V JOEEL
Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272 Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
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REALIZAÇÃO: TOPUS - Grupo de Pesquisa sobre Espaço, Literatura e outras Artes
Instituições Promotoras Colégio Pedro II Universidade Federal do Triângulo Mineiro Dados Internacionais de Catalogação na Publicação na (CIP)
V JOEEL - Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas (2017: Rio de Janeiro, RJ) Caderno de resumos do V JOEEL - Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas, 29 a 30 de novembro de 2017 / organizado por MARQUES, Jorge: Rio de Janeiro, RJ: PROPGPEC: Colégio Pedro II. 2017. 220 p.
ISSN – 2319-0272
1. Estudos literários – V JOEEL. Jornada Internacional
de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e
outras manifestações artísticas. MARQUES, Jorge.
COMISSÃO ORGANIZADORA Adriana Armony (Colégio Pedro II) Eliane Mello (Colégio Pedro II) Jorge Marques (Colégio Pedro II) Juliana Berlim (Colégio Pedro II) Marta Rodrigues (Colégio Pedro II) Luiz Guilherme Barbosa (Colégio Pedro II) Márcio Hilário (Colégio Pedro II) Oziris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) Rosângela Abrahão de Castro (Colégio Pedro II) Sílvia Barros (Colégio Pedro II)
COMISSÃO CIENTÍFICA Alexander Meireles da Silva (Universidade Federal de Goiás - Campus de Catalão) Ana Maria Costa Lopes (ESEV – Instituto Politécnico de Viseu) Carlos André Pinheiro (Universidade Federal do Piauí) Fernando Alexandre Lopes (ESEV – Instituto Politécnico de Viseu) Jorge Luiz Marques de Moraes (Colégio Pedro II - Rio de Janeiro) Luciana Moura Collucci de Camargo (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) Maria Imaculada Cavalcante (Universidade Federal de Goiás - Campus de Catalão) Marisa Martins Gama-Khalil (Universidade Federal de Uberlândia) Ozíris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) Sidney Barbosa (Universidade de Brasília)
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PROGRAMAÇÃO GERAL
Colégio Pedro II / Campus Centro / Salão Nobre 29 de novembro – quarta-feira
HORA EVENTO LOCAL
9h Credenciamento Salão nobre
9h30 Abertura oficial da V JOEEL Salão nobre
10h30
CONFERÊNCIA DE ABERTURA:
“Lídia Jorge nos Tempos da História” Profa. Cinda Gonda (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Mediação: Prof. Oziris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro)
Salão nobre
12h às
13h30 ALMOÇO
14h às
17h30
ATIVIDADE CULTURAL: Exploração Geográfica e Literária do centro do Rio de Janeiro
Realização: ROTEIROS GEOGRÁFICOS DO RIO DE JANEIRO
Coordenação: Prof. João Baptista Ferreira de melo (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Obs.: em função da atividade vespertina, recomenda-se o uso de
protetor solar, roupas leves (excetuando-se bermuda) e tênis.
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Colégio Pedro II / Complexo São Cristóvão /Prédio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas (PROPGPEC) / 30 de novembro – quinta-feira
HORA EVENTO LOCAL
8h Comunicações Simultâneas Salas e auditórios da PROPGPEC
10h Apresentação de pôsteres
Intervalo para café
Jardim dos Flamboyants
11h
MESA REDONDA 01
“Contrato Espacial: cenário e imaginário na ficção de Lídia Jorge” Profa Maria João Simões (Universidade de Coimbra)
“Lídia Jorge e a Quadridimensionalidade do Espaço em ‘Perfume’ “Prof. Igor Rossoni (Universidade Federal da Bahia)
Mediação: Prof. André Pinheiro (Universidade Federal do Piauí)
Auditório da PROPGPEC
12h30 às
13h30 ALMOÇO
13h30
MESA REDONDA 02
“Branca de Neve às Avessas” Prof. Oziris Borges Filho (Universidade Federal do Triângulo Mineiro)
Auditório da PROPGPEC
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“Lídia Jorge: por uma poética dos objetos em ‘A Instrumentalina’ “Profa Marisa Gama-Khalil (Universidade Federal de Uberlândia)
Mediação: Prof. Fernando Lopes (Escola Superior de Educação de Viseu)
16h Lançamento de livros e café Jardim dos
Flamboyants
16h30
Comunicações Simultâneas
Salas e auditórios da PROPGPEC
Colégio Pedro II / Complexo São Cristóvão / Prédio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas (PROPGPEC) / 1º de dezembro – sexta-feira
HORA EVENTO LOCAL
8h Comunicações Simultâneas Salas e auditórios da PROPGPEC
10h Intervalo para Café Hall do Teatro
Mário Lago
10h30
MESA REDONDA 03
“Entre Homens e Pássaros: princípios da ecocrítica na narrativa curta de Lídia Jorge”
Prof. André Pinheiro (Universidade Federal do Piauí)
“O Universo Rural em Mutação em ‘A Manta do Soldado’ e
Auditório da PROPGPEC
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‘Lavoura Arcaica’ “Prof. Sidney Barbosa (Universidade de Brasília)
Mediação: Profa. Maria João Simões (Universidade de Coimbra)
12h às 13h30
ALMOÇO
13h30 Comunicações Simultâneas Salas e
auditórios da PROPGPEC
15h Intervalo para Café Hall do Teatro
Mário Lago
15h30
MESA REDONDA 04
“Espaço e Mundividência no Ensaio ‘Contrato Sentimental’, de Lídia Jorge” Prof. Fernando Lopes (Instituto Superior de Educação de Viseu)
“Espaço, Gênero e Etnia em ‘A Costa dos Murmúrios’ “Prof. Jorge Marques (Colégio Pedro II)
Mediação: Prof. Sidney Barbosa
(Universidade de Brasília)
Auditório da PROPGPEC
17h30 REUNIÃO PLENÁRIA DO GRUPO TOPUS
18h30 ENCERRAMENTO DA V JOEEL
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SESSÕES DE COMUNICAÇÃO
Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão / Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e
culturas / 30 de novembro – quinta-feira / 8h às 10h
SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES
Sessão 01
(Auditório
do andar térreo)
Mediação:
Marta Rodrigues
(CPII)
A Relação entre Espaço e Personagem
nos Documentários Santa Marta, Santo
Forte e Babilônia 2000, de Eduardo Coutinho
Rafael de Almeida Moreira (UNINCOR
/UNIS/ CAPES)
Espaços Motivacionais na Fotografia de
Sebastião Salgado: arte e realidade
Denise Marques Carneiro Neves
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)
Literatura em Interface com Fotografia,
Pintura e Ilustração: a Construção Pictural do
Espaço no Conto “A Santa De Shoneberg”, De Rubem Fonseca
Carlos Augusto Da Silva Lemos
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA -
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS IX)
Nelma Aronia Santos
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA –
PCIN)
O Espaço Em Chico Buarque: Algumas
Considerações
Moema Sarrapio Pereira
(UNIVERSIDADE
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VALE DO RIO VERDE/ APEMIG)
Revista de Antropofagia: Espaço
de Embriaguez e Revolução
Claudia Camardella Rio Doce (UFSC
/UEL)
Sessão 02
(sala 206)
Mediação:
Juliana Berlim (CPII)
A Espacialidade e o Romance Histórico
Tradicional Francês: um Esboço de
Percurso Teórico
Rosária Cristina Costa Ribeiro
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE
ALAGOAS)
A Cartografia Afetiva De Patrick Modiano em
Para Você Não Se Perder No Bairro
Ilana Goldfeld Carvalho
(PUC-RIO/ CAPES
La Isla que Soy Yo: Poética da Casa e Erotismo em Cuba
Marcella de Paula Carvalho
(Universidade do Estado do Rio de
Janeiro /PUC)
A Constituição da Monstruosidade como
Crítica Social no Espaço Ficcional de As
Portas Do Céu, De Julio Cortázar
Elton Da Silva Rodrigues
(UNIVERSIDADE FEDERAL DA SANTA
CATARINA/ CNPq)
Marco Polo e a Construção do Espaço: a Poética dos Olhos e
da Palavra em Cidades Invisiveis
Luana Raquel da Silva Coimbra
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO
GROSSO)
Sessão 03
(sala 207)
Os Espaços Construídos na História
“Chapeuzinho
Nathália de Oliveira Souza (Uemg -
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Mediação:
Luiz Guilherme Barbosa (CPII)
Vermelho” em relação ao Filme “Tainá-Uma
Aventura na Amazônia”
Unidade de Carangola/ Papq)
Sob a Perspectiva do Letramento Literário: a
Casa do Leitor
Josaine Aparecida Corsso (UFU)
Realidade Aumentada: o Espaço Literário
Infanto-Juvenil sob a Ótica Das Tdics Educacionais
Luciano Magno Rocha (UNIMES)
Leticia da Silva Zarbietti Coelho
(UEMG/ PAEx)
Diário de Leitura: um Espaço de Mediação
Josué Rodrigues Frizon (COLÉGIO FRANCISCANO
CRISTO REI – RS)
Notas por uma Poética da Ocupação: o
Poema, o Canto e o Espaço Escolar
Luiz Guilherme Ribeiro Barbosa
(COLÉGIO PEDROII)
Sessão 04
(sala 208)
Mediação:
Adriana Armony (CPII)
Marília de Dirceu - Nesta Triste Masmorra,
Duro Grilhão
Rodrigo Carvalho da Silveira (IFRJ)
Das Paisagens aos Poemas: a
Interpretação Simbólica do Espaço Paulistano por Mário de Andrade
Mario de Andrade Adriane Lima Pinho (UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL
DO RIO DE JANEIRO)
Renan Caldas Galhardo Azevedo
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(UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO)
Da Poética do Rio a Outros Espaços de
João Cabral de Melo Neto
Diogo dos Santos Souza
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE
ALAGOAS/ INSTITUTO
FEDERAL DE ALAGOAS/ CNPq)
A Casa como Espaço Afetivo na Poesia Contemporânea
Anelise De Freitas
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ
DE FORA)
"Nos Mapas Eu Nunca Te Encontrava": uma
Leitura Poética da Paisagem em Ana Martins Marques
Sue Helen da Silva Vieira (Universidade Federal do Rio de
Janeiro)
Sessão 05
(Auditório do
segundo andar)
Mediação:
Dilma Mesquita
A Liricização Do Espaço como Mecanismo de
Deflagração do Insólito Ficcional em Aparição,
de Vergílio Ferreira
Marcus Vinícius Lessa de Lima
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA/
CNPq)
Lugares e Não-Lugares em Ensaio Sobre a
Cegueira
Nanci Geroldo
(CENTRO UNIVERSITÁRIO
ENIAC)
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de Lacerda (CPII)
O Alentejo como Espaço Poético em Jose Luiz Peixoto
LUCIANA DE OLIVEIRA
MANGUEIRA (UFRJ)
Livro, de José Luís Peixoto: um Romance de Deslocamentos que Refletem a Emigração e a Própria Literatura
Rosemary Gonçalo Afonso (UFRJ /
CAPES)
A Caverna: de Platão a Saramago - Buscando
Novos Espaços
Dilma Mesquita De Lacerda (COLÉGIO
PEDRO II)
Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão / Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e
Culturas / 30 de novembro – quinta-feira / 16h30 às 18h30
SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES
Sessão 01
(Auditório
do andar térreo)
Mediação:
Silvia Barros (CPII)
A Configuração do Espaço no Conto “Minha Mãe”, De
Victor Giudice
Carolina Veloso Costa
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA/ CNPq)
Luísa Menin Garcia
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA)
A Praça Da Sé e “A Peregrinação Da Velha Auridéa”
Rafael Sens
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA
CATARINA)
Espaço e Identidade em Dois
Naiara Speretta Ghessi
(UNESP/ CAPES)
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Romances de Milton Hatoum
Espaço, Memória e Identidade na
Manaus de Milton Hatoum
Manoelle Gabrielle Guerra (UNESP - FACULDADE DE
CIÊNCIAS E LETRAS DE ARARAQUARA/
CAPES)
Espaço e Memória: Símbolos e
Representações do Espaço no
Romance Uma História De Família,
de Silviano Santiago
Aline Mara De Almeida Rocha (UNINCOR)
Sessão 02
(sala 206)
Mediação:
Márcio Hilário (CPII)
Mulheres Negras do Cortiço:
Recortes de Rita Baiana e Bertoleza
Comparadas, Oprimidas e
Revolucionárias Dividindo o Mesmo
Espaço
Matheus Lustoza Santos
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO
ESPÍRITO SANTO/ PREFEITURA DE
MARATAÍZES)
A Identidade do Negro e o Espaço
em Clara Dos Anjos, De Lima
Barreto
Marcio Antonio da Costa Santos (UFG/
CATALÃO)
Gênero e Etnia: Norteadores da Construção do
Leonardo Gomes de Souza
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Espaço em Conceição Evaristo
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS - PAEx/UEMG)
Sob os Efeitos da Discriminação: Espaço como
Resistência em Rio Negro, de
Nei Lopes
Claudio do Carmo Gonçalves
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA
DE SANTANA)
A Delimitação dos Espaços em A Escrava Isaura: uma Alegoria do
Racismo Brasileiro
Marcio Vinicius do Rosário Hilário
(COLÉGIO PEDRO II)
Sessão 03
(sala 207)
Mediação:
Ana Maria Costa Lopes
(Instituto Politécnico de Viseu)
A Espacialidade no Conto “Marido”, de
Lídia Jorge
Elisabete da Silva Barbosa
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)
Do Real ao Ideal: o Espaço como
Objeto de (Re)Conquista em
A Noite Das Mulheres Cantoras,
de Lídia Jorge
Ludiani Retka Trentin
(UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO
PARANÁ)
Espaços (Inter)Ditos:
Configurações da Experiência
Subalterna em O Vento Assobiando
Risonelha De Sousa Lins (UERN/IFPB)
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Nas Gruas, de Lídia Jorge
O Espaço do Quarto na Casa de Valmares e o Tema
da Partida: uma Perspectiva
Topoanalítica da Obra O Vale da Paixão, de Lídia
Jorge
Lasaro José Amaral
(FACULDADE CIDADE DE COROMANDEL)
Espaços Opostos e Identidades
Históricas: uma Leitura
Topoanalítica de A Costa Dos
Murmúrios, de Lídia Jorge
Rosangela Vieira Freire
(IFCE)
Uma Análise de A Costa Dos
Murmúrios, a partir do conceito de heteroropia, de Michel Foucalt
Ana Maria Costa Lopes (Instituto Politécnico de
Viseu), Zaida Pinto Ferreira (Instituto
Politécnico da Guarda) e Anabela Naia Sardo (Instituto Politécnico da
Guarda)
Sessão 04
(sala 208)
Mediação:
Marta Rodrigues
Cartografia Afetiva: a Inscrição do
Espaço Carioca na Poética
Machadiana - um Estudo de
Correspondências,
Priscila Fernandes Balsini
(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA
MACKENZIE)
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(CPII)
Crônicas e Romances
Espaços Sagrados no Rio de Janeiro:
o Malandro e o Terreiro de Umbanda
Ana Paula Silva de Oliveira (PUC-RIO/
CAPES)
O Rio de Janeiro de Millôr Fernandes
Alessandra Mara Vieira
(INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS)
O Rio de Janeiro nas Crônicas de
Lima Barreto
Marta Rodrigues
(COLEGIO PEDRO II / NUPELL)
Uma Visão Geral Sobre a Vista
Particular: Espaço Globalizado e
Simulacro
no Rio de Janeiro de Ricardo Lísias
Adriana Armony
(COLÉGIO PEDRO II)
Sessão 05
(Auditório do segundo
andar)
Mediação:
Eliane Mello (CPII)
Do (In)Visível na Dimensão das Espacialidades
Re(A)Presentadas em “O Burrinho
Pedrês”: Reflexões sobre Lugares
Demarcados para Homens e
Mulheres Narrados
Maria de Lourdes Dionizio Santos
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE
CAMPINA GRANDE/ CNPq)
Da Casa à Capela, do Riachinho ao
Homem: o Nádia Garcia Mendes
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Entrelaçamento dos Espaços da Narrativa de
Guimarães Rosa
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO)
A Degradação da Cidade em Belém Do Grão-Pará, De Dalcídio Jurandir
Clara Alice da Silva Guimarães Brasil (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO PARÁ/ CAPES)
Anamorfoses Espaciais no Romance As
Meninas, de Lygia Fagundes Telles
Maria Das Dores Pereira Santos
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)
Amaro Mar: o Espaço Marítimo como Gerador de
Epifania em Viva O Povo Brasileiro
Maria das Graças Meirelles Correia
(INSTITUTO FEDERAL DA BAHIA)
Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão / Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas / 01 de dezembro – sexta-feira / 8h às 10h
SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES
Sessão 01
(Auditório do andar térreo)
Mediação:
Espaços de Rupturas no
Romance de Emily Brontë
Cintia De Vito Zollner
(UNESP)
As Manifestações Insólitas do Espaço em O Mistério Da
Bruno Silva de Oliveira
(UFU/ IF GOIANO)
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Sílvia Barros (CPII)
Estrela Stardust, de Neil Gaiman
O Espaço na Obra Prince Lestat, de Anne Rice, Como
Forma de Renovação do
Tema Vampiresco
Patricia Hradec
(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA
MACKENZIE/ CAPES)
Paris é uma Festa: A Cidade Como Espaço Utópico
Dafne Di Sevo Rosa
(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA
MACKENZIE/ Mackpesquisa)
Espaço Atemporal; Física e Ficção em 30 e Poucos Anos e
uma Máquina Do Tempo
Clayton Alexandre Zocarato
(UFSCAR)
Sessão 02
(sala 206)
Mediação:
Márcio Hilário (CPII)
O Espaço Social e as Mulheres
Machadianas: Considerações
sobre “O
Segredo de Augusta”, de
Machado De Assis
Cilene Margarete Pereira
UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE
(UNINCOR)
Espaço e Representações da
Feminilidade em Poemas de Mia
Couto
Everton Fernando Micheletti (USP)
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Heróis Individuais E Causas Coletivas Em Vidas Novas,
de Luandino Vieira
Daniel Marinho Laks
(UNIVERSIDADE FEDERAL
FLUMINENSE/ FAPERJ)
Jornada Angolana: de Pepetela a
Manuel Alegre, a Representação
Espacial na Guerra de Libertação
Fernanda de Aquino Araújo Monteiro
(UFRJ/ CAPES)
Chimamanda Ngozi Adiche e seus
Deslocamentos em Americanah
Regina Fatima Oliveira de Sá (UERJ/
COLÉGIO PEDRO II)
Sessão 03
(sala 207)
Mediação:
Juliana Berlim (CPII)
Dezembro nos Para-Brisas: o
Espaço em ¡Gua!, de Luiz Ruffato
Alan Brasileiro de Souza
(UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - FAPDF)
Espacialidades e Rupturas: um
Estudo da Personagem Maria, do Romance Rio-
Paris-Rio, de Luciana Hidalgo
Helena Maria de Souza Costa Arruda
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE
JANEIRO/ CAPES)
Da Cidade ao Esquecimento: Princípios da
Topoanálise em Leite Derramado, de Chico Buarque
Allysson Davi de Castro (UFPI/ CNPq)
De um Espaço a Outro: a Relação
Cléber Dungue
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Anômala entre o Banheiro e a
Cidade em "O Arquiteto"
(UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – CNPq)
Espaço e Identidade em "Teatro", de
Bernardo Carvalho
Juliana Nascimento Berlim Amorim
(COLÉGIO PEDRO II)
Sessão 04
(sala 208)
Mediação:
Aira Suzana Ribeiro Martins (CPII)
O Bairro, de Gonçalo M.
Tavares, pela Perspectiva do
Espaço
Robson José Custódio
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA
GROSSA)
O Espaço Narrativo na Obra O
Mandarim, de Eça De Queiroz
Laynara Viana Tavares
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS)
Pelas Ruas, Trabalhando ou
Esmolando, onde Estão os
Trabalhadores de
Jorge de Sena?
