceu-se, definitiva­mente, que os indivíduos também têm direitos e obrigações no plano internacional, ou melhor, começou-se a considerar o fenômeno da inserção do indivíduo em uma mais vasta comunidade mundial, dentre os quais os sujeitos passaram a ser também os indivíduos.

Os indivíduos podem participar das relações internacionais contem porâneas tanto no polo ativo (peticionando para tribunais internacionais, por exemplo) quanto no polo passivo (sendo respon­sabilizados internacionalm ente por atos cometidos contra o direito internacional - veja-se o exemplo atual da competência do Tribunal Penal Internacional para o julgam ento de tais indivíduos), o que re­força o entendim ento atual de que também são eles sujeitos dotados de personalidade jurídica internacional.

É certo que a personalidade dos indivíduos, no plano interna­cional, é limitada. Contudo, em certas ocasiões, principalm ente no que diz respeito aos crimes de guerra, crimes contra a hum anidade e genocídio, têm os indivíduos, assim como os Estados, responsabi­lidade no plano internacional. Nestes casos, os indivíduos passam a ser punidos como tais, e não em nom e do Estado do qual fazem parte. Neste cenário, passam eles a ter direitos e obrigações, de modo que não mais se pode afirmar que somente os Estados é que são praticantes de ilícitos internacionais.

2 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G er a l

De qualquer sorte, pode-se afirmar que se encontra, na atualidade, ampliado o rol dos suj eitos de direito internacional público. Os Estados deixaram de ser os únicos atores da vida internacional, e passaram a com partilhar esta condição com as organizações internacionais in- tergovemamentais e também (ainda que com certas restrições) com os próprios indivíduos. As pessoas, nesse contexto, passam também a ser um dos sujeitos diretos do direito internacional, detendo inclusive capacidade processual para fazer valer seus direitos, podendo mesmo atuar de forma direta perante organismos ou tribunais internacionais.

O direito internacional, em suma, pode então ser definido como aquele direito capaz de regular as relações interestatais, bem como as relações envolvendo as organizações internacionais e também os indivíduos, ainda que a atuação destes últim os seja mais limitada no cenário internacional.

6. A plicação in ternacional e in terna: a aplicação interna do direito in ternacional não significa deixar de aplicar as norm as do ordenamento jurídico interno de determ inado Estado em exclusivo benefício do direito das gentes. Mas, apesar disso, existem importantes diferenças ha aplicação do direito internacional nas relações envolven­do o direito interno e naquelas envolvendo as relações internacionais.

Sob a ótica internacional, o direito das gentes é aquele que regula e rege as relações dos Estados entre si, bem como o complexo das ati­vidades envolvendo as organizações internacionais em suas relações m útuas, assim como os indivíduos. Sob esse ponto de vista, não se fala em relacionamento da norm a internacional com a de direito interno, atribuindo-se às cartas constitucionais a condição de simplesfato dentro do complexo norm ativo presente no sistema do direito.

No plano do direito interno, entretanto, o panoram a m uda na medida em que as Constituições estatais preveem regras específicas de aplicação interna do direito internacional, como a necessidade de refe- rendum parlam entar dos tratados ou a sua promulgação e publicação internas, o que pode variar (e norm alm ente varia) de país para país. A aplicação do direito interno deve também obedecer aos princípios constitucionalm ente estabelecidos que regem o Brasil nas suas rela­ções internacionais, os quais se encontram no art. 4.° da Constituição:

ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL 2 1

I — independência nacional; II — prevalência dos direitos hum anos;III - autodeterm inação dos povos; IV - não-intervenção; V - igual­dade entre os Estados; VI — defesa da paz; VII - solução pacífica, dos conflitos; VIII —repúdio ao terrorism o e ao racismo; IX—cooperação entre os povos para o progresso da hum anidade; X - concessão de asilo político. Diz ainda a Constituição, no parágrafo único do mesmo dispositivo, que a “República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Da m esm a forma, variado é o tipo de aplicação do direito interna­cional pelos tribunais internos estatais. A tendência do constituciona- lismo m oderno, entretanto, é a de perm itir a imediata aplicação do di­reito internacional pelos juizes e tribunais nacionais, sem a necessidade de norm a interna que os materialize e lhes dê aplicabilidade. Trata-se da consagração da doutrina monísta intemacionalista no que tange às relações do direito internacional com o direito interno dos Estados.

É de se recordar também o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23.05.1969, que consagra expressamente a supremacia do direito internacional sobre o direito interno, na medida em que proíbe que um Estado invoque “as disposições do seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Neste contex­to, a falta de cum prim ento dos preceitos do direito das gentes acarreta a responsabilidade internacional do Estado infrator.

7. Leitura com plem entar:

1. ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

2. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público.9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

3. DEUOLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

4. MARTINS, Pedro Baptista. Da unidade do direito e da supremacia do direito internacional. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

5. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito intemacionalpúblico. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G era l

6. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albu­querque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Da globalização do direito internacional público: os choques regionais. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000; TRUYOL Y SERRA, Antonio. Historia dei derecho internacional público. Madrid: Tecnos, 1998; ACCIOLY, Hilde- brando. Tratado de direito internacional público. Rio dejaneiro: Imprensa Nacional, 1934. t. II; ROUSSEAU, Charles. Príncipes généraux du droit intemationalpúblic. Paris: A. Pedone, 1944.1.1; SCELLE, Georges. Précis de droit des gens. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1934.

C a pítu l o II

F u n d a m e n t o d o D ireito In tern a cio n a l P ú b lico

1. Fundam ento do d ire ito in ternacional: saber qual o funda­mento do direito internacional público significa desvendar de onde vem a sua legitim idade e sua obrigatoriedade, ou os m otivos que justificam e dão causa a essa legitimidade e obrigatoriedade. Significa perquirir de onde (de quais fatos ou valores) emana a imposição de respeito de suas norm as e princípios. O que se busca saber aqui não são os motivos de fato, políticos, sociais, econômicos, históricos ou religiosos de sua observância, mas sim as razões jurídicas capazes de explicar o porquê de sua aceitação e obrigatoriedade por parte de toda a sociedade internacional.

Enfim, que razão existe para que os Estados (e também as organi­zações internacionais) tenham que subm eter a sua vontade e lim itar a sua liberdade a um im perativo jurídico internacional, que lhes ordena e preceitua uma determ inada conduta?

Esta m atéria passou a ter im portância com a chamada escola es­panhola do direito internacional, notadam ente com os ensinamentos de Francisco de Vitória e do jesuíta Francisco Suárez, dos quais emanaram as doutrinas que pretendem responder a questão sobre o fundamento do direito internacional, com seus desdobramentos e conseqüências.

2. D outrinas: a questão do fundamento do direito internacional público tem sido, desde longo tempo, objeto de inúm eros estudos, existindo várias doutrinas que buscam dem onstrar o fundam ento jurídico de sua obrigatoriedade e eficácia (v.g., a doutrina da autolimi- tação, do direito estatal externo, dos direitos fundamentais dos Estados, da vontade coletiva dos Estados, do consentimento das nações, a da norma fundamental, da solidariedade social, a da opinião dominante, asjusnatu- ralistas etc.). Todas elas, entretanto, podem ser enquadradas em duas principais correntes: a voluntarista (as cinco prim eiras) e a objetivista (as quatro últim as).

2 4 DIREITO INTERNACIONAL PÜBLICO - P a r te G era l

3. D outrina voluntarista: para a corrente voluntarista, de base notadam ente subjetivista, a obrigatoriedade do direito internacional decorre do consentimento (vontade) dos Estados, expresso em tratados e convenções internacionais, ou ainda proveniente de um a vontade tácita, pela aceitação generalizada do costum e internacional. Ou seja, para a doutrina voluntarista, o direito internacional público é obriga­tório porque os Estados assim o desejam. O seu fundam ento encontra suporte na vontade coletiva dos Estados ou no consentim ento m útuo destes. Existem também algumas variantes da doutrina voluntarista. Para alguns autores o direito internacional público se funda na vontade metafísica dos Estados, que im põe limitações ao seu poder absoluto, obrigando o Estado para consigo próprio. Trata-se da teoria da autoli- mitação, defendida pelos adeptos da doutrina dos freios e contrapesos (checks anã balances). O Estado adm ite a existência de um a ordem internacional, sem, contudo, reconhecer que esta ordem advém de um poder (ou de um a força) superior. O Estado, ao aceitar a existência do ordenamento jurídico internacional, não se submete a outra coisa senão à sua própria vontade.

4. C rítica à d o u trin a voluntarista: a crítica mais contundente que se faz à doutrina voluntarista, entretanto, é que os Estados, de um mom ento a outro, podem modificar drasticamente a sua posição original ocasionando insegurança e instabilidade ao direito interna­cional. Modificando, pois, a sua vontade, desaparece o direito inter­nacional, o que não é admissível. Isto porque nenhum Estado pode, unilateralmente, modificar o direito internacional, submetido que está a princípios superiores à sua vontade, integrantes da ordem jurídica internacional. Defender o voluntarism o é perm itir que os Estados possam a qualquer m om ento desligar-se unilateralm ente das normas jurídicas internacionais, sem que se possa falar em responsabilidade, nem, tampouco, em violação do direito internacional.

Esta doutrina voluntarista, de índole subjetivista, encontra m o­dernam ente um grande obstáculo nos tratados internacionais de pro­teção dos direitos hum anos, nascidos em decorrência do terror e da barbárie advindos da Segunda Guerra M undial, que im põem limites à atuação do Estado nos cenários interno e internacional, com vistas a salvaguardar os seres hum anos protegidos por suas normas.

FUNDAMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL PÜBLICO 2 5

5. D ou trina ob jetiv ista : nascida nos últim os anos do séculoXIX, como reação dos filósofos, sociólogos e intem acionalistas contra as ideias voluntaristas, a corrente objetivista apregoa que a obrigato­riedade do direito internacional advém da existência de princípios e norm as superiores aos do ordenam ento juríd ico estatal, um a vez que a sobrevivência da sociedade internacional depende de valores superiores que devem ter prevalência sobre os interesses m eram ente domésticos dos Estados. Tal doutrina se baseia em razões de ordem objetiva e tem como suporte e fundam ento os princípios e regras do direito natural, bem como as teorias sociológicas do direito e o nor­ma tivismo jurídico kelseniano.

Para a doutrina objetivista, a legitim idade e obrigatoriedade do direito internacional devem ser procuradas fora do âmbito de vontade dos Estados, ou seja, na realidade da vida internacional e nas norm as que disciplinam e regem as relações internacionais, que são autônomas e independentes de qualquer decisão ou vontade estatal.

Esta doutrina também é passível de críticas, na m edida em que m inim iza a vontade soberana dos Estados, que também têm o seu papel contributivo na criação das regras de direito internacional.

6. F undam en to d o DIP na re g ra pacta su n t servanda: um aterceira corrente, m ais m oderna (e a nosso ver mais coerente), e consagrada po r inúm eros instrum en tos in ternacionais, acredita que o fundam ento mais correto da aceitação generalizada do direito internacional público, dentre as inúm eras doutrinas que procuram explicar a razão de ser desse direito, em ana do entendim ento de que o DIP se baseia em princípios juríd icos alçados a um patam ar superior ao da vontade dos Estados, mas sem que, contudo, se deixe totalm ente de lado a vontade desses mesm os Estados. Em verdade, trata-se de um a teoria objetivista tem perada, por também levar em consideração a m anifestação de vontade dos Estados em seu con­junto . Afinal de contas, um Estado ratifica um tratado internacional pela sua própria vontade, mas tem que cum prir o tratado ratificado de boa-fé, sem se desviar desse propósito, a m enos que o denuncie (e então, novam ente, aparece a vontade do Estado como meio hábil para retirá-lo do compromisso que anteriorm ente assum ira).

2 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

Esta doutrina tem merecido o crédito e o respeito de grande parte dos autores contemporâneos, notadamente os da escola italiana de direito internacional, cujas bases teóricas encontram supedâneo nos princípios e regras do direito natural. Um desses mestres da escola italiana, cujos estudos detêm especial relevo, foi Dionisio Anzilotti, que reconhecia na norma pacto, sunt servanda—segundo a qual as partes têm o dever de cumprir e respeitar, deboa-fé, aquilo que foi acordado no plano interna­cional- o fundamento jurídico único e absoluto do direito internacional público. Segundo este entendimento, que reputamos correto, a norma pacta sunt servanda impõe obrigatoriedade de respeito ao pactuado e serve de critério válido para diferençar as normas internacionais de todas as demais normas (quer internas, quer internacionais).

Esta ideia foi definitivamente consagrada, em 1969, quando da adoção da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que posi­tivou a regra pacta sunt servanda no seu art. 26, nos seguintes termos: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cum prido por elas de boa-fé”. Mas antes disso já tinha sido expressada, por exemplo, no Protocolo de 17.01.1871, da Conferência de Londres, onde ficou declarado que é princípio essencial do direito das gentes que nenhu­ma potência possa livrar-se dos compromissos de um tratado, nem modificar as estipulações, senão como resultado do assentimento das partes contratantes, por meio de entendim ento amigável.

O direito internacional público, segundo esta concepção, con- substancia-se num conjunto de regras jurídicas superiores à vontade dos Estados, que lhes im põem sua correta observância e o seu fiel cum­prim ento, com pondo-lhes e coordenando-lhes dentro de um sistema jurídico único. Por conseguinte, a eficácia do direito internacional também passa a depender, em grande m edida, da existência de um conjunto de regras estatais que se amoldem às exigências da ordem internacional e facilitem sua aplicabilidade. É essencial, ademais, que os ordenam entos in ternos, em caso de conflito, não obstem a aplicação das norm as internacionais, que serão sem pre superiores aos seus comandos. Nesta ordem de ideias é que se entende que o ordenam ento ju ríd ico estatal deve obediência e respeito às regras estabelecidas pelo ordenam ento internacional, que lhe é superior e lhe im põe sua correta observância.

FUNDAMENTO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 2 7

7. Leitura com plem entar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011 .

2. ACCIOLY, Hildebraxido e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3. REZEK.José Francisco. Direito internacional público: curso elementar.9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

4. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito intemacionàlpúblico. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

5. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

Para apro fundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albu­querque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; VERDROSS, Alfred von. Le fondement du droit international. Recueil des Cours, Haye: Académie de Droit International, 1927, t. l,p . 247 e ss; CHARLES, Calvo. Manuel de droit international. Paris: Librairie Nouvelle de Droit et de Jurisprudence, 1884; ROUSSEAU, Charles. Príncipes généraux du droit international public. Paris: A. Pedone, 1944. 1.1; SCELLE, Georges. Précis de droit des gens. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1934; ANZILOTTI, Dionisio. Corso di diritto intemazxonale. 4. ed. Padova: CEDAM, 1955. v. 1.

C a pítu l o 111

Fo n tes d o D ireito In ter n a cio n a l :

Fo n tes P rimárias

1. C onceito de fo n te (fontes form ais e m ateria is): são ma­teriais as fontes que determ inam a elaboração de certa norm a ju ­rídica. No plano do direito in terno têm -se as necessidades sociais de elaboração de determ inada regra de conduta, ao passo que, no plano do direito internacional, têm -se as necessidades que decor­rem das relações dos Estados e das O rganizações In ternacionais de regulam entarem suas relações recíprocas. As fontes m ateriais determ inam , portan to , o conteúdo (a m atéria) da norm a ju ríd ica , podendo ter origem em necessidades sociais, econôm icas, políticas, m orais, religiosas etc. Por outro lado, consideram -se como sendo fontes form ais do direito in terno dos Estados a C onstituição (se o país conta com u m a), as suas leis devidam ente elaboradas por p ro ­cesso legislativo, o costum e, a analogia, a equidade, os princípios gerais do direito , bem como as reiteradas decisões dos tribunais (ju risp rudência ) naqueles países onde prevalece a d o u trin a do stare decisis (precedente jud icia l de caráter obrigatório). Em anam sem pre de um a autoridade que subordina a vontade dos súditos às suas deliberações. Tais fontes podem ser primárias (substanciais ou de produção), como a C onstituição estatal, e secundárias (form ais ou de conhecim ento), como a lei (fonte form al ou de conhecim ento im ediata), os costum es, os princípios gerais de direito e a dou trina (fontes form ais ou de conhecim ento m ediatas).

Já no plano internacional, a situação se tom a um pouco mais complexa. Tal complexidade se dá pelo fato de não existir, no âmbito extem o, ao contrário do que sucede com o direito intem o, nenhum tipo de autoridade superior que subordine os Estados à sua vontade, de m odo a tom ar efetiva sua decisão. No plano internacional, tudo o que se faz ou se deixa de fazer é conseqüência da vontade organizada dos Estados para que isso aconteça.

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS 2 9

Assim, a validade de um a determ inada norm a como fonte do di­reito internacional depende da forma por meio da qual referida norm a é elaborada e de como a mesma se converte em obrigatória no plano jurídico externo.

2. Rol das fontes do d ireito internacional público: o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional dejustiça (sobre este Tribunal, v. Cap. XII, item n. 3, e Cap. XIII, item n. 9) é universalm ente aceito como sendo a enumeração mais autorizada das fontes do direito internacional público. Segundo este dispositivo:

“1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito inter­nacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a) as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressam ente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costum e internacional, como prova de um a prática geral aceita como sendo o direito;

c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) sob ressalva da disposição do art. 59 [verbis: ‘A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão’] , as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a deter­minação das regras de direito.

2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir um a questão ex aequo et bono, se as partes com isto concor­darem.”

O art. 38 do Estatuto da CIJ, como se vê, elenca como sendo fontes do direito internacional os tratados internacionais, o costum e inter­nacional e os princípios gerais de direito. Estas são as fontes primárias do direito internacional, de sorte que qualquer regra que pretenda ser considerada como norm a de direito das gentes não pode derivar de outro lugar senão de um a delas. Mas o Estatuto também faz referência às decisões judiciais e às doutrinas dos publicistas, consideradas como meios auxiliares na busca da comprovação da existência de determ i­nada regra de direito. Assim, as “decisões judiciais” e as “doutrinas

3 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G eral

dos publicistas”, a que o artigo faz referência, esclareça-se, não são fontes de direito como tal, constituindo-se validamente, entretanto, como meios de auxílio a definir o direito aplicável.

O artigo em questão não se pronuncia, entretanto , se existe algum tipo de grau hierárquico entre as disposições que enum era, ou seja, não diz se existe prioridade dos tratados sobre o costum e internacional, e do costum e sobre os princípios gerais de direito. Segundo a m aioria dos autores, não existe hierarquia entre as fontes elencadas pelo art. 38 do ECIJ, podendo um tratado revogar um costum e e um costum e revogar um tratado (neste últim o caso, diz-se ter caído o tratado em desuso). Na prática, entretanto, os tribunais internacionais têm outorgado preferência às disposições convencio­nais específicas de caráter obrigatório, vigentes entre as partes, sobre as norm as de direito internacional costum eiro e sobre os princípios gerais de direito internacional.

Também não está referido na disposição acima o chamado jus co- gens, que são normas imperativas de direito internacional geral, aceitas e reconhecidas pela sociedade internacional em seu conjunto, como normas das quais nenhum a derrogação é possível e que só podem ser derrogadas por norm a de jus cogens posterior da mesma natureza. Tais normas (v.g., a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948) estão expressamente autorizadas pelos arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969). As normas de jus cogens, ao contrário das demais fontes do direito internacional previstas no art.38 do ECIJ, são hierarquicamente superiores a todas as demais. Assim, a observação de que não há hierarquia entre as fontes do direito inter­nacional refere-se tão somente àquelas previstas no art. 38 do Estatuto.

Frise-se ainda que o rol do art. 38 do ECIJ é meram ente exem- plificativo, não sendo numerus clausus suas alíneas. Assim, podem existir outras fontes do direito internacional que não estejam elencadas dentro do referido rol, a exemplo dos atos unilaterais dos Estados e das decisões de organizações internacionais (v. Cap. IV itens 3 e4 , infra).

Vamos analisar agora as cham adas fontes primárias do direito internacional público, tal como previstas no art. 38 do ECIJ, a saber: os tratados internacionais, o costum e internacional, e os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações.

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS 3 1

3. O s tra tados internacionais: os tratados internacionais são, incontestavelmente, a principal fonte do direito internacional público na atualidade, não apenas em relação à segurança e estabilidade que tra­zem nas relações internacionais contemporâneas, mas tam bém porque tom am o direito das gentes mais representativo e autêntico, na medida em que se consubstanciam na vontade livre e conjugada dos atores da cena internacional. Além de serem elaborados com a participação direta dos Estados e Organizações Internacionais, de forma democrática, os tratados internacionais trazem consigo a especial força normativa de regularem matérias-das mais variadas e das mais im portantes. Dal sua im portância como principal fonte do direito internacional m odem o.

Em linhas gerais, pode-se dizer que o Direito dos Tratados regula: a forma como negociam as partes; quais os órgãos encarregados de tal negociação; qual o gênero dos textos produzidos; a forma de assegurar a autenticidade do texto; como as partes manifestam o seu consen­tim ento em obrigar-se pelo acordo; a forma de entrada em vigor do compromisso firmado; quais os efeitos que tal compromisso produz sobre os pactuantes ou sobre terceiros; e a forma de duração, alteração e térm ino dos atos internacionais.

A teoria geral dos tratados será estudada, em linhas gerais, nas suas diversas vertentes, no Capítulo VI deste livro.

4. O costum e in ternacional: a segunda grande fonte do direito internacional público são os costumes internacionais. Sua importância advém do fato de não existir, ainda, no campo do direito internacional, um centro integrado de produção de normas jurídicas, não obstante a atual tendência de codificação das normas internacionais de origem consuetudinária. Segundo o art. 38, § 1.°, letra b, do Estatuto da CIJ, os costum es constituem -se num a “prática geral aceita como sendo o direito”. É dizer, o costum e internacional resulta da prática geral e consistente dos Estados de reconhecer como válida e juridicam ente exigível determ inada obrigação. A repetição generalizada e reiterada de certos atos praticados pelos Estados é o elemento material do costu­me. Em razão disso, para uma regra ser considerada norm a de direito internacional, deve ser ela geralmente aceita, tácita ou expressamente, pelos Estados. Deve haver um a opiniojuris geral, que é o elemento psicológico, para som ente assim poder se afirmar que existe o direito

3 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P arte G era l

costumeiro internacional, com força erga omnes, aplicável aos Estados. Diversamente dos tratados internacionais, que só vigoram para os Estados-partes, os costumes internacionalm ente reconhecidos, tendo eficácia erga omnes, também poderão vigorar inclusive para aqueles Estados que com ele não compactuam.

Não há diferença hierárquica entre os costumes e os tratados in­ternacionais. Um tratado vigente está apto para derrogar, entre as partes que o celebraram, certa norma costumeira anterior, da mesma forma e na mesma proporção que o costume superveniente pode derrogar norm a anterior proveniente de tratado (caso em que comumente se fala que o tratado caiu em desuso). Mas como já se deu notícia, na prática, os tribunais internacionais têm dado preferência às disposições específicas, de caráter obrigatório, dos tratados internacionais vigentes entre as partes, sobre as norm as costumeiras internacionais, pelo fato de que o tratado oferece mais segurança e estabilidade às relações internacionais (propriedades dificilmente encontradas no direito costumeiro).

O direito internacional costumeiro tem sido, ao longo dos anos, codificado em inúm eros tratados internacionais. A Convenção de Vie­na sobre o Direito dos Tratados é exemplo concreto desse fenômeno (nela foram positivadas várias regras costumeiras, de que é exemplo o pacta sunt servanda).

Os costumes internacionais, esclareça-se, têm sido reconhecidos por diversos tribunais internacionais, dentre os quais a Corte Interna­cional de Justiça. Foi, ademais, com base no costum e internacional, que o Tribunal de Nuremberg, instituído para processar e ju lgar os crimes cometidos na Segunda Guerra, pelos nazistas, responsabilizou a Alemanha, no âmbito internacional, pelo que ocorrera dentro de seu território. O Tribunal alegou a violação do direito costumeiro interna­cional que proíbe os “crimes contra a hum anidade”. Foi a prim eira vez na história que um Estado viu-se responsabilizado por atos cometidos dentro de seu próprio território, em decorrência da violação de normas costumeiras internacionais.

5. Os princípios gerais de direito: outra fonte que emana do Esta­tuto da CIJ são os princípios gerais de direito geralmente “reconhecidos pelas nações civilizadas”. Esta últim a expressão (“nações civilizadas”),

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS 3 3

entretanto, tem sido criticada pela doutrina intemacionalista, por re­velar um a potencial discriminação dos então redatores do Estatuto da CIJ, vinda do século XIX, em relação aos Estados não pertencentes ao eixo Europeu (não obstante não ser pacífico este entendim ento). Hoje se deve entender que a expressão diz respeito ao reconhecimento de tais princípios por parte da sociedade dos Estados, em seu conjunto, como formas legítimas de expressão do direito internacional público. Em outras palavras, tais princípios são aqueles reconhecidos inforo doméstico (“reconhecidos pelas nações.. .”), mas que ascendem ao plano internacional por constar da generalidade dos ordenamentos internos.

Tais princíp ios, apesar de ainda dificilm ente identificáveis a priori, têm papel fundam ental na evolução do direito internacional. O direito internacional m oderno, entretanto, passa a depender cada vez m enos de tais princípios, tendo em vista que o grande núm ero de norm as deles derivadas já se encontram codificadas em tratados internacionais ou fazendo parte do direito costumeiro. De qualquer forma, ainda prevalece a posição de que os princípios gerais de direito internacional são aqueles aceitos por todos os ordenamentos jurídicos, a exemplo da boa-fé, do respeito à coisa julgada, do direito adquirido e do pacta sunt servanda.

Existindo dúvida sobre ser determ inado princípio um princípio geral de direito, deve o intérprete verificar se o mesmo se encontra positivado na generalidade dos ordenamentos internos estatais. As­sim, se a generalidade dos Estados - não necessariamente todos eles - contempla um tal princípio em seus ordenamentos jurídicos inter­nos, deve o mesmo ser considerado como fazendo parte também do direito internacional. Se é o direito internacional que rege a conduta dos Estados no plano internacional, na medida em que tais Estados (em sua grande maioria) reconhecem determinados princípios em seus respectivos direitos internos, parece claro que tais princípios passam a ser também aplicados pelo direito internacional, podendo-se dizer tratar-se agora de princípios gerais de direito internacional.

Portanto, os princípios gerais de direito internacional são prin ­cípios consagrados nos sistemas jurídicos dos Estados, ainda que não sejam aceitos por todos os sistemas jurídicos estatais, bastando que um número suficiente de Estados os consagrem.

3 4 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a rte G eral

Além dessas fontes prim árias do direito internacional, estudadas nos tópicos anteriores, o Estatuto da CIJ também acrescenta as decisões judiciais e as doutrinas dos publicistas de m aior competência entre as distintas nações, como meios auxiliares na determinação das regras de direito. Esses chamados “meios auxiliares” para a determinação das regras de direito serão estudados no Capítulo seguinte.

6. Leitura com plem entar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011 .

2. ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3. DE1IOLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

4. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar.9. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

5. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito intemacionalpúblico. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

6. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito intemacionalpúblico. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público.6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; FIORATI, JeteJane.Jus cogens: as normas imperativas de direito intemacionalpúblico como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002; CHARLES, Calvo. Manuel de droit international. Paris: Librairie Nouvelle de Droit et de Jurisprudence, 1884.

C a pítu lo IV

Fo n t es d o D ireito In ter n a cio n a l :

M eio s A uxiliares e N ovas Fo n tes

O art. 38 do Estatuto da CIJ term ina o rol das fontes do direito internacional público dizendo tratar-se de meios auxiliares para a de­terminação das regras de direito as decisões judiciais e as doutrinas dos publicistas de m aior competência das distintas nações. Frise-se que andou bem o Estatuto da CIJ ao cham ar de meios auxiliares para a determinação das regras de direito a jurisprudência internacional e a doutrina, haja vista que tanto a jurisprudência quanto a doutrina não são tecnicamente fontes do direito, pois delas não nascem quaisquer direitos; são apenas meios auxiliares para que se determ ine correta­m ente o direito alegado em questão.

1. Jurisprudência internacional: a jurisprudência dos tribunais internacionais, a exemplo dos tribunais regionais de direitos humanos, dos tribunais especializados (como o Tribunal do Direito do Mar) e dos tribunais arbitrais, bem como as decisões das cortes de determinadas organizações internacionais, passam, assim, a ter papel de suma impor­tância no auxílio da determinação das normas jurídicas. A expressão ju ­risprudência, na atualidade, significa a reiterada e constante manifestação do judiciário, no mesmo sentido, acerca de um mesmo assunto, dando sempre a mesma solução, ou seja, representa “uma seqüência de decisões ou julgamentos, sempre no mesmo sentido, dando a cada caso semelhante a mesma solução” (Gelson Amaro de Souza. Processo e jurisprudência no estudo do direito. Rio dejaneiro: Forense, 1989, p. 57-58).

Andou bem, repita-se mais uma vez, o art. 38 do Estatuto da CIJ, em qualificá-la como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. De fato, a jurisprudência dos tribunais não é fonte do direito, posto que dela não nasce o direito, mas tão som ente sua interpretação.

A jurisprudência, na verdade, não é fonte do direito, porque ela não cria o direito, mas sim o interpreta mediante a reiteração de deci­

3 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO- P a r t e G e r a l

sões no mesm o sentido. Sendo ela um a seqüência de julgam entos no mesmo sentido, nada mais é do que a afirmação de um direito preexis­tente, ou seja, sua expressão. Além do mais, as decisões dos tribunais não criam norm as propriam ente jurídicas, o que demanda abstração e generalidade, requisitos sem os quais não se pode falar na existência de um a regra de direito stricto sensu. De sorte que “a jurisprudência é que nasce da consistente e reiterada manifestação uniform e do Po­der Judiciário, sobre determinado ponto do direito. De algum ponto controvertido do direito é que nasce a jurisprudência, portanto não passa de equívoco pensar que aquele nasce desta” (Gelson Amaro de Souza, op. cit., p. 99).

Embora a jurisprudência não crie propriam ente o direito, o que ocorre é que ela favorece a criação de um novo direito com o passar do tempo de sua atuação no plano internacional, inclusive a criação de regras costum eiras internacionais.

Dentre os tribunais internacionais acima referidos, merece des­taque a própria Corte Internacional de Justiça, que tem sede na Haia (H olanda). Suas decisões, como meio de auxílio na determ inação das regras de direito, são as que estão investidas da mais alta autoridade no plano internacional. Se a Corte, v.g., resolve dizer que um a deter­m inada formulação se converteu em norm a de direito internacional consuetudinário, essa opinião—sem embargo de constituir, na teoria, um precedente obrigatório - na prática é com preendida como ver­dadeira “lei”.

2. D ou trina dos publicistas: ao lado da jurisprudência dos tri­bunais internacionais, o art. 38 do Estatuto da CIJ coloca a doutrina dos publicistas de maior competência como um a segunda categoria de auxílio na determinação das regras de direito. Frise-se que a expressão “doutrina dos juristas mais qualificados” não se refere unicam ente aos publicistas ou autores intem acionalistas individuais (ainda que esta tenha sido a intenção inicial do Estatuto da CIJ), mas também quer se referir a outras entidades, a exemplo da Comissão de Direito Internacional da ONU, criadas pelas Nações Unidas para “incentivar o desenvolvimento progressivo do direito internacional e a sua codi­ficação”, segundo o art. 13, § 1.°, alínea a, de sua Carta constitutiva (sobre o assunto, ver Capítulo V deste livro).

MEIOS AUXILIARES E NOVAS FONTES 3 7

Portanto, também se consideram como fontes doutrinárias de grande repercussão os trabalhos dos institutos especializados na pes­quisa do direito internacional, como a Comissão de Direito Interna­cional das Nações Unidas, bem como os trabalhos preparatórios ou os relatórios explicativos, que vez ou outra acom panham as convenções internacionais, elaborados, geralmente, por juristas de renome na seara do direito internacional tanto público como privado. Tal “doutrina” passa, então, a ser fonte indispensável de consulta para os tribunais encarregados de decidir de acordo com o direito internacional as con­trovérsias que lhes são submetidas.

3. A tos u n ila te ra is d o s E stados: O art. 38 do ECIJ não faz qualquer m enção aos atos unilaterais como fontes prováveis do di­reito intem acionalpúblico. Tais atos são destituídos de característica normativa, mas não se pode negar que produzem eles conseqüências jurídicas, na m edida em que criam obrigações internacionais para aqueles Estados que os proclamam.

A Corte Internacional de Justiça, nos §§ 43 a 46 da sentença do “Nuclear Tests Case” entre Austrália e França, julgado em 20.12.1974, confirm ou a existência de tais declarações, consubstanciadas em “atos unilaterais” sobre situações jurídicas de fato, com o poder de criar obrigações legais. Estava em pauta, na ocasião, a obrigação unilateral assum ida pela França de cessar os testes nucleares que tinha iniciado. No citado julgam ento ficou expresso que quando o Estado que efetua a declaração tiver a intenção de que a obrigação declarada se torne obrigatória, fica o mesmo legalm ente obrigado, desde então, a seguir um a linha de conduta compatível com aquilo que foi declarado. Neste caso específico, a Corte Internacional de Justiça reconheceu como vinculantes as várias declarações públicas feitas pela França no sentido de cessar os testes nucleares que havia iniciado no Pacífico Sul (cf., Nuclear Tests Case, “Australia v. France”, julg . 20.12.1974, ICJReports 1974, p. 267-268).

Portanto, quando assumido publicamente, mesmo quando não efetuado no contexto das negociações internacionais, um tal compro­misso manifestado unilateralm ente será obrigatório para o Estado, que deverá cumpri-lo de boa-fé. Não é necessário, pois, o aceite da decla­ração por parte de outros Estados para que a mesma possa ter valor

3 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G era l

jurídico, bastando a declaração unilateral do Estado que juridicam ente se obriga, em respeito à norm a pacta sunt servanda.

4. D ecisões das O rganizações Internacionais: as decisõespro- feridas por Organizações Internacionais intergovemamentais também não constam do rol do art. 38 do ECIJ. Isto está intim am ente ligado ao fato de que o ECIJ foi redigido em 1920, quando estavam apenas começando a aparecer no cenário internacional tais organizações, vin­do seu surgimento intensificar-se a partir do final da Segunda Guerra M undial, em 1945. A partir do m omento que um Estado é parte em um a organização internacional, ele assume obrigações para com ela, dentre as quais a de cum prir aquilo que vier a ser decidido em suas assembleias ou órgãos deliberativos.

Como leciona Guido Fernando Silva Soares: “A avaliação dos atos unilaterais das organizações intergovemamentais, como fonte do Direito Internacional Público, deve ser feita não só no conjunto das outras fontes, mas também levando-se em conta a evolução que tais entidades experim entaram no século XX, recém-findo. Conforme já notamos, esses atos não se encontram na lista das fontes, arroladas no art. 38 do Estatuto da atual CIJ, o que já representava, à época em que fora adotado, após o térm ino da Primeira Guerra M undial, um a con­tradição, tendo em vista que a então CPJI [ Corte Permanente dejusüça Internacional] já era uma organização intergovemamental, responsável pela jurisprudência internacional, esta sim considerada um a fonte formal do direito internacional. Por outro lado, o desenvolvimento exponencial das organizações intergovem am entais e a im portância crescente da diplomacia m ultilateral exercida em seu interior têm re­volucionado as concepções clássicas do Direito Internacional Público, em todos os setores, nomeadamente no campo de suas fontes e do valor impositivo dos atos unilaterais de tais organizações, em relação aos Estados, em seu relacionamento recíproco e nos respectivos ordena­mentos jurídicos internos” (Curso de direito intemacionalpúblico, São Paulo, AÚas, 2002, v. l ,p . 117-118).

Segundo Celso D. de Albuquerque Mello, não se pode negar “o caráter de fonte a estas decisões das organizações internacionais, que não se enquadram nas já estudadas. ( ...) Negar que estas decisões sejam fontes do D l é não reconhecer o processo de integração da

MEIOS AUXILIARES E NOVAS FONTES 3 9

sociedade internacional. Tais decisões podem ser ainda de âm bito restrito, mas nem por isso deixam de constituir norm a de conduta, isto é, direito na sua essência, e cujas violações são norm alm ente passíveis de sanção” (Curso de direito internacional público, 11. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro , Renovar, 1997, v. 1, p. 300).

D estacam -se aqui, a títu lo de exem plo, dentre as várias for­m as possíveis de m anifestação das O rganizações In ternacionais, as resoluções da A ssem bleia-G eral da ONU, as decisões do Fundo M onetário In ternacional (FM I) relativas aos cham ados “acordos stand-by ”, as diretrizes da C om unidade Econômica Européia (CEE) e as recomendações votadas na C om unidade Européia do Carvão e do Aço (CECA).

5. A nalogia e e q u id a d e : a doutrina tam bém tem colocado a analogia e a equidade dentro do contexto das fontes do direito in ­ternacional. Aqui, contudo, deve-se fazer a observação de que não se trata de encontrar m étodos auxiliares para a exata determ inação das regras de direito, mas sim soluções eficientes para enfrentar o problem a da fa lta de norm a juríd ica regulam entadora a determ inado caso concreto, ou ainda para suprir a inutilidade da norm a existen­te, a fim de que se possa solucionar, com um m ínim o de justiça, o conflito de interesses.

A analogia consiste na aplicação a determinada situação de fato de um a norm a jurídica feita para ser aplicada a um caso parecido ou semelhante. Frise-se que o art. 38 do Estatuto da CIJ não faz qualquer referência à analogia. Boa parte da doutrina aponta a existência de um certo perigo em relação à aplicação da analogia nos casos que envolvam questões de soberania dos Estados (como, por exemplo, exigir que determ inado Estado se subm eta a um juízo exterior, arbitrai ou jud i­ciário) e também em outros casos em que, por meio de sua utilização, a liberdade do ser hum ano possa restar dim inuída ou prejudicada. Daí o m otivo de ser a analogia dificilmente utilizada na prática das relações internacionais.

A equidade, por sua vez, ocorre nos casos em que a norm a ju r í­dica não existe ou nos casos em que ela existe, mas não é eficaz para solucionar coerentem ente (e com justiça) o caso concreto subjudice.

4 0 DIREITO INTERNACIONAL PÜBLICO - P a r t e G era l

Trata-se de decidir com base em outras norm as ou em princípios que supram a falta de previsão legal existente, ou que preencham a norm a juríd ica obsoleta ou ineficaz. Assim, a equidade nada mais é do que a aplicação dos princípios de justiça a um caso concreto sub judice. Mas o art. 38, § 2.°, do Estatuto da CIJ é claro ao dispor que a aplicação da equidade depende da anuência das partes envolvidas, e o faz nestes termos: “A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir um a questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem ”. Portanto, a Corte não pode decidir por equidade, a seu alvedrio e a seu talante, se assim não consentirem as partes.

6. A q u estão da so ftla w . Alguma doutrina ainda coloca a cha­mada soft law - direito p lástico, flexível ou maleável - como fonte do direito internacional público m oderno. A soft law é produto do séculoXX, tendo nascido principalm ente no âmbito do direito internacional do meio ambiente, prevendo um programa de ação para os Estados relativam ente à determ inada conduta em m atéria am biental, tendo depois ampliado os seus horizontes para outros campos do direito. O exemplo mais nítido desse tipo de instrum ento é a chamada Agenda 21, que se baseia num plano de ação a ser seguido pelos Estados para a salvaguarda do meio am biente no século XXI.

Em que pesem algumas opiniões em contrário, o certo é que ainda não se tem m aturidade científica suficiente para considerar o fenôm eno da soft law dentro do contexto das fontes do direito inter­nacional, não se descartando, porém , que num futuro próxim o, tais regras flexíveis de direito das gentes venham a se tornar fontes, em pé de igualdade com as outras fontes conhecidas da disciplina. Isso não quer dizer, contudo, que a soft law não tenha sua im portância. No atual cenário internacional, cada vez mais fragm entado, as expe­riências com norm as soft têm m ostrado ser possível “convencer” os Estados de que determ inada conduta deve ser tom ada (ou afastada) para a m elhoria do sistem a internacional como um todo. Ainda que fora do contexto das fontes, o certo é que as norm as de soft law podem auxiliar a sociedade internacional na salvaguarda de bens jurídicos im portantes para o planeta, como a diversidade biológica, o clima, as florestas etc.

MEIOS AUXILIARES E NOVAS FONTES 4 1

7. Leitura com plem entar:

1. REZEK, José Francisco. Direito intemacionalpúblico: curso elementar.9. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

2. ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

4. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito intemacionalpúblico. São Paulo: Adas, 2002. v. 1.

Para ap rofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público.6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Cláudio e MAIER, Harold G. Manual dederecho intemacionalpúblico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito intemacionalpúblico. Rio dejaneiro: Imprensa Nacional, 1934. t. II; RUBIN, Alfred P. The international legal effects of unilateral declarations. American Journal of International Law , Washington, D.C., 1977, v. 71, p. 1-30; JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmodeme. Recueil des Cours, v. 251 (1995), p. 9-267; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Natureza jurídica e eficácia dos acordos stand-by com o FMI. São Paulo: RT, 2005.

C a pítu lo V

C o d if ic a ç ã o d o D ireito

In tern a cio n a l P ú b l ic o

1. Propósito da codificação: codificar significa sistematizar um grupo de norm as num instrum ento único e obrigatório, seguindo- -se determ inado m étodo preestabelecido, no intuito de trazer mais facilidade ao operador do direito quando de fronte a um determ inado caso concreto. Tem-se também em mira evitar os antagonismos po­tencialmente existentes na aplicação das norm as esparsas existentes a respeito de certo assunto jurídico. Por este m otivo é que a codificação reduz tal grupo de norm as a um código, entendendo-se como tal a articulação e sistematização de diversas disposições legais num corpo único e harm ônico de norm as.

No caso do direito internacional, essa tarefa de sistema tização não é sim ples e apresenta vários problem as decorrentes da própria natureza desse ram o do direito, cuj as relações não se ligam a um ou al­guns poucos Estados apenas, mas com toda a sociedade internacional que os envolve. D iferentemente do direito interno, cuja aplicação não ultrapassa os lim ites físicos (fronteiras) dos Estados, a codificação do direito internacional enfrenta o problem a de lidar não som ente com Estados, mas ainda com outros atores da vida internacional, como as organizações internacionais intergovernam entais.

Como observa AdherbalM eiraM attos, algunsintem acionalistas optam por um a consolidação de normas internacionais, ao invés de um a codificação propriam ente dita. E isto se dá pelo fato de ser a con­solidação um método m enos dificultoso de agrupamento de normas internacionais, sem pretensão de sistematização. A consolidação seria o agrupamento ou a compilação de norm as damesmanatureza (como, por exemplo, norm as sobre direito dos tratados, direito do mar, direito internacional do meio ambiente, direito diplomático e das relações consulares etc.) em um mesmo corpo norm ativo, sem que, para isso,

CODIFICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 4 3

seja necessário sistem atizá-las. Neste caso, diferentem ente do que ocorreria com a codificação, teríamos um a compilação diferente para cada grupo de norm as da mesma natureza.

As tentativas de consolidação das normas internacionais não ex­cluem, entretanto, a possibilidade de codificação do DIP. Esta, segundo boa parte da doutrina, traz mais segurança e estabilidade às relações internacionais, na m edida em que dá aos operadores do direito uma maior certeza do direito positivo aplicável a determinado caso concreto.

2. A regra da C arta d a ONU: a Carta das Nações Unidas, de 1945, no seu art. 13, § 1.°, alínea a, diz caber à Assembleia-Geral iniciar estudos e fazer recomendações destinados a “incentivar o desenvolvi­mento progressivo do direito internacional e a sua codificação”.

A regra da Carta da ONU se refere ao “desenvolvimento progres­sivo” e à “codificação” do direito internacional. O desenvolvimento do direito internacional é conãitio sine quanon de sua codificação. Para alcançar a tais propósitos a ONU criou a Comissão de Direito Interna­cional (CDI), com sede em Genebra, tendo seu estatuto sido aprovado em 1947 e a Comissão constituída no ano seguinte. A Comissão de Direito Internacional da ONU foi responsável pelos proj etos de inúm e­ras convenções internacionais relevantes, a exemplo das Convenções de Genebra sobre o Direito do Mar (de 1958), das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas (de 1961) e Relações Consulares (de 1963), e das magníficas Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados (de 1969) e sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Orga­nizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais (1986).

A norm a do art. 13, § 1.°, alínea a, da Carta da ONU, deixa também entrever o propósito das Nações Unidas na conversão sistemática das norm as costum eiras em um corpo de regras escritas (jus scriptum), acompanhando a evolução do direito internacional no sentido de codifi­car o costume, ou seja, transformá-lo em norm a convencional (tratado).

O efeito da codificação, nos termos desse entendim ento, é duplo, pois 1) declara a existência anterior de um costume e 2) traduz esse costum e em norm a escrita, contribuindo para o “desenvolvimento progressivo do direito internacional”, para usar a expressão utilizada pelá Carta das Nações Unidas.

4 4 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P arte G eral

3. Tentativas d e codificação do DIP: foram várias as tentati­vas já tomadas em relação à codificação do direito internacional. O prim eiro projeto de codificação doutrinária (portanto, sem caráter oficial) de que se tem notícia foi o deJeremiasBentham, de 1789. Mais de cem anos depois desse projeto inicial de Bentham, já dentro de um quadro mais largo de codificação das norm as de DIP, aparecem outros im portantes proj etos, dentre os quais podem ser citados os proj etos de Códigos de Direito Internacional elaborados por J. C. Bluntschli, em 1868 (intitulado O direito internacional codificado), por Pasquale Fiore, em 1889 (chamado de Direito internacional codificado e a sua sanção jurídica) , por Dudley Field, em 1872 (intitulada Esboço de planejamento de um código internacional) , e pelo intem acionalista brasileiro Epitácio Pessoa, em 1911 (com o seu Projeto de código de direito internacional, este já com caráter semioficial), aprovado pela Comissão Internacional de Jurisconsultos Americanos em 1912 (ano em que tam bém fora apresentado o projeto de Alexandre Álvares).

A dificuldade prática que encontra o direito internacional rum o à sua codificação, além do fato de se tratar de tarefa mais do que grande, está também intim am ente ligada à existência de assuntos em relação aos quais os Estados têm veementes discordâncias, como os de natureza política ou os que possam, de alguma forma, seja por causa de suas tradições históricas, culturais ou religiosas, abranger a atitude política de determ inados Estados.

Parece, portan to , dificultosa a ideia de codificação de todo o Direito Internacional, como acalentado pelas prim eiras Conferências Pan-Americanas. Seja para codificar seja para consolidar as norm as internacionais, tal propósito deve se lim itar à constatação da norm ati- vidade internacional existente. N um m undo com tamanha diversidade parece m elhor e mais eficaz apenas constatar a existência das norm as internacionais a fim de sistematizá-las. Dessa forma, tal tarefa passa a ser mais declarativa que inovadora, o que tem a grande vantagem de facilitar o acom panham ento do progresso das normas do Direito Internacional que se pretende codificar ou consolidar.

Não obstante as dificuldades de sua implementação, a codificação do Direito Internacional apresenta grandes vantagens. Além de ser um fator de desenvolvimento do Direito Internacional, a codificação serve

CODIFICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO 4 5

também como meio de difusão dessemesmo direito (sendo certo que tudo o que se escreve é melhor propagado do que aquilo que é costumeiro), tomando-se um fator de certeza do direito positivo internacional.

Entretanto, o inconveniente que poderia ser colocado diz respeito à possibilidade de ser a codificação utilizada para exprim ir a vontade de poucos (Estados mais poderosos) em detrim ento da vontade de m uitos (Estados mais fracos).

4. Estado atual da codificação do DIP: a tendência de codifica­ção do direito internacional público se mostra presente, nos dias atuais, por meio do grande núm ero de tratados internacionais concluídos, nos últimos anos, versando matérias das mais complexas, tratando minucio­samente de cada um dos assuntos neles versados, e também, em virtude da avalanche de tratados multilaterais abertos, colocados à disposição da generalidade dos Estados, aumentando sobremaneira a área de atuação e o campo de domínio do direito internacional público modemo.

Entretanto, apesar dos avanços já obtidos neste campo, é de se consignar que a codificação do direito internacional ainda tem sido bastante morosa, visto que este ramo do direito público nem sempre conta com a vontade convergente e uniform e dos Estados, que vivem, muitas vezes, em busca da satisfação de interesses particulares, não raro incompatíveis com os propósitos de codificação e com os próprios objetivos perseguidos pelo direito internacional.

Mas enquanto para alguns, como Charles de Visscher, a codifi­cação é um em preendim ento “perigoso para o progresso do Direito Internacional”, para outros, como Meira Mattos, tal desenvolvimento progressivo “é um fato necessário e tecnicamente concebível e viável”, pois norm atiza assuntos vitais, ligados à natureza do DIP, e, também, porque “tende a transform ar o Direito Consuetudinário em Direito Convencional, o qual suplanta aquele cada vez mais, no seio da socie­dade internacional, pelo fato de ser um Direito escrito e o outro não, embora sejam, ambos, espécies do gênero Direito Positivo” (Direito internacional público. 2. ed. atual, e ampl. Rio dejaneiro : Renovar, 2002, p. 60).

