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V JOEEL Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN 2319-0272 Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas 1 1

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V JOEEL

Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272 Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

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REALIZAÇÃO: TOPUS - Grupo de Pesquisa sobre Espaço, Literatura e outras Artes

Instituições Promotoras Colégio Pedro II Universidade Federal do Triângulo Mineiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)

V JOEEL - Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas (2017: Rio de Janeiro, RJ) Caderno de resumos do V JOEEL - Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas, 29 a 30 de novembro de 2017 / organizado por MARQUES, Jorge: Rio de Janeiro, RJ: PROPGPEC: Colégio Pedro II. 2017. 220 p.

ISSN – 2319-0272

1. Estudos literários – V JOEEL. Jornada Internacional

de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e

outras manifestações artísticas. MARQUES, Jorge.

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COMISSÃO ORGANIZADORA Adriana Armony (Colégio Pedro II) Eliane Mello (Colégio Pedro II) Jorge Marques (Colégio Pedro II) Juliana Berlim (Colégio Pedro II) Marta Rodrigues (Colégio Pedro II) Luiz Guilherme Barbosa (Colégio Pedro II) Márcio Hilário (Colégio Pedro II) Oziris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) Rosângela Abrahão de Castro (Colégio Pedro II) Sílvia Barros (Colégio Pedro II)

COMISSÃO CIENTÍFICA Alexander Meireles da Silva (Universidade Federal de Goiás - Campus de Catalão) Ana Maria Costa Lopes (ESEV – Instituto Politécnico de Viseu) Carlos André Pinheiro (Universidade Federal do Piauí) Fernando Alexandre Lopes (ESEV – Instituto Politécnico de Viseu) Jorge Luiz Marques de Moraes (Colégio Pedro II - Rio de Janeiro) Luciana Moura Collucci de Camargo (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) Maria Imaculada Cavalcante (Universidade Federal de Goiás - Campus de Catalão) Marisa Martins Gama-Khalil (Universidade Federal de Uberlândia) Ozíris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) Sidney Barbosa (Universidade de Brasília)

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PROGRAMAÇÃO GERAL

Colégio Pedro II / Campus Centro / Salão Nobre 29 de novembro – quarta-feira

HORA EVENTO LOCAL

9h Credenciamento Salão nobre

9h30 Abertura oficial da V JOEEL Salão nobre

10h30

CONFERÊNCIA DE ABERTURA:

“Lídia Jorge nos Tempos da História” Profa. Cinda Gonda (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Mediação: Prof. Oziris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro)

Salão nobre

12h às

13h30 ALMOÇO

14h às

17h30

ATIVIDADE CULTURAL: Exploração Geográfica e Literária do centro do Rio de Janeiro

Realização: ROTEIROS GEOGRÁFICOS DO RIO DE JANEIRO

Coordenação: Prof. João Baptista Ferreira de melo (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)

Obs.: em função da atividade vespertina, recomenda-se o uso de

protetor solar, roupas leves (excetuando-se bermuda) e tênis.

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Colégio Pedro II / Complexo São Cristóvão /Prédio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas (PROPGPEC) / 30 de novembro – quinta-feira

HORA EVENTO LOCAL

8h Comunicações Simultâneas Salas e auditórios da PROPGPEC

10h Apresentação de pôsteres

Intervalo para café

Jardim dos Flamboyants

11h

MESA REDONDA 01

“Contrato Espacial: cenário e imaginário na ficção de Lídia Jorge” Profa Maria João Simões (Universidade de Coimbra)

“Lídia Jorge e a Quadridimensionalidade do Espaço em ‘Perfume’ “Prof. Igor Rossoni (Universidade Federal da Bahia)

Mediação: Prof. André Pinheiro (Universidade Federal do Piauí)

Auditório da PROPGPEC

12h30 às

13h30 ALMOÇO

13h30

MESA REDONDA 02

“Branca de Neve às Avessas” Prof. Oziris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro)

Auditório da PROPGPEC

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“Lídia Jorge: por uma poética dos objetos em ‘A Instrumentalina’ “Profa Marisa Gama-Khalil (Universidade Federal de Uberlândia)

Mediação: Prof. Fernando Lopes (Escola Superior de Educação de Viseu)

16h Lançamento de livros e café Jardim dos

Flamboyants

16h30

Comunicações Simultâneas

Salas e auditórios da PROPGPEC

Colégio Pedro II / Complexo São Cristóvão / Prédio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas (PROPGPEC) / 1º de dezembro – sexta-feira

HORA EVENTO LOCAL

8h Comunicações Simultâneas Salas e auditórios da PROPGPEC

10h Intervalo para Café Hall do Teatro

Mário Lago

10h30

MESA REDONDA 03

“Entre Homens e Pássaros: princípios da ecocrítica na narrativa curta de Lídia Jorge”

Prof. André Pinheiro (Universidade Federal do Piauí)

“O Universo Rural em Mutação em ‘A Manta do Soldado’ e

Auditório da PROPGPEC

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‘Lavoura Arcaica’ “Prof. Sidney Barbosa (Universidade de Brasília)

Mediação: Profa. Maria João Simões (Universidade de Coimbra)

12h às 13h30

ALMOÇO

13h30 Comunicações Simultâneas Salas e

auditórios da PROPGPEC

15h Intervalo para Café Hall do Teatro

Mário Lago

15h30

MESA REDONDA 04

“Espaço e Mundividência no Ensaio ‘Contrato Sentimental’, de Lídia Jorge” Prof. Fernando Lopes (Instituto Superior de Educação de Viseu)

“Espaço, Gênero e Etnia em ‘A Costa dos Murmúrios’ “Prof. Jorge Marques (Colégio Pedro II)

Mediação: Prof. Sidney Barbosa

(Universidade de Brasília)

Auditório da PROPGPEC

17h30 REUNIÃO PLENÁRIA DO GRUPO TOPUS

18h30 ENCERRAMENTO DA V JOEEL

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SESSÕES DE COMUNICAÇÃO

Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão / Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e

culturas / 30 de novembro – quinta-feira / 8h às 10h

SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES

Sessão 01

(Auditório

do andar térreo)

Mediação:

Marta Rodrigues

(CPII)

A Relação entre Espaço e Personagem

nos Documentários Santa Marta, Santo

Forte e Babilônia 2000, de Eduardo Coutinho

Rafael de Almeida Moreira (UNINCOR

/UNIS/ CAPES)

Espaços Motivacionais na Fotografia de

Sebastião Salgado: arte e realidade

Denise Marques Carneiro Neves

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)

Literatura em Interface com Fotografia,

Pintura e Ilustração: a Construção Pictural do

Espaço no Conto “A Santa De Shoneberg”, De Rubem Fonseca

Carlos Augusto Da Silva Lemos

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA -

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS IX)

Nelma Aronia Santos

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA –

PCIN)

O Espaço Em Chico Buarque: Algumas

Considerações

Moema Sarrapio Pereira

(UNIVERSIDADE

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VALE DO RIO VERDE/ APEMIG)

Revista de Antropofagia: Espaço

de Embriaguez e Revolução

Claudia Camardella Rio Doce (UFSC

/UEL)

Sessão 02

(sala 206)

Mediação:

Juliana Berlim (CPII)

A Espacialidade e o Romance Histórico

Tradicional Francês: um Esboço de

Percurso Teórico

Rosária Cristina Costa Ribeiro

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE

ALAGOAS)

A Cartografia Afetiva De Patrick Modiano em

Para Você Não Se Perder No Bairro

Ilana Goldfeld Carvalho

(PUC-RIO/ CAPES

La Isla que Soy Yo: Poética da Casa e Erotismo em Cuba

Marcella de Paula Carvalho

(Universidade do Estado do Rio de

Janeiro /PUC)

A Constituição da Monstruosidade como

Crítica Social no Espaço Ficcional de As

Portas Do Céu, De Julio Cortázar

Elton Da Silva Rodrigues

(UNIVERSIDADE FEDERAL DA SANTA

CATARINA/ CNPq)

Marco Polo e a Construção do Espaço: a Poética dos Olhos e

da Palavra em Cidades Invisiveis

Luana Raquel da Silva Coimbra

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO

GROSSO)

Sessão 03

(sala 207)

Os Espaços Construídos na História

“Chapeuzinho

Nathália de Oliveira Souza (Uemg -

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Mediação:

Luiz Guilherme Barbosa (CPII)

Vermelho” em relação ao Filme “Tainá-Uma

Aventura na Amazônia”

Unidade de Carangola/ Papq)

Sob a Perspectiva do Letramento Literário: a

Casa do Leitor

Josaine Aparecida Corsso (UFU)

Realidade Aumentada: o Espaço Literário

Infanto-Juvenil sob a Ótica Das Tdics Educacionais

Luciano Magno Rocha (UNIMES)

Leticia da Silva Zarbietti Coelho

(UEMG/ PAEx)

Diário de Leitura: um Espaço de Mediação

Josué Rodrigues Frizon (COLÉGIO FRANCISCANO

CRISTO REI – RS)

Notas por uma Poética da Ocupação: o

Poema, o Canto e o Espaço Escolar

Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa

(COLÉGIO PEDROII)

Sessão 04

(sala 208)

Mediação:

Adriana Armony (CPII)

Marília de Dirceu - Nesta Triste Masmorra,

Duro Grilhão

Rodrigo Carvalho da Silveira (IFRJ)

Das Paisagens aos Poemas: a

Interpretação Simbólica do Espaço Paulistano por Mário de Andrade

Mario de Andrade Adriane Lima Pinho (UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL

DO RIO DE JANEIRO)

Renan Caldas Galhardo Azevedo

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(UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO)

Da Poética do Rio a Outros Espaços de

João Cabral de Melo Neto

Diogo dos Santos Souza

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE

ALAGOAS/ INSTITUTO

FEDERAL DE ALAGOAS/ CNPq)

A Casa como Espaço Afetivo na Poesia Contemporânea

Anelise De Freitas

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ

DE FORA)

"Nos Mapas Eu Nunca Te Encontrava": uma

Leitura Poética da Paisagem em Ana Martins Marques

Sue Helen da Silva Vieira (Universidade Federal do Rio de

Janeiro)

Sessão 05

(Auditório do

segundo andar)

Mediação:

Dilma Mesquita

A Liricização Do Espaço como Mecanismo de

Deflagração do Insólito Ficcional em Aparição,

de Vergílio Ferreira

Marcus Vinícius Lessa de Lima

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA/

CNPq)

Lugares e Não-Lugares em Ensaio Sobre a

Cegueira

Nanci Geroldo

(CENTRO UNIVERSITÁRIO

ENIAC)

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de Lacerda (CPII)

O Alentejo como Espaço Poético em Jose Luiz Peixoto

LUCIANA DE OLIVEIRA

MANGUEIRA (UFRJ)

Livro, de José Luís Peixoto: um Romance de Deslocamentos que Refletem a Emigração e a Própria Literatura

Rosemary Gonçalo Afonso (UFRJ /

CAPES)

A Caverna: de Platão a Saramago - Buscando

Novos Espaços

Dilma Mesquita De Lacerda (COLÉGIO

PEDRO II)

Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão / Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e

Culturas / 30 de novembro – quinta-feira / 16h30 às 18h30

SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES

Sessão 01

(Auditório

do andar térreo)

Mediação:

Silvia Barros (CPII)

A Configuração do Espaço no Conto “Minha Mãe”, De

Victor Giudice

Carolina Veloso Costa

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

CATARINA/ CNPq)

Luísa Menin Garcia

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

CATARINA)

A Praça Da Sé e “A Peregrinação Da Velha Auridéa”

Rafael Sens

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA

CATARINA)

Espaço e Identidade em Dois

Naiara Speretta Ghessi

(UNESP/ CAPES)

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Romances de Milton Hatoum

Espaço, Memória e Identidade na

Manaus de Milton Hatoum

Manoelle Gabrielle Guerra (UNESP - FACULDADE DE

CIÊNCIAS E LETRAS DE ARARAQUARA/

CAPES)

Espaço e Memória: Símbolos e

Representações do Espaço no

Romance Uma História De Família,

de Silviano Santiago

Aline Mara De Almeida Rocha (UNINCOR)

Sessão 02

(sala 206)

Mediação:

Márcio Hilário (CPII)

Mulheres Negras do Cortiço:

Recortes de Rita Baiana e Bertoleza

Comparadas, Oprimidas e

Revolucionárias Dividindo o Mesmo

Espaço

Matheus Lustoza Santos

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO

ESPÍRITO SANTO/ PREFEITURA DE

MARATAÍZES)

A Identidade do Negro e o Espaço

em Clara Dos Anjos, De Lima

Barreto

Marcio Antonio da Costa Santos (UFG/

CATALÃO)

Gênero e Etnia: Norteadores da Construção do

Leonardo Gomes de Souza

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Espaço em Conceição Evaristo

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS - PAEx/UEMG)

Sob os Efeitos da Discriminação: Espaço como

Resistência em Rio Negro, de

Nei Lopes

Claudio do Carmo Gonçalves

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA

DE SANTANA)

A Delimitação dos Espaços em A Escrava Isaura: uma Alegoria do

Racismo Brasileiro

Marcio Vinicius do Rosário Hilário

(COLÉGIO PEDRO II)

Sessão 03

(sala 207)

Mediação:

Ana Maria Costa Lopes

(Instituto Politécnico de Viseu)

A Espacialidade no Conto “Marido”, de

Lídia Jorge

Elisabete da Silva Barbosa

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)

Do Real ao Ideal: o Espaço como

Objeto de (Re)Conquista em

A Noite Das Mulheres Cantoras,

de Lídia Jorge

Ludiani Retka Trentin

(UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO

PARANÁ)

Espaços (Inter)Ditos:

Configurações da Experiência

Subalterna em O Vento Assobiando

Risonelha De Sousa Lins (UERN/IFPB)

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Nas Gruas, de Lídia Jorge

O Espaço do Quarto na Casa de Valmares e o Tema

da Partida: uma Perspectiva

Topoanalítica da Obra O Vale da Paixão, de Lídia

Jorge

Lasaro José Amaral

(FACULDADE CIDADE DE COROMANDEL)

Espaços Opostos e Identidades

Históricas: uma Leitura

Topoanalítica de A Costa Dos

Murmúrios, de Lídia Jorge

Rosangela Vieira Freire

(IFCE)

Uma Análise de A Costa Dos

Murmúrios, a partir do conceito de heteroropia, de Michel Foucalt

Ana Maria Costa Lopes (Instituto Politécnico de

Viseu), Zaida Pinto Ferreira (Instituto

Politécnico da Guarda) e Anabela Naia Sardo (Instituto Politécnico da

Guarda)

Sessão 04

(sala 208)

Mediação:

Marta Rodrigues

Cartografia Afetiva: a Inscrição do

Espaço Carioca na Poética

Machadiana - um Estudo de

Correspondências,

Priscila Fernandes Balsini

(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA

MACKENZIE)

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(CPII)

Crônicas e Romances

Espaços Sagrados no Rio de Janeiro:

o Malandro e o Terreiro de Umbanda

Ana Paula Silva de Oliveira (PUC-RIO/

CAPES)

O Rio de Janeiro de Millôr Fernandes

Alessandra Mara Vieira

(INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS)

O Rio de Janeiro nas Crônicas de

Lima Barreto

Marta Rodrigues

(COLEGIO PEDRO II / NUPELL)

Uma Visão Geral Sobre a Vista

Particular: Espaço Globalizado e

Simulacro

no Rio de Janeiro de Ricardo Lísias

Adriana Armony

(COLÉGIO PEDRO II)

Sessão 05

(Auditório do segundo

andar)

Mediação:

Eliane Mello (CPII)

Do (In)Visível na Dimensão das Espacialidades

Re(A)Presentadas em “O Burrinho

Pedrês”: Reflexões sobre Lugares

Demarcados para Homens e

Mulheres Narrados

Maria de Lourdes Dionizio Santos

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE

CAMPINA GRANDE/ CNPq)

Da Casa à Capela, do Riachinho ao

Homem: o Nádia Garcia Mendes

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Entrelaçamento dos Espaços da Narrativa de

Guimarães Rosa

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE

JANEIRO)

A Degradação da Cidade em Belém Do Grão-Pará, De Dalcídio Jurandir

Clara Alice da Silva Guimarães Brasil (UNIVERSIDADE

FEDERAL DO PARÁ/ CAPES)

Anamorfoses Espaciais no Romance As

Meninas, de Lygia Fagundes Telles

Maria Das Dores Pereira Santos

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)

Amaro Mar: o Espaço Marítimo como Gerador de

Epifania em Viva O Povo Brasileiro

Maria das Graças Meirelles Correia

(INSTITUTO FEDERAL DA BAHIA)

Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão / Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas / 01 de dezembro – sexta-feira / 8h às 10h

SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES

Sessão 01

(Auditório do andar térreo)

Mediação:

Espaços de Rupturas no

Romance de Emily Brontë

Cintia De Vito Zollner

(UNESP)

As Manifestações Insólitas do Espaço em O Mistério Da

Bruno Silva de Oliveira

(UFU/ IF GOIANO)

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Sílvia Barros (CPII)

Estrela Stardust, de Neil Gaiman

O Espaço na Obra Prince Lestat, de Anne Rice, Como

Forma de Renovação do

Tema Vampiresco

Patricia Hradec

(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA

MACKENZIE/ CAPES)

Paris é uma Festa: A Cidade Como Espaço Utópico

Dafne Di Sevo Rosa

(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA

MACKENZIE/ Mackpesquisa)

Espaço Atemporal; Física e Ficção em 30 e Poucos Anos e

uma Máquina Do Tempo

Clayton Alexandre Zocarato

(UFSCAR)

Sessão 02

(sala 206)

Mediação:

Márcio Hilário (CPII)

O Espaço Social e as Mulheres

Machadianas: Considerações

sobre “O

Segredo de Augusta”, de

Machado De Assis

Cilene Margarete Pereira

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE

(UNINCOR)

Espaço e Representações da

Feminilidade em Poemas de Mia

Couto

Everton Fernando Micheletti (USP)

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Heróis Individuais E Causas Coletivas Em Vidas Novas,

de Luandino Vieira

Daniel Marinho Laks

(UNIVERSIDADE FEDERAL

FLUMINENSE/ FAPERJ)

Jornada Angolana: de Pepetela a

Manuel Alegre, a Representação

Espacial na Guerra de Libertação

Fernanda de Aquino Araújo Monteiro

(UFRJ/ CAPES)

Chimamanda Ngozi Adiche e seus

Deslocamentos em Americanah

Regina Fatima Oliveira de Sá (UERJ/

COLÉGIO PEDRO II)

Sessão 03

(sala 207)

Mediação:

Juliana Berlim (CPII)

Dezembro nos Para-Brisas: o

Espaço em ¡Gua!, de Luiz Ruffato

Alan Brasileiro de Souza

(UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - FAPDF)

Espacialidades e Rupturas: um

Estudo da Personagem Maria, do Romance Rio-

Paris-Rio, de Luciana Hidalgo

Helena Maria de Souza Costa Arruda

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE

JANEIRO/ CAPES)

Da Cidade ao Esquecimento: Princípios da

Topoanálise em Leite Derramado, de Chico Buarque

Allysson Davi de Castro (UFPI/ CNPq)

De um Espaço a Outro: a Relação

Cléber Dungue

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

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Anômala entre o Banheiro e a

Cidade em "O Arquiteto"

(UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – CNPq)

Espaço e Identidade em "Teatro", de

Bernardo Carvalho

Juliana Nascimento Berlim Amorim

(COLÉGIO PEDRO II)

Sessão 04

(sala 208)

Mediação:

Aira Suzana Ribeiro Martins (CPII)

O Bairro, de Gonçalo M.

Tavares, pela Perspectiva do

Espaço

Robson José Custódio

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA

GROSSA)

O Espaço Narrativo na Obra O

Mandarim, de Eça De Queiroz

Laynara Viana Tavares

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS)

Pelas Ruas, Trabalhando ou

Esmolando, onde Estão os

Trabalhadores de

Jorge de Sena?

(UFRJ/ UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ)

A Espacialidade no Conto “O Marido”,

de Lidia Jorge

Géssica de Souza

(UTFPR - CAMPUS PATO BRANCO)

O Espetáculo da Morte

Aira Suzana Ribeiro Martins (COLÉGIO

PEDRO II)

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Sessão 05

(Auditório do segundo

andar)

Mediação:

Marta Rodrigues

(CPII)

Escrita por Imagens da Cidade nas

Crônicas de Carlos Drummond de

Andrade

Moema de Souza Esmeraldo (PUC-

RIO/SEDF CAPES)

Espacialidade e Despersonalização em Memórias Do

Cárcere

Carina Ferreira Lessa

(UFRJ/UNINCOR – Capes)

Os Visitantes Montellianos:

Ressignificações Territoriais e Afetivas no

Espaço Literário de Josué Montello

Flaviano Menezes da Costa

(UNIVERSIDADE FEDERAL

DOMARANHÃO/

FACULDADE PITÁGORAS)

Estratégias de Representação e Estruturação do

Espaço nas Primeiras Obras

Ficcionais de Osman Lins

Raul Gomes da Silva

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL/

CAPES)

A Construção do Espaço no Conto

“Menina A Caminho”, De

Raduan Nassar

Maria Iara Zilda Návea da Silva Mourão

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ)

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Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas / 01 de dezembro – sexta-feira / 13h30 às 15h

SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES

Sessão 01

(Auditório

do andar térreo)

Mediação:

Silvia Barros (CPII)

Espaço Construído e Espaço Natural

em O Guarani

Gleison Araujo Morais

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS – CARANGOLA)

Iracema: a Relação entre o Espaço e a

Ambientação da Obra e das

Personagens

Leticia Da Silva Zarbietti Coelho (UEMG/ PAEx)

Luciano Magno Rocha

(UNIMES) Glaciene Januário Hottis Lyra

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS)

O Espaço Gótico na Ficcionalização

de Movimentos Messiânicos Brasileiros

Hélder Brinate Castro

(UERJ)

Sessão 02

(sala 206)

Mediação:

Luiz Guilherme Barbosa (CPII)

Ir Embora por Vontade Própria é Bastante Diferente de ser Expulso: um

Estudo sobre Literatura e

Gentrificação

Fabiana de Pinho

(PUC-RIO/ IFRJ)

Minha Quebrada, meu Espaço: a Voz da Periferia no Rap

Joseli Aparecida Fernandes

(UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE/

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de Flávio Renegado

PREFEITURA MUNICIPAL DE TRÊS CORAÇÕES/ FCTE)

Florianóia: a Cidade que

Ninguém Vê na Ilha Da Magia

Carla Cristiane Mello

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/ CAPES)

Sessão 03

(sala 207)

Mediação:

Eliane Mello (CPII)

Liberdade e Repressão: a

Construção de Canudos e a

(Não?) Efetivação do Direito à Cidade : uma Análise da Obra Os Sertões, de Euclides Da

Cunha

Fernanda Rodrigues Lagares

(UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS)

Latifúndio Realista: Aridez na Forma e no Sertão De Vidas

Secas

Edson Jose da Silva

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS -

FAPEAL/CAPES)

Figurações de Uma Paisagem

Desfigurada em O Quinze, De Rachel

De Queiroz

Vinicius Schiochetti

(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

LONDRINA – CAPES)

Sessão 04

(sala 208)

Mediação:

Perspectivas do Espaço Literário

em “As Ondas”, de Virgínia Woolf:

Aspectos de uma Escrita Multiforme

Danielli de Cassia Morelli Pedrosa

(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA

MACKENZIE)

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Marta Rodrigues

(CPII)

Representações do Feminino: Espaços de Subalternidade

em A Hora da Estrela, de Clarice

Lispector

Raul Gomes da Silva

(UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL/

CAPES)

Cintia Naiara de Souza Melo (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL -

SED/MS)

Ponciá Vicêncio: uma Análise do Geoespaço na

Obra Evaristiana

Jeferson José De Oliveira Pinheiro

(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS PAEx/UEMG)

Leonardo Gomes De Souza (UNIVERSIDADE

DO ESTADO DE MINAS GERAIS PAEx

/UEMG)

Matheus Vieira Barbosa (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS)

Sessão 05

(Auditório do segundo

andar)

Mediação:

Os Espaços das Obras

Chapeuzinho Vermelho e Tainá - Uma Aventura Na

Amazônia em Detrimento de suas

Personagens

Leticia Da Silva Zarbietti Coelho (UEMG/ PAEx)

Luciano Magno Rocha

(UNIMES)

Glaciene Januário Hottis Lyra (UNIVERSIDADE

DO ESTADO DE MINAS GERAIS)

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Adriana Armony (CPII)

O Discorde Espaço do Lobisomem na

Oralidade Brasileira

Jamille da Silva Santos

(UFU)

O Espaço Simbólico da Casa em Emílio Moura

Luciano Marcos Dias Cavalcanti

(UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE/

FAPEMIG)

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SUMÁRIO A ESPACIALIDADE E O ROMANCE HISTÓRICO

TRADICIONAL FRANCÊS: UM ESBOÇO DE PERCURSO

TEÓRICO. .............................................................................. 35

OS ESPAÇOS CONSTRUÍDOS NA HISTÓRIA CHAPEUZINHO

VERMELHO EM RELAÇÃO AO FILME TAINÁ UMA

AVENTURA NA AMAZÔNIA. ................................................. 36

"NOS MAPAS EU NUNCA TE ENCONTRAVA" UMA LEITURA

POÉTIC DA PAISAGEM EM ANA MARTINS MARQUES ...... 39

A CARTOGRAFIA AFETIVA DE PATRICK MODIANO EM PARA

VOCÊ NÃO SE PERDER NO BAIRRO .................................. 40

A CASA COMO ESPAÇO AFETIVO NA POESIA

CONTEMPORÂNEA .............................................................. 41

A CAVERNA: DE PLATÃO A SARAMAGO - BUSCANDO

NOVOS ESPAÇOS ................................................................ 42

A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MINHA MÃE, DE

VICTOR GIUDICE .................................................................. 43

A CONSTITUIÇÃO DA MONSTRUOSIDADE COMO CRÍTICA

SOCIAL NO ESPAÇO FICCIONAL DE? AS PORTAS DO CÉU?,

DE JULIO CORTÁZAR ........................................................... 45

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MENINA A

CAMINHO, DE RADUAN NASSAR ........................................ 46

A DEGRADAÇÃO DA CIDADE EM BELÉM DO GRÃO-PARÁ,

DE DALCÍDIO JURANDIR...................................................... 47

A DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS EM A ESCRAVA ISAURA:

UMA ALEGORIA DO RACISMO BRASILEIRO ...................... 48

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A ESPACIALIDADE NO CONTO MARIDO, DE LÍDIA JORGE

............................................................................................... 49

A ESPACIALIDADE NO CONTO O MARIDO DE LIDIA JORGE

............................................................................................... 50

A IDENTIDADE DO NEGRO E O ESPAÇO EM? CLARA DOS

ANJOS? DE LIMA BARRETO ................................................ 51

A LIRICIZAÇÃO DO ESPAÇO COMO MECANISMO DE

DEFLAGRAÇÃO DO INSÓLITO FICCIONAL EM APARIÇÃO,

DE VERGÍLIO FERREIRA...................................................... 52

A PRAÇA DA SÉ E A PEREGRINAÇÃO DA VELHA AURIDÉA

............................................................................................... 53

AMARO MAR: O ESPAÇO MARÍTIMO COMO GERADOR DE

EPIFANIA EM VIVA O POVO BRASILEIRO........................... 54

ANAMORFOSES ESPACIAIS NO ROMANCE "AS MENINAS",

DE LYGIA FAGUNDES TELLES ............................................ 55

AS MANIFESTAÇÕES INSÓLITAS DO ESPAÇO EM O

MISTÉRIO DA ESTRELA? STARDUST, DE NEIL GAIMAN .. 56

CARTOGRAFIA AFETIVA: A INSCRIÇÃO DO ESPAÇO

CARIOCA NA POÉTICA MACHADIANA ? UM ESTUDO DE

CORRESPONDÊNCIAS, CRÔNICAS E ROMANCES ........... 56

CHIMAMANDA NGOZI ADICHE E SEUS DESLOCAMENTOS

EM AMERICANAH ................................................................. 58

DA CASA À CAPELA, DO RIACHINHO AO HOMEM: O

ENTRELAÇAMENTO DOS ESPAÇOS DA NARRATIVA DE . 59

DA CIDADE AO ESQUECIMENTO: PRINCÍPIOS DA

TOPOANÁLISE EM LEITE DERRAMADO, DE CHICO

BUARQUE ............................................................................. 60

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DA POÉTICA DO RIO A OUTROS ESPAÇOS DE JOÃO

CABRAL DE MELO NETO ..................................................... 61

DAS PAISAGENS AOS POEMAS: A INTERPRETAÇÃO

SIMBÓLICA DO ESPAÇO PAULISTANO POR MARIO DE

ANDRADE .............................................................................. 62

DE UM ESPAÇO A OUTRO: A RELAÇÃO ANÔMALA ENTRE O

BANHEIRO E A CIDADE EM "O ARQUITETO" ..................... 64

DEZEMBRO NOS PARA-BRISAS: O ESPAÇO EM ?¡GUA!?, DE

LUIZ RUFFATO ...................................................................... 65

DIÁRIO DE LEITURA: UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO ............ 66

DO (IN)VISÍVEL NA DIMENSÃO DAS ESPACIALIDADES

RE(A)PRESENTADAS EM O BURRINHO PEDRÊS:

REFLEXÕES SOBRE LUGARES DEMARCADOS PARA

HOMENS E MULHERES NARRADOS................................... 67

DO REAL AO IDEAL: O ESPAÇO COMO OBJETO DE

(RE)CONQUISTA EM A NOITE DAS MULHERES CANTORAS

DE LÍDIA JORGE ................................................................... 68

ESCRITA POR IMAGENS DA CIDADE NAS CRÔNICAS DE

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE .................................. 69

ESPACIALIDADE E DESPERSONALIZAÇÃO EM MEMÓRIAS

DO CÁRCERE ....................................................................... 70

ESPACIALIDADES E RUPTURAS: UM ESTUDO DA

PERSONAGEM MARIA, DO ROMANCE RIO-PARIS-RIO, DE

LUCIANA HIDALGO ............................................................... 72

ESPAÇO ATEMPORAL; FÍSICA E FICÇÃO EM 30 E POUCOS

ANOS E UMA MÁQUINA DO TEMPO ................................... 74

ESPAÇO CONSTRUÍDO E ESPAÇO NATURAL EM O

GUARANI ............................................................................... 75

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ESPAÇO E IDENTIDADE EM "TEATRO" DE BERNARDO

CARVALHO ........................................................................... 76

ESPAÇO E IDENTIDADE EM DOIS ROMANCES DE MILTON

HATOUM ................................................................................ 77

ESPAÇO E MEMÓRIA: SÍMBOLOS E REPRESENTAÇÕES DO

ESPAÇO NO ROMANCE UMA HISTÓRIA DE FAMÍLIA, DE

SILVIANO SANTIAGO ........................................................... 78

ESPAÇO E REPRESENTAÇÕES DA FEMINILIDADE EM

POEMAS DE MIA COUTO ..................................................... 79

ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA MANAUS DE MILTON

HATOUM ................................................................................ 80

ESPAÇOS (INTER)DITOS: CONFIGURAÇÕES DA

EXPERIÊNCIA SUBALTERNA EM O VENTO ASSOBIANDO

NAS GRUAS, DE LÍDIA JORGE ............................................ 81

ESPAÇOS DE RUPTURAS NO ROMANCE DE EMILY

BRONTË ................................................................................ 82

ESPAÇOS OPOSTOS E IDENTIDADES HISTÓRICAS: UMA

LEITURA TOPOANALÍTICA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS,

DE LÍDIA JORGE ................................................................... 83

ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO

DO ESPAÇO NAS PRIMEIRAS OBRAS FICCIONAIS DE

OSMAN LINS ......................................................................... 84

FIGURAÇÕES DE UMA ?PAISAGEM DESFIGURADA? EM O

QUINZE, DE RACHEL DE QUEIROZ .................................... 85

GÊNERO E ETNIA: NORTEADORES DA CONSTRUÇÃO DO

ESPAÇO EM CONCEIÇÃO EVARISTO ................................. 86

HERÓIS INDIVIDUAIS E CAUSAS COLETIVAS EM "VIDAS

NOVAS", DE LUANDINO VIEIRA ........................................... 87

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IR EMBORA POR VONTADE PRÓPRIA É BASTANTE

DIFERENTE DE SER EXPULSO : UM ESTUDO SOBRE

LITERATURA E GENTRIFICAÇÃO ........................................ 88

IRACEMA: A RELAÇÃO ENTRE O ESPAÇO E A

AMBIENTAÇÃO DA OBRA E DAS PERSONAGENS ............. 89

JORNADA ANGOLANA: DE PEPETELA A MANUEL ALEGRE,

A REPRESENTAÇÃO ESPACIAL NA GUERRA DE

LIBERTAÇÃO......................................................................... 91

LATIFÚNDIO REALISTA: ARIDEZ NA FORMA E NO SERTÃO

DE VIDAS SECAS ................................................................. 93

LIBERDADE E REPRESSÃO: A CONSTRUÇÃO DE CANUDOS

E A (NÃO?) EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CIDADE ? UMA

ANÁLISE DA OBRA OS SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA?

............................................................................................... 93

LITERATURA EM INTERFACE COM A FOTOGRAFIA,

PINTURA E ILUSTRAÇÃO: A CONSTRUÇÃO PICTURAL DO

ESPAÇO NO CONTO ?A SANTA DE SHONEBERG?, DE

RUBEM FONSECA ................................................................ 96

LIVRO, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO: UM ROMANCE DE

DESLOCAMENTOS QUE REFLETEM A EMIGRAÇÃO E A

PRÓPRIA LITERATURA ........................................................ 97

LUGARES E NÃO-LUGARES EM ENSAIO SOBRE A

CEGUEIRA ............................................................................ 98

MARCO POLO E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: A POÉTICA

DOS OLHOS E DA PALAVRA EM ......................................... 99

MARÍLIA DE DIRCEU - NESTA TRISTE MASMORRA, DURO

GRILHÃO ............................................................................. 100

MINHA QUEBRADA, MEU ESPAÇO: A VOZ DA PERIFERIA NO

RAP DE FLÁVIO RENEGADO ............................................. 101

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MULHERES NEGRAS DO CORTIÇO: RECORTES DE RITA

BAIANA E BERTOLEZA COMPARADAS, OPRIMIDAS E

REVOLUCIONÁRIAS DIVIDINDO O MESMO ESPAÇO ...... 102

NOTAS POR UMA POÉTICA DA OCUPAÇÃO: O POEMA, O

CANTO E O ESPAÇO ESCOLAR ........................................ 103

O ALENTEJO COMO ESPAÇO POÉTICO EM JOSE LUIZ

PEIXOTO ............................................................................. 104

O BAIRRO, DE GONÇALO M. TAVARES, PELA

PERSPECTIVA DO ESPAÇO .............................................. 105

O DISCORDE ESPAÇO DO LOBISOMEM NA ORALIDADE

BRASILEIRA ........................................................................ 106

O ESPAÇO DO QUARTO NA CASA DE VALMARES E O TEMA

DA PARTIDA: UMA PERSPECTIVA TOPOANALÍTICA DA

OBRA O VALE DA PAIXÃO, DE LÍDIA JORGE ................... 107

O ESPAÇO EM CHICO BUARQUE: ALGUMAS

CONSIDERAÇÕES .............................................................. 108

O ESPAÇO GÓTICO NA FICCIONALIZAÇÃO DE

MOVIMENTOS MESSIÂNICOS BRASILEIROS ................... 109

O ESPAÇO NA OBRA PRINCE LESTAT DE ANNE RICE COMO

FORMA DE RENOVAÇÃO DO TEMA VAMPIRESCO. ........ 110

O ESPAÇO NARRATIVO NA OBRA ?O MANDARIM? DE EÇA

DE QUEIRÓS ....................................................................... 111

O ESPAÇO SIMBÓLICO DA CASA EM EMÍLIO MOURA. ... 112

LUCIANO MARCOS DIAS CAVALCANTI UNIVERSIDADE

VALE DO RIO VERDE ......................................................... 112

O ESPAÇO SOCIAL E AS MULHERES MACHADIANAS:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGREDO DE AUGUSTA, DE

MACHADO DE ASSIS .......................................................... 112

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O ESPETÁCULO DA MORTE .............................................. 114

O RIO DE JANEIRO NAS CRÔNICAS DE LIMA BARRETO 115

OS ESPAÇOS DAS OBRAS ?CHAPEUZINHO VERMELHO? E

?TAINÁ - UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA? EM DETRIMENTO

DE SUAS PERSONAGENS ................................................. 115

OS VISITANTES MONTELLIANOS: RESSIGNIFICAÇÕES

TERRITORIAIS E AFETIVAS NO ESPAÇO LITERÁRIO DE

JOSUÉ MONTELLO ............................................................. 117

PELAS RUAS, TRABALHANDO OU ESMOLANDO, ONDE

ESTÃO OS TRABALHADORES DE JORGE DE SENA? ..... 119

PERSPECTIVAS DO ESPAÇO LITERÁRIO EM ?AS ONDAS?

DE VIRGÍNIA WOOLF: ASPECTOS DE UMA ESCRITA

MULTIFORME ...................................................................... 120

PONCIÁ VICÊNCIO: UMA ANÁLISE DO GEOESPAÇO NA

OBRA EVARISTIANA ........................................................... 121

REALIDADE AUMENTADA: O ESPAÇO LITERÁRIO INFANTO-

JUVENIL SOB A ÓTICA DAS TDICS EDUCACIONAIS ....... 122

REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: ESPAÇOS DE

SUBALTERNIDADE EM A HORA DA ESTRELA, DE CLARICE

LISPECTOR ......................................................................... 124

REVISTA DE ANTROPOFAGIA: ESPAÇO DE EMBRIAGUEZ E

REVOLUÇÃO ....................................................................... 125

SOB A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO: A

CASA DO LEITOR ............................................................... 126

SOB OS EFEITOS DA DISCRIMINAÇÃO ESPAÇO COMO

RESISTÊNCIA EM RIO NEGRO DE NEI LOPES................. 127

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UMA VISÃO GERAL SOBRE A VISTA PARTICULAR: ESPAÇO

GLOBALIZADO E SIMULACRO NO RIO DE JANEIRO DE

RICARDO LÍSIAS ................................................................. 128

A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PERSONAGEM NOS

DOCUMENTÁRIOS SANTA MARTA, SANTO FORTE E

BABILÔNIA 2000 DE EDUARDO COUTINHO. .................... 129

ESPAÇOS MOTIVACIONAIS NA FOTOGRAFIA DE

SEBASTIÃO SALGADO: ARTE E REALIDADE ................... 130

ESPAÇOS SAGRADOS NO RIO DE JANEIRO: O MALANDRO

E O TERREIRO DE UMBANDA ........................................... 130

O RIO DE JANEIRO DE MILLOR FERNANDES .................. 133

UMA LEITURA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA

JORGE, A PARTIR DO CONCEITO DE HETEROTOPIA DE

MICHEL FOUCAULT. ........................................................... 134

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RESUMOS

Comunicação oral Espaço e Literatura

Nota: Conteúdo e redação dos resumos são responsabilidade dos respectivos autores.

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A ESPACIALIDADE E O ROMANCE HISTÓRICO TRADICIONAL FRANCÊS: UM ESBOÇO DE PERCURSO TEÓRICO.

ROSÁRIA CRISTINA COSTA RIBEIRO UFAL- UNIVERSIDADE

FEDERAL DE ALAGOAS

O século XIX francês viu o estabelecimento da forma literária que seria

considerada a? epopeia burguesa? (Lukacs, 1965), o romance. Com os

primeiros anos do Romantismo, entre 1815 e 1848, o romance consagrou-se

como forma de expressão desse tipo de sociedade na qual o individualismo era

uma das características definidoras. No mesmo período, o conceito de?

História? entrou em um processo de alteração devido à influência das demais

ciências que se consolidavam. Entretanto, houve um momento, nos primeiros

anos desse movimento literário, no qual as barreiras entre História e Literatura

ainda não estavam definidas. Esse momento coincidiu com a? explosão? de

Walter Scott e do romance histórico em solo francês. Entre as diversas formas

de interpenetração de história e romance, a que mais nos chama a atenção é

aquela manifestação do romance conhecida como histórica e tradicional (ou

clássica, ou ainda romântica), e que contribuiu especialmente para a fase

nacionalista do Romantismo no Ocidente, segundo diversos autores, pode

assim ser adjetivada pela sua investigação do passado. Entretanto, a grande

diferença entre este tipo de romance e as obras da historiografia do período é

a substituição dos grandes? fatos públicos? (Bernard, 1989) pelos? pequenos

fatos verdadeiros? ou ainda, nas palavras do próprio Victor Hugo (1874), na

substituição da História pela lenda. Essa troca pode, dessa forma, proporcionar

à narrativa ocupar-se muito mais com a representação de indivíduos médios

(Scott) ou representativos de? espécies sociais? (Balzac) do que a

historiografia. Gengembre (2006) utiliza o romance histórico chinês para definir

essa característica? O romance histórico chinês não repete a História, mas

estabelece uma ponte entre a cultura erudita das letras e a cultura popular,

permitindo a grande número de pessoas aderir a sua representação do mundo

que esse romance expõe? (tradução nossa). Não seria essa uma das razões

do sucesso do romance histórico (apesar dos altos e baixos), uma vez que esse

tipo de romance junta historiografia e lenda, ou seja, o erudito e o popular,

agradando a um grande público? O formato do gênero romance histórico

tradicional, teorizado por Maigron (1898), por George Lukács (1935), e

também por Bakhtin (1937-1938), Bachelard (1957), Molino (1975) e Claudie

Bernard (1989;1996), entre outros, compreende infinitas possibilidades de

interpretação, mas a nosso ver, a visão ideológica, estimulada tanto pelo título

quanto pela própria escolha de gênero, é a que mais salta aos olhos e a que

parece mais instigante ao leitor. Unindo essa visão à análise da categoria

espacial nesta narrativa, o que nos interessa mais particularmente, chega-se a

um ponto convergente, que pode ser sintetizado na seguinte problemática: qual

é o papel desempenhado pela espacialidade na construção do romance

histórico tradicional? Esta comunicação pretende traçar, a partir deste

questionamento, o trajeto das principais ideias que envolvem as discussões

sobre a espacialidade e o romance histórico tradicional francês.

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OS ESPAÇOS CONSTRUÍDOS NA HISTÓRIA CHAPEUZINHO VERMELHO EM RELAÇÃO AO FILME TAINÁ UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA.

NATHÁLIA DE OLIVEIRA SOUZA

UEMG - UNIDADE DE CARANGOLA

PAPq

Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa Representações da crise:

interseções de fontes literárias, desenvolvido na UEMG-Carangola com o apoio

do PAPq. Nessa concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática:

Espaço e Literatura. Na condição de pesquisadoras da Universidade do Estado

de Minas Gerais (UEMG) propomos, nessa pesquisa, uma discussão reflexiva

acerca da relação entre o homem e o espaço. De acordo com o Projeto

Pedagógico do Curso de Letras da UEMG, Unidade de Carangola (2016/2017),

quanto às literaturas, é necessárias obras e autores sempre de acordo com

vieses teórico-interpretativos capazes de integrar conhecimento do universo

literário a atitudes críticas, que devem, em qualquer instância, iluminar o

artefato literário no que os textos manifestam em sua realização como

construção. Nessa Perspectiva, a Ecocrítica (crítica literária ecológica), foi o

ponto de partida para o desenvolvimento desse estudo. A metodologia utilizada

como suporte a essa pesquisa foi qualitativa de cunho bibliográfico para

fomento dos conteúdos teóricos, como BLANCHOT (1987), GARRARD (2006)

E GANCHO (2002). Na confecção desse artigo, foram elegidas duas obras, a

primeira o texto fílmico: Tainá - Uma Aventura na Amazônia (filme brasileiro, do

gênero infanto-juvenil e aventura dirigido por Tânia Lamarca e Sérgio Bloch, no

ano 2006) e a segunda, o conto de fadas clássico: Chapeuzinho Vermelho (de

origem europeia do século XIV). A justificativa quanto à escolha dessas duas

obras, é que elas possibilitam analisar qual é o tratamento conferido a tríplice:

relação telúrica, espaço e a literatura nas obras europeias e brasileiras. O

objetivo desse artigo é realçar fatores que atraiam o olhar do aluno para a aula

de literatura, desenvolvendo suas habilidades interpretativas para que ao ler

qualquer obra, o aluno possa refletir sobre aspectos como: Como o autor

construiu o espaço nessa narrativa? Existe uma interação entre as

personagens e o espaço? Qual foi a intencionalidade do autor na construção

do espaço dentro da obra em questão? O esperado é o despertar da

conscientização crítica para que se preocupem com as temáticas do homem e

sua relação com o meio ambiente e a sustentabilidade do planeta.

Palavra-chaves: Espaço, Análise Literária, Ecocrítica, Texto Fílmico, Contos

Infantis.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

?FLORIANÓIA?: A CIDADE QUE NINGUÉM VÊ NA ?ILHA DA MAGIA?

CARLA CRISTIANE MELLO UNIVERSIDADE

FEDERAL DE SANTA CATARINA

CAPES

O presente trabalho apresenta o poema-musical ?Florianóia? do grupo de rap

Arma-Zen, de Florianópolis-SC, para ressignificar os espaços urbanos da

capital catarinense através das performances vocais, discursivas e corporais.

Esta cidade é conhecida pelas suas belezas naturais e muito requisitada

enquanto espaço turístico, carinhosamente apelidada de?Ilha da Magia?. No

entanto, o rap catarinense (e o grupo Arma-Zen, aqui especificamente) traz uma

outra visão daqueles que estão excluídos desse viés imaginário e paradisíaco

da cidade, mostrando que os sujeitos que vivem em determinados espaços dela

podem (ou não) ocupá-la e aproveitá-la tal qual a forma como ela é?vendida?

midiaticamente. O rap surgiu como um discurso de protesto daqueles que

estão à margem do sistema, seja ele econômico ou social, nos guetos

norte-americanos em meados de 1970, e de lá se proliferou para o mundo. Aqui

no Brasil, as periferias urbanas conseguiram, a partir da década de 1980,

expressar-se através dessa poética? e do Movimento Hip Hop, de forma geral

? para apontar outros pontos de vista de um mesmo espaço: a cidade. As

diferentes expressões sociopolíticas encontradas nas críticas ácidas do rap do

grupo Arma-Zen ocupam um espaço importante de reflexão e de memória a

respeito de uma cidade que, assim como o mito da democracia racial espalhado

pelo resto do país, acaba

?escondendo? os problemas raciais e sociohistóricos que compõem o cenário

contemporâneo; ou seja, há duas cidades, no mínimo, dentro de Florianópolis:

aquela que abriga os bilionários distribuídos pelas quarenta e duas belas praias,

e aquela ? geralmente ?da ponte pra lá? ? que abriga a violência e a pobreza.

Nesse sentido, o rap cria uma ruptura discursiva para incorporar, literalmente,

a imagem transgressora e necessária daqueles sujeitos que sempre passam

transcritos para a História através de dados estatísticos, ou quando muito,

conhecidos apenas como os?marginais? (pejorativamente falando). Ao trazer

essas vozes à cena, é com elas e por elas que esses sujeitos se fazem

reconhecidos, de si mesmos e daqueles tantos outros que dividem o espaço

da cidade, mas não vivem, necessariamente, a mesma cidade.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

?LA ISLA QUE SOY YO?: POÉTICA DA CASA E EROTISMO EM CUBA MARCELLA DE PAULA CARVALHO

UERJ/PUC

Em Domingo de revolución (2016), romance da escritora cubana Wendy

Guerra, observamos como o corpo da protagonista Cleo interage com o cenário

cubano, transforma-o e é modificado por ele. A história começa com o luto

decorrente da morte dos pais. Solitária diante das sucessivas diásporas,

marcantes na realidade da ilha, sua companhia paradoxal são os oficiais que a

vigiam. Após ganhar um prêmio literário, a vigilância recrudesce e rotulam sua

conquista como fruto de um apoio imperialista. É pela perda do espaço privado

que verificamos, à flor da pele, essa relação corpos-cidades (GROSZ, 2003).

Em meio ao interdito (BATAILLE, 2017), ao desconforto diante da rigidez do

regime castrista, ao biopoder (AGAMBEN, 2010) - que converte os indivíduos

em estatística -, uma possibilidade interessante de resistência é a tessitura de

um erotismo (BATAILLE, 2017). Este seria justamente a superação da

mera sexualidade da biopolítica. O espírito da Revolução Cubana

(MISKULIN, 2003) demandou do coletivo todo o esforço, controle e economia

entendidos como necessários para construir uma nação socialista tão próxima

dos EUA. No entanto, o erótico não é veiculado pela contenção, mas pelo

desperdício, pelo excesso. Segundo Bataille, a relação entre seres navega na

descontinuidade da vida. O impulso erótico quer construir uma continuidade,

logo, tenta uma fusão impossível com o outro. Essa aproximação do

autoaniquilamento mostra como o erotismo afirma a vida a partir da morte.

O objetivo deste trabalho é analisar a contribuição de Bataille, já referida, para

compreender uma política dos corpos na obra de Guerra, explicitando o

papel do erotismo na relação Cleo com Cuba. Ela procura religar-se ao

seu país, mas as dificuldades ali existentes a arrebatam. Para entender o lugar

onde a personagem está inserida, utilizaremos uma poética da casa

(BACHELARD, 1978), na qual a dialética do aberto e do fechado

(BACHELARD, 1978, p.198), devido à espionagem, está sempre em questão.

Configurando um estudo interartes (CLÜVER, 1997), contemplaremos também

músicas do cantor cubano Carlos Varela, comparando-as com o romance,

investigando como o eu-lírico e Cleo são transpassados pelo seu contexto

histórico e geográfico. Como expressa uma de suas canções, ?unos hacen los

muros/y otros hacen las puertas? (2000). Por isso, queremos mapear, por meio

desses artistas, muros e portas de Cuba e dos corpos presentes em suas obras.

Na ilha, interdito e transgressão (BATAILLE, 2017) entrelaçam-se diante do

achatamento do espaço privado. A arte, como canta Varela (2000), critica a

centralização do governo: ?la libertad solo existe/cuando no es de nadie?. Para

Bataille (2017), o erotismo é uma experiência potente de vida, paixão e

contemplação poética. Associado à arte, constrói-se uma ferramenta que

plasma novos espaços internos e externos de liberdade.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

"NOS MAPAS EU NUNCA TE ENCONTRAVA" UMA LEITURA POÉTIC DA PAISAGEM EM ANA MARTINS MARQUES

SUE HELEN DA SILVA VIEIRA UFRJ

O trabalho pretende fazer uma leitura da paisagem na poesia da poeta

mineira Ana Martins Marques, tomando como pressuposto teórico os

estudos de Michel Collot sobre a filosofia da paisagem, partindo da

premissa que? a paisagem provoca o pensar e que o pensamento se

desdobra em paisagem?, que se configura a partir de um olhar sensível para o

lugar. Selecionou-se alguns poemas da sessão "Cartografias", inserido no livro

Da arte das armadilhas, que tematizam o espaço de formas diferenciadas. A

transgressão das fronteiras geográficas é, entre outras possibilidades

existentes, uma das formas de unir o que está separado e fazer um jogo entre

o espaço real e o espaço virtual.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A CARTOGRAFIA AFETIVA DE PATRICK MODIANO EM PARA VOCÊ NÃO SE PERDER NO BAIRRO

ILANA GOLDFELD CARVALHO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO (PUC-RIO)

CAPES

O presente trabalho pretende observar os diferentes processos de significação

da cidade dentro da literatura do francês Patrick Modiano, vencedor do Prêmio

Nobel de Literatura de 2014, privilegiando o modelo adotado em seu livro mais

recente, para você não se perder no bairro (lançado no Brasil em 2014). Paris,

a cidade natal do escritor, aparece em destaque em muitos de seus livros, em

especial durante o período da ocupação nazista na França. Deste modo, sua

obra é frequentemente analisada de acordo com uma chave de leitura que

prioriza a contextualização histórica. Em Para você não se perder no bairro, o

modelo de leitura da cidade é elaborado a partir de outra chave: a da

espacialidade. O processo de memória presente neste livro baseia-se

principalmente no ato de rememoração do protagonista, suscitado quando ele

se depara com determinados lugares da cidade. Para o escritor francês,

Paris está associada às memórias de quando era menino, que parecem

ser? emprestadas? aos personagens. As ruas atuam evocando lembranças e

ajudando a compor a complexidade do personagem. No livro, é através das

sutilezas sugeridas pelas recordações que o leitor percebe a relação do

protagonista Daragane com sua mãe e como uma outra personagem, Annie

Astrand, foi, na verdade, a principal figura materna de parte de sua infância. A

memória das experiências vividas está intimamente ligada ao espaço urbano.

Assim, este molda os personagens de Modiano ao se misturar a questões

pessoais, ao se combinar à individualidade e à bagagem emocional que o

escritor confere às personagens. Deste modo, a proposta é estudar o que Paris

fala a Modiano e o que Modiano fala a Paris ao percorrê-la. O espaço evoca

lembranças em seus personagens e questões como o papel da rua e do andar

(através de pensadores como Michel de Certeau e outros escritores, como Italo

Calvino) serão fundamentais. Também é relevante analisar o livro de Modiano

levando em conta a categoria de Spur (termo alemão que pode ser traduzido

como rastro, resto, vestígio), estudada por Walter Benjamin. Este conceito

complexo envolve ao mesmo tempo uma ausência e uma presença e será útil

para tentar entender a lógica de construção da representação do espaço em

Para você não se perder no bairro, pensando especialmente em uma

cartografia afetiva a partir dos restos da e na cidade.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A CASA COMO ESPAÇO AFETIVO NA POESIA CONTEMPORÂNEA

ANELISE DE FREITAS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

A proposta inicial desse trabalho é dialogar com os conceitos literários à luz da

pós-autonomia, atrelado a um processo de produção de presença na poesia feita

atualmente no Brasil e na Argentina, pois a produção dessa presença não se

resumiria mais a obra e autor, dissociados. Se Bourdieu parte da dicotomia do

literário e extra literário na formação do campo, isto é, a literatura dependeria de

critérios literários mais ou menos bem definidos e critérios sociais e políticos que

não estariam na alçada da literatura, pensadoras como Josefina Ludmer,

entretanto, ampliam esse conceito até que a dicotomia não resista e aquilo que

é literário não poderá se separar daquilo que não o é, não poderia mais ser

fracionado, dividido, pois esses elementos seriam uma ?comunhão

indissociável? e ?imperfeitamente homogênea?. Assim, o que estaria em jogo

seria a performance do autor. A geografia ? a casa como território ? nesses

textos poéticos, a partir da relação do eu com o mundo em um contexto

tecnicista, no qual a promessa globalizada da possibilidade de encontros

variados e repletos de alteridade não se cumpriu, atuaria como uma

performance acoplada a uma mudança de perspectiva. Tudo que

acompanhamos, desde a chegada do sentimento da modernidade, é um

rebaixamento do autor. Depois de pensadores como Barthes, o autor passa a

ser refutado como unidade de valor na crítica literária, em detrimento do texto,

que se valida como recorte de valor. Outras áreas das ciências humanas ? ou

do que se convencionou chamar por ciências humanas -, como a antropologia,

reconfiguram seu trabalho de pesquisa. Essa área tem se aberto à etnografia

como um processo narrativo transversal, isto é, abre-se para o entendimento de

que uma ciência cujo objeto seja o homem não pode ser feita sem respeitar

processos subjetivos. Essa realidade começa a surgir no campo dos estudos

literários, que se reconfigura (ou necessita reconfigurar-se). Assim, nada mais

natural que a crítica literária também se reformule. Assim, Ludmer propõe uma

crítica não linear, sem binarismos, tangenciada pelo trânsito (COTA, 2012).

Segundo Pinheiro (2013), o que o pensamento de Ludmer possuiria de mais

latente seria justamente provocar esse lugar do crítico e, consequentemente, da

crítica. O campo da autonomia, em que mecanismos específicos e

reconhecíveis de valorização de uma obra atuavam, não existe mais; assim

como alguns conceitos literários foram esvaziados de significação se pensados

a partir da produção atual, principalmente pós-2000. Isso acarretaria o fim de

um pensamento da esfera, em que delimitações conceituais do que seria literário

atuavam, isto é, aquilo que se acreditava (relativamente) autônomo não é mais possível ser definido como só político, econômico ou cultural.

Palavras-chave: poesia pós-autônoma; espaço e literatura; home; casa.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A CAVERNA: DE PLATÃO A SARAMAGO - BUSCANDO NOVOS ESPAÇOS

DILMA MESQUITA DE LACERDA

COLÉGIO PEDRO II

O mundo contemporâneo é, indiscutivelmente, um mundo anti-narrativo: da

comunicação veloz estabelecida por meios digitais e através de poucas palavras

à "vivência líquida" das relações sempre frágeis e incertas, tudo conduz o

indivíduo de nosso tempo ao desconcerto,à solidão em meio às multidões e aos

radicalismos sob a forma de discursos equivocados que surgem aqui e ali, como

últimas tentativas (desesperadas e, acima de tudo, patéticas) de resgatar algum

sentido próprio da existência humana. O romance A Caverna de Saramago

fornece alguns referenciais para o entendimento do contexto:o "rolo

compressor" do sistema com suas exigências de produtividade, consumo e

desperdício; a perda da noção de valor da força de trabalho e dos produtos por

ela gerados; o desinteresse crescente pela arte como objeto único, artesanal,

substituída pelos produtos vendáveis e palatáveis e, em última instância, a

ligação intrínseca entre espaços e tempos como única saída para a apreensão

da realidade são fatores insubstituíveis e que não podem faltar na análise da

produção contemporânea. Saramago e sua obra surgem como importantes

referenciais nesse enfoque, que não dispensa ainda teóricos como David Harvey e Theodor Adorno.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MINHA MÃE, DE VICTOR GIUDICE

CAROLINA VELOSO COSTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CNPq

LUÍSA MENIN GARCIA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)

Laboratório Floripa em Composição

O escritor carioca Victor Giudice (1934? 1997) se destacou por ser um homem

múltiplo: amante e compositor de músicas eruditas e populares, escritor de

contos, romances e peças teatrais, fotógrafo, roteirista, professor e funcionário

do Banco do Brasil por vinte anos. Iniciou sua carreira literária em 1969,

publicando contos avulsos em jornais e revistas. No Jornal do escritor, publicou

o miniconto O banquete, técnica que desenvolveu melhor com o passar dos

anos. Giudice produziu quatro livros de contos: Necrológio (1972), Os banheiros

(1979), Salvador janta no Lamas (1989) e Museu Darbot e outros mistérios

(1994); três romances: Bolero (1985), O sétimo punhal (1995) e o inacabado Do

catálogo das flores (1999); duas peças de teatro: Ária de serviço e Baile das sete

máscaras; e cerca de vinte contos publicados de forma avulsa no exterior. A

maioria de suas obras está neste momento esgotada. No conto Minha mãe,

presente na coletânea Salvador janta no Lamas, Giudice escreve em primeira

pessoa, se utilizando da voz feminina para relatar alguns acontecimentos da

vida da protagonista e os relacionamentos interpessoais que a circundam. Seu

nome não nos é revelado. A narrativa envolve o leitor numa trama cercada de

mistério sobre o relacionamento desta protagonista com sua família,

principalmente com sua mãe. Dividido em duas partes, o conto inicia na infância

da personagem-narradora, que sofre com a ausência da mãe, a qual, a princípio,

vive enclausurada em um dos quartos da casa, fazendo bordados e costurando.

Ela nunca foi vista pela filha. A distância afetiva do pai e a presença de tia

Adelaide, que cuida do ambiente familiar, compõem esse momento da trama. Já

na segunda parte do conto, a personagem-narradora em sua vida adulta se casa

com seu amigo de infância, Pedrinho, e vive um momento de descoberta sobre

a vida matrimonial e seu amor pelo cunhado, Francisco. Sua relação com tia

Adelaide e sua mãe, em suas configurações misteriosas, permanece. Ainda que

a protagonista mude de ambiente no decorrer da narrativa, o espaço central

continua sendo o quarto de sua mãe, pois é nele que mistério do conto se dá.

Mas a pergunta é: Sua mãe realmente ocupa o espaço físico do quarto? Ou ela

ocupa um espaço na imaginação da protagonista? A curiosidade de descobrir o

porquê do suposto exílio social da mãe e do sentimento de abandono instiga a

narradora e prende a atenção do leitor. É nesse sentido que este trabalho se

propõe a investigar o espaço proposto por Giudice, no conto Minha mãe, e

procurar compreender a maneira como se cria essa ambiguidade não

solucionada sobre a presença da mãe no quarto ou se o sentimento de

abandono da criança criou um espaço para a figura materna, alimentada pela

tia Adelaide, que se preocupa em manter presente a todo momento a imagem dessa mãe.

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44 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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45 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A CONSTITUIÇÃO DA MONSTRUOSIDADE COMO CRÍTICA SOCIAL NO ESPAÇO FICCIONAL DE? AS PORTAS DO CÉU?, DE JULIO CORTÁZAR

ELTON DA SILVA RODRIGUES UNIVERSIDADE FEDERAL DA SANTA

CATARINA

CNPq

Dentre os diversos temas abordados em Bestiário (2016[1951]), de Julio

Cortázar, há constituição da monstruosidade no conto ?As portas do céu?,

narrativa em que fica explícita a leitura do outro enquanto um monstro. O

protagonista e narrador do conto é Marcelo Hardoy, um advogado que pertence

à classe alta e que tem que lidar com sujeitos de classes menos favorecidas. O

conto é marcado pela oposição entre o advogado e seus clientes, Mauro e

Celina, e a curiosidade antropológica do advogado de tomar nota acerca do

comportamento de outros, monstros, que não alcançam a sua própria condição

de humanidade, e que devem ter seus comportamentos e a descrição fisiológica

catalogados. O espaço da narrativa em que há a maior reunião de monstros é o

cabaré Santa Fe Palace, onde? [os monstros] aparecem às onze da noite,

descem de regiões imprecisas da cidade, pausados e seguros a sós ou em par,

as mulheres quase anãs e achinesadas, os homens parecendo javaneses ou

mocovis...? (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 109-110). Dessa maneira, pode-se

observar a crítica social a partir da constituição de sujeitos de classes menos

favorecidas, baixa ou média, como monstros, não pertencentes à condição

humana. José Gil (2006) nos diz em Monstros, um de seus livros que possui a

monstruosidade como tema, que essas criaturas não se situam fora do domínio

humano, mas em seu limite (como pode ser observado em? As portas do céu?),

e são ?absolutamente necessários para [o ser humano] continuar a crer-se

homem? (GIL, 2006, p. 14). Desse modo, a comunicação pretende, a partir da

análise do principal espaço em que se constitui a monstruosidade, uma leitura

do conto de Cortázar como crítica social à desigualdade econômica dirigida, à

época, ao governo de Perón, mas ainda presente e persistente em toda América

Latina, tendo como base a abordagem de Gaston Bachelard (1979) acerca do

espaço, Todorov (2010 [1982]) no que se refere à questão do outro e Gil (2006)

em relação à monstruosidade e àquilo que constitui os monstros.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MENINA A CAMINHO, DE RADUAN NASSAR

MARIA IARA ZILDA NÁVEA DA SILVA MOURÃO UNIVERSIDADE FEDERAL

DO PIAUÍ

O escritor paulista de origem libanesa Raduan Nassar ganhou nos últimos anos

certo destaque no cenário da literatura contemporânea. Vencedor de vários

prêmios ? sendo o mais recente o prêmio Camões do ano de 2016 pelo conjunto

da obra ? sua produção é muito significativa esteticamente, tendo como

componentes marcantes um olhar crítico para diferentes aspectos da

experiência humana (como as relações afetivas, sociais e familiares) e uma alta

dose de lirismo. Menina a caminho (1961) foi a primeira obra de ficção do autor.

No conto, podemos acompanhar uma menina sem nome percorrendo uma

cidade, provavelmente interiorana, para deixar um recado, fato que é descoberto

à medida que a narrativa se desenrola. Durante essa travessia, o leitor pode

acompanhar o cotidiano dos cidadãos e a repercussão causada por um boato

sobre o filho de um grande comerciante da região a partir da perspectiva da

menina que perambula quase sem rumo pelas ruas à semelhança do flâneur de

Walter Benjamin. Distanciando-se de um engajamento panfletário, Raduan

conseguiu nesse breve conto tratar de maneira crítica aspectos políticos da

sociedade brasileira sem perder de vista o lirismo. Para tanto, parece ter sido

primordial uma estruturação do espaço que permite aos lugares da obra

explicitar através de sua representação um teor crítico social velado, e não de

um discurso direto do narrador ou dos personagens sobre o assunto. Isso mostra

que a categoria do espaço não precisa ser analisada apenas como simples

ambientação, mas também pode ser vista como elemento estrutural revelador

de dados de ordem social, histórica e psicológica implícitos. Esse trabalho tem

por objetivo analisar o modo como o espaço é estruturado na obra, dando

especial atenção ao modo como a personagem principal e o narrador se

relacionam com os diversos lugares da cidade por onde passam. Pretende-se

mostrar que, através de um processo de redução estrutural, o espaço delineado

no conto consegue denunciar questões relevantes da sociedade brasileira. Para

isso serão utilizados como suporte teórico além dos estudos já conhecidos por

tratar do espaço ficcional, como os de Borges Filho (2007) e Brandão (2013),

trabalhos de estudiosos de outras áreas das ciências humanas, como Yi-Fu Tuan, Henri Lefebvre, Gaston Bachelard e Walter Benjamin.

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47 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A DEGRADAÇÃO DA CIDADE EM BELÉM DO GRÃO-PARÁ, DE DALCÍDIO JURANDIR

CLARA ALICE DA SILVA GUIMARÃES BRASIL UNIVERSIDADE FEDERAL

DO PARÁ

CAPES

?Belém do Grão-Pará? é o quarto livro da série ?Extremo Norte?, um projeto

literário de Dalcídio Jurandir, publicado pela primeira vez em 1960. Este

romance é ambientado em Belém do Pará na década de 20 e narra a história de

Alfredo, um menino do interior que muda-se para a casa da família Alcântara,

na capital, com o propósito de estudar. Essa família, nos tempos áureos do ciclo

da borracha na Amazônia, viveu na fartura e, após a queda do senador Lemos

e o declínio da borracha, são obrigados a viver na periferia da cidade, abstendo-

se das regalias proporcionadas por este ciclo, durante a Belle Époque. Apesar

do tempo da narrativa se passar na decadência da borracha, sendo Lauro Sodré

o intendente, é possível ver o apogeu da borracha, através das memórias das

personagens que recordam com nostalgia. Logo, percebe-se o contraste que há

entre o esplendor e pompas do Lemismo, com a modernização da cidade de

Belém, com o primeiro cinema, a instalação da luz elétrica, obras de saneamento

básico e higienização, construção de praças, além de projetos como a

construção de palacetes, bolsa de valores, grandes teatros; e a miséria do

Laurismo, com a deterioração de grande parte desses projetos, sobrando ruínas

daquela época. Nota-se a representação metafórica das ruínas com a casa dos

Alcântaras, preste a desabar, localizada no centro da cidade, no bairro nobre

Nazaré, além de outros espaços retratados pelo romance, que também

representa a decadência da borracha. Deste modo, o objetivo deste trabalho é

visualizar a degradação da cidade nos capítulos iniciais do romance. Estes

capítulos narram o momento em que o menino Alfredo encontra-se com sua

musa, a cidade de Belém, que outrora, mostrava-se esplendorosa nos catálogos

comemorativo de seu pai e, nesse momento da ação narrativa, mostra-se

sombria e decadente. Diante do exposto, este trabalho se propõe a investigar a

forma como Dalcídio apreende as transformações do espaço e transpõe para a

literatura. Quanto à metodologia do trabalho, pode-se salientar o estudo sobre

espaço literário, apontando para o estilo individual do escritor paraense. Com

base em uma metodologia fundamentada em um estudo bibliográfico, autores

como Marlí Tereza Furtado (2010), Cândido (2004), Dimas (1985), Santos e

Oliveira (2001) viabilizarão a compreensão da degradação do espaço na cidade de Belém no romance através das experiências das personagens.

Palavras-chave: Espaço. Cidade. Degradação.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS EM A ESCRAVA ISAURA: UMA ALEGORIA DO RACISMO BRASILEIRO

MARCIO VINICIUS DO ROSÁRIO HILÁRIO

COLÉGIO PEDRO II

Tradicionalmente rotulado como um romance abolicionista, A escrava Isaura, de

Bernardo de Guimarães, apresenta, à luz das concepções humanísticas,

grandes contradições: ao mesmo tempo em que nitidamente defende o fim da

escravidão no Brasil, revela fortes preconceitos em relação aos negros

escravizados e sua ancestralidade africana. O objetivo inicial desse trabalho é

buscar uma fundamentação teórica e uma explicação lógica para que discursos

tão simetricamente opostos possam coexistir no pensamento de um escritor

brasileiro oitocentista. Para além disso, a partir do que se lê na obra, tentaremos

estabelecer conexões dialógicas com a sociedade brasileira dos dias atuais,

buscando naqueles princípios do século XIX as raízes do racismo

contemporâneo. De algum modo, ao apresentar como protagonista uma escrava

quase branca, o romance parece legitimar uma ideia de que os traços

fenotípicos de um indivíduo possam ter uma relação direta com o espaço em

que ele esteja inserido. Logo, Isaura ? principalmente ela, tão linda, tão pouco

negra ? não merecia ser escrava. Desse modo, se existe uma lógica que afirma

ser alguém bonita demais para estar na cozinha ou na senzala, esse mesmo

princípio implicitamente sugere que outrem lá pode estar por merecimento,

como uma espécie de castigo para uma ausência de qualidades positivas, como,

por exemplo, a alvura? considerada como padrão de beleza. Numa leitura

atualizada, a partir do romance, desejamos discutir principalmente o espaço

legado ao negro não só naquela obra e naquela sociedade, mas, sobretudo, na

sociedade brasileira atual.

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49 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A ESPACIALIDADE NO CONTO MARIDO, DE LÍDIA JORGE

ELISABETE DA SILVA BARBOSA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

Este estudo tem a proposta de promover uma discussão acerca do modo como

a escritora portuguesa Lídia Jorge (1946-), autora do conto Marido, se apropria

de elementos espaciais por meio da linguagem para construir uma narrativa de

ficção em que um jogo dialético se impõe, evidenciado pela caracterização das

personagens. Nesse contexto, o masculino, relacionado a espaços exteriores,

surge contraposto ao feminino, que ocupa o espaço interno e doméstico. A

construção da narrativa revela, a partir da interação entre as duas personagens

centrais, uma relação opressiva que é reforçada pela forma como os sujeitos em

questão lidam com a espacialidade. Para este estudo, privilegiamos uma

abordagem filosófica a partir da Poética dos espaços de Bachelard (2008) e Mil

Platôs de Deleuze e Guatarri (2011), o que pode ser associado a conceitos

provindos da geografia interpretativa para se elucidar um pouco o modo como a

linguagem literária se apropria de elementos espaciais, com vistas à produção

de um constructo estético. No esteio desse campo interdisciplinar, os conceitos

de multiterritorialidade e de fronteira são privilegiados, os quais serão

empregados com a finalidade de se buscar uma melhor compreensão dos

lugares ocupados pelas personagens. A territorialização da figura feminina, a

princípio centrada no Marido, é ressignificada ao final do conto. Lúcia passa,

portanto, por um processo de reterritorialização, o que se identifica com a

tragicidade da própria morte. Além disso, por meio do conceito de fronteira,

busca-se uma interpretação do limiar entre o público e o privado como instâncias

emblemáticas para que as personagens Lúcia e o Marido fossem construídas

de forma dialética. Intenciona-se, dessa maneira, pensar o espaço como meio e

objeto de sentido (MONTEIRO, 2002), pois não somente serve de pano de fundo

para que a construção da trama literária seja efetivada, mas como um dos

elementos da narrativa que interfere nas percepções do leitor a respeito da

condição humana representada no texto.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A ESPACIALIDADE NO CONTO O MARIDO DE LIDIA JORGE

GÉSSICA DE SOUZA

UTFPR - CAMPUS PATO BRANCO

Na teoria da narrativa literária alguns elementos são de fundamental importância

na construção das narrativas, tais como: o tempo, o narrador, os sujeitos e o

espaço. Sendo esse último, o espaço, o mais completo elemento narrativo pois,

dele derivam os outros elementos e, sem o qual não é possível a constituição

da narrativa. O espaço literário determina tanto o ambiente físico com o

ambiente psicológico da narrativa e é determinado como qualquer cenário onde

a narrativa acontece. Sendo assim, temos o espaço como a primeira e principal

informação dentro do texto. Os estudos sobre a espacialidade dentro da

literatura tem-se intensificado no decorrer das décadas, tendo em vista, a

necessidade de dissecação do texto literário. Foi pensando nessa importância

dos estudos do espaço literário, que esse trabalho tem por intuito esboçar uma

análise da estrutura espacial do conto ?O Marido? da escritora portuguesa Lídia

Jorge, conto pertencente a obra: ?O Marido e Outros Contos?. O conto em

questão é um texto contemporâneo que possui uma narrativa fluida, onde mais

de um espaço é apresentado ao leitor, tanto físicos quanto psicológicos,

permitindo, assim, análises imagéticas e metafóricas dos referentes espaços. A

partir dessa afirmação e, para embasar a proposta de análise do conto ?O

Marido?, serão usados os estudos teóricos de Gaston Bachelard, em sua obra

?A Poética do Espaço?, onde o autor nos apresenta o conceito de topoanálise.

Definição, essa, que estará presente durante todo o processo de dissecação do

espaço na narrativa de Lidia Jorge. Também serão usados os estudos sobre o

espaço de Ozíres Borges Filho, Luis Alberto Brandão, e outros estudiosos do

campo da espacialidade literária. É importante destacar que, o espaço literário

acontece desde a primeira frase de uma narrativa, pois, trata-se de onde essa

narrativa está acontecendo e onde o leitor a está ambientando, mesmo sem

nenhuma descrição de ambiente físico. Por isso, é possível afirmar que todos

os outros elementos da narrativa, encontram-se dentro de apenas um: o espaço literário.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A IDENTIDADE DO NEGRO E O ESPAÇO EM? CLARA DOS ANJOS? DE LIMA BARRETO

MARCIO ANTONIO DA COSTA SANTOS

UFGCATALÃO

Prof. Dr. Ozíris Borges Filho

O presente trabalho tem por objetivo analisar a desconstrução da imagem do

homem negro através da obra Clara dos Anjos de Lima Barreto. A pesquisa será

analítica. Utilizaremos as obras de Osman Lins (1976) como referencial na

abordagem do espaço e Silva(2012) Hall(2012), Woodward(2012) como

principais obras sobre a teoria da identidade. Demonstraremos a importância do

espaço para a caracterização das personagens e como ele influencia o

desenvolvimento e compreensão da narrativa. Segundo Woodward, a

construção da identidade é referencial, depende de algo que está fora dela, de

outra identidade que difere de si, mas que fornece condições para sua

existência. Ela é marcada pela diferença (2012. p 9) Desta forma, a imagem do

negro na sociedade brasileira até o século XIX foi determinada pela sociedade

dominante, formada por senhores de escravos, detentores do poder político,

econômico e religioso. Neste contexto, o homem negro perdia sua condição de

homem e tornava-se apenas um animal utilizado como força de produção. Assim

identificado, não podia ser sujeito de si e desta forma a literatura reproduzia-o e

retratava-o em segundo plano, com discursos que reforçavam o pensamento de

que ele não era pessoa humana nem poderia ter voz. Em Lima Barreto, na obra

Clara dos Anjos, poderemos ver a ascensão do negro à posição de protagonismo de sua narrativa e não apenas com objeto na narrativa.

Palavras-chave: literatura. Identidade. Espaço literário.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A LIRICIZAÇÃO DO ESPAÇO COMO MECANISMO DE DEFLAGRAÇÃO DO INSÓLITO FICCIONAL EM APARIÇÃO, DE VERGÍLIO FERREIRA

MARCUS VINÍCIUS LESSA DE LIMA UNIVERSIDADE FEDERAL DE

UBERLÂNDIA

CNPq

A partir dos textos de Marisa Martins Gama-Khalil e Fernando Alexandre de

Matos Pereira Lopes, ambos presentes no volume O espaço literário na obra de

Vergílio Ferreira (2016), buscamos analisar como em Aparição, assinado pelo

autor português contemplado pela obra teórica acima referida, a percepção do

espaço pelo narrador autor-ficcionalizado corrobora uma leitura do romance

segundo a ótica das teorias do fantástico, no âmbito do insólito ficcional

considerado como elemento de desnormatização discursiva, inscrito seja no

domínio do desvio da norma, segundo Mukar?vsky, seja no da

desautomatização e do efeito de estranhamento, segundo Chklóvsky. Para essa

leitura, será importante recorrer ao ensaio Da fenomenologia a Sartre, de

Vergílio Ferreira, e ao texto sartriano A transcendência do Ego, bem como às

observações do autor português nos volumes publicados de seus diários (Conta-

Corrente I-V), de modo que possamos perceber que é a intuição de si para si ?

ou ?[a] presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca?, que, conforme

o narrador de Aparição, ?é de dentro de mim que a sei? (FERREIRA, 1971, p.

10, grifo nosso)?, a consciência de si que operará como elemento deflagrador

de uma percepção insólita do espaço ressaltando o caráter vertiginoso,

fantástico, absurdo (para usar vocábulos caros a Vergílio Ferreira) da

autoconsciência e da existência humanas. Compreendendo o insólito, com

Lenira Marques Covizzi, como o elemento que faz irromper o ?inverossímel,

incômodo, infame, incongruente, impossível, infinito, incorrigível, incrível,

inaudito, inusitado, informal? (COVIZZI, 1978, grifos da autora), podemos propor

uma leitura do romance em questão (partindo de um outro romance vergiliano,

o posterior Alegria Breve) considerando-o um momento conceitual em que o ser

humano é definido como o ser insólito no âmbito do espaço autorregulado(r) da

natureza, seguindo considerações de Martin Heidegger, em The Ode on Man in

Sophocles? Antigone, e de Jean-Luc Nancy, em Corpo, fora, com o suporte de

Michel Foucault, em O corpo utópico; As heterotopias, para a análise do domínio

do simbólico (da linguagem humana) como espaço semântico-discursivo

propício à produção conceitual tanto da norma quanto do insólito que a desarticula.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A PRAÇA DA SÉ E A PEREGRINAÇÃO DA VELHA AURIDÉA

RAFAEL SENS

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

O escritor carioca Victor Giudice lançou seu livro de estreia, "Necrológio", em

1972; uma coletânea de contos em que se encontra o terceiro intitulado "A

peregrinação da Velha Auridéa". Nele, somos transportados a uma praça da Sé

física, geográfica e sensorial através da estrutura dos contos populares e do

realismo mágico onde o leitor deparar-se-á com um deslocamento total que

perdurará ao longo de muitos outros contos restantes do livro. Ele se inicia em

uma das mais populares regiões de São Paulo descrita de maneira tão

conhecida e comum quanto. Através desta abertura, da descrição banal e

identificável, da coloquialidade do texto e da simplicidade das primeiras

características, o leitor pode facilmente se colocar no ambiente proposto pelo

narrador, dentro do intervalo rápido das poucas páginas que duram o conto. O

encontro com o maravilhoso em "A peregrinação..." coincide com a

apresentação de uma corrida geográfica que partirá de um lugar tão comum, a

igreja da praça da Sé e sua escadaria, para mais outras oito igrejas fictícias. Os

nomes inventados são identificáveis por serem permutas possíveis de termos

que são comumente utilizados na nomeação de igrejas e imagens cristãs, sendo

palavras que remetem a ideias centrais da religião: a santidade, a castidade, o

causo milagroso, a penitência adjunta da dor ou do sacrifício. Estas mesmas

características são praticamente sinônimos dos temas centrais do conto:

esmola, o jejum e a oração. As igrejas de Auridéa não existem fora de seu

universo fictício, mas convencem o leitor através de um mecanismo de

verossimilhança com a realidade, pois remetem a nomes que são extremamente

possíveis e são refutados somente perante pesquisa. Analisando a construção

deste espaço, que é visto através de olhos mágicos e embaçados de uma

narração transgressora, realizo um percurso que abrange questões como a

literatura maravilhosa, o realismo mágico, o conto popular, o absurdo, a religião

e, principalmente, a crítica social, já que antes de sermos empurrados para um

mundo de igrejas fictícias e fantasiosas, de jornadas heroicas, moedas

encantadas e feiticeiras concedentes de magias, somos localizados em um

pequeno espaço físico que não foge à realidade: o primeiro degrau da escadaria

da Sé, ainda hoje repleta de pedintes à mercê da esmola pública, da caridade e dos milagres.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

AMARO MAR: O ESPAÇO MARÍTIMO COMO GERADOR DE EPIFANIA EM VIVA O POVO BRASILEIRO

MARIA DAS GRAÇAS MEIRELLES CORREIA INSTITUTO FEDERAL DA

BAHIA

sem fomento institucional

O presente trabalho visa a discorrer sobre a presença do mar na construção do

espaço epifânico no percurso da personagem Venância, no romance Viva o

povo brasileiro, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. O romance remonta a

quatro séculos da história do Brasil e o trecho a ser analisado com vistas a traçar

o percurso epifânico da referida personagem localiza-se na segunda década do

século XIX. A referencialidade histórica se localiza no período da escravidão,

precisamente aos 12 de junho de 1827, na edição de Círculo do Livro de 1984,

o trecho estende-se entre as páginas 117 a 121, mas remonta a uma sequência

iniciada entre às páginas 80 a 82 quando a personagem Venância torna-se

vítima de um estupro por parte do seu senhor, o Barão de Pirapuama. Este fato

confirma o destino de predestinação sob o qual a personagem nascera e tal

destino inter-relaciona-se com o mar, sendo, pois, o percurso da personagem

marcado por situações nas quais o espaço marítimo será preponderante para o

curso da narrativa romanesca. Dentre outros, quatro são os eventos cujo mar

interfere na trajetória de Venância ao longo do romance, a saber: o nascimento

da personagem; o momento em que dar à luz a Maria da Fé, heroína da trama;

quando assume o comando de barco barco pesqueiro e, por fim, quando é

brutalmente assassinada por homens que tentam estuprar sua filha adolescente.

Nestes termos, o presente artigo volta-se para analisar como o espaço do mar

contribui com a redenção da personagem fazendo-a, por meio da rememoração

da condição de liberdade das baleias, caçadas na Baía de Todos os Santos,

macro espaço onde grande parte do enredo romanesco se desenvolve, retomar

o desejo vital de enfretamento da sua condição de sujeição. O autor João Ubaldo

Ribeiro, ancorado em fatos históricos, remonta ao período da pesca da baleia

no Bahia e usa a descrição do processo de acasalamento dos mamíferos para

referencializar o princípio do processo epifânico pelo qual passa a personagem

após a experiência do estupro. Assim, diversos espaços encenados no trecho

em análise remetem ao processo pré epifânico, epifânico e pós epifânico, sendo

o mar o local onde, ao mesmo tempo que funciona como espaço de redenção,

é por meio dele também que Venância assume a tomada de consciência de sua condição de escravizada e da desapropriação do próprio corpo.

Palavras-chave: Espaço marítimo, análise narrativa, literatura baiana, João Ubaldo Ribeiro

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ANAMORFOSES ESPACIAIS NO ROMANCE "AS MENINAS", DE LYGIA FAGUNDES TELLES

MARIA DAS DORES PEREIRA SANTOS UNIVERSIDADE DO ESTADO DA

BAHIA - UNEB

Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da constituição da

espacialidade literária no romance "As Meninas", de Lygia Fagundes Telles,

pautada nos procedimentos artístico-literários de constituição da anamorfose.