(UFRJ/ UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ)
A Espacialidade no Conto “O Marido”,
de Lidia Jorge
Géssica de Souza
(UTFPR - CAMPUS PATO BRANCO)
O Espetáculo da Morte
Aira Suzana Ribeiro Martins (COLÉGIO
PEDRO II)
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Sessão 05
(Auditório do segundo
andar)
Mediação:
Marta Rodrigues
(CPII)
Escrita por Imagens da Cidade nas
Crônicas de Carlos Drummond de
Andrade
Moema de Souza Esmeraldo (PUC-
RIO/SEDF CAPES)
Espacialidade e Despersonalização em Memórias Do
Cárcere
Carina Ferreira Lessa
(UFRJ/UNINCOR – Capes)
Os Visitantes Montellianos:
Ressignificações Territoriais e Afetivas no
Espaço Literário de Josué Montello
Flaviano Menezes da Costa
(UNIVERSIDADE FEDERAL
DOMARANHÃO/
FACULDADE PITÁGORAS)
Estratégias de Representação e Estruturação do
Espaço nas Primeiras Obras
Ficcionais de Osman Lins
Raul Gomes da Silva
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL/
CAPES)
A Construção do Espaço no Conto
“Menina A Caminho”, De
Raduan Nassar
Maria Iara Zilda Návea da Silva Mourão
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ)
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Colégio Pedro II / Complexo de São Cristóvão Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Culturas / 01 de dezembro – sexta-feira / 13h30 às 15h
SESSÕES COMUNICAÇÕES AUTORES
Sessão 01
(Auditório
do andar térreo)
Mediação:
Silvia Barros (CPII)
Espaço Construído e Espaço Natural
em O Guarani
Gleison Araujo Morais
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS – CARANGOLA)
Iracema: a Relação entre o Espaço e a
Ambientação da Obra e das
Personagens
Leticia Da Silva Zarbietti Coelho (UEMG/ PAEx)
Luciano Magno Rocha
(UNIMES) Glaciene Januário Hottis Lyra
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS)
O Espaço Gótico na Ficcionalização
de Movimentos Messiânicos Brasileiros
Hélder Brinate Castro
(UERJ)
Sessão 02
(sala 206)
Mediação:
Luiz Guilherme Barbosa (CPII)
Ir Embora por Vontade Própria é Bastante Diferente de ser Expulso: um
Estudo sobre Literatura e
Gentrificação
Fabiana de Pinho
(PUC-RIO/ IFRJ)
Minha Quebrada, meu Espaço: a Voz da Periferia no Rap
Joseli Aparecida Fernandes
(UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE/
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de Flávio Renegado
PREFEITURA MUNICIPAL DE TRÊS CORAÇÕES/ FCTE)
Florianóia: a Cidade que
Ninguém Vê na Ilha Da Magia
Carla Cristiane Mello
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA/ CAPES)
Sessão 03
(sala 207)
Mediação:
Eliane Mello (CPII)
Liberdade e Repressão: a
Construção de Canudos e a
(Não?) Efetivação do Direito à Cidade : uma Análise da Obra Os Sertões, de Euclides Da
Cunha
Fernanda Rodrigues Lagares
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS)
Latifúndio Realista: Aridez na Forma e no Sertão De Vidas
Secas
Edson Jose da Silva
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS -
FAPEAL/CAPES)
Figurações de Uma Paisagem
Desfigurada em O Quinze, De Rachel
De Queiroz
Vinicius Schiochetti
(UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
LONDRINA – CAPES)
Sessão 04
(sala 208)
Mediação:
Perspectivas do Espaço Literário
em “As Ondas”, de Virgínia Woolf:
Aspectos de uma Escrita Multiforme
Danielli de Cassia Morelli Pedrosa
(UNIVERSIDADE PRESBITERIANA
MACKENZIE)
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Marta Rodrigues
(CPII)
Representações do Feminino: Espaços de Subalternidade
em A Hora da Estrela, de Clarice
Lispector
Raul Gomes da Silva
(UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL/
CAPES)
Cintia Naiara de Souza Melo (UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL -
SED/MS)
Ponciá Vicêncio: uma Análise do Geoespaço na
Obra Evaristiana
Jeferson José De Oliveira Pinheiro
(UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS PAEx/UEMG)
Leonardo Gomes De Souza (UNIVERSIDADE
DO ESTADO DE MINAS GERAIS PAEx
/UEMG)
Matheus Vieira Barbosa (UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS)
Sessão 05
(Auditório do segundo
andar)
Mediação:
Os Espaços das Obras
Chapeuzinho Vermelho e Tainá - Uma Aventura Na
Amazônia em Detrimento de suas
Personagens
Leticia Da Silva Zarbietti Coelho (UEMG/ PAEx)
Luciano Magno Rocha
(UNIMES)
Glaciene Januário Hottis Lyra (UNIVERSIDADE
DO ESTADO DE MINAS GERAIS)
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Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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Adriana Armony (CPII)
O Discorde Espaço do Lobisomem na
Oralidade Brasileira
Jamille da Silva Santos
(UFU)
O Espaço Simbólico da Casa em Emílio Moura
Luciano Marcos Dias Cavalcanti
(UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE/
FAPEMIG)
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SUMÁRIO A ESPACIALIDADE E O ROMANCE HISTÓRICO
TRADICIONAL FRANCÊS: UM ESBOÇO DE PERCURSO
TEÓRICO. .............................................................................. 35
OS ESPAÇOS CONSTRUÍDOS NA HISTÓRIA CHAPEUZINHO
VERMELHO EM RELAÇÃO AO FILME TAINÁ UMA
AVENTURA NA AMAZÔNIA. ................................................. 36
"NOS MAPAS EU NUNCA TE ENCONTRAVA" UMA LEITURA
POÉTIC DA PAISAGEM EM ANA MARTINS MARQUES ...... 39
A CARTOGRAFIA AFETIVA DE PATRICK MODIANO EM PARA
VOCÊ NÃO SE PERDER NO BAIRRO .................................. 40
A CASA COMO ESPAÇO AFETIVO NA POESIA
CONTEMPORÂNEA .............................................................. 41
A CAVERNA: DE PLATÃO A SARAMAGO - BUSCANDO
NOVOS ESPAÇOS ................................................................ 42
A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MINHA MÃE, DE
VICTOR GIUDICE .................................................................. 43
A CONSTITUIÇÃO DA MONSTRUOSIDADE COMO CRÍTICA
SOCIAL NO ESPAÇO FICCIONAL DE? AS PORTAS DO CÉU?,
DE JULIO CORTÁZAR ........................................................... 45
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MENINA A
CAMINHO, DE RADUAN NASSAR ........................................ 46
A DEGRADAÇÃO DA CIDADE EM BELÉM DO GRÃO-PARÁ,
DE DALCÍDIO JURANDIR...................................................... 47
A DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS EM A ESCRAVA ISAURA:
UMA ALEGORIA DO RACISMO BRASILEIRO ...................... 48
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A ESPACIALIDADE NO CONTO MARIDO, DE LÍDIA JORGE
............................................................................................... 49
A ESPACIALIDADE NO CONTO O MARIDO DE LIDIA JORGE
............................................................................................... 50
A IDENTIDADE DO NEGRO E O ESPAÇO EM? CLARA DOS
ANJOS? DE LIMA BARRETO ................................................ 51
A LIRICIZAÇÃO DO ESPAÇO COMO MECANISMO DE
DEFLAGRAÇÃO DO INSÓLITO FICCIONAL EM APARIÇÃO,
DE VERGÍLIO FERREIRA...................................................... 52
A PRAÇA DA SÉ E A PEREGRINAÇÃO DA VELHA AURIDÉA
............................................................................................... 53
AMARO MAR: O ESPAÇO MARÍTIMO COMO GERADOR DE
EPIFANIA EM VIVA O POVO BRASILEIRO........................... 54
ANAMORFOSES ESPACIAIS NO ROMANCE "AS MENINAS",
DE LYGIA FAGUNDES TELLES ............................................ 55
AS MANIFESTAÇÕES INSÓLITAS DO ESPAÇO EM O
MISTÉRIO DA ESTRELA? STARDUST, DE NEIL GAIMAN .. 56
CARTOGRAFIA AFETIVA: A INSCRIÇÃO DO ESPAÇO
CARIOCA NA POÉTICA MACHADIANA ? UM ESTUDO DE
CORRESPONDÊNCIAS, CRÔNICAS E ROMANCES ........... 56
CHIMAMANDA NGOZI ADICHE E SEUS DESLOCAMENTOS
EM AMERICANAH ................................................................. 58
DA CASA À CAPELA, DO RIACHINHO AO HOMEM: O
ENTRELAÇAMENTO DOS ESPAÇOS DA NARRATIVA DE . 59
DA CIDADE AO ESQUECIMENTO: PRINCÍPIOS DA
TOPOANÁLISE EM LEITE DERRAMADO, DE CHICO
BUARQUE ............................................................................. 60
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DA POÉTICA DO RIO A OUTROS ESPAÇOS DE JOÃO
CABRAL DE MELO NETO ..................................................... 61
DAS PAISAGENS AOS POEMAS: A INTERPRETAÇÃO
SIMBÓLICA DO ESPAÇO PAULISTANO POR MARIO DE
ANDRADE .............................................................................. 62
DE UM ESPAÇO A OUTRO: A RELAÇÃO ANÔMALA ENTRE O
BANHEIRO E A CIDADE EM "O ARQUITETO" ..................... 64
DEZEMBRO NOS PARA-BRISAS: O ESPAÇO EM ?¡GUA!?, DE
LUIZ RUFFATO ...................................................................... 65
DIÁRIO DE LEITURA: UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO ............ 66
DO (IN)VISÍVEL NA DIMENSÃO DAS ESPACIALIDADES
RE(A)PRESENTADAS EM O BURRINHO PEDRÊS:
REFLEXÕES SOBRE LUGARES DEMARCADOS PARA
HOMENS E MULHERES NARRADOS................................... 67
DO REAL AO IDEAL: O ESPAÇO COMO OBJETO DE
(RE)CONQUISTA EM A NOITE DAS MULHERES CANTORAS
DE LÍDIA JORGE ................................................................... 68
ESCRITA POR IMAGENS DA CIDADE NAS CRÔNICAS DE
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE .................................. 69
ESPACIALIDADE E DESPERSONALIZAÇÃO EM MEMÓRIAS
DO CÁRCERE ....................................................................... 70
ESPACIALIDADES E RUPTURAS: UM ESTUDO DA
PERSONAGEM MARIA, DO ROMANCE RIO-PARIS-RIO, DE
LUCIANA HIDALGO ............................................................... 72
ESPAÇO ATEMPORAL; FÍSICA E FICÇÃO EM 30 E POUCOS
ANOS E UMA MÁQUINA DO TEMPO ................................... 74
ESPAÇO CONSTRUÍDO E ESPAÇO NATURAL EM O
GUARANI ............................................................................... 75
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ESPAÇO E IDENTIDADE EM "TEATRO" DE BERNARDO
CARVALHO ........................................................................... 76
ESPAÇO E IDENTIDADE EM DOIS ROMANCES DE MILTON
HATOUM ................................................................................ 77
ESPAÇO E MEMÓRIA: SÍMBOLOS E REPRESENTAÇÕES DO
ESPAÇO NO ROMANCE UMA HISTÓRIA DE FAMÍLIA, DE
SILVIANO SANTIAGO ........................................................... 78
ESPAÇO E REPRESENTAÇÕES DA FEMINILIDADE EM
POEMAS DE MIA COUTO ..................................................... 79
ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA MANAUS DE MILTON
HATOUM ................................................................................ 80
ESPAÇOS (INTER)DITOS: CONFIGURAÇÕES DA
EXPERIÊNCIA SUBALTERNA EM O VENTO ASSOBIANDO
NAS GRUAS, DE LÍDIA JORGE ............................................ 81
ESPAÇOS DE RUPTURAS NO ROMANCE DE EMILY
BRONTË ................................................................................ 82
ESPAÇOS OPOSTOS E IDENTIDADES HISTÓRICAS: UMA
LEITURA TOPOANALÍTICA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS,
DE LÍDIA JORGE ................................................................... 83
ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO
DO ESPAÇO NAS PRIMEIRAS OBRAS FICCIONAIS DE
OSMAN LINS ......................................................................... 84
FIGURAÇÕES DE UMA ?PAISAGEM DESFIGURADA? EM O
QUINZE, DE RACHEL DE QUEIROZ .................................... 85
GÊNERO E ETNIA: NORTEADORES DA CONSTRUÇÃO DO
ESPAÇO EM CONCEIÇÃO EVARISTO ................................. 86
HERÓIS INDIVIDUAIS E CAUSAS COLETIVAS EM "VIDAS
NOVAS", DE LUANDINO VIEIRA ........................................... 87
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IR EMBORA POR VONTADE PRÓPRIA É BASTANTE
DIFERENTE DE SER EXPULSO : UM ESTUDO SOBRE
LITERATURA E GENTRIFICAÇÃO ........................................ 88
IRACEMA: A RELAÇÃO ENTRE O ESPAÇO E A
AMBIENTAÇÃO DA OBRA E DAS PERSONAGENS ............. 89
JORNADA ANGOLANA: DE PEPETELA A MANUEL ALEGRE,
A REPRESENTAÇÃO ESPACIAL NA GUERRA DE
LIBERTAÇÃO......................................................................... 91
LATIFÚNDIO REALISTA: ARIDEZ NA FORMA E NO SERTÃO
DE VIDAS SECAS ................................................................. 93
LIBERDADE E REPRESSÃO: A CONSTRUÇÃO DE CANUDOS
E A (NÃO?) EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CIDADE ? UMA
ANÁLISE DA OBRA OS SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA?
............................................................................................... 93
LITERATURA EM INTERFACE COM A FOTOGRAFIA,
PINTURA E ILUSTRAÇÃO: A CONSTRUÇÃO PICTURAL DO
ESPAÇO NO CONTO ?A SANTA DE SHONEBERG?, DE
RUBEM FONSECA ................................................................ 96
LIVRO, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO: UM ROMANCE DE
DESLOCAMENTOS QUE REFLETEM A EMIGRAÇÃO E A
PRÓPRIA LITERATURA ........................................................ 97
LUGARES E NÃO-LUGARES EM ENSAIO SOBRE A
CEGUEIRA ............................................................................ 98
MARCO POLO E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: A POÉTICA
DOS OLHOS E DA PALAVRA EM ......................................... 99
MARÍLIA DE DIRCEU - NESTA TRISTE MASMORRA, DURO
GRILHÃO ............................................................................. 100
MINHA QUEBRADA, MEU ESPAÇO: A VOZ DA PERIFERIA NO
RAP DE FLÁVIO RENEGADO ............................................. 101
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MULHERES NEGRAS DO CORTIÇO: RECORTES DE RITA
BAIANA E BERTOLEZA COMPARADAS, OPRIMIDAS E
REVOLUCIONÁRIAS DIVIDINDO O MESMO ESPAÇO ...... 102
NOTAS POR UMA POÉTICA DA OCUPAÇÃO: O POEMA, O
CANTO E O ESPAÇO ESCOLAR ........................................ 103
O ALENTEJO COMO ESPAÇO POÉTICO EM JOSE LUIZ
PEIXOTO ............................................................................. 104
O BAIRRO, DE GONÇALO M. TAVARES, PELA
PERSPECTIVA DO ESPAÇO .............................................. 105
O DISCORDE ESPAÇO DO LOBISOMEM NA ORALIDADE
BRASILEIRA ........................................................................ 106
O ESPAÇO DO QUARTO NA CASA DE VALMARES E O TEMA
DA PARTIDA: UMA PERSPECTIVA TOPOANALÍTICA DA
OBRA O VALE DA PAIXÃO, DE LÍDIA JORGE ................... 107
O ESPAÇO EM CHICO BUARQUE: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES .............................................................. 108
O ESPAÇO GÓTICO NA FICCIONALIZAÇÃO DE
MOVIMENTOS MESSIÂNICOS BRASILEIROS ................... 109
O ESPAÇO NA OBRA PRINCE LESTAT DE ANNE RICE COMO
FORMA DE RENOVAÇÃO DO TEMA VAMPIRESCO. ........ 110
O ESPAÇO NARRATIVO NA OBRA ?O MANDARIM? DE EÇA
DE QUEIRÓS ....................................................................... 111
O ESPAÇO SIMBÓLICO DA CASA EM EMÍLIO MOURA. ... 112
LUCIANO MARCOS DIAS CAVALCANTI UNIVERSIDADE
VALE DO RIO VERDE ......................................................... 112
O ESPAÇO SOCIAL E AS MULHERES MACHADIANAS:
CONSIDERAÇÕES SOBRE O SEGREDO DE AUGUSTA, DE
MACHADO DE ASSIS .......................................................... 112
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O ESPETÁCULO DA MORTE .............................................. 114
O RIO DE JANEIRO NAS CRÔNICAS DE LIMA BARRETO 115
OS ESPAÇOS DAS OBRAS ?CHAPEUZINHO VERMELHO? E
?TAINÁ - UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA? EM DETRIMENTO
DE SUAS PERSONAGENS ................................................. 115
OS VISITANTES MONTELLIANOS: RESSIGNIFICAÇÕES
TERRITORIAIS E AFETIVAS NO ESPAÇO LITERÁRIO DE
JOSUÉ MONTELLO ............................................................. 117
PELAS RUAS, TRABALHANDO OU ESMOLANDO, ONDE
ESTÃO OS TRABALHADORES DE JORGE DE SENA? ..... 119
PERSPECTIVAS DO ESPAÇO LITERÁRIO EM ?AS ONDAS?
DE VIRGÍNIA WOOLF: ASPECTOS DE UMA ESCRITA
MULTIFORME ...................................................................... 120
PONCIÁ VICÊNCIO: UMA ANÁLISE DO GEOESPAÇO NA
OBRA EVARISTIANA ........................................................... 121
REALIDADE AUMENTADA: O ESPAÇO LITERÁRIO INFANTO-
JUVENIL SOB A ÓTICA DAS TDICS EDUCACIONAIS ....... 122
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: ESPAÇOS DE
SUBALTERNIDADE EM A HORA DA ESTRELA, DE CLARICE
LISPECTOR ......................................................................... 124
REVISTA DE ANTROPOFAGIA: ESPAÇO DE EMBRIAGUEZ E
REVOLUÇÃO ....................................................................... 125
SOB A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO: A
CASA DO LEITOR ............................................................... 126
SOB OS EFEITOS DA DISCRIMINAÇÃO ESPAÇO COMO
RESISTÊNCIA EM RIO NEGRO DE NEI LOPES................. 127
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UMA VISÃO GERAL SOBRE A VISTA PARTICULAR: ESPAÇO
GLOBALIZADO E SIMULACRO NO RIO DE JANEIRO DE
RICARDO LÍSIAS ................................................................. 128
A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PERSONAGEM NOS
DOCUMENTÁRIOS SANTA MARTA, SANTO FORTE E
BABILÔNIA 2000 DE EDUARDO COUTINHO. .................... 129
ESPAÇOS MOTIVACIONAIS NA FOTOGRAFIA DE
SEBASTIÃO SALGADO: ARTE E REALIDADE ................... 130
ESPAÇOS SAGRADOS NO RIO DE JANEIRO: O MALANDRO
E O TERREIRO DE UMBANDA ........................................... 130
O RIO DE JANEIRO DE MILLOR FERNANDES .................. 133
UMA LEITURA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA
JORGE, A PARTIR DO CONCEITO DE HETEROTOPIA DE
MICHEL FOUCAULT. ........................................................... 134
V JOEEL
34 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
RESUMOS
Comunicação oral Espaço e Literatura
Nota: Conteúdo e redação dos resumos são responsabilidade dos respectivos autores.
V JOEEL
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A ESPACIALIDADE E O ROMANCE HISTÓRICO TRADICIONAL FRANCÊS: UM ESBOÇO DE PERCURSO TEÓRICO.
ROSÁRIA CRISTINA COSTA RIBEIRO UFAL- UNIVERSIDADE
FEDERAL DE ALAGOAS
O século XIX francês viu o estabelecimento da forma literária que seria
considerada a? epopeia burguesa? (Lukacs, 1965), o romance. Com os
primeiros anos do Romantismo, entre 1815 e 1848, o romance consagrou-se
como forma de expressão desse tipo de sociedade na qual o individualismo era
uma das características definidoras. No mesmo período, o conceito de?
História? entrou em um processo de alteração devido à influência das demais
ciências que se consolidavam. Entretanto, houve um momento, nos primeiros
anos desse movimento literário, no qual as barreiras entre História e Literatura
ainda não estavam definidas. Esse momento coincidiu com a? explosão? de
Walter Scott e do romance histórico em solo francês. Entre as diversas formas
de interpenetração de história e romance, a que mais nos chama a atenção é
aquela manifestação do romance conhecida como histórica e tradicional (ou
clássica, ou ainda romântica), e que contribuiu especialmente para a fase
nacionalista do Romantismo no Ocidente, segundo diversos autores, pode
assim ser adjetivada pela sua investigação do passado. Entretanto, a grande
diferença entre este tipo de romance e as obras da historiografia do período é
a substituição dos grandes? fatos públicos? (Bernard, 1989) pelos? pequenos
fatos verdadeiros? ou ainda, nas palavras do próprio Victor Hugo (1874), na
substituição da História pela lenda. Essa troca pode, dessa forma, proporcionar
à narrativa ocupar-se muito mais com a representação de indivíduos médios
(Scott) ou representativos de? espécies sociais? (Balzac) do que a
historiografia. Gengembre (2006) utiliza o romance histórico chinês para definir
essa característica? O romance histórico chinês não repete a História, mas
estabelece uma ponte entre a cultura erudita das letras e a cultura popular,
permitindo a grande número de pessoas aderir a sua representação do mundo
que esse romance expõe? (tradução nossa). Não seria essa uma das razões
do sucesso do romance histórico (apesar dos altos e baixos), uma vez que esse
tipo de romance junta historiografia e lenda, ou seja, o erudito e o popular,
agradando a um grande público? O formato do gênero romance histórico
tradicional, teorizado por Maigron (1898), por George Lukács (1935), e
também por Bakhtin (1937-1938), Bachelard (1957), Molino (1975) e Claudie
Bernard (1989;1996), entre outros, compreende infinitas possibilidades de
interpretação, mas a nosso ver, a visão ideológica, estimulada tanto pelo título
quanto pela própria escolha de gênero, é a que mais salta aos olhos e a que
parece mais instigante ao leitor. Unindo essa visão à análise da categoria
espacial nesta narrativa, o que nos interessa mais particularmente, chega-se a
um ponto convergente, que pode ser sintetizado na seguinte problemática: qual
é o papel desempenhado pela espacialidade na construção do romance
histórico tradicional? Esta comunicação pretende traçar, a partir deste
questionamento, o trajeto das principais ideias que envolvem as discussões
sobre a espacialidade e o romance histórico tradicional francês.
V JOEEL
36 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
OS ESPAÇOS CONSTRUÍDOS NA HISTÓRIA CHAPEUZINHO VERMELHO EM RELAÇÃO AO FILME TAINÁ UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA.
NATHÁLIA DE OLIVEIRA SOUZA
UEMG - UNIDADE DE CARANGOLA
PAPq
Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa Representações da crise:
interseções de fontes literárias, desenvolvido na UEMG-Carangola com o apoio
do PAPq. Nessa concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática:
Espaço e Literatura. Na condição de pesquisadoras da Universidade do Estado
de Minas Gerais (UEMG) propomos, nessa pesquisa, uma discussão reflexiva
acerca da relação entre o homem e o espaço. De acordo com o Projeto
Pedagógico do Curso de Letras da UEMG, Unidade de Carangola (2016/2017),
quanto às literaturas, é necessárias obras e autores sempre de acordo com
vieses teórico-interpretativos capazes de integrar conhecimento do universo
literário a atitudes críticas, que devem, em qualquer instância, iluminar o
artefato literário no que os textos manifestam em sua realização como
construção. Nessa Perspectiva, a Ecocrítica (crítica literária ecológica), foi o
ponto de partida para o desenvolvimento desse estudo. A metodologia utilizada
como suporte a essa pesquisa foi qualitativa de cunho bibliográfico para
fomento dos conteúdos teóricos, como BLANCHOT (1987), GARRARD (2006)
E GANCHO (2002). Na confecção desse artigo, foram elegidas duas obras, a
primeira o texto fílmico: Tainá - Uma Aventura na Amazônia (filme brasileiro, do
gênero infanto-juvenil e aventura dirigido por Tânia Lamarca e Sérgio Bloch, no
ano 2006) e a segunda, o conto de fadas clássico: Chapeuzinho Vermelho (de
origem europeia do século XIV). A justificativa quanto à escolha dessas duas
obras, é que elas possibilitam analisar qual é o tratamento conferido a tríplice:
relação telúrica, espaço e a literatura nas obras europeias e brasileiras. O
objetivo desse artigo é realçar fatores que atraiam o olhar do aluno para a aula
de literatura, desenvolvendo suas habilidades interpretativas para que ao ler
qualquer obra, o aluno possa refletir sobre aspectos como: Como o autor
construiu o espaço nessa narrativa? Existe uma interação entre as
personagens e o espaço? Qual foi a intencionalidade do autor na construção
do espaço dentro da obra em questão? O esperado é o despertar da
conscientização crítica para que se preocupem com as temáticas do homem e
sua relação com o meio ambiente e a sustentabilidade do planeta.
Palavra-chaves: Espaço, Análise Literária, Ecocrítica, Texto Fílmico, Contos
Infantis.
V JOEEL
37 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
?FLORIANÓIA?: A CIDADE QUE NINGUÉM VÊ NA ?ILHA DA MAGIA?
CARLA CRISTIANE MELLO UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA
CAPES
O presente trabalho apresenta o poema-musical ?Florianóia? do grupo de rap
Arma-Zen, de Florianópolis-SC, para ressignificar os espaços urbanos da
capital catarinense através das performances vocais, discursivas e corporais.
Esta cidade é conhecida pelas suas belezas naturais e muito requisitada
enquanto espaço turístico, carinhosamente apelidada de?Ilha da Magia?. No
entanto, o rap catarinense (e o grupo Arma-Zen, aqui especificamente) traz uma
outra visão daqueles que estão excluídos desse viés imaginário e paradisíaco
da cidade, mostrando que os sujeitos que vivem em determinados espaços dela
podem (ou não) ocupá-la e aproveitá-la tal qual a forma como ela é?vendida?
midiaticamente. O rap surgiu como um discurso de protesto daqueles que
estão à margem do sistema, seja ele econômico ou social, nos guetos
norte-americanos em meados de 1970, e de lá se proliferou para o mundo. Aqui
no Brasil, as periferias urbanas conseguiram, a partir da década de 1980,
expressar-se através dessa poética? e do Movimento Hip Hop, de forma geral
? para apontar outros pontos de vista de um mesmo espaço: a cidade. As
diferentes expressões sociopolíticas encontradas nas críticas ácidas do rap do
grupo Arma-Zen ocupam um espaço importante de reflexão e de memória a
respeito de uma cidade que, assim como o mito da democracia racial espalhado
pelo resto do país, acaba
?escondendo? os problemas raciais e sociohistóricos que compõem o cenário
contemporâneo; ou seja, há duas cidades, no mínimo, dentro de Florianópolis:
aquela que abriga os bilionários distribuídos pelas quarenta e duas belas praias,
e aquela ? geralmente ?da ponte pra lá? ? que abriga a violência e a pobreza.