Cremos que ainda m uito tempo irá passar até que se chegue a um patam ar mínim o de codificação do Direito Internacional. Para nós, é

4 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t i G era l

mais salutar a consolidação das regras internacionais, em detrim ento de um a propriam ente dita codificação, mas desde que aquela esteja pautada em critérios isonômicos e razoáveis.

5. Leitura com plem entar:

1. MEIRA MATTOS, Adherbal. Direito internacional público. 2. ed. atual, e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

2. ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

3. DEIIOLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

4. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albu­querque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 1; V1SSCHER, Charles de. La codification du droitinternational.RecueildesCours,v. l,t .V I ,p .329 ess.,Paris, 1925.

C a p í tu lo VI T e o r ia G e r a l d o s T r a t a d o s I n te r n a c io n a i s

Os tratados internacionais são a fonte principal do direito interna­cional público, seja por trazerem maior segurança e certeza às relações internacionais, seja por serem elaborados com a participação direta dos Estados e das organizações internacionais.

Ao estudo da teoria dos tratados dá-se o nom e de Direito dos Tratados. Sob esta rubrica se estudam os aspectos principais dos trata­dos, suas características e classificações, bem assim o seu processo de formação e entrada em vigor no Brasil.1

1. C onceito de tra ta d o in ternacional: o conceito de tratado vem expresso na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, que começou a vigorar internacionalm ente em 27.01.1980, quando, nos termos de seu art. 84, atingiu-se o quorum m ínim o de trinta e cinco Estados-partes. A Convenção de 1969 foi complementada pela Convenção de 1986 sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, que teve por finalidade reconhecer às Organizações Internacionais o direito de firm ar tratados, e convenções. Mas frise-se que o continente americano já conhecia um a convenção sobre tratados, bem antes de ter existência a Convenção de Viena de 1969: trata-se da antiga Con­venção de Havana sobre Tratados de 1928, ainda em vigor nos países que a celebraram, inclusive no Brasil. Entretanto, pelo fato de a teoria dos tratados ter sido regulada mais profundam ente pela Convenção de Viena de 1969, é que se estuda os atos internacionais à luz desta últim a convenção.

2. Validade d a C onvenção de Viena de 1969 no Brasil: o Brasil ratificou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados m uito

1. U m estudo profundo e detalhado da teoria dos tratados o leitor encontraem nossa obra Direito dos Tratados, São Paulo: Ed. RT, 2011.

4 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO- P a r t e G eral

tardiamente, em 25 de setembro de 2009, com o depósito do instru ­m ento respectivo jun to ao Secretário-Geral das Nações Unidas, com reservas aos arts, 25 e 66. Em 14.12.209 o governo brasileiro publicou o decreto 7.030, que promulgou a Convenção entre nós, data a partir da qual deve ela ser integralm ente cum prida no Brasil (ressalvados os dois dispositivos já referidos).

Mesmo antes da ratificação formal da Convenção de Viena, en­tretanto, o governo brasileiro e o Itamaraty já vinham pautando suas atividades segundo os preceitos deste tratado, especialmente no que tange à celebração, processo de formação e conclusão dos atos interna­cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Em suma: antes de valer como tratado propriam ente dito, a Convenção de Viena de 1969 já valia como norm a costumeira no Brasil e, por isso, sempre foi aplicada entre nós pelas autoridades do governo.

Os artigos ressalvados (ou seja, reservados pelo Brasil) dizem respeito, respectivamente, à aplicação provisória dos tratados (art. 25) e à autorização para a Corte Internacional de Justiça (ou um tribunal arbitrai ou um grupo de conciliação) decidir um a controvérsia em razão de divergência sobre a Convenção (art. 66).

3. D esm em brando o conceito de tra tado : nos termos do art.2.°, § 1.°, letra a, da Convenção de Viena de 1969, tratado internacional é um “acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrum entos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Trata-se, portanto, de um acordo formal concluído entre os sujeitos de direito internacional público, regido pelo direito das gentes, visando à produção de efeitos jurídicos para as partes contratantes e, em certos casos, inclusive para terceiros não-partes no acordo.

Da definição dada pela Convenção de Viena de 1969, podem-se extrair os seguintes elementos essenciais configurativos do conceito de tratado internacional, quais sejam:

a) Acordo internacional: o direito internacional tem por princípio o livre consentim ento das nações. Sendo o tratado internacional sua fonte principal, não pode ele expressar senão aquilo que as partes so­

TEORIA GERAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS 4 9

beranas acordaram livremente. Sem a convergência de vontades dos Estados, por conseguinte, não há acordo internacionalm ente válido.

b) Celebrado por escrito: os tratados internacionais são acordos essencialmente formais (epor isso se distinguem dos costumes, já que estes não são dotados dessa mesma formalidade). Dizer que um tratado é um acordo/orm aí significa também dizer que ele é um acordo escrito. Somente por meio de sua escritura é que se pode deixar bem consignado o propósito a que as partes chegaram após a sua negociação. Aliás, a forma de celebração oral é incompatível com a própria formação his­tórica dos tratados, tendo em vista que o primeiro tratado celebrado no m undo, de que se tem notícia, foi gravado em escrita cuneiforme num a barra de prata, entre o Rei dos Hititas, Hattusil III, e o Faraó egípcio da XIX.a dinastia Ramsés II, por volta de 1280 e 1272 a. C.

c) Concluído pelos Estados: como ato jurídico internacional, os tratados só podem ser concluídos por entes capazes de assumir direitos e contrair obrigações no âmbito extemo. Mas não somente os Estados detêm, hoje, essa prerrogativa. As organizações internacionais, a exemplo da ONU e da OEA, a partir de 1986, com o advento da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Inter­nacionais ou entre Organizações Internacionais, passaram a também ter capacidade internacional para a celebração de tratados. O conceito proposto também se refere a um acordo concluído. Mas a esta expressão não se deve dar um alcance superior ao seu efetivo e real significado. Por acordo concluído deve-se entender acordo negociado (a confusão é causada porque a expressão concluído, em países de língua com tronco latino, tem a conotação de algo pronto e acabado). A expressão não compreende, por conseguinte, a confirmação do compromisso e sua entrada em vigor, querendo significar tão somente que se chegou ao final das negociações.

d) Regido pelo direito internacional: todo acordo extem o que não for regido pelo direito internacional não será considerado como sendo tratado, mas sim simples contrato internacional. Assim, se dois Esta­dos fazem um acordo em que um deles se submete ao direito interno do outro, pelo fato de este compromisso não ser regido pelo direito internacional, não será considerado como tratado, mas apenas como

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contrato, posto que submetido às regras do direito interno de um dos Estados e não às regras do direito internacional.

e) Celebrado em instrumento único ou em dois ou mais instrumentos conexos: além do texto principal do tratado, podem existir outros ins­trum entos que o acompanham, a exemplo dos protocolos adicionais e dos anexos que, via de regra, são produzidos concom itantem ente à produção do texto principal. Com a inserção desse elemento (plura­lidade) no conceito de tratado a Convenção de Viena de 1969 passou a consagrar a troca de notas (concluída em momentos distintos pelos Estados) como um instrum ento convencional idôneo a produzir efeitos jurídicos no plano internacional (e, portanto, lícito, ainda que esta modalidade de conclusão de tratados em forma simplificada seja repelida por algumas Constituições na atualidade).

j ) Ausência de denominação particular: a Convenção de 1969 deixa bem claro que a palavra tratado se refere a um acordo regido pelo di­reito internacional, “qualquer que seja sua denominação particular”. É dizer, tratado é expressão genérica, cujas denominações poderão variar conforme a sua forma, o seu conteúdo, o seu objeto ou a sua finalidade. O que im porta saber para a configuração da existência de um tratado, assim, é se ele preenche os requisitos ou os elementos constitutivos essenciais, acima estudados, elencados pela Convenção de Viena de 1969.

4. T erm inologia d o s tra ta d o s : existe enorm e variedade de termos e acepções para os tratados internacionais, usualm ente empre­gados na prática das relações internacionais, de que são exemplos as expressões: tratado (terminologia normalmente empregada nos ajustes solenes, cujo objeto, fim, núm ero e poder das partes contratantes têm m aior im portância por criarem situações jurídicas), convenção (ex­pressão utilizada como sinônimo de tratado, em nada diferindo deste em sua estrutura), carta (com um ente empregada para estabelecer os instrum entos constitutivos de organizações internacionais), protocolo (tem sido utilizado para designar a ata de uma conferência ou de um acordo m enos formal que o tratado, em que ficaram consignados os re­sultados de uma conferência diplom ática), pacto (designa, geralmente, atos solenes, podendo ser utilizado, também, para restringir o objeto político de um tratado), acordo (com um ente emprega-se a expressão

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para designar tratados de natureza econômica, financeira, comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, pro­jetos de desarmamento, questões sobre fronteiras, arbitram ento etc.), acordo por troca de notas (empregam-se troca de notas diplomáticas para assuntos de natureza administrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos), acordo em form a simplifi­cada ou acordo do executivo (são também conhecidos pela expressão americana “executive agreements”, designando aqueles acordos con­cluídos pelo Poder Executivo sem o assentimento do Poder Legislativo; estes não se confundem com os chamados gentlemen’s agreements, que tecnicamente não são tratados, mas apenas “acordos de cavalheiros” regulados por normas de conteúdo m oral), “modusvivendi” (utilizado na designação de acordos temporários ou provisórios, de importância relativa), concordata (designação empregada nos acordos de caráter religioso firmados pela Santa Sé com Estados que têm cidadãos católi­cos), reversais ou notas reversais (empregam-se no estabelecimento de concessões recíprocas entre Estados ou como declaração de um Estado de que um a concessão especial, que lhe é feita por outro, não derroga privilégios já estabelecidos entre ambos) etc.

5. Estrutura dos tra tad o s: os instrum entos internacionais são acordos formais, celebrados pelos Estados ou por organizações inter­nacionais, com forma e conteúdo determinados. Tradicionalmente, os tratados são formados pelas seguintes partes: a) o título, que indica a m atéria tratada pelo acordo; b) o preâmbulo, que indica as partes contratantes, é dizer, os Estados ou as organizações internacionais que concluem o tratado, bem como as intenções das partes em relação à celebração do acordo (ao que se chama de considerandos, redigidos nor­malmente no gerúndio, assim: “considerando, reconhecendo, reafirman­do" etc.) .Já houve época, como na Antiguidade e no período medieval, que também se invocavam os deuses no preâmbulo do instrum ento; c) o articulado, considerado a principal parte do tratado, composto por uma seqüência de artigos num erados, em que ficam expressas todas as cláusulas de opera tividade do acordo; d) o fecho, que especifica o local e a data da celebração do tratado, o idioma em que se acha redigido e o núm ero de exemplares originais; e) a assinatura do Chefe de Estado, do M inistro das Relações Exteriores ou de outra autoridade que tenha

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representado o Presidente da República na celebração do instrum ento, desde que detentor dos plenos poderes. Nos atos bilaterais, a assinatura obedece ao sistema de alternância ou inversão, que consiste em cada parte colocar a sua assinatura em primeiro lugar no exemplar que ficará em seu poder, o que evita o problema da precedência de assinaturas de um Estado em relação ao outro. Para os tratados m ultilaterais tem-se utilizado a aposição das assinaturas em ordem alfabética dos nomes das partes, o que poderá variar em função da língua em que se encontra redigido o instrum ento; e, finalm ente,/) o selo de lacre, com as armas das altas partes contratantes.

O texto do tratado também pode conter, eventualm ente, alguns anexos, dependendo da necessidade de alguma outra explicação pós- -textual, bem como algum outro com plem ento que seja necessário ou premente.

6. Classificação dos tra tad o s: inúm eras classificações têm sido utilizadas para os tratados internacionais. Sem embargo da m ultipli­cidade de classificações existentes, utilizarem os a que mais vem ao encontro de nosso estudo, dividindo-os conforme o número de partes, quanto ao tipo de procedimento utilizado para sua conclusão, quanto à sua execução no tempo e, por últim o, conforme a sua naturezajurídica.

Levando-se em conta o núm ero de partes, os tratados interna­cionais podem ser classificados em bilaterais (ou particulares) ou multilaterais (também chamados de coletivos, gerais ou plurilaterais).

São bilaterais os tratados celebrados apenas entre duas partes contratantes (v.g., um tratado de guerra epaz) ou entre vencedores e vencidos. Podem ser celebrados entre dois Estados ou entre um Estado e um a organização internacional ou, ainda, entre duas organizações internacionais.

M ultilaterais são os tratados celebrados por mais de duas partes, ou seja, entre três ou mais partes, com base nas suas estipulações ou nas estipulações de um instrum ento conexo, aberto ã participação de qualquer Estado, sem restrição, ou de considerável núm ero de Estados, e que têm por objeto a produção de norm as gerais de direito internacional ou tratar, de modo geral, de questões de interesse comum.

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Quanto ao procedim ento utilizado para a sua conclusão, os tra­tados podem ser classificados em tratados stricto sensu e tratados em forma simplificada. Os tratados em sentido estrito são aqueles em que se nota, para sua conclusão, um procedimento complexo composto de duas fases internacionalm ente distintas: a prim eira, iniciada com as negociações, culm ina com a assinatura de seu texto, e a segunda vai da assinatura à ratificação. Além desses dois mom entos internacional­m ente distintos, outros existem e que dizem respeito ao direito intem o dos Estados participantes do acordo, como a aprovação pelo Legislativo e a promulgação interna do tratado ratificado. É o procedimento que comumente se utiliza para a celebração de tratados internacionais. Os tratados em forma simplificada, por seu turno, são aqueles em que, para sua conclusão, existe apenas um a única fase, consistente na assinatura do acordo, m om ento em que as partes já apõem o seu consentimento definitivo em obrigar-se pelo pactuado. Prescindem, pois, de ratifi­cação. São geralmente tratados bilaterais, concluídos, na maioria das vezes, por meio de troca de notas, com sua lavratura em instrum ento único, sem m uitas formalidades ou delongas.

Quanto à sua execução no tempo, podem ser os tratados transitó­rios ou permanentes, mutalizáveis ou não-mutalizáveis. Transitórios são aqueles tratados que, embora criem situações que perdurem no tempo, têm sua execução feita de forma instantânea e imediata. São tratados criadores de situações jurídicas estáticas, objetivas, a exemplo dos tratados que dispõem sobre cessão de territórios, estabelecem limites ou fronteiras, ou, ainda, transm item de forma definitiva determinados bens. Apesar de as relações jurídicas por eles criadas permanecerem no tempo, a execução desses tratados dá-se de forma quase que imediata. Permanentes, por sua vez, em oposição aos transitórios, são aqueles tratados cuja execução se protrai no tempo, incluindo-se nesta cate­goria os tratados de cooperação, de comércio, de extradição, os de proteção dos direitos hum anos etc. São compromissos internacionais cuja execução não se consuma num dado mom ento, mas, pelo con­trário, difere-se no tempo enquanto estiverem em vigor, podendo ter vigência longa ou mesmo curta.

Quanto à classificação dos tratados emmutalizáveis enão-mutali- Záveis, é preciso frisar que a sua ocorrência somente se dará nos tratados

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multilaterais. Tratados mutalizáveis são aqueles acordos m ultilaterais cujo descumprimento por parte de alguma ou algumas das partes entre si não compromete a execução do acordo como um todo. Neste caso, a inexecução do tratado por algumas das partes não im pede que o mesmo continue sendo aplicado em relação às demais que o estão exe­cutando fielmente. Tratados não-mutalizáveis, por sua vez, são aqueles tratados m ultilaterais que não concebem divisão em sua execução, de sorte que, se alguma ou algumas das partes, pelo motivo que seja, não puder cum prir o pactuado, umas em relação às outras, todas as demais irão sofrer com a sua violação, não havendo como deixar de aplicar o tratado somente às partes que o violaram. Tem-se como exemplo de tratado não-mutalizável o Tratado da Antártica.

Conforme sua natureza jurídica podem os tratados ser classifi­cados em tratados-lei (também chamados de tratados-normativos) e tratados-contrato. Os tratados-lei ou law-màkingtreaties (Vereinbarun- geri), geralmente celebrados por grande núm ero de Estados, têm por objetivo fixar norm as gerais de direito internacional público, podendo ser comparados a verdadeiras leis. Neles, dá-se a criação de uma regra objetiva de direito internacional, pela vontade conforme (paralela) das partes, de aplicação geral aos casos pelo acordo estipulados. As partes assumem o compromisso de cumprir todo o acordado, o fazendo em ho­menagem à regra pacta sunt servanda. Não são obrigatórios senão para os Estados que os celebraram. São, via de regra, tratados m ultilaterais, com possibilidade de ingresso de outros Estados que não participaram do seu processo de conclusão. Nos tratados-contrato (Vertragen) as vontades das partes são divergentes, não surgindo, assim, a criação de uma regra geral de direito internacional, mas a estipulação recíproca das respectivas prestações e contraprestações com fim comum. Cada uma das partes, neste caso, tem em m ira justam ente aquilo que de bom pode lhe dar a outra. Consubstanciam-se na realização de uma operação jurídica concreta, como se fosse um verdadeiro contrato entre as partes, que se exaure com o cum prim ento da respectiva obrigação. Resultam, pois, de concessões m útuas dos Estados, de troca de vontades com fins diversos, e têm aparência de contratos (apesar de não serem contratos: são tratados). A diferença entre tais obrigações contratuais e aquelas de direito interno reside tão som ente no fato de que, nas prim eiras, os

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contratantes são Estados soberanos. São, por isso, via de regra, acordos bilaterais de efeitos essencialmente subjetivos.

Alguns autores apresentam objeção a esta classificação, no sentido de que todo tratado internacional, por mais contratual que seja, sem­pre tem elementos normativos. Mesmo nos tratados-contrato existem alguns elementos normatizadores, a exemplo das suas cláusulas finais sobre ratificação, entrada em vigor, possibilidade de denúncia etc. O que poderia variar, assim, seria o maior ou m enor grau de dispositivos norm ativos existentes no tratado.

Uma últim a classificação que se coloca, diz respeito à possibili­dade de adesão posterior dos tratados. Quanto a esta possibilidade os tratados se classificam em abertos e fechados. São abertos os tratados que perm item a posterior adesão por parte dos Estados que não parti­ciparam de suas negociações, ou mesmo não o ratificaramno momento devido. Os tratados abertos podem ser limitados ou ilimitados. Os p ri­meiros perm item a adesão posterior, mas são limitados a um núm ero certo de Estados ou a algum bloco de Estados (p. ex.: o tratado que constituiu o M ercosul). Os segundos são abertos para todos os Estados que pretendam ser partes no tratado (p. ex.: os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos). Por fim, são fechados os tratados que não perm item qualquer tipo de adesão posterior.

7. P rocesso d e fo rm ação dos tra tad o s: os tratados e conven­ções internacionais são atos solenes cuja conclusão requer a observân­cia de um a série de formalidades rigorosamente distintas e sucessivas. São quatro as fases pelas quais têm de passar os tratados solenes até sua conclusão: a) a das negociações preliminares; b) a da assinatura ou adoção, pelo Executivo; c) a da aprovação parlamentar (referendum) por parte de cada Estado interessado em se tom ar parte no tratado; e, por fim, d) a da ratificação ou adesão do texto convencional, concluída com a troca dos instrum entos que a consubstanciam. Antes da ratificação, todos os direitos e obrigações expressos no ato internacional ficam restritos às relações m útuas dos contratantes, não tendo se incorporado, ainda, no ordenam ento jurídico intem o desses mesmos Estados. No Brasil, após a sua ratificação, o tratado, ainda, épromulgado por decreto do Presidente da República, epublicado no Diário Oficial da União. São

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etapas complementares adotadas pelo Estado brasileiro para que os tratados possam ter aplicabilidade e executoriedade internas.

A Convenção de Viena de 1969 tom ou a providência de regula­m entar os requisitos para a conclusão e entrada em vigor dos tratados. Assim, para que um tratado seja considerado válido, requer-se que as partes contratantes (Estados ou organizações internacionais) tenham capacidade para tal, que os seus agentes signatários estejam legalmente habilitados (por meio de carta de plenos poderes, assinada pelo Chefe do Executivo e referendada pelo M inistro das Relações Exteriores), que haja mútuo consentimento (que se revela no livre direito de opção do Estado, m anifestado em docum entação expressa) e que o seu objeto seja lícito e possível (porque a promessa de um a prestação de caráter absoluto ou impossível de se realizar é incapaz de form ar um vínculo ju ríd ico ).

Segundo a Convenção de Viena (art. 6.°), todos os Estados têm capacidade para concluir tratados, devendo eles, porém, na realiza­ção de negociações ju n to ao governo de país estrangeiro, atuar por m eio de seus representantes, devidam ente autorizados a praticar atos internacionais em seu nom e (plenipotenciários — detentores dos plenos poderes), à exceção daquelas pessoas que, em virtude do cargo que ocupam, estão dispensadas de tal autorização (v.g., os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os M inistros das Relações Exteriores).

Os Chefes de Estado (ou de Governo, dependendo do sistema adotado em cada país) têm, em razão do cargo que exercem, capacidade originária, que prescinde lhes seja exigida qualquer credencial. Os Ministros das Relações Exteriores (ou dos negócios estrangeiros, como denominados em alguns Estados) e os Chefes de Missão Diplomática, por sua vez, têm capacidade derivada para a celebração de tratados, com os mesmos poderes dos Chefes de Estado ou de Governo, uma vez investidos em seus respectivos cargos. Tais plenipotenciários ou mandatários, em decorrência do exercício de suas funções, estão dis­pensados da apresentação da carta de plenos poderes. Esta isenção, contudo, está limitada aos tratados celebrados entre o Estado que os acolhe e o Estado que eles representam e, de acordo com o que dispõe a Convenção de Viena (art. 7.°, § 2.°, letra b), pode ser exercida tão som ente até a adoção do seu texto (a adoção do texto do tratado é a

fase im ediatam ente anterior à assinatura, mom ento em que os Estados aceitam o texto final do acordo).

Para outros plenipotenciários que não os referidos acima, a carta de plenos poderes, expedida pela autoridade competente do Estado, é exigida. Em caso de a representação do Estado se dar por uma delegação ou por um grupo de pessoas, é im portante frisar que só será detentor dos plenos poderes o chefe da delegação ou comissão, incum bindo

' somente a ele, e a mais ninguém , a prática de atos que manifestem a vontade do Estado que representa no cenário internacional.

No caso brasileiro, a competência do Chefe do Poder Executivo para celebração de tratados é privativa, o que perm ite haja delegação, por sinal, m uito com um nos atos internacionais, um a vez que o Pre­sidente da República tem outras funções além da de celebrar tratados. A Constituição brasileira de 1988 diz com petir privativam ente ao Presidente da República “m anter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos” (art. 84, inc. VII). Esta com petência norm alm ente é delegada aos M inistros das Relações Exteriores (M inistros dos Negócios Estrangeiros ou dos Assuntos Estrangeiros) ou aos Chefes de Missão Diplomática. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou credenciado pelo país estrangei­ro, pode ser agente plenipotenciário. O Itamaraty, a quem incum be negociar e celebrar, com a cooperação de outros órgãos interessados, tratados, acordos e demais atos internacionais, éverdadeiro “auxiliar” do Presidente da República neste campo das relações internacionais.

Regra geral, o processo de formação dos tratados tem início com os atos de negociação, conclusão e assinatura, que são da competência geralmente do órgão do Poder Executivo (v.g., o Presidente da Repú­blica ou o Ministro das Relações Exteriores), podendo tal prerrogativa variar de país para país. NoBrasil, toda negociação de ato internacional deve ser acom panhada por funcionário diplomático (cf. os sucessivos Decretos que aprovam a estrutura regimental e que indicam a natureza e competência do M inistério das Relações Exteriores). O texto final do ato internacional, ainda no caso brasileiro, deve ser aprovado, do ponto de vista jurídico, pela Consultoria Jurídica do Itamaraty e, sob o aspecto processual, pela Divisão de Atos Internacionais.

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Concluído o texto do instrum ento internacional, e estando as partes contratantes de acordo com os seus termos, tanto substanciais como formais, procede-se à assinatura, que, presentem ente, signifi­ca apenas o aceite precário e provisório ao tratado, não acarretando efeitos jurídicos vinculantes. Trata-se da mera autenticação do texto convencional. É dizer, a assinatura que põe fim à negociação não vincula o Estado, apenas determ ina o conteúdo de sua vontade, não passando de um a manifestação m eram ente formal de sua parte. Por ela, o Estado aceita a forma e o conteúdo do tratado negociado, sem dar o seu aceite definitivo.

A assinatura é uma fase im portante do processo de celebração dos atos internacionais, pois é com ela que se encerram as negociações e se expressa o consentim ento do Estado de aderir com todo o pactuado. Deste m om ento em diante, ficam proibidas quaisquer alterações no texto do acordo firmado. Fica aberta, contudo, a partir deste instante, a possibilidade de as partes apresentarem reservas ao texto do instru ­mento, se for o caso.

No Brasil, qualquer autoridade, segundo a prática do M inistério das Relações Exteriores, pode assinar um ato internacional, desde que possua carta de plenos poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo Ministro das Relações Exteriores. A elaboração da referida carta cabe à Divisão de Atos Internacionais do Itamaraty, que age m ediante pedido formal do Chefe de Estado. A única exceção à regra geral da obrigatória apresentação dos plenos poderes é a que se refere aos atos bilaterais ou m ultilaterais firmados pelos embaixadores plenipotenciários acreditados.

Assinado o tratado pelos plenipotenciários, deve ele ser subme­tido, no caso brasileiro, à apreciação e aprovação do Poder Legislativo (CF, art. 49, inc. I). Uma vez aprovado o tratado pelo Parlamento, re­tom a ele ao Poder Executivo para a sua ratificação, ato administrativo unilateral por meio do qual o Estado, sujeito de direito internacional, confirmando a assinatura anteriorm ente aposta no acordo, aceita de m aneira definitiva as obrigações internacionais que assumiu. A ratifi­cação é ato em inentem ente externo, levado a efeito pelas estritas regras do direito internacional público, não havendo que se falar, por isso, em ratificação de direito intem o, como querendo significar a aprovação

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dada pelo Poder Legislativo ao tratado internacional ou a promulgação do mesmo internam ente.

A ratificação, para o direito internacional, exprime confirmação (confirmação da assinatura anteriorm ente aposta), o que difere do significado empregado pelo direito civil, que a exprime no sentido de aprovação. Talvez por isso tenha estabelecido a Convenção de Viena, no seu art. 2.°, § 2.°, que as disposições relativas às expressões nela empregadas não prejudicam o emprego dessas expressões, nem os significados que lhes possam ser dados na legislação in terna de qualquer Estado.

Mas se o Estado não participou das negociações do tratado, nem tampouco o assinou, mas mesmo assim deseja dele se tom ar parte, poderá fazê-lo por meio da adesão ou aceitação, que possui natureza ju ríd ica idêntica à ratificação. A adesão consiste na m anifestação unilateral de vontade do Estado, que exprime o seu propósito em se tom ar parte de determ inado tratado, de cuja negociação, no plano internacional, não participou. A mesma prática também vale para as organizações internacionais.

A adesão não se confunde com a ratificação. Nesta, o Estado que participou das negociações do tratado, assinando-o, confirma às outras partes o seu propósito firme e definitivo em obrigar-se pelo pactuado. Naquela, o Estado não participou das negociações do acordo, mas, depois de concluído, tem interesse em obrigar-se pelo acordado entre as partes que o negociaram. Apesar de algumas opiniões em contrá­rio, a prática internacional já deixou assente a não-exigência de estar o tratado em vigor a fim de tom ar possível sua adesão ou aceitação.

Frise-se, entretanto, que nem todos os tratados internacionais perm item a adesão ou a aceitação. Somente em se tratando dos cha­mados tratados abertos é que isto será possível. É dizer, a adesão ou a aceitação do tratado por parte de determinado Estado (ou organização internacional), que não participou de sua elaboração, som ente será possível quando o próprio texto do tratado, expressa ou tacitamente, assim o permitir.

8. Reservas aos tra tad o s m ultilaterais: o art. 2.°, § 1.°, letra d, da Convenção de Viena de 1969, define a reserva como sendo “uma

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declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita po r um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado”.

Como se percebe pela definição da Convenção, qualquer deno­minação que o Estado dê carece de im portância, quando é perceptível o seu in tuito de excluir ou m odificar os efeitos juríd icos de certas disposições do tratado por ele firmado. O im portante é que fique claro o intuito do Estado de eximir-se daquela obrigação, internam ente. É dizer, o intento do Estado contratante quando faz reservas ao tratado constitui-se num a proposta de modificação das relações deste Estado com os outros Estados-partes no tocante ao conteúdo objeto da reserva.

A regra estabelecida pela Convenção é que, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou mesmo a ele aderir, todo Estado pode, se lhe convier, form ular uma reserva, salvo se: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser formuladas de­terminadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ouc) nos casos não previstos nas letras a e b, a reserva seja incompatível com o objeto e a finalidade do tratado (Convenção, art. 19).

A reserva, portanto, modifica os termos do compromisso assu­mido, podendo dar-se ao final das negociações, mom ento em que o Estado procede à assinatura do tratado, ou mesmo no mom ento da ratificação (ou ainda, da adesão), quando sua manifestação torna-se, por conseguinte, definitiva.

Não há falar-se em reservas no caso dos tratados bilaterais, uma vez que nestes acordos a vontade das partes tem de estar em perfeita harmonia, entendendo-se qualquer manifestação no sentido de reserva como sendo uma nova proposta a ser discutida e negociada pelas partes. De sorte que som ente os tratados m ultilaterais as admitem.

O Congresso Nacional, no ato da aprovação do tratado, pode pretender afastar determ inada reserva feita pelo Chefe do Executivo quando da assinatura do acordo. Neste caso, o Presidente da República, concordando com o abandono da reserva pelo Congresso, pode retirá- -la, no ato da ratificação.

Normalmente, a possibilidade e as condições de formulação de reservas já vêm expressas no próprio texto do tratado. Se o mesmo

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silencia a respeito é porque as admite, não se podendo entender de modo contrário. Entretanto, o direito que os Estados têm de formular reservas não é ilim itado. O próprio tratado pode estipular que estão proibidas reservas a ele, ou pode perm itir somente certos tipos de re­servas, ficando sem efeito qualquer outra feita fora das hipóteses que ele formula. E mais: é vedado form ular reservas incompatíveis com o objetivo ou com as finalidades do tratado assinado (Convenção, art. 19, letra c). Assim, deve ser sempre observada a compatibilidade da reserva com o objeto e a meta do tratado internacional, como já decidiu a Corte Internacional de Justiça.

9. Em endas e m odificações aos tra tad o s m ultilaterais: todo tratado m ultilateralpode ter seu texto emendado. Tais emendas depen­dem única e exclusivamente da vontade das partes contratantes (art.39 da Convenção). Diz-se da possibilidade de emendas nos tratados multilaterais posto que nos bilaterais a sua conclusão depende somen­te da vontade das duas partes envolvidas, prescindindo, por isso, de regulamentação.

A matéria é regulada pelo art. 40 da Convenção de Viena de 1969, na qual se consagrou a duplicidade de regimes jurídicos, ao perm itir a vigência concom itante do tratado original e do tratado emendado. Neste caso, o tratado original passa a valer ao mesmo tempo entre as partes que não concordaram com a emenda, e entre estas e o grupo que com elas concordou, e, ainda, em relação a este últim o grupo, o tratado passa a valer com as emendas por eles aceitas (nisso residindo a duplicidade de regimes jurídicos).

Se um Estado manifesta definitivamente o seu consentimento em obrigar-se por um tratado que foi objeto de emenda sem se manifestar a respeito do seu teor, presume-se que aderiu ao texto do tratado já emendado. O silêncio do Estado, neste caso, faz presum ir a aceitação da emenda.

Nada obsta que a emenda a um tratado multilateral seja estipulada em outro tratado celebrado posteriorm ente. Neste caso, entretanto, é necessário que as mesmas partes que participaram do tratado original manifestem (todas elas) seu consentim ento em emendá-lo por meio

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de outro instrum ento internacional, posteriorm ente celebrado com esta finalidade, sem o que não se pode falar em emenda válida.

No caso brasileiro, as emendas formuladas aos tratados m ulti­laterais em que o país é parte têm, necessariam ente, de passar pelo referendum do Poder Legislativo, da mesma forma que a ratificação, salvo se esta não im portou em consulta ao Parlamento.

10. In terpretaçãodostratados:in terpretarum tratadosignifica dar claridade e compreensão ao seu texto ou a qualquer uma de suas normas, deixando as partes seguras acerca do alcance e significado que se pretendeu estabelecer em seu contexto, afastando de vez as dúvidas e obscuridades até então existentes. O art. 31, § 1.°, da Convenção de Viena de 1969 traz uma regra geral de interpretação dos tratados, ao dispor que todo tratado internacional deve ser interpretado de boa-fé, segundo o sentido comum atribuível aos seus termos, em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. Ou seja, segundo a Convenção, o “ponto de partida” para a interpretação de todo acordo internacional é o seu texto, enquanto este constitui a expressão autêntica das intenções das partes.

O prim eiro princípio de interpretação, como se vê, que se destaca no art. 31, § 1.°, da Convenção é o da boa-fé, parte integrante da regra pacta sunt servanda, que se consubstancia no compromisso de respeito e fidelidadepor parte daquele em que determinada ação é questionada, pressupondo sempre a abstenção de dissimulação, fraude ou dolo nas relações internacionais para com outrem.

Diz ainda o mesmo dispositivo que todo tratado internacional deve ser interpretado segundo o sentido comum atribuível aos seus termos, querendo isso significar que as palavras de seu texto devem ser observadas em seu sentido usual, a menos que se estabeleça que certo sentido especial deverá se atribuído a determ inado termo (cf. art. 31, § 4.°).

A Convenção ainda estabelece que os tratados devem ser inter­pretados em seu contexto. Para fins interpretativos, o contexto de um tratado compreende, além do texto, seu preâm bulo e anexos: a) qual­quer acordo relativo ao tratado feito entre todas as partes em conexão com a sua conclusão; e b) qualquer instrum ento estabelecido por uma

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ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrum ento relativo ao tratado (art. 31, § 2.°).

Abstrai-se daí, como se vê, a intenção m anifestada pela Con­venção de Viena de serem os tratados interpretados em seu conjunto, contextualm ente, dando vasto m aterial de pesquisa para o intérprete na delimitação do sentido comum das palavras.

Segundo a Convenção de Viena, serão levados em consideração, juntam ente com o contexto: a) qualquer acordo posterior entre as par­tes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições;b) qualquer prática seguida posteriorm ente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; e c) quaisquer regras pertinentes de direito internacional aplicáveis às relações entre as partes (art. 31, § 3.°).

Porfim , devem os tratados, segundo a parte final do art. 31, § 1.°, ser interpretados à luz de seu objeto efinalidade. Por objeto do tratado entendem-se as suas norm as, bem como os direitos e obrigações que delas decorrem, segundo o que as partes livremente estabeleceram. Já a finalidade é o propósito que estas mesmas partes almejaram al­cançar. Então, dizer que o intérprete deve levar em consideração na interpretação dos tratados o seu objeto e finalidade significa que deve ele buscar a ratio legis do compromisso internacional na busca da ver­dadeira intenção das partes quanto ao significado do texto ou quanto a algumas de suas disposições.

A Convenção de 1969 não descarta, também, o que chamou de “meios suplem entares de interpretação”, incluindo os trabalhos pre­paratórios (travauxpréparatoires) do tratado e as circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do art. 31 ou de determiná-lo quando a interpretação, de conformidade com este mesmo artigo: a) deixar o sentido ambíguo ou obscuro; ou b) o conduzir a um resultado m anifestam ente absurdo ou desarrazoado (art. 32).

11. P ro cessu a lís tica co n stitu c io n a l p a ra a c e leb ração d e tra tados: os tratados internacionais têm, também, um processo cons­titucional de celebração. E isto decorre de fatores históricos, como o ingresso da manifestação dos parlam entos no iter procedim ental de

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celebração de tratados, cuja ideia inicial segue as bases da Revolução Francesa, com a tomada do poder soberano popular em detrim ento do poder da m onarquia absolutista. A partir de então, a quase totalidade das Constituições passou a estabelecer um a conjugação de vontades entre o Executivo e o Legislativo no processo de conclusão dos tratados internacionais,

A Constituição brasileira de 1988 regula o processo de celebração de tratados em dois dos seus dispositivos, abaixo transcritos:

“Art. 84. Compete privativam ente ao Presidente da República:

(...)VIII—celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos

a referendo do Congresso Nacionai ( . . . ) ”.

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos in ­ternacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrim ônio nacional ( . . . ) ”.

Da leitura dos artigos transcritos é possível perceber que a von­tade do Executivo, m anifestada pelo Presidente da República, não se aperfeiçoará enquanto a decisão do Congresso Nacional sobre a viabilidade de se aderir àquelas norm as não for manifestada, no que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de tratados internacionais. Essa conjugação de vontades entre o Executivo e o Legislativo, aliás, sempre esteve presente nas Constituições brasileiras.

Enquanto cabe ao Poder Executivo presidir a política externa, ao Legislativo cumpre exercer o controle dos atos executivos, um a vez que àquele incum be a defesa da Nação no cenário internacional. Por im portar no comprometimento da soberania nacional, o tratado internacional não pode produzir efeitos se não for referendado pelo Congresso Nacional, que consente com a sua assinatura e autoriza a posterior ratificação, de competência do Presidente da República.

O Congresso Nacional, por sua vez, quando chamado a se ma­nifestar, por meio da elaboração de um decreto legislativo (CF; art. 59, inc. VI), materializa o que ficou resolvido sobre os tratados, acordos ou atos internacionais. Não se edita o decreto legislativo em caso de

TEORIA GERAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS 6 5

rejeição do tratado, caso em que apenas se com unica a decisão ao Presidente da República.

Portanto, no que diz respeito ao Estado brasileiro, os tratados, acordos e convenções internacionais, para que sejam incorporados ao ordenamento in tem o, necessitam de prévia aprovação do Poder Legisla­tivo, que exerce a função de controle e fiscalização dos atos do Executivo.

O Congresso Nacional, portanto, referenda o texto do tratado e autoriza o Chefe do Executivo a ratificá-lo, o que somente irá ocorrer (ou não, dependendo da vontade discricionária do Presidente) num m om ento posterior.

Habilitado a ratificar tratados internacionais está somente o Chefe do Executivo e mais ninguém. É sua, nesta sede, a últim a palavra. Ao Parlamento incumbe aprovar ou rejeitar o tratado assinado pelo Execu­tivo, mais nada. A expressão “resolver definitivamente sobre tratados”, assim, deve ser entendida em term os, não se podendo atribuir-lhe uma conotação destoante de seu real significado. E isto porque “resolver definitivamente” no sistema brasileiro não significa ratificação, que é ato próprio do Chefe do Executivo, responsável pela dinâmica das relações internacionais, a quem cabe decidir tanto sobre a conveni­ência de iniciar as negociações como a de ratificar o ato internacional já concluído. Por conseguinte, incum be ao Parlam ento aprovar ou não os tratados submetidos à sua apreciação, e ao Chefe do Executivo ratificá-los, se aprovados pelo Congresso.

O Congresso Nacional, por conseguinte, só resolve definitivamente sobre os tratados quando rejeita o acordo, caso em que o Executivo fica impedido de prosseguir com a sua ratificação. Em caso de aprovação, quem resolve de modo definitivo é o Chefe do Executivo, ao ratificar ou não o tratado. Por este motivo, a expressão resolver definitivamente,. que, de resto, vem se m antendo até hoje nas Constituições brasileiras, tem sido considerada das mais im próprias dentre as que respeitam à matéria. A manifestação do Congresso Nacionai, assim, só ganha foros de definitividade quando desaprova o texto do tratado anteriorm ente assinado, quando então o Presidente da República estará impedido de ratificá-lo. Mas, se o Congresso aprovou o tratado subm etido à sua apreciação, a últim a palavra é do Chefe do Executivo que tem a

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discricionariedade de ratificá-lo ou não, segundo o que ju lgar mais conveniente e oportuno.

Por isso, é bom que se esclareça, em definitivo, que o Congresso Nacional não ratifica nenhum tipo de ato internacional, sem embargo de seu referendo representar a vontade de todo o povo da Nação, no que se consagra a realização plena do ideal democrático. Em verdade, por meio de decreto legislativo, o nosso Parlamento Federal autoriza a ratificação, que é ato próprio do Chefe do Poder Executivo, a quem compete privativamente, nos termos da Constituição da República (art. 84, inc. VIII), celebrar acordos internacionais. O decreto legislativo, pois, quando aprova um tratado internacional, não “cria” o direito, não inova a ordem jurídica pátria. O tratado internacional continua sendo tratado, não se “transform ando” ipsofacto em direito interno mediante a intervenção do Congresso. O que introduz o elenco de di­reitos e obrigações na ordem jurídica interna, assim, é o próprio tratado internacional e não o decreto legislativo que o aprovou.

Não se deve entender, entretanto, que a ratificação expressa tão somente um vínculo formal entre os Estados, pois ratificação não é o mesmo que assinatura. Se esta é apenas um a expressão formal da von­tade do Estado em aderir ao pactuado, aquela (a ratificação) já é a sua manifestação definitiva, obrigando o Estado no âmbito internacional. A promulgação do tratado internam ente ê problema de cada país, de que o direito internacional não se preocupa.

Promulgado o decreto legislativo pelo Presidente do Senado Fede­ral (que é também o Presidente do Congresso), e publicado o mesmo tanto no Diário do CongressoNacionál como no Diário Oficial da União, iniciam-se os procedim entos cabíveis para a entrada em vigor, no or­denam ento jurídico pátrio, dos tratados internacionais.

A promulgação tem po r finalidade, pois, atestar que o ato in ­ternacional já existe e que foram cum pridas todas as formalidades internas para sua celebração. Indica, ademais, que o compromisso internacionalm ente firmado já é juridicam ente exigível, obrigando a todos sua observância. Mas, para que a norm a jurídica se considere efetivam ente prom ulgada, é indispensável sua publicação, dando conhecimento à população de sua existência. De sorte que, como só é obrigatória a norm a que se conhece (e a publicação faz presum ir este

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conhecim ento), o tratado aprovado somente será obrigatório a partir da inserção da norm a promulgada no Diário Oficial da União, contendo em apenso o texto do tratado.

Com a publicação do tratado, busca-se, assim, dar publicidade de seu conteúdo a todos os nacionais do país, e fixar seu início de vigência. Quándo a prom ulgação do texto convencional não deixa fixado o início de sua vigência, neste caso aplica-se a regra do art. 1.° da Lei de Introdução ao Código Civil, que dá quarenta e cinco dias de prazo para o início desta vigência. Depois de publicado, o tratado tem intrinsecam ente força norm ativa e revoga as disposições ordinárias em contrário.

12. Extinção d o s tra ta d o s : há vários meios de extinção dos tratados internacionais, sendo os mais comuns os seguintes:

a) Ab-rogação: os Estados podem deixar de ser parte num tratado, dá-lo por terminado ou suspender sua aplicação: a) de conformidade com as disposições do tratado; ou b) a qualquer momento, pelo con­sentimento de todas as demais partes (Convenção de Viena, arts. 54 e 57). No primeiro caso, é o próprio texto do tratado que dispõe sobre a possibilidade de sua ab-rogação (art. 54, letra a) ou suspensão (art. 57, letra a) pelo voto da maioria das partes pactuantes. Aqui é desnecessária a vontade de todas as partes para que o tratado sej a extinto ou suspenso, pois, ao assinarem o tratado cujo texto dispõe sobre a possibilidade de extinção, as demais partes discordantes aceitaram a possibilidade de ser extinto o acordo pela vontade da maioria dos contratantes. A segunda hipótese trata da possibilidade de extinção (art. 54, letra V) ou suspensão (art. 57, letra b) do tratado pelo consentimento unânime de todas as par­tes contratantes, também conhecido por acordo mútuo ou consentimento comum. Assim, da mesma forma que a vontade das partes é necessária para que um tratado tenha existência, é ela necessária também para que o mesmo se extinga ou se suspenda. É requisito fundamental para esta modalidade de extinção a vontade de todas as partes no tratado, sem a qual não há que se falar em ab-rogação ou suspensão.

b) Expiração do termo pactuado: o tratado pode prever o momento de sua expiração quando estipular um prazo determ inado para a sua vigência. Existindo termo final estabelecido (ab-rogaçãopredetermina-

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da), é neste mom ento que o tratado se terminará. Além disso, podem também as partes, a qualquer m om ento, por consentimento m útuo, colocar fim ao acordado. Mas este m útuo consentim ento só se opera com o assentimento, expresso ou tácito, de um a esmagadora maioria de partes que conseguem anular a opinião daqueles que discordam.

c) Execução integral do objeto do tratado: o tratado pode também prever que, tão logo seja o seu objeto integralm ente executado, deverá ser extinto, e.isto porque, nesta hipótese, carece de sentido dar conti­nuidade à sua existência. Dessa forma, se as partes, por acordo m útuo, houveram por bem alcançar determ inado objetivo e tal objetivo foi plenam ente realizado, o objeto do tratado se executou integralm ente e, por conseqüência, ele naturalm ente se extingue.

d) O tratado posterior: pode ocorrer que as partes de um de­term inado tratado decidam elaborar um novo instrum ento, extin ­guindo o an teriorm ente existente. Mas, para que isso aconteça, é im prescindível que as partes do novo tratado sejam as mesm as do tratado original. Trata-se da regra insculpida no art. 59, § 1.°, da Convenção de Viena de 1969, no qual se lê que se considera extinto um tratado se todas as suas partes concluírem um tratado posterior sobre o mesm o assunto e: a) resultar do tratado posterior, ou ficar estabelecido, po r outra form a, que a intenção das partes foi regular o assunto por este tratado; ou b) as disposições do tratado posterior forem de tal m odo incom patíveis com as do anterior, que os dois tratados não possam ser aplicados ao m esm o tem po. O novo trata ­do, geralm ente, contém cláusula expressa em seu texto referente à term inação do tratado anterior.

e) Condição resolutiva: o texto do tratado pode também prever que certo acontecim ento futuro predeterm inado o extinga. É dizer, pode constar do instrum ento internacional certa condição resolutiva como causa de sua terminação. Foi o que ocorreu com o Tratado de Varsóvia, cujo art. 11 previa sua extinção quando entrasse em vigor o Tratado Geral sobre Segurança Coletiva da Europa.

O utro tipo de condição resolutiva, não raram ente form ulada, ocorre quando, nos tratados multilaterais, houver redução do número de partes que o integram. É o que se encontra, por exemplo, no art. 8.°, § 2.°, da Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, nestes

TEORIA GERAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS 6 9

termos: “A presente Convenção cessará de vigorar a partir da data em que se tenha tom ado efetiva a denúncia que reduz a menos de seis os Estados contratantes”.

A condição resolutiva, registre-se, deve sempre dizer respeito a um evento futuro e incerto.

f)Denúncia dos tratados: entende-se por denúncia o ato unilateral pelo qual um participe em dado tratado internacional exprime firme­m ente sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriorm ente firmado. Difere da ab-rogação justam ente pelo fato de ser levada a efeito unilateràlmente por um a determ inada parte no tratado, e não pela totalidade delas. Trata-se de forma de extinção do tratado pela vontade unilateral do Estado-parte. A denúncia por um a das partes no tratado bilateral extingue o acordo entre ambas, ao passo que, nos tratados m ultilaterais, os termos do pactuado deixam de surtir efeito tão som ente para o Estado que o denuncia, continuando a vigorar norm alm ente para os demais Estados-partes. Sua materialização não difere em m uito do procedim ento adotado para a ratificação de tra­tados, consubstanciando-se, no caso dos tratados m ultilaterais, em instrum ento entregue à outra parte, ou ao depositário para este fim designado, o qual comunicará as outras partes da intenção do Estado denunciante em se afastar do com prom isso. No caso dos tratados bilaterais, basta uma das partes fazer chegar à outra o seu propósito de não mais fazer parte do acordo, para que, neste caso, desde já se configure a denúncia.

g) Impossibilidade superveniente e mudança fundamental das cir­cunstâncias: prevê a Convenção de Viena, no seu art. 61, a terminação do tratado caso um a parte fique impossibilitada de cumpri-lo, se esta impossibilidade resultar da destruição ou do desaparecimento definiti­vo de um objeto indispensável ao seu cum primento. Note-se que,para que a parte invoque a impossibilidade de cum prim ento do pactuado, é necessário que esta impossibilidade seja definitiva, pois, se for tem­porária, o que se perm ite é tão somente a suspensão da execução do tratado (§ 1.°). A impossibilidade de cum prim ento, porém, não pode ser invocada por uma das partes como causa para extinguir um trata­do, dele retirar-se ou suspender a sua execução, se tal impossibilidade for resultante de uma violação, por essa mesma parte, quer de uma

obrigação decorrente do tratado, quer de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra parte no tratado (§ 2.°).