Este romance, publicado em 1973, apresenta a temática da violência ditatorial

encarnada na vida de três personagens femininas: Ana Clara, Lia e Lorena,

jovens universitárias que "testemunham" em suas trajetórias os "Anos de

chumbo". A articulação dos discursos dessas três personagens-narradoras, que

"funcionam" como ecos entrecruzados de monólogos interiores e fluxos de

consciências, instauram uma narrativa que tem como força motriz relatos sobre

a morte, conferindo ao discurso literário um caráter fragmentário e ruínico ao

"dar a ver" no tempo/espaço do romance uma desordem na descrição de

fenômenos cotidianos vivenciados dramaticamente. Diante disso, tomaremos

como base para a análise a observação de elementos tais como narrador-

personagem, tempo e espaço, buscando compreender como essa tríade opera

na instauração de efeitos expressivos que sugerem a presença da figura

(neo)barroca da anamorfose. Como ponto de ancoragem para a análise dos

modos de elaboração desse artifício na narrativa lygiana, tomaremos os

processos de focalização localizados na linguagem do romance,

destacadamente nas configurações óticas (de)formadoras das referências

espaciais construídas no/pelo discurso das narradoras-personagens. A base

teórico-metodológica que utilizaremos para amparar o estudo dos elementos

anamórficos de construção da espacialidade nessa obra toma como suporte,

entre outras, as contribuições de Roland Barthes (1982) e Walter Benjamin

(1984) cujas reflexões iluminam os modos de aparição desse recurso artístico e

seus efeitos estéticos na forma romanesca. Pretende-se, por fim, com essas

discussões sobre o romance "As Meninas", contribuir para o reconhecimento de

que há entre a obra e seu contexto, o fato histórico-político da Ditadura militar

no Brasil, articulações expressivas que operam a síntese entre crise social e criação artística.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

AS MANIFESTAÇÕES INSÓLITAS DO ESPAÇO EM O MISTÉRIO DA ESTRELA? STARDUST, DE NEIL GAIMAN

BRUNO SILVA DE OLIVEIRA UFU/ IF GOIANO

O espaço é um dos elementos narrativos pelos quais o insólito ficcional

se manifesta. Logo, parte-se da premissa de que o espaço em que as

narrativas insólitas transcorrem é tão importante quanto as personagens que

nele atravessam, uma vez que é por meio dele que se percebe a transgressão

às leis do mundo prosaico e esse espaço pode suscitar estranhamento e

inquietação no leitor, pois faz esse se questionar se aquele espaço existe

realmente. Quando se lê uma narrativa da vertente do maravilhoso, o "era

uma vez" são palavras mágicas que, como o pó de pirlimpimpim, transportam

o leitor para um mundo de inúmeras possibilidades, povoado de fadas,

duendes, bruxas, dragões entre outros; o que não significa um ato de fuga ou

evasão da realidade por parte do leitor, mas uma base sob a qual ele poderá

reler o "seu" espaço "real", pois os mundos insólitos têm sua arquitetura

construída a partir da base de real que o leitor tem. Assim, propõe-se discutir

como os espaços se configuram no romance maravilhoso O mistério da estrela

? Stardust, de Neil Gaiman, focalizando os seus sentidos e como possibilitam

a instauração do insólito na referida narrativa, que é um conto de fadas escrito

na contemporaneidade, mas ambientado na segunda metade do século XIX.

CARTOGRAFIA AFETIVA: A INSCRIÇÃO DO ESPAÇO CARIOCA NA POÉTICA MACHADIANA ? UM ESTUDO DE CORRESPONDÊNCIAS, CRÔNICAS E ROMANCES

PRISCILA FERNANDES BALSINI UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Machado de Assis era apaixonado de tal forma pelo Rio de Janeiro, que pegou-

lhe emprestado o espírito para compor seus textos. Foi nas crônicas que

mais enalteceu sua cidade natal. Mas também achamos indícios desse

encantamento nas cartas e nos romances ambientados no espaço carioca, com

destaque para Dom Casmurro e Memorial de Aires. Assim como o escritor, suas

personagens passeiam pelas ruas do Centro, vão do Catete a Botafogo,

passam dias na Tijuca e na serra carioca. Nesse sentido, a máxima de

Tchekhov parece ter sido seguida à risca por seu contemporâneo brasileiro:

escrever apenas sobre aquilo que se conhece. No caso machadiano, o

enamoramento pela terra natal se mostra tamanho que a própria cidade

ganha vida e personalidade, tal qual as personagens de seus romances. Os

bairros da Glória e do Flamengo, emoldurados pelo mar, em Dom Casmurro,

são peças centrais que se mesclam aos pontos de tensão do texto. Em

Memorial de Aires, o Conselheiro Aires circula pelo território carioca, fazendo

com que o leitor consiga reconstituir e flanar pela cidade do século XIX. Aires

descreve o cotidiano do local, enaltece sua beleza e seus costumes, e chega a

desdenhar de tudo o que viveu no exterior, como diplomata, em troca de passar

os últimos anos em ?casa?. Machado de Assis cria uma personagem com olhos

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

enamorados da beleza de sua cidade, numa espécie de saudade e de

despedida antecipadas de alguém que já chegou ao poente da vida. Flagramos

o encanto do autor também em algumas de suas cartas, principalmente na

correspondência com Veríssimo, em que chega a autoproclamar-se um

?carioca enragé?. Mas, se tratando de Machado, precisamos estar atentos às

máscaras. Será que a imagem do ?carioca enragé? não estaria dissimulando

uma certa frustração pela impossibilidade de conhecer outras localidades no

Brasil e no mundo, resultado de sua enfermidade? Por outro lado, o autor só

poderia falar com propriedade da cidade que conhecia, sendo esta a capital do

país e celeiro para os principais expoentes políticos, econômicos, sociais e

culturais. Nesse sentido, ao falar do Rio, Machado colocava-se como uma voz

privilegiada, inserindo-se, mesmo que geograficamente, no círculo de

intelectuais da capital. À maneira de biodiagramadores, recolhemos e

integramos os pontos luminosos de correspondências, crônicas e romances.

Construímos com esses pontos uma forma de acesso às reflexões

machadianas relacionadas ao espaço carioca inseridas em sua poética. Nossa

expectativa foi a de levar a termo o enunciado de Bakhtin (2003, p.316), que

apregoa: ?ver e compreender o autor de uma obra significa ver e compreender

outra consciência, a consciência do outro e seu mundo, isto é, outro sujeito?.

Travamos, desta forma, um encontro dialógico entre indivíduos, consciências,

lugares e culturas. Verificamos que Machado prepara a argamassa de sua obra

com elementos da memória, da história e da ficção, que uma vez reunidos parecem feitos da mesma matéria.

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CHIMAMANDA NGOZI ADICHE E SEUS DESLOCAMENTOS EM AMERICANAH

REGINA FATIMA OLIVEIRA DE SA

UERJ/ COLÉGIO PEDRO II

Este estudo objetiva evidenciar a dimensão sensorial dos espaços urbanos no

livro Americanah (2013) da nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche (1977-).

Enquanto leitores, conhecemos uma gama de personagens africanos e

estadunidenses ao adentrarmos suas casas, trabalhos, escolas e salão de

beleza. Via ficção, podemos estar em Lagos, Londres ou Princeton no

tempo presente ou rememorado, desde a adolescência da personagem

principal, Ifemelu. Essa movimentação intensa, tão característica da

contemporaneidade, gera uma pluralidade de sensações; entre elas, a

sensação de angústia pelo não pertencimento integral a nenhum dos espaços

(desenraizamento). Mas, com suas configurações novas do visível, do dizível

e do pensável (Rancière, 2010a), com seu lirismo e também humor, Adiche nos

dá uma narrativa desconcertante, sensorial, divertida, e por isso afirmativa.

Afinal, trata-se de uma história de amor sobre seres plurais, cidadãos híbridos,

no qual ora o leitor se identifica, ora estranha, sentindo-se em casa ou um

completo turista numa terra desconhecida. Adiche, com sua arte,trabalha

nestes encontros entreculturais e faz com que o leitor perceba o apagamento

das fronteiras entre o nacional e colonial, saindo da egológica cartesiana da

modernidade para uma geológica que abre espaço para as interrogações sobre

as produções univocais de significado e as verdades do mundo atual. Como a

própria Adiche alerta em seu famoso TED talk: existe perigo na ?história

única?(2009). Este trabalho terá por base os pressupostos teóricos de Robert

T. Tally Jr.(2013), Sten Pultz Moslund (2015), e de Edward W. Soja (1996), com

especial interesse nas questões de espaço que são depuradas em suas obras

a partir de Kant, Heidegger, Deleuze, Tilley, Böhme, Boehmer e Lefebvre.

Em um último deslocamento entre obra e vida, este trabalho também

pensará o espaço ocupado por Chimamanda Adiche enquanto autora. Afinal,

Adiche reescreve a ?África?. Embora ela use características da

africanidade,tais como a tradição oral, noções de ancestralidade, e o idioma

igbo, ela faz parte da escola achebiana de literatura inserida no que foi

denominado ?terceira geração de escritores nigerianos?. Esses escritores

preferem abordar os problemas sociais contemporâneos, seus deslocamentos,

e escrever ficção urbana por acharem essa uma forma mais eficiente de

ressignificar seu país de origem. Adiche, que virou uma pessoa pública de

bastante sucesso, além da autoridade conquistada pelas premiações e seu

trabalho acadêmico, tem um papel e espaço de atuação importante e

diferenciado.

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59 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DA CASA À CAPELA, DO RIACHINHO AO HOMEM: O ENTRELAÇAMENTO DOS ESPAÇOS DA NARRATIVA DE

NÁDIA GARCIA MENDES

UFRJ

"Uma estória de amor", de acordo com a 1º edição, é a segunda estória de

Corpo de baile e a primeira das três parábases pensadas por Guimarães Rosa.

Narrada a partir do ponto de vista de Manuelzão, que chega à fazenda da

Samarra para trabalhar, a narrativa traz como acontecimento central os

preparativos da festa que se faria para inaugurar a capela de Nossa Senhora,

construída por iniciativa de Manuelzão. Nos preparativos da festa e no festejo

em si, percebemos não ações, mas os dramas pessoais do personagem

Manuelzão, que, após anos de viagens e andanças como vaqueiro, escolhe se

instalar na fazenda da Samarra, que pertence a Frederico Freyre. Orgulhoso

da confiança depositada pelo patrão, que deixa a Samarra sob a

responsabilidade de Manuelzão, o personagem se entrega à vontade de fazer

crescer a região. Nas emoções e pensamentos do personagem, no entanto,

outras questões vinham à tona, como a solidão, marcada pela ausência de uma

companheira, o medo de permanecer como empregado, a distância afetiva do

filho, que embora estivesse morando próximo, permanecia estranho aos

projetos do pai. Observamos que os dilemas íntimos de Manuelzão, aflições,

dúvidas e questões, são entrelaçados pela presença dos espaços da narrativa.

A composição da fazenda revela a trajetória do homem Manuelzão. Na casa,

no riachinho, na capela estão as marcas do personagem, que mobiliza novos

significados para sua vida, com a construção da Samarra. Apresentamos uma

proposta de comunicação que objetiva realizar a leitura da estória de

Guimarães Rosa, orientada pelos sentidos forjados pela composição dos

espaços na narrativa de "Uma estória de amor", buscando, sobretudo, as

interpretações de Gaston Bachelard, em A poética do espaço. Acrescentamos

ainda que consideraremos como espaço da narrativa, em "Uma estória de

amor", a relação afetiva estabelecida entre o personagem Manuelzão e a

Fazenda da Samarra, principalmente, no que diz respeito ao riacho, assim

como à construção da casa de Manuelzão e da capela dedicada à Nossa

Senhora.

Palavras-chave: Narrativa. Espaço. Personagem. Guimarães Rosa.

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60 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DA CIDADE AO ESQUECIMENTO: PRINCÍPIOS DA TOPOANÁLISE EM LEITE DERRAMADO, DE CHICO BUARQUE

ALLYSSON DAVI DE CASTRO

UFPI

CNPq

Não é muito difícil de se chegar à conclusão de que a cidade ocupa um espaço

majoritário na literatura brasileira desde o fim do século XIX, com a ascensão

do romance, e de forma mais incisiva nas narrativas contemporâneas. A forma

como a cidade é representada no romance vai para além de uma mera

representação e acaba por revelar questões de ordem social, política e cultural.

Se o espaço urbano já é em si um lugar de rearranjos, de movimento,

de fluxo, na contemporaneidade esse espaço é potencializado, de forma que

acompanha o crescimento da metrópole e da própria sociedade com toda a sua

complexidade. Na realidade, toda descrição na narrativa que envolve o aspecto

urbano funciona como um elemento fundamental para se entender as

personagens que ali transitam, já que ele expõe, quase como um reflexo, o

homem urbano em seu mais alto grau de subjetividade: um indivíduo

fragmentado, um andarilho, um flâneur. E talvez um dos retratos mais

contundente dessa modernidade esteja em Leite derramado (2009), quarto

romance de Chico Buarque. A narrativa desta obra se estrutura sob a forma de

um monólogo, em que as reminiscências de um centenário desenham uma

cidade no intervalo de dois séculos, por meio das vivências da família

Assumpção. Posto isso, o presente trabalho objetiva fazer uma leitura

topoanalítica do romance em questão, privilegiando uma abordagem que

endosse aspectos da condição urbana e, a partir disso, investigar como esse

tipo de abordagem contribui para a captação do universo urbano, por meio de

imagens e metáforas espaciais. Para isso, serão utilizadas, como suporte

teórico, diversas teorias de outras áreas do conhecimento, como da

sociologia e da geografia, bem como as teorias do espaço ficcional, tendo em

visto a busca por uma visão integradora e uma investigação interdisciplinar, de

modo a contribuir com as teorias do espaço literário. Para isso, os estudos de

Tuan (2005), Borges Filho (2007), Santos (2014), Sarlo (2014) dentre outros,

servirão de base teórica para fundamentar a discussão acima pretendida. 02/

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61 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DA POÉTICA DO RIO A OUTROS ESPAÇOS DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO

DIOGO DOS SANTOS SOUZA* UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS INSTITUTO FEDERAL DE

ALAGOAS

CNPq

O presente projeto de pesquisa propõe realizar um estudo crítico-analítico,

analisando a simbologia do rio em três obras cabralinas que podem ser lidas

como uma trilogia da figuração do espaço: O cão sem plumas (1949-1950), O

rio ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade de

Recife (1953) e Morte e Vida Severina: auto de Natal pernambucano (1954-

1955). No primeiro livro desse ?tríptico do rio?, a imagem desse espaço é

tecida por meio de variadas comparações, tendo como principal a metáfora

do rio na figura do cão. Já na obra seguinte, é possível encontrar uma espécie

de continuidade com o trabalho da imagem do rio, mas num outro modo de

versejar, pois apresenta-se um trajeto poético das águas do rio até Recife. A

dicção lírica próxima ao discurso oral aproxima esse livro de Morte e Vida

Severina: auto de Natal Pernambucano, mostrando que a relação de similitude

existente entre esses dois textos não é só de ordem temática, como também

composicional. Autores como Bachelard (2008), Brandão (2013) e White (1991)

são as principais fontes teóricas que baseiam a discussão sobre a

representação do espaço. Assim, os resultados iniciais desta pesquisa

mostraram que tanto o rio se comporta como um agente narrativo que nos

conduz a um percurso poético pelo espaço regional do sertão quanto se

transforma num lugar que se constitui na complexidade da composição de uma

personagem, como, por exemplo, Severino. A partir das leituras que já foram

realizadas, é possível notar que os espaços poéticos cabralinos dos livros

citados dialogam, ora complementando-se, ora formando novas zonas de

leitura quando se entrecruza os signos do rio. Além disso, o estudo desse tipo

de espaço pode oferecer chaves de leitura para a compreensão de outros

lugares que figuram numa posição importante na poesia cabralina, como o

cemitério e a cidade.

PALAVRAS-CHAVE: João Cabral. Espaço. História

* Estudante de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras e

Linguística da Universidade Federal de Alagoas e Professor de Língua

Portuguesa do Instituto Federal de Alagoas, Campus ? Piranhas.

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62 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DAS PAISAGENS AOS POEMAS: A INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DO ESPAÇO PAULISTANO POR MARIO DE ANDRADE

ADRIANE LIMA PINHO

UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

RENAN CALDAS GALHARDO AZEVEDO UNIVERSIDADE DO ESTADO DO

RIO DE JANEIRO

Mec-sesu

Diferentes trabalhos sobre paisagens se fundamentam principalmente em

metodologias visuais, buscando a interpretação de diferentes elementos visuais

em um determinado recorte espacial. No entanto, segundo Jean-Marc Bessé

(2014), o sentido visual não pode ser considerado o único instrumento de

interpretação de paisagens. As experiências paisagísticas são dimensões

polissensoriais, podendo até mesmo serem interpretadas por meio de poemas.

Essa ousadia de se pensar poeticamente as paisagens do território brasileiro

considerando as suas diferentes manifestações culturais e antropológicas teve

no Modernismo Brasileiro o nome fundamental de Mário de Andrade. Em seus

poemas Mario descreve (de forma hodológica) inúmeras paisagens que

representam diferentes recortes espaciais do Brasil, principalmente as

paisagens de São Paulo, cidade esta que aparece em inúmeros dos seus

versos. O poeta incentiva o leitor a conhecer as diferentes paisagens da cidade

em suas obras. Em Inspiração, de Paulicéia Desvairada, convida o leitor a

imergir na afeição da voz que diz, sem sublimações comedidas, ?São Paulo!

Comoção de minha vida?. Já em Tietê, o rio e seus elementos revelam a

história da cidade e a própria personificação da essência plurificada de São

Paulo por meio dos seus recursos imagéticos. À margem do rio tudo acontece.

Do rio vivo ao rio estéril. Nas suas águas o caminho da história se fez guia pelos

bandeirantes, desbravadores do território, habitados pelo ?entusiasmo? e

?ambição? de povoar a terra. Sobre a paisagem do Tietê uma cidade se revela.

Por fim, a paisagem da cidade também provoca em Mario uma áurea nostálgica

(ainda que ácida) como em Paisagem número 1. O eu-lírico aparece totalmente

imerso, absorto na metrópole declamada no seu otimismo mais

extasiado:?Minha Londres das neblinas finas?. A ressignificação dos

componentes processadas pela ótica do poeta oferece novos caminhos que

desnaturalizam as funções habituais. As ?pernas das costureirinhas [são]

parecidas com bailarinas?, os elementos climáticos completam o sentido do

texto: ?O vento é como uma navalha nas mãos dum espanhol?, e o confronto

com o urbano ocorre: ?Este friozinho arrebitado dá uma vontade de sorrir!? e

?À inquietude alacridade da invernia, como um gosto de lágrimas na boca...?,

acarretando em uma toada sinestésica admirável. Como pôde-se perceber

inúmeros são os poemas de Mario que descrevem e exemplificam a sua forma

de interpretar a paisagem geográfica da cidade de São Paulo, descortinando

todos os simbolismos existentes em cada elemento da paisagem local. Desta

forma buscaremos neste trabalho demonstrar um pouco da ótica do poeta e de

sua interpretação sobre os diferentes espaços e paisagens presentes na

Geografia de São Paulo.

Palavras Chave: Mário de Andrade. Paisagens. Poemas.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

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64 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DE UM ESPAÇO A OUTRO: A RELAÇÃO ANÔMALA ENTRE O BANHEIRO E A CIDADE EM "O ARQUITETO"

CLÉBER DUNGUE

USP - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

CNPq

" Eu tive a ideia dessa cidade sentado na privada com prisão de ventre". Assim

Bernardo Carvalho começa o conto "O arquiteto", publicado em 1993 no livro

"Aberração". O substantivo abstrato, tomado como título, ganha diferentes

conotações em todos os onze textos que compõem a obra. Considerada a

diversidade de sentidos que o termo vai adquirindo no conjunto textual, a sua

repetição pode ser entendida como um expediente que garante uma certa

convergência semântica e estilística. Não seria inconsistente, portanto,

argumentar que se trata de uma coletânea de aberrações variadas. Inserido

nesse contexto, "O arquiteto" pode ser analisado com base no significado do

substantivo "aberração", o qual se abre para diferentes linhas de interpretação.

Já no início do relato, o narrador assinala o desarranjo do seu intestino, que o

faz passar muito tempo no banheiro sem conseguir evacuar. A fim de se distrair,

dar sentido ao momento ocioso ou desprender-se da incômoda situação em

que se encontra, ele começa a conceber uma cidade a partir da observação

cuidadosa do piso, das paredes e dos demais objetos que compõem o

banheiro. O espaço destinado à higiene inspirou e deu forma a uma insólita

urbe subterrânea. O mundo inventado pelo protagonista parte da configuração

concreta do lugar que o circunda enquanto está sentado em um vaso sanitário,

ganhando, por fim, uma conotação sublime no plano do imaginário. Assim, não

seria absurdo pensar na existência de um princípio de equivalência entre a

dificuldade de evacuar e a imaginação. Essa correspondência orientaria os

devaneios arquitetônicos, ou seja, haveria uma estreita relação entre a

retenção das fezes e o delírio criativo. Tal condição aproximaria o abjeto do

sublime, principalmente, pelo trânsito que conecta os domínios do baixo aos do

alto. Nesse sentido, convém ressaltar que o procedimento inventivo se

configuraria a partir de um desvio, o qual decorre, em princípio, de uma

anomalia da função desempenhada pelo intestino do personagem-arquiteto em

vez de expelir, retém-se a massa fecal. Em decorrência das perturbações

intestinais, ele se sente impulsionado ao fazer criativo. Parece

imprescindível, portanto, considerar a relação do termo aberração com a

questão corporal e o planejamento estético do espaço.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DEZEMBRO NOS PARA-BRISAS: O ESPAÇO EM ?¡GUA!?, DE LUIZ RUFFATO

ALAN BRASILEIRO DE SOUZA

UNIVERSIDADE DE BRASÍIA

FAPDF

RESUMO: Este estudo tem como objetivo apresentar uma leitura do conto

?¡Gua!?, do escritor mineiro Luiz Ruffato (2005), tomando como perspectiva de

abordagem a análise da construção do espaço nessa narrativa, observando-o

tanto enquanto categoria compositiva da estruturação do relato, responsável

pelo enquadramento das personagens ? retomando o pensamento de Osman

Lins (1976) ?, bem como elemento inscrito no processo de construção de

significados plasmado pelo texto. Narrado em terceira pessoa, o relato

desdobrado em ?¡Gua!? concentra-se predominantemente em um único dia,

véspera de natal, e em um espaço inominado, isto é, apenas nos é revelado

que se trata de algum ponto do centro da cidade de São Paulo. Assim, sob

estes contornos, acompanhamos alguns instantes do dia de uma vendedora

ambulante hispanófona, que, subentende-se, se trata de uma imigrante ilegal.

A partir da tensão que é criada entre esses elementos, constrói-se no texto um

intricado processo de simbolização crítica e estética em que, compreendemos,

a espacialidade assume posição central. Dessa maneira, propomos que o

espaço, como um móbile, é manipulado pela/na arquitetura do conto de tal

modo que disso decorre o que compreendemos como três modulações do uso

da espacialidade no texto, quais sejam: i) os espaços descritos pelo narrador ?

rua, possivelmente, do centro da cidade de São Paulo e ?os fundos de um

galpão no [bairro do] Bom Retiro? (RUFFATO, 2005 s.p.), nessa mesma

cidade-; ii) o sugerido pela voz das personagens em relação dialógica ? aqui,

além de permitir o vislumbre dos contornos físicos da espacialidade (de algum

ponto, talvez genérico, do centro da cidade de São Paulo), ocorre o que

poderíamos observar como um preenchimento simbólico do espaço -; iii) a

estruturação do texto no espaço da página ? partindo da observação de que o

conto é composto em um bloco narrativo formado por um único longo parágrafo,

propomos que este último ponto de espacialidade emerge no texto criando um

jogo de perspectiva que, ao apontar para tanto para os dois eixos indicados

anteriormente como para o desdobramento temporal da narrativa e para a

composição das personagens, lança o olhar do leitor para a compreensão da

arquitetônica da obra de Ruffato. Para a efetivação dessa análise, tomaremos

como fundamentação reflexões colhidas nas obras de Francismar Ramirez

(2012), Gaston Bachelard (1993), Luís Alberto Brandão (2013,2015), Massimo

Canevacci (1993), Osman Lins(1976) e Regina Dalcastagnè (2015).

Palavras-chave: Luís Ruffato. Espaço. Cidade. Literatura.

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66 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DIÁRIO DE LEITURA: UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO

JOSUÉ RODRIGUES FRIZON

COLÉGIO FRANCISCANO CRISTO REI - MARAU-RS

O presente trabalho busca apresentar o relato de experiência de uma mediação

de leitura que foi realizada com alunos de 8º e 9º ano, de uma escola privada,

no município de Marau - Interior do Rio Grande do Sul. O objetivo desta

mediação foi o de inicialmente verificar, através da criação de Diários, as

leituras realizadas pelos jovens leitores em formação. Além disso, buscou-se

contribuir para a formação de novos leitores literários, sobretudo de leitores de

literatura gaúcha, por meio de mediações realizadas na biblioteca escolar da

instituição. Inicialmente foi proposta aos alunos, pelo professor pesquisador, no

início do ano letivo 2017, a produção dos diários. Aceita a tarefa, num segundo

momento iniciaram-se as visitas a biblioteca escolar. O docente deu a

possibilidade aos educandos para que também fizessem o registro de filmes,

séries, jogos, letras de músicas, entre outras atividades que fazem parte do

cotidiano destes. Assim, buscou-se incentivar igualmente o hábito da escrita

por parte do público-alvo, ao mesmo tempo em que se procurou ter uma

percepção maior sobre as leituras realizadas pelos jovens. A atividade

possibilita algumas reflexões: seja em material impresso ou no meio digital, é

grande a diversidade de leituras realizadas. Também é possível afirmar que os

registros se tornaram hábito cotidiano para um número significativo de

participantes. Ao final da mediação de leitura, obviamente, espera-se ter

contribuído para a formação de novos leitores e se ter uma maior reflexão sobre

o comportamento leitor dos discentes.

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67 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DO (IN)VISÍVEL NA DIMENSÃO DAS ESPACIALIDADES RE(A)PRESENTADAS EM O BURRINHO PEDRÊS: REFLEXÕES SOBRE LUGARES DEMARCADOS PARA HOMENS E MULHERES NARRADOS

MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS

UFCG - UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CNPq

Trata-se de uma leitura sobre a representação espacial na obra O burrinho

pedrês, de João Guimarães Rosa. Partimos do pressuposto de que os espaços

de homens e de mulheres re(a)presentados na referida obra (casa, campo e

cidade), deixam perpassar, na tessitura narrativa, distinções que revelam

demarcações dos espaços a serem ocupados por homens e por mulheres.

Percebemos, através dessa leitura, que as raras mulheres mencionadas na

narrativa, ou estão confinadas no espaço da casa, ou no imaginário masculino.

Contrapondo-se a esta limitação espacial, encontramos os homens, cuja

mobilidade excede em muito essa condição, tendo em vista sua prerrogativa

de ser livre que, em nossa sociedade, ainda patriarcal, pode locomover-se por

diversos espaços, sem fronteiras. Nessa perspectiva, ao observarmos o

silêncio latente, nessa obra, contribuindo para a invisibilidade a figura feminina,

percebemos que as personagens masculinas percorrem quase todo o espaço

da narrativa. Dessa forma, a partir da breve aparição da personagem Maria

Amélia, assim como da figura invisível, porém estigmatizada, da namorada do

Badu, em torno da qual se estabelece um clima de ciúme, uma disputa e

instaura-se um conflito no enredo, somos instigados a discutir a aparição

desses seres nas múltiplas espacialidades que a estrutura narrativa revela.

Para fundamentar este estudo, além da obra em discussão, faremos recurso

às leituras de textos que abordam a questão do espaço na representação da

obra literária, a exemplo de Tadié (1999); Blanchot (2001); Cassirer (2001 e

2011), Bachelard (1978); Cunha (1998); Thomas e Dalcastagnè (2011); Borges

Filho (2007); Borges Filho, Lopes e Lopes (2015); Barbosa e Borges Filho

(2014); Marques (2014), entre outros, com os quais buscaremos estabelecer

diálogo, no sentido de aperfeiçoar nosso conhecimento neste âmbito do

Conhecimento. Dessa maneira, buscamos contribuir com a disseminação e o

revigoramento da cultura brasileira e universal, através das reflexões acerca da

espacialidade que a obra rosiana suscita.

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68 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DO REAL AO IDEAL: O ESPAÇO COMO OBJETO DE (RE)CONQUISTA EM A NOITE DAS MULHERES CANTORAS DE LÍDIA JORGE

LUDIANI RETKA TRENTIN

UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ - UTFPR

Uma das tendências da literatura pós-moderna é por em cheque o conceito de

uma verdade estável e inquestionável em detrimento do conceito de várias

verdades, ou seja, a experiência que determinado sujeito, estando inserido em

um grupo social distinto, adquiriu a respeito de certo acontecimento ou período.

Esse conceito pode ser encontrado em muitas obras contemporâneas e amplia

o imaginário do publico leitor para as diferentes formas de se entender um

mesmo acontecimento, e isso não é diferente com a renomada escritora

portuguesa Lídia Jorge. A fama que recebeu pelos muitos prêmios atribuídos

às suas obras ilustra a importância de sua escrita para a consolidação da

literatura contemporânea como a conhecemos hoje, e sua obra A noite das

mulheres cantoras é um exemplo de como essa escritora trabalha a linguagem,

atribuindo-lhe uma gama significativa de sentidos. Nesse texto, pretende-se

realizar uma análise aprofundada sobre o contexto em que a história das jovens

cantoras acontece bem como a revisitação histórica realizada pela escritora, a

partir do conceito de romance histórico de George Lukács em seu livro O

romance histórico e Seymour Menton na obra Nueva novela histórica e a

influência deste para o desenvolvimento do enredo, além de estudar a ótica

espacial a partir do regresso dos portugueses de sua antiga colônia na África

para um lugar que, apesar de ser seu ponto de partida, não se assemelha com

o ponto de chegada. Dessa forma, tem-se como objetivo traçar um paralelo

entre a linguagem metafórica da versão explícita da narrativa, a das cinco

jovens cantoras, em sua conquista pelo espaço da fama, com o sentido mais

aprofundado atribuído à linguagem e a forma como os retornados da colônia

tiveram que lutar pela reconquista do espaço que não mais reconheciam. A

pesquisa será embasada, além dos autores anteriormente citados, pelas

contribuições teóricas de Silviano Santiago em The space in-between, Gaston

Bachelard, em A Poética do Espaço, além de conceitos de outros autores como

Ozíres Borges Filho e Luis Alberto Brandão. Cabe ressaltar que a literatura

contemporânea, e nesse caso muito bem representada por Lídia Jorge, é muito

rica em significado, principalmente pela riqueza vocabular empregada e

extrapola sua função de entreter, mas acima de tudo informa. No livro A noite

das mulheres cantoras, Lídia Jorge traça um panorama histórico bastante

definido e disfarçado, exigindo do leitor muito mais que uma leitura superficial

e oferecendo a este, em contrapartida, um repertório cultural incomensurável.

Palavras chave: espaço e história; retornados; romance histórico; Lídia Jorge.

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69 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESCRITA POR IMAGENS DA CIDADE NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

MOEMA DE SOUZA ESMERALDO

PUC-RIO/SEDF

CAPES

Carlos Drummond de Andrade Drummond executa na sua escrita,

principalmente como cronista, a tarefa de um pensamento não instrumental e

interessado em discutir questões relacionadas às imagens dialéticas do

passado, por meio da rememoração dos espaços da cidade, para elaborar a

representação da experiência urbana, marcada pelo cotidiano e pelas pessoas

comuns que habitam a cidade. De modo singular, elaborou uma escrita por

imagens que narrou acontecimentos grandes e pequenos e conseguiu flagrar

imagens do passado que fogem a uma perspectiva linear e continuísta da

história. Para amparar o enfoque apresentado, partirei de algumas

considerações teóricas discutidas por Walter Benjamin no ensaio intitulado

Sobre o conceito da história (1994) e em alguns fragmentos pertencentes ao

livro Passagens (2006). O autor alemão expõe que o pensamento não é apenas

uma questão de conteúdo, mas de forma (escrita), e que um projeto de escrita

por imagens seria a construção de uma filosofia por imagens. Benjamin afirma

que a compreensão de tempo apoia-se a partir de uma descontinuidade, com

sentido que se distingue do tradicional, pressupondo parte substancial de um

pensamento por meio de uma escrita por imagens. No ensaio intitulado Sobre

o conceito da história, Walter Benjamin faz uma crítica radical ao pensamento

historicista tradicional, que concebe a linearidade histórica com o objetivo de

preencher o tempo histórico homogêneo e vazio. Para tanto, aponta que o

passado aparece como uma "imagem que perpassa veloz, como fixação rápida

e não definitiva tal qual um relâmpago" (Benjamin, 1994, p. 224). Tendo como

ponto de partida crônicas de Carlos Drummond pretende-se demonstrar que,

em cada época histórica, a menção ao espaço, em especial o espaço da

cidade, travestiu-se de diversas formas de expressão e diferentes maneiras de

conhecer e representar o mundo relacionado com o meio vivido. Interessa, no

entanto, cingir alguns discursos pertinentes à literatura e experiência urbana

para tentar observar como esta foi reinventando a cidade e analisar,

paralelamente a isto, como o sujeito se relaciona com essa invenção ao propor

a cidade como objeto de sua reflexão.

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70 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPACIALIDADE E DESPERSONALIZAÇÃO EM MEMÓRIAS DO CÁRCERE

CARINA FERREIRA LESSA*

UFRJ/UNINCOR

Capes

A alma caeté, segundo Graciliano Ramos, nasce da perturbação selvagem que

mora dentro do ser humano e que renasce quando estabelece contato com o

perigo ou com a ameaça. Um impulso que, para os personagens graciliânicos,

parece vir do instinto de proteção quando confrontados com a realidade das

relações de poder, sempre fracassadas. Em Memórias do Cárcere, a igualdade

tão almejada e refletida nos romances anteriores aparece como fruto de um dos

laboratórios mais ricos, segundo Graciliano, pelo qual passara. Desde o início

do romance, a sensação de despersonalização será retomada para caracterizar

o status social que todos experimentavam na prisão, na qual ele, como igual,

misturava-se inclusive aos vagabundos, sobre os quais sempre alimentara

grande ojeriza. A despersonalização nascia do fato de todos serem tratados

como iguais, da sensação de perder-se a individualidade. A igualdade social na

prisão comporta ares de injustiça, principalmente porque Graciliano Ramos

nunca ficou sabendo os motivos que o levaram até ali: "não me acusavam,

suprimiam-me?". A despersonalização se opõe justamente à necessidade

imperativa do autor de marcar a presença do seu discurso. A sensação causada

por esse processo de igualdade esmaga-os como ratos diante de uma nova

ordem. Se todos ali condicionados recebem o mesmo tratamento, deve-se

dizer, como já era esperado, que o tratamento não era em nada respeitoso. O

narrador-personagem não tarda em perceber e sentir que, mesmo para os

vagabundos, há uma injustiça no ato de tentarem apagá-los. A

despersonalização, no espaço do cárcere físico, como modo imperativo de

delegar ao outro sua inferioridade, será recorrente no discurso narrativo de

Memórias do Cárcere. Neste laboratório rico, conhecendo diversas

personalidades, Graciliano Ramos experimentará a complexidade embutida na

igualdade. Todos ali, vindos de diferentes camadas sociais, igualam-se e são

massacrados por outra realidade de opressão. Tornam-se indistintos no que diz

respeito à profissão e igualam-se diante do poderio militar. A partir desse

engenho social tão complexo, o narrador-personagem irá conquistar amizades

muito peculiares, distantes da sua perspectiva psicológica e social, mas que se

coadunaram com a sua dor. Capitão Lobo e Cubano, o militar e o vagabundo,

perante a miséria que assistiam, se compadecem e são empáticos com a dor

do ser humano por detrás de Graciliano Ramos. Há, como pano de fundo das

almas, um instinto de sobrevivência que a todos pertence. Sendo assim, o

presente trabalho pretende abordar a relação íntima entre o espaço da prisão

e as reminiscências de Graciliano Ramos, na medida em que essas buscam

justamente evidenciar os resquícios daquele espaço físico no homem que se

apresenta como narrador - um homem que passa a enxergar na sobrevivência

uma necessidade, que não só está além do discurso individual, mas também

das visões políticas bipartidas.

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71 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

*Pós-doutoranda e Professora da Unincor (Universidade Vale do Rio Verde),

Doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. E-mail: [email protected]

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72 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPACIALIDADES E RUPTURAS: UM ESTUDO DA PERSONAGEM MARIA, DO ROMANCE RIO-PARIS-RIO, DE LUCIANA HIDALGO

HELENA MARIA DE SOUZA COSTA ARRUDA UNIVERSIDADE FEDERAL

DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)

CAPES

Este estudo objetiva mostrar como a personagem Maria, do romance Rio-Paris-

Rio é construída, tendo em vista seu deslocamento do Rio para Paris nos

chamados Anos de Chumbo da política brasileira, e o quanto este trânsito é

fundamental na formação de sua identidade, já que Maria é neta de um militar

influente do Rio e se vê envolvida nos conflitos que também se estendem por

Paris. Maria, estudante de filosofia na Sorbonne parece transitar entre duas

realidades: uma interna, na qual luta para equilibrar-se e compreender a si

mesma, e outra, externa, em que vivencia timidamente os conflitos de um país

que não é o seu. Ou seja: Maria é uma personagem estrangeira, desenraizada,

exilada, como nos apontam em seus estudos teóricos, Kristeva (1994), Todorov

(1999) e Said (2001). Porém, vive um exílio que não lhe é imposto pela ditadura

brasileira, mas pelo próprio avô, que a afasta dos revolucionários do Brasil. Seu

?exílio? torna-se complexo à medida que se envolve com Artur, poeta e artista

de rua misterioso, também brasileiro. Apesar da leveza e do romantismo que

envolvem a personagem central, Maria é obrigada a vivenciar seus duplos,

suas personas, já que tenta ocultar do namorado que é neta de militar. Há um

quê de ingenuidade que ronda a personagem, e, apesar de dialogar

constantemente com Descartes e com a filosofia, ela busca nos poemas e nas

cartas de Artur, algum conforto, algumas respostas, que nem sempre encontra.

Maria, então, desloca-se entre as ruas de Paris e seu minúsculo apartamento

que tem ?toda a simetria e perfeição que ela espera do mundo.? (2016, p.7)

Apartamento-refúgio versus a amplidão das ruas. Espaços-mundo que

dialogam com a personagem, numa geografia de afetos e de incertezas, como

nos aponta Bachelard em seu livro A poética do espaço (2010) sobre espaços

felizes (?topofilia?) e Borges Filho (2007) sobre os espaços da dor

(?topopatia?). Maria é a antítese da liberdade, apesar de ?estar? livre e bem

distante dos olhares reprobatórios da família. Ela parece não saber o

significado da palavra liberdade, uma vez que nunca conheceu o cárcere.

Então, busca encarcerar-se entre a perfeição que espera das pessoas ? tendo

Artur como ponto de desequilíbrio ? e seu próprio mundo, criado por si mesma:

seu quarto, seu sistema-mundo, onde está seu ponto X, de onde tenuamente

tenciona pensar o mundo exterior: ?Quadrado, minúsculo, é cortado por linhas

retas, com lados e ângulos iguais. Ela mede cada centímetro para se certificar

das dimensões exatas e senta no X riscado no chão. Nesse ponto fixo gira sua

odisseia. Rios, oceanos, continentes cabem em poucos metros quadrados:

paisagens imaginárias inspiram aventuras imóveis. Sem sair do quarto, Maria

sonha no banal o extraordinário.? (2016, p. 7). Maria e espaço se fundem. Maria

é, então, seu próprio espaço.

Palavras-chave: espaço; personagem feminina; identidade.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇO ATEMPORAL; FÍSICA E FICÇÃO EM 30 E POUCOS ANOS E UMA MÁQUINA DO TEMPO

CLAYTON ALEXANDRE ZOCARATO

UFSCAR

A escritora norte-americana Mo Daviau lançou em 2016 ?30 e Poucos Anos e

uma Máquina do tempo?, ao qual coloca um espaço de ação narrativa,

enfocando diferentes períodos da história atual e medieval, o que soa como

uma tipologia literária submetendo a saúde psíquica como enfoque intelectual

principal para a construção de trâmites estéticos, aos quais o leitor, é levado a

se aventurar dentro de conceitos da física da quântica, como buracos de

minhoca, fusão do tempo, e possíveis viagens no tempo, enfocados em seus

personagens principais, Karl Bender e Wayne Demint. As viagens para outros

períodos de contextualização histórica, bem como a tessitura ao qual a autora

coloca elementos psicanalíticos que fazem um jogo intertextual, na destruição

de paradigmas ideológicos contendo unicamente um sentido existencial para

consolidação humana , de seus arcabouços de ação moral , fazendo uma

polivalência comportamental em traçar, sentidos de espaços literários, que

coloquem interdisciplinariedades nas metodologias de estudar, antagônicos

caminhos de individuação aos quais os personagens são lançados, criando

distanciamentos a liames?, entre o impossível e o possível, fazendo o instante,

e a eternidade (BACHERLARD, 20005), estarem unidos dentro de um

sincretismo teleológico, aos quais, sua sinopse se desvencilha de caminhos

lineares no eixo de sua formulação a um sujeito com diversificados primados

de significação moral. Não há um espaço de ação narrativo definido, ele vai

mudando constantemente, com as viagens no tempo que ocorrem

cotidianamente, despertando dúvidas e incertezas quanto a sanidade de seus

protagonistas, deixando um alarido dialético ?na questão de um meta-espaço

psicológico? (FOUCAULT, 2008), quanto a uma obra literária que contenha

resquícios plenos de sanidade em seus pilares de progresso narrativo. Os

aspectos de consciência e inconsciência, sobre a transmutação atemporal dos

seus protagonistas, deixa marcas para um sentido comunicativo, deformando

uma materialidade respeitando as leis físicas, sanciona Daviau como uma

escritor que valoriza, cunhos, em estudar conteúdos do espaço-literário,

envolvidos em questões como a solidão, amizade, existencialismo, velhice, aos

quais dentro do contexto da pós-modernidade, produz enlaces para uma

multiplicidade de eixos espaciais, que envolvem antagônicas similitudes da

condição humana, em empreender ensejos de uma teoria do romance, que

esteja cerceada por múltiplas disposições a elucidar, diferentes dilemas da vita

activa, no século XXI.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇO CONSTRUÍDO E ESPAÇO NATURAL EM O GUARANI

GLEISON ARAUJO MORAIS UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS - CARANGOLA

Este artigo está desenvolvido em torno do tema Espaço e Literatura. Optou-se

pelo título espaço construído e espaço natural n?O Guarani, de José de

Alencar. Tema estudado por diferentes autores tais como Antonio Dimas (1987)

e Cândida Vilares Gancho (2002) que abordam sobre as dimensões que o

espaço pode atingir num enredo. Para não nos perdermos no emaranhado de

ideias que podem intrecruzar o percurso deste trabalho elaborou-se o seguinte

problema: quais os recursos utilizados por Alencar para transitar de um espaço

natural a um espaço construído literariamente? As hipóteses são duas: a

primeira diz respeito à presença da prosopopeia na escrita, em relação ao

espaço. A segunda, vinculada a primeira, busca responder o possível motivo

das atribuições simbólicas, para isto é preciso saber qual é o tipo de obra escrita

pelo autor, a saber: indianista, em que o que estava descrito explicitamente, ao

fazer uso de tal figura de linguagem, atinge dimensões simbólicas. Objetiva-se

com o referido a verificação dos recursos literários utilizados por Alencar para

verificar os procedimentos literários da travessia supracitada. A obra atrai o

olhar da ecocrítica, trazendo uma relação telúrica dos personagens em relação

ao espaço, despertando o olhar para a preservação do meio ambiente. No

romance o personagem é colocado em igualdade com o meio, ele conhece a

terra, a fauna e a flora que, circunscritas ao seu modo de ser, constituem-se

como unidade. Este estudo justifica-se, por que, de acordo com o PPC do curso

de Letras (2016/2017), a literatura sofreu mudança de paradigmas, e, hoje, nos

seus estudos, é preciso observar os vieses teórico-interpretativos que irão

integrar o conhecimento literário à atitudes críticas, que iluminam o artefato

literário em diferentes instâncias, no caso da obra de Alencar, este artefato é a

ecocrítica, os demais conceitos que justificam este estudo estão com Antonio

Dimas (1987), para quem o espaço é patente e explícito, contendo dados de

realidades que, em um âmbito posterior, pode alcançar dimensões simbólicas,

caracterizando a ambientação, ideia reiterada pela autora Cândida Vilares

Gancho (2002), que diz que o espaço tem como principal função situar os

personagens e suas ações. Esse artigo esta construído a partir da pesquisa

qualitativa, de cunho bibliográfico. Os autores que irão contribuir para sua

confecção são: Antonio Dimas (1987), Cândida Vilares Gancho (2002), os

estudos ecocríticos de Maria do Socorro Pereira de Almeida (2014), Antonio

Candido (1997), Domício Proença Filho (1997), Ana Regina Vasconcelos

Ribeiro Bastos (1998).

Palavras-chave: Espaço, Ambiente, Literatura, Ecocrítica, Romance Indianista.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇO E IDENTIDADE EM "TEATRO" DE BERNARDO CARVALHO

JULIANA NASCIMENTO BERLIM AMORIM

COLÉGIO PEDRO II

O romance "Teatro" de Bernardo Carvalho constrói, a partir de uma narrativa

policial, a identidade de um protagonista cindido. Em conflito com os "donos do

poder", Daniel emigra de sua terra natal para a terra de seus pais, devastada e

incógnita. Consigo, carreia uma identidade cindida, fragmentada, em

reelaboração constante, em muitos níveis, em seu fluxo migratório.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇO E IDENTIDADE EM DOIS ROMANCES DE MILTON HATOUM

NAIARA SPERETTA GHESSI

UNESP

CAPES

Este trabalho tem como propósito elaborar uma análise comparativa dos

romances Relato de um certo Oriente, publicado em 1989, e Cinzas do Norte,

publicado em 2005, ambos do escritor amazonense Milton Hatoum, de modo a

articular a fragmentação da voz narrativa, que se faz presente nos dois

romances, com a dialética entre trânsito e a imobilidade que delineia a trajetória

de seus principais personagens. A reflexão aqui proposta faz-se importante na

medida em que se multiplicam, na narrativa brasileira contemporânea,

personagens à procura de si mesmos e de um sentido para suas existências.

Ou seja, nota-se a insurgência, na literatura das últimas décadas, de

personagens inadaptados, deslocados e transeuntes que vivem ou transitam

em espaços tão conturbados quanto eles. O que se coloca em questão, nesse

caso, é justamente o significado do trânsito e a dimensão relacional que se cria,

de um lado, entre o modo como a representação do sujeito se dá a partir da

construção do espaço e, de outro, entre a representação do espaço e a

dimensão subjetiva que o constitui. Tanto em Relato de um certo Oriente, como

em Cinzas do Norte, o ato de narrar está intimamente relacionado à procura de

uma identidade e de um sentido para a própria vida, o que resulta no trânsito -

ou na permanência? de seus personagens. Desse modo, a hipótese defendida

por este trabalho é a de que a busca pela (re)construção da identidade motiva,

nesses dois romances, o trânsito de seus personagens por diferentes espaços

ou a sua fixidez.

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ESPAÇO E MEMÓRIA: SÍMBOLOS E REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO NO ROMANCE UMA HISTÓRIA DE FAMÍLIA, DE SILVIANO SANTIAGO

ALINE MARA DE ALMEIDA ROCHA

UNINCOR

Entendemos que a memória no romance de Santiago é um vetor de mudança

e ao mesmo tempo um espaço configurador e configurado pelo narrador. É a

partir da progressão desses dois planos que se realiza a narrativa. A

reconstrução da memória se refaz a partir da visão do narrador sobre os

espaços observados e o mais fundamental, por meio da percepção que ele tem

sobre as experiências de tio Mário nesses espaços. Pode-se afirmar que o

caráter revelador de Uma historia de família é dado exatamente pela

reconstrução da memória de criança do narrador. Ela rompe com a visão

racionalista dos adultos, ligada às convenções sociais que condicionam o

comportamento da família, em sua essência, repressora, calcada na mesma

ideia de Althusser sobre os aparelhos ideológicos do Estado. Para o filósofo, o

Estado exerce o domínio sobre os cidadãos por meio dos Aparelhos

Repressivos do Estado (ARE) e dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Os

primeiros usam da violência para evitar atos de revolta no meio social, enquanto

os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) são responsáveis por criar ?uma

relação imaginária dos indivíduos e suas reais condições de existência?.

(ALTHUSSER, 1985, p.43-44). Althusser esclarece que os aparelhos

repressivos utilizam de forma secundária a ideologia como instrumento para

divulgação de seus valores, garantindo sua reprodução no meio social. Os

aparelhos ideológicos também apresentam um duplo funcionamento

(ideológico e repressor), embora a repressão, neste caso, seja de natureza

simbólica e, portanto, mais sutil que a violência física. Os métodos particulares

utilizados para selecionar, sancionar ou excluir um indivíduo de uma

organização como a igreja, a escola ou a família guardam assim íntima relação

com a violência. A memória torna-se, portanto, o vetor espacial, seja como

representação social, seja como representação familiar. A fragmentação do

espaço vai ao encontro da configuração da narrativa, como flashes fotográficos,

como recortes cinematográficos que aos poucos formam um grande mosaico

de imagens e vozes como a construir os ecos de uma história de família. Deste

modo, o objetivo deste trabalho é analisar as questões ideológicas que

permeiam as relações familiares com os espaços ocupados por ela. Nesse

sentido, é pertinente analisar a noção de espaço como fronteira a partir dos

estudos de Borges sobre a concepção espacial de Iuri Lotman, como também

as concepções de Brandão e Osman Lins sobre o espaço literário.

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ESPAÇO E REPRESENTAÇÕES DA FEMINILIDADE EM POEMAS DE MIA COUTO

EVERTON FERNANDO MICHELETTI

USP

Nos poemas de Mia Couto, há uma série de referências e metáforas espaciais

com diversos temas, como morte, infância, nação, o próprio fazer poético, o

relacionamento amoroso e, logo, as representações da feminilidade. As

mulheres surgem de diferentes modos, podendo-se dividir pela voz

enunciadora, seja por um eu lírico masculino que a elas se dirige ou as

descreve, como a elas também é dada a voz em primeira pessoa. Nesse último

caso, vem sendo reconhecido o esforço do autor em trazer o ponto de vista

feminino, embora haja muitas discussões sobre esse aspecto. São recorrentes,

portanto, os motivos espaciais relacionados às mulheres, destacando-se os

seguintes: água, fogo, céu, chuva, terra, noite, escuridão, madrugada, sombras,

pétalas. Nota-se, também, a espacialidade do corpo feminino, com referências

ao ventre, coração, peito/seios, sangue, rosto, olhos, lábios, sabor, carne,

morder, predominando os sentidos, a sensualidade. Nesse caso, há uma série

de referências à penetração, em versos como: "sou eu dentro de ti"; "O teu

ventre aceitou a gota inicial/e um novo habitante/enroscou-se no segredo da

tua carne"; "como eu te habitava". Além das "amadas", há poemas com a

temática da maternidade, a relação entre mulher e casa, assim como elementos

do espaço adquirem características femininas, em que se tem, por exemplo, o

"ventre da terra". Como se nota, espaço e mulher refletem características, como

nos versos: "como um poente/no bater do teu peito". Mia Couto também é

reconhecido como um autor que explora a polissemia, por isso, os mesmos

motivos espaciais podem surgir com significados diferentes, e até contrários,

entre um poema e outro, como no verso em que o homem pede à mulher:

"mergulha os teus dedos no feitiço do meu peito" (Raiz de orvalho e outros

poemas, 2014), a penetração se inverte e passa ao corpo masculino. Em um

dos poemas dedicados à esposa, a espacialidade ligada à feminilidade deixa

de ser tematizada pela noite e a escuridão, apresentando a luz e a claridade,

com motivos como: sol, céu, nuvens, pássaros brancos, acender, perfume. Em

face desses aspectos e de questões que venham a surgir, propõe-se

apresentar uma leitura de poemas do autor em que as representações da

feminilidade incidem no espaço, sendo verificados os vários sentidos dos textos

e suas relações com o contexto, tendo em vista as críticas feminista e pós-

colonial.

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ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA MANAUS DE MILTON HATOUM

MANOELLE GABRIELLE GUERRA UNESP - FACULDADE DE CIÊNCIAS E

LETRAS DE ARARAQUARA

CAPES

Este trabalho tem por objetivo questionar a relação existente entre identidade,

memória e espaço a partir das representações da cidade de Manaus presentes

em ?Relato de um certo Oriente?, primeiro romance de Milton Hatoum,

publicado em 1989, ao lado do volume de crônicas ?Um solitário à espreita?,

livro lançado pelo autor em 2013. A hipótese que fundamenta esta discussão é

a de que há um processo de subjetivação das instâncias narrativas que

possibilita a construção de identidades individuais e coletivas, atreladas ao

espaço por meio da memória. Intenta-se, portanto, discutir de que forma a

representação de Manaus sofre uma interferência da voz narrativa e como isso

modifica o processo de articulação das identidades presentes no romance e

nas crônicas. A forma breve deste texto e também a relação direta com um

cotidiano ou real quase sempre identificável dão margem a uma possível

representação de espaços ? territórios culturais e simbólicos ? que apontam

para a articulação entre um domínio subjetivo, individual, e outro, de natureza

coletiva. Já o romance, que se configura como uma espécie de relato de

viagem, traz em si a sobreposição de tempos e representações da cidade que

retomam desde o auge da migração árabe até o tempo presente da narrativa,

no qual a narradora-relatora retorna à casa da infância. Esse espaço fechado

condensa em seu interior toda a trajetória da família e, ao lado da cidade,

constitui uma esfera identitária referente a um povo e às relações por ele

estabelecidas com esse espaço que lhes é outro, mostrando a figura do

estrangeiro em solo manauara. A voz que narra o romance se difere daquela

presente nas crônicas pelo olhar que confere ao espaço da cidade, mas ambas

assemelham-se por meio da subjetivação do espaço e seu entrelaçamento à

memória, constituindo um processo único. É notável que há, nos narradores de

Milton Hatoum, uma recorrente articulação entre narração e identidade ou

memória coletiva e experiência individual, embora essa recorrência se

manifeste por meio da utilização de recursos formais distintos. A Manaus que

aparece no romance selecionado e nas crônicas é, ao mesmo tempo, a cidade

que acolheu migrantes de diversos lugares, como o Líbano, e a cidade mítica

das narrativas de aventura e das lendas indígenas. Ela une em sua constituição

traços que apontam para um espaço social que sofreu todos os processos de

urbanização e modernização das demais cidades, mas que conserva uma

história singular que se reflete em cada um dos sujeitos representados nos

textos abordados.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇOS (INTER)DITOS: CONFIGURAÇÕES DA EXPERIÊNCIA

SUBALTERNA EM O VENTO ASSOBIANDO NAS GRUAS, DE LÍDIA JORGE

RISONELHA DE SOUSA LINS

UERN/IFPB

Este trabalho tem como objetivo analisar o romance O vento assobiando nas

gruas, da escritora portuguesa Lídia Jorge, investigando as relações

dicotômicas e problemáticas estabelecidas no espaço de relações históricas e

sociais de Portugal por meio de uma abordagem cujo foco é o espaço narrativo

e suas implicações semânticas no contexto da narrativa. Publicada em Portugal

em 2002, esta obra reflete experiências sócio-históricas dos negros e da

mulher, inseridos na história nacional portuguesa e mostra a verdadeira face e

as reais consequências da colonização sobre a mente dos envolvidos nesta

experiência. Sob a perspectiva espacial, investigaremos também a prática

ideológica localizada, que resguarda variadas dimensões da existência

empírica dos sujeitos de margem, principalmente os negros e as mulheres, que

emergem dessas relações incapazes de falar de sua condição, não pela

qualidade do seu testemunho, mas pelo fato das palavras serem insuficientes

para abarcar a dimensão do que experimentou. Assim, verificando as marcas

vivenciais singulares da personagem no espaço de atuação, intentamos

compreender as significações da narrativa como reconstrução sensível de

mundo e as dimensões do drama vivido pelo sujeito ficcional sócio-

historicamente localizado. Neste percurso, observamos que a realidade é

configurada sob um ponto espacial de vista capaz de evidenciar as relações

entre os sujeitos e o seu derredor, bem como as normas que o regem, atuando

como elemento significativo na construção estética. Logo, considerando que

Lídia Jorge reflete, em muitas de suas obras, a dominação e subjugação

enraizadas nas relações coloniais, perpetuadas, de certo modo, nas complexas

relações do mundo contemporâneo, a abordagem realizada por este artigo dará

a cada um de nós a oportunidade de percorrer os espaços da obra na tentativa

de compreender a subjetividade humana dentro da repressão e do silêncio

impostos pela história e pela cultura ao negro e à mulher. Como aporte teórico,

recorremos as considerações sobre o espaço ficcional realizadas por Bakhtin

(1998), Bachelard (2008), Brandão (2013), Lins (1976), Borges Filho (2007),

dentre outros estudiosos.

Palavras-chave: Espaço; Lídia Jorge; Identidade

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇOS DE RUPTURAS NO ROMANCE DE EMILY BRONTË

CINTIA DE VITO ZOLLNER

UNESP

capes

Este estudo tem o objetivo de observar o único romance da escritora Inglesa

da época vitoriana Emily Brontë O morro dos ventos uivantes (1818-1848),

analisando o modo como os espaços de deslocamento e exílio contribuem para

as transgressões dos personagens principais presentes na ficção: Heathcliff e

Catherine. Em um local sombrio, ou seja, a fazenda que atribui nome ao título

do livro, ambos vivem um amor profundo como amigos de infância, entretanto,

são posteriormente separados pelo destino. Para além do amor obsessivo que

sobrevive ao tempo, ?socialmente? impossível entre Cathy e o cigano

estrangeiro Heathcliff, objetiva-se apresentar como o personagem

protagonista, em espaços estratégicos de deslocamentos e de ?exílio?, surge

na narrativa enquanto sujeito transgressor, que rompe com questões

socioeconômicas impostas pelos

?opressores? ingleses que o circundam, contestando a cultura

predominantemente inglesa, à medida que busca para si traços de sua própria

identidade em conflito com o local da cultura em que vive. Tais aspectos

decorrem de diversas formas na narrativa. No contexto histórico a partir do final

do século XIX, o Império Inglês possibilita um momento brilhante em que a elite

inglesa constrói, numa ascensão áurea, a imagem positiva ?de si?, talvez

heroica. Neste contexto Cathy, a personagem protagonista também possui

personalidade transgressora no sombrio morro. A forma como a personagem

busca descrever suas transgressões sofridas, através de um diário será

analisada. Curiosamente, seus textos acabam por apresentar as opressões

feitas a Heathcliff, e suas consequentes transgressões de forma peculiar, em

diferentes espaços do romance. O romance segue em ordem não cronológica

e apresenta uma visão a partir do ângulo de dois narradores em locais

estratégicos, que contribuem para desenvolver a estrutura do romance. A

técnica da obra busca apresentar a narrativa dentro da própria narrativa para

possibilitar ao leitor novos pontos de vista, em espaços distintos. De igual modo,

a multiplicidade de narradores presentes no romance inglês permite voz ao

protagonista Heathcliff, sujeito contestador, de forma peculiar. São também

dois narradores ingleses que, por meio da ironia, contam e histórica de

Heathcliff, para possibilitar ao leitor a ampla visão sobre os costumes do

protagonista a partir de um novo ponto de vista no morro dos ventos uivantes.

Assim, será feito um estudo desses aspectos em que acontece o processo de

transgressão e ruptura dos personagens, a partir de espaços de

deslocamentos, à medida que Lockwood relata o que vive enquanto segue em

sua viagem pelo norte da Inglaterra. Tais aspectos serão, portanto, analisados

a partir da teoria crítica de Homi K. Bhabha presente em O local da cultura.

Palavras chave: Representações literárias; Emily Brontë; cultura e fronteiras;

Bhabha; Said.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇOS OPOSTOS E IDENTIDADES HISTÓRICAS: UMA LEITURA

TOPOANALÍTICA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE

ROSANGELA VIEIRA FREIRE

IFCE

Este trabalho se propõe à analise do espaço ficcional no ?conto? Os

gafanhotos, texto de abertura do livro A costa dos murmúrios, da escritora

portuguesa Lídia Jorge. Diferentemente de Maria Mutema, encravado no meio

do caudaloso Grande sertão: veredas, do mineiro Guimarães Rosa, Os

gafanhotos constitui a rampa de lançamento de uma narrativa maior, A costa

dos murmúrios. Trata-se do texto de abertura do romance, possui título,

epígrafe e o narrador concede-lhe um limite pela palavra FIM. Embora

estabeleça um diálogo fluente com a outra narrativa que nomeia o livro, Os

gafanhotos consiste num texto que pode ser estudado isoladamente. O

romance que acolhe o conto, na iminência de completar 20 anos de publicação,

remete-nos aos anos duros da colonização portuguesa na África,

especialmente, em Mocçambique, um dos países em que o processo

?civilizatório? foi mais acirrado. Cabe à narradora Eva, voz condutora da

segunda parte do romance, minuciar os fatos condensados em Os gafanhotos.

Embora nossa leitura esteja centrada no texto de abertura, não deixaremos

escapar os laços que unificam as duas narrativas. Portanto, nesse diálogo

consolidado na própria narrativa, buscaremos estabelecer o nosso, o científico,

possibilitado pelos fios que se rompem num texto para que sejam recuperados

no outro. O conto lida com espaços opostos: metrópole/colônia, hotel Stella

Maris/mar. Percebe-se, conforme Weisgerber (1978), que em A costa dos

murmúrios ?o mundo da narrativa se constitui, à semelhança do mundo em que

vivemos, um conjunto espácio-temporal onde lugares e instantes de ação se

interpenetram?. O trabalho objetiva mostrar como o espaço interfere na

construção das identidades e dos discursos dos sujeitos ficcionais em relações

dicotômicas. Nesse sentido, silenciados e portadores de voz digladiam na

arena ficcional. Para dar conta das nossas inquietações em relação ao texto da

autora portuguesa, nossa base teórica ancora-se aos estudos bakhtinianos

(1998), aos trabalhos de Bachelard (2008), às pesquisas desenvolvidas sobre

espaço literário, de Borges Filho (2007).

Palavras-chave: Espaço; Identidade; Lídia Jorge.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO

NAS PRIMEIRAS OBRAS FICCIONAIS DE OSMAN LINS

RAUL GOMES DA SILVA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

DO SUL

CAPES

Resumo: Em sua tese de doutoramento, cujo tema central é a representação

do espaço em narrativas ficcionais de Osman Lins, Mendonça (2008) assinala

que a obra deste autor divide-se em duas fases: a primeira, marcada por uma

registro tradicional de escrita, ainda permanece pouco estudada quando

comparada às obras da segunda fase, em que se constatam experimentalismos

de linguagem, motivo de significativos trabalhos acadêmicos no país (e fora

dele). Muito embora os textos publicados a partir de 1966 sejam de fundamental

importância e merecedores de cuidado, percebe-se que as narrativas

anteriores a essa data, O visitante (1955), Os gestos (1957) e O fiel e a pedra

(1962), apresentam-se como importantes textos para a compreensão da

totalidade da poética narrativa de Lins. Especialmente no que se refere à

questão da espacialidade, estas obras operacionalizam formulações singulares

na concepção do espaço, que não se limita às relações de posicionamento ou

de caracterização, mas torna-se o recurso através do qual se evoca questões

ligadas à subjetividade (por meio do espaço psicológico e da memória), às

práticas sociológicas e ideológicas do contexto enfocado (através do espaço

social). Por isso, o objetivo central deste estudo é captar as formas de

estruturação e representação do espaço nas obras mencionadas, buscando

compreender as principais estratégias empregadas por Osman na tessitura do

espaço de suas primeiras narrativas ficcionais. Nesta incursão pela obra

literária do escritor, é preciso tomar em conta algumas reflexões já

desenvolvidas sobre as manifestações do espaço na literatura, como as que se

encontram registradas em Teorias do espaço literário (2013), de Alberto

Brandão, Lima Barreto e o espaço romanesco (1976), do próprio Osman Lins,

e Representações do espaço em narrativas ficcionais de Osman Lins (2008) da

pesquisadora Márcia Mendonça. Tais textos auxiliam-nos neste percurso e

contribuem, sumariamente, para nossas discussões acerca do trabalho literário

deste autor.

Palavras-chave: narrativa, espaço, estruturação, representação.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

FIGURAÇÕES DE UMA ?PAISAGEM DESFIGURADA? EM O QUINZE, DE

RACHEL DE QUEIROZ

VINICIUS SCHIOCHETTI UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA

CAPES

O estudo aqui apresentado trata-se de uma pesquisa cujo objeto de observação

é o romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, em que se analisa a figuração

da paisagem presente na narrativa. A obra em questão, romance inaugural da

autora da geração modernista de 30, é conhecida por seus traços regionalistas

e por fazer parte da chamada e aclamada ?literatura brasileira da seca?. O

tema central da obra é este grande período de estiagem que provocará

enormes danos à paisagem sertaneja, ao homem que ali vive e ao que ali

cultiva e produz para sua sobrevivência, e o movimento das personagens em

torno dessa calamitosa situação. É justamente esse elemento, a seca, que

assumirá papel elementar para a ?desfiguração da paisagem? do sertão

descrita na obra. Essa paisagem ?desfigurada? pode ser percebida em todas

as mazelas trazidas pela seca que figuram ao longo da obra: o ressecamento

do solo; a poeira vermelha; o Sol escaldante; a pele queimada; os animais

moribundos e a carcaça dos que já morreram; a vegetação seca; as pessoas

magras e sujas vestindo trapos; ou seja, numa paisagem que se apresenta

quase como a de um pós-guerra. Outro aspecto observado na paisagem da

obra em questão é o uso das cores para indicação de presença e ausência de

vida. As cores identificadas parecem traduzir a impressão de um sujeito que

olha para o sertão e percebe com dificuldade o aspecto lúgubre desse espaço

e de tudo o que ali se coloca pelo calor, pelo Sol e pelo ressecamento, ao

mesmo tempo, esse perceptor parece buscar qualquer elemento, qualquer

?verde? restante, por exemplo, que indique alguma esperança de vida. Tanto

o conceito de ?paisagem? como o de ?desfiguração? estão essencialmente de

acordo com o conceito estabelecido por Michel Collot (2013). Para o autor, a

paisagem constrói-se não como o espaço propriamente dito, mas como

percepção subjetiva do espaço e, por conseguinte, dependente de um

sujeito que lhe dá sentido. Dessa forma, a ?desfiguração? é o processo em

que o homem se torna ausente da paisagem, o espaço onde esse

homem ainda não figurou.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

GÊNERO E ETNIA: NORTEADORES DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO EM

CONCEIÇÃO EVARISTO

LEONARDO GOMES DE SOUZA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS

GERAIS

PAEx/UEMG

Este trabalho se constrói a partir das análises desenvolvidas na primeira fase

do projeto de extensão ?Estudos de Gênero e etnia na literatura e sua

repercussão na sociedade? desenvolvido na UEMG-Carangola, com o apoio

do PAEx/UEMG. Nessa perspectiva, pretende-se discutir, neste texto, como o

conceito de gênero enquanto realidade social e historicamente construída para

ressaltar a diferença, colocando os sujeitos e os termos feminino e masculino

numa relação de dominados e dominantes, e, por outro lado, o conceito de

etnia, enquanto conjunto de relações identitárias forjadas dentro de sistemas

culturais espacialmente estabelecidos e afetivamente constituído como o lugar

do existir e do reagir impactam a descrição e construção do espaço no interior

da literatura da afro-brasileira Conceição Evaristo - autora que espelha em sua

arte os dramas do negro feminino, construindo personagens que encarnam a

figura da mulher negra colocada pelos sistemas dominantes no ?não-lugar? do

existir e do agir, fato que mimeticamente localiza a arte desta literata no entre-

lugar, espaço miticamente construído como território da resistência e do

enfrentamento, um espaço que sofre violências e violenta àqueles que se

situam em seu interior por meio de diferentes ?tecnologias? sociais. Isto, não

como herança afro, mas sim como causa das muitas segregações impostas a

essa minoria. Deve-se apontar, portanto, para o espaço Evaristiano como

aquele que está para a recuperação dos elementos culturais negro-africanas,

para a construção de um novo prisma de análise do feminino, mas também, um

espaço de luta e reinvindicações de alteridades. Dá-se destaque ao romance

?Ponciá Vicêncio? pela condição de ?em transito? da protagonista e pela

(re)construção da tradição negra e ao livro de contos ?Olhos D?água? pelo

tratamento que a autora concede as múltiplas mulheres situadas em diferentes

espaços sociais. Ambos os livros frutos da pena Evaristiana. Iluminam este

trabalho Adichie (2012), Lauretis (1994), Bonnemaison (2002) entre outros.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

HERÓIS INDIVIDUAIS E CAUSAS COLETIVAS EM "VIDAS NOVAS", DE

LUANDINO VIEIRA

DANIEL MARINHO LAKS UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FAPERJ

O herói e sua aventura talvez constitua um dos tópicos mais explorados ao

longo da história da narrativa, remontando à antiguidade clássica. A partir das

diferentes figurações do herói podemos perceber aspectos específicos das

sociedades que os produziram. Como entendiam o tempo histórico, como

definiam os conceitos de justiça, valor ou como representavam conflitos. O mito

do herói se pretende como narrativa exemplar, revelando a moral de

determinada comunidade e conferindo origem, valor e propósito para os mais

diversos elementos culturais. Nesse sentido, a partir do mito do herói é possível

perceber as influências do campo político nos domínios da cultura. Mais ainda,

os heróis instituem novas comunidades, fundam cidades e novas formas de

habitar o espaço. Suas estórias alteram a maneira de se entender a experiência

do presente e as expectativas para o futuro, revelando as influências do campo

da experiência estética na produção de formas lógicas. O objetivo dessa

comunicação é comparar alguns dos principais aspectos do mito do herói em

sua tipologia clássica com as figurações do herói em Vidas Novas, do autor

angolano Luandino Vieira. A partir dos personagens dos diferentes contos que

compõem Vidas Novas e suas jornadas de iniciação ou de ascensão somos

capazes de perceber como transformações em conceitos chave para se

entender o espaço de experiência do mundo foram representadas no campo

da cultura, emergindo para a superfície das palavras e para as formas

narrativas. A produção literária de Luandino Vieira inscreve-se no contexto das

dinâmicas da segunda metade do século XX, sob a forma de crítica da

modernidade. Os egos imaginários engendrados em Vidas Novas são heróis

revolucionários, que necessariamente desafiam o poder instituído ao qual o

autor, por sua vez, encontrava-se também submetido durante o seu exercício

de escrita. O herói, secularizado pela estratégia realista, manteve o seu aspecto

etimológico de guardião, defensor, daquele que nasceu para servir. Entretanto,

nos contos de Vidas Novas, esses conceitos são redimensionados pela

convicção de que todos os problemas locais se conectam a uma teia global de

relações. Trajetórias individuais que se ligam a causas coletivas da mesma

maneira que causas locais entrelaçam-se a uma conjuntura geopolítica

mundial.

Palavras-chave: Herói; Autoconsciência histórica; Luandino Vieira; Vidas

Novas; Realismo

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

IR EMBORA POR VONTADE PRÓPRIA É BASTANTE DIFERENTE DE SER

EXPULSO : UM ESTUDO SOBRE LITERATURA E GENTRIFICAÇÃO

FABIANA DE PINHO

PUC-RIO

IFRJ

De acordo com a pesquisadora Maria Alba Sargatal Bataller, a Gentrificação é

um fenômeno fundamentalmente urbano definido pelo desenvolvimento de

uma série de melhorias físicas, materiais e imateriais ? econômicas, sociais e

culturais ? que ocorrem em alguns centros urbanos antigos e degradados. Sua

principal característica é a substituição de classes sociais, pois, no lugar dos

antigos moradores pertencentes a classes mais baixas, passam a viver outros

com maior poder aquisitivo. Tradicionalmente, os estudos sobre esta prática

tem feito parte das discussões da Geografia, do Urbanismo, da Economia, da

Sociologia e da Arquitetura, por exemplo. Porém, percebe-se que algumas

formas discursivas artísticas, inclusive literárias, vêm compondo uma

cartografia simbólica sobre cidades gentrificadas. Documentários, grafites,

ações de coletivos artísticos(em sua maioria internacionais), narrativas audio-

visuais e romances têm formado uma rede de expressões contrárias à

Gentrificação. O que parece ser relevante para o campo dos estudos que

consideram não só as representações das cidades nos textos literários, mas o

lugar da Literatura na construção de cartografias simbólicas provenientes dos

imaginários urbanos.

De acordo com Beatriz Sarlo, a literatura é mais um dos caminhos que

escrevem a cidade, pois outros textos também a constroem discursivamente.

O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e os jornais de maior circulação,

por exemplo, construíram uma narrativa que representa uma cidade que, após

os Megaeventos, como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, deixará para os

moradores do Rio de Janeiro um legado amparado no que chamaram de

revitalização. O que se vê hoje é que tal fala buscou, na verdade, a legitimação

e apoio para efetivar um planejamento estratégico, ou seja, a criação de

condições, inclusive discursivas, para instauração de projeto de cidade, pois

uma cidade revitalizada seria lida como uma resposta para um sentimento de

crise. Consequentemente, ser contra este projeto é ser anti-patriota (Vainer, 94

e 95). Percebe-se que, paralelo a estas práticas, existem contra-relatos. Nessa

perspectiva, o presente trabalho propõe uma leitura do romance Descobri que

estava morto e do conto Antes da queda, ambos de João Paulo Cuenca, uma

vez que estes dois textos tarzem marcas discursivas contrárias à Gentrificação

da cidade do Rio de Janeiro.

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89 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

IRACEMA: A RELAÇÃO ENTRE O ESPAÇO E A AMBIENTAÇÃO DA OBRA

E DAS PERSONAGENS

LETICIA DA SILVA ZARBIETTI COELHO

UEMG

PAEx

LUCIANO MAGNO ROCHA

UNIMES

GLACIENE JANUÁRIO HOTTIS LYRA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa ?Representações da crise:

interseções de fontes literárias? desenvolvido na UEMG - Carangola. Nessa

concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática: Espaço e Literatura,

sob os pressupostos de construção do espaço e ambiente na literatura,

analisados em particular na obra Iracema de José de Alencar, além de

possibilitar analisar qual é o tratamento conferido a tríplice: relação telúrica,

espaço e a literatura nesta obra brasileira. Guiados e motivados pelos estudos

acadêmicos, este trabalho se justifica pelas demandas da literatura sob a ótica

do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais ? PPC

(2016/2017), visando compreender melhor e analisar essa relação da criação

do espaço/ambiente com sua vinculação com as personagens que também são

construídas a partir de uma ideologia determinada do autor e de suas intenções

para com a obra. O título deste trabalho - Iracema: A Relação Entre o Espaço

e a Ambientação Da Obra e Das Personagens, consideramos conveniente, pois

sugere ao leitor uma ideia da análise que fizemos como ponto chave da

pesquisa. Objetivamos estabelecer um paralelo reflexivo e explicativo Dentro

da obra literária, no qual foram abordadas questões teóricas que alicerçaram

nosso trabalho. Quanto a metodologia, este trabalho foi desenvolvido a partir

de uma pesquisa bibliográfica para fomento dos conteúdos teóricos, como

DIMAS (1987), BLANCHOT (1987), GARRARD (2006) e GANCHO (2002) e de

uma análise qualitativa das obras supracitadas. No decorrer das pesquisas

adentramos com os teóricos da eco crítica, que é de suma importância, visto

que ao trabalharmos com o espaço e a ambientação de Iracema, que tem foco

grandioso na fauna e flora brasileira, essas concepções, por sua vez, trouxeram

novas iluminações para o trabalho e o tornaram mais sólido e reflexivo. Enfim,

a partir de toda a pesquisa e análises foi possível refletir sobre o processo de

construção do espaço e do ambiente e a intencionalidade aplicada pelo autor

quando os cria, bem como sua importância no conjunto da obra literária em

harmonia com a construção das personagens, além de refletir nos estudos da

eco crítica. Ao findar das pesquisas teóricas, seguindo uma proposta

extensionista, esta foi adaptada e aplicada em uma aula para alunos do 6º ano

do ensino fundamental, buscando trabalhar com os discentes algumas

questões literárias sobre o ambiente e as personagens da obra escolhida de

José de Alencar. A partir desta aula, os alunos puderam refletir mais

criticamente sobre a importância do desenvolvimento reflexivo entre o ambiente

e as personagens e puderam produzir suas próprias histórias, visando aplicar

os conhecimentos adquiridos e trabalhar com a abordagem da conscientização

ecológica, como prega a eco crítica.

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90 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

PALAVRAS-CHAVE: Análise Literária; Iracema; Espaço e Ambiente; Eco

crítica.

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91 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

JORNADA ANGOLANA: DE PEPETELA A MANUEL ALEGRE, A

REPRESENTAÇÃO ESPACIAL NA GUERRA DE LIBERTAÇÃO

FERNANDA DE AQUINO ARAÚJO MONTEIRO

UFRJ

CAPES

A temática do mar e das viagens marcou a história do mundo ocidental, efeito

de uma milenar história de homens que partiram ao mar por diversas razões: o

comércio, as guerras, as conquistas territoriais. Homens partiam em suas naus,

que ?cortava o mar a gente belicosa? (CAMÕES, 2011, p.81), enquanto as

mulheres permaneciam em sua terra e casa, à espera dos retornados, assim

foi como Penélope e muitas outras esposas, mães e irmãs. Aliada à história

nacional, a literatura portuguesa resgata com frequência a temática das

navegações, as batalhas além-mar e o domínio de povos. Um dos exemplos

de batalhas que foi muito resgatada na literatura lusa foi a de Alcácer-Quibir,

conhecida no Marrocos como a ?Batalha dos Três Reis?, que consiste num

combate travado no norte da África, em 1578, próximo da cidade de Alcácer-

Quibir, que resultou na derrota portuguesa, com o desaparecimento do rei D.

Sebastião, e a morte ou o aprisionamento dos combatentes. Nesta linha de

evocação da trágica batalha de Alcácer-Quibir, o romance de Manuel Alegre,

publicado em 1989, pode ser considerado uma reescrita que ?transpõem para

um novo tempo e um novo espaço toda a loucura do empreendedorismo dessa

Jornada de África, de Marrocos a Angola, de Alcácer Quibir a Luanda,

Nambuangongo.?, como escreve Ana Sofia Neno Leite (2011). O romance de

Alegre é diretamente entrelaçado com a obra de mesmo nome de Jerônimo de

Mendonça, de 1607, mas dessa vez o Sebastião, que outrora carregava a

alcunha de O Desejado, passa a ser um simples soldado anti-sebastianista,

anti-colonialista, que veio duma?geração obrigada a conjugar na primeira

pessoa o verbo matar e o verbo morrer. Há muito que tal não acontecia?

(ALEGRE, 2007, p.59). Todavia, devemos ser críticos aos escritos

portugueses, porque apesar da sua boa intenção em questionar a guerra em

terras angolanas, acabam por derrapar em terrenos do senso-comum, como a

representação da imagem da mulher angolana, por dar pouca voz aos

combatentes ?inimigos?, aqueles que durante séculos foram silenciados,

perpetuando assim o predomínio da voz portuguesa, aquela voz de dominação,

controle, até certa soberania em relação aos demais. Já o romance Mayombe,

publicado em 1980, pode ser lido?como um contraponto [da]literatura colonial?

(CHAVES, 2006, p.80) e que Pepetela consolida uma das mais frutíferas

tendências da sua literatura, a relação de História e Ficção, como defende

Inocência Mata (2006, p.46), que admiravelmente carregava uma carga

ideológica de reflexão sobre este país recém-criado. Inocência da Mata afirma

também que ?Pepetela constrói uma história de celebração do esforço de um

povo pela libertação nacional, cujos protagonistas, guerrilheiros, funcionam

como representação metonímica desse povo.? (2006, p.45). Em Mayombe,

Pepetela rompe com o estereótipo da floresta como o espaço do exótico, que

os portugueses de outrora invadiam, violavam, maltratavam, como um espaço

que lhes pertencia e que, ao mesmo tempo, a relação deles com aquela terra

não identificada/desconhecida era repleta de medo, angústia, onde toda aquela

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92 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

natureza desconhecida era assustadora. Por conseguinte, o presente trabalho

pretende elucidar o modo como é retratado o espaço da guerra da libertação

angolana, a paisagem natural e sua função, e como é a imagem forjada da

mulher angolana no palco dessa luta armada, sob dois pontos de vista: um de

um escritor português no romance Jornada de África, de Manuel Alegre, e o

romance do angolano Pepetela, em Mayombe.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

LATIFÚNDIO REALISTA: ARIDEZ NA FORMA E NO SERTÃO DE VIDAS

SECAS

EDSON JOSE DA SILVA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

FAPEAL/CAPES

Este trabalho tem por objetivo oferecer uma leitura dialética do romance Vidas

secas, ao urdir um cotejo entre a particularidade da obra e a sociedade

brasileira à época da sua produção e assinalar os elementos da vida social que

aparecem nas malhas da narrativa enquanto representação do Sertão. Para

tanto, foi feita uma leitura que colocasse em evidência a linguagem realista de

Ramos, na representação do espaço sertanejo, marcada pela ausência de

floreios, pelo reproche ao tradicional "locus amoenus" conforme entendido por

CURTIUS (1996), pela sintaxe desbaste (HOLANDA, 1992) e descrição

essencial (LUKACS, 1966) que renega a pletora do detalhamento; neste

sentido, a fatura e economia da sua obra está em consonância com a aridez do

espaço sertanejo e a precariedade simbólica e material das personagens no

contexto do latifúndio. De fato, ao renegar a forma do Sertão no romance

indianista romântico do século XIX e a representação documental de um

Euclides da Cunha, ?Vidas secas? apresenta o Sertão enquanto macrocosmo

social, como uma narrativa realista, no sentido em que Lukács (1966) oferece

ao termo, ao refletir o Sertão por meio de uma forma estética em dialética com

a realidade objetiva de um capitalismo periférico e essencialmente ruralista,

oligarca e eivado de relações semi-escravistas, como o Brasil da década de

1930.

LIBERDADE E REPRESSÃO: A CONSTRUÇÃO DE CANUDOS E A (NÃO?)

EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CIDADE ? UMA ANÁLISE DA OBRA OS

SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA?

FERNANDA RODRIGUES LAGARES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

Enviado ao sertão da Bahia pelo jornal O Estado de São Paulo como

correspondente para cobrir a Guerra de Canudos, mais do que narrar e analisar

os acontecimentos da guerra, Euclides da Cunha constrói, imaginativamente, e

de forma minuciosa a paisagem do sertão nordestino (especialmente de

Canudos), bem como se dedica a categorizar (e avaliar) o sujeito

correspondente a tal território: o sertanejo (e,mais especificamente, o sertanejo

que residia e resistia em Canudos); além de representar, conforme suas

impressões, a relação do sujeito sertanejo com o sertão de Canudos de forma

detalhada. Tudo isso, traduzido no texto de Os Sertões, fez surgir em nós o

desejo de refletir como a obra de Euclides da Cunha, representa a relação do

sujeito sertanejo com o espaço do sertão de Canudos.

O atual estágio do tratamento desse problema nos aponta ao menos duas

hipóteses, que poderão ser confirmadas ou refutadas ao término das

investigações: ? As representações construídas narrativamente por

Euclides da Cunha, na obra ? Os Sertões?, acerca das

relações do sujeito sertanejo com o espaço do sertão de Canudos,fornece

indícios de que aquele ambiente é reflexo dos seus ocupantes, daquilo que são

e/ou do que desejam ser. ? A relação do sujeito sertanejo com o espaço do

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sertão de Canudos na representação de Euclides da Cunha pode nos dá pistas

da existência (ou busca por) mecanismos de efetivação do direito à cidade

naquele território.Para confirmarmos ou refutarmos tais hipóteses, o corpus

selecionado é constituído pela obra Os Sertões, de Euclides da Cunha,

abordado pela perspectiva da pesquisa documental, uma vez que temos

abordado o objeto com o fim de desvelar um aspecto inédito em relação a

outros trabalhos que também se debruçaram sobre o mesmo: o Direito à Cidade

? a saber, estamos realizando uma revisão bibliográfica dessa problemática a

fim de responder se, na narrativa de Euclides da Cunha, há pistas da existência

(ou busca por) mecanismos de efetivação do Direito à Cidade no território de

Canudos. Por meio da revisão bibliográfica temos estudado diversas

abordagens que se dobram sobre a problemática da relação entre

homem/sujeito e o espaço/território, bem como suas implicações no que tange

aos processos de representação. Vale destacar que, por lidarmos com uma

narrativa, conceitos e categorias de outras disciplinas, especialmente da

geografia humana, sertão mobilizados a partir de conteúdos

linguísticos.Tratando especificamente da primeira hipótese, pretendemos,

adotando a categoria paisagem na perspectiva de Schama (1996), a qual alinha

cultura e natureza: ?(?) a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de

camadas de lembrança quanto de estratos de rocha? (SCHAMA, 1996, p. 17),

confirmá-la ou refutá-la a partir, principalmente, da paisagem construída

narrativamente por Euclides da Cunha; da maneira como ela reproduz a história

de seus habitantes, suas concepções sobre o morar, trabalhar e viver, enfim,

de como representa a relação do sujeito sertanejo com o espaço do Sertão.

Para tanto, daremos atenção especial aos temas que o autor vai retomando ao

longo da narrativa e às figuras que as recobrem, como, a título de exemplo, as

diversas e recorrentes alusões a elementos da Antiguidade Clássica. As

ferramentas selecionadas para a microanálise linguística versam

especialmente sobre as análises de tematização e figuratização, oriundas da

perspectiva da Semiótica Discursiva. Em relação à análise de nossa segunda

hipótese de trabalho, para pensar a relação material-imaterial do sujeito

sertanejo com o espaço do sertão de Canudos, trabalhamos com a teorização

de Landowski (2014) acerca dos regimes de interação entre sujeito-sujeito e

sujeito-objeto, ao passo que o território será abordado em duas dimensões:

funcional e simbólico,

combinados à categoria paisagem. A categoria território é mobilizada na

pesquisa a partir da perspectiva integradora de Haesbaert (2004) que afirma

que o território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação

sociedade-espaço, ?desdobra-se ao longo de um continuum que vai da

dominação político-econômica mais ?concreta? e ?funcional? à apropriação

mais subjetiva e/ou ?cultural-simbólica? (HAESBAERT, 2004, p. 95-96).