Nesse sentido, o rap cria uma ruptura discursiva para incorporar, literalmente,
a imagem transgressora e necessária daqueles sujeitos que sempre passam
transcritos para a História através de dados estatísticos, ou quando muito,
conhecidos apenas como os?marginais? (pejorativamente falando). Ao trazer
essas vozes à cena, é com elas e por elas que esses sujeitos se fazem
reconhecidos, de si mesmos e daqueles tantos outros que dividem o espaço
da cidade, mas não vivem, necessariamente, a mesma cidade.
V JOEEL
38 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
?LA ISLA QUE SOY YO?: POÉTICA DA CASA E EROTISMO EM CUBA MARCELLA DE PAULA CARVALHO
UERJ/PUC
Em Domingo de revolución (2016), romance da escritora cubana Wendy
Guerra, observamos como o corpo da protagonista Cleo interage com o cenário
cubano, transforma-o e é modificado por ele. A história começa com o luto
decorrente da morte dos pais. Solitária diante das sucessivas diásporas,
marcantes na realidade da ilha, sua companhia paradoxal são os oficiais que a
vigiam. Após ganhar um prêmio literário, a vigilância recrudesce e rotulam sua
conquista como fruto de um apoio imperialista. É pela perda do espaço privado
que verificamos, à flor da pele, essa relação corpos-cidades (GROSZ, 2003).
Em meio ao interdito (BATAILLE, 2017), ao desconforto diante da rigidez do
regime castrista, ao biopoder (AGAMBEN, 2010) - que converte os indivíduos
em estatística -, uma possibilidade interessante de resistência é a tessitura de
um erotismo (BATAILLE, 2017). Este seria justamente a superação da
mera sexualidade da biopolítica. O espírito da Revolução Cubana
(MISKULIN, 2003) demandou do coletivo todo o esforço, controle e economia
entendidos como necessários para construir uma nação socialista tão próxima
dos EUA. No entanto, o erótico não é veiculado pela contenção, mas pelo
desperdício, pelo excesso. Segundo Bataille, a relação entre seres navega na
descontinuidade da vida. O impulso erótico quer construir uma continuidade,
logo, tenta uma fusão impossível com o outro. Essa aproximação do
autoaniquilamento mostra como o erotismo afirma a vida a partir da morte.
O objetivo deste trabalho é analisar a contribuição de Bataille, já referida, para
compreender uma política dos corpos na obra de Guerra, explicitando o
papel do erotismo na relação Cleo com Cuba. Ela procura religar-se ao
seu país, mas as dificuldades ali existentes a arrebatam. Para entender o lugar
onde a personagem está inserida, utilizaremos uma poética da casa
(BACHELARD, 1978), na qual a dialética do aberto e do fechado
(BACHELARD, 1978, p.198), devido à espionagem, está sempre em questão.
Configurando um estudo interartes (CLÜVER, 1997), contemplaremos também
músicas do cantor cubano Carlos Varela, comparando-as com o romance,
investigando como o eu-lírico e Cleo são transpassados pelo seu contexto
histórico e geográfico. Como expressa uma de suas canções, ?unos hacen los
muros/y otros hacen las puertas? (2000). Por isso, queremos mapear, por meio
desses artistas, muros e portas de Cuba e dos corpos presentes em suas obras.
Na ilha, interdito e transgressão (BATAILLE, 2017) entrelaçam-se diante do
achatamento do espaço privado. A arte, como canta Varela (2000), critica a
centralização do governo: ?la libertad solo existe/cuando no es de nadie?. Para
Bataille (2017), o erotismo é uma experiência potente de vida, paixão e
contemplação poética. Associado à arte, constrói-se uma ferramenta que
plasma novos espaços internos e externos de liberdade.
V JOEEL
39 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
"NOS MAPAS EU NUNCA TE ENCONTRAVA" UMA LEITURA POÉTIC DA PAISAGEM EM ANA MARTINS MARQUES
SUE HELEN DA SILVA VIEIRA UFRJ
O trabalho pretende fazer uma leitura da paisagem na poesia da poeta
mineira Ana Martins Marques, tomando como pressuposto teórico os
estudos de Michel Collot sobre a filosofia da paisagem, partindo da
premissa que? a paisagem provoca o pensar e que o pensamento se
desdobra em paisagem?, que se configura a partir de um olhar sensível para o
lugar. Selecionou-se alguns poemas da sessão "Cartografias", inserido no livro
Da arte das armadilhas, que tematizam o espaço de formas diferenciadas. A
transgressão das fronteiras geográficas é, entre outras possibilidades
existentes, uma das formas de unir o que está separado e fazer um jogo entre
o espaço real e o espaço virtual.
V JOEEL
40 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CARTOGRAFIA AFETIVA DE PATRICK MODIANO EM PARA VOCÊ NÃO SE PERDER NO BAIRRO
ILANA GOLDFELD CARVALHO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO (PUC-RIO)
CAPES
O presente trabalho pretende observar os diferentes processos de significação
da cidade dentro da literatura do francês Patrick Modiano, vencedor do Prêmio
Nobel de Literatura de 2014, privilegiando o modelo adotado em seu livro mais
recente, para você não se perder no bairro (lançado no Brasil em 2014). Paris,
a cidade natal do escritor, aparece em destaque em muitos de seus livros, em
especial durante o período da ocupação nazista na França. Deste modo, sua
obra é frequentemente analisada de acordo com uma chave de leitura que
prioriza a contextualização histórica. Em Para você não se perder no bairro, o
modelo de leitura da cidade é elaborado a partir de outra chave: a da
espacialidade. O processo de memória presente neste livro baseia-se
principalmente no ato de rememoração do protagonista, suscitado quando ele
se depara com determinados lugares da cidade. Para o escritor francês,
Paris está associada às memórias de quando era menino, que parecem
ser? emprestadas? aos personagens. As ruas atuam evocando lembranças e
ajudando a compor a complexidade do personagem. No livro, é através das
sutilezas sugeridas pelas recordações que o leitor percebe a relação do
protagonista Daragane com sua mãe e como uma outra personagem, Annie
Astrand, foi, na verdade, a principal figura materna de parte de sua infância. A
memória das experiências vividas está intimamente ligada ao espaço urbano.
Assim, este molda os personagens de Modiano ao se misturar a questões
pessoais, ao se combinar à individualidade e à bagagem emocional que o
escritor confere às personagens. Deste modo, a proposta é estudar o que Paris
fala a Modiano e o que Modiano fala a Paris ao percorrê-la. O espaço evoca
lembranças em seus personagens e questões como o papel da rua e do andar
(através de pensadores como Michel de Certeau e outros escritores, como Italo
Calvino) serão fundamentais. Também é relevante analisar o livro de Modiano
levando em conta a categoria de Spur (termo alemão que pode ser traduzido
como rastro, resto, vestígio), estudada por Walter Benjamin. Este conceito
complexo envolve ao mesmo tempo uma ausência e uma presença e será útil
para tentar entender a lógica de construção da representação do espaço em
Para você não se perder no bairro, pensando especialmente em uma
cartografia afetiva a partir dos restos da e na cidade.
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41 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CASA COMO ESPAÇO AFETIVO NA POESIA CONTEMPORÂNEA
ANELISE DE FREITAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA
A proposta inicial desse trabalho é dialogar com os conceitos literários à luz da
pós-autonomia, atrelado a um processo de produção de presença na poesia feita
atualmente no Brasil e na Argentina, pois a produção dessa presença não se
resumiria mais a obra e autor, dissociados. Se Bourdieu parte da dicotomia do
literário e extra literário na formação do campo, isto é, a literatura dependeria de
critérios literários mais ou menos bem definidos e critérios sociais e políticos que
não estariam na alçada da literatura, pensadoras como Josefina Ludmer,
entretanto, ampliam esse conceito até que a dicotomia não resista e aquilo que
é literário não poderá se separar daquilo que não o é, não poderia mais ser
fracionado, dividido, pois esses elementos seriam uma ?comunhão
indissociável? e ?imperfeitamente homogênea?. Assim, o que estaria em jogo
seria a performance do autor. A geografia ? a casa como território ? nesses
textos poéticos, a partir da relação do eu com o mundo em um contexto
tecnicista, no qual a promessa globalizada da possibilidade de encontros
variados e repletos de alteridade não se cumpriu, atuaria como uma
performance acoplada a uma mudança de perspectiva. Tudo que
acompanhamos, desde a chegada do sentimento da modernidade, é um
rebaixamento do autor. Depois de pensadores como Barthes, o autor passa a
ser refutado como unidade de valor na crítica literária, em detrimento do texto,
que se valida como recorte de valor. Outras áreas das ciências humanas ? ou
do que se convencionou chamar por ciências humanas -, como a antropologia,
reconfiguram seu trabalho de pesquisa. Essa área tem se aberto à etnografia
como um processo narrativo transversal, isto é, abre-se para o entendimento de
que uma ciência cujo objeto seja o homem não pode ser feita sem respeitar
processos subjetivos. Essa realidade começa a surgir no campo dos estudos
literários, que se reconfigura (ou necessita reconfigurar-se). Assim, nada mais
natural que a crítica literária também se reformule. Assim, Ludmer propõe uma
crítica não linear, sem binarismos, tangenciada pelo trânsito (COTA, 2012).
Segundo Pinheiro (2013), o que o pensamento de Ludmer possuiria de mais
latente seria justamente provocar esse lugar do crítico e, consequentemente, da
crítica. O campo da autonomia, em que mecanismos específicos e
reconhecíveis de valorização de uma obra atuavam, não existe mais; assim
como alguns conceitos literários foram esvaziados de significação se pensados
a partir da produção atual, principalmente pós-2000. Isso acarretaria o fim de
um pensamento da esfera, em que delimitações conceituais do que seria literário
atuavam, isto é, aquilo que se acreditava (relativamente) autônomo não é mais possível ser definido como só político, econômico ou cultural.
Palavras-chave: poesia pós-autônoma; espaço e literatura; home; casa.
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42 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CAVERNA: DE PLATÃO A SARAMAGO - BUSCANDO NOVOS ESPAÇOS
DILMA MESQUITA DE LACERDA
COLÉGIO PEDRO II
O mundo contemporâneo é, indiscutivelmente, um mundo anti-narrativo: da
comunicação veloz estabelecida por meios digitais e através de poucas palavras
à "vivência líquida" das relações sempre frágeis e incertas, tudo conduz o
indivíduo de nosso tempo ao desconcerto,à solidão em meio às multidões e aos
radicalismos sob a forma de discursos equivocados que surgem aqui e ali, como
últimas tentativas (desesperadas e, acima de tudo, patéticas) de resgatar algum
sentido próprio da existência humana. O romance A Caverna de Saramago
fornece alguns referenciais para o entendimento do contexto:o "rolo
compressor" do sistema com suas exigências de produtividade, consumo e
desperdício; a perda da noção de valor da força de trabalho e dos produtos por
ela gerados; o desinteresse crescente pela arte como objeto único, artesanal,
substituída pelos produtos vendáveis e palatáveis e, em última instância, a
ligação intrínseca entre espaços e tempos como única saída para a apreensão
da realidade são fatores insubstituíveis e que não podem faltar na análise da
produção contemporânea. Saramago e sua obra surgem como importantes
referenciais nesse enfoque, que não dispensa ainda teóricos como David Harvey e Theodor Adorno.
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43 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MINHA MÃE, DE VICTOR GIUDICE
CAROLINA VELOSO COSTA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CNPq
LUÍSA MENIN GARCIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)
Laboratório Floripa em Composição
O escritor carioca Victor Giudice (1934? 1997) se destacou por ser um homem
múltiplo: amante e compositor de músicas eruditas e populares, escritor de
contos, romances e peças teatrais, fotógrafo, roteirista, professor e funcionário
do Banco do Brasil por vinte anos. Iniciou sua carreira literária em 1969,
publicando contos avulsos em jornais e revistas. No Jornal do escritor, publicou
o miniconto O banquete, técnica que desenvolveu melhor com o passar dos
anos. Giudice produziu quatro livros de contos: Necrológio (1972), Os banheiros
(1979), Salvador janta no Lamas (1989) e Museu Darbot e outros mistérios
(1994); três romances: Bolero (1985), O sétimo punhal (1995) e o inacabado Do
catálogo das flores (1999); duas peças de teatro: Ária de serviço e Baile das sete
máscaras; e cerca de vinte contos publicados de forma avulsa no exterior. A
maioria de suas obras está neste momento esgotada. No conto Minha mãe,
presente na coletânea Salvador janta no Lamas, Giudice escreve em primeira
pessoa, se utilizando da voz feminina para relatar alguns acontecimentos da
vida da protagonista e os relacionamentos interpessoais que a circundam. Seu
nome não nos é revelado. A narrativa envolve o leitor numa trama cercada de
mistério sobre o relacionamento desta protagonista com sua família,
principalmente com sua mãe. Dividido em duas partes, o conto inicia na infância
da personagem-narradora, que sofre com a ausência da mãe, a qual, a princípio,
vive enclausurada em um dos quartos da casa, fazendo bordados e costurando.
Ela nunca foi vista pela filha. A distância afetiva do pai e a presença de tia
Adelaide, que cuida do ambiente familiar, compõem esse momento da trama. Já
na segunda parte do conto, a personagem-narradora em sua vida adulta se casa
com seu amigo de infância, Pedrinho, e vive um momento de descoberta sobre
a vida matrimonial e seu amor pelo cunhado, Francisco. Sua relação com tia
Adelaide e sua mãe, em suas configurações misteriosas, permanece. Ainda que
a protagonista mude de ambiente no decorrer da narrativa, o espaço central
continua sendo o quarto de sua mãe, pois é nele que mistério do conto se dá.
Mas a pergunta é: Sua mãe realmente ocupa o espaço físico do quarto? Ou ela
ocupa um espaço na imaginação da protagonista? A curiosidade de descobrir o
porquê do suposto exílio social da mãe e do sentimento de abandono instiga a
narradora e prende a atenção do leitor. É nesse sentido que este trabalho se
propõe a investigar o espaço proposto por Giudice, no conto Minha mãe, e
procurar compreender a maneira como se cria essa ambiguidade não
solucionada sobre a presença da mãe no quarto ou se o sentimento de
abandono da criança criou um espaço para a figura materna, alimentada pela
tia Adelaide, que se preocupa em manter presente a todo momento a imagem dessa mãe.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CONSTITUIÇÃO DA MONSTRUOSIDADE COMO CRÍTICA SOCIAL NO ESPAÇO FICCIONAL DE? AS PORTAS DO CÉU?, DE JULIO CORTÁZAR
ELTON DA SILVA RODRIGUES UNIVERSIDADE FEDERAL DA SANTA
CATARINA
CNPq
Dentre os diversos temas abordados em Bestiário (2016[1951]), de Julio
Cortázar, há constituição da monstruosidade no conto ?As portas do céu?,
narrativa em que fica explícita a leitura do outro enquanto um monstro. O
protagonista e narrador do conto é Marcelo Hardoy, um advogado que pertence
à classe alta e que tem que lidar com sujeitos de classes menos favorecidas. O
conto é marcado pela oposição entre o advogado e seus clientes, Mauro e
Celina, e a curiosidade antropológica do advogado de tomar nota acerca do
comportamento de outros, monstros, que não alcançam a sua própria condição
de humanidade, e que devem ter seus comportamentos e a descrição fisiológica
catalogados. O espaço da narrativa em que há a maior reunião de monstros é o
cabaré Santa Fe Palace, onde? [os monstros] aparecem às onze da noite,
descem de regiões imprecisas da cidade, pausados e seguros a sós ou em par,
as mulheres quase anãs e achinesadas, os homens parecendo javaneses ou
mocovis...? (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 109-110). Dessa maneira, pode-se
observar a crítica social a partir da constituição de sujeitos de classes menos
favorecidas, baixa ou média, como monstros, não pertencentes à condição
humana. José Gil (2006) nos diz em Monstros, um de seus livros que possui a
monstruosidade como tema, que essas criaturas não se situam fora do domínio
humano, mas em seu limite (como pode ser observado em? As portas do céu?),
e são ?absolutamente necessários para [o ser humano] continuar a crer-se
homem? (GIL, 2006, p. 14). Desse modo, a comunicação pretende, a partir da
análise do principal espaço em que se constitui a monstruosidade, uma leitura
do conto de Cortázar como crítica social à desigualdade econômica dirigida, à
época, ao governo de Perón, mas ainda presente e persistente em toda América
Latina, tendo como base a abordagem de Gaston Bachelard (1979) acerca do
espaço, Todorov (2010 [1982]) no que se refere à questão do outro e Gil (2006)
em relação à monstruosidade e àquilo que constitui os monstros.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MENINA A CAMINHO, DE RADUAN NASSAR
MARIA IARA ZILDA NÁVEA DA SILVA MOURÃO UNIVERSIDADE FEDERAL
DO PIAUÍ
O escritor paulista de origem libanesa Raduan Nassar ganhou nos últimos anos
certo destaque no cenário da literatura contemporânea. Vencedor de vários
prêmios ? sendo o mais recente o prêmio Camões do ano de 2016 pelo conjunto
da obra ? sua produção é muito significativa esteticamente, tendo como
componentes marcantes um olhar crítico para diferentes aspectos da
experiência humana (como as relações afetivas, sociais e familiares) e uma alta
dose de lirismo. Menina a caminho (1961) foi a primeira obra de ficção do autor.
No conto, podemos acompanhar uma menina sem nome percorrendo uma
cidade, provavelmente interiorana, para deixar um recado, fato que é descoberto
à medida que a narrativa se desenrola. Durante essa travessia, o leitor pode
acompanhar o cotidiano dos cidadãos e a repercussão causada por um boato
sobre o filho de um grande comerciante da região a partir da perspectiva da
menina que perambula quase sem rumo pelas ruas à semelhança do flâneur de
Walter Benjamin. Distanciando-se de um engajamento panfletário, Raduan
conseguiu nesse breve conto tratar de maneira crítica aspectos políticos da
sociedade brasileira sem perder de vista o lirismo. Para tanto, parece ter sido
primordial uma estruturação do espaço que permite aos lugares da obra
explicitar através de sua representação um teor crítico social velado, e não de
um discurso direto do narrador ou dos personagens sobre o assunto. Isso mostra
que a categoria do espaço não precisa ser analisada apenas como simples
ambientação, mas também pode ser vista como elemento estrutural revelador
de dados de ordem social, histórica e psicológica implícitos. Esse trabalho tem
por objetivo analisar o modo como o espaço é estruturado na obra, dando
especial atenção ao modo como a personagem principal e o narrador se
relacionam com os diversos lugares da cidade por onde passam. Pretende-se
mostrar que, através de um processo de redução estrutural, o espaço delineado
no conto consegue denunciar questões relevantes da sociedade brasileira. Para
isso serão utilizados como suporte teórico além dos estudos já conhecidos por
tratar do espaço ficcional, como os de Borges Filho (2007) e Brandão (2013),
trabalhos de estudiosos de outras áreas das ciências humanas, como Yi-Fu Tuan, Henri Lefebvre, Gaston Bachelard e Walter Benjamin.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A DEGRADAÇÃO DA CIDADE EM BELÉM DO GRÃO-PARÁ, DE DALCÍDIO JURANDIR
CLARA ALICE DA SILVA GUIMARÃES BRASIL UNIVERSIDADE FEDERAL
DO PARÁ
CAPES
?Belém do Grão-Pará? é o quarto livro da série ?Extremo Norte?, um projeto
literário de Dalcídio Jurandir, publicado pela primeira vez em 1960. Este
romance é ambientado em Belém do Pará na década de 20 e narra a história de
Alfredo, um menino do interior que muda-se para a casa da família Alcântara,
na capital, com o propósito de estudar. Essa família, nos tempos áureos do ciclo
da borracha na Amazônia, viveu na fartura e, após a queda do senador Lemos
e o declínio da borracha, são obrigados a viver na periferia da cidade, abstendo-
se das regalias proporcionadas por este ciclo, durante a Belle Époque. Apesar
do tempo da narrativa se passar na decadência da borracha, sendo Lauro Sodré
o intendente, é possível ver o apogeu da borracha, através das memórias das
personagens que recordam com nostalgia. Logo, percebe-se o contraste que há
entre o esplendor e pompas do Lemismo, com a modernização da cidade de
Belém, com o primeiro cinema, a instalação da luz elétrica, obras de saneamento
básico e higienização, construção de praças, além de projetos como a
construção de palacetes, bolsa de valores, grandes teatros; e a miséria do
Laurismo, com a deterioração de grande parte desses projetos, sobrando ruínas
daquela época. Nota-se a representação metafórica das ruínas com a casa dos
Alcântaras, preste a desabar, localizada no centro da cidade, no bairro nobre
Nazaré, além de outros espaços retratados pelo romance, que também
representa a decadência da borracha. Deste modo, o objetivo deste trabalho é
visualizar a degradação da cidade nos capítulos iniciais do romance. Estes
capítulos narram o momento em que o menino Alfredo encontra-se com sua
musa, a cidade de Belém, que outrora, mostrava-se esplendorosa nos catálogos
comemorativo de seu pai e, nesse momento da ação narrativa, mostra-se
sombria e decadente. Diante do exposto, este trabalho se propõe a investigar a
forma como Dalcídio apreende as transformações do espaço e transpõe para a
literatura. Quanto à metodologia do trabalho, pode-se salientar o estudo sobre
espaço literário, apontando para o estilo individual do escritor paraense. Com
base em uma metodologia fundamentada em um estudo bibliográfico, autores
como Marlí Tereza Furtado (2010), Cândido (2004), Dimas (1985), Santos e
Oliveira (2001) viabilizarão a compreensão da degradação do espaço na cidade de Belém no romance através das experiências das personagens.
Palavras-chave: Espaço. Cidade. Degradação.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A DELIMITAÇÃO DOS ESPAÇOS EM A ESCRAVA ISAURA: UMA ALEGORIA DO RACISMO BRASILEIRO
MARCIO VINICIUS DO ROSÁRIO HILÁRIO
COLÉGIO PEDRO II
Tradicionalmente rotulado como um romance abolicionista, A escrava Isaura, de
Bernardo de Guimarães, apresenta, à luz das concepções humanísticas,
grandes contradições: ao mesmo tempo em que nitidamente defende o fim da
escravidão no Brasil, revela fortes preconceitos em relação aos negros
escravizados e sua ancestralidade africana. O objetivo inicial desse trabalho é
buscar uma fundamentação teórica e uma explicação lógica para que discursos
tão simetricamente opostos possam coexistir no pensamento de um escritor
brasileiro oitocentista. Para além disso, a partir do que se lê na obra, tentaremos
estabelecer conexões dialógicas com a sociedade brasileira dos dias atuais,
buscando naqueles princípios do século XIX as raízes do racismo
contemporâneo. De algum modo, ao apresentar como protagonista uma escrava
quase branca, o romance parece legitimar uma ideia de que os traços
fenotípicos de um indivíduo possam ter uma relação direta com o espaço em
que ele esteja inserido. Logo, Isaura ? principalmente ela, tão linda, tão pouco
negra ? não merecia ser escrava. Desse modo, se existe uma lógica que afirma
ser alguém bonita demais para estar na cozinha ou na senzala, esse mesmo
princípio implicitamente sugere que outrem lá pode estar por merecimento,
como uma espécie de castigo para uma ausência de qualidades positivas, como,
por exemplo, a alvura? considerada como padrão de beleza. Numa leitura
atualizada, a partir do romance, desejamos discutir principalmente o espaço
legado ao negro não só naquela obra e naquela sociedade, mas, sobretudo, na
sociedade brasileira atual.