A Convenção prevê também, no seu art. 62, a hipótese de extinção do tratado no caso de m udança fundam ental das circunstâncias. Para o Código de Viena, um a m udança fundam ental de circunstâncias, ocorrida em relação às existentes no m om ento da conclusão de um tratado, e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se, salvo se: a) a existência dessas circunstâncias tiver constituído um a condição essencial do consentim ento das partes em obrigarem -se pelo tratado; e b) essa m udança tiver por efeito a modificação radical do alcance das obri­gações ainda pendentes de cum prim ento em virtude do tratado (art. 62, § 1.°). Nos termos do § 2.° do mesmo art. 62 da Convenção, uma m udança fundam ental de circunstâncias não pode ser invocada pela parte como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se: d) se o tratado estabelecer limites; ou b) se a m udança fundam ental resultar de violação, pela parte que a invoca, seja de um a obrigação decorrente do tratado, seja de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra parte no tratado.

Por fim, dispõe o § 3.° do art. 62 da Convenção que, se um a parte pode invocar, nos termos dos parágrafos acima, um a mudança fun­damental de circunstâncias como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se, pode também invocá-la como causa para suspender a execução do tratado.

h) Rompimento das relações diplomáticas e consulares: a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, num a regra bastante simples, dispõe que o rom pim ento das relações diplom áticas ou consulares entre partes num tratado não afeta as relações jurídicas estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na medida em que a existência de relações diplomáticas ou consulares for indispensável à correta aplicação do tratado internacional (art. 63).

O rompimento ou a ausência de relações diplomáticas ou consu­lares entre dois ou mais Estados também não impede a conclusão de tratados internacionais entre eles, conforme se lê no art. 74 da mesma Convenção. Segundo este dispositivo, aliás, a conclusão de um tratado, por si, “não produz efeitos sobre as relações diplomáticas ou consulares”.

7 0 j DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

TEORIA GERAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS 7 1

i) Violação do tratado: term ina ainda o tratado quando um dos Estados-partes deixa de cumprir, em violação grave ao seu texto, uma ou mais disposições do acordo. Tal violação não extingue o tratado de imediato, apenas conferindo à parte prejudicada certos direitos, dentre os quais o de extingui-lo. Não fosse assim, as partes facilmente burlariam o compromisso acordado, como meio eficaz de se desligarem das obrigações assumidas.

A violação substancial de um tratado bilateral por uma das partes, segundo a Convenção, autoriza a outra parte a invocar a violação como causa de extinção ou suspensão da execução do tratado, no todo ou em parte (art. 60, § 1.°). Por seu turno, um a violação substancial de um tratado m ultilateral po r um a das partes autoriza: a) as outras partes, por consentim ento unânim e, a suspenderem a execução do tratado, no todo ou em parte, ou a extinguirem o tratado, quer nas relações entre elas e o Estado faltoso, quer entre todas as partes; b) um a parte especialmente prejudicada pela violação a invocá-la como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, nas relações entre ela e o Estado faltoso; e, finalmente, c) qualquer parte que não seja o Estado faltoso a invocar a violação como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, no que lhe diga respeito, se o tratado for de tal natureza que um a violação substancial de suas disposições por um a parte modifique radicalm ente a situação de cada uma das partes quanto ao cum prim ento posterior de suas obrigações decorrentes do tratado (art. 60, § 2.°).

Considera a Convenção como sendo violação grave (ou subs­tancial) do tratado aquela consistente num repúdio ao tratado não perm itido pelo Código de Viena, ou consistente na violação de uma disposição essencial para a consecução do objeto ou da finalidade do tratado.

j) O estado de guerra: alguns tratados celebrados entre Estados são imunes à guerra, a exemplo dos tratados de vigência estática, daqueles equivalentes a título jurídico, os de empréstimo, além, é claro, daqueles elaborados justam ente para viger durante o período de beligerância, como as Convenções da Haia de 1899 e 1907. Mas outros tratados existem que durante o período de guerra podem extinguir-se entre os Estados beligerantes inimigos.

7 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

Regra geral é que a guerra, hoje considerada um ilícito interna­cional, provoca a extinção dos tratados bilaterais entre os Estados em conflito bélico. Quanto aos tratados multilaterais, o entendimento mais generalizado é o de que o tratado não se extingue propriam ente, mas fica suspenso entre os Estados beligerantes inimigos que dele façam parte, valendo norm alm ente para as demais partes. Esta regra, entre­tanto, é somente válida para os tratados mutalizáveis, ou seja, aqueles cuja inexecução por parte de algum ou alguns Estados não acarreta a invalidade do acordo em relação aos demais.

13. S uspensão do s tra tad o s : a suspensão da execução dos tratados pode dar-se em virtude de suas disposições ou em razão do consentim ento das partes. É o que dispõe o art. 57 da Convenção de Viena, segundo o qual a ex ecução de um tratado em relação a todas as partes ou a um a parte determ inada pode ser suspensa: a) de conform idade com as disposições do tratado; ou b) a qualquer m om ento, pelo consentim ento de todas as partes, após consulta com os outros Estados contratantes. Isso não im pede que duas ou mais partes concluam um acordo para, entre si, suspender tem porariam en­te a execução das disposições de um tratado desde que prevista esta possibilidade pelo instrum ento internacional ou não im pedida por ele, a m enos que tal suspensão não prejudique o gozo, pelas outras partes, dos seus direitos decorrentes do tratado, nem o cum prim ento de suas obrigações e desde que tam bém não seja ela incom patível com o objeto e a finalidade do tratado (art. 58).

Caso o tratado não obste a sua suspensão, as partes em questão, se pretenderem levar a efeito a suspensão do acordo entre si, deverão notificar as demais partes desua intenção em concluiro acordo, especi­ficando as disposições do tratado cuja execução pretendem suspender (art. 58, §2.°).

Por último, considera-se suspensa a execução de um tratado se, em virtude de tratado posterior, isso se depreender, ou se ficar estabelecido de outra forma que essa era a real intenção das partes (art. 59, § 2.°).

14. Leitura com plem entar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011 .

TEORIA GERAL DOS TRATADOS INTERNACIONAIS 7 3

2. ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3. DALLARI, Pedro B. A. Constituição e tmtados internacionais. São Paulo: Saraiva, 2003.

4. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica bra­sileira. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

5. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

6. RODAS, João Grandino. Tratados internacionais. São Paulo: RT, 1991.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O poder de celebrar tratados: competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados, à luz do direito internacio­nal, do direito comparado e do direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Fabris, 1995; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; RANGEL, Vicente Maro tta. A Constituição brasileira e o problema da conclusão dos tratados internacionais. Problemas brasileiros, São Paulo: Conselho Regional do Serviço Social do Comércio, n. 31, out. 1965; REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio dejaneiro: Forense, 1984; SOARES, Guido Fernando Silva. The treaty-making process un- der the 1988 Federal Constitution of Brazil. Chicago-Kent Law Review, Chicago: Chicago-Kent College of Law, 1991, n. 2, v. 67, p. 495-513; CALSING, Maria de Assis. O tratado internacional e sua aplicação no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: Universidade de Brasília/Faculdade de Estudos Sociais Aplicados/Departamento de Direito, 1984; REUTER, Paul. Introducción al derecho de los tratados.1. ed. (em espanhol) revisada por PeterHaggenmacher. Trad. Eduardo L. Suárez. México: Fondo de Cultura Econômica, 1999; FIORATI, Jete Jane. Jus cogens: as normas imperativas de direito internacional públi­co como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002.

C a p ít u l o VII R elações d o D ireito I n ter n a c io n a l

c o m o D ireito I n ter n o

1. C olocação do problem a: ainda é grande a controvérsia que envolve as relações do direito internacional com o direito interno dos Estados e, ao que parece, não está avista o final das discussões. A grande discussão que ainda se trava consiste em saber se, após a ratificação de um tratado, seria necessária a edição de ato com força de lei materiali­zando internam ente o conteúdo do instrum ento ratificado, ou se seria dispensável a sistem ática da incorporação legislativa para a efetiva execução interna do tratado internacional. Tormentosa fica também a questão relativa ao conflito entre tratados internacionais e leis internas, bem como qual das normas deverá prevalecer em caso de confronto.

Para ten ta r resolver estes e outros problem as relativos às rela­ções do direito in ternacional com o direito in te rn o , duas grandes concepções dou trinárias surgiram : a monista e a duàlista. Vejamos cada um a das citadas teorias, a com eçar p o r esta ú ltim a.

2. T eoria d u a lis ta : segundo a dou trina dualista, que teve em Triepel, na A lem anha, e A nzillotti, n a Itália, os seus m ais notáveis defensores, o direito in te rno e o in ternacional são dois sistem as independentes e distin tos, ou seja, constituem círculos que não se interceptam (m eram ente contíguos), em bora sej am igualm ente vá­lidos. O direito in ternacional regularia as relações entre os Estados, enquan to o direito in tem o destinar-se-ia à regulação da conduta do Estado com os indivíduos. P or regularem tais sistem as m atérias diferentes, en tre eles não poderia haver conflito, ou seja, u m tra ta ­do in ternacional não poderia , em nenhum a h ipó tese, regular um a questão in terna sem antes ter sido incorporado a este ordenam ento p o r u m procedim ento receptivo que o “transform e” em leinacional (act o f parliament, do direito inglês). N este raciocínio , o Estado,

DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO 7 5

para os dualistas, seria u m prius lógico do direito in ternacional, ou seja, não é o E stado que está para o d ireito in ternacional, m as sim este é que está para aquele. N esta concepção, o Estado recusa, pois, a aplicação imediata ao direito internacional. Daí ter Laband chamado a teoria da incorporação ou da transformação de meâiatização, cujo fundam ento deriva da autonom ia das duas ordens jurídicas (interna e internacional).

Esta concepção dualista de que o direito internacional e o direito interno são ordens jurídicas distintas e independentes uma da outra emana do entendim ento de que os tratados internacionais representam apenas compromissos exteriores do Estado, assumidos por Governos na sua representação, sem que isso possa influir no ordenam ento interno desse Estado, gerando conflitos insolúveis dentro dele. Ou seja, os dois sistemas são m utuam ente excludentes, não podendo um interferir no outro por qualquer motivo. Não há nenhuma espécie de contato entre um e outro.

Por este m otivo é que, para os dualistas, esses compromissos internacionalm ente assumidos não podem gerar efeitos automáticos na ordem jurídica interna, se todo o pactuado não se materializar na forma de diploma norm ativo típico do direito interno, como uma lei, um decreto, um regulam ento, ou algo do tipo. É dizer, a norm a inter­nacional só vale quando recebida pelo direito interno, não operando a simples ratificação essa transformação. Neste caso, havendo conflito de norm as, já não mais se trata de contrariedade entre o tratado e a norm a de direito interno, mas entre duas disposições nacionais, uma das quais interaalizou a norm a convencional.

3. Teoria m onista: a doutrina m onista, por sua vez, parte da inteligência oposta à concepção dualista, vez que tem como ponto de partida a unidade do conjunto das normas jurídicas. Enquanto para os dualistas as ordens jurídicas interna e internacional são estanques, para os monistas estes dois ordenamentos jurídicos coexistem, mas se super­põem, formando um a escala hierárquica onde o direito internacional subordina o direito interno ou vice-versa. Para os m onistas, ademais, se um Estado assina e ratifica um tratado internacional, é porque está se comprometendo juridicam ente a assumir um compromisso; se tal compromisso envolve direitos e obrigações que podem ser exigidos no

7 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO- P a r t e G e r a l

âmbito interno do Estado, não se faz necessária, só por isso, a edição de um novo diploma que transforme a norm a internacional em regra a ser aplicada pelo direito interno.

Para os autores monistas, o direito internacional e o direito interno formam, em conjunto, um a unidadejurídica, que não pode ser afastada em detrim ento dos compromissos assumidos pelo Estado no âmbito internacional. Não há para eles duas ordens jurídicas estanques, como querem os dualistas, cada um a com âmbito de validade dentro de sua órbita, mas uma só ordem jurídica que rege a coletividade m undial em suas relações recíprocas.

Aceita a tese monista, surge o problem a de se saber qual ordem jurídica deve prevalecer em caso de conflito, se a interna ou a inter­nacional. A unidade, para os monistas, pode se dar de duas formas: ou dando primado à ordem jurídica de cada Estado (monismo nacionalista); ou fazendo prevalecer sempre a ordem jurídica internacional (monismo intemacionalista). Vejamos abaixo cada um a dessas correntes. Depois delas, porém , acrescentaremos aquilo que estamos a cham ar de “m o­nismo intem acionalista dialógico”, que é a nossa proposta de solução para os conflitos entre o direito internacional e o direito intem o no que tange ao tema dos “direitos hum anos”.

4. M onism o nacionalista: a corrente monista nacionalista apre­goa o prim ado do direito nacional de cada Estado soberano e, portanto, sob essa ótica, a adoção das regras do direito internacional passa a ser uma faculdade discricionária deste. Trata-se da doutrina constituciona- lista nacionalista, cujas bases filosóficas encontram guarida no sistema de Hegel, que vê, no Estado, um ente cuja soberania é absoluta.

Os monistas nacionalistas aceitam a integração do produto ex- tem o convencional ao direito intem o, mas sob o ponto de vista do primado da ordem jurídica estatal, valendo tal integração somente na medida em que o Estado reconhece como vinculante em relação a si a obrigação contraída, mas não em grau hierárquico superior. Ou seja, o direito internacional só tem valor internam ente sob o ponto de vista do ordenam ento intem o do Estado, pois é a Constituição deste mesmo Estado que prevê quais são os órgãos competentes para a celebração

DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO 7 7

de tratados internacionais e como esses órgãos podem obrigar, inter­nacionalm ente, em seu nome, a Nação soberana.

Dois são os principais argumentos dos defensores dessa corrente: à) a inexistência, no cenário internacional, de uma autoridade supraes- tatal capaz de obrigar o Estado ao cumprimento de seus mandamentos, sendo cada Estado o competente para determ inar suas obrigações in ­ternacionais; e b) o fundamento puram ente constitucional dos poderes constituídos para celebrar tratados em nom e do Estado, capazes de obrigá-lo no plano internacional.

5. M onism o internacionalista: a corrente monistaintemaciona- lista, desenvolvida principalm ente pela Escola de Viena, cujos maiores nomes que a representaram foram Kelsen, Verdross e Kunz, sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o prim ado do direito externo, a que se ajustariam todas as ordens internas (posição que teve em Kelsen seu maior expoente). Segundo essa concepção, o direito interno deriva do direito internacional, que representa uma ordem jurídica hierarquica­m ente superior. No ápice da pirâm ide das norm as encontra-se, pois, o direito internacional (norma fundamental: pacta sunt servanda), de que deriva o direito interno, que lhe é subordinado.

Os que defendem este posicionam ento se bifurcam. Uns não admitem que um a norm a de direito interno vá de encontro a um pre­ceito internacional, sob pena de nulidade, pois a norm a internacional é-a fonte e o fundam ento da norm a de direito interno, sendo a norma máxima da qual todas as demais são derivadas. É a posição originária de Kelsen, que, por este motivo, não admitia pudesse haver conflito entre as ordens interna e internacional, sob esse estrito ponto de vista.

Outros, mais moderados, como Alfred von Verdross, negam esta falta de validade, embora afirmem que tal lei constitui um a infração que o Estado lesado pode im pugnar exigindo ou a sua derrogação ou a sua inaplicabilidade, responsabilizando o infrator a indenizar os prejuízos decursivos. Na visão monistamoderada, o ju iz nacional deve aplicar tanto o direito internacional como o direito interno de seu Es­tado, porém de acordo com o que está expressamente previsto no seu ordenamento intem o, especialmente na Constituição, aplicando-se,

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em caso de conflito, a máxima lexposterior derogatpriori (critério cro­nológico), conhecida pelo direito americano como regra laterin time.

Em 1930, frise-se, a superioridade do direito internacional diante do direito interno dos Estados foi declarada pela Corte Permanente de Justiça Internacional, nestes termos: “É princípio geral reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de um a lei não podem prevalecer sobre as do tratado”. E a mesma Corte, em 1932, estatuiu que: “Um Estado não pode invocar contra outro Estado sua própria Constituição para se esquivar a obrigações que lhe incum bem em virtude do Direito Inter­nacional ou de tratados vigentes”. A Organização das Nações Unidas (ONU), da m esm a forma, deixou firmado, em docum ento de 5 de novembro de 1948, por meio de seu Secretário Geral, que “os tratados validamente concluídos pelo Estado e regras geralmente reconhecidas de direito internacional formam parte da lei interna do Estado” e “não podem ser uhilateralm ente revogados puram ente por ação nacional”.

No nosso entender, o monism o intem acionalista, nascido dos estudos da “Escola A ustríaca”, configura a posição m ais acertada e consentânea com os novos ditames do direito internacional con­tem porâneo. Além de perm itir o solucionam ento de controvérsias internacionais, fomenta o desenvolvimento do direito internacional e a evolução da comunidade das nações rum o à concretização de uma sociedade internacional universal (civitas maxima), que é, no fundo, o ideal comum dos contemporâneos. É a única doutrina, hoje, que se compadece com o aumento das relações jurídicas, coincidente com a situação internacional m oderna. Sem embargo da lição de Charles Roussau, para quem o estudo das relações entre as concepções monista e dualista não passa de um a discussion d’école, é possível dizer que a prim azia do direito internacional sobre o direito interno afigura-se como um a solução necessária ao progresso e ao desenvolvimento do direito das gentes, o que está a nos provar a nova tendência constitu­cional contemporânea, bem como a prática internacional.

Como se vê, a diferença entre as duas construções monistas (clás­sicas) das relações entre o direito internacional e o direito interno diz respeito apenas aofundamento de validade do direito internacional, não

DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO 7 9

ao seu conteúdo, de forma que, em verdade, a diferença entre as duas correntes está no ponto de referência que se toma.

6. M onismo in tem acionalista dialógico: quando as relações do direito internacional com o direito in tem o dizem respeito ao tema dos “direitos hum anos”, a nossa proposta é que se adote o que chamamos de monismo intemacionalista dialógico. O que isso significa? Significa que se é certo que, à luz da ordem jurídica internacional, os tratados internacionais sempre prevalecem à ordem jurídica intem a (concep­ção m onista intem acionalista clássica), não é menos certo que em se tratando dos instrum entos que versam direitos hum anos pode haver coexistência e diálogo entre essas norm as e aquelas de Direito intem o. Em outros termos, no que tange às relações entre os tratados de direitos hum anos e as norm as domésticas de determ inado Estado, é correto falar num “diálogo” entre essas mesmas fontes. E a autorização para que esse “diálogo” exista provém dos próprios tratados de direitos hu ­manos, que prezam sempre pela aplicação da norm a maisfavorável ao ser hum ano (v.g., na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, essa norm a encontra-se no art. 29, alínea b).

Perceba-se que a prevalência da norm a internacional sobre a inter­na continua a existir, mesmo quando os instrum entos internacionais de proteção autorizam a aplicação da norm a intem a mais benéfica, visto que, nesse caso, a aplicação da norm a intem a, no caso concreto, é concessão da própria norm a internacional que lhe é superior, o que estaria a dem onstrar a existência sim de uma hierarquia, típica do monismo intem acionalista, contudo m uito mais fluida e totalmente diferenciada da existente no Direito Internacional tradicional (v.g., como está a prever o art. 27 da Convenção de Viena de 1969). Em ou tras palavras, a aplicação de uma lei ordinária (quando mais benéfica) em detrim ento de um tratado de direitos hum anos não deixa de respeitar ao princípio de hierarquia, pois proveio justam ente de uma norm a de interpretação do tratado (que consagra o “princípio da prim azia da norm a mais favorável ao ser hum ano”, ou “princípio internacionalpro homine”) que lhe é hierarquicamente superior. Aqui se trata de um a hierarquia de valores, ou seja, substancial ou material, em contraposição à ultrapassada hierarquia meramente formal, de cunho intransigente.

8 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G eral

Em suma, o m onism o intem acionalista ainda continua a pre­valecer nesta hipótese, mas com dialogismo. Daí a nossa proposta de um m onism o intem acionalista dialógico, quando o conflito entre as normas internacionais e internas se refira ao tema “direitos hum anos”.

Frise-se que essa “autorização” —presente nas normas internacio­nais de direitos hum anos para que se aplique a norm a mais favorável (que pode ser a norm a intem a ou a própria norm a internacional, em hom enagem ao “princípio internacional pro homine”) — encontra-se em certos dispositivos desses tratados que nom inam os de vasos comu- nicantes (ou “cláusulas de diálogo”, “cláusulas dialógicas”, ou ainda “cláusulas de retroalim entação”) , responsáveis por interligar a ordem jurídica internacional com a ordem intem a. Esses vasos comunicantes retiram a possibilidade de antinomias entre um ordenamento e outro em quaisquer casos, fazendo com que tais ordenamentos (o interna­cional e o intem o) “dialoguem” e intentem resolver qual norm a deve prevalecer no caso concreto (ou, até mesmo, se as duas prevalecerão concom itantem enteno caso concreto) quando presente um a situação de conflito normativo.

Por exemplo, tal cláusula de diálogo na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969) é o art. 29, alínea b. Essa “via de mão dupla” que interliga o sistema internacional de proteção dos direitos hum anos com a ordem interna (e que juridicam ente se consubstan­cia em ditos vasos comunicantes) faz nascer o que também se pode cham ar de transdialogismo. Essa, nos parece, é a tendência do direito pós-m odem o no que tange às relações do Direito Internacional (dos Direitos Humanos) com o Direito intem o.

7. D outrinacondliatória:além dasdoutrinasm onistaedualista, registre-se, por fim, a existência da chamada doutrina conciliatória (de fundam entos basicamente m onistas), integrada pelas denominadas “correntes coordenadoras”, que sustenta a coordenação de ambos os sistemas a partir de norm as superiores a ambos, a exemplo das regras do direito natural. Fazem parte dessa corrente os juristas Louis Ca- varé (Le droit intemational public positif, Paris, 1951) e jean EHuillier (Eléments de droit intemational public, Paris, 1950).

DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO 8 1

Esta posição conciliatória, ou eclética, nunca vingou no direito internacional, tendo sido rechaçada pela doutrina e jurisprudência in­ternacionais. Tal teoria é, tampouco, utilizada pelos tribunais internos e, portanto, não deve ser utilizada.

8. C onflito en tre tra tad o s in ternacionais com uns e norm as da C o n stitu ição : o problem a atinente ao conflito en tre tratados internacionais com uns (pois os tratados de direitos hum anos têm- regram ento específico para o caso) e as norm as constitucionais foi coerentemente estudado no Brasil por Mirtô Fraga, e nela é que iremos nos fundam entar neste tópico.

Não obstante certos autores chegarem a admitir, em qualquer hipótese, a superioridade dos compromissos exteriores do Estado em face da Constituição, estamos comM irtô Fraga, para quem o problema (em se tratando de tratados comuns) não deve ser resolvido de forma tão radical, sendo necessário encontrar a solução no sistema jurídico de cada Estado. De forma que, se a Lei Fundam ental do país trouxer disposição de primazia aos tratados internacionais em face de seu tex­to, todo e qualquer conflito surgido entre alguma de suas disposições e um compromisso internacionalm ente assumido deve ser resolvido em favor deste últim o. Caso contrário, em não havendo referência expressa a essa possibilidade, a solução é preferir a letra da Lei Maior em detrim ento da disposição convencional.

Cumpre, entretanto, distinguir os casos de conflito entre tratados anteriores à Constituição e os que lhe são posteriores.

Se o conflito é entre tratado e Constituição posterior, é de se entender que os acordos internacionais devidamente ratificados e pro­mulgados não perdem a eficácia com o advento de nova Carta Política. É dizer, tratando-se de Constituição posterior, deve prevalecer o tratado até que seja ele denunciado. Para Mirtô Fraga, o poder constituinte que elabora a Lei Fundam ental, justam ente por ser decisão política da Nação, não está condicionado “senão às limitações decorrentes do Direito Natural, da existência dos outros Estados, na ordem jurídica internacional e, consequentem ente, dos compromissos assumidos”. Sem embargo de, m odernam ente, as Constituições preverem a sua própria reforma, não incluem elas em seu bojo, ainda segundo Mirtô

8 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

Fraga, “nenhum a disposição que possa ser interpretada no sentido de sua substituição integralpor outro documento jurídico-político. E não o fazem porque, com a promulgação de um a Carta, não se exaure o Po­der Constituinte Originário, que continua em estado latente, podendo emergir a qualquer m om ento. E quando isso acontece, opera-se num a revolução, entendendo-se como tal a substituição de um ordenamento jurídico por outro, por form as não previstas no ordenamento que se substitui”. A Constituição - continua a autora —, “ao estabelecer sua primazia sobre os tratados, não ressaltou os compromissos assumidos, anteriorm ente. Mas é princípio elem entar de Direito que uma parte não pode, unilateralm ente, alterar os termos do pacto firmado, sob pena de responder pelos danos a que der causa”.

Em suma, havendo conflito entre tratado internacional e Cons­tituição posterior, há de prevalecer a norm a convencional anterior, em decorrência da impossibilidade de o poder constituinte originário modificar aquilo que o Estado celebrou no cenário internacional com um a ou mais nações soberanas.

O problem a é maior, entretanto , se o conflito é entre tratado internacional e Constituição anterior. Neste caso o tratado, formal­mente, respeitou as normas constitucionais de competência para sua conclusão, não se podendo, por isso, valer-se do art. 46 da Convenção de Viena, em virtude de não ter sido o acordo concluído com violação manifesta de norm a de fundamental importância de direito interno sobre competência para celebrar tratados. É dizer, não houve, no caso, a ratificação imperfeita. Entretanto, malgrado ter respeitado as regras constitucionais de com petência para sua celebração, o tratado traz consigo dispositivos conflitantes com o texto constitucional do Estado. É o que se convencionou cham ar de inconstitucionalidade intrínseca.

A análise do problema, neste caso, deve levar em conta as dispo­sições constitucionais de cada país. Em certos Estados, a ratificação de tratados que violem dispositivos da Constituição deve vir acompanhada de prévia reforma constitucional. No caso brasileiro, especificamen­te, como não se tem dispositivo constitucional regulando a matéria, deve-se entender que sõ prevalecem à Constituição os tratados que a ela são anteriores. Se o tratado é posterior e contraria preceito da Lei Fundam ental, neste caso, m esm o que internacionalm ente válido,

DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO 8 3

não deve, internam ente, prevalecer. E para que não se incorra em responsabilidade internacional do Estado, por descum prim ento do tratado, m ister se faz seja im ediatamente denunciado o instrum ento internacional.

À exceção dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos (cuja regra própria encontra-se no art. 5.°, § 2.°, da CF, complementado pelo novo § 3.° introduzido pela Emenda Constitu­cional 45/2004), não se admite que um compromisso internacional ratificado posteriorm ente à edição da Carta sobre ela prevaleça, o que seria admitir-se um a reforma constitucional por vias outras que não a estabelecida em seu texto. Convém à União, neste caso, a fim de evi­tar dissabores no cenário internacional, denunciá-lo, sujeitando-se, eventualmente, às sanções impostas pelo direito internacional (v. Mirtô Fraga. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 115-126; e também Valerio de Oliveira Mazzuoli, Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969,2. ed ., rev., ampl. e atual., São Paulo Juarez de Oliveira, 2004, p. 242-252).

9. Leitura com plem entar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011.

2. ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual âe direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito intano: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica bra­sileira. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

4. MARTINS, Pedro Baptista. Da unidade do direito e da supremacia do direito internacional. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

5. REZEK.José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

6. RUSSOMAN O, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

7. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Adas, 2002. v. 1.

8 4 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito intemo. São Paulo: Saraiva, 2010; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e ampl. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; ROUSSEAU, Charles. Príncipes généraux du droit intemational public. Paris: A. Pedone, 19 4 4 .1.1; VERDROSS, Alfred von. Derecho internacional publico. Trad. A. T. Serra. Madrid: Aguilar, 1956; KELSEN, Hans. Les rapports de système entre le droit interne et le droitintemational public. Recueil des Cours, Paris, 1926. v. 74, t. XIV; TRIEPEL, Carl Heinrich. Les rapports entre le droit interne et le droit intemational. Recueil des Cours. Haye: Académie de Droit International, 1.1, n. 1,1923, p. 77-121.

C a pítu l o V I11

H iera rq u ia entre o s T ratados

e as Leis Internas

1. Falta d e d isposição constitucional: o texto constitucional brasileiro, em nenhum de seus dispositivos estatuiu, de forma clara, qual a posição hierárquica do direito in ternacional perante o nosso direito in terno . D eixou para a ju risp rudência e para a doutrina esta incum bência. O que existe agora no texto constitucional brasileiro, mas que, mesmo assim, não estabelece qualquer hierarquia do direito internacional perante o direito in terno brasileiro, é o novo § 3.° do art. 5.° da C onstituição (in troduzido pela Em enda 45/2004), que trouxe a possibilidade de os tratados de direitos hum anos (e som en­te estes) passarem a ser form alm ente constitucionais. O Supremo Tribunal Federal, a seu tu rno , desde 1977 vem se m anifestando, em desacordo com o direito in ternacional, no sentido de que os tratados internacionais com uns têm a m esm a estatura da legislação in terna ordinária, podendo revogar a legislação in terna bem como ser revogados por lei posterior. Ao m enos no que diz respeito aos tratados de direitos hum anos houve evolução da ju risp rudência do STF (v. infra).

Trataremos aqui da hierarquia entre os tratados internacionais comuns e as leis internas. O problema relativo à hierarquia dos trata­dos de direitos hum anos, com todas as suas implicações práticas, será estudado no Capítulo seguinte deste livro.

2. P revalência d o s tra ta d o s e "sistem a p aritá rio ": o proble­ma da concorrência entre tratados internacionais e leis in ternas de estatura infraconstitucional pode ser resolvido, no âm bito do direito das gentes, em princípio, de duas m aneiras. Na prim eira, dá-se preva­lência aos tratados sobre todo o direito in terno infraconstitucional, a exem plo das constituições francesa de 1958 (art. 55), grega de 1975 (art. 28, § 1.°) eperuana de 1979 (art. 101), garantindo pleno

8 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

vigor ao tratado in ternacional, pouco im portando a eventual exis­tência de leis posteriores que lhe sejam contrárias. Na segunda, tais problem as são resolvidos garantindo-se aos tratados um tratam ento igualitário em relação às demais leis nacionais (sistem a da paridade normativa); neste caso, tom am -se como parâm etro com parativo para a referida paridade as norm as infraconstitucionais do país ou outros diplom as norm ativos congêneres. Ou seja, havendo confli­to entre tratado e lei in terna, a solução é encontrada aplicando-se o princíp io lex posterior derogat priori. O Brasil, segundo o STF, enquadra-se nesse segundo sistem a. Há m ais de vinte anos vigora, na ju risprudência do STF, o sistem a paritário no que tange aos tra ­tados com uns. Por esse sistem a, o tratado, um a vez form alizado, passa a ter força de lei ordinária (RTJ 83/809 e ss), podendo, por isso, revogar as disposições em contrário , ou ser revogado (rectius: perder eficácia) d iante de lei posterior.

Esta posição do STF firmou-se quando do julgam ento do Recurso Extraordinário 80.004, que se prolongou de setèmbro de 1975 a junho de 1977 no plenário do Supremo Tribunal Federal. A conclusão que chegou o STF no citado julgam ento, foi a de que, no sistema jurídico brasileiro, tratados e convenções internacionais têm a mesma hierar­quia normativa das demais leis ordinárias editadas pelo Estado, não podendo estar situados num a posição hierárquica superior a quaisquer dessas leis internas.

Este posicionamento jurisprudencial do STF acabou influencian­do juizes e tribunais nacionais, e foi criticado pela doutrina especiali­zada por não estar condizente com a sistemática internacional e com o constitucionalismo contemporâneo.

Ao que tudo indica, essa jurisp rudência da Suprema Corte bra­sileira está em vias de m udança, notadam ente após o julgam ento do RE 466.343/SP, em que se discutiu o problem a da inconstitucionali- dade da prisão civil po r dívida na alienação fiduciária em garantia. Nos term os do posicionam ento do Min. G ilm ar M endes (que foi seguido pela m aioria dos M inistros presentes à Sessão), os tratados internacionais (de direitos humanos apenas) estariam posicionados num nível hierárquico supralegai (abaixo da C onstituição, mas aci­

HIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS E AS LEIS INTERNAS 8 7

ma de toda a legislação infraconstitucional), posição esta que nós sustentam os como aplicável tam bém aos tratados comuns. Q uanto à hierarquia destes últim os (tratados com uns) no direito pátrio, o Ple­nário do STF ainda m anteve a mesma posição de outrora: os tratados com uns situam -se no m esm o nível das leis ordinárias. Mas, como falamos, um certo avanço já se apresenta ao m enos relativam ente ao status ju ríd ico dos tratados de direitos hum anos, sinalizando um a modificação da jurisprudência do STF em breve. Nesse mesmo ju l­gamento m ereceu destaque a posição do Min. Celso de Mello, que entendeu (na esteira do que tam bém entendem os) que os tratados de d ireitos hum anos, independen tem ente de in ternalização por m aioria qualificada no Congresso N acional, têm status de norm a constitucional (m aterial); e se internalizados com anterior apro ­vação congressual qualificada terão status constitucional m aterial e formal. Mas esse posicionam ento não foi o da m aioria do STF (ao m enos po r enquanto). Em suma: para o STF atual, os tratados de direitos hum anos têm hierarquia supralegal e os tratados com uns, hierarquia de lei ordinária.

3. C rítica à posição do STF em relação aos tra tad o s com uns:a crítica que se faz ao julgam ento do Recurso Extraordinário 80.004/ SE diz respeito ao pouco caso que fez o STF com relação ao problem a da responsabilidade internacional do Estado brasileiro, nos casos de descum prim ento de tratado internacional. Esta posição afronta o disposto pelo art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que determ ina não poder o Estado-parte invocar disposições de seu direito in terno como justificativa para o não cum prim ento de um com prom isso internacional. Além do mais, o térm ino de um tratado está condicionado à disciplina da denúncia, único meio hábil de o Estado deixar de ser parte em um tratado internacional.

Segundo o posicionam ento do STF, a Constituição da República teria colocado os tratados internacionais ratificados pelo Brasil no mesmo plano hierárquico das norm as infraconstitucionais, o que reflete a concepção monista moderada. Assim é que, quando a Carta de 1988 diz com petir ao STF julgar, m ediante recurso extraordi­nário, as causas decididas em única ou últim a instância, “quando a decisão reco rrida declarar a in constituc ionalidade de tra tado

8 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚ B L IC O -P a r t e G era l

ou lei federal” (art. 102, inc. III, letra b), estaria ela igualando em m esm o grau de h ierarquia os dois diplom as legalm ente vigentes. Desta feita, em caso de conflito entre a norm a in ternacional e a lei interna, aplicar-se-ia o princípio geral relativo às norm as de idêntico valor, isto é, o critério cronológico, em que a norm a mais recente revoga a anterior que com ela conflita. Seguindo este entendim ento, qualquer tratado internacional, ratificado pelo Brasil e devidam ente prom ulgado, passa a fazer parte do nosso direito in terno , no âm bito da legislação ordinária.

A doutrina da Excelsa Corte, en tretanto , peca pela im precisão. A dm itir que um com prom isso in te rnac ional perca vigência em virtude da edição de lei posterior que com ele conflite é perm itir que um tratado possa, unilateralm ente, ser revogado po r um dos Estados-partes, o que não é perm itido e tam pouco com preensível. Seria fácil burlar todo o pactuado internacionalm ente se, po r dispo­sições legislativas in ternas, fosse possível m odificar tais norm as. Se um Estado se obriga livrem ente a cum prir um acordo internacional, como explicar possa ele editar leis contrárias a todo o pactuado? Que valor ju ríd ico teria um tratado se, po r meio de lei in terna, fosse possível que se deixasse de aplicá-lo? Seria m uito sim ples adm itir que o não cum prim ento de um tratado, internam ente, pudesse acar­re tar a prática de um ilícito internacional, pelo qual, externam ente, devesse o Estado responder.

Este entendim ento do STF, po rtan to , não é aceitável e m uito m enos perm itido. Não raras vezes, o objetivo de um tratado in te r­nacional é o de ju stam en te inc id ir sobre situações que deverão ser observadas no p lano in tem o dos Estados signatários. Aprovando um tratado in ternacional, o Poder Legislativo se com prom ete a não editar leis a ele contrárias. Se o Congresso N acional dá sua aquies­cência ao conteúdo do com prom isso firm ado, é porque im plicita ­m ente reconhece que, se ratificado o acordo, está im pedido de editar norm as posteriores que o contradigam . Assum e o Congresso, po r conseguinte, verdadeira obrigação negativa, qual seja a de se abster de legislar em sentido contrário às obrigações assum idas. Adm itir, pois, que o Legislativo possa ed itar lei, revogando o tratado an te ­

HIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS E AS LEIS INTERNAS 8 9

riorm ente firm ado, é reconhecer o predom ínio das Assem bleias, em oposição ao dispositivo constitucional que declara harm ônicos e independentes os Poderes do Estado brasileiro.

4. Teoria do "ato próprio": o argumento acima utilizado tem respaldo na teoria do ato próprio, segundo a qual venire contra factum proprium non valet. Tal quer dizer que se nem mesmo o Estado pode atuar contra seus próprios atos anteriores, cabe reconhecer que se o Congresso, pela via ordinária, edita leis contrárias às disposições de um tratado anteriorm ente assumido, está obrando em oposição à conduta que teve anteriorm ente de perm itir o ingresso de tal instrum ento no ordenam ento nacional, agindo, por conseguinte, com má-fé in ter­nacional, ato inadmissível à luz das norm as do direito internacional público (em especial, do art. 26 da Convenção de Viena de 1969).

Nunca é demais lem brar que a infração desses deveres, por meio dos poderes do Estado, acarreta a responsabilidade do Estado no âm­bito internacional.

5. E specialidade das leis: há um outro ponto, entretanto , que m erece ser lem brado, e que diz respeito à questão da especialidade das leis no sistem a ju ríd ico brasileiro. Este argum ento vem sendo m odernam ente utilizado pelo STF no que tange aos conflitos entre tratados in ternacionais e leis internas. Nesse sentido é que a preva­lência de certas norm as de direito in terno (v.g., o Dec.-lei 911/1969, que perm ite a prisão civil do devedor-fiduciante, equiparado que é a um depositário) sobre as de direito in ternacional (v.g., o Pacto de San José da Costa Rica, que não perm ite, po r sua vez, a prisão civil por infidelidade depositária) decorre de prim ados do p róprio STF, com base na especialidade das leis no sistema jurídico constitucional.

Este argumento, entretanto, não procede. É equívoco dizer que o art. 7.°, § 7 ° , do Pacto de San José da Costa Rica “não derrogou, por ser norm a infraconstitucional geral, as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel”, pois, tom ando-se como exemplo o art. 4.° do Dec.-lei 911/1969 (“Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo

9 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

II, do Título I, do Livro IV do Código de Processo Civil”), o que se constata é que não existe, in casu, norm a infraconstitucional especial: há, em verdade, mera remissão às norm as infraconstitucionais gerais atinentes à prisão civil do infiel depositário (para um estudo apro­fundado do assunto, veja-se Valerio de Oliveira Mazzuoli, Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia, Rio dejaneiro, Forense, 2002). Frise-se que o STF editou a Súmula Vinculante 25, abolindo a prisão civil do depositário infiel no Brasil, qualquer que seja a moda­lidade do depósito.

Em casos de extradição, o STF tem considerado que a lei in tem a (Lei 6.815/1980), por ser lei geral, deve ceder ao tratado, que é regra especial: “No sistema brasileiro, ratificado e prom ulgado, o tratado bilateral de extradição se incorpora, com força de lei especial, ao or­denam ento jurídico intem o, de tal modo que a cláusula que limita a prisão do extraditado ou determ ina a sua libertação, ao term o de certo prazo (quarenta e cinco dias contados do pedido de prisão preventi­va), cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível disposição mais rigorosa da lei geral (noventa dias, contados da data em que efetivada a prisão — art. 82, §§ 2.° e 3.°, da Lei 6.815/80) [grifo nosso] (RTJ 162:822,1997, Extr. 194-República Argentina, rei. Min. Sepúlveda Pertence).

Enfim, o argumento que vem sendo utilizado pela Suprema Corte brasileira, no que tange a alguns casos de conflito entre tratado e lei in tem a, diz respeito à especialidade das leis. É dizer, um a lei geral não pode derrogar um a lei especial. Segundo o seu entendim ento (cf. HC 72.131-RJ, de 23.11.1995, de que foi relator designado o Min. Moreira Alves), nem toda lei nova, som ente porque é lei nova, tem força para revogar um a lei anterior que com ela conflita. Não basta som ente ser lei nova. Exige-se mais: além de nova, deve ser apta a revogar a lei anterior. E esta qualidade só se verifica nas hipóteses em que ambas as leis (nova e anterior) sejam gerais, ou ambas sejam especiais.

Assim, a conclusão que se chega é a de que, além do critério lex posterior derogatpriori, o Supremo Tribunal Federal (e essa conclusão se extrai de seus próprios prim ados) aplica aindá um outro, qual seja o da lex posterior generalis non derogat legi priori speciali, po r meio

HIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS E AS LEIS INTERNAS 9 1

do qual algumas leis internas infraconstitucionais têm prevalência sobre os tratados internacionais, por serem estes considerados normas também infraconstitucionais gerais que, por esse motivo, não estão aptas a revogar norm as infraconstitucionais especiais anteriores.

Mas sem embargo da posição da Excelsa Corte brasileira no que tange ao conflito en tre tratados in ternacionais e norm as de direito in terno , firmada com base em argum entos aparentem ente constitucionais, estam os convictos de que a solução do problem a deve ser resolvida fazendo-se um a interpretação conjugada de alguns dispositivos constitucionais com as regras de direito internacional público, em particular da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.

6. O a rt. 27 d a C o n v en ção d e V iena so b re o D ire ito dos T ratados: para nós, quando com um a fórm ula ou com outra um a C onstituição declara que o Estado respectivo reconhece ou acata os princípios ou as norm as de direito internacional, é porque assume ela o art. 27 da Convenção de Viena que, outorgando prioridade ao direito internacional sobre a jurisdição doméstica, dispõe não poder um a parte invocar disposições de seu direito in terno para justificar o inadim plem ento de um tratado (tese que teve no ju risconsu lto argentino Bidart Campos o seu m aior defensor). Ou seja, se o direito in ternacional contem porâneo estabeleceu em norm a escrita (art. 27 da Convenção de Viena) um princípio geral de direito consue- tudinário , qual seja o da prelação do mesm o direito in ternacional sobre o direito interno, as Constituições que expressam ente acolhem ou respeitam os princípios do direito in ternacional estão tornando seus aquele princípio da prim azia do direito in ternacional sobre o direito in terno .

Na Carta brasileira de 1988, apesar de não existir um a cláusula expressa de reconhecim ento ou aceitação do direito in ternacional pelo nosso d ireito in te rno , com o existente na Lei Fundam ental alem ã (G rundgesetz), que expressam ente dispõe, em seu art. 25, que as norm as gerais do D ireito Internacional Público constituem parte in tegrante do direito federal e sobrepõem -se às leis nacionais, há princíp ios in ternacionais pelos quais o Brasil se rege em suas relações in ternacionais, consagrados pelo art. 4.° da C onstituição.

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Há tam bém , na C onstitu ição de 1988, d isposições referentes à aplicação dos tratados pelos Tribunais nacionais (arts. 102, inc.III, letra b, 105, inc. III, letra a, e 109, incisos III e V). Daí o nosso entendim ento ser no sentido de que os tratados internacionais co­m uns ratificados pelo Brasil situam -se em um nível h ierárquico in­termediário: estão abaixo da Constituição, porém acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados po r lei posterior, posto não se encontrarem em situação de paridade normativa com as dem ais leis nacionais.

Esse entendim ento, frise-se, foi acolhido expressamente, desde 1940, pelo legislador penal brasileiro, quando deixou estatuído no seu art. 5.° (Territorialidade) que: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime come­tido no território nacional” (grifo nosso). Esta orientação, ademais, foi seguida também, em 1941, pelo Código de Processo Penal, que deixou assente, no seu art. 1.°, inc. I, que o “processo penal reger-se- -á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional” (grifo nosso). E assim o fazendo, quiseram tais norm as, expressamente, atribuir aos tratados internacionais firmados pelo Estado brasileiro um status de supralegalidade, eis que devem prevalecer sobre as legislações penal e processual penal ordinárias.

Do problema específico relativo à hierarquia dos tratados inter­nacionais de direitos hum anos no ordenamento brasileiro trataremos no Capítulo seguinte deste livro.

7. Leitura com plem en tar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011.

2. ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre tratados internacionais e leis internas: o judiciário brasileiro e a nova ordem internacional. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2000.

3. FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica bra­sileira. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

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4. REZEK, José Francisco. Direito intemacionalpúblico: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

Para apro fundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público.6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; GOMES, Luiz Flávio. A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil: particular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. RT 710/21, dez. 1994; KELSEN, Hans. Les rapports de système entre le droit intem e et le droit international public. Recueil des Cours, Haye, 1926, v. 4, t. XIV, p. 227-331; RANGEL, Vicente Marotta. Os conflitos entre o direito intem o e os tratados internacionais. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, n. 44-45, p. 29-64, Rio dejaneiro, 1967; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Reno­var, 2004. v. 1; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Supremo Tribunal Federal e os conflitos entre tratados internacionais e leis internas. Revista de Informação Legislativa, n. 154, p. 15-29, Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, ano 39, abr.-jun. 2002; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Prisão civil por divida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio dejaneiro: Forense, 2002; TRIEPEL, Carl Heinrich. Les rapports entre le droit interne et le droit international. Recueil des Cours. Haye, 1923 ,1 .1, n. I, p. 77-121.

C a p í tu lo IX I n c o r p o r a ç ã o d o s T r a t a d o s

I n te r n a c io n a i s d e D ir e i to s H u m a n o s

n o B r a s i l

1. Exceção ao p roced im en to geral de incorporação de tra ta ­dos: o procedimento geral de incorporação de tratados no ordenamento brasileiro, estudado no Capítulo VI deste Livro, é excepcionado, em parte, no que tange à integração, eficácia e aplicabilidade dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos no ordenam ento jurídico brasileiro.

Os tratados de direitos hum anos têm um procedim ento peculiar de incorporação (que lhes atribui uma hierarquia diferenciada dentro do nosso sistema juríd ico) previsto na Constituição de 1988 e que merece ser estudado.

2. N orm a específica d a C onstitu ição d e 1988: a Constituição brasileira de 1988 tem regra expressa a respeito da incorporação dos tratados internacionais de direitos hum anos — que são especiais em relação aos demais tipos de tratados, que chamamos de comuns ou tradicionais — no nosso ordenamento jurídico intem o, insculpida no seu art. 5.°, § 2.°, que assim dispõe:

“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (grifo nosso).

A inovação, em relação às Cartas anteriores, diz respeito à refe­rência aos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Tal modificação, referente a estes instrum entos inter­nacionais, além de ampliar os mecanismos de proteção da dignidade da pessoa hum ana, veio também reforçar e engrandecer o princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrado pela Carta de 1988 como

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um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve se reger em suas relações internacionais (CF, art. 4.°, inc. II). E isto fez com que se modificasse sensivelmente a interpretação relativa às relações do direito internacional com o direito intem o, no que toca à proteção dos direitos fundamentais, coletivos e sociais. Basta pensar que a inserção dos Estados em um sistema supraestatal de pro teção de direitos, com seus organismos de controle internacional, fortalece a tendência constitucio­nal em lim itar o Estado e seu poder em prol da proteção e salvaguarda dos direitos hum anos universalmente reconhecidos.

3. V erten tes dos direitos e garantias fundam enta is na C ons­titu ição d e 1988: da análise do § 2.° do art. 5.° da Carta brasileira de 1988, percebe-se que três são as vertentes, no texto constitucional brasileiro, dos direitos e garantias individuais: a) direitos e garantias expressos na Constituição, a exemplo dos dispostos nos incisos I ao LXXVIII do seu art. 5.°, bem como outros fora do rol de direitos, mas dentro da Constituição, como a garantia da anterioridade tributária, prevista no art. 150, inc. III, letra b, do Texto Magno; b) direitos e ga­rantias implícitos, subentendidos nas regras de garantias, bem como os decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados; e c) direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

4. C onsagração d e um a d up la fo n te norm ativa: a Carta de 1988, com a disposição do § 2.° do seu art. 5.°, de forma inédita, passou a reconhecer de forma clara, no que tange ao seu sistema de direitos e garantias, um a dupla fonte normativa: a) aquela advinda do direito intem o (direitos expressos e implícitos na Constituição, estes últim os decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados); e b) aquela outra advinda do direito internacional (decorrente dos tratados inter­nacionais de direitos hum anos em que a República F ederativa do Brasil seja parte). De forma expressa, a Carta de 1988 atribuiu aos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos devidamente ratifica­dos pelo Estado brasileiro a condição d tfonte do sistema constitucional de proteção de direitos e garantias. É dizer, tais tratados passam a ser fonte do sistema constitucional de proteção de direitos no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles direitos, expressa ou implicitamente,

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consagrados pelo texto constitucional, o que justifica o status de norma constitucional que esses instrum entos internacionais apresentam no ordenam ento brasileiro.