Conforme o autor, o território é, ao mesmo tempo, funcional e simbólico, pois

ao mesmo tempo em que o homem exerce domínio sobre o espaço para

realizar ?funções?, também o faz para produzir ?significados?. Ligada a essa

concepção de território, sem ignorar o imbricamento na narrativa do processo

vivenciado pelo próprio Euclides da Cunha no sertão de Canudos (a

subjetividade do narrador, anteriormente discutida), analisamos o processo de

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te/des/reterritorialização pelo qual passam aqueles sertanejos que viviam em

outros locais e, por alguma razão, seja a vazada por Euclides da Cunha, ou

não, deixam este local e dirigem-se a Canudos, o que inevitavelmente nos

remete a analisar às relações culturais, pois, conforme Haesbaert (2004), ela

está intimamente ligada ao modo como as pessoas ?utilizam a terra, como elas

próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar?

(HAESBAERT, p.08, 2004), nos fazendo pensar na transformação daquele

território em lugar, aqui entendido na perspectiva de Tuan (2013), como espaço

de significação e, mais do que isso, de afeto e percepção.

Cremos ser possível que os sentimentos e experiências dos sertanejos

representados pelo narrador, nos dê pistas de que são resultado, e ao mesmo

tempo causa, de desenvolvimento ou busca por mecanismos de efetivação do

direito a construir, organizar e moldar o local que habitam, sendo a própria

guerra, enquanto defesa do lugar, um indício disso. Associamos tal disputa pelo

lugar à concepção de Direito à Cidade, desenvolvido por Lefebvre (1968) na

década de 1960, e retomado na década de 1990 como bandeira de muitos

movimentos sociais que defendem a não exclusão da sociedade urbana das

qualidades e benefícios da vida urbana.

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LITERATURA EM INTERFACE COM A FOTOGRAFIA, PINTURA E

ILUSTRAÇÃO: A CONSTRUÇÃO PICTURAL DO ESPAÇO NO CONTO ?A

SANTA DE SHONEBERG?, DE RUBEM FONSECA

CARLOS AUGUSTO DA SILVA LEMOS UNIVERSIDADE DO ESTADO DA

BAHIA - DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS IX

NELMA ARONIA SANTOS

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

PCIN

O presente trabalho tem como objetivo analisar o desenvolvimento da trama do

conto ?A Santa de Schoneberg? (1992), de Rubem Fonseca, a partir da

construção do espaço intermediado pelas artes visuais, fotografia, pintura e

ilustração, bem como os efeitos de sentidos propiciados por essa relação à

narrativa. Nesse sentido, o enredo é cadenciado a partir das articulações

dessas artes ao texto literário. Inicialmente, as observações da personagem

Ursula, que se considera esotérica, através da janela de sua casa descreve o

espaço do apartamento do personagem Roberto, seu vizinho, de forma que seu

olho funciona como um objetiva fotográfica, potencializada, posteriormente,

pelo uso de um binóculo. Ela registra o cotidiano do personagem,

transformando, por meio do enquadramento delimitado pela janela do

apartamento dele, em fotografias. A personagem com desejo de conhecer o

alvo do seu olhar vai até o edifício onde ele reside, fingindo interesse em ser a

nova faxineira do local. Na parede do apartamento dele, ela visualiza uma

pintura a óleo de Schiele, Sitzende Frau mit hochgezogem Knie, com a qual

ela, posteriormente, acredita possuir alguma semelhança com a jovem Edith,

representada nesse quadro. Sobre o sexo da mulher da pintura a personagem

deixa seu número para Roberto. Assim, quando os dois se encontram, no

apartamento de Ursula, a composição do espaço passa pela representação e

discussão da obra artística do Schiele, sendo a descrição realizada de maneira

análoga a outra pintura desse artista expressionista, o Die Familie.

Posteriormente, o personagem que possuí grande admiração e influência

desse pintor austríaco vai até Viena, numa feira livre, onde é surpreendido ao

encontrar uma carta com um selo ilustrativo de um militar alemão, Hindenburg,

na barraca de uma feirante surda e, como intuição, acredita está vinculada a

algum caso misterioso daquele pintor. Por meio dessa carta, o personagem

segue em busca de uma verdade pelo espaço austríaco, concebida, ao longo

do seu percurso, como inalcançável. Para a análise do corpus utilizaremos a

contribuição teórica de Arbex (2006), Louvel (2006), Clüver (1997), Figueiredo

(2003), Barthes (1984), Dubois (1993), Bazin (1991), Sontag (2004), Borges

Filho (2007), Bachelard

(1978), Bakhtin (1997).

Palavras-chave: Espaço; Conto Contemporâneo; Fotografia; Pintura;

Intermidialidade.

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LIVRO, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO: UM ROMANCE DE DESLOCAMENTOS

QUE REFLETEM A EMIGRAÇÃO E A PRÓPRIA LITERATURA

ROSEMARY GONÇALO AFONSO

UFRJ

CAPES

O romance Livro, de José Luís Peixoto, tem como tema principal a emigração

portuguesa para a França. Ao representar esse aspecto da história e da cultura

de Portugal, o autor recorre à difícil travessia empreendida desde vilas e aldeias

do interior do país, passando pelo território espanhol, até Paris, cidade que

recebeu cerca de um milhão e meio de portugueses entre 1960 e 1974, de

acordo com os dados fornecidos pelo próprio autor. Respeitando a história

individual de cada personagem, o autor converge para o caráter coletivo do

texto, reconhecendo a contribuição do próprio leitor nessa sua construção.

Dividido em duas partes, na segunda o romance prioriza a reflexão sobre as

possibilidades da escrita, fazendo da própria Literatura um segundo tema, não

menos importante do que o primeiro. Através de uma auto crítica que

desvaloriza, ironicamente, a própria narrativa, é instaurado um questionando

acerca da autoria do livro que a percorre e da legitimidade de escrita de uma

história inspirada em fatos reais. Percorrendo os recursos e estratégias de

escrita utilizados pelo autor, destacamos que Livro confirma que a estrutura do

gênero romance está em constante evolução. Sua liberdade formal admite a

incorporação de gêneros afins, dentre eles: carta, o relato de experiência, o

conto, a crônica, a poesia. Outros recursos a considerar são as referências, que

estabelecem um diálogo com outros textos; os elementos alegóricos, que

contribuem na compreensão dos sentidos do texto; e as notas de rodapé, que

se caracterizam como divagações do narrador. Respeitando a circularidade

inerente ao próprio texto literário, apesar da sua liberdade formal, o romance

não abandona o seu fio condutor, mas admite desvios que potencializam as

propostas de reflexão sobre os referidos temas: emigração e literatura,

representados a partir dos deslocamentos geográficos e textuais. Mais do que

o conteúdo privilegiado no romance, importa o fato de a emigração ser

representada num texto literário. Ao dar à emigração uma forma artística, José

Luís Peixoto faz dela mais do que um acaso histórico, permitindo sua absorção

pelo viés da sensibilidade, elemento que potencializa nossa capacidade de

compreensão, e visando uma reconciliação com um passado a que todos, de

uma forma ou de outra, pertencem.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

LUGARES E NÃO-LUGARES EM ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

NANCI GEROLDO

CENTRO UNIVERSITÁRIO ENIAC

O caos urbano e social apresentado por José Saramago em Ensaio sobre a

cegueira faz com que uma nova realidade seja revelada por meio da

desconstrução, seja quanto às referências típicas do lugar onde os fatos

ocorrem, à identidade das personagens por causa da cegueira branca e de sua

relação com o meio em que vivem ou quanto ao contexto histórico. Ao longo

deste trabalho trataremos das questões que envolvem os espaços ? sejam eles

abertos ou fechados, a fim de traçarmos sua importância sobre as ações das

personagens em Ensaio Sobre a Cegueira. Quanto aos espaços ínferos e

labirínticos apresentados por Saramago, verificamos que podem ser análogos

a obras de autores clássicos e de cunho mítico, tanto pela sua estrutura física

quanto pelas referências aos atos e estados físicos ou psicológicos das

personagens envolvidas no romance em questão. No que diz respeito às

personagens, levaremos em conta o grupo principal. Ao analisarmos os lugares

e não lugares em Ensaio sobre a cegueira no decorrer deste trabalho, notamos

a tensão entre eles por apresentarem aspectos contraditórios, ou seja, de

?lugar? passam a ?não-lugar?. Essa tensão gerada entre lugares e não-lugares

gera também tensão entre as personagens, pois necessitam de mudança

comportamental, apesar do medo de saberem, cada um, o que realmente são

e da impotência que sentem diante da cegueira. A escolha dos lugares a serem

analisados se fez em questão de como e do quanto interferiram na evolução da

narrativa e na transformação das personagens. Todos estes tópicos têm como

base os estudos desenvolvidos, por exemplo, por Marc Augé em Não lugares:

introdução a uma antropologia da supermodernidade, Osman Lins, em Lima

Barreto e o espaço romanesco, Antonio Dimas, em Espaço e Romance e

Roberto Lobato Corrêa, em O Espaço Urbano, dentre outros teóricos. Em

suma, este estudo tem como objetivo a análise dos espaços e da

autoconsciência das personagens neles envolvidas; a análise dos diferentes

espaços e ambientes em suas estruturas; a diferença que se estabelece entre

espaço e lugar e as diferenças entre lugares e não-lugares. Salientamos que

tal estudo trata de uma das possíveis leituras que, como bem sabemos, poderá

dar margem a outras, dependendo do olhar que dirigimos ao Ensaio sobre a

cegueira de Saramago.

Palavras-chave: lugares, não-lugares, espaços, labirinto, ambientes.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

MARCO POLO E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: A POÉTICA DOS OLHOS

E DA PALAVRA EM

LUANA RAQUEL DA SILVA COIMBRA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO (UNEMAT)

O trabalho se ocupa de uma leitura de "As cidades invisíveis" (1972) de Italo

Calvino sob a perspectiva do personagem-narrador, o viajante veneziano

Marco Polo, que, ao narrar as cidades vistas ou imaginadas, constrói redes

simbólicas em e a partir de seus espaços. Se a cidade escrita é sempre

simbolização e deslocamento, imagem, metonímia; e se nomear uma cidade é

o mesmo que garantir-lhe um locus (SARLO, 2014), a que acena este livro-

símbolo de Calvino, em que os espaços parecem tão afetados por teias jocosas

de palavras? Dada a sua condição de estrangeiro, a figura deste personagem-

narrador está a interferir não apenas na percepção como também na

enunciação dos espaços: ?É o humor de quem a olha que dá a forma à cidade

de Zemrude? (CALVINO, 1990: 64). As variações da cidade, que ora é de uma

forma, ora de outra, a depender de questões como o humor de quem chega a

ela, de onde é vista e como é acessada, por exemplo, acaba por afetar-lhe a

própria condição de locus. Não obstante, Polo utiliza-se da palavra

problematizando e renovando a forma de ver a realidade e o modo de anunciá-

la porque está num embate com Kublai Khan; o imperador se encontrava num

momento em que o império, para ele, parecia um esfacelo sem fim e sem forma

e não mais a soma de todas as maravilhas. As cidades (os espaços), portanto,

sofrem a desautomatização (CHKLOVSKI, 1976: 39) no processo de contar. As

cidades descritas pelo veneziano são todas do território de Khan, porém é

somente através dos relatos do viajante que o imperador tem a sua percepção

ativada: ?somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia

discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a

filigrana de um desenho tão fino a ponto de evitar as mordidas dos cupins?

(CALVINO, 1990: 10). A autoridade de fala parece ser validada a Polo pela

experiência da viagem, pois ?somente por meio de olhos e ouvidos

estrangeiros o império podia manifestar a sua existência para Kublai?.Diante

disso, o trabalho busca identificar como se constroem os espaços em "As

cidades invisíveis" e como a figura de Marco Polo sinaliza, por meio de uma

poética dos olhos e da palavra, o próprio gesto da literatura, criando e

renovando as percepções e as enunciações das coisas. Como símbolo

complexo das relações humanas e cósmicas, "As cidades" de Calvino lidam

com a noção de multiplicidade, porque abrangem a imensidão. Além da

multiplicidade, o tema também suscita outras categorias que Calvino observaria

mais tarde em Seis propostas para o próximo milênio (1984-45) ? como a

leveza, a exatidão, a visibilidade e a rapidez ? formas pelas quais, segundo o

escritor, a literatura mantém a sua estima, mediante as formas aproximativas e

descuidadas que a linguagem passou a receber.

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MARÍLIA DE DIRCEU - NESTA TRISTE MASMORRA, DURO GRILHÃO

RODRIGO CARVALHO DA SILVEIRA

IFRJ

Na segunda parte de Marília de Dirceu, a realidade se impõe e a defesa do eu-

poético é a chave que concatena os 38 poemas que a compõem. O discurso

retórico será expressivo e perceptível: Dirceu se defenderá das acusações de

inconfidente e terá como maior argumento o amor por Marília. A Literatura e a

realidade se interpenetram em um jogo retórico-poético onde a defesa é o amor:

É importante perceber como que a realidade, de certa forma sublimada e

paralela na primeira parte das Liras, se impõe na Parte 2. A prisão de Tomás

Antonio Gonzaga é presente em todos os poemas e há uma pequena mudança

no receptor de seus versos: antes, Marília e os familiares, agora, Marília e os

juízes. Há uma palavra primordial que une e diferencia as partes de Marília de

Dirceu: grilhões. Insistentemente repetido ao longo do livro, o vocábulo

caracteriza a qualidade de réu e prisioneiro do eu-poético, mas também

distingue sua posição positiva e negativa frente a dois deuses cruciais: Amor

ou Cupido e Astréia, a justiça. Enquanto os grilhões são de Amor, o eu-poético

se entrega, porém, quando os grilhões são de Astréia, ele se debate em busca

de liberdade. Por essa razão, o discurso retórico surge como o eixo

estruturador da obra do poeta inconfidente, pois aparece em forma de defesa

como inocente e como noivo ideal, como réu entregue ao Amor e como réu em

busca de Justiça. O tom narcisista também se modifica entre as duas partes,

enquanto a autovalorização se vincula ao Ethos na parte 1 formando um retrato

moral de Dirceu, na parte 2, há um foco maior em um tom emocionado

vinculado ao Pathos, formando um retrato físico do poeta. É a partir da união

das duas pinturas que podemos ver um Dirceu completo, moralmente e

fisicamente. A razão para que isso ocorra está justamente ligada ao discurso

retórico, afinal frente à Justiça é mais funcional para a defesa emocionar

através de um retrato físico debilitado do que convencer através de um perfil

moral. Já frente ao Amor, a questão se inverte, pois a exaltação física da

amada constrói o jogo da emoção e o retrato moral se torna mais importante

para garantir um futuro venturoso.

O espaço em Marília de Dirceu é essencial para a construção das liras e,

principalmente, para a modificação psicológica do eu-lírico: a prisão física influe

diretamente em Dirceu, fisicamente e moralmente, o transformando e

remodelando os seus versos. Assim, pretende-se analisar de forma

comparativa poemas da Parte 1 e da Parte 2 de Marília de Dirceu, buscando

envidenciar as diferenças que o espaço gera na forma poética e no tema

amoroso que envolve todo o livro de Tomás Antonio Gonzaga.

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MINHA QUEBRADA, MEU ESPAÇO: A VOZ DA PERIFERIA NO RAP DE

FLÁVIO RENEGADO

JOSELI APARECIDA FERNANDES

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE

PREFEITURA MUNICIPAL DE TRÊS CORAÇÕES E FCTE

Em um passado não muito distante, pensar a periferia significava apontar

apenas aspectos negativos de sua realidade, entendendo-a como espaço de

violência e de conflitos, advindos do tráfico de drogas e de problemas

decorrentes de situação de exclusão social. Norma Takeuti, no artigo

?Refazendo a margem pela arte e política?, afirma, nesse sentido, que ?[...] se

antes a ?periferia? era visível apenas como lugar da infâmia (violências

diversas, crimes, tráficos de drogas...) ela passou a expor também um cenário

em que se disseminam inventividades artísticos-literários-culturais-esportivos

com produções que chegam a ecoar para fora dela? (TAKEUTI, 2010, p. 14).

Afirmações como essa nos conduzem a pensar que a periferia começa a ser

vista e reconhecida como um cenário produtor de diversas atividades culturais,

dentre as quais se destacam a literatura e a música, criando, de certa maneira,

a possibilidade de um agir consciente dentro e fora da comunidade e em prol

dela, o que Takeuti denomina de ?ascensão do ser periférico? (TAKEUTI, 2010,

p. 15). E é nesse sentido que o movimento hip hop, formado por quatro

elementos, rap, grafite, break e o Mc, vem ganhando cada vez mais espaço,

pois ?Em lugar de empunharem armas, vociferam seus cantos e poemas (o

rap); rompem espaços urbanos apenas com seus corpos em danças rompantes

(o break, o street dance); pintam muros ou paredes de edificações urbanas (o

grafite); escrevem e publicam contos, poemas, romances e histórias de vida de

?gente da periferia? e suas denúncias sociais (a literatura periférica) e se

organizam em pequenos núcleos de confabulação (a Posse) para reinventar

uma nova forma de resistir e, consequentemente, de viver numa sociedade em

que perduram relações violentas de desigualdade social?. (TAKEUTI, 2010,

p.15). Nesse novo contexto de produção cultural está o rap, manifestação

artístico-cultural no qual os artistas expressam questões de cunho social e

político, composto a partir de uma multiplicidade de vozes, de discursos que

representam diferentes posicionamentos, organizados por uma narrativa,

caracterizada muitas vezes pelo caráter de denúncia, revolta e, em algumas

situações, até mesmo de incitação à violência. Considerado este contexto, esta

comunicação busca refletir sobre o espaço periférico a partir das letras do

rapper mineiro Flávio Renegado. Para tanto, propomos uma análise de duas

canções, ?Conexão Alto Vera Cruz Havana? e ?Outono Selvagem?, nas quais

é possível observar como Renegado descreve a sua comunidade, o Alto da

Vera Cruz, como um espaço de mudança, de voz, de poder através da cultura

e da arte.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

MULHERES NEGRAS DO CORTIÇO: RECORTES DE RITA BAIANA E

BERTOLEZA COMPARADAS, OPRIMIDAS E REVOLUCIONÁRIAS

DIVIDINDO O MESMO ESPAÇO

MATHEUS LUSTOZA SANTOS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PREFEITURA

MUNICIPAL DE MARATAÍZES

Em um contexto inicial de abolição da escravatura no Brasil na segunda metade

do século XIX, Rita Baiana e Bertoleza são símbolos deste contraste vivido

nesta época, onde se havia pessoas negras completamente entregues à

escravidão enquanto outras desfrutavam da liberdade trabalhando em ofícios

modestos com pequenos ganhos (CANDIDO, 2006). Assim, era Bertoleza

(ex)escrava falsamente liberta ao mesmo tempo submissa as ambições do

parceiro e Rita Baiana lavadeira totalmente dona de seus instintos. Ambas de

origem negra, habitando modestamente as estalagens do cortiço, empregadas

em trabalhos ligados ao âmbito doméstico ? porém as percepções estéticas em

torno das duas, tal qual como suas atitudes perante as pessoas que as

contornam é totalmente diferente (COUTINHO, 2008). Enquanto Bertoleza vai

se escravizando para gerar mais lucro aos cofres de João Romão; Rita se

desprende de todas as amarras sociais para viver uma paixão com Jerônimo.

Desta forma, este artigo desdobra-se para analisar por meio de citações do

narrador e falas das personagens como duas mulheres negras podem ter

destinos totalmente diferentes dividindo o mesmo cenário literário (BORGES

FILHO, 2007). Além de comparadas, as duas são contrastadas sendo

instigante o fato de uma ser tão submissa e a outra ser tão emancipada (FARIA,

1998) (SCOTT, 1995) (MORAES, 2002). Portanto, torna-se a principal questão

deste artigo, como estas duas mulheres podem se comportar de forma tão

distinta em um ambiente que ao mesmo tempo que as oprime, uma consegue

sair como vencedora e outra se rebela em um ato de suicídio. Então, busca-se

aqui uma análise espacial de como as duas personagens deixam registrado um

legado literário à mulher negra brasileira que ecoa até os dias atuais.

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103 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

NOTAS POR UMA POÉTICA DA OCUPAÇÃO: O POEMA, O CANTO E O

ESPAÇO ESCOLAR

LUIZ GUILHERME RIBEIRO BARBOSA

COLÉGIO PEDRO II

Falas se disseminaram, falas sob formas muito diversas, durante as ocupações

secundaristas de 2015 e 2016. Faixas, entrevistas, cabelos, fake news,

sentenças, fraturas, jograis, discursos, canções. Ou cantos de guerra. Cantos

por uma comunidade filiada à escola, mãe, pai, eu, hinos filmados por uma

comunidade em rede social, paródias de funk como queríamos demonstrar.

Uma ocupação é performativa, e por isso uma ocupação precisa de vozes,

corpos, em coro. E uma ocupação escolar produz currículo: doação de aulas,

oficinas, assembleias, aulas públicas. Abre, sob a lição etimológica dessa

palavra, currículo, dessa palavra, curso, caminho para uma aprendizagem pela

urgência erótica do coro: produzir e afirmar os corpos negros, femininos,

transgêneros, periféricos contra a explosão terrorista dos corpos, contra a

implosão estatal dos corpos. A tática de ocupação produziu nas escolas de

ensino médio um contexto como que precoce de aviso político. E, daí, desse

grito inscrito nas redes sociais como cantos de guerra (foi para se proteger que

as ocupações mantiveram comissões responsáveis pelas mídias sociais do

movimento), umas formas cancionais ecoaram, cantando, por exemplo, o funk

como se o funk tivesse sido composto numa ocupação. Essa comunicação

procura estudar as manifestações poéticas produzidas no contexto de

ocupação secundarista, a partir da hipótese de que a forma da canção, como

gênero da tradição poética e como prática performativa de uso da voz em coro,

performa a ocupação política do espaço escolar, repovoando-o. Partindo da

análise desenvolvida por Flora Süssekind em "ações políticas/ações culturais"

(2016) e do estudo desenvolvido por Georges Didi-Huberman, como ensaísta

e como curador, acerca do canto nas manifestações ("Levantes", 2017),

propomos analisar, além de cantos das ocupações secundaristas, um poema

do livro "Ocupa" (2016), de Dimitri BR, considerando a relação entre o canto, o

corpo e o espaço. Pretendemos pensar em cantar como ato performativo de

ocupação do espaço, ocupar o espaço cantando por sobre o espaço

conquistado, traduzindo de um território ocupado a outro instituído os saberes

exilados.

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104 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ALENTEJO COMO ESPAÇO POÉTICO EM JOSE LUIZ PEIXOTO

LUCIANA DE OLIVEIRA MANGUEIRA

UFRJ

O chão de Portugal, ?onde o mar acaba e a terra principia? , é o principal objeto

de estudo da presente proposta de trabalho. Tendo como cenário a região do

Alentejo, será feita uma busca pelo interior de um país que, por tradição, tivera

por muito tempo seu olhar voltado para o mar. A partir da análise da obra

"Nenhum olhar" de José Luiz Peixoto, buscaremos (re)conhecer o trabalhador

do interior português, assim como sua movimentação enquanto descobridor de

si mesmo e, por sua vez, sujeito de sua própria história. Deste modo será

observada a relação dos homens com a terra portuguesa; terra, não mais no

sentido de território, mas a provedora, aquela de onde, por um lado, se tira o

pão e que, por outro, lhes consome a vida. A terra é aquela que os alimenta e

os mata, uma vez que a relação de trabalho, descrita nos romances, mostra

como o sistema da concentração fundiária e o coronelismo massacra

alentejanos no decorrer do tempo histórico. O Alentejo (terra e homem em sua

luta diária) através da perspectiva do olhar de Peixoto ganha uma nova

perspectiva. Por isso, será realizado um estudo sobre a forma ? duas viagens

aí se entrecruzam: a do conteúdo e a da forma. O presente trabalho propõe

uma análise ao que chamamos de aventura da forma. Antes de "Nenhum olhar"

essa mesma terra fora tratada por outros importantes autores que a

caracterizaram conforme sua escrita: o Alentejo neorrealista, com Alves Redol,

passando para uma terra, a mesma e outra, de Saramago, a perceber a ruptura

da forma no que diz respeito à escritura do romance. Culminamos num terceiro

Alentejo, agora revisitado pela poesia no livro de José Luiz Peixoto. Para isso,

será discutida a fronteira entre os gêneros, pautando-se na teoria do romance

de teóricos como Bakhtin. A poesia presente na prosa de José Luís Peixoto

retomará o espaço da subjetividade. Diferentemente de Redol, Peixoto trata o

Alentejo sob a perspectiva da interioridade. Saramago seria a intercessão entre

esses dois Alentejos (o do predomínio do mundo exterior, de Redol, e o do

mundo interior, de Peixoto), uma vez que sai recentemente do neorrealismo e

consegue através de uma escrita que estabelece a polifonia das vozes. Aí se

dá o choque entre visões de mundo que se entrecruzam e intercalam. Esse

trabalho pretende-se, portanto, um estudo sobre o Alentejo, partindo da análise

do material humano, o estudo do camponês através do tempo histórico

presente nas obras e como a imagem desse Alentejo evolui através da visão

de mundo dos lavradores em questão.

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V JOEEL

105 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O BAIRRO, DE GONÇALO M. TAVARES, PELA PERSPECTIVA DO

ESPAÇO

ROBSON JOSÉ CUSTÓDIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

A proposta deste trabalho é analisar os caminhos referentes ao espaço

construído pelo autor português contemporâneo Gonçalo M. Tavares dentro da

série O Bairro, um projeto que atualmente conta com 10 obras, e interstício para

mais 29, nas quais o autor retrata o cotidiano e os convívios de diferentes

senhores, em um espaço criado pelo próprio Tavares a fim de habitar alguns

intelectuais, como uma forma de refúgio de um mundo que não lhes cabe. Para

tanto, percorro as ideias apresentadas, sobretudo, por Michel Foucault, a

respeito da heterotopia, dos lugares sem lugares, que encobrem essa

reconstrução de realidade. O conceito é delineado por Foucault, que para ele

existe provavelmente em qualquer civilização. São, segundo suas discussões,

lugares reais como espécies de contraposicionamentos, como utopias

efetivamente realizadas. No geral, pode-se dizer que a heterotopia é

determinada a partir de suas verossimilhanças, de uma possibilidade de

concretização na realidade do espaço, representado no texto literário, sendo

possíveis em restritas dimensões de texto. O bairro é uma região, por assim

dizer, tipicamente urbana, capaz de nos colocar diante de relações entre a

vizinhança e redescobrirmos nossos próprios conceitos sobre o cotidiano,

tendo como base um mapa que projeta todos os habitantes e suas moradias,

mesmo aqueles que ainda não nos foram apresentados efetivamente em uma

obra. Todos são senhores inspirados em grandes intelectuais, abordando

cotidianos diversos estruturados a partir de pensamentos intertextuais. O

primeiro trabalho refere-se ao poeta francês Paul Valéry e foi lançado em 2004,

no Brasil. O último foi com o poeta e dramaturgo americano T. S. Eliot, em 2010.

A escolha de Tavares pelos senhores que moram nesse bairro fictício é

apresentada aos leitores por meio de narrativas curtas e que comportam

diversos temas. Nessa série, questões literárias também são provocadas a se

discutir; os senhores tentam conversar entre si, com as suas peculiaridades

aparentes. Vê-se que esse espaço nada mais é do que um lugar para senhores

serem representados em um mundo às avessas, de acordo com as suas

perspectivas e ideologias. Nisso, perceberemos na construção do mapa - e

especificamente suas localizações - que ser vizinho muda muitos senhores e

depende muito da noção de estado e de distância, as localizações os deixam

autônomos de seu espaço e às vezes são quase incomunicáveis; além disso,

não pode ser aqueles que estão próximos demais, que vivem juntos ou que

dormem na mesma cama. Claramente, vizinhos serão os que estão no

afastamento. E, para construir essa relação é necessário estar na máquina de

fazer vizinhos ? para ele, a janela.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O DISCORDE ESPAÇO DO LOBISOMEM NA ORALIDADE BRASILEIRA

JAMILLE DA SILVA SANTOS

UFU

O presente trabalho objetiva estudar o espaço de metamorfose do Lobisomem

dentro de uma cultura que circula entorno do licantropo. Para isso, tomaremos

como base os estudos de Câmara Cascudo no livro Geografia dos Mitos

Brasileiros, em que o autor busca narrar e catalogar histórias ouvidas e lidas

em várias partes do país, tais narrativas fazem uma difusão de certos espaços

específicos de habitação/transformação do nosso Garou . Pensaremos a

oposição entre a tradição lupina que vem de uma literatura oral, passa pela

Europa até sua chegada ao Brasil por meio de imigrantes. Para Helena Gomes,

no prefacio do livro O Livro dos lobisomens, o lupino brasileiro se difere do

europeu em vários aspectos que foram incorporados por uma cultura, como a

sua transformação que para o licantropo europeu só existe duas formas; feitiço

ou mordida, já o lobisomem brasileiro pode se transformar por vários aspectos,

entre eles: maldição e mordida como o europeu, mas também por ser o sétimo

filho de uma família de sete mulheres, filho de incesto, nascer com dedos tortos

e outras formas. O lobisomem brasileiro não herda o glamour do europeu nem

na forma nem no espaço de transformação. O europeu se transforma nas noites

de lua cheia e de preferência em espaços isolados da civilização, já o brasileiro

nem precisa da lua, basta que seja uma sexta-feira em alguma encruzilhada,

ou até mesmo em um chiqueiro como nos fala Maria do Rosário de Souza

Tavares de Lima, no livro O Lobisomem: assombração ou realidade. Nesse

prisma, nos compete neste estudo apresentar um mapeamento das diferentes

manifestações descobertas por meio dos estudos bibliográficos encontrados a

partir de uma tese que está sendo gerada com o intuito de estudar essa figura,

o lobisomem, que vai além de lendas e mitos.

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107 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO DO QUARTO NA CASA DE VALMARES E O TEMA DA

PARTIDA: UMA PERSPECTIVA TOPOANALÍTICA DA OBRA O VALE DA

PAIXÃO, DE LÍDIA JORGE

LASARO JOSÉ AMARAL

FACULDADE CIDADE DE COROMANDEL

A obra O Vale da Paixão, da autora Lídia Jorge, apresenta lugares

diversificados ao longo da narrativa, mas, é possível observar que um, em

particular, destaca-se. Isso porque Walter Dias, homem que desafiava a família

desde criança e não apresentava apego ao trabalho na propriedade dos Dias

visita a filha, personagem sem nome, em seus aposentos, na casa de

Valmares, onde se desenrolam os fatos e a lembrança dos acontecimentos são

narrados. É a partir do encontro no quarto que a narrativa segue o curso. Tal

local tem fundamental importância na história, uma vez que a filha espera o pai

por longo período para conversar e lhe contar o que então se passou na sua

ausência. O quarto é descrito na obra como escuro e que, para se ter acesso

ao local, era necessário passar por um corredor. Já a questão da partida está

presente na diegese quando, após engravidar a personagem de nome de Maria

Ema e não querer assumir a criança, Walter vai para a Índia servir seu país nas

forças armadas. Enquanto isso, para não macular o nome da família, seu pai,

Francisco Dias, impõe ao outro filho, o mais velho, Custódio, que case com a

mesma e honre o sobrenome Dias. A partir de então, os demais filhos, um a

um, deixam a propriedade para viverem em outros lugares longínquos e não

mais regressam. E é tendo isso em vista que o presente trabalho objetiva

analisar a espacialidade da Casa de Valmares, visando, primeiro, a

ambientação do quarto da filha de Walter Dias bem como o resto da residência

e a propriedade da família e, segundo, o percurso espacial dos demais

familiares. Com base nos conceitos da topoanálise de Borges Filho (2007), que

se refere à análise de toda a espacialidade representada na obra de ficção,

verificar-se-á como os respectivos locais são erigidos no romance de Lídia

Jorge, quais funções desempenham na sequência narrativa e qual sua ligação

com as vivências das personagens. Corroborando a análise e interpretação dos

dados, também serão trazidas à baila as teorias de Brandão (2013) e Tuan

(1980), Lotmam (1978), Dimas (1985) e Foulcault (1968, 2000, 2001); no que

se refere à ligação entre as memórias e os espaços, serão utilizadas as teorias

de Bachelard (2008), Candau (2014), entre outros. Nesse contexto, percebe-se

que o lugar desempenha papel basilar na trama, resultado de uma construção

obtida pela rede de relações entre personagem, memória e espaço.

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108 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO EM CHICO BUARQUE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

MOEMA SARRAPIO PEREIRA

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE

FAPEMIG

O cancioneiro de Chico Buarque de Hollanda, tema de muitos estudos, tem

caráter narrativo, sobretudo após a deflagração do golpe de 64 e a instauração

da censura prévia, com o advento do AI-5, em 1968. Para Adélia Menezes de

Bezerra, as obras do compositor neste período se diferem das outras ?pois

agora o tempo parece ter adquirido para Chico sua dimensão histórica e,

portanto, irreversível? (MENESES, 1982, p. 69). Com efeito, a literariedade em

Chico Buarque está justamente na sua capacidade de contar uma história, além

do seu domínio de rima, ritmo, seu cuidado ao manipular efeitos sonoros e ao

selecionar o léxico. Nesta comunicação observaremos de que forma a canção

popular e, principalmente a obra de Chico Buarque, se insere no espaço da

história, contando sua própria versão dos fatos; além disso, ofereceremos

também uma análise do espaço de algumas canções do compositor,

evidenciando sua relação com o espaço. Estas canções foram selecionadas

dos álbuns "Construção" (1971) e "Sinal Fechado" (1974), ambos produzidos

após a instauração da censura prévia. As canções escolhidas são ?Samba de

Orly? (1971), inscrita/escrita no espaço do exílio; ?Construção? (1971), que

apresenta o espaço social do trabalhador e o espaço físico da construção;

?Acorda, amor? (1974), em que observamos um espaço invadido e ?Copo

Vazio? (1973), composta por Gilberto Gil e gravada por Chico Buarque em seu

primeiro álbum não-autoral Sinal Fechado, em que o espaço do vazio na

verdade é ocupado por algo.

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109 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO GÓTICO NA FICCIONALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS

MESSIÂNICOS BRASILEIROS

HÉLDER BRINATE CASTRO

UERJ

O termo Gótico possui um sentido fugidio, adaptando-se aos mais diversos

contextos de pensamento. No âmbito artístico há, pelo menos, dois modos de

compreendê-lo: um ponto de vista histórico, que o considera como um

movimento artístico coerente, restrito à Europa do final do século XVIII e do

início do XIX, e outro transcultural, que o entende como uma tendência do

pensamento moderno, não limitada a tempo e espaços específicos, cuja

influência percebe-se intensamente em distintas formas de manifestação. Na

arte, o Gótico consolida-se como uma estética negativa e sombria. É partindo

da segunda perspectiva que se pode analisar a forma pela qual a visão de

mundo gótica se projetou na prosa de determinados escritores brasileiros do

século XIX. Nos romances O reino encantado: crônica sebastianista (1878), de

Tristão de Alencar Araripe Júnior, e Os jagunços (1898), de Olívio Barros

(pseudônimo de Afonso Arinos de Melo Franco), os narradores, ao utilizarem

uma retórica macabra e horrorizante para descrever, respectivamente, os

movimentos messiânicos de Pedra Bonita e de Canudos, constroem uma

paisagem nordestina lúgubre e obscura, reproduzindo um dos elementos

essenciais da literatura gótica: o locus horribilis. Em ambas as narrativas, o

espaço não é apenas o palco em que se praticam e sofrem as atrocidades das

tramas, mas também é o principal responsável pela constituição de uma

atmosfera opressora e funesta. Enquanto o Gótico Setecentista explora os

castelos, as ruínas e os mosteiros europeus para evocar emoções de

encarceramento e poder, O reino encantado descreve o sítio dos rituais

místicos da seita de Pedra Bonita de forma a provocar sentimentos de horror e

ojeriza. Os jagunços, por sua vez, utilizam-se da natureza sertaneja para

explicitar o terror dos soldados republicanos diante de canudenses que

parecem fundir-se à hostil vegetação local, conferindo-lhes aspecto

sobrenatural. Com o intuito de compreender como a estética gótica manifesta-

se na literatura brasileira, em especial naquela cuja temática versa sobre o

messianismo, investigar-se-á a forma como ocorre a composição do locus

horribilis nos romances de Araripe Júnior e Afonso Arinos.

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110 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO NA OBRA PRINCE LESTAT DE ANNE RICE COMO FORMA DE

RENOVAÇÃO DO TEMA VAMPIRESCO.

PATRICIA HRADEC

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

CAPES

O objetivo é examinar os principais espaços, tanto externos quanto internos,

apresentados na obra Prince Lestat (2014) e verificar como eles renovam a

figura do vampiro, atualizando o tema. Para a análise do espaço teremos aporte

teórico de Gaston Bachelard e sua obra A Poética do Espaço (1993) bem como

Maurice Blanchot e sua obra O Espaço Literário (2011). Ambos trabalham tanto

com o espaço exterior como lugares físicos, comuns e reais do cotidiano quanto

interior, e isso também nos interessa uma vez que a obra é entremeada de

narrativas biográficas e reflexões sobre a vida vampiresca. Prince Lestat é a

décima primeira obra da saga intitulada ?Crônicas Vampirescas? de Anne Rice

composta por doze volumes até o momento. Nessa obra é-nos apresentado o

vampiro Lestat de Lioncourt num patamar de regência, pois este será nomeado

príncipe após mais de uma década de retiro autoimposto. Lembrando que o

vampiro Lestat aparece pela primeira vez em 1976 na obra Interview with the

Vampire (Entrevista com o vampiro) quando é-nos apresentado como um

sanguinário, um vilão na história narrada por seu discípulo Louis. Já em 1985

Lestat passa a ser um herói na segunda obra das ?Crônicas? The Vampire

Lestat (O vampiro Lestat) quando este passa a ser um astro do rock e revela

sua condição vampiresca para os humanos mesclando assim o mundo dos

vampiros com o dos humanos. A saga vampírica continuará em Prince Lestat

(2014) quando os vampiros estarão espalhados em diversos pontos pelo

mundo, incluindo o Brasil, local crucial para o desdobramento da história.

Verificaremos como os vampiros agrupados em diversos lugares interagem

com esses espaços externos e internos. É importante notar que a tecnologia e

a ciência também permeiam a obra e serão cruciais para a renovação do tema

vampiresco. Em pleno século XXI há vampiros espalhados ao redor do mundo

e sua tribo (The Undead tribe) está em completo caos e sem uma liderança

efetiva, o vampiro Lestat será empossado príncipe e reagrupará essa tribo até

então ameaçada de extinção por causa de um espírito ancestral.

Palavras-chave: Literatura norte-americana ? literatura fantástica - espaço ?

vampiro ? Prince Lestat ? Anne Rice

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111 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO NARRATIVO NA OBRA ?O MANDARIM? DE EÇA DE QUEIRÓS

LAYNARA VIANA TAVARES

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Este estudo tem como objetivo a análise da obra ?O mandarim? de Eça de

Queiroz, considerado o autor mais relevante do romance português do século

XIX. O autor foi o explorador do Realismo da literatura portuguesa. Em 1880,

com a publicação de sua obra ele é ?acusado? de se afastar da estética realista

pela estética fantástica. Então, o autor começa a abandonar a ?preocupação

naturalista?, que, segundo ele mesmo, embora tivesse servido para lhe

disciplinar o espírito, também o condenara a reprimir, muitas vezes, sem

vantagem, as suas precipitações de verdadeiro romântico que no fundo era. Ele

começa a desistir em larga medida a proposta de ?romances de tese?,

deixando de lado a descrição científica, a ênfase sociológica e pedagógica,

dando lugar a uma literatura mais fantástica e humorística, recriando, assim, o

Realismo. Porém, sabemos que noventa por cento da crítica sobre a obra de

Eça de Queirós esta focado em suas narrativas realistas / naturalistas,

deixando à margem suas narrativas fantásticas. Dessa forma, o estudo

apresentado procurará preencher parte dessa lacuna deixada pela crítica

literária, com o enfoque na narrativa fantástico-maravilhosa. O mandarim

retrata uma fantástica viagem à China, o que compõe o núcleo do texto e o

torna mais interessante. O espaço narrativo aparece então como o espaço

físico que é apresentado ficcionalmente pelo próprio narrador-personagem.

Com essa viagem fantástica, no entanto, Eça de Queirós não deixa de realizar

uma crítica à sociedade, o que nos demonstra que o fantástico pode ser um

recurso utilizado para se repensar o real. Nesse sentido, a leitura da literatura

fantástica pode despertar da nossa rotina cotidiana e racionalista, levando-nos

para um mundo repleto de significados e fantasias. Como suporte à

interpretação do fantástico, a pesquisa, portanto, é desenvolvida e baseada a

luz dos conceitos tratados, sobretudo, pelos autores, Todorov (2003), Ceserani

(2006), Foucault (2002), Bachelard (1996) e Dimas (1985) para um maior

entendimento das espacialidades presentes na obra.

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112 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO SIMBÓLICO DA CASA EM EMÍLIO MOURA.

LUCIANO MARCOS DIAS CAVALCANTI UNIVERSIDADE VALE DO RIO

VERDE

FAPEMIG

Pretendemos apresentar nesta comunicação uma investigação de como se dá

no livro A casa (1961), de Emílio Moura, a presença da memória da infância, e

como o poeta se utiliza do mundo infantil para construir seus poemas, seja no

que diz respeito à infância vista como um mundo bom e sem problemas, seja

como elemento memorialístico em que o poeta busca no passado não somente

uma lembrança lúdica, mas também um processo criativo utilizado para a

criação literária. A obra poética de Emílio Moura, de forma direta ou indireta,

apresenta uma grande variedade de poemas que se referem memória da

infância e seu mundo lúdico, portanto essa temática pode ser percebida a olhos

vistos e se revela de extrema importância para sua compreensão. O poema

?Toada?, pertencente a Cancioneiro (1945), é exemplar para pensarmos sobre

o tratamento que Emílio Moura da à infância em sua poesia: ?Minha infância

está presente./É como se fora alguém./Tudo o que dói nesta noite,/Eu sei, é

dela que vem.?. Podemos notar nestes versos que a infância ocupa um lugar

privilegiado em sua poesia. Com forte presença, poderíamos dizer que funciona

como uma força ubíqua de onde emana tudo: a própria poesia, como também

o sofrimento trazido pela memória do poeta que se angustia na noite. Essa

perspectiva nos leva a reconhecer a infância como o lugar de origem mítica ?

da memória profunda ? do poeta, uma espécie de ?paraíso perdido? onde a

unidade pode ser encontrada. Será no livro A casa (1961), composto por um

longo poema dividido em onze partes, que Emílio Moura evidenciará, de forma

direta, a relação de sua poesia com a memória de sua infância interiorana por

meio do espaço da casa. Para nos auxiliar a adentrar no espaço fechado e

íntimo da casa recorreremos as considerações sobre este ambiente presentes

em A poética do espaço de Gaston Bachelard. De acordo com o filósofo

francês, a casa é nosso ?espaço vital?, nosso ?canto do mundo?, o nosso

?primeiro universo?. Lembrada poeticamente, principalmente na vivência do

passado, a casa nos permite relembrar momentos fugidios de nossa vivência

antepassada por meio da mistura da memória e da imaginação. Dessa maneira,

a casa é uma espécie de receptáculo que conserva as primeiras lembranças

de nossas vivências mais profundas, abrigando-as do mundo externo,

resguardando nossos valores primordiais, mas a estas memórias são somadas

a imaginação criadora que retrabalha o ambiente vivenciado no passado.

Nesses termos, a imagem da casa nos leva a comoções insuspeitas, além de

oferecer proteção a quem retorna a este espaço, permitindo-o alcançar um

tempo de paz. Dessa maneira, como acrescenta Bachelard, ?Pelos poemas,

talvez mais do que pelas lembranças, chegamos ao fundo poético do espaço

da casa.? (BACHELARD, 2000, p.26) Isto porque as lembranças da casa, um

dia habitada por nós, são revividas por meio de ?devaneios? e ?sonhos?.

O ESPAÇO SOCIAL E AS MULHERES MACHADIANAS: CONSIDERAÇÕES

SOBRE O SEGREDO DE AUGUSTA, DE MACHADO DE ASSIS

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113 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

CILENE MARGARETE PEREIRA

UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE (UNINCOR)

O conto O segredo de Augusta foi publicado nos meses de julho e agosto de

1868 no Jornal das Famílias, periódico conservador para o qual Machado de

Assis escreveu, entre os anos de 1864 e 1878, mais de oitenta narrativas.

Impresso em Paris e com circulação na Corte Brasileira, o jornal de Garnier era

composto por trinta e duas páginas de seções ilustradas, das quais se

destacavam Modas; Economia doméstica; Medicina popular e, claro, o filão do

momento, Romances e Novelas. Uma carta da redação, publicada em 1869,

destinada ao público formado principalmente por senhoras da elite, revelava

não só a tendência moral do periódico como os temas escolhidos para desfilar

por suas páginas: romances amenos e anedotas pueris, de pura distração;

conselhos domésticos e distintos trajes da última moda parisiense. Uma leitura

mais atenta das narrativas escritas por Machado de Assis para o periódico

mostra, no entanto, que ou autor, apesar da tentativa de mantença do decoro

e da moral da época, rebelava-se contra essa estrutura social conservadora,

revelando, em muitas histórias (aparentemente ingênuas), as fissuras de duas

instituições importantes do Brasil oitocentista: a política de dominação patriarcal

e o casamento. O conto O segredo de Augusta se inscreve dentro dessa

tradição machadiana ao apontar os desgastes do casamento modulado

segundo convenções sociais que pregavam a autoridade do homem como

gerenciador da família. Mais do que isso, o conto expõe a dificuldade feminina

no exercício de dois importantes e fundamentais papéis sociais: o conjugal e

materno. Assim, se na superfície do texto Machado pareceria estar falando

apenas de uma mulher vaidosa; em uma camada mais profunda, estava

erigindo contra a ordem médica familiar que entendia "que era enquanto pai e

mãe que o homem e a mulher poderiam entrar em comum acordo e aparar as

arestas resultantes de suas diferenças sentimentais" (COSTA, 1983, p. 238),

exercendo aquilo que se convencionou chamar, pela ótica da higiene médica,

de amor conjugal. Nesta comunicação, nossa análise do conto está, assim,

vinculada a essa leitura profunda, mostrando como Machado constrói suas

personagens femininas a partir do espaço social antagonizado pela Corte e

pela roça, pois se Augusta se mostra bastante adequada ao modelo de mulher

de representação social, em dia com as exigências da cidade, sua filha,

Adelaide, é seu oposto, justamente porque associada ao espaço rural. O que

nos interessa aqui é pontuar como Machado se utiliza do espaço social do Rio

de Janeiro, sobretudo da Corte como espaço civilizatório burguês, para compor

o antagonismo de suas personagens femininas, mãe e filha.

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114 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPETÁCULO DA MORTE

AIRA SUZANA RIBEIRO MARTINS

Colégio Pedro II- LITESCOLA /SELEPROT

Pretendemos, em nosso texto, apresentar algumas reflexões sobre o conto ?O

carrasco?, de Sophia de Mello Breyner Andresen (2012). A história narra os

preparativos para a execução de um homem, mostrando o insólito do

comportamento humano: implacável no julgamento de infrações a códigos e

regras, sem deixar de cometer ações semelhantes em outras situações. Nossa

investigação buscou auxílio na teoria semiótica de extração peirciana (PEIRCE,

1975), segundo a qual há, em qualquer texto, verbal ou não verbal, elementos

icônicos, indiciais e simbólicos responsáveis pelo processo de semiose, que faz

emergir na mente interpretadora um sentido nunca finalizado, sempre em

constante construção. Acreditamos, igualmente, que as ideias de Simões

(2008) sobre a iconicidade textual, baseadas também na teoria semiótica de

Peirce, muito auxiliam o professor a orientar o aluno na leitura de um texto,

ensinando este a olhar e a considerar todos os signos nele presentes.

Contamos ainda com as contribuições de Michel Foucault (1995), cujas

concepções inovadoras se debruçam sobre investigações no campo do

discurso.

Palavras-chave: leitura; interpretação; prazer estético.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O RIO DE JANEIRO NAS CRÔNICAS DE LIMA BARRETO

MARTA RODRIGUES

IFE COLEGIO PEDRO II / NUPELL

O início do século XX no Rio de Janeiro foi de inúmeras modificações. O Bota-

Abaixo do prefeito Pereira Passos fez surgir uma nova cidade nos destroços da

velha cidade colonial. Lima Barreto foi um dos mais argutos observadores

desse processo de remodelação sofrido pela cidade e por sua população. Tais

mudanças representaram não somente alterações no espaço físico, mas

especialmente uma transformação de ordem social determinante para a

configuração social e política da cidade a partir daquele momento. Em seus

romances, como como Recordações do escrivão Isaías Caminha e Triste fim

de Policarpo Quaresma, a cidade emerge como uma personagem no conjunto

da história. Em seus contos e em suas crônicas lançou, ao mesmo tempo, um

olhar sentimental, amoroso e crítico sobre a paisagem carioca e seus

habitantes, traçando um painel do Rio de Janeiro de sua época. Negro,

intelectual em terra de ?brancos? e de preconceitos, o autor foi capaz, como

poucos, de registrar as mudanças de sua época, e essa época passada se faz

presente, e tão contemporânea, ainda em nossos dias. Pretendemos, desse

modo, a partir de uma seleção de crônicas, a atualidade da produção de Lima

Barreto, e a importância do autor para quem deseja entender não só o espaço

da cidade do Rio de Janeiro, mas, por extensão, o próprio Brasil em suas

inúmeras contradições.

OS ESPAÇOS DAS OBRAS ?CHAPEUZINHO VERMELHO? E ?TAINÁ -

UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA? EM DETRIMENTO DE SUAS

PERSONAGENS

LETICIA DA SILVA ZARBIETTI COELHO

UEMG

PAEx

LUCIANO MAGNO ROCHA

UNIMES

GLACIENE JANUÁRIO HOTTIS LYRA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa ?Representações da crise:

interseções de fontes literárias? desenvolvido na UEMG - Carangola. Nessa

concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática: Espaço e Literatura,

sob os pressupostos de construção do espaço e ambiente na literatura infantil,

analisados em particular no conto da ?Chapeuzinho Vermelho? (de origem

europeia do século XIV) e em relação com o texto fílmico ?Tainá Uma Aventura

Na Amazônia?, que aborda uma perspectiva diferente da relação

espaço/ambiente para com as personagens, além de possibilitar analisar qual

é o tratamento conferido a tríplice: relação telúrica, espaço e a literatura nas

obras europeias e nas brasileiras. Guiadas e motivadas pelos estudos

acadêmicos, este trabalho se justifica pelas demandas da literatura sob a ótica

do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais ? PPC

(2016/2017), visando compreender melhor e analisar essa relação da criação

do espaço/ambiente com sua vinculação com as personagens que também são

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

construídas a partir de uma ideologia determinada do autor e de suas intenções

para com a obra. O título deste trabalho - A Construção Do Espaço Na História

?Chapeuzinho Vermelho? Em Relação Ao Filme ?Tainá Uma Aventura Na

Amazônia?, consideramos conveniente, pois sugere ao leitor uma ideia da

análise que fizemos como ponto chave da pesquisa. Objetivamos estabelecer

um paralelo reflexivo e explicativo entre a obra literária e o texto fílmico, no qual

foram abordadas questões teóricas que alicerçaram nosso trabalho. Quanto a

metodologia, este trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa

bibliográfica para fomento dos conteúdos teóricos, como DIMAS (1987),

BLANCHOT (1987), GARRARD (2006) e GANCHO (2002) e de uma análise

qualitativa das obras supracitadas. Ao decorrer do trabalho deparamo-nos com

uma problemática histórica de importantíssima relevância para o entendimento

e analise literária que desenvolvemos, a questão dos estupros que ocorriam

nas florestas e a função social da literatura ao abordar essa temática. Em

contraponto, neste paralelo, temos a perspectiva do texto fílmico?Tainá?, na

qual a floresta tem uma função e é vista de maneira completamente diferente,

um local de força, sabedoria, proteção. Nesta perspectiva, adentramos com os

teóricos da eco crítica, que trouxeram novas iluminações para o trabalho e o

tornaram mais sólido e reflexivo. Enfim, a partir de toda a pesquisa e análises

foi possível refletir sobre o processo de construção do espaço e do ambiente e

a intencionalidade aplicada pelo autor quando os cria, bem como sua

importância no conjunto da obra literária em harmonia com a construção das

personagens, além de refletir nos estudos da eco crítica, esperando despertar

a conscientização crítica para que se preocupem com as temáticas do homem

e sua relação com o meio ambiente.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

OS VISITANTES MONTELLIANOS: RESSIGNIFICAÇÕES TERRITORIAIS E

AFETIVAS NO ESPAÇO LITERÁRIO DE JOSUÉ MONTELLO

FLAVIANO MENEZES DA COSTA

UNIVERSIDADE FEDERAL DOMARANHÃO

FACULDADE PITÁGORAS

Em qualquer passeio, mesmo curto, pelas obras literárias do romancista

maranhense Josué Montello (1917-2006), é possível encontrar personagens na

condição angustiante ou feliz de retorno a São Luís, capital do Maranhão. É o

caso do saudosista Abelardo Rodrigues em ?A décima noite? (1982), do

destemido João Maurício em ?A coroa de areia? (1984), da pragmática Aspásia

Cantanhede de ?Pedra viva? (1983) e do próprio Montello em ?Perto da meia-

noite? (1986), trazendo relatos e narrativas no qual o autor confessa ou

descreve o que vivenciou e ouviu. Tanto nos seus romances, quanto em suas

narrativas de memória (?Diário da manhã?, ?Diário da tarde?, ?Diário do

entardecer?, ?Diário da noite iluminada?, ?Diário das Minhas Vigílias? e ?Diário

da Madrugada? ? posteriormente, reunidos em 1998), Montello evidencia uma

saudade filial por sua cidade, e seus narradores rompem as vozes fronteiriças

entre o encanto e a decepção dos lugares revividos. Discorre, portanto, sobre

a condição humana, indicando ou identificando mudanças no ser e em sua

aprendizagem com o lugar de origem. Processos de memória e de

aprendizagem na qualidade de ?filhos pródigos?, que fazem com que os

indivíduos repensem suas prioridades e vislumbrem oportunidades na cidade

que é a mesma, mas já acumula outras possibilidades. O que pode nos levar a

repensar a relação entre a existência e a essência do ser humano, ou em sua

inversão ontológica proposta pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-

1980), principalmente nas obras ?O Ser e o Nada? (2012), ?O existencialismo

é um humanismo? (1980) e ?A Imaginação? (2008), considerar que ?a

existência precede a essência?, e tudo o que compreendemos brota da

subjetividade (ou imaginação), pois o indivíduo não é um ser fabricado, que

possui funções irrevogáveis e com uma causa fora de si, mas um ser que se

refaz continuamente. Nas obras montellianas, os protagonistas sempre

caminharão de encontra à casa da infância, alguns com a esperança de se

depararem com o acalanto dos melhores dias da vida. Segundo Sartre (1980),

uma casa é um objeto que é construído por alguém que possui um conceito de

como se ?produzir? uma habitação. Este objeto terá duas qualidades: será um

objeto produzido de certa maneira e terá uma utilidade definida (ser abrigo).

Produção e definição que precedem sua existência. Para o existencialismo, tal

?ordem? imposta e estreita não caberia à situação humana de intinerância,

quando o homem não é um modelo, mas um projeto e esse projeto é errante.

Por isso, no prólogo definidor do existencialismo, não se fale em natureza, mas

?condição humana?. Nas obras de Josué Montello, seus personagens, em uma

nova chance de vivenciarem o espaço da infância, acabam projetando-se no

sentido de impulsionar-se para as experiências, para o futuro. O que lhe atribui

?total responsabilidade sobre a sua existência, e também ?a responsabilidade

por todos os homens?. (SARTRE, 1980, p. 218).

PARIS É UMA FESTA: A CIDADE COMO ESPAÇO UTÓPICO

DAFNE DI SEVO ROSA

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Mackpesquisa

A expressão utopia, incutida na literatura por Thomas More em seu livro

clássico da literatura universal, pode ser sinônimo, em grego, de eutopia ? ?o

bom lugar? ? ou de outopia ? ?o não lugar? ?. Entretanto, independentemente

da denominação, o termo está sempre associado à idealização de um espaço

social, político, econômico, religioso, entre outros. O trabalho aqui apresentado

pretende mostrar como, no livro Paris é uma festa, a capital francesa é

caracterizada pelo narrador-personagem como um espaço utópico. Por ser

tratar de uma obra autobiográfica, escrita a partir das lembranças de Ernest

Hemingway sobre os anos passados em Paris quando jovem, no romance são

encontradas descrições que fazem da capital francesa um lugar perfeito e

maravilhoso. No entanto, como o espaço do romance é uma cidade real e

turística, ele pode ser classificado ainda como uma heterotopia, que nas

palavras de Foucault, em seu texto De outros espaços (1986), designa uma

espécie de utopia realizada em certa cultura, ou seja, espaços que por diversos

motivos são tidos como exemplos de perfeição para determinadas civilizações.

A partir das colocações de Lewis Mumford e Foucault, objetiva-se analisar

alguns fragmentos do romance que comprovam que a visão utópica da cidade

é fruto da memória afetiva do narrador sobre sua juventude e verificar em que

medida esse ponto de vista deturpado pelas emoções e pelo saudosismo

influencia o leitor, fazendo-o acreditar que Paris não é somente a cidade luz,

mas também um lugar capaz de curar todas as desesperanças humanas e fazer

renascer as crenças e a confiança, mesmo em um tempo em que a capital

francesa foi devastada pelas consequências trágicas da Primeira Guerra e

Ernest Hemingway era um simples jornalista que passava dificuldades

financeiras com sua mulher e seu filho pequeno para viver na cidade e que com

a ajuda de seus amigos ? na época Gertrude Stein e Scott Fitzgerald,

principalmente ? trabalhava para se tornar o autor que anos mais tarde

ganharia o Prêmio Nobel de Literatura.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

PELAS RUAS, TRABALHANDO OU ESMOLANDO, ONDE ESTÃO OS

TRABALHADORES DE JORGE DE SENA?

BEATRIZ HELENA SOUZA DA CRUZ

UFRJ/ UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Em dissertação intitulada ?Trabalhadores do século XX em poemas de Jorge

de Sena? investigávamos a condição de explorados, dentro do sistema

capitalista, em que se encontravam trabalhadores diversos num corpus de dez

poemas do autor das Metamorfoses, a saber: ?Lepra? (1939); ?Os trabalhos e

os dias? (1942); ?Ode aos livros que não posso comprar? (1944);

?Rendimento? (1946); ?Tudo é tão caro? (1951); ?Camões dirige-se a seus

contemporâneos? (1961); ?Lamento de um pai de família? (1964); ?Lisboa,

1971? (1971); ?Filmes Pornográficos? (1972) e ?Conheço o sal? (1973). Dando

continuidade a este nosso interesse, esta comunicação versará sobre as

diferentes funções do elemento ou categoria espaço, tanto quando

mencionado, como nos casos em que deve ser inferido, entendendo que

poemas deixam marcas, de estilo, do momento histórico de sua escritura e, no

caso deste autor, de sua engenhosidade na composição de uma obra poética

vasta e variada, por meio de uma atenção muito refinada na economia de seus

poemas. Na linha temática Espaço & Literatura, observaremos a construção

dos espaços entendendo seus aspectos estéticos, éticos e políticos num autor

que elaborou as relações humanas no século XX tendo em mente as

consequências de habitar um mundo regido pela lógica do capital e pelo modo

de produção industrial. Um dos poemas, ?Os trabalhos e os dias?, apresenta o

éthos da poesia seniana, no qual se instaura o poeta/homem que se

compromete com a humanidade, a partir do compartilhamento do espaço de

uma mesa alegoria do mundo. Num outro polo, há o espaço geográfico

determinado , como é o caso do poema ?Rendimento?, em que os degraus de

uma escada numa rua secundárioa é o palco onde se representa a trajédia do

desamparo de um homem, sendo este espaço fundamental para a construção

da intensidade da situação degradante, representada pela exclusão à que

estão espostos aqueles que, num sistema em que o dinheiro parece atuar como

a chave que abre todas as portas, não o possuam. Há, ainda, a demonstração

da impessoalidade com que ocorrem as relações de trabalho, numa situação

em que ?atores que se alugam? compõe uma cena descrita num espaço que

podemos perceber, em que pese o fato de que nada na cena permita sua

identificação, de modo que podemos estar em contato com uma produção em

qualquer lugar do mundo.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

PERSPECTIVAS DO ESPAÇO LITERÁRIO EM ?AS ONDAS? DE VIRGÍNIA

WOOLF: ASPECTOS DE UMA ESCRITA MULTIFORME

DANIELLI DE CASSIA MORELLI PEDROSA UNIVERSIDADE

PRESBITERIANA MACKENZIE

Em ?As Ondas?, Virgínia Woolf substituiu as saídas encontradas por

romancistas tradicionais por descrições e articulações da relação do homem

com ele mesmo, com outros homens e com a vida como um todo, através do

uso de solilóquios, construídos geralmente em solitude.

Escrito entre 1929 e 1931, surgiu da ideia de trabalhar num romance capaz de

apresentar a vida como um intricado arranjo de performances. Considerado

como uma obra-prima e chamado de ?poemance?, a obra é vista pela autora

como o momento em que encontra seu verdadeiro estilo literário. Através da

simplificação e da transformação que se trata de tornar o detalhe irrelevante

em forma relevante, Virgínia alcança aquilo que vai chamar de ?ritmo? do

romance ? forma simples e complexa, clara e obscura. Composto de forma

polifônica, descreve a trajetória de vida de seis amigos, que ao se revezarem

em solilóquios íntimos, permitem ao leitor uma compreensão plena de suas

personalidades, dos fatos e das impressões que têm sobre si mesmos, sobre a

vida, sobre o mundo e uns sobre os outros. As fases da vida dos personagens

são ?emolduradas? por belas descrições em prosa poética do que, num

primeiro momento, parecem tratar de um único dia na beira do mar. O efeito

causado por essa alternância é a de uma coreografia entre a efemeridade da

vida humana e a eternidade da natureza, em seus ciclos de renovação

constante. Em ?As Ondas?, o espaço é construído e ilustrado de forma múltipla.

Por um lado, tempo e espaço surgem imbrincados e cúmplices nas passagens

de prosa poética, revelando a passagem das horas, etapas do dia e estações,

também as nuances dos estados emocionais dos personagens. Em outro

momento, são lugares de encontro que irão fornecer a condição ideal para os

acontecimentos-pensamentos que compõem a narrativa. Em outras partes, os

próprios monólogos se farão espaço literário, quando numa modalidade

subjetiva acabam por conter conteúdos simbólicos e representativos que, tal

qual uma Gestalt, permitirão ao leitor concluir a lógica, ou as lógicas, da obra.

Este estudo tem como objetivo analisar aspectos relevantes das escolhas

estéticas de Virgínia Woolf referentes ao espaço literário, na obra ?As Ondas?

através de duas perspectivas: o registro das modificações do espaço em

determinado período constituído pelas diferentes áreas de percepção espacial,

no caso específico, descrições através da experiência dos órgãos sensoriais

humanos e, pensando as transformações do espaço enquanto conceito,

propriamente dito. ?As Ondas? exige que o espaço literário seja tratado, não

como mera categoria identificável, mas como um sistema interpretativo e

simbólico, capaz de abarcar toda complexidade e originalidade de uma autora

ímpar, cuja consciência artística de alcança maturidade neste trabalho.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

PONCIÁ VICÊNCIO: UMA ANÁLISE DO GEOESPAÇO NA OBRA

EVARISTIANA

JEFERSON JOSÉ DE OLIVEIRA PINHEIRO UNIVERSIDADE DO ESTADO

DE MINAS GERAIS

PAEx/UEMG

LEONARDO GOMES DE SOUZA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PAEx/UEMG

MATHEUS VIEIRA BARBOSA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Este artigo se insere nas reflexões do projeto de extensão ?Estudos de Gênero

e etnia na literatura e sua repercussão na sociedade? desenvolvido na UEMG-

Carangola com o apoio do PAEx/UEMG. Um dos objetivos desse projeto é

refletir sobre a construção das literaturas afro-femininas e seu impacto na

sociedade numa perspectiva interseccional, isto é, considerando diferentes

elementos como gênero, etnia e classe social no processe da formação dos

sujeitos. Nesta lógica, discutiremos a construção da personagem ?Ponciá

Vicêncio? no que toca a edificação de sua espacialidade, logo, esta reflexão

fundamenta-se na geocrítica com o foco na topoanálise a fim de perceber com

mais atenção como, na construção da obra em análise, o geoconceito de

espaço e seus recortes teóricos: lugar, paisagem, região e território mantêm

diálogos entre si e, devido também a isso, possibilitam uma reflexão acurada

acerca dos movimentos e impasses a que a personagem está submetida

durante toda a narrativa. Partir desses conceitos significa, também, perceber a

construção espacial dentro da obra como um movimento político da própria

autora. Atitude reveladora de alteridades e reinvindicações. Percebe-se, nesse

sentido, a construção de uma espacialidade de crise, ou seja, partindo dos

conceitos expostas identifica-se um movimento que tende a moldar, no sentido

de dar forma, e centralizar os espaços e espacialidades tendo como diapasão

o sistema mítico africano o que contrapõe o sistema hegemônico europeizado.

Nesse norte, a análise dos geoconceitos no interior de obras literárias permite

que o crítico entenda os movimentos próprios da linguagem em reflexo do

contexto em que se encontra os diversos personagens da obra. Em última

análise, estudar esses conceitos, é perceber as múltiplas realidades que, pela

pena Evaristiana, querem ganhar vez e voz. Optou-se pelo método

fenomenológico pela possibilidade de se enxergar o espaço, as personagens e

as múltiplas relações mantidas entre esses elementos numa visão mais ampla

e profunda; por metodologia qualitativa pautada na análise de obras literárias.

Iluminam este trabalho os teóricos: Alves (2009), Dardel (2015), Santos, 1978,

Souza 2013.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

REALIDADE AUMENTADA: O ESPAÇO LITERÁRIO INFANTO-JUVENIL

SOB A ÓTICA DAS TDICS EDUCACIONAIS

LUCIANO MAGNO ROCHA

UNIMES

LETICIA DA SILVA ZARBIETTI COELHO

UEMG

PAEx

GLACIENE JANUÁRIO HOTTIS LYRA

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS

Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa ?Representações da crise:

interseções de fontes literárias? desenvolvido na UEMG - Carangola. Nessa

concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática: Espaço e Literatura,

sob os pressupostos de construção do espaço e ambiente na literatura infantil,

analisados nos livros ?Janela Mágica? e ?Piter a caminho do Espaço?, que a

partir da Realidade Aumentada proporciona uma experiência inédita para o

leitor, a partir da junção do livro a um aplicativo de celular. Abordando uma

perspectiva contemporânea, que se vale das TDICs Educacionais ?

Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, na elaboração do

espaço/ambiente e dos personagens, para promover o livro e a leitura, para

com essa nova geração hipermoderna. Guiados e motivados pelos estudos

acadêmicos, este trabalho se justifica pelas demandas da literatura sob a ótica

do curso de Letras, da Universidade do Estado de Minas Gerais ? PPC

(2016/2017), visando compreender melhor e analisar essa relação da criação

do espaço/ambiente, com sua vinculação, com os recursos tecnológicos que

reformulam todo aspecto ?físico? e dimensional da leitura tradicional, bem

como a temos, para uma nova fase, que explora ao máximo a evolução

hipermidiática em função das questões educacionais, que nós, como futuros

professores, precisamos estar atentos e prontos, para agregar essas novas

ferramentas em nosso trabalho. O título deste trabalho - Realidade Aumentada:

O Espaço Literário Infanto-Juvenil Sob A Ótica Das TDICs Educacionais,

consideramos conveniente, pois sugere ao leitor uma ideia da análise que

fizemos como ponto chave da pesquisa. Objetivamos estabelecer um paralelo

reflexivo e explicativo entre a realidade aumentada nas obras literárias ?Janela

Mágica? e ?Piter a caminho do Espaço? e suas implicações no meio

educacional, no qual foram abordadas questões teóricas que alicerçaram nosso

trabalho. Quanto à metodologia, este trabalho foi desenvolvido a partir de uma

pesquisa bibliográfica para fomento dos conteúdos teóricos, como DIMAS

(1987), BLANCHOT (1987), GARRARD (2006) e LIPOVETSKY (2004) e de

uma análise qualitativa das obras supracitadas. É possível destacar algumas

características muito importantes que foram sendo percebidas a partir do

desenvolvimento da pesquisa e das análises feitas, como os livros e o aplicativo

serem 100% brasileiros, em português e gratuitos, ou seja, qualquer

responsável que tenha um smartphone poderá proporcionar essa atividade a

uma criança. Mas também nos deparamos com a pouca quantidade de títulos

disponíveis, visto seu alto custo de produção, alta necessidade de profissionais

qualificados para sua criação e desenvolvimento e por ser um recurso inédito

para o Ministério das Comunicações e para o MEC. Enfim, a partir de toda a

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123 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

pesquisa e análises foi possível refletir sobre o processo de construção do

espaço e do ambiente em sua forma contemporânea e suas implicações para

o futuro educacional dos leitores infanto-juvenis.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: ESPAÇOS DE SUBALTERNIDADE EM

A HORA DA ESTRELA, DE CLARICE LISPECTOR

RAUL GOMES DA SILVA

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

CAPES

CINTIA NAIARA DE SOUZA MELO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

SED/MS

Passados exatos quarenta anos da publicação de A hora da estrela, a narrativa

de Clarice Lispector continua provocando novas leituras e análises no campo

da pesquisa literária brasileira. Isso ocorre porque as significações do texto

ficcional modificam-se de acordo com o deslocamento temporal e espacial do

olhar do leitor acerca do objeto artístico. Tal olhar é sempre novo quando

considerado que o contexto social, político e literário transformam-se

constantemente em razão da própria vicissitude humana. Diante disso, este

trabalho pretende revisitar a referida obra com o intuito de observar as

representações do feminino e os espaços de subalternidade aos quais a

personagem protagonista, Macabéa, está submetida. De fato, a leitura desta

novela põe em questão o lugar (e o não-lugar) discursivo da mulher nordestina

no Brasil, sua condição de migrante, de errante e de sujeito enredado em

espaços de exclusão, tais como o subúrbio e o subemprego, por exemplo.

Parece-nos, portanto, imprescindível o reconhecimento de que os espaços

reservados à mulher fazem parte de uma estrutura global de poder que tem por

finalidade conjurar a autonomia feminina e a performatividade de seus corpos.

Assim, o estudo procura refletir sobre estes espaços de dominação da

subjetividade do feminino na obra clariciana e apontar possibilidades outras

para os discursos de subalternidade. Para isso, parte-se das contribuições

teóricas desenvolvidas por Homi K. Bhabha em O local da cultura (1998), por

Walter Mignolo em Histórias locais / projetos globais: colonialidades, saberes

subalternos e pensamento liminar (2003) e por Foucault em Microfísica do

poder (1997).

Palavras-chave: Representação; feminino; espaço; subalternidade; discurso.

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125 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

REVISTA DE ANTROPOFAGIA: ESPAÇO DE EMBRIAGUEZ E

REVOLUÇÃO

CLAUDIA CAMARDELLA RIO DOCE

UFSC/UEL

Partindo da ideia mais ampla de que as revistas literárias são espaços

privilegiados de divulgação, criação e crítica literárias, bem como da

importância que as revistas tiveram para o nosso modernismo, o trabalho

pretende refletir sobre o papel da Revista de Antropofagia (1928-1929)

enquanto espaço de disseminação da vanguarda brasileira. Conhecida como a

mais radical das revistas modernistas, a Revista de Antropofagia converteu-se

em referência obrigatória da vanguarda, sobretudo por ter tornado público o

Manifesto Antropófago em seu primeiro número. Embora o conceito de

antropofagia tenha se feito vastamente conhecido e frequentemente retomado,

ao longo dos anos, das mais diferentes formas, paradoxalmente a Revista de

Antropofagia foi deixada de lado pelos estudiosos. No entanto, é a partir do

espaço de suas páginas que a ideia de antropofagia é construída e divulgada,

e que obras emblemáticas do modernismo aparecem em primeira mão. Espaço

da multiplicidade, pela diversidade das contribuições, e de revisão do

modernismo, considerado já diluído àquela altura, passado o primeiro ímpeto

revolucionário, a própria Revista é reformulada, constituindo-se de duas fases

bastante distintas (enquanto suporte e nas contribuições apresentadas). A

presente proposta de comunicação é justamente a de voltar a atenção para

esta publicação em torno da qual gravitou o movimento de mesmo nome, no

final dos anos 20 e verificar de que forma ela trabalha e utiliza o conceito de

antropofagia, e se algum aspecto dela continua sendo relevante atualmente,

conforme os estudos mais atuais da antropofagia. O trabalho procura entender

e ressaltar a Revista de Antropofagia como um espaço relevante e fundamental

de instituição do que foi a antropofagia nos anos 20, de que forma ela dialoga

com sua própria época, mas também como e se ela contribui, de alguma

maneira, para os debates atuais, tendo em vista que, com o passar do tempo,

a antropofagia foi considerada a única filosofia genuinamente nacional e que a

fertilidade de ideias que ela abrange ultrapassou desde muito nossas fronteiras.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

SOB A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO: A CASA DO LEITOR

JOSAINE APARECIDA CORSSO

UFU

Para desenvolvermos nosso projeto do Mestrado Profissional em Letras,

levamos em consideração a necessidade de se recuperar a importância da

Literatura no âmbito escolar, visto que os métodos tradicionais, em geral, já não

atingem o objetivo de formar leitores. Sendo assim, buscamos um método de

ensino que possibilitasse ampliar o saber literário do aluno sobre um espaço

que consideramos protagonista nas obras escolhidas para análise: a casa. As

obras escolhidas para leitura foram A casa da madrinha, de Lygia Bojunga e

Por parte de pai, de Bartolomeu Campos de Queirós. Nesse caso, a casa pode

ser representada, segundo as denominações geográficas, como um lugar

dotado de significados particulares e de relações humanas e é nesse sentido

que pretendemos caracterizar a relação fundamental entre personagem e

espaço. Para esse intuito, buscamos esteio nos estudos de alguns teóricos

sobre o espaço ficcional, como Foucault (2001), De Deleuze e Guattari (1995,

1997), Luís Alberto Brandão (2007), Reis e Lopes (1988) e Bachelard (1978).

Desse modo, por meio de uma abordagem teórico-metodológica baseada na

sequência básica do letramento literário sugerida por Rildo Cosson (2014),

desenvolvemos oficinas que direcionaram a leitura e a escrita para o tema

apresentado. A hipótese considerada foi que, com a leitura de textos literários

com descrições imagéticas e ficcionais de casas, o aluno, ao dialogar com a

literatura, refletiria sobre a sua identidade e reforçaria sua percepção de

pertencimento em relação ao lugar em que vive e, a partir disso, criaria a própria

descrição literária de sua casa. Como embasamento teórico, realizamos um

estudo bibliográfico sobre o letramento literário, a escolarização da literatura e

a casa como espaço literário. Para a intervenção pedagógica, propusemos

duas produções textuais aos alunos sobre o espaço em que vivem, sendo uma

anterior e outra posterior às atividades desenvolvidas nas oficinas e, por meio

de um diário de campo e um diário de leitura, pudemos registrar e avaliar o

desenvolvimento do saber literário de cada aluno nas oficinas. Com os

resultados alcançados, conseguimos elaborar uma proposta de ensino que

considera todas as fases da metodologia sugerida. Acreditamos que essa

proposta poderá ser usada por qualquer professor de literatura que busque um

trabalho efetivo com o letramento literário.

Palavras-chave: Literatura. Letramento literário. Casa.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

SOB OS EFEITOS DA DISCRIMINAÇÃO ESPAÇO COMO RESISTÊNCIA EM

RIO NEGRO DE NEI LOPES.

CLAUDIO DO CARMO GONÇALVES

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA / UEFS

O espaço anímico, ou seja o lugar, associado à memória tem uma longa

tradição na história da literatura notadamente em narrativas que revisam ou

documentam períodos pontuais na sociedade. Tal tradição se vê representada

de maneira eficaz e surpreendente no último romance do escritor carioca Nei

Lopes, ?Rio negro 50? (2015), cuja trama envolve não só uma viagem temporal

à década de 1950, como também os espaços da ficção que se transformam e

dão precisão ao significado narrado. Dono de uma obra já vasta situada entre

a ficção, a pesquisa e a composição musical, na qual se destaca com alguns

dos grandes sucessos da música popular brasileira; e ensaios que refletem

uma profunda e complexa pesquisa sobre a memória de raízes africanas no

Brasil, Nei Lopes, em ?Rio Negro 50? acerta a conta racial da sociedade

brasileira, apontando algumas das causas e ressonâncias que convivem no

cotidiano. O preconceito, a discriminação, os silêncios, as identidades, se

mostram parte de um mesmo universo, particularizado na obra mas em perfeita

sintonia com a história contada e vivida. É como se mostrasse o outro lado da

moeda, pois ao relermos o passado, este passado da década de 50,

encontramos uma história contada e vivida por não negros. Neste sentido, o

romance repara essa conotação quando apresenta um micro-cosmos paralelo

de negros que também fizeram e foram decisivos, muitas vezes, na construção

da nação em processo naquele momento. O registro do universo negro adquire

ares de resistência não só no discurso escrito-literário posto na voz e atuação

dos personagens que ora se movem como históricos, ora como ficcionais, mas

também nos espaços também transformados eles, em personagens, ao

identificarem campos de atuação e mobilidade de outros personagens que

estão intimamente e afetivamente relacionados às existências que dão razão

aos fatos. Assim, é necessário acenar para alguns autores que dão suporte ao

argumento da composição do espaço da memória como um espaço de fala e

resistência, tais como Eduardo de Assis Duarte (2014), Aleida Assmann (

2011), além do clássico Pierre Nora (1997), que nos alerta para como os

lugares remetem à memória social e mesmo quando identificados aos espaços

físicos pontualmente, deflagram processos de empatia no tempo como uma

memória afetiva que se estabelece. Deste modo, abordo aqui uma memória

que se faz política e utiliza os lugares como pano de fundo e resistência,

assentado nas relações temporais comuns aos negros no Brasil. A obra expõe

complexas relações que envolvem a memória e a identidade, e por

conseguinte, como uma parcela da comunidade negra, de origem africana,

estabeleceu uma resistência velada à dominação cultural ocidental de

características acentuadamente colonizadora.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

UMA VISÃO GERAL SOBRE A VISTA PARTICULAR: ESPAÇO

GLOBALIZADO E SIMULACRO NO RIO DE JANEIRO DE RICARDO LÍSIAS

ADRIANA ARMONY

COLÉGIO PEDRO II

O trabalho se propõe descrever e analisar as relações entre espaço e simulacro

em A vista particular, de Ricardo Lisias. No romance, uma sátira feroz da

espetacularização globalizante da vida dos morros e sua violência em tempos

pré-Olimpíadas, o artista plástico José de Arariboia, ao tomar o morro Pavão-

Pavãozinho como matéria para uma instalação artística, converte os espaços

vitais - quarto onde uma criança foi assassinada, beco do tráfico, vala de esgoto

a céu aberto - em simulacro, mapeando e ressignificando os percursos

imaginários da favela. A partir dos conceitos de sociedade do espetáculo de

Guy Debord e de simulacro de Jean Baudrillard, procura-se refletir sobre as

apropriações e reconfigurações imaginárias do espaço da favela, em sua

vitalidade e risco.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PERSONAGEM NOS DOCUMENTÁRIOS

SANTA MARTA, SANTO FORTE E BABILÔNIA 2000 DE EDUARDO

COUTINHO.

RAFAEL E ALMEIDA MOREIRA

UNINCOR/UNIS CAPES

Levando em consideração a vasta filmografia do cineasta Eduardo Coutinho,

é possível observar que alguns filmes, principalmente os mais recentes, como

Jogo de Cena (2007), Moscou (2009), As Canções (2011) e Últimas Conversas

(2015), foram gravados em locações fechadas: teatros e uma escola. Porém,

outras obras guardam uma relação muito forte com o espaço físico e mundo

histórico da cena. Inicialmente, em 1978, Coutinho produz, para o programa

de TV Globo Repórter, Theodorico, Imperador do Sertão, um documentário

centrado no protagonista, um coronel no interior do nordeste brasileiro. Cabra

Marcado Para Morrer (1984) e O fim e o Princípio (2005) também são filmes

que apresentam relação com o nordeste do país. O primeiro conta a história

do assassinato de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas na

Paraíba; o segundo narra a jornada de Coutinho rumo ao sertão da Paraíba,

sem que haja roteiro e personagens preestabelecidas. Outros dois filmes do

diretor se destacam pela relação com o espaço em que foram gravados. Boca

de Lixo (1992) apresenta a histórias de trabalhadores de um lixão, um lugar

completamente insalubre e degradante, no qual os animais ocupam o mesmo

espaço que seres humanos, e Edifício Master (2002), narra as histórias de

moradores de um prédio de classe média em Copacabana. Coutinho também

realiza três filmes que são rodados em comunidades na cidade do Rio de

Janeiro. Em Santa Marta: Duas Semanas no Morro (1987), o diretor e sua

equipe sobem o morro Santa Marta para conversarem a respeito da violência

na comunidade, principalmente sobre a violência policial. Em Santo Forte

(1999), tendo como pretexto a vinda do Papa João Paulo II ao Brasil, mais

precisamente à cidade do Rio de Janeiro, Coutinho entrevista moradores da

Vila Parque Cidade. Já em Babilônia 2000, Coutinho constrói sua narrativa por

meio das narrativas de moradores das comunidades do Chapéu Mangueira e

Babilônia, buscando evidenciar os anseios dos moradores, em relação à

chegada do novo milênio. Diante deste panorama, essa comunicação tem

como objetivo principal a análise da relação das histórias e memórias das

personagens com o espaço físico (neste caso, o mundo histórico) nos três

filmes realizados nas comunidades do Rio de Janeiro, evidenciando, dentro

dessas obras, como a relação entre espaço e personagem nos revela, através

do dispositivo fílmico do diretor, uma poeticidade no universo simples e

corriqueiro de pessoas comuns e muitas vezes em situação de exclusão social.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ESPAÇOS MOTIVACIONAIS NA FOTOGRAFIA DE SEBASTIÃO SALGADO:

ARTE E REALIDADE

DENISE MARQUES CARNEIRO NEVES UNIVERSIDADE DO ESTADO DA

BAHIA

Resumo: Considera-se que as fotografias não são espelhos dos fatos, mas

fragmentos selecionados a partir do que o fotógrafo viu ou vivenciou; são

representações resultantes de seu processo de criação e/ou construção.

Assim, este artigo descreve mecanismos de produção e recepção de imagens

fotográficas de Sebastião Salgado, ao tempo em que discute a relação

espaço/tempo no processo estético e cultural de elaboração da fotografia em

Êxodos e Gênesis. Os espaços fotografados previamente escolhidos por

Salgado representam motivações pessoais e profissionais; constituem,

portanto, intenções, ideologias e formas de compreender o real, o assunto

fotografado. Observando-se a força e a amplitude da imagem fotográfica na

cultura visual contemporânea, discute-se, ainda, como a leitura plural da

fotografia, que tem natureza polissêmica, está associada também ao ato de

dramatizar ou estetizar do fotógrafo. Apresenta como aporte teórico: Kossoy

(2009) para falar de espaço, tempo, realidades e ficções na imagem

fotográfica; Adorno e Deleuze (2013) para discutir sobre estética e arte;

Barthes para refletir sobre o studium e o punctum; Dubois (1994) e Signorini

(2014) para pensar em produção e recepção da fotografia; Fabris (2007) para

analisar a relação imagem fotográfica e cultura visual. Palavras-chave: Sebastião Salgado; espaço; arte; realidade.

ESPAÇOS SAGRADOS NO RIO DE JANEIRO: O MALANDRO E O

TERREIRO DE UMBANDA

ANA PAULA SILVA DE OLIVEIRA

PUC-RIO

CAPES

A Umbanda surgiu como uma religião afro-brasileira que não é efeito de um

retorno de uma tradição ancestral, mas algo criado em meio a mudanças

significativas ocorridas no final do século XIX e início do século XX. Roger

Bastide e Cândido Procópio apontaram certa tendência de a Umbanda se

desenvolver nas zonas que se modernizavam no país. Segundo eles, embora

o processo de urbanização e industrialização tivesse se estendido a outras

regiões, ambos chamam a atenção para o desenvolvimento da religião

especificamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, duas grandes metrópoles.