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49 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A ESPACIALIDADE NO CONTO MARIDO, DE LÍDIA JORGE
ELISABETE DA SILVA BARBOSA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
Este estudo tem a proposta de promover uma discussão acerca do modo como
a escritora portuguesa Lídia Jorge (1946-), autora do conto Marido, se apropria
de elementos espaciais por meio da linguagem para construir uma narrativa de
ficção em que um jogo dialético se impõe, evidenciado pela caracterização das
personagens. Nesse contexto, o masculino, relacionado a espaços exteriores,
surge contraposto ao feminino, que ocupa o espaço interno e doméstico. A
construção da narrativa revela, a partir da interação entre as duas personagens
centrais, uma relação opressiva que é reforçada pela forma como os sujeitos em
questão lidam com a espacialidade. Para este estudo, privilegiamos uma
abordagem filosófica a partir da Poética dos espaços de Bachelard (2008) e Mil
Platôs de Deleuze e Guatarri (2011), o que pode ser associado a conceitos
provindos da geografia interpretativa para se elucidar um pouco o modo como a
linguagem literária se apropria de elementos espaciais, com vistas à produção
de um constructo estético. No esteio desse campo interdisciplinar, os conceitos
de multiterritorialidade e de fronteira são privilegiados, os quais serão
empregados com a finalidade de se buscar uma melhor compreensão dos
lugares ocupados pelas personagens. A territorialização da figura feminina, a
princípio centrada no Marido, é ressignificada ao final do conto. Lúcia passa,
portanto, por um processo de reterritorialização, o que se identifica com a
tragicidade da própria morte. Além disso, por meio do conceito de fronteira,
busca-se uma interpretação do limiar entre o público e o privado como instâncias
emblemáticas para que as personagens Lúcia e o Marido fossem construídas
de forma dialética. Intenciona-se, dessa maneira, pensar o espaço como meio e
objeto de sentido (MONTEIRO, 2002), pois não somente serve de pano de fundo
para que a construção da trama literária seja efetivada, mas como um dos
elementos da narrativa que interfere nas percepções do leitor a respeito da
condição humana representada no texto.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A ESPACIALIDADE NO CONTO O MARIDO DE LIDIA JORGE
GÉSSICA DE SOUZA
UTFPR - CAMPUS PATO BRANCO
Na teoria da narrativa literária alguns elementos são de fundamental importância
na construção das narrativas, tais como: o tempo, o narrador, os sujeitos e o
espaço. Sendo esse último, o espaço, o mais completo elemento narrativo pois,
dele derivam os outros elementos e, sem o qual não é possível a constituição
da narrativa. O espaço literário determina tanto o ambiente físico com o
ambiente psicológico da narrativa e é determinado como qualquer cenário onde
a narrativa acontece. Sendo assim, temos o espaço como a primeira e principal
informação dentro do texto. Os estudos sobre a espacialidade dentro da
literatura tem-se intensificado no decorrer das décadas, tendo em vista, a
necessidade de dissecação do texto literário. Foi pensando nessa importância
dos estudos do espaço literário, que esse trabalho tem por intuito esboçar uma
análise da estrutura espacial do conto ?O Marido? da escritora portuguesa Lídia
Jorge, conto pertencente a obra: ?O Marido e Outros Contos?. O conto em
questão é um texto contemporâneo que possui uma narrativa fluida, onde mais
de um espaço é apresentado ao leitor, tanto físicos quanto psicológicos,
permitindo, assim, análises imagéticas e metafóricas dos referentes espaços. A
partir dessa afirmação e, para embasar a proposta de análise do conto ?O
Marido?, serão usados os estudos teóricos de Gaston Bachelard, em sua obra
?A Poética do Espaço?, onde o autor nos apresenta o conceito de topoanálise.
Definição, essa, que estará presente durante todo o processo de dissecação do
espaço na narrativa de Lidia Jorge. Também serão usados os estudos sobre o
espaço de Ozíres Borges Filho, Luis Alberto Brandão, e outros estudiosos do
campo da espacialidade literária. É importante destacar que, o espaço literário
acontece desde a primeira frase de uma narrativa, pois, trata-se de onde essa
narrativa está acontecendo e onde o leitor a está ambientando, mesmo sem
nenhuma descrição de ambiente físico. Por isso, é possível afirmar que todos
os outros elementos da narrativa, encontram-se dentro de apenas um: o espaço literário.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A IDENTIDADE DO NEGRO E O ESPAÇO EM? CLARA DOS ANJOS? DE LIMA BARRETO
MARCIO ANTONIO DA COSTA SANTOS
UFGCATALÃO
Prof. Dr. Ozíris Borges Filho
O presente trabalho tem por objetivo analisar a desconstrução da imagem do
homem negro através da obra Clara dos Anjos de Lima Barreto. A pesquisa será
analítica. Utilizaremos as obras de Osman Lins (1976) como referencial na
abordagem do espaço e Silva(2012) Hall(2012), Woodward(2012) como
principais obras sobre a teoria da identidade. Demonstraremos a importância do
espaço para a caracterização das personagens e como ele influencia o
desenvolvimento e compreensão da narrativa. Segundo Woodward, a
construção da identidade é referencial, depende de algo que está fora dela, de
outra identidade que difere de si, mas que fornece condições para sua
existência. Ela é marcada pela diferença (2012. p 9) Desta forma, a imagem do
negro na sociedade brasileira até o século XIX foi determinada pela sociedade
dominante, formada por senhores de escravos, detentores do poder político,
econômico e religioso. Neste contexto, o homem negro perdia sua condição de
homem e tornava-se apenas um animal utilizado como força de produção. Assim
identificado, não podia ser sujeito de si e desta forma a literatura reproduzia-o e
retratava-o em segundo plano, com discursos que reforçavam o pensamento de
que ele não era pessoa humana nem poderia ter voz. Em Lima Barreto, na obra
Clara dos Anjos, poderemos ver a ascensão do negro à posição de protagonismo de sua narrativa e não apenas com objeto na narrativa.
Palavras-chave: literatura. Identidade. Espaço literário.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A LIRICIZAÇÃO DO ESPAÇO COMO MECANISMO DE DEFLAGRAÇÃO DO INSÓLITO FICCIONAL EM APARIÇÃO, DE VERGÍLIO FERREIRA
MARCUS VINÍCIUS LESSA DE LIMA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
UBERLÂNDIA
CNPq
A partir dos textos de Marisa Martins Gama-Khalil e Fernando Alexandre de
Matos Pereira Lopes, ambos presentes no volume O espaço literário na obra de
Vergílio Ferreira (2016), buscamos analisar como em Aparição, assinado pelo
autor português contemplado pela obra teórica acima referida, a percepção do
espaço pelo narrador autor-ficcionalizado corrobora uma leitura do romance
segundo a ótica das teorias do fantástico, no âmbito do insólito ficcional
considerado como elemento de desnormatização discursiva, inscrito seja no
domínio do desvio da norma, segundo Mukar?vsky, seja no da
desautomatização e do efeito de estranhamento, segundo Chklóvsky. Para essa
leitura, será importante recorrer ao ensaio Da fenomenologia a Sartre, de
Vergílio Ferreira, e ao texto sartriano A transcendência do Ego, bem como às
observações do autor português nos volumes publicados de seus diários (Conta-
Corrente I-V), de modo que possamos perceber que é a intuição de si para si ?
ou ?[a] presença de mim a mim próprio e a tudo o que me cerca?, que, conforme
o narrador de Aparição, ?é de dentro de mim que a sei? (FERREIRA, 1971, p.
10, grifo nosso)?, a consciência de si que operará como elemento deflagrador
de uma percepção insólita do espaço ressaltando o caráter vertiginoso,
fantástico, absurdo (para usar vocábulos caros a Vergílio Ferreira) da
autoconsciência e da existência humanas. Compreendendo o insólito, com
Lenira Marques Covizzi, como o elemento que faz irromper o ?inverossímel,
incômodo, infame, incongruente, impossível, infinito, incorrigível, incrível,
inaudito, inusitado, informal? (COVIZZI, 1978, grifos da autora), podemos propor
uma leitura do romance em questão (partindo de um outro romance vergiliano,
o posterior Alegria Breve) considerando-o um momento conceitual em que o ser
humano é definido como o ser insólito no âmbito do espaço autorregulado(r) da
natureza, seguindo considerações de Martin Heidegger, em The Ode on Man in
Sophocles? Antigone, e de Jean-Luc Nancy, em Corpo, fora, com o suporte de
Michel Foucault, em O corpo utópico; As heterotopias, para a análise do domínio
do simbólico (da linguagem humana) como espaço semântico-discursivo
propício à produção conceitual tanto da norma quanto do insólito que a desarticula.
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53 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A PRAÇA DA SÉ E A PEREGRINAÇÃO DA VELHA AURIDÉA
RAFAEL SENS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
O escritor carioca Victor Giudice lançou seu livro de estreia, "Necrológio", em
1972; uma coletânea de contos em que se encontra o terceiro intitulado "A
peregrinação da Velha Auridéa". Nele, somos transportados a uma praça da Sé
física, geográfica e sensorial através da estrutura dos contos populares e do
realismo mágico onde o leitor deparar-se-á com um deslocamento total que
perdurará ao longo de muitos outros contos restantes do livro. Ele se inicia em
uma das mais populares regiões de São Paulo descrita de maneira tão
conhecida e comum quanto. Através desta abertura, da descrição banal e
identificável, da coloquialidade do texto e da simplicidade das primeiras
características, o leitor pode facilmente se colocar no ambiente proposto pelo
narrador, dentro do intervalo rápido das poucas páginas que duram o conto. O
encontro com o maravilhoso em "A peregrinação..." coincide com a
apresentação de uma corrida geográfica que partirá de um lugar tão comum, a
igreja da praça da Sé e sua escadaria, para mais outras oito igrejas fictícias. Os
nomes inventados são identificáveis por serem permutas possíveis de termos
que são comumente utilizados na nomeação de igrejas e imagens cristãs, sendo
palavras que remetem a ideias centrais da religião: a santidade, a castidade, o
causo milagroso, a penitência adjunta da dor ou do sacrifício. Estas mesmas
características são praticamente sinônimos dos temas centrais do conto:
esmola, o jejum e a oração. As igrejas de Auridéa não existem fora de seu
universo fictício, mas convencem o leitor através de um mecanismo de
verossimilhança com a realidade, pois remetem a nomes que são extremamente
possíveis e são refutados somente perante pesquisa. Analisando a construção
deste espaço, que é visto através de olhos mágicos e embaçados de uma
narração transgressora, realizo um percurso que abrange questões como a
literatura maravilhosa, o realismo mágico, o conto popular, o absurdo, a religião
e, principalmente, a crítica social, já que antes de sermos empurrados para um
mundo de igrejas fictícias e fantasiosas, de jornadas heroicas, moedas
encantadas e feiticeiras concedentes de magias, somos localizados em um
pequeno espaço físico que não foge à realidade: o primeiro degrau da escadaria
da Sé, ainda hoje repleta de pedintes à mercê da esmola pública, da caridade e dos milagres.
V JOEEL
54 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
AMARO MAR: O ESPAÇO MARÍTIMO COMO GERADOR DE EPIFANIA EM VIVA O POVO BRASILEIRO
MARIA DAS GRAÇAS MEIRELLES CORREIA INSTITUTO FEDERAL DA
BAHIA
sem fomento institucional
O presente trabalho visa a discorrer sobre a presença do mar na construção do
espaço epifânico no percurso da personagem Venância, no romance Viva o
povo brasileiro, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro. O romance remonta a
quatro séculos da história do Brasil e o trecho a ser analisado com vistas a traçar
o percurso epifânico da referida personagem localiza-se na segunda década do
século XIX. A referencialidade histórica se localiza no período da escravidão,
precisamente aos 12 de junho de 1827, na edição de Círculo do Livro de 1984,
o trecho estende-se entre as páginas 117 a 121, mas remonta a uma sequência
iniciada entre às páginas 80 a 82 quando a personagem Venância torna-se
vítima de um estupro por parte do seu senhor, o Barão de Pirapuama. Este fato
confirma o destino de predestinação sob o qual a personagem nascera e tal
destino inter-relaciona-se com o mar, sendo, pois, o percurso da personagem
marcado por situações nas quais o espaço marítimo será preponderante para o
curso da narrativa romanesca. Dentre outros, quatro são os eventos cujo mar
interfere na trajetória de Venância ao longo do romance, a saber: o nascimento
da personagem; o momento em que dar à luz a Maria da Fé, heroína da trama;
quando assume o comando de barco barco pesqueiro e, por fim, quando é
brutalmente assassinada por homens que tentam estuprar sua filha adolescente.
Nestes termos, o presente artigo volta-se para analisar como o espaço do mar
contribui com a redenção da personagem fazendo-a, por meio da rememoração
da condição de liberdade das baleias, caçadas na Baía de Todos os Santos,
macro espaço onde grande parte do enredo romanesco se desenvolve, retomar
o desejo vital de enfretamento da sua condição de sujeição. O autor João Ubaldo
Ribeiro, ancorado em fatos históricos, remonta ao período da pesca da baleia
no Bahia e usa a descrição do processo de acasalamento dos mamíferos para
referencializar o princípio do processo epifânico pelo qual passa a personagem
após a experiência do estupro. Assim, diversos espaços encenados no trecho
em análise remetem ao processo pré epifânico, epifânico e pós epifânico, sendo
o mar o local onde, ao mesmo tempo que funciona como espaço de redenção,
é por meio dele também que Venância assume a tomada de consciência de sua condição de escravizada e da desapropriação do próprio corpo.
Palavras-chave: Espaço marítimo, análise narrativa, literatura baiana, João Ubaldo Ribeiro
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55 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ANAMORFOSES ESPACIAIS NO ROMANCE "AS MENINAS", DE LYGIA FAGUNDES TELLES
MARIA DAS DORES PEREIRA SANTOS UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA - UNEB
Este trabalho tem como objetivo apresentar uma análise da constituição da
espacialidade literária no romance "As Meninas", de Lygia Fagundes Telles,
pautada nos procedimentos artístico-literários de constituição da anamorfose.
Este romance, publicado em 1973, apresenta a temática da violência ditatorial
encarnada na vida de três personagens femininas: Ana Clara, Lia e Lorena,
jovens universitárias que "testemunham" em suas trajetórias os "Anos de
chumbo". A articulação dos discursos dessas três personagens-narradoras, que
"funcionam" como ecos entrecruzados de monólogos interiores e fluxos de
consciências, instauram uma narrativa que tem como força motriz relatos sobre
a morte, conferindo ao discurso literário um caráter fragmentário e ruínico ao
"dar a ver" no tempo/espaço do romance uma desordem na descrição de
fenômenos cotidianos vivenciados dramaticamente. Diante disso, tomaremos
como base para a análise a observação de elementos tais como narrador-
personagem, tempo e espaço, buscando compreender como essa tríade opera
na instauração de efeitos expressivos que sugerem a presença da figura
(neo)barroca da anamorfose. Como ponto de ancoragem para a análise dos
modos de elaboração desse artifício na narrativa lygiana, tomaremos os
processos de focalização localizados na linguagem do romance,
destacadamente nas configurações óticas (de)formadoras das referências
espaciais construídas no/pelo discurso das narradoras-personagens. A base
teórico-metodológica que utilizaremos para amparar o estudo dos elementos
anamórficos de construção da espacialidade nessa obra toma como suporte,
entre outras, as contribuições de Roland Barthes (1982) e Walter Benjamin
(1984) cujas reflexões iluminam os modos de aparição desse recurso artístico e
seus efeitos estéticos na forma romanesca. Pretende-se, por fim, com essas
discussões sobre o romance "As Meninas", contribuir para o reconhecimento de
que há entre a obra e seu contexto, o fato histórico-político da Ditadura militar
no Brasil, articulações expressivas que operam a síntese entre crise social e criação artística.
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56 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
AS MANIFESTAÇÕES INSÓLITAS DO ESPAÇO EM O MISTÉRIO DA ESTRELA? STARDUST, DE NEIL GAIMAN
BRUNO SILVA DE OLIVEIRA UFU/ IF GOIANO
O espaço é um dos elementos narrativos pelos quais o insólito ficcional
se manifesta. Logo, parte-se da premissa de que o espaço em que as
narrativas insólitas transcorrem é tão importante quanto as personagens que
nele atravessam, uma vez que é por meio dele que se percebe a transgressão
às leis do mundo prosaico e esse espaço pode suscitar estranhamento e
inquietação no leitor, pois faz esse se questionar se aquele espaço existe
realmente. Quando se lê uma narrativa da vertente do maravilhoso, o "era
uma vez" são palavras mágicas que, como o pó de pirlimpimpim, transportam
o leitor para um mundo de inúmeras possibilidades, povoado de fadas,
duendes, bruxas, dragões entre outros; o que não significa um ato de fuga ou
evasão da realidade por parte do leitor, mas uma base sob a qual ele poderá
reler o "seu" espaço "real", pois os mundos insólitos têm sua arquitetura
construída a partir da base de real que o leitor tem. Assim, propõe-se discutir
como os espaços se configuram no romance maravilhoso O mistério da estrela
? Stardust, de Neil Gaiman, focalizando os seus sentidos e como possibilitam
a instauração do insólito na referida narrativa, que é um conto de fadas escrito
na contemporaneidade, mas ambientado na segunda metade do século XIX.
CARTOGRAFIA AFETIVA: A INSCRIÇÃO DO ESPAÇO CARIOCA NA POÉTICA MACHADIANA ? UM ESTUDO DE CORRESPONDÊNCIAS, CRÔNICAS E ROMANCES
PRISCILA FERNANDES BALSINI UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Machado de Assis era apaixonado de tal forma pelo Rio de Janeiro, que pegou-
lhe emprestado o espírito para compor seus textos. Foi nas crônicas que
mais enalteceu sua cidade natal. Mas também achamos indícios desse
encantamento nas cartas e nos romances ambientados no espaço carioca, com
destaque para Dom Casmurro e Memorial de Aires. Assim como o escritor, suas
personagens passeiam pelas ruas do Centro, vão do Catete a Botafogo,
passam dias na Tijuca e na serra carioca. Nesse sentido, a máxima de
Tchekhov parece ter sido seguida à risca por seu contemporâneo brasileiro:
escrever apenas sobre aquilo que se conhece. No caso machadiano, o
enamoramento pela terra natal se mostra tamanho que a própria cidade
ganha vida e personalidade, tal qual as personagens de seus romances. Os
bairros da Glória e do Flamengo, emoldurados pelo mar, em Dom Casmurro,
são peças centrais que se mesclam aos pontos de tensão do texto. Em
Memorial de Aires, o Conselheiro Aires circula pelo território carioca, fazendo
com que o leitor consiga reconstituir e flanar pela cidade do século XIX. Aires
descreve o cotidiano do local, enaltece sua beleza e seus costumes, e chega a
desdenhar de tudo o que viveu no exterior, como diplomata, em troca de passar
os últimos anos em ?casa?. Machado de Assis cria uma personagem com olhos
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57 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
enamorados da beleza de sua cidade, numa espécie de saudade e de
despedida antecipadas de alguém que já chegou ao poente da vida. Flagramos
o encanto do autor também em algumas de suas cartas, principalmente na
correspondência com Veríssimo, em que chega a autoproclamar-se um
?carioca enragé?. Mas, se tratando de Machado, precisamos estar atentos às
máscaras. Será que a imagem do ?carioca enragé? não estaria dissimulando
uma certa frustração pela impossibilidade de conhecer outras localidades no
Brasil e no mundo, resultado de sua enfermidade? Por outro lado, o autor só
poderia falar com propriedade da cidade que conhecia, sendo esta a capital do
país e celeiro para os principais expoentes políticos, econômicos, sociais e
culturais. Nesse sentido, ao falar do Rio, Machado colocava-se como uma voz
privilegiada, inserindo-se, mesmo que geograficamente, no círculo de
intelectuais da capital. À maneira de biodiagramadores, recolhemos e
integramos os pontos luminosos de correspondências, crônicas e romances.
Construímos com esses pontos uma forma de acesso às reflexões
machadianas relacionadas ao espaço carioca inseridas em sua poética. Nossa
expectativa foi a de levar a termo o enunciado de Bakhtin (2003, p.316), que
apregoa: ?ver e compreender o autor de uma obra significa ver e compreender
outra consciência, a consciência do outro e seu mundo, isto é, outro sujeito?.
Travamos, desta forma, um encontro dialógico entre indivíduos, consciências,
lugares e culturas. Verificamos que Machado prepara a argamassa de sua obra
com elementos da memória, da história e da ficção, que uma vez reunidos parecem feitos da mesma matéria.
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58 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
CHIMAMANDA NGOZI ADICHE E SEUS DESLOCAMENTOS EM AMERICANAH
REGINA FATIMA OLIVEIRA DE SA
UERJ/ COLÉGIO PEDRO II
Este estudo objetiva evidenciar a dimensão sensorial dos espaços urbanos no
livro Americanah (2013) da nigeriana Chimamanda Ngozi Adiche (1977-).
Enquanto leitores, conhecemos uma gama de personagens africanos e
estadunidenses ao adentrarmos suas casas, trabalhos, escolas e salão de
beleza. Via ficção, podemos estar em Lagos, Londres ou Princeton no
tempo presente ou rememorado, desde a adolescência da personagem
principal, Ifemelu. Essa movimentação intensa, tão característica da
contemporaneidade, gera uma pluralidade de sensações; entre elas, a
sensação de angústia pelo não pertencimento integral a nenhum dos espaços
(desenraizamento). Mas, com suas configurações novas do visível, do dizível
e do pensável (Rancière, 2010a), com seu lirismo e também humor, Adiche nos
dá uma narrativa desconcertante, sensorial, divertida, e por isso afirmativa.
Afinal, trata-se de uma história de amor sobre seres plurais, cidadãos híbridos,
no qual ora o leitor se identifica, ora estranha, sentindo-se em casa ou um
completo turista numa terra desconhecida. Adiche, com sua arte,trabalha
nestes encontros entreculturais e faz com que o leitor perceba o apagamento
das fronteiras entre o nacional e colonial, saindo da egológica cartesiana da
modernidade para uma geológica que abre espaço para as interrogações sobre
as produções univocais de significado e as verdades do mundo atual. Como a
própria Adiche alerta em seu famoso TED talk: existe perigo na ?história
única?(2009). Este trabalho terá por base os pressupostos teóricos de Robert
T. Tally Jr.(2013), Sten Pultz Moslund (2015), e de Edward W. Soja (1996), com
especial interesse nas questões de espaço que são depuradas em suas obras
a partir de Kant, Heidegger, Deleuze, Tilley, Böhme, Boehmer e Lefebvre.
Em um último deslocamento entre obra e vida, este trabalho também
pensará o espaço ocupado por Chimamanda Adiche enquanto autora. Afinal,
Adiche reescreve a ?África?. Embora ela use características da
africanidade,tais como a tradição oral, noções de ancestralidade, e o idioma
igbo, ela faz parte da escola achebiana de literatura inserida no que foi
denominado ?terceira geração de escritores nigerianos?. Esses escritores
preferem abordar os problemas sociais contemporâneos, seus deslocamentos,
e escrever ficção urbana por acharem essa uma forma mais eficiente de
ressignificar seu país de origem. Adiche, que virou uma pessoa pública de
bastante sucesso, além da autoridade conquistada pelas premiações e seu
trabalho acadêmico, tem um papel e espaço de atuação importante e
diferenciado.
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59 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DA CASA À CAPELA, DO RIACHINHO AO HOMEM: O ENTRELAÇAMENTO DOS ESPAÇOS DA NARRATIVA DE
NÁDIA GARCIA MENDES
UFRJ
"Uma estória de amor", de acordo com a 1º edição, é a segunda estória de
Corpo de baile e a primeira das três parábases pensadas por Guimarães Rosa.