5. índo le constitucional dos tra tad o s d e direitos hum anos:a cláusula aberta do § 2.° do art. 5.° da Carta da República de 1988, assim, adm ite visivelmente que os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos ratificados pelo governo brasileiro ingressam no nosso ordenam ento jurídico no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia normativa.

Ora, se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela expressos “não excluem” outros provenientes dos tratados internacio­nais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil “se in ­cluem” no nosso ordenamento jurídico intem o, passando a ser con­siderados como se escritos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem” outros provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na medida em que tais instrum entos pas­sam a assegurar certos direitos e garantias, a Constituição “os inclui” no seu catálogo de direitos protegidos, am pliando, assim, o seu “bloco de constitucionalidade”.

Grande parte da doutrina constitucionalista brasileira, infeliz­mente, parece não ter se apercebido do grande passo dado pelo legis­lador constituinte de 1988 na disposição do § 2.° do art. 5.° da Consti­tuição, que faz agora referência à expressão “tratados internacionais”, não encontrada nas Cartas anteriores. O Prof. CelsoD. deAlbuquerque Mello, a esse respeito, cita vários autores brasileiros, como M anoel Gonçalves Ferreira Filho, Ivo Dantas, Pinto Ferreira, Alcino Pinto Falcão ejosé CretellaJúnior, que, ao comentarem o citado dispositivo, não levaram em consideração as conseqüências da inserção da referida expressão “tratados internacionais” naquele dispositivo. E a conclusão que chegou o Prof. Celso Albuquerque Mello foi a seguinte: “O que se pode dizer é que os constitucionalistas brasileiros de um modo geral ignoram o Direito Internacional Público e não sabem aplicá-lo. Não há por parte deles nenhum a menção à questão das relações entre o Dl e o

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D. Interno. O u, ainda, não se referem ao status das normas dos tratados dos Direitos Hum anos perante o D. Interno. Eles se esqueceram até de verificar os Anais da Constituinte onde veriam que havia alguma novidade, vez que, como já afirmamos, é uma proposição do intem a- cionalista Cançado Trindade” (In: Ricardo Lobo Torres (org.), O § 2.° do art. 5.° da Constituição Federal, Teoria âos direitos fundamentais, 2. ed. rev. e atual., Rio dejaneiro: Renovar, 2001, p. 17-18).

À medida que a Constituição deixa de prever determinados direi­tos e garantias, e encontrando-se tal previsão nos tratados internacio­nais de proteção dos direitos hum anos em que a República Federativa do Brasil é parte, tem-se que tais instrum entos sobrepõem-se a toda legislação infraconstitucional interna por ter a Carta Magna equipa­rado, no mesmo grau de hierarquia normativa, os direitos e garantias nela constantes àqueles advindos de tratados internacionais de direitos hum anos ratificados pelo Estado brasileiro.

Como bem sustenta Flávia Piovesan, quando a Carta da 1988 em seu art. 5.°, § 2.°, dispõe que “os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados in ­ternacionais” , é porque, a contrario sensu, está ela “a incluir, no catálogo dos direitos constitucionalm ente protegidos, os direitos enunciádos nos tratados internacionais em que o Brasilsejaparte. Este processo de inclusão implica na [sic] incorporação pelo texto constitucional destes direitos” (Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 4. ed. rev., atual, e ampl., São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 73).

Isto significa, na inteligência do art. 5.°, § 2.°, da CF, que o status do produto normativo convencional, no que tange à proteção dos direitos hum anos, não pode ser outro que não o de verdadeira norm a material­m ente constitucional. Diz-se “m aterialmente constitucional”, tendo em vista não integrarem tais tratados, formalmente, a Carta Política, o que demandaria um procedimento de emenda à Constituição, previsto no art. 60, § 2.°, o qual prevê que tal proposta “será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos m embros”. Integram os tratados de proteção dos direitos hum anos, entretanto , o conteúdo material da C onstituição, o seu “bloco de constitucionalidade”.

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Note-se que a Constituição, no § 2.° do seu art. 5 .°, não faz menção à lei, mas tão som ente aos direitos por ela, Constituição, assegurados, oü previstos nos tratados internacionais de direitos hum anos em que a República Federativa do Brasil seja parte. Assim, se uma lei prever outro direito ou garantia que não esteja expresso no bojo da Constituição, esta lei, sem violar o texto constitucional, poderá ser revogada por outra que lhe seja posterior. Entretanto, se tal direito ou garantia vier expresso em um tratado internacional de direitos hum anos em que o Estado brasileiro é parte, nenhum a lei intem a jamais poderá revogá-lo, diante do status de norm a constitucional que os dispositivos desses tratados detêm no nosso ordenamento jurídico.

Assim, entenda-se, os direitos internacionais provenientes de tra­tados, em face da cláusula de não exclusão do § 2.° do art. 5.° da Carta de 1988, passam a incluir-se no chamado “bloco de constitucionalidade”, e não no texto constitucional propriam ente dito. E assim sendo, como explica Carlos Weis, “o artigo que confere ao Supremo Tribunal Federal poder de decidir sobre a constitucionalidade de tratado internacional (art. 102, III, b) não pode ser aplicado aos que tenham por objeto direitos hum anos, os quais ( ...) possuem ‘privilégio hierárquico’ em relação aos demais, conferido pela Constituição Federal de 1988, em atenção à sua natureza e finalidade” (Direitos humanos contemporâneos, São Paulo, M alheiros, 1999, p. 33-34).

Explica-se: não se declara a inconstitucionalidade de direitos e garantias fundamentais. São eles cláusulas pétreas, não podendo ser abolidos nem mesmo pela via de Emenda à Constituição . E a situação dos tratados de proteção dos direitos hum anos não é outra. Gozando tais instrum entos de hierarquia constitucional, e ingressando, conse­quentem ente, no chamado “bloco de constitucionalidade”, ou seja, no catálogo dos direitos e garantias fundam entais protegidos, fica também impedida, por parte do Supremo Tribunal Federal, qualquer declaração de inconstitucionalidade no que diz respeito aos direitos e garantias neles contidos. Sendo considerados normas constitucionais, dá-se por desprezado qualquer argumento que possa sustentar o seu não cumprim ento ou a sua não aplicação.

Em sum a, tanto os direitos como as garantias constantes dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos de que

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o Brasil seja parte passam , com a ratificação desses instrum entos, a integrar o rol dos direitos e garantias constitucionalm ente pro te­gidos, am pliando consideravelm ente o núcleo m ínim o dos direitos constitucionalm ente protegidos.

6. Hierarquia infraconstitucional dostra tadoscom uns:háquese enfatizar, porém, que os demais tratados internacionais que não ver­sem sobre direitos humanos não têm nátureza de norm a constitucional; terão, sim, natureza de norm a infraconstitucional (mas supralegal, não podendo, contudo, ser revogados por lei posterior), extraída justamente do já citado art. 102, inc. III, letra b, da Carta Magna, que confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quan­do a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. O termo “inconstitucionalidade dos tratados”, frise-se, surgiu pela prim eira vez com a Carta de 1967, emendada em 1969, que atribuía ao Supremo Tribunal Federal a competência para “julgar, me­diante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 119, inc. III, letrab). Neste caso, como se percebe com facilidade, é perfeitamente válida a declaração de inconstitucionalidade dos instrum entos internacionais tradicionais ou comuns pelo Pretório Excelso.

À prim eira vista, a conclusão que se extrai do dispositivo é a de que os tratados internacionais (tradicionais ou comuns, tão somente) apresentam a m esm a hierarquia ju ríd ica das leis federais, sendo, portanto, aplicável, no caso de conflito, a regra lex posterior derogat priori. Foi inclusive com base nesse dispositivo que o STF passou a adotar a já com entada teoria da paridade, equiparando o tratado às leis federais. Mas, segundo já assentamos, os tratados internacionais (comuns) incorporados ao ordenam ento brasileiro, estão, na escala hierárquica das norm as, num a posição intermediária, situando-se abaixo da Constituição, mas acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por leiposterior, posto que os tratados têm sua forma própria de revogação, que é a denúncia.

Não é demais recordar que a decisão da Excelsa Corte que deu aos tratados internacionais o mesmo grau hierárquico das leis infra-

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constitucionais, no RE 80.004/SE, de 1977, além de ter sido proferida antes da entrada em vigor da Constituição de 1988, tratava de matéria atinente ao direito comercial, estranha, por conseguinte, ao objeto do direito internacional dos direitos hum anos.

7. Norm as d e direitos hum anos e ju s cogens: por tudo o quese viu acima, mais do que vigorar como lei interna, os direitos e garantias fundamentais proclamados nas convenções ratificadas pelo Brasil, por força do mencionado art. 5.°, § 2.°, da CF, passam a ter, por vontade da própria Carta Magna, o status de “norm a constitucional”. A isto se acrescentao argumento, sustentado por boa parte da doutrina publicista, de que os tratados de direitos hum anos têm superioridade hierárquica em relação aos demais acordos internacionais de caráter mais técnico, pois formam todo um universo de princípios não convencionais im ­perativos, chamados de jus cogens, os quais não podem ser derrogados por tratados internacionais, por deterem um a força obrigatória ante­rior a todo o direito positivo. Tais regras de jus cogens, a exemplo dos direitos hum anos fundamentais, assim, têm o caráter de serem normas imperativas de direito internacional geral, sendo consideradas aceitas e reconhecidas pela sociedade internacional dos Estados, em seu con­junto , como normas que não admitem acordo em contrário (é direito imperativo para os Estados) e que somente podem ser modificadas por uma norm a ulterior de direito internacional geral que tenha, ademais, o mesmo caráter. Dessa forma, somente surgindo nova norma de direito internacional geral é que os tratados existentes que estejam em oposição com esta norm a se tom arão nulos e terminarão.

A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direi­tos hum anos não serve apenas de com plem ento à parte dogmática da Constituição, im plicando, ainda, o exercício necessário de todo o poder público — aí incluso o Judiciário — em respeitar e garantir a plena vigência desses instrum entos. Disto decorre que a violação de tais tratados constitui não só em responsabilidade internacional do Estado, mas também na violação da própria Constituição que os erigiu à categoria de normas constitucionais.

Aqueles que resistem a esta solução - tanto no Brasil como em outros países que elegeram os tratados de proteção dos direitos hu ­manos como normas prevalentes — apelam, no mais das vezes, para a

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tão antiga doutrina da soberania estatal absoluta - que a seus juízos ficaria desvirtuada ou prejudicada - bem como para a supremacia da Constituição. Não falta também a invocação ao poder constituinte, sob a infundada alegação de que adm itir que os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos têm status de norm a constitucional (ou supraconstitucional se levarmos em conta a tendência m undial de proteção de direitos) seria o mesmo que anular de vez a participação dos órgãos do poder constituído no processo de formação das leis.

Tais argum entos, nas palavras de G erm an J. Bidart Campos, traduzem um a escassa capacidade de absorção das tendências que atualm ente exibem o direito internacional e o direito constitucional comparado. Ademais, não revisar os conceitos e os modelos tradi­cionais do poder constituinte e da supremacia constitucional a fim de introduzir-lhes os reajustes que o ritm o histórico do tempo e as circunstâncias mundiais reclamam significa, certamente, paralisar a doutrina constitucional com congelamentos que eqüivalem a atraso (cf. El derecho de la Constituciony sufuerza normativa, Buenos Aires, Ediar Sociedad Anônima, 1995, p. 455-456).

8. Aplicabilidade im ediata dos tra tados de direitos humanos:como se já não bastasse o status constitucional atribuído pela Carta de 1988 aos tratados internacionais de proteção dos direitos hum a­nos, é ainda de se ressaltar que tais tratados, por disposição também expressa da Constituição, passam a incorporar-se automaticamente em nosso ordenam ento, a partir de suas respectivas ratificações. É a conclusão que se extrai do mandam ento do o § 1,° do art. 5.° da nossa Carta Magna, que assim dispõe: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação im ediata”. A inserção desta norm a no Título correspondente aos “direitos e garantias fundam en­tais” na Carta Magna de 1988 fora influenciada, por certo, pelo ante­projeto elaborado pela “Comissão Afonso Arinos”, que, em seu art.10, continha preceito semelhante, o qual estabelecia que “os direitos e garantias desta Constituição têm aplicação im ediata”.

Frise-se que o § 1.° do art. 5.° da Constituição de 1988 dá aplica­ção imediata a todos os direitos e garantias fundamentais, sejam estes expressos no texto da C onstituição, ou provenientes de tratados, vinculando -se todo o judiciário nacional a esta aplicação, e obrigando,

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por conseguinte, também o legislador, aí incluído o legislador constitu­cional. É dizer, seu âmbito m aterial de aplicação transcende o catálogo dos direitos individuais e coletivos insculpidos nos arts. 5.° a 17 da Carta da República, para abranger ainda outros direitos e garantias expressos na mesma Constituição (mas fora do catálogo), bem como aqueles decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, tudo consoante a regra do § 2.° do seu art. 5.°.

É justam ente este últim o caso (aplicação imediata dos tratados internacionais de direitos hum anos) que agora nos interessa. Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, um a vez ratificados, por também conterem normas que dispõem sobre direitos e garantias fundam entais, terão, dentro do contexto consti­tucional brasileiro, idêntica aplicação imediata. Da mesma forma que são im ediatam ente aplicáveis aquelas normas expressas nos arts. 5.° a 17 da Constituição da República, o são, de igual maneira, as normas contidas nos tratados internacionais de direitos hum anos de que o Brasil seja parte.

Na m edida em que a C onstituição lhes atribu i a natureza de “norm as constitucionais”, os tratados de proteção dos direitos h u ­manos também passam, pelo m andam ento do citado § 1.° do seu art.5.°, a ter aplicabilidade imediata no ordenam ento jurídico brasileiro, dispensando-se, desta forma, a edição de decreto de execução para que irradiem seus efeitos tanto no plano intem o como no plano interna­cional. Já nos casos de tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, este decreto, materializando-os internamente, faz-se necessário. Em outras palavras, com relação aos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos, foi adotado no Brasil o monismo intemacionalista kelseniano, dispensando-se da sistemática da incorpo­ração o decreto executivo presidencial para seu efetivo cum prim ento no ordenam ento pátrio, de forma que a simples ratificação do tratado por um Estado im porta na incorporação automática de suas norm as à respectiva legislação intem a.

9. Tratados de direitos hum anos com o "cláusulas pétreas" constitucionais: é ainda de se ressaltar que todos os direitos inseridos

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nos referidos tratados, incorporando-se imediatamente no ordenamen­to interno brasileiro (CF, art. 5.°, § 1.°), por serem norm as também definidoras dos direitos egarantiasfundamentais, passam a ser cláusulas pétreas do texto constitucional, não podendo ser suprim idos nem mesmo por emenda à Constituição (Cf; art. 60, § 4.°, inc. IV). É o que se extrai do resultado da interpretação dos §§ 1.° e 2.° do art. 5.° da Lei Fundam ental, em cotejo com o art. 60, § 4.°, inc. iy da mesma Carta. Isto porque o § 1.° do art. 5.° da Constituição da República, como se viu, dispõe expressamente que “as norm as definidoras dos direitos e garantias fundam entais têm aplicação imediata”.

A finalidade da cláusula pétrea em relação aos tratados de direitos hum anos é a de im pedir a sua denúncia. Contudo, sabe-se que esta é possível nos termos do que estabelecem os próprios tratados de direitos - hum anos, e aí o problema fica de difícil resolução. O que ocorre é que, sendo os tratados de direitos hum anos apenas materialmente consti­tucionais - salvo se aprovados pelo quorum qualificado que estabelece o § 3.° do art. 5.° da Constituição (que estudaremos no item 11 deste Capítulo), quando então serão também formalmente constitucionais - , sua denúncia não fica impedida, não se podendo responsabilizar o Presidente da República caso assim proceda. Mas entendemos que tal denúncia será ineficaz (apesar de possível) por conta do caráter de norm a constitucional m aterial que tais tratados passam a ter (na ver­dade, sempre tiveram) em virtude do m andamento do § 2.° do mesmo art. 5.° da Constituição.

Aceitar, pois, o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos com hierarquia igual ou superior a das normas constitucionais significa, ao contrário do que pensam os autores adep­tos da soberania estatal absoluta, deixar a Constituição mais viva e mais intensa, com m elhor aptidão para lidar com o direito internacional.

10. As três correntes atuais, no Brasil, sobre o assunto: no nos­so país, não obstante o que foi já foi estudado acima, ainda é comum o entendimento de que os tratados internacionais (inclusive os de direitos humanos) devem ceder perante a Constituição. Depois da promulgação da Constituição de 1988, e mais precisamente depois de 1992 (data de ingresso no Brasil do Pacto de San José da Costa Rica e de outros importantes tratados de direitos humanos), foram sendo firmadas, em

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nosso país, basicamente, três correntes, no que tange à hierarquia desses tratados no nosso ordenamento jurídico intem o. São elas:

d) Posição (ainda) majoritária do STF —entende que os tratados de proteção dos direitos hum anos (e som ente estes) ingressam no ordenam ento ju ríd ico brasileiro com h ierarquia infraconstitucio ­nal, mas supralegal (ou seja, podem revogar a legislação ordinária an terior, m as não podem ser revogados po r esta). Segundo este posicionam ento, defendido pelo M in. Sepúlveda Pertence no RHC 79.785-RJ, deve-se outorgar força supralegal aos tratados de direi­tos hum anos, de m odo a a tribu ir aplicação direta às suas norm as, pois, caso con trário , estaria sendo esvaziado o conteúdo do art.5.°, § 2.° da C onstitu ição . Esse posic ionam ento foi reafirm ado no voto-vista do Min. G ilm ar M endes, no RE 466.343/SP, onde se d iscutia a questão da prisão civil po r dívida na alienação fiduciária em garantia. Apesar de con tinuar entendendo que os tratados in ­ternacionais comuns ainda guardam relação de paridade norm ativa com o ordenam ento ju ríd ico dom éstico, defendeu o Min. Gilm ar M endes a tese de que os tratados in ternacionais de direitos humanos estariam num nível hierárquico interm ediário (supralegal): abaixo da C onstituição e acim a de toda a legislação infraconstitucional. Esse posicionam ento parece ser o que, doravante, irá conduzir os futuros ju lgam entos do STF, quando presente um a questão ju ríd i­ca envolvendo um conflito entre tratado in ternacional de direitos hum anos e norm a de direito in terno.

b) Posição (ainda) minoritária do STF — entende que os tratados de direitos hum anos têm status de norm a constitucional, indepen­dentem ente de aprovação qualificada pelo Congresso Nacional de que trata o art. 5.°, § 3.°, da Constituição. Essa corrente, fundada no voto do Min. Celso de Mello, no RE 466.343/SP, é a que entendemos como correta, seguida tam bém pela doutrina hum anista m ais abalizada. Dentre os autores brasileiros que seguem esta tese estão Antônio Au­gusto Cançado Trindade, José Carlos de Magalhães, Flávia Piovesan, Luiz Flávio Gomes, entre outros. Veja-se a nossa concepção sobre o tema no item n. 11, infra.

c) Posição isolada do Prof. CelsoD. de Albuquerque Mello-en tend ia este notável intem acionalista brasileiro que o § 2 ° do art. 5.° da Cons­

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tituição não apenas atribui “hierarquia constitucional” aos tratados de direitos hum anos, mas faz ainda com que a norm a internacional prevaleça “sobre a norm a constitucional, mesmo naquele caso em que uma Constituição posterior tente revogar um a norm a internacional constitucionalizada”, posição esta “que está consagrada na ju risp ru ­dência e tratado internacional europeu de que se deve aplicar a norm a mais benéfica ao ser hum ano, seja ela interna ou internacional”, e cuja grande vantagem é a de “evitar que o Supremo Tribunal Federal venha a ju lgar a constitucionalidade dos tratados internacionais” (In: Ricardo Lobo Torres (org.), O § 2.° do art. 5 .° da Constituição Federal, Teoria dos direitos fundamentais, cit., p. 25).

11. A reform a do Poder Judiciário e os tra tad o s de d ireitos hum anos: um dos aspectos certam ente polêm icos da Reforma do Judiciário (Em enda C onstitucional 45/2004), envolvendo direitos hum anos, foi a inclusão do § 3.° ao art. 5.° da Constituição, segundo o qual:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos hum anos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, po r três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Tal dispositivo pretendeu pôr term o às discussões relativas à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordena­mento jurídico pátrio, uma vez que a doutrina mais abalizada, antes da reforma, já atribuía aos tratados de direitos hum anos status de norm a constitucional, em virtude da interpretação do § 2.° do mesmo art. 5.° da Constituição, já estudado, segundo o qual os “direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do re­gime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Para nós, a cláusula aberta do § 2.° do art. 5.° da Carta de 1988já admite o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos no mesmo grau hierárquico das norm as constitucionais, e não em outro âm bito de hierarquia norm ativa. Portanto, segundo defendem os, o fato de esses direitos se encontrarem em tratados internacionais jam ais im pediu a sua caracterização como direitos de status constitucional.

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Uma proposta de Emenda à Constituição (não para atribuir uma hierarquia constitucional que os tratados de direitos hum anos já têm, mas simplesmente para fazer uma interpretação autêntica do art. 5.°, § 2.° da Constituição) foi po r nós sugerida em nosso livro Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 348, com a seguinte redação:

“§ 3.° Os tratados internacionais referidos pelo parágrafo ante­rior, um a vez ratificados, incorporam -se autom aticam ente na ordem interna brasileira com hierarquia constitucional, prevalecendo, no que forem suas disposições mais benéficas ao ser hum ano, às normas estabelecidas por esta Constituição”.

O poder constituinte reformador, entretanto, preferiu escutar a voz da jurisprudência dom inante do STF, tendo dado outra redação para o § 3.° do art. 5.° da Constituição, que deverá doravante ser bem compreendido, uma vez que tal dispositivo pode se prestar a inter­pretações dúbias ou equivocadas. É, portanto, mais do que necessário explicar o seu real significado e o seu efetivo alcance.

Tecnicamente, como já vimos nos tópicos anteriores deste livro, os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos ratifi­cados pelo Brasil já têm status de norm a constitucional, em virtude do disposto no § 2.° do art. 5.° da Constituição, segundo o qual os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, pois na m edida em que a Constituição não exclui os direitos hum anos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui no seu catálogo de direitos protegidos, ampliando o seu “bloco de consti- tucionalidade” e atribuindo-lhes hierarquia de norm a constitucional, como já assentamos no tópico anterior.

Portanto, deve-se excluir, desde logo, o entendim ento de que os tratados de direitos hum anos não aprovados pela maioria qualificada do § 3.° do art. 5.° eqüivaleriam hierarquicam ente à lei ordinária federal, em razão de terem sido aprovados apenas por m aioria simples (nos termos do art. 49, inc. I, da Constituição) e não pelo quorum que lhes impõe o referido parágrafo. O que se deve entender é que o quorum

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que tal parágrafo estabelece serve tão som ente para atribuir eficácia formal a esses tratados no nosso ordenamento jurídico intem o, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2.° do art. 5.° da Constituição.

Sem pretender invocar o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, segundo o qual um a parte “não pode invocar as disposições de seu direito intem o para justificar o inadim- plemento de um tratado” (dispositivo esse que atribui nível supracons- titucional a quaisquer tratados ratificados pelo Estado), se poderia, num prim eiro m om ento, fazer o seguinte raciocínio: como o § 2.° do art. 5.° da Constituição já atribui índole e nível constitucionais para todos os tratados internacionais de direitos hum anos ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, isso significa que apenas aqueles instrum entos internacionais de direitos hum anos dos quais o Brasil passará a ser parte depois da entrada em vigor da referida emenda é que necessitarão ser aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos seus respectivos membros, para serem equivalentes às emendas constitucionais. Dessa forma, atribuir-se-ia apenas efeito ex nunc à disposição do § 3.° do art. 5.° da Constituição.

O raciocínio faz chegar à conclusão de que o § 3.° do art. 5.° não pode abranger situações pretéritas (como as norm as constitucionais em geral também não podem ), não podendo ter jam ais efeito ex tunc e, portanto, poderá som ente ser aplicado aos tratados internacionais de direitos hum anos ratificados posteriorm ente à data de sua entrada em vigor.

O § 3.° do art. 5.°, contudo, não faz nenhum a ressalva quanto aos compromissos assumidos pelo Brasil anteriormente, em sede de direitos hum anos, bem como em nenhum momento induz ao entendimento de que estará regendo situações pretéritas. O que aparentemente ele faz é tão somente perm itir que o Congresso Nacional, a qualquer m omento (antes de sua ratificação ou mesmo depois desta), atribua aos tratados de direitos hum anos o caráter de emenda constitucional. Em tese, nada obsta que o referido § 3.° seja também aplicado em relação aos tratados ratificados anteriormente à entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, o que faz com que a tese acima desenvolvida perca validade.

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Em verdade, o novo § 3.° do art. 5.° da Constituição em nada influi no “status de norm a constitucional” que os tratados de direitos hum a­nos ratificados pelo Estado brasileiro já detêm no nosso ordenamento jurídico, em virtude da regra do § 2.° do mesmo art. 5.°. O que aqui se defende é que os dois referidos parágrafos do art. 5.° da Constituição cuidam de coisas similares, mas diferentes. Quais coisas diferentes? Então para quê serviria a regra insculpida no § 3 .° do art. 5.° da Carta de 1988, senão para atribuir status de norm a constitucional aos tratados de direitos humanos? A diferença entre o § 2.°, infine, e o § 3.°, ambos do art. 5.° da Constituição, é bastante sutil: nos termos da parte final do § 2.° do art. 5.°, os “tratados internacionais [de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja parte” são, contrario sensu, incluídos pela Constituição, passando consequentem ente a deter o “status de norm a constitucional” e a ampliar o rol dos direitos e garan­tias fundamentais (“bloco de constitucionalidade”) ; já nos termos do §3.° do mesmo art. 5.° da Constituição, um a vez aprovados tais tratados de direitos hum anos pelo quorum qualificado ali estabelecido, esses instrum entos internacionais, uma vez ratificados pelo Brasil, passam a ser “equivalentes às emendas constitucionais”.

Mas, há diferença em dizer que os tratados de direitos hum anos têm “status de norm a constitucional” e dizer que e eles são “equivalentes às emendas constitucionais”? Perceba-se que o § 3.° do art. 5.° não diz que os tratados de direitos hum anos, um a vez aprovados pela maioria qualificada que prevê, serão “equivalentes às normas constitucionais”, preferindo ter dito que serão “ equivalentes às emendas constitucionais”. Portanto, qual a diferença entre os dois parágrafos?

No nosso entender a diferença existe, e nela está fundada a única e exclusiva serventia do imperfeito § 3.° do art. 5.° da Constituição, fruto da Em enda Constitucional 45/2004. Falar que um tratado tem “status de norm a constitucional” significa dizer que ele integra o bloco de constitucionalidade material (e não formal) da nossa Carta Magna. Isso é m enos amplo que dizer que ele é “equivalente a um a emenda constitucional”, porquanto esse mesmo tratado já integra formalmente (além de materialm ente) o texto constitucional. Perceba-se que, neste últim o caso, o tratado assim aprovado será, além de m aterialm ente constitucional, também formalm ente constitucional. Assim, fazendo-

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-se um a interpretação sistemática do texto constitucional em vigor, à luz dos princípios constitucionais e internacionais de garantismo jurídico e de proteção ã dignidade hum ana, chega-se ã seguinte con­clusão: o que o texto constitucional reformado quis dizer é que esses tratados de direitos hum anos ratificados pelo Brasil, que já têm status de norm a constitucional, nos term os do § 2.° do art. 5.°, poderão ainda ser form alm ente constitucionais (ou seja, ser equivalentes às emendas constitucionais), desde que, a qualquer m om ento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quorum do § 3.° do mesmo art. 5.° da Constituição.

Mas quais são esses efeitos m ais amplos em se a tribu ir a tais tratados equivalência de emenda para além do seu status de norm a constitucional? São três os efeitos:

1.°) Eles passarão a reformar a Constituição, o que não é pos­sível tendo apenas o status de norm a constitucional. Ou seja, uma vez aprovado certo tratado pelo quorum previsto pelo § 3.°, opera-se a im ediata reform a do texto constitucional conflitante, o que não ocorre pela sistemática do § 2.° do art. 5.°, diante do qual os tratados de direitos hum anos (que têm nível de normas constitucionais, sem contudo serem equivalentes às emendas constitucionais) serão aplica­dos atendendo ao princípio da primazia da norma maisfavorável ao ser humano (expressamente consagrado pelo art. 4.°, inc. II, da Carta de 1988, segundo o qual o Brasil deve se reger nas suas relações interna­cionais pelo princípio da “prevalência dos direitos hum anos”) . Agora, uma vez aprovados pelo quorum que estabelece o § 3.° do art. 5.° da Constituição, os tratados de direitos hum anos ratificados integrarão formalmente a Constituição, sendo equivalentes às emendas constitu­cionais. Contudo, frise-se que essa integração formal dos tratados de direitos hum anos no ordenam ento brasileiro não abala a integração material que esses mesmos instrum entos já apresentam desde a sua ratificação e entrada em vigor no Brasil.

2.°) Eles não poderão ser denunciados, nem mesmo com Projeto de Denúncia elaborado pelo Congresso Nacional, podendo ser o Pre­sidente da República responsabilizado em caso de descumprimento desta regra (o que não é possível fazer tendo os tratados apenas status de norm a constitucional). Assim sendo, mesmo que um tratado de

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direitos hum anos preveja expressam ente a sua denúncia, esta não poderá ser realizada pelo Presidente da República unilateralm ente (como é a prática brasileira atual em matéria de denúncia de trata­dos internacionais), e nem sequer por meio de Projeto de Denúncia elaborado pelo Congresso Nacional, por eqüivalerem tais tratados às emendas constitucionais, que são (em matéria de direitos hum anos) cláusulas pétreas do texto constitucional.

Há que se enfatizar que vários tratados de proteção dos direitos hum anos preveem expressam ente a possibilidade de sua denúncia. Contudo, trazem eles disposições no sentido de que, eventual denúncia por parte dos Estados-partes não terá o efeito de os desligar das obri­gações contidas no respectivo tratado, no que diz respeito a qualquer ato que, podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido cometido por eles anteriorm ente à data na qual a denúncia produziu seu efeito. Por exemplo, podem ser citados o art. 21 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965); o art. 12 do Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional dos Direitos civis e Políticos (1966); o art. 78, n.° 2 da Convenção Ame­ricana sobre Direitos Humanos (1969); o art. 31, n.° 2 da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984); e o art. 52 da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), todos nesse sentido.

A impossibilidade de denúncia dos tratados de direitos hum a­nos já tinha sido por nós defendida em outros trabalhos, com base no status de norm a constitucional que atingiam, passando a ser também cláusulas pétreas constitucionais. Sob esse ponto de vista, a denún­cia dos tratados de direitos hum anos é tecnicamente possível (sem a possibilidade de se responsabilizar o Presidente da República neste caso), mas totalm ente ineficaz sob o aspecto prático, um a vez que os efeitos do tratado denunciado continuam a operar dentro do nosso ordenam ento jurídico, pelo fato de eles serem cláusulas pétreas do texto constitucional.

No que tange aos tratados de direitos hum anos aprovados pelo quorum do § 3.° do art. 5.° da Constituição, esse panoram a m uda, não se adm itindo sequer a interpretação de que a denúncia desses tratados seria possível mas ineficaz, pois agora ela será impossível do

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ponto de vista técnico, existindo a possibilidade de responsabilização do Presidente da República caso venha pretender operá-la.

Quais os m otivos da impossibilidade técnica de tal denúncia? De acordo com o § 3.° do art. 5.°, um a vez aprovados os tratados de direitos hum anos, em cada Casa do Congresso N acional, em dois turnos, po r três quintos dos votos dos respectivos membros, serão eles “equivalentes às emendas constitucionais”. Uma vez equivalen­tes às emendas constitucionais, isso significa que tais tratados não poderão jam ais ser denunciados - mesmo com base em Projeto de Denúncia encam inhado pelo Presidente da República ao Congresso Nacional —por se tratar de cláusulas pétreas do texto constitucional. Isso im pede, aliás, a interpretação no sentido de que seria possível a denúncia do tratado caso o Congresso aprovasse tal Projeto de De­núncia pela mesma m aioria qualificada com que aprovou o acordo. Caso o Presidente entenda por bem denunciar o tratado e realmente o denuncie (perceba-se que o direito internacional aceita a denúncia feita pelo Presidente, não im portando se, de acordo com o seu direito intem o, está ele autorizado ou não a denunciar o acordo), poderá ser responsabilizado por violar disposição expressa da Constituição, o que não ocorria à égide em que o § 2.° do art. 5 ° encerrava sozinho o rol dos direitos e garantias fundamentais.

No Brasil, apesar de forte divergência dou trinária , a prática brasileira em relação à m atéria tem sido no sentido de que a conju­gação de vontades dos Poderes Executivo e Legislativo é obrigatória som ente em relação à ratificação dos tratados internacionais. Pela prática brasileira a respeito, a denúncia de tratados, infelizm ente, ainda continua sendo ato exclusivo do Chefe do Poder Executivo, tão somente. Sem embargo dessa prática, sempre estivemos com Pontes de M iranda, para quem , “aprovar tratado, convenção ou acordo, perm itindo que o Poder Executivo o denuncie, sem consulta, nem aprovação, é subversivo dos princípios constitucionais” (Comentários à Constituição de 1967 com aEm endan.01 de 1969, t. III, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 109). Do mesmo m odo que o Presidente da República necessita da aprovação do Congresso Nacional, dando a ele permissão para ratificar o acordo, o mais correto, consoante as normas constitucionais em vigor, seria que idêntico procedim ento parlam entar fosse aplicado em relação à denúncia.

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Este, aliás, o sistem a adotado pela Constituição espanhola de 1978, que submete eventual denúncia de tratados sobre direitos hum a­nos fundam entais ao requisito da prévia autorização ou aprovação do Legislativo (arts. 96, n.° 2 e 94, n.° 1 “c”). O mesmo se diga em relação às Constituições da Suécia (art. 4.°, com as emendas de 1976-1977), da Dinamarca de 1953 (art. 19, n.° 1), da Holanda de 1983 (art. 91, n.° 1), além da Constituição da República Argentina que, a partir da reforma de 1994, passou a exigir que os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos sejam denunciados pelo Executivo m ediante a prévia aprovação de dois terços dos m em bros de cada Câmara. A Constituição do Paraguai, por sua vez, determ ina que os tratados internacionais relativos a direitos hum anos “não poderão ser denunciados senão pelos procedim entos que vigem para a emenda desta Constituição” (art. 142).

Entretanto, nos termos da nova sistemática constitucional brasi­leira, aprovado um tratado de direitos hum anos nos termos do § 3.° do art. 5.° da Constituição, nem sequer por meio de Projeto de Denúncia votado com o mesmo quorum exigido para a conclusão do tratado (votação nas duas Casas do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos seus respectivos membros) será possível o pais desengajar-se desse seu compromisso, quer no âmbito interno, quer no plano internacional.

3.°) Eles serão paradigm a do controle concentrado de conven- cionalidade, como verem os no item 12, infra. Nesse sentido, será doravante possível tom ar de empréstimo as ações do controle abstrato (concentrado) de constitucionalidade e utilizá-las para invalidar as leis que violem os tratados de direitos hum anos internalizados com quorum qualificado no Brasil (v. infra).

Agora, portanto, será preciso distinguir se o tratado que se pre­tende denunciar eqüivale a um a emenda constitucional (ou seja, se é material eformalmente constitucional, nos termos do art. 5.°, § 3.°) ou se apenas detém status de norm a constitucional (é dizer, se é apenas ma­terialmente constitucional, em virtude do art. 5.°, § 2.°). Caso o tratado de direitos hum anos se enquadre apenas nesta últim a hipótese, com o ato da denúncia, o Estado brasileiro passa a não mais ter responsa­bilidade em responder pelo descum prim ento do tratado tão somente

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no âmbito internacional enão no âmbito intemo. Ou seja, nada impede que, tecnicamente, se denuncie um tratado de direitos hum anos que tem apenas status de norm a constitucional, pois internam ente nada m uda, um a vez que eles já se encontram petrificados no nosso siste­ma de direitos e garantias, im portando tal denúncia apenas em livrar o Estado brasileiro de responder pelo cum prim ento do tratado no âmbito internacional. Mas caso o tratado de direitos hum anos tenha sido aprovado nos termos do § 3.° do art. 5.°, o Brasil não pode mais desengajar-se do tratado quer no plano internacional, quer no plano intem o (o que não ocorre quando o tratado detém apenas status de norm a constitucional), podendo o Presidente da República ser res­ponsabilizado caso o denuncie (devendo tal denúncia ser declarada ineficaz). Assim, repita-se, quer nos termos do § 2.°, quer nos termos do § 3.° do art. 5.°, os tratados de direitos hum anos são insuscetíveis de denúncia por serem cláusulas pétreas constitucionais. O que difere é que, um a vez aprovado o tratado pelo quorum do § 3.°, sua denúncia acarreta a responsabilidade do denunciante, o que não ocorre na sis­temática do § 2.° do art. 5.°.

Portanto, a afirmação antes correntem ente utilizada, no sentido de que anteriorm ente à entrada em vigor da Emenda Constitucional 45 existia um paradoxo, na medida em que os tratados de direitos humanos eram aprovados por maioria simples - autorizando o Presidente da República, a qualquer m om ento, a denunciar o tratado, desobrigando o país ao cum prim ento daquilo que assumiu no cenário internacional desde o m om ento da ratificação do acordo —, não será mais válida a partir do m om ento em que o tratado que pretende denunciar se tom e equivalente a um a emenda constitucional.

12. C ontro le de convencionalidade no Brasil: o tema do “con­trole de convencionalidade” é um tema novo no Brasil, que estudamos pioneiramente. O que veremos nas linhas que seguem pode ser apro­fundado em nosso livro O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, São Paulo: Ed.RT, 2009 [atualmente na 2. ed., 2011].

Pois bem , como se falou no item anterior, a Constituição bra­sileira de 1988 acolhe os tratados de direitos hum anos com índole e nível de norm as constitucionais, independen tem ente de apro ­vação legislativa com quorum qualificado. Mas, se aprovados com

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dita m aioria qualificada, tais tratados passarão a ter equivalência de emendas constitucionais, tal como estabelece o art. 5.°, § 3.°, da Constituição. Dessa inovação advinda com a Em enda C onstitucio­nal 45/2004 surge um novo tipo de controle da produção norm ativa doméstica: o controle de convencionalidade das leis, que nada mais é que o processo de compatibilização vertical (sobretudo material) das norm as de Direito in terno com os com andos encontrados nas convenções internacionais de direitos hum anos. Na doutrina brasi­leira fomos nós que empregamos, pela prim eira vez, as expressões “controle difuso de convencionalidade” e “controle concentrado de convencionalidade” (para detalhes, v. Valerio de Oliveira Mazzuoli, O controlejurisdicional da convencionalidade das leis, cit., p. 71-72).

Como seria o controle jurisdicional da convencionalidade das leis no Brasil? Ora, se a Constituição possibilita sejam os tratados de direi­tos humanos alçados ao patamar constitucional, com equivalência de emenda, po r questão de lógica deve tam bém garantir-lhes os meios que prevê a qualquer norma constitucional ou emenda de se protege­rem contra investidas não autorizadas do direito infraconstitucional. Nesse sentido, o que defendemos é ser plenamente possível utilizar-se das ações do controle concentrado, como a ADIn (que invalidaria a norma infraconstitucional por inconvencionalidade), a ADECON (que garantiria à norm a infraconstitucional a compatibilidade vertical com um tratado de direitos hum anos formalmente constitucional), ou até mesmo a ADPF (que possibilitaria exigir o cumprimento de um “preceito fundamental” encontrado em tratado de direitos humanos formalmente constitucional), não mais fundamentadas apenas no texto constitucio­nal, senão também nos tratados de direitos hum anos aprovados pela sistemática do art. 5.°, § 3.°, da Constituição e em vigor no país. Assim, os legitimados para o controle concentrado (constantes do art. 103 da Constituição) passam a ter, a seu favor, um arsenal muito maior do que anteriormente tinham para invalidar lei intem a incompatível com os tratados de direitos humanos internalizados com quorum qualificado. Daí então poder-se dizer que os tratados de direitos humanos interna­lizados, por essa maioria, servem de meio de controle concentrado (de convencionalidade) da produção normativa doméstica, para além de servirem como paradigma para o controle difuso.

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Dessa forma, a conhecida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) transformar-se-ia em verdadeira Ação Direta de Inconvenciona- lidade. De igual m aneira, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) assumiria o papel de Ação Declaratória de Convenciona- lidade (seria o caso de propô-la quando a norm a infraconstitucional não atinge a Constituição de qualquer maneira, mas se pretende, desde já, garantir sua compatibilidade com determinado comando de tratado de direitos hum anos formalmente incorporado com equivalência de emenda constitucional). Em idêntico sentido, a Arguição deDescum- prim ento de Preceito Fundam ental (ADPF) poderia ser utilizada para proteger “preceito fundam ental” de um tratado de direitos hum anos violado por norm as infraconstitucionais, inclusive leis municipais e normas anteriores à data que o dito tratado fôra aprovado (e entrou em vigor) com equivalência de emenda constitucional no Brasil. Não se pode também esquecer da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, prevista no art. 103, § 2.°, da Constituição, que poderá ser proposta sempre que fa ltar lei interna que se faria necessária a dar efe­tividade a um a norm a convencional. Nesse caso, pode o STF declarar a inconvencionalidade por omissão de medida para tom ar efetiva norm a constitucional, dando ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Ainda no que tange às omissões legislativas, passa (doravante) a ser perfeitamente cabivel o remédio constitucional do m andado de injunção para colm atar omissões norm ativas que im possibilitem o exercício de um direito ou liberdade presente em tratado de direitos hum anos internalizado com quorum qualificado, uma vez que o co­mando constitucional garante a utilização de tal remédio “sempre que a falta de norm a regulamentadora tom e inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais [inclusive das normas constitucionais por equiparação, como é o caso dos tratados equivalentes às emendas cons­titucionais] e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.°, inc. LXXI).

Em suma, o que estamos a defender (e não vimos ninguém fazê-lo até o m om ento) é o seguinte: quando o texto constitucional (no art. 102, inc. I, alínea a) diz competir precipuam ente ao Supremo Tribunal

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Federal a “guarda da Constituição”, cabendo-lhe ju lgar originaria- m ente as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIn) de lei ou ato norm ativo federal ou estadual ou a ação declaratória de constitucio- nalidade (ADECON) de lei ou ato normativo federal, está autorizando que os legitimados próprios para a propositura de tais ações (constantes do art. 103 da Constituição) ingressem com tais medidas sempre que a Constituição ou quaisquer normas a ela equivalentes (como, v.g., os tratados de direitos hum anos internalizados com quorum qualificado) estiverem sendo violadas por norm as infraconstitucionais. A partir da Emenda Constitucional 45/2004, é necessário entender que a expres­são “guarda da Constituição”, utilizada pelo art. 102, inc. I, alínea a, alberga, além do texto da Constituição propriam ente dito, também as normas constitucionais por equiparação, como é o caso dos tratados de direitos hum anos citados. Assim, ainda que a Constituição silencie a respeito de um determ inado direito, mas estando esse mesmo direi­to previsto em tratado de direitos hum anos constitucionalizado pelo rito do art. 5.°, § 3.°, passa a caber, no Supremo Tribunal Federal, o controle concentrado de constitucionalidade/convencionalidade (v.g., um a ADIn) para compatibilizar a norm a infraconstitucional com os preceitos do tratado constitucionalizado.

Q uanto aos tratados de direitos hum anos não internalizados pela dita maioria qualificada, passam eles a ser paradigma apenas do controle dijuso de convencionalidade (pois, no nosso entendim ento, os tratados de direitos hum anos não aprovados por tal maioria qua­lificada são apenas materialmente constitucionais, diferentemente dos tratados aprovados por aquela maioria, que têm status material eformal de norm as constitucionais).

Em sum a, todos os tratados que form am o corpus juris con­vencional dos direitos hum anos de que um Estado é parte servem com o paradigm a ao con tro le de convencionalidade das norm as infraconstitucionais, com as especificações que se fez acima: a) tra ­tados de direitos hum anos internalizados com quorum qualificado (equivalentes às emendas constitucionais) são paradigma do controle concentrado (para além, obviamente, do controle dijuso'), cabendo, v.g., um a ADIn no STF a fim de invalidar norm a infraconstitucional incom patível com eles; b) tratados de direitos hum anos que têm

som ente “status de norm a constitucional” (não sendo “equivalentes às emendas constitucionais”, posto que não aprovados pela m aioria qualificada do art. 5.°, § 3.°) são paradigmas apenas do controle difuso de convencionalidade.

Em relação ao tema do controle de convencionalidade, existe ainda um últim o aspecto a ser ressaltado, que diz respeito aos tratados inter­nacionais comuns. Seriam eles também paradigma para o controle de convencionalidade das leis? Primeiramente, sabe-se (contrariamente ao que ainda pensa o STF) que os tratados internacionais comuns (aqueles que versam temas alheios aos direitos hum anos) também têm status superior ao das leis internas. Se bem que não equiparados às normas constitucionais, os instrum entos convencionais comuns (como sempre defendemos, com base no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Di­reito dos Tratados, de 1969) têm status supralegal no Brasil, posto não poderem ser revogados por lei intem a posterior, como também estão a demonstrar vários dispositivos da própria legislação brasileira, dentre eles o art. 98 do Código Tributário Nacional (verbis: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária intem a, e serão observados pela que lhes sobrevenha”). Nesse último caso, tais tratados (comuns) também servem de paradigma ao controle das normas infraconstitucionais, posto estarem situados acima delas, com a única diferença (em relação aos tratados de direitos humanos) que não servirão de paradigma do controle de convencionalidade (expressão reservada aos tratados com nível constitucional), mas do controle de supralegálidade das normas infraconstitucionais.

Portanto, as justificativas que se costum am dar, sobretudo no Brasil, para o descum prim ento das obrigações convencionais assumi­das pelo Estado são absolutam ente ineficazes à luz do Direito Interna­cional Público (especialmente do Direito Internacional dos Direitos Humanos) e, agora, pela própria ordem constitucional brasileira, que passa a estar integrada com novos meios de controle das normas de Direito intem o.

13. Leitura com plem entar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controle jurisdicional da convencio­nalidade das leis. São Paulo: RT, 2009.

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

2. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tra­tado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

3. MELLO, Celso D. de Albuquerque. O § 2.° do art. 5.° da Constituição Federal. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2. ed. rev. eatual. TORRESA, Ricardo Lobo (org.). Rio dejaneiro: Renovar, 2001, p. 01-33.

4. MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.

5. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional interna­cional. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2000.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010; BID ART CAMPOS, GermanJ. El derecho de la Constitucion y sufuerza normativa. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anônima, 1995;------- . Tratado élemental de derecho constitucional argen­tino. t. III—El derecho internacional de los derechos humanosy la reforma constitucional de 1994. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anônima, 1995; BUERGENTHAL, Thomas. Self-executing and non-self-executing treaties in national and international law. Academy ojInternational Law. Extractfrom theRecueil ães Cours, v. 235 (1992-IV), Dordrecht/Boston/London: Martinus Nijhoff Publishers, 1992;-------- . Modem constitu-tions and human rights treaties. ColumbiaJournal ofTransnational Law, 1997, n. 36, p. 211-223; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicose instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991;-------- . Tratado dedireito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Fabris, 1997. v. I; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e sua incorporação no ordenamento brasileiro. Revista daAjuris, Porto Alegre, ano XXIX, n. 8 7 ,1.1 (doutrina), p. 278-320, set. 2002;-------- . Os tratados internacionais de direitos humanoscomo fonte do sistema constitucional de proteção de direitos. Revista CE], Brasília: Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ano VI, n. 18, p. 120-124, jul.-set. 2002; GOMES, Luiz Flávio. A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil: par­ticular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. RT, n. 710, p. 21-31, dez. 1994; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O novo § 3.° do art. 5.° da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, v. 378, ano 101, Rio dejaneiro, mar.- abr./2005, p. 89-109.

C a p í tu lo XH o m o l o g a ç ã o de S entenças Estrangeiras

e o P roblem a das S entenças P roferidas

p o r T ribu n a is Intern a cio n a is

1. I n trodução : o instituto da homologação de sentenças estran­geiras existe para facilitar à parte de um a causa julgada por tribunal estrangeiro a satisfação do seu direito em território nacional, dispen- sando-a de ter que iniciar aqui novo processo a fim de ver reconhecido o seu direito.

O assunto é regulado, no Brasil, pela Constituição Federal de 1988 (art. 105,1, i, introduzido pela Emenda Constitucional45/2004), pela Lei de Introdução ao Código Civil (arts. 15 e 17), pelo Código de Processo Civil (arts. 483 e 484) e pelo Regimento Intem o do Supremo Tribunal F eder al (arts.215a224).N o plano internacional encontra-se regramento da matéria no Código Bustamante de 1928, ainda em vigor no-Brasil (art. 423 e seguintes).