Entretanto, não se sabe ao certo quando o homem começou a procurar

explicações para compreender a sua origem, a sua presença na terra e os

mistérios da eternidade. Mas é possível concluir que, à medida que as cidades

se desenvolviam industrial e economicamente, esse homem da "urbis"

começou a buscar nos fenômenos transcendentais uma possível paz interior e

o conforto diante das suas carências psicológicas. A informação serve como

ponto de partida para entender a maneira como os fiés da Umbanda foram

seduzidos pelo novo culto. Antes da sua institucionalização, José Henrique de

Oliveira esclarece, em ?Das Macumbas à Umbanda?, que a doutrina espírita

foi introduzida no Brasil, em meados de 1863, e teve sucesso imediato, pois

correspondia a certas necessidades de pequenas classes do interior e

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

tradicionais, que, ao final do Império, permaneceram estáticas no tempo, e,

principalmente, das proletárias e privadas de bens, que se formavam nas

grandes cidades. Renato Ortiz, em ?A morte branca do feiticeiro negro?, aponta

que a clientela mais expressiva das sessões espíritas eram homens

desajustados, desenraizados, perdidos na multidão. O autor completa que na

cidade do Rio as primeiras sessões espíritas foram realizadas por franceses,

muitos deles exilados políticos do regime de Napoleão III. A Umbanda é

caracterizada pelo sincretismo e o culto de arquétipos nacionais, dentre eles o

caboclo, representado pelo índio, o preto-velho e o malandro. O último, meu

objeto de estudo, aparece no ritual umbandístico com as mesmas

características em que é visto no contexto social. Em seu artigo ?O ator e seu

personagem?, Maria Helena Concone afirma que as figuras/símbolos da

Umbanda contam também, ou melhor, dão sua interpretação da história do

nascimento do Brasil, estabelecem vínculos e os celebram no conjunto e na

prática dos terreiros. Concone constrói as seguintes indagações sobre que

símbolos são esses que a Umbanda atualiza. Que qualidades e atributos estão

presentes nessas figuras do imaginário popular? Por que estas escolhas? Ao

longo do artigo, a pesquisadora mostra que as figuras são claramente retiradas

da realidade nacional, como já havia mencionado acima. Esse é exatamente o

grande interesse da religião umbandista: o de mergulhar tão profundamente na

realidade brasileira, de buscar sua fonte de inspiração, transformando em

símbolos sociais figuras do cotidiano popular e buscando de maneira peculiar

o significado mais profundo delas. Seguindo na linha de questionamentos de

Concone, me faço as seguintes interpelações: de onde vem o arquétipo do

malandro? Como ele se constrói e é incorporado na vida citadina do Rio de

Janeiro? Que tipo de ligação e qual o lugar que o malandro ocupa na

institucionalização de uma classe trabalhadora no período urbano-industrial, no

início do século XX, período em que surgem as primeiras referências sobre a

Umbanda? Não seria a presença do personagem, e de sua memória - num e

sobre um determinado lugar -, a questão fundamental para sua sobrevivência

no tempo? Por que, e como, uma figura com caraterísticas urbanas é absorvida

em uma religião? Perguntas como essas me trazem à pesquisa, propondo uma

reflexão sobre como se constrói a figura do malandro e como se estabelece a

relação entre ele e a cidade, sob a perspectiva da manutenção das expressões

e dos lugares evocativos da cultura, da religião e na constituição de um povo.

O malandro está inserido em muitas dimensões da vida popular, no entanto, a

sua interação com a Umbanda ainda é muito incompreendida ou velada; pouco

se sabe como e quando se efetivou o culto à malandragem na ritualística. À luz

da pesquisa, apenas se tem conhecimento que seu arquétipo aparece e ganha

o direito de incorporar nos terreiros de Umbanda, intervindo de forma concreta

na vida de seus devotos. Com imagem visual representada pelo típico

personagem carioca das décadas de 1920 e 1930 - terno branco, chapéu

Panamá e sapatos bicolores ?, o malandro se destaca na cultura popular da

cidade. Ele, construído em um espaço de relações amigáveis ou não, entre a

cultura dominante e a popular, andarilho dos lugares do resvalo, da beira,

movimenta-se articulando e costurando as suas peculiaridades, e se diferencia

e constrói um jeito de ser do país. No ritual umbandístico, nas giras, ele é

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evocado através de ?Pontos Cantados? - termo dado aos cânticos -, que se

formam de palavras e ritmos com funções variadas e bem definidas, e se

constituem como uma espécie de poder, uma forma de oração mágica para

chamá-lo e auxiliá-lo em seus trabalhos. As roupas, a música que ecoa no

terreiro e os elementos poéticos levantados na sua louvação evidenciam a

construção do seu estereótipo. Nota-se que a sua dimensão profana não foi

inteiramente abdicada, mas "ressignificada" para que ele pudesse trabalhar no

campo religioso. O malandro sobrevive enquanto memória; no entanto, na

Umbanda, é eternamente vivo para seus consulentes que vão ao terreiro em

busca de apoio espiritual.

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O RIO DE JANEIRO DE MILLOR FERNANDES

ALESSANDRA MARA VIEIRA

IFMG - INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS

A proposta do trabalho ?O Rio de Janeiro de Millôr Fernandes? é o estudo de

como o artista, em diversos textos, ilustrou os problemas e conflitos da cidade

do Rio de Janeiro. Nascido na cidade, ele foi jornalista e artista que sempre se

inspirou nos problemas daquela cidade para pensar questões mais universais.

Nas charges, textos, desenhos e até mesmo na vista que tinha de seu

apartamento em Ipanema, a cidade do Rio de Janeiro está presente, tendo sido

descrita e tematizada de forma crítica e, principalmente, irônica. Em muitos

momentos, podemos ver, inclusive, a cidade sendo personificada, ganhando

ares de entidade, num movimento dialético de reverência à cidade e, ao mesmo

tempo, iconoclastia em relação à linguagem e ao espaço em que viveu e criou.

Palavras-chave: Millôr Fernandes, Rio de Janeiro, Ironia

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UMA LEITURA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE, A

PARTIR DO CONCEITO DE HETEROTOPIA DE MICHEL FOUCAULT.

ANA MARIA COSTA LOPES

INSTITUTO POLITÉCNICO DE VISEU, CI& DETS

ANABELA NAIA SARDO

INSTITUTO POLITÉCNICO DA GUARDA – UNIDADE DE

DESENVOLVIMENTO E INVESTIGAÇÃO DO INTERIOR

ZAIDA PINTO FERREIRA

INSTITUTO POLITÉCNICO DA GUARDA – UNIDADE DE

DESENVOLVIMENTO E INVESTIGAÇÃO DO INTERIOR

A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge, dá-nos uma perspetiva da guerra

colonial assente numa ótica pouco habitual, a ótica feminina. Onde estiveram e

o que fizeram as mulheres durante a Guerra Colonial portuguesa? De que

forma é que o sonho megalómano da construção de uma utopia nas “províncias

ultramarinas” viria a revelar-se na realidade, como uma conjugação de

heterotopias?

Na verdade, o termo heterotopia, elaborado pelo filósofo francês Michel

Foucault, na sua conferência Des espaces Autres (1984), parece-nos

adequado para designar a experiência quer dos militares, quer das suas

mulheres, mães, etc, durante o período da Guerra Colonial em África. Assim, a

experiência da guerra começa por ser, em nosso entendimento, uma utopia de

crise “Dans notre société, ces hétérotopies de crise ne cessent de disparaître,

quoi qu'on en trouve encore quelques restes. Par exemple, le collège, sous sa

forme du XIXe siècle, ou le service militaire pour les garçons ont joué

certainement un tel rôle (Foucault: 1984, negrito nosso), acabando por evoluir

para uma heterotopia de desvio: “Mais ces hétérotopies de crise disparaissent

aujourd'hui et sont remplacées, je crois, par des hétérotopies qu'on pourrait

appeler de déviation: celle dans laquelle on place les individus dont le

comportement est déviant par rapport à la moyenne ou à la norme exigée. Ce

sont les maisons de repos, les cliniques psychiatriques; ce sont, bien entendu

aussi les prisons “ (Foucault: 1984) e frequentemente, desencadeia a

heterocronia, a perda da vida e subsequente deslocação para o cemitério, lugar

incontornavelmente heterotópico, já que, como explica Foucault: “hétérotopie

se met à fonctionner à plein lorsque les hommes se trouvent dans une sorte de

rupture absolue avec leur temps traditionnel; on voit par là que le cimetière est

bien un lieu hautement hétérotopique, puisque le cimetière commence avec

cette étrange hétérochronie (Foucault: 1984), Em suma, enquanto os soldados

partiam, indistinguíveis devido às fardas (todas elas verdes), que

obrigatoriamente envergavam e que os convertiam em corpos sem vontade

própria, em não- sujeitos, as mulheres permaneciam como que suspensas na

História, num espaço que antes da partida, imaginaram eutópico e topofílico,

mas que acaba por se revelar um espaço tantas vezes heterotópico e

topofóbico (lembremos a praga dos gafanhotos) (Jorge:31) e o consumo de

metanol, pelos negros, na suposição de que se trata de vinho (Jorge:22-23) e

que, já cadáveres, “desaguam” na praia. Neste romance, é pois através do olhar

de duas personagens femininas (Eva Lopo e Helena Forza Leal) que o leitor

fica a conhecer as utopias e heterotopias desvendadas e ocultadas pelo

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exército português, do qual os seus maridos faziam parte integrante e

privilegiada.

Palvaras Chave: Espaço utópico, espaço heterotópico, Guerra Colonial

RESUMO

EXPANDIDO

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO URBANO NA NARRATIVA DE CARLOS RIBEIRO

Adaíse dos Santos Alves1 Maria das Graças Meirelles Correia2

INTRODUÇÃO

O caminho percorrido para a construção do presente trabalho foi a escolha

do conto “A cidade revisitada”, de Carlos Ribeiro. O texto integra a coletânea

Contos de sexta-feira, publicado pela Assembleia Legislativa da Bahia, em 2010.

Assim, os métodos de investigação utilizados foram estudo de referências

teóricas que contemplam a topoanálise como recurso para estudo de obras

literárias. Segundo Ozíris Borges Filho (2010), a topoanálise ultrapassa a

compreensão psicológica da obra literária abarcando abordagens sobre o

espaço, como interferências sociológicas, filosóficas, estruturais; não se

restringe à análise da vida íntima, mas também a vida social e todas as relações

do espaço com o personagem, seja no âmbito cultural ou natural. Deste modo,

para minuciar o estudo da topoanálise, foi necessário saber qual a função do

espaço presente no conto, suas respectivas consequências na personagem.

Nesse sentido, o personagem age de determinada maneira, pois o espaço é

favorável a essa ação e, por vezes, situa-o geograficamente

1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 2 Docente EBTT do Curso de Eletromecânica do IFBA campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected].

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

e também é responsável por propiciar a ação. Na perspectiva de Borges (2010),

ambiente se define como a soma do cenário ou natureza mais a impregnação de

um clima psicológico. O ambiente onde o personagem está situado proporciona

a ação interna, ocasionando emoções e sentimentos.

Ao longo do conto, o narrador retira elementos da realidade para a

construção do cenário da obra, que remete ao conceito de espaço realista

apontado por Borges (2010). Nesse sentido, o artigo O espaço urbano na

narrativa de Carlos Ribeiro toma o conceito de espaço realista, definido como

representações que se assemelham à realidade. Para refletir sobre como, no

texto em tela, o narrador explora os espaços de Salvador, na construção literária

de micros e macros espaços que referenciam as lembranças do

protagonista, considera-se a cidade como macro espaço; os bairros e os locais

onde o protagonista está inserido são compreendidos como microespaço.

O tempo da história, na construção da narrativa, está demarcado pelo

percurso do protagonista que retorna à cidade após uma década. Suas

lembranças são ativadas com base nas transformações apresentadas por outro

personagem. A construção discursiva do conto efetiva-se através da

ironia – figura de linguagem que consiste no emprego de uma palavra ou

expressão em sentido diferente do que realmente busca significar – fazendo com

que o espaço real da cidade se institua, por oposição. Assim, a ironia produz um

efeito de sentido distinto e, tal oposição, instaura um humor sutil.

Resultados e Discussões

O conto a ser analisado – “A cidade revisitada” – é ambientado na cidade

de Salvador. A narrativa traz o percurso de um personagem cujo nome não é

revelado. O protagonista retorna a sua cidade natal após 10 anos, desse modo

a narrativa se passa em um tempo futuro. O conto apresenta apenas a presença

de dois personagens: um taxista, cuja função é conduzir o protagonista – "o

homem de óculos e roupas surradas" – pelas ruas da cidade. O protagonista

percorre a cidade de Salvador, do Aeroporto Internacional Luís Eduardo

Magalhães até o Elevador Lacerda, tal percurso é realizado através da orla

atlântica. Na perspectiva já sinalizada, a cidade de Salvador pode ser

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compreendida como o macroespaço da narrativa e os bairros

citados são microespaços. Em caso de percurso real, seria uma hora e vinte

minutos, todavia, neste transcurso temporal, o narrador rememora seus

últimos 49 anos, período em que conviveu com a cidade.

Ao retornar a Salvador, o protagonista começa a perceber transformações

ocorridas durante a década em que esteve ausente. A primeira observação

refere-se ao aeroporto, como mostra no trecho abaixo:

(...) escuta o aviso de que pousarão, dali a alguns minutos, no Aeroporto 2 de Julho. Sorri, intimamente. O fato de terem devolvido ao aeroporto seu nome original soou-lhe como uma

luminosa saudação de boas vindas. (2010, p. 37). A emoção do personagem ao retornar à cidade apresenta-se no trecho

acima, o termo "boas vindas" expressa um sentimento afetuoso em relação

aos visitantes, mas o sorriso íntimo do protagonista é de alacridade.

Neste caso, demonstra irônica satisfação ao saber que o aeroporto internacional

recuperara seu nome antigo; o sorriso revela sentimento de sarcasmo e certo

desanimo no protagonista. O nome do aeroporto fora, desde a sua criação em

1943 (Instituído pela Lei 2.689, de 20 dezembro de 1955), 2 de julho, data magna

que comemora a independência da cidade. Esta titulação permanece até 1998,

quando o senado federal, sob os auspícios do senador Antônio Carlos

Magalhães, pai de Luís Eduardo Magalhães, falecido em 21 de abril de 1997,

vota e aprova maciçamente a troca do nome. Tal fato causa revolta em setores

e indivíduos, sobretudo no meio dos intelectuais e artistas que projetam

discursos contra a tirania política do então senador. Desta maneira, ao assinalar

o sorriso íntimo do protagonista, o narrador instaura, por meio da ironia, uma

rede comparativa entre espaço realista e espaço literário, ficcionalizado por meio

da representação. Assim, a narrativa estabelece uma relação não só com o

tempo passado do personagem, mas com o tempo atual, sendo que – apesar de

tramitar há 10 anos um projeto de lei que retoma o antigo nome do aeroporto –

o local ainda homenageia o político morto. O espaço físico do aeroporto

transmite ao leitor uma co-referência na atualidade, ou seja, são lugares

existentes e considerados pela topoanálise como espaço realista; todavia, por

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meio da construção do discurso irônico, o espaço – no instante em que

é referencializado – também se desreferencializa.

Após a chegada do protagonista ao aeroporto, toma um táxi e começa a

percorrer a orla. O táxi presente na narrativa faz parte do cenário, ou seja, é um

espaço onde o protagonista também está inserido.

Olha pela janela as imagens que parece fazer parte de uma outra vida: o túnel de bambus, agora mais verde e encorpado; a avenida Dorival Caymmi, com sinalizações e pavimentações surpreendentemente boas; os bairros de São Cristóvão, Nova Brasília e Itapuã, que, segundo o motorista, um senhor de meia idade, com orelhas pequenas e um espesso bigode branco, contam com um serviço de saneamento básico satisfatório, ruas limpas e um policiamento digno e eficiente. (2010, p. 37-38)

A citação dos bairros em ordem, da saída do aeroporto até o local

desejado, faz com que o leitor viaje com o personagem. Segundo Santos (1978),

a paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder

acompanhar as transformações da sociedade. Dessa maneira, quando o

narrador descreve o túnel de bambus e a pavimentação que se encontra melhor

que dez anos antes, de fato, poderiam ocorrer por uma evolução

socioeconômica da sociedade. Entretanto, as transformações sinalizadas

literariamente no espaço da cidade causam incerteza no protagonista: dúvida da

verossimilhança do que está ao alcance dos seus olhos, como o verdume do

bambuzal revigorado, cujas árvores arcadas formam o acesso ao aeroporto e a

qualidade do asfalto da orla. Todavia, elementos que refletem

mudanças socioeconômicas e políticas chegam ao "homem de óculos e roupas

surradas" pela audição, através da intermediação vocal do taxista, conforme a

expressão ", segundo o motorista" revela:

O índice de criminalidade baixou em 95%, diz o motorista, com o ar jovial e despreocupado. O homem de óculos e roupas surradas havia adquirido o hábito de reagir com cinismo a todas as notícias que lhe davam. (...) A pobreza, ali, apresentava-se numa embalagem simples e digna, bem diferente da miséria com a qual havia sido obrigado a conviver desde o explosivo processo de inchamento verificado em Salvador, a partir dos anos 60 do século passado. (2010, p. 38).

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Segundo Ermínia Maricato (2000), as reformas urbanas, realizadas em

diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século XX,

lançaram as bases de um urbanismo moderno "à moda" da periferia. A partir dos

anos 80, as periferias cresceram mais que os centros, resultando em um amplo

aumento populacional que prevalece até os dias atuais. De acordo com a

narrativa, o crescimento da população pobre diminuiu proporcionalmente à

redução dos índices de violência, explicitando as alterações socioeconômicas

que implicam diretamente em mudanças na cidade.

O narrador utiliza a figura de linguagem ironia para expressar os efeitos

de sentido que as informações mediadas pelo taxista produzem no interlocutor.

Ao ouvir as informações sobre mudanças positivas, o protagonista demostra

desprezo e incredulidade. Com expressão de cinismo, mostra desacreditar no

que se encontra à frente, pois, de acordo com o desenvolver do conto, as

transformações ocorreram num período de tempo de apenas 10 anos.

Surpreende-lhe a intensidade da sensação. A consciência plena de que ainda pertence àquela terra é, entretanto, atropelada pela de que ela jamais pertenceria a ele, novamente. Um grande vazio que ocupa o seu espírito. Uma dor se superpõe à alegria, que, por sua vez, se superpõe à dor, sucessivamente. Sente-se como um pai, que retorna ao lar, após longo período de ausência, encontrando o filho forte, crescido, saudável, mas estranho a ele. (2010, p. 39).

Para dar continuidade ao estudo topoanalítico, é preciso conceituar o

ambiente que, segundo Borges (2008) se define como a soma de cenário ou

natureza mais a impregnação de um clima psicológico. Deste modo, o cenário

descrito anteriormente se transfigura em ambiente a partir da sua junção com a

situação psíquica do personagem principal. O sentimento que ambienta o

cenário é a alternância consecutiva entre dor e alegria. Essa alternância

acontece pelo paradoxo encetados pela própria representação dos termos ‘dor’

x ‘alegria’, pois todo o processo de referencialização da cidade real é

construído através da ironia o que, de fato, ficcionaliza Salvador para apresentar

críticas contundentes do modo como as políticas de desenvolvimento urbano se

instituem no país.

– Não há crianças...

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– O quê? - pergunta o motorista, voltando o rosto para ele. – Não há crianças na sinaleira. Não há meninos pedindo esmolas. Não há esgotos nas praias, nem barracos, nem invasões... (2010, p. 39).

Nessa perspectiva, a ironia acontece pela oposição das duas cidades: a

cidade referenciada real, que está na memória do protagonista, e a cidade

revisitada. A figura de linguagem apresentada no trecho vincula-se com a

percepção do leitor, pois as afirmações de que não há mais crianças nas

sinaleiras, nem meninos pedindo esmolas, estão sendo apresentadas de modo

irônico. Assim como as afirmações sobre as mudanças no modo organizacional

nas cidades, que desreferencializam os principais problemas de gestão do

espaço urbano, como saneamento básico, moradia e distribuição territorial da

cidade. A ironia se instala uma vez que o leitor, pela experiência de viver no

Brasil, já desconfia do falseamento do discurso narrativo.

CONCLUSÃO

Por intermédio das análises, é possível perceber as relações entre o

espaço urbano da cidade de Salvador, e como é representada no texto literário.

Desse modo, o protagonista é situado geograficamente no espaço e por meio do

reconhecimento do espaço "ficcionalizado", onde a ficção é mimetizada, pois o

narrador busca reproduzir o espaço real. A narrativa instaura a literalidade por

intermédio da ironia. Desse modo, o narrador constrói um espaço real para

possibilitar críticas à conjuntura política, econômica e social do país. Assim, a

voz presente na narrativa é apresentada com um aspecto

irônico para criticar políticas públicas de gestão do espaço urbano. Ao narrar

as mudanças ocorridas, possibilita que o leitor – mesmo

aqueles que não conhecem Salvador, perceba que a descrição é oposta às

cidade real, como a mudança do nome do aeroporto, a formação dos bairros da

orla, a inexistência de crianças na rua pedindo esmolas, a falta de esgotos

desaguando nas praias. Assim, o discurso, por meio da ironia, se constitui por

oposição ao real. Dessa maneira, o espaço situa o personagem

geograficamente e, ao mesmo tempo, propicia ações e sentimentos, pois a

construção do texto, por meio da ironia, promove rupturas com o

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reconhecimento de verossimilhança por intermédio da ficcionalização do

espaço.

Referências

BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise - 2008, São Paulo, Brasil SANTOS, Milton. Da sociedade à paisagem: o significado do espaço do Homem - 1978. MARICATO, Ermínia. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras - São Paulo, 2000. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392000000400004>. DA SILVA, Maria Auxiliadora. Imagens da cidade da Bahia: um diálogo entre geografia e arte – Délio José Ferraz Pinheiro, Maria Auxiliadora da Silva (Org.) – Salvador: EDUFBA: 2007. Site: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/1998/05/28/aeroporto-de-salvador-tera-o-nome-de-luis-eduardo.

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DA CIDADE AO ESQUECIMENTO: PRINCÍPIOS DA TOPOANÁLISE EM LEITE DERRAMADO, DE CHICO BUARQUE

Allysson Davi de Castro1

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Não é muito difícil de se chegar à conclusão de que a cidade ocupa um

espaço majoritário na literatura brasileira desde o fim do século XIX, com a

ascensão do romance, e de forma mais incisiva nas narrativas contemporâneas.

A forma como a cidade é representada no romance vai para além de uma mera

representação e acaba por revelar questões de ordem social, política e cultural.

Segundo Tuan,

[...] a cidade representa a maior aspiração da humanidade em relação a uma ordem perfeita e harmônica, tanto em sua estrutura arquitetônica como nos laços sociais. Em todo lugar que o urbanismo apareceu de forma independente, descobrimos que suas raízes assentam-se em um centro cerimonial prestigioso em vez de em um lugarejo (2005, p. 231).

De acordo com o geógrafo chinês, a organização da cidade em formas

geométricas bastante regulares significava o desejo de ordem e harmonia que a

sociedade aspirava. Com o advento da revolução industrial, que figurou em um

movimento de revolução urbana, este espaço urbano, agora massificado,

passou a ter novas significações. Se o espaço urbano já é em si um lugar de

rearranjos, de movimento, de fluxo e, de certo modo, de organização, na

contemporaneidade esse espaço é potencializado, de forma que acompanha o

crescimento da metrópole e da própria sociedade com toda a sua complexidade.

Na realidade, a descrição na narrativa ficcional contemporânea que

envolve o aspecto urbano funciona como um elemento fundamental para se

entender as personagens que ali transitam, já que ela expõe, como um reflexo,

o homem urbano em seu mais alto grau de subjetividade: um indivíduo

fragmentado, um andarilho, um flâneur. E talvez um dos retratos mais

contundente desse retrato da modernidade esteja em Leite derramado (2009),

quarto romance de Chico Buarque. A narrativa desta obra se estrutura sob a

1 UFPI. E-mail: [email protected]

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forma de um monólogo, em que as reminiscências de um centenário desenham

uma cidade no intervalo de dois séculos, por meio das vivências da família

Assumpção. Com uma visão integradora, Chico Buarque atenua, em seu

romance, os limites entre ficção e realidade, a tal de ponto de o romance ser

considerado uma (re)visitação à história do Brasil.

Evidentemente, reconhecemos que a cidade de Leite derramado (2009)

– como qualquer outra no campo literário – é ficcional, por mais que contenha

elementos da realidade. Essa distinção necessária se impõe no sentido de

delimitar os limites do discurso literário na construção de uma cidade escrita, que

se difere de uma cidade real, como discute a socióloga Beatriz Sarlo:

Entre cidade escrita (no sentido em que Roland Barthes se referia à “moda escrita”) e a cidade real há uma diferença de sistemas materiais de representação, que não pode ser confundida com frases fáceis como “a literatura produz cidade” etc. Os discursos produzem ideias de cidade, críticas, análises, figurações, hipóteses, instruções de uso, proibições, ordens, ficções de todo tipo. A cidade escrita é sempre simbolização e deslocamento, imagem, metonímia. [...] A cidade real, por sua vez, é construção, decadência, renovação e, sobretudo, demolição... (SARLO, 2014, p. 139).

O presente trabalho objetivou, pois, fazer uma leitura topoanalítica do

romance em questão, privilegiando uma abordagem que endosse aspectos da

condição urbana e, a partir disso, investigar como esse tipo de abordagem

contribui para a captação do universo urbano, por meio de imagens e metáforas

espaciais. Para tanto, serão analisados alguns espaços que são recorrentes na

narrativa em tela: a fazenda e o chalé em Copacabana.

FAZENDA: O ESPAÇO DA INFÂNCIA

No campo dos estudos literários, já fora ultrapassada a ideia de que a

personagem está dissociada do espaço. Em contrapartida, há um número

considerável de estudos que sinalizam para o fato de que há uma relação muito

tênue entre o sujeito ficcional e o espaço que o circunda, de modo que

[...] uma das peculiaridades mais proeminentes do espaço talvez seja a sua estreita ligação com o homem, já que as formas espaciais dependem de uma ação humana para se converterem em uma parte integrante da realidade social. Com efeito, os lugares por onde o homem não passa tendem a serem vistos

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como formas destituídas de conteúdo, pois a mera existência física do espaço não é capaz de gerar um objeto vivo e dinâmico, que só é plenamente alcançado por intermédio da experiência humana (PINHEIRO, 2009, p. 2).

Essa ligação “estreita” do espaço com a personagem, como sugere

Pinheiro (apoiado em autores como o geógrafo Milton Santos (2014)), é tão

importante que os espaços passam a existir e a desempenhar um papel

significativo, a partir do momento em que a personagem está inserida eles. Por

esse motivo, vale ressaltar ainda que o espaço cumpre um papel operacional,

ou seja, é uma possibilidade bastante interessante de análise, na leitura do texto

literário.

Embasado na obra Lima Barreto e o espaço romanesco (1976), que é

basilar nos estudos sobre o espaço literário, Ozíris Borges Filho (2007), em seu

livro Espaço e literatura: introdução à topoanálise, elencou uma série de

funções que o espaço pode desempenhar, a saber: caracterizar as personagens,

situando-as no contexto socioeconômico e psicológico em que vivem; influenciar

as personagens e também sofrer as suas ações; propiciar a ação das

personagens; situar a personagem geograficamente; representar os sentimentos

vividos pelas personagens; estabelecer contraste com as personagens;

antecipar a narrativa. Note que a palavra “personagem” aparece na maioria das

funções, excetuando-se somente em uma, o que já é um dado revelador do

quanto esta relação “espaço x personagem” é intrínseca.

Na infância do protagonista, Eulálio Assumpção, o espaço da fazenda é o

espaço que representa a vitalidade, pois foi onde ele teve as suas primeiras

experiências. De certo modo, a personalidade de Eulálio Assumpção é moldada

pelas experiências vividas na fazenda – um lugar marcado pela ideia de

liberdade e pela abundância de recursos projetada pela imagem do casarão.

Com um pensamento saudosista, ele relembra de Balbino Assunção Neto, uma

espécie de criado que o ensinou coisas relacionadas à infância, como ilustra o

trecho a seguir:

Esse me ensinou a soltar pipa, a fazer arapucas de caçar passarinho, me fascinavam seus malabarismos com uma laranja nos pés, quando nem se falava em futebol. Mas depois que entrei no ginásio, minhas idas à fazenda escassearam, ele

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cresceu sem estudos e perdemos as afinidades (BUARQUE, 2009, p. 18-19).

É interessante perceber que o fator social cria um abismo entre o

protagonista e o criado, mesmo diante das situações de convívio na infância. O

fato de o criado ter crescido sem estudos já foi um indício para que eles

perdessem “as afinidades”. Esse é um discurso recorrente no romance, visto que

a própria formação aristocrática do narrador fez dele sujeito aparentemente

distante de personagens de classes sociais inferiores a sua.

Por outro lado, o hospital, o espaço de sua velhice, é o avesso do que a

fazenda lhe fora. É nele que o protagonista nutre os piores sentimentos, que,

grosso modo, são um reflexo das suas contradições: um aristocrata falido que

não aceita a sua decadência moral e humana:

É o tal negócio, me arrancam da cama, me passam para a maca, ninguém quer saber dos meus incômodos. Nem bem acordei, não me escovaram os dentes, estou com a cara amassada e a barba por fazer, e com este péssimo aspecto me fazem desfilar sob a luz fria do corredor que é um verdadeiro purgatório, com um monte de gente estropiada pelo chão, fora os vagabundos que vêm ali a fim de ver desgraça. Por isso puxo o lençol e cubro meu outrora belo rosto, que logo tornam a expor para não parecer que estou morto, porque causa má impressão, ou é vexatório para maqueiro transportar defunto (BUARQUE, 2009, p. 23).

A caracterização do hospital com palavras de valor negativo revela a

aversão que o narrador possui pelo espaço em que se encontra. A imagem do

narrador “cara amassada e barba por fazer” confunde-se com o aspecto do

hospital, que chega a ser comparado a um purgatório: ambos estão em um

estado de clemência. Algumas linhas depois, o narrador afirma cobrir seu “belo

rosto”, adjetivo que parece estranho, mas que, no entanto, exprime o paradoxo

em que o protagonista se vê mergulhado.

Nesse sentido, o espaço propicia a ação da personagem, o que não quer

dizer que o espaço tenha influenciado, mas contribuído para o comportamento

hostil de Eulálio. Nesta função de propiciar a ação, segundo Borges Filho, “a

personagem é pressionada por outros fatores a agir de tal maneira, não pelo

espaço. Entretanto, ela age de determinada maneira, pois o espaço é favorável

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a essa ação.” (2007, p. 39). O hospital já é em si um espaço topofóbico, já que

ele significa o lugar da fragilidade e da impotência humana.

O ESPAÇO DA DECADÊNCIA

Em diversos momentos de uma narrativa ficcional, o leitor é capaz de

antever a ação das personagens, por uma motivação interna na própria trama.

O fato de Eulálio estar sempre distante da esposa e de ela se resguardar a

espaços como o da cozinha revela a liquidez da relação na qual estavam

submetidos.

Em Leite derramado (2009), o chalé de Copacabana é o espaço que

mais é evocado nas lembranças do narrador, o que faz dele um espaço chave

do romance. Isso se deve ao fato de ter sido neste casarão que ele passou todos

os momentos com Matilde, do namoro ao casamento. Desse modo, o chalé é

sacralizado pelo narrador, como uma forma de manter viva não somente a sua

história com a esposa, mas também de não perder a condição de aristocrata,

mesmo mediante as dificuldades financeiras.

Do chalé eu não queria me arredar por dinheiro nenhum, mesmo cansado de saber que a ausência da minha mulher era definitiva. Mas noutro lugar talvez eu não ouvisse mais os suspiros dela, naquele endereço ela ainda vinha me ver em sonhos. E eu me fazia de ofendido com o valor das propostas, enxotava os corretores que vinham me aporrinhar, insuflados por minha filha. Maria Eulália não concebia que ocupássemos um terreno tão valioso em Copacabana, sem poder custear um automóvel, uma cozinheira, uma babá para o Eulalinho (BUAQUE, 2009, p. 120).

Passado algum tempo, o protagonista, aliciado pela filha e pelo genro que

lhe furtam o pouco de bens que lhe resta, se vê pressionado para vender o chalé:

E Maria Eulália, ao seu lado, não se pejava de desdenhar a casa onde nasceu e foi criada, esta ridícula arquitetura suíça num país tropical. O casal me sugeria vender o chalé a alguma empreiteira, para me estabelecer com minha mãe no casarão neoclássico de Botafogo (BUARQUE, 2009, p. 80).

No entanto, a ligação visceral do protagonista com o chalé se dá de modo

tão intenso, que a degradação do espaço retrata a decadência do próprio

indivíduo. A decadência humana e moral na qual Eulálio está mergulhado, faz

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com que ele hibridize os espaços e, num lapso de delírio, o chalé pode ser

igualado ao hospital, sob a condição de que lhe devolvam o sossego:

Quando eu morrer, meu chalé cairá comigo, para dar lugar a mais um edifício de apartamentos. Terá sido a última casa de Copacabana, que então se igualará à ilha de Manhattan, apinhada de arranha-céus. Mas antes disso, Copacabana se assemelhará a Chicago, com policiais e gangsters trocando tiros pelas ruas, e ainda assim dormirei de portas abertas. Pouco importa que entrem meliantes pela minha casa, e mendigos e aleijados e leprosos e drogados e malucos, contanto que me deixem dormir até mais tarde. Porque todo dia é isso, acordo com o sol na cara, a televisão aos berros, e já compreendi que não estou em Copacabana, foi-se o chalé há mais de meio século (BUARQUE, 2009, p. 49).

Em síntese, à medida que a narrativa se desenvolve, os espaços da vida

por onde passava o narrador quando criança vão se desconstruindo em função

da degradação social a que sua família é acometida, conforme assinala

Margarida Gil dos Reis em um ensaio sobre o romance:

[...] do chalé de Copacabana dos seus 20 anos passamos para um apartamento nas traseiras do chalé, seguimos para um apartamento menor na Tijuca, vemos o palacete da família em Botafogo ser vendido, a fazenda de infância transforma-se numa favela e a última morada do narrador é o antigo cemitério onde jaz o avô. Tudo converge para um estado que culmina, simbolicamente, na morte (REIS, 2009, s/p).

Na tentativa de aclarar o que Reis (2009) destacou, ao traçar um caminho

por onde o narrador transitou na narrativa de Leite derramado (2009), e com

base no enredo do romance, reproduzimos a imagem a seguir, que, ao nosso

ver, são espaços centrais na trajetória do protagonista no desenrolar da trama:

Imagem 1

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Fonte: O autor

Levando em consideração a fazenda da raiz da serra, o chalé e todos os

outros espaços por onde transita o protagonista até chegar ao hospital onde

narra a história da sua família, é possível deduzir que estes espaços, do ponto

de vista social, representam uma linha descendente da própria história de

Eulálio, pois os espaços são cada vez mais subalternos, equiparando-se a sua

condição de vida. Tomado pela melancolia, o narrador expõe o que sente diante

da destruição desses espaços:

Confesso que, para mim, era um pouco melancólico ver as ruínas da sede colonial, a capela em esqueleto, o estábulo carbonizado, a relva seca e a terra estéril da fazenda da minha infância. Aquela área rural tinha sido ocupada por indústrias, e algumas favelas já infestavam a redondeza (BUARQUE, 2009, p. 79).

Na descrição do narrador, as palavras “ruínas”, “esqueleto”, “estábulo

carbonizado”, “relva seca” e “terra estéril” valorizam negativamente o espaço.

Nessa descrição, o protagonista parece denunciar um espaço infértil à medida

em que ele se transforma em uma área industrial, ocupada por favelas.

Esse sentimento está intimamente ligado à ideia de degradação social

que permeia o discurso do moribundo.

SUJEITO EM DESLOCAMENTO

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Na tentativa de amenizar os efeitos dessa decadência, depois de ter sido

enganado pelo genro, Américo Palumba, os espaços passam a ser naturalizados

na fala do narrador, na tentativa de atenuar a sua condição. Para isso, Eulálio

vive em constante deslocamento espacial em que, nessas andanças, a filha,

Maria Eulália, já se encontra em um novo casamento.

E para mim era uma novidade tomar ar fresco nas ruas da Zona Norte, às vezes eu esticava as caminhadas até o centro da cidade. [...] A noitinha eu regressava por caminhos mal iluminados, onde não corria perigo de topar com algum conhecido. [...] Porque o Xerxes, quando bebia, costumava bater na minha filha, mas em bairros mais populares cenas do gênero são corriqueiras, não escandalizam ninguém (BUARQUE, 2009, p. 143).

Ações simples como caminhar à noite – o que simbolicamente

representaria o perigo – passa a ser uma opção do narrador, que teme ser

reconhecido, o que acentuaria a sua desmoralização. Na verdade, o próprio

indivíduo se vê impotente, assim como o foi boa parte da vida.

À GUISA DE CONCLUSÃO

O espaço urbano em Leite derramado (2009) figura como uma projeção

psicológica do narrador centenário, Eulálio Assumpção. Os espaços funcionam

como uma espécie de espelho do próprio narrador, que usa do discurso como

artifício para manter a tradição aristocrata. A perda de Matilde fez com que ele

atribuísse uma atmosfera pesada e sombria aos espaços, marcados, em grande

parte, pela sua subjetividade.

Dito isto, acreditamos que os espaços da fazenda, do chalé, do casarão,

até culminar no hospital, funcionam como uma metáfora do Brasil, que passou

pelos períodos do feudalismo, da república e, mais recentemente, da

democracia, que desde a sua gênese se mostra enfraquecida e, ultimamente,

em estado de decadência, quando a escolha do povo é usurpada pelo poder

político, em um projeto de destruição de direitos conquistados.

REFERÊNCIAS

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BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. Franca, São Paulo: Ribeirão Gráfica e Editora, 2007. BUARQUE, Chico. Leite derramado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. PINHEIRO, André. O nascimento de uma nova cidade: aspectos da condição urbana na poesia de Zila Mamede. Revista Odisseia, v. Nº 4, p. 1-10, 2009. REIS, Margarida Gil dos. O regresso às origens. In: Jornal de letras - Portugal - 02/07/2009. Disponível em: <http://www.chicobuarque.com.br/critica/crit_leite_jletras_margarida.htm>. SARLO, Beatriz. A cidade vista: mercadorias e cultura urbana. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. Trad.: Lívia de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

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MEMÓRIA REVISITADA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO LITERÁRIO NA NARRATIVA DE IGOR ROSSONI

Camila Santos do Apolônio1

Maria das Graças Meirelles Correia2

INTRODUÇÃO

Com vista a investigar o espaço afetivamente rememorado pelo narrador-

personagem do livro Exercícios para Clarineta, de Igor Rossoni (Vento Leste,

2010), o presente trabalho evidencia a construção do “espaço realista” na

narrativa. O livro trata-se de uma criação: todos os espaços apresentados são

ficcionais; os ambientes repercutidos no texto são produzidos a partir de

lembranças da vivência entre os personagens. Rossoni toma como parâmetro a

própria experiência. Assim, a matéria fabular do livro é a rememoração afetiva

do que foi vivenciado pelo autor. A figura do narrador é concebida a partir dos

sentimentos materializados na infância. A apresentação sequencial das

lembranças depende de uma voz ficcional que interliga os rumores factuais

isolados nas determinações espaço-temporais. Ao refletir sobre o “espaço

social” constituído pela memória, é pertinente observar que os espaços intra-

narrativos se assemelham a localidades tópicas da realidade tangível citados

nas notas de rodapé, o que oferece maior verossimilhança ao enredo.

Entretanto, as imagens poéticas são ambientadas pelo que a memória guardou.

O romance Exercício para clarineta (Vento Leste, 2010) é composto por

seis segmentos onde se intercalam duas formas de discursos. O primeiro se

refere ao discurso verbal elaborado sob os auspícios da memória afetiva em que

o narrador-personagem retrata a revisitação de determinados cenários e

paisagens em companhia do personagem avô. O segundo concerne ao discurso

musical, construído pelas composições do personagem avô, situando

homologamente o intercurso entre ambos. A narrativa é remissão do autor

efetivada anos após a morte do avô. Impregna-se de lembranças do convívio

dos dois, refletido em imagens poéticas não sequenciais. Tais imagens são

conduzidas pelo narrador-personagem, fundamentando-se nos sentimentos da

ausência e assumem forma encadeada a partir do papel do narrador, uma vez

que este apresenta as rememorações do próprio autor. Para análise do romance,

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consideramos a topoanálise como o estudo psicológico sistemático dos locais de

nossa vida íntima, apresentado por Gaston Bachelard, em A poética do espaço

(2003), uma vez que os espaços na narrativa são recriações condicionadas pela

rememoração afetiva da relação entre os personagens avô e neto. Assim, ao

analisar o espaço na obra literária, observa-se que este sofre interferência dos

aspectos ligados à memória afetiva do narrador-personagem, evidenciando — a

partir da topografia do romance — que os espaços literários são segmentados

pela revisitação afetiva de um cenário ou paisagem exibidas na narrativa. Assim,

os espaços do romance se transmutam em ambientes, uma vez que, (...) “na

perspectiva da topoanálise, o ambiente se define como a soma de cenário ou

natureza mais a impregnação de um clima psicológico” (BORGES, 2008). As

modificações psíquicas do narrador fazem com que o romance seja

impulsionado por intermédios de pequenos flashes que apresentam a relação

entre os personagens – neto-autor-narrador e avô-compositor – ao receptor.

O livro apresenta, como macroespaços, duas cidades, Araraquara e

Mirassol, localizadas do estado de São Paulo. Nesses espaços se realizam as

principais ambientações dos fatos rememorados. Os microespaços são

representados por paisagens e por cenários revisitados por meio da memória a

partir do sentimento de falta. Nesses termos, os ambientes caracterizados pelo

convívio entre os personagens são motivos de reflexão neste estudo

investigativo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Exercício para clarineta (Vento Leste, 2010), foi escolhido para pesquisa

topoanalítica por apresentar uma formulação incomum do espaço literário da

narrativa, uma vez que se baseia em caracteres de análise psíquicas do

narrador-personagem. Ao observar a estrutura da narrativa e a construção da

linguagem, percebe-se que o autor escreve sobre o que foi experienciado na

infância, caracterizando, assim, a produção textual como escrita memorialística.

Textos desse gênero possuem caráter crítico e autocrítico, em que, ao

escrever um memorial, o autor assume a voz do entrevistado. Deste modo, a

intenção é de reaver anamneses do passado a partir das recordações de

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indivíduos que, de fato, viveram esse passado. São textos reflexivos, na medida

em que a história contada é a do próprio autor, ou seja, uma autobiografia. Para

este estudo, toma-se o conceito de autobiografia como: “Narrativa retrospectiva

em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza

sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (LEJEUNE,

2008, p.15).

Assim, sendo Exercício para clarineta uma obra literária e composta pelo

relato memorialístico do autor é possível considerá-la autobiografia, pois este

gênero se institui distanciado da realidade factual, tornando-se, portanto,

possível interpretá-la como gênero ficcional, cuja matéria fabular é extraída da

memória do autor. Entretanto, essa matéria fabular distancia-se do real em

tempo e espaço vivido. Para avanço da narrativa se faz necessária a figura do

narrador que conduz o enredo de modo sequencial a partir da ligação de

fragmentos da memória. Neste trabalho, a autobiografia é tomada como um

gênero textual equivalente à narrativa memorialística, haja vista o autor utilizar a

revisitação afetiva das lembranças como propulsora do enredo. A narrativa

memorialística caracteriza-se como escrita literária devido ao trabalho linguístico

realizado pelo autor, que transgride a interpretação semântica das palavras com

o objetivo de transmitir o sentimento de falta experienciado, para os leitores, a

partir da articulação entre memórias reais e imagens poéticas.

No romance, se intercalam duas formas de discursos, o primeiro referente

ao verbal fomentado pelas rememorações afetivas e assumidas pelo narrador-

personagem; o segundo compete ao discurso musical, constituído das

composições do avô-compositor, que era clarinetista, motivação, pois, do título

da obra. Para o estudo topoanalítico, este trabalho coteja apenas o discurso

verbal, uma vez que, é através dele que os ambientes são repercutidos. A

topoanálise — estudo psicológico sistemático dos locais de nossa vida íntima

(BACHELARD, 2003) —, apontada pelo teórico Ozíris Borges Filho, em Espaço

e literatura: introdução à topoanálise (2008), necessita de levantamento dos

espaços do texto e a categorização deles de acordo com a função e o tipo. Ao

basear a análise nas determinações proposta por BORGES (2008), observa-se,

a partir da topografia do romance, que o espaço é dividido em dois grandes

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polos, essa segmentação caracteriza-os como macroespaços, representados

pelas cidades, Araraquara e Mirassol, localizada em São Paulo.

Araraquara, a morada do sol, (ROSSONI, 2010) é a cidade onde o

narrador-personagem nasceu e morava com o avô; Mirassol era a cidade onde

o avô permanecia periodicamente e também a cidade onde morreu. O avô tinha

encontros musicais nas duas cidades e o neto o acompanhava nas viagens e

ensaios. Em tela, a vivência em comunhão dos personagens é intercalada entre

as duas cidades, os sentimentos gerados através de momentos em companhia

do avô levam ao desdobramento dos fatos. Ambas as cidades têm em comum a

sensação de claridade e calor que o autor elabora para simbolizar os

sentimentos que preenchem a relação entre os personagens.

Figura 1

Fonte: Notas de rodapé, p. 42

Todas as citações em notas de rodapé remetem a acontecimentos nos

dois macroespaços. Neste ponto, a conceituação do que é o cenário, a natureza

e principalmente o ambiente proposto, torna-se imprescindível para continuação

da análise.

O cenário é entendido como o espaço criado pelo homem, em geral, áreas

da vida humana onde, a partir da experiência cultural, são modificadas e

construídas pelo homem segundo sua imagem e semelhança. Deste modo, o

cenário carrega, em si, personalidades e valores humanos. Na narrativa, tais

espaços são representados pelos lugares onde o avô visitou na companhia do

neto e, especialmente, pelas mediações da casa em Mirassol, que, devido à

originar-se na rememoração afetiva, sua representação poética é impregnada de

sentimentos.

Aqui. No escuro. Eu ainda não dormira e os passos lá sem estancamento. Foram por noites e noites percorrendo espaço, delimitados, o interior da casa. [...] Assim, a dor que pulsara por corredores e labirintos sanguíneos arando sulco de nossos passos pelo escorrer do solo aos pés — veias abertas-para-dentro — agora caminha solitária de um canto-a-outro, sem

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esquinas ou mesmo o silêncio objeto das 2 jaulas ou sombras ou torre ou ânsia de por entre-passos chegar. No escuro. A sala. E o só por paredes truncando passagem; possibilidade e destino. Ao certo, paragens. Dor lá e cá. Dentro d’olhos, paredes e só (ROSSONI, 2010, p.58-59).

Figura 2

Fonte: notas de rodapé, p. 58

Como exposto no estudo, as notas de rodapé concernem a vida real. A

nota apresentada pela figura 2 é referente à citação e retrata os momentos de

dor em que o avô do autor, por não conseguir ficar deitado de tanto incômodo,

andava pela casa à noite e o neto, acordado, ouvia o som de passos

perambulando de um lado para outro.

O cenário íntimo da casa é constituído a partir da movimentação do avô;

a imagem do interior da residência é mapeada pelo andar carregado de dor do

personagem, cujos passos indicam a disposição dos cômodos na casa. O ponto

chave desse segmento é a metáfora criada pelo termo parede. No interior de

uma área construída, fisicamente sua função é separar duas áreas, todavia, no

texto demarca um empecilho no curso da vida do avô. Para o neto, é um

indicativo da futura ausência a ser experienciada. O trecho também acentua a

incapacidade do autor para ajudar o avô, pois, na sua pouca idade, não havia

muito o que pudesse fazer, só ouvi-lo e posteriormente, recordar-se.

A natureza é compreendida como o espaço não construído pelo homem

e que pode repercutir, segundo o labor do autor, com as palavras de diferentes

formas no contexto narrado que acaba por criar múltiplos efeitos de sentido na

obra literária. A natureza também é representada no romance pelos lugares

visitados pelos personagens.

Ele4 olhava estrelas enquanto águas rolavam de rochedo e líquens, naquela tarde. [...] Do peso imposta à pedra, corpo entregue ao descanso, resta o pó o da imagem ali despresenciada. [...] Precipício d’águas entre minerais rochosos e líquido escorrente dando encontros ao turbilhão d’outras águas — as mesmas despendidas — em composição de fonte

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alongada e banhamentos. [...] Os olhos dele, d’encontro à luz, faiscavam. Vi — no quase-nitidamente — a presença da morte. A morte em si, do profundo daqueles negros olhos-negros a galope, em minha direção: vindo, indo, vindo, lentalamento aos golpes d’avanço (ROSSONI, 2010. p. 21-3).

Figura 3

Fonte: notas de rodapé da página 21

A citação e a figura 3 apresentados anteriormente são textos que se

complementam. Exprimem as vivências do autor-narrador-personagem durante

a visita a uma cachoeira na cidade de Torrinha, local onde o avô nascera. Esses

textos retratam, inicialmente, o sentimento de admiração e imponência ao

observar a imagem do avô sentado sobre uma pedra em contraste com a

paisagem da cachoeira. Posteriormente, a experiência se transforma em

angústia e dor fomentados pela sensação de presença da morte e de futura

ausência do avô. Os sentimentos bons e ruins que envolvem psicologicamente

o narrador-personagem é responsável por modificar a cena poética apresenta,

deste modo, a natureza acompanha as emoções experienciadas.

Ao considerar o ambiente “como a soma de cenário ou natureza mais a

impregnação de um clima psicológico” (BORGES, 2008), é possível perceber

que, no romance, os sentimentos que o preenchem ocasionam a

ambientalização do enredo. Os excertos em que foram aplicados os conceitos

de cenário, natureza e — devido ao carácter psíquico — ambiente, pela definição

topoanalítica, exemplificam os microespaços existentes na obra.

A segunda etapa necessária para arrematar o estudo topoanalítico é a

categorização dos espaços a partir do modo como atuam na narrativa. Observa-

se, então, que age de forma análoga aos sentimentos vivenciados pelas

personagens, “portanto há uma relação de homologia entre personagem e

espaço. Trata-se de um espaço homólogo” (BORGES, 2008).

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Dia de festa e festividade, aquele. Todos ali em serena contemplação. [...] Dia de ida à terra natal revisitada. Não pudera conter tamanha excitação: o lugar de nascedouro de todo caminho percorrido. [...] Tempo de borboletas. [...] Esperando encontros: a festa. As frutas todas lá, conformadas à ordem inaugural. Sabor de frutas ao sol, no muito verde entre águas escorreitas e sonoridades. Todos cantos. Passarinhos. Tempo era de muita manhã e quietas verduras. [...] As águas seguem destinos-desfiladeiros, ruas, veias e artérias: corações meus. O dia de festa aquela (ROSSONI, 2010. p.105, 107 e 109).

O trecho encontra-se na última parte da narrativa e destaca a revisitação

do mesmo espaço natural indicado no começo: a cachoeira de Torrinha.

Entretanto, os sentimentos expressos antes e depois são completamente

adversos. No final, tudo se transforma em celebração à vida; as sensações boas

envolvem a cena poética apresentada, ambientando-a. Desde a referência à

primavera — construída por meio da indicação de ser o “tempo de borboletas”

—, perpassando pela ideia da espetacularidade do sabor contido nas frutas, até

a apresentação da queda d'água, refletem os sentimentos vivenciados pelas

personagens destacadas na imagem que constituem a cena poética. Deste

modo, em determinadas cenas, existe uma analogia entre o espaço ocupado

pela personagem e o respectivo sentimento vivenciado por cada uma. Estes

espaços homólogos são lugares de vivências temporárias e, na maior parte das

vezes, casuais.

O último estágio para a conclusão da topoanálise é a definição do tipo de

espaço que conforma o romance. Ao analisar a relação que se estabelece entre

narrador e o que é aludido nas notas de pé de página, é possível determinar que

o espaço realista — “espaço construído na obra semelha-se à realidade

cotidiana da vida real. Nesse caso, o narrador se vale freqüentemente das

citações de lugares existentes” (BORGES, 2008) — configura o romance na

medida em que é recriado a partir das revisitações afetivas das lembranças.

O que existira, não mais. A rua; A cidade12 por pior. [...] Nem lembrança do que fora. Sobrados no limite das calçadas, janelas e portais conforme torneados, texturas em exercício de detalhes e entalhes. Agora, insosso de formas e blindex entre placas de trânsito e condecorações publicitárias. [...] Breve forma do que fora um dia a arquitetura do homem: o feitio definido de ruas e gentes. [...] Todos, entre-quietos assim íamos. Descíamos a “rua 1”13 contendo emoção de logo desfazer de malas, aprumo de partituras, ascender ao peito ar, movimentos lúdicos de-dedos,

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afino de cordas, ajuste de leve-limite das palhetas, harmonias e tonalidades (ROSSONI, 2010. p.35).

Figura 3

Fonte: notas de rodapé da página 35

As referências tópicas nas notas de pé de página agregam maior

verossimilhança ao enredo, uma vez que, a narrativa memorialística — enquanto

gênero literário — não exige comprovação de veracidade do discurso. A

realidade é assegurada pelas citações de localidades tópicas da realidade

tangível. Ao considerar que o espaço social é construído e modificado pela ação

humana e que essas alterações são observadas com o passar do tempo, é

possível presumir a existência esse espaço dentro do discurso literário. O espaço

social é recriado segundo o que a memória armazenou, a afetividade pode

assumir e representar discursivamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo intenciona evidenciar a sistematização do espaço

literário a partir da rememoração afetiva das lembranças da infância do autor-

narrador. Ao considerar o “espaço social” fruto de construção e modificação

humana, o estudo também expressa como os sentimentos experienciados

interferem na construção de cenários, da natureza e dos ambientes. Em tela, o

romance funciona como remissão do autor quanto ao não cumprimento da

incumbência lançada a ele pelo avô. Ressalta-se que a narrativa não apresenta

uma história, haja vista o autor intencionar construí-la pela ausência de fatos e

evidenciar o aspecto dramático da perda e ausência do avô. Assim, o que é

gerado a partir do romance é o drama, desse modo, a falta de tema traz a

tragédia, e reconstitui a sensação de ausência. Consequente a isso, na narrativa

não existe clímax. Assim, a mola propulsora da narrativa é a afetividade gerada

da inter-relação dos personagens que dialogam em espaços homólogos aos

seus sentimentos.

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REFERÊNCIAS

ROSSONI, Igor. Exercícios para Clarineta. Vento Leste, 2010. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. XI. In: Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo, 2008. Disponível em: < ttp://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf>. Acesso em: 25 de outubro de 2017. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço, Martins Fontes. São Paulo, 2003.

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A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MINHA MÃE, DE VICTOR GIUDICE

Carolina Veloso (UFSC/CNPq)1 Luísa Menin (UFSC/LabFlor)2

O escritor carioca Victor Giudice (1934 – 1997) se destacou por ser um

homem múltiplo: amante e compositor de músicas eruditas e populares, escritor

de contos, romances e peças teatrais, fotógrafo, roteirista, professor e

funcionário do Banco do Brasil por vinte anos. Iniciou sua carreira literária em

1969, publicando contos avulsos em jornais e revistas. No Jornal do escritor,

publicou o miniconto O banquete, técnica que desenvolveu melhor com o passar

dos anos. Giudice produziu quatro livros de contos: Necrológio (1972), Os

banheiros (1979), Salvador janta no Lamas (1989) e Museu Darbot e outros

mistérios (1994); três romances: Bolero (1985), O sétimo punhal (1995) e o

inacabado Do catálogo das flores 3(1999); duas peças de teatro: Ária de

serviço e Baile das sete máscaras; e cerca de vinte contos publicados de forma

avulsa no exterior. A maioria de suas obras está neste momento esgotada.

No conto Minha mãe, presente na coletânea Salvador janta no Lamas,

Giudice escreve em primeira pessoa, se utilizando da voz feminina para relatar

alguns acontecimentos da vida da protagonista e os relacionamentos

interpessoais que a circundam. Seu nome não nos é revelado. A narrativa

envolve o leitor numa trama cercada de mistério sobre o relacionamento desta

protagonista com sua família, principalmente com sua mãe.

Dividido em duas partes, o conto inicia na infância da personagem-

narradora, que sofre com a ausência da mãe, a qual, a princípio, vive

enclausurada em um dos quartos da casa, fazendo bordados e costurando. Ela

nunca foi vista pela filha. A distância afetiva do pai e a presença de tia Adelaide,

que cuida do ambiente familiar, compõem esse momento da trama. Já na

segunda parte do conto, a personagem-narradora em sua vida adulta se casa

1 Doutoranda (CNPq) no Programa de Pós-Graduação em Literatura, da Universidade Federal de Santa

Catarina e vinculada ao Laboratório Floripa em Composição – LabFlor. 2 Graduanda em Letras Português na Universidade Federal de Santa Catarina e vinculada ao Laboratório

Floripa em Composição – LabFlor. 3 O romance inacabado Do catálogo das flores foi publicado como apêndice da segunda edição do livro

de contos Museu Darbot e outros mistérios.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

com seu amigo de infância, Pedrinho. Ainda que a protagonista mude de

ambiente no decorrer da narrativa, o espaço central continua sendo o quarto de

sua mãe, pois é nele que mistério do conto se dá. Mas a pergunta é: Sua mãe

realmente ocupa o espaço físico do quarto? Ou ela ocupa um espaço na

imaginação da protagonista? A curiosidade de descobrir o porquê do suposto

exílio social da mãe e do sentimento de abandono instiga a narradora e prende

a atenção do leitor.

É nesse sentido que esse trabalho se propõe a investigar o espaço

proposto por Giudice no conto Minha mãe, que, no nosso caso, é um espaço

privado, de intimidade, material e, de certa maneira até, psicológico, pois

interfere e rege as relações entre os personagens.

A lei das quatro paredes

No primeiro momento do conto, a narradora-personagem, com base nas

memórias de sua infância, conta-nos como é a dinâmica do cotidiano de sua

casa, onde mora com seu pai, sua tia Adelaide e sua mãe – que curiosamente

ocupa apenas o espaço de um dos quartos da casa, sem, em nenhum momento,

sair dele. O fato de nunca ter visto sua mãe é extremamente frustrante e isso irá

contribuir no seu crescimento e formação enquanto mulher.

Para completar as lacunas que ninguém consegue preencher, como, por

exemplo, a fisionomia de sua mãe, a narradora recorre à imaginação. Para ela,

a mãe é como uma “fada branquíssima de mãos barrocas”, conforme destaca

logo nas primeiras linhas do conto:

COMO EU NUNCA VI minha mãe nem mesmo em fotografias, tenho medo de imaginá-la com um rosto que não fosse tão belo quanto o dela deveria ser. Talvez seja por isso que em minhas fantasias ela apareça com os aspectos de uma fada branquíssima, bordando linhos imaculados com mãos barrocas, mas sempre com a face coberta por um véu de interdições. Também não consigo me lembrar de todas as coisas que aconteceram a ela. Mesmo porque não devem ser muitas as coisas que acontecem a uma pessoa que se tranca num quanto por toda a vida. (GIUDICE, 1989, p.22)

Tia Adelaide é quem cuida das tarefas domésticas, como cozinhar, lavar

roupas, limpar a casa. Seu pai trabalha fora, mas todos os dias almoça em casa

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e tagarela sobre seu trabalho. Segundo a narradora, ele é o Rei da casa. O único

momento de pai e filha é no natal, quando faz brincadeira sobre os presentes.

Enquanto sua mãe passa o dia todo bordando e recebe as refeições de tia

Adelaide, que todos os dias coloca uma bandeja na porta do quarto. Através

dessa mesma porta que a filha faz contato com sua mãe, são perguntas simples

e periódicas, por pressão da tia. Conseguimos compreender um pouco dessa

relação em uma das lembranças da narradora aos cinco anos de idade:

- Por que não pergunta a ela? Sua mãe gosta muito quando você faz perguntas. Foi o que eu fiz. Corri até a porta do quarto e grudei a boca na fechadura: eu achava que desse modo minha mãe me ouviria melhor. - Você é bonita? Não sei dizer se a voz dela transmitiu algum tipo de emoção. Apenas riu pacificamente e passou o problema adiante: - Por que não pergunta a seu pai? Foi o que eu fiz. Naquela época eu já possuía o necessário bom senso para distinguir quais as perguntas que meu pai responderia e quais as que ele, além de não responder, retrucaria com quatro pedras nas mãos, reduzindo-me a uma sujeitinha inconveniente. (p.22-3)4

Em alguns desses breves diálogos, a mãe, para não ter que responder

questões embaraçosas ou que mereciam uma atenção maior, sempre proferia o

bordão “Você não sabe da missa a metade” (p. 25; 30). A narradora, por sua vez,

indagou essa frase ao longo de sua vida, pois a incomodava não entender as

situações da vida e ninguém explicar a ela, a começar por sua tia e seu pai não

comentarem o porquê de sua mãe não sair do quarto. Aos poucos, ela foi

perdendo o interesse nos assuntos relacionados á sua mãe, ficava até três dias

sem fazer-lhe perguntas, até ser lembrada por tia Adelaide: “Já faz três dias que

você não pergunta nada a sua mãe. Vai lá fazer uma perguntinha a ela. Só

umazinha” (p.24) Esse era o papel de sua mãe, (não) responder as suas

perguntas. Durante toda sua infância, quem cuidou da casa, do pai e dela foi tia

Adelaide, por isso ela nem conseguia imaginar o “quão terrível seria nossa vida

caso tia Adelaide resolvesse ficar trancada num quarto. Foi esse o medo que

governou minha infância”. (p. 26-7)

4 Grifo do autor do texto.

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Entre medos, ingenuidades vingativas e remorsos, a vida na casa e

naquela situação tornou-se uma grande tortura para a narradora, sobretudo

quando, ainda criança, seu pai faleceu devido uma severa doença. Nesse

período, ela presenciou uma cena marcante: ao acordar no meio da noite viu sua

tia Adelaide aplicando uma injeção nas nádegas de seu pai e em seguida lhe dar

um beijo na testa. Sua vontade era de contar para a mãe, mas acabou desistindo.

Ela pensou “afinal sei que há algo de errado em uma cunhada beijar a testa do

cunhado doente?” (p.29) A Doença do pai faz com que as injeções tornem-se

frequentes e cada vez mais públicas, porém “só os beijos na testa

permaneceram clandestinos” (p.29).

Durante o tempo decorrido na narrativa observamos o crescimento da

narradora-personagem, desde sua infância até sua vida adulta, fazendo-nos

compreender que os conflitos vivenciados são decorrentes de uma organização

familiar desestruturada, porém, que tentou por muito tempo manter as

aparências de uma família tradicionalmente patriarcal. Um bom exemplo dessa

situação está na narradora-personagem chamar seu pai em dois momentos do

conto de “Rei da casa”: primeiro, quando relata na infância a organização da

família, principalmente a forma como acontecia nas refeições familiares. E,

posteriormente, na enfermidade de seu pai, nunca havia imaginado o rei da casa

naquela situação de humilhação, recebendo injeção nas nádegas e em público,

algo que deveria ser somente no privado bem como os beijos na testa.

O segundo momento do conto se dá quando a narradora-personagem

completa dezesseis anos e toma consciência de sua atração por Pedrinho, seu

vizinho e inimigo de infância. Com o qual, aos 19 anos, ela se casa com ele e

passa a morar em sua casa, mais especificamente, como ela frisa, para o quarto

de Pedrinho: “Apenas trocamos a cama de solteiro por uma de casal” (p.32).

Nessa mesma época, outro acontecimento importante marca sua história:

tia Adelaide fica cega aos quarenta anos em virtude dos bordados. O que a faz

chegar à conclusão que isso só não aconteceu com ela porque se casou com

Pedrinho aos vinte e um, o que ela reconhece que “não deixou de ser uma forma

de perder a vista ou, pelo menos, a visão” (p.30). Segundo a narradora, não

demorou dois anos para Pedrinho mostrar que o casamento, e nem ele, era

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aquilo que ela imaginara: “manda em tudo, exige tudo, proíbe tudo, sempre com

cara de quem não manda em nada, não exige nada, não proíbe nada” (p.30).

Começara a compreender a diferença entre a vida privada, na intimidade do lar

(ou melhor, do quarto), e a vida pública, e ao questionar sua mãe sobre seu

casamento a resposta foi a de sempre “repetiu que eu não conhecia da missa a

metade” (p. 30).

No casamento infeliz e na ausência do marido, ela acaba conhecendo o

irmão do Pedrinho, Francisco. Os encontros iniciam por breves diálogos sobre

música na cozinha, um espaço público dentro do espaço privado. Um imenso

paradoxo onde um espaço de integração e reunião familiar dá brecha para o

início de uma relação privada e proibida, que, por sua vez, é consumada e

continuada no quarto de Francisco, enquanto a sogra dorme a sesta no quarto

ao lado.

Foi inevitável comparar sua relação adultera com os beijos na testa de

sua tia em seu pai, no quarto que deveria ser dele e de sua mãe. Mas ao

contrário, sua traição não fica na clandestinidade por muito tempo, sua sogra a

vê saindo do quarto, mas finge que não viu. Ela chega à conclusão que “essa

atitude deve fazer parte da lei das quatro paredes” (p.39), mas não responde a

todas as suas dúvidas. Foi então que ela descobriu a da metade da missa que

sua mãe tanto lhe falara, “e a outra metade ficaria por conta do futuro” (p.39).

É muito comum os textos giudicianos trazerem em seu contexto um ditado

popular. “Não conhecer da missa a metade” tem no conto um significado

importante para compreender a denúncia feita pelo autor sobre o patriarcado e

as farsas impostas ao espaço íntimo. A narradora ainda não tinha a ideia de que

as relações matrimoniais e familiares são distintas no âmbito do privado e do

público. O casamento enquanto instituição e acordo social nada tem nada a ver

com sentimento ou felicidade. Por trás de uma casa “modelo” existem segredos

que só são entendidos no espaço íntimo. E é no momento da descoberta da

“metade da missa” que o conflito chave do conto vem à tona. Na última cena do

conto, a narradora-personagem, num momento de impulsividade, de confusão

de sentimentos, abre a porta do quarto da mãe. O quarto estava vazio. A mãe

foi embora? A mãe nunca esteve ali? Ela existia?

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O espaço surge como um elemento primordial, pois todo o desenvolver

da narrativa acontece no âmbito familiar, ou seja, na casa. A casa da sua

infância, com pai, mãe e tia. E a casa pós-matrimônio, da sua vida adulta, com

seu marido, cunhado e sogra. Segundo Bachelard (1990), a casa é responsável

pela construção do Eu, torna-se símbolo da autonomia do ser. Em outras

palavras, a casa eh o espaço em que o homem cria raízes, ou seja, onde o ser

humano inicia sua jornada. Nesse caso, a narradora-personagem, na primeira

fase do conto, tenta compreender e nos explicar como funcionava sua casa na

infância, para que então possamos entender o desenrolar das ações no futuro.

As primeiras experiências estão nesse espaço doméstico, onde os valores de

intimidade são impostos e se desenvolvem.

Giudice utilizou essa estrutura narrativa em outro conto, também presente

em Salvador janta no Lamas, “Cumplicidade”. Também pela voz feminina, o

autor explica a organização da casa e da família na infância para então

apresentar os conflitos familiares na vida adulta. Sempre a mulher e sempre esse

espaço de intimidade que também é público, pois, na sociedade patriarcal, a

mulher tem um papel importante, através dela que a imagem do homem se

constitui. Pensando sempre aqui numa organização tradicional da família e da

sociedade.

Para Bachelard (1990), a casa natal está fisicamente inscrita no sujeito.

Ela inscreve no homem as diversas funções do habitar que são aplicadas nas

demais casas que habitara em sua vida. Podemos fazer uma leitura dessa casa

natal não como um espaço físico, mas como um espaço íntimo, onde o homem

e a mulher se espelharão para construir suas futuras casas. Nessa linha de

raciocínio podemos cogitar que essa seja a importância de manter a

imagem/presença da mãe no conto, para contribuir com a formação da

personagem enquanto mulher e futura mãe, dando o exemplo, ainda que a tia

seja a responsável pela maior parte da sua educação.

A idealização da mulher enquanto modelo e imagem da esposa virtuosa,

boa mãe está fortemente ligada ao imaginário da sociedade ocidental, ou seja,

às tantas expressões da cultura patriarcal que comporta uma diversidade de

valores, simbologias, conceitos, noções e relações hierárquicas. Bem como a do

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homem como provedor e líder familiar, conforme destaca a narradora ao chamar

seu pai de “Rei da casa”. Como comentado anteriormente, a narradora cresce

sem a mãe, existe somente uma imagem formada por sua tia que conta algumas

histórias, uma lembrança da mão materna através da porta e breves diálogos

que alimentam sua memória. Mas uma frase de sua mãe ficou ressoando

durante toda sua infância e início da vida adulta, quando esta disse que ela não

conhecia da missa a metade. E não sabia e, até o final do conto, permaneceria

sem saber, ainda que em algum momento acreditasse que havia descoberto pelo

menos metade da missa:

Agora eu sei que é tudo uma mentira da grossa, já sei da missa a metade, que a única verdade é o prazer. Mãe, eu sou uma pecadora, está ouvindo? Sua filha é uma pecadora. [...] Naquele instante a ausência de minha mãe era tudo. Senti uma infinita pena por não poder dizer a ela que eu ainda não sabia da missa a metade (p.39-41)

O mistério da mãe que (in) existe nesse espaço talvez seja apenas para

fortalecer os valores sociais da cultura patriarcal, uma família tradicional e

estruturada que segue as crenças e tradições cristãs. Portanto, essa

ausência/presença da mãe nesse quarto em que ela fica confinada, um espaço

de intimidade dentro de um espaço de intimidade maior que é a casa, pode

simbolizar o cárcere da mulher, a prisão do corpo feminino imposto pela

sociedade, como a própria narradora-personagem se vê. E, agora incluindo o

quarto do Francisco, esses dois quartos podem metaforizar os segredos, o

oculto, das relações hierárquicas e patriarcais das famílias tradicionais. Mas

também podem ser lidos como o profano de uma relação proibida, a traição

matrimonial que se concretiza no quarto de Francisco, e a que é se esconde por

trás de um quarto onde vive a figura de uma mãe.

Por fim, permanece a reflexão sobre as relações que seguem os preceitos

patriarcais e vivem da imagem do que a esfera do público espera de um

matrimônio. Levando os seres envolvidos a se anularem a tal ponto, e

geralmente quem mais se anula é a mulher, de chegar ao absurdo de se confinar

num quarto. Mas isso não aconteceria com a narradora, pois segundo as

próprias palavras: “É claro que vou sair daqui. Minha vocação é a vida. Mas antes

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é necessário que eu veja com o máximo de clareza todas as coisas que

aconteceram – ou não – dentro deste quarto” (p.42).

Referências

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1990. FREYRE, G. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2000.

GIUDICE, Victor. Minha mãe. In: _____. Salvador Janta no Lamas. São Paulo: Editora José Olympio, 1989.

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ESPAÇO ATEMPORAL: FÍSICA E FICCÇÃO EM 30 E POUCOS ANOS E MA MÁQUINA DO TEMPO

CLAYTON ALEXANDRE ZOCARATO1

A obra 30 e Poucos Anos e uma Máquina do Tempo (2017), da escritora

norte-americana Mo Daviau, faz uma viagem pelo espaço do desenvolvimento

do Rock Roll, ao longo dos anos de 1980 e 1990, entrelaçando elementos

literários e musicais em torno de como produzir uma tipologia de cultura hibrida.

A esse hibridismo podemos evidenciar, o cenário da música pop como um

elemento norteador a sistematização de um pensamento saudosista, ao qual

faltou algo para complementá-lo em torno de seus personagens principais, tendo

uma realidade nostálgica sem um compromisso com a realidade existente.

Ao longo de suas páginas o jogo de espaços atemporais, entre passado,

presente e futuro, leve o leitor a nichos de uma estética de leitura produzindo

diferentes interfaces de recepção interpretativa, pois não há um enredo que siga

uma simetria de continuidade linear e sim um constante, mudanças morfológicas

de seu cenário narrativo.

A presença da música é um sinal de importância quanto a uma

indiferença, diante a um clivo de modernidade que não deixa espaços para novas

perspectivas de criatividade, surgindo dentro de seu personagem principal Karl

Bender um dono de bar em Chicago, que vive de suas glorias de músico da sua

juventude.

Em meio à atmosfera da cultura “grunge”, suas lembranças são ativadas

nas vivencias de shows debandas do naipe do Nirvana a Bon Jovi, todavia é

restringido de sua felicidade, pela decepção em suas acepções psicológicas, de

não ter conseguido sucesso como um musico profissional.

Nesse quesito, um belo dia se depara com uma “máquina do tempo” nos

fundos de seu estabelecimento que permite reviver grandes momentos de sua

juventude, como roqueiro.

Os paralelos de cânones entre saudade e lembrança se encontram.

1 UNIARA – UFSCAR. E-mail: [email protected]

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A cada passagem, Daviau, realiza uma desconstrução do tempo, unindo

atributos metafísicos, como mentais, ao qual não há uma clara definição do que

possa ser fantasia ou realidade, ocorrendo transposições, de um corpo para

outro de espaço existencial e físico, diferente dentro de sua posição narrativa

original durante o enredo do romance.

Entra ai questões fenomenológicas, como o que seria o real dentro da

concepção de mundo de Bender?

Ou imaginar que esteja viajando através das leis da física para outros

universos, adjacentes a realidade, não passando de um sentido de alucinação

de um “ser”, que perdeu o senso de realidade e vive do passado?

Sartre “realça a importância de uma valorização do nada”, no traquejar de

argumentos que venham a fazerem, um peso de suportar a realidade, como uma

forma de entrever novos sonhos, e realize uma “obliteração do sentido do nada”,

fazendo o individuo transcender suas virtudes de razão crítica em relação ao

seu espaço existencial.

Uma existência que também submete o encontro com a solidão, o medo

do fracasso, e que fazendo jus a um novo advento cultural em ultrapassar os

limites entre o real e o abstrato.

Um abstrato que também deixa a incompreensão e o sentimento de

“’Peter Pan”, do medo de chegar à fase a adulta e de viver de lembranças, que

só produzem novas sinapses, e não tenha uma “ação” de atributos a um sentido

de intelectualidade orgânica na produção de novos relacionamentos.

Para esses fortuitos de medo do distanciamento da infância, ao longo do

romance, ocorrer um choque de adventos de entretenimento, fazendo uma

dialética na transgressão do senso comum de ver as viagens no tempo somente

como um desejo de suportar o peso da realidade.

A influencias para um panóptico cultural entre “De Volta Para o

Futuro”(1985,1989, 1990), de Steve Spielberg, e a serie “Túnel do Tempo”

(1967), e também há uma evocação para a cultuada série “Doctor Who”

(1963...).

A oportunidade mudar o passado, de reencontrar sonhos perdidos, e

procurar realizá-los, de comiserar erros que vão ter consequência em uma vida

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mais adiante, está também em ilustrar o quão destrutivo o Rock pode ser, já que

as referencias aos entorpecentes, e a um micro-espaço de autodestruição deixa

um peremptório para novas análises acerca da questão de vencer a morte

através da transcendência musical.

Bender pertence a uma geração que procura de todas as maneiras, um

espaço metafísico advindo do uso constante de barbitúricos e outras drogas,

como também de “viagens no tempo”, seja dentro de conceitos ligados a

fabricação de uma realidade alternativa, produzida pela natureza e aliterações

mentais individuais ou também ela teoria do absurdo.

Um espaço do absurdo, ao qual é compartilhada pelo seu melhor amigo

Wayne DeMint, que também está envolvido no marasmo de uma “vita ativa” sem

atrativos, e que se lança na máquina do tempo com o objetivo de dar uma lógica

para sua existencial banal.

Dentro desse intuito, Bender procura ajuda de uma física, para poder

entender sua máquina do tempo, Lena Geduilg, que almeja sucesso acadêmico,

mas não está muito distante de um cotidiano de sonhos não realizados da dupla

de amigos.

Ocorrem discussões acerca de uma lógica temporal, que possa produzir

racionalidade acerca de como a é possível às viagens no tempo.

A possibilidade de construções de universos alternativos, bem como

transgredir as leis das físicas, fazem uma prolixa mistura entre Rock e Física, e

extenua a saudade, como torpor de personagens, que procuram em si mesmo,

um caminho para realização tanto profissional como amorosa e espiritual.

Auspícios de uma conduta, que propicie uma desconstrução de enredos

que façam a disjunção e conjunção do espaço-tempo, fazem uma

interdisciplinaridade de critica acerca de como o romance, atrevem subterfúgios

para imiscuir bases de entendimentos que não fiquem de maneira unívoca, no

sentido da escritura e de estilo.

Nesse quesito de um “referente – referencial” (ECO, 1971), as principais

fagulhas para uma diatribe literária em fornecer vários vértices de possibilidade

de leitura e entendimento do tempo, estão subjugados nos trocadilhos narrativos,

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que estão incutidos, em polivalentes sentidos de transpor o leitor, interceda como

um “juiz”, a colocar o tipo de estilística que a obra possui.

Sem intermitências a uma dogmatização de estilos, as aventuras dos

personagens, pelo cenário musical norte-americana emergem também ao uso

de tecnologias, que fazem uma diretriz deque o homem pode tudo.

Até mesmo desafiar as leis divinas e físicas para uma gnose

comportamental que produza filosofias de uma cartasis psicológica, contra as

vontades mais radicais de conforto existencial que a sociedade capitalista

possui.

O sonho individual transformado em um esteio de produção intelectual,

que desafie a “princípios do caos, levando a uma “caosmose” (DELEUZE, 2008)

, evidenciando que o homem não possui um ancoradouro certo e preciso diante

as infinitas probabilidades de ação da natureza.

Um nominalismo teórico, na ontologia de ultrapassar as barreiras do

tempo, ao qual Bender é um privilegiado, mas que também venha a despertar

questões éticas.

Não há um sentido natural para a projeção dos átomos, e também para

energias que segundo o grande arquiteto do universo, coloquem uma ordem na

substancial orbital que venha a reger o universo.

As estatísticas de mundo possíveis são aumentadas, como a

aquiescência que “Kronos” teve seu trono usurpado pela humanidade.

Mito e Realidade se confundem em uma questão de programar o “corpo”,

para suportar as ondulações de ondas físicas rumo ao desconhecido.

Esse desconhecido espaço multifacetário que encanta Bender, e o faz

buscar conhecimento acerca de ondas eletromagnéticas para que possa trazer

Demint de volta para seu tempo correto, pelo uso de uma rede de telefones.

Os telefones são peças fundamentais para que as experiências de

viagens no tempo deem certo, e nada melhor do que amplificadores e toda

aparelhagem de som de um mega-show de rock para isso.

Mo Daviau, também enfoca aqui o distanciamento entre as pessoas

através do “boom tecnológico” do fim do século XX, através da internet, e do

avança da telefonia móvel.

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Evoca os perigos do domínio pleno dos efeitos naturais pela mão do

homem, e que pode colocar ambições pessoas dentro de eventos históricos que

possam mudar o curso histórico da humanidade.

Bender é seduzido pela ideia de transformar as viagens no tempo em uma

fonte de lucro, dando as pessoas através do pagamento de uma boa pecúnia, a

possibilidade de ver um artista ou show de sua preferência.

A questão da banalização da arte está inserida como no sentido de

produção musical e entretenimento exclusivamente pela diversão,

desvalorizando o talento.

Como também um apontamento acerca de estar preso ao passado sem

conter uma criatividade para que possa vim a produzir novos diâmetros de

cultura no futuro.

Um futuro pelo qual se deva esperar? Ou viver o presente com um pé no

passado?

Eis os dilemas de Bender, em tentar entender como esse fato ocorreu em

sua vida.

A tênue linha, entre o possível e o impossível já não existe.

As formulas físico-químicas são colocadas em evidencia, e a teoria da

relatividade de Albert Einstein entra em cena.

Possa apenas “rever o passado”, mas não posso diretamente interferir

nele, sendo ele uma espécie de vida própria sendo mostrado para qualquer

indivíduo que pague por isso.

A culpa por não ter como mudar de vida, bem como a transgredir enlaces

da realidade, como um efeito existencial, na busca da verdade, faz com que

pessoas se lancem no desconhecido, contra um tempo que não se sabe ao certo,

em que patamar está, sendo ele artífice para fronts de uma metafísica, que

suavize o fardo da existência.

Bender é um exemplo de pessoa que procura vivenciar, as lisuras de uma

vida, que ganha nova oportunidade de atrativo diante o acaso, e que faz da

música uma caminho de libertação, mas também de ação.

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Uma ação resultante da permuta em considerar um interpessoalidade

contendo o espírito varonil, de encontrar no caso um caminho para devaneios de

fuga da solidão.

Uma solidão que a física, está por colocar em evidencia sendo um desafio

para lançar questionamentos acerca da finalização do “homem precário”,

segundo o romancista francês Andre Malraux, que dissemina o atrevimento de

lutar contra do destino comum da maioria dos homens.

Um cronotopo que esteja além das fronteiras da história, flexibilizando

relacionamentos humanos, na busca do bem comum.

Nesse ponto já não há constituições de um sujeito que esteja em um

“tempo definido”, e sim uma renovação de campos de atuações de personagens

que são imiscuídos em antagônicos pareceres, acerca de como entender os

desatinos, da natureza, em um patamar de incertezas perante, em qual universo

está aguerrido, o seu campo de existência, moral e intelectual.

O desafio a ascender o espaço da razão, e proporcionar uma dádiva

humanística através de uma literatura tanto de testemunho como de saudade,

que venha a provocar sensações, tanto de renovação material como moral.

A ética dos experimentos e dos desígnios que o homem faz da natureza,

está saturado em estar prezo mecanismos biológicos, aspergindo uma tessitura

de desafio para Mo Daviau, no sentido tanto de cultivar uma leitura fácil, como

para melindrar traquejos de uma educação leitora que esteja concatenada com

estribos polifônicos tanto de enredo, como de ação narrativa.

Paul Friedlander, em sua obra “Rock and Rol: Uma História Social”,

(2017), dissemina a música como um produto do momento histórico, e também

que ela produz acepções de “revolta”, perante uma lógica tecnicista do mundo.

Bender e DeMint são inconformistas diante uma obra de arte que busca a

renascer cada momento, bajulando uma provocação intrépida para seus

admiradores.

O tempo é por sinal um caminhar de argumentação, para o distanciamento

do senso-comum, defronte uma humanidade que adorna o “momento, e não

analisa suas consequências”.

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Friedlander traça que o Rock Roll, “em seu estado de ebulição” (2017),

oferece um sentimento de revolta e saudade, mas que também venha no seu

momento específico de atuação histórica trazer mudanças para cosmovisões na

busca da realização profissional, como a proporcionar melhoras existenciais

para o outro.

Mas também não deixa de conter o sentimento de “culpa”, por ir além das

barreiras metafísicas, angariando viagens no tempo como algum comum, em

que possa visitar diferentes fatos e podendo conter a mestria de mudar, o que

já foi estabelecido pelas leis do movimento físico.

Lena é o contraponto entre o espaço de realidade e fantasia.

O aparecimento desse portal ou máquina do tempo renova o tempo de

Bender, mas também o deixa preso, a não contemplar a virtude de aprender com

os erros.

A música refaz um caminho cognitivo, de elucidar os mistérios da alma

humana perante atitude que somente pertencem à responsabilidade de

individuação das pessoas.

A individuação de estar, comprometido com responsabilidades perante

um constrito circuito de renovação de atrevimentos de conduta, perante os

desmandos da natureza que faz o que bem entende com o “homo-sapiens”.

Nesses desmandos, Daviau coloca que a chegar aos 30 anos, é um

martírio por viver mentalmente encarcerado a um passado de alegrias, que para

a maioria das pessoas não serão renovadas no futuro.

O passado traz um futuro espreitado na descrença de uma nova

oportunidade de felicidade para a maioria das pessoas.

Bender pertence a uma gama humanística, de descomprometimento com

sua renovação existencial, e que em suas viagens psicanalíticas, extenua o

Rock, como um batistério de empreendimentos comportamentais regrados a

muitos laços de libertinagem, como uma forma de sustentar uma vida que ele

próprio sabe que na fase adulta, esta fadada a convivência do fracasso.

Um fracasso (ou série de fracassos), na semiologia de dias melhores, e

que também saiba lutar contra a saudade.

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Uma saudade que dentro, de um resíduo de literariedade ao qual não está

unicamente preso ao passado, e sim a um futuro que busca sucintamente

revistar fatos ocorridos, para que faça renovações sucessivas de novos

devaneios de uma vida, que não fique burocraticamente preza exclusivamente

as obrigações do cotidiano.

As passagens para o impossível para o possível, perfazem um espaço

que não está condicionado às leis da ciência, mas sim que realizem nos

personagens um sentido, de uma instrumentalização em colocar o saber, nas

alcunhas da fantasia indo contra o hermetismo de respeitar metodologias, que

traga uma criticidade, que arranhe a exclusividade de viver o momento presente,

sem uma pitada e gosto e indignação pelo passado, projetando um futuro, as

falhas que produzem humanizações perante a condição humana de cada

indivíduo.

Daviau usa a amizade de Bender e Demint, e intelectualidade de Leda,

para enunciar o drama da modernidade em buscar raízes, que fixem o homem

no tempo, e que outrora, justifiquem suas ações ao longo do tempo.