Narrada a partir do ponto de vista de Manuelzão, que chega à fazenda da
Samarra para trabalhar, a narrativa traz como acontecimento central os
preparativos da festa que se faria para inaugurar a capela de Nossa Senhora,
construída por iniciativa de Manuelzão. Nos preparativos da festa e no festejo
em si, percebemos não ações, mas os dramas pessoais do personagem
Manuelzão, que, após anos de viagens e andanças como vaqueiro, escolhe se
instalar na fazenda da Samarra, que pertence a Frederico Freyre. Orgulhoso
da confiança depositada pelo patrão, que deixa a Samarra sob a
responsabilidade de Manuelzão, o personagem se entrega à vontade de fazer
crescer a região. Nas emoções e pensamentos do personagem, no entanto,
outras questões vinham à tona, como a solidão, marcada pela ausência de uma
companheira, o medo de permanecer como empregado, a distância afetiva do
filho, que embora estivesse morando próximo, permanecia estranho aos
projetos do pai. Observamos que os dilemas íntimos de Manuelzão, aflições,
dúvidas e questões, são entrelaçados pela presença dos espaços da narrativa.
A composição da fazenda revela a trajetória do homem Manuelzão. Na casa,
no riachinho, na capela estão as marcas do personagem, que mobiliza novos
significados para sua vida, com a construção da Samarra. Apresentamos uma
proposta de comunicação que objetiva realizar a leitura da estória de
Guimarães Rosa, orientada pelos sentidos forjados pela composição dos
espaços na narrativa de "Uma estória de amor", buscando, sobretudo, as
interpretações de Gaston Bachelard, em A poética do espaço. Acrescentamos
ainda que consideraremos como espaço da narrativa, em "Uma estória de
amor", a relação afetiva estabelecida entre o personagem Manuelzão e a
Fazenda da Samarra, principalmente, no que diz respeito ao riacho, assim
como à construção da casa de Manuelzão e da capela dedicada à Nossa
Senhora.
Palavras-chave: Narrativa. Espaço. Personagem. Guimarães Rosa.
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60 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DA CIDADE AO ESQUECIMENTO: PRINCÍPIOS DA TOPOANÁLISE EM LEITE DERRAMADO, DE CHICO BUARQUE
ALLYSSON DAVI DE CASTRO
UFPI
CNPq
Não é muito difícil de se chegar à conclusão de que a cidade ocupa um espaço
majoritário na literatura brasileira desde o fim do século XIX, com a ascensão
do romance, e de forma mais incisiva nas narrativas contemporâneas. A forma
como a cidade é representada no romance vai para além de uma mera
representação e acaba por revelar questões de ordem social, política e cultural.
Se o espaço urbano já é em si um lugar de rearranjos, de movimento,
de fluxo, na contemporaneidade esse espaço é potencializado, de forma que
acompanha o crescimento da metrópole e da própria sociedade com toda a sua
complexidade. Na realidade, toda descrição na narrativa que envolve o aspecto
urbano funciona como um elemento fundamental para se entender as
personagens que ali transitam, já que ele expõe, quase como um reflexo, o
homem urbano em seu mais alto grau de subjetividade: um indivíduo
fragmentado, um andarilho, um flâneur. E talvez um dos retratos mais
contundente dessa modernidade esteja em Leite derramado (2009), quarto
romance de Chico Buarque. A narrativa desta obra se estrutura sob a forma de
um monólogo, em que as reminiscências de um centenário desenham uma
cidade no intervalo de dois séculos, por meio das vivências da família
Assumpção. Posto isso, o presente trabalho objetiva fazer uma leitura
topoanalítica do romance em questão, privilegiando uma abordagem que
endosse aspectos da condição urbana e, a partir disso, investigar como esse
tipo de abordagem contribui para a captação do universo urbano, por meio de
imagens e metáforas espaciais. Para isso, serão utilizadas, como suporte
teórico, diversas teorias de outras áreas do conhecimento, como da
sociologia e da geografia, bem como as teorias do espaço ficcional, tendo em
visto a busca por uma visão integradora e uma investigação interdisciplinar, de
modo a contribuir com as teorias do espaço literário. Para isso, os estudos de
Tuan (2005), Borges Filho (2007), Santos (2014), Sarlo (2014) dentre outros,
servirão de base teórica para fundamentar a discussão acima pretendida. 02/
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61 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DA POÉTICA DO RIO A OUTROS ESPAÇOS DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO
DIOGO DOS SANTOS SOUZA* UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS INSTITUTO FEDERAL DE
ALAGOAS
CNPq
O presente projeto de pesquisa propõe realizar um estudo crítico-analítico,
analisando a simbologia do rio em três obras cabralinas que podem ser lidas
como uma trilogia da figuração do espaço: O cão sem plumas (1949-1950), O
rio ou relação da viagem que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade de
Recife (1953) e Morte e Vida Severina: auto de Natal pernambucano (1954-
1955). No primeiro livro desse ?tríptico do rio?, a imagem desse espaço é
tecida por meio de variadas comparações, tendo como principal a metáfora
do rio na figura do cão. Já na obra seguinte, é possível encontrar uma espécie
de continuidade com o trabalho da imagem do rio, mas num outro modo de
versejar, pois apresenta-se um trajeto poético das águas do rio até Recife. A
dicção lírica próxima ao discurso oral aproxima esse livro de Morte e Vida
Severina: auto de Natal Pernambucano, mostrando que a relação de similitude
existente entre esses dois textos não é só de ordem temática, como também
composicional. Autores como Bachelard (2008), Brandão (2013) e White (1991)
são as principais fontes teóricas que baseiam a discussão sobre a
representação do espaço. Assim, os resultados iniciais desta pesquisa
mostraram que tanto o rio se comporta como um agente narrativo que nos
conduz a um percurso poético pelo espaço regional do sertão quanto se
transforma num lugar que se constitui na complexidade da composição de uma
personagem, como, por exemplo, Severino. A partir das leituras que já foram
realizadas, é possível notar que os espaços poéticos cabralinos dos livros
citados dialogam, ora complementando-se, ora formando novas zonas de
leitura quando se entrecruza os signos do rio. Além disso, o estudo desse tipo
de espaço pode oferecer chaves de leitura para a compreensão de outros
lugares que figuram numa posição importante na poesia cabralina, como o
cemitério e a cidade.
PALAVRAS-CHAVE: João Cabral. Espaço. História
* Estudante de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Letras e
Linguística da Universidade Federal de Alagoas e Professor de Língua
Portuguesa do Instituto Federal de Alagoas, Campus ? Piranhas.
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62 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DAS PAISAGENS AOS POEMAS: A INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DO ESPAÇO PAULISTANO POR MARIO DE ANDRADE
ADRIANE LIMA PINHO
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
RENAN CALDAS GALHARDO AZEVEDO UNIVERSIDADE DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO
Mec-sesu
Diferentes trabalhos sobre paisagens se fundamentam principalmente em
metodologias visuais, buscando a interpretação de diferentes elementos visuais
em um determinado recorte espacial. No entanto, segundo Jean-Marc Bessé
(2014), o sentido visual não pode ser considerado o único instrumento de
interpretação de paisagens. As experiências paisagísticas são dimensões
polissensoriais, podendo até mesmo serem interpretadas por meio de poemas.
Essa ousadia de se pensar poeticamente as paisagens do território brasileiro
considerando as suas diferentes manifestações culturais e antropológicas teve
no Modernismo Brasileiro o nome fundamental de Mário de Andrade. Em seus
poemas Mario descreve (de forma hodológica) inúmeras paisagens que
representam diferentes recortes espaciais do Brasil, principalmente as
paisagens de São Paulo, cidade esta que aparece em inúmeros dos seus
versos. O poeta incentiva o leitor a conhecer as diferentes paisagens da cidade
em suas obras. Em Inspiração, de Paulicéia Desvairada, convida o leitor a
imergir na afeição da voz que diz, sem sublimações comedidas, ?São Paulo!
Comoção de minha vida?. Já em Tietê, o rio e seus elementos revelam a
história da cidade e a própria personificação da essência plurificada de São
Paulo por meio dos seus recursos imagéticos. À margem do rio tudo acontece.
Do rio vivo ao rio estéril. Nas suas águas o caminho da história se fez guia pelos
bandeirantes, desbravadores do território, habitados pelo ?entusiasmo? e
?ambição? de povoar a terra. Sobre a paisagem do Tietê uma cidade se revela.
Por fim, a paisagem da cidade também provoca em Mario uma áurea nostálgica
(ainda que ácida) como em Paisagem número 1. O eu-lírico aparece totalmente
imerso, absorto na metrópole declamada no seu otimismo mais
extasiado:?Minha Londres das neblinas finas?. A ressignificação dos
componentes processadas pela ótica do poeta oferece novos caminhos que
desnaturalizam as funções habituais. As ?pernas das costureirinhas [são]
parecidas com bailarinas?, os elementos climáticos completam o sentido do
texto: ?O vento é como uma navalha nas mãos dum espanhol?, e o confronto
com o urbano ocorre: ?Este friozinho arrebitado dá uma vontade de sorrir!? e
?À inquietude alacridade da invernia, como um gosto de lágrimas na boca...?,
acarretando em uma toada sinestésica admirável. Como pôde-se perceber
inúmeros são os poemas de Mario que descrevem e exemplificam a sua forma
de interpretar a paisagem geográfica da cidade de São Paulo, descortinando
todos os simbolismos existentes em cada elemento da paisagem local. Desta
forma buscaremos neste trabalho demonstrar um pouco da ótica do poeta e de
sua interpretação sobre os diferentes espaços e paisagens presentes na
Geografia de São Paulo.
Palavras Chave: Mário de Andrade. Paisagens. Poemas.
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63 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
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64 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DE UM ESPAÇO A OUTRO: A RELAÇÃO ANÔMALA ENTRE O BANHEIRO E A CIDADE EM "O ARQUITETO"
CLÉBER DUNGUE
USP - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
CNPq
" Eu tive a ideia dessa cidade sentado na privada com prisão de ventre". Assim
Bernardo Carvalho começa o conto "O arquiteto", publicado em 1993 no livro
"Aberração". O substantivo abstrato, tomado como título, ganha diferentes
conotações em todos os onze textos que compõem a obra. Considerada a
diversidade de sentidos que o termo vai adquirindo no conjunto textual, a sua
repetição pode ser entendida como um expediente que garante uma certa
convergência semântica e estilística. Não seria inconsistente, portanto,
argumentar que se trata de uma coletânea de aberrações variadas. Inserido
nesse contexto, "O arquiteto" pode ser analisado com base no significado do
substantivo "aberração", o qual se abre para diferentes linhas de interpretação.
Já no início do relato, o narrador assinala o desarranjo do seu intestino, que o
faz passar muito tempo no banheiro sem conseguir evacuar. A fim de se distrair,
dar sentido ao momento ocioso ou desprender-se da incômoda situação em
que se encontra, ele começa a conceber uma cidade a partir da observação
cuidadosa do piso, das paredes e dos demais objetos que compõem o
banheiro. O espaço destinado à higiene inspirou e deu forma a uma insólita
urbe subterrânea. O mundo inventado pelo protagonista parte da configuração
concreta do lugar que o circunda enquanto está sentado em um vaso sanitário,
ganhando, por fim, uma conotação sublime no plano do imaginário. Assim, não
seria absurdo pensar na existência de um princípio de equivalência entre a
dificuldade de evacuar e a imaginação. Essa correspondência orientaria os
devaneios arquitetônicos, ou seja, haveria uma estreita relação entre a
retenção das fezes e o delírio criativo. Tal condição aproximaria o abjeto do
sublime, principalmente, pelo trânsito que conecta os domínios do baixo aos do
alto. Nesse sentido, convém ressaltar que o procedimento inventivo se
configuraria a partir de um desvio, o qual decorre, em princípio, de uma
anomalia da função desempenhada pelo intestino do personagem-arquiteto em
vez de expelir, retém-se a massa fecal. Em decorrência das perturbações
intestinais, ele se sente impulsionado ao fazer criativo. Parece
imprescindível, portanto, considerar a relação do termo aberração com a
questão corporal e o planejamento estético do espaço.
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65 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DEZEMBRO NOS PARA-BRISAS: O ESPAÇO EM ?¡GUA!?, DE LUIZ RUFFATO
ALAN BRASILEIRO DE SOUZA
UNIVERSIDADE DE BRASÍIA
FAPDF
RESUMO: Este estudo tem como objetivo apresentar uma leitura do conto
?¡Gua!?, do escritor mineiro Luiz Ruffato (2005), tomando como perspectiva de
abordagem a análise da construção do espaço nessa narrativa, observando-o
tanto enquanto categoria compositiva da estruturação do relato, responsável
pelo enquadramento das personagens ? retomando o pensamento de Osman
Lins (1976) ?, bem como elemento inscrito no processo de construção de
significados plasmado pelo texto. Narrado em terceira pessoa, o relato
desdobrado em ?¡Gua!? concentra-se predominantemente em um único dia,
véspera de natal, e em um espaço inominado, isto é, apenas nos é revelado
que se trata de algum ponto do centro da cidade de São Paulo. Assim, sob
estes contornos, acompanhamos alguns instantes do dia de uma vendedora
ambulante hispanófona, que, subentende-se, se trata de uma imigrante ilegal.
A partir da tensão que é criada entre esses elementos, constrói-se no texto um
intricado processo de simbolização crítica e estética em que, compreendemos,
a espacialidade assume posição central. Dessa maneira, propomos que o
espaço, como um móbile, é manipulado pela/na arquitetura do conto de tal
modo que disso decorre o que compreendemos como três modulações do uso
da espacialidade no texto, quais sejam: i) os espaços descritos pelo narrador ?
rua, possivelmente, do centro da cidade de São Paulo e ?os fundos de um
galpão no [bairro do] Bom Retiro? (RUFFATO, 2005 s.p.), nessa mesma
cidade-; ii) o sugerido pela voz das personagens em relação dialógica ? aqui,
além de permitir o vislumbre dos contornos físicos da espacialidade (de algum
ponto, talvez genérico, do centro da cidade de São Paulo), ocorre o que
poderíamos observar como um preenchimento simbólico do espaço -; iii) a
estruturação do texto no espaço da página ? partindo da observação de que o
conto é composto em um bloco narrativo formado por um único longo parágrafo,
propomos que este último ponto de espacialidade emerge no texto criando um
jogo de perspectiva que, ao apontar para tanto para os dois eixos indicados
anteriormente como para o desdobramento temporal da narrativa e para a
composição das personagens, lança o olhar do leitor para a compreensão da
arquitetônica da obra de Ruffato. Para a efetivação dessa análise, tomaremos
como fundamentação reflexões colhidas nas obras de Francismar Ramirez
(2012), Gaston Bachelard (1993), Luís Alberto Brandão (2013,2015), Massimo
Canevacci (1993), Osman Lins(1976) e Regina Dalcastagnè (2015).
Palavras-chave: Luís Ruffato. Espaço. Cidade. Literatura.
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66 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DIÁRIO DE LEITURA: UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO
JOSUÉ RODRIGUES FRIZON
COLÉGIO FRANCISCANO CRISTO REI - MARAU-RS
O presente trabalho busca apresentar o relato de experiência de uma mediação
de leitura que foi realizada com alunos de 8º e 9º ano, de uma escola privada,
no município de Marau - Interior do Rio Grande do Sul. O objetivo desta
mediação foi o de inicialmente verificar, através da criação de Diários, as
leituras realizadas pelos jovens leitores em formação. Além disso, buscou-se
contribuir para a formação de novos leitores literários, sobretudo de leitores de
literatura gaúcha, por meio de mediações realizadas na biblioteca escolar da
instituição. Inicialmente foi proposta aos alunos, pelo professor pesquisador, no
início do ano letivo 2017, a produção dos diários. Aceita a tarefa, num segundo
momento iniciaram-se as visitas a biblioteca escolar. O docente deu a
possibilidade aos educandos para que também fizessem o registro de filmes,
séries, jogos, letras de músicas, entre outras atividades que fazem parte do
cotidiano destes. Assim, buscou-se incentivar igualmente o hábito da escrita
por parte do público-alvo, ao mesmo tempo em que se procurou ter uma
percepção maior sobre as leituras realizadas pelos jovens. A atividade
possibilita algumas reflexões: seja em material impresso ou no meio digital, é
grande a diversidade de leituras realizadas. Também é possível afirmar que os
registros se tornaram hábito cotidiano para um número significativo de
participantes. Ao final da mediação de leitura, obviamente, espera-se ter
contribuído para a formação de novos leitores e se ter uma maior reflexão sobre
o comportamento leitor dos discentes.
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67 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DO (IN)VISÍVEL NA DIMENSÃO DAS ESPACIALIDADES RE(A)PRESENTADAS EM O BURRINHO PEDRÊS: REFLEXÕES SOBRE LUGARES DEMARCADOS PARA HOMENS E MULHERES NARRADOS
MARIA DE LOURDES DIONIZIO SANTOS
UFCG - UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CNPq
Trata-se de uma leitura sobre a representação espacial na obra O burrinho
pedrês, de João Guimarães Rosa. Partimos do pressuposto de que os espaços
de homens e de mulheres re(a)presentados na referida obra (casa, campo e
cidade), deixam perpassar, na tessitura narrativa, distinções que revelam
demarcações dos espaços a serem ocupados por homens e por mulheres.
Percebemos, através dessa leitura, que as raras mulheres mencionadas na
narrativa, ou estão confinadas no espaço da casa, ou no imaginário masculino.
Contrapondo-se a esta limitação espacial, encontramos os homens, cuja
mobilidade excede em muito essa condição, tendo em vista sua prerrogativa
de ser livre que, em nossa sociedade, ainda patriarcal, pode locomover-se por
diversos espaços, sem fronteiras. Nessa perspectiva, ao observarmos o
silêncio latente, nessa obra, contribuindo para a invisibilidade a figura feminina,
percebemos que as personagens masculinas percorrem quase todo o espaço
da narrativa. Dessa forma, a partir da breve aparição da personagem Maria
Amélia, assim como da figura invisível, porém estigmatizada, da namorada do
Badu, em torno da qual se estabelece um clima de ciúme, uma disputa e
instaura-se um conflito no enredo, somos instigados a discutir a aparição
desses seres nas múltiplas espacialidades que a estrutura narrativa revela.
Para fundamentar este estudo, além da obra em discussão, faremos recurso
às leituras de textos que abordam a questão do espaço na representação da
obra literária, a exemplo de Tadié (1999); Blanchot (2001); Cassirer (2001 e
2011), Bachelard (1978); Cunha (1998); Thomas e Dalcastagnè (2011); Borges
Filho (2007); Borges Filho, Lopes e Lopes (2015); Barbosa e Borges Filho
(2014); Marques (2014), entre outros, com os quais buscaremos estabelecer
diálogo, no sentido de aperfeiçoar nosso conhecimento neste âmbito do
Conhecimento. Dessa maneira, buscamos contribuir com a disseminação e o
revigoramento da cultura brasileira e universal, através das reflexões acerca da
espacialidade que a obra rosiana suscita.
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68 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DO REAL AO IDEAL: O ESPAÇO COMO OBJETO DE (RE)CONQUISTA EM A NOITE DAS MULHERES CANTORAS DE LÍDIA JORGE
LUDIANI RETKA TRENTIN
UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA FEDERAL DO PARANÁ - UTFPR
Uma das tendências da literatura pós-moderna é por em cheque o conceito de
uma verdade estável e inquestionável em detrimento do conceito de várias
verdades, ou seja, a experiência que determinado sujeito, estando inserido em
um grupo social distinto, adquiriu a respeito de certo acontecimento ou período.
Esse conceito pode ser encontrado em muitas obras contemporâneas e amplia
o imaginário do publico leitor para as diferentes formas de se entender um
mesmo acontecimento, e isso não é diferente com a renomada escritora
portuguesa Lídia Jorge. A fama que recebeu pelos muitos prêmios atribuídos
às suas obras ilustra a importância de sua escrita para a consolidação da
literatura contemporânea como a conhecemos hoje, e sua obra A noite das
mulheres cantoras é um exemplo de como essa escritora trabalha a linguagem,
atribuindo-lhe uma gama significativa de sentidos. Nesse texto, pretende-se
realizar uma análise aprofundada sobre o contexto em que a história das jovens
cantoras acontece bem como a revisitação histórica realizada pela escritora, a
partir do conceito de romance histórico de George Lukács em seu livro O
romance histórico e Seymour Menton na obra Nueva novela histórica e a
influência deste para o desenvolvimento do enredo, além de estudar a ótica
espacial a partir do regresso dos portugueses de sua antiga colônia na África
para um lugar que, apesar de ser seu ponto de partida, não se assemelha com
o ponto de chegada. Dessa forma, tem-se como objetivo traçar um paralelo
entre a linguagem metafórica da versão explícita da narrativa, a das cinco
jovens cantoras, em sua conquista pelo espaço da fama, com o sentido mais
aprofundado atribuído à linguagem e a forma como os retornados da colônia
tiveram que lutar pela reconquista do espaço que não mais reconheciam. A
pesquisa será embasada, além dos autores anteriormente citados, pelas
contribuições teóricas de Silviano Santiago em The space in-between, Gaston
Bachelard, em A Poética do Espaço, além de conceitos de outros autores como
Ozíres Borges Filho e Luis Alberto Brandão. Cabe ressaltar que a literatura
contemporânea, e nesse caso muito bem representada por Lídia Jorge, é muito
rica em significado, principalmente pela riqueza vocabular empregada e
extrapola sua função de entreter, mas acima de tudo informa. No livro A noite
das mulheres cantoras, Lídia Jorge traça um panorama histórico bastante
definido e disfarçado, exigindo do leitor muito mais que uma leitura superficial
e oferecendo a este, em contrapartida, um repertório cultural incomensurável.
Palavras chave: espaço e história; retornados; romance histórico; Lídia Jorge.
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69 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESCRITA POR IMAGENS DA CIDADE NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
MOEMA DE SOUZA ESMERALDO
PUC-RIO/SEDF
CAPES
Carlos Drummond de Andrade Drummond executa na sua escrita,
principalmente como cronista, a tarefa de um pensamento não instrumental e
interessado em discutir questões relacionadas às imagens dialéticas do
passado, por meio da rememoração dos espaços da cidade, para elaborar a
representação da experiência urbana, marcada pelo cotidiano e pelas pessoas
comuns que habitam a cidade. De modo singular, elaborou uma escrita por
imagens que narrou acontecimentos grandes e pequenos e conseguiu flagrar
imagens do passado que fogem a uma perspectiva linear e continuísta da
história. Para amparar o enfoque apresentado, partirei de algumas
considerações teóricas discutidas por Walter Benjamin no ensaio intitulado
Sobre o conceito da história (1994) e em alguns fragmentos pertencentes ao
livro Passagens (2006). O autor alemão expõe que o pensamento não é apenas
uma questão de conteúdo, mas de forma (escrita), e que um projeto de escrita
por imagens seria a construção de uma filosofia por imagens. Benjamin afirma
que a compreensão de tempo apoia-se a partir de uma descontinuidade, com
sentido que se distingue do tradicional, pressupondo parte substancial de um
pensamento por meio de uma escrita por imagens. No ensaio intitulado Sobre
o conceito da história, Walter Benjamin faz uma crítica radical ao pensamento
historicista tradicional, que concebe a linearidade histórica com o objetivo de
preencher o tempo histórico homogêneo e vazio. Para tanto, aponta que o
passado aparece como uma "imagem que perpassa veloz, como fixação rápida
e não definitiva tal qual um relâmpago" (Benjamin, 1994, p. 224). Tendo como
ponto de partida crônicas de Carlos Drummond pretende-se demonstrar que,
em cada época histórica, a menção ao espaço, em especial o espaço da
cidade, travestiu-se de diversas formas de expressão e diferentes maneiras de
conhecer e representar o mundo relacionado com o meio vivido. Interessa, no
entanto, cingir alguns discursos pertinentes à literatura e experiência urbana
para tentar observar como esta foi reinventando a cidade e analisar,
paralelamente a isto, como o sujeito se relaciona com essa invenção ao propor
a cidade como objeto de sua reflexão.