2. C o m en tário s à reg ra d o C ódigo d e P rocesso Civil: nostermos do art. 483 do Código de Processo Civil brasileiro, “a sentença proferida por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal”.

A Constituição de 1988, antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional45/2004, dizia com petirão Supremo Tribunal Federal a homologação de sentenças estrangeiras (art. 1 0 2 ,1, h — expressa­m ente revogado pela EC 45/2004). A partir da Em enda 45 esta com­petência passou a ser do Superior Tribunal de Justiça (art. 1 0 5 ,1, i). Ocorre que o Código de Processo Civil ainda não foi reform ado para acom panhar a reforma constitucional e ainda se refere à homologação de sentenças estrangeiras pelo STF. Em virtude da modificação no texto constitucional, deve-se in terpretar agora o Código de Processo Civil, enquanto não reform ado, como se referindo ao Superior Tribu-

1 2 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P ar te G e r a l

naldejustiça (em vez de Supremo Tribunal Federal), em observância ao novo comando constitucional.

Homologar significa tornar a sentença estrangeira sem elhante (em seus efeitos) a uma sentença aqui proferida, utilizando-se como “m odelo” para a homologação, a sentença proferida pelo judiciário nacional. Por meio da homologação, a sentença estrangeira passa a estar apta a gerar efeitos no país que a homologa. A homologação não cria eficácia in tem a para as sentenças estrangeiras, mas faz com que ela tenha os seus efeitos estendidos ao território do Estado onde se pretende que ela opere. A isso dá-se o nom e de “importação de eficácia” da sentença estrangeira para o território nacional de outros Estados.

Quando aqui se fala em sentença, o que se quer dizer não é a sen­tença como ato do ju iz que põe fim ao processo, tal como entendida pelo próprio Código de Processo Civil, mas todo ato proveniente do estrangeiro que, à luz do nosso direito interno, tenha as mesmas características e os mesmos efeitos que um a sentença aqui proferida, não im portando se, nos termos do seu direito de origem, aquele ato não era tecnicamente um a sentença ou não tenha sido emanado de au­toridade propriam ente judiciária. O professor Barbosa Moreira (quem m elhor escreveu sobre este assunto na doutrina brasileira m oderna) exemplifica com os seguintes casos: divórcio decretado pelo Rei da Dinamarca, decretado por autoridades administrativas norueguesas e dinamarquesas, ou ainda, registrado perante prefeito no Japão; tais atos podem até estar destituídos da natureza de “sentença” segundo o seu direito de origem, mas como tal devem ser interpretados no Brasil, para fins de homologação perante o STJ.

A expressão tribunal estrangeiro, da m esm a forma que se faz com a expressão sentença, deve também ser interpretada em sentido amplo, abrangendo juizes de prim eiro ou segundo graus (singular ou colegiado, estadual ou federal) e também outros órgãos que, apesar de não estarem investidos da qualidade jurisdicional, atuam como verdadeiros “tribunais” (como nos casos dos exemplos citados acima).

Em regra só se homologam sentenças cíveis, não se podendo ho­m ologar no Brasil um a sentença penal para fins propriam ente penais. O que se perm ite é que seja homologada sentença penal para que esta surta efeitos civis, como perm itido pelo art. 790 do CPP, segundo a

SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 1 2 1

qual: “O interessado na execução de sentença penal estrangeira, para a reparação do dano, restituição e outros efeitos civis, poderá requerer ao Supremo Tribunal Federal [entenda-se: Superior Tribunal de Jus­tiça] a sua homologação, observando-se o que a respeito prescreve o Código de Processo Civil”.

A competência, no Brasil, para a execução de sentença estrangeira homologada pelo STJ, é dos juizes federais de prim eira instância, nos termos do art. 109, X, da Constituição de 1988. A execução é feita por carta de sentença extraída dos autos da homologação e deve obedecer às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional de mesma natureza (CPC, art. 484).

3. O p ro b lem a das sen tenças p roferidas p o r tribunais in ­ternacionais: depois de verificada a necessidade de homologação das sentenças estrangeiras pelo STJ, para que somente assim tenham eficácia no Brasil, resta saber se há necessidade deste Tribunal Superior brasi­leiro homologar as sentenças internacionais, proferidas por tribunais com jurisdição internacional, a exemplo daquelas advindas da Corte Internacional de Justiça (Haia), da Corte Interamericana de Direito Humanos (Costa Rica), ou ainda do Tribunal Penal Internacional (TPI), a fim de que tais sentenças possam surtir efeitos no território nacional.

A observação a ser feita aqui é que não se está tratando do pro­blema atinente à hom ologação de sentenças estrangeiras pelo STJ, mas sim de sentenças internacionais, o que é diferente pelas razões que veremos abaixo.

Os processualistas brasileiros não têm se ocupado do tema, mes­mo quando em comento ao art. 483 do CPC, dem onstrando ignorá-lo, sem embargo das grandes implicações práticas provenientes da res­posta à indagação de ser ou não necessária a homologação, pelo STJ, das sentenças advindas de tribunais internacionais. Não se encontra, pois, nenhum a palavra sequer a esse respeito em José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código deProcesso Civil, 7. ed., Rio dejaneiro, Forense, 1998, v. Y p. 71-72 (esse autor refere-se tão somente às senten­ças proferidas por tribunais arbitrais, nada dizendo sobre as proferidas por tribunais internacionais), em Humberto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, 23. ed. rev. e atual., Rio dejaneiro: Forense,

1 2 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

1998, v. I,p . 624-627, e em Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 5. ed. rev, atual, e ampl., São Paulo: Saraiva, 1997, v.1, p. 636-644, para citar apenas alguns entre tantos e tantos outros comentaristas do Código de Processo Civil brasileiro. A situação não é diferente tratando-se dos nossos constitucionalistas, o que nos leva a crer que, mais do que nunca, passa a caber aos intem acionalistas a tarefa de encontrar a solução para este problema.

Segundo a nossa concepção, as sentenças proferidas por tribu­nais internacionais dispensam homologação pelo Superior Tribunal de ju stiça , assim como dispensavam hom ologação pelo Supremo Tribunal Federal antes da reforma constitucional de 2004 (cf. Valerio de Oliveira Mazzuoli, Sentenças internacionais no Supremo Tribunal Federal, Jornal Correio Braziliense, suplem ento Direito &Justiça, de 14 de outubro de 2002,p .3 ) .No caso específico das sentenças proferidas pela Corte Interam ericana de Direitos Hum anos não há que se falar na aplicação da regra contida no art. 105, inc. I, letra i, da CF, que já encontrava eco no art. 483 do CPC, a dispor que “a sentença proferi­da por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de homologada pelo Supremo Tribunal Federal [entendendo-se, agora, Superior Tribunal de Justiça] ” (grifo nosso). Sentenças proferidas por “tribunais internacionais” não se enquadram na roupagem de senten­ças estrangeiras a que se referem os dispositivos citados. Por sentença estrangeira deve-se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de determ inado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados.

Para o STF, sentença estrangeira é toda aquela que não é nacional e, portanto, seja uma sentença proferida pelo judiciário de determinado Estado, seja a proferida por um a corte internacional, ambas devem ser homologadas antes de produzirem seus efeitos internos no Brasil.

Entretanto, este argumento esposado pelo STF; antes da reforma constitucional de 2004, de que sentença estrangeira é toda sentença que não é nacional, parece não encontrar sólida fundamentação jurídica, quando se diferencia a natureza jurídica e procedimento das sentenças estrangeiras em relação às proferidas por tribunais internacionais.

Ora, sabe-se que o direito internacional não se confunde com o chamado direito estrangeiro. Aquele diz respeito à regulam entação

SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 1 2 3

jurídica internacional, na maioria dos casos feita por normas interna­cionais. O direito internacional disciplina, pois, a atuação dos Estados, das Organizações Internacionais e também dos indivíduos no cenário internacional. Já o direito estrangeiro é aquele afeto à jurisdição de determ inado Estado, como o direito italiano, o francês, o alemão e assim por diante. Será, pois, estrangeiro, aquele direito afeto à ju ris­dição de outro Estado que não o Brasil. Uma sentença proferida na Argentina será sempre estrangeira. Mas uma outra proferida pela Corte Interam ericana de Direitos Hum anos também o será? Não há como responder à indagação senão negativamente. As sentenças proferidas por “tribunais internacionais” serão sentenças internacionais na mesma proporção que as sentenças proferidas por “tribunais estrangeiros” serão sentenças estrangeiras, não se confundindo umas com as outras.

Há, pois, nítida distinção entre as sentenças estrangeiras (afetas à soberania de determ inado Estado) às quais o art. 483 do CPC faz referência, e as sentenças internacionais, proferidas por tribunais internacionais que não se vinculam à soberania de nenhum Estado, tendo, pelo contrário, jurisdição sobre o próprio Estado.

Um dos intem acionalistas brasileiros que têm manifestado ex­pressam ente esse entendim ento é o Prof. José Carlos de Magalhães, da Faculdade de Direito da USP Eis sua lição: “É conveniente acentuar que sentença internacional, embora possa revestir-se do caráter de sentença estrangeira, por não provir de autoridade judiciária nacional, com aquela nem sempre se confunde. Sentença internacional consiste em ato judicial emanado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interam ericana de Direitos Humanos, seja porque, em acordo especial, concordou em subm eter a solução de determinada controvérsia a um organismo internacional, como a Corte Interna­cional de Justiça. O mesmo pode-se dizer da submissão de um litígio a um juízo arbitrai internacional, m ediante compromisso arbitrai, conferindo jurisdição específica para a autoridade nomeada decidir a controvérsia. Em ambos os casos, a submissão do Estado à jurisdição da corte internacional ou do ju ízo arbitrai é facultativa. Pode aceitá-la ou não. Mas se aceitou, m ediante declaração formal, como se verifica com a autorizada pelo Dec. Leg. 89, de 1998, o país está obrigado a dar

1 2 4 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

cum prim ento à decisão que vier a ser proferida. Se não o fizer, estará descum prindo obrigação de caráter internacional e, assim, sujeito a sanções que a comunidade internacional houver por bem aplicar”. E conclui o citado professor: “Tal sentença, portanto, não depende de homologação do Supremo Tribunal Federal [agora Superior Tribunal de Justiça], até mesmo porque pode ter sido esse Poder o violador dos direitos hum anos, cuja reparação foi determinada. Não se trata, nesse caso, de sentença inter alios estranha ao país. Sendo parte, cabe cumpri-la, como faria com decisão de seu Poder Judiciário” (O Supre­mo Tribunal Federal e o direito internacional: um a análise crítica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 102).

Este, aliás, também foi o entendimento que deixamos expresso em nosso livro Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica, Rio dejaneiro: Forense, 2002, p. 181, no qual abordamos o problema da prisão civil por dívida nos contratos de alienação fiduciária em garantia, à luz dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, notadam ente do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil sem qualquer reserva, que exclui de seu texto a possibilidade de cer­ceamento da liberdade individual em virtude de dívida civil, à exceção dos casos de inadimplemento da dívida alimentar (cf. art. 7.°, § 7.°).

O Superior Tribunal de Justiça não tem competência constitu­cional, e tam pouco legal, para hom ologar sentenças proferidas por tribunais internacionais, que decidem acima do pretenso poder sobe­rano estatal, e têm jurisdição sobre o próprio Estado. Pensar de outra m aneira é subversivo aos princípios internacionais que buscam reger a comunidade dos Estados em seu conjunto, com vistas à perfeita co­ordenação dos poderes dos Estados no presente cenário internacional de proteção de direitos.

Em caso de condenação da Corte Interam ericana de Direitos Hum anos a pagam ento de indenização pecuniária, o Estado deverá obedecer ao disposto pelo direito interno relativo à execução de sen­tença, incluindo o valor da indenização devida na ordem cronológica de precatórios, da mesma forma que faz com qualquer execução de sentença judicial interna, de acordo com o que disciplina a lei. Assim, além de as sentenças proferidas pela Corte Interam ericana de Direitos Humanos terem a potencialidade de, plena e eficazmente, declarar a

SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS 1 2 5

responsabilidade internacional do Estado por inobservância de pre­ceitos da Convenção Americana, também valem como título executivo no Brasil, tendo aplicação imediata, devendo, para isso, tão somente obedecer aos procedimentos internos relativos à execução desentenças.

O assunto deve ser estudado com bastante cuidado, principal­m ente em conseqüência da aceitação pelo Brasil da com petência contenciosa da Corte Interam ericana de Direitos Humanos, por meio do Dec. Leg. 89, de 1998, para todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção para fatos ocorridos a partir do reconhe­cimento, nos term os do art. 62, § 1.°, do referido tratado.

4. Leitura com plem entar:

1. BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Homologação de sentença estrangeira e seus efeitos perante o STF. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999 (Coleção Saber Jurídico).

2. MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito inter­nacional: uma análise crítica. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2000.

3. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Sentenças internacionais no Supremo Tribunal Federal. Jornal Correio Braziliense, suplemento Direito & Justiça, de 14 de outubro de 2002, p. 3.

4. SANTOS, Emane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 5. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1.

5. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 23. ed. rev. e atual. Rio dejaneiro: Forense, 1998. v. 1.

Para aprofundar:

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código deProcesso Civil. 7. ed. Rio dejaneiro: Forense, 1998. v. V (nesta obra o leitor encontra um profundo e científico estudo sobre a homologação de sentenças estrangeiras, inclusive com várias referências ao direito comparado); RAMOS, André de Carvalho. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição brasileira. CHOUKR, Fauzi Hassan & AMBOS, Kai (orgs.). Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000, especial­mente p. 279-284 (em que é abordada a questão da implementação das sentenças do Tribunal Penal Internacional em face do ordenamento jurídico brasileiro).

C a p ít u l o X I

N a c io n a l id a d e B rasileira O r ig in á r ia à

Luz da Emenda 54/2007

1. A nacionalidade originária brasileira na C onstitu ição de 1988: de acordo com o texto constitucional brasileiro em vigor (art. 12, I, a, b e c), é possível ser brasileiro nato m ediante três possibilidades, quais sejam: d) quando se nasce na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, salvo se estes estiverem a serviço do seu país (caso em que terão a nacionalidade do país dos genitores);b) quando se nasce no exterior, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; ou ainda c) quando se nasce no exterior, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que registrados na repartição brasileira com petente ou, caso isso não ocorra, retom e o interessado ao Brasil (m antendo aqui residência) e opte, em qualquer tempo, atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira (opção que se faz peranteo Juízo Federal). Esta últim a modalidade de nacionalidade originá­ria já sofreu duas reformas desde a promulgação da Constituição de 1988 para cá, sendo a últim a delas a da Emenda Constitucional 54, de 20.09.2007.

2. Histórico constitucional d o problem a: a Em enda Consti­tucional 54 reform ou a alínea c do inciso I do art. 12 da Constituição de 1988, dizendo serem brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados ém repartição brasileira com petente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a m aioridade, pela nacionalidade brasileira”.

É im portante fazer um breve histórico das alterações sofridas por este dispositivo desde a promulgação da Constituição de 1988. A prim eira redação do art. 12, inc. I, alínea c, estava assim colocada:

NACIONALIDADE BRASILEIRA: EC 54/2007 1 2 7

“Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

(...)

c) os nascidos no estrangeiro, depaibrasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da m aiorida­de e, alcançada esta, optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira”.

Com a Em enda C onstitucional de Revisão 3, de 1994, que re­formou tal dispositivo, elim inou-se a possibilidade de registro dos filhos de brasileiros nascidos no exterior em repartição consular, bem como a necessidade de se residir no Brasil antes da m aioridade como condição para a opção da nacionalidade brasileira. Seguramente, o fato mais insatisfatório da reform a constitucional de 1994 (verbis: “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, des­de que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tem po, pela nacionalidade brasileira”) foi o fato de ter acabado, sem qualquer m otivo justificável, com a possibilidade de se atribuir ao filho de brasileiro, nascido no estrangeiro, a condição im ediata de brasileiro nato, por meio do registro de nascim ento em consulado no exterior.

Tal alteração constitucional não agradou às m ilhares de fa­mílias brasileiras que residem no exterior e as várias organizações não-governam entais que atuam em prol de seus interesses. O fato é que m uitos filhos de brasileiros nascidos em países que adotam a regra do ju s sanguinis (como a Suíça, o Japão e a Alem anha) acaba­ram ficando privados, tanto da nacionalidade brasileira, quanto da nacionalidade do local de nascim ento, passando a perm anecer em verdadeira situação de apatria. Daí então o aparecim ento de nova proposta de alteração constitucional (PEC 272/00), que teve como relatora, a deputada federal Rita Camata, dando origem à Em enda C onstitucional 54, de 20 de setem bro de 2007, que agora assegura a nacionalidade brasileira a todos os filhos de brasileiros que nascem e continuam a viver fora do país, desde que sejam registrados em repartição consular brasileira.

1 2 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

3. Entendim ento da Em enda 54/2007: pela nova redação do art. 12, inc. I, alínea c, da Constituição, há duas possibilidades para que filhos de brasileiros, nascidos no exterior, sejam considerados brasileiros natos. Nos termos do dispositivo, são brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sej am registrados, em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tem­po, depois de atingida a m aioridade, pela nacionalidade brasileira”. Assim, a prim eira possibilidade existente é já registrar o filho nascido no exterior em repartição consular brasileira, a fim de que o mesmo passe, a partir desse m om ento, a já estar garantido na condição de brasileiro nato, ainda que jam ais venha a residir no Brasil, não fale o nosso idioma, não conheça a nossa cultura etc. A segunda possibilida­de diz respeito aos filhos de brasileiros nascidos no exterior que, por qualquer motivo, não tiveram seu registro consular ali efetuado. Nesse caso, exige, a segunda parte do dispositivo, duas condições para que a nacionalidade brasileira de origem se opere: a) a vinda ao país (antes ou depois de atingida a maioridade) e; ¥) a opção, em qualquer tempo (mas depois de atingida a m aioridade), pela nacionalidade brasileira.

4. Uma incongruência da Em enda 54/2007: nos term os da parte final do art. 12, inc. 1, alínea c, a opção pela nacionalidade bra­sileira (no caso do filho de pais brasileiros nascido no exterior e não registrado em repartição consular, que posteriorm ente venha a residir no Brasil) som ente poderá se operar “depois de atingida a maioridade”. Tal significa, a contrario sensu, que é vedada a opção pela nacionali­dade brasileira por iniciativa dos pais (por meio de representação ou assistência dos menores em juízo) quando a família (que residia no exterior) volta a m orar no Brasil. Neste caso, somente a pessoa (e n in ­guém mais) poderá optar, quando maior, pela nacionalidade brasileira. Para nós, parece um contrassenso criado pela Constituição, a exigência da maioridade para a opção quando o filho de pais brasileiros nascido no exterior passa a residir no Brasil. Ora, se a Constituição autoriza que os pais, m ediante simples registro consular, façam operar em seus filhos menores, nascidos no exterior e lá residentes, a condição ime­diata de brasileiros natos, não tem sentido im pedir que esses mesmos pais, de volta ao Brasil, registrem os seus filhos em ofício de registro de

NACIONALIDADE BRASILEIRA: EC 54/2007 1 2 9

pessoas naturais ou, em últim a análise, os represente ou os assista em ação judicial para o fim de hom ologar sua opção pela nacionalidade brasileira. Trata-se de uma incongruência da Emenda 54/2007, que não pode passar desapercebida pela doutrina.

Segundo nos parece, seria de todo im prudente beneficiar com esse direito os filhos de brasileiros nascidos no exterior e.lá residentes e não reconhecê-lo àqueles filhos de brasileiros, também nascidos no exterior, mas que agora residem no Brasil e aqui pretendem permanecer.

5. Leitura com plem entar:

1. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Nacionalidade brasileira originária: os equívocos da alteração constitucional. Jornal CartaForense, São Paulo, v. 71, abr./2009, p. 10.

2. SILVA, José Afondo da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; P o n t e s d e M i r a n d a , Frans- cisco Cavalcanti. Nacionalidade de origem e naturalização no direito brasileiro, 2a tir. aum. Rio dejaneiro: A. Coelho Branco Filho, 1936.

C a p ít u l o X I I

As O rg a n iza ç õ es I n ter n a c io n a is

1NTERGOVERNAMENTAIS

1. In trodução : Este capítulo descreve sinteticam ente a estru ­tura e o funcionam ento das cham adas organizações internacionais intergovem am entais, dando ênfase para a Organização das Nações Unidas (ONU).

As organizações in ternacionais in tergovem am entais, assim como os Estados, têm personalidade jurídica internacional (podendo contrair obrigações e reclam ar direitos) e esfera própria de atuação no cenário internacional. São criadas por acordos entre diversos Estados, po r meio de um tratado constitutivo, e têm personalidade jurídica distinta da dos Estados-membros que as compõem.

É de suma im portância aqui fazer uma distinção entre tais orga­nizações internacionais (ORGS) e aquelas organizações internacionais privadas ou não-govem am entais (ONGs). Ambas são produto de um ato de vontade que, no prim eiro caso, provém dos Estados, quando elaboram um tratado m ultilateral constitutivo da organização e, no segundo, da vontade de particulares, com ou sem a interveniência de órgãos públicos, almejando criar um a organização não governamental para finalidades lícitas. Tais organizações internacionais não governa­mentais, como a Anistia Internacional (AI), o Comitê Internacional da Cm z Vermelha ( Cl CV) e a União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos (UICN), não se confundem com as organi­zações internacionais intergovemamentais e não detêm personalidade jurídica de direito internacional. Apenas estas últim as são sujeitos de direito internacional público e detêm o poder de celebrar tratados com os Estados e com outras organizações internacionais. Aquelas outras organizações não são sujeitos de direito internacional; são instituições criadas por norm as jurídicas internas e regidas por tais norm as, não pelas regras do direito internacional público.

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS INTERGOVERNAMENTAIS 1 3 1

Apesar de este capítulo não tratar das organizações internacio­nais não-govem am entais, não se deye perder de vista, porém , o papel im portante que elas desem penham na promoção e fomento do direito internacional (para um estudo contemporâneo sobre as ONGs, veja-se o livro de Ricardo Neiva Tavares, As organizações não governamentais nas Nações Unidas, Brasília, Instituto Rio Branco/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999).

As organizações internacionais intergovernam entais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), são instituições internacionais criadas por tra­tados e regidas pelo direito internacional. O seu poder para celebrar tratados vem. regulado pela Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Orga­nizações Internacionais, de 1986.

Depois do fim da Primeira Guerra Mundial, criam-se organizações internacionais como a Sociedade das Nações (SdN) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mas o direito internacional somente vai conhecer o aparecimento crescente de tais organismos internacio­nais a partir da Segunda Guerra, quando então são criadas as Nações Unidas e a maioria das organizações internacionais globais e regionais atualmente existentes.

Não se pretendeu aqui desenvolver com profundidade a teoria das organizações internacionais, mas tão somente dar um a visão glo­bal do tema, m ostrando em linhas gerais a sua estrutura jurídica, suas funções e seus objetivos.

2. A O rganização das N ações Unidas (ONU): antes do final do conflito que ensanguentou a Europa entre 1939 e 1945, as potências que combatiam o eixo, levando em consideração o fracasso completo da Liga das Nações na tentativa de evitar as guerras, tiveram a intenção de estabelecer, em período não m uito longo de tempo, um a organiza­ção internacional, de caráter geral e fundada na igualdade soberana de todos os Estados pacíficos, que tivesse por propósito a manutenção da paz e da segurança internacionais, nos termos do que foi pactuado na Conferência de Moscou, de 1943.

Depois de várias propostas e discussões, foram elaborados, em Dum barton Oaks (W ashington), em 1944, os projetos para a recons­

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trução jurídico-política do m undo, bem como as “propostas para o estabelecim ento de um a Organização Internacional Geral”, poste­riorm ente modificadas em Yalta, em 1945, que serviram de base para a elaboração da Carta da Organização das Nações Unidas.

A referida Carta foi assinada em 26.06.1945, na cidade de São Francisco, jun tam en te com o Estatu to da Corte In ternacional de Justiça. Mas foi som ente em 24.10.1945 que as Nações Unidas efe­tivamente se constituíram , quando entrou em vigor internacional o tratado constitutivo da organização (Carta da ONU), tendo a Assem­bleia Geral deliberado ser a sua sede na cidade de Nova York. A Carta da ONU, que é a carta orgânica da instituição, foi firmada inicialmente por 51 Estados-membros e, desde então, passou a abarcar de maneira crescente e progressiva inúm eros outros Estados, contando hoje com quase todos os países independentes do m undo.

O art. 103 da Carta das Nações Unidas contém um a cláusula de supremacia que estabelece que, em caso de conflito entre as obrigações contraídas pelos mem bros das Nações Unidas em virtude da Carta e suas obrigações contraídas em virtude de qualquer outro acordo internacional, deverão prevalecer as obrigações impostas pela Carta da ONU. Tal dispositivo coloca, portanto, a Carta das Nações Unidas no ápice da hierarquia das norm as do direito internacional público, equiparando-se à hierarquia que detêm as normas constitucionais em relação às leis e demais norm as do direito intem o estatal.

3. O s ó rgãos das N ações Unidas: para o alcance destes objeti­vos expressos em sua Carta, as Nações Unidas foram organizadas em diversos órgãos, dentre os quais, nos term os do art. 7 ° da Carta da ONU, os principais são a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional dejustiça, o Conselho de Tutela, o Secretariado e o Conselho Econômico e Social.

A Assembleia Geral, com posta de representantes de todos os Estados-m em bros, com um m áxim o de 5 (cinco) delegados por Estado, tem com petência para discutir e fazer recom endações rela­tivamente a qualquer m atéria que for objeto da Carta, a exemplo de m atérias como paz e segurança internacionais, eleição dos membros não-perm anentes do Conselho de Segurança, eleição dos membros do Conselho Econôm ico e Social, eleição dos m em bros do Con­

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selho de Tutela, admissão de novos m em bros para a organização e suspensão ou expulsão dos já existentes, aprovação de em endas à Carta etc. Em relação à proteção dos direitos hum anos a Assembleia Geral tam bém tem um papel im portante. Veja-se, em especial, o art. 13, § 1.°, da Carta da ONU: “A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recom endações destinadas a: (...) b) prom over cooperação internacional nos terrenos econôm ico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos hum anos e das li­berdades fundam entais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, lingua ou religião (...)”. Cada m em bro da Assembleia Geral da ONU tem direito a um voto (arts. 9.°, § 1.°, e 18, § 1.°), sendo que as decisões im portantes seguem o princípio m ajoritário, devendo ser tomadas pelo voto da m aioria de 2/3 dos mem bros presentes e votantes. Incluem as questões im portantes aquelas enunciadas no art. 18, § 2.° (recom endações relativas à m anutenção da paz e da segurança internacionais, à eleição dos mem bros não perm anentes do C onselho de Segurança, à eleição dos m em bros do Conselho Econômico e Social, à eleição dos m em bros do Conselho de Tutela, à admissão de novos membros das Nações Unidas, à suspensão dos direitos e privilégios de membros, à expulsão dos membros, e ainda às questões referentes ao funcionam ento do sistema de tutela e questões orçam entárias), além de outras, a depender do voto da m aioria dos mem bros presentes e votantes (art. 18, § 3.°).

O Conselho de Segurança, por sua vez, tem como principal atribui­ção a “manutenção da paz e segurança internacionais” (art. 24, § 1.°). É composto por cinco membros perm anentes e dez não-permanentes. Membros permanentes são a China, a França, o Reino Unido, os Estados Unidos, e, desde 1992, a Rússia, que sucedeu à URSS. Os membros não perm anentes são eleitos pela Assembleia Geral, com mandato de dois anos, considerando a contribuição dos membros para os propósitos das Nações Unidas e a distribuição geográfica equitativa (art. 23, §§ 1.° e 2.°). É proibida a reeleição dos membros não-perm anentes para o período subsequente ao mandato. Cada m em bro do Conselho de Segurança tem, dentro do órgão, um representante e, portanto, o di­reito de um voto apenas. Nos termos do art. 32 da Carta das Nações Unidas, “qualquer membro das Nações Unidas que não for membro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não for membro das

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Nações Unidas será convidado, desde que seja parte em uma contro­vérsia submetida ao Conselho de Segurança, a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia”. O Conselho de Segurança determinará, também, “as condições que lhe parecerem justas para a participação de um Estado que não for membro das Nações Unidas”. Entre as suas atribuições, podem ser destacadas as relativas à aplicação de sanções econômicas aos Estados ou outra medida capaz de evitar qualquer tipo de agressão; a atinente às recomendações à Assembleia Geral de admissão de novos membros, bem como as condições sob as quais os Estados poderão tom ar-se parte do Estatuto da Corte Internacional dejustiça; a relativa à suspensão ou expulsão de Estados-membros da Organização etc. O Conselho de Segurança é assessorado, em questões de caráter militar, po r um a comissão de Estado-Maior formada pelos Chefes de Estado-Maior, dos membros perm anentes do Conselho de Segurança, investida das responsabilidades de direção das forças ar­madas colocadas por tais membros à disposição do Conselho.

A Corte Internacional dejustiça, principal órgão judicial das Na­ções Unidas, com sede em Haia (Holanda), é composta por quinze juizes (art. 92 da Carta das Nações Unidas e art. 3.° do Estatuto da Corte Internacional dejustiça) eleitos pela Assembleia Geral da ONU em ato conjunto com o Conselho de Segurança, para um mandato de nove anos, com possibilidade de reeleição. Tais juizes são eleitos entre as pessoas indicadas pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem. A escolha não se dá em razão de sua nacionalidade, mas sim levando-se em conta sua capacitação pessoal. No seu conjunto, o corpo de juizes deve representar as mais altas formas de civilização e os principais sistemas jurídicos do mundo contemporâneo. São veda­dos dois juizes da mesma nacionalidade na Corte. O disciplinamento da CIJ é fixado pelo seu Estatuto, que foi anexado à Carta das Nações Unidas. Tem a Corte competência contenciosa e consultiva, estando somente os Estados, contudo, habilitados a serem partes em questões perante ela (art. 34, § 1.°, do Estatuto da CIJ). Todos os membros das Nações Unidas, nos termos do art. 93 da Carta, são, ipsofacto, partes do Estatuto da Corte Internacional dejustiça . Isto não im pede que um Estado que não seja membro das Nações Unidas se tom e parte no Estatuto da CIJ, o que irá depender das condições que serão determi­nadas pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de

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Segurança. Cada Estado-membro das Nações Unidas se compromete a aceitar as decisões proferidas pela CIJ em qualquer caso em que esse Estado for parte. Se um a das partes num caso deixar de cum prir as obrigações que lhe incum bem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recomendações ou decidir sobre medidas a serem tomadas para o cumprimento da sentença (art. 94, §§1.° e 2.° da Carta das Nações Unidas). A Assembleia Geral ou o Conse­lho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte, sobre qualquer questão de ordem jurídica. Outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembleia Geral, poderão também solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades (art. 96, §§ 1.° e 2.°). Por regra, a jurisdição da CIJ é facultativa aos Estados, devendo a mesma declarar-se incompetente para o julgam ento de litígios envolvendo Estados que não aceitaram expressamente a sua jurisdição contenciosa. Esta cláusula optativa, também chamada de “cláusula Raul Fernandes” (porque proposta por este intem acionalista brasileiro), encontra-se no art. 36, § 2.°, alíneas a a d, do Estatuto da CIJ.

O Conselho de Tutela, cuja competência atém-se ao sistema inter­nacional de tutela estabelecido pela Carta da ONU, tem por objetivo o fomento do progresso político, econômico, social e educacional dos habitantes dos territórios tutelados e o seu desenvolvimento progres­sivo para alcançar governo próprio ou independência (art. 76, letra b, da Carta). O sistema de tutela, entretanto, já se encontra superado desde 1960, ano em que as Nações Unidas concluíram a Declaração sobre a Concessão de Independência para os Países e Povos Coloniais.

O Secretariado da ONU é chefiado pelo Secretário-Geral, que é o principal e mais alto funcionário internacional da ONU, indicado para um mandato de cinco anos pela Assembleia Geral, a partir de recomen­dações do Conselho de Segurança (art. 97). O Secretário-Geral exerce funções em todas as reuniões da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econômico e Social e do Conselho de Tutela, e desempenha outras funções que lhe são atribuídas por estes órgãos. Anualmente apresenta relatórios à Assembleia Geral e faz recomen­dações ao Conselho de Segurança em relação a qualquer assunto que

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em sua opinião possa ameaçar a m anutenção da paz e da segurança internacionais (arts. 98 e 99). Outra função do Secretariado, bastante im portante, é a de registro dos tratados internacionais ratificados pelos Estados-membros da Organização (art. 102).

O Conselho Econômico e Social é com posto por 54 m em bros eleitos pela Assem bleia Geral, m ediante dois terços dos Estados presentes e votantes para um período de três anos. Dezoito membros do Conselho são eleitos a cada ano para um período de três anos, po ­dendo, ao term inar esse prazo, ser reeleitos para o período seguinte. Na prim eira eleição, realizada depois de elevado o núm ero de vinte e sete para cinqüenta e quatro m em bros, vinte e sete m em bros adi­cionais foram eleitos, além dos m em bros eleitos para a substituição dos nove mem bros cujo m andato expira no fim daquele ano. Desses vinte e sete m em bros adicionais, nove são eleitos para um m andato que expira ao fim de um ano, e nove outros para um m andato que expira ao fim de dois anos, de acordo com disposições adotadas pela Assembleia Geral. Cada m em bro do Conselho Econômico e Social terá nele um representante (art. 61, §§ 2.0,3 .°e4 .°). O Conselho tem com petência para prom over a cooperação em questões econômicas, sociais e culturais, incluindo os direitos hum anos. Nos term os do art. 62, § 1.°: “O Conselho Econômico e Social fará ou iniciará es­tudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econôm ico, social, cu ltu ra l, educacional, sanitário e conexos, e poderá fazer recom endações a respeito de tais assuntos à Assembleia Geral, aos mem bros das Nações Unidas e às entidades especializadas interessadas”. Pelo § 2.° do mesmo artigo: “Poderá igualm ente fazer recom endações destinadas a prom over o respeito e a observância dos direitos hum anos e das liberdades fundam entais para todos”. O Conselho Econômico e Social poderá, ainda, nos term os do art. 68 da Carta, criar as comissões que forem necessárias ao desem penho de suas funções. Neste sentido é que foi criada a Comissão de Direitos Hum anos da ONU, estabelecida em 1946, integrada por cinqüenta e três membros governamentais eleitos, para um m andato de três anos, pelo Conselho Econômico e Social. A Declaração Universal dos Direi­tos Hum anos, os Pactos, as Convenções e vários outros instrum entos internacionais de proteção dos direitos hum anos adotados pela ONU foram, por exem plo, redigidos pela Comissão de Direitos Hum anos

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das Nações Unidas. Esta Comissão, contudo, foi substituída, em 15 de março de 2006, pelo atual Conselho de Direitos Humanos, aprova­do pela Assembleia Geral da organização por 170 votos a favor, com quatro votos contra (Israel, Ilhas M arshall, Palau e Estados Unidos) e três abstenções (Bielorússia, Irã e Venezuela). O novo Conselho conta agora quarenta e sete m embros, núm ero m enor do que havia na an­tiga Comissão. Frise-se que enquanto a antiga Comissão de Direitos Hum anos era órgão vinculado ao Conselho Econômico e Social (cujo estudo ora nos ocupa), o atual Conselho de Direitos Humanos passa a ser órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU. A criação do Conselho, em substituição ao antigo órgão, decorreu da necessidade de dar m elhor (e concreta) aplicabilidade aos princípios de direitos hum anos universalm ente reconhecidos (universalidade, indivisibi­lidade, interdependência e inter-relacionariedade). As decisões do Conselho Econômico e Social são tomadas pela m aioria de votos dos m em bros presentes à reunião deliberativa.

Além destes órgãos principais das Nações Unidas, também po­dem ser criados outros órgãos subsidiários, quando isso se m ostrar necessário (art. 7.°, § 2.° da Carta das Nações Unidas).

4. O rgan ism os esp ec ia lizad o s d a ONU: as Nações Unidas dispõem também, para a consecução de suas atividades, de organis­mos especializados, em razão da importância que detêm determinadas matérias no contexto das relações internacionais modernas.

Seguindo, com alguma pouca variação, o roteiro do Prof. Luis Ivani de Amorim Araújo, pode-se apresentar os organismos especiali­zados da ONU (com exceção da OMC, que não é agência especializada da ONU, estando aqui inserida apenas por questão didática) como sendo os seguintes:

a) a Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919 (à época da Liga das Nações), que incorporou a Declaração de Filadélfia, de 1944, como anexo à Constituição da OIT, em outubro de 1946;

b) a Organização da Aviação Civil (OACI), criada por convenção firmada em 1944, cujos objetivos principais são os de desenvolver téc­nicas de aeronavegação internacional, a fim de obter maior segurança devoo etc.;

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c) a Organização das Nações U nidas para a A lim entação e a A gricultura (FAO), sediada na cidade de Roma, tendo entrado em vigor em 16.10.1945, cujas metas principais são aum entar o nível de alimentação e a expectativa de vida do planeta, m elhorar o sistema de distribuição de produtos agrícolas, bem como im plem entar melhoria das condições de vida das populações rurais;

ã) a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), nascida em 4.12.1946, sediada em Paris, com o objetivo de fom entar a educação, a ciência e a cultura da sociedade internacional;

e) a Organização Meteorológica M undial (OMM), com sede em Genebra, cuja finalidade é trazer m elhorias no campo meteorológico entre todos os Estados, com o estabelecimento de redes de estações capazes de proporcionar inform ações m etereológicas atualizadas a serem comunicadas a todos;

f ) a Organização M undial de Saúde (OMS), cuja finalidade é a de alcançar o índice mais elevado de saúde para todos os povos do pla­neta, combatendo a mortalidade infantil, fom entando a recuperação de portadores de deficiência etc.;

g) a Organização M arítim a Internacional (OM I), sediada em Londres, que tem por finalidade criar mecanismos adequados entre os Estados de cooperação em matéria marítim a internacional;

h) o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional paraaReconstruçãoeDesenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial). O FMI foi criado por força da Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas, de 1944, já no quadro da preparação do pós-guerra, destinada a promover a cooperação internacional nos campos monetário e comercial, garantindo a estabilidade do câmbio e minimizando o desequilíbrio das balanças internacionais de pagamento, no intuito de evitar as políticas de “empobrecimento do vizinho” surgidas durante a grande depressão de 1929 a 1933 e que, de alguma forma, estiveram na base da evolução econômica e política posterior a esse período. Na mesma ocasião, ju n ­tamente com o FMI, também foi criado o BIRD (ou Banco M undial);

i) a Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1994, tendo iniciado suas atividades em 01.01.1995, em decorrência da alte­

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ração do GATT (General Agreement ofTariffs and Trade), levada a efeito pelo Protocolo de Marrakesh. É sediada em Genebra e tem como obje­tivo a supressão gradual das tarifas alfandegárias que tornam difíceis e discriminem as relações comerciais internacionais. Como já se falou, a OMC não é um a “agência especializada” da ONU, não sendo qualquer das suas atividades coordenada pelas Nações Unidas, como se depreende do seu próprio acordo constitutivo. Mas tal fato não retira da organização a sua enorme importância para a regulação do comércio internacional;

j) a União Postal Universal (UPU), com sede em Berna (Suíça), cuj o objetivo é a unificação das tarifas postais internacionais e fomentar o aperfeiçoamento dos serviços postais em todos os Estados-membros;

I) a União Internacional de Telecomunicações (UIT), sediada em Genebra, que tem como finalidade a melhoria e o uso apropriado dos serviços de telecom unicações, inclusive no que diz respeito às com unicações espaciais (via satélite), que dem andam cooperação internacional dos Estados;

m) a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com sede em Viena, que tem por objetivo im por o controle da energia atômica no planeta, destinando a sua utilização para fins pacíficos;

n) a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (ONUDI), também sediada em Viena, instituída em 1996, com a finalidade de favorecer e estimular a industrialização dos países em desenvolvimento, em consonância com os propósitos da Carta das Nações Unidas;

o) a Organização M undial de Turismo (OMT), com sede em Ma- drid, cujo objetivo é o de desenvolver o turismo, contribuindo para o desenvolvimento econômico, a cooperação internacional, a paz, a prosperidade e o respeito dos direitos hum anos e liberdades funda­m entais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e

p) a Organização M undial da Propriedade Industrial (OMPI), com sede em Genebra, que visa autorizar a propriedade intelectual, concedendo aos Estados que demandem seus serviços a devida pro­teção técnica.

Todos estes organismos especializados da ONU têm por finalidade conjunta a m elhoria das condições de vida em todo o planeta. Eles

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almejam alcançar a paz e a segurança internacionais, de acordo com os propósitos estabelecidos pela Carta das Nações Unidas. Em suma, o que se visa com a instituição de tais organismos internacionais é o progresso da hum anidade, sempre com finalidades pacíficas e contrá­rias a qualquer tipo de agressão e uso da força em geral.

5. O rgan izações regionais: as organizações intergovem am en- tais regionais e semi-regionais compõem um outro grupo im portante de instituições internacionais. Tais instituições, da mesma forma que aquelas de caráter global, também são formadas por tratados constitu­tivos e têm atribuições especificadas pela respectiva carta instituidora. Tratam de problemas específicos das regiões a que pertencem , como política regional, integração cultural e econômica, bem como assuntos militares comuns etc.

Algumas dessas organizações regionais, como veremos, gozam de poder supranacional, como é o caso da Com unidade Européia. Outras apenas têm autoridade para form ular recomendações de cará­ter obrigatório, bem como projetos de tratados. M uitas têm também autoridade para criar norm as de direito internacional, contudo de forma um pouco mais lim itada que as organizações internacionais de caráter global.

Entre as organizações regionais de maior importância estão o Con­selho de Europa (CE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Africana (UA). Destas organizações regionais a mais antiga é a OEA. Sua Carta foi assinada em Bogotá, Colômbia, em 30.04.1948, por ocasião da IX Conferência Interamericana, tendo entrado em vigor no dia 13.12.1951. Posteriorm ente, a Carta da OEA foi reformada pelos Protocolos de Buenos Aires, em 1967, de Cartagena das índias, em 1985, de W ashington, em 1992, e de Manágua, em 1993.

Cada um a dessas organizações acima citadas pode estabelecer regras específicas de admissão de determ inado Estado como m em­bro. O Conselho de Europa, por exemplo, coloca como condição de ingresso estarem os Estados comprometidos com a noção jurídica de Estado de direito e que garantam o gozo dos direitos hum anos (art.3.° do seu Estatuto). Este dispositivo im pediu, por exemplo, que Por­tugal e Espanha ingressassem no Conselho de Europa enquanto não estabelecessem regimes democráticos.

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Quanto à OEA, atualmente está aberta a todos os Estados indepen­dentes do hemisfério. E a UA está aberta a qualquer “Estado africano soberano e independente”, nos termos do art. IV da sua Carta.

Apesar de suas diferenças institucionais, os objetivos das três instituições regionais assinaladas é o de prom over a cooperação regio­nal, em diferentes áreas, entre os Estados que as compõem. Para tanto, foram concluídos inúm eros tratados internacionais sob os auspícios de tais organizações levando-se em conta estes objetivos e finalidades.

Uma das preocupações de tais organizações, também, é a prom o­ção e proteção dos direitos hum anos. Nesse sentido merece destaque, no âmbito da OEA, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também chamada de Pacto de San José da Costa Rica), firmada pelos Estados interam ericanos em 1969.

6. O rganizações supranacionais: o conceito de organização supra­nacional ganhou contornos jurídicos epassou a ter importância prática em 1952, quando entrou em vigência o tratado constitutivo da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), que fez referência expressa a esta terminologia. À Comunidade Européia do Carvão e do Aço se seguiram a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (EURATOM), constituídas no ano de 1958. Estas co­munidades foramposteriormente fundidas nas comunidades europeias, também conhecidas como Mercado ComumEuropeu, não obstante ainda mantivessem suas personalidades jurídicas independentes, tendo em vista que as normas jurídicas dos seus respectivos tratados constitutivos continuam sendo aplicadas a cada uma delas separadamente.

As com unidades europeias são, atualm ente, as únicas organi­zações supranacionais existentes no planeta, e isto é devido ao fato de que elas (e mais nenhum a outra atualmente) estão dotadas de um poder superior ao das autoridades estatais dos seus respectivos Estados- -membros. Portanto, sendo organizações supranacionais, as com uni­dades europeias gozam de m uito mais autoridade governamental e de mais poderes legislativos em relação aos seus Estados-partes do que as organizações internacionais tradicionais.

A característica m arcante das organizações supranacionais é o poder que elas têm de criar seu próprio direito (suas próprias regras

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ju ríd icas) e de aplicá-lo direta e im ediatam ente aos seus Estados- -membros, sem a necessidade de ser implementado internam ente, por meio de espécies normativas conhecidas pelo direito intem o, como um a lei, um decreto, um regulamento etc.

Tais características somadas dão às comunidades europeias uma especial força normativa e um papel de destaque no cenário m undial, na m edida em que se situam como as únicas a deterem o status de organização supranacional atualmente.

7. Leitura com plem entar:

1. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

2. ITUASSU, Oyama César. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

3. SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público.6. ed. rev., atual, eampl. São Paulo: RT, 2012; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das organizações internacionais. 2. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2002; MELLO, Celso D. de Albuquer­que. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e anm. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 01; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ES- PIELL, Héctor; GROSSMAN, Cláudio; MAIER, Harold G. Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; TAVARES, Ricardo Neiva. As organizações não-govemamentais nas Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999.

C a pítu l o X III

S o l u ç õ e s P acíficas

de C o ntro vérsias Intern acion ais

1. In tro d u ç ã o : a sociedade in te rn ac io n al dos E stados, da form a como está organizada jurid icam ente, não escapa a todos os desconfortos e desentendim entos pelos quais norm alm ente passa a vida em grupo. A existência de choques, conflitos, d ispu tas e batalhas no seio da sociedade in ternacional decorre das diferenças e dos interesses hum anos, que são os mais variados possíveis em quaisquer cam pos de interesse. Mas ainda que este fato constatado seja um a verdade inafastável, a sociedade in ternacional está sem pre na busca de m eios ju ríd icos para a solução de suas controvérsias, a fim de poder estam par m ais segurança e tranqüilidade às relações internacionais.

Um dos m otivos m ais im portantes da criação desse sistem a juríd ico de solução de controvérsias reside no fato de não existir no cenário internacional, pelo m enos por enquanto, um a autoridade suprema capaz de d itar regras de conduta e fazer exigir o seu cum ­prim ento por parte dos Estados e das organizações internacionais. D iferentem ente do que ocorre no direito in terno , onde existe um texto constitucional dando vida ao Estado, não existe no direito in ­ternacional um corpo de norm as juríd icas com autoridade máxima em m atéria de conflitos externos. Daí a necessidade que se tem , no direito in ternacional público, de sem pre buscar m eios e soluções a priori pacíficas dos conflitos de interesses que ocorrem diuturna- m ente na cena internacional.

2. C once ito d e controvérsias internacionais: foi prim eira­m ente em 1924, no caso Mavrommatis, e posteriorm ente em 1962, no caso do Sudoeste africano, que a Corte Internacional de Justiça trouxe à baila o conceito de controvérsia internacional (CPJI, 1924, Série A, 2 a 13; e CIJ, 1962, Objeções Preliminares 319, p. 344-346,

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respectivam ente). Segundo o que ali ficou expresso, por controvérsia internacional se entende todo desacordo existente sobre determinado ponto de fato ou de direito, ou seja, toda oposição de interesses ou de teses jurídicas entre dois Estados (ou, eventualm ente, grupos de Estados) ou Organizações Internacionais (vejam-se os problemas en­frentados pela ONU com Israel, quando do atentado contra o Conde Bem adotte em jerusalém ), podendo ter natureza econômica, política, cultural, científica etc. Portanto, um a controvérsia internacional não é somente aquela grave entre Estados ou Organizações Internacionais, como guerras ou demais formas de conflitos armados, mas também assuntos mais simples e de m enor relevância, como eventual dúvida sobre a interpretação de determinada cláusula de um tratado concluído entre as partes etc.

Não obstante as Organizações Internacionais também poderem envolver-se em conflitos internacionais, somente os Estados (e mais nenhum outro ente internacional) podem submeter-se à jurisdição contenciosa da Corte Internacional dejustiça, como veremos. O papel de tais organizações para o instituto da solução pacífica de controvérsias internacionais, contudo, é de extrema im portância, porque é no seio de m uitas delas (como é o caso das Nações Unidas) que são abertos os debates e as negociações entre Estados visando à solução pacífica dos conflitos existentes entre eles.

3. Finalidade da m atéria: a m atéria em pauta tem dupla fina­lidade: 1) solucionar as controvérsias entre Estados e Organizações Internacionais (finalidade impeditiva); e 2) prevenir o recurso ao uso da força no plano internacional (finalidadepreventiva). Esta segunda finalidade tem o seu comando dirigido diretamente aos Estados, que devem sempre, em prim eiro plano, buscar soluções amistosas para as suas divergências e conflitos, antes de se utilizarem da força armada para a solução das controvérsias. Buscar-se-á descrever abaixo os meios diplomáticos (não judiciais), os meios políticos e os meios jurisdicio- nais de solução pacífica das controvérsias que se produzem no cenário internacional contemporâneo.