O tempo é uma justificativa para a “longa duração dos fatos” (BRAUDEL,

1998), que através de pequenos atos, coloque a história de cada pessoa, dentro

de sua consciência, e faça uma ciência, para ir além de perspectivas do senso

comum animalesco, de não conter sonhos que possam transgredir a realidade

existencial, mas que apresente uma espiritualidade em que o amor, saudade e

esperança produzam uma sintonia de igualdade e possibilidade de esperança

para todas as pessoas em um “meta-espaço psicológico” (FOUCAULT, 1979)

fazem, 30 Anos e uma Máquina do Tempo, extenue categorias de narrativas,

que fazem tanto da nostalgia, como das lembranças, traçados filosóficos de

buscar uma interação ente aspectos físicos e morais, uma justaposição de

espaços éticos, que respeitem a existência individual de cada um, contendo seus

fracassos e sucessos, nas artimanhas de buscar uma condição de vida melhor

e de uma ciência que leve em consideração dentro de suas metodologias

práticas, os fatores emocionais e racionais de cada ser humano, envolvida por

seus deleites materiais e abstratos.

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REFERÊNCIAS

BRAUDEL, Fernand. Reflexões Sobre a História: São Paulo, Martins Fontes, 1998. DAVIAU, MO. 30 e Poucos Anos e uma Máquina do Tempo: Rio de Janeiro, Rocco, 2017. DELEUZE, Gilles. Caosmose: Um Novo Paradigma Estético: São Paulo, Editora 34, 2008. ECO, Umberto. Obra Aberta: São Paulo, Editora Perspectiva, 1971. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder: São Paulo, Graal Editora, 1979. FRIEDLANDER, Paul. Rock And Roll: Uma História Social, Rio de Janeiro, Record, 2017.

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ESPAÇOS MOTIVACIONAIS NA FOTOGRAFIA DE SEBASTIÃO SALGADO: ARTE E REALIDADE

Denise Marques Carneiro Neves1

INTRODUÇÃO

O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado declara-se resultado da

influência dos lugares em que se desenvolveu e estabeleceu suas interações.

Suas narrativas em O Sal da Terra, filme-documentário produzido por Win

Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, e no livro Da minha terra à Terra, de sua

autoria, destacam a importância da espacialidade para contar histórias de vida

no planeta Terra. Observa-se o cuidado em registrar espaços de práticas sociais,

políticas e econômicas específicas, rejeitando a ideia de instantaneidade e

superficialidade. Nesse contexto, a trama fotográfica de Salgado desperta a

interpretação estética, que vai além da preocupação com o real, porque

sensibiliza, suscita leituras e finalidades subjetivas.

Os espaços fotografados previamente escolhidos por Salgado e sua

esposa Lélia Wanick Salgado, companheira de trabalho e de vida, representam

motivações pessoais e profissionais; são, assim, temas das imagens

fotográficas, problematizam outros espaços (do trabalho, da guerra, da arte, da

natureza), constituem, portanto, intenções, ideologias e formas de compreender

o real, o assunto fotografado. Criar, planejar, realizar e organizar trabalhos

fotográficos, tudo envolve sensibilidade estética tanto do lado da produção

quanto da recepção; envolve interesse, disponibilidade, entusiasmo, como

Deleuze (2013, p. 388) afirma ao discutir o que é o ato de criação: ter uma ideia

“é uma espécie de festa, pouco comum. (...) Uma ideia, assim como quem tem

a ideia, já é voltada para um domínio específico”.

Considera-se que as fotografias são fragmentos selecionados a partir do

que o fotógrafo viu ou vivenciou; são representações resultantes de seu

processo de criação e/ou construção. Nessa concepção, a imagem fotográfica

1 Mestranda em Estudo de Linguagens pelo Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia, Salvador-BA, Brasil; [email protected]

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possibilita ser interpretada como documento, como representação de

uma realidade, o que demanda a pesquisa histórica.

Kossoy (2009, p. 22) afirma que as fotografias

[...] são plenas de ambiguidades, portadoras de significados não explícitos e de omissões pensadas, calculadas, que aguardam pela competente decifração. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos (...) que circunscreveu no tempo e no espaço o ato da tomada do registro.

Observando-se a força e a amplitude da imagem fotográfica na cultura

visual contemporânea, a fotografia cumpre, pois, um papel cultural de suma

importância: o tempo em que emociona os indivíduos, serve como meio de

informação, divulgação e convencimento, atua intensamente na construção das

memórias individuais e coletivas, entre outras funções.

CAMINHOS DA GEOGRAFIA, ESPAÇOS QUE MOTIVAM O FOTÓGRAFO

Em favor de certa imagem, Sebastião Salgado exclui algo, demonstra

interesse em contar certas narrativas. Consciente das tensões culturais,

econômicas e políticas, escolhe, como quem é autorizado para tal, falar de

grupos humanos e comunidades que, segundo Hall (2015, p. 46), “estão fazendo

movimentos físicos, mas que não estão no ‘comando’ do processo da mesma

forma que outros”; além disso, escolheu também registrar lugares não

explorados pelo sistema capitalista.

Em Êxodos, Sebastião Salgado expressa relatos sociais e históricos,

provocando reflexões acerca das identidades local e global e da noção de

pertencimento. Compreendendo a constituição do poder e a influência do espaço

geográfico, ele percorreu lugares, observou as representações culturais e tratou

o espaço como elemento fundamental de representação de consequências

decorrentes da globalização.

O que é importante para nosso argumento quando ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Todo meio de representação – escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos

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sistemas de telecomunicação – deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais. (HALL, 2015, p. 40).

Se por um lado o fenômeno da globalização estabelece interação entre

comunidades, saberes e fazeres, atravessando lugares e não lugares,

comprimindo distâncias marcadas pelo tempo e pelo espaço, por outro estimula

que indivíduos tornem-se aventureiros, viajantes, buscando redescobrir culturas,

redefinir identidades (no plural, como sugere Stuart Hall), realizar planos e

sonhos, talvez por acreditar em promessas sedutoras, ou mesmo tentando

distanciar-se do sofrimento causado pelas guerras e perseguições.

Os espaços fotografados por Salgado são reconhecíveis, trazem à tona

uma força problematizadora, então estabelecem relação de correspondência

entre vida e arte. Em Êxodos, trabalho iniciado a partir da percepção das

migrações humanas ao longo da vida, inclusive as próprias, o fotógrafo capta

imagens de angústia, sofrimento, degradação, exploração, de morte: corpos

cadavéricos espalhados por savanas africanas, pessoas doentes com os olhares

tristes, famintos, sofridos; levas de pessoas sem destino certo, sem transporte,

sem aconchego. Em meio à destruição e flagelo da guerra, uma fotografia chama

a atenção: uma mulher negra e uma criança no seu colo, como se quisessem

dizer que confiam na possibilidade de voltar a viver normalmente, uma imagem

de esperança, confiança em que a situação provocada pelas guerras e

perseguições pode mudar a qualquer momento. Quem aprecia as imagens de

Êxodos permite-se pensar que talvez os refugiados percebam-se à margem

social, entretanto são capazes de sonhar e buscar um lugar em que se sintam

protegidos, com direito a um lugar permanente. Em muitas fotografias de

Êxodos, o território geográfico captado remete-nos à compreensão da diáspora

(HALL, 2015), ou seja, o sentimento de não pertencer a um lugar, de estar em

risco, ameaçado e, por conseguinte, sem o aconchego do lar.

Para Hall (2015, p. 52), há que se pensar em tradição e tradução para

tratar de identidades. Mesmo mantendo fortes vínculos com tradições culturais

que jamais voltarão, as pessoas dispersadas das suas raízes, do seu lugar de

origem, acabam negociando com novas culturas, em uma espécie de

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assimilação, tradução do que é possível realizar, procurando manter

traços identitários.

São perceptíveis os efeitos dessa dispersão dos sujeitos na produção das

fotografias de Salgado em Êxodos. As pessoas fotografadas e o próprio

fotógrafo, por razões distintas, migram com frequência. De um lado, o

deslocamento humano que implica descentração dos sujeitos, fato que

transparece nas fotografias; de outro, o deslocamento de um indivíduo viajante

com o objetivo de captar e registrar imagens fotográficas que remetam a

narrativas e práticas que não podem ser esquecidas. A permanência em cada

lugar dura o suficiente para estabelecer interação que implica conhecimento e

registro de nova cultura.

Em Gênesis, trabalho que possibilitou a Salgado oportunidade de

reconhecer seu espaço e repensar outros espaços, o fotógrafo pretendeu

mostrar a natureza: animais, lugares e povos que permaneciam como no

princípio dos tempos, como quem não percebe a modernidade. É resultado da

recuperação da crença no ser humano perdida durante a realização de Êxodos.

Os espaços registrados representam parte (quase metade do planeta) do que o

ser humano não destruiu, porque exercem o papel de alimentar a esperança, o

otimismo, a possibilidade de continuidade da vida com dignidade. De não

lugares, passaram a significar o encontro de Sebastião Salgado com um ponto

de vista: ser um cidadão que respeita a vida, que se sente parte do mundo, um

dos muitos elementos que constituem o mundo.

O OLHAR DO FOTÓGRAFO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA

Considerando que a linguagem artística da fotografia está relacionada à

sensibilidade e à imaginação as quais influenciam na reconstituição da imagem,

pode-se supor que o fotógrafo seleciona o que vai ficar em evidência, o que

deseja ressaltar daquela realidade; capta e registra a composição que lhe

interessa, que o anima e provoca, portanto cria efeitos de arte, o que pode não

se constituir um propósito do profissional, como Salgado afirma sobre o registro

de suas imagens reportagens. O olhar de quem aprecia a imagem fotográfica,

entretanto, decide se esta se enquadra como documento ou obra de arte.

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Enquanto, segundo Barthes (2006, p. 87), a pintura pode

registrar inclusive o que não é real, o mesmo não acontece com a fotografia, que

remete sempre a um referente real, em uma mistura do que existiu (realidade)

naquele momento (passado): “a coisa esteve lá”, “isto foi”.

Dubois (1994) apresenta três posições epistemológicas para refletir sobre

a representação do real e o aspecto documental da fotografia. No século XIX, a

imagem fotográfica era considerada uma imitação da realidade, o espelho do

real, concepção superada no século XX pela ideia de fotografia como

transformação do real. E a terceira abordagem, a fotografia como traço de um

real, mais recente, devido aos estudos dedicados ao sentido de índice e de

referência. Como índice, a fotografia refere-se ao objeto que ela significa, pois

cria a imagem pela ação da luz sobre o material; aponta para o objeto que

significa, sinalizando propriedades visíveis do mesmo, logo remete à percepção

de presença e realidade. Como afirma Signorini (2014, p. 88):

Se a imagem fotográfica em si (no momento do “clique”) é índice, pura conexão de fato, marca sem significado, esse significado pode contudo vir-lhe de fora, na relação concreta com a situação e com o ato que a faz existir: ato de escolha e enunciação pelo fotógrafo, ato de recepção e interpretação pelo espectador.

Sob esse ponto de vista, reconhece-se certo entrelaçamento de arte e

realidade. Não se trata de emissores dominantes e receptores passivos, pois a

fotografia possibilita a renovação da experiência, dado o impacto da globalização

sobre as identidades de quem produz e de quem aprecia fotografias, em função

do tempo e do espaço. Possibilita a reflexão, a enunciação e a interpretação

diversificadas, porque está fundamentada na compreensão dos registros, o que

depende do repertório cultural de quem produz e do receptor.

O olhar do fotógrafo expressa engajamento de acordo com os espaços

sociais por ele ocupados, por isso as imagens traduzem sua experiência

subjetiva, como um mediador. “Portanto, segundo as formas como capitaliza a

experiência adquirida, o fotógrafo assume uma postura em face da realidade

social que fotografa e, assim, consegue seu reconhecimento profissional.”

(MAUAD, 2008, p. 37)

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Há muito a considerar acerca dos processos de produção e

recepção da fotografia. Como ato humano, o ato fotográfico muitas vezes tem

caráter persuasivo, principalmente quando demonstra interesse pelo afeto, pelas

emoções; está associado a atos de enunciação, mas também ao instante

captado pela ação físico-química.

Desse modo, é importante considerar, como Barthes, que a fotografia

pode apresentar elementos descontínuos, que não pertencem ao mesmo

mundo. O que atrai o interesse, comove e afeta é o studium, ou seja, aquilo que

permite alguém se empolgar, investir e gostar de algo. “É pelo studium que me

interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos,

quer as aprecie como bons quadros históricos, porque é culturalmente (...) que

eu participo nas figuras, nas expressões, nos gestos, nos cenários, nas ações”

(BARTHES, 2006, p. 34-35). O autor acrescenta a existência de punctum,

elemento da fotografia que “perturba” o studium, “salta da cena, como uma seta,

e vem trespassar-me” (BARTHES, 2006, p. 35).

Em se tratando das fotografias de Sebastião Salgado, percebe-se a

beleza dos olhares e posições dos indivíduos constituindo quadros que sabemos

ter referência na realidade; não foram arranjados, mas captados. Como a

subjetividade e a imaginação norteiam as percepções estéticas em relação às

linguagens artísticas, é de suma importância o repertório artístico e cultural de

quem aprecia a fotografia. Esses elementos que motivam a percepção e a crítica,

em se tratando de ponto de vista dos efeitos de arte, devem, pois, constituir a

percepção de que a fotografia não é o espelho da realidade, mas uma recriação,

por isso a representa, a exemplo das outras linguagens artísticas. Assim, pode-

se afirmar que a fotografia pode transformar até mesmo o terrível, o cruel, a

degeneração, o abandono, a exclusão em belo, um dos princípios da arte.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fotografia possibilita diferentes leituras e interpretações. Como a

produção tem um lado subjetivo, porque é baseada em ponto de vista de alguém

que a concebe, de quem a materializa e isso também está associado ao tempo

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e lugar, a recepção é plural. O lugar de fala daquele que produz a

imagem fotográfica nem sempre coincide com o lugar de fala de quem a aprecia

e interpreta. Assim, faz-se necessário observar que a percepção dos espaços

motivacionais na fotografia de Sebastião Salgado aponta para o envolvimento

do público não passivo, que demonstra disposição emotiva (ou não) na

concretização de sua experiência estética. Saber, por exemplo, que Salgado

fotografou geleiras e registrou momentos que jamais se repetirão, dada a

natureza do lugar fotografado, torna as imagens de Gênesis singulares, belas,

pressupondo razões e emoções que guiam a forma de agir do receptor. Por sua

vez, o ato fotográfico engajado incrementa a criatividade e a técnica na produção

de imagens fotográficas que traduzem realidade, mas também possibilitam

experiência estética e, portanto, percepção artística.

Em Êxodos, os espaços comprovam o ser humano descentrado, não

pertencente ao lugar que gostaria de ter como casa, lugar identitário. Em

Gênesis, Salgado leva ao conhecimento do público espaços que fortalecem a

existência de animais e indivíduos, mesmo que temporariamente. No primeiro, o

receptor consolida a ideia de que os espaços fotografados não pertencem aos

indivíduos que por eles transitam como intrusos, indesejados, prestes a ter que

desocupar o território. No segundo, há uma aura de familiaridade, de

pertencimento, visto que traz lugares não disputados, não cobiçados e, portanto,

que não oferecem risco a certo bem-estar facilmente perceptível nas imagens

fotográficas de Gênesis. E o que concorre para essa diferenciação?

Precisamente o que motivou Sebastião Salgado: em Êxodos, a intenção foi

mostrar ao mundo o que o desrespeito e a ausência de alteridade são capazes

de produzir; em Gênesis, o objetivo foi demonstrar que o ser humano pode e

deve se sentir como parte do planeta Terra e, por isso, acreditar que a vida e no

amor à natureza, à vida, caminho possível, mesmo após tanto sofrimento e

destruição. Assim, é importante não esquecer o trabalho do fotógrafo brasileiro,

principalmente porque é uma forma de o ser humano não se esquecer de si

mesmo.

REFERÊNCIAS

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185 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2006. DELEUZE, Gilles. O que é o ato de criação? Tradução João Grabriel Alves Domingos. In: DUARTE, Rodrigo (org.). O belo autônomo: textos clássicos de estética. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora; Crisálida, 2013. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, Papirus, 1994. FABRIS, Anateresa. Discutindo a imagem fotográfica. Domínios da Imagem, Londrina, v. I, n. 1, p. 31-41, nov. 2007. Disponível em: http://www.uel.br/ HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Thomaz Tadeu da Silva & Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 4 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. MAUAD, Ana Maria. O olhar engajado: fotografia contemporânea e as dimensões políticas da cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 33-50, jan-jun 2008. SIGNORINI, Roberto. A arte do fotográfico: os limites da fotografia e a reflexão teórica nas décadas de 1980 e 1990. Tradução Carlos Alberto Dastoli. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

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A CONSTITUIÇÃO DA MONSTRUOSIDADE COMO CRÍTICA SOCIAL NO ESPAÇO FICCIONAL DE “AS PORTAS DO CÉU”, DE JULIO

CORTÁZAR

ELTON DA SILVA RODRIGUES1

Dentre os diversos temas abordados em Bestiário (2016[1951]), de Julio

Cortázar, há a constituição da monstruosidade no conto “As portas do céu”, única

narrativa em que a leitura do outro enquanto um monstro se dá explicitamente.

O conto, narrado em primeira pessoa pelo protagonista, o advogado Marcelo

Hardoy, discorre sobre o seu contato com pessoas de uma classe social inferior

à sua, e cujas áreas de contato com essas pessoas ocorre na realização de

atividades cotidianas. Além disso, as observações que o protagonista faz

ocorrem em locais marginais, espaços à margem do centro da cidade, como

lares humildes, cabarés e bares. Dessa forma, o presente trabalho tem como

objetivo relacionar a configuração espacial da narrativa a uma crítica social à

desigualdade econômica dirigida, à época, ao governo de Perón, mas que

persiste em toda América Latina.

Publicado pela primeira vez 1951, o Bestiário de Julio Cortázar reúne os

melhores exemplos da genialidade do autor, com contos que apresentam uma

mistura de surrealismo, experimentações do nouveau roman, simbolismo e

fantasia em cenários realistas divididos, na maioria dos contos, entre Paris e

Buenos Aires. Além do domínio da técnica, pode-se observar também, nos

contos, uma ligação com o período histórico da Argentina das décadas de 1940

e 1950. Julio Cortázar, que foi um dos maiores escritores argentinos, era um dos

intelectuais que se posicionava criticamente com relação ao governo de Perón.

Os contos, escritos ao longo dos anos 1940, apresentam críticas ao peronismo,

como “Casa tomada” e “As portas do céu”. Em Literatura e Sociedade, Antonio

Candido destaca o fato de que não é possível fazer uma análise somente pelo

aspecto estrutural da obra, bem como não se deve levar em conta somente os

seus aspectos extrínsecos: uma boa análise ocorre a partir da comunhão de

ambos. Ao levar em conta o contexto de produção dos contos, deparamo-nos

1 Graduando em Letras - Português da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Email: [email protected].

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com a realidade socioeconômica de países subdesenvolvidos e com

uma crítica social que, produzida a partir do contexto local, ganha proporções

universais, visto que a prevalência de uma elite em detrimento de classes sociais

menos favorecidas é um dos grandes problemas da atualidade. Além das

mudanças políticas que a Argentina atravessava, dentro do contexto histórico há

também uma expansão da indústria cultural, como o aumento significativo de

publicação de contos em revistas literárias.

“As portas do céu” é uma narrativa marcada pela oposição ente o

advogado e seus clientes, Mauro e Celina, e a curiosidade antropológica do

advogado de tomar notas acerca dos comportamentos dos outros, monstros, que

não alcançam a condição de humanidade e que devem ter sua descrição

fisiológica e seus comportamentos catalogados. O conto tem o seu início com a

morte de Celina, esposa de Mauro e ex-dançarina de um cabaré, por conta da

tuberculosa. Marcelo Hardoy, o advogado, é chamado para ir ao velório, e logo

após a sua entrada no bairro, começam as observações acerca dos hábitos das

pessoas que ali vivem. O contato e as saídas de Marcelo com seus clientes são

explicados no decorrer do conto por meio do espaço da memória. Em suas

lembranças, o personagem-narrador descreve as suas observações, abordando

o orgulho que seus clientes sentia por ter um amigo “doutor”.

O epíteto “douto”, aliás, como Hardoy é chamado pelo casal, é a que

demarca a distinção entre as classes. Conforme as próprias palavras de Hardoy:

Celina custou a deixar o ‘doutor’, talvez sentisse orgulho de me atribuir o título diante dos outros, o meu amigo doutor. Pedi a Mauro que falasse com ela, então começou a usar ‘Marcelo. Assim os dois se aproximaram um pouco de mim mas eu continuava tão distante como antes. (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 103)

Alguns dias após o velório, ao voltar de um evento, Hardoy convida Mauro

para ir a um cabaré, o Santa Fe Palace, o qual frequenta com frequência com o

intuito de tomar notas para sua pesquisa. É nesse espaço em que há a maior

reunião de monstros, uma vez que lá eles “aparecem às onze da noite, descem

de regiões imprecisas da cidade, pausados e seguros, a só ou em par, as

mulheres quase anãs e achinesadas, os homens parecendo javaneses ou

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mocovis...” (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 109-110). Ademais, Hardoy

descreve o local como um dos círculos do inferno de Dante, como se ele mesmo

fosse Virgílio, o guia, distinguindo-se de dos outros ali presentes.

Antes de adentrar na questão teórica com relação à constituição da

monstruosidade e a crítica social, é necessário observar que Hardoy exerce o

cargo de advogado, pertencendo, portanto, à classe alta; Celina, por sua vez, é

uma ex-dançarina de cabaré, e pertence à classe baixa; Mauro é zelador de um

mercado e possui ascendência italiana, sendo um meio-termo. Celina, na visão

de Hardoy, é quem mais se aproxima dos monstros, não apenas pela sua classe

social (classe que, após a união, torna-se a mesma que a de Mauro), mas

também pelos seus traços bugres. Desse modo, a questão étnica também é um

fator para a monstruosidade, como o próprio narrador descreve na narrativa.

Para Marcelo Hardoy, os sujeitos pertencentes à classe baixa que não

alcançam a condição de seres humanos são monstros que devem ser

catalogados, analisados, como outrora os monges católicos da Idade Média

fizeram ao descrever bestas imaginárias ou reais em seus bestiários. José Gil

(2006) nos diz em Monstros, um de seus livros que possui a monstruosidade

como tema, que essas criaturas não se situam fora do domínio humano, mas em

seu limite (como pode ser observado em “As portas do céu”), e são

“absolutamente necessários para [o ser humano] continuar a crer-se homem”

(José GIL, 2006, p. 14). Encontram-se no seu limite uma vez que estão à

margem da sociedade, não dela, e contribuem para que Hardoy reafirme a sua

diferença com relação aos outros. Desse modo, o espaço é o fator definitivo para

que se observa a crítica social a partir da monstruosidade.

Desse modo, surge a questão do lugar do monstro, os cabarés e os bares

em bairros afastados do centro da cidade, afirmando a separação de classes,

como se assim cada um fosse posto em seu lugar. Os monstros, aquém da

condição de serem humanos, tornam-se objetos a serem descritos; Marcelo

Hardoy, em determinado momento da narrativa, afirma que havia passado a

manhã inteira pensando em Celina, e não porque a esposa falecida de seu

cliente importasse, mas por aquilo que a ausência dela provocaria: “a ruptura de

uma ordem, de um hábito necessário.” (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 104-105).

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Isto é, não é a perda de um ser humano que importa para o

protagonista, mas sim a perda do hábito de descrever o seu objeto. O espaço do

monstro é aquele que o mantém objeto. Conforme Bachelard (2008) assevera,

os espaços de vivências são capazes de provocar sensações no sujeito ao ponto

de desencadear imagens mentais que repercutem na alma, e para Hardoy, o

convívio com o casal nesses espaços é tão forte que as imagens se fazem

presente ao longo de toda narrativa.

Relacionada à monstruosidade, há outra questão: a falta do

reconhecimento do outro enquanto ser humano. A falta de reconhecimento do

outro como sujeito é justamente uma das questões abordadas por Tzvetan

Todorov (2010) em A conquista da América, livro em que o escritor búlgaro

aborda as relações com outrem a partir da “descoberta” e colonização do

continente americano, tendo em conta que Cortez, apesar de se encantar com a

produção dos astecas, em nenhum momento os reconhece como sujeitos, fato

que vem a resultar em um dos maiores genocídios da história da humanidade. A

ausência do diálogo, para Todorov (2010), é um dos principais fatores para que

o outro não seja reconhecido como ser humano. Em “As portas do céu”, apesar

da presença do diálogo, em momento nenhum Hardoy realmente se permite a

ouvir a palavra do outro, fazendo-o apenas para tomar nota, por conta de seu

hábito.

Ademais, há a questão da crítica social que se dá por meio da

monstruosidade. As reformas instituídas por Perón foram criticadas não apenas

por Cortázar, mas também por outros intelectuais argentinos, como o próprio

Jorge Luis Borges. Isso porque, mesmo com as reformas, as mudanças reais

dificilmente puderam ser observadas. Octavio Paz (2015), ao analisar a situação

pós-colonial no México (uma situação semelhante em todos os países da

América Latina), aborda que a ausência de mudanças reais nas estruturas

econômicas, mesmo com as trocas de governos, por conta da manutenção do

poder na mão de elites, de modo que independência econômica do país tenha

resultado na “dependência das oscilações do mercado mundial, no exterior; e,

no interior, pobreza, diferenças atrozes entre a vida dos ricos e dos

despossuídos, desequilíbrio.” (PAZ, 2015, p. 175, grifos meus).

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Assim sendo, pode-se observar que além da incrível técnica de

Cortázar, há toda uma crítica que se faz presente no conto e que retrata uma

situação que se faz presente até hoje: a desigualdade econômica e a

manutenção de uma elite privilegiada que sobrevive da manutenção da pobreza

e desconhece a humanidade daqueles que não pertencem à sua classe. O conto

de Cortázar, dessa forma, apresenta, relacionando o espaço à monstruosidade,

uma crítica social que proporciona uma reflexão sobre o espaço, não apenas o

literário, mas aquele que o literário reflete e refrata, e as mudanças que podem

se feitas a partir dessa reflexão.

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos da teoria e história literária. 13. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2014.

CORTÁZAR, Julio. Bestiário. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

GIL, José. Monstros. Tradução de José Luís Luna. Lisboa: Relógio D’água, 2006.

PAZ, Octávio. O labirinto da solidão. Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. Tradução de Beatriz Perrone Moisés. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

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VEREDAS DE LIBERDADE: O SERTÃO COMO PROTAGONISTA DO QUADRINHO SANT´ANA DE FEIRA:

TERRA DE LUCAS

Gustavo Oliveira Campos1,

Maria das Graças Meirelles Correia2

INTRODUÇÃO

A História em Quadrinho ou HQ é um gênero textual que agrega a arte e

a escrita, em quadros, os quais, segundo Will Eisner (1886) “Tem como objetivo

narrar uma história, ou dramatizar uma idéia”. Para sequenciar classificação de

Ricciotto Canudo é denominada também como “Nona Arte”. Essas histórias

podem ser publicadas de vários formatos impressos e digitais, como revistas,

livros, websites e jornais, sendo o último responsável por difundir e popularizar

este gênero textual. As Hq surgiram no século XIX, mais especificamente no ano

de 1863, com o trabalho do escritor e desenhista alemão Wihelm Busch, cujas

obras, especificas para crianças, fizeram com que o gênero – por longo tempo –

se destinasse ao público infantil. No decorrer do século XX, as narrativas em

quadrinhos se ramificam em novos formatos e estilos e passam a se destinar a

públicos variados.

As HQs podem apresentar modos distintos de narrar que são publicados

em variados formatos. Os Gibis – designação mais usual no Brasil – contam

histórias curtas, encaixando-se numa revista de pequeno porte. Já as tirinhas ou

comic strips trazem narrativa estruturada em enunciados curtos e apontam

críticas gerais com humor; outra variação é a novela gráfica ou graphic novel,

que consiste em uma espécie de livro que conta uma longa história em forma de

desenhos e textos. O livro – Lucas de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas

(Secretaria de Cultura da Bahia, 2012), Marcos Franco e Hélcio Rogério –

estudado para a produção deste artigo, se enquadra na categoria de graphic

1Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 2Docente EBTT do Curso de Eletromecânica do IFBA campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];

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novel, pois apresenta uma longa história que explora arte sequência

para contar a narrativa imposta pelo roteirista.

No âmbito das histórias em quadrinhos, é perceptível o avanço nos

estudos deste gênero textual, um desses elementos é a definição de ESPAÇO

presente nas HQs, fazendo com que se perceba a relação da história e dos

personagens com o meio onde ele se encontra. O espaço nos quadrinhos é

formado a partir da junção de vários quadros, pois é desse modo que o leitor

percebe o cenário, onde o personagem está integrando e como o meio influencia

e colabora com a narrativa. Um exemplo pertinente é o quadrinho Demolidor

(STAN LEE e BILL EVERET, 1964), cujo protagonista é cego e se localiza

espacialmente por intermédio dos sentidos e mostra a interação do homem com

o espaço, influenciando a construção narrativa. A topoanálise, que segundo

Ozíris Borges Filho (2008), compreende o estudo do espaço literário. Por sua

vez, o espaço na narrativa tem várias funções pontuais, quer seja na formação

de personagens e em suas tomadas de decisão e ações, quer seja na tessitura

dos cenários por onde circulam as personagens no desenvolvimento do enredo.

Borges atenta ainda para o fato de o espaço ser responsável por configurar o

contexto socioeconômico da época onde a narrativa é contada, fazendo com que

caracterize protagonista e coadjuvantes. Assim, o meio influencia diretamente

na tomada de decisões dos personagens, pois é o ambiente que permite a

concretização das ideias de ações tomadas pelo protagonista, e essas mesmas

ações propiciam mudanças no espaço apresentado. No âmbito da natureza,

como o sertão, as áreas naturais são de bastante importância para o auxílio à

personagem, além de informar a capacidade socioeconômica que aquele meio

possui.

E é neste espaço físico sertanejo que a narrativa da graphic novel Lucas

de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas é contada, trazendo, assim, o personagem

Lucas e suas ações em meio a esse espaço apresentado. Podemos perceber,

em meio à história, a influência na natureza em meio a formação de caráter do

personagem e também auxilia as ações efetuadas por Lucas e como

modificavam o ambiente natural. A interação com o espaço é algo também

apresentado na obra trazendo um condicionamento natureza x homem. Desta

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maneira, o meio natural confere modificação de personalidade e

ambiente natural consecutivamente sofre a ação do personagem, tornando-se,

pois, uma paisagem cultural. Tais elementos são também destacados pela

topoanálise apresentada por Ozíris Borges Filho (2008), que aponta a natureza

sobre a influência humana.

Com base nessas definições e informações sobre o gênero textual, o

artigo estuda a influência do ambiente – o sertão baiano – na narrativa como

auxiliar para as ações do protagonista e para o encadeamento do enredo na obra

em tela.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Para elaborar esse artigo foi necessário ler e analisar a graphic novel

Lucas de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas (Secretaria de Cultura da Bahia,

2012), do escritor e roteirista Marcos Franco e do desenhista Hélcio Rogério. Por

sua vez, o processo de análise Para analisar a estrutura espacial da HQ, buscou-

se referências teóricas sobre as definições de espaço empregado na literatura.

Além disso, foram realizadas pesquisas bibliográficas em suporte digital e

impresso para auxiliar nas referências teóricas para a escrita do artigo. Nas

várias leituras realizadas, foram destacados quadros que ilustrassem as análises

nas discussões propostas nesse artigo.

Marcos Franco nasceu na cidade de Feira de Santana, sertão baiano, em

1975. Atua como roteirista de quadrinhos desde 1996, tendo vários trabalhos

publicados, porém acabou tendo mais visibilidade com a graphic novel, Lucas da

Vila de Sant’ana de Feira, sendo bem avaliado pela crítica e ganhando vários

prêmios, como do 2° Concurso Nacional de Roteiros, o Prêmio DB Artes de

melhor publicação independente de 2010, promovidos pelo HQ Festival Sergipe.

Ainda em 2010, foi premiado em duas categorias do 27° Prêmio Angelo Agostini:

Melhor Roteirista e Melhor Lançamento Independente. Hélcio Rogério nasceu

em 1973, na cidade de Feira de Santana, onde até hoje reside, iniciou sua

carreira como ilustrador de quadrinhos em 1998, participando em revistas

independentes

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Com o sucesso da graphic novel, Marcos trouxe a continuação

– Lucas de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas, que conta a história da ascensão

e queda de Lucas. Numa narrativa em flashbacks conta como o protagonista

acabou se refugiado no sertão da Bahia e tornando-se lendário entre os escravos

foragidos. Da fuga à fama, a narrativa mostra o percurso de Lucas no sertão,

conforme apresenta nos quatros abaixo:

Figura 1 - Sant'ana de Feira: Terra de Lucas

Fonte: p. 44

Lucas cresceu nas áreas rurais do sertão baiano, ainda criança fugiu da

senzala onde era escravizado. Desde a infância, apresenta como traços

marcantes de personalidade a ousadia e a capacidade de insurgir-se: revolta-se

com as condições de vida dos negros no período e este sentimento se concretiza

com a fuga. Por ser um escravo foragido, é obrigado a continuar no sertão,

sendo, portanto, levado a aprender a conviver com a natureza de onde retira

alimentação e moradia.

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A vivência de uma pessoa nas áreas rurais sertaneja não era

comum, logo o protagonista aproveitava-se da inexperiência dos demais

personagens para efetuar ações sobre as pessoas. Podemos ver isso na

primeira ação apresentada no livro, feita por Lucas com auxílio da natureza,

assim como demonstra a imagem a seguir:

Figura 2 - Sant’ana de Feira: Terra de Lucas

Fonte: p. 42 e 43

Na cena, podemos ver o protagonista escondido nas árvores, utilizando-

se do espaço natural como apoio; na sequência, Lucas se revela assustando

crianças com a imprevisibilidade, obtendo, assim, a arma que o ajudaria em sua

jornada.

Na obra, o autor tenta trazer uma boa construção do espaço do sertão

baiano, incrementando características da condição ecológica da região, fazendo

com que o leitor entenda toda a estrutura do bioma encontrado nas áreas rurais

da Vila de Sant’ana de Feira, cuja vegetação é formada por cansanção, xique-

xique, gravata, sisal, cabeça de frade, dentre outros que se limitam a região

nordestina brasileira. Com o prosseguir da obra é possível perceber a interação

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do protagonista com a ecologia encontrada, isso ocorre principalmente

por Lucas ser um negro rebelde refugiado. Neste espaço de liberdade, o sertão,

em um período escravagista, Lucas desenvolve o modus operandi de sobreviver

às intempéries e se transforma em um caçador de recompensas, fazendo suas

caçadas no âmbito rural com o auxílio da natureza. Assim como foi feita a sua

primeira interação com esse espaço, representada na Figura 2, podemos ver o

bioma e a interação com o espaço na Figura 3 e 4, respectivamente.

Figura 3 - Sant’ana de Feira: Terras de Lucas

Fonte: p. 58.

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Figura 4 - Sant’ana de Feira: Terras de Lucas

Fonte: p. 70

Na Figura 3 é possível perceber a construção um ambiente, utilizando a

natureza sertanesca, para inserir uma ação de encontro entre Lucas e um

possível contratante. Lucas utiliza do espaço do sertão para instalar sua rede de

negócios; neste espaço tanto recepciona os mandantes dos serviços, para

receber encomendas de emboscadas como para os “senhores” realizarem o

pagamento de serviços prestados ao ex-escravo.

Essa ação de encontro junto com o espaço da natureza cria um ambiente,

na qual pela concepção de Borges (2008), tem como definição “a soma de

cenário ou natureza mais a impregnação de um clima psicológico”. O clima de

tensão instala-se no curso destes encontros e se forma a partir das ações dos

personagens envolvidos na cena.

Na Figura 4, podemos ver Lucas castigando o personagem Mané Pinga-

Fogo, por conta de um contraposto as ideologias do personagem principal. No

processo de punição, Lucas apanha um cansanção que se caracteriza pela

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sensação de queimadura ao toque com a pele; utilizando este atributo

da vegetação local, Lucas agride Mané com várias chibatadas, deixando-o com

várias queimaduras pelo corpo.Nessa cena é possível concluir que o autor

buscou situar o leitor ao tipo de natureza encontrado na graphic novel, pois o

cansanção é uma planta limitada ao nordeste brasileiro e muito conhecida pela

abundância no sertão da Bahia. O protagonista, bem integrado ao espaço, tem

conhecimentos das propriedades biológicas da planta, logo utiliza da natureza

para seu benefício criando, assim, uma interação homem/espaço representado

em todo o quadrinho.

Outros quadros que podem representar a interação entre Lucas e o Sertão

estão presentes na figura 5, onde apresenta o protagonista, utilizando da

plantação de mandacaru, continua a punir Mané Pinga-Fogo. O mandacaru é

uma planta hidrófila, cujos espinhos pontiagudos são responsáveis por

causarem dor no contato com a pele.

Os quadros apresentados, relacionados ao embosco ao personagem

Mané, evidenciam que Lucas aproveita-se do conhecimento do ambiente onde

vive, para efetuar torturas, punições e capturas que lhe rendem recursos para

sobreviver.

Figura 5 - Sant’ana de Feira: Terras de Lucas

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Fonte: p. 74

Com base neste estudo, é possível analisar a obra e perceber que as

ações do protagonista demarcam alta posição neste espaço. Cria-se em torno

dele várias lendas, por meio do temor que a população de Feira de Santana

desenvolve em relação a Lucas, cujo respeito e imponência espalha-se na

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região. Assim, essa formação de ambiente cria uma relação de

dominação-apropiação da terra ali apresentada. Podemos ver isso logo com a

leitura do título da obra, “sant’ana de Feira: Terra de Lucas”. O termo “Terra de

Lucas”, já diz ao leitor que o ambiente a ser apresentado está sobre grande

influência do protagonista, criando, assim, uma análise de que o território do

sertão de Feira de Santana está sobre domínio de Lucas.

Em contraposto ao que é apresentado, no decorrer da narrativa,

autoridades do interior da Bahia se incomodam com o temor e crimes cometidos

pelo protagonista, logo se cria um conflito Lucas e o governo, que segundo a

definição de território, se configura em uma disputa de poder.

Com esse conflito marcado na obra, Lucas acaba sendo caçado pelas

autoridades estatais. Todavia, as tentativas de capturá-lo são frustradas pelo fato

do personagem conseguir utilizar do espaço da natureza do sertão em seu

auxilio. Para contrapor esse favoritismo do protagonista nesse espaço, o estado

busca por José, personagem que, junto com Lucas, também cresceu no espaço

do sertão de Feira, fato que o permitiu a ter conhecimento semelhante. José

estava sob custódia das autoridades e lhe foi ofertada a liberdade caso auxiliasse

na captura ou assassinato de Lucas. José aceita e, num momento de descanso

do protagonista, atira e fere Lucas, facilitando assim a captura e morte do

personagem.

A captura e morte de Lucas demarcam o final trágico da narrativa, por

meio da qual é possível perceber que Lucas o desenvolvimento e ascensão de

Lucas legou-lhe fama, tornando-lhe um dos personagens míticos do sertão

nordestino. Esta fama se deu graças ao auxílio da natureza. A partir da

convivência com o ambiente natural cria ambientes favoráveis para suas ações.

Contraditoriamente, foi morto por meio do auxílio do mesmo espaço que o ajudou

a sobreviver. Desta maneira, a narrativa encena o ciclo da vida do personagem:

amadurecimento, reconhecimento e morte por meio das inter-relações com

sertão baiano.

CONCLUSÃO

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Este artigo analisa como a Graphic Novel Lucas de Sant´ana de

Feira: Terra de Lucas mostra o espaço da natureza do sertão baiano e como

esse meio influencia na personalidade do protagonista, trazendo também o

processo de condicionamento natureza x homem e de auxilio nas ações de

Lucas no curso da narrativa. Por intermédio de as análises, fica perceptível as

construções de ambiente, feitas pela natureza e ações propagadas pelos

personagens e bem como em processos auxiliares do espaço sobre o

protagonista. Desta maneira, por meio da leitura e análise é possível afirmar que

o espaço em tela – o sertão nordestino – teve protagonismo na obra.

REFERÊNCIAS FRANCO, M; ROGÉRIO, H., Sant’ana de Feira: Terra de Lucas. Feira de Santana. Secretaria de Cultura da Bahia, 2012. 178pg. BORGES FILHO, O. Espaço e Literatura: introdução à topoanálise. XI Congresso Internacional da ABRALIC, São Paulo, p. 1-7, Jul, 2008. Disponível em <

http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf >Acesso em: 14.10.2017 LUCAS, R.J.L O espaço nos quadrinhos: entre as formas diegética e gráfica. Fortaleça. 18pg. SILVA, Fabio Luiz Carneiro Mourilhe. O Quadro nos Quadrinhos. Rio de Janeiro: Multifoco, 2010. EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário cartunista. WMF Martins Fontes, SP, 4ª ed, 2012. PINTA, Patrícia Kátia da Costa. Literatura em quadrinhos: arte e leitura hoje. 1ª ed. – Curtiba; Appris, 2012.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O ESPAÇO GÓTICO NA FICCIONALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS MESSIÂNICOS BRASILEIROS

Hélder Brinate Castro (UERJ)1

A poética gótica

A ausência de univocidade do termo “gótico” reflete sua notável

capacidade de adaptar-se a contextos diversos (cf. STEVENS, 2000; BOTTING,

2014). Uma rápida consulta a dicionários apontará, ao menos, quatro

significados principais: (i) um adjetivo pátrio referente a uma das tribos

germânicas responsáveis pelo declínio do Império Romano, os Godos; (ii) um

termo renascentista empregado para nomear o estilo arquitetônico medieval,

considerado “bárbaro”, sem refinamento, em oposição à arte clássica; (iii) o

grupo de romances e narrativas britânicas escritas entre 1764 e 1820,

caracterizado pela produção de terror e/ou horror como efeito de recepção; e (iv)

uma subcultura da arte e da moda contemporânea identificada pelo apreço às

temáticas da melancolia, do terror e da morte.

A extensa e intricada história do vocábulo “gótico” parece frustrar qualquer

tentativa de conciliar seus conceitos mais restritos com seus sentidos mais

amplos. No campo dos estudos literários, costuma-se, todavia, compreender o

Gótico de acordo com duas perspectivas: uma que o considera como um gênero

historicamente determinado, e outra, como uma tendência mais persistente e

abrangente dentro da ficção como um todo. Conforme a primeira compreensão,

o Gótico é um fenômeno histórico-literário, cujo auge, situado entre a segunda

metade do século XVIII e o início do XIX, caracteriza-se pela produção de uma

ficção popular associada a uma visão sombria e decadente da vida, em que

escritores como Horace Walpole, Ann Radcliffe, Mary Shelley e Matthew Lewis

deixaram sua marca. Tal concepção não impossibilita, porém, a manifestação de

revivalismos góticos nos séculos posteriores, pois, conforme David Stevens

(2000), o próprio Gótico setecentista teria sido um revivalismo da preocupação

1 Hélder Brinate Castro é bacharel e licenciando em Letras: Português e Literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e faz parte dos seguintes grupos de pesquisa: “Estudos do Gótico”; “Vertentes do Fantástico na Literatura”; e “Nós do Insólito: vertentes da ficção, da teoria e da crítica” . E-mail para contato: [email protected].

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

com temáticas medievais e fantasiosas. A segunda perspectiva, por

sua vez, considera o Gótico menos como um movimento artístico restrito a locais

e momentos históricos específicos e mais como uma disposição do espírito

moderno que alterou, significativamente, os modos de pensar, sentir e expressar

a arte na modernidade. Trata-se, assim, de um fenômeno transcultural

caracterizado por uma visão de mundo negativa e desiludida com a realidade.

Compartilhando desta última concepção, Julio França (2017) afirma que

o Gótico seria a amálgama entre uma interpretação do mundo e uma linguagem

artística altamente estetizada que, despontada no contexto cultural da segunda

metade do século XVIII, teria se adaptado, em seus diversos revivalismos, às

ansiedades e aos medos da sociedade moderna. O Gótico configura-se, pois,

como uma faceta desiludida da natureza humana que transpassa múltiplas

manifestações culturais e estabelece-se, no campo da arte, como uma poética

negativa. Para Botting (2014, p. 2, tradução minha),

A bondade, seja em termos morais, estéticos ou sociais, não se faz presente nos textos góticos. É o vício que lhe interessa: os protagonistas são egoístas ou maus; as tramas envolvem decadência ou crime. Seus efeitos, estéticos e sociais, são repletos de características negativas – não há beleza, nem demonstrações de harmonia ou proporção. Deformados, obscuros, feios, lúgubres e completamente avessos aos efeitos do amor, da afeição ou dos prazeres nobres, os textos góticos inscrevem a repulsa, o ódio, o medo, a aversão e o terror.

A partir dessa perspectiva, estudos recentes no âmbito da literatura

brasileira (cf. FRANÇA, 2017) vêm demonstrando que nossa produção ficcional,

diferente do que evidenciam os estudos literários dos séculos XIX e XX,

apresenta influxos da poética gótica, muitas vezes incompreendidos e

menosprezados pela crítica nacional. Dos muitos elementos comuns entre as

letras brasileiras e a ficção gótica, há pelo menos cinco pontos que surgem como

fundamentais: (i) a construção de espaços narrativos como loci horribiles; (ii) a

relação fantasmagórica com o passado, que ressurge para assombrar o

presente; (iii) a caracterização de personagens como monstruosidades devido à

própria natureza humana ou a psicopatologias; (iv) o desenvolvimento de

enredos que exploram, tanto no plano da diegese quanto no da recepção, efeitos

melodramáticos e emocionais; e (v) a utilização contínua de campos semânticos

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

relacionados à morte, à morbidez e à degeneração física e mental.

Tendo em vista a limitação espacial do presente ensaio, focalizar-se-á o primeiro

tópico, ainda que os demais sejam explorados ao longo do estudo.

O Espaço no Gótico Literário

O espaço é um elemento central nas narrativas góticas. Em muitos casos

é personificado, tornando-se ele próprio uma monstruosidade capaz de gerar

seus próprios monstros. O locus horribilis pode ser, de fato, considerado um

tópos do Gótico literário, uma vez que não são raras as narrativas que tematizam

locais sinistros, principalmente castelos, casarões arruinados, espaços

religiosos, florestas e cidades labirínticas. Essas localidades, evocando emoções

de encarceramento e poder, situam-se em regiões isoladas, fora do alcance da

lei e da autoridade civilizadas, o que as torna ambientes sem proteção contra o

terror, onde a escuridão e a estrutura desordenada estimulam medo e fantasias

irracionais.

Esses ambientes não apenas inspiram medos e ameaças por meio de

suas características físicas e concretas. As percepções subjetivas dos indivíduos

sobre os locais também configuram importante fator tanto para a gênese quanto

para a intensificação de apreensões e pavores. Tais percepções não são, porém,

somente idiossincráticas, mas respondem a certas condições culturais, do que

depreende a complexidade das paisagens do medo (cf. TUAN, 2005, p. 12),

dependentes da consubstanciação de aspectos objetivos do espaço físico com

a subjetividade do espaço psicológico. No caso da literatura, as idiossincrasias

geofísicas e socioculturais subordinam-se sempre à perspectiva de quem os

presencia e/ou descreve (narradores e personagens) e à de quem os

experimenta (personagens e leitores). Tomemos como ilustração de uma

paisagem do medo a seguinte descrição do castelo do romance The Mysteries

of Udolpho (1794), de Ann Radcliffe:

“Lá”, disse Montoni, falando pela primeira vez em muitas horas, “está Udolpho”. Emily contemplou o castelo, que compreendeu ser de Montoni, com um terror melancólico; pois, embora fosse iluminado pelo pôr do sol, a grandeza gótica de seus traços e os seus arruinados muros de pedras cinza tornavam-no sublime e

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sombrio. Conforme ela olhava, a luz desaparecia das muralhas, deixando uma melancólica cor roxa, que se espalhava ficando cada vez mais escura, enquanto as ameias acima ainda mantinham o esplendor. Destas também os raios de sol desvaneceram prontamente e todo o edifício foi envolvido pela solene escuridão da noite. Silencioso, isolado e sublime, ele parecia o soberano da cena e desafiava a todos que se atrevessem a invadir seu reino solitário. À medida que o crepúsculo adensava, os aspectos do castelo tornavam-se mais horríveis na escuridão, e Emily continuava a contemplar até que somente suas torres aglomeradas fossem vistas, erguendo-se sozinhas sobre os topos das árvores, sob as quais densas sombras de carruagens começavam a subir. A extensão e a escuridão dessas altas árvores despertaram espantosas imagens na mente de Emily, quem quase esperou que surgissem bandidos escondidos entre a floresta. Ao longe, as carruagens apareceram sobre uma rocha com vegetação rasteira e, logo após, alcançaram os portões do castelo, onde o intenso tom do sino do portal, balançado para avisar da chegada da comitiva, aumentou as terríveis emoções que assaltavam Emily. (RADCLIFFE, 2008, p. 226-227, tradução minha)

Na passagem, o castelo, situado à beira de um precipício, é descrito

durante o crepúsculo, acentuando seu aspecto sombrio, misterioso e sublime.

Sob a perspectiva abatida da heroína do romance, Emily, a construção torna-se

mais ameaçadora, o que ocorre principalmente pelo emprego constante de

vocábulos associados ao campo semântico da morbidez e da degradação, como

“arruinados”, “sombrio”, “melancólica”, “horríveis”, “sombras” etc. O edifício

desvelava-se ainda de forma a sugerir a possibilidade de ser um local mal-

assombrado, palco de transgressões morais e físicas, o que se confirma ao longo

do romance: o encarceramento de Emily e o cruel tormento de sua tia, que

sucumbe à perversidade de Montoni, constituem acontecimentos que

intensificam o caráter nocivo do local. O castelo de Udolpho emerge, assim,

como um dos mais eminentes loci horribiles da produção radcliffeana e também

do Gótico literário.

O espaço gótico dos movimentos messiânicos brasileiros

Enquanto o Gótico setecentista explora castelos, mosteiros e casarões

arruinados para evocar emoções de encarceramento e poder, a literatura

brasileira da segunda metade do século XIX tem os sertões e os ambientes rurais

do Brasil como um de seus principais loci horribiles. Longe de servir somente

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206 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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como pano de fundo para a composição da “cor local”, tais localidades

constituem fator essencial para as narrativas com influxos góticos ali

ambientadas. Se, na literatura gótica europeia, o clima enevoado e frio propicia

a gênese de cenários melancólicos e amedrontadores, na literatura brasileira, o

sertão desconhecido, desabitado e isolado induz a criação de paisagens

ameaçadoras e soturnas. Euclides da Cunha, n’Os Sertões (1902), aponta tal

paralelo: “Há, ali [o sertão nordestino], toda a melancolia dos invernos, com um

sol ardente e os ardores do verão!” (CUNHA, 2011, p. 56). Na região brasileira

de clima tropical semiárido, com temperaturas elevadas e com os menores

índices pluviométricos do país, alguns autores dos Oitocentos encontraram solo

fértil para a produção de uma literatura capaz de gerar o medo artístico, em que

técnicas narrativas típicas da poética gótica mostram-se essenciais.

Além de essas localidades apresentarem condições topoclimáticas

adversas à vida humana, seu isolamento e, por conseguinte, seu alheamento a

uma educação formal e às explicações científicas divulgadas no litoral brasileiro

da segunda metade do século XIX acentua a crença das populações sertanejas

e rurais em lendas e superstições, o que conforma contexto propício para a

manifestação de topoi góticos. É de se esperar, portanto, que a ficcionalização

de movimentos messiânicos, marcados por episódios de crença extremada e de

repressões truculentas, atribua características sombrias, fúnebres e grotescas a

ritos e rituais de bases sociorreligiosas, pintando, assim, um quadro típico das

narrativas góticas.

Nos romances O reino encantado: crônica sebastianista (1878), de Tristão

de Alencar Araripe Júnior, e Os Jagunços: novela sertaneja (1898), de Olívio

Barros (pseudônimo de Afonso Arinos de Melo Franco), os narradores, ao se

utilizarem de uma retórica macabra e horrorizante para descrever,

respectivamente, os movimentos messiânicos de Pedra Bonita/Pedra do Reino

e de Canudos, constroem uma paisagem nordestina lúgubre e obscura,

transformando o sertão em um autêntico locus horribilis. Em ambas as

narrativas, o espaço não é apenas o palco em que se praticam e sofrem as

atrocidades das tramas, mas também é o principal responsável pela constituição

de uma atmosfera opressora e funesta. Se O reino encantado descreve o sítio

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dos rituais místicos da seita de Pedra Bonita de forma a provocar

sentimentos de horror e ojeriza, Os Jagunços, por sua vez, utilizam-se da

natureza sertaneja para explicitar o terror dos soldados republicanos diante dos

canudenses, que parecem fundir-se à hostil vegetação local, conferindo-lhes

aspecto sobrenatural.

O livro do aclamado crítico literário narra as desventuras do fazendeiro

Bernardo de Vasconcelos, que, além de ter suas fazendas destruídas, tem sua

filha Maria raptada pelos membros da seita sebastianista, os também autores da

ruína de suas propriedades. Com o intuito de resgatá-la, Vasconcelos, com a

ajuda de alguns de seus subordinados e de integrantes da Igreja e do governo,

organiza uma comitiva que enfrenta uma árdua jornada pelo sertão nordestino

até adentrar Serra Formosa, onde ocorrem os rituais de Pedra Bonita. Ao longo

do trajeto, as personagens sentem-se amedrontadas e intimidadas. Tais

sentimentos exacerbam-se ainda mais à medida que se aproximam do local. É,

contudo, a partir da descrição do arraial de Pedra do Reino, sob a perspectiva

de Manuel Velho, feitor de Vasconcelos, que se condensa e se revela

explicitamente o medo sentido pelos indivíduos não sebastianistas diante do

movimento messiânico:

Dirigindo suas vistas para a esplanada, Manuel Velho, cujos cabelos erguiam-se sob o chapéu de couro, quase caiu agitado por uma convulsão que percorreu-lhe todo o corpo. Mil visões e avantesmas passaram-lhe pelos olhos. E o quadro não era para menos... Havia em tudo quanto o circundava um aspecto pavoroso, que crescia à proporção que se avisinhava dos rochedos. Entre estes, no fundo da tela, suspendiam-se, destacando-se do resto, duas gigantescas rochas quase iguais na altura, retas, separadas entre si por um mui pequeno interstício, que pela alvura assemelhavam-se a dois fantasmas envolvidos em amplas mortalhas. Por capricho do acaso acontecia que, ao tempo em que Manuel desembocava na esplanada, o globo prateado da lua, colocando-se por traz desses duendes de granito, cercava-os de uma espécie de auréola diáfana, esbranquiçada, projetando a sua sombra imensa até onde estavam os nossos observadores. (ARARIPE JÚNIOR, 1878, p. 60)

Ao se deparar com o povoado, Manuel Velho apavora-se de forma similar

a Emily quando esta contempla o castelo de Udolpho. Enquanto a heroína do

romance de Radcliffe possui uma disposição anímica sensível e frágil, o feitor da

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narrativa de Araripe Júnior mostra-se, porém, destemido, o que não o

impede de se horrorizar diante das duas pedras que, conforme os adeptos da

seita, seriam as torres da catedral enterrada. Aponta-se, pois, que o arraial de

Pedra Bonita é tão assombroso e ameaçador que, perante ele, os mais corajosos

feitores do sertão sucumbem. Para tal, o narrador, ao empregar vocábulos do

campo da morte e do sobrenatural, descreve as rochas como fantasmas e

duendes, cuja aparência ganha contornos mais aterrorizantes sob a luz diáfana

de um luar nebuloso, reforçando os aspectos sobrenaturais e soturnos do local.

Conforma-se, assim, um legítimo locus horribilis, que aguça o sentimento de

medo da personagem e, por extensão, do leitor.

Se n’O reino encantado, o povoado de Pedra do Reino é o principal locus

horribilis da trama, n’Os Jagunços, todo o sertão da Bahia recobre-se de

aspectos fúnebres, em especial durante os inúmeros embates travados entre os

canudenses e as tropas do governo, como se nota no seguinte excerto:

(...) Para os soldados havia qualquer coisa de estranho, ou de sobrenatural naquela subitânea e tremenda agressão. Em vão, seus olhos, depois de rápido encontro, muitas vezes corpo a corpo com o inimigo, pesquisavam o campo e penetravam perscrutadores na sombra das caatingas: tudo parecia silencioso e deserto. Nem o mais leve palpitar de asas de um pássaro alvoroçado vinha dar uma nota de vida à solidão; as próprias árvores, mudas e tristonhas, com as folhas de um verde tirante a amarelo; as próprias árvores, mesquinhas, de tronco rugoso e cinzento, como que estortegadas na luta contra a dureza e a sequidão da terra ingrata — soerguiam-se do solo com ar de desconfiança e de hostilidade. Toda aquela região deserta e morta, áspera e brutesca sacudia-se de repente vomitando tiros, derramando na força invasora o pavor do assombramento, e logo depois recolhia-se na mudez e na solidão. Já então os soldados viam por toda a parte sombras de inimigos; cada tronco parecia abrigar um poder invisível de agressão e de morticínio (...). A tarde ensanguentara o céu, e os raios do sol no declínio rasgavam as nuvens como longas espadas refulgentes. [...] A aproximação da noite, a ameaça da treva, criava na paisagem formas temerosas e levantava sons inauditos, que pareciam silvos de cobras, vozes de morcegos, ranger de ferro e pracatar de passos correndo. (ARINOS, 1898, p. 200-201)

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No momento da batalha com as tropas republicanas, os

membros de Canudos adquirem feições sobrenaturais, fundindo-se à própria

flora sertaneja, caracterizada como sorumbática e tortuosa devido à adversidade

do sertão baiano ao ser humano. Diante da região desconhecida, qualificada

como “deserta e morta, áspera e brutesca”, e do hábil jagunço, os soldados

republicanos apavoram-se e perdem a luta, cuja violência reflete-se na descrição

do crepúsculo com cor vermelho-sangue e com raios de sol cortantes. O

anoitecer traz ainda outras adversidades: a ameaça das trevas para os agentes

do governo, que se encontram em uma terra onde os sons dos animais acentuam

o caráter sobrenatural e atemorizante da noite, aguçando-lhes o instinto de

proteção: o perigo está em todo parte, porém não se pode vê-lo nem combatê-

lo.

Os movimentos messiânicos de Pedra Bonita e de Canudos adquirem,

portanto, nas escritas de Araripe Júnior e de Afonso Arinos, respectivamente,

aspectos tétricos e sombrios, despontando o sertão nordestino como um local

inóspito, sobrenatural e ameaçador. Presencia-se, pois, em meio ao calor

tropical das letras brasileiras, a composição do característico locus horribilis das

narrativas góticas e de paisagens do medo, em que os aspectos físicos e

concretos das localidades somam-se à reação das personagens e dos

narradores de forma a gerar e intensificar o medo como efeito de recepção.

Referências bibliográficas

ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. O reino encantado: crônica sebastianista. Rio de Janeiro: Tipografia da Gazeta de Notícias, 1878. ARINOS, Afonso. Os Jagunços: novela sertaneja. v. 1 e 2. São Paulo: O Comércio de S. Paulo, 1898. BOTTING, Fred. Gothic. 2. ed. London: Routledge, 2014. CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 [1902]. FRANÇA, Julio. O sequestro do Gótico no Brasil. In: _____; COLLUCI, Luciana. As nuances do Gótico: do Setecentos à atualidade. Rio de Janeiro: Bonecker, 2017. p. 111-124. RADCLIFFE, Ann. The Mysteries of Udolpho. Oxford: University Press, 2008.

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STEVENS, David. The Gothic Tradition. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

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DIÁRIO DE LEITURA: UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO

Josué Rodrigues Frizon1

Mediadores de leitura, com pouca ou larga experiência, talvez muito já

tenham se questionado sobre seu trabalho com a mediação. Como formar novos

leitores? Quais os desafios e oportunidades que nós, educadores, temos em

mãos para contribuir no sentido de que nossos alunos tenham um

comportamento leitor? E ainda, como propiciar experiências de leitura literária

num universo tão vasto de tantos entretenimentos? Esses e outros

questionamentos sempre vêm à tona quando se tem o desejo de contribuir para

a formação social de nossos educandos por meio da literatura. No entanto,

sabemos que essa não é uma tarefa fácil e, ainda, não existe uma receita. O que

há são caminhos, descobertas e muito trabalho. Os resultados valem a pena e

possibilitam acreditar num futuro melhor. Já as reflexões nos dão perspectivas

para continuar “remando”, vencendo obstáculos e construindo.

Também, todo professor mediador provavelmente carrega consigo

experiências de sua trajetória enquanto aluno e profissional da educação.

Existem vivências que são guardadas para sempre, que são reproduzidas e,

mesmo em outro ambiente, em outro contexto, em outro tempo, continuam tendo

sentido. Ao mencionar isso, quero me referir a minha experiência enquanto leitor

em formação e também professor mediador de leitura. Nesse sentido, o trabalho

que ora apresento busca relatar a experiência de uma atividade de mediação

que foi realizada com 35 alunos de uma turma de 9º ano, do Colégio Franciscano

Cristo Rei, do município de Marau – no Planalto Médio do Rio Grande do Sul, no

primeiro semestre de 2017.

Sendo professor titular da disciplina de Língua Portuguesa e de Produção

Textual, e ainda realizando um trabalho na biblioteca escolar da instituição, o

meu objetivo na experiência foi verificar, através da criação de Diários, tipos de

leituras que eram realizadas pelos jovens alunos. O trabalho teve como meta,

igualmente, contribuir para a formação de novos leitores de literatura gaúcha,

1 Doutorando em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: [email protected].

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212 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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através das mediações realizadas na referida biblioteca. Isso pelo fato

de que se verificou, nas experiências anteriores enquanto docente em cinco

escolas públicas (estaduais e municipais) e privadas do RS, que o incentivo para

formar leitores de literatura regionalista pouco ocorria. Também, prezei em

continuar um trabalho iniciado quando da realização do meu Mestrado em

Letras, na Universidade de Passo Fundo – RS, cuja pesquisa analisou uma outra

experiência de mediação de leitura com vistas a contribuir para a formação de

leitores do escritor gaúcho Josué Guimarães.

Importante frisar que, ao pensar neste trabalho de mediação, tive como

base uma experiência pessoal, acontecida no período em que fui aluno na 6º

série de Ensino Fundamental, de uma escola também do interior do estado.

Naquele período tive uma experiência, proporcionada por uma professora

mediadora de leitura, que me marcou enquanto leitor em formação. A referida

professora criou com a minha turma um Diário de Leitura em que era possível

registrar, diariamente, anotações das narrativas lidas em casa e nas aulas. O

incentivo com relação ao hábito de leitura e do registro daquilo que se lê persistiu

ao longo do tempo e faz parte de minha prática enquanto docente.

Na experiência aqui apresentada e que agora envolve meus alunos,

ocorrida desde o início do ano letivo 2017, inicialmente foi proposto aos

educandos a produção de diários. A oportunidade deu-se através de uma

conversa bastante tranquila, em que ficou claro para os jovens que o objetivo

principal da atividade não era realizá-la para avaliação trimestral, para obtenção

de uma nota, e sim ter uma experiência diferenciada de escrita como produto

das leituras que faziam. De imediato a tarefa foi aceita e, assim, iniciaram-se as

visitas à biblioteca escolar onde começamos com as leituras compartilhadas de

contos da obra O cavalo cego, de Josué Guimarães. Foi elucidada aos

educandos a possibilidade de também, em seus diários, registrarem

considerações a respeito de séries, filmes, jogos, letras de músicas que mais

gostavam. Ou seja, o material não serviu apenas para o registro de suas leituras

em livros impressos. Assim, adentrei um pouco mais no universo particular de

cada um, tendo gradativamente maior percepção daquilo que era vivenciado por

estes. Além disso, busquei incentivar o hábito da escrita por parte do público-

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213 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

alvo, esta que é também uma dificuldade comum para os docentes de

língua portuguesa.

O que contam os Diários de Leitura

A atividade de mediação de leitura ocorreu até agosto de 2017 e

possibilitou algumas constatações e reflexões. A primeira delas diz respeito à

diversidade de leituras realizadas pelos jovens estudantes. Sejam no meio

impresso, em tablets, em nootbooks, em celulares ou em outros aparelhos

eletrônicos, são muitos e variados os textos lidos, que vão desde livros sobre

séries de TV como The Walking dead até poemas de Fernando Pessoa. Harry

Potter e outras obras de vários volumes são registros frequentes. Mas não ficam

de fora letras musicais com autoria de Tom Jobim por exemplo, ou poemas como

os do gaúcho Mário Quintana. Isso, além do clássico O Pequeno Príncipe, de

Antoine de Saint-Exupéry e de obras de Clarice Lispector. Desse modo, verifiquei

que estão presentes no repertório leitor de grande parte dos educandos muitos

e variados tipos de leituras, que envolvem imagens, sons e culturas

diferenciadas.

Em relação à literatura regionalista - a não ser as já citadas leituras de

poemas de Mário Quintana - muito pouco era lido. Os registros sobre esse tipo

de literatura surgiram após as leituras compartilhadas, que eram realizadas na

biblioteca. Aliás, sobre estas, em específico sobre contos como O cavalo cego,

de Josué Guimarães, foi possível uma percepção, já evidenciada em outras

pesquisas por mim realizadas, de que os jovens gostam sobremaneira do

fantástico nas narrativas, atentando-se pouco para os aspectos que tratam de

questões históricas e culturais da nossa terra, do Rio Grande do Sul.

Outro dado significativo é o fato de que os registros se tornaram hábito de

um número significativo de jovens que participaram da mediação leitora. O

capricho e a organização foram evidenciados a cada recolha do material,

realizada por mim ao final de todo mês. Não raro, muitas ilustrações eram

criadas, representando obras, poemas e outras leituras realizadas. Também

partituras musicais, anedotas, fotografias, descrições, anotações sobre filmes,

pequenos textos sobre segredos juvenis e outros tantos registros ocorreram. Foi

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214 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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através da escrita de três alunas que conheci um pouco sobre o

aplicativo Wattped, onde estas escreviam e, para alguns de seus pequenos

textos, contavam com centenas de leitores. É esse um dado importante de ser

observado. É perceptível que a escrita, além da leitura, ocorre no meio digital e

parece ser atraente aos olhos dos adolescentes.

Há que se levar em consideração muitos outros dados deste trabalho de

mediação de leitura. Entre eles o fato de que eu, enquanto professor, durante as

leituras do material, nunca realizei intervenções escritas. O diário era de cada

um. Portanto, somente os educandos puderam escrever neles. Por isso, a cada

análise do material, era deixado um bilhete solto no meio do diário e endereçado

diretamente ao seu dono, procurando assim tecer comentários e fazer

observações sobre o que foi produzido. Isso, sempre no sentido de incentivar o

proprietário para que continuasse com os registros e fosse aos poucos criando

um comportamento leitor.

Como mencionado anteriormente, muitos aspectos são possíveis de

serem observados neste trabalho de mediação. Mais do que isso, acredito que

os resultados foram alcançados. Meus alunos passaram a escrever mais, a ler

mais, a conhecer um pouco da literatura gaúcha. A atividade, prevista para ser

concluída somente ao final do ano, teve de ser interrompida pois em agosto de

2017 saí da instituição. No entanto, “a semente foi lançada” mais uma vez. Oxalá,

assim como minha professora de 6ª série, eu também tenha plantado em meus

alunos o gosto pela literatura. Sobretudo pela literatura regionalista, tendo em

vista que considero ser importante para cada um de nós conhecer um pouco do

que se escreve sobre e na nossa terra.

REFERÊNCIAS

BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998. 173 GUIMARÃES, Josué. O cavalo cego. 3. ed. Porto Alegre: L & PM, 2007. 146 p. NETO, José Castilho Marques. Políticas Públicas de Leitura e a formação de mediadores. In SANTOS, Fabiano dos; NETO, José Castilho Marques; RÖSING, Tânia M. K. (orgs.). Mediação de Leitura. Discussões e alternativas para formação de leitores. São Paulo: Global, 2009. p. 71-70.

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215 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tania M. K. Leitura e escola: velha crise, novas alternativas. 1. ed. São Paulo: Global, 2009. 229p.

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O ESPAÇO DO QUARTO NA CASA DE VALMARES E O TEMA DA PARTIDA: UMA PERSPECTIVA TOPOANALÍTICA DA OBRA O VALE DA

PAIXÃO, DE LÍDIA JORGE

Lasaro José Amaral1 Ozíris Borges Filho2

A obra O Vale da Paixão (2008), da autora Lídia Jorge, apresenta lugares

diversificados ao longo da narrativa, quando tomamos conhecimento sobre a

fazenda, a qual é descrita como um lugar hostil para todos os seus moradores,

o que gerou neles a necessidade de fuga. Isso porque, para além das

sentimentalidades experimentas dentro do espaço da fazenda, sobretudo, do

quarto, os preceitos familiares simbolizam o extremo autoritarismo, isto é, em um

ângulo menor, simboliza a sociedade ditatorial portuguesa da época, conhecida

como Salazadorismo.

Desta feita, a narrativa é ambientada nas décadas de 1950 até 1980 do

século XX e remonta ao contexto opressor da ditadura que vigorou naquele

tempo. O próprio chefe da família, Francisco Dias é uma representação de

Antônio de Oliveira Salazar. Do mesmo modo que este, o patriarca, no espaço

de seu domínio, impunha um sistema ditatorial pautado em ações de opressão

e censura aos seus, sendo a favor do crescimento econômico apenas para a alta

sociedade.

Assim apresentado, este trabalho objetiva analisar a espacialidade da

Casa de Valmares, visando, primeiro, a ambientação do quarto da narradora-

personagem não nomeada, a filha de Walter Dias e, segundo, o percurso

espacial dos demais familiares.

Walter, primogênito da família Dias, homem não se submetia às

imposições do pai e quase não gostava de trabalhar, inicia a narrativa visitando

a filha, em seus aposentos, na casa de Valmares, onde através da evocação de

lembranças, os acontecimentos são narrados. De acordo com Halbwachs (2003,

1 Mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás/ Regional Catalão.

Professor de Língua e Comunicação da Faculdade Cidade de Coromandel. L.E.M. Inglês da Escola Estadual Pedro Álvares Cabral. Contato: [email protected].

2 Doutor em Estudos literários. Professor do Programa de Mestrado em Estudos da Linguagem

da UFG/Câmpus de Catalão. Professor de Teoria da Literatura da UFTM. Bolsita PET. Contato: [email protected]

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p. 157), “nosso ambiente material traz ao mesmo tempo a nossa marca

e a marca dos outros”. Nota-se que, junto à formação espacial, a personagem

traz à luz as próprias reminiscências junto às de seus parentes, narrando, assim,

os acontecimentos nada benéficos vividos naquele local.

É a partir do encontro no quarto que é dado seguimento ao curso da

narrativa. Tal local tem fundamental importância na história, assim como assinala

Bachelard (1989, p. 206):

Para evocar os valores de intimidade, é preciso, paradoxalmente, induzir o leitor ao estado de leitura suspensa. É no momento em que os olhos do leitor deixam o livro que a evocação do meu quarto pode transformar-se num limite de onirismo para outrem.

O quarto, do mesmo modo que casa, por ser, em geral, parte dela, pode

ser expressão legítima do eu da personagem, bem como elemento que leva o

leitor a um estado de conexão como texto. Por identificar-se com tal cômodo,

são acionados em ambos a sentimentalidade, a memória, o sonho, a intimidade.

De modo semelhante, Osman Lins (1976, p. 98)3 afirma que “[...] o espaço

caracterizador é em geral restrito — um quarto, uma casa — refletindo na

escolha dos objetos, na maneira de os dispor e conservar, o modo de ser da

personagem”. Nessa esteira, Borges Filho (2007, p 35) pontua que é função do

espaço literário “[...] caracterizar as personagens, situando-as no contexto sócio-

histórico e psicológico em que vivem.” (BORGES FILHO, 2007, p. 35).

Desta feita, na narrativa aqui analisada, o quarto é elemento identificador,

pois é formado a partir de uma estreita relação com as características das

personagens. Sua ambientação é feita ao mesmo tempo em que são trazidos à

baila a memória, a identidade e o imaginário, seja do leitor ou personagem,

conforme se lê:

Como na noite que Walter dias visitou a filha, de novo os seus passos se detêm no patamar, descalça-se rente à parede com agilidade duma sombra, prepara-se para subir a escada, e eu não posso dissuadi-lo nem detê-lo, pela simples razão, de que

3 Referimo-nos aos conceitos presentes na obra, Lima Barreto e o espaço romanesco, de Osman Lins (1924-

1978), publicado no ano de 1976, na qual é dado um tratamento teórico metodológico ao espaço literário.

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desejo que atinja o último degrau, abra a porta sem avisar e entre rapidamente pelo limiar apertado, sem dizer uma palavra. E foi assim que aconteceu. Ainda o tempo de reconstituir esses gestos não tinha decorrido, e já ele se encontrava a meio do soalho segurando os sapatos com uma das mãos. Chovia nessa noite distante de Inverno sobre a planície de areia, e o ruído da água nas telhas protegia-nos dos e do mundo como uma cortina cerrada que nenhuma força pudesse rasgar. De outro modo, Walter não teria subido nem teria entrado no interior do quarto. (JORGE, p. 9)

É possível dizer que aí forma-se um ambiente, termo esse que, segundo

a teoria da Topoanálise de Borges Filho (2007), designa o grau de afinidade,

benéfico ou maléfico, entre a personagem e o espaço, isto é, “[...] a soma de

cenário ou natureza mais a impregnação de um clima psicológico” (BORGES

FILHO, 2007, p. 50).

Note-se que a filha espera o pai, Walter, no quarto escuro, o qual para se

ter acesso, era necessário subir uma escada edificada entre paredes estreitas e

passar por um corredor tortuoso, de difícil acesso. O cenário alinha-se à

sentimentalidade de ambos, pois é caracterizado como escuro, frio, tortuoso,

lembrando o que oprime e o que reprime, ainda estando envolto por um clima de

mistério e suspense.

Do quarto para o mundo a fora

De acordo com o que poderemos ver adiante, a questão da partida está

presente na diegese quando, após engravidar, a personagem de nome de Maria

Ema não quer assumir o filho de Walter. Este, por sua vez, vai para a Índia servir

seu país nas forças armadas. Enquanto isso, para não macular o nome da

família, a figura paterna, Francisco Dias, impõe ao outro filho, o mais velho,

Custódio, que se case com a moça e honre o sobrenome Dias. Desse modo, se

expressa o máximo autoritarismo e a necessidade de seguir normas de formação

familiar e sociais, seguindo naquele círculo familiar um rígido regime ditatorial.

Sem dúvida, ao forçar um matrimônio indesejado, Francisco Dias coloca o filho

mais velho numa situação deveras incômoda, já que não era ele o verdadeiro

pai da criança. A partir dessa abusiva expressão de poder, os demais filhos, um

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

a um, deixam a propriedade para viverem em outros lugares

longínquos e não mais regressam.

Todavia, antes que isso viera a acontecer, Francisco Dias conduzia os

afazeres da propriedade utilizando-se de mão de obra caseira, uma vez que,

naquele momento, conseguia manter todos, menos Walter, sob seus comandos.

Ele conhecia o filho que Deus lhe tinha dado. Ele não acreditava que Walter fosse o primeiro a espadeirar, o primeiro a zurzir, o primeiro a rastejar e cambalhotear. Era a força do desenho, era isso que ele acreditava que estivesse na base do reconhecimento traduzido na tirinha de pano que fizera dele um cabo. (JORGE, 2009, p. 77).

Após a partida de Walter para servir nas forças armadas, Francisco vai

até o quartel na expectativa de que o filho não tenha prestado bons serviços no

ambiente militar, por almejar leva-lo de volta à Valmares. Isso porque, na lida do

dia a dia com as coisas do campo, o primogênito dos Dias não era obediente

nem muito menos responsável. Porém, o patriarca, ao deparar-se com o superior

de Walter nas forças armadas surpreende-se e é informado de que o filho é um

dos melhores soldados daquele quartel, sendo designado a servir na índia.

Assim, “O mistério da ascensão de Walter, num local para onde o mandara a fim

de ser punido, fazia-o cismar em manobras escuras” (JORGE, 2009, p. 77).

Contudo, o filho não havia feito nenhuma manobra obscura ou de índole

duvidosa, sendo este um paradoxo a se pensar, pois o rapaz, servindo o país,

dentro de um ambiente militar que por si só costumava ser rígido e severo,

sentia-se livre, direito que lhe era cerceado em casa.

Depois de servir o país na Índia, junto aos “trotamundos”, como eram

chamadas pelo pai as pessoas que partiam para lugares diversos a fim de buscar

conhecimento e crescimento econômico. E, de fato, o filho mais novo o alcança

e, diversas vezes, volta para Valmares como um homem bem-sucedido,

podendo ser exemplo para que os irmãos seguissem os passos dados por ele.

No entanto, para Francisco Dias, na lógica da própria ditadura, sua prole deveria

ser mantida sempre sobre domínio, então, via com maus olhos a ascensão de

Walter, sendo este uma má influência para os demais irmãos, já que isso poderia

motivá-los a também partir.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O espaço da fazenda de Valmares não propiciava esse tipo de

crescimento aos filhos de Francisco Dias, já que todos eles passavam quase

despercebidos diante da figura turrona e espinhosa do pai. Isso culminou na

necessidade dos irmãos de Walter Dias buscarem a subsistência em outros

lugares, dentro ou fora de Portugal, país no qual é descrita a propriedade da

família, conforme bem figura o excerto:

Aliás, eles não existiam diante de Francisco Dias. Só à medida que anunciavam que iam partir começavam a ter singularidade na casa, a ter identidade própria diante do pai, saíam do molho, do bando produtivo, da brigada de trabalho que formavam, para serem pessoas identificadas. [...] Ao contrário dos outros camponeses que faziam da partida alguma coisa que se assemelhava a uma festa com seu laivo funeral e de fanfarra, os Dias saíam sem rumor, sem avisar. (JORGE, 2009, p. 86)

A partida dos irmãos de Walter Dias era inevitável à medida que todos

percebiam que poderia haver, fora daquele contexto forçosamente disciplinado,

autoritário e ditador, uma vida mais leve, mais branda e com possibilidade de

crescimento. Sendo assim, ainda que enfrentassem dificuldades fora do recinto

de Valmares, os filhos de Francisco insistiam em partir e não voltar, sequer para

herdar um pedaço da propriedade. De um a um foram saindo sem avisar, não

por medo, mas por não terem interesse de dar satisfação sobre para aonde

partiam. “Os Dias libertavam-se do pai como coelhos. Silenciosos e rápidos

como as lebres nos sonhos. Libertavam-se” (JORGE, 2009, p. 87). E seguiam

concretizando o sonho de serem libertos de qualquer ato de autoritarismo, de

escapar dos tempos de trabalho duro na propriedade de Valmares, assim como

a sociedade da portuguesa da época lutava por desatar as amarras do sistema

ditatorial, o qual lhes era submetido. Na fazenda, apenas o filho mais velho,

Custódio, permaneceu, sustentando o sonho do pai de sempre aumentar a

produtividade e fazer riqueza. Como se vê, a ideia de partida está presente em

toda a narrativa de Lídia Jorge.

Outrossim, de uma forma muito peculiar, cabe enfatizar que, por todos os

lugares pelos quais Walter passa ele envia desenhos de pássaros para sua

filha/sobrinha cujo nome não é descrito no texto. Segundo o ideal que movia os

‘trotamundos’, “o mundo é grande, mas há sempre aqueles que se apegam a um

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lugar”, mas Walter não era assim, pois tinha em mente que. “Em todo

lugar se pode viver, desde que se possa partir para o local seguinte” (JORGE,

2009, p. 111).

Com efeito, o protagonista, com espírito e modo de ser livres, representa

a não aceitação a imposições autocratas injustas, mas também simboliza a

esperança, pois ao não se submeter aos desmandos de seu progenitor, teve a

oportunidade de crescer de maneira independente e de mudar o seu destino.

Considerações Finais

Como foi possível perceber, no que se refere à ligação entre as memórias

e os espaços, o lugar restrito vai se ampliando, sendo de lá descritos os locais

externos para os quais as personagens vão abrindo-se a uma vida livre, fora dos

limites do quarto, bem como da fazenda. Assim, impulsionados pela rede de

relações entre personagem, memória e espaço, os deslocamentos,

representados via tema da partida desempenham um papel basilar na trama.

Referências

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura - introdução a Topoanálise. Franca, São Paulo: Ribeirão Gráfica e Editora, 2007. JORGE, Lídia. O vale da paixão. 6. ed. Alfragide: Dom Quixote, 2009. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003. LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.

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O LISRISMO DO LUGAR NA POÉTICA DE LIDIANE NUNES

Lídia Sacramento de Souza1 Maria das Graças Meirelles Correia2

INTRODUÇÃO

A definição de lugar pode ser vista primeiramente a partir da etimologia da

palavra que do latim locális, de locus designa “espaço ocupado, localidade,

posição”. Além disso, pode referir também a povoação, localidade, região e país.

Maciel e Lima compreendem a paisagem física como:

Um sistema complexo composto de rochas, depósitos superficiais, relevo, solos, plantas, animais e sociedade e que a mesma vem passando por permanentes transformações espaciais e temporais em função da dinâmica do processo. (MACIEL; LIMA, 2011, p.169).

Não obstante, Milton Santos (2007) compreende a paisagem como objeto

social. Afirma que a paisagem não é fixa e tampouco imóvel, pois, a partir do

momento em que a sociedade entra em processo de mudança, a política, a

economia e as relações sociais também modificarão, sendo que cada um em

seu ritmo. Para Santos (2007, p.57), os lugares são combinações localizadas de

variáveis sociais. A partir daí, afirma que a sociedade produz paisagens e que,

ao lado das formas geográficas e da estrutura social, deve-se considerar os

processos que levam a energia social a transmudar-se em formas. Neste

sentido, afirma:

A paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada, suprimida para dar lugar a uma outra forma que atenda às necessidades novas da estrutura social. (Santos, 2007)

Nos textos literários, a paisagem se constrói em volta da perspectiva de

mundo criada pelo indivíduo (no caso, o autor), através da escrita. Deste modo,

1 Estudante de Eletromecânica no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail: [email protected]; 2 Professora EBTT do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),

campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail:

[email protected]

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223 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

em cada texto, o autor apresenta reflexões estéticas e culturais

mediadas por suas experiências coletivas e individuais em relação ao meio

paisagístico em consonância com o espaço social. A natureza, na escrita, pode

se referir a vários sentimentos como, por exemplo, as estações do ano que

simbolizam, metaforicamente, na literatura, um estado emocional. O inverno e o

outono trazem perspectiva de morte e infelicidade, enquanto a primavera e o

verão, ao invés, remetem a noção de vida e felicidade.

Nesse sentido, a pesquisa O lirismo do lugar na poética de Lidiane Nunes,

compreende estruturar o modo como o eu poético representa o lugar sob o

paradigma da homologia, utilizando-o para apontar sentimentos a partir dos

elementos da paisagem. O espaço físico será desreferencializado no momento

em que o sujeito se materializa neste espaço. De modo ilustrativo, neste

trabalho, será apresentada uma proposta analítica dos poemas “Fronteira”

(NUNES, 2013, p. 20) e “Metamorfose” (NUNES, 2013, p. 51). Os dois

apresentarão o lugar enquanto paisagem física e logo após, este será

transfigurado para o estado sentimental em que se encontra o indivíduo.

A realização da pesquisa foi possível pela participação no projeto de

extensão Oxe: literatura baiana contemporânea cujo foco principal é a leitura, o

estudo e a pesquisa de autores baianos. Por meio das ações do projeto, houve

o contato com as obras de Lidiane Nunes que foram lidas de modo a perceber

um tema que se destacasse e pudesse ser estudado. Com a proposição do tema,

representações do espaço como objeto para a construção de textos poéticos,

buscou-se identificar referenciais teóricos que pudessem auxiliar na análise dos

poemas. Além da seleção teórica sobre o tema, foram lidas e discutidas obras

de teoria da análise poética. Ambas embasaram a pré-seleção de poemas para

compor o corpus de análise. A definição do corpus para compor este trabalho

ocorreu após leituras dos textos literários da escritora e sessões de orientação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O espaço como sendo homólogo ao eu poético e a transfiguração da

paisagem física para o lugar não físico serão aspectos comuns encontradas nos

dois textos, de modo que ambos apresentam elementos que se relacionam. O

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224 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

poema “Fronteira” remete a duas condições de espaço: o denotativo e

o conotativo. O texto apresenta um lugar físico como a condição espacial

socialmente construída, limite para que o indivíduo adentre outros espaços.

O termo utilizado no título remete a uma paisagem física e, ao mesmo

tempo, a uma paisagem não física. Fronteira refere-se a um limite entre dois

lugares geográficos distintos, mas, no poema, o lugar constitui-se, em verdade,

em ausência tópica, configurando-se, pois, em lugar nenhum. Assim, o poema

aponta a impossibilidade de materializar o limite de um não lugar.