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70 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPACIALIDADE E DESPERSONALIZAÇÃO EM MEMÓRIAS DO CÁRCERE
CARINA FERREIRA LESSA*
UFRJ/UNINCOR
Capes
A alma caeté, segundo Graciliano Ramos, nasce da perturbação selvagem que
mora dentro do ser humano e que renasce quando estabelece contato com o
perigo ou com a ameaça. Um impulso que, para os personagens graciliânicos,
parece vir do instinto de proteção quando confrontados com a realidade das
relações de poder, sempre fracassadas. Em Memórias do Cárcere, a igualdade
tão almejada e refletida nos romances anteriores aparece como fruto de um dos
laboratórios mais ricos, segundo Graciliano, pelo qual passara. Desde o início
do romance, a sensação de despersonalização será retomada para caracterizar
o status social que todos experimentavam na prisão, na qual ele, como igual,
misturava-se inclusive aos vagabundos, sobre os quais sempre alimentara
grande ojeriza. A despersonalização nascia do fato de todos serem tratados
como iguais, da sensação de perder-se a individualidade. A igualdade social na
prisão comporta ares de injustiça, principalmente porque Graciliano Ramos
nunca ficou sabendo os motivos que o levaram até ali: "não me acusavam,
suprimiam-me?". A despersonalização se opõe justamente à necessidade
imperativa do autor de marcar a presença do seu discurso. A sensação causada
por esse processo de igualdade esmaga-os como ratos diante de uma nova
ordem. Se todos ali condicionados recebem o mesmo tratamento, deve-se
dizer, como já era esperado, que o tratamento não era em nada respeitoso. O
narrador-personagem não tarda em perceber e sentir que, mesmo para os
vagabundos, há uma injustiça no ato de tentarem apagá-los. A
despersonalização, no espaço do cárcere físico, como modo imperativo de
delegar ao outro sua inferioridade, será recorrente no discurso narrativo de
Memórias do Cárcere. Neste laboratório rico, conhecendo diversas
personalidades, Graciliano Ramos experimentará a complexidade embutida na
igualdade. Todos ali, vindos de diferentes camadas sociais, igualam-se e são
massacrados por outra realidade de opressão. Tornam-se indistintos no que diz
respeito à profissão e igualam-se diante do poderio militar. A partir desse
engenho social tão complexo, o narrador-personagem irá conquistar amizades
muito peculiares, distantes da sua perspectiva psicológica e social, mas que se
coadunaram com a sua dor. Capitão Lobo e Cubano, o militar e o vagabundo,
perante a miséria que assistiam, se compadecem e são empáticos com a dor
do ser humano por detrás de Graciliano Ramos. Há, como pano de fundo das
almas, um instinto de sobrevivência que a todos pertence. Sendo assim, o
presente trabalho pretende abordar a relação íntima entre o espaço da prisão
e as reminiscências de Graciliano Ramos, na medida em que essas buscam
justamente evidenciar os resquícios daquele espaço físico no homem que se
apresenta como narrador - um homem que passa a enxergar na sobrevivência
uma necessidade, que não só está além do discurso individual, mas também
das visões políticas bipartidas.
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71 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
*Pós-doutoranda e Professora da Unincor (Universidade Vale do Rio Verde),
Doutora em Literatura Brasileira pela UFRJ. E-mail: [email protected]
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72 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPACIALIDADES E RUPTURAS: UM ESTUDO DA PERSONAGEM MARIA, DO ROMANCE RIO-PARIS-RIO, DE LUCIANA HIDALGO
HELENA MARIA DE SOUZA COSTA ARRUDA UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO DE JANEIRO (UFRJ)
CAPES
Este estudo objetiva mostrar como a personagem Maria, do romance Rio-Paris-
Rio é construída, tendo em vista seu deslocamento do Rio para Paris nos
chamados Anos de Chumbo da política brasileira, e o quanto este trânsito é
fundamental na formação de sua identidade, já que Maria é neta de um militar
influente do Rio e se vê envolvida nos conflitos que também se estendem por
Paris. Maria, estudante de filosofia na Sorbonne parece transitar entre duas
realidades: uma interna, na qual luta para equilibrar-se e compreender a si
mesma, e outra, externa, em que vivencia timidamente os conflitos de um país
que não é o seu. Ou seja: Maria é uma personagem estrangeira, desenraizada,
exilada, como nos apontam em seus estudos teóricos, Kristeva (1994), Todorov
(1999) e Said (2001). Porém, vive um exílio que não lhe é imposto pela ditadura
brasileira, mas pelo próprio avô, que a afasta dos revolucionários do Brasil. Seu
?exílio? torna-se complexo à medida que se envolve com Artur, poeta e artista
de rua misterioso, também brasileiro. Apesar da leveza e do romantismo que
envolvem a personagem central, Maria é obrigada a vivenciar seus duplos,
suas personas, já que tenta ocultar do namorado que é neta de militar. Há um
quê de ingenuidade que ronda a personagem, e, apesar de dialogar
constantemente com Descartes e com a filosofia, ela busca nos poemas e nas
cartas de Artur, algum conforto, algumas respostas, que nem sempre encontra.
Maria, então, desloca-se entre as ruas de Paris e seu minúsculo apartamento
que tem ?toda a simetria e perfeição que ela espera do mundo.? (2016, p.7)
Apartamento-refúgio versus a amplidão das ruas. Espaços-mundo que
dialogam com a personagem, numa geografia de afetos e de incertezas, como
nos aponta Bachelard em seu livro A poética do espaço (2010) sobre espaços
felizes (?topofilia?) e Borges Filho (2007) sobre os espaços da dor
(?topopatia?). Maria é a antítese da liberdade, apesar de ?estar? livre e bem
distante dos olhares reprobatórios da família. Ela parece não saber o
significado da palavra liberdade, uma vez que nunca conheceu o cárcere.
Então, busca encarcerar-se entre a perfeição que espera das pessoas ? tendo
Artur como ponto de desequilíbrio ? e seu próprio mundo, criado por si mesma:
seu quarto, seu sistema-mundo, onde está seu ponto X, de onde tenuamente
tenciona pensar o mundo exterior: ?Quadrado, minúsculo, é cortado por linhas
retas, com lados e ângulos iguais. Ela mede cada centímetro para se certificar
das dimensões exatas e senta no X riscado no chão. Nesse ponto fixo gira sua
odisseia. Rios, oceanos, continentes cabem em poucos metros quadrados:
paisagens imaginárias inspiram aventuras imóveis. Sem sair do quarto, Maria
sonha no banal o extraordinário.? (2016, p. 7). Maria e espaço se fundem. Maria
é, então, seu próprio espaço.
Palavras-chave: espaço; personagem feminina; identidade.
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73 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
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74 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO ATEMPORAL; FÍSICA E FICÇÃO EM 30 E POUCOS ANOS E UMA MÁQUINA DO TEMPO
CLAYTON ALEXANDRE ZOCARATO
UFSCAR
A escritora norte-americana Mo Daviau lançou em 2016 ?30 e Poucos Anos e
uma Máquina do tempo?, ao qual coloca um espaço de ação narrativa,
enfocando diferentes períodos da história atual e medieval, o que soa como
uma tipologia literária submetendo a saúde psíquica como enfoque intelectual
principal para a construção de trâmites estéticos, aos quais o leitor, é levado a
se aventurar dentro de conceitos da física da quântica, como buracos de
minhoca, fusão do tempo, e possíveis viagens no tempo, enfocados em seus
personagens principais, Karl Bender e Wayne Demint. As viagens para outros
períodos de contextualização histórica, bem como a tessitura ao qual a autora
coloca elementos psicanalíticos que fazem um jogo intertextual, na destruição
de paradigmas ideológicos contendo unicamente um sentido existencial para
consolidação humana , de seus arcabouços de ação moral , fazendo uma
polivalência comportamental em traçar, sentidos de espaços literários, que
coloquem interdisciplinariedades nas metodologias de estudar, antagônicos
caminhos de individuação aos quais os personagens são lançados, criando
distanciamentos a liames?, entre o impossível e o possível, fazendo o instante,
e a eternidade (BACHERLARD, 20005), estarem unidos dentro de um
sincretismo teleológico, aos quais, sua sinopse se desvencilha de caminhos
lineares no eixo de sua formulação a um sujeito com diversificados primados
de significação moral. Não há um espaço de ação narrativo definido, ele vai
mudando constantemente, com as viagens no tempo que ocorrem
cotidianamente, despertando dúvidas e incertezas quanto a sanidade de seus
protagonistas, deixando um alarido dialético ?na questão de um meta-espaço
psicológico? (FOUCAULT, 2008), quanto a uma obra literária que contenha
resquícios plenos de sanidade em seus pilares de progresso narrativo. Os
aspectos de consciência e inconsciência, sobre a transmutação atemporal dos
seus protagonistas, deixa marcas para um sentido comunicativo, deformando
uma materialidade respeitando as leis físicas, sanciona Daviau como uma
escritor que valoriza, cunhos, em estudar conteúdos do espaço-literário,
envolvidos em questões como a solidão, amizade, existencialismo, velhice, aos
quais dentro do contexto da pós-modernidade, produz enlaces para uma
multiplicidade de eixos espaciais, que envolvem antagônicas similitudes da
condição humana, em empreender ensejos de uma teoria do romance, que
esteja cerceada por múltiplas disposições a elucidar, diferentes dilemas da vita
activa, no século XXI.
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75 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO CONSTRUÍDO E ESPAÇO NATURAL EM O GUARANI
GLEISON ARAUJO MORAIS UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS - CARANGOLA
Este artigo está desenvolvido em torno do tema Espaço e Literatura. Optou-se
pelo título espaço construído e espaço natural n?O Guarani, de José de
Alencar. Tema estudado por diferentes autores tais como Antonio Dimas (1987)
e Cândida Vilares Gancho (2002) que abordam sobre as dimensões que o
espaço pode atingir num enredo. Para não nos perdermos no emaranhado de
ideias que podem intrecruzar o percurso deste trabalho elaborou-se o seguinte
problema: quais os recursos utilizados por Alencar para transitar de um espaço
natural a um espaço construído literariamente? As hipóteses são duas: a
primeira diz respeito à presença da prosopopeia na escrita, em relação ao
espaço. A segunda, vinculada a primeira, busca responder o possível motivo
das atribuições simbólicas, para isto é preciso saber qual é o tipo de obra escrita
pelo autor, a saber: indianista, em que o que estava descrito explicitamente, ao
fazer uso de tal figura de linguagem, atinge dimensões simbólicas. Objetiva-se
com o referido a verificação dos recursos literários utilizados por Alencar para
verificar os procedimentos literários da travessia supracitada. A obra atrai o
olhar da ecocrítica, trazendo uma relação telúrica dos personagens em relação
ao espaço, despertando o olhar para a preservação do meio ambiente. No
romance o personagem é colocado em igualdade com o meio, ele conhece a
terra, a fauna e a flora que, circunscritas ao seu modo de ser, constituem-se
como unidade. Este estudo justifica-se, por que, de acordo com o PPC do curso
de Letras (2016/2017), a literatura sofreu mudança de paradigmas, e, hoje, nos
seus estudos, é preciso observar os vieses teórico-interpretativos que irão
integrar o conhecimento literário à atitudes críticas, que iluminam o artefato
literário em diferentes instâncias, no caso da obra de Alencar, este artefato é a
ecocrítica, os demais conceitos que justificam este estudo estão com Antonio
Dimas (1987), para quem o espaço é patente e explícito, contendo dados de
realidades que, em um âmbito posterior, pode alcançar dimensões simbólicas,
caracterizando a ambientação, ideia reiterada pela autora Cândida Vilares
Gancho (2002), que diz que o espaço tem como principal função situar os
personagens e suas ações. Esse artigo esta construído a partir da pesquisa
qualitativa, de cunho bibliográfico. Os autores que irão contribuir para sua
confecção são: Antonio Dimas (1987), Cândida Vilares Gancho (2002), os
estudos ecocríticos de Maria do Socorro Pereira de Almeida (2014), Antonio
Candido (1997), Domício Proença Filho (1997), Ana Regina Vasconcelos
Ribeiro Bastos (1998).
Palavras-chave: Espaço, Ambiente, Literatura, Ecocrítica, Romance Indianista.
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76 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO E IDENTIDADE EM "TEATRO" DE BERNARDO CARVALHO
JULIANA NASCIMENTO BERLIM AMORIM
COLÉGIO PEDRO II
O romance "Teatro" de Bernardo Carvalho constrói, a partir de uma narrativa
policial, a identidade de um protagonista cindido. Em conflito com os "donos do
poder", Daniel emigra de sua terra natal para a terra de seus pais, devastada e
incógnita. Consigo, carreia uma identidade cindida, fragmentada, em
reelaboração constante, em muitos níveis, em seu fluxo migratório.
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77 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO E IDENTIDADE EM DOIS ROMANCES DE MILTON HATOUM
NAIARA SPERETTA GHESSI
UNESP
CAPES
Este trabalho tem como propósito elaborar uma análise comparativa dos
romances Relato de um certo Oriente, publicado em 1989, e Cinzas do Norte,
publicado em 2005, ambos do escritor amazonense Milton Hatoum, de modo a
articular a fragmentação da voz narrativa, que se faz presente nos dois
romances, com a dialética entre trânsito e a imobilidade que delineia a trajetória
de seus principais personagens. A reflexão aqui proposta faz-se importante na
medida em que se multiplicam, na narrativa brasileira contemporânea,
personagens à procura de si mesmos e de um sentido para suas existências.
Ou seja, nota-se a insurgência, na literatura das últimas décadas, de
personagens inadaptados, deslocados e transeuntes que vivem ou transitam
em espaços tão conturbados quanto eles. O que se coloca em questão, nesse
caso, é justamente o significado do trânsito e a dimensão relacional que se cria,
de um lado, entre o modo como a representação do sujeito se dá a partir da
construção do espaço e, de outro, entre a representação do espaço e a
dimensão subjetiva que o constitui. Tanto em Relato de um certo Oriente, como
em Cinzas do Norte, o ato de narrar está intimamente relacionado à procura de
uma identidade e de um sentido para a própria vida, o que resulta no trânsito -
ou na permanência? de seus personagens. Desse modo, a hipótese defendida
por este trabalho é a de que a busca pela (re)construção da identidade motiva,
nesses dois romances, o trânsito de seus personagens por diferentes espaços
ou a sua fixidez.
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78 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO E MEMÓRIA: SÍMBOLOS E REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO NO ROMANCE UMA HISTÓRIA DE FAMÍLIA, DE SILVIANO SANTIAGO
ALINE MARA DE ALMEIDA ROCHA
UNINCOR
Entendemos que a memória no romance de Santiago é um vetor de mudança
e ao mesmo tempo um espaço configurador e configurado pelo narrador. É a
partir da progressão desses dois planos que se realiza a narrativa. A
reconstrução da memória se refaz a partir da visão do narrador sobre os
espaços observados e o mais fundamental, por meio da percepção que ele tem
sobre as experiências de tio Mário nesses espaços. Pode-se afirmar que o
caráter revelador de Uma historia de família é dado exatamente pela
reconstrução da memória de criança do narrador. Ela rompe com a visão
racionalista dos adultos, ligada às convenções sociais que condicionam o
comportamento da família, em sua essência, repressora, calcada na mesma
ideia de Althusser sobre os aparelhos ideológicos do Estado. Para o filósofo, o
Estado exerce o domínio sobre os cidadãos por meio dos Aparelhos
Repressivos do Estado (ARE) e dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE). Os
primeiros usam da violência para evitar atos de revolta no meio social, enquanto
os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE) são responsáveis por criar ?uma
relação imaginária dos indivíduos e suas reais condições de existência?.
(ALTHUSSER, 1985, p.43-44). Althusser esclarece que os aparelhos
repressivos utilizam de forma secundária a ideologia como instrumento para
divulgação de seus valores, garantindo sua reprodução no meio social. Os
aparelhos ideológicos também apresentam um duplo funcionamento
(ideológico e repressor), embora a repressão, neste caso, seja de natureza
simbólica e, portanto, mais sutil que a violência física. Os métodos particulares
utilizados para selecionar, sancionar ou excluir um indivíduo de uma
organização como a igreja, a escola ou a família guardam assim íntima relação
com a violência. A memória torna-se, portanto, o vetor espacial, seja como
representação social, seja como representação familiar. A fragmentação do
espaço vai ao encontro da configuração da narrativa, como flashes fotográficos,
como recortes cinematográficos que aos poucos formam um grande mosaico
de imagens e vozes como a construir os ecos de uma história de família. Deste
modo, o objetivo deste trabalho é analisar as questões ideológicas que
permeiam as relações familiares com os espaços ocupados por ela. Nesse
sentido, é pertinente analisar a noção de espaço como fronteira a partir dos
estudos de Borges sobre a concepção espacial de Iuri Lotman, como também
as concepções de Brandão e Osman Lins sobre o espaço literário.
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79 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO E REPRESENTAÇÕES DA FEMINILIDADE EM POEMAS DE MIA COUTO
EVERTON FERNANDO MICHELETTI
USP
Nos poemas de Mia Couto, há uma série de referências e metáforas espaciais
com diversos temas, como morte, infância, nação, o próprio fazer poético, o
relacionamento amoroso e, logo, as representações da feminilidade. As
mulheres surgem de diferentes modos, podendo-se dividir pela voz
enunciadora, seja por um eu lírico masculino que a elas se dirige ou as
descreve, como a elas também é dada a voz em primeira pessoa. Nesse último
caso, vem sendo reconhecido o esforço do autor em trazer o ponto de vista
feminino, embora haja muitas discussões sobre esse aspecto. São recorrentes,
portanto, os motivos espaciais relacionados às mulheres, destacando-se os
seguintes: água, fogo, céu, chuva, terra, noite, escuridão, madrugada, sombras,
pétalas. Nota-se, também, a espacialidade do corpo feminino, com referências
ao ventre, coração, peito/seios, sangue, rosto, olhos, lábios, sabor, carne,
morder, predominando os sentidos, a sensualidade. Nesse caso, há uma série
de referências à penetração, em versos como: "sou eu dentro de ti"; "O teu
ventre aceitou a gota inicial/e um novo habitante/enroscou-se no segredo da
tua carne"; "como eu te habitava". Além das "amadas", há poemas com a
temática da maternidade, a relação entre mulher e casa, assim como elementos
do espaço adquirem características femininas, em que se tem, por exemplo, o
"ventre da terra". Como se nota, espaço e mulher refletem características, como
nos versos: "como um poente/no bater do teu peito". Mia Couto também é
reconhecido como um autor que explora a polissemia, por isso, os mesmos
motivos espaciais podem surgir com significados diferentes, e até contrários,
entre um poema e outro, como no verso em que o homem pede à mulher:
"mergulha os teus dedos no feitiço do meu peito" (Raiz de orvalho e outros
poemas, 2014), a penetração se inverte e passa ao corpo masculino. Em um
dos poemas dedicados à esposa, a espacialidade ligada à feminilidade deixa
de ser tematizada pela noite e a escuridão, apresentando a luz e a claridade,
com motivos como: sol, céu, nuvens, pássaros brancos, acender, perfume. Em
face desses aspectos e de questões que venham a surgir, propõe-se
apresentar uma leitura de poemas do autor em que as representações da
feminilidade incidem no espaço, sendo verificados os vários sentidos dos textos
e suas relações com o contexto, tendo em vista as críticas feminista e pós-
colonial.
V JOEEL
80 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA MANAUS DE MILTON HATOUM
MANOELLE GABRIELLE GUERRA UNESP - FACULDADE DE CIÊNCIAS E
LETRAS DE ARARAQUARA
CAPES
Este trabalho tem por objetivo questionar a relação existente entre identidade,
memória e espaço a partir das representações da cidade de Manaus presentes
em ?Relato de um certo Oriente?, primeiro romance de Milton Hatoum,
publicado em 1989, ao lado do volume de crônicas ?Um solitário à espreita?,
livro lançado pelo autor em 2013. A hipótese que fundamenta esta discussão é
a de que há um processo de subjetivação das instâncias narrativas que
possibilita a construção de identidades individuais e coletivas, atreladas ao
espaço por meio da memória. Intenta-se, portanto, discutir de que forma a
representação de Manaus sofre uma interferência da voz narrativa e como isso
modifica o processo de articulação das identidades presentes no romance e
nas crônicas. A forma breve deste texto e também a relação direta com um
cotidiano ou real quase sempre identificável dão margem a uma possível
representação de espaços ? territórios culturais e simbólicos ? que apontam
para a articulação entre um domínio subjetivo, individual, e outro, de natureza
coletiva. Já o romance, que se configura como uma espécie de relato de
viagem, traz em si a sobreposição de tempos e representações da cidade que
retomam desde o auge da migração árabe até o tempo presente da narrativa,
no qual a narradora-relatora retorna à casa da infância. Esse espaço fechado
condensa em seu interior toda a trajetória da família e, ao lado da cidade,
constitui uma esfera identitária referente a um povo e às relações por ele
estabelecidas com esse espaço que lhes é outro, mostrando a figura do
estrangeiro em solo manauara. A voz que narra o romance se difere daquela
presente nas crônicas pelo olhar que confere ao espaço da cidade, mas ambas
assemelham-se por meio da subjetivação do espaço e seu entrelaçamento à
memória, constituindo um processo único. É notável que há, nos narradores de
Milton Hatoum, uma recorrente articulação entre narração e identidade ou
memória coletiva e experiência individual, embora essa recorrência se
manifeste por meio da utilização de recursos formais distintos. A Manaus que
aparece no romance selecionado e nas crônicas é, ao mesmo tempo, a cidade
que acolheu migrantes de diversos lugares, como o Líbano, e a cidade mítica
das narrativas de aventura e das lendas indígenas. Ela une em sua constituição
traços que apontam para um espaço social que sofreu todos os processos de
urbanização e modernização das demais cidades, mas que conserva uma
história singular que se reflete em cada um dos sujeitos representados nos
textos abordados.
V JOEEL
81 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS (INTER)DITOS: CONFIGURAÇÕES DA EXPERIÊNCIA
SUBALTERNA EM O VENTO ASSOBIANDO NAS GRUAS, DE LÍDIA JORGE
RISONELHA DE SOUSA LINS
UERN/IFPB
Este trabalho tem como objetivo analisar o romance O vento assobiando nas
gruas, da escritora portuguesa Lídia Jorge, investigando as relações
dicotômicas e problemáticas estabelecidas no espaço de relações históricas e
sociais de Portugal por meio de uma abordagem cujo foco é o espaço narrativo
e suas implicações semânticas no contexto da narrativa. Publicada em Portugal
em 2002, esta obra reflete experiências sócio-históricas dos negros e da
mulher, inseridos na história nacional portuguesa e mostra a verdadeira face e
as reais consequências da colonização sobre a mente dos envolvidos nesta
experiência. Sob a perspectiva espacial, investigaremos também a prática
ideológica localizada, que resguarda variadas dimensões da existência
empírica dos sujeitos de margem, principalmente os negros e as mulheres, que
emergem dessas relações incapazes de falar de sua condição, não pela
qualidade do seu testemunho, mas pelo fato das palavras serem insuficientes
para abarcar a dimensão do que experimentou. Assim, verificando as marcas
vivenciais singulares da personagem no espaço de atuação, intentamos
compreender as significações da narrativa como reconstrução sensível de
mundo e as dimensões do drama vivido pelo sujeito ficcional sócio-
historicamente localizado. Neste percurso, observamos que a realidade é
configurada sob um ponto espacial de vista capaz de evidenciar as relações
entre os sujeitos e o seu derredor, bem como as normas que o regem, atuando
como elemento significativo na construção estética. Logo, considerando que
Lídia Jorge reflete, em muitas de suas obras, a dominação e subjugação
enraizadas nas relações coloniais, perpetuadas, de certo modo, nas complexas
relações do mundo contemporâneo, a abordagem realizada por este artigo dará
a cada um de nós a oportunidade de percorrer os espaços da obra na tentativa
de compreender a subjetividade humana dentro da repressão e do silêncio
impostos pela história e pela cultura ao negro e à mulher. Como aporte teórico,
recorremos as considerações sobre o espaço ficcional realizadas por Bakhtin
(1998), Bachelard (2008), Brandão (2013), Lins (1976), Borges Filho (2007),
dentre outros estudiosos.