4. As regras da C arta das N ações Unidas e d a C arta da OEA:a Carta das Nações Unidas dedica o seu Capítulo VI inteiro, deno­

SOLUÇÕES PACÍFICAS DE CONTROVÉRSIAS INTERNACIONAIS 1 4 5

m inado Solução Pacífica de Controvérsias, ao estudo do tema, assim estabelecendo:

“Art. 33.

1. As partes em um a controvérsia, que possa vir a constituir um a ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha.

2 .0 Conselho deSegurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias”.

Na Carta da Organização dos Estados Americanos, de 1948, as regras relativas à solução pacífica de controvérsias internacionais se encontram no seu Capítulo V, devendo-se destacar especialmente as disposições dos arts. 25 e 26, nestes termos:

“Art. 25. São processos pacíficos: a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes”.

“Art. 26. Quando entre dois ou mais Estados americanos surgir uma controvérsia que, na opinião de um deles, não possa ser resolvida pelos meios diplomáticos comuns, as partes deverão convir em qual­quer outro processo pacífico que lhes perm ita chegar a um a solução”.

A classificação das soluções pacíficas de controvérsias interna­cionais que aqui se levará em conta, divide-as em meios diplomáticos (não judiciais), meios semijudiciais e meios judiciais.

5. H ierarquia dos m eios de solução de controvérsias: à ex­ceção do inquérito, que busca apurar a verdade dos fatos ocorridos no território de determ inado Estado e, portanto, é sempre prévio à via posterior de solução de conflitos, os demais meios de solução pacífica de controvérsias figuram dentro de um mesmo plano de igualdade jurídica, não havendo hierarquia entre eles. Isto se constata da veri­ficação do cenário internacional contemporâneo, que aponta sempre para um a pluralidade dos meios de solução de conflitos internacionais, facultando às partes envolvidas na disputa a escolha de caminhos al­ternativos e concom itantes para a resolução de seus problemas, tudo

1 4 6 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

dependendo da natureza do litígio e da preferência dos envolvidos por um ou por outro meio pacífico de solução de controvérsias.

Quando prejudicada um a via de solução de conflitos, as partes têm a faculdade de escolher outra, sem que isso im porte em violação de um roteiro predeterm inado.

É im portante lem brar que a C onstituição brasileira de 1988 estabelece, no art. 4.°, inc. VII, que um dos princípios pelos quais o Brasil se rege nas suas relações internacionais é o da solução pacífica dos conflitos.

6. M eios d ip lom áticos (não judiciais): os processos diplomá­ticos (não judiciais) de solução de controvérsias caracterizam-se pela existência de um foro de diálogo entre as partes divergentes, exercitado por meio de conversações amistosas, buscando encontrar um deno­m inador comum para a satisfação dos interesses de ambas as partes envolvidas num conflito internacional.

Os meios diplomáticos e os meios políticos (estes querendo deno­m inar os meios de solução de controvérsias existentes no âmbito das organizações internacionais) têm em comum o fato de carecerem da imposição proveniente do império do direito. A função dos conciliado­res e mediadores é diam etralm ente oposta à dos juizes e dos árbitros, porquanto neste últim o caso existe a obrigação legal de dar solução para o caso concreto, obrigação esta inexistente nos demais meios (não judiciais) de solução pacífica de controvérsias internacionais. Ainda que com sacrifício de regras legais, os conciliadores e mediadores terão cumprido seu papel se conseguirem chegar a um bom termo nas nego­ciações de resolução do conflito para o qual foram chamados a atuar.

A negociação é o prim eiro meio diplomático de resolução pacífica de controvérsias internacionais. Consiste no entendimento direto a que chegam os Estados, por meio de comunicação diplomática, podendo ser manifestada oralmente (que é a maneira mais comum) ou por escrito (por meio de troca de notas diplom áticas). As partes fazem concessões m útuas (transigem) a fim de chegar a uma solução satisfatória entre elas, no que tange à resolução do conflito envolvendo a ambas.

Este meio de solução pacífica de controvérsias internacionais poderá assumir a forma de negociações bilaterais (entre dois sujeitos de

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direito internacional público) ou de negociações multilaterais (entre três ou mais sujeitos de direito internacional público), ocorrendo norm al­m ente durante as sessões de conferências ou congressos internacionais ou, ainda, no decorrer de um a reunião ordinária ou extraordinária de determ inada organização internacional intergovemamental.

As negociações têm como característica fundam ental o fato de estarem revestidas de grande informalidade, podendo se dar a qualquer tempo dentro do período de conflito.

Os bons ofícios, apesar de não mencionados pela Carta das Na­ções Unidas, são tam bém meios diplomáticos de solução pacífica de controvérsias internacionais. Por eles, determ inado terceiro, sponte sua, oferece sua colaboração com vistas a resolver determ inada con­trovérsia internacional entre dois Estados ou Organizações Interna­cionais. Este terceiro, que pode ser um Estado ou mesmo um alto funcionário de determ inada Organização Internacional, como por exemplo o Secretário Geral da ONU, se limita a aproxim ar as partes e proporcioná-las um campo neutro de negociação internacional, sem se introm eter nas discussões entre ambas. A iniciativa de prestar os bons ofícios é, em geral, determ inada pelo próprio terceiro, alheio à controvérsia e sem demais interesses no patrocínio de benefícios ou vantagens a qualquer das partes.

Tem-se também como meio diplomático de solução pacífica de controvérsias internacionais o chamado sistema de consultas. Por ele, os Estados ou Organizações Internacionais consultam-se m utuamente sobre os pontos de controvérsia dos seus interesses, o fazendo ao longo do tem po, preparando terreno para um a futura negociação, onde essas mesmas partes colocarão à mesa os pontos que j á vinham considerando controversos entre elas para, ao final, chegar a um a solução amistosa de suas pendências. Em outras palavras, as consultas - quase sempre expressas em tratados - servem de base para uma negociação posterior sobre determinado ponto de direito, envolvendo as partes em litígio.

A mediação e a conciliação são, ainda, outras duas formas diplo­máticas de solução pacífica de controvérsias internacionais. A prim ei­ra consiste, assim como nos bons ofícios, na ajuda de um terceiro. A diferença é que, aqui, o terceiro (mediador) não apenas aproxima as partes para que resolvam suas controvérsias, mas efetivamente toma

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conhecimento do problema e propõe um a solução pacífica a ambas. Na mediação, ao invés de somente colocar os adversários frente a frente para tratarem diretamente de seus problemas comuns, o terceiro Estado se tom a parte ativa das negociações e se coloca à frente do problema a fim de, jun to aos demais, tentar resolver o conflito da m elhor forma possível para as partes envolvidas no litígio. O m ediador de um con­flito internacional há de ter sempre credibilidade por parte de ambas as partes envolvidas na controvérsia, não havendo que se falar em mediação quando existe um a negativa de aceitação do m ediador por parte de um dos Estados. O fim da mediação se dá quando as partes chegam a um bom termo no acordo ou quando as mesmas recusam as sugestões e os conselhos do mediador.

A conciliação, por sua vez, caracteriza-se em não ter apenas um conciliador, como ocorre na mediação, mas um a comissão de concilia­dores, composta por representantes dos Estados envolvidos no litígio e também por pessoas neutras ao conflito. Este grupo de pessoas (cujo núm ero deve ser obrigatoriam ente ím par), emite ao final um parecer ou relatório propondo a solução do conflito pelos termos que decidi­ram por m aioria de votos. O relatório dos conciliadores, entretanto, não tem força vinculante para as partes, e só será observado quando ambas assim desejarem.

Por fim, tem-se como últim a forma de solução diplomática de controvérsias internacionais o inquérito (também chamado de inves­tigação ou factfindings), m uito comum no interior de Organizações Internacionais, por meio do qual forma-se um a comissão de pessoas que têm por encargo apurar os fatos (ainda ilíquidos) ocorridos entre as partes, preparando-as para o ingresso num dos meios de solução pacífi­ca de controvérsias internacionais, implicando o dever dos Estados em suportar a presença de pessoas ou comissões em seus territórios, bem como o dever de fomecer-lhes os dados necessários ao bom termo das investigações. O inquérito, portanto, só terá lugar quando uma situação de fato reclamar investigação, como, por exemplo, a averiguação do regime geral de proteção dos direitos hum anos, os controles relativos a desarmamento e a armas nucleares e de destruição em massa etc.

7. M eios políticos: dentro dos meios políticos de solução pací­fica de controvérsias internacionais, destaca-se o papel exercido tanto

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pela Assembleia Geral como pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Diferentemente da mediação, os meios políticos de solução de conflitos, dentro do seio da ONU, podem se dar sem o conhecimento de uma das partes envolvidas na controvérsia, quando a outra recorre à Assembleia Geral ou ao Conselho de Segurança da ONU, buscando a via satisfativa do seu direito que entende foi violado. Mas não é toda controvérsia que poderá chegar à análise da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança da ONU. Tais controvérsias devem ser graves e de difícil resolução.

Em casos de conflitos graves e de difícil solução entre Estados, a ONU poderá, além da emissão de recomendações e resoluções (preven­do, por exemplo, um cessar-fogo), utilizar-se da força armada m ilitar que os seus membros disponibilizam a seu favor. Os meios políticos de solução de controvérsias utilizados pelas Nações Unidas têm sido criticados quando o Estado faltoso (aquele que viola o direito interna­cional) faz parte do corpo perm anente do Conselho de Segurança da ONU, como foi o caso dos Estados Unidos da América, que não sofreu qualquer sanção pela invasão arbitrária do Iraque.

Muitos Estados se utilizam da disposição do art. 2.°, § 7.°, da Carta das Nações Unidas, que prevê o impedim ento de intromissão da ONU em assuntos “que dependam essencialmente da jurisdição intem a de qualquer Estado”, para tentar im pedir as tentativas das Nações Unidas de restabelecer a paz e a segurança da região em conflito, ainda mais quando se entende que o descum prim ento de uma recomendação ou de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU não configura um ato ilícito internacional (este somente se faria presente em caso de descum prim ento de uma sentença judicial ou de um laudo arbitrai).

8. M eios sem ijudiciais: para abordar corretamente este tópico é necessário diferenciar a arbitragem e os meios judiciais de solução de controvérsias das outras técnicas de resolução de conflitos estudadas nos itens anteriores. A arbitragem e os meios judiciais de resolução de controvérsias se diferenciam das demais técnicas de solução de litígios internacionais pelo fato de serem, ambos, obrigatórios para as partes em litígio. Os laudos arbitrais têm o mesmo efeito cogente de uma sentença de tribunal internacional. A única diferença é que o tribunal arbitrai, ao contrário de um tribunal judicial internacional,

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não tem jurisdição perm anente. Os tribunais judiciais internacionais têm sua composição fixa e previam ente estabelecida para a resolução de conflitos internacionais, o que não ocorre com a arbitragem, cuja formação do tribunal é específica para determinado caso concreto.

Desde a instituição de suas prim eiras regras, introduzidas cer­tamente pelos romanos e posteriorm ente pelo Papado, a arbitragem vem se desenvolvendo em ritm o crescente no plano internacional, ganhando atualm ente novos contornos e um m aior dinamismo. Mo­dernam ente, a arbitragem é utilizada pela generalidade dos Estados e organizações internacionais como um meio ágil e seguro de solução de controvérsias internacionais, constando de inúm eros tratados e documentos da atualidade.

Em linhas gerais, a arbitragem consiste na criação de um tribunal formado por árbitros de vários Estados, escolhidos pelos litigantes, por sua notória especialidade na m atéria envolvida. Normalmente o tribunal arbitrai é composto por três membros: dois deles de nacionali­dade de cada um a das partes envolvidas na controvérsia, e um terceiro escolhido de comum acordo pelas partes, de nacionalidade diferente.

Tem a arbitragem um caráter de solução ad hoc, com poderes predeterm inados, estabelecidos pelos litigantes a um ju lgador ou a um colegiado, com a função de dirim ir os litígios internacionais surgidos entre elas. As atribuições e os poderes dos árbitros devem constar expressamente do compromisso que as partes elegeram para nortear as suas atividades. Em caso de obscuridade os árbitros têm a faculdade de interpretar o texto, não sendo correto afirmar-se que são eles simples m andatários das partes e como tal devem se lim itar ao cum prim ento das ordens por elas estabelecidas. O que não podem os árbitros fazer é extrapolar o âmbito de suas respectivas competências a fim de interpretar o texto extensivamente, em prejuízo de quaisquer das partes bem como do direito em vigor no momento.

O fiel cum prim ento daquilo que ficou expresso no laudo arbitrai dependerá da boa-fé das partes envolvidas, sob pena de incorrerem num ilícito internacional, podendo o Estado ser responsabilizado pelos prejuízos que fez sofrer o outro de boa-fé.

Contra o laudo arbitrai não cabem recursos, porquanto é definitivo (apesar de não executório) e obrigatório para as partes. Os árbitros, uma

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vez realizado o julgam ento arbitrai, se desligam de sua função ad hoc, desincumbindo-se de outras responsabilidades, deixando às partes o encargo de cum prirem fielmente aquilo que ficou expresso no laudo.

A cláusula arbitrai poderá vir expressa em um tratado interna­cional, b i ou m ultilateral, com a finalidade de dirim ir as dúvidas e os litígios porventura existentes em relação à interpretação desse tratado. Poderá também vir expressa em tratados cuja única função é a de es­tabelecer .mecanismos rápidos de solução de controvérsias, de variada índole, que possam surgir entre as partes. Tem-se como exemplo, entre tantos outros, o Protocolo para a Solução de Controvérsias do Merco- sul (“Protocolo de Brasília”), ratificado pelo Brasil em 28.12.1992, e promulgado pelo Dec. 922 (DOU 13.09.1993). O art. 7.°, § 1.°, desse Protocolo, v.g., dispõe: “Quando não se puder solucionar a controvérsia m ediante a aplicação dos procedim entos referidos nos Capítulos II e III, qualquer dos Estados-partes na controvérsia poderá com unicar à Secretaria Administrativa sua intenção de recorrer ao procedimento arbitrai que se estabelece no presente Protocolo” (veja-se, a propósito, Valerio de Oliveira Mazzuoli, O VIII laudo do Tribunal Arbitrai ad hoc do M ercosul e seus fundam entos, Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, ano 10, n. 41, p. 55-68, out.-dez. 2002).

O Brasil aprovou, por meio do Dec. Leg. 712, de 14.10.2003, o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no Mercosul, que substitu i integralm ente o “Protocolo de Brasília”, adotado em 17.12.1991, e o Regulamento do Protocolo de Brasília, aprovado pela Decisão CMC 17/98.0 “ProtocolodeOlivos”,ratificadoem02.12.2003 e promulgado pelo Decreto 4.982, de 09.02.2004, disciplina, em seu art. 9 .°, o início da etapa arbitrai, nestes termos: “1. Quando não tiver sido possível solucionar a controvérsia m ediante a aplicação dos pro­cedimentos referidos nos Capítulos IV e V qualquer dos Estados-partes na controvérsia poderá com unicar à Secretaria A dm inistrativa do Mercosul sua decisão de recorrer ao procedimento arbitrai estabeleci­do no presente Capítulo. 2. A Secretaria Administrativa do Mercosul notificará, de im ediato, a comunicação ao outro ou aos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao Grupo Mercado Comum. 3. A Secretaria Administrativa do Mercosul se encarregará das gestões administrativas que lhe sejam requeridas para a tramitação dos procedim entos”.

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A cláusula arbitrai poderá também vir expressa em acordos bila­terais celebrados pelas partes com a finalidade de dirim ir os conflitos que elas mesmas não conseguiram solucionar por outros meios.

Os Estados, contudo, não estão obrigados a se subm eter à arbi­tragem, a menos que para isso tenham consentido, antes ou depois do conflito surgido entre eles. O descum prim ento pelas partes do compromisso arbitrai constitui ato atentatório ao direito internacional. Mas atenta também à moral internacional do Estado, que, em caso de descum prim ento, fica em total descrédito perante a cena internacional (nas relações com os seus pares, com as organizações internacionais etc.). Daí por que, na prática, a esmagadora maioria dos laudos arbitrais tem sido integralm ente cumprida.

9. M eios judiciais: à medida que a sociedade internacional se desenvolve, tom a-se cada vez mais prem ente a criação de instâncias judiciais internacionais com competência para dirim ir os conflitos de interesses porventura existentes entre os Estados.

O velho e arraigado conceito de soberania ainda é um grande óbice à efetivação da justiça internacional perm anente, não somente porque esbarra na vontade de atuação internacional dos Estados (sem a qual as cortes internacionais não poderão atingi-lo), mas também porque m uitas vezes se presta a encobrir injustiças cometidas por esses mesmos Estados. Mas não obstante este fato concreto ainda presente no âmbito internacional, já se percebe que é crescente o núm ero de países que vêm compreendendo o im portante papel dos meios judiciais de solução de controvérsias internacionais, principalm ente nas suas funções hum anizadora e apaziguadora de litígios.

Os meios judiciais de solução de controvérsias internacionais são integrados pelos chamados tribunais internacionais de caráter e ju ris ­dição perm anentes. Dos vários tribunais internacionais perm anentes existentes na atualidade, merece destaque a Corte Internacional de Justiça, com sede na Haia, na Holanda.

A Corte da Haia instalou-se em 1920 (data da edição de seu Es­tatuto, ao tempo da Liga das Nações), com o nom e original de Corte Perm anente dejustiça Internacional (CPJI), com posta por quinze ju ­izes (onze efetivos e quatro como suplentes). Finda a Segunda Guerra

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M undial (com a criação da agora Organização das Nações Unidas) a Corte da Haia renasce, na mesma sede anterior, mas agora com um novo nome: Corte Internacional de Justiça. O Estatuto da Corte, redigido em 1920, também volta à tona, com modificações de conteúdo, mas m antendo a mesma num eração dos artigos.

A Corte Internacional de Justiça é, certamente, o tribunal inter­nacional mais im portante e com maior relevo na atualidade, não só por conta de sua longa e respeitada história (levando-se em conta que em pouco mais de uma década alcançará um século de existência), mas também pelo fato de sua jurisdição ser amplíssima: qualquer Estado que tenha aceito asua com petênciajurisdicionalpodepotencialm ente a ela recorrer para vindicar um a solução para um direito violado, em relação a quaisquer matérias tratadas pelo direito internacional público.

O seu acórdão é definitivo e obrigatório para os Estados-partes (valendo aqui também a regra pacta sunt servanda), não impedindo, entretanto, que as partes ingressem com um “pedido de interpretação” (correspondente aos nossos embargos declaratórios), requerendo a acla- ração de algum ponto ambíguo, omisso ou contraditório do acórdão.

Existem também os tribunais regionais especializados, a exemplo da Corte Européia de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Hum anos (Corte de San José da Costa Rica).

De acordo com as regras do direito internacional público, entre­tanto , não se pode exigir que os Estados submetam suas controvérsias à jurisdição de uma corte internacional se a isto não tiverem eles consen­tido . Portanto, um tribunal internacional não poderá decidir acerca de uma controvérsia internacional da qual faz parte determinado Estado que não aceitou a sua competência em relação a ele.

Uma vez aceita a competência do tribunal, o Estado está obri­gado em relação ao fiel cum prim ento daquilo que foi estabelecido na sentença, devendo cumpri-la de boa-fé, sob pena de responsabilidade internacional.

Não sepode deixar de fazer referência, quando se trata de tribunais internacionais, à recente instituição do Tribunal Penal Internacional, pelo Estatuto de Roma de 1998. Este tribunal, que entrou em vigor in ­ternacional em 01.07.2002, foi ratificado pelo Brasil e já iniciou o seu funcionamento em Haia (Holanda). O Estatuto de Roma é composto por

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um total de 128 artigos com um preâmbulo e treze partes (capítulos), quais sejam: I - criação do Tribunal; II - competência, admissibilidade e direito aplicável; III—princípios gerais de direito penal; IV- composição e administração do Tribunal; V -inquérito e procedimento criminal; VI - o julgamento; VII - as penas; VIII—recurso e revisão; IX - cooperação internacional e auxílio judiciário; X—execução da pena; XI-Assembleia dos Estados-partes; XII — financiamento; e XIII - cláusulas finais.

A com petência do TPI é subsidiária em relação às jurisdições nacionais. Desde o preâmbulo do Estatuto já fica estabelecido que o tribunal é complementar das jurisdições penais nacionais (princípio da com plem entaridade) e exerce com petência sobre os indivíduos, no que diz respeito àqueles crimes de extrema gravidade que afetam a sociedade internacional como um todo. Pelo princípio da comple­mentaridade, o TPI não pode interferir indevidamente nos sistemas judiciais nacionais, que continuam tendo a responsabilidade prim ária de investigar e processar os crimes cometidos pelos seus nacionais, salvo nos casos em que os Estados se m ostrem incapazes ou não de­monstrem efetiva vontade de punir os seus criminosos. Isto não ocorre com os tribunais internacionais ad hoc, que são concorrentes e têm primazia sobre os tribunais nacionais.

Os crimes referidos pelo preâmbulo do Estatuto de Roma são im prescritíveis e podem ser catalogados em quatro categorias: cri­m e de genocídio, crim es contra a hum anidade, crimes de guerra e crime de agressão. A com petência do tribunal é relativa aos crimes com etidos após a sua institu ição , ou seja, depois de 01.07.2002, data em que o seu Estatuto entrou em vigor internacional (art. 11, §1.°). Mesmo assim , nos term os do art. 11, § 2.p do Estatuto de Roma, caso um Estado se torne parte do Estatuto depois da sua entrada em vigor, o Tribunal som ente poderá exercer sua com petência para o processo e julgam ento dos crimes com etidos depois da entrada em vigor do Estatuto nesse Estado, a m enos que este tenha feito um a declaração específica em sentido contrário , nos term os do § 3.° do art. 12 do m esm o Estatuto.

As decisões do tribunal devem ser im ediatam ente respeitadas pelos seus Estados-partes. Veja-se o Capítulo X deste livro sobre o problema da execução in tem a das sentenças proferidas por tribunais

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internacionais e também o relacionado à aparente necessidade de ho­mologação de tais sentenças pelo STJ (em razão da EC 45/2004), para efeito de aplicabilidade e eficácia no ordenamento intem o brasileiro.

10. M eios coercitivos: os chamados meios coercitivos de solução de controvérsias têm lugar quando os atores da sociedade internacional não conseguem chegar a um a solução por meio do diálogo, ou ainda quando não estão dispostos a resolver o conflito pela via judicial. Para tanto, antes de um ataque m ilitar armado ou outra medida violenta congênere contra o seu adversário, os Estados muitas vezes se utilizam de certos meios de coerção internacional para fazer valer a sua vontade, em detrim ento da vontade do outro Estado.

Apesar do elemento coercitivo que caracteriza tais formas de so­lução de controvérsias, ainda assim eles têm sido considerados pela doutrina como meios de solução pacíficos, porque visam, em últim a análise, a perpetuação da paz. Ainda que tais meios não tenham na­tureza propriam ente pacífica, porque m otivados pelo uso da força coercitiva, eles representam, entretanto, uma última opção estatal antes de qualquer ataque armado ou antes do emprego de alguma forma de m aior agressividade.

Os meios coercitivos de solução de controvérsias são, m oderna­mente, incompatíveis com as regras do direito internacional público, principalm ente se empregados em desacordo ou em desatendimento à vontade da organização internacional competente para determiná-lo.

Os meios coercitivos mais comuns utilizados pelos Estados para a satisfação de seus interesses são: a) a retorsão; b) as represálias; c) o embargo; d) a boicotagem; e) o bloqueio pacífico; e f) o rompimento das relações diplomáticas.

A retorsão é o meio pelo qual um Estado retribui a outro, com a mesma ênfase, os atos por este praticados em seu detrim ento e que lhe acarretaram prejuízos. Ela serve de resposta imediata ao Estado que, segundo o entendim ento do ofendido, trouxe prejuízos ao uso de um direito seu, por meio de um ato de leviandade.

As represálias, por sua vez, representam o contra-ataque de um Estado em relação a outro, em virtude de eventual injustiça que este últim o tenha cometido contra aquele ou contra os seus cidadãos. Di­

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ferem da retorsão na m edida em que, nesta, o ato estatal está voltado contra o uso de um direito de outro, ao passo que nas represálias é o próprio direito do Estado (ou deseus cidadãos) quejá foi ou está sendo violado. Por meio das represálias um Estado responde ao ato do outro com um a ilicitude de igual teor; daí ser bastante com um a afirmação de tratar-se da aplicação da Lei de Talião (olho por olho, dente por den­te)-no direito internacional. Nas represálias sempre se fará presente o elemento violência, ainda que esta seja m oral (posto não se admitirem quaisquer represálias arm adas). Mas frise-se que elas sómente ocorrem de Estado para Estado e nãò podem atingir os indivíduos diretamente (ainda que estes tenham sido o pivô principal do conflito).

Além das represálias propriam ente ditas, existem tam bém as figuras do embargoe da boicotagem, que são duas modalidades suas.

O chamado embargo, que foi largamente empregado nos períodos relativos às duas grandes guerras m undiais, consiste na prática por meio da qual um Estado, em tempo de paz, seqüestra navios e cargas de nacionais de país estrangeiro, ancorados em portos seus ou em trânsito nas suas águas territoriais. Trata-se de prática frontalm ente contrária aos princípios e regras do m oderno direito internacional, que deve ser abolida do contexto das relações internacionais contem­porâneas. A boicotagem ou boicote (da palavra inglesa boycott), por sua vez, consiste na interrupção das relações comerciais com um Estado considerado ofensor dos interesses ou dos nacionais de outro Estado, a fim de obrigá-lo a modificar sua atitude anteriorm ente adotada, tida como agressiva ou injusta.

A boicotagem pode ser privada ou estatal. No prim eiro caso, a interrupção das relações comerciais se dá entre nacionais de um Estado em relação a nacionais de outro, ou ainda em relação a esse próprio Estado. No segundo caso, a m edida conta com o apoio do próprio go­verno do Estado, caso em que poderá acarretar a sua responsabilidade internacional, se exercida em prejuízo de terceiros.

O bloqueio pacífico (também conhecido por bloqueio comercial) ocorre quando um Estado, sem declarar guerra ao outro (mas por meio de força àrmada) im pede que este últim o m antenha relações comer­ciais com terceiros Estados, fazendo com que se interrom pam todas as comunicações comerciais dos demais países com o Estado bloque­

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ado. Tem-se como exemplo desta modalidade coercitiva de solução de controvérsias a prática de um Estado em im pedir que navios ou embarcações de outros países trafeguem pelos portos ou pelas costas de um país (em relação ao qual não se declarou guerra), como forma de obrigar este últim o a proceder de determinada maneira, favorável ao Estado autor do bloqueio. É bastante conhecido da sociedade in ­ternacional o bloqueio que os Estados Unidos da América declararam a Cuba, em decorrência de atos do governo cubano contrários aos interesses dos Estados Unidos.

Mas se todos esses meios coercitivos estudados acima não sur­tirem efeitos, ainda resta ao Estado ofendido uma últim a alternativa antes da declaração de guerra ao ofensor: o rompimento das relações diplomáticas. Por meio dela, o Estado ofendido corta definitivamente as relações de diplomacia com o Estado ofensor. A partir desse m o­m ento, os passaportes dos representantes diplom áticos instalados no país são devolvidos e a ordem de retirada do pessoal da missão é im ediatam ente executada. Contudo, as relações diplomáticas de um país em relação a outro podem ser posteriorm ente reatadas, caso as duas partes entabulem novas negociações nesse sentido, evitando-se um desconforto intérnacional m aior e, principalm ente, um a guerra declarada entre ambos.

Não obstante a existência dos meios coercitivos no direito in- . tem acional como formas de solução de controvérsias entre Estados, modernamente o que se presencia é a existência de um processo coletivo de sanções internacionais, levado a efeito pela Organização das Nações Unidas, em especial pelo seu Conselho de Segurança.

A m atéria vem disciplinada nos arts. 41 e 42 da Carta da ONU de 1945. Nos termos do prim eiro dispositivo o Conselho de Segurança “decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças ar­madas, deverão ser tomadas para tom ar efetivas suas decisões e poderá convidar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas”, que poderão “incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aére­os, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie, e o rom pim ento das relações diplomáticas”. A Carta, ainda, no seu art. 42, estabelece que, “no caso de o Conselho de Segurança considerar

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que as medidas previstas no art. 41 seriam ou dem onstraram que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que ju lgar necessária para m anter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”, podendo tal ação “compreender dem onstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos membros das Nações Unidas”.

Como se percebe, as Nações Unidas institu íram um processo coletivo de sanções internacionais visando estabelecer o isolamento completo do Estado agressor a fim de m anter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.

11. Leitura com plem entar:

1. ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

2. ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

3. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. TríbunalPenallntemacionaleo direito brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Premier Máxima, 2008.

4. REZEK, José Francisco. Direito intemacionalpúblico: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

5. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito intemacionalpúblico. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1-

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito intemacionalpúblico. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito intemacionalpúblico. 2. ed. Rio dejaneiro: MRE, 1957. v. III; MELLO, CelsoD. deAlbuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Cláudio e MAIER, Harold G. Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; CHOUKR, Fauzi Hassan & AMBOS, Kai (orgs.). Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O VIII laudo do Tribunal Arbitrai adhocào Mercosul e seus fundamentos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 10, n. 41, São Paulo, out.-dez. 2002, p. 55-68.

C a p ít u l o X IV

D ireitos d o s In d iv íd u o s

n o P l a n o In ternacional

1. G eneralidades: grande parte das normas internacionais con­temporâneas diz respeito à proteção e promoção dos direitos da pessoa hum ana. São inúm eros os tratados de proteção dos direitos hum anos que conhecemos atualmente. Todos eles têm um a característica funda­mental: a proteção dos direitos da pessoa hum ana independentem ente de qualquer condição. Basta a condição de ser pessoa humana para que todos possam vindicar seus direitos violados, tanto no plano interno como no contexto internacional.

Por direitos humanos se entendem aqueles direitos inerentes a todo e qualquer ser humano (sem distinção de cor, raça, sexo, religião, condição social etc.), que visam estabelecer um patamar mínimo ético de proteção da dignidade humana. São direitos que ultrapassam as fronteiras territo­riais dos Estados no intuito de assegurar a todo e qualquer cidadão todos os meios necessários para a salvaguarda da vida humana e seus demais desdobramentos, permitindo a toda pessoa que o desenvolvimento de suas qualidades pessoais e o resguardo de sua integridade física e mental não sejam frustrados pelo Estado ou seus agentes e, mais modernamente, inclusive por determinadas relações jurídicas de direito privado.

As origens históricas da proteção dos direitos hum anos são varia­das, passando do cristianismo e do jusnaturalism o (que deram início à fundamentação dos chamados direitos civis e políticos ou liberdades públicas) para as lutas sociais empreendidas a partir do século XIX, com o aparecimento da era industrial e o nascimento do proletaria­do, quando então se buscou proteção mais efetiva para os chamados direitos sociais, que consubstanciam os direitos econômicos, sociais (propriam ente ditos) e culturais.

Os direitos humanos contemporâneos têm por principal funda­mento o valor-fonte do direito que se atribui a cada pessoa humana pelo

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simples fato de sua existência. Tais direitos retiramseu suporte de validade da dignidade da qual toda e qualquer pessoa é portadora, em consonância com o que estabelece o art. 1.° da Declaração Universal dos Direitos Hu­manos de 1948. Nos termos desta disposição: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

À luz da Declaração Universal de 1948, pode-se dizer que os direitos hum anos contem porâneos derivam de três princípios basi­lares, bem como de suas combinações e influências recíprocas, quais sejam: 1) o da inviolabilidade âapessoa, cujo significado traduz a ideia de que não se podem im por sacrifícios a um indivíduo em razão de que tais sacrifícios resultarão em benefícios a outras pessoas; 2) o da autonomia dapessoa, pelo qual toda pessoa é livre para a realização de qualquer conduta, desde que seus atos não prejudiquem terceiros; e 3) o da dignidade da pessoa, verdadeiro núcleo essencial de todos os demais direitos fundam entais do cidadão, por meio do qual todas as pessoas devem ser tratadas e julgadas de acordo com os seus atos e não em relação a outras propriedades suas não alcançáveis por eles.

Todos os direitos hum anos - assim como todos os direitos fun­dam entais consagrados na Constituição — são materialmente constitu­cionais, integrando o que se chama de “bloco de constitucionalidade” ou “núcleo m aterial m ínim o”. Depois do advento da Emenda Consti­tucional n. 45/2004, os tratados internacionais de direitos hum anos (e som ente estes) poderão ser aindaformalmente constitucionais. Aforma de norm as constitucionais (estabelecida pelo § 3.° do art. 5.° da Cons­tituição) não lhes retira, contudo, o caráter de norm as m aterialmente constitucionais que tais instrum entos já têm pelo só fato de versarem sobre direitos das pessoas.

Vamos agora estudar este novo ramo do direito público chamado direito internacional dos direitos humanos, nascido finda a Segunda Guerra M undial com o propósito de proteger os direitos de qualquer cidadão, independentem ente de sua raça, sexo, cor, língua e religião.

2. A q u estão das "gerações de d ireitos": costuma-se dividir os direitos hum anos fundam entais em três gerações ou categorias: os da prim eira geração (direitos de liberdade), os da segunda geração (di­

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reitos de igualdade) e os da terceira geração (direitos d & fraternidade) , seguindo-se a conhecida tríade da Revolução Francesa.

Os direitos da prim eira geração, como explica Paulo Bonavides, “são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrum en­to normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalism o do Ocidente. ( ...) Os direitos da prim eira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característi­co; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. ( ...) Os direitos da segunda geração merecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, in ­troduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo eqüivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula. ( ...) De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrum entos processuais de proteção aos direitos da liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclu­sive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. ( ...) Com efeito, até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liber­dade eram de aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade m ediata,porvia do legislador. ( ...) A consciência de um m undo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvimento deu lugar em seguida a que se buscasse um a outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de uma latitude de sentido que não parece compreender unicam ente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. ( ...) Dotados de altíssimo teor de humanismo

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e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especifi­camente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm prim eiro por destinatário o gênero hum ano mesmo, num mom ento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de um a evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrim ônio comum da hum anidade”.

Por fim, Paulo Bonavides vai mais além, e fala ainda num a quarta geração de direitos, com o que se constituem os direitos fundamentais de quarta geração. Diz ele: “O Brasil está sendo impelido para a utopia deste fim de século: a globalização do neoliberalismo, extraída da glo­balização econômica. O neoliberalismo cria, porém, mais problemas do que os que intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa maneira, rum o à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao mesmo passo, doutrinando um a falsa despolitização da sociedade. ( ...) Há, contudo, outra globa­lização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundamentais. ( ...) Globalizar direitos fundam entais eqüivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere hum anização e legitimidade um conceito que, doutro m odo, qual vem acontecendo de últim o, poderá aparelhar unicam ente a servidão do porvir. ( ...) São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito do pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do fu­turo, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o m undo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. ( ...) Os direitos da quarta geração não som ente culm inam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem — sem, todavia, removê-la — a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da prim eira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentos em sua dimensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia norm ativa a todos os direitos da sociedade e do ordenamento

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jurídico. ( ...) Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política” (Curso de direito constitucional, 10. ed., São Paulo: Malheiros, 2000).

3. Críticas ao sistem a geracional de direitos: esta classificação tradicional, entretanto, tem sido objeto de inúm eras críticas, as quais apontam para a não-correspondência entre tais “gerações de direito” e o processo histórico de efetivação e solidificação dos direitos hum a­nos. De outra banda, verifica-se que a ideia geracional de direitos tem acarretado confusões conceituais no que tange às suas características distintivas dos direitos hum anos.

Objeta-se que, se as gerações de direitos induzem à ideia de su­cessão—poT meio da qual um a categoria de direitos sucede à outra que se finda —, a realidade histórica aponta, em sentido contrário, para a concomitância do surgimento de vários textos jurídicos concernentes a direitos hum anos de uma ou outra natureza. No plano interno, por exemplo, a consagração nas Constituições dos direitos sociais foi, em geral, posterior ao dos direitos civis e políticos, ao passo que no plano internacional o surgim ento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenções regulam entando os direitos sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos no plano externo.

O processo de desenvolvimento dos direitos hum anos, assim, opera-se em constante cumulação, sucedendo-se no tempo vários di­reitos que m utuam ente se substituem, consoante a concepção contem­porânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e interdependência.

Nas palavras de Carlos Weis, “o que parece ser uma questão m e­ram ente vocabular acaba por dem onstrar a perigosa impropriedade da locução, ao conflitar com as características fundamentais dos direitos hum anos contemporâneos, especialmente sua indivisibilidade e inter­dependência, que se contrapõe à visão fragmentária e hierarquizada das diversas categorias de direitos hum anos. A concepção contem po­rânea dos direitos hum anos conjuga liberdade e a igualdade, do que decorre que esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisível. Em decorrência, não há como entender

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que um a geração sucede a outra, pois há verdadeira interação e mes­mo fusão dos direitos hum anos já consagrados com os trazidos mais recentem ente” (Direitos humanos contemporâneos, cit., p. 43).

Afasta-se, pois, a visão fragmentária e hierarquizada das diver­sas categorias de direitos hum anos, para se buscar uma “concepção contem porânea” desses mesmos direitos, a qual foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993. Como destaca Carlos Weis, insistir na ideia geracional de direitos, “além de consolidar a imprecisão da expressão em face da noção contemporânea dos direitos humanos, pode se prestar a justificar políticas públicas que não reconhecem indivisibilidade da dignidade hum ana e, portanto, dos direitos fundamentais, geralmente em detrimento da implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais ou do respeito aos direitos civis e políticos previstos nos trata­dos internacionais já antes citados” (Direitos humanos contemporâneos, cit., p. 43-44).

4. G ênese do direito in ternacional dos direitos hum anos:desde a Segunda Guerra M undial, em decorrência dos horrores co­m etidos durante este período, os direitos hum anos constituem um dos temas principais do direito internacional contemporâneo. A isto se acrescenta, no atual contexto em que nos encontram os, o fato da globalização e o conseqüente estreitam ento das relações internacio­nais, principalm ente em face do assustador alargamento dos meios de comunicação e do crescimento do comércio internacional.

A normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, conquistada por meio de incessantes lutas históricas, e consubstancia­da em inúm eros tratados concluídos com este propósito, foi fruto de um lento e gradual processo de internacionalização e universalização desses mesmos direitos.

O “Direito Internacional dos Direitos Hum anos” (International Human Rights Law), fonte da m oderna sistemática internacional de proteção, começa a ter os seus primeiros precedentes com o surgimento do Direito Hum anitário, da Liga das Nações e da Organização Interna­cional do Trabalho, situados, nas palavras de Flávia Piovesan, como sendo “os prim eiros marcos do processo de internacionalização dos

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direitos hum anos” (Direitos humanos e o direito constitucional interna­cional, 4. ed. rev., atual, e ampl., São Paulo: MaxLimonad, 2000, p. 123).

O Direito H um anitário, criado no século XIX, é aquele aplicá­vel no caso de conflitos armados (guerra), cuja função é estabelecer limites à atuação do Estado, com vistas a assegurar a observância e cum prim ento dos direitos fundamentais. A proteção hum anitária visa proteger, em caso de guerra, militares postos fora de combate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e populações civis, devendo os seus princípios serem hoje aplicados quer às guerras internacionais, quer às guerras civis e a quaisquer outros conflitos armados.

O segundo reforço à concepção da necessidade de relativização da soberania dos Estados foi a criação, após a Primeira Guerra M undial (1914-1918), da Liga das Nações, cuja finalidade era a de promover a cooperação, paz e segurança internacionais, condenando agressões externas contra a integridade territorial e independência política dos seus membros. A Convenção da Liga das Nações, de 1920, segundo explica Flávia Piovesan, “continha previsões genéricas relativas aos direitos hum anos, destacando-se as voltadas ao mandate system of the League, ao sistema das minorias e aos parâmetros internacionais do direito ao trabalho — pelo qual os Estados comprometiam-se a asse­gurar condições justas e dignas de trabalho para hom ens, mulheres e crianças”, sendo certo que tais dispositivos “representavam um limite à concepção de soberania estatal absoluta, na medida em que a Convenção da Liga estabelecia sanções econômicas e militares a serem impostas pela comunidade internacional contra os Estados que violas­sem suas obrigações”, fator este que veio redefinir, desta maneira, “a noção de soberania absoluta do Estado, que passava a incorporar, em seu conceito, compromissos e obrigações de alcance internacional, no que diz respeito aos direitos hum anos” (Op. cit. p. 123).

Mas o antecedente que mais contribuiu para a formação do Direito Internacional dos Direitos Hum anos foi, entretanto, a Organização Internacional do Trabalho (O IT), criada, finda a Prim eira G uerra Mundial, com o objetivo de estabelecer critérios básicos de proteção ao trabalhador, regulando sua condição no plano internacional, tendo em vista assegurar padrões mais condizentes de dignidade e de bem-estar social. Desde a sua fundação, em 1919, a OIT já conta com mais de

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uma centena de convenções internacionais promulgadas, às quais os Estados-partes, além de aderir, viram-se obrigados a cumprir e respeitar.

Em face deste breve apanhado histórico, pode-se concluir, junto à Flávia Piovesan, que estes três institutos, “cada qual ao seu modo, con­tribuíram para o processo de internacionalização dos direitos humanos”, sejano asseguramento de “parâmetros globais mínimos para as condições de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais a manutenção da paz e segurança internacional, ou seja ainda a proteger direitos fundamentais em situações de conflito armado” (op. cit. p. 125).

Esses três mom entos históricos registram, ainda, o fim de uma época em que o direito internacional estava adstrito à regulamentação das relações estritamente estatais. Tais precedentes históricos rompem com o conceito de soberania estatal absoluta (que concebia o Estado como ente de poderes ilim itados, tanto nacional como internacional­m ente), na medida em que admitem intervenções externas no plano intem o, para assegurar a proteção de direitos hum anos violados. Ou seja, esta nova concepção deixa de lado o velho conceito de soberania estatal absoluta, que considerava, na acepção tradicional, como sendo os Estados os únicos sujeitos de direito internacional público. Apenas uma exceção a esta concepção tradicional de soberania absoluta era conhecida no direito internacional, antes do surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e dizia respeito à responsabili­dade dos Estados por danos a estrangeiros em seu território, quando se reconhecia que o tratam ento conferido a determinado estrangeiro em dado Estado era interesse legítimo do Govemo da nacionalidade daquele estrangeiro. De sorte que um a ofensa perpetrada a um cidadão italiano, em território de outro Estado, po r exemplo, constituía-se num a ofensa à própria República Italiana.

A partir de então, emerge a ideia de que o indivíduo não é apenas objeto, mas também sujeito de direito internacional público.

É neste cenário que começam a aparecer, então, os prim eiros con­tornos do Direito Internacional dos Direitos Humanos, afastando-se a ideia de soberania absoluta dos Estados, em seu domínio reservado, e erigindo os indivíduos à posição, de há m uito merecida, de “sujeitos de direito internacional”, dando-lhes mecanismos processuais eficazes para a salvaguarda de seus direitos internacionalm ente protegidos.

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5. O d ire ito in ternacional dos d ireitos hum anos: o direito in ­ternacional dos direitos hum anos, portanto, é aquele que visa proteger todos os indivíduos, qualquer que seja sua nacionalidade. Trata-se do direito do pós-guerra, nascido em decorrência dos horrores cometidos pelos nazistas durante este período.

A partir da Segunda Guerra M undial (1939-1945), quefoi marcada por inúm eras violações de direitos e cujo saldo maior foram 11 m ilhões de m ortos (sendo 6 m ilhões de judeus) durante o período nazista, a sociedade internacional dos Estados viu-se obrigada a iniciar a cons­trução de um a norm a tividade internacional eficaz a fim de resguardar e proteger esses direitos, até então inexistente. O legado do Holocausto para a internacionalização dos direitos humanos, portanto, consistiu na preocupação que gerou na consciência coletiva m undial de que a falta de um a arquitetura internacional de proteção de direitos, com vistas a im pedir que atrocidades daquela m onta viessem a ocorrer novamente, fazia com que os cidadãos de todo o planeta ficassem desprotegidos contra novas e potenciais violações de direitos de monta. Viram-se os Estados obrigados a construir toda um a normatividade internacional eficaz em que o respeito aos direitos hum anos encontrasse efetiva proteção. O tema, então, tom ou-se preocupação de interesse comum dos Estados, bem como um dos principais objetivos da sociedade in ­ternacional. Desde esse m omento, então, o direito internacional dos direitos hum anos efetivamente solidifica-se.

Portanto, o genocídio cometido contra milhares de pessoas no Holocausto foi o grande fato gerador do moderno sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Por genocídio entende-se a destruição, no todo ou em parte, de qualquer grupo de pessoas, em razão de sua raça, etnia, credo reli­gioso e outras condições ou características suas, tal como assassinato de membros do grupo, dano grave à integridade física ou m ental de membros do grupo, submissão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasione a destruição física total ou parcial, medidas destinadas a im pedir os nascimentos no seio do grupo e transferência forçada de menores do grupo para outro grupo. É o que dispõe o art. 2.° da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, de 1948. Frise-se que o Brasil é parte nesta Convenção, tendo a mesma

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sido aprovada entre nós por meio do Dec. Leg. 2, de 11.04..1951, e pro­mulgada pelo Dec. 30.822, de 06.05.1952. ALei 2.889, de l.°.10.1956,define e pune o crime de genocídio (cf. Celso Lafer, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, 2.a reim p., São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 167-186).

O “direito a ter direitos”, segundo a term inologia de H annah Arendt, passou, então, a ser o referencial primeiro de todo este pro­cesso intem acionalizante. Como resposta às barbáries cometidas no Holocausto, começa, então, a aflorar todo um processo de internacio­nalização dos direitos humanos, criando uma sistemática internacional de proteção, m ediante a qual se tom a possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando, internam ente, os órgãos compe­tentes não apresentem respostas satisfatórias na proteção dos direitos humanos. A doutrina da soberania estatal absoluta, assim, com o fim da Segunda Guerra, passa a sofrer um abalo dramático com a crescente preocupação em se efetivar os direitos humanos no plano internacional, passando a sujeitar-se às limitações decorrentes da proteção desses mesmos direitos.

Assim, a partir do surgimento da Organização das Nações U ni­das, em 1945, e da conseqüente aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o direito internacional dos direitos hum anos começa a dar ensejo à produção de inúmeros tratados interna­cionais destinados a proteger os direitos fundamentais dos indivíduos. Trata-se de um a época considerada como verdadeiro marco divisor do processo de internacionalização dos direitos humanos. Antes disso a proteção aos direitos do homem estava mais ou menos restrita apenas a algumas legislações internas dos países, como a inglesa de 1684, a americana de 1778 e a francesa de 1789. As questões hum anitárias som ente integravam a agenda internacional quando ocorria uma de­term inada guerra, mas logo se mencionava o problema da ingerência in tem a em um Estado soberano e a discussão m orria gradativamente. Assim é que temas como o respeito às minorias dentro dos territórios nacionais e direitos de expressão política não eram abordados a fim de não se ferir o até então incontestável e absoluto princípio de soberania.

Surge, então, no âmbito da Organização das Nações Unidas, um sistem a global de proteção dos direitos hum anos, tanto de caráter

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geral (a exemplo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políti­cos) como de caráter especifico (v.g., as convenções internacionais de combate à tortura, à discriminação racial, à discriminação contra as m ulheres, à violação dos direitos das crianças etc.). Revolucionou-se, a partir deste m om ento, o tratam ento da questão relativa ao tema dos direitos humanos. Colocou-se o ser humano, de maneira inédita, num dos pilares até então reservados aos Estados, alçando-o à categoria de sujeito de direito internacional. Paradoxalmente, o direito internacional feito pelos Estados e para os Estados começou a tratar da proteção internacional dos direitos hum anos contra o próprio Estado, único responsável reconhecido juridicam ente, querendo significar esse novo elemento um a m udança qualitativa para a sociedade internacional, um a vez que o direito das gentes não mais se cingiria aos interesses nacionais particulares.

Mas a estrutura norm ativa de proteção internacional dos direi­tos hum anos, além dos instrum entos de proteção global, de que são exem plos, dentre outros, a Declaração Universal dos Direitos H u­manos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos D ireitos Econômicos, Sociais e Culturais, e cujo código básico é a chamada International Bill ofHuman Rights, abrange também os instrum entos de proteção regional, aqueles pertencentes aos sistemas europeu, americano e africano (v.g., no sistema ameri­cano, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Da mesma forma que ocorre com o sistema de proteção global, aqui também se encontram instrum entos de alcance geral e instrum entos de alcance especial. Gerais são aqueles que alcançam todas as pessoas, a exemplo dos tratados acima citados; especiais, ao contrário, são os que visam apenas determ inados sujeitos de direito, ou determ inada categoria de pessoas, a exemplo das convenções de proteção às crianças, aos idosos, aos grupos étnicos m inoritários, às mulheres, aos refugiados, aos portadores de deficiência etc.