Nos primeiros versos, o eu lírico parece se representar com os olhos

fechados diante do mundo e, ao sofrer uma transformação, retoma à

racionalidade. A partir deste momento, a fronteira, antes física, se transforma em

metáfora para se referir ao estado sentimental do eu lírico, o qual, agora se

encontra em extremos de angustias e frustrações. A fronteira se constitui, no

decorrer do texto, como condição de deslocamento do eu lírico diante do mundo.

Ainda nos primeiros versos, aparece uma ambiguidade referente ao termo

“abismo”, que, do grego abyssos significa sem fundos, precipício, profundeza.

Socialmente, estar no abismo pode remeter a uma situação de desespero.

Conforme o texto, o termo é usado em acepção negativa; o eu lírico apresenta

estado de abatimento e se encontra sem perspectiva em relação ao futuro. A

expressão “está no abismo” remete a situações sociais limites como a perda de

emprego, endividamento, doenças incuráveis, situações cuja resolução dos

problemas não são fácies. Assim, alguém em tais situações pode ser

considerado entre o nada e o abismo. Contudo, no poema, o que faz o sujeito

estar no limite entre um espaço e outro é o sentimento melancólico.

Nesse sentido, mais uma vez, o leitor se depara com um jogo de

contrários: o poema estabelece dissonância entre lugar físico e pulsões

sentimentais: estar entre o nada e o abismo é enfrentar uma circunstância

insolúvel. O eu lírico busca marcar o desconforto existencial por meio de

construções metaforizadas da paisagem.

“Abro os meus olhos e estou entre o nada e o abismo, naquele não-lugar,

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225 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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o lugar nenhum.[...]”

A última parte do poema traz a ideia de enraizamento, da impossibilidade

do eu lírico se mover. Os versos denotam a dificuldade que o indivíduo tem de

se estabelecer mediante as inúmeras situações que perpassam o dia-a-dia. A

vida aprisiona o eu lírico, fazendo-o continuar estático, mesmo que tente se

libertar da condição de suposta infelicidade:

“[...] Estou aqui, exatamente aqui e não faço ideia de como sair.”

Pode-se observar que o poema inicia com a ideia do espaço físico e logo

após se transfigura para o lugar não físico. Esta transição ocorre no momento

em que a voz lírica se inscreve enquanto matéria. Nesse sentido, pode-se

destacar que o não-lugar só aparece por causa do eu poético.

O poema metamorfose se constrói no início, a partir de um espaço físico

que, neste caso, é a paisagem. O símbolo da lagarta e da borboleta são o que

caracterizam o lugar aparente no texto.

Nas duas primeiras estrofes, a voz lírica revela os aspectos dos animais

representados, sendo que as inferências se inscrevem na forma denotativa, de

modo a comprovar a existência do espaço físico no texto.

Ainda nos primeiros versos, pode-se perceber a condição antagônica

entre a lagarta e a borboleta.

Enquanto a primeira designa feiura, na posição de um animal que se

rasteja e semelhante a um verme, a borboleta, de forma contrária, transmite a

ideia de beleza, leveza e liberdade:

“A lagarta rasteja, Prisioneira Da natureza A borboleta voa Liberta, Ganha os mares. [...]”

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226 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O eu lírico refere-se à lagarta e à borboleta como se fossem

seres distintos. O inseto antes da fase adulta era lagarta, mas, a partir de uma

transformação biológica – a metamorfose –, torna-se borboleta.

Nas últimas estrofes, o espaço antes físico se converte agora para figurar

o estado sentimental, onde está o eu lírico. Este sentimento de não

pertencimento e de deslocamento diante do mundo.

A lagarta e a borboleta, expressas nos últimos versos, serão vistas agora

como condições opostas. A lagarta se refere ao aprisionamento do ser perante

à vida e também aquele que vive cheios de angústias e infelicidade. A condição

de borboleta é totalmente inversa: refere-se ao sentimento de alegria, liberdade

e contentamento do ser.

No poema, o eu lírico está diante de duas circunstâncias, porém entre ser

lagarta ou borboleta, consegue ser apenas a crisálida, ou seja, a casca. Por sua

vez, a casca, ao mesmo tempo em que pode simbolizar o lugar que contém a

potencialidade do ser, também se refere ao nada, porque após a lagarta se

transformar em borboleta, a casca não terá mais função. O fato de a crisálida ser

o lugar onde o inseto não se move denota a imobilidade do eu lírico à condição

de não conseguir se deslocar para outro espaço.

A casca, no poema, apresentar-se-á como espaço transitório entre a

lagarta e a borboleta. No momento em que o eu lírico se intitula como casca,

afirma se encontrar no limite entre uma coisa e outra, neste caso a fronteira,

remetendo ao poema anterior.Pode-se ainda perceber que o espaço

denominado casca constitui-se não-lugar. Sendo assim, do ponto de vista social,

a existência indeterminada deste espaço permitirá que a voz lírica surja.

[...]E eu, Que não nasci lagarta Nem borboleta, Sei apenas ser casca.

Nestes termos, pode-se constatar que o poema se constrói,

primeiramente, a partir de um lugar físico e, logo após, se transfigura para o

sentido conotativo, representando, pois, o eu lírico como inserido na incerteza

de um não lugar. O instante da transição do espaço físico para o não físico já se

encontra demarcado desde do título: metamorfose. Palavra que provem do latim

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metamórṗhosis que, do vocábulo grego, significa transformação.

Assim, o título do poema, por si só, remete a ideia central que será abordada em

todo o texto literário.

CONCLUSÕES

O lugar enquanto paisagem física presente em ambos os textos será

utilizado como pressuposto metafórico para a constituição da voz lírica que se

inscreve no poema. O espaço será apresentado, primeiramente, de forma

denotativa e logo depois será transfigurado para uma condição conotativa, que

se refere ao estado sentimental de melancolia, abatimento e de deslocamento

do eu lírico diante do mundo.

O indivíduo se encontra entre o espaço físico e o não físico. A partir daí, o

lugar se transforma no não lugar, que se apresenta à medida que a voz lírica se

materializa no espaço. O local em questão é chamado de espaço social e sofre

constantes transformações, porém o indivíduo não consegue se desprender de

um determinismo para acompanhar as transformações e, por isso, permanece

estático e dinâmico.

A representação da paisagem como pressuposto metafórico para a

constituição da voz lírica que se inscreve nos poemas não aparece somente

neste corpus de poema, mas em outros textos do livro Aquela Mesma Paisagem

(Kalango, 2013). A própria capa já remete ao tema do trabalho, a qual traz a

construção de uma paisagem física com sua imagem sendo refletida no lago

para dar ideia ao título do livro.

Sendo assim, por meio desta perspectiva, a condição do sujeito poético

extrapola o plano individual e se coletiviza, na medida em que os sentimentos do

EU entram em consonância com o ambiente externo ao sujeito.

REFERÊNCIAS

ALVES, Idá. Em torno da paisagem: literatura e geografia em diálogo interdisciplinar. Revista da Anpoll, nº 35, p. 181-202, Florianópolis, Jul./Dez. 2013.

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MACIEL, Ana Beatriz Câmara, Lima, Zuleide Maria Carvalho. O Conceito de paisagem: diversidade de olhares. Natal: sociedade e território, 2011. V. 23, nº 2, p. 159-177. BORGES FILHO, Ozíris; LOPES, Ana Maria Costa; LOPES, Fernando Alexandre (Org.). Espaço e literatura: perspectivas. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. 220 p. NUNES, Lidiane. Aquela mesma paisagem. Simões Filho: Kalango, 2013. 72p. ROSSONI, Igor. Transfiguração poética do espaço em Guimarães Rosa e Manoel de Barros. Feira de Santana: UEFS Editora, 2016. 157 p. SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. 96 p.

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O ESPAÇO E O TEMPO NA POÉTICA DO CORPO NA OBRA DE SANDRO ORNELLAS

Lidiane Sacramento de Souza1 Maria das Graças Meirelles Correia2

INTRODUÇÃO

O corpo é um objeto de arte que emite sensações, emoções, afetos,

percepções; fala por meio de comunicação espontânea. Assim, não apenas no

teatro, na música e dança o corpo é usado na composição do objeto artístico.

Nas artes gráficas e visuais, observa-se o uso de um corpo que ativa a

composição do produto da arte. Este pressuposto vale também para a literatura

que pode ser compreendida como tradução expressiva que, por meio do signo

verbal, expõe percepções do corpo e sinaliza sua inscrição no mundo,

externando, assim, a visão do autor para os leitores. Por meio do tema, poetas

e escritores, consequentemente, deslocam-se de uma perspectiva individual

para uma dimensão externa e coletiva.

A partir das percepções emitidas pelo corpo, há duas concepções distintas

que se entrelaçam na relação corpo x espaço, ou seja, o interior, como espaço

de inscrição, é entendido como corpo sujeito, aquele situado no espaço cujas

percepções externas também é espaço de inscrição. Assim, o corpo objeto é

aquele que ao ser submetido como espaço registrará formas de percepções do

espaço nele próprio. Nesse contexto, a pele será fronteira entre espaço exterior

e espaço interior, sendo, pois, a passagem comunicativa entre o espaço interno

e o externo.

O corpo situado na esfera social é entendido como objeto de

representações em que cada experiência, cada acontecimento, cada

comunicação se inscreve como marca do outro. Nesse contexto, se constituem

padrões de beleza pelos quais um corpo é julgado, comparativamente a outro, a

1 1Estudante de Eletromecânica no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail: [email protected]; 2 Professora EBTT do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),

campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail:

[email protected]

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partir da aparência externa. Essa idealização do belo é reconstruída

temporalmente e tais discussões voltadas para a questão da estética considera-

se o corpo feminino, deixando o corpo masculino em segundo plano.

Nesse sentido, o presente artigo objetiva discutir a presença do corpo

físico no espaço e o corpo como espaço em textos líricos, a partir da

compreensão de seu uso como matéria para a criação artística. Por conseguinte,

fundamentado nos pressupostos teóricos de Henrri-Pierre Jeudy, Deleuze e

Guattari, discute-se a utilização do corpo como objeto de arte em diversas áreas,

tomando como foco a literatura. Assim, o trabalho visa analisar a perspectiva do

corpo pensado como categoria sociocultural onde o sujeito se inscreve, tanto

como instrumento ativo que age no espaço quanto elemento passivo que, uma

vez ocupando espaço sociocultural, sofre as ações do tempo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O poema “Agonites” apresenta aspectos relativos à imagem produzida

pelo corpo que se inscreve no espaço e no tempo. A ideia de um corpo que se

prepara para enfrentar o cotidiano. O título aponto visão geral do contexto

poético, pois o significado do termo “agonistes” remete a concepções que se

associam: agonistes como substância que estimula a ação do corpo e como

acepção de um músculo que responde a movimentos voluntários e involuntários.

Esses significados reforçam a ideia de que o corpo material se inscreve no texto

como matéria para a composição do poema de Sandro Ornellas. Nesse sentido,

é como se o corpo do escritor transpassasse para se escrever, possibilitando

encenar o próprio corpo escrito.

O significado do termo remete à aparição do corpo como sujeito, pois

agonistes, em outra acepção dicionarial, significa ainda indivíduo engajado em

um conflito, desafio ou competição que, neste caso, implica o uso do corpo físico.

Esse vocábulo aponta para uma flexão do verbo agoniar, cujo efeito sensorial

remete a um sentimento comparado a intensa dor ou sofrimento longo e profundo

presente no momento que antecede à morte (agonia é o conjunto de fenômenos

que anunciam a morte; do grego agonia = luta; entende-se luta “contra a morte”).

Assim, a leitura do poema remete a apercepção do eu lírico relativos aos

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processos de decrepitude do corpo que, por si, remetem à consciência

da morte. Neste sentido, o poema se refere ao corpo de modo ambivalente:

sujeito e objeto. O corpo sujeito toma a ação do mundo, ou seja, aquele que se

preocupará com as transformações do próprio corpo, tornando-se dessa

maneira, objeto de representações. Nesse contexto, Jeudy (1998) diz: “[...] Para

pensar na morte de meu próprio corpo, sou obrigado a me situar como sujeito

que observa um objeto (meu corpo) destinado a desaparecer [...].”

Socialmente, a ideia de beleza está voltada para a juventude do corpo que

deve demonstrar ser sensual, exuberante e atraente. Tal conceito se torna

subjetivo ao perceber que a construção do belo está relacionada com o tempo,

cultura e localização do corpo sujeito. A concepção de beleza está muitas vezes

fincada na condição da comparação: é estabelecido um símbolo de beleza

através de concursos de beleza, aparições midiáticas e vários outros métodos e,

a partir daí, as pessoas se comparam a esse símbolo. Esse comportamento leva

à busca desmensurada pela perfeição aparente do corpo, através das clinicas

de estéticas, maquiagem, cosméticos, pílulas, sorrisos falsos. Segundo Jeudy

“as caretas, os sorrisos, as maquiagens e outros cosméticos não mudarão muito

a imagem refletida”, esse corpo sujeito pode até se imaginar da forma que

desejar, porém, ao se deparar com o espelho – entendendo-o como tirano – as

marcas do espaço do corpo serão evidenciadas, mostrando o estado que

presentifica o transcurso do passado.

No início do poema traz a perspectiva do corpo sujeito, apontando as

transformações que o espaço corpóreo sofre pelo transcurso de tempo. Essa

situação implica no ato de barbear-se. A barba, para os homens, possui vários

significados simbólicos e valores sociais, culturais e religiosos. Muitos homens

optam em deixar a barba crescer como estratégia para atrair o sexo oposto;

outros aderem à moda que se destaca a cada 30 anos; há, ainda, aqueles que

usam barba por questões de estilo. Quando os homens não possuem pelos no

rosto, esse fato pode estar relacionado a falta de hormônio masculinos suficiente

para o desenvolvimento de pelos no corpo, a questão do gosto por essa estética

facial masculina, entretanto a maior parte dessa circunstância está relacionada

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com a ideia de juventude, estar com o rosto sem pelo implica na alusão

de estar com a “cara de bebê”, estar com aparência jovem.

Simbolicamente, na sociedade, a barba dar ao homem uma aparência

sexy, serve para afirmar a masculinidade, a virilidade e confere “status social”,

além de atribuir uma feição de responsável, maduro, experiente e velho. Assim,

a barba, no poema, de modo metonímico, revela a percepção do sujeito lírico da

perecibilidade do corpo. Então, se a matéria é irreversivelmente perecível, de

que adianta os excessos de cuidado e a fascinação demasiada por questões

estéticas?

Os versos iniciais sinalizam, através do sarcasmo implícito, uma ruptura

com a noção de beleza, como exemplo temos o quarto verso: “dentes tortos”, os

dentes traduzem a qualidade da saúde física e emocional do indivíduo e o

adjetivo que acompanha a palavra reflete para a desmitificação dos padrões de

beleza impostos pela sociedade.A partir dessa ideia, Jeudy entende que:

[...] A variabilidade da ideia de beleza – e consequentemente dos critérios estéticos – liga-se, em particular, à multiplicidade dos modos de percepção do corpo. Ela não é redutível a um relativismo do Belo, apoiando-se, ao contrário, na própria determinação da percepção. O que um indivíduo considera belo não o é necessariamente para qualquer outra pessoa. A ideia de beleza depende tanto das convenções quanto da soberania do sujeito e da arbitrariedade de suas escolhas [...].

O sorriso remete a uma ironia, como se todo o disfarce vindo da “obsessão

cotidiana do estetismo” para cobrir as marcas do tempo não fossem suficientes,

sendo que a única “coisa” que pode retardar o envelhecimento seria algum

milagre divino:

preparo pele pressa e gilete enquanto dentes tortos sorriem outra espécie de prece:

No decorrer do poema, há uma descrição do ato de se afeitar, marcando

a ação do tempo sobre o corpo. Há, ainda, referência a outras características

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físicas, como a perda do cabelo que também sinaliza a condição de

envelhecimento e transcurso de tempo.

barba crespa cabelos ralos na calva, navalha raspando pêlos do pescoço:

Os versos a seguir descrevem o objeto principal para o fazer da barba e

o termo “trilhos” remete ao caminho aberto na pele do corpo, enquanto objeto,

pela lâmina que o percorre. A maneira como o corpo sujeito tem de voltar ao

tempo que ocorre por meio da rememoração dos processos sinestésicos aos

quais foi submetido na noite anterior. No período noturno, o corpo esteve

submetido a processos lúdicos: o prazer sexual, encetado pelo termo “coito”; a

ludicidade do encontro sexual, expresso em “risos” e o esforço físico que implica

o sexo, externado pelo termo “suores”. Mas, a partir do momento em que o dia

amanhece, o eu lírico depara-se com a realidade: ao corpo, serão ofertadas

sensações diferentes dos elementos lúdicos da noite. Tal interpretação se baliza

nos versos “as lâminas do dia devolvendo às superfícies [no caso, as superfícies

da pele que suou à noite] o mais direto e ríspido sentido”. Pelo termo “lâminas”

é possível assentir – denotativamente – que seu uso traz a noção de

envelhecimento e a consequente percepção das transformações advindas pelo

tempo.

Daí, a lâmina, de modo simbólico, aponta para a renovação e o

rejuvenescimento do corpo.

o aço e o brilho dos trilhos na pele do coito noturno suores risos e as lâminas do dia devolvendo às super- ficies o mais direto e ríspido

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sentido.

Uma vez que a pele é considerada o invólucro do corpo, sendo ela

“apenas uma superfície de registro dos sinais da aparência” (idem), nos versos

finais, a presença do muro remete a essa perspectiva da pele; uma pele que

perdeu a vivacidade com o passar dos anos, com o passar das estações e a

atual condição física traz, mais uma vez, o sentido da morte, que se esconde por

detrás dos novos dias. O termo “maravilha”, presente no texto, é irônico, pois a

água, de modo geral, é simbolicamente representada como renascimento e a

partir da imagem, a chuva desbotando os muros, pode-se perceber a contradição

no sentido simbólico do termo.

e dos muros desbotados pela chuva dos verões formam-se as tantas maravilhas mortais por detrás de cada novo dia

Pode-se constatar em “Agonistes” que o corpo físico aparece como

subterfúgio para o sentimento, para o pensamento e para a reflexão. Evidencia

a construção da linguagem poética por meio da inscrição de corpo físico. Assim,

a poesia é percebida por intermédio de um corpo material, da ação possível

sobre esse corpo e da ação do mesmo sobre o mundo.

CONCLUSÕES

As estratégias de representar o corpo na poesia afastam-se de um modo

mais conservador de escolher as temáticas, visto que, em geral, o corpo aparece

trazendo a ideia da intelectualidade ou sentimento, resvalando, pois, a

corporeidade material a segundo plano. Por sua vez, nos poemas de Sandro

Ornellas, a parte material desse corpo-matéria é o assunto focal para a

composição poética. Nessa perspectiva, o poema do autor estabelece uma

relação entre o espaço e o tempo a partir do corpo sujeito e do corpo objeto,

neste estudo referido pelos termos “corpo no espaço” e “corpo como espaço”. O

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corpo mostra-se como sinalizador do tempo, onde ficam registrado

aspectos que reafirmam a perecibilidade da matéria. De modo irônico, Ornellas

traz aspectos corporais que rasuram padrões de beleza instituídos para mostrar

que a condição de decrepitude é inevitável, mesmo com a adoção de métodos e

procedimentos para recuperar o corpo. Assim, fatores que compõem o espaço

físico, local onde está situado o corpo sujeito, também contribuem para a

decadência física uma vez que o corpo é espaço para guardar as marcas do

tempo.

Além de “Agonistes”, em vários outros poemas de Ornellas aparecem a

inscrição do corpo que escreve e se inscrevem, literal e metaforicamente, no

tempo e espaço que o cerca. Nestes termos, conclui-se que a poética de

Ornellas evidencia, por intermédio da função metalinguística, o fato de a poesia

ser escrita pelo corpo, para o corpo e com o corpo.

REFERÊNCIAS

FILHO, Domício Proença. A Linguagem Literária - 2. ed. – Ática, 1986. JEUDY, Henrri-Pierre. O Corpo como objeto de artes – São Paulo: Estação Liberdade, 2002. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso Literário- 2. ed. – São Paulo: Contexto, 2012. ORNELLAS, Sandro. Trabalhos do Corpo: e outros poemas físicos – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2007. SILVA. Fernando Manuel Machado Arnaldo Pinto da. Da Literatura, do Corpo e do Corpo na Literatura: Derrida, Deleuze e monstros do Renascimento. ed..: Évora, 2007. 233 p. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/silva_fernando_machado_da_literatura_do_corpo_e_do_corpo_na_literatura_derrida_deleuze_monstros.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2017.

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O ESPAÇO NA NARRATIVA INFANTO-JUVENIL DE MAYRANT GALLO

Lívia Eduarda Oliveira de Araújo1

Maria das Graças Meirelles Correia2

Introdução

O espaço é definido como um conjunto de signos que produz efeitos de

representação, conforme apontam estudiosos do tema, a exemplo de Jean Tadié

(1978, apud BORGES, 2015). Dentre as representações admitidas, a análise

aqui edificada se atém às construções dos signos produtores do espaço dentro

da narrativa. Em suma, sabe-se que o texto narrativo possui como função

elementar a narração de fatos e acontecimentos, por intermédio de uma voz

narrativa, que constitui a representação de ações e personagens no decorrer de

um enredo, situando-os em eixos temporais e espaciais.

No que tange aos elementos da narração, é possível assinalar que a

descrição será usada para fomentar a caracterização de personagens e a

ambientação de espaço. Nestes termos, a descrição evidencia-se entre os

elementos de relevância em estudos topoanalíticos, quando estes se voltam

para o estudo do espaço em narrativas. Conforme Angelo (2016), a descrição é

imprescindível, visto que os elementos dinâmicos da história não poderiam ser

pensados e representados sem o mínimo de coerência e de expansão das

estruturas espaciais. Assim, o autor reflete acerca da afirmação de Gérard

Genette:

“É mais fácil” imaginar uma descrição desprovida de todo elemento narrativo do que o contrário, vez que a mais sóbria designação dos elementos e das circunstâncias de um processo pode ser considerado como início de uma descrição. (GENETTE, 1969 apud MARCHESE, 2016).

Nesse contexto, Philippe Hamon sinaliza que a descrição é o lugar onde

a narração encontra-se em interrupção, suspendendo a ação e organizando a

1 Estudante do Curso Técnico em Eletromecânica Integrado ao Ensino Médio no Instituto Federal da Bahia – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea E-mail: [email protected] 2 Docente EBTT do Instituto Federal da Bahia – Campus Santo Amaro / Coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. E-mail: [email protected]

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história; esta pausa na narrativa é considerada por ele como ponto

principal na estrutura da narrativa com as seguintes funções: 1) previsão da

continuação 2) reforço do conteúdo 3) duplicação metonímica do estado

psicológico ou destino dos personagens (Hamon, 1972 apud IBSCH, 1979).

Com vistas a discutir a representação do espaço na obra literária, o

trabalho O espaço na narrativa infanto-juvenil de Mayrant Gallo visa a investigar

– privilegiando o livro Dias de Garoto (2015) – a construção dos espaços físicos,

psicológicos e sociais na referida obra. O livro citado integra a coleção infanto-

juvenil “Pato, Cachorro, Garoto e Minhoca” do escritor baiano e contemporâneo

Mayrant Gallo. A produção textual em destaque foi selecionada para análise por

apresentar estrutura topológica atípica na elaboração da narrativa direcionada

ao publico infanto-juvenil. Os espaços investigados não são representados em

descrições topográficas, não obstante, surgem por lógica “sinedóquica” ligado

diretamente as ações do protagonista. Assim sendo, o estudo topoanalitico

recairá sobre as possibilidades de leitura criativa, visto que a linguagem espacial

utilizada condiciona-se as possíveis interpretações do leitor, dado a escassa

descrição das figuras topológicas que compõe o enredo.

Resultado e Discussões

As principais discussões advindas da pesquisa foram propostas por meio

da análise do livro, Dias de Garoto (GALLO, 2015).

Imagem1 - Capa do livro Dias de Garoto

Fonte: Editora Kalango (2015).

O protagonista da narrativa é uma criança e o enredo permeia o cotidiano

do garoto, cujo nome próprio não é apresentado ao leitor. Ao iniciar com a

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expressão “Era uma vez”, ao leitor é sugerida a ideia de texto

fantasioso, distanciado da realidade factual, despertando, em quem lê a

possibilidade de explorar espaços que não possuem semelhança com a

realidade. Todavia, a expressão parece soar irônica, já que a narrativa não se

trata de um conto de fadas e constitui-se, sobretudo, de espaços imaginosos

que, segundo Ozíris (2008) são lugares citados na obra literária que não existem

no mundo real, todavia quando imaginados pelo narrador, são similares aos

existentes em nosso mundo.

No primeiro parágrafo, ainda, mediante uso de estratégia narrativa

análoga as introduções de contos infantis, nota-se a exposição de duas

modalidades espaciais que possuem função básica de localizar o leitor no

contexto da obra e apresentar o protagonista. Na escolha do signo “mundo” está

contida ideia de universalização, uma vez que amplifica as possibilidades de

ambientação no enredo. Todavia, ao utilizar a locução adjetiva “de um garoto”

indica que a narrativa se restringirá a um ambiente específico experienciado pelo

protagonista. Ocorre, deste modo, transição de um espaço dado como global e

externo para um espaço interno e íntimo.

O foco narrativo é configurado em terceira pessoa e o enredo se edifica a

partir da criação, pelo narrador, de dois cenários: o espaço doméstico – onde

reside o garoto – e o espaço urbano. A representação dos espaços dentro da

narrativa é construída pelo narrador recorrendo a recursos de linguagem cujos

signos espaciais são concebidos por lógica sinedóquica, isto é, os espaços da

obra não se apresentam por intermédio de descrições, mas, através de relações

de contiguidade semântica nas interpretações do leitor. Sem se ater às

descrições, o espaço aparece concomitante à observação do personagem:

Ele olhava os trens ao longe, Olhava também a chuva. Olhava as pessoas que passavam Para o trabalho, e depois de volta – mortas de cansaço. Seu pai era uma dessas. E sua mãe. E seu irmão mais velho. E sua irmã também. Ainda havia Dália, que chegava de manhã E ia embora com as cores da noite. (GALLO, 2015, p. 1)

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O espaço exterior surge no enredo ao ser percebido pelo garoto,

conforme o trecho. O narrador não descreve a rua, muito menos anuncia que há

uma ferrovia no entorno da casa, mas referencia a presença de um trem e

evidencia a chuva. Ambas as referências denotam o espaço urbano externo ao

ambiente doméstico. Por meio do excerto, o leitor constrói relações imagéticas

e percebe um espaço físico, ao qual o garoto acessa somente através da visão.

A construção “pessoas que passavam para o trabalho”, além de repercutir

espacialidades urbanas, permite ao garoto, enquanto observador do espaço da

rua, acompanhar o mundo do trabalho, como também a rotina de Dália, a

empregada, que se faz presente em vários trechos do livro, tornando-se

imprescindível à sobrevivência do garoto. O cansaço – marcado na citação dos

corpos de estranho e familiares que passam na rua, diante do protagonista, na

ida e no retorno das atividades laborativas – é índice do espaço que reflete o

contexto socioeconômico em que o protagonista vive. Esse deslocamento

dinâmico das pessoas no espaço “para o trabalho e depois de volta” apresenta,

no texto, os membros da família do garoto: o pai, a mãe, a irmã e o irmão.

Aspecto interessante a ser abordado neste estudo topoanalítico são as

técnicas empregadas pelo narrador para conceber a passagem de tempo na

narrativa. Geralmente, para elaborar transcursos de tempo em prosa literária

recorre-se ao uso de advérbios/locuções adverbiais temporais. Ao invés, o texto

não é composto por sequências de acontecimentos organizados de modo

cronológico e com duração pré-estabelecida. A noção de quantos dias, meses e

anos passaram-se não é depreendida no enredo, propiciando, ao leitor, a

impressão de que o protagonista não sai da fase pueril, nem sofre

transformações.

Tudo permanece estático e monótono, conservando a imagem concebida

do infante pelo leitor, ao passo que, não se verifica mudança hábil para uma

possível vida adulta:

E havia os dias, que passavam arrastados, E os anos, que corriam uns após os outros, sem se deter. E o garoto a vê-los morrer: Natal, Ano-Novo de novo. (GALLO, 2015, p. 7).

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240 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Para dinamizar os aspectos cronológicos, o narrador não

dissocia tempo e espaço, haja vista que os eventos ocorridos em perspectiva

temporal reorganizam o espaço e geram transformações sociais, políticas e

econômicas. Para tanto, vale apresentar a concepção do Milton Santos (2007)

de que “o espaço é a acumulação desigual dos tempos”. Tal reflexão evidencia-

se no modo como a voz narrativa utiliza o espaço exterior para destacar, através

da percepção do infante, as transformações na sociedade - “nas pessoas do lado

de fora da casa” - que também refletem nos percursos dos familiares do

protagonista: “Lá fora, as mulheres trocaram saias por calças compridas/Os

homens deixaram de usar chapéus/Também seu pai deixou de usar chapéu/E

seu irmão deixou crescer os cabelos. Depois a barba/E em tudo o que se dizia

incluía-se a palavra bicho. /Ou a interjeição: - Pô!”. (GALLO, 2015, p. 17) A

exemplo do pai e do irmão, que a partir do contato constante com o espaço

urbano adquire novos costumes. As transformações são processuais no meio

social e no seio familiar, pois mudanças de hábitos variam de acordo com

contextos históricos. Assim, as modificações ocorridas no espaço e no tempo

colaboram para demarcar transcurso temporal.

Os marcadores temporais constituem-se por intermédio de datas

comemorativas socialmente gestadas, a saber: Natal, Ano-Novo, Aniversário,

Aniversário de Casamento, Dia das Crianças; eventos específicos sucedidos em

datas distintas e ocorridos uma vez ao ano. A citação destas datas sinaliza a

transmutação de tempo. Os eventos vivenciados no interior da casa, dado que o

personagem não acessa espaços públicos, tecem noções acerca da condição

social e psíquica do garoto.

Seu aniversário – ele era de peixes –, O aniversário de seus pais, De casamento de seus pais, O de seu irmão. Logo o de sua irmã – bem próximo. E o Dia das Crianças – criança que um dia Ele deixaria de ser. Pois: - Não é que era Natal de novo?! E mais um Natal. E mais um Ano-Novo. De novo seu aniversário. E o Dia das Crianças. (GALLO, 2015, p. 8)

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Nota-se no texto, a existência de duas espacialidades que se

opõem e configuram ideias de interioridade e exterioridade, a saber, a casa e

rua. Estes lugares não recebem descrições diretas, ademais, o narrador introduz

na prosa estrutura topológica responsável por delimitar conflitos espaciais que

reverberam na criação do enredo na narrativa. O espaço doméstico apresenta-

se enquanto espaço do sujeito, onde está localizado geograficamente a

personagem principal, bem como sugere ideia de restrição e reclusão. O espaço

público, em contrapartida, assume para o infante, sobretudo, a concepção do

espaço que promove liberdades e relações interpessoais, entretanto, ao

protagonista é vetado acessá-lo. Tais referências espaciais delimitam, dessa

maneira, as ações a serem desenvolvidas pelo protagonista, isto é, o espaço

favorece a prática de certas atividades em detrimento de outras. Esta reflexão

fica patente ao longo das cenas: o narrador evidencia a imobilidade do garoto

frente a atividades rotineiras para crianças realizadas no espaço urbano, como

“correr, soltar pipa, rodar pião, jogar bola de gude, se esconder de outros

garotos”, visto que a característica ampla deste espaço facilita a prática de

atividades lúdicas como jogos e brincadeiras diversas com outras crianças. Tal

fato – somado à inexistência de elementos descritivos que evidenciem

características físicas do protagonista – sugere ao leitor possibilidades de refletir

acerca da condição ergonômica do personagem. A oposição do cenário casa X

rua permeia o texto e é crucial para construir atmosfera de tensão que perpassa

a narrativa: a reclusão do protagonista em casa e a vontade de acessar o espaço

externo a ela. O tensionamento entre o acesso aos dois ambientes termina por

despertar no leitor curiosidade sobre os motivos pelos quais o personagem não

acessa ao espaço exterior e não convive com outras crianças.

A espacialidade da casa somente é revelada ao leitor no décimo primeiro

parágrafo do texto, até então, o lugar de onde ele observa é velado pela

construção sígnica. Todavia, há algumas pressuposições possíveis no decorrer

da narrativa, como na expressão “Ainda havia Dália, que chegava de manhã” -

por ocupar profissão de babá do protagonista sugere chegar a casa - ou “Essas

coisas que ele havia conhecido nos livros e na tevê” - livros e tevê são relevantes

na construção da espacialidade CASA, pois como não há descrição dos

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percursos espaciais no texto, por intermédio de leitura criativa, o leitor

é conduzido a imaginar estantes, rackers, prateleiras, móveis e cômodos que,

semanticamente e por relações contíguas, permitem estabelecer ideia de

interior. A casa trata-se de um cenário, isto é, de acordo com Ozíris (2008) um

espaço produzido pelo homem e surge com característica geográfica na obra a

partir do ato de expor a localização do personagem, na medida em que, o

narrador apresenta a espacialidade janela. A última é de suma importância para

a narrativa, pois é a partir dela que o garoto se comunica com o espaço urbano

e defronta-se com elementos essenciais à sua formação. A janela limita a

percepção do personagem e, como o enredo, se edifica por meio desse

pressuposto, contornando as possíveis interpretações do leitor:

Era um garoto numa janela. Um garoto a olhar a gente que passava, As nuvens que se formavam E a chuva que afinal caía E transformava o mundo numa floresta de sombrinhas. O sol pálido lá fora. A chuva. (GALLO, 2015, p. 13).

A casa, a permanência na janela e a observação do exterior pelo garoto

reverberaram características do estado psicológico do protagonista. Ao anunciar

o sol pálido e a chuva na referência espacial “lá fora”, o narrador sinaliza uma

analogia entre o espaço visualizado pelo personagem e seu sentimento. Conduz

o leitor à impressão de que a natureza está triste e passiva, assim como o garoto

e que o sol está sem brilho, opaco, semelhante ao rosto do personagem. A chuva

representa estado de choro e nebulosidade, compondo o estado mental e íntimo

do protagonista. Assim, por meio de tais análises, supõe-se a relação de

homologia entre personagem e espaço.

Considerações Finais:

A representação literária do espaço na narrativa infanto-juvenil de Mayrant

Gallo, apresentada como cerne deste trabalho, foi evidenciada na medida em

que a análise se ateve na construção da estratégia narrativa. Observa-se que o

texto dispõe de duas estruturas narrativas básicas: apresentação e

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243 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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desenvolvimento; não existe clímax, apresenta-se conflitos

representados pela dicotomia entre o percurso espacial casa X rua, interior X

exterior que reverberam na condição do acesso do garoto ao exterior na casa;

também não há desfecho, pois estas tensões não são resolvidas no final da

narrativa, restando ao personagem principal o permanente sentimento de

esperança diante de transformações em sua realidade, desejando que “tudo

fosse diferente, que algo acontecesse, com ele ou com o mundo”. O percurso

espacial não é descrito; assim o espaço interior e exterior são representados por

intermédio de relações com as ações e os anseios do protagonista. O estudo

topoanalítico da obra Dias de garoto denotou a maneira como a espacialidade

potencializa alterações estruturais na condição da criança protagonista e os

modos como se relaciona com a sociedade.

REFERÊNCIAS

BORGES FILHO, O. Afinal de contas, que espaço é esse? In: BORGES FILHO, O., LOPES, A. M. C., LOPES, A. L. (Org.) Espaço e Literatura: Perspectivas. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2008. GALLO, Mayrant. Dias de Garoto. Coletânea Pato, Cachorro, Garoto e Minhoca. Bahia: Kalango, 2015. IBSCH, Elrud. Mudanças Históricas da Função da Descrição Espacial em Textos Literários. Poetics Today, 16-22 de junho, 1979. Vol. 3, No. 4 (Autumn, 1982), pp. 97-113. In: BORGES FILHO, Ozíris. O espaço literário. Uberaba (MG): Ribeirão Gráfica e Editora, 2016. MARCHESE, Angelo. As estruturas espaciais do relato. Revista Semiosis, janeiro-junho de 1983, no.10, p. 25-50. In: BORGES FILHO, Ozíris. O espaço literário. Uberaba (MG): Ribeirão Gráfica e Editora, 2016. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.

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ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA MANAUS DE MILTON HATOUM

Manoelle Gabrielle Guerra1

Consagrado na cena brasileira contemporânea, Milton Hatoum é um dos

autores que explora com maestria o entrelaçamento da memória com o processo

narrativo. Seus romances têm como palco a capital amazonense e empreendem,

por meio de diferentes vozes, um processo de reconstrução da cidade. A

hipótese que fundamenta a discussão a ser desenvolvida é a de que há uma

subjetivação da narrativa, a qual contribui para a construção de quadros

representativos de Manaus, nos quais pode-se observar a formação de núcleos

identitários diversos. Esses quadros, quando justapostos, formariam uma

imagem ampla da cidade, destacando suas fases históricas bem como as

diferentes faces de sua população.

As vozes narrativas se posicionam de modo a destacar determinadas

passagens de suas vidas que deixam entrever momentos específicos do

passado urbano da capital, construindo também a identidade desse espaço em

conjunto com a dos sujeitos que a habitam. Os romances de Hatoum fazem esse

movimento de forma evidente, partindo do início do século XX até meados da

década de 1980, na qual se localizam alguns de seus narradores. Também os

contos e crônicas estão inseridos nesse panorama, embora tragam uma

diferença na representação devido a sua forma breve e a concisão narrativa.

Pauta-se, aqui, o estudo do espaço a partir da perspectiva de que ele está

diretamente ligado ao homem, tomando a vivência como base para seu

desenvolvimento como construto. Os passos humanos moldam essa dimensão,

tornando-a praticada e conferindo-lhe um significado social (CERTEAU, 2000).

Compreende-se que há um processo de ocupação promovido ao longo dos anos,

responsável pelas modificações espaciais e pelo estabelecimento de laços

afetivos entre sujeitos e lugares.

1 UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara; Bolsista Capes. [email protected]

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Segundo Maurice Halbwachs (2006), essa ocupação é

responsável pelo surgimento daquilo que se pode chamar de “memória coletiva”,

a qual não existe sem estar atrelada a um domínio espacial. O homem, como

agente transformador, adapta o espaço à sua dinâmica cotidiana, construindo

cidades, erguendo muros e criando caminhos. Ao fazer isso, acaba associando-

se definitivamente a essa grandeza, a ela incorporando tradições e,

consequentemente, memórias. Esse é o ponto de partida para discutir as

possíveis representações urbanas presentes nos textos literários a serem

abordados.

A diferença existente entre Relato de um certo Oriente, primeiro

romance do autor, e Um solitário à espreita, seu conjunto de crônicas, não se

limita ao gênero. Há dois processos narrativos diversos acontecendo no interior

dessas duas obras, os quais se distinguem pela caracterização do próprio

narrador e o tipo de olhar conferido por cada um deles à cidade. As vozes dão

vazão a pensamentos distintos, os quais se referem a grupos sociais

completamente diferentes e a tempos distantes um do outro, mostrando ao leitor

momentos vários da história de Manaus, cada um apontado em conjunto com as

devidas críticas.

Esses dois movimentos de exploração do espaço ocorrem, ainda, visando

ambientes diferentes. Publicado em 2013, Um solitário à espreita reúne textos

publicados por Hatoum em jornais e revistas ao longo e dez anos. As crônicas

selecionadas para a análise fazem referência à cidade em si, às ruas e locais

públicos como praças, cinemas e mesmo clubes e comércios. São espaços

abertos, de contato direto com a população de uma forma geral, possibilitando

aos narradores desses textos uma visão mais abrangente, que nota tanto as

riquezas quanto as mazelas presentes na capital.

A discussão social é um assunto que direciona a maior parte dos textos e

tem relação direta com a formação do autor como arquiteto, fazendo-o criticar

com fervor a organização urbana de diversas cidades, principalmente Manaus.

O processo de desenvolvimento da capital amazonense é destacado

constantemente, e as diversas vozes que narram trazem em comum esse olhar

que não é nem um pouco benevolente com relação aos ciclos econômicos da

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246 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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região. Ao observar as crônicas em conjunto, é possível ver a

formação de um mapa urbano, uma vez que as narrativas reconstroem espaços

diversos ao longo dos anos. Em alguns casos tem-se a imagem passada e

presente sobrepostas, sendo diferenciadas mediante o olhar do narrador que,

aos poucos, destaca as modificações causadas pelo tempo.

O olhar infantil presente em crônicas como “Segredos da Marquesa” é

responsável por mostrar os espaços de lazer e o cotidiano de determinadas

classes sociais. Outros espaços, ocupados pela população menos favorecida

aparecem em textos como “Dilema”, o qual critica a criação da zona industrial,

relacionada diretamente com o crescimento da Zona Franca de Manaus, e

“Crianças desta terra”, crônica que fala, a partir do olhar de um adulto que

relembra a infância, sobre a ascensão de um político corrupto. A associação

entre as eleições e as políticas públicas é escancarada na voz desse sujeito que

ressalta a pobreza da população local, a falta de recursos e o descaso do

Governo.

O passado extravista da cidade é também colocado em pauta, assim

como a ilusão sofrida com os diversos ciclos econômicos que impulsionaram a

região durante anos e foram os responsáveis pelas maiores transformações

desse espaço. A tônica de crítica presente nas crônicas que falam sobre Manaus

perpassa ainda outras cidades, que não são foco deste trabalho, mostrando uma

preocupação com a organização urbana que está, ainda, associada às

discussões referentes à globalização e seus efeitos sobre as políticas de espaço,

fronteiras e dinâmicas sociais.

As ruas e travessas são vistas pelos diversos narradores sempre partindo

de suas lembranças, e as marcas da ocupação humana evidenciam-se por meio

dos relatos que essas vozes fazem sobre a história da cidade. Como

determinados pontos eram e aquilo que se tornaram entram no campo de visão

do leitor de forma, por vezes, saudosista e nostálgica. Em outros momentos o

passado é utilizado como elemento determinante no processo de consolidação

dessa representação urbana pautada no social, uma vez que ele possibilita

enxergar o modo como a modernização foi nociva ao longo dos anos.

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247 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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Relato de um certo Oriente, por sua vez, faz um movimento de

exploração do espaço em sentido oposto àquele empregado no conjunto de

crônicas. Publicado em 1989, o romance traz a história de Emilie, matriarca de

uma família de origem libanesa que migrou para o Amazonas no início do século

XX. Narrado por diversos personagens cujas vozes se submetem à uma outra,

pertencente à filha adotiva dessa família, o relato vai tomando forma e se

organizando como resposta à busca por uma identidade dessa narradora central

que deseja reencontrar a mãe e saber quem de fato é.

A casa torna-se o espaço central do romance, condensando em si todas

as memórias a serem revisitadas por esses parentes e amigos que buscam, em

última instância, preservar a figura da matriarca por meio de seu passado

narrado. Esse espaço fechado demanda um processo analítico diferenciado, que

busca observar a formação identitária a partir da composição da casa como algo

inerente ao homem e que, segundo Bachelard (1993), faz parte dele e para o

qual ele retorna nos momentos de grande aflição.

A família da narrativa é caracterizada, principalmente, por sua ligação com

o Oriente, o qual está presente de diversas formas. É possível entrever,

espalhados pelos cômodos descritos, diversos objetos que retomam a tradição

dos membros mais antigos, como é o caso do pequeno cedro do Líbano, objeto

de estima de Emilie, sobre o qual repousam seus olhos durante o descanso

vespertino. As festas e jantares também são formas de manter os hábitos

milenares dos antepassados, criando uma redoma em torno desses imigrantes

que, muitas vezes, não se adaptam à cultura do país em que residem.

Os objetos e hábitos compõem a dinâmica do morar, representam a vida

cotidiana e, no romance, atendem à uma tentativa de reconstrução da terra natal.

A procura pelo Oriente em meio ao Ocidente determina a organização familiar

desses personagens e atentam para a complexidade do processo de formação

identitária do imigrante, o qual é um expatriado que, embora queira encaixar-se

no país de destino, não é capaz de ignorar a imagem de seu lar que permanece

na memória.

A casa denota ainda a formação de outros universos, contidos e restritos

a determinados cômodos, os quais guardam partes do passado da matriarca ou

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248 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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prendem membros da família. Vidas clandestinas como a da pequena

Soraya Ângela crescem alijadas do convívio familiar, como se fizessem parte de

um outro mundo, um que existe apenas no interior do quarto. A casa também

exclui e exila seus próprios moradores, sempre de acordo com as dinâmicas

humanas impostas nesse espaço.

É notável que Manaus aparece, de fato, apenas em pequenos trechos

narrativos. Quando a filha adotiva vai à casa de Emilie e se depara com os

portões fechados, decide fazer uma caminhada pela cidade, para observar a

passagem do tempo. Esse momento é significativo, pois mostra ao leitor que há

um impasse entre o ambiente interno, recluso, da casa, e a rua. A cidade da

infância era proibida às crianças, e o que essa personagem vê ao longo de sua

caminhada é que as histórias que ouvia sobre mortes e traições, sobre uma

cidade sem lei, na verdade são partes de um quadro maior, marcado pela

pobreza e descaso. O porto e o mercado, caracterizados pelo intenso fluxo

populacional, deixam entrever uma amostra dos habitantes da cidade e seus

hábitos. Instaura-se, então, um contraste com aquilo que é observado no interior

da casa nos demais capítulos, evidenciando uma linha divisória na

representação identitária da cidade.

O romance trabalha, portanto, com a organização de uma identidade

referente a um determinado seguimento de homens: os imigrantes libaneses,

mostrados em meio a sua cultura e tradição. Ao serem colocados ao lado dos

demais habitantes, acabam se destacando mediante às diferenças dos hábitos

cotidianos. Ao voltar o olhar para o interior da casa, o autor está representando

Manaus por meio de parte de seus moradores, traçando um dos perfis possíveis

para a recriação desse universo urbano.

As crônicas, quando pensadas nesse conjunto, traçam um caminho

diferenciado mas necessário, o qual recai na observação da cidade por meio de

sua história e da passagem do tempo sobre suas ruas. Com a diversidade

narrada é possível compreender melhor a ideia de que a identidade manauara é

múltipla, formada por diversas vertentes, e, ao pensá-la sob o signo do urbano,

o que há nas crônicas é a construção de uma identidade que faz referência à

cidade em si, mais do que ao seu povo. Desse modo, as representações contidas

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249 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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nos dois textos do corpus articulam as dinâmicas humanas e urbanas

de forma a criar um quadro amplo da imagem de Manaus, pensando suas várias

faces e identidades observáveis.

REFERÊNCIAS

BACHELARD, G. A poética do espaço. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 242 p. CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 5 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 351 p. HALBWACHS, M. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. 224 p. HATOUM, M. Um solitário à espreita. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 285 p. _____. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 148 p.

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250 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

DO (IN)VISÍVEL NA DIMENSÃO DAS ESPACIALIDADES RE(A)PRESENTADAS EM “O BURRINHO PEDRÊS”: REFLEXÕES SOBRE

LUGARES DEMARCADOS PARA HOMENS E MULHERES NARRADOS

Maria de Lourdes Dionizio Santos1

Propomo-nos realizar uma leitura sobre a representação espacial no

conto “O burrinho pedrês”, de João Guimarães Rosa. Partimos do pressuposto

de que os espaços destinados a homens e mulheres re(a)presentados na

referida obra deixam perpassar, na tessitura narrativa, distinções que revelam

demarcações dos espaços a serem ocupados por homens e por mulheres.

Desse modo, percebemos, por um lado, através dessa leitura, que as

raras mulheres mencionadas na narrativa, estão confinadas no espaço restrito

da casa, a cozinha, mais precisamente – de onde só saem se forem autorizadas

pela figura masculina. Exemplo disso é o que encontramos nos excertos

extraídos da obra, em que verificamos a figura do dono da fazenda. Como

proprietário da Fazenda, em seu domínio e livre trânsito,

[...] o Major Saulo foi até à porta, para espiar o relógio da parede da sala. Maria Camélia chegou com a cafeteira e uma caneca. - “Quente mesmo? para velho?” - “De pelar, seu Major!” Sempre com a mão esquerda alisando a barriga, o Major Saulo chupava um gole, suspirava, ria e chuchurreava outro. E a preta e Francolim, certos, a um tempo, sorriam, riam e ficavam sérios outra vez. - “Dá o resto para o Francolim, mas sem soprar, Maria!” E o Major, já de cigarro na boca, se debruçava no parapeito, pensando alto: -... Boi para encher dois trens, e mais as vacas que vão ficar no arraial... (ROSA, 1974, p. 11). [...] Mas a preta Maria Camélia se foi, ligeira, levando o decreto do Major Saulo de novidade para a cozinha, onde arranchavam ou labutavam três meninas, quatro moças e duas velhas, afora gatos e cachorros que saíam e entravam; e logo se pôs aceso o mundo: - O João Manico vai tocar boiada no burrinho! Imagina só, meu-deus-do-céu, que graça!... (ROSA, 1974, p. 11).

Por outro lado, o universo simbólico feminino povoa o imaginário

masculino, cuja mobilidade acompanha o deslocamento pertinente ao caráter

1 Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); E-mail: [email protected]

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251 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

sócio-cultural que permeia a formação do homem. Neste sentido, ao

conceituar imaginário, em As estruturas antropológicas do imaginário, Gilbert

Durand (1989, p. 114) afirma que “O imaginário é um processo, e complexo

polimorfo, pois suas operações apresentam-se sob várias e diversas formas,

todas agindo, interagindo umas sobre as outras”.

Com efeito, a contraposição que atesta as desigualdades entre homens e

mulheres representados nesse conto de Guimarães Rosa, ressalta a limitação

espacial definida para as mulheres, enquanto para os homens, observa-se uma

dimensão espacial que excede em muito a condição das mulheres.

Essa antinomia espacial perceptível no discurso narrado torna patente a

prerrogativa de ser livre cabível ao homem, que, em nossa sociedade, ainda

patriarcal, pode locomover-se por diversos espaços, sem fronteiras. Nessa

perspectiva, ao observarmos o silêncio latente, nessa obra, contribuindo para a

invisibilidade a figura feminina, percebemos que as personagens masculinas

percorrem quase todo o espaço da narrativa. Dessa forma, a partir da breve

aparição da personagem Maria Amélia, assim como da figura invisível, porém

estigmatizada, da namorada do Badú, em torno da qual se estabelece um clima

de ciúme, uma disputa e instaura-se um conflito no enredo, somos instigados a

discutir a aparição desses seres nas múltiplas espacialidades que a estrutura

narrativa revela.

Kathryn de Woodward (2014, p. 9-10) afirma, em seu texto “Identidade e

diferença: uma relação teórica e conceitual”, que “A identidade é [...] marcada

pela diferença” e “por meio de símbolos”, “e a construção da identidade é tanto

simbólica quanto social. A luta para afirmar as diferentes identidades tem causa

e consequências materiais”.

Estabelecendo uma relação entre essas reflexões de Woodward e o que

Pierre Bourdieu aborda em sua obra A dominação masculina, encontramos

similaridade entre as análises desses autores, quando Bourdieu (2016, p. 22-24)

assinala que

A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão sexual do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do

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espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado reservados ao homem, e a casa, reservada às mulheres; ou, no próprio lar, entre a parte masculina com o salão, e a parte feminina com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, as atividades do dia, o ano agrário ou o ciclo da vida, com momentos de ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos.

Os comentários acima fornecem suporte para discorrermos sobre o que

nos propomos discutir neste trabalho. Assim, as diferenças identitárias entre

homens e mulheres, bem como entre os espaços demarcados para eles, além

das definições de seus papéis observadas a partir da leitura do conto “O burrinho

pedrês”, nos levaram a algumas questões, tais como: Como se re(a)presenta(m)

o(s) espaço(s) na narrativa? Quais são os espaços de homens e de mulheres no

conto? Como se apresentam os espaços da casa para as movimentações

masculina e feminina? O que podem os homens e as mulheres representados

no conto? Quem pode narrar as histórias contadas na obra?

Nessa perspectiva, Michel Certeau, em A invenção do cotidiano: Artes de

fazer, discute, no capítulo “Relatos de espaço”, as ações narrativas que

“permitirão precisar algumas formas elementares das práticas organizadoras de

espaço: a bipolaridade ‘mapa’ e ‘percurso’, os processos de delimitação ou de

‘limitação’ e as ‘focalizações enunciativas’” (CERTEAU, 2008, p. 201).

Em sua abordagem, Certeau explicita, em “percursos e mapas”, estes,

próximos à cozinha, são destinados às meninas, conforme “descrições de

apartamentos em nova Iorque”, reconhecido por “C. Linde e W. Labov”

(CERTEAU, 2008, p. 203-204). E, no outro polo encontra-se o “percurso”, ou

“tour”. Este tipo é o preferido dos narradores, no qual se encontrará o meio para

se transitar e oferecer movimento aos seus relatos.

Certeau (2008, p. 207) acrescenta que “De uma geografia

preestabelecida, que se estende (se a gente se limita apenas a casa) desde os

quartinhos, tão pequenos [...] os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de

tudo, se pode fabricar e fazer. São feituras de espaço”.

Em busca de prováveis respostas às nossas perguntas, encontramos

respaldo na abordagem apresentada nas reflexões desses e de outros autores.

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A propósito do espaço, Ozíris Borges Filho afirma, em seu texto

“Afinal de contas, que espaço é esse?”, que, em se tratando de espaço literário,

este só poderá “ser pensado”

[...] na relação que estabelece com as personagens [...]. Ele é construído tendo como base a representação humana. Todo espaço que se apresenta ou se re-apresenta na obra literária está direta ou indiretamente ligado a personagens ou em fase dessa ligação, mesmo que o espaço seja somente imaginado pela personagem. O espaço literário é obrigatoriamente pensado a partir do ser humano, como, de resto, toda literatura. (BORGES FILHO, 2015, p. 18)

Borges Filho (2015, p. 19) acrescenta, “Em síntese”, que “por espaço

literário entendemos o espaço representado (ou re-apresentado) dentro do texto

literário e que guarda semelhança com o nosso mundo”. Das considerações

deste autor, destacamos o que ele discorre sobre o espaço relacionado ao

mundo humano, que, segundo ele, “[...] trata-se de um espaço determinado pela

convivência humana, um espaço que mantém relações plurissignificativas com

as personagens e é infinito” (BORGES FILHO, 2015, p. 20).

De acordo com Maurice Blanchot (2011, p. 26), em Uma voz vinda de

outro lugar, ao discorrer sobre “O branco O negro”, “Só existem os espaços em

branco se houver o negro, só há silêncio, se houver a palavra e o barulho

produzindo-se para cessar”.

Esse comentário de Blanchot, retirado do seu texto “O branco O negro”,

dialoga com o que afirma Jean-Yves Tadié, em sua obra Le récit poétique,

quando este infere sobre o espaço literário, e pondera que “Em um texto, o

espaço se define junto aos signos que produzem um efeito de representação”,

trata-se, pois, de “estudar a estruturação dos signos espaciais, dos signos

produtores de espaço na narrativa” (TADIÉ, 1944, p. 48) (Tradução nossa).

A partir da leitura do conto supramencionado de G. Rosa, selecionado

para estudo, percebemos que o espaço que perpassa a narrativa alcança uma

dimensão que chama a atenção do leitor. De imediato, destaca-se a amplitude

dos domínios espaço-geográfico aberto (exterior), oposto ao espaço fechado

(interior). Em seguida, nota-se a movimentação que nos conduz a uma

observação da ocupação desses espaços por parte dos diversos personagens,

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donde percebemos as distinções entre eles, seja em gênero, número,

etnia e idade, que desponta a posição hierárquica elevada que impõe respeito

entre uns, ou o desprezo entre outros que não gozam do mesmo prestígio.

Nessas relações, às vezes díspares, percebemos que a idade avançada entre

os homens poderá agregar respeito, conforme sua habilidade em lidar com as

atividades, lançando mão de suas experiências adquiridas pelo mundo.

Também desperta o nosso olhar a forma como as mulheres se

apresentam nessa obra, explicitamente confinadas ao recinto mais restrito da

casa, a cozinha, necessitando ser requisitada pelo seu patrão, o Major Sales,

para ir até a sala, servi-lo. Não se encontra na narrativa, voz feminina.

As múltiplas histórias que compõem o conto são contadas por homens,

nenhuma compete à mulher narrar. O ato de narrar é prerrogativa de um

narrador, autoridade designada para tal função, visto que ele atravessa fronteiras

e conta o que ouve ou vê por onde anda, conforme observamos na quadra

abaixo transcrita, apresentada como epígrafe do conto. De modo coerente, o

mote remete a tempos longínquos, expressando a simplicidade da poesia

tradicional disseminada através literatura oral por diversas gerações, chegando

até nós, inclusive recriada na modalidade escrita:

VELHA CANTIGA, SOLENE, DA ROÇA

“E, ao meu macho rosado, carregado de algodão, preguntei: p'ra donde ia? P'ra rodar no mutirão.” (ROSA, 1974, p. 3)

A propósito, vale destacar a forma como aparece o narrador principal que

se pretende distante, mas que segue bem próximo aos demais a quem ele

autoriza relatar os fatos. Talvez seja essa a estratégia para a introdução do

conto, com uma narrativa que disfarça mas se assemelha à técnica utilizada nos

contos de fadas, como vemos em seguida: “Era um Burrinho Pedrês, miúdo e

resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no

sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e

nem pode haver igual” (ROSA, 1974, p. 3).

Adiante, encontramos a seguinte construção que nos remete novamente

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aos contos de fadas:

Sete-de-Ouros, uma das patas meio flectida, riscava o chão com o rebordo do casco desferrado, que lhe rematava o pezinho de Borralheira. E abria os olhos, de vez em quando, para os currais, de todos os tamanhos, em frente ao casarão da fazenda. (ROSA, 1974, p. 5).

Aos vaqueiros do Major, cabe o espaço externo, mas lhe devem

obediência, dedicação e subserviência, vivendo sob vigilância de Francolim,

secretário da fazenda. Dirigindo-se a este, o Major o chama de “mulato”: “Afinal,

[...] se desvirou, de repente, encarando Francolim”: “E Francolim baixava os

olhos, sisudo, com muita disciplina de fisionomia” (Rosa, 1974, p. 10).

Os empregados da fazenda não desfrutam de sua liberdade, conforme

observamos no excerto nas expressões abaixo, extraídas da obra:

- Badú, ó Badú! - Já vem ele ali, Juca, foi se despedir da namorada... Enfim surge Francolim, vindo da varanda do lado, mastigando qualquer coisa. - Fui ver se tudo vai ficar em ordem, lá por dentro, seu Major. - Olha para mim, Francolim: “joá com flor formosa não garante terra boa!“... Arrancha aqui, perto das minhas vistas. (ROSA, 1974, p. 13). [...] - Silvino está com ódio do Badú... (ROSA, 1974, p. 14). [...] - ... por causa que Silvino também gosta da moça, mas a moça não gostou dele mais... (ROSA, 1974, p. 15).

As lembranças dos amores dos vaqueiros vêm à tona e, enquanto eles

tocam a boiada, são entoadas em trechos de canções, configurando a

simbologia dos bens culturais e coletivos compartilhados pelo indivíduo que

habita o espaço do interior humano e geográfico:

O Curvelo vale um conto, Cordisburgo um conto e cem. Mas as Lages não têm preço, Porque lá mora o meu bem... (ROSA, 1974, p. 23). [...] Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada coração um jeito de mostrar o seu amor. (ROSA, 1974, p. 24).

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[...] Todo passarinh' do mato tem seu pio diferente. Cantiga de amor doído não carece ter rompante... (ROSA, 1974, p. 24).

Para contar histórias, o Major recorre ao vaqueiro Raimundão, conforme

vemos no destaque a seguir:

[...] Você ainda se lembra da primeira topada sua, Raymundão? - Ah, seô Major, foi um boi retaco, que caminhava na gente por gosto e investia de olho aberto e cabeça alteada, feito vaca... [...] Meu pai, que era vaqueiro mestre, achou que era o dia de experimentar minha força... Dei certo, na regra, graças a Deus... - Você pensou alguma coisa na hora, Raymundão? Que foi que você sentiu? - Só, na horinha em que o bicho partiu em mim, eu achei que ele era grande demais, e pensei que, de em-antes, eu nunca tinha visto um boi grande assim, no meio dos outros... Mas isso foi assim num átimo, porque depois as mãos e o corpo da gente mexem por si, e eu acho que até a vara se governa... Quando dei fé, a festa tinha acabado, e meu pai estava dando um cigarro, que ele mesmo tinha enrolado para mim, o primeiro que eu pitei na vista dele... E foi falando: - “Meu filho, tu nasceu para vaqueiro, agora eu sei”... [...] -- Começo bom, Raymundão. Escuta: eu dou valor aos meus vaqueiros, e o que eles contam de si eu aprecio. Pessoal meu é gente escolhida... - Bondade sua, seô Major. [...] Agora, tem essa história de Silvino com o Badú... Você vê algum perigo dessa briga arruinar? - Eu acho que não, seô Major. A raiva deles tinha de ter, mas tem também de se esfriar... O Badú veio para a Fazenda faz só dois meses, e tomou a namorada do Silvino... - E a moça, é bonita? - Serve. Só que é meio caolha, seô Major. Mas, agora por último, como o casamento já está marcado, o Badú só pensa nisso, e não quer saber de briga nenhuma. (ROSA, 1974, p. 40-41).

Percebemos, na curiosidade incontida do Major Sales, ao desejar saber

se a namorada do Badú é bonita, a marca da cultura que prestigia a mulher bela

para ser amada. Nota-se, também no interesse do Major, a presença do

imaginário, envolvendo-o nesse mistério que alimenta suas ilusões. Aqui,

destacamos os homens, por sua regalia em percorrer livremente os espaços,

quer na representação literária, quer na realidade da sociedade em que vivemos.

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A condição exclusiva do Major, que pode penetrar livremente os

espaços que desejar, deve-se ao seu status de dono, que reúne outros poderes

e forças que corroboram sua dominação ressaltada na narrativa.

Ao conquistar a namorada de Silvino, Badú causa-lhe ciúme e se

estabelece uma tensão no conto. Assim, o momento em que Badú se atrasa para

a viagem – na partida –, é justificado pelo momento solene da despedida da

namorada, bem como pela compra do presente para ela (antes do retorno).

Referências

BLANCHOT, Maurice. Uma voz vinda de outro lugar. Tradução por Adriana Lisboa. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

BORGES FILHO, Ozíris. Afinal de contas, que espaço é esse? In: BORGES FILHO, Ozíris; LOPES, Ana Maria; LOPES, Fernando Alexandre. Espaço e Literatura: perspectivas. Franca, SP: Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. p. 13-39.

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução por Maria Helena Kühner. 3. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2016. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Tradução por Ephaim Ferreira Alves. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa: Presença, 1989. ROSA, Guimarães. O burrinho pedrês. In: ______. In: Sagarana, 1974. p. 3-68. TADIÉ, Jean-Yves. Le récit poétique. Paris: Gallimard, 1997. (Collection Tel). WOODWARD, Kathryn de. Identidade e diferença: uma relação teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Tradução por Tomaz Tadeu da silva. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 7-72.

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A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO ‘MENINA A CAMINHO’,

DE RADUAN NASSAR

Maria Iara Zilda Návea da Silva Mourão1

O escritor paulista de origem libanesa, Raduan Nassar, vem cada vez

mais se destacando no cenário da literatura contemporânea. Vencedor de vários

prêmios literários, dentre eles o prêmio Camões (2016) pelo conjunto de sua

obra, o autor possui uma produção bem realizada esteticamente, tendo como

componentes marcantes o olhar crítico para diferentes aspectos da experiência

humana na sociedade hodierna e uma alta dose de lirismo na composição da

linguagem. As obras Lavoura Arcaica (1975) e Um copo de cólera (1978) têm

despertado mais atenção da crítica especializada. Em edição exclusiva sobre o

escritor, Os cadernos de literatura brasileira (nº2, 1996, p.5) destacam a

extraordinária qualidade da linguagem desses livros e os classificam como

verdadeiros momentos de epifania da literatura brasileira.

Neste trabalho, no entanto, analisou-se o conto Menina a caminho, que

integra o livro homônimo. Apesar da pouca visibilidade em relação às outras

obras, este volume apresenta contos de uma qualidade estética inegável e, ao

mesmo tempo, reveladores de questões sociais presentes no contexto social

brasileiro. Desse modo, procurou-se observar como a estruturação do espaço,

nessa obra, permitiu uma abordagem crítica da sociedade brasileira, mas sem

comprometer o lirismo, demonstrando um “engajamento político mais amplo do

que o recurso direto aos temas de um momento histórico preciso” (PERRONE-

MOISÉS, 1996, p.69). Além dos estudos já conhecidos por tratar do espaço

ficcional, como os de Borges Filho (2007) e Brandão (2013), utilizou-se como

fundamentação teórica trabalhos de outras áreas das ciências humanas, como

os de Henri Lefebvre (2000), que trata da relação estabelecida entre espaço e

política e Walter Benjamin (1994), que analisa a figura do flâneur e sua

experiência urbana na modernidade.

1 Graduanda em Letras Português-Francês e suas respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da UFPI (PIBIC/UFPI - 2017/2018). E-mail: [email protected]

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

No conto em questão, acompanha-se uma menina pobre

percorrendo uma cidade, que comporta traços interioranos, para deixar um

recado a um comerciante, fato que é desvelado à medida que narrativa se

desenvolve. Durante essa travessia, o leitor, através do ponto de vista da

criança, acompanha o cotidiano dos cidadãos e a repercussão causada por um

boato sobre o filho desse comerciante. Esse enredo aparentemente simples

consegue retratar aspectos da sociedade brasileira no período governamental

conhecido como Era Varga. Dessa forma, o conto aborda, de forma crítica, o

cotidiano de uma cidade, mostrando os impasses e as consequências do

processo de transformação urbana típico desse momento histórico, a partir da

perspectiva de uma menina andarilha.

Por isso, mostra-se bastante produtivo analisar o fato de que, em boa

parte do conto, predomina o que Norman Friedman (2002, p. 178) denomina de

“narrador onisciente seletivo”, ou seja, uma voz narrativa que, limitada à mente

de apenas um personagem, enuncia toda a história a partir das experiências,

percepções e sentimentos desse centro fixo. Uma tensão muito produtiva se

instaura a partir dessa escolha: a personagem na qual se apoia o narrador, além

de estar em movimento, encontra-se a margem da sociedade por ser pobre,

criança e mulher. Ter como centro fixo uma perspectiva tão desprivilegiada já

revela uma tentativa de mostrar a realidade de forma diferenciada. Ao identificar

a narração com essa personagem, ganha-se em dinamicidade e criticidade, já

que o leitor se depara com a visão em primeiro plano da vivência de um sujeito

clandestino em pleno movimento pela cidade. A isso, soma-se o fato de que, na

maioria das vezes, não é permitido à menina adentrar inteiramente nos espaços,

forçando-a se localizar em zonas limítrofes, como o meio da rua, a soleira da

porta, o meio fio, enfatizando a ideia de não pertencimento dessa personagem

na sociedade.

Acompanhar a história por esse ponto de vista mostra-se ainda mais

interessante levando se em consideração a ideia de que o olhar da criança é

menos carregado de preconceitos, medos, memórias e ideologias, por isso,

aparenta ser mais isento. Tuan (1983) esclarece que o modo como a criança se

relaciona com os espaços é diferente daqueles do adulto:

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O lugar pode adquirir profundo significado para o adulto através do contínuo acréscimo de sentimento ao longo dos anos[...] A criança não apenas tem um passado curto, mas seus olhos, mais que os adultos estão no presente e no futuro imediato. Sua vitalidade para fazer coisas e explorar o espaço não condiz com a pausa reflexiva e com a olhada para trás que fazem com que os lugares pareçam saturados de significância. (TUAN, 1983, p. 37)

Desse modo, ao vivenciar os espaços da cidade, a menina lança sobre

eles um olhar ingênuo, que ainda está se construindo. Toda a trama ganha,

então, um tom de descoberta e aprendizado, em que a personagem principal

ganha ares de um flâneur iniciante, aprendendo a viver em meio a fragmentação

das relações interpessoais, o aumento da violência, a alienação das relações de

trabalho, os preconceitos e outras características da modernidade que começam

a surgir em sua cidadezinha do interior. Cúmplice nessa caminhada, o leitor,

desde o título, é alertado sobre a atmosfera de transformação que marca o conto,

pois a expressão “a caminho” e a escolha por contar a travessia da personagem

principal através de formas verbais no presente do indicativo e no gerúndio

materializam a ideia do que ainda está por se fazer.

É preciso destacar também a importância que esse olhar infantil tem para

a captação da própria modernidade. A vontade de modernização,

frequentemente, vem marcada por uma ânsia de romper a todo custo com a

tradição e instaurar uma visão irrestrita das potencialidades do futuro. Nesse

contexto, o olhar infantil parece ideal para expressar o descompromisso com o

passado através de um olhar sem medo, autônomo, capaz de vislumbrar além

das barreiras impostas. Entretanto, em Menina a caminho, o olhar infantil da

personagem, apesar da sua inocência, consegue apreender os impasses e

contradições advindos dessa sociedade que está em vias de se modernizar, mas

ainda conserva valores, sobretudo, morais de cidade interiorana. Essa

apreensão não se dá de forma isenta, nem por parte do narrador que, como bem

marcou Leyla Perrone-Moisés (1996, p. 73), expressa através da alta frequência

do verbo “vomitar” na narrativa uma atitude de desprezo pela brutalidade e

mesquinhez dessa sociedade, nem pelo olhar da menina que, ao enfocar as

cenas da cidade e a si mesma, “com os olhos sempre cheio de espanto” (Nassar,

p. 326) ou encantamento, revela uma criticidade silenciosa, mas significativa,

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261 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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capaz de sobrepor aos espaço percebidos e concebidos, um espaço

vivenciado que põem em jogo as representações convencionais do espaço e das

pessoas.

Dessa forma, na sua caminhada, a personagem principal revela as

ambivalências dos espaços da cidade. Assim, por exemplo, a selaria de seu Tio-

Nilo, personagem sério que vai à contramão do processo de modernização e

esvaziamento das relações de trabalho capitalistas, através da execução de um

trabalho artesanal em que ele se compromete por inteiro, é redescoberta pela

menina como um lugar onde é possível ter um repouso através do trabalho e

uma preparação para enfrentar a “vida dura”:

Solitário, ninguém cochicha na sua oficina. O seu Tio-Nilo recolhe criterioso os recortes, ajunta os retalhos pr’um uso possível, deixa os óculos de lado apanha a muleta e se desloca. Alto, magro, a barba branca e rala, o coto de perna esquerda está corretamente vestido e embrulhado com a sobra do pano da calça. Volta logo pra banqueta trazendo outra sola. Faz tudo sozinho, a semana inteira trabalhando na mesa do balcão, ou costurando naquela máquina esquisita, menos no sábado que é quando chegam os peões-boiadeiros, tez queimada, lenços coloridos no pescoço, gente rude, delicada. Vão deixando os cavalos com as rédeas amarradas nas argolas da guia, um ao lado do outro, assim arrumados que nem nas batalhas santas das romarias. Aos poucos esses homens do campo se apertam ali na selaria, rascando esporas no chão, selecionando peças com adornos, além de apetrechos triviais de montaria, proseando sobretudo a vida dura e ouvindo com respeito a palavra curta do artesão severo. Por que é que falam que o seu Tio-Nilo é um homem perigoso? (NASSAR, 2016, p. 313-314)

Nessa ressignificação dos espaços operada pelo olhar da garota, mesmo

a escola, símbolo do desenvolvimento racional e da cultura letrada, a qual a

personagem só pode ter acesso através da janela, aparece como um lugar de

segregação onde mesmo os que lá estão, são submetidos a um regime totalitário

e violento, análogo aquele da sociedade brasileira submetida ao poder de Getúlio

Vargas:

Sem acreditar, a menina assiste através da vidraça aos três bolos em cada mão como castigo. A dona Eudóxia atira a régua num canto enquanto a menina dos biscoitos chora. Encolhida lá fora, a menina nem se dá conta de que apontam para a janela,

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

mas seus olhos se chocam de repente com os olhos de aço da velha mestre-escola. (NASSAR, 2016, p.304.).

Nesse contexto de opressão, a figura de dona Eudóxia, professora e

centro do poder, pode ser comparada à recorrência da foto do presidente Vargas

presente em outros espaços públicos, lembrando a todo momento o seu domínio:

Paralítica, a velha mestre-escola está sempre naquela cadeirona do canto, ao lado da lousa, os chinelões de lã descansando no assoalho, os pés sobre o banquinho cobertos pela surrada manta xadrez que lhe protege também as pernas. Mas segura firme o livro que folheia devagar, como se escolhesse a lição. Cada aluno tem um livro aberto em cima da carteira, e toda vez que dona Eudóxia vira uma página as crianças juntas, logo em seguida, viram uma página também. (NASSAR, 2016, p. 302)

Colocada em um ponto estratégico da sala, a “mestre-escola”, submetida

a uma condição de fixidez por ser paralítica, assume, entretanto, proporções

aterrorizantes, impondo uma ordem artificial marcada pela violência.

O olhar da menina não capta somente as ambivalências dos espaços,

mas o próprio processo de transformação da sociedade brasileira vivido no

tempo histórico que a obra faz referência. Os espaços representados, por sua

vez, denunciam um amplo perfil dessa sociedade que vêm se delineando na

literatura deste antes do modernismo. No ensaio A carroça, o bonde e o poeta

modernista, Roberto Schwarz já observa um ponto característico da literatura e

da arte brasileira que é “a justaposição de elementos próprios ao Brasil-Colônia

e ao Brasil burguês” (Schwarz, 1987, p. 12). Segundo o crítico, antes mesmo de

ser um recurso artístico, essa dualidade era – e parece ainda continuar sendo –

um dado de observação comum no dia-a-dia nacional. Entre o rural e o urbano,

a cidade do conto também reflete uma justaposição de espaços e elementos

dessas duas esferas, em uma dinâmica que mais parece um simulacro das

condições sociais e históricas do país.

Ao longo de todo o conto, vão coexistir elementos que sinalizam para um

processo de modernização e outros que apontam para o atraso de uma

sociedade tipicamente rural: “Vindo de casa a menina caminha sem pressa,

andando descalça no meio da rua, às vezes se desviando ágil para espantar as

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galinhas que bicam a grama crescida entre as pedras da sarjeta.”

(NASSAR, 2016, p. 287).

O trecho acima, ao retratar o espaço inicial do conto, instaura essa

atmosfera de dualidade entre campo e cidade: há ruas nessa cidade, mas elas

são permeadas por animais que circulam livremente. Em outro momento,

caminhão e carroça, elementos de certa forma conflitantes, dividem o espaço

dessa cidade:

Ela se põe de pé num salto, se atrapalha com a carroça parada quase em frente da máquina de arroz, e dispara. Respirando de boca aberta, já na esquina da rua principal, acompanha dali o caminhão velho que vem rodando, levantando uma poeira amarela, a carroçaria sacolejando, fazendo um barulhão dos diabos nessa hora pachorrenta em que tudo está quieto. (NASSAR, 2016, p. 296)

É importante notar que o ímpeto modernizador não é capaz de abolir de

imediato ou mesmo para sempre os resquícios de uma tradição tão significativa

quanto foi a cultura rural no Brasil. Reflexo disso, é o fato de que a carroça

mesmo parada, parece ser uma imagem mais clara que o caminhão que,

podendo remeter a modernidade, aparece velho, desgastado e coberto por uma

poeira amarela, revelando que a modernidade no Brasil ainda não é um dado

bem delineado, mas ainda está sendo produzida pelos discursos dominantes e

pelas representações do espaço disseminadas.

Pode-se afirmar que, no conto Menina a caminho, o espaço representado

contribuiu para desenvolver um quadro crítico da sociedade brasileira. Assim, o

olhar ingênuo da personagem principal conseguiu desvelar, através de uma

relação com espaço marcada por sua condição clandestina, aspectos da

condição social brasileira que persistem até hoje.

BIBLIOGRAFIA

BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. 3ª ed. São Paulo: Brasilense, 1994. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. São Paulo: Ribeirão Gráfica e editora, 2007. BRANDÃO, Luís Alberto. Teorias do espaço literário. São Paulo: Perspectiva,

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2013. FRIEDMAN, Norman. O Ponto De Vista Na Ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico. Revista usp, n. 53, 2002, p. 166-182. LEFEBVRE, Henri. La Production de L’Espace. 4ª ed. Paris: Éditions Anthropos, 2000. LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). Ática, 1985. NASSAR, Raduan. Obra Completa. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Da cólera ao silêncio. In: Cadernos de Literatura Brasileira – Raduan Nassar. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1996, p. 61-77. SCHWARZ, Roberto. A carroça, o bonde e o poeta modernista. In: ______. Que horas são?. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p. 11-28.

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A ESCRITA POR IMAGENS DA CIDADE NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Moema de Souza Esmeraldo 1

O intuito desse resumo expandido é elencar algumas crônicas de Carlos

Drummond de Andrade escritas para o jornal Correio da Manhã e examinar os

vestígios da construção de imagens dialéticas relacionadas, sobretudo, à cidade.

Além disso, evidenciar imagens ressignificadas em uma escrita que narra o

espaço urbano sob o olhar do autor importante intelectual brasileiro do século

XX.

Inicialmente, faz-se necessário distinguir o conceito de escrita por

imagens do pensamento. Sendo assim são importantes as observações sobre o

conceito de uma escrita por imagens aliadas à compreensão de tempo que

afasta a perspectiva linear da história, ou seja, escapam de um espaço-temporal

continuum. Para amparar o enfoque apresentado, partirei de algumas

considerações teóricas discutidas por Walter Benjamin (1994) no ensaio

intitulado Sobre o conceito da história.

A compreensão de tempo apoia-se a partir de uma descontinuidade, com

sentido que se distingue do tradicional, pressupondo parte substancial de um

pensamento por meio de uma escrita por imagens. No ensaio intitulado Sobre o

conceito da história, Walter Benjamin faz uma crítica radical ao pensamento

historicista tradicional, que concebe a linearidade histórica com o objetivo de

preencher o tempo histórico homogêneo e vazio. Para tanto, aponta que “o

passado aparece como uma imagem que perpassa veloz, como fixação rápida

e não definitiva tal qual um relâmpago” (Benjamin, 1994, p. 224).

O autor expõe que o pensamento não é apenas uma questão de

conteúdo, mas de forma (escrita), e que um projeto de escrita por imagens seria

a construção de uma filosofia por imagens. Benjamin afirma que “articular

historicamente o passado não significa conhecê-lo como ele de fato foi”

(Benjamin, 1994, p. 225), mas “significa apropriar-se de uma reminiscência tal

1. Doutoranda em Literatura, cultura e contemporaneidade, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista CAPES e licenciada pela Secretaria de Educação do Distrito Federal. [email protected].

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como ela relampeja no momento de um perigo” (idem, p. 224). Assim,

o crítico, na sua tese de número seis, dentre as onze expostas, presume que:

[...] fixar uma imagem no passado como ela se apresenta no momento do perigo ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela (BENJAMIN, 1994, p. 224).

No interior da linguagem, temos acesso ao passado e à possibilidade de

dizer “que os vencidos aconteceram” apesar do devir histórico ter sido construído

a partir dos que venceram. No sentido de “[...] colocar o passado em um

momento de tensão no perigo” (BENJAMIN, 1994, p. 224), o escritor Carlos

Drummond de Andrade, em muitas das crônicas escritas para a sua coluna

Imagens no jornal Correio da Manhã e em sua poesia, consegue, ao seu modo,

não só “fixar a imagem do passado como ela se apresenta no momento do

perigo” (Benjamin, 1994, p. 224), mas também aproximar elementos que

constatam uma sua escrita por imagens do pensamento.

Nessa proposta de leitura, verificar-se-á que Drummond executa na sua

escrita, principalmente como cronista, a tarefa de um pensamento não

instrumental, mas interessado em discutir questões relacionadas às imagens

dialéticas do passado, por meio da rememoração dos espaços da cidade, para

elaborar a representação da experiência urbana, marcada pelo cotidiano e pelas

pessoas comuns que habitam a cidade.

De modo singular, o escritor mineiro, seja em sua prosa, seja em sua

poesia, elaborou uma escrita por imagens do passado que narrou

acontecimentos grandes e pequenos e conseguiu flagrar imagens do passado

que fogem a uma perspectiva linear e continuísta da história. Nessa acepção, o

crítico alemão nos diz que:

O cronista que narra os acontecimentos sem distinguir entre os grandes e os pequenos leva em conta a verdade de que nada do que aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente de seu passado. Isso quer dizer que somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos (BENJAMIN, 1994, p. 223).

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Benjamin propõe um estado de exceção permanente diferente

do imposto pela história universal, que se revela como uma fantasmagoria da

tradição dos vencedores. Em suas Teses, tem urgência em construir um conceito

de história que rompe com a linearidade temporal para obter com os fragmentos

imagens que ofereçam alegorias à interpretação. Em consonância com esse

pensamento, por exemplo, Drummond estabelece como matéria de sua literatura

imagens que representam o passado “vento de minas”, a ser reconhecido, por

exemplo, no presente, de modo intempestivo, para elaborar uma escrita que

também não obedece à memória linear do passado, como será verificado na

análise de seus textos a serem elencados para estudo.

Tendo em vista essa busca por imagens que não privilegiam a ordem

histórica dos acontecimentos, Katia Muricy (2009 chama a atenção para o

conceito de imagem dialética na obra Passagens, de Benjamin:

A noção de imagem dialética é a grande novidade da epistemologia exposta no livro Passagens, de Walter Benjamin. Essa obra constitui-se pela articulação temporal que Benjamin encontrara nas alegorias das Passagens parisienses de Baudelaire – o encontro do antigo e do moderno. A imagem dialética é a projeção, na atualidade, das fantasias e desejos da humanidade – o encontro do outrora com o agora. A imagem dialética, isto é, a dialética parada, é ambivalente: é sonho e despertar, o arcaico e o atual. Na imagem dialética, a relação entre o passado e o presente é arrancada da continuidade temporal. Não há um desenrolar dialético, mas um salto que imobiliza. É a produção de um conhecimento imediato sobre um objeto histórico constituído simultaneamente, por sua vez, nessa imobilização. O espaço desta imobilização é a linguagem, o medium das imagens dialéticas (MURICY, 2009, p. 237).

Assim, o pensamento por imagens é uma teoria que perpassa o legado

teórico benjaminiano, assim como a necessidade de interpretar imagens

dialéticas do passado, que estipula ao historiador as tarefas de explodir a

continuidade homogênea de um tempo vazio e a linearidade do processo e

trabalhar com os fragmentos e as ruínas do passado, cristalizados pelo olhar da

atualidade e pela premência do perigo.

Na sua tese de número nove, Benjamin cita a figura criada pelo pintor Paul

Klee em 1920, o angelus novus, para reconhecer a tarefa do historiador; desse

modo, constrói sua alegoria para a história: com os olhos no passado, vê as

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ruínas onde o historicista veria acontecimentos; vê catástrofes onde o

historicista faz a canonização do ponto de vista dos vencedores (Benjamin, 1994,

p. 226). Critica sobretudo a compreensão de história como acúmulo de fatos e

propõe uma história focada em construir “imagens utópicas” da história crítica, a

concepção continuísta e a concepção de uma história imobilizada em imagens.

Sobre as obras benjaminianas, Katia Muricy expõe:

As “Teses” são construídas como alegorias. As alegorias de Benjamin são imagens dialéticas, onde passado e presente fulguram simultaneamente em um conhecimento instantâneo de ambos” (p. 234) “A imagem dialética é um relâmpago. Escrita que quer falar por imagens. A revolução é um salto para o passado. Na seção N do livro Passagens, apresenta sua epistemologia, que sustenta suas teses: descontinuidade do pensamento; temporalidades simultâneas relacionadas ao instante; fragmentação da verdade; importância do minúsculo. (MURICY, 2009, p. 243).

Drummond foi, então, ao seu modo, historiador de seu tempo no sentido

proposto por Walter Benjamin, pois narrou acontecimentos pormenorizados

oficiais da história da cidade do Rio de Janeiro, que serviram de matéria para

suas crônicas, a exemplo da tentativa de remover os favelados do Morro da

Catacumba, no Rio de Janeiro; da higienização da antiga Avenida Central pelo

prefeito Pereira Passos; da demolição de edifícios em nome de uma arquitetura

mais moderna; e até dos escândalos envolvendo personalidades e funcionários

públicos fantasmas. O que predomina, contudo, para esta proposta de estudo

são as referências sobre o espaço da cidade, em especial, a cidade do Rio de

Janeiro.

Partindo-se dessas constatações, procura-se então apreender a seguir o

diálogo travado entre imagem, experiência urbana e literatura, dando destaque

aos textos drummondianos marcados por uma necessidade de representação

do passado por meio de uma escrita por imagens que relaciona o presente junto

com a representação do espaço da cidade.

Dando continuidade, esse trabalho visa, sobretudo, difundir o estudo do

espaço da cidade a partir da coluna Imagens, que Drummond publicou entre o

período de 1954 a 1969. No primeiro ano, em 1954, o cronista chegou a publicar

quase seis vezes na semana e nos anos seguintes, em média três vezes por

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semana, salvo em alguns casos de datas excepcionais ou em datas

comemorativas, em que também publicava.