Palavras-chave: Espaço; Lídia Jorge; Identidade
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82 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS DE RUPTURAS NO ROMANCE DE EMILY BRONTË
CINTIA DE VITO ZOLLNER
UNESP
capes
Este estudo tem o objetivo de observar o único romance da escritora Inglesa
da época vitoriana Emily Brontë O morro dos ventos uivantes (1818-1848),
analisando o modo como os espaços de deslocamento e exílio contribuem para
as transgressões dos personagens principais presentes na ficção: Heathcliff e
Catherine. Em um local sombrio, ou seja, a fazenda que atribui nome ao título
do livro, ambos vivem um amor profundo como amigos de infância, entretanto,
são posteriormente separados pelo destino. Para além do amor obsessivo que
sobrevive ao tempo, ?socialmente? impossível entre Cathy e o cigano
estrangeiro Heathcliff, objetiva-se apresentar como o personagem
protagonista, em espaços estratégicos de deslocamentos e de ?exílio?, surge
na narrativa enquanto sujeito transgressor, que rompe com questões
socioeconômicas impostas pelos
?opressores? ingleses que o circundam, contestando a cultura
predominantemente inglesa, à medida que busca para si traços de sua própria
identidade em conflito com o local da cultura em que vive. Tais aspectos
decorrem de diversas formas na narrativa. No contexto histórico a partir do final
do século XIX, o Império Inglês possibilita um momento brilhante em que a elite
inglesa constrói, numa ascensão áurea, a imagem positiva ?de si?, talvez
heroica. Neste contexto Cathy, a personagem protagonista também possui
personalidade transgressora no sombrio morro. A forma como a personagem
busca descrever suas transgressões sofridas, através de um diário será
analisada. Curiosamente, seus textos acabam por apresentar as opressões
feitas a Heathcliff, e suas consequentes transgressões de forma peculiar, em
diferentes espaços do romance. O romance segue em ordem não cronológica
e apresenta uma visão a partir do ângulo de dois narradores em locais
estratégicos, que contribuem para desenvolver a estrutura do romance. A
técnica da obra busca apresentar a narrativa dentro da própria narrativa para
possibilitar ao leitor novos pontos de vista, em espaços distintos. De igual modo,
a multiplicidade de narradores presentes no romance inglês permite voz ao
protagonista Heathcliff, sujeito contestador, de forma peculiar. São também
dois narradores ingleses que, por meio da ironia, contam e histórica de
Heathcliff, para possibilitar ao leitor a ampla visão sobre os costumes do
protagonista a partir de um novo ponto de vista no morro dos ventos uivantes.
Assim, será feito um estudo desses aspectos em que acontece o processo de
transgressão e ruptura dos personagens, a partir de espaços de
deslocamentos, à medida que Lockwood relata o que vive enquanto segue em
sua viagem pelo norte da Inglaterra. Tais aspectos serão, portanto, analisados
a partir da teoria crítica de Homi K. Bhabha presente em O local da cultura.
Palavras chave: Representações literárias; Emily Brontë; cultura e fronteiras;
Bhabha; Said.
V JOEEL
83 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS OPOSTOS E IDENTIDADES HISTÓRICAS: UMA LEITURA
TOPOANALÍTICA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE
ROSANGELA VIEIRA FREIRE
IFCE
Este trabalho se propõe à analise do espaço ficcional no ?conto? Os
gafanhotos, texto de abertura do livro A costa dos murmúrios, da escritora
portuguesa Lídia Jorge. Diferentemente de Maria Mutema, encravado no meio
do caudaloso Grande sertão: veredas, do mineiro Guimarães Rosa, Os
gafanhotos constitui a rampa de lançamento de uma narrativa maior, A costa
dos murmúrios. Trata-se do texto de abertura do romance, possui título,
epígrafe e o narrador concede-lhe um limite pela palavra FIM. Embora
estabeleça um diálogo fluente com a outra narrativa que nomeia o livro, Os
gafanhotos consiste num texto que pode ser estudado isoladamente. O
romance que acolhe o conto, na iminência de completar 20 anos de publicação,
remete-nos aos anos duros da colonização portuguesa na África,
especialmente, em Mocçambique, um dos países em que o processo
?civilizatório? foi mais acirrado. Cabe à narradora Eva, voz condutora da
segunda parte do romance, minuciar os fatos condensados em Os gafanhotos.
Embora nossa leitura esteja centrada no texto de abertura, não deixaremos
escapar os laços que unificam as duas narrativas. Portanto, nesse diálogo
consolidado na própria narrativa, buscaremos estabelecer o nosso, o científico,
possibilitado pelos fios que se rompem num texto para que sejam recuperados
no outro. O conto lida com espaços opostos: metrópole/colônia, hotel Stella
Maris/mar. Percebe-se, conforme Weisgerber (1978), que em A costa dos
murmúrios ?o mundo da narrativa se constitui, à semelhança do mundo em que
vivemos, um conjunto espácio-temporal onde lugares e instantes de ação se
interpenetram?. O trabalho objetiva mostrar como o espaço interfere na
construção das identidades e dos discursos dos sujeitos ficcionais em relações
dicotômicas. Nesse sentido, silenciados e portadores de voz digladiam na
arena ficcional. Para dar conta das nossas inquietações em relação ao texto da
autora portuguesa, nossa base teórica ancora-se aos estudos bakhtinianos
(1998), aos trabalhos de Bachelard (2008), às pesquisas desenvolvidas sobre
espaço literário, de Borges Filho (2007).
Palavras-chave: Espaço; Identidade; Lídia Jorge.
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84 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESTRATÉGIAS DE REPRESENTAÇÃO E ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO
NAS PRIMEIRAS OBRAS FICCIONAIS DE OSMAN LINS
RAUL GOMES DA SILVA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
DO SUL
CAPES
Resumo: Em sua tese de doutoramento, cujo tema central é a representação
do espaço em narrativas ficcionais de Osman Lins, Mendonça (2008) assinala
que a obra deste autor divide-se em duas fases: a primeira, marcada por uma
registro tradicional de escrita, ainda permanece pouco estudada quando
comparada às obras da segunda fase, em que se constatam experimentalismos
de linguagem, motivo de significativos trabalhos acadêmicos no país (e fora
dele). Muito embora os textos publicados a partir de 1966 sejam de fundamental
importância e merecedores de cuidado, percebe-se que as narrativas
anteriores a essa data, O visitante (1955), Os gestos (1957) e O fiel e a pedra
(1962), apresentam-se como importantes textos para a compreensão da
totalidade da poética narrativa de Lins. Especialmente no que se refere à
questão da espacialidade, estas obras operacionalizam formulações singulares
na concepção do espaço, que não se limita às relações de posicionamento ou
de caracterização, mas torna-se o recurso através do qual se evoca questões
ligadas à subjetividade (por meio do espaço psicológico e da memória), às
práticas sociológicas e ideológicas do contexto enfocado (através do espaço
social). Por isso, o objetivo central deste estudo é captar as formas de
estruturação e representação do espaço nas obras mencionadas, buscando
compreender as principais estratégias empregadas por Osman na tessitura do
espaço de suas primeiras narrativas ficcionais. Nesta incursão pela obra
literária do escritor, é preciso tomar em conta algumas reflexões já
desenvolvidas sobre as manifestações do espaço na literatura, como as que se
encontram registradas em Teorias do espaço literário (2013), de Alberto
Brandão, Lima Barreto e o espaço romanesco (1976), do próprio Osman Lins,
e Representações do espaço em narrativas ficcionais de Osman Lins (2008) da
pesquisadora Márcia Mendonça. Tais textos auxiliam-nos neste percurso e
contribuem, sumariamente, para nossas discussões acerca do trabalho literário
deste autor.
Palavras-chave: narrativa, espaço, estruturação, representação.
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85 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
FIGURAÇÕES DE UMA ?PAISAGEM DESFIGURADA? EM O QUINZE, DE
RACHEL DE QUEIROZ
VINICIUS SCHIOCHETTI UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
CAPES
O estudo aqui apresentado trata-se de uma pesquisa cujo objeto de observação
é o romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, em que se analisa a figuração
da paisagem presente na narrativa. A obra em questão, romance inaugural da
autora da geração modernista de 30, é conhecida por seus traços regionalistas
e por fazer parte da chamada e aclamada ?literatura brasileira da seca?. O
tema central da obra é este grande período de estiagem que provocará
enormes danos à paisagem sertaneja, ao homem que ali vive e ao que ali
cultiva e produz para sua sobrevivência, e o movimento das personagens em
torno dessa calamitosa situação. É justamente esse elemento, a seca, que
assumirá papel elementar para a ?desfiguração da paisagem? do sertão
descrita na obra. Essa paisagem ?desfigurada? pode ser percebida em todas
as mazelas trazidas pela seca que figuram ao longo da obra: o ressecamento
do solo; a poeira vermelha; o Sol escaldante; a pele queimada; os animais
moribundos e a carcaça dos que já morreram; a vegetação seca; as pessoas
magras e sujas vestindo trapos; ou seja, numa paisagem que se apresenta
quase como a de um pós-guerra. Outro aspecto observado na paisagem da
obra em questão é o uso das cores para indicação de presença e ausência de
vida. As cores identificadas parecem traduzir a impressão de um sujeito que
olha para o sertão e percebe com dificuldade o aspecto lúgubre desse espaço
e de tudo o que ali se coloca pelo calor, pelo Sol e pelo ressecamento, ao
mesmo tempo, esse perceptor parece buscar qualquer elemento, qualquer
?verde? restante, por exemplo, que indique alguma esperança de vida. Tanto
o conceito de ?paisagem? como o de ?desfiguração? estão essencialmente de
acordo com o conceito estabelecido por Michel Collot (2013). Para o autor, a
paisagem constrói-se não como o espaço propriamente dito, mas como
percepção subjetiva do espaço e, por conseguinte, dependente de um
sujeito que lhe dá sentido. Dessa forma, a ?desfiguração? é o processo em
que o homem se torna ausente da paisagem, o espaço onde esse
homem ainda não figurou.
V JOEEL
86 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
GÊNERO E ETNIA: NORTEADORES DA CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO EM
CONCEIÇÃO EVARISTO
LEONARDO GOMES DE SOUZA UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS
GERAIS
PAEx/UEMG
Este trabalho se constrói a partir das análises desenvolvidas na primeira fase
do projeto de extensão ?Estudos de Gênero e etnia na literatura e sua
repercussão na sociedade? desenvolvido na UEMG-Carangola, com o apoio
do PAEx/UEMG. Nessa perspectiva, pretende-se discutir, neste texto, como o
conceito de gênero enquanto realidade social e historicamente construída para
ressaltar a diferença, colocando os sujeitos e os termos feminino e masculino
numa relação de dominados e dominantes, e, por outro lado, o conceito de
etnia, enquanto conjunto de relações identitárias forjadas dentro de sistemas
culturais espacialmente estabelecidos e afetivamente constituído como o lugar
do existir e do reagir impactam a descrição e construção do espaço no interior
da literatura da afro-brasileira Conceição Evaristo - autora que espelha em sua
arte os dramas do negro feminino, construindo personagens que encarnam a
figura da mulher negra colocada pelos sistemas dominantes no ?não-lugar? do
existir e do agir, fato que mimeticamente localiza a arte desta literata no entre-
lugar, espaço miticamente construído como território da resistência e do
enfrentamento, um espaço que sofre violências e violenta àqueles que se
situam em seu interior por meio de diferentes ?tecnologias? sociais. Isto, não
como herança afro, mas sim como causa das muitas segregações impostas a
essa minoria. Deve-se apontar, portanto, para o espaço Evaristiano como
aquele que está para a recuperação dos elementos culturais negro-africanas,
para a construção de um novo prisma de análise do feminino, mas também, um
espaço de luta e reinvindicações de alteridades. Dá-se destaque ao romance
?Ponciá Vicêncio? pela condição de ?em transito? da protagonista e pela
(re)construção da tradição negra e ao livro de contos ?Olhos D?água? pelo
tratamento que a autora concede as múltiplas mulheres situadas em diferentes
espaços sociais. Ambos os livros frutos da pena Evaristiana. Iluminam este
trabalho Adichie (2012), Lauretis (1994), Bonnemaison (2002) entre outros.
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87 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
HERÓIS INDIVIDUAIS E CAUSAS COLETIVAS EM "VIDAS NOVAS", DE
LUANDINO VIEIRA
DANIEL MARINHO LAKS UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FAPERJ
O herói e sua aventura talvez constitua um dos tópicos mais explorados ao
longo da história da narrativa, remontando à antiguidade clássica. A partir das
diferentes figurações do herói podemos perceber aspectos específicos das
sociedades que os produziram. Como entendiam o tempo histórico, como
definiam os conceitos de justiça, valor ou como representavam conflitos. O mito
do herói se pretende como narrativa exemplar, revelando a moral de
determinada comunidade e conferindo origem, valor e propósito para os mais
diversos elementos culturais. Nesse sentido, a partir do mito do herói é possível
perceber as influências do campo político nos domínios da cultura. Mais ainda,
os heróis instituem novas comunidades, fundam cidades e novas formas de
habitar o espaço. Suas estórias alteram a maneira de se entender a experiência
do presente e as expectativas para o futuro, revelando as influências do campo
da experiência estética na produção de formas lógicas. O objetivo dessa
comunicação é comparar alguns dos principais aspectos do mito do herói em
sua tipologia clássica com as figurações do herói em Vidas Novas, do autor
angolano Luandino Vieira. A partir dos personagens dos diferentes contos que
compõem Vidas Novas e suas jornadas de iniciação ou de ascensão somos
capazes de perceber como transformações em conceitos chave para se
entender o espaço de experiência do mundo foram representadas no campo
da cultura, emergindo para a superfície das palavras e para as formas
narrativas. A produção literária de Luandino Vieira inscreve-se no contexto das
dinâmicas da segunda metade do século XX, sob a forma de crítica da
modernidade. Os egos imaginários engendrados em Vidas Novas são heróis
revolucionários, que necessariamente desafiam o poder instituído ao qual o
autor, por sua vez, encontrava-se também submetido durante o seu exercício
de escrita. O herói, secularizado pela estratégia realista, manteve o seu aspecto
etimológico de guardião, defensor, daquele que nasceu para servir. Entretanto,
nos contos de Vidas Novas, esses conceitos são redimensionados pela
convicção de que todos os problemas locais se conectam a uma teia global de
relações. Trajetórias individuais que se ligam a causas coletivas da mesma
maneira que causas locais entrelaçam-se a uma conjuntura geopolítica
mundial.
Palavras-chave: Herói; Autoconsciência histórica; Luandino Vieira; Vidas
Novas; Realismo
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88 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
IR EMBORA POR VONTADE PRÓPRIA É BASTANTE DIFERENTE DE SER
EXPULSO : UM ESTUDO SOBRE LITERATURA E GENTRIFICAÇÃO
FABIANA DE PINHO
PUC-RIO
IFRJ
De acordo com a pesquisadora Maria Alba Sargatal Bataller, a Gentrificação é
um fenômeno fundamentalmente urbano definido pelo desenvolvimento de
uma série de melhorias físicas, materiais e imateriais ? econômicas, sociais e
culturais ? que ocorrem em alguns centros urbanos antigos e degradados. Sua
principal característica é a substituição de classes sociais, pois, no lugar dos
antigos moradores pertencentes a classes mais baixas, passam a viver outros
com maior poder aquisitivo. Tradicionalmente, os estudos sobre esta prática
tem feito parte das discussões da Geografia, do Urbanismo, da Economia, da
Sociologia e da Arquitetura, por exemplo. Porém, percebe-se que algumas
formas discursivas artísticas, inclusive literárias, vêm compondo uma
cartografia simbólica sobre cidades gentrificadas. Documentários, grafites,
ações de coletivos artísticos(em sua maioria internacionais), narrativas audio-
visuais e romances têm formado uma rede de expressões contrárias à
Gentrificação. O que parece ser relevante para o campo dos estudos que
consideram não só as representações das cidades nos textos literários, mas o
lugar da Literatura na construção de cartografias simbólicas provenientes dos
imaginários urbanos.
De acordo com Beatriz Sarlo, a literatura é mais um dos caminhos que
escrevem a cidade, pois outros textos também a constroem discursivamente.
O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e os jornais de maior circulação,
por exemplo, construíram uma narrativa que representa uma cidade que, após
os Megaeventos, como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, deixará para os
moradores do Rio de Janeiro um legado amparado no que chamaram de
revitalização. O que se vê hoje é que tal fala buscou, na verdade, a legitimação
e apoio para efetivar um planejamento estratégico, ou seja, a criação de
condições, inclusive discursivas, para instauração de projeto de cidade, pois
uma cidade revitalizada seria lida como uma resposta para um sentimento de
crise. Consequentemente, ser contra este projeto é ser anti-patriota (Vainer, 94
e 95). Percebe-se que, paralelo a estas práticas, existem contra-relatos. Nessa
perspectiva, o presente trabalho propõe uma leitura do romance Descobri que
estava morto e do conto Antes da queda, ambos de João Paulo Cuenca, uma
vez que estes dois textos tarzem marcas discursivas contrárias à Gentrificação
da cidade do Rio de Janeiro.
V JOEEL
89 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
IRACEMA: A RELAÇÃO ENTRE O ESPAÇO E A AMBIENTAÇÃO DA OBRA
E DAS PERSONAGENS
LETICIA DA SILVA ZARBIETTI COELHO
UEMG
PAEx
LUCIANO MAGNO ROCHA
UNIMES
GLACIENE JANUÁRIO HOTTIS LYRA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa ?Representações da crise:
interseções de fontes literárias? desenvolvido na UEMG - Carangola. Nessa
concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática: Espaço e Literatura,
sob os pressupostos de construção do espaço e ambiente na literatura,
analisados em particular na obra Iracema de José de Alencar, além de
possibilitar analisar qual é o tratamento conferido a tríplice: relação telúrica,
espaço e a literatura nesta obra brasileira. Guiados e motivados pelos estudos
acadêmicos, este trabalho se justifica pelas demandas da literatura sob a ótica
do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais ? PPC
(2016/2017), visando compreender melhor e analisar essa relação da criação
do espaço/ambiente com sua vinculação com as personagens que também são
construídas a partir de uma ideologia determinada do autor e de suas intenções
para com a obra. O título deste trabalho - Iracema: A Relação Entre o Espaço
e a Ambientação Da Obra e Das Personagens, consideramos conveniente, pois
sugere ao leitor uma ideia da análise que fizemos como ponto chave da
pesquisa. Objetivamos estabelecer um paralelo reflexivo e explicativo Dentro
da obra literária, no qual foram abordadas questões teóricas que alicerçaram
nosso trabalho. Quanto a metodologia, este trabalho foi desenvolvido a partir
de uma pesquisa bibliográfica para fomento dos conteúdos teóricos, como
DIMAS (1987), BLANCHOT (1987), GARRARD (2006) e GANCHO (2002) e de
uma análise qualitativa das obras supracitadas. No decorrer das pesquisas
adentramos com os teóricos da eco crítica, que é de suma importância, visto
que ao trabalharmos com o espaço e a ambientação de Iracema, que tem foco
grandioso na fauna e flora brasileira, essas concepções, por sua vez, trouxeram
novas iluminações para o trabalho e o tornaram mais sólido e reflexivo. Enfim,
a partir de toda a pesquisa e análises foi possível refletir sobre o processo de
construção do espaço e do ambiente e a intencionalidade aplicada pelo autor
quando os cria, bem como sua importância no conjunto da obra literária em
harmonia com a construção das personagens, além de refletir nos estudos da
eco crítica. Ao findar das pesquisas teóricas, seguindo uma proposta
extensionista, esta foi adaptada e aplicada em uma aula para alunos do 6º ano
do ensino fundamental, buscando trabalhar com os discentes algumas
questões literárias sobre o ambiente e as personagens da obra escolhida de
José de Alencar. A partir desta aula, os alunos puderam refletir mais
criticamente sobre a importância do desenvolvimento reflexivo entre o ambiente
e as personagens e puderam produzir suas próprias histórias, visando aplicar
os conhecimentos adquiridos e trabalhar com a abordagem da conscientização
ecológica, como prega a eco crítica.
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90 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
PALAVRAS-CHAVE: Análise Literária; Iracema; Espaço e Ambiente; Eco
crítica.
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91 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
JORNADA ANGOLANA: DE PEPETELA A MANUEL ALEGRE, A
REPRESENTAÇÃO ESPACIAL NA GUERRA DE LIBERTAÇÃO
FERNANDA DE AQUINO ARAÚJO MONTEIRO
UFRJ
CAPES
A temática do mar e das viagens marcou a história do mundo ocidental, efeito
de uma milenar história de homens que partiram ao mar por diversas razões: o
comércio, as guerras, as conquistas territoriais. Homens partiam em suas naus,
que ?cortava o mar a gente belicosa? (CAMÕES, 2011, p.81), enquanto as
mulheres permaneciam em sua terra e casa, à espera dos retornados, assim
foi como Penélope e muitas outras esposas, mães e irmãs. Aliada à história
nacional, a literatura portuguesa resgata com frequência a temática das
navegações, as batalhas além-mar e o domínio de povos. Um dos exemplos
de batalhas que foi muito resgatada na literatura lusa foi a de Alcácer-Quibir,
conhecida no Marrocos como a ?Batalha dos Três Reis?, que consiste num
combate travado no norte da África, em 1578, próximo da cidade de Alcácer-
Quibir, que resultou na derrota portuguesa, com o desaparecimento do rei D.
Sebastião, e a morte ou o aprisionamento dos combatentes. Nesta linha de
evocação da trágica batalha de Alcácer-Quibir, o romance de Manuel Alegre,
publicado em 1989, pode ser considerado uma reescrita que ?transpõem para
um novo tempo e um novo espaço toda a loucura do empreendedorismo dessa
Jornada de África, de Marrocos a Angola, de Alcácer Quibir a Luanda,
Nambuangongo.?, como escreve Ana Sofia Neno Leite (2011). O romance de
Alegre é diretamente entrelaçado com a obra de mesmo nome de Jerônimo de
Mendonça, de 1607, mas dessa vez o Sebastião, que outrora carregava a
alcunha de O Desejado, passa a ser um simples soldado anti-sebastianista,
anti-colonialista, que veio duma?geração obrigada a conjugar na primeira
pessoa o verbo matar e o verbo morrer. Há muito que tal não acontecia?
(ALEGRE, 2007, p.59). Todavia, devemos ser críticos aos escritos
portugueses, porque apesar da sua boa intenção em questionar a guerra em
terras angolanas, acabam por derrapar em terrenos do senso-comum, como a
representação da imagem da mulher angolana, por dar pouca voz aos
combatentes ?inimigos?, aqueles que durante séculos foram silenciados,
perpetuando assim o predomínio da voz portuguesa, aquela voz de dominação,
controle, até certa soberania em relação aos demais. Já o romance Mayombe,
publicado em 1980, pode ser lido?como um contraponto [da]literatura colonial?