O direito internacional dos direitos hum anos, assim, como novo ramo do Direito Internacional Público, emerge com princípios pró ­prios, autonomia e especificidade. Além de apresentar hierarquia cons­titucional, suas norm as passam a ter a característica da expansividade decorrente da abertura tipológica de seus enunciados. Além do mais,

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o Direito Internacional dos Direitos Humanos rompe com a distinção rígida existente entre Direito Público e Direito Privado, libertando-se dos clássicos paradigmas até então existentes.

6. O direito da C arta daO N U : foiapartir de 1945, então, quando da adoção da Carta das Nações Unidas, no pós-Segunda Guerra, que o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a verdadeiramente se desenvolver e a se efetivar. Antes desta data, também existiam normas que podiam ser consideradas, em parte, como de proteção dos direitos humanos. O que faltava, entretanto, antes de 1945, era uma normatização específica que protegesse os indivíduos como seres humanos.

Desde este m om ento, com a criação das Nações Unidas e suas agências especializadas, o processo de internacionalização dos direi­tos hum anos passa a intensificar-se e a desenvolver-se, dem arcando “o surgim ento de um a nova ordem internacional que instaura um novo m odelo de conduta nas relações internacionais, com preocu­pações que incluem a m anutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvim ento de relações amistosas entre os Estados, o alcance da cooperação in ternacional no plano econôm ico, social e cultural, o alcance de um padrão internacional de saúde, a proteção ao meio am biente, a criação de um a nova ordem econôm ica internacional e a proteção internacional dos direitos hum anos” (Flávia Piovesan, op. cit., p. 137).

A Carta da ONU de 1945 contribuiu enorm em ente, entre outros, para o processo de asserção dos direitos hum anos, na m edida em que teve por princípio a m anutenção da paz e da segurança in ternacio ­nais e o respeito aos direitos hum anos e liberdades fundam entais, sem distinção de raça, sexo, cor ou religião. O respeito às liberda­des fundam entais e aos direitos hum anos, com a consolidação da Carta das Nações U nidas de 1945, passa, assim , a ser preocupação internacional e propósito das Nações Unidas. N este cenário é que os problem as internos dos Estados e suas relações com seus cidadãos passam a fazer parte de um contexto global de proteção, baseado na cooperação in ternacional e no desenvolvim ento das relações entre as Nações.

Daí o motivo de a Carta das Nações Unidas ter ficado impregnada da ideia de respeito aos direitos hum anos e liberdades fundamentais

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para todos. Eis os dispositivos da Carta da ONU que fazem referência expressa à proteção dos direitos hum anos e liberdades fundamentais:

“Art. 1.° Os propósitos das Nações Unidas são:

(...)3. C onseguir um a cooperação in ternacional para resolver os

problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou hum anitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e ãs liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (grifo nosso).

“Art. 13.

1. A Assembleia Geral iniciará estudos e fará recomendações, destinados a:

(...)

b) prom over cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, língua ou religião” (grifo nosso).

“Art. 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

(...)

c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liber­dades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (grifo nosso).

“Art. 56. Para a realização dos propósitos enumerados no art. 55, todos os membros da Organização se comprometem a agir em coope­ração com esta, em conjunto ou separadam ente”.

“Art. 62.

(...)2. Poderá igualmente fazer recomendações destinadas apromover

o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades funda­mentais para todos” (grifo nosso).

“Art. 68 .0 Conselho Econômico e Social criará comissões para os assuntos econômicos e sociais e a proteção dos direitos humanos assim como outras comissões que forem necessárias para o desempenho de suas funções” (grifo nosso).

“Art. 76. Os objetivos básicos do sistema de tutela, de acordo com os Propósitos das Nações Unidas enumerados no art. 1.° da presente Carta, são:

(...)c) estim ular o respeito aos direitos humanos e às liberdades funda­

mentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, e favorecer o reconhecim ento da interdependência de todos os povos” (grifo nosso).

Sem embargo da clareza da Carta em determ inar a im portância de se defender os “direitos hum anos e as liberdades fundam entais”, ela, entretanto, não definiu o conteúdo dessas expressões, deixando-as em aberto, daí advindo o desafio em se desvendar o alcance e significado da expressão “direitos hum anos e liberdades fundam entais”, não definida pela Carta, o que só ocorreu três anos após, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que veio definir com precisão o elenco dos “direitos hum anos e liberdades fun­dam entais” a que se referiam os arts. 1.°, § 3.°, 13 ,55 ,56 , 62, 68 (este com referência som ente aos direitos humanos) e 76 da Carta. É , explica Flãvia Piovesan, “como se a Declaração, ao fixar um código comum e universal dos direitos hum anos, viesse a concretizar a obrigação legal relativa à promoção desses direitos - obrigação esta constante da Carta das Nações Unidas” (op. cit., p. 140).

E ntretan to , não obstante a Carta das Nações U nidas não ter conceituado o que vem a ser “direitos hum anos e liberdades funda­m entais”, contribuiu ela, com os seus preceitos, pioneiram ente, para a “universalização” dos direitos da pessoa hum ana, na medida em que reconheceu que o assunto é de legítimo interesse internacional, não mais estando adstrito tão som ente à jurisdição doméstica dos Estados.

7. Declaração Universal dos Direitos Humanos: a Declaração Universal de 1948 foi delineada pela Carta das Nações Unidas e teve como uma de suas principais preocupações a positivação internacional

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dos direitos mínimos dos seres humanos, em complemento aos propó­sitos das Nações Unidas de proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em Paris, em 10.12.1948, pela Resolução 217, da Assembleia Geral da ONU, tendo como fundam ento a dignidade da pessoa humana, nasce como um código de conduta m undial para dizer a todo o planeta que os direitos hum anos são universais, bastando a condição de ser pessoa para que se possa vindicar e exigir a proteção dos direitos hum anos, em qualquer ocasião e em qualquer circunstância. Consubstancia-se na busca de um padrão mínimo para a proteção dos direitos hum anos em âmbito m undial, servindo como paradigma ético e suporte axiológico desses mesmos direitos.

Composta de trinta artigos, precedidos de um “Preâmbulo” com sete considerandos, a Declaração Universal de 1948 conjugou num só todo tanto os direitos civis e políticos, tradicionalm ente chamados de direitos e garantias individuais (arts. 1.° ao 21), quanto os direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 ao 28). O art. 29 proclama os deveres da pessoa para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível; e no art. 30 consa­gra um princípio de interpretação da Declaração sempre a favor dos direitos e liberdades nela proclamados. Assim o fazendo, combinou a Declaração, de forma inédita, o discurso liberal com o discurso social, ou seja, o valor da liberdade com o valor da igualdade.

A Declaração U niversal não é tecnicam ente um tratado, pois não passou pelos procedim entos internos de aprovação de tratados. É som ente uma “recomendação” de conteúdo m oral das Nações U ni­das, que consubstancia um a ética universal em relação à conduta dos Estados no que tange à proteção internacional dos direitos hum anos.

Mas apesar de não ser um tratado stricto sensu, pois nasceu de uma Resolução da Assembleia Geral da ONU, não tendo havido seqüência à assinatura, a Declaração Universal de 1948 deve ser entendida como sendo a interpretação mais autêntica da expressão “direitos hum anos e liberdades fundam entais”, constante daqueles dispositivos já vistos da Carta das Nações Unidas. A Declaração Universal de 1948 integra a Carta da ONU, na m edida em que passa a ser sua interpretação mais

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fiel, no que tange à qualificação jurídica da expressão “direitos humanos e liberdades fundam entais”. Daí o motivo de a Declaração de 1948 ser referida em todo o m undo, ao longo de mais de 50 anos de sua adoção, como um código ético universal de direitos hum anos.

Para juristas do porte de Mareei Silbert, a Declaração de 1948 é um a extensão da Carta da ONU (especialmente dos seus arts. 55 e 56), na medida em que a integra, sendo obrigatória para os Estados- -membros da ONU no sentido de tom ar suas leis internas compatíveis com as suas disposições (cf. seu Traité de droit intemationàl public: le droit de la paix, Paris: Dalloz, 1951, v. 1, p. 454).

Para nós, além de integrar a Carta da ONU (no sentido acima exposto) a Declaração U niversal deve ser tida como norm a de jus cogens internacional. O ju s cogens compõe um conjunto de norm as inderrogáveis pela vontade das partes e que estão acima de quaisquer tratados na órbita jurídico-internacional, nos termos dos arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

Após um quarto de século da realização da prim eira Conferência M undial de Direitos Humanos, ocorrida em Teerã em 1968, a segunda Conferência (Viena, 1993) ascendeu os direitos hum anos a tema da agenda global, reafirm ando sua universalidade e consagrando sua indivisibilidade, interdependência e inter-relacionariedade. Foi o que dispôs o § 5.° da Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, nestes termos:

“Todos os direitos hum anos são universais, indivisíveis, inter­dependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos hum anos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados prom o­ver e proteger todos os direitos hum anos e liberdades fundam entais, sejam quais forem seus sistemas políticos, econômicos e culturais”.

O propósito da Conferência de Viena de 1993 foi o de revigorar a m emória da Declaração Universal de 1948, trazendo novos princípios (além do já consagrado princípio da universalidade), como os da indivi­sibilidade (pois os direitos hum anos—direitos civis e políticos e direitos sociais, econômicos e culturais—não se sucedem em gerações, mas, ao

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contrário, se cum ulam e se fortalecem ao longo dos anos), interdepen­dência (pois os direitos do discurso liberal hão de ser sempre somados com os direitos do discurso social da cidadania) e inter-rélacionariedade (pelo qual os direitos hum anos e os vários sistemas internacionais de proteção não devem ser entendidos de forma dicotômica, mas, ao contrário, devem interagir em prol de sua garantia efetiva).

Compreendeu-se, finalmente, que a diversidade cultural (rela- tivismo) não pode ser invocada para justificar violações aos direitos humanos.

A teseuniversalista (segundo a qual deve-se ter um padrão mínimo de dignidade, independentem ente da cultura dos povos) defendida pelas nações ocidentais saiu, ao final, vencedora, afastando-se de vez a ideia derelativismo cultural, em se tratando de proteção internacional dos direitos hum anos. Enriqueceu-se, pois, o universalismo desses direitos, afirmando-se cada vez mais o dever dos Estados em prom o­ver e proteger os direitos hum anos violados, independentem ente dos respectivos sistemas, não mais se podendo questionar a observância dos direitos hum anos com base no relativismo cultural ou mesmo com base no dogma da soberania. E, no que toca à indivisibilidade, ficou superada a dicotomia até então existente entre as “categorias de direitos” (civis e políticos de um lado; econômicos, sociais e culturais, de outro), historicam ente incorreta e juridicam ente infundada, porque não há hierarquia quanto a esses direitos, estando todos equitativa- m ente balanceados, em pé de igualdade.

Problema m uito discutido dizia respeito à eficácia das normas da Declaração Universal de 1948, um a vez que ela, por si só, não dispõe de aparato próprio que a faça valer. À vista disso é que, sob o patro­cínio da ONU, se tem procurado firmar vários pactos e convenções internacionais a fim de assegurar a proteção aos direitos fundamentais do hom em nela consagrados, dentro dos quais destacam-se o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos aprovados pela Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 16.12.1966. Surgiram, pois, com a finalidade de conferir dimensão jurídica à Declaração de 1948, tendo o prim eiro pacto regulamentado os arts. 1.° ao 21 da De­claração, e o segundo os arts. 22 a 28.

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Criaram-se, com os dois pactos de 1966, mecanismos de m onito­ramento dos direitos hum anos, por meio da Organização das Nações Unidas, a exemplo dos relatórios temáticos, em que cada Estado relata à ONU o m odo pelo qual está im plem entando os direitos hum anos no país. O Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional so­bre Direitos Civis e Políticos, de 1966, traz ainda os mecanismos de petições individuais (possíveis somente quando esgotados os recursos internos quanto à reclamação dos direitos hum anos violados) e das comunicações interestatais (procedim ento por meio do qual um dos Estados-partes no acordo alega que um outro Estado-parte incorreu ou está incorrendo internam ente em violação aos direitos hum anos consagrados pelo compromisso firmado entre ambos).

Além desse sistema global de proteção dos direitos hum anos, existem tam bém os sistemas regionais de proteção (v.g., o europeu, o africano e o incipiente sistem a asiático), dentre os quais merece destaque o sistem a interam ericano, cujo principal instrum ento é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Esta convenção, assinada em 1969, entrou em vigor internacional em 18 de ju lho de 1978. Somente os Estados- -membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) é que têm o direito de dela se tom ar parte.

A Convenção Americana elenca um rol de direitos civis e políti­cos similar ao do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, a exemplo do direito à vida, do direito à liberdade, do direito de ser submetido a um julgam ento justo, do direito de não ser submetido à escravidão, do direito de liberdade de consciência e de crença, do direito de liberdade de pensamento e expressão, do direito ao nome e do direito à nacionalidade, entre outros tantos. A Convenção Americana não estabelece, entretanto, de forma específica, qualquer direito social, econômico ou cultural, mas apenas um a previsão genérica sobre tais direitos, constante do seu art. 26, segundo o qual “os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito intem o, como m ediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivam ente a plena efetividade dos direitos que decorrem das norm as econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos

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Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na m edida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”. Para a garantia de tais direitos é que a Assembleia Geral da ONU adotou, em 1988, um Protocolo Adicional à Convenção Americana, conhecido como Protocolo de San Salvador, tendo entrado em vigor internacional em novembro de 1999, quando foi depositado o 11.° instrum ento de ratificação, nos termos do art. 21 do Protocolo.

Para a proteção e m onitoram ento dos direitos que estabelece, a Convenção Americana vem integrada por dois órgãos: a Comissão Interam ericana de Direitos Hum anos e a Corte Interam ericana de Direitos Humanos.

A Comissão Interam ericana de Direitos Humanos tem compe­tência, entre outras, para examinar as comunicações de indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entidade não governamental, atinentes a violações de direitos constantes na Convenção, por Estado que dela seja parte. Nos termos do art. 44 da Convenção Americana, qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.

No entanto, para que um a petição sobre violação da Convenção e dos direitos hum anos por ela reconhecidos seja admitida, deve preen­cher os requisitos previstos no art. 46, § 1.°, da Convenção Americana, ou seja: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da ju ­risdição intem a, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a matéria da petição ou comunicação não estej a pendente de outro processo de solu­ção internacional (ou seja, que não haja litispendência internacional).

A Corte Interam ericana de Direitos H um anos, por sua vez, é órgão jurisdicional do sistema interamericano. É composta por sete juizes nacionais dos Estados-membros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da Convenção. A Corte detém uma competência consultiva (relativa à interpretação das disposições da Convenção, bem como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos

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hum anos nos Estados Americanos) e um a competência contenciosa, esta últim a própria para o julgam ento de casos concretos, lim itada aos Estados-partes na Convenção que tenham reconhecido expressamente tal competência. A competência contenciosa da Corte Interamericana é limitada aos Estados-partes da Convenção que reconheçam expressa­m ente tal jurisdição. Frise-se que som ente a Comissão Interamericana e os Estados-partes na Convenção podem subm eter casos à apreciação da Corte, não sendo facultado ao indivíduo o ingresso direto à Corte (art. 61), o que som ente poderá ser feito pelo interm édio da Comissão.

Frise-se que, por meio da Emenda Constitucional45/2004, abriu- -se a possibilidade de federalização dos crimes contra os direitos hu ­manos no Brasil. Segundo a nova disposição constitucional (art. 109, V-A), aos juizes federais compete processar e julgar “as causas relativas a direitos hum anos a que se refere o § 5.° deste artigo”, o qual, por sua vez, estabelece que, “nas hipóteses de grave violação de direitos hum a­nos, o Procurador Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos hum anos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal dejustiça, em qualquer fase do inquérito ou proces­so, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.

No que tange ao problema da execução das sentenças da Corte Interamericana no Brasil, remetemos o leitor ao Capítulo X deste Livro.

8. Leitura com plem entar:

1. ARAÚJO, Luis Ivaxii de Amorim. Das organizações internacionais. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

2. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

3. COMPARATO, Fábio Konder.Aafirmação históricadosdireitoshumanos.3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

4. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tra­tado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

5. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional interna­cional. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2000.

6. WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.

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Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito intemacionalpúblico. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; BIDART CAMPOS, GermanJ. El derecho de la Constituciony sujuerza normativa. Buenos Aires: Ediar SociedadAnónima, 1995;SILBERT,Marcel. Traité de droit international public: le droit de la paix. Paris: Dalloz, 1951. v. 1; BUERGENTHAL, Thomas. International human rights. Minnesota: West Publishing, 1988; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Cláudio e MAIER, Harold G. Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fun­damentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991;--------. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre:Fabris, 1997. v. 1; SILVA, José Afonso da. Proteção constitucional dos direitos humanos no Brasil: evolução histórica e direito atual. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo: Centro deEstudos da Procuradoria-Geral do Estado, p. 161-185, set. 1998;-------- .Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo: Malheiros, 2000; LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva/Fundação Alexandre de Gusmão, 1994; LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 2.a reimp. São Paulo: Cia. das Letras, 1998; AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Entre ordem e desordem: o direito internacional em face da multiplicidade de culturas. Revista de Direito Constitucioivil e Internacional, ano 8, n. 31, São Paulo: RT, abr./jun. 2000, p. 27-38; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia & GÓIS, Ancelmo César Lins de. Direito internacional e globalização. Revista Cidadania e Justiça da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 4, n. 8,1 .° semestre de 2000, p. 27-42.

C a p í t u l o XV N o ç õ e s s o b r e a P r o t e ç ã o I n t e r n a c i o n a l

d o M e io A m b ien te

1. In tro d u çã o : o cham ado “d ire ito in te rnac ional do m eio am biente", ao lado da proteção internacional dos direitos hum anos, constitu i um dos tem as principais da agenda internacional contem ­porânea. Tais m atérias (direitos hum anos e meio am biente), ao lado da dem ocracia, passaram a marcar, de m aneira ampla e inovadora, a nova agenda in ternacional do século XXI, notadam ente após as grandes m udanças ocorridas no m undo em virtude do processo de globalização, cujos reflexos são m arcantes e decisivos para o enten­dim ento dos novos fenôm enos globais surgidos no planeta a partir de então.

Neste novo cenário internacional, que aparece finda a Segunda G uerra M undial, m erece especial destaque a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, que ficou conhecida como Rio-92, tendo a ela comparecido delegações nacionais de 175 países. A Confe­rência Rio-92 foi a prim eira reunião internacional de m agnitude a se realizar após o fim da Guerra Fria. A reunião não foi apenas conseqü­ência de um intenso processo de negociações internacionais acerca de questões ligadas à proteção do meio am biente e ao desenvolvimento. Seus resultados significaram, também, a reafirmação de princípios internacionais de direitos hum anos, como os da indivisibilidade e interdependência, agora conectados com as regras internacionais de proteção ao meio am biente e aos seus princípios instituidores. Os compromissos específicos adotàdospela Conferência Rio-92 incluem duas convenções, um a sobre M udança do Clima e outra sobre Bio­diversidade, e também um a Declaração sobre Florestas, além de um plano de ação que se cham ou de Agenda 21, criado para viabilizar a adoção do desenvolvimento sustentável (e am bientalm ente racional) em todos os países.

NOÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE 181

O Brasil já havia participado, vinte anos antes, da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Am biente Hum ano, realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972, especialmente nos dois anos de seu período preparatório, onde a participação brasileira foi efetiva no que tange à inserção da temática do desenvolvimento no foco das questões envolvendo o meio ambiente.

Na Conferência do Rio dejan eiro , ao contrário do que ocor­rera em Estocolm o, os conflitos de entendim ento foram deixados de lado para dar lugar ã cooperação, na m edida em que foi aberto o diálogo para um universo mais amplo daquilo que originalm ente fora pretendido, deixando entrever-se que a proteção internacional do meio am biente é um a conquista da hum anidade, que deve vencer os antagonism os ideológicos, em prol do bem -estar de todos e da efetiva proteção do planeta.

A conseqüência de todo esse processo norm ativo internacional no campo am biental tem também reflexos na seara da proteção inter­nacional dos direitos hum anos, ainda mais quando se leva em consi­deração que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, apesar de não ter sido expressamente colocado no texto da Declaração Universal dos Direitos Hum anos, de 1948 (onde som ente constam direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais), pertence ao “bloco de constitucionalidade” dos textos constitucionais contemporâneos, dentre eles o texto constitucional brasileiro de 1988. Acredita-se, contudo, que a Declaração Universal de 1948 certamente mencionaria o direito ao meio ambiente, se fosse negociada hoj e. A atual tendência do direito internacional m oderno é qu e as declarações sobre cada esfera de proteção também sejam cada vez mais amplas, cedendo espaço para que os vínculos entre as diversas categorias de direitos se desenvolvam, como dem onstrou o Relatório da Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Direitos Humanos e Meio Ambiente, de 4 de abril de 2002, sobre o cum prim ento da AG/Res. 1819 (XXXI-O/Ol), adotada na terceira sessão plenária da OEA, realizada em 5 de junho de 2001.

O princípio segundo o qual toda pessoa tem direito a um a ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração Universal possam ser plenam ente realizados, constante

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do art. 28 da Declaração de 1948, passa a ser integrado, também, pelo direito internacional do meio ambiente. Somente com a garantia efe­tiva de um ambiente ecologicamente equilibrado é que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração de 1948podem ser plenamente realizados, não obstante o direito ao meio ambiente não ter sido inclu­ído no texto da Declaração, à época de sua redação.

2. Instrum entos internacionais d e p ro teção : após o período do pós-guerra, como complemento aos direitos fundamentais do homem, começaram a aparecer, no cenário internacional, as prim eiras grandes normas de proteção internacional do meio ambiente, dando ensejo à formação desse novo ramo do direito, chamado “direito internacio­nal do meio am biente”. A partir de então, tanto os direitos relativos à pessoa hum ana como os atinentes ao meio am biente passaram a ser prioridades inequívocas da agenda internacional m oderna, como atestaram a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio dejaneiro , em junho de 1992, e a Conferência M undial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em junho de 1993.

O Brasil é parte dos principais tratados internacionais sobre meio ambiente concluídos sob os auspícios da Organização dasN açõesU ni­das. Muito antes da promulgação da Constituição de 1988, o Brasil já havia ratificado os mais im portantes tratados internacionais relativos ao direito internacional do meio ambiente, o que veio a se intensificar posteriorm ente à entrada em vigor do atual texto constitucional.

Dentre todos os instrum entos internacionais em m atéria de meio ambiente ratificados pelo Brasil, merecem destaque algumas conven­ções internacionais recentes, dentre as quais podem ser citadas: a) a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre M udança do Clima, adotada pelas Nações Unidas, emNova York, em 09.05.1992, aprovada no Brasil pelo Dec. Leg. 1, de 03.02.1994, e prom ulgada pelo Decreto 2.652, de 01.07.1998; V) o Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre M udança do Clima, adotado em Q uioto, Japão, em 11.12.1997, por ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre M udança do Clima, tendo sido aprovado no Brasil pelo Dec. Leg. 144, de 20.06.2002, e ra­tificado em 23.08.2002; e c) a Convenção sobre Diversidade Biológica,

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adotada na cidade do Rio dejaneiro, em 05.06.1992, aprovada no Brasil pelo Dec. Leg. 2, de 03.02.1994, e prom ulgada pelo Decreto 2.519, de 16.03.1998, tendo entrado em vigor internacional em.29.12.1993.

Os tratados internacionais de proteção do meio ambiente, assim como os de proteção dos direitos humanos, dispensam da sistemática de sua incorporação a promulgação executiva, como já vimos no capítulo anterior, por deterem aplicação imediata a partir de suas respectivas ratificações, nos termos do art. 5.°, § 1.° da Constituição de 1988.

Os instrum entos internacionais de proteção ao meio ambiente, pelas regras da Constituição de 1988 (art. 5.°, §§ 1.° e 2.°), também se incorporam autom aticam ente ao ordenam ento jurídico brasileiro, pelo fato de fazerem parte do rol dos chamados tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos lato sensu, em relação aos quais a Constituição brasileira atribui uma forma própria de incorporação e uma hierarquia diferenciada dos demais tratados (considerados comuns ou tradicionais) ratificados pelo Brasil.

Como destaca Guido Fernando Silva Soares, as normas de prote­ção internacional do meio ambiente “têm sido consideradas como um complemento aos direitos do homem, em particular o direito à vida e à saúde hum ana”, sendo bastante expressiva “a parte da doutrina com semelhante posicionam ento, especialmente daqueles autores que se têm destacado como grandes ambientalistas” (A proteção internacional do meio ambiente. Barueri: Manole, 2003, p. 173).

Tal posicionam ento é reafirmado pelos grandes textos de direito in ternacional am biental, onde se encontram várias referências ao direito à vida e à saúde. Como exemplo, pode ser citada a Declaração do Rio dejaneiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, que faz referência à “vida saudável” no seu Princípio 1.

3. O d ire ito ao m eio am b ien te com o um d ireito hum ano fundam ental: a percepção de que questões ligadas à proteção do meio ambiente não se lim itam à poluição advinda da industrialização, mas abrangem um universo m uito mais amplo e complexo, que envolve todo o planeta e podem colocar em risco a saúde m undial, foi decisiva para a inserção do tema “meio am biente” na esfera de proteção do direito internacional dos direitos humanos.

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A proteção do meio am biente não é m atéria reservada ao do­m ínio exclusivo da legislação doméstica dos Estados, mas dever de toda a com unidade internacional. A proteção ambiental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus aspectos relativos à vida hum ana, tem por finalidade tutelar o meio ambiente em decorrência do direito à sadia qualidade devida, em todos os seus desdobramentos, sendo considerado um a das vertentes dos direitos fundamentais da pessoa humana.

O direito fundam ental ao m eio am biente foi reconhecido no plano internacional pela Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, de 5 a 16.06.1972, cujos 26 princípios têm a mesma relevância para os Estados que teve a Declaração Universal dos Direitos Hum anos, adotada em Paris, em 10.12.1948, pela Re­solução 217 da Assembleia Geral da ONU, servindo de paradigma e referencial ético para toda a sociedade internacional, no que tange à proteção internacional do meio ambiente como um direito hum ano fundam ental de todos.

A Declaração de Estocolmo de 1972, como leciona José Afonso da Silva, “abriu cam inho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito humano fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados” (Direito ambiental constitucional, 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 67).

Por ter materializado os ideais comuns da sociedade internacional no que toca à proteção internacional do meio ambiente, a Declaração de Estocolmo de 1972 abriu espaço para que esses temas, antes afetos ao domínio exclusivo e absoluto dos Estados, pudessem passar a ser tratados dentro de uma perspectiva global, notadam ente ligada à pro­teção internacional dos direitos hum anos.

Antes da Conferência de Estocolmo, o meio ambiente era tratado, em plano mundial, como algo dissociado da humanidade. A Declaração de Estocolmo de 1972 conseguiu, portanto, modificar o foco do pen­samento am biental do planeta, mesmo não se revestindo da qualidade de tratado internacional, enquadrando-se, ao lado das várias outras

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declarações memoráveis das Nações Unidas - de que são exemplos a Declaração Universal dos Direitos Hum anos de 1948 (no campo dos direitos hum anos) e a Declaração do Rio dejaneiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 (na esfera da proteção interna­cional do meio ambiente) no âmbito daquilo que se convencionou cham ar de soft law ou droit doux (direito flexível), governado por um conjunto de sanções distintas das previstas nas norm as tradicionais, em contraponto ao conhecido sistema do hard law ou droit dur (direito rígido). Apesar de não se ter ainda, na doutrina intem acionalista, uma conceituação adequada de soft law, pode-se afirmar que na sua modema acepção ela compreende todas aquelas normas que visam regulamentar futuros comportamentos dos Estados, sem deterem o status de “norm a jurídica”, e que impõem, além de sanções de conteúdo m oral, também outras que podem ser consideradas como extrajurídicas, em caso de descum prim ento ou inobservância de seus postulados.

A asserção do direito ao meio ambiente ao status de direito humano fundam ental decorre do Princípio 1 da Declaração de Estocolmo de 1972, segundo o qual “o hom em tem o direito fundam ental à liberda­de, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe perm ita levar um a vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e m elhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação ra­cial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas”.

Uma vitória im portante dos países menos desenvolvidos consis­tiu no reconhecim ento da soberania dos Estados na exploração dos seus próprios recursos e no estabelecimento de seus mecanismos de proteção ambiental. Nos termos do Princípio 21 da Declaração, “em conform idade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política ambien­tal e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional”. Ficou aqui consagrado o princípio costumeiro

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segundo o qual a propriedade deve ser utilizada de tal forma a não prejudicar terceiros (sic utere tuo ut alienum non laedas), sendo certo que sua violação acarreta a responsabilidade civil do Estado violador.

O im pacto da D eclaração de Estocolm o para os anos que se seguiram à Conferência se fez sentir principalm ente no que tange à im pressionante avalanche de tratados internacionais concluídos nos últim os tempos (tanto m ultilaterais, como bilaterais e regionais) relativos à proteção internacional do meio ambiente lato sensu, sendo praticam ente impossível determ inar com exatidão o núm ero preciso desses instrum entos internacionais atualm ente (cf. Guido Fernando Silva Soares. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obri­gações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001, p. 56).

A inter-relação da proteção ambiental com o efetivo gozo dos direi­tos humanos foi reconhecida pela Organização dos Estados Americanos, porm eio do Relatório decorrentedaAG/Res. 1819 (XXXI-O/Ol),intitu­lado Direitos Humanos e Meio Ambiente, de 04.04.2002. Nos termos do citado Relatório: “O Princípio 1 da Declaração de Estocolmo, de 1972, pode ser a mais antiga declaração direta que vincula direitos humanos e proteção ambiental, ao afirmar o direito fundamental à liberdade, à igual­dade e a condições de vida adequadas, num meio ambiente de qualidade tal que permita um a vida de dignidade e bem-estar. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972, declarou que ‘o meio ambiente hum ano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do hom em e para o gozo dos direitos hum anos fundamentais, inclusive o direito à própria vida’. Desde então um considerável número de instrum entos de direitos hum anos, regionais, globais e nacionais, reconhecem de algum modo o direito a um meio ambiente que seja sadio. Também há um crescente corpo de jurisprudência no contexto dos direitos hum anos que reconhece o flagelo da degradação ambiental, na medida em que afeta o gozo dos direitos estabelecidos. Institucional- mente, as Nações Unidas levaram essa questão mais longe que outras organizações, quando, em meados da década de 90, criaram o cargo de Relator Especial de Direitos Humanos e Meio Ambiente, cujo trabalho e cujos documentos estabelecem diretamente a vinculação”.

Ainda no ano de 1972, é firmada a Convenção Relativa à Proteção do Patrim ônio M undial, C ultural e N atural (prom ulgada no Brasil

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pelo Decreto 80.978, de 12.12.1977). A Convenção, nos termos do seu art. 1.°, considera como patrim ônio cultural as obras m onum entais de arquitetura, escultura ou pintura, os elementos ou estruturas de natureza arqueológica, os conjuntos arquitetônicos ou paisagísticos de valor universal excepcional, e os lugares notáveis. Por patrim ônio natural, nos termos do seu art. 2.°, entendem-se os m onum entos natu ­rais de valor universal do ponto de vista estético ou científico, as áreas que constituam o habitat de espécies animais ou vegetais ameaçadas ou que tenham valor excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação, e os lugares notáveis, cuja conservação é necessária para a preservação da beleza natural. Ainda segundo a mesma Convenção, os Estados-partes comprometem-se a identificar, proteger, conservar e legar às futuras gerações o patrim ônio cultural e natural, apresentando ao “Comitê do Patrim ônio M undial” (art. 8.°, §§ 1.° a 3.°) um rol dos bens situados em seu território que possam ser incluídos na lista de bens protegidos como “Patrimônio M undial”.

A Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 05.06.1992, por sua vez, garante às presentes e futuras gerações a preservação da bio­sfera, visando a harm onia ambiental do planeta. Efetivamente, como destaca Fábio Konder Comparato, “a grande injustiça nessa matéria reside no fato de que, embora os grandes poluidores no m undo sejam os países desenvolvidos, são as nações proletárias que sofrem mais intensam ente os efeitos da degradação do meio ambiente ( ...) . Tais fatos dem onstram , sobejamente, a íntim a ligação entre desenvolvi­m ento e política do meio ambiente, e justificam a necessidade de se pôr em prática, no m undo inteiro, uma política de desenvolvimento sustentável. É essa a boa globalização pela qual somos convidados a lutar, em todos os países” (A afirmação histórica dos direitos humanos,3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 422-423).

No preâm bulo da referida Convenção lê-se que “os Estados são responsáveis pela conservação de sua diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos”, ficando enfatizada, também, “a im portância e a necessidade de prom over a cooperação internacional, regional e m undial entre os Estados e as organizações intergovemamentais e o setor não governamental para a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes”.

1 8 8 DIREITO INTERNACIONAL PÜBLICO - P a r t e G e r a l

Portanto, a Convenção de 1992 coloca a questão da biodiversidade den­tro do enfoque do desenvolvimento sustentado de toda a humanidade.

Talvez aqui resida o ponto chave das controvérsias envolvendo os direitos hum anos e o direito ao desenvolvimento. Daí a sugestão de Guido Fernando Silva Soares, no sentido de que “o conceito quepoderá evitar um confronto cruel entre direitos humanos e direito ao desen­volvimento seja o de desenvolvimento sustentável”. Mas este mesmo intem acionalista alerta para o fato de que dar-se ao desenvolvimento um a dimensão de respeito ao meio ambiente poderá, talvez, amenizar os conflitos, mas não extirpá-los. Segundo Guido Soares, o abandono “de um a postura ancorada numa antropologia unilateral, centrada com egoísmo na vida humana, em beneficio de uma postura baseada em uma antropologia solidária, na qual haja um irrestrito respeito a quaisquer outras formas de vida, além da hum ana, parece-nos ser mais conse­qüência de uma postura ética do que resultante de normas jurídicas existentes, e, portanto, dependerá da boa vontade dos Estados e das pessoas” (Aproteção internacional do meio ambiente, cit., p. 175-176).

Os problem as atinentes à inter-relacionariedade da proteção internacional dos direitos hum anos com o direito internacional do meio ambiente, entretanto, ainda carecem de maior convergência dou­trinária. Como dem onstrado pelo Relatório Direitos Humanos e Meio Ambiente, da OEA, de 04.04.2002, os autores que “escreveram sobre a matéria geralmente coincidem em que o dano ao meio ambiente de fato afeta os direitos hum anos das pessoas”, estando a diferença “na forma de tratar o problem a”. Nesse sentido, ainda segundo o Relatório, “é possível falar de duas escolas: uma esposa as soluções ‘substantivas’, a outra, as soluções ‘processuais’. As soluções substantivas abrangeriam essencialmente a nova legislação que conscientemente junta os dois assuntos de m aneira declaratória. Os recursos processuais se voltam para as dimensões práticas do problema, como a criação ou o fortaleci­m ento dos direitos de acesso à informação e à participação, de maneira que grupos marginalizados (que são com frequência desproporcional­m ente afetados pelos danos ambientais) possam procurar reparação nos mecanismos existentes” (cf. Doc. Conselho Permanente da OEA, Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos. Relatório da Secretaria Geral sobre o Cumprim ento da AG/Res. 1819).

4. A p ro teção d o m eio am b ien te no direito brasileiro: nãoé som ente no plano internacional que o direito ao meio am biente tom ou-se um direito hum ano fundamental, reconhecido e protegido juridicam ente por declarações e tratados internacionais específicos.

No plano do direito intem o brasileiro, o direito ao meio ambien­te ecologicamente equilibrado vem insculpido no art. 225, caput, da Constituição de 1988, que assim dispõe:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra­do, bem de uso com um do povo e essencial à sadia qualidade de vida, im pòndo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (grifo nosso).

Este d ispositivo do tex to constitucional consagra tam bémo princípio segundo o qual o meio am biente é um direito humano fundamental, na m edida em que visa proteger o direito à vida com todos os seus desdobram entos, incluindo a sadia qualidade de seu gozo. Trata-se de um direito fundamental no sentido de que, sem ele, a pessoa hum ana não se realiza plenam ente, ou seja, não consegue desfrutá-lo sadiamente, para se u tilizar a term inologia empregada pela letra da Constituição.

No sentido empregado pelo art. 225, caput, do texto constitucio­nal, o direito ao meio am biente ecologicamente equilibrado é u m prius lógico do direito à vida, sem o qual esta não se desenvolve sadiamente em nenhum dos seus desdobram entos. É dizer, o bem jurídico vida depende, para a sua integralidade, entre outros fatores, da proteção do meio am biente com todos os seus consectários, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Dentro desta perspectiva, o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado configura-se um a extensão ou corolário lógico do direito à vida, sem o qual nenhum ser hum ano pode vindicar a proteção dos seus direitos fundam entais violados.

A vida tutelada pela Constituição, portanto, transcende os es­treitos lim ites de sua sim ples atuação física, abrangendo também o direito à sadia qualidade de vida em todas as suas vertentes e formas. Sendo a vida um direito universalm ente reconhecido como um direito hum ano básico ou fundam ental, o seu gozo é condição sine qua non

NOÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE j 1 8 9

1 9 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

para o gozo de todos os demais direitos hum anos, aqui incluso o direito ao meio am biente ecologicamente equilibrado.

No plano infraconstitucional da legislação brasileira, a Lei 6.938, de 31.08.1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, apresenta o seguinte conceito de meio ambiente, a saber:

“Art. 3.° Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que perm ite, abriga e rege a vida em todas as suas form as” (grifo nosso).

Esta norm a jurídica, considerada um marco na proteção jurídica do meio ambiente no Brasil, editada ã égide da Constituição de 1967, sob aEm endan. 1, de 1969, foi recepcionada pela Constituição de 1988, como que num tipo de reforço ao entendim ento segundo o qual a vida tutelada pela norm a constitucional tem um sentido amplo, abrangendo tanto a vida da pessoa hum ana como todos os seus desdobramentos, a exemplo do meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de seu gozo e fruição.

Aqueles importantes tratados internacionais de proteção ao meio ambiente, aos quais já nos referimos (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre M udança do Clima e Convenção sobre Diversidade Bio­lógica, ambas concluídas em 1992, bem como todos os demais tratados sobre matéria ambiental já ratificados ou a serem ratificados pelo Brasil), também visam expressamente proteger a “vida em todas as suas formas”. Tais instrumentos internacionais, portanto, integram e complementam a regra de proteção ao meio ambiente insculpida no art. 225, caput, da Constituição de 1988, incorporando-se ao direito intem o brasileiro com um status diferenciado das demais normas internacionais tradicionais.

Os tratados internacionais em matéria de meio ambiente tiveram sua importância reconhecida pelo Princípio 24 da Declaração de Esto­colmo de 1972, segundo o qual “todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e m elhoram ento do meio ambiente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e eliminar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera possam ter para o meio ambiente, mediante

NOÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE 1 9 1

acordos m ultilaterais ou bilaterais, ou por outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os Estados”.

5. O direito ao m eio am bien te sadio no sistem a in teram e- ricano de direitos hum anos: o direito a um meio ambiente sadio é assegurado, no sistema interam ericano de proteção dos direitos h u ­manos, pelo art. 11, §§ 1.° e 2.°, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômi­cos, Sociais e Culturais (conhecido por Protocolo de San Salvador), de 17.11.1988, que assim dispõe:

“Art. 11. Direito a um meio ambiente sadio.

1. Toda pessoa tem direito a viver em meio am biente sadio e a contar com os serviços públicos básicos.

2. Os Estados-Partes promoverão a proteção, preservação e me­lhoram ento do meio am biente”.

No sistema interam ericano, além da regra supra sobre o direito a um “meio ambiente sadio”, como denominado pelo Protocolo de San Salvador, a jurisprudência também tem dado a sua contribuição no que diz respeito ao assunto.

Vários casos se destacam no sistema interam ericano, podendo ser citados, dentre outros, os seguintes: 1) Resolução 12/1985, Caso n. 7615 (Brasil), 05.03.1985, constante do Relatório Anual da CIDH 1984-85, OEA/Ser.L/WII.66,doc. 10,rev. 1 ,01.10.1985,24,31 (Caso Yanomami), envolvendo a construção de um a estrada que passava pelo território Yanomami, que se descobriu ter trazido doenças etc. para os integrantes dessa tribo. Constatou-se, neste caso, várias violações à Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, no que diz respeito ao direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal e ao direito à preservação da saúde e do bem-estar; e 2) Caso da Comunidade indígena Awas Tingni Mayagna (Sumo) contra a Nicarágua, encami­nhado pela Comissão Interam ericana de Direitos Hum anos à Corte Interam ericana, sob a alegação de que o fracasso da demarcação e re­conhecim ento do território, em face da perspectiva do desmatamento sancionado pelo governo nessas terras, constituía um a violação da Convenção Americana, tendo a Corte decidido, em agosto de 2001, que o Estado violara os arts. 21 e 25 da Convenção Americana (direito

1 9 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

àpropriedadeprivada eproteção judicial, respectivam ente), ordenando que o mesmo demarcasse as terras dos Awas Tingni.

Há vários outros casos nesse sentido no sistema interamericano (e também, principalmente, no sistema regional europeu de direitos hum anos). Tal é o que se temnom inado de “ esverdeamento” (greening) dos sistemas regionais de direitos hum anos, em que o meio ambiente é protegido indiretam ente (por ricochete) ou pela via reflexa, tendo em vista que os tribunais regionais (v.g., a Corte Interamericana) não podem aceitar casos ambientais em sentido estrito. Assim, a solução é levar o caso ambiental à Corte pela via reflexa, ou seja, embutindo-se a questão ambiental num direito liberal clássico, como o direito à vida ou à propriedade.

6. Inter-relação dos direitos hum anos com o m eio am bien te em outros instrum entos internacionais: a professora DinahShelton, no Documento de Antecedentes ns. 1 e 2, intitulado Questões Ambien­tais e Direitos Humanos nos Tratados Multilaterais Adotados entre 1991 e 2001, preparado para o Seminário Conjunto de Peritos em Direitos Humanos e Meio Ambiente (PNUMA-ACDH), realizado em Genebra, em janeiro de 2002, expôs com propriedade os principais instrum entos internacionais que trazem explicitamente regras de inter-relação dos direitos hum anos com a proteção internacional do meio ambiente. Vejamos, pois, os núcleos de inter-relação entre direitos hum anos e meio ambiente em diversos textos internacionais:

1) O Princípio 1 da Declaração de Estocolm o estabeleceu os fundam entos da vinculação entre direitos hum anos e proteção do meio ambiente, ao declarar: “O hom em tem o direito fundam ental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe perm ita levar uma vida digna e gozar de bem -estar.. . Também anunciou a responsabilidade de cada pessoa de proteger e m elhorar o meio ambiente para a geração atual e as gerações futuras.

2) O Princípio 10 da Declaração do Rio de janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992, estabelece: “A participação pública no processo decisório ambiental deve ser promovida e o acesso à informação facilitado”. Vincula-se, aqui, o assunto em termos pro­

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cessuais, m ediante o direito do indivíduo à informação relacionada com o meio ambiente que esteja em mãos das autoridades públicas. Na p. 5, nota 4, do Relatório da OEA, lê-se: “A mesma lógica se aplica à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre M udança Climática (04.06.1992), ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança à Conven­ção sobre Diversidade Biológica (Montreal, 29.01.2000), art. 23, ao art. 10(1) da Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (Estocolmo, 22.05.2001), à Convenção deEspoo sobre Avaliação do Impacto Ambiental num Contexto Transfronteiriço, adotada em 25.02.1991, no decorrer dos preparativos para a Conferência do Rio, ã Convenção sobre Responsabili­dade Civil por Danos Resultantes de Atividades Perigosas ao Meio Ambiente (Lugano, 26.06.1993), Capítulo III, compreendendo os arts. 13 a 16, ao Convênio Norte-Americano sobre Cooperação Ambiental (Washington, D.C., 13.09.1993), art. 2(1), a, 14. Também conhecido como acordo complementar ao NAFTA, o tratado inclui acordos institucionais para participação pública e é o primeiro acordo ambiental a estabelecer um procedimento para apresentação de queixas de indivíduos e organiza­ções quanto a deixar o Estado de fazer valer sua legislação ambiental, inclusive a que decorra de obrigações internacionais”.

3) A Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública no Processo de Tomada de Decisão e Acesso ã Justiça em Questões Am ­bientais (Aarhus, Dinamarca, 25.06.1998), assinada por 35 Estados e a Com unidade Européia, adota um enfoque amplo, apoiando-se em textos anteriores, especialmente no Princípio 1 da Declaração de Estocolmo. Seu Preâmbulo declara que “toda pessoa tem o direito de viver num meio am biente adequado à suá saúde e bem -estar e o dever, tanto individualm ente quanto em associação com outros, de proteger e m elhorar o meio ambiente em benefício da geração atual e das gerações futuras”.

4) A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Nova York, 20.11.1989) faz referência aos aspectos da proteção am­biental relacionados com o direito da criança à saúde. O seu art. 24 dispõe, entre outras coisas: “ 1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de gozar do m elhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratam ento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados-partes envidarão esforços no sentido de assegurar que nenhu­

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ma criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários. ( ...) 2. Os Estados-partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as medidas apropriadas com vistas a: ( ...) c) combater as doenças e a desnutrição, dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecimento de alimentos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição ambiental”.

5) A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Banjul, 26.06.1981) inclui várias disposições relacionadas com o direito ao meio ambiente sadio. O art. 24, por exemplo, declara: “Todos os po­vos têm direito a um meio ambiente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvimento”.

6 ) 0 art. 3 7 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, dispõe: “Todas as políticas da União devem integrar um elevado nível de proteção do am biente e a m elhoria da sua qualidade, e assegurá- -los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável”.

7) O art. 111 do Tratado para o Estabelecimento da Comunidade da África Oriental, por fim, estabelece que “um meio ambiente limpo e sadio é precondição para o desenvolvimento sustentável”.

Tais textos internacionais estão a demonstrar, portanto, a exces­siva preocupação dos Estados para com a proteção internacional dos direitos hum anos e do meio ambiente, visando salvaguardar o futuro do planeta no que diz respeito a tais matérias, ainda mais quando se tem em conta a emergência do direito internacional do meio ambiente e seu papel prim ordial para o futuro da humanidade.

7. Leitura com plem entar:

1. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto: Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993.

2. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A proteção internacional dos direitos humanos e o direito internacional do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, ano 9, v. 34, São Paulo, abr.-jun. 2004, p. 97-123.

3. NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito ambiental inter­nacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio dejaneiro: Thex, 1995.

NOÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE 1 9 5

4. SILVA José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

5. SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio am­biente. Barueri: Manole, 2003 (Série Entender o Mundo, v. 2).

Para aprofundar:

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; BADIALI, Giorgio. La tutela intemazionale deli’ambiente. Napoli: Edizioni Scientifi- che Italiane, 1995; BALLENEGGER, Jacques. Lapollution en droit intemational: la responsabilitépour les dommages causés par lapollu- tion transfrontière. Genève: Dalloz, 1975; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. The contribution of intemational human rights law to environmental protection, w ith special reference to global enviromnental change. In: EdithBrown Weiss (ed.). Environmental change and intemational law: new challenges and dimensions. Toquio:United Nations University Press, 1992, p. 244-312;_________. Meioambiente e desenvolvimento: formulação e implementação do direito ao desenvolvimento como um direito humano. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, ano XLV,jul.-nov./1992, ns. 81/83, p. 49-76; CLABOT, Dino Bellorio. Tratado de derecho ambiental. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1997; KISS, Alexandre & SHELTON, Dinah. Traité de droit européen de Venvironnement. Paris: Frison-Roche, 1995; MATHIEU, Jean-Luc. Laprotection intemationale de Venvironnement. Paris: Presses Universitaraires de France, 1991; SOARES, Guido Fernando Silva. Direitos humanos e meio ambiente. In: Alberto do Amaral Júnior e Cláudia Perrone-Moisés (orgs.). O cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: Edusp,1999;_________ . Direito internacional do meio ambiente: emergência,obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001.

C a p ít u l o X V I

R esponsabilidade I n ter n a c io n a l d o Estado

1. C onceito d e resp o n sab ilid ad e in ternacional: assim como os atos ilícitos praticados pelos cidadãos, no âm bito do direito in ­terno dos Estados, m erecem um a devida reprim enda, a prática de um ato ilícito internacional, assim entendido todo ato violador de um a norm a de DIP, por parte de um Estado em relação aos direitos de outro, gera igualm ente a responsabilização do causador do dano, em relação àquele Estado contra o qual o ato ilícito foi cometido. É necessário, portanto, que nas relações entre Estados haja um critério m ínim o de justiça que m antenha estável o bom entendim ento entre as potências estrangeiras, im pondo àquele Estado que abala ou viola essa estabilidade um ônus juríd ico com o qual deverá arcar.

A responsabilidade internacional do Estado é o instituto que visa responsabilizar determ inado Estado pela prática de um ato atentató­rio ao direito internacional (ilícito) perpetrado contra outro Estado, prevendo certa reparação a este últim o pelos prejuízos e gravames que injustam ente sofreu.