Drummond já vinha contribuindo com o suplemento literário desse

importante periódico, com colunas avulsas, mas no dia 9 de janeiro de 1954,

publicou a crônica A pipa2, utilizando como título da coluna Imagens do Rio,

dando sequência a este título para todas as suas demais crônicas publicadas no

Correio da Manhã até 1969. No entanto, há uma variação desse título a partir

dos conteúdos abordados em seus textos, por exemplo, Imagens do tempo,

Imagens antigas, Imagens da história, Imagens eleitorais, Imagens da medicina,

Imagens mineiras, Imagens da vida, entre outros.

Desse modo, muitas questões valem recortes para diferentes análises da

obra do autor. Mas esta proposta de estudo centra-se em questões vinculadas a

uma escrita por imagens da cidade e da experiência urbana. As crônicas que

tematizam as transformações urbanas e estão ligadas aos acontecimentos do

dia a dia apresentam-se como uma espécie de crônica-reportagem, que passa

em sua coluna a partir de muitas críticas políticas relacionadas à experiência na

urbe. Em muitas crônicas, considerou dedicadamente sua escrita a narrar à

cidade do Rio de Janeiro, seja denunciando, seja criticando, seja ironizando, e

elegeu a cidade afetivamente como tema para muitos de seus textos, em prosa

ou em poesia.

Porém, a contradição desse espaço urbano carioca com o espaço da

lembrança da cidade interiorana de seu nascimento e infância, Itabira, cidade do

estado de Minas Gerais, marca inquietantemente a trajetória do escritor também

como cronista. Esse sentimento pode ser sinteticamente reconhecido em vários

textos, em que ilustra a necessidade de relativizar esses dois espaços.

No verso “Espírito mineiro circunspecto”, do poema Prece de mineiro no

Rio realiza-se ao se manifestar no espaço do Rio de Janeiro, haja vista que é lá

(presente) a sua morada, e a cidade bate em seu “coração, não mais no cais”

(Drummond, 2012, p. 20). Incorporando finalmente as características deste local

2 Essa crônica satiriza sobre a falta de água no Rio de Janeiro, tema frequente em muitos outros textos para o Correio da Manhã. Na citada crônica, faz referência ao carro-pipa, que será a alternativa para os moradores, em especial, da Rua Joaquim Nabuco, em Copacabana. Ressalta o custo financeiro desse tipo de fornecimento de água e comenta: “Estudemos a sociologia da pipa”.

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e encontrando o lugar onde ele se resolve, o poeta finaliza o texto

declarando seu amor à cidade (grande, urbana), diferentemente da cidade

pequena (uma cidadezinha qualquer). Assim sendo, esta acaba por se tornar

uma intensa temática para a compreensão do projeto literário de Carlos

Drummond de Andrade, que visa à ressignificação de espaços da cidade.

Em meio a tanta diversidade dos textos dentro da obra do autor que

versam sobre a rememoração de Minas Gerais, as transformações do Rio de

Janeiro, além da representação de importantes construções urbanas demolidas,

chamam atenção. Somam-se a essas crônicas aquelas que apresentam como

interlocutor o personagem João Brandão3 e os inúmeros textos que intitulou de

Imagens da lotação, em que narra experiências pela cidade ao andar de lotação,

transporte público comum em sua época.

Torna-se questionador irônico e sarcástico na série de crônicas avulsas

que publica como Imagens urbanas. A primeira recorrência do título aparece em

24 de junho de 1954, com o subtítulo Taxi-heim, que discute se o motorista de

táxi tem o direito de recusar passageiros “pela pinta” e se, como compensação,

o passageiro poderia usar o leito das ruas, a pé, em faixas longitudinais. Com

humor, conclui que “os táxis correriam por onde entendessem, vazios e calmos;

os cidadãos fariam admirável exercício físico” (DRUMMOND, 1956, p. 6).

Dando continuação ao título, a segunda crônica que nomeia de Imagens

urbanas é Conversa no escuro, a qual relaciona aspectos oriundos do mau

planejamento urbano, como o racionamento de energia elétrica, o que comprova

a atualidade dos temas abordados nessas colunas, pois as palavras de outrora

parecem ser ditas nos dias atuais, como neste trecho: “A vida na cidade grande

não é muito variada. Em julho ou agosto, infalivelmente, surge a advertência de

que é preciso economizar energia elétrica, porque a vasão do Rio Paraíba nunca

foi tão baixa nesses últimos quarenta anos (Drummond, 1956, p. 6).

3 João Brandão é figura singular na crônica de Carlos Drummond de Andrade. Não é pseudônimo, tampouco é personagem de contornos detalhados e vida própria. João Brandão poderia ser definido, pelo menos a princípio, como um “alter ego do escritor, gauche como convém ao poeta e de participação um tanto episódica em sua longa carreira de cronista”, descreve Paulo Roberto Pires (2015), no prefácio da última reedição da coletânea de crônicas do livro Caminhos de João Brandão, que foi publicado pela primeira vez em 1970.

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Outras crônicas com título de Imagens urbanas são importantes

para perfilhar as condições e as consequências da vida na cidade. Para tanto,

vale-se da imagem das ruas com protagonismo em sua escrita. No texto Nossa

rua, apresenta a enquete descoberta em uma das suas “escavações pela

Biblioteca Nacional” (Drummond, 1963, p.06), onde buscava repertório para seus

textos em meio a jornais e revistas, encontrando na folha de 1908 a reportagem

que trazia a pergunta feita a ilustres da época sobre “Qual a rua mais bonita do

Rio?”.

Dado o momento histórico da pergunta, “era de se esperar que fosse a

Avenida Central, recentemente aberta, metamorfose urbana”, e aproveita para

criticar a limpeza da “morrinha imperial realizada por Passos e Oswaldo Cruz”,

que “espalhava euforia do carioca pelos novos aspectos da cidade”. Mas para

seu espanto, teve apenas o voto de Euclides da Cunha. A maioria dos famosos

votantes, principalmente escritores, “manifestaram em favor das vias públicas,

ligadas talvez a circunstâncias da vida emocional deles próprios”. Drummond

retruca se haveria cabimento essa pergunta nos dias atuais. Para ele seria a rua

mais escondida de todas, que não sofreu com as corrosões do tempo, ou seja,

só haveria pedaços de rua que se recusaram a perder o seu caráter e “nelas se

concentra a alma heroica do Rio”.

Já na crônica Redescoberta, faz menção à importância do caminhar pela

cidade. Utiliza João Brandão, “o sem-pneu”, para redescobrir a existência de

duas ruas – da Quitanda e São José –, pois “perdera-se a memória delas na

noite dos tempos”. Ambas, depois de uma reforma do trânsito, aboliram a

passagem de veículos, e assim foi reestabelecido para o cronista “o prazer

admirável de andar”, onde as pessoas iam e vinham naturalmente, sem correr

dos automóveis ou passar por cima deles. “Enfim, uma rua como se havia em

outros tempos, onde – não é mentira não – se andava”. Ao andar pela cidade,

privilegia a rua para narrar a experiência urbana.

Diante do exposto, foi feito um exame teórico com o objetivo de analisar

a construção de um pensamento por imagens do cotidiano urbano realizada pelo

escritor mineiro, que investiu na representação de temas banais e comuns para

elaborar uma escrita a partir de fragmentos da cidade, bem como discutir a

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profusão da consciência de representar a experiência urbana; além de

examinar a escrita a partir da construção de imagens poéticas relacionadas à

cidade e à construção da representação de um imaginário urbano.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. ______. A pipa. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 09 jan. 1954, Imagens urbanas, 1o caderno. ______. Nossas ruas. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 22 ago. 1963, Imagens do Rio, 1o caderno. ______. Redescoberta. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jul. 1964, Imagens urbanas, 1o caderno. ______. Táxi-heim. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 09 abr. 1954, Imagens urbanas, 1o caderno. ______. Caminhos de João Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: ______. Mágia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas). MURICY, Katia. Alegorias da dialética: imagens e pensamento em Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Nau, 2009.

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O ESPAÇO NA OBRA PRINCE LESTAT DE ANNE RICE COMO FORMA DE RENOVAÇÃO DO TEMA VAMPIRESCO

Patricia Hradec1

O presente artigo tem por objetivo analisar trechos da obra Prince Lestat

(2014) de Anne Rice acerca dos espaços literários apresentados na obra e

verificar como esses espaços renovam a caracterização do vampiro. Como

aporte teórico nos basearemos em Gaston Bachelard e sua obra A Poética do

Espaço (2000) bem como Maurice Blanchot e sua obra O Espaço Literário

(2011).

Prince Lestat (2014) é a 11ª obra das “Crônicas Vampirescas” de Anne

Rice, saga iniciada em 1976 com a obra Interview with the Vampire (Entrevista

com o vampiro) quando Lestat é-nos apresentado como um vilão através da

narração autobiográfica do vampiro Louis, discípulo de Lestat. Já em 1985 Lestat

passa a ser um herói na segunda obra das “Crônicas” The Vampire Lestat (O

vampiro Lestat) quando esse passa a ser um astro do rock e revela sua condição

vampiresca para os humanos mesclando assim o mundo dos vampiros com o

dos humanos. A saga vampírica continua em Prince Lestat (2014) quando os

vampiros precisarão de um líder para reagrupar a tribo dos vampiros. Em pleno

século XXI há vampiros espalhados ao redor do mundo e sua tribo (The Undead

tribe) está em completo caos e sem uma liderança efetiva, o vampiro Lestat será

empossado Príncipe Regente e reagrupará essa tribo até então ameaçada de

extinção por causa de um espírito ancestral.

Esses vampiros agrupados em diversos lugares interagem com os

espaços externos e internos. Entendemos aqui que os espaços externos são os

lugares físicos, comuns e reais do cotidiano; ou seja, os espaços geográficos. Já

os espaços internos entenderemos que são os espaços: social e psicológico

intrínseco ao texto. Social no sentido de interação entre os vampiros e interação

com o mundo dos humanos. Psicológico no sentido das reflexões feitas pelos

vampiros e pelos fatos narrados biograficamente traçando um perfil.

1 Professora Mestra e Doutoranda em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vinculada ao MACKPESQUISA. Bolsista da CAPES. E-mail: [email protected]

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Inicialmente devemos entender que dentro de uma obra literária

encontramos diversos tipos de espaços. Santos e Oliveira (2001) destaca que

os espaços podem ser descritos como geográfico, ligado aos lugares onde a

história se desenrola; histórico, relacionado ao tempo decorrente; social,

descrevendo a relação entre as personagens; psicológico, relacionado às

características existenciais das personagens e o da linguagem, relacionado às

formas como as personagens se expressam.

Além dos diferentes tipos de espaços, devemos entender que eles

também servem para diferentes objetivos. Borges Filho (2008) descreve sete

funções do espaço: 1) caracterizar as personagens; 2) influenciar os atos; 3)

propiciar a ação; 4) situar geograficamente a história; 5) representar sentimentos

vividos dentro da história; 6) estabelecer contrastes entre as personagens e 7)

antecipar a narrativa. Sendo assim, além dos diversos objetivos a que se propõe,

dentro de uma obra literária encontramos também diversos tipos de espaços,

mas dentro da obra Prince Lestat (2014) analisaremos apenas o geográfico, o

social e o psicológico pois esses nortearam nossos estudos dentro do espaço e

evidenciarão as mudanças no que diz respeito à renovação da figura do vampiro.

Logo nos primeiros capítulos somos informados que há vampiros

espalhados em todas as partes do mundo, eles estão na Europa (Paris,

Amsterdã, Londres), Estados Unidos (Nova Iorque), Brasil (Rio de Janeiro e

Selvas da Amazônia), Nepal (Katmandu), Índia (Nova Deli), e em vários outros

lugares. A partir de uma crise mundial, vampiros ao redor do mundo vêm sendo

destruídos: “Burning last night in Kathmandu.”2 (RICE, 2014, p. 130); “The

Burning was annihilating the vampires of India.”3 (RICE, 2014, p. 131); “Vampires

have been slaughtered in Mumbai, […] It is the same as in Tokyo and Beijing.

Havens and sanctuaries burnt […] A frantic vampire calling from Hong Kong

poured out her fears to Benji.”4 (RICE, 2014, p. 125). Por conta dessa ameaça

2 Queimada ontem à noite em Katmandu. (RICE, 2015, p. 144) 3 A Queimada estava aniquilando os vampiros da Índia. (RICE, 2015, p. 145). 4 Vampiros têm sido chacinados em Mumbai, […] Acontece o mesmo em Tóquio e em Pequim. Refúgios e santuários queimados […] Uma vampira em pânico que ligava de Hong Kong despejou seus temores sobre Benji. (RICE, 2015, p. 138)

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de extinção é que os vampiros irão se agrupar e se unir enquanto tribo

e é nesse momento que precisarão de um líder.

Observamos assim que a função do espaço é situar essa tribo dos

vampiros ao redor do globo terrestre, levando a um efeito que propiciará uma

ação: a tribo precisará ser comandada de alguma forma. Estar esses vampiros

espalhados ao redor do mundo indica que eles têm de alguma maneira se

modernizado e podem passar por humanos o que corresponde à outra função:

a de caracterizar as personagens.

O Brasil, mais precisamente o Rio de Janeiro, aparecerá na trama, mas

as Selvas da Amazônia serão cruciais para o desenrolar da narrativa. Há

vampiros morando no Rio de Janeiro, em Santa Teresa, famoso bairro boêmio.

“‘Stay away from that coven house in Santa Teresa.’ He sent the message

telepathically […]”5 (RICE, 2014, p. 138), o bairro de Santa Teresa no Rio de

Janeiro tem uma localização privilegiada com vista para o Corcovado, também

é famoso por casarões antigos, e é o lar de vários intelectuais, acadêmicos,

artistas que buscam qualidade de vida além de historicidade e cultura, poderia

ser um ótimo lugar para um refúgio vampírico.

Os vampiros Marius e Daniel moram no Rio de Janeiro mas não sabemos

exatamente em qual bairro: “[...] the flowers he’d seen in Rio de Janeiro [...]

always the faces of the beautiful Brazilians he encountered everywhere, walking

through the nighttime rain forest of Corcovado, or on the endless beaches of the

city, or in the noisy garishly lighted nightclubs he frequented, […] from the frothy

margin of the ocean.”6 (RICE, 2014, p. 135).

Bachelard (2000) relata que “[…] a casa é o nosso canto do mundo. [...] o

nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. [...]” (BACHELARD, 2000, p.

24) e os relatos de aniquilamento dos vampiros abalam esse mundo, muitos

5 “Fique afastado daquela casa de irmandade em Santa Teresa.” Ele enviou a mensagem telepaticamente [...] (RICE, 2015, p. 152) 6 […] das flores que ele vira no Rio de Janeiro [...] sempre os rostos dos belos brasileiros que ele encontrava em todos os lugares, andando à noite pela mata do Corcovado, ou nas inúmeras praias da cidade, ou nas barulhentas casas noturnas com iluminação extravagante que frequentava, [...] da espumosa orla do oceano. (RICE, 2015, p. 149)

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acabam buscando refúgio em outros lugares supostamente mais

seguros, abalando assim o próprio universo vampírico.

O fato dos vampiros estarem espalhados pelo mundo causa a renovação

da figura porque indica que o vampiro não está no castelo gótico, como um

aristocrata, mas está em lugares comuns, lugares que até podemos conhecer e

ou frequentar. O vampiro não é mais o estrangeiro, o diferente, ele é o ‘real’. E

conforme Blanchot (2011) explica: “O ‘real’ é aquilo com que a nossa relação é

sempre viva e nos deixa sempre a iniciativa, [...]” (BLANCHOT, 2011, p. 279).

Esses vampiros circulam entre nós, frequentando os mesmos lugares que nós,

não estão mais fechados em algum castelo longínquo, estão nas nossas ruas e

podem até ser nossos vizinhos.

Outro lugar de destaque na obra são as Selvas da Amazônia, título do 12º

capítulo, lugar de refúgio para as irmãs bruxas-vampiras Maharet e Mekare que

antes de serem aniquiladas eram consideradas as anciãs da tribo dos vampiros.

Quando Lestat tenta conversar com elas para pedir o reagrupamento da tribo,

ele e o amigo David ficam em uma pousada em Manaus. “[…] He said he knew

of a fashionable little jungle lodge about thirty miles out of Manaus located on the

Acajatuba River. [...]”7 (RICE, 2014, p. 212). Novamente temos uma localização

real aqui no Brasil, um espaço geográfico que irá ser crucial para o desenrolar

da narrativa na medida em que a floresta é o local de refúgio das anciãs

escolhido para que não fossem perturbadas.

Dentro da narrativa evidencia-se também o espaço social, ou seja, as

infinitas relações entre vampiros e humanos, como dito anteriormente, o mundo

dos vampiros convive com o dos humanos em harmonia. Observe o trecho a

seguir: dois humanos, Rose e Viktor estão conversando com o vampiro Louis em

perfeita harmonia. Louis não está tentando matar ou se alimentar dos humanos,

antes estão conversando de maneira pacífica e calma.

He was irresistible. Rose had been listening to him for hours. […] Viktor too had been listening, […] right now she was listening to Louis. Louis shied away from bright electric lights, a soul of the nineteenth century, he confessed, preferring these

7 Ele disse que conhecia uma pequena pousada charmosa no meio da selva, a mais ou menos cinquenta quilômetros de Manaus, situada no rio Acajatuba. (RICE, 2015, p. 235)

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old-fashioned candles and especially here in this high glass apartment with the brightness of Midtown […]8 (RICE, 2014, p. 333)

Convém ressaltar que a tecnologia e a ciência também permeiam a obra

e serão cruciais para a renovação do tema vampiresco dentro do espaço social.

Há uma rede de comunicação entre os vampiros ao redor do mundo feita através

de uma rádio que transmite notícias via internet.

[…] Benji Mahmoud was probably twelve years old when Marius made him a vampire, […] born in Israel to a Bedouin family, then hired and imported into the United States by the family if a young female piano player named Sybelle – who was clearly insane – so that he could be Sybelle’s companion. […] he was living in New York with Armand and Louis and Sybelle, and he had invented the radio station […] it was broadcast at first, […] he soon operated the program as an internet radio stream out of the townhouse on the Upper East Side, often speaking to the Children of the Darkness nightly and inviting their phone calls from all over the world. […] He just talked, talked to Us and paid no attention whatsoever to the vampire-fiction enthusiasts or little Goths […]9 (RICE, 2014, p.13 e 14)

A tecnologia é usada em favor dos vampiros: “[…] the world itself has

changed so dramatically in the last thirty years, […] What with computers now it

is entirely possible to unite and strengthen the Great Family in a way that simply

wasn’t possible before.”10 (RICE, 2014, p. 39). A tribo dos vampiros ao redor do

8 Ele era irresistível. Rose o estava escutando há horas. [...] Viktor também o estava escutando, [...] naquele exato momento ela estava escutando Louis. Louis evitava as brilhantes luzes elétricas, uma alma do século XIX, ele confessava, preferindo aquelas antiquadas velas, sobretudo naquele apartamento de vidro com a luminosidade de Midtown [...] (RICE, 2015, p. 369)

9 [...] Benji Mahmoud tivesse provavelmente doze anos de idade quando Marius fez dele um vampiro, [...] nascera em Israel numa família de beduínos, então fora contratado e levado para os Estados Unidos pela família de uma jovem pianista chamada Sybelle – que era claramente insana – de modo que ele pudesse ser um companheiro para a garota. [...] ele já estava morando em Nova Iorque com Armand, Louis e Sybelle, e ele já havia inventado a estação de rádio [...] no início se tratava de uma transmissão tradicional, [...] logo passou a operar o programa de rádio como um stream via internet ao vivo da residência no Upper East Side, frequentemente falando com as Crianças da Escuridão todas as noites e convidando-as a realizar ligações telefônicas de todas as partes do mundo. [...] Ele simplesmente falava, falava a Nós e não prestava nenhuma atenção aos entusiastas de historinhas de vampiro ou aos pequenos góticos [...] (RICE, 2015, p. 14 e 15) 10 […] o mundo em si mudou de modo tão dramático nos últimos trinta anos, [...] Agora com os computadores é totalmente possível unir e fortalecer a Grande Família de uma maneira que não era possível antes. (RICE, 2015, p. 42)

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mundo vem sendo organizada e essa tribo não atrapalha o andamento

da humanidade, os vampiros não são uma ameaça aos humanos, convivem em

perfeita harmonia e transitam entre os dois mundos: o dos vampiros e o dos

humanos.

No que diz respeito ao espaço psicológico há inúmeras reflexões sobre o

mundo dos vampiros, mas iremos nos ater ao vampiro Louis que continua

refletindo sobre suas atitudes vampíricas iniciada na primeira obra Interview with

the vampire (1976).

Louis sat there, back to the trunk of the tree, a copy of his memoir, Interview with the Vampire, the memoir that had sparked the Vampire Chronicles, open on his lap. […] Louis read the words he’d spoken years ago to Daniel Malloy when Daniel had been an eager and enchanted human, […]11 (RICE, 2014, p. 446).

Louis relembra suas palavras num espaço psicológico vivido. Bachelard

(2000) nos informa que “[...] o espaço percebido pela imaginação não pode ser

o espaço indiferente entregue à mensuração [...] É um espaço vivido. E vivido

não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação.”

(BACHELARD, 2000, p. 19).

Devemos lembrar que Louis conta sua história, a partir de seu ponto de

vista tanto que para ele Lestat era um vilão, um vampiro sanguinário, bem

diferente daquele apresentado em Prince Lestat (2014), um líder, um herói que

comandará a tribo.

Bachelard (2000), citando Baudelaire, diz que “Para Baudelaire, o

destino poético do homem é o do ser o espelho da imensidão; ou, mais

exatamente ainda, a imensidão vem tomar consciência de si mesma no

homem. Para Baudelaire, o homem é um ser vasto.” (BACHELARD, 2000, p.

201). Neste respeito, Louis toma consciência de si mesmo.

11 Louis estava ali sentado, as costas voltadas para o tronco da árvore, um exemplar de suas memórias, Entrevista com o vampiro, as memórias que haviam aceso a chama das Crônicas Vampirescas, aberto no colo. [...] Louis lia as palavras que proferira anos atrás a Daniel Malloy, quando este era um ansioso e encantado ser humano, [...] (RICE, 2015, p. 494).

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But no other understanding was needed. He knew this. […] For what he’d been, the being he’d been, required no confessions to those he knew and loved, but only that he love them and affirm their purpose with his transformed soul. […] He had not perished. That might be his only significant accomplishment. He had survived. Yes, he’d been defeated, more than once. But fortune had refused to release him. And he was here now, whole, and quietly accepting of the fact though he honestly did not know why.12 (RICE, 2014, p. 447)

Louis agora reflete sobre sua vivência: “His mind was no longer stubborn

and locked against its vagrant possibilities and wild, escalating light.”13 (RICE,

2014, p. 447). E sobre isso Bachelard (2000) diz: “É um ‘poder da palavra’. [...]

Traduz uma convicção vital, uma convicção íntima.” (BACHELARD, 2000, p. 201

e 202).

Ainda sobre a questão da memória, Blanchot (2011) demonstra como “[...]

Mallarmé reconhece ‘um duplo estado da fala [...]’ A fala em estado bruto

‘relaciona-se com a realidade das coisas’. [...] A fala essencial distancia-as, fá-

las desaparecer, ela é sempre alusiva, sugestiva, evocativa. [...]” (BLANCHOT,

2011, p. 32). Podemos entender esse duplo estado da fala quando Lestat

questiona Jesse se é feliz sendo vampira.

‘Were you happy in the Blood?’ I asked suddenly. She was startled. ‘What do you mean?’ ‘In the beginning, during those first years. Were you happy?’ ‘Yes,’ she said. ‘And, I know that I will be happy again. Life is a gift. Immortality is a precious gift. It shouldn’t be called the Dark Gift. That’s not fair.”14 (RICE, 2014, p. 66).

12 Mas nenhuma outra compreensão era necessária. Ele sabia disso. [...] Pois o que ele fora, o ser que havia sido, não requeria nenhuma confissão àqueles que conhecia e amava, mas apenas que os amasse e que afirmasse seus propósitos com sua alma transformada. [...] Ele não perecera. Esse talvez tivesse sido seu único êxito significativo. Sobrevivera. Sim, ele havia sido derrotado, mais de uma vez. Porém a sorte se recusara a abandoná-lo. E ele estava ali, inteiro, e silenciosamente aquiescente ao fato, embora honestamente não soubesse o motivo. (RICE, 2015, p. 495 e 496)

13 Sua mente não era mais teimosa e selada contras suas próprias possibilidades errantes e sua luz selvagem e cada mais acentuada. (RICE, 2015, p. 495)

14 – Você já foi feliz no Sangue? – perguntei subitamente. Ela ficou sobressaltada. – Como assim? – No começo, durante aqueles primeiros anos. Você era feliz? – Era. E eu sei que eu ficarei feliz novamente. A vida é uma dádiva. A imortalidade é uma dádiva preciosa. Não deveria ser chamada de Dom Escuro. Isso não é justo.” (RICE, 2015, p. 73)

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É interessante notar que a função desse espaço interacional é

representar os sentimentos vividos, a busca da felicidade tão comum para os

humanos, é um sentimento também vampírico, renovando a figura vampírica na

medida em que sofre, tem sentimentos humanos e reflete sobre sua existência.

Embora a obra seja repleta de outros exemplos que se aplicam aos

espaços literários, vimos aqui apenas alguns que indicam o propósito de cada

espaço delimitado na obra. Vimos o espaço físico que serve como representante

do mundo real, o espaço social entrelaçando os dois mundos: o vampírico e o

humano e por último vimos o espaço psicológico com a intenção de representar

sentimentos vividos.

REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 5ª tiragem. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. BORGES FILHO, Ozíris. “Espaço e literatura: introdução à topoanálise”. In: Tessituras, Interações, Convergências. XI Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo, 2008. <http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf> .Acesso em: 13 nov. 2017, às 8h54min. RICE, Anne. Prince Lestat. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014. ______ Príncipe Lestat. Tradução de Alexandre D’Elia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2015. SANTOS, Luis Alberto Brandão e OLIVEIRA, Silvana Pessoa de. Sujeito, tempo e espaço ficcionais: introdução à teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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281 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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PORTOS DE ANCORAGEM – REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS NA POÉTICA DE DAMÁRIO DA CRUZ

Rodrigo de Carvalho Oliveira1 Igor Rossoni2

Maria das Graças Meirelles Correia3

INTRODUÇÃO

O conceito de espaço é multifuncional e transdisciplinar, pois perpassa

campos teóricos diversos. Todavia, dentre as possibilidades investigativas, uma

das principais abordagens no campo literário se dá através da noção de

representatividade do espaço (BORGES FILHO, 2015). Em termos analíticos, o

conceito de espaço literário pode ser desenvolvido a partir de planos expressivos

distintos que refletem modos de criação estética e intenções discursivas

específicas, os quais, ao tratar de literatura, depreendem uso de recursos

plurissignificativos de linguagem.

A poesia na literatura contemporânea, de modo geral, incorpora valores

expressivos que subvertem modelos tradicionais, visto que, além de promover

inovação estrutural, por meio de técnicas experimentais, recursos gráficos e

diferentes formas de difusão do texto literário, é marcada por tendências

estéticas que, dentre tantas, retratam temáticas urbanas e do cotidiano. Assim,

apresenta perspectivas singulares no que tange à representação espacial, por

desenvolver, a depender da linguagem adotada pelo autor, inter-relações entre

obra, leitor, bem como o autor, que se transmutam em decorrência dos

elementos textuais e contextuais. Assim, o processo receptivo ora pode decorrer

de uma leitura criativa − em que as imagens poéticas são mais abstratas e

generalizadas, pluralizando os sentidos do texto −, ora uma leitura sensorial, em

que as imagens poéticas são específicas e referencializadas, possibilitando de

1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];

2 Professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, colaborador do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 3 Professora do Instituto Federal da Bahia campus Santo Amaro, coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

modo proeminente identificações contextuais e identitárias do leitor

para com a obra.

Neste sentido, o presente trabalho visa a tecer reflexões comparatistas

sobre os poemas “Rio Paraguaçu”, presente no livro Re(sumo) (Pouso da

Palavra Edições, 2008) e “Calmaria”, no livro Todo risco: o ofício da paixão

(Livro.com, 2012), do escritor baiano Damário Dacruz por intermédio do conceito

da representação do espaço. O escritor nasceu em Salvador - BA, mas viveu

muitos anos em Cachoeira, no mesmo estado. A cidade faz parte do território de

identidade do Recôncavo Baiano, região de grande relevância histórica no Brasil,

visto o patrimônio histórico, artístico e arquitetônico que se manteve preservado

com expressiva cena cultural, composta por manifestações populares, religiosas

afro-brasileiras e quilombolas, tais como a Festa da Irmandade da Boa Morte,

Festa D’ajuda, Ternos de Reis e grupos de Samba de Roda, bem como festas

literárias e festivais de cinema, música e artes visuais que se integram

anualmente ao calendário cultural da localidade. O autor fundou o “Pouso da

Palavra”, local que ajudou a compor e expandir a cena cultural cima descrita,

realizando exposições, encontros literários e recitais. Além de poeta, Damário foi

jornalista e fotógrafo, destacando-se pela composição de cartazes poéticos que

coadunam fotografia e literatura. Além desta marca estética, a linguagem

cotidiana, fragmentada, com versos livres que retratam temas existenciais são

recorrentes em sua obra, constantes nos livros Vela Branca (1973), Todo risco:

o ofício da paixão (Livro.com, 2012), O segredo das pipas (EPP Publicações e

Publicidade, 2003), Re(sumo) (Pouso da Palavra Edições, 2008), Bem que te

avisei (Uefs Editora, 2010, volume póstumo). Outrossim, parte dos textos focaliza

a representação do espaço local e respectivas significações, posto a temática da

pesquisa supracitada. O autor faleceu, em 2010, vítima de problemas

respiratórios, e parte da obra literária está exposta no Pouso da Palavra.

Deste modo, objetiva-se evidenciar as representações espaciais por

intermédio do discurso poético deste escritor baiano no corpus em questão. Em

“Rio Paraguaçu”, averígua-se referências espaciais de cunho geográfico e

citadino vivenciadas pela voz lírica que privilegiam instâncias tópicas e

particularizadas da cidade de Cachoeira-BA. Em “Calmaria”, por sua vez, a

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283 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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análise recai sobre o espaço de interioridade para qual o eu-lírico se

vê transportado, diluindo as particularidades em proveito do espaço concernente

à condição de universalidade. Assim, se apresenta a metáfora “Portos de

ancoragem” no título do trabalho que, além de simbolizar cenário poético

constante nos textos selecionados – região portuária, rios, barcos e demais

elementos correlacionados a este espaços – conota a finalidade do mesmo: tecer

relações comparatistas entre os textos, investigando sob quais discursos e

métodos estéticos se ancoram os modos de representações espaciais na

linguagem poética de cada poema.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho se integra às atividades de pesquisa do projeto OXE:

literatura baiana contemporânea que atua no IFBA – Campus Santo Amaro e

promove a leitura literária como prática de fruição estética e interação social,

privilegiando a produção literária da Bahia compreendida em período de 50 anos,

dos finais da década de 70 do século XX aos dias atuais. Além disso, é a

continuação da pesquisa também voltada à discussão do espaço literário

iniciada em 2016, Espaço Urbano e Identitário na poesia de Damário Dacruz, a

qual se ateve em investigar representações de espaços físicos e simbólicos da

cidade de Cachoeira em poemas e foto-poemas do autor. O estudo atual,

pretende denotar os recursos de linguagem utilizadas pelo autor que divergem

do estudado anteriormente. Visto que majoritariamente a produção poética de

Damário tangencia a perspectiva espacial, foi necessário especificar o corpus.

Para tanto, selecionou-se um texto poético que apresenta relação com o espaço

físico e urbano de Cachoeira-BA: “Rio Paraguaçu”; já analisado em 2016, mas

também optou-se em reinseri-lo para fins comparativos com o poema “Calmaria”,

em que as referências espaciais se universalizam. Por conseguinte, realizou-se

levantamento bibliográfico concernente aos elementos que compõem o universo

aqui evidenciado – ou seja, espaço literário, paisagem urbana; contextualização

histórica e identidade cultural de Cachoeira. Por fim, a análise comparatista dos

textos selecionados culmina a proposta geral do trabalho.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO

No poema “Rio Paraguaçu” os signos linguísticos criam imagens poéticas

identificáveis extratextualmente que são corriqueiras na cidade de Cachoeira,

como a orla do rio, a ponte metálica rodoferroviária que a liga à cidade de São

Félix e à região de estuário. Tais paisagens se conformam na memória de quem

mora ou visita a localidade. A seguir, o texto:

Este rio cabe apenas nos meus sossegos Essa água acumula nas marés os meus segredos Essa ponte junta gente separa medos Essa gente mata o rio a ponte e os próprios dedos (2008, p. 24)

Neste sentido, além da projeção da palavra poética que rememora objetos

e lugares factuais, se observa a representação do espaço através da linguagem

que, de certo modo, exige percepção sensível para o ato da leitura, pois os

sentidos advindos das palavras "rio", "ponte", "água", "gente" são corpos

materiais identificáveis no mundo sensível.

O cenário poético descrito pelo eu-lírico suscita possível momento de

contemplação da paisagem urbana da orla deste rio, em Cachoeira, posto o

registro poético da primeira estrofe que metaforiza a calmaria das águas, seguido

da segunda estrofe que sublima a imagem do encontro com o mar ao manifestar

“essa água / acumula nas marés / os meus segredos”, afirmando a condição de

inspiração e reflexão do eu-lírico frente ao referido elemento da paisagem local.

É possível observar repercussões da vivência tópica do autor no poema,

fato que se evidencia em entrevista concedida para "Olhar Recôncavo", na qual

se discute a escolha de ter a cidade de Cachoeira como morada:

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Por que eu troquei o mar pelo rio? Eu sempre respondo brincando: o mar é exagerado, o mar é algo muito exagerado. E eu prefiro o rio, porque o rio tem uma determinação impressionante de só ir. O rio tem um sonho, uma utopia que eu acho extraordinário: [...] o rio, vai adoçar esse mar imenso. (DACRUZ, 2010)

Ao deslocar o olhar para a ponte de ferro, a calmaria da água doce, de

modo análogo às águas agitadas do mar elucidadas acima, se contrapõe à

paisagem urbana conturbada na ponte que liga as duas cidades (Cachoeira e

São Félix), visível devido a movimentação constante de pedestres, automóveis

e dos ruídos estridentes do trânsito, quer trem ou carros. Nestes termos, nota-

se uma progressão de sentidos valorados serenos/conturbados no texto para

que este registro poemático transcenda significados; dentre eles, alertar o

descuido ambiental frente a preservação do rio, bem como os efeitos sociais

advindos de negligência e descaso. (Essa gente / mata o rio / a ponte / e os

próprios dedos).

Depreende-se que, ao imprimir instâncias espaciais particularizantes, se

observa as intenções do escritor no que tange ao uso da linguagem poética,

gerando processos de identificação e potencialização de sentidos principalmente

aos leitores da cidade, da região do Recôncavo Baiano ou que conhecem a

localidade.

Em “Calmaria”, por sua vez, as referências relacionadas aos espaços

citadinos não são diretamente discriminadas. Ao invés, surgem como metáforas

que evidenciam estado oposto ao anterior; ou seja, de universalidade.

A seguir, o poema:

A que porto busca este barco de madeira podre? Haverá cais livre nos mares humanos que hospede silenciosamente um navegante suicida num barco podre? Os portos estão fechados às naus da liberdade, Os corações dos homens já não acalmam

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as correntes violentas da razão dominadora. O barco da liberdade apodrece nas mãos de todos. (1993, p. 20)

Em primeiro plano, com tom interrogativo, o engendramento das palavras

suscita reflexões existenciais voltadas à condição humana. O sentido de

serenidade, o qual transparece o título do poema, é posto em contradição com

o corpo textual que, por sua vez, tende a revelar estado de instabilidade e

indagação do eu-lírico. A linguagem poética, neste caso, torna-se mais

impessoal, pois não há presença de elementos que se refiram diretamente à voz-

lírica, tal como ocorre no primeiro texto: “meus sossegos”, “meus segredos”.

Consequentemente, as possibilidades de leitura se amplificam.

As referências espaciais “cais”, “porto”, “barco”, “naus”, “mares” são

elementos identificáveis no mundo sensível. Entretanto, pertencentes à qualquer

espaço, não se atém unicamente à paisagem citadina referendada no primeiro

poema. Devido à condição de generalidade impressa para a representação

destes espaços, o processo de criação de imagens poéticas depreende em mais

evidência a leitura criativa; isto é, exige que o receptor construa imagens de

objetos/espaços que não necessariamente se encontram exatamente em local

conhecido; em detrimento de “Rio Paraguaçu”, o qual sugere uma leitura mais

sensorial ao determinar o local abordado.

Enquanto temática, pode-se destacar a defesa à liberdade humana e,

principalmente, a dificuldade em assegurá-la: “Os portos estão fechados / às

naus da liberdade”, “O barco da liberdade / apodrece nas mãos de todos”. Além

disso, as categorias espaciais “barco” e “naus” metaforizam o sentimento de

estar à deriva ao qual o eu-lírico se vê transportado. Bem como, “porto” e “cais”

são referências espaciais que conotam seguridade e possibilidade de refúgio.

Mesmo apresentando a universalidade enquanto abordagem de

representação poética-discursiva, para leitores que conhecem o espaço citadino

do cais do porto do Rio Paraguaçu na cidade de Cachoeira, bem como pelo título

“Calmaria” que repercute as águas calmas constante no poema 1 e a saber da

vivência tópica do autor na região, é possível particularizar a representação

espacial neste texto, tal como ocorre no primeiro. Assim, a pluralidade de

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sentidos poéticos se expande a medida que, simultaneamente, pode-

se manifestar uma localidade particular, bem como retratar qualquer outro local.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível perceber, a partir da análise comparatista dos textos, os usos

de linguagem que repercutem representações espaciais distintas no discurso

poético Damário Dacruz. No poema "Rio Paraguaçu", as palavras rememoram

espaços representativos na cidade, sendo identificáveis no mundo sensível.

Privilegia-se, então, instâncias tópicas e particularizadas da cidade de

Cachoeira-BA. A leitura depreende percepção sensível do espaço para gerar

processos de identificação principalmente em leitores que conhecem a

localidade. Em “Calmaria”, no que lhe concerne, as particularidades espaciais

são diluídas, apresentando instâncias universais para expressar o estado interior

da voz-lírica. Para tanto, a linguagem poética se torna mais impessoal e o

processo de criação de imagens poéticas depreende leitura criativa em mais

evidência, em detrimento de “Rio Paraguaçu” que sugere uma leitura mais

sensorial.

REFERÊNCIAS

BORGES FILHO, O. Afinal de contas, que espaço é esse? In: BORGES FILHO, O.B, LOPES, A. M. C., LOPES, A. L. (Org.) Espaço e Literatura: Perspectivas. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. p. 13-39. DACRUZ, D. Damário Dacruz - Criação Poética: depoimento [2010]. Entrevistador: ALMEIDA, Maísa. Cachoeira: UFRB, 2010. Entrevista concedida ao projeto Olhar do Recôncavo. Disponível em <https://youtu.be/6lSK1XPkXH8> Acesso em 21 nov. 2017. ---------. Re(sumo). Cachoeira: Pouso das Palavras Edições, 2008. p. 24. ---------. Todo risco: o ofício da paixão. Salvador: Livro.com, 2012. p. 45.

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CHIMAMANDA ADICHIE E SEUS DESLOCAMENTOS EM AMERICANAH

Regina Fatima Oliveira de Sá1

Em entrevista concedida à primeira Ministra da Escócia, Nicola Ferguson

Sturgeon, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie comenta como foi

escrever o livro Dear Ijeawale: or a feminist manifest in fifteen suggestions.2

Nesta a autora confessa que quando uma amiga lhe pediu conselhos, não sabia

o que dizer ou pensar, mas logo viu que escrever sobre isso seria como "um

mapa" de seu próprio pensamento. Chimamanda, portanto, acredita na

importância dos ‘mapas’ para registrar, espacialmente, os seus pensamentos.

Quem sabe, inspirada, por Moretti que diz que os mapas trazem à luz a lógica

interna da narrativa (apud TALLY, 2013: 110)

A partir desta perspectiva espacial pode ser questionado o que está sendo

retratado no mapa da obra Americanah. Chimamanda, neste romance lançado

em 2013 pela Companhia das Letras, nos apresenta uma gama de personagens

africanos e estadunidenses ao nos fazer adentrar em suas casas, trabalhos,

escolas e outras localidades no seu dia-a-dia.

Chimamanda habilmente nos apresenta personagens, culturas, modos de

ser que nos fazem participar ativamente da narrativa: deixamos de ser estranhos

àquele local e criamos identificação com o que está sendo narrado. O leitor

participa da estória, tem a possibilidade de viver a experiência do outro, sentir os

aromas, a textura, os sabores daquilo que no seu "mundo real" não lhe é

permitido. Esse leitor sai da egológica cartesiana da modernidade para uma

geológica que abre espaço para as interrogações sobre as produções univocais

de significado e as verdades do mundo atual.

Interessante notar que é através dos espaços presentes na literatura, que

são imaginados, fluídos e mágicos e que não só refletem/simbolizam lugares

físicos, que os mais variados tipos de leitores, de todas as cores de pele,

1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Literatura em Língua Inglesa-Universidade

Estadual do Rio de Janeiro ( UERJ).Professora do Colégio Pedro I. [email protected] No Brasil: “Para educar crianças feministas”. 2 No Brasil: “Para educar crianças feministas”.

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conseguem atravessar as barreiras interculturais e chegam para

comungar da mesma experiência narrativa.

São os salões de traças africanas, entre tantos outros lugares

frequentados pelos personagens do romance, que eu gostaria de analisar como

exemplo de ‘locais’ (locales), cuja ‘espacialidade e temporalidade estão

contextualmente interligados em inseparáveis conexões de relações de poder.’

(ANTHONY GIDDENS apud SOJA, 1989:150)

Uma das passagens mais comentada na entrevista do Tenement

Museum3 (2014) é a do salão de tranças africanas que Ifemelu frequenta.

Inclusive, a capa do livro no Brasil é uma vasta cabeleira representando este

assunto que é repetidamente abordado no livro. Chimamanda, assim como

Foucault, percebe que os lugares descritos por ela, no romance, são centros de

controle que dominam os espaços sociais com suas "táticas do habitat"

(FOUCAULT, 1986, p. 212). A própria entrevistadora observa que o salão de

tranças é um segregador. Durante a mesma entrevista Chimamanda esclarece:

Existe um tipo de subcultura das mulheres da África Ocidental presente nos salões dos Estados Unidos. [...] Parecido com uma máfia… uma máfia branda [Chimamanda ri]. [Lá] você pode perceber que quem fala melhor o inglês é sempre a pessoa responsável pelo estabelecimento comercial. [...] Para mim o mais fascinante é assistir como elas se tornam versões delas mesmas. Então quando uma afro-americana chega no salão, elas mudam o comportamento. Quando uma africana chega, mudam novamente. Assistir elas navegarem esses espaços enquanto ficam constantemente no celular mandando dinheiro para alguém no Senegal, Mali, Gana via o Western Union é bastante interessante...

Durante a entrevista Chimamanda discorre sobre a razão da repetição

deste assunto: “não é só cabelo”, falar sobre cabelo também é falar sobre como

uma pessoa pode chegar em sua plenitude. É sobre como descobrir “a si

mesmo. É sobre ser dona de si mesmo do jeito que você é.” Ela conclui que

acredita ter conseguido alcançar esta plenitude e que queria que sua

personagem, Ifemelu, também tivesse essa oportunidade de autoconhecimento.

3 Chimimanda Ngozi Adichie: On Hair Em: www.youtube.com/watch?v=WWuRA61N8jA

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A autora de Americanah demonstra, nas longas sessões de

cinco ou seis horas necessárias para trançar um cabelo afro, o microcosmo dos

diferentes países africanos representados pelas funcionárias do salão de

tranças. A autora expõe os diferentes saberes das representantes dessas

diferentes nações, que retratam diferentes níveis de autoridade sobre os mais

variados assuntos: qualidade dos filmes de Nollywood ,motivos para regressar à

África, técnica de trançamento, o valor de ser uma estudante bolsista nos

Estados Unidos, a importância de se ter um green card e de se casar ou não

com um homem de outra(s) partes da África, etc. (Adichie, 2013: 17-25, 47-48,

113-114)

São essas variações – múltiplas possibilidades do mundo contemporâneo

– que estão sendo narradas nas páginas deste romance. Os temas são muitos:

feminismo, racismo, deslocamento, preconceito, cultura, etc. Apesar dos vários

flashbacks presentes no livro, em ordem cronológica a estória começa com

Ifemelu e Obinze (o primeiro e último amor de Ifemelu) ainda estudando numa

escola da Nigéria durante o governo militar. Obinze tem um fascínio pelos

Estados Unidos, mas é Ifemelu quem vai morar lá e anos mais tarde ganha uma

bolsa de estudos para uma pós-graduação na Universidade de Princeton.

Obinze, por sua vez, vai para Londres, mas como não consegue se estabelecer

na cidade como gostaria, acaba lavando banheiros, por não ter visto, e tem

problemas com a polícia. Porém, ao retornar para a Nigéria, Obinze,

rapidamente, torna-se milionário. Americanah, é uma história de amor entre

seres plurais, cidadãos híbridos, no qual ora o leitor se identifica, ora estranha,

sentindo-se em casa ou um completo turista numa terra desconhecida.

Chimamanda escreve uma história de amor contemporânea. No livro

Spatiality de Robert Talley as ideias de Fredric Jameson sobre o ‘gênero literário’

são elaboradas. O gênero é um contrato social entre o autor e o seu público

específico, cuja função é fazer uso desse artefato cultural. Assim sendo os

parâmetros deste gênero literário ajudam a estabelecer um ‘ mundo projetado

daquela estória (Tally, 2013:56) Um ‘mundo projetado daquela estória’ parece

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ser, novamente, um tipo de mapa. Chimamanda declara suas

intenções em entrevista à Pen America4, e diz:

Em Americanah eu queria falar do presente. Eu queria escrever para as pessoas do presente. Eu queria escrever este texto contemporâneo sobre amor, obviamente... mas também sobre o emigrante africano com o qual eu estou familiarizada. Porque eu acho que a narrativa encontrada no mundo ocidental sobre os emigrantes africanos é aquela que mostra eles fugindo da pobreza, guerra e catástrofe. Essas histórias são importantes mas elas nunca me pareceram familiares, porque não é a estória que eu conheço. Eu queria escrever sobre as pessoas que não estão morrendo. Que estejam no meio de uma guerra mas que estão sonhando com mais alguma coisa. E para os que este 'sonhar mais' é sinônimo de ‘América’. [...] E também sobre o africano que está no seu país e está bem, ele até tem um emprego mas escolhe deixar o país. E de repente ele está lavando privadas em Londres. Eu queria falar sobre 'como é essa coisa’ e como isso afeta o relacionamento com os seus colegas.”

Como a própria Chimamanda alerta em seu famoso TED Talk sobre: o

perigo de uma única história5 (2009). Chimamanda contribui para que hajam

várias estórias entre seus personagens e assim sejam possíveis várias

construções de realidade para seus leitores.

A contemporaneidade está associada à angústia. Por meio da ficção

neste romance, podemos estar em Lagos, Londres ou Princeton no tempo

presente ou rememorado a adolescência da personagem principal, Ifemelu. Essa

movimentação intensa, tão característica da contemporaneidade, gera uma

pluralidade de sensações, entre elas, a sensação de angústia pelo não

pertencimento integral a nenhum dos espaços (desenraizamento). Mas, com

suas “configurações novas do visível, do dizível e do pensável” (RANCIÈRE,

2010a), com seu lirismo e também humor, Chimamanda nos dá uma narrativa –

embora desconcertante – também sensorial, divertida, e, por isso, afirmativa.

Angústia é a palavra da vez. A falta de certezas, a fragmentação, as

mudanças constantes e a sua rapidez, os meios de comunicação gerando mais

4 Chimamanda and Trevor Noah- Em: www.youtube.com/watch?v=yiX5XvykVSk

5 Chimamanda Ngnozi Adichie TED Talk Em:

https://www.youtube.com/watch?v=wQk17RPuhW8

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e mais informação que não pode ser processada em tempo hábil... tudo

ajuda a criar um ser humano praticamente esquizofrênico que não consegue

distinguir a verdade da fantasia, num mundo em que tudo parece funcionar de

forma

incoerente. Ihab Hassane distingue o pós-modernismo (apud Tally, 2013:

38 ) como uma atitude que privilegia a dispersão, a desconstrução e

intermitência dos sistemas metafóricos que não tem um ponto central mas na

verdade, múltiplos. O romance de Chimamnada tem essa multiplicidade. Nas

suas 520 páginas existem vários temas repetidos e confrontados, mas sempre

sendo narrados do ponto de vista de um narrador que também parece ser

nigeriano vivendo longe de seu país. Ao longo o leitor tem a lembrança de já ter

visto situação parecida de racismo, machismo ou discriminação. Ironicamente, o

leitor durante a leitura de Americanah acaba, simultaneamente, se identificando

e se confrontando ( procurando entender as metáforas talvez) com as situações

expostas.

Quando Anthony Giddens apresenta o conceito de vida social formada

por multicamadas de locais ( locales) hierarquicamente constituídos. Ele se

refere a uma estrutura topológica que apesar de ser mutável e permutável, está

sempre presente para englobar, situar, e constituir toda ação humana (apud

Soja 1989: 148) .A entrevistadora do Tenement Talk, intuitivamente, como

Giddens (e Soja), percebe a mesma coisa: as representações espaciais

legitimam, segregam, reorganizam, protegem, incluem e excluem pessoas e

saberes. Digo saberes pois Foucault nos instrui que a epistemologia é

caracterizada por vários saberes, e que estes, em determinado momento,

passam para o discurso ganhando forma de poder.

Por conseguinte, já que onde existe forma, existe conhecimento e poder

(FOUCAULT, 2013), ocorre uma negociação interessante entre a Ifemelu e

Aisha, uma atendente no salão de tranças. Aisha, que trançava os cabelos de

Ifemelu para de trabalhar dizendo que iria ligar para os seus dois namorados e

pedir para que eles fossem ao salão para Ifemelu opinar sobre com qual ela,

Aisha, deveria se casar. Aisha pensava que Ifemelu sendo igbo poderia orientar

os homens sobre o casamento e fazer uma escolha para eles. Ao ler essa

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passagem do romance o leitor se depara com essa situação inusitada;

a atendente, uma profissional, deixa de concluir o serviço para tirar uma dúvida

sobre uma questão puramente pessoal. (ADICHIE, 2013: 25)

Essa possibilidade de flexibilização das estruturas na vida social que gera

essa negociação, entre a Aisha e Ifemelu, faz com que a atendente do salão

pense ser possível fazer a consulta à sua nova cliente que acabou de conhecer

faz pouco mais de 3 (três) horas. Imagino que um salão de cabelereiro em outras

partes do mundo, com clientes de outras nacionalidades, isso nunca poderia

acontecer. Seria algo completamente inconcebível.

As reações poderiam ser muitas: no caso de Ifemelu, não houve

estranhamento e ela ficou pensando como isso poderia ser um tema para um

artigo de seu blog. O assunto seria algo tipo: “como as pressões da vida de

imigrante podem deixar você maluco.” Giddens (1979,1984) afirma que existe

uma dualidade na estrutura topológica e uma flexibilização nas condutas

humanas. Essas características podem restringir como facilitar a própria ação e,

assim, criam um contínuo processo de escolhas dentro da estruturação

existente. A possibilidade de uma ato individualizado dentre tantas opções

universais.

Conhecendo a vida acadêmica de Chimamanda Ngozi Adichie podemos

supor que suas escolhas não foram ao acaso. Apesar de ter começado seus

estudos na Universidade da Nigéria, onde estudou medicina por um ano, passou

por Drexel Univeristy (Filadelfia) e Eastern Connecticut State Univesity. Obteve

um mestrado em Escrita Criativa (John Hopkins), passou alguns anos em

Princeton e Harvard fazendo cursos de pós-graduação e obteve um Doutorado

em Estudos Africanos (Yale). Chimamanda, como os outros autores da terceira

geração de escritores nigerianos, que escolheram falar sobre temas

relacionados à problemas sociais contemporâneos, seus deslocamentos e a

ficção urbana, estão propositalmente ressignificando o que é ser nigeriano e

abrindo portas para novas possibilidades de ver o mundo.

CONCLUSÃO

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Como diz a acadêmica Carole Boyce- Davies (Emenyonu, 2017

: 236) é no blog que Ifemelu alcança o empoderamento ( agency) pois é no blog

que ela se torna um sujeito de resistência no que consegue colocar em palavras,

os vários desafios de ser negro nos Estados Unidos da América. Em seu blog os

assuntos são tratados de forma mais direta e não como no resto do romance

quando aparecem muitas vezes nas entrelinhas da narrativa. Dessa forma ela,

Ifemelu, a blogeira, empodera os leitores que se identificam com as experiências

relatadas.

E é nesse mesmo blog que Ifemelu pergunta ao seu leitor o que ele acha

que aconteceria se um dia Michelle Obama acordasse e resolvesse que não iria

mais alisar o cabelo (Adichie, 2013: 321). Chimamanda chega a dizer, na

entrevista que concede à Synne Rifbjerg6, e em outras, que se Michelle Obama

deixasse de alisar o cabelo o Barak Obama não teria ganho a eleição. Ela

complementa: “Os americanos teriam olhado para ela ( Michelle) e pensando “

Meu Deus! Ela é uma ‘black panther”7 Ela está usando uma afro! ”

Afinal, o que é mais assustador? Que uma escritora, premiada, passe boa

parte do romance tratando sobre um assunto tão prosaico como cabelo ou o fato

de um presidente poder se eleger ou não depender de como sua esposa usa o

cabelo?

Uma coisa é certa, existe muito poder sendo discutido nas entrelinhas deste

romance. O título de um dos blogs de Ifemelu, página 321, diz: “o cabelo como

metáfora de raça”. Fica a pergunta: Então estávamos falando de raça o tempo

todo? Entre tantas outras coisas, sim.8

REFERÊNCIAS

ADICHIE, Chimamanda. Americanah. São Paulo, Companhia das Letras, 2014

6 Chimamanda Ngozi Adichie: “If Michelle Obama had natural hair, Barack Obama would not have

won’ Em: www.youtube.com/watch?v=tz8MHG-IIYM

7 Membro do grupo Panteras Negras, grupo revolucionário norte-americano ligado ao

nacionalismo negro.

8 Nota: todas as traduções de produções cujos títulos estão em inglês são minhas. Todas as

traduções das falas da Chimamanda Adichie, retiradas dos vídeos de entrevista, também.

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EMENYONU, Ernest (editor) A Companion to Chimamanda Ngozi Adichie,. James Currey, 2017 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1986. GAUNTLETT, David. Media, Gender and Identity: an introduction. Routledge, 2002. RANCIÈRE,Jacques. O espectador emancipado, Martins Fontes. São Paulo, 2010a. SOJA, Edward Postmodern Geographies: The reassertion of space in critical social theory, Verso, London, 1989. TALLY JR, Robert. Spatiality, New York, Routledge, 2013.

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ESPAÇOS (INTER)DITOS: CONFIGURAÇÕES DA EXPERIÊNCIA SUBALTERNA EM O VENTO ASSOBIANDO NAS GRUAS, DE LÍDIA JORGE

Profª Ma Risonelha de Sousa Lins- IFPB/UERN Profª Drª Rosangela Vieira Freire IFCE

Considerações iniciais

A escritora Lídia Jorge destaca-se entre os ficcionistas portugueses, cuja

produção estética é capaz de fomentar debates sobre as transformações

históricas, políticas e sociais de Portugal, ocorridas a partir da "Revolução dos

Cravos", quando as relações sociais eram extremamente carregadas de

preconceitos e diferenças de classe. As narrativas jorgianas expõem aos leitores

as forças políticas, ideológicas e sociais que envolvem os indivíduos numa

relação feita de opressores e subalternos.

Conforme Thomas Bonnici (2007), o termo subalterno remonta à obra de

Gramsci (1891-1937) e estava ligado às lutas da classe trabalhadora, todavia,

graças às perspectivas dos estudos pós-coloniais, passou a ser empregado em

referência aos grupos subjugados e marginalizados por uma classe dominante.

Considerando-se tais critérios dentro da realidade histórica da Europa,

Zolin (2012) assevera que os negros, as mulheres e os índios sobressaem-se

como os focos dessa conduta de discriminação. Logo, essa perspectiva de

leitura permite-nos verificar as implicações sociais do arquivo da cultura,

inconscientemente, posta na mente dos sujeitos, funcionando como garantia da

manutenção das relações de poder.

Baseando-se, portanto, na prática ideológica localizada, que resguarda

variadas dimensões da existência empírica dos sujeitos de margem, incapazes

de falar de sua condição, não pela qualidade do seu testemunho, mas pelo fato

das palavras serem insuficientes para abarcar a dimensão do que experimentou,

este artigo pretende analisar a configuração do subalterno na obra O vento

assobiando nas gruas (2007), da escritora portuguesa Lídia Jorge, investigando

as relações dicotômicas e problemáticas entre dominantes e dominados dentro

do espaço de relações históricas e sociais de Portugal. Publicada em Portugal

em 2002, esta obra mostra a verdadeira face da colonização e suas reais

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consequências sobre a mente dos negros imigrantes e da mulher

domesticada pelas estruturas de poder.

Os percursos da subalternidade em O vento assobiando nas gruas, de Lídia Jorge

De modo geral, a narrativa segue o fluxo de consciência da narradora,

uma jovem pertencente aos Leandros, família branca, tradicional,

preconceituosa e cheia de artimanhas, que narra a trajetória da prima, moça

“oligofrênica” (problema clínico de vivência de uma idade diferente da

cronológica) e seu envolvimento com Antonino, filho viúvo da família Mata, grupo

de cabo-verdianos, recém-chegados a Valmares (cidade portuguesa fictícia),

onde desenvolvem as profissões de construtores, operador de gruas e cantor.

A moça realiza normalmente quase todas as atividades, todavia não

consegue elaborar ou entender discursos mais complexos, necessitando das

palavras dos outros. Seu comportamento é sempre discriminado pela família,

adotando uma existência limitada e cheia de invisibilidade enquanto sujeito,

assemelhando-se em condição aos negros com quem acaba se relacionando

satisfatoriamente. Para os Leandros, ela não passava de um “erro da natureza”

(JORGE, 2007, p.424), uma rapariga “feia, insignificante” “[...] destinada a existir

para inquietar os outros (p.422), atributos também aplicados aos caboverdianos

por Afonso Leandro, quando os descreve ao holandês Van de Berg:

Um bando de pessoas lentas, pessoas sem noção do alheio, longe das horas do relógio e dos dias do calendário [...] que não sabiam fazer mais nada além de amassar cimento e colocar tijolo sobre tijolo, actos primitivos anteriores à civilização. A noite guardavam eles para dançar e fazer filhos [...] (JORGE, 2007, p.275).

Verifica-se nas palavras do advogado uma série de preconceitos ligados

ao comportamento, à profissão, à inteligência dos negros, negando-se-lhes uma

condição digna dentro das relações sociais. Apontados como primitivo,

instintivos e problemáticos, os negros são degradados e reduzidos a objetos.

Assim, com base no pressuposto de que o homem se constitui como sujeito a

partir de suas relações com os outros, pode-se inferir haver uma limitação de

espaços, uma opressão à classe e à raça e, consequentemente, a imposição de

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valores do grupo dominante, no caso, os Leandros, para quem os

trabalhadores da terceira leva eram apenas “graves problemas no futuro”.

As Matas mantêm-se, portanto, em posição de desvantagem pela

dependência econômica a uma estrutura social, vista hierarquicamente como

superior e lhes é negado espaço de voz para defender os próprios interesses.

Como nos garante Spivak (2010), os subalternos sofrem com as imposições das

classes opressoras e buscam uma identidade através da qual possam negociar

com o estrato social dominante.

Essa identidade, posta, conforme Hall (2006), “entre o interior e o exterior

– entre o mundo pessoal e o público” torna-se uma espécie de negociação com

as estruturas de poder, garantindo uma relação estável entre os desejos

individuais do oprimido e “os lugares que ocupa no mundo social e cultural”

(p.12). Nesse percurso, a memória, a autoafirmação e a necessidade de articular

seus pensamentos tornam-se uma forma de superar o espaço tenso e restrito de

ação.

A dificuldade de Milene em articular o pensamento para explicar aos tios

a morte da avó Regina Leandro, já que se encontravam ausentes, é a mesma

dos caboverdianos para provar que a cor de sua pele não lhes tira a nobreza de

caráter.

O percurso de Milene, vista sob o prisma de uma loucura manipulada e

oprimida pelos tios, evidencia as mesmas práticas e regras que privilegiam os

detentores do poder que se sobrepõem aos mais fracos numa relação

reificadora. Os Leandros circulam em meio aos privilégios da classe média alta,

exercem as profissões de político, advogado, dona de clínica e empresário e

conservam o princípio da superioridade racial e econômica, trabalhando para a

alienação dos fatos em favor de si mesmos.

Os Matas, por sua vez, marginalizados e esmagados pela diferenças de

classe e de raça, tentam imprimir ao espaço as suas necessidades de fuga aos

estereótipos históricos e sociais já assimilados, ou seja, em virtude de estarem

inseridos no prédio da velha Fábrica de Conservas Leandro 1908, espaço que

marcava os tempos de glória da família Leandro e ainda com alto valor de

mercado pela localização, essa família caboverdiana sente-se na posse de uma

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nova posição social, garantida pela ostentação de aparelhos

eletrônicos e por reuniões de amigos para assistir aos shows do membro artista

da família, Janina Mata King. A nova morada representa a superação do estado

subumano do bairro de lata, ironicamente, chamado de Bairro dos Espelhos,

onde viviam ignorados.

O Bairro dos Espelhos é rejeitado pelos Matas por ser símbolo do

adensamento da miséria e insignificância social, entretanto, esse espaço aponta

para a dupla visão da realidade vivenciada pelos africanos dentro das estruturas

históricas e sociais de sua exploração, uma vez que é descrito pelo narrador

como um lugar ideal ao africano, um refrigério diante da situação de seca,

vivenciada em seu país de origem, ao mesmo tempo em que surge como espaço

de oposição, onde se situam os insignificantes, os deserdados e invisíveis,

postando-se como “um aglomerado raso, sem nome no mapa”. Assim os

descreve a narradora do romance, uma anônima prima da protagonista Milena

“O Bairro dos Espelhos não passava de um aglomerado raso, sem nome no

mapa [...].A maioria das pessoas [...] provinha de terras inscritas na faixa

marítima do Sahel, pedaços desgarrados de África” (JORGE,2007,p.39)

Observa-se que, apesar de anuírem quanto à capacidade de produção

que tinham pelo fato de poderem melhorar, guardar e multiplicar o diamante

(nome usado como referência à fabrica), os Mata reconheciam-se como

inferiores, prisioneiros da condição econômica, da cor da pele,da opressão

histórica, responsável por uma invisibilidade a ser utopicamente rompida com o

futuro sucesso de Janina Mata King por meio da música:

Tudo aquilo [...] Era a justiça feita à família dos Mata [...]. Eram os encarcerados das ilhas pobres do Terceiro Mundo, saindo da fome e da sede directamente para a televisão [...] os pobres, os afastados, os transumantes, os deserdados nas horas maiores da televisão (JORGE, 2007, p. 306-307).

O sonho de igualdade dos “pobres, afastados, transumantes, deserdados”

viria com o reconhecimento das suas capacidades criadoras, do seu talento e,

consequentemente, aumentando o poder aquisitivo e apagando os pressupostos

de sua incapacidade. Felícia Mata sonhava com peças de ouro a cobrir-lhe o

corpo: “uma onda que [...] lhe arremessava peças de oiro aos pés. Nem lhe

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apetecia acordar. Todo o seu corpo enfeitado de jóias caras. Afinal o

mar era o Coliseu, as jóias eram as palmas” (Ibidem, p.105).

Segundo Chevalier e Gheerbrant (2012), para os africanos, o ouro é o

símbolo da realeza e da imutabilidade, podendo representar a felicidade ou um

fardo a quem o possui. Logo, esse desejo de poder depositado nas mãos de

Janina traz para a família esse dualismo, ora alimentando a euforia e o consumo

dos bens desejados pela família, numa autoconsciência dos marginalizados e

sua ânsia de superar as limitações de raça e de classe, conduzidas durante

séculos pela herança do poder e da opressão: “a glória na vida, na acção”,ora

arrastando-os a caminhos outrora rejeitados.

Em conexão com a cultura dos Matas, o prédio da velha fábrica reflete o

rompimento das gerações mais novas e a lembrança da geração mais velha. A

avó Ana Mata projeta no espaço os desejos de retorno à pátria

abandonada,vendo nos esgotos a céu aberto a água dos rios que restauraria sua

condição de imigrante, enquanto sua família polui as águas com excesso de

comida e odores de sabonetes baratos: “os rios de Ana Mata [...] cheiravam

melhor na hora do banho” (JORGE, 2007, p.199). Para Edward Said (2003,

p.52), o exilado busca uma nova identidade a partir “da fratura entre o eu e o seu

verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada”. Deste modo, o

sentido trágico da existência e a memória da terra de origem, vivenciados nas

percepções espaciais da avó Mata, registram o apego à cultura e a consciência

da desigualdade, alimentando o desejo de voltar à terra natal: “Dei minha

confiança para vir e voltar. Mas agora vocês querem morrer todos nesta terra

diferente da nossa. E ela não é boa para os meus ossos, não é boa para os

ossos dos Mata” (JORGE, 2007,p.319).

Tentando distinguir-se dentro da estrutura social, onde exerciam

profissões ligadas ao trabalho braçal, como os demais africanos migrantes, a

família Mata empreende um eco de progresso que firme sua significância aos

amigos, ainda moradores do Bairro dos Espelhos. Nesse sentido, o espaço da

fábrica reflete as aspirações, anelos e frustrações dos subalternos, que por meio

das possibilidades materiais e espirituais das experiências particulares tentam

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“atuar sobre o mundo [...]” e “adaptar-se ao meio físico. (BORGES

FILHO, 2016, p.96), enfrentando o “o problema crucial dos contatos humanos

(Ibidem p.105).

Os Matas, deslocados da estrutura miserável do Bairro de Lata, tentavam

se autoafirmar diante dos Leandros, ressaltando suas potencialidades para a

música, suas qualidades morais e sua honestidade frente ao contrato com os

Leandros, bem como a capacidade de adaptação à nova posição social por meio

do consumo desenfreado de eletrônicos, certificação do futuro promissor da

família aos moradores do Bairro dos Espelhos: “três aparelhos de televisão, o

maior deles com capacidade para alcançar para cima de trezentos canais”

(JORGE, 2007, 2002).

O capital simbólico dos Leandros leva Felícia Mata a confirmar a

subjugação do seu povo, assegurando que sempre foram confiáveis, uma vez

que nunca se impuseram ao dominador, nem questionaram a posição ocupada.

Esse tipo de existência não só os objetificava, mas também os tornava estranhos

e incômodos à cultura hegemônica.

Gayatri Spivak (2010), em seu ensaio Pode o subalterno falar? Confirma

a indisponibilidade de fala para o subalterno, pois este não se insere nos espaços

hegemônicos de poder, mantendo-se sob domínio por meio de restrições e atos

de violência. Assim ocorre com o casal Antonino Mata e Milene Leandro, uma

vez que a tia da moça, Margarida Leandro, após a tentativa inútil de dissuadir a

sobrinha do casamento com um dos “Mata, essa cambada da terceira vaga”

(JORGE, 2007, p.119), articula fazer uma cirurgia para torná-la infértil, a

bissetriz.

De acordo com Zygmunt Bauman (1998), dentro do tecido de relações

sociais, existe sempre um conflito entre a maioria e o diferente que gera duas

atitudes diversas em prol da estabilidade desejada. A primeira consiste em

“aniquilar os estranhos, devorando-os e, depois, metabolicamente,

transformando-os num tecido indistinguível do que já havia” (p.29), ou seja,

trabalhá-lo de tal forma que ele se torne idêntico a maioria, diluindo-se no todo;

a segunda compreende “vomitar os estranhos, bani-los dos limites do mundo

ordeiro” (p.29), o que implica suprimi-lo do grupo, evitando as possíveis

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modificações no todo. Caso isso não ocorra, parte-se para a morte do

estranho. Angela Margarida estabelece que o erro “não precisa de

consequências (p. 418),por isso engana e mutila a sobrinha a fim de evitar a

miscigenação.

Além disso, o ato violento é justificado com orgulho pela tia como princípio

humanitário que garantirá a pureza dos Leandro e a manutenção dos bens nas

mãos de seus geradores.

Observa-se que, embora Milene tivesse um comportamento incomum,

seu desejo era ser feliz, ser mãe e ser independente junto a Antonino, todavia

seu direito à voz e à subjetividade é desrespeitado e sua trajetória modificada,

conforme a conveniência dos tios. Por conseguinte, o corpo de Milene torna-se

lugar de inscrição, onde a violência concretiza o preconceito e a marginalidade.

A casa, “núcleo permanente e [...] bem que acompanha o ser humano ao

longo de sua existência” (BACHELARD,1989, p. 35) não só situa os personagens

do romance, mas também os traduz. Nela, os Leandros exibiam o luxo devido a

sua posição social, com objetos caros e fino acabamento como a do tio

Ludovice, que se movia sobre o “ verniz do soalho, no fino tapete da sala”

(JORGE,2007, p.236). Por outro lado, a casa da avó Regina, no Quilômetro

44,Vila Regina, onde morava a sua neta Milene era avaliada pelos herdeiros

como um imóvel sem valor, “uma boa construção em situação vermelha” (Ibidem,

p.126); tal como a casa, a moça era desvalorizada pela família e vivia sempre

tentando descobrir o seu valor. Talvez fosse, como afirma a narradora, “um

objecto inútil” (Ibidem, p146). Nota-se, portanto, no percurso da trama, que a

subalternidade emerge não somente enquanto relação de classes, mas também

enquanto conceitos e valores internalizados pelos sujeitos sociais.

Considerações finais

Nas considerações aqui apresentadas, observamos que a realidade é

configurada no romance sob um ponto de vista espacial capaz de evidenciar as

relações entre os sujeitos e o seu derredor, bem como as normas que o regem,

atuando como elemento significativo na construção estética. Logo, a dominação

e subjugação enraizadas nas relações coloniais, perpetuadas, de certo modo,

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nos complexos relacionamentos do mundo contemporâneo, permitem-

nos compreender tanto as marcas das vivências históricas quanto a

subjetividade humana, que emerge da repressão e do silêncio impostos pela

sociedade a certos grupos e gêneros. Isto nos confirma que “um espaço ou um

tempo inventados, ficcionais [...] não raro subvertem _ ou enriquecem, ou fazem

explodir_ nossa visão das coisas (LINS,1976,p.64).

REFERÊNCIAS

BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BONNICI, Thomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: EDUEM, 2007.

BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. Franca: Ribeirão Gráfica e Editora, 2007. ______.A distinção: crítica social do julgamento. Tradução de Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo: Edusp;Porto Alegre: Zouk,2007. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 24 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. HALL, STUART. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Thomas Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. JORGE, Lídia.O vento assobiando nas gruas. Rio de Janeiro:Record,2007. LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976. SAID, Edward.Reflexões sobre o exílio. In: Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo:Companhia das Letras,2003 SPIVAK , Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar?Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora UFMG,2010. ZOLIN, Lúcia Osana. Pós-Colonialismo, Feminismo e Construção de Identidades na Ficção Brasileira Contemporânea Escrita por Mulheres. * Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.21, 2012.

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ESPAÇOS OPOSTOS E IDENTIDADES HISTÓRICAS: UMA LEITURA TOPOANALÍTICA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE

Rosangela Vieira Freire - IFCE1 Risonelha de Sousa Lins - IFPB/UERN2

Considerações iniciais

Este trabalho se propõe a analise do espaço ficcional no “conto” Os

gafanhotos, texto de abertura do livro A costa dos murmúrios, da escritora

portuguesa Lídia Jorge. Reconhecida como uma das mais importantes escritoras

europeias e, em Portugal, Lídia Jorge integra uma geração marcada pela

experiência da ditadura, da relação colonial, da violência da guerra. Esse tempo

sombrio, a noite da “civilização” se impõe com muita firmeza em A costa dos

murmúrios. Ambientado na cidade da Beira, em Moçambique, uma das ex-

colônias portuguesas, o romance inicia-se com um conto: Os gafanhotos.

Carregado de simbologias e, diferentemente de Maria Mutema, encravado no

meio do caudaloso Grande sertão: veredas, do mineiro Guimarães Rosa, Os

gafanhotos constitui a rampa de lançamento de uma narrativa maior,

desenvolvida na segunda parte em nove capítulos.

O conto Os gafanhotos é a narrativa de abertura do romance, possui

título, epígrafe e o narrador concede-lhe um limite pela palavra FIM. O romance,

que acolhe o conto, na iminência de completar 20 anos de publicação, remete-

nos aos anos duros da colonização portuguesa na África, especialmente, em

Moçambique, um dos países em que o processo “civilizatório” foi mais acirrado.

Cabe à narradora Eva, voz condutora da segunda parte do romance, minuciar

os fatos condensados em Os gafanhotos.

O romance, A costa dos murmúrios, ao trazer como texto inaugural da

obra um conto, reporta-nos a Bakhtin (1990, p. 397) para quem “o romance é o

único gênero por se constituir, e ainda inacabado. [...] O nascimento e a

formação do gênero romanesco realizam-se sob a plena luz da História. Para

1IFCE- INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ/ CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM LETRAS. E-MAIL: [email protected] 2DOUTORANDA-UERN – RN E PROFESSORA DO IFPB- INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PARAÍBA/ CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM LETRAS. E-MAIL: risonelha@gmail. com

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corroborar o pensamento bakhtiniano sobre o romance, observemos a

declaração da escritora Lídia Jorge3,

[...] o meu projeto é o do confronto com a mudança social e do mundo, o que faz que escreva alguma coisa que se quer comparável a uma crónica do tempo. De um tempo transfigurado naturalmente, mas esta relação com o que estamos a viver atualmente é a de uma época tão funda como ficcionável.

Percebe-se que, embora não se expresse exatamente igual ao teórico

russo, Lídia Jorge também admite que sua escrita é movente, dialoga com o

contexto social, com a época. Logo, [...] a ossatura do romance enquanto gênero

ainda está longe de ser consolidada, e não podemos ainda prever todas as suas

possibilidades plásticas.” (Bakhtin, 1990, p. 397). Por isso mesmo, tempo e

espaço estão atrelados, entranhados, como algo indissolúvel.

Espacialidade em “Os gafanhotos”

Como já foi antecipado, dois relatos compõem o romance: o primeiro

apresenta-se em forma de um conto intitulado Os gafanhotos. Essa narrativa

lida com espaços opostos: metrópole/colônia, hotel Stella Maris/mar. Percebe-

se, conforme Weisgerber (1978), que em A costa dos murmúrios “o mundo da

narrativa se constitui, à semelhança do mundo em que vivemos, um conjunto

espácio-temporal onde lugares e instantes de ação se interpenetram”. Vejamos

como o espaço interfere na construção das identidades e dos discursos dos

sujeitos ficcionais em relações dicotômicas. Nesse sentido, silenciados e

portadores de voz digladiam na arena ficcional.

O conto narra a festa matrimonial do alferes português Luís Alex e sua

noiva portuguesa Evita, cobrindo um período dois dias. Como estão em guerra,

há uma suspensão temporária dos combates belicosos para que se comemore

o casamento. As bodas acontecem no hotel onde os convidados se divertem e

os noivos,

Já não estavam junto de nenhum altar, mas no terraço do Stella Maris cujas janelas abriam ao Índico. No terraço, obviamente,

3https://www.dn.pt/artes/interior/lidia-jorge-sou-uma-escritora-pre-filmica-5128780.html

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não havia janelas, apenas pilares sobre os quais se estendia uma cobertura suave mas suficientemente protectora para se poder receber um cortejo daquela importância e quantidade (2009, p. 04)

O hotel se constitui no espaço eleito pelos soldados lusitanos que lutam

em Moçambique pela expansão portuguesa durante o período salazarista. O

nome do hotel já denuncia a maneira como as personagens lidam com o espaço

do Império. Stella Maris denota a superioridade portuguesa na expansão

colonial. Oriunda do latim, stella, ae – estrela; mare, maris – mar: estrela do mar,

essa denominação de Estrela do Mar, além de realçar a localização do hotel,

postado à beira-mar; também alude à áurea expansão colonial desencadeada

através da exploração marítima. Portugal, historicamente, definiu-se como a

“estrela do mar”, também como “guia” de suas colônias.

Conforme Lefebvre (apud SIMÕES, 2017, p. 122),

[...] O espaço é político e ideológico. Há uma ideologia no espaço. Porquê? O espaço que parece homogêneo, que parece dado como um bloco na sua objetividade, na sua forma pura, tal como o constatamos é um produto social.

Embora pensado para o espaço social, o conceito desenvolvido por

Lefebvre também se aplica ao espaço literário porque ele representa uma

experiência vivenciada. E os espaços em que se desenvolve a narrativa de Lídia

Jorge, em Os Gafanhotos, ratificam que eles são políticos e ideológicos.

E o espaço de Moçambique, embora inicialmente empírico para Lídia

Jorge, converte-se num espaço político e ideológico para ambientar seu texto.

Ela esteve lá, lecionando em Moçambique, enquanto acompanhava o marido

militar.

Em sua palestra na PUCRS, a escritora mencionou a emblemática chuva dos gafanhotos. Mais do que a imagem, os sons da festa dos moçambicanos que assavam os insetos em fogueiras, por todo canto, e o escárnio dos oficiais e suas esposas, que a tudo assistiam das janelas do hotel, nunca a abandonaram. Com o tempo, os sons se transformaram em murmúrios que a habitaram até o dia em que decidiu transformar

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em literatura o seu fragmento vivido — e ainda vívido — de história4.

De acordo com Borges Filho (2007: 50), não se deve confundir o conceito

“ambiente” com o de espaço, quando nos referirmos à topoanálise, pois ela é “a

soma de cenário ou natureza mais a impregnação de um clima psicológico”. Essa

reflexão nos autoriza dizer que Lídia Jorge interiorizou esses microespaços

experienciados pessoalmente para tecer seu texto, já que as vozes, os sons, as

imagens “nunca a abandonaram”.

Na mestria do narrador que ela elege para a condução da narrativa, a

referência ostensiva a vocábulos que sugerem, espacialmente, uma posição de

superioridade como, por exemplo, “terraço” (21 vezes), “de cima” (10 vezes),

“subir” (7 vezes), “sol” (4 vezes); “astros” (3 vezes), “céu” (2 vezes), leva-nos a

refletir que “céu” implica um espaço de poder e que, por extensão, dialoga com

império, instância terrena de poder. A escolha do “terraço” só evidencia a

magnitude de que se reveste o país colonizador.

Durante os dois dias em que aconteceram os festejos, chegaram à costa

inúmeros corpos de negros, mortos por envenenamento:

Vejam, é uma nuvem de gafanhotos que passa abaixo do nível superior do Stella. Como o nevoeiro nas falésias da Europa. Reparem como as luzes os ofuscam, reparem como cheira a quitina quebrada, reparem como eles volitam, afocinham e

caem! (JORGE, 2009, 32).

Percebidas essas dicotomias espaciais, “uma nuvem de gafanhotos que

passa abaixo do nível superior do Stella”, demarca-se a oposição entre quem

invade e quem é invadido. Embora o mar seja o espaço da amplidão, é ele que

é visto de cima, ou seja, do terraço do hotel, mas pelo espetáculo tétrico que é

deixado na areia. Para que o genocídio seja afastado das mãos colonizadoras,

o capitão das “imensas condecorações” se pronuncia:

«Não temos nada a ver com esta cegada» — disse ele. «E para já tudo o que devemos fazer é manter-nos à distância» (JORGE, 2009: 12).

4 Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Web/x-sihl/media/comunicacao-6.pdf. Acesso em 30 de dezembro de 2017. A COSTA DOS MURMÚRIOS DO ROMANCE DE LÍDIA JORGE E DO CINEMA DE MARGARIDA CARDOSO: Olhares femininos sobre a guerra colonial. DOVAL, Camila Canali (PUCRS)

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«Porque aí esses gajos, os blacks, descobriram no porto um carregamento de vinte bidons de álcool metílico que iam a caminho duma tinturaria, e pensaram que era vinho branco, e descarregaram-nos ontem de tarde, e abriram os bidons, e beberam todos, e distribuíram pelos bairros de caniço, e agora uns estão lerpando e outros vão cegar. Os que a maré trouxe foram só os que o mar encontrou, recolheu à beira e deitou. As praias vão mas é ficar coalhadas deles quando chegar a noite. Vocês vão ver. Os blacks! Vê-se mesmo que são ideias de blacks!» (JORGE, 2009, 12).

Estrategicamente, o capitão recomenda a manutenção de distância, uma

vez que não podem ser culpabilizados pela confusão feita pelos “blacks”,

ingerindo álcool etílico, supondo que fosse vinho. O uso do termo “blacks”

evidencia um tom pejorativo adotado pelo colonizador e vem de um discurso

autoritário e de autoridade: “o capitão das imensas condecorações”. As vozes

dos inúmeros moçambicanos, definitivamente silenciadas pelo envenenamento,

e todos eles referenciados pelo capitão como os “blacks” já marca uma oposição

em relação à cor: blacks, os negros.

O conto Os Gafanhotos também possui uma ressonância bíblica que não

pode deixar de ser mencionada. Lá no Pentateuco, especialmente, no livro de

Êxodo, o faraó obstinado, de coração endurecido não ordena a saída do povo

israelita, libertando-o da escravidão vivida no Egito. Deus envia dez pragas,

dentre elas, a dos gafanhotos. O envio das pragas objetivava quebrantar o

coração do faraó, permitindo a libertação dos israelitas do jugo egípcio. A praga

dos gafanhotos foi a oitava, cobriu a face da terra, a nuvem de insetos invadiu

quartos e devastou toda a plantação.

Em A Costa dos Murmúrios, observa-se uma chuva de gafanhotos na

noite de celebração do noivado de Evita e Luís Alexandre descrito no relato Os

Gafanhotos. Esses gafanhotos tanto lembram os insetos, que dizimam as

plantações, quanto os soldados portugueses que usavam fardas verdes e,

também devastam povos e suas culturas. A posição que o colonizador assume

em terras africanas é consolidada por essas imagens, isto é, o hotel Stella Maris

e a chuva de gafanhotos.

O espaço das mulheres

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309 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Em Os Gafanhotos, narrativa introdutória de A Costa dos

murmúrios, são evidenciadas duas personagens femininas: Evita, a noiva cuja

celebração matrimonial acontece no hotel Stella Maris, e Helena, a esposa do

capitão Forza Leal. Dotada de inigualável beleza, também é conhecida por

Helena de Tróia. Em se tratando dos espaços em que essas personagens se

deslocam, percebe-se que Helena está mais limitada ao espaço doméstico,

como o lugar do “recolhimento”.

Acuada pela agressão do marido, o capitão Força Leal, circunscrever-se

aos limites da casa sugere uma postura de não exposição pessoal. Mas, o

espancamento também ocorre publicamente: “Naturalmente o capitão

esbofeteou a mulher. Ainda mais naturalmente – porque tinha a ver com a

dinâmica e a cinética – a mulher ficou encostada ao ferro [...]. Com a face

esbofeteada, era naturalmente cada vez mais linda” (JORGE, 2009, p. 29).

As pessoas, no entorno, não esboçaram nenhuma reação para apoiar a

mulher agredida, não se envolveram, não intervieram porque tudo aconteceu,

“naturalmente”. Essa ironia que permeia a agressão masculina à esposa

demarca um lugar de subalternidade, de impotência do oprimido em relação ao

opressor.

Já Evita, a noiva cujas festas de núpcias acontecem no hotel Stella Maris,

tem, em seu nome, uma redução, desperta no leitor uma sensação de

ingenuidade que perdura até o final do conto. Evita, em Os Gafanhotos, é

apenas uma jovem portuguesa que vem de Lisboa para se casar em

Moçambique com o seu antigo namorado Luís Alex, um brilhante estudioso de

Matemática que, pelas circunstâncias da guerra, está na cidade da Beira a

serviço militar.

Enquanto dura o cerimonial, Evita transborda felicidade, dança com o

noivo, no terraço do hotel. “Os noivos olhavam-se cheios de ternura” (p.15).

“Aquele era um momento cheio de encanto” (p.10). O espaço em que Evita é

posta está carregado de significados. No hotel cujas janelas dão para o Índico,

ela conhece o capitão Forza e a sua esposa, Helena de Tróia, casal com quem

conviverá, numa terra estranha e “da cor do whisky” (p. 12).

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310 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

No ambiente em que acontecem as bodas de Evita e Luis Alex,

tudo transcorre num clima de aparente tranquilidade, uma vez que há uma

suspensão dos conflitos para que o casamento não seja maculado pelos

horrores da guerra. Na verdade, tudo isso é apenas aparente, pois o conflito

continua de forma horrenda com o envenenamento dos negros.