(CHAVES, 2006, p.80) e que Pepetela consolida uma das mais frutíferas
tendências da sua literatura, a relação de História e Ficção, como defende
Inocência Mata (2006, p.46), que admiravelmente carregava uma carga
ideológica de reflexão sobre este país recém-criado. Inocência da Mata afirma
também que ?Pepetela constrói uma história de celebração do esforço de um
povo pela libertação nacional, cujos protagonistas, guerrilheiros, funcionam
como representação metonímica desse povo.? (2006, p.45). Em Mayombe,
Pepetela rompe com o estereótipo da floresta como o espaço do exótico, que
os portugueses de outrora invadiam, violavam, maltratavam, como um espaço
que lhes pertencia e que, ao mesmo tempo, a relação deles com aquela terra
não identificada/desconhecida era repleta de medo, angústia, onde toda aquela
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92 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
natureza desconhecida era assustadora. Por conseguinte, o presente trabalho
pretende elucidar o modo como é retratado o espaço da guerra da libertação
angolana, a paisagem natural e sua função, e como é a imagem forjada da
mulher angolana no palco dessa luta armada, sob dois pontos de vista: um de
um escritor português no romance Jornada de África, de Manuel Alegre, e o
romance do angolano Pepetela, em Mayombe.
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93 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
LATIFÚNDIO REALISTA: ARIDEZ NA FORMA E NO SERTÃO DE VIDAS
SECAS
EDSON JOSE DA SILVA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
FAPEAL/CAPES
Este trabalho tem por objetivo oferecer uma leitura dialética do romance Vidas
secas, ao urdir um cotejo entre a particularidade da obra e a sociedade
brasileira à época da sua produção e assinalar os elementos da vida social que
aparecem nas malhas da narrativa enquanto representação do Sertão. Para
tanto, foi feita uma leitura que colocasse em evidência a linguagem realista de
Ramos, na representação do espaço sertanejo, marcada pela ausência de
floreios, pelo reproche ao tradicional "locus amoenus" conforme entendido por
CURTIUS (1996), pela sintaxe desbaste (HOLANDA, 1992) e descrição
essencial (LUKACS, 1966) que renega a pletora do detalhamento; neste
sentido, a fatura e economia da sua obra está em consonância com a aridez do
espaço sertanejo e a precariedade simbólica e material das personagens no
contexto do latifúndio. De fato, ao renegar a forma do Sertão no romance
indianista romântico do século XIX e a representação documental de um
Euclides da Cunha, ?Vidas secas? apresenta o Sertão enquanto macrocosmo
social, como uma narrativa realista, no sentido em que Lukács (1966) oferece
ao termo, ao refletir o Sertão por meio de uma forma estética em dialética com
a realidade objetiva de um capitalismo periférico e essencialmente ruralista,
oligarca e eivado de relações semi-escravistas, como o Brasil da década de
1930.
LIBERDADE E REPRESSÃO: A CONSTRUÇÃO DE CANUDOS E A (NÃO?)
EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CIDADE ? UMA ANÁLISE DA OBRA OS
SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA?
FERNANDA RODRIGUES LAGARES
UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS
Enviado ao sertão da Bahia pelo jornal O Estado de São Paulo como
correspondente para cobrir a Guerra de Canudos, mais do que narrar e analisar
os acontecimentos da guerra, Euclides da Cunha constrói, imaginativamente, e
de forma minuciosa a paisagem do sertão nordestino (especialmente de
Canudos), bem como se dedica a categorizar (e avaliar) o sujeito
correspondente a tal território: o sertanejo (e,mais especificamente, o sertanejo
que residia e resistia em Canudos); além de representar, conforme suas
impressões, a relação do sujeito sertanejo com o sertão de Canudos de forma
detalhada. Tudo isso, traduzido no texto de Os Sertões, fez surgir em nós o
desejo de refletir como a obra de Euclides da Cunha, representa a relação do
sujeito sertanejo com o espaço do sertão de Canudos.
O atual estágio do tratamento desse problema nos aponta ao menos duas
hipóteses, que poderão ser confirmadas ou refutadas ao término das
investigações: ? As representações construídas narrativamente por
Euclides da Cunha, na obra ? Os Sertões?, acerca das
relações do sujeito sertanejo com o espaço do sertão de Canudos,fornece
indícios de que aquele ambiente é reflexo dos seus ocupantes, daquilo que são
e/ou do que desejam ser. ? A relação do sujeito sertanejo com o espaço do
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94 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
sertão de Canudos na representação de Euclides da Cunha pode nos dá pistas
da existência (ou busca por) mecanismos de efetivação do direito à cidade
naquele território.Para confirmarmos ou refutarmos tais hipóteses, o corpus
selecionado é constituído pela obra Os Sertões, de Euclides da Cunha,
abordado pela perspectiva da pesquisa documental, uma vez que temos
abordado o objeto com o fim de desvelar um aspecto inédito em relação a
outros trabalhos que também se debruçaram sobre o mesmo: o Direito à Cidade
? a saber, estamos realizando uma revisão bibliográfica dessa problemática a
fim de responder se, na narrativa de Euclides da Cunha, há pistas da existência
(ou busca por) mecanismos de efetivação do Direito à Cidade no território de
Canudos. Por meio da revisão bibliográfica temos estudado diversas
abordagens que se dobram sobre a problemática da relação entre
homem/sujeito e o espaço/território, bem como suas implicações no que tange
aos processos de representação. Vale destacar que, por lidarmos com uma
narrativa, conceitos e categorias de outras disciplinas, especialmente da
geografia humana, sertão mobilizados a partir de conteúdos
linguísticos.Tratando especificamente da primeira hipótese, pretendemos,
adotando a categoria paisagem na perspectiva de Schama (1996), a qual alinha
cultura e natureza: ?(?) a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de
camadas de lembrança quanto de estratos de rocha? (SCHAMA, 1996, p. 17),
confirmá-la ou refutá-la a partir, principalmente, da paisagem construída
narrativamente por Euclides da Cunha; da maneira como ela reproduz a história
de seus habitantes, suas concepções sobre o morar, trabalhar e viver, enfim,
de como representa a relação do sujeito sertanejo com o espaço do Sertão.
Para tanto, daremos atenção especial aos temas que o autor vai retomando ao
longo da narrativa e às figuras que as recobrem, como, a título de exemplo, as
diversas e recorrentes alusões a elementos da Antiguidade Clássica. As
ferramentas selecionadas para a microanálise linguística versam
especialmente sobre as análises de tematização e figuratização, oriundas da
perspectiva da Semiótica Discursiva. Em relação à análise de nossa segunda
hipótese de trabalho, para pensar a relação material-imaterial do sujeito
sertanejo com o espaço do sertão de Canudos, trabalhamos com a teorização
de Landowski (2014) acerca dos regimes de interação entre sujeito-sujeito e
sujeito-objeto, ao passo que o território será abordado em duas dimensões:
funcional e simbólico,
combinados à categoria paisagem. A categoria território é mobilizada na
pesquisa a partir da perspectiva integradora de Haesbaert (2004) que afirma
que o território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação
sociedade-espaço, ?desdobra-se ao longo de um continuum que vai da
dominação político-econômica mais ?concreta? e ?funcional? à apropriação
mais subjetiva e/ou ?cultural-simbólica? (HAESBAERT, 2004, p. 95-96).
Conforme o autor, o território é, ao mesmo tempo, funcional e simbólico, pois
ao mesmo tempo em que o homem exerce domínio sobre o espaço para
realizar ?funções?, também o faz para produzir ?significados?. Ligada a essa
concepção de território, sem ignorar o imbricamento na narrativa do processo
vivenciado pelo próprio Euclides da Cunha no sertão de Canudos (a
subjetividade do narrador, anteriormente discutida), analisamos o processo de
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
te/des/reterritorialização pelo qual passam aqueles sertanejos que viviam em
outros locais e, por alguma razão, seja a vazada por Euclides da Cunha, ou
não, deixam este local e dirigem-se a Canudos, o que inevitavelmente nos
remete a analisar às relações culturais, pois, conforme Haesbaert (2004), ela
está intimamente ligada ao modo como as pessoas ?utilizam a terra, como elas
próprias se organizam no espaço e como elas dão significado ao lugar?
(HAESBAERT, p.08, 2004), nos fazendo pensar na transformação daquele
território em lugar, aqui entendido na perspectiva de Tuan (2013), como espaço
de significação e, mais do que isso, de afeto e percepção.
Cremos ser possível que os sentimentos e experiências dos sertanejos
representados pelo narrador, nos dê pistas de que são resultado, e ao mesmo
tempo causa, de desenvolvimento ou busca por mecanismos de efetivação do
direito a construir, organizar e moldar o local que habitam, sendo a própria
guerra, enquanto defesa do lugar, um indício disso. Associamos tal disputa pelo
lugar à concepção de Direito à Cidade, desenvolvido por Lefebvre (1968) na
década de 1960, e retomado na década de 1990 como bandeira de muitos
movimentos sociais que defendem a não exclusão da sociedade urbana das
qualidades e benefícios da vida urbana.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
LITERATURA EM INTERFACE COM A FOTOGRAFIA, PINTURA E
ILUSTRAÇÃO: A CONSTRUÇÃO PICTURAL DO ESPAÇO NO CONTO ?A
SANTA DE SHONEBERG?, DE RUBEM FONSECA
CARLOS AUGUSTO DA SILVA LEMOS UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA - DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS - CAMPUS IX
NELMA ARONIA SANTOS
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
PCIN
O presente trabalho tem como objetivo analisar o desenvolvimento da trama do
conto ?A Santa de Schoneberg? (1992), de Rubem Fonseca, a partir da
construção do espaço intermediado pelas artes visuais, fotografia, pintura e
ilustração, bem como os efeitos de sentidos propiciados por essa relação à
narrativa. Nesse sentido, o enredo é cadenciado a partir das articulações
dessas artes ao texto literário. Inicialmente, as observações da personagem
Ursula, que se considera esotérica, através da janela de sua casa descreve o
espaço do apartamento do personagem Roberto, seu vizinho, de forma que seu
olho funciona como um objetiva fotográfica, potencializada, posteriormente,
pelo uso de um binóculo. Ela registra o cotidiano do personagem,
transformando, por meio do enquadramento delimitado pela janela do
apartamento dele, em fotografias. A personagem com desejo de conhecer o
alvo do seu olhar vai até o edifício onde ele reside, fingindo interesse em ser a
nova faxineira do local. Na parede do apartamento dele, ela visualiza uma
pintura a óleo de Schiele, Sitzende Frau mit hochgezogem Knie, com a qual
ela, posteriormente, acredita possuir alguma semelhança com a jovem Edith,
representada nesse quadro. Sobre o sexo da mulher da pintura a personagem
deixa seu número para Roberto. Assim, quando os dois se encontram, no
apartamento de Ursula, a composição do espaço passa pela representação e
discussão da obra artística do Schiele, sendo a descrição realizada de maneira
análoga a outra pintura desse artista expressionista, o Die Familie.
Posteriormente, o personagem que possuí grande admiração e influência
desse pintor austríaco vai até Viena, numa feira livre, onde é surpreendido ao
encontrar uma carta com um selo ilustrativo de um militar alemão, Hindenburg,
na barraca de uma feirante surda e, como intuição, acredita está vinculada a
algum caso misterioso daquele pintor. Por meio dessa carta, o personagem
segue em busca de uma verdade pelo espaço austríaco, concebida, ao longo
do seu percurso, como inalcançável. Para a análise do corpus utilizaremos a
contribuição teórica de Arbex (2006), Louvel (2006), Clüver (1997), Figueiredo
(2003), Barthes (1984), Dubois (1993), Bazin (1991), Sontag (2004), Borges
Filho (2007), Bachelard
(1978), Bakhtin (1997).
Palavras-chave: Espaço; Conto Contemporâneo; Fotografia; Pintura;
Intermidialidade.
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97 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
LIVRO, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO: UM ROMANCE DE DESLOCAMENTOS
QUE REFLETEM A EMIGRAÇÃO E A PRÓPRIA LITERATURA
ROSEMARY GONÇALO AFONSO
UFRJ
CAPES
O romance Livro, de José Luís Peixoto, tem como tema principal a emigração
portuguesa para a França. Ao representar esse aspecto da história e da cultura
de Portugal, o autor recorre à difícil travessia empreendida desde vilas e aldeias
do interior do país, passando pelo território espanhol, até Paris, cidade que
recebeu cerca de um milhão e meio de portugueses entre 1960 e 1974, de
acordo com os dados fornecidos pelo próprio autor. Respeitando a história
individual de cada personagem, o autor converge para o caráter coletivo do
texto, reconhecendo a contribuição do próprio leitor nessa sua construção.
Dividido em duas partes, na segunda o romance prioriza a reflexão sobre as
possibilidades da escrita, fazendo da própria Literatura um segundo tema, não
menos importante do que o primeiro. Através de uma auto crítica que
desvaloriza, ironicamente, a própria narrativa, é instaurado um questionando
acerca da autoria do livro que a percorre e da legitimidade de escrita de uma
história inspirada em fatos reais. Percorrendo os recursos e estratégias de
escrita utilizados pelo autor, destacamos que Livro confirma que a estrutura do
gênero romance está em constante evolução. Sua liberdade formal admite a
incorporação de gêneros afins, dentre eles: carta, o relato de experiência, o
conto, a crônica, a poesia. Outros recursos a considerar são as referências, que
estabelecem um diálogo com outros textos; os elementos alegóricos, que
contribuem na compreensão dos sentidos do texto; e as notas de rodapé, que
se caracterizam como divagações do narrador. Respeitando a circularidade
inerente ao próprio texto literário, apesar da sua liberdade formal, o romance
não abandona o seu fio condutor, mas admite desvios que potencializam as
propostas de reflexão sobre os referidos temas: emigração e literatura,
representados a partir dos deslocamentos geográficos e textuais. Mais do que
o conteúdo privilegiado no romance, importa o fato de a emigração ser
representada num texto literário. Ao dar à emigração uma forma artística, José
Luís Peixoto faz dela mais do que um acaso histórico, permitindo sua absorção
pelo viés da sensibilidade, elemento que potencializa nossa capacidade de
compreensão, e visando uma reconciliação com um passado a que todos, de
uma forma ou de outra, pertencem.
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98 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
LUGARES E NÃO-LUGARES EM ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA
NANCI GEROLDO
CENTRO UNIVERSITÁRIO ENIAC
O caos urbano e social apresentado por José Saramago em Ensaio sobre a
cegueira faz com que uma nova realidade seja revelada por meio da
desconstrução, seja quanto às referências típicas do lugar onde os fatos
ocorrem, à identidade das personagens por causa da cegueira branca e de sua
relação com o meio em que vivem ou quanto ao contexto histórico. Ao longo
deste trabalho trataremos das questões que envolvem os espaços ? sejam eles
abertos ou fechados, a fim de traçarmos sua importância sobre as ações das
personagens em Ensaio Sobre a Cegueira. Quanto aos espaços ínferos e
labirínticos apresentados por Saramago, verificamos que podem ser análogos
a obras de autores clássicos e de cunho mítico, tanto pela sua estrutura física
quanto pelas referências aos atos e estados físicos ou psicológicos das
personagens envolvidas no romance em questão. No que diz respeito às
personagens, levaremos em conta o grupo principal. Ao analisarmos os lugares
e não lugares em Ensaio sobre a cegueira no decorrer deste trabalho, notamos
a tensão entre eles por apresentarem aspectos contraditórios, ou seja, de
?lugar? passam a ?não-lugar?. Essa tensão gerada entre lugares e não-lugares
gera também tensão entre as personagens, pois necessitam de mudança
comportamental, apesar do medo de saberem, cada um, o que realmente são
e da impotência que sentem diante da cegueira. A escolha dos lugares a serem
analisados se fez em questão de como e do quanto interferiram na evolução da
narrativa e na transformação das personagens. Todos estes tópicos têm como
base os estudos desenvolvidos, por exemplo, por Marc Augé em Não lugares:
introdução a uma antropologia da supermodernidade, Osman Lins, em Lima
Barreto e o espaço romanesco, Antonio Dimas, em Espaço e Romance e
Roberto Lobato Corrêa, em O Espaço Urbano, dentre outros teóricos. Em
suma, este estudo tem como objetivo a análise dos espaços e da
autoconsciência das personagens neles envolvidas; a análise dos diferentes
espaços e ambientes em suas estruturas; a diferença que se estabelece entre
espaço e lugar e as diferenças entre lugares e não-lugares. Salientamos que
tal estudo trata de uma das possíveis leituras que, como bem sabemos, poderá
dar margem a outras, dependendo do olhar que dirigimos ao Ensaio sobre a
cegueira de Saramago.
Palavras-chave: lugares, não-lugares, espaços, labirinto, ambientes.
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99 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
MARCO POLO E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO: A POÉTICA DOS OLHOS
E DA PALAVRA EM
LUANA RAQUEL DA SILVA COIMBRA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MATO GROSSO (UNEMAT)
O trabalho se ocupa de uma leitura de "As cidades invisíveis" (1972) de Italo
Calvino sob a perspectiva do personagem-narrador, o viajante veneziano
Marco Polo, que, ao narrar as cidades vistas ou imaginadas, constrói redes
simbólicas em e a partir de seus espaços. Se a cidade escrita é sempre
simbolização e deslocamento, imagem, metonímia; e se nomear uma cidade é
o mesmo que garantir-lhe um locus (SARLO, 2014), a que acena este livro-
símbolo de Calvino, em que os espaços parecem tão afetados por teias jocosas
de palavras? Dada a sua condição de estrangeiro, a figura deste personagem-
narrador está a interferir não apenas na percepção como também na
enunciação dos espaços: ?É o humor de quem a olha que dá a forma à cidade
de Zemrude? (CALVINO, 1990: 64). As variações da cidade, que ora é de uma
forma, ora de outra, a depender de questões como o humor de quem chega a
ela, de onde é vista e como é acessada, por exemplo, acaba por afetar-lhe a
própria condição de locus. Não obstante, Polo utiliza-se da palavra
problematizando e renovando a forma de ver a realidade e o modo de anunciá-
la porque está num embate com Kublai Khan; o imperador se encontrava num
momento em que o império, para ele, parecia um esfacelo sem fim e sem forma
e não mais a soma de todas as maravilhas. As cidades (os espaços), portanto,
sofrem a desautomatização (CHKLOVSKI, 1976: 39) no processo de contar. As
cidades descritas pelo veneziano são todas do território de Khan, porém é
somente através dos relatos do viajante que o imperador tem a sua percepção
ativada: ?somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia
discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a
filigrana de um desenho tão fino a ponto de evitar as mordidas dos cupins?
(CALVINO, 1990: 10). A autoridade de fala parece ser validada a Polo pela
experiência da viagem, pois ?somente por meio de olhos e ouvidos
estrangeiros o império podia manifestar a sua existência para Kublai?.Diante
disso, o trabalho busca identificar como se constroem os espaços em "As
cidades invisíveis" e como a figura de Marco Polo sinaliza, por meio de uma
poética dos olhos e da palavra, o próprio gesto da literatura, criando e
renovando as percepções e as enunciações das coisas. Como símbolo
complexo das relações humanas e cósmicas, "As cidades" de Calvino lidam
com a noção de multiplicidade, porque abrangem a imensidão. Além da
multiplicidade, o tema também suscita outras categorias que Calvino observaria
mais tarde em Seis propostas para o próximo milênio (1984-45) ? como a
leveza, a exatidão, a visibilidade e a rapidez ? formas pelas quais, segundo o
escritor, a literatura mantém a sua estima, mediante as formas aproximativas e
descuidadas que a linguagem passou a receber.
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100 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
MARÍLIA DE DIRCEU - NESTA TRISTE MASMORRA, DURO GRILHÃO
RODRIGO CARVALHO DA SILVEIRA
IFRJ
Na segunda parte de Marília de Dirceu, a realidade se impõe e a defesa do eu-
poético é a chave que concatena os 38 poemas que a compõem. O discurso
retórico será expressivo e perceptível: Dirceu se defenderá das acusações de
inconfidente e terá como maior argumento o amor por Marília. A Literatura e a
realidade se interpenetram em um jogo retórico-poético onde a defesa é o amor:
É importante perceber como que a realidade, de certa forma sublimada e
paralela na primeira parte das Liras, se impõe na Parte 2. A prisão de Tomás
Antonio Gonzaga é presente em todos os poemas e há uma pequena mudança
no receptor de seus versos: antes, Marília e os familiares, agora, Marília e os
juízes. Há uma palavra primordial que une e diferencia as partes de Marília de
Dirceu: grilhões. Insistentemente repetido ao longo do livro, o vocábulo
caracteriza a qualidade de réu e prisioneiro do eu-poético, mas também
distingue sua posição positiva e negativa frente a dois deuses cruciais: Amor
ou Cupido e Astréia, a justiça. Enquanto os grilhões são de Amor, o eu-poético
se entrega, porém, quando os grilhões são de Astréia, ele se debate em busca
de liberdade. Por essa razão, o discurso retórico surge como o eixo
estruturador da obra do poeta inconfidente, pois aparece em forma de defesa
como inocente e como noivo ideal, como réu entregue ao Amor e como réu em
busca de Justiça. O tom narcisista também se modifica entre as duas partes,
enquanto a autovalorização se vincula ao Ethos na parte 1 formando um retrato
moral de Dirceu, na parte 2, há um foco maior em um tom emocionado
vinculado ao Pathos, formando um retrato físico do poeta. É a partir da união
das duas pinturas que podemos ver um Dirceu completo, moralmente e
fisicamente. A razão para que isso ocorra está justamente ligada ao discurso
retórico, afinal frente à Justiça é mais funcional para a defesa emocionar
através de um retrato físico debilitado do que convencer através de um perfil
moral. Já frente ao Amor, a questão se inverte, pois a exaltação física da
amada constrói o jogo da emoção e o retrato moral se torna mais importante
para garantir um futuro venturoso.
O espaço em Marília de Dirceu é essencial para a construção das liras e,
principalmente, para a modificação psicológica do eu-lírico: a prisão física influe
diretamente em Dirceu, fisicamente e moralmente, o transformando e
remodelando os seus versos. Assim, pretende-se analisar de forma
comparativa poemas da Parte 1 e da Parte 2 de Marília de Dirceu, buscando
envidenciar as diferenças que o espaço gera na forma poética e no tema
amoroso que envolve todo o livro de Tomás Antonio Gonzaga.
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101 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
MINHA QUEBRADA, MEU ESPAÇO: A VOZ DA PERIFERIA NO RAP DE
FLÁVIO RENEGADO
JOSELI APARECIDA FERNANDES
UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE
PREFEITURA MUNICIPAL DE TRÊS CORAÇÕES E FCTE
Em um passado não muito distante, pensar a periferia significava apontar
apenas aspectos negativos de sua realidade, entendendo-a como espaço de
violência e de conflitos, advindos do tráfico de drogas e de problemas
decorrentes de situação de exclusão social. Norma Takeuti, no artigo
?Refazendo a margem pela arte e política?, afirma, nesse sentido, que ?[...] se
antes a ?periferia? era visível apenas como lugar da infâmia (violências
diversas, crimes, tráficos de drogas...) ela passou a expor também um cenário
em que se disseminam inventividades artísticos-literários-culturais-esportivos
com produções que chegam a ecoar para fora dela? (TAKEUTI, 2010, p. 14).
Afirmações como essa nos conduzem a pensar que a periferia começa a ser
vista e reconhecida como um cenário produtor de diversas atividades culturais,
dentre as quais se destacam a literatura e a música, criando, de certa maneira,
a possibilidade de um agir consciente dentro e fora da comunidade e em prol
dela, o que Takeuti denomina de ?ascensão do ser periférico? (TAKEUTI, 2010,
p. 15). E é nesse sentido que o movimento hip hop, formado por quatro
elementos