Portanto, o institu to da responsabilidade tem dupla finalidade:d) visa, em prim eiro lugar, coagir psicologicam ente os governantes dos Estados a fim de que os m esmos não deixem de cum prir com os seus com prom issos internacionais (finalidade preventiva); e b) em segundo plano, visa atribuir àquele Estado que sofreu um prejuízo, em decorrência de um ato ilícito com etido por outro, um a ju sta e devida reparação (finalidade repressiva).

A questão da responsabilidade internacional do Estado é, hoj e, uma das mais importantes do direito internacional, tanto assim que a Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas colocou-a em sua pri­meira sessão de 1949, no rol dos quatorze problemas prioritários do DIP

2. Características da responsabilidade internacional: o princí­pio fundamental da responsabilidade internacional traduz-se na ideia de

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 1 9 7

justiça, por meio da qual os Estados estão vinculados ao cumprimento daquilo que assumiram no cenário internacional, devendo observar seus compromissos de boa-fé e sem qualquer prejuízo aos outros Estados. Portanto, o Estado é internacionalmente responsável por toda ação ou omissão que lhe seja imputável de acordo com as regras do direito inter­nacional público, e das quais resulte violação de direito alheio ou violação abstrata deumanorma jurídica intemacionalporeleanteriormenteaceita.

O instituto da responsabilidade internacional do Estado, diferen­tem ente da responsabilidade atinente ao direito intem o, visa sempre a reparação de um prejuízo causado a determinado Estado em virtude de ato ilícito praticado por outro. A reparação (civil) é a restitutio ín integrum, tendo por finalidade fazer voltar as coisas ao status quo. Aos poucos a reparação vai sendo substituída pela indenização, sempre que não for possível, material ou juridicam ente, reparar o dano causado pelo ato ilícito estatal.

A responsabilidade internacional praticam ente desconhece a responsabilidade penal, como a imposição de penas, castigos ou outras formas de repressão criminal congêneres. A responsabilidade penal, no direito internacional, só tem lugar excepcionalmente, como nos casos dos crimes de guerra e dos crimes contra a hum anidade, o que já caracteriza a responsabilidade pessoal do indivíduo.

A responsabilidade internacional opera-se sempre de Estado para Estado, ainda que o ato ilícito tenha sido praticado por um indivíduo ou ainda quando a sua vítima sej a um particular. Internacionalm ente, na prim eira hipótese, faz-se necessário o endosso da reclamação do Estado nacional da vítima. Da mesma forma, quando se tem em jogo um ato ilícito cometido por particular, será o seu Estado respectivo (e não o próprio particular) que sofrerá a responsabilização internacio­nal (a menos que este ato, como se falou no parágrafo anterior, não configure a violação de um tipo penal internacional, caso em que tal responsabilidade será pessoal).

A teoria da responsabilidade internacional tem sido também apli­cada às organizações internacionais. Estas podem, inclusive, utilizar-se da proteção diplomática em relação aos seus funcionários. Aproteção diplomática, em certos casos, pode ser exercida até mesmo por agências ou organismos internacionais especializados.

1 9 8 DIREITO INTERNACIONAL PÜBLICO - P a r t e G e r a l

3. Elementos constitutivos da responsabilidade: a doutrina intem acionalista é unânim e em afirmar que são três os elementos que compõem o instituto da responsabilidade internacional do Estado: a) a existência de um ato ilícito internacional; b) a presença da imputabi­lidade; e c) a existência de u m prejuízo ou um dano a outro Estado.

O prim eiro elemento constitutivo da responsabilidade (ilicitude internacional do ato) consubstancia-se na violação de um a norm a de direito internacional, com preendendo tanto o fato positivo (co- missivo) como o fato negativo (om issivo).

Vez ou outra se admite que eventos lícitos, mas que causem ris­cos im inentes e excepcionais às pessoas ou ao meio ambiente, como testes nucleares e poluição m arítim a por hidrocarburetos, também podem acarretar a responsabilidade internacional do Estado. Nestes casos, assim como nos ligados ao lançamento de engenhos espaciais ou outras formas de degradação congêneres, o elemento dano deixaria de estar presente entre os elementos caracterizadores da responsabilidade (que, neste caso, passaria a contar tão somente com o ato ilícito e com a imputabilidade).

Também não se descarta a prática de um a ofensa moral (positiva ou negativa) de um Estado em relação a outro (ex.: ofensa aos símbolos nacionais de um país, etc.). Mas, neste caso, por se tratar de ofensa moral, não haverá sanção propriam ente jurídica ao Estado ofensor, a não ser por meio da opinião pública internacional (o que poderá causar- -lhe inúm eros prejuízos, no que tange à sua reputação internacional).

A im putabilidade, por sua vez, é o nexo causai que liga o ato danoso violador do direito internacional (ou a omissão estatal) ao responsável causador do dano (autor direto ou indireto do fato). Ou seja, é o vínculo juríd ico que se forma entre o Estado que transgrediu a norm a internacional e o Estado que sofreu a lesão decorrente de tal violação. Nem sem pre, porém , o autor im ediato de um ato ilícito internacional é diretam ente responsável por ele, à luz do direito in ­ternacional público. Os Estados serão sempre responsáveis pelos atos praticados pelos seus funcionários, quando tais atos forem praticados em seu nom e (do Estado). De qualquer forma, o que caracteriza a im putabilidade é a possibilidade de o ato antijurídico ser im putável ao Estado na sua condição de sujeito de direito intem acionalpúblico,

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 1 9 9

ainda que praticado por agente ou funcionário seu, quando então a im putabilidade e a autoria do fato se confundem .

Por fim, tem-se a existência de um prejuízo ou um dano a outro Estado como o terceiro elem ento constitutivo da responsabilidade internacional. Tal prejuízo (resultado antijurídico do fato) pode ser moral ou material, e pode ter decorrido de um ato ilícito cometido por um Estado ou por um particular em nom e do Estado. A existência do dano é o fato gerador da responsabilidade e possibilita ao Estado lesado em seu direito vindicar uma reparação para o mal a ele causado.

4. Form as d e resp onsab ilidade in ternacional: são várias as formas conhecidas de responsabilidade internacional dos Estados, sendo as mais comuns as seguintes espécies: a) responsabilidade di­reta e indireta; b) responsabilidade por comissão e por omissão; e c) responsabilidade convencional e delituosa.

A responsabilidade do Estado será direta quando o ato ilícito (positivo ou negativo) for praticado pelo próprio governo estatal, por órgão governamental ou por funcionários do seu governo. Também se enquadram nesta categoria os atos praticados por particulares, quando a prática do ato decorre da atitude do Estado em relação a este particular, ou seja, quando a atividade do particular possa ser im pu­tada ao Estado. Neste caso o Estado será responsável se não empregar a necessária diligência para prevenir tais atos, dentre os quais podem ser citados os atentados contra chefes de Estado, insultos à bandeira ou outros símbolos nacionais, os atos de pirataria, o tráfico de escravos etc.

Será indireta a responsabilidade quando o ilícito for cometido por particulares ou por um grupo ou coletividade que o Estado representa na esfera internacional, a exemplo dos ilícitos cometidos por um a co­m unidade sob tutela estatal (um território sob m andato etc.) ou por um Estado protegido, onde figura como responsável o governo que o administra ou o Estado que o protege.

A responsabilidade será por comissão quando o ilícito internacio­nal for decorrente de um a ação positiva do Estado ou de seus agentes, e por omissão quando o Estado (ou seus agentes) se om itir ou deixar de praticar um ato requerido pelo DIP, em relação ao qual ele tinha o dever jurídico de praticar.

2 0 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

Por fim, a responsabilidade do Estado será convencional quando resultar do descumprimento ou da violação de um tratado internacional de que é parte este mesmo Estado, ou ainda em relação ao qual o mesmo está juridicam ente obrigado. Será delituosa a responsabilidade, por sua vez, quando o ato ilícito praticado pelo Estado se der em violação de uma norm a proveniente do direito costumeiro internacional.

5. N atureza jurídica da responsabilidade internacional: exis­tem duas grandes teorias acerca da natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado: a corrente subjetivista (também chamada de teoria da culpa) e a objetivista (conhecida como teoria do risco).

A doutrina subjetivista, ou teoria da culpa, defendida inicialmente por Hugo Grotius, apregoa que a responsabilidade internacional deve derivar de um ato culposo (stricto sensu) do Estado, ou doloso, em ter­mos de vontade de praticar o ato ou evento danoso. Ou seja, para esta doutrina, não basta a prática de um ato internacional objetivamente ilícito: é necessário que o Estado que o praticou tenha agido com culpa (im prudência, negligência ou imperícia) ou com dolo intencional.

A doutrina objetivista, ou teoria do risco, por sua vez, pretende dem onstrar a existência da responsabilidade do Estado no simples fato de ter ele violado um a norm a internacional que deveria respeitar, não se preocupando em saber quais foram os motivos ou os fatos queo levaram a atuar delituosam ente. Ou seja, para a doutrina objetivista não im porta a eventual culpa ou dolo do Estado, devendo sua res­ponsabilidade ser auferida pela simples demonstração da violação de norm a internacional que havia se obrigado a cumprir.

Esta teoria foi afirmada por Triepel, seguido por Anzilotti, que rejeitava em definitivo a teoria da culpa. Para a teoria objetivista, por­tanto, a responsabilidade do Estado surge em decorrência do nexo de causalidade existente entre o ato ilícito praticado por ele e o prejuízo sofrido por outro, sem necessidade de se recorrer ao elemento psicológico para auferir a responsabilidade do primeiro. Aqui está em jogo apenaso “risco” (que, contudo, também integra o dolo, mas sem a existência de vontade específica) que o Estado assume ao praticar determinado ato (violador do direito internacional).

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 2 0 1

Esta teoria tem sido utilizada em casos que tratam da exploração cósmica e de energia nuclear, bem como os relativos à proteção inter­nacional do meio ambiente.

A ju risp rudência in ternacional, contudo, ainda con tinua se u tilizando em larga escala da teoria subjetivista (ou teoria da culpa), que protege mais o Estado do que a teoria objetivista ou do risco. Esta últim a tem sido ainda aplicada em pequena escala na jurisprudência internacional, ainda que já se tenha começado a perceber um certo aum ento de decisões a seu favor.

Uma terceira corrente (chamada de teoria m ista), defendida por Triepel e Strupp, apregoa que a culpa só pode ser utilizada nos ilícitos internacionais que o Estado pratica por omissão. Neste caso, estaria presente a negligência do Estado, o que daria margem à sua respon­sabilização internacional. Poderia ser tido como exemplo de um a tal negligência a m orosidade ou a falta de vontade do Estado em elaborar uma lei requerida pelo direito internacional. Já em relação ao risco, para esta teoria mista, este som ente seria aplicado nos delitos praticados por atos positivos do Estado (praticados por comissão). Esta doutrina, entretanto, não teve m aior consagração na teoria da responsabilidade internacional.

6. Ó rgãos in ternos e responsab ilidade in ternacional: os Po­deres Executivo, Legislativo e Judiciário, quando da prática de atos atentatórios ao direito internacional, também geram para o Estado respectivo a responsabilidade internacional, na medida em que são Poderes que atuam em nome do Estado e com sua autorização.

O Poder Executivo ainda é o grande vilão e maior responsável pelo com etim ento de ilícitos e pela violação de norm as internacio­nais. Os atos ilícitos praticados pelo Executivo ou pelos seus agentes, tanto no âmbito in tem o como no âmbito internacional, são geradores de responsabilidade. São exemplos de tais práticas, levadas a efeito diretam ente pelo Executivo, a conclusão de contratos ou concessões, prisões ilegais ou arbitrárias, injustiças contra estrangeiros e a con­cessão de anistia contrária às regras do DIP. Isto não exclui a prática de atos ilícitos praticados por agentes ou funcionários do Executivo.O Estado responde pelo ilícito internacional mesmo no caso de o fun­

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cionário ser incom petente para a prática do ato, posto que a qualidade oficial do funcionário vincula o Estado, a fim de garantir estabilidade e segurança às relações internacionais.

O Poder Legislativo viola o direito internacional quando, por exemplo, edita leis contrárias ao conteúdo de tratados internacionais anteriormente aprovados, com o intuito de burlar aquilo que foi pac­tuado internacionalmente. Da mesma forma, o Legislativo incorre em responsabilidade internacional se deixa de aprovar determinada legisla­ção necessária ao cumprimento de tratado anteriormente aprovado (por ele mesmo) e já em vigor internacional. De recordar-se aqui, mais uma vez, o que decidiu a antiga Corte Permanente de Justiça Internacional, em 1932: “Um Estado não pode invocar contra outro Estado sua pró­pria Constituição para se esquivar a obrigações que lhe incumbem em virtude do Direito Internacional ou de tratados vigentes”. Aliás, temos defendido, há vários anos, que o Poder Legislativo, quando aprova um compromisso internacional, está assumindo a obrigação negativa de não legislar em desacordo com aquilo que ele próprio anteriormente aprovou, emrespeito à teoria do ato próprio, segundo a qual venirecon­tra factumproprium non valet (cf., a esse propósito, Valerio de Oliveira Mazzuoli, Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969,2. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 336 e 412). A atuação do Parlamento tem, portanto, um papel prim ordial de respeito para com as norm as internacionais (que ele mesmo aprovou, por meio de Decreto Legislativo, promulgado pelo Presidente do Senado) ratificadas pelo Estado, as quais prevalecem sobre a legislação ordinária interna e têm de ser respeitadas pelo Poder Legislativo, sem que isso signifique, em absoluto, o impedimento de sua atividade político-jurídica consistente na função de legislar.

Também não se exclui a responsabilidade internacional do Es­tado no caso de os poderes Legislativo e Executivo adotarem um a lei ordinária (segundo o processo legislativo descrito pela Constituição) com conteúdo flagrantemente contrário às norm as internacionais queo país se comprometeu a cumprir.

O Poder Judiciário, por sua vez, não obstante ser independente e ter garantida a sua atuação jurisdicional, tam bém pratica ilícito internacional, afetando o Estado em m atéria de responsabilidade

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 2 0 3

internacional, por exemplo quando julga em desacordo com tratado in ternacional ratificado pelo Estado e em vigor internacional, ou mesmo quando não julga com base em tratado internacional que de­veria conhecer, denegando o direito da parte que o invoca com base em convenções internacionais. Trata-se, neste caso, da hipótese em que o Estado, por meio do seu Poder Judiciário, recusa a aplicação da justiça, im possibilitando, por exemplo, um estrangeiro de obter o provim ento que solicita (caso em que passa a caber a este o instrum en­to da reclamação diplom ática), ou mesmo quando a decisão judicial é contrária às obrigações internacionais assumidas pelo Estado no âmbito internacional. A este ato ilegal do Judiciário estatal, causador de responsabilidade, dá-se.o nom e de denegação dejustiça, podendo esta ser positiva (quando se nega a um estrangeiro o seu direito) ou negativa (quando se decide contrariamente a um direito do estrangeiro em território nacional).

Não se pode esquecer, aqui, que o não cumprimento de sentença proferida por tribunal com jurisdição internacional (que, como já vimos, dispensa homologação pelo STF) pelo Judiciário estatal também é causa de responsabilidade internacional do Estado. Todo Estado que aceita a competência contenciosa de um tribunal internacional está obrigado a dar cumprimento à decisão que, porventura, vier a ser proferida. Caso não o faça, estará descumprindo obrigação de caráter internacional e, portanto, sujeito às sanções que a sociedade internacional houver por bem lhe aplicar.

7. Excludentes da responsab ilidade: não são todos os ilícitos internacionais que acarretam a responsabilidade internacional do Estado, existindo determ inadas circunstâncias capazes de excluí-la no âmbito internacional, liberando o Estado da obrigação de repararo dano. Dentre elas, merecem destaque a legítima defesa do Estado, as represálias, a prescrição liberatória, bem como os danos que um Estado provoca em outro ao fazer represálias a este últim o.

A legítima defesa encontra guarida no art. 51 da Carta das Nações Unidas, que assim dispõe:

“Art. 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de

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Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Mem­bros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas im ediatam ente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à m anutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais”.

Tais atos de legítima defesa, também chamados de contramedidas, afastam a responsabilidade internacional do Estado, mas só podem ser aplicados quando existir um dano anteriorm ente verificado. As contramedidas têm um a função protetora (pois visam im pedir ataques injustificados a um Estado), uma função punitiva (tendo em vista a reprovação do ato ilícito internacional) e um a função reparadora (pois obrigam o outro Estado a reparar o dano causado).

A legítima defesa pressupõe sempre um a agressão injusta (sem causa) e um a reação levada a efeito pela necessidade de defesa. Essa reação do Estado deve ser manifestada de maneira adequada, propor­cional ao ataque ou ao perigo im inente.

Tem-se também as represálias, que em verdade são atos ilícitos, contudo a única forma de revidar outro ato ilícito perpetrado pelo outro Estado agressor, servindo também como forma excludente da respon­sabilidade internacional. As represálias, da mesma forma que a legítima defesa, devem decorrer de um ato prévio e ser proporcionais ao ataque.

Outra forma de exclusão da responsabilidade é a prescrição liberató- ria, que é extintiva e advém do silêncio do Estado lesado pelo ato ilícito, após um largo período de tempo que o direito internacional não obriga­toriamente especifica. O silêncio do Estado vítima do prejuízo extingue a responsabilidade do infrator pela aceitação da situação de fato que, em outras circunstâncias, seria passível de responsabilização internacional.

Não se descarta, também, a questão da culpa do Estado lesado, que deu causa ao dano ou contribuiu para que o mesmo tivesse lugar.

A doutrina tem entendido que o chamado estado de necessidade não desonera o Estado de sua responsabilidade internacional, uma vez

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESIADO 2 0 5

que não é facultado a nenhum a potência estrangeira a proteção de seu território em detrim ento dos direitos de terceiros.

8. Projeto de convenção internacional da ONU: em 1996, a Co­missão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas aprovou, em sua 48.aSessão, o texto do primeiro projeto (draji) de convenção internacional sobre a responsabilidade internacional do Estado, desenvolvido com base nos trabalhos de sistematização do Prof. Roberto Ago. Atendendo às críti­cas de alguns países, o projeto inicial foi revisto pela mesma comissão, que finalmente o aprovou em 2001, na sua 53.a Sessão. Após sua aprovação, o projeto foi encaminhado à Assembleia Geral da ONU para que esta pudesse verificar apossibilidade de adoção do seu texto, abrindo-se a oportunidade para as assinaturas e respectivas ratificações por parte dos Estados.

Dentre os assuntos tratados no projeto, podem ser citados, exem- plificativam ente: os elem entos da responsabilidade internacional (art. 2.°); a caracterização das violações internacionais (art. 12); a responsabilidade do Estado em conexão com ato de outro (art. 16); a coerção de Estados (art. 18); as excludentes de ilicitude internacional (arts. 20 a 25); as formas de reparação do dano (arts. 34 a 39) etc.

9. Leitura com plem entar:

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WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.

A nexos

■ I - Q uestões O bjetivas de C oncursos P úblicos

A - d ir e it o in t e r n a c io n a l p ú b l ic o

I (AGU —2002)

1. Acerca das fontes do Direito Internacional Público (DIP), julgue os seguintes itens:

a). A parte que invoca uin costum e tem de demonstrar que ele está de acordo com a prática constante e uniforme seguida pelos Estados em questão.

b) Os precedentes judiciais são vinculativos tão somente para as partesem um litígio e em relação ao caso concreto, não tendo, assim, obrigatorie­dade em DIP. -

c) Constituem funções da doutrina o fornecimento da prova do conteúdo do direito e a influência no seu desenvolvimento.

d) O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, ao indicar as fontes do DIP que um tribunal irá aplicar para resolver um caso concreto, concede posição mais elevada para as normas convencionais, que devem prevalecer sempre sobre todas as outras.

e) Ainda hoje, o rol das fontes indicado no Estatuto da Corte Interna­cional de Justiça é taxativo.

2 . Quando soarem as doze badaladas da meia-noite do dia 19 de maio de 2002, o m undo acolherá com satisfação o Timor Leste na família das nações. Será um m om ento histórico para o Timor Leste e para as Nações Unidas. Um povo orgulhoso e tenaz realizará o sonho com um a todos os povos de viver com o hom ens e mulheres livres sob um governo que eles m esmos escolhe­ram - Kofx Annan, O mundo não pode abandonar o Timor Leste, Folha de S. Paulo, 19.05.2002, A-29 (com adaptações).

A partir do texto acima, julgue os itens que se seguem:a) Para satisfazer a condição de Estado, tal como prescreve o direito inter­

nacional público, o Timor Leste devepossuir: território, população, governo, independência na condução das suas relações externas e reconhecimento dos demais atores que com põem a sociedade internacional.

2 1 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

b) Para o direito das gentes, o ingresso nas Nações Unidas é condição neces­sária para que um Estado possa ser considerado sujeito de direito internacional.

c) A população de um país é o conjunto de pessoas (nacionais e estran­geiros) fisicamente instaladas em seu território.

d) O governo timorense deve ser reconhecido pelos demais membros da comunidade internacional como condição necessária para o reconhecimento do novo Estado.

e) A nacionalidade, vínculo jurídico-político que une um indivíduo a um Estado, só pode ser concedida pelos Estados, que devem observar os princípios do direito internacional que regulam a matéria.

3. Tendo em vista o entendimento do direito internacional, bem como a prática brasileira acerca de tratados internacionais, julgue os itens subse­quentes:

a) Tratado internacional é um acordo celebrado por escrito entre sujei­tos de direito internacional que produz efeito jurídico, qualquer que seja sua denominação particular.

b) No Brasil, as convenções internacionais do trabalho, uma vez incor­poradas ao ordenamento jurídico nacional, têm força de lei ordinária.

c) Na ausência de preceito constitucional claro, o STF firmou entendi­mento de que os tratados internacionais de direitos humanos estão acima da Constituição da República.

d) O Congresso Nacional brasileiro resolve definitivamente sobre tra­tados internacionais ao ratificá-los no plano externo.

e) Salvo afronta à regra de direito intemo de importância fundamental sobre competência para concluir tratado, uma parte não pode invocar dispo­sições de seu direito intemo para justificar o descumprimento de um tratado.

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Matéria: Direito Internacional

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ANEXO I - QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS 2 1 9

B-DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

(DELEGADO-SP —2000)

1. Quais os primeiros marcos do processo de internacionalização dos Direitos Humanos?

a) Direito Humanitário, Liga das Nações e a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

b) Direito Humanitário, Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.

c) Liga das Nações, Organização Internacional do Trabalho e a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

d) Organização Internacional do Trabalho, Direito Humanitário e a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

2. A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas deverá submeter propostas, recomendações e relatórios referentes aos instrumentos interna­cionais de Direitos Humanos ao (à):

a) Conselho Econômico e Social.b) Conselho de Tutela.c) Conselho de Segurança.d) Corte Internacional de Justiça.

3. Tecnicamente a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) constitui:

a) um acordo internacional.b) uma recomendação.c) um tratado internacional.d) um pacto.

4. Os direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos Civis de Políticos (1966):

a) têm autoaplicabilidade, mas não criam obrigações legais aos Estados- -membros.

b) demandam aplicação progressiva e não criam obrigações legais aos Estados-membros.

c) demandam aplicação progressiva e criam obrigações legais aos Estados-membros.

d) têm autoaplicabilidade e criam obrigações legais aos Estados-mem- bros. '

2 2 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

5. N o campo dos Direitos Humanos, num eventual conflito entre normas previstas em tratados internacionais e preceitos de direito intem o, aplica-seo princípio da:

a) anterioridade da lei.

b) especialidade.

c) norma mais favorável à vítima.

d) norma de hierarquia superior.

6. De acordo com a teoria “m onista”, para que haja a incorporação dos tratados de direitos hum anos ao direito brasileiro:

a) A ratificação não é suficiente, sendo necessária a edição de ato legis­lativo intem o determinando a incorporação.

b) A ratificação é suficiente para imediata aplicação já que o poder legislativo participa do processo de incorporação.

c) Não é necessária a ratificação para a incorporação, sendo suficiente a aprovação do Poder Legislativo.

d) A ratificação ê suficiente para a imediata aplicação já que o poder legislativo não participa do processo da incorporação.

GABARITO: 1-B; 2-A; 3-B; 4-D; 5-C; 6-B.

(DELEGADO-SP - 2003)

1. A prevalência dos direitos humanos constitui um dos:

a) princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas rela­ções internacionais.

b) objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.c) objetivos derivados da República Federativa do Brasil.

d) objetivos fundamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos m unicípios.

2 . Resolução proclamada pela Assembleia Geral da ONU contém trinta artigos, precedidos de um Preâmbulo, com sete considerandos, na qual se assegura o princípio da indivisibilidade dos direitos humanos.

O texto acima se refere à:

a) Carta das Nações Unidas.

b) Declaração Universal dos Direitos Humanos.c) Declaração Americana dos Direitos Humanos.

d) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

ANEXO I - QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS 2 2 1

3 . Estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos com o m eios de proteção e órgãos com ­petentes “para conhecer dos assuntos relacionados com o cumprimento dos compromissos assum idos pelos Estados-partes nesta Convenção” a:

a) Convenção Americana sobre Direitos Humanos.b) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.c) Carta das Nações Unidas.d) Declaração Universal dos Direitos Humanos.

GABARITO: 1-A; 2-B; 3-A.

(TRF5.a REGIÃO-1999)

1 . Um tratado internacional passa a ser vigente no Brasil e pode ser aplicado pelo juiz, SOMENTE após sua:

a) ratificação pelo Senado Federal.b) ratificação pelo Congresso Nacional.c) ratificação internacional pelo Presidente da República.d) aprovação pelo Congresso Nacional, por um Decreto Legislativo.e) promulgação pelo Presidente da República.

2 . Tratados, Convenções e Acordos.

a) Tratados, convenções e protocolos não significam qualquer classifica­ção de tipos de atos internacionais multilaterais, quanto à sua normatividade.

b) Tratados são atos internacionais multilaterais de maior importância e se reservam aos assuntos mais relevantes que os versados em convenções internacionais.

c) Os protocolos som ente podem ser assinados se houver um tratado internacional anterior sobre o mesmo assunto e entre os mesmos Estados Partes.

d) “Convenções Internacionais” são denominações reservadas aos atos adotados no âmbito da OIT (Organização Internacional do Trabalho), en­quanto que “Tratados Internacionais”, aos atos adotados no âmbito da ONU (Organização das Nações Unidas).

e) Os acordos internacionais entre Estados não são “Tratados”, no sentido emprestado a este termo pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

3 . Responsabilidade internacional dos Estados.

a) Não há violação de um dever internacional, no caso de o Poder Legis­lativo e o Poder Executivo colaborarem para a adoção de uma lei ordinária,

2 2 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

segundo o processo legislativo estabelecido na Constituição, mas que se encontre em flagrante oposição a normas cogentes internacionais.

b) Os atos do Poder Judiciário não podem dar causa à responsabilidade internacional dos Estados, porquanto são atos regidos nas leis internas.

c) Somente os atos políticos do Poder Executivo podem dar causa à responsabilidade internacional dos Estados.

d) Para o Direito Internacional, é irrelevante se uma violação de um dever internacional foi motivado ou não por uma lei intem a do Estado.

e) A responsabilidade internacional dos Estados som ente pode ser definida pelas leis internas dos mesmos.

4 . Validade da sentença estrangeira.

a) A sentença judiciária estrangeira para ser exeqüível no Brasil, ne­cessita de estar conforme às normas dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte.

b) A sentença judiciária estrangeira só é exeqüível no Brasil, se a com­petência do juiz estrangeiro for semelhante à do juiz brasileiro.

c) A sentença judiciária estrangeira que ofender à ordem pública, só é exeqüível no Brasil após sua homologação pelo juiz do lugar de sua execução.

d) Qualquer sentença judiciária estrangeira só é exeqüível no Brasil após homologação pelo Supremo Tribunal Federal.

e) Som ente as sentenças estrangeiras penais e condenatórias, para sua execução no Brasil, dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal.

Gabarito: 1-E; 2-A; 3-D; 4-D.

(TRF 4.a REGIÃO-2000)

Assinale a alternativa correta:

a) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tratados internacionais normativos têm supremacia sobre o direito positivo intem o em matéria tributária.

b) Os tratados internacionais são celebrados por decreto legislativo do- Congresso Nacional.

c) A promulgação dos tratados internacionais é da com petência do Presidente da República.

d) Após a aprovação definitiva pelo Congresso N acional, o tratado internacional passa a ser obrigatório no direito positivo intem o.

CORRETA: letra C.

ANEXO I - QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS 2 2 3

(TRF 3.a REGIÃO-2 0 0 3 )

65. Compete a celebração de tratados, convênios e atos internacionais:

a) ao Presidente da República após a aprovação do Congresso Nacional.b) ao Presidente da República “ad referendam" do Senado Federal.

c) ao Presidente da República “ad referendum” do Congresso Nacional.d) ao Presidente da República após a aprovação da Câmara dos Deputados.

Resposta: C.1

(TRF 4.a REGIÃO - 2004)

91 . Assinalar a alternativa correta.

I. A denominação dos tratados internacionais é irrelevante para a deter­minação de seus efeitos ou de sua eficácia, sendo indiferente sejam chamados de acordo, convenção, ajuste, pacto ou liga.

II. Segundo o número de Estados-partes, os tratados serão sempre m ul­tilaterais, sendo inadm issível a hipótese de tratado unilateral.

III. Segundo a possibilidade de participação, os tratados serão abertos ou fechados.

IV Segundo o m odo de entrada em vigor, os tratados poderão ser “em devida forma”ou “em forma simplificada”.

a) Estão corretas apenas as assertivas II e IV.b) Estão corretas apenas as assertivas I, II e III.c) Estão corretas apenas as assertivas I, III e IV

d) Todas as assertivas estão corretas.

Resposta: C.

(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL-18.° CONCURSO)

14 . A proteção dos direitos humanos:

I—independe, segundo a doutrina contemporânea, de fronteiras nacio­nais e jurisdição doméstica, por serem tais direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e não dependentes de reconhecimento estatal.

II - tem com o importantes instrumentos, no plano global, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 das Nações Unidas e os Pactos In-

1. Vej'a-se que o enunciado da questão se refere à celebraçao do tratado, que é sempre prévia à manifestação congressual (CF, art. 84, VIII).

2 2 4 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

tem acionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econôm icos, Sociais e Culturais de 1966, e, no plano regional, a Convenção Americana sobre Direitos Hum anos de 1969 (“Pacto de Sanjosé de Costa Rica”).

III — no sistem a da OEA, tem com o órgãos com petentes a Comissão Interamericana de Direitos Hum anos, com sede em W ashington DC, nos Estados U nidos da América, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, sediada em Sanjosé da Costa Rica.

Analisando-se as asserções acima, pode-se afirmar que:

a) todas são corretas.

b) todas são incorretas.

c) som ente as de números I e II estão corretas.

d) som ente as de números II e III estão corretas.

Resposta: A.

(DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO-2004)

Acerca do processo de incorporação, vigência e extinção dos tratados internacionais relativos a direitos humanos no ordenamento jurídico brasi­leiro, julgue os itens subsequentes.2

151 Em geral, os tratados internacionais m odernos relativos a di­reitos hum anos são convenção celebradas sob os auspícios de organizações internacionais globais ou regionais, antecedidos por inúm eras sessões de trabalhos preparatórios, destinadas à apresentação, negociação e com posição do texto-base do in s­trum ento convencional, tendo com o objeto e fim a proteção dos direitos fundam entais do ser hum ano e não o intercâmbio recíproco de direitos para o benefício m útuo dos Estados con­tratantes, conform e ocorre nos tratados internacionais de tipo tradicional.

152 C oncluída a fase de negociação m ultilateral, cabe ao Estado brasileiro, por m eio do seu chefe ou, por delegação, de um ple- nipotencíário, a decisão discricionária de assinar o instrumento convencional, com ou sem reservas, ou promover novos estudos no âmbito interno; porém , ao assiná-lo, constitui-se o vínculo obrigacional no plano do direito internacional.

153 De acordo com o texto da proposta de Emenda Constitucional n. 2 .920/2000 (Reforma do Poder Judiciário), aprovada em 1.°

2. Assinalar C (Certo) ou E (Errado).

turno de votação no Senado Federal, os tratados e convenções internacionais referentes a direitos hum anos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

1 5 4 Tratados internacionais relativos a direitos hum anos podem conter autorização expressa para form ulação de quaisquer reservas que o Estado-parte considere apropriadas, desde que tais reservas não sejam incom patíveis com o objeto e o fim do tratado, não estando sujeitas à aceitação ulterior dos dem ais Estados contratantes.

155 A denúncia de um tratado internacional a respeito de direitos humanos pelo chefe do Poder Executivo está condicionada apenas à prévia aprovação do ato pelo Poder Legislativo.

Respostas: 151-C; 152-E; 153-C; 154-C; 155-E.

N o que se refere ao sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, julgue os itens a seguir.3

1 5 6 Qualquer pessoa pode apresentas à Comissão Interamericana de Direitos H um anos (CIDH) petições que contenham denúncias ou queixas de v iolações aos direitos consagrados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos por um Estado-parte, desde que, esgotados os recursos de direito interno, o p leito obtenhao endosso do Estado do qual o indivíduo seja nacional.

1 57 A comprovação da condição de vítima é requisito de admissibili­dade do caso perante a CIDH e a cláusula que prevê o direito de petição individual é facultativa, ao passo que a cláusula de petições interestatais é obrigatória.

1 58 Admitida a demanda perante a CIDH, as supostas vítimas, seus fa­miliares ou seus representantes devidamente acreditados poderão apresentar suas solicitações, argumentos e provas de forma autô­noma, durante todo o processo, em relação àquelas solicitações, argumentos e provas apresentados pela CIDH.

159 A competência da CIDH alcança, por um lado, todos os Estados- -partes da Convenção Americana sobre Direitos Hum anos, em relação aos direitos e garantias nesta consagrados e, por outro lado,

ANEXO I-Q U ESTÕ ES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS | 2 2 5

3. Assinalar C (Certo) ou E (Errado).

alcança todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de 1948.

160 A parte da sentença proferida pela CIDH que determinar indeni­zação compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo intemo vigente para a execução de sentenças contra o Estado.

| DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

Respostas: 156-E; 157-E; 158-C; 159-C; 160-E.

11 - Q u e s tõ e s O bje tivas

d a OAB (v á rio s E stad o s)

(OAB/PE N. 129)

1. Os tratados e as convenções internacionais apresentam com o ele­mentos fundamentais para a validade, todas as condições indicadas abaixo, com exceção de:

a) capacidade das partes contratantes determinadas.

b) consentim ento m útuo expresso.

c) objetivos lícitos e possíveis.

d) prévio registro de documentação epistolar nas Nações Unidas.

Resposta: D.

2. Um tratado firmado entre um Estado soberano A e um Estado soberano

B pode ser extinto em apenas uma das seguintes hipóteses:

a) execução continuada do que foi previsto.

b) costum e internacional voltado à prática comercial.

c) guerra superveniente entre os contraentes.

d) guerra superveniente entre outros Estados.

Resposta: C.

3. Sobre as organizações internacionais pode-se afirmar que são corretas todas as alternativas abaixo, exceto:

a) contribuem para a criação de normas internacionais e discussão de

problemas comuns.

b) são criadas a partir de um tratado ou convenção constitutiva.

c) exercem o direito de convenção e o direito de legação.

d) só possuem personalidade jurídica após o reconhecimento no Estado que o acredita.

Resposta: D.

2 2 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

(OAB/PI-2001-2 )

1 . [Questão adaptada com a EC 45/2004] Não é requisito exigido para a execução de sentença proferida no estrangeiro:

a) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.

b) haver sido proferida por juiz competente.c) ter sido hom ologada pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive

quando meramente declaratória de estado de pessoas.d) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia.

Resposta: C.

(OAB/PI-2001-3 )

1 . Marque a alternativa correta, em relação a assertiva abaixo:

As organizações internacionais contemporâneas:a) são sujeitos de direito internacional em função de sua soberania.

b) não têm soberania, apenas capacidade jurídica.

c) não são sujeitos de direito internacional.d) são sujeitos de direito internacional por terem sido criadas por um

tratado entre Estados.

Resposta: B.

2 . Marque a alternativa correta, em relação à assertiva abaixo:

O órgão central que historicamente o direito internacional considera com o encarregado das relações internacionais, e que todos os seus atos e declarações são imputáveis ao Estado:

a) Poderes Legislativos dos Estados.b) Chefe de Estado (Monarca ou Presidente da República).c) Conselho de Segurança da ONU.d) ONU — Organizações das Nações Unidas.

Resposta: B.

(OAB/RJ -1999 )

1 . Leia com atenção o trecho do Tratado de Roma, que instituiu a C om unidade E conôm ica Européia, para após, marcar a opção correta: “Sua m ajestade o Rei dos Belgas, o Presidente da República Federal da Alem anha, o Presidente da República Francesa, o Presidente da República

ANEXO II - QUESTÕES OBJETIVAS DA OAB 2 2 9

Italiana, Sua Alteza Real a Grã - Duquesa do Luxemburgo, Sua Majestade a Rainha dos Países Baixos. Determ inados a estabelecer os fundam entos de um a união cada vez m ais estreita entre os povos europeus; D ecididos a assegurar, m ediante uma ação com um , o progresso econôm ico e social dos seus países, elim inando as barreiras que dividem a Europa, Fixando com o objetivo essencial dos seus esforços a m elhoria constante das condições de vida de trabalho dos p ovos”.

a) Trata-se de um trecho da parte dispositiva de um tratado bilateral.

b) Trata-se de um trecho do preâmbulo de um tratado bilateral.

c) Trata-se de um trecho do preâmbulo de um tratado multilateral.

d) Trata-se de um trecho da parte dispositiva de um tratado pluri- lateral.

Resposta: B.

(OAB/RN -2003-1 )

1) Qual das assertivas abaixo demonstra de maneira correta os trâmites necessários para que um tratado ou acordo internacional, do qual o Brasil é signatário, tenha plena vigência no direito pátrio.

a) Não existem trâmites legais internos posteriores à assinatura dos Tratados ou Acordos Internacionais. Uma vez firmados pela autoridade competente, têm vigência imediata.

b) A integração da norma internacional no direito positivo se dá no m om en to em que é ratificada pelo Poder E xecutivo, através de Decreto Presidencial.

c) A adesão efetiva ao diploma internacional dar-se-á som ente após ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, mediante Decreto Legislativo, e posteriormente ratificado pelo Poder Executivo.

d) Os trâmites legais internos, se resumem na aprovação, por maioria simples, pelo Senado Federal.

Resposta: C.

(OAB/MG-1998)

1 .NaAção Direta de Inconstitucionalidade 1480-3, o Ministro Presiden­te do Supremo Tribunal Federal proferiu despacho contendo o seguinte trecho:

“Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, que, ajuizada em formação litisconsorcial ativa, tem por objetivo

2 3 0 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

questionar a validade jurídico-constitucional do Decreto Legislativo 68/92, que aprovou a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e do Decreto 1.855/96, que prom ulgou esse m esm o ato normativo de direito internacional público.

Todos sabemos que o decreto presidencial, que sucede a aprovação congres- sual do ato internacional e a troca dos respectivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema doméstico—manifestação essencial e insuprimível, especialmente se considerarmos os três efeitos básicos que lhe são pertinentes: (a) apromulgação do tratado internacional; Çb) apublicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então a vincular e a obrigar no plano o direito positivo intemo”.

Considerando o teor do trecho do despacho acima transcrito e as noções de direito internacional público, é correto afirmar que:

a) o Supremo Tribunal Federal entendeu que a incorporação do tratado internacional no Brasil se faz através de Decreto Legislativo.

b) o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a incorporação o

tratado internacional no Brasil se faz através de Decreto Executivo.

c) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tratado internacional no Brasil tem a mesma estatura hierárquica das normas constitucionais.

d) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tratado internacional no Brasil é hierarquicamente inferior às leis federais.

Resposta: B.

(OAB/MG-1999)

1. [Questão adaptada com a EC 45/2004] Para que uma sentença es­trangeira seja cumprida no Brasil, im põe-se que a mesma seja hom ologada e receba o exequatur do:

a) Senado Federal.

b) Ministério da Justiça.

c) Superior Tribunal dejustiça.

d) Ministério das Relações Exteriores.

Resposta: C.

ANEXO II - QUESTÕES OBJETIVAS DA OAB 2 3 1

(O A B/M G -2 0 0 1 )

1. Quanto à possibilidade de o Conselho de Segurança da ONU - Orga­nização das N ações Unidas - determinar intervenção em conflitos militares, é INCORRETO afirmar:

a) A intervenção deve ser aprovada por, pelo m enos, 9 (nove) dos 15 (quinze) Estados que integram o Conselho de Segurança.

b) A intervenção som ente ocorrerá se contar com a aprovação dos 5 (cinco) Estados que detêm assento permanente no Conselho de Segurança.

c) A intervenção não ocorrerá, se houver veto por parte de qualquer dos Estados que integram o G-7.

d) Dificilm ente ocorrerá intervenção contra Estados que detêm assento permanente no Conselho de Segurança, porque estes tendem a não aprovar medidas contra os seus interesses.

Resposta: C.

2 . São requisitos para hom ologação de sentença estrangeira no Brasil, EXCETO:

a) Haver a sentença sido proferida por Juiz competente.

b) Terem as partes sido regularmente citadas no processo no exterior.

c) Estar a sentença traduzida por intérprete autorizado.

d) Estar o processo onde foi proferida a sentença estrangeira revestido das formalidades dispostas na lei brasileira.

Resposta: D.

(O A B/M G -2 0 0 4 )

1. Instituído pelo Estatuto de Roma de 1998, o Tribunal Penal Interna­cional tem as seguintes com petências, EXCETO:

a) julgar indivíduos nacionais de Estados que ratificaram o documento de sua criação.

b) julgar Estados cujos chefes praticaram crimes de genocídio.

c) julgar indivíduos por crimes considerados lesivos à humanidade.

d) processar nacionais de Estados que não ratificaram o documento de sua criação.

Resposta: B.

2 3 2 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a r t e G e r a l

2. Dentre as principais fontes do direito internacional, conforme esta­belecido pelo artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, pode-se afirmar que:

a) os tratados internacionais de natureza geral devem ser concluídos por escrito ou por via oral entre Estados e são regidos pelo Direito Internacional. As Convenções internacionais especiais não podem, contudo, ser consideradas fontes do direito internacional.

b) o costum e internacional é reconhecido com o m eio auxiliar para a determinação das regras de direito internacional.

c) a regra exaequo et bono é admitida como fonte do direito internacional.d) por estarem desvinculados da vontade dos Estados, a jurisprudên­

cia internacional, a doutrina e os princípios gerais de direito não podem ser consideradas fontes do direito internacional.

Resposta: C.

3. A Corte Internacional dejustiça foi estabelecida pela Carta das Nações Unidas e é considerada com o seu principal órgão judiciário. No que tange ã sua com petência, pode-se afirmar que:

a) diante de um crime de genocídio, qualquer indivíduo tem com pe­tência para abrir um processo contencioso no âmbito da Corte Internacional dejustiça.

b) apenas os Estados poderão ser partes em questões contenciosas perante a Corte.

c) a Corte Internacional dejustiça pode ser considerada instância recur- sal do Supremo Tribunal Federal, cabendo recurso de inconstitucionalidade por via de ação direta.

d) as Organizações internacionais, partes do sistema das Nações Unidas, podem encaminhar uma demanda contenciosa e serem partes litigantes em um processo contencioso no seio da Corte Internacional dejustiça.

Resposta: B.

(O AB/DF-2 0 0 4 )

1. O ato unilateral por m eio do qual um Estado manifesta sua vontade de deixar de fazer parte de acordo internacional é chamado:

a) ratificação.b) alteração.c) denúncia.d) retração.

ANEXO II - QUESTÕES OBJETIVAS DA OAB 2 3 3

Resposta: C.

2. Indique a assertiva verdadeira:

a) a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado, produz o efeito básico de conferir a executoriedade do tratado internacional, que passa, então, e som ente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo intem o.

b) o Poder Judiciário não dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incor­porados ao sistema de direito positivo intem o.

c) os tratados ou convenções internacionais jamais poderão prevalecer sobre as regras infraconstitucionais de direito intem o pela impossibilidade de utilização, em eventuais antinomias, dos critérios cronológico e da espe­cialidade.

d) os tratados internacionais celebrados pelo Brasil podem versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar.

Resposta: A.

3) Não é sujeito de direito internacional público:

a) a Santa Sé;b) o Estado Soberano;c) a Organização Internacional;d) a Empresa Pública.

Resposta: D.

III - Q uestões D issertativas de C oncursos P úblicos da

M agistratura Federal

1.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL

TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO

1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

9.a Questão:Como é feita a promulgação de um tratado internacional no Brasil?

Quais os efeitos da promulgação?

3.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL

TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO

1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

8.“ Questão:Quais os princípios constitucionalm ente estabelecidos que regem a

República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais?

10.“ Questão:Os direitos e garantias expressos na Constituição excluem outros de­

correntes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte? Indique a base legal da sua resposta.

ANEXO III-Q U ESTÕ ES D1SSERTATIVAS DA MAGISTRATURA FEDERAL 2 3 5

5.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL

TRF 2.a REGIÃO-RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO

1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

48.a Questão:D e acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal,

explique a eficácia juspositiva dos tratados em face das normas do Direito intem o.

6.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL

TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO

1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

28.a Questão:U m tratado internacional celebrado e promulgado pelo governo brasilei­

ro que tenha por obj eto a proteção de direitos humanos pode ser revogado por le i ordinária? Justifique a resposta comentando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal referente à eficácia temporal dos tratados.

9.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL

TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO

1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

39.a Questão:Quais as fases de incorporação dos tratados internacionais ao ordena­

mento jurídico brasileiro?

O u t r a s o b r a s d o a u t o r

Livros in d iv id u a is

Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Raulo: Ed. RT, 2012.

Direito dos tratados. São Paulo: Ed. RT, 2011.

Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. 3. ed. rev., atual, e ampl.. São Paulo: Ed. RT, 2011 (Coleção "Direito e Ciências Afins", vol. 3).

O controle jurisd ic ional da convencionalidade das leis. 2. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Ed. RT, 2011 (Coleção "Direito e Ciências Afins", vol. 4).

Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Raulo: Saraiva, 2010.

Natureza juríd ica e eficácia dos acordos stand-by com o FMI. São Raulo: Ed. RT, 2005.

Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969 .2 . ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004.

Prisão c iv il p o r dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

Direitos humanos, Constitu ição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Raulo: Juarez de Oliveira, 2002.

Direitos humanos e cidadania à luz do novo direito internacional. Campinas: Minelli, 2002.

Dire ito internacional: tratados e direitos hum anos fundam entais na ordem jurídica brasileira. Rio dejaneiro : América Jurídica, 2001.

C o a u to r ia

Direito supraconstitucional: do absolutismo ao Estado Constitucional e Humanista de Direito. Com Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Ed. RT, 2010.

Comentários à reforma crim inal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o D ireito dos Tratados. Com Luiz Flávio Gomes e RogérioSanches Cunha. São Raulo: Ed. RT, 2009.

C o a u to r ia e c o c o o r d e n a ç ã o

Doutrinas essenciais de d ireito internacional, 5 vols. Com Luiz Olavo Baptista. São Raulo: RT, 2012.

Crimes da d itadura m ilita r: um a análise à luz da ju risp rudênc ia atual da Corte Interam ericana de Direitos H u m an o s-A rg en tin a , Brasil, Chile, Uruguai. Com Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2011.

Direito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o século XXI. Com Aldir Guedes Soriano. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

2 3 8 DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO - P a u te G e r a l

Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro: visões interdisciplinares. Com Carlos Teodoro José Hurugney Irigaray. Cuiabá: Cathedral, 2009.

Novos estudos de direito internacional contemporâneo. Com Helena Aranda Barrozo eM árciaTeshima. Londrina: EDUEL, 2008. v. 1 e 2 .

Direito internacional dos direitos humanos: estudos em homenagem à Professora Flávia Piovesan. Com Maria de Fátima Ribeiro. Curitiba: Juruá, 2004.

Novas vertentes do direito do comércio internacional. Com Jete Jane Fiorati. Barueri: Manole, 2003.

O Brasil e os acordos econômicos internacionais: perspectivas jurídicas e econôm icas à luz dos acordos com o FMI. Com Roberto Luiz Silva. São Paulo: Ed. RT, 2003.

O r g a n iz a ç ã o

Coletânea de direito internacional e Constituição Federal. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Ed. RT, 2012 {RT Mini Códigos, v. 10).

Diagramação eletrônica:Editora Revista dos Tribunais Ltda., CNPj 60.501.293/0001-12.

Impressão e encadernação:Bartira Gráfica e Editora S.A., CNPJ 59.169.144/0001-19.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

11-13754

Mazzuoli, Valerio de OliveiraDireito internacional público : parte geral /Valerio de Oliveira Mazzuoli. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012. Bibliografia.

ISBN 978-85-203-4298-5

1. Direito internacional público I. Título.

CDU-341

(ndices para catálogo sistemático: 1. Direito internacional público 341