Para a surpresa de todos, o noivo suicida-se/é assassinado na segunda

noite de festas:

Então o terraço foi fechado para que não se voltasse a sentir idêntica chamada de esplendor. Evita sentiu-se vítima duma lição tão subtil que intransmissível, sobretudo quando do cortejo, posto em semicírculo, e onde as ondas chegavam sem espuma, o major surgiu, deu um passo em frente e se curvou até aos joelhos — « Madame, os meus respeitos!» Ela voou no primeiro avião civil. O corpo dele seguiu depois, num barco militar.

O fechamento do terraço para “o velório” do alferes coincide com o final

do conto de abertura. É no fechar desse espaço que Evita se extingue e voa “no

primeiro avião civil”. Ela voa para se transformar em Eva Lopo, a protagonista da

segunda parte de A Costa dos murmúrios. Ela se despe da ingenuidade,

essência de Evita, para perscrutar, perseguir e dissecar, após vinte anos, os

fatos narrados inicialmente em “Os gafanhotos” .

A mudança de nome é simbolicamnete muito rentável, uma vez que Eva,

conforme a Bíblia foi a primeira mulher a qual, comendo o fruto da árvore do

conhecimento, é expulsa do Éden.

Eva, a protagonista de A Costa dos murmúrios, também será

conhecedora tanto dos acontecimentos ocorridos há duas décadas quanto de

tudo o que cercava a vida do alferes, o ex-marido. Esse conhecimento suscita o

degustar de um veneno e, possivelmente, detentora dessa sabedoria, seu nome

recebe um segundo Lopo.

Considerações finais

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311 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

O trabalho objetivou mostrar como o espaço interfere na

construção das identidades e dos discursos dos sujeitos ficcionais em relações

dicotômicas. Nesse sentido, silenciados e portadores de voz, opressores e

oprimidos se debatem no texto jorgiano, com ênfase para os opressores, os

detentores da voz.

Inseridos num tempo austero, o da colonização, os personagens de A

Costa dos murmúrios são situados em espaços em que ficam evidenciadas

as relações de poder, as maquinações que despistam os menos avisados das

manipulações de quem manda.

Nesses espaços, também é possível perceber a “extinção” de um

personagem, no caso de Evita, para que renasça, na segunda parte do texto,

trazendo à tona uma verdade sobre os fatos vividos em Os gafanhotos.

Referências

BAKHTIN, M. Questões de Literatura e Estética. São Paulo: Hucitec, 1990. BORGES,F. Espaço e Literatura. Introdução à topoanálise. São Paulo, Franca: Ribeirão Gráfica e editora, 2007. DOVAL,C,C. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Web/x-sihl/media/comunicacao-6.pdf.. A COSTA DOS MURMÚRIOS DO ROMANCE DE LÍDIA JORGE E DO CINEMA DE MARGARIDA CARDOSO: Olhares femininos sobre a guerra colonial. (PUCRS) Acesso em 30 de dezembro de 2017. JORGE, L. A Costa dos murmúrios. Portugal: Publicações D. Quixote, 2009. SIMÕES, M. J. Arte dos espaços na construção de “Retábulo de Santa Joana Carolina”, de Osman Lins, In: O espaço literário em Osman Lins. Borges, F.O; BARBOSA, S.; ROSSONI,I (orgs). São Paulo: Todas as musas, 2017. WEISGERBER, Jean. O espaço romanesco: tentativa de definição. In: O espaço literário: textos teóricos. Uberaba –MG: Ribeirão gráfica e editora, 2016.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

LIVRO, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO: UM ROMANCE DE DESLOCAMENTOS QUE REFLETEM A EMIGRAÇÃO E A PRÓPRIA

LITERATURA

Rosemary Gonçalo Afonso (Doutoranda - UFRJ)

“Hay, pues, vivencias que no podrían ser expresadas por ningún gesto y que, sin

embargo, ansian expresión” (Gyorgy Lukács)1

O romance Livro, do escritor português José Luís Peixoto, tem como tema

principal a emigração portuguesa para a França. Seu enredo gira em torno do

desencontro de um casal de namorados que deixa sua pequena vila no interior

de Portugal. O rapaz, cujo o nome é Ilídio, era apenas uma criança quando a

mãe o abandonou, deixando-o aos cuidados de um amigo, o pedreiro Josué,

antes de emigrar. Quando a namorada, Adelaide, é obrigada pela tia a partir, ele

decide procurá-la em Paris. Inconscientemente, é também a mãe que busca.

Ilídio tem como companhia o amigo Cosme, que teme ser enviado para a

guerra colonial, mantida pelo governo português em suas últimas colônias

africanas.

A viagem que realizam clandestinamente: primeiro Adelaide, e logo em

seguida Ilídio e Cosme, reflete a experiência de muitos portugueses que foram

levados a deixar Portugal no decorrer do século XX, tendo a França como um

dos principais destinos. Segundo o próprio autor, apenas essa cidade europeia

recebeu quase um milhão e meio de portugueses entre 1960 e 1974.

O romance é dividido em duas partes. Na primeira, a narrativa é

tradicional, tornando claros os elementos estruturais normalmente exigidos pelo

gênero textual em questão, tais como: o foco narrativo, inicialmente em terceira

pessoa e posteriormente em primeira; o tempo da ação, que decorre entre a

segunda metade do séc.XX e a primeira década do séc.XXI; o local dos

principais acontecimentos: uma pequena vila portuguesa e a cidade de Paris; o

perfil das personagens e seus motivos para empreender suas ações. O final

dessa primeira parte é marcado pelo nascimento de uma personagem que

1 (LUKÁCS, s.d., p.23).

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313 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

recebe o nome de Livro, e que se assume como o narrador da história.

O destaque conferido a esse momento: duas e meia da tarde do dia 27 de abril

(PEIXOTO, 2012, p.204), marca ainda a coincidência de a segunda parte se

transformar no nascimento do objeto “livro” através da sua concepção teórica.

Como lembra Walter Benjamin (2011, p.81) “através de sua forma a obra

de arte é um centro vivo de reflexão”. Entendemos que o debate teórico

incorporado à narrativa, a partir da segunda parte, destaca o valor não apenas

da emigração portuguesa para a França, mas, sobretudo, da sua representação

no espaço literário; onde ela é ressignificada com a contribuição dos leitores.

O termo “livro” é utilizado pelo autor em três instâncias: ele é o título do

romance, é o nome de um dos personagens e é um objeto concreto, que se

desdobra também em três: o livro que a mãe de Ilídio lhe entregou antes de

abandoná-lo, um outro escrito no decorrer da narrativa e, finalmente, o que livro

que temos em mãos. A percepção de que são os mesmos se constrói à medida

que o deslocamento observado em relação à movimentação dos emigrantes, se

dá pelo trânsito entre os gêneros, e a liberdade que caracteriza o romance

admite o surgimento de um outro gênero: o ensaio. A combinação de gêneros

está alinhada com a crise de gêneros que caracteriza a literatura portuguesa

contemporânea.

Ao atribuirmos ao romance Livro um caráter ensaístico, concordamos com

o pressuposto de que o ensaio é uma forma de arte, “uma crítica científica

caracterizada como gênero artístico”, como defende Lukács (s/d, p.16) em sua

carta a Leo Popper, com a qual introduz seu livro A alma e as formas. Portanto,

o ensaio tem um caráter híbrido: seu autor recorre à observação, sem

compromisso com a comprovação, mas respeitando um método. Parafraseando

Eduardo Prado Coelho (1997, p.20), podemos defini-lo como uma forma de

pensamento em que se “pesa” o valor das ideias, num exercício de ponderação

em que se procura afastar o que poderá ser perigoso para a conservação do

indivíduo. Em Livro, a alternância de foco narrativo, culminando com a dúvida

sobre a autoria do romance, busca esse afastamento e, consequentemente, uma

proximidade com o leitor.

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314 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Sabemos que o ponto de vista do autor corresponde à sua

concepção de mundo e pode se aproximar ou afastar do ponto de vista daqueles

que o leem; contudo, ele não pode inviabilizar a recepção do texto, visto que a

obra está acima das opiniões pessoais; sobretudo pela multiplicidade de

interpretações que admite. Não cabe, tampouco, tentar contemplar a totalidade

da situação que inspira o seu enredo; pois como sintetiza Maurice Blanchot, no

seu livro dedicado ao espaço literário: “- a obra de arte, a obra literária – não é

acabada nem inacabada: ela é. O que ela nos diz é exatamente isso: que é – e

nada mais. Fora disso, não é nada” (BLANCHOT, 1987, p.12).

Atribuir uma forma a um conteúdo qualquer é, na verdade, construí-lo, e

a forma literária atende à necessidade de expressão daquilo que é preciso

captar.

Em sua dissertação de mestrado, a professora Gumercinda Nascimento

Gonda, lembra uma explicação de Luckács, que contempla nossas

considerações:

A forma nada mais é do que a mais alta abstração, o mais elevado modo de condensação de conteúdo, de intensificação das motivações, da constituição da proporção adequada entre as motivações individuais e a hierarquia de importância entre as contradições individuais da vida refletidas na obra de arte. (LUCKÁCS, apud GONDA, p.31)

Visto que a liberdade do gênero romance admite inovações, em virtude

do seu caráter mutável, Peixoto inclui informações oficiais no texto sem inserir

qualquer tipo de nota e, paradoxalmente, faz das notas de rodapé um espaço

para desenvolver uma série de divagações, que podem ser do autor, do narrador

ou mesmo da personagem. Essas notas são 11 no total; e inspiram reflexões

relevantes sobre os emigrantes e sobre sua relação com o país que deixam e

com o que os acolhe, sugerindo que são, ao mesmo tempo, protagonistas e

vítimas de sua história. Numa delas, o verbo ir é traduzido por voltar, e uma outra

apresenta uma crítica do personagem Livro à cidade luz:

Eu não tenho para onde voltar. Paris não é minha, nem dos magrebinos, nem dos búlgaros, poloneses, nem dos senegaleses a carregarem elefantes de madeira, marfim de pechisbeque, pulseiras feitas na China, muito menos é dos franceses, atarefados com erres e vogais babosas. Se me

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315 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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dessem Paris, é tua, eu não a queria porque sei que espectros dessa natureza não se deixam possuir. (PEIXOTO, 2012, p.218)

Outro aspecto importante a ser observado na elaboração do romance

Livro são os elementos alegóricos, verificados, sobretudo, pelas mortes que se

multiplicam na narrativa. A morte exige uma nova organização, funciona como

um agente de mudança, e as que acontecem no romance determinam algumas

decisões importantes dos personagens. As mais significativas são: a que resulta

do atropelamento de uma velha portuguesa pelo personagem Livro,

possivelmente sua própria avó, que contribui em sua decisão de voltar para

Portugal; a morte da velha Lubélia, enterrada viva no caixão que ela mesma

comprou, acelerando o casamento de Adelaide e permitindo a descoberta das

cartas que ela e Ilídio haviam escrito a partir da França; e a do homem de

gabardina que se oferece para pagar o último trecho da viagem de Cosme e Ilídio

para a França, encontrado em pedaços dentro da sua própria mala. O corpo

fragmentado desse homem é um prenúncio de um sonho que se converte em

pesadelo, substituindo a esperança pelo horror, ao revelar a condição dos

emigrantes num país estranho que os atrai e, ao mesmo tempo, oprime. Eles

não chegam até aí “inteiros”, em virtude de uma viagem que sacrifica seus

corpos e suas mentes.

Se entendermos “a história como um processo imanente de conflito e

sofrimento”, a imagem alegórica se adequa à representação da história da

emigração, pois como lembra Benjamin:

A história em tudo o que nela desde o início é prematuro, sofrido e malogrado, se exprime num rosto – não, numa caveira. E porque não existe, nela, nenhuma liberdade simbólica de expressão, nenhuma harmonia clássica da forma, em suma, nada de humano, essa figura, de todas a mais sujeita à natureza, exprime, não somente a existência humana em geral, mas, de modo altamente expressivo, e sob a forma de um enigma, a história biográfica de um indivíduo. (...) Quanto maior a significação, tanto maior a sujeição à morte, porque é a morte que grava mais profundamente a tortuosa linha de demarcação entre a physis e a significação. (BENJAMIN, s.d., p.188)

O recurso à alegoria torna-se mais expressivo ao se relacionar

diretamente com um aspecto do século em que se passa a história

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representada por José Luís Peixoto; um momento marcado por

grandes conflitos, por duas grandes guerras e, consequentemente, indo ao

encontro do que identifica Lacan, que afirma: “o objeto que melhor

caracterizaria o século XX é a ruína” (LACAN, 2012, p.57).

A sugestão da ruína como elemento fundamental desse século se

constrói, no romance, pelas casas vazias ou abandonadas que são

recuperadas por novos moradores. Reconstruir uma vida a partir de “ruínas”

contribui para a identificação da alegoria como representação de um estado

mental que reflete um passado que acumula destroços. No plano físico, a

representação se verifica pela compra da casa de D. Milú, matriarca da vila, por

Adelaide; e pelo fato de Ilídio construir uma casa sobre a ruína da casa do

personagem Aquele da Sorna, seu pai e avô: uma casa da qual não foi possível

aproveitar absolutamente nada.

Os exemplos reforçam a necessidade de se construir algo novo sobre aquilo que

precisa ser ultrapassado, inclusive no âmbito da representação literária. Em Livro, o

resgate do passado visa uma reconciliação, ainda que a narrativa questione os valores

da sociedade e critique sua estratificação.

REFERÊNCIAS

BENJAMIM, Walter. Origem do drama do barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, [s.d.]. BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. COELHO, Eduardo Prado. O cálculo das sombras. Lisboa: ASA literatura, 1997. GAGNEBIN, Jeanne Marie. “A verdade da crítica”. In: Walter Benjamin. (Série Encanto Radical). São Paulo: Brasiliense, 1982 ------. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2011. GONDA, Gumercinda Nascimento. O Santuário de Judas. Portugal entre a Existência e a Linguagem. 171 fls. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1988.

LACAN O escrito, a imagem. Trad. Yolanda Vilela. Prefácio Rose-Paule Vinciguerra Belo Horizonte: Autêntica, 2012. LUKÁCS, Gyorgy. El alma y las formas. Teoria de novela. México Barcelona Buenos Aires: GRIJALBO, s/d.

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317 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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PEIXOTO, José Luís. Livro. 7ed. Lisboa: Quetzal. 2012.

SILVEIRA, Jorge Fernandes da (Org.). Escrever a casa portuguesa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.

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A REPRESENTAÇÃO DOS ESPAÇOS CITADINOS NA POÉTICA DE IDERVAL MIRANDA

Thailane da Paixão Pereira1 Igor Rossoni2

Maria das Graças Meirelles Correia3

O estudo “A representação dos espaços citadinos na poética de Iderval

Miranda” visa a investigar a determinação dos espaços urbanos na constituição

e performance do eu lírico no poema “Rua Marechal Deodoro”, constante da obra

Então (Tulle, 2013), do poeta feirense Iderval Miranda (Feira de Santana, 1949).

Para tanto, os procedimentos analíticos serão desenvolvidos a partir dos textos

teóricos “Espaço e Literatura: introdução à Topoanálise” (2008) e “Afinal de

contas, que espaço é esse” (2009), ambos de autoria do pesquisador Ozíris

Borges Filho e “O espaço geográfico: um esforço de definição” (2004), de Rhalf

Magalhães Braga. Uma vez disposto o poema a ser estudado nesta pesquisa, observa-se

que o olhar voltado à constituição dos espaços, além de identificarem localidades

específicas na cidade de origem do poeta, tornando-se referências tópicas ainda

na atualidade, também se apresenta como indicadores de pelo menos dois

dispositivos de investigação. O primeiro, refere-se ao fato de servir como

elemento a ser estudado pelo viés da memória; ou seja, tratam-se de espaços

vivenciados no tempo e no espaço que remetem à conjuntura juvenil do poeta.

Nesse sentido, a representação das respectivas localidades pende para a

delimitação do percurso vivencial do eu lírico desde um tempo passado à

atualidade, constituindo-se nisto, o segundo elemento de observação a ser

analisado durante o processo investigativo. Sabe-se que entre as funções do espaço, em relação à figura do

personagem na constituição do advento literário, uma delas refere-se à situá-lo

1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia

– IFBA – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-

mail: [email protected];

2 Professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, colaborador do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 3 Professora do Instituto Federal da Bahia campus Santo Amaro, coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];

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319 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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geograficamente. Neste dispositivo, o espaço ocupa meramente

função denotativa; isto é, a respectiva utilidade do elemento espacial se reserva

à especificar a localidade em que o personagem vem inserido. Por outro lado,

também possibilita repercutir os sentimentos vivenciados por ele no

desenvolvimento das ações. Assim, a conjunção entre tais determinações

espaciais suscitam uma mirada analítica capaz de tornar evidente, tanto

percursos desdobrados segundo determinações exteriores; ou seja, pelo

advento da memória topicalizar trajetos conformados na juventude quanto

determinações interiores, referenciadas pela vivência do eu lírico no decorrer do

tempo passado ao presente. Exatamente os dois parâmetros que este estudo

procura investigar. Deste modo, o poema em estudo assim se constitui:

rua marechal deodoro as postas de peixe

estabeleciam o início da semana. Minhas calças compridas

e aquelas revistas de que já não me lembro mais.

Espaço exterior e o jogo da rememoração tópica do passado

Um dos modos de entrever as funções do espaço na representação

literária diz respeito ao destaque de localidades de natureza tópica, ou seja,

demarcações geográficas indicativas e características de determinada região ou

lugar. No poema em destaque, a única referência que se pode evidenciar vem

disposta logo no título do texto: rua marechal deodoro. Em verdade, trata-se de

espaço onde o poeta, em estado de juventude, permite vislumbrar certas

características específicas da referida localidade. Sendo assim, a tal

denominação, pelo recurso da memória, torna-se visível ao receptor como lugar

destinado ao trabalho diário. De modo geral, este qualificativo advindo do espaço

urbano Rua Marechal Deodoro, pode ser observado no poema a partir dos

versos: “as postas de peixe/estabeleciam o início da semana,” (2013, p. 25).

É nesse sentido que sugere menção a uma característica cotidiana da

referida rua, do comércio local, e a consequente certeza da continuidade

progressiva do trabalho, ao reiniciar-se, cronologicamente, em todo início de

semana. Portanto, o eu lírico utiliza o recurso da memória para relembrar

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320 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

situações em um espaço realista e geograficamente localizado na

própria cidade de Feira de Santana.

Há de se destacar que as indicações de localidade são apresentadas pelo

eu lírico de modo indireto. Em primeiro lugar, pelo motivo de o verso inicial,

principiar por letra minúscula. Este fato toma relevância uma vez que se localiza

logo abaixo do título que, mesmo que também em minúsculas, diferentemente

do verso inicial, identifica personagem relevante na história do país: “marechal

deodoro”. Assim, dicotomiza-se o primeiro designativo – “marechal deodoro” −, com

o segundo – “as postas de peixe”. Ou seja, por um lado, um representante do

espaço nacional, e outro de localidade citadina interiorana; ainda mais,

eufemizado por, no poema, assumir posto de mera metonímia de Feira de

Santana. Por isso, é que se possibilita a inferência de substituição do elemento

alimentar pelo elemento do trabalho, isto dado pela evidente disposição:

marechal deodoro x peixe, em que podemos observar o jogo proposto pelo eu

lírico, o notório distanciamento entre uma rua comum e a figura do então

Marechal Deodoro. O distanciamento que se dá a princípio pelo título e verso

inicial inscreverem-se por letras minúsculas, visto que, já foi evidenciado a

desproporção entre os dois elementos disposto nessa discussão: marechal

deodoro/peixe. À referida disposição, agrega-se a sequência verbal: “o início da semana”;

início de nova jornada de labuta. Além do mais, há grande distância entre a

condição de um Marechal Deodoro e um vendedor de pescado em dada

localidade citadina. Senão por nada, o exercício realista diário, comercializar

peixe, ainda ocorre no poema sob os olhos verbais da denominação da rua.

Todos esses elementos parecem não serem captados ou capturados por olhos

juvenis. No entanto, assim o poema se estabelece, e uma pergunta sugere se

emancipar: por que o poeta escreve o poema? Com o outro elemento tópico indireto, ocorre fato similar e vem grafado

pelo verso: “e aquelas revistas” que, por sua vez, remontam duas especificidades

tópicas. A primeira também se constitui de natureza comercial; e a segunda,

caracterizada pela distância em que se encontra, ou seja, nesse verso o eu lírico

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deixa claro uma condição juvenil a partir da recordação do objeto:

“revista”, e a distância desse período quando cita: “aquelas”, evidenciando uma

separação entre a condição atual e a juvenil. Assim sendo, o ponto de

desarticulação potencial do texto que, aliás, permitirá passagem para o segundo

parâmetro em investigação − o espaço referenciado pela vivência interior do eu

lírico no decorrer do tempo passado ao presente − evidencia-se no poema pela

associação dos versos intercalados: “minhas calças compridas”, instituindo a

passagem do tempo para um estado de presentificação; logo, de

amadurecimento em relação ao tempo passado da juventude, e “de que já não

me lembro mais”. Este último, por também encerrar o poema, sacramenta e

atualiza a consciência da voz lírica pelo advento da superação dos instintos

aflorados no período da juventude; para, assim construir a identidade íntegra do

poema “rua marechal deodoro”.

Espaço interior e o jogo da vivência tópica do passado ao presente Até então, observaram-se desdobramentos tópicos e exteriores gerados

a partir da análise do espaço geográfico. Entretanto, eles repercutem marcas

interiores na conformação da voz lírica que se manifesta no poema. Isto se

verifica, pois o espaço geográfico em questão assume grande importância

afetiva juvenil para o eu lírico, que revela a êxtase causada por essas

rememorações no momento em que vivencia o embate entre o passado e o

presente na referida rua. Isto é, o reencontro do eu lírico com a rua e,

consequentemente, com as rememorações ativadas no momento de contato.

No poema, pode-se inferir que o eu lírico vivencia momento raro, onde a

recordação e a lembrança se implicam e se entrecruzam no enovelamento da

consciência atual do poeta. Assim, inversamente, nos versos “as postas de

peixe/ estabeleciam o início da semana”, embora façam menção à determinada

rua comercial da cidade, sugerem se perder na memória por se vincular não

somente à localidade, mas à sensação olfativa que lhe conduz a dada situação

passada, na vigência de pulsações do cotidiano. A sequência, em “minhas calças

compridas/ e aquelas revistas/ de que já não me lembro mais”, revela uma ação

temporal em que o eu lírico determina dois segmentos: um da infância que

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emerge a partir dos primeiros versos, denunciando um momento de

reflexão interior de um período considerado transitório e que emerge a sensação

de jogos de rememorações; e o outro, de um passado menos remoto, do qual,

embora manifestado, referenda não mais se lembrar. A ação lírica, deste modo,

parece retomar o sentido inicial após tal revelação, pulverizando na lembrança

eflúvios de recordações dispostas por lacunas temporais.

A construção de tais lacunas dispõe exatamente a qualidade consciencial

impressa no poema, a que inicia e concretiza o poema. Produzindo a partir dos

espaços, eflúvios dicotômicos no espaço da atualidade, evidencia

provavelmente a razão de escritura do mesmo, a de fazer-se íntegro com a

associação de elementos de natureza externa com os de natureza interna.

Portanto, o poema se consagra tanto como espaço de pulsação do passado

quanto espaço de pulsão no presente, constituída de impulso energético interno

que direciona o comportamento do indivíduo; qual seja, o comportamento

manifestado por tal consciência na construção do poema em tela.

REFERÊNCIAS

BORGES FILHO, O. Espaço e literatura: introdução a topoánalise. In http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf, acesso em 01 de setembro. -----------. Afinal de contas, que espaço é esse? In http://www2.uftm.edu.br/joeel/images/caderno%20de%20resumos%202%20joeel.pdf, acesso em 01 de setembro . MAGALHÃES BRAGA, R. O espaço geográfico: um esforço de definição. In http://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/74066, acesso em 01 de setembro. MIRANDA, Iderval. Então. Feira de Santana: Tulle, 2013.

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O VAQUEIRO NO ESPAÇO DO SERTÃO EM ADRIANO EYSEN

Thaisy Jennifer dos Santos Ferreira1 Igor Rossoni2

Maria das Graças Meirelles Correia3

INTRODUÇÃO

O trabalho “A representação do vaqueiro no espaço do sertão em Adriano

Eysen” visa a analisar a representação da figura do vaqueiro inserido no universo

do sertão nordestino. Para tanto, seleciona-se da obra do referido poeta,

Assombro Solares (2011), o poema “Vaqueiro de sete sóis”. Nesse sentido,

observa-se que, pela constituição tanto temática quanto poética, que os

elementos dispostos em texto são referências, além de delimitarem a

confabulação espacial de determinação específica do sertão no nordeste

brasileiro ainda culminam por caracterizar a personagem, ou seja, a voz lírica

que expressa tal figura no decorrer da composição referendada.

Sertão é referência institucionalizada, oficialmente, como uma das

subáreas da região nordeste no Brasil. Neste espaço há o predomínio da

semiaridez, com escassez hídrica devido a amplos períodos de estiagem que

terminam por interferir, nos mais amplos aspectos, sobre o espaço e seus

respectivos habitantes. A paisagem característica do sertão apresenta a

caatinga como vegetação típica, tendo solo pedregoso com formações de rios

temporários ou intermitentes.

A representação deste espaço – tanto por meio da alusão a fatores

geomorfológicos como no aspecto cotidiano daqueles que nela vivem– foi

introduzida na literatura brasileira desde os primeiros tempos, constituindo-se,

assim, como temática recorrente em variada gama de autores. Em relação ao

motivo de interesse deste ensaio, vertido à produção de literatura

1 Estudante de Eletromecânica do Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia da Bahia – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. E-mail [email protected] 2 Docente da Universidade Federal da Bahia, colaborador do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail [email protected] 3 Docente EBTT do Instituto Federal da Bahia, coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail [email protected]

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contemporânea produzida no estado da Bahia, é possível assinalar

vários autores que voltam atenção ao tema como fonte de interferência criativa.

Dentre eles, busca-se refletir sobre a ambientação do estatuto do vaqueiro no

espaço “sertão” a partir da obra Assombros Solares (2011), de Adriano Eysen.

A referida obra foi publicada em 2011 pela editora Via Litterarum e é

dividida em três partes: Assombros solares (14 poemas); Cantos sob sopros e

cordas (14 poemas) e Escrever a casa solar (10 poemas). De Assombros

solares, a intenção analítica recairá sobre o poema “Vaqueiro de sete sóis”, como

se observa:

Vaqueiro de sete sóis Os chocalhos das vacas anunciam sua partida vaqueiro de sete sóis e as algarobas farfalham em tua despedida num tapete de girassóis. O cavalo campeia teus rastros na caatinga e o gibão rasurado pela macambira retrata tua bravura nessa aldeia que vem em prece, aboio e cantiga. Neste sertão, restam tuas rosetas sangrando manhãs. Vai, Aquiles das veredas, montado no vento, vestido de couro e coragem.

De modo geral, o texto em destaque evidencia o trajeto cotidiano

enfrentado pela figuração de um vaqueiro, remetendo-o à fusão entre o espaço

geográfico – convivência e trabalho – e o espaço de natureza psicológica que se

impõe ao sujeito segundo diversa forma de interferência.

Nesse sentido, cada estrofe sugere trazer o destemor reportado

poeticamente pela voz eu-lírica, de modo que, em cada uma, especifica-se

diferenciada singularidade.

Na primeira estrofe, por um lado, destaca-se o trabalho rítmico elaborado

pela ocorrência de rimas que se complementam. Este fato sugere referendar a

cadência cotidiana de um sujeito-vaqueiro disposto ao movimento e às

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intempéries do espaço geográfico em que se vê inserido. No entanto,

por outro lado, não se verifica no referido construto, ordenação métrica, voltando-

se às pulsações interiores por intermédio de livres associações de imagens

poéticas.

Na segunda estrofe, a voz lírica ainda mantém o princípio retórico de

recursos imagéticos que conferem ideia de locomoção e fixação em dada

paisagem. Entretanto, o que deixa rastro evidente, em específico, deriva para

elencar elementos que vertem sentidos focados no sujeito; ou seja, ainda

respeitando a dupla direção espacial em tela – espaço geográfico (exterior) /

espaço psicológico (interior) – delimita elementos da indumentária, própria para

enfrentar a referida labuta em paisagem hostil; bem como aponta para diverso

tipo de vestimenta, justamente à de natureza interna, repercutida pelo estado de

envergadura psicológica de que se reveste a fim de empreender tal empreitada.

Assim, nota-se a passagem da condição de “um” vaqueiro para a de “o vaqueiro”,

sujeito singular potencializado na própria grandeza e condição.

Na terceira estrofe, o que se mantém é o privilégio centrado na figura do

sujeito, iniciado na segunda estrofe. Assim, estende-se um fio condutor que

pende do título, unindo as imagens poéticas que acometem a primeira e segunda

estrofes às referências metonímicas do indivíduo-vaqueiro (indumentárias)

recorrentes na segunda e terceira. O elemento singularizador, na aparentemente

última estrofe, evidencia-se por transmutação comparativa. Ou seja, compara-

se por transmutação – portanto, implementando exponencialidade valorativa – a

figura de “um” vaqueiro para “o” vaqueiro; mitificado em estado de semi-Deus

pela denominação “Aquiles”.

Deste ponto, que indicaria o término do percurso, o poema e,

consequentemente, o receptor, obrigam-se à nova envergadura: a de volverem

sobre si mesmos, em sentido e direção, rumo ao ponto de partida, ou seja, à

expressão titular “Vaqueiro de sete sóis”. Assim sendo, do deslocamento de

partida e chegada instituído através do cotidiano no espaço geográfico (exterior)

atinge movimento cíclico e perene – imprescindível por divinação – encerrado

em si mesmo, enquanto figura e construção poética.

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RESULTADOS E DISCUSSÕES

O texto Vaqueiro de sete sóis apresenta de modo metaforizado o laborar

do vaqueiro, retratando como o espaço pode repercutir no formato e

ambientação tanto exterior quanto interior do personagem. O lugar em questão

vem caracterizado por ambiente árduo e inóspito, representado, no decorrer do

poema, a partir de signos – que agregados – evidenciam o designativo “sertão”.

Desde o registro titular podem ser identificados sinais de devoção

valorativa à figura do vaqueiro, consagrado pela expressão qualificativa de “sete

sóis”. Assim sendo, semanticamente, dispondo-se em foco o primeiro termo,

idealiza-se a peleja diária, referida a uma jornada e à vivência física do vaqueiro

no transcorrer dos sete dias da semana. Em seguida, o termo “Sóis” sugere

contextualizar, por um lado, a jornada solitária desse indivíduo. Por outro lado,

possibilita remeter à potência de elemento da natureza vinculado à

personalidade de tal figura, conferindo-lhe status de poder, força e energia.

À vista de tal conformatura, desde o prelúdio do poema, vislumbra-se a

comunhão entre sujeito e espaço, como se observa em:

Os chocalhos das vacas anunciam sua partida vaqueiro de sete sóis e as algarobas farfalham em tua despedida num tapete de girassóis.

No trecho em destaque, o elemento vegetal característico daquela região

– “algarobas” – identifica-se ao deslocamento geográfico do vaqueiro diante da

lida diária. Entretanto, o que sobressalta aos olhos pela imagem poética

referendada, é que após registro de vegetação adaptada ao solo exaurido, a voz

poética dispõe o vaqueiro sobre um “tapete de girassóis”; controversamente,

planta que, para se fazer exuberante, carece de solo fértil e umidificado. Nesse

sentido, exteriormente, estabelece-se uma relação entre a sonoridade rítmica e

a representação metonímica (“algarobas”) do espaço em que o sujeito se vê

inserido. Simultaneamente, pelo viés da interioridade, diálogo similar ocorre

entre as pulsações internas – especificadas pela ausência de ordenação métrica

–e a evocação metafórica representada pela expressão “tapete de girassóis”.

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Deste modo, sugere-se constituir a centralidade e a importância

do vaqueiro como lugar onde espaços exteriores e interiores se manifestam na

própria composição da integridade-vaqueiro, pois, todo o contexto a que se vê

submetido necessita e gira em torno do individuo; tanto quanto o girassol que,

ao girar em torno do sol, constrói a própria exuberância diária.

Na segunda estrofe, o vaqueiro é caracterizado por conduzir o gado com

o auxílio de um cavalo, percorrendo região quente e seca. Deste modo, a fim de

viabilizar a empreitada, vale-se de indumentária condicionada à natureza do

espaço em tela:

o cavalo campeia teus rastros na caatinga e o gibão rasurado pela macambira retrata tua bravura nessa aldeia que vem em prece aboio e cantiga.

Ao se deslocar pela inóspita paisagem, dois movimentos contrários

demarcam-lhe o espaço percorrido. Ou seja, o vaqueiro deixa na paisagem o

registro do próprio deslocamento, ao passo que, a vestimenta que lhe cobre o

corpo, impregna-se dos sinais deixados pelo lugar no sujeito. Assim, o estado de

ambivalência se estabelece a partir do momento em que o vaqueiro avança e

fere a paisagem, à proporção que os espinhos da macambira rasuram-lhe o

gibão, integrando, por vez outra, espaço e indivíduo. O fato de as vestimentas,

em virtude do enfrentamento diário, serem assinaladas pela condição toponímica

da região, não deixa de demonstrar a superioridade e a capacidade de lidar com

espaço severo e árduo, fazendo com que cada marca se constitua como

alegação de intrepidez e destemor próprios.

Observa-se que o andamento construtivo do discurso poético promove

similar acontecimento; ou seja, com o avançar do poema, deixam-se apenas

vestígios de letras, sinais, palavras e rastros linguísticos que se corporificam e

impregnam o receptor no ato de leitura.

Ainda nesta estrofe é inserida a fortaleza que delineia o vaqueiro −

situando-o em universo que lhe pertence − constituído por três expressões:

“prece, aboio e cantiga”. Nesta situação de aldeia, anuncia mais um dia de

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labuta, ou seja, retrata a veneração intuída pelo retorno aos “sete sóis”

rotineiros em forma de cantiga e invocação de bois.

De certo modo, os três termos em destaque sugerem retratar as três

estrofes que compõe o poema, tanto na vinculação circunstancial de

apresentação do vaqueiro de sete sóis quanto na representação criativa e

artística dele por intermédio da escritura poemática. Com isso, o poema resume-

se em prece, aboio e cantiga, manifestação da cultura popular de vaqueiro, do

trabalho, do tanger e entoar o chamado do boi e, por fim, construir cantigas sobre

a respectiva vida. Desta maneira, é evidenciado ainda nesta estrofe a veneração

dada a esse personagem e o quanto é indispensável o esforço rotineiro para

trazer esperança e a possibilidade de continuar mais um dia nas intempéries do

sertão.

O terceiro verso da última estrofe pode ser equiparado ao respectivo da

primeira estrofe, pois neste se observa pedido para que o vaqueiro pudesse se

distanciar do local onde se encontra, “vaqueiro de sete sóis”; ou seja, por livre

associação, vá-queiro de sete sóis; no terceiro da última estrofe registra: “Vai,

Aquiles das veredas”. A voz lírica devota-se ao personagem, por conferir-lhe

condição mitológica, divinizando-o na qualidade do herói grego e semi-Deus

Aquiles. Assim sendo, sugere-se percurso de saída e retorno. Ou seja: no

espaço geotópico, na primeira estrofe, parte um vaqueiro; na segunda, sobe à

cena, estado psicológico de enfrentamento e bravura, transformando-se em “o”

vaqueiro; e, na terceira, retorna mitificado como ser emblemático de fortaleza e

destemor. Este périplo já se encontra materializado no registro que encerra a

segunda estrofe, apenas que de modo aparentemente difuso: “que vem em

prece, aboio e cantiga”. Desta maneira evidencia jogo retórico de associações

diretamente implicadas: o espaço da partida à lida diária – um vaqueiro/aboio −;

o espaço da transformação vertida em discurso poético – o vaqueiro/cantiga −;

e, emendando instância final com situação inicial, consagra-lhe espaço cíclico e

divinizado ao conjugar vivência exterior e interior – vaqueiro de sete sóis

[Aquiles]/prece.

Neste patamar, evidencia e também remete alusão transmutada à figura

do vaqueiro pela impressão do termo “veredas”: minadouros de água que brotam

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e umedecem o solo que as sustentam. Em virtude de tal disposição,

pode-se também observar retórica de ambiguidade construída pela voz lírica,

enxertando “veredas” à tal qualidade de sertão. Assim, ao mesmo tempo em que

é feita a relação desse vaqueiro com um ser mítico, sobre ele recai a

possibilidade de abrir caminhos, umidificá-los em função de futuro promissor,

como água brotando em espaço inapropriado, tornando-se filamento, pequeno

córrego, rio e, finalmente, espaço líquido impossibilitado de mensuração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta maneira, o poema “Vaqueiro de sete sóis”, apresentada na obra de

Adriano Eysen, discorre sobre a influência do cenário no vaqueiro e a condição

psíquica do mesmo, que transfigura o ambiente, denotando ao personagem o

atributo de um ser heroico pela bravura e determinação para enfrentar a peleja

diária trilhando a caatinga e a si mesmo.

REFERÊNCIAS

EYSEN, Adriano. Assombros Solares. Itabuna/BA: Via Litterarum, 2011. 97p. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Abril Cultural, 1979 FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoánalise. ttp://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdfacesso em 01 de setembro

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A SECA E A PAISAGEM DESFIGURADA EM O QUINZE, DE RACHEL DE QUEIROZ

Vinicius Schiochetti 1

Regina Célia dos Santos Alves (Orientadora) 2

Resumo

O estudo aqui apresentado tem como objeto de observação o romance O

Quinze, de Rachel de Queiroz, sendo o foco a análise da figuração da paisagem

presente na narrativa. A obra em questão, romance inaugural da autora da

geração modernista de 30, é conhecida por seus traços regionalistas e por fazer

parte da chamada e aclamada “literatura brasileira da seca”. O tema central da

obra é um grande período de estiagem que provoca enormes danos à paisagem

sertaneja e ao homem do local questão que se evidencia no movimento das

personagens em torno da calamitosa situação. Assim, a seca, assumirá papel

fundamental para a “desfiguração da paisagem” do sertão descrita na obra. A

paisagem “desfigurada” pode ser percebida em todas as mazelas trazidas pela

seca: ressecamento do solo, poeira vermelha, sol escaldante, pele queimada,

animais moribundos, carcaça dos que já morreram, vegetação seca, pessoas

magras e sujas vestindo trapos, ou seja, uma paisagem que se apresenta quase

como a de um pós-guerra. Outro aspecto interessante, notado na paisagem da

obra em questão, é o uso das cores para indicação da presença e ausência de

vida. As cores identificadas parecem traduzir a impressão de um sujeito que olha

para o sertão e percebe com dificuldade o aspecto lúgubre desse espaço e de

tudo o que ali se coloca pelo calor, pelo sol e pelo ressecamento não só do

espaço, mas de sua própria vida.

Palavras chave: Rachel de Queiroz; O Quinze; Paisagem e Desfiguração

Introdução

O presente artigo tem por finalidade realizar um estudo da paisagem que

figura no romance O Quinze, de Rachel de Queiroz. O espaço será pensado

sempre em relação à percepção das personagens, pois o trabalho com a

paisagem exige sempre uma perspectiva de percepção, o que será explicado

logo a seguir. Levando em conta a questão do espaço destinado a essa

publicação serão enfocadas somente as personagens centrais da narrativa, as

protagonistas.

O conceito de paisagem, utilizado nesse estudo, parte, em especial,

daquele elaborado por Michel Collot (2012). O teórico francês define a paisagem

como um espaço percebido, ou seja, não o espaço em si, mas sim “o aspecto

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visível, percepetível do espaço” (COLLOT, 2012. p. 11). Collot (2012)

afirma ainda que a percepção do espaço é organizada de forma simbólica

gerando sentidos com sua organização. Desse modo, a paisagem constitui-se

não de uma recepção “passiva” e objetiva de dados sensoriais, mas sim

reorganizada “ela (a paisagem) não se limita a receber passivamente os dados

sensoriais, mas os organiza para lhes dar um sentido. A paisagem percebida é,

desse modo, construída e simbólica.” (COLLOT, 2012, p. 11)

Dentro das instâncias que perpassam o perceptor estão os três elementos

essenciais da paisagem, a saber: o “ponto de vista”, a “parte” e o “conjunto”. A

primeira e a que interfere de modo mais significativo na percepção de um espaço

por um sujeito, é o “ponto de vista”. A paisagem condicionar-se-á a partir do

“ponto de vista” pelo qual será observada por um sujeito. (COLLOT, 2012)

Collot (2012) traz uma reflexão fundamental para o entendimento da

paisagem, se ela existe somente enquanto uma percepção tida de um “ponto de

vista” específico ocupado por um sujeito, é possível afirmar que a paisagem só

existe mediante a ação perceptiva de um sujeito, ou seja, a paisagem não existirá

desvinculada da ação humana de percepção sensorial e da organização que

será feita da percepção.

Se, para Collot (2012), a configuração da paisagem depende da ação

perceptiva de um sujeito, é possível falar, pensando ainda no posicionamento do

sujeito, em um “ponto de vista” físico e um “ponto de vista” sociocultural.

Pensando na ação perceptiva primeira de um indivíduo sob um espaço físico,

Collot (2012) diz:

[...] o espaço não é mais aquele de que fala a Dióptrica [...] é um espaço considerado a partir de mim como ponto ou grau zero da espacialidade. Eu não o vejo segundo seu invólucro exterior, eu o vejo de dentro, sou aí englobado. Afinal de contas, o mundo está ao meu redor, não diante de mim. (PONTY apud COLLOT, 2012, p. 13)

Espaço e sujeito estão, portanto, ligados inerentemente. Dessa forma,

Collot (2012) adota a visão fenomenológica de Merleau Ponty.

Fisicamente, o indivíduo, necessariamente, tem de se posicionar no

próprio espaço para poder observar a paisagem que se formará a partir desse

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espaço. Social e culturalmente esse espaço vislumbrado tomará

formas e sentidos construídos por ele a partir de sua experiência enquanto ser

social e integrante de uma cultura.

A segunda ideia colocada por Collot (2012) é a de “parte”. A observação

da paisagem, de acordo com o teórico, se faz, necessariamente, de um único

“golpe de vista” e não de uma visão área ou panorâmica, por exemplo. Essa

visão dada por um “golpe de vista” fará, necessariamente, um recorte, uma

seleção no espaço percebido em que alguns elementos serão selecionados e

outros serão excluídos. Essa seleção formará uma espécie de “enquadramento”,

traço característico da paisagem. O “enquadramento”, como dito acima, não

permite a totalidade da visão panorâmica, mas sim a parte de um todo.

A “parte” evoca a terceira ideia colocada por Collot (2012), qual seja, a de

“conjunto”. Se o espaço percebido e representado dentro de um

“enquadramento” e faz uma eleição de elementos, em que alguns serão incluídos

e outros excluídos, é possível pensar em um conjunto de elementos que formam

a paisagem enquadrada. Desse modo, todos os elementos percebidos na

paisagem formam um conjunto de elementos que ao serem vistos enquanto uma

seleção evocam outros que não figuram dentro desse “conjunto”.

A “paisagem desfigurada” no romance O Quinze

Para falar de “paisagem desfigurada”, também é necessário mencionar

Michel Collot (2013). O teórico desenvolve essa ideia a partir do estudo de

poetas franceses do pós-guerra. Segundo ele, os poetas daquele momento ao

falar de paisagens totalmente destruídas e “desfiguradas”, tentariam

reestabelecer com ela um vínculo.

Segundo Collot (2013):

Se essas paisagens aparecem desfiguradas e privadas de sentido, é também, com efeito, por estarem frequentemente desertas. São, em sua maioria, ‘paisagens com figuras ausentes’. Como o homem não as molda mais à sua imagem, as paisagens perderam o rosto humano. As mais selvagens são privilegiadas, porque nos fazem sair de uma visão antropomórfica ou antropocêntrica do mundo:[...] (COLLOT, 2013, p. 153-154)

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Como pode ser observado, Collot (2013) ao falar desse espaço

percebido fala de uma “paisagem que está desfigurada” por não possuir mais o

molde humano das construções urbanas que foram destruídas pela guerra. Para

ele, a ausência dessa marca humana simboliza uma imagem lúgubre, pois as

figuras urbanas e humanas que ali existiam pareciam a ele serem as marcas de

vida, as marcas positivas da paisagem que foram substituídas por uma

“paisagem com figuras ausentes”.

É possível traçar uma relação entre essa paisagem descrita por Collot

(2013) e a presente no texto de Rachel de Queiroz, atentando-se justamente

para o efeito da seca no espaço percebido criado pela autora.

Sertão de Quixadá e os campos de concentração

De acordo com Davi Arrigucci (2016), o livro de Rachel fala de uma real

seca nordestina, a grande seca de 1915, fato anunciado desde o título “O

Quinze”. O mais interessante de se notar e que pode ser relacionado com a

forma com que a autora fala da paisagem nesse romance é que, se a seca de

que fala aconteceu em 1915 e ela nasceu no ano de 1910, Rachel não teria idade

suficiente para falar dessa seca com tanta propriedade como fala em seu

romance. No entanto, diz Arrigucci (2016) que a jovem escritora fala usando não

uma memória pessoal, mas sim “acontecimentos sedimentados na memória

social”, ou seja, Rachel fala não de um ponto de vista pessoal, mas sim

sociocultural de sua região de formação. Isso vem ao encontro com o que propõe

Collot (2012), ou seja, o sujeito pode ocupar um “ponto de vista” sociocultural

para falar de um local. Rachel usa do que ouve da memória local para construir

as imagens e narrativas que compõe seu romance sobre o sertão.

A paisagem que figura em O Quinze é toda centrada no efeito da seca

não somente no espaço físico do sertão, mas também no efeito social que ela

causa.

Seguindo uma ordem cronológica no texto, a primeira paisagem através

do olhar de Vicente se localiza logo nas primeiras páginas do romance:

Novamente a cavalo no pedrês, Vicente marchava através da estrada vermelha e pedregosa, orlada pela galharia negra da caatinga morta. Os cascos do animal pareciam tirar fogo nos

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seixos do caminho. Lagartixas davam carreirinhas intermitentes por cima das folhas secas no chão que estalavam como papel queimado. O céu, transparente que doía, vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas. (QUEIROZ, 2016, p. 23).

Uma primeira e, até mesmo, menos atenta leitura, já é capaz de sentir, na

percepção de Vicente desse espaço, uma sensação de sofreguidão em relação

aos efeitos de ressecamento do espaço. Vicente era um pecuarista que estava

perdendo todo o seu gado por malefício da seca. Além disso, era “filho” do lugar

o que faz com que o sentimento topofílico aflore, mesmo na situação de “morte”

como se encontra a região.

Analisando mais atentamente a forma como a protagonista do romance

sente esse trecho da estrada, pode-se perceber que ele não usa somente o

sentido da visão para construir sua percepção dessa paisagem. Vicente, com o

sentido da visão, percebe as cores acinzentadas e negras que estão tomando

conta da natureza, marcando a morte desse local pelo ressecamento da

“galharia negra”, e na “monotonia acinzentada da paisagem”. Vê, ainda, no

último verde restante, uma ponta de esperança a existir em meio o domínio da

paisagem cinza. Com o sentido do tato, percebe “O céu, transparente que doía,

vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada.”, em que se percebe a dor com que

Vincente sente o calor que persiste a matar o sertão, um calor tão intenso que

faz tremer o transparente do céu. Com a audição, percebe o quebrar das folhas

que pelo andar da lagartixa “estalavam como papel queimado.”. A imagem da

folha seca e, principalmente, o barulho dela sendo quebrada, remete ao

ressecamento sofrido por toda a natureza sertaneja que está morrendo. O modo

como Vicente percebe a estrada e seu entorno evidencia seu entorno frente à

morte do sertão. Além disso, sua busca por algum “verde” simboliza a sua

esperança de que a paisagem consiga, de algum modo, sobreviver a esse

período de estiagem prolongada.

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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas

Para Yi-Fu Tuan (2012) a percepção humana de um espaço se

dá por meio de todos os sentidos e não somente com o da visão, pois a

percepção realizada com todos sentidos permite ao individuo uma sensação

mais sensível do espaço do que a feita apenas com o da visão. A percepção de

Vicente da estrada do Quixadá seria um bom exemplo dessa percepção o que o

coloca como um participante desse espaço e não um mero “espectador” como

Tuan (2012) chama o perceptor do espaço que realiza sua visão somente com

os olhos. Essa colocação de Tuan (2012) vem ao encontro do que afirma Collot

(2012) ao dizer que o sujeito está englobado pelo espaço no processo de

percepção do espaço e constituição da paisagem.

À Conceição figura a paisagem do campo de concentração. O campo de

concentração nada mais era do que um local para onde iam as pessoas que

chegavam à cidade em busca de melhores condições de vida fugindo da seca.

Quando transpôs o portão do Campo, e se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia! Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros. Uns debaixo dum cajueiro, estirados no chão, quase nus, conversavam. Outros, absolutamente ao tempo, apenas com a vaga proteção de uma parede de latas velhas, rodeavam um tocador de viola, um cego, que cantava numa melopeia cansada e triste: [...] Uma velha, mais longe, sentada nuns tijolos, fazia com que uma caboclinha muito magra e esmolambada lhe catasse os cabelos encerados de sujeira. (QUEIROZ, 2016, p. 66-67)

A descrição acima mostra um local divido marcando a separação social

entre Conceição e os retirantes. Isso é simbolizado pela “cerca de arame” que

se colocava entre a personagem e o ambiente.

Se o sentimento de Vicente pelo sertão do Quixadá era “topofílico” e

sofrido pelo efeito da seca, o de Conceição sobre o campo de concentração

mostra-se mais apiedado e preocupado com a situação de miséria e abandono

no qual se encontravam o local e as pessoas que ali estavam.

O primeiro sentido evocado pela normalista além do da visão é o olfato

“que mau cheiro se sentia”, o que a faz se afastar do campo em busca de ar

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puro. O segundo seria o do tato, marcado pelos “cabelos encerados de

sujeira” dos miseráveis. A sensação da sujeira e a oleosidade misturada com a

poeira levantada pelo tempo seco causam repulsa na protagonista.

A vista de Conceição capta toda a miséria e todo o sofrimento dos

retirantes jogados “quase nus” “absolutamente ao tempo”, sendo suas moradias

“disseminadas ao acaso”, marcando a situação de total e miséria e grave

abandono em que se encontravam. O afastamento de Conceição em busca de

ar puro, longe do “mau cheiro” e da miséria sufocante do campo de concentração

proporciona a ela uma visão privilegiada desse espaço. Sua percepção dessa

paisagem acaba por contribuir para mostrar o olhar crítico e denunciador de

Rachel sobre a realidade que os menos favorecidos enfrentam no sertão

nordestino.

O que se mostra mais interessante é que ao final da seca, com a chegada

da chuva, a paisagem física do sertão representada por Rachel de Queiroz

consegue obter uma boa recuperação restando pequenas marcas/cicatrizes.

Essas marcas/cicatrizes na paisagem física do romance acabam por simbolizar

a miséria social do local que não é solucionada pela chegada da chuva. A chuva

resolve somente o problema da seca, mas não o da miséria.

De acordo com Landim (1992), no romance de Queiroz o que existe é a

miséria, pois até mesmo os donos das terras sofrem com os malefícios da seca

e não somente os empregados: “Nele (em O Quinze) só predomina a miséria.

[...] Em O Quinze, p. ex., até mesmo os proprietários rurais que o habitam sofrem,

tanto quanto seus agregados, a catástrofe da seca.” (LANDIM, 1992.p. 110).

Ao se comparar a situação de D. Marocas e Vicente, os dois senhores de

terra que Landim (1992) cita como exemplo, e a família de Chico Bento, que

figura como “agregado”, percebe-se que a seca atinge, como afirma o autor, a

ambos os grupos, mas os efeitos são menos intensos nos representantes da

classe dominante. Segundo Landim (1992) residiria aí a principal crítica social

do texto de Rachel de Queiroz, a negligencia do poder público perante o

desfalecimento da população, principalmente a menos favorecida, perante os

males trazidos pela estiagem.

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Considerações finais

A crítica social e política feita por Rachel de Queiroz no seu romance pode

ser sentida na forma como ela compõe a paisagem. Vicente olha para esse

sertão preocupado com a ausência de chuvas, buscando qualquer resistência

da natureza. Conceição olha para o campo de concentração perplexa com a

miséria que presencia diariamente ali.

Talvez uma das críticas mais ferrenhas do romance aconteça quando o

período de estiagem acaba e o olhar volta-se para a natureza, mas apenas para

a natureza, não se fala mais das personagens que mais sofreram durante esse

período, a família de Chico Bento, uma crítica à indiferença com que os mais

pobres eram tratados.

REFERÊNCIAS

ARRIGUCCI JR, Davi. O sertão em surdina. In.: QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 105. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. p. 175-190. COLLOT, Michel. Desfigurações. In.: ______. Poética e Filosofia da Paisagem. Michel Collot; tradução: Ida Alves... [et al.]. – 1 Ed. Rio de Janeiro: Editora Oficina Raquel, 2013, p. 146 – 165. ______ . Pontos de vista sobre a percepção de paisagens. In. Negreiros, Carmem. Literatura e Paisagem em diálogo/ Carmem Negreiros; Masé Lemos; Ida Alves. - Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2012. LANDIM, Teoberto. Seca; a estação do inferno. Fortaleza, UFC/Casa José de Alencar, 1992. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 105. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Tradução: Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2012.

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RESISTÊNCIA E CIDADE NA OESIA LÍTERO-MUSICAL DE BACO EXU DO BLUES

Wendel Dantas Lima1 Maria Das G. M. Correia2

INTRODUÇÃO

O trabalho Resistência e cidade na obra lítero-musical de Baco Exu do

Blues reflete sobre os modos como estão representados os conflitos e os meios

de resistência social no espaço urbano contemporâneo, a partir da análise da

canção Intro, constante no disco Esú (2017), do compositor e músico baiano

Diogo Moncorvo (Baco Exu do Blues). A análise recai sobre as relações

hierárquicas no espaço da cidade, onde transparecem o preconceito e a

discriminação como catalisadores de mudanças psicossociais no eu lírico. Em

tela, o artigo toma propostas da topoanálise de Ozíris Borges Filho (2008).

Assim, o trabalho foca nas estratégias discursivas do poeta estudado, visando a

compreender como o eu lírico se constitui enquanto voz de personas sociais

dentro da perspectiva do “espaço realista” da geografia contemporânea nas

cidades, sobretudo do locus de produção do artista, que é a cidade de Salvador,

capital da Bahia.

Em compreensão histórica, a noção de espaço urbano comporta diversas

definições, dentre as quais, a primordial é feita por Aristóteles cerca de 350 anos

antes de Cristo; o filósofo grego propõe que o espaço geográfico como um todo

é a zona na qual se situam os corpos. Na atualidade, por sua vez, Milton Santos

(1979) define o espaço citadino como fruto das produções humanas, por meio

de leis tradicionalmente determinadas, fundamentando-se em relações de

conflitos sociais entre classes. Santos ultrapassa o parecer de espaço apenas

como limiar do ramo geográfico ecológico, abrangendo, assim, a totalidade de

questões sociais e suas relações para com o ambiente. Com o propósito de

estabelecer o espaço como produtor da Formação Econômica Social que, por

1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 2 Docente EBTT do Curso de Eletromecânica do IFBA campus Santo Amaro, coordenadora geral do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];

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sua vez, engloba aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais

afirma, paradoxalmente, que o meio é reflexo da inter-relação entre tais

aspectos, sugerindo que:

O espaço reproduz a totalidade social, na medida em que essas transformações são determinadas por necessidade sociais, econômicas e políticas. Assim o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos. Mas o espaço influencia também a evolução de outras estruturas , por isso, torna-se componente fundamental da totalidade social e de seus movimentos (SANTOS, M. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979)

A obra de Baco Exu do Blues chega ao público por meio do rap, gênero

musical que historicamente exerce contundentes críticas ao status quo instituído:

destoa da ideia de que o modelo de sociedade burguesa, branca e cristã é a

principal referência sócio histórica do Brasil. O rap origina-se como música de

protesto em decorrência das condições de inferioridade impostas a determinado

grupo pela hierarquização de raças e classes dentro do espaço urbano. As

composições analisadas refletem a natureza do rap ligada à religiosidade afro-

brasileira, evidenciando posição de revolta e denuncia frente a situações de

distrato que inferioriza a cultura e religião de matriz africana. Nestes termos, o

artigo Resistência e cidade na obra lítero-musical de Baco Exu do Blues investiga

o espaço urbano representado como palco de conflitos determinado por ações

de atores sociais de classes e etnias distintas. Para tanto, toma o espaço urbano

como produtor de relações socioeconômicas, sendo empregado como

mecanismo político e ideológico, culturalmente produzido e remodelado pela

ação destes grupos. O trabalho foca ainda a representação histórica de aspectos

da religiosidade africana, buscando apreender o protagonismo do espaço como

influenciador e proporcionador de disputas de campos discursivos que se

instituem na cidade de Salvador. Tais proposições são fundamentais na

constituição da voz lírica que formatam as canções do Cd analisadas nesta

pesquisa.

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RESULTADOS E DISCUSSÃO:

A canção intitulada Intro é a primeira faixa do disco Esú(2017) do cantor

e compositor baiano Diogo Moncorvo que usa o pseudônimo Baco Exu do Blues.

De um modo geral, o álbum evidencia a dualidade psíquica da metamorfose

sociocultural sofrida pelo eu lírico durante a Ode, utilizando-a como atributo de

exposição e denúncia para as condições de subsistência do povo negro dentro

do espaço citadino.

Baco Exu do Blues, em todas as canções do álbum, se remete a suas

raízes africanas. Para tanto exalta a cultura afro-descendente como matriz de

sua obra, fato comprovado logo na primeira faixa, onde, com intuito de evidenciar

a descendência africana como natureza primordial de suas canções, proveniente

de ritmos africanos singulares presentificados no Brasil, a canção Intro é

apresenta como prelúdio citação retirada do disco/documentário Obaluayê, da

Orquestra Afro-Brasileira (1957), obra que, desde meados do século passado,

busca ressaltar a contribuição afro-brasileira na produção musical, conforme

destaca:

Este ritmo binário Que é o alicerce principal de quase todos ritmos Da canção popular do Brasil Veio importado de longe Das placas ardentes da África Onde o sol queimou a pele dos homens Até carboniza-la em negro, negro, negro O compasso tão simples que reproduz em tom grave As batidas do próprio coração Atravessou o Atlântico sob a bandeira dos navios negreiros Servindo para marcar o andamento de melopeias Que vinham dos porões em vozes gemidas e magoadas (Orquestra Afro-Brasileira - Obaluayê!. 1957)

A contribuição da cultura africana na música é ressaltada a partir da

inclusão de referências a religiosidade afro-brasileira a partir da ideia de criação

pela lama, relacionada ao orixá Nanã, que segundo babalorixá Renato de Oxossi

(2017), é a mãe de todos do Orixás do Orum, detentora de os mistérios do

mundo, em dualidade com o sentido de existência precária do indivíduo negro

no espaço urbano contemporâneo. Faz referência à vida como algo subjetivo ao

meio em que o eu lírico está inserido e corporifica a ancestralidade gloriosa da

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criação divina, para a qual, em contrapartida, atribui semanticamente a

situações de subsistência vivenciadas pelo seu povo (os negros). Questiona a

presença do negro no ambiente sócio geográfico da cidade, onde se instituiu a

vida e a morte da população negra, como é sinalizado nos últimos versos da

estrofe:

Somos argila do divino mangue Suor e sangue Carne e agonia Sangue quente, noite fria A matéria é escrava do ser livre A questão não é se estamos vivos É quem vive (Intro-Esú, Baco exu do Blues)

Posteriormente, o sujeito lírico, em perspectiva de denúncia, representa o

descaso a que historicamente foi relegado os negros no ambiente gregário

urbano. Nesta direção, aponta o confinamento geográfico do espaço onde,

tradicionalmente, os negros são massa de manobra para obtenção dos meios de

produção do espaço, alimentando a caracterização do preconceito impregnado

nas mais diversas camadas sociais. Ao fazer referência a obras culturais de

diferentes aspectos em um mesmo plano de espaço, a voz lírica assinala

princípios de metamorfose psíquica como decorrência da conjuntura sócio

espacial. Atrelado a isso, na canção é apresentada a interpretação do homem

negro perante o processo de exclusão em torno da perspectiva espacial,

relacionando-os com a ideia de morte do indivíduo negro, gerada por

características provenientes do cenário de periferização dos guetos na cidade

de Salvador. Esta organização desigual da cidade, segundo Vitor Longo (2013),

é um dos fatores que torna Salvador uma das capitais mais violentas para jovens

negros. Estes espaços são reservados aos grupos economicamente

desfavorecidos, prioritariamente compostos por negros que experienciam

situações de violência e extermínio.

Capitães de areia não sentem medo de nada E essa altura do enredo A Asa Branca dança no lago do Cisne Negro Pretos de terno sem ser no emprego Meus pretos de terno em festas que não sejam enterros Meu fim é doloso

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Jovem preso num espírito idoso (Intro-Esú, Baco exu do Blues)

O eu lírico assume a voz representativa de seus semelhantes em relação

às implicações adversas do espaço, tomando posto de situações de conflito

entre classes pelo espaço físico urbano. Cita citado os “capitães da areia” como

referência à luta por espaço que meninos de rua travam na Salvador

ficcionalizada por Jorge Amado na obra intitulada Capitães da areia (1937). A

remissão ao romance pode ser entendida como um meio de sinalizar ao ouvinte

que em quase um século houve pouca transformação e os conflitos continuam.

A parte final da música Intro tem o núcleo voltado às mudanças psicossociais do

eu poético, tal fato é demarcado pelo banho de mar atitude que, no imaginário

cultural afro-brasileiro, representa purificação e prece por proteção a Iemanjá,

Orixá consagrada ao espaço marinho. A partir de então, a personificação do eu

lírico se altera, mostrando como consequência a purificação necessária para o

ritual para incorporação do Orixá. Desta maneira, o eu lírico sofre metamorfose

crucial para posicionar-se no espaço urbano: deixa de ser o “Diogo” e se torna

“Exú” (Esú, Eshu, Bará, Ibarabo, Legbá, Elegbara). Tal entidade, para a tradição

religiosa afro-brasileira representa o movimento da evolução, a verdade e o

dinamismo. É responsável por fazer a interlocução entre o Orun (mundo dos

orixás) e o Aiye (mundo dos humanos), abrindo caminho para outros orixás

acessarem o Aiyê e para os homens fazerem suas preces aos orixás. Além de

interlocutor, Exú é o mediador entre orixás e homens.

Em sua poética, Baco constitui um eu lírico que se atribui o papel de

tradutor cultural entre classes sociais distintas que, tradicionalmente, nutrem

relações de conflito no ponto de vista da Formação Econômica Social. Assim, o

eu lírico representa uma tradição sócio religiosa desfavorecida, submetida à

segregação espacial e cultural, que alcança a ascensão através da

profissionalização como músico, ao qual – por sua vez – está reservado

determinado espaço discursivo na cena cultural da cidade. Assim, por meio de

sua voz performatizada em poemas-canção, seu método de expressão

representa, como referência tópica, o nascer do sol no espaço citadino do bairro

do Rio Vermelho situado na cidade de Salvador, local onde é realizado, em 2 de

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fevereiro, a festa de Yemanjá. A festa e os louvores aos orixás

demarcam a ideia de esperança para seus semelhantes, os negros que

mantiveram as tradições religiosas africanas no Brasil. Declara-se a gratificação

e prazer do sujeito poético por assumir o papel social, em dualidade à pressão

causada pela expectativa criada sobre o indivíduo, ao arrogar-se de tal função,

sendo cobrado por atitudes de herói em diversos sentidos, lhe causando uma

série de transtornos e vícios.

Ao fim, o eu lírico busca a concepção das consequências de seus atos

dentro do espaço, com o intuito de evidenciar as situações vividas nas periferias

de Salvador. Mesmo quando ocupa outros espaços geográficos e discursivos, é

perceptível a preocupação do eu lírico com as questões de representatividade

do espaço social e cultural do negro na estrutura sócio econômica do espaço

citadino. O sujeito lírico se vê a partir da expectativa formada sobre o seu papel

de representatividade. Demonstra aspectos depressivos em decorrência da

expectação sobre seus atos, restando apenas refugiar-se da realidade, na

resistência através do esforço de suas atitudes enquanto interlocutor cultural, de

representante do dinamismo social da ascensão do negro dentro das

perspectivas conflituosas do espaço urbano. Tal consentimento é perceptível na

análise da última estrofe da canção:

Medroso, me jogo no mar Aquário de Iemanjá O sol nasce no Rio Vermelho Me olho no espelho embriagado De volta ao centro A poesia habita o trago Observo o estrago do silêncio A boêmia em seu maldito vício Parei no precipício do último maço Último abraço Minha imaginação, meu asilo Sabendo que melhor que sentir o beijo É a sensação antes de senti-lo Senti Exu, virei Exu Esse é o universo no seu último cochilo (Intro-Esú, Baco exu do Blues)

A escrita de Baco na composição das canções selecionadas busca o

entendimento conforme Roland Barthes no livro intitulado Aula (1978) que “A

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344 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272

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literatura é uma re[a]presentação do real”, uma vez que o processo de

transição sócio psíquica representada no personagem lírico, foi no espaço

realista atribuída ao próprio Diogo Moncorvo, após sua elevação musical

proveniente do impacto ideológico da participação, junto ao rapper

pernambucano Diomedes Chinaski, na música “Sulicidio (2016)”. Na canção,

Baco utiliza o escárnio para fazer sérias críticas ao cenário da produção e

consumo musical, assim como a toda conjuntura de negação do espaço aos

jovens compositores nordestinos. Na canção, ressalta com o reconhecimento

musical no Brasil depende da localização socioespacial, “Sulicidio não é um

ataque, é um grito” (Baco Exu do Blues, 2016). A faixa em questão projetou Baco

ao patamar de “herói do rap nordestino, do rap de preto” o que,

consequentemente, elevou o nível de expectativa sobre seu trabalho musical,

potencializado, ainda mais, pela sua participação no projeto musical “Poetas no

topo (2017)”.

CONCLUSÃO

O espaço, enquanto estrutura literária, comporta diversas definições.

Baco Exú do Blues utiliza em sua ode atributos que qualificam o ambiente

poético como espaço realista, descrito por Oziris Borges Filho, no artigo Espaço

e literatura: introdução à topoanálise (2008), como espaço constituído de

características que se assemelham à realidade. Assim, a partir de a análise da

composição poética do autor, perceber as estratégias discursivas que sinalizam

particularidades do espaço citadino de Salvador, como gerador de conflitos entre

classes, nos mais diversos âmbitos, proporcionando o enredo literário como

representação da realidade.

Resistência e cidade na obra lítero-musical de Baco Exu do Blues aponta

perspectiva do estudo das especificações do espaço e religiosidade africana, na

obra do autor em questão, foi analisada, primeiramente, a canção Intro, e

posteriormente é pretendido o estudo das demais composições presentes no

Disco Esú, para melhor entendimento da constituição dos conflitos citadinos

provenientes das relações de classes dentro do espaço realista por meio da obra

litero-musical de Baco Exu do Blues.

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REFERÊNCIAS

BORGES FILHO, O. Espaço e Literatura: introdução à topoanálise. XI Congresso Internacional da ABRALIC, São Paulo, p. 1-7, Jul, 2008. Disponível em <http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf>Acesso em: 14.out.2017. SANTOS, M. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979. SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985. SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1982. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.

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CABRUCA E CACAU: A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO ROMANESCO EM

HÉLIO PÓLVORA

Yasmin Santos Lopes68 Maria das Graças Meirelles Correia69

RESUMO

O presente artigo Cabruca e cacau: a construção do espaço romanesco em Hélio Pólvora objetiva analisar o ambiente retratado pela voz do personagem Jonas no romance Inúteis Luas Obscenas (Casarão do verbo,2010), do escritor baiano Hélio Pólvora (1928). A proposta de usar elementos do cotidiano como temática para a produção literária, no Brasil, é contemplada durante o século XX. Na Bahia, surgem narrativas que descrevem a realidade social e política da região cacaueira. Este tipo de literatura foi categorizado como “literatura do cacau” e tem como expoentes Jorge Amado, Adonias Filho e Hélio Pólvora, classificados como regionalistas devido às respectivas obras em que destacam o contexto produtivo do cacau no sul da Bahia. Assim, tomado um dos romances de Pólvora, pretende-se estudar a construção do espaço na literatura do cacau. No romance existem quatro personagens/narradores, Celina, Regina, o Surdo e Jonas. O último, como os outros, narra o enredo a partir do seu ponto de vista e estado psicológico. Deste modo, compreende-se que a obra é composta por uma multiplicidade de vozes denominada, por Bakhtin, como polifonia, daí, este artigo, parte deste pressuposto teórico para

68 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea e-mail:[email protected]; 69 Docente EBTT, IFBA campus Santo Amaro, coordenadora geral do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];

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analisar a composição do espaço romanesco. Para tanto, selecionou-se o personagem Jonas, cuja construção discursiva caracteriza o espaço da produção do cacau principalmente ao descrever a trajetória de vida de seu pai, o Surdo, que se deslocou de São Cristovam para o sul da Bahia depois de ouvir falar da riqueza do cacau. Ao se considerar o espaço, segundo a perspectiva de Borges (2008), é possível elencar duas categorias: define-se cenário como o espaço criado e habitado pelo homem por meio da cultura; já por Natureza, entende-se espaços que não sofreram interferência humana. Portanto, pretende-se estudar a constituição do espaço observando as ações entre personagens e o próprio espaço, destacando a presença do personagem Jonas. Palavras –chaves: literatura do cacau; espaço; análise da narrativa; Hélio Pólvora; polifonia. ABSTRACT This article aims to analyze the environment portrayed by the voice of the character Jonas in the novel Inúteis Luas Obscenas (Casarão do verb, 2010), by the Bahia writer Hélio Pólvora (1928). The proposal to use everyday elements as thematic for literary production in Brazil is contemplated during the twentieth century. In Bahia, narratives emerge that describe the social and political reality of the cacao region. This type of literature was categorized as "cocoa literature" and has as exponent Jorge Amado, Adonias Filho and Hélio Pólvora, classified as regionalists due to the respective works in which they highlight the productive context of cacao in the south of Bahia. Thus, taking one of Powder's novels, we intend to study the construction of space in the literature of cacao. In the novel there are four characters / narrators, Celina, Regina, the Deaf and Jonas. The latter, like the others, narrates the plot from his point of view and psychological state. In this way, it is understood that the work is composed of a multiplicity of voices called, by Bakhtin, as polyphony, hence, this article, part of this theoretical presupposition to analyze the composition of the romanesque space. For that, the character Jonas was chosen, whose

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discursive construction characterizes the space of cocoa production mainly when describing the life trajectory of his father, the Surdo, who moved from São Cristovam to the south of Bahia after hearing about the wealth of cocoa. When considering space, according to the perspective of Borges (2008), it is possible to list two categories: a scenario is defined as the space created and inhabited by man through culture; already by Nature, are spaces that have not suffered human interference. Therefore, it is intended to study the constitution of space observing the actions between characters and the space itself, highlighting the presence of the character Jonas. Keywords: cocoa literature; space; narrative analysis; HélioPólvora; polyphony.

Desbravando a mata

O cacau foi responsável por inovações,

prosperidades e problemas na sociedade do sul da Bahia.

O imbricamento dessas questões resulta no que se pode

entender como cultura cacaueira. No final do século XIX e

início do XX se difundiu e desenvolveu a lavoura do cacau

na região. Com a prosperidade da lavoura, a região foi vista

como extremamente favorável, sendo o cacau comparado

ao ouro, já que essa riqueza inovou e sustentou fazendas

e cidades, além de atrair milhares de pessoas em busca de

uma vida melhor, especialmente no estado de Sergipe,

como relata ROCHA, (2008) “Anualmente, milhares de

pessoas chegavam de várias partes do país,

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principalmente de Sergipe, atraídos pela fama de

riqueza atribuída à árvore dos frutos de ouro”.

Os cenários do sul da Bahia, encenados pela cultura

cacaueira, nos idos da década de 1940, passam a

tematizar romances. O gênero literário romance surgiu no

início do século XVII com o foco temático na classe

burguesa, mas, com a revolução industrial, foi propagado

para a classe proletária, as quais passam a também ser

tema do gênero em finais do século XIX. No Brasil, no

começo do século XX, os romances realizam uma pesquisa

sobre o indivíduo abordando como tema a vida privada e

doméstica. Na Bahia, autores que viveram na região sul do

estado começam a construir narrativas que reproduzem a

estrutura histórica, os conflitos e a realidade sociopolítica

de cidadãos formados pela economia do cacau. Estes

textos ficcionais passam a ser denominados ‘literatura do

cacau’. Dentre tais nomes, está Adonias Filho destacando

o romance Corpo Vivo e Jorge Amado com São Jorge de

Ilhéus, Terras do sem fim, dentre outras grandes obras.

Mais recentemente, Hélio Pólvora insere-se nesta cena

com narrativas como “O menino do cacau” (Antares,1975)

e “Inúteis Luas Obscenas” (Casarão do Verbo, 2010).

Ambos os texto são ambientados no interior da Bahia,

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exatamente representando a produção cacaueira

do estado. Estes textos têm relevância significativa na

literatura brasileira, pois textos e autores apontam

inclinação histórica inseparável do contexto das relações

de produção local.

Pólvora, dessa maneira, constrói no romance um

espaço que resgata elementos regionais e os insere numa

tradição literária já solidificada no Brasil desde a segunda

geração do modernismo. Inúteis Luas Obscenas (Casarão

do Verbo, 2010) contém elementos inusitados que chamam

a atenção do leitor. O romance é constituído por quatro

personagens principais Regina, Jonas, O Surdo e Celina

que narram o enredo e interagem entre si, com as

percepções e estados psicológicos, o que BAKHTIN (2008)

denomina por polifonia. O Surdo está inserido no espaço

referente a zona do cacau, no entanto, acaba vivendo e

sustentando seus dois filhos como carpinteiro. A trajetória

deste personagem é descrita por Jonas, o primogênito, por

isso os trechos do enredo que envolvem este personagem

é o foco deste estudo. Para analisar a elaboração do

espaço representativo da zona do cacau, é preciso elucidar

alguns conceitos que nortearam a pesquisa. Espaço é

definido por Borges (2008) como tudo o que constitui uma

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obra literária “como tamanho, forma, objetos e suas

relações”. Esse espaço é formado por cenário e natureza,

nos quais são ambientados as vivências dos personagens.

Borges conceitua natureza como espaço que não sofreu

interferência humana como rios e florestas; já cenários são

espaços que sofreram modificações realizadas pelo

homem, este o habita com suas crenças, costumes,

hábitos, enfim, aspectos culturais que permeiam campos

como a lei, a moral e a arte.

Portanto, o presente artigo pretende refletir sobre a

constituição do espaço observando as ações entre

personagens e o próprio espaço, bem como a inclusão

deles na cultura do cacau em Inúteis Luas Obscenas

(Casarão do Verbo, 2010), de Hélio Pólvora. Para tanto,

destaca a narrativa de um dos personagens, analisando

como se insere e interfere no ambiente. Para elaborar esse

artigo foi preciso ler a referida obra e selecionar trechos

específicos para compor o corpus. Por sua vez, para

analisar o romance, foi preciso procurar ler e discutir artigos

teóricos sobre a estruturação do espaço na obra.

A mata dourada

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O romance Inúteis Luas Obscenas,

publicado pela editora Casarão do verbo em 2010, é

constituído por um artifício denominado polifonia por

BAKTHIN, que se caracteriza por um enredo narrado pelas

vozes de seus protagonistas, Regina, Jonas, Celina e o

Surdo, que adquirem identidade durante o percurso. A

polifonia pode ser entendida como “a multiplicidade de

vozes equipolentes, as quais expressam diferentes pontos

de vista acerca de um mesmo assunto” (BAKHTIN, 2008,

p. 38-9). Conforme estas bases teóricas, foi possível

compreender a organicidade narrativa do romance que se

inicia com a voz da Regina. Regina é uma mulher de

quarenta anos que nunca se casou e mora com o pai, a

quem, no começo da narrativa, revela considerar um

homem de “respeito”, no entanto, após a interação do

Surdo com Celina, ela inverte suas opiniões. Jonas sofre

por um amor proibido pela filha do Coronel Castro Guerra,

Celina, e enfrenta as objeções para perdurar esse

romance.

O enredo evidencia as interações desses

personagens, mas a obra focaliza no Surdo, personagem

apresentado formalmente como José da Costa Guimarães.

O protagonista possui dois filhos, Regina e Jonas, mora em

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Itabuna e trabalha como carpinteiro, nas primeiras

linhas do romance, ocorre uma caracterização do espaço

físico da ação, em que Regina descreve a casa do Surdo,

como pode ser visto no trecho a seguir: “[...] Da casa de

tijolo vermelho, no alto, com uma escada de cinco degraus

de madeira, desce um caminho que contorna

prudentemente uma cajazeira [...]”. (PÓLVORA, p.11)

Jonas divide a narrativa entre sua relação amorosa

com Celina e o processo de descrever o percurso do Surdo

que se deslocou de São Cristovão, cidade onde nasceu,

para o sul da Bahia, cobiçando a riqueza do cacau.

Conforme o trecho abaixo:

[...] De São Cristóvão, Sergipe, depois de ouvir falar nas riquezas do cacau,largou-se, um dia,pro sul baiano, a pé, com o primo Francisco,porque tinham muito pouco dinheiro que desejavam poupar pros primeiros meses na terra estranha. Plataforma, Feira de Santana, Jequié, Itabuna [...]. (PÓLVORA, p. 19)

O personagem descreve o itinerário percorrido pelo

Surdo que se deslocou de Sergipe e se fixou em Itabuna,

conforme destacado. O Surdo, por possuir recursos

limitados, durante o trajeto passa por muitas dificuldades

para se transportar, dormir e se alimentar:

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[...] meses de andança durante o dia, albergue durante noites qualquer lugar que desse pouso, ou, então, no mato [...] [...] No embornal, a farinha que iam renovando pela estrada, nas feiras, a rapadura que ajuda a matar a fome [...] (PÓLVORA, p.19).

Esses aspectos estão presentes na “literatura do

cacau”, pois refletem a realidade vivida pelos imigrantes de

várias regiões, que se deslocaram para o sul baiano

aspirando uma vida de riquezas oferecida pelo cacau. No

entanto, as dificuldades econômicas impediam-no de

chegar ao destino final. Como o Surdo, os de poucas

posses, ficavam pelo caminho e trabalhavam com o que

fosse oferecido para sobreviverem. O personagem,

diferente do primo que possuíam mais recurso financeiro e

conseguiu comprar um pedaço de terra, fixou-se em

Itabuna, mandou buscar seus filhos e, para subsistir e criá-

los, começou a trabalhar como carpinteiro:

Destinos diferentes, os de José da Costa Guimarães e Francisco Guimarães Rocha. Este levava mais dinheiro, conseguiu comprar uma posse e plantar cacau. O Surdo dissipou logo seus possuídos, porque mandou buscar os dois filhos em garupa de caminhão, e

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sobreviveu como carpina. (PÓLVORA, p. 20).

Os aspectos sociais, políticos e econômicos

vivenciados na trajetória do Surdo e em trechos da obra

auxiliam na construção do espaço dentro desse tipo de

literatura. Para construir o espaço na estrutura romanesca,

é preciso associar a Natureza ao Cenário. Assim, o

primeiro é visualizado na obra quando o fruto alvo da

procura do Surdo e dos seus condiscípulos, o cacau, antes

da intromissão humana, era mais uma planta como tantas

outras da mata atlântica e existia independente das

atividades do homem. Jonas descreve no trecho baixo,

como transcorreria esta geração natural:

[...] os juparás que comem cacau e depois expelem caroços inteiros, de mistura com os seus excrementos - e assim a natureza se recompõe, das sementes espalhadas ao capricho pelos macacos surgem árvores. [...]. (PÓLVORA, p.107-108).

No entanto, a condição natural é modificada quando

ocorre a introdução da cultura do cacau, construindo o

cenário. O fruto passa a ser plantado na Bahia há mais de

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200 anos e se torna um dos maiores produtores de

cacau do Brasil, cujas plantações se concentram no sul

baiano.

Para instaurar a cultura do cacau, foi modificado

esse sistema natural de cultivo e instalado um novo

sistema sob a interferência do homem. Uma das técnicas

utilizadas é a cabruca. Tal método consiste em manter as

árvores mais altas para sombrear o cacau, já que o fruto

não suporta exposição solar e retirar o conjunto arbóreo

mais baixo que cedem espaço aos cacaueiros, os quais,

dentro de cinco anos, floresciam e frutificavam. O surdo e

os milhares de imigrantes ansiavam por pedaços de terra

nessa região para habitar e fazer modificações para o

plantio.

Pela perspectiva de BORGES (2008) já

apresentada, a construção do espaço romanesco perpassa

a descrição do cenário. Jonas, em um trecho do romance,

evidencia que uma perspectiva de futuro seria um pedaço

de terra para plantar o cacau:

[...] Eu já estava pensando em fugir para Camacã. Rosendo tinha me falado num pedaço de terra virgem cuja posse eu podia requerer. Deitado sob o sol, nas clareiras, com Celina, eu pensava em

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Camacã: era longe, a terra pra cacau era de primeira, produzia uns cachos de banana da terra que um homem sozinho não podia mais carregar.[...]. (PÓLVORA, p.75).

Desta maneira, o plantio do cacau se torna uma

condição do homem daquela época na região; a cultura

cacaueira se integra na Natureza modificando-a e

transformando-a em cenário, resinificado, na narrativa, o

espaço da literatura do cacau. Os personagens, Surdo,

Jonas, Regina e Celina vivenciam e interferem no espaço

literário, mesmo sem condições de comprar um terreno

para plantar, o Surdo como carpina [...] Recebia

encomendas de barcaças, estábulos, casas, cancelas,

cochos de fermentação de cacau, armazéns. [...]

(PÓLVORA, p.20, 2010) instrumentos utilizados na

produção do cacau e os recursos naturais auxiliam nesse

processo de interferência humana [...] O Surdo só leva a

palma às vezes porque vai buscar ciência nos almanaques,

lê horóscopos, sabe o mês e o dia propício a determinados

plantios, segundo o curso da lua. [...] (PÓLVORA,2010,

p.21)

Assim, como foi estudado, o cacau – elemento

natural – torna-se uma cultura nessa região; a cabruca,

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forma de conhecimento; surgem hábitos; nascem

leis geradas e mantidas pelos coronéis. Esta interação do

Natural com o Cenário pode ser lida na obra e no trecho

abaixo, onde percebe-se a construção sociocultural de um

elemento antes pertencente ao plano da natureza, o cacau.

[...] O cacau está sempre a olhar pro céu, a estudar mudanças de ventos e de umidade, trânsito de nuvens ou funduras de um azul que chega a doer na vista. Estende pra cima seus braços, o cacaueiro, e suplica talvez reze. Precisa de chuva pra espocar em flores arroxeadas, apressara polinização pelas moscas e arrebentar, por fim, em frutos minúsculos [...]. (PÓLVORA, p. 25).

A colheita do cacau

Este artigo mostrou como no romance Inúteis Luas

Obscenas (Casarão do Verbo, 2010), Pólvora utiliza da

descrição de espaços reais e da cultura do cacau –

recorrendo a multiplicidade de vozes narrativas

instauradas por polifonia – para representar literariamente

a região cacaueira da Bahia. Foram destacados trechos

narrativos de Jonas quando explora o itinerário do Surdo

que se desloca de Sergipe para Itabuna em busca do fruto

dourado mostrando como os aspectos sociais, políticos e

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econômicos vivenciados pelo personagem, se

assemelha aos milhares de imigrantes deste período,

caracterizando a cultura cacaueira. Para compreender

teoricamente as estratégias narrativas, foi discutida a

formação espacial a partir das conceituações de Natureza

e Cenário, dispostas por Borges Filho (2008). Assim, fica

patente que as árvores de cacau, antes nascidas sem

interferência do homem constituindo a Natureza, ao ser

estabelecida a cultura do cacau, constitui-se em cenário,

formando, então, um espaço dentro dessa literatura, que é

vivida pelos personagens da obra.

Referências

PÓLVORA, H. Inúteis Luas Obscenas. 1ª edição. São Paulo. Casarão do Verbo, 2010. CARDOSO, J. B. Literatura do cacau: ficção, ideologia e realidade em Adonias Filho, Euclides Neto, James Amado e Jorge Amado. Ilhéus. Editus, 2006. ROCHA, L. B. A região cacaueira da Bahia – dos coronéis à vassoura-de-bruxa: Saga, percepção, representação. Ilhéus. Editus, 2008. FILHO, O.B. Espaço e Literatura: introdução à topoanálise. XI Congresso Internacional da ABRALIC, São Paulo, p. 1-7, Jul, 2008. Disponível em <http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/

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simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf>Acesso em: 14.out.2017. MARCUZZO, P. Diálogo inconcluso: os conceitos de dialogismo e polifoniana obra de Mikhail Bakhtin. Cadernos do Il, Porto Alegre, p. 1-9, jun, 2008. Disponível em:< http://seer.ufrgs.br/cadernosdoil/article/view/18908 >. Acesso em: 10 out. 2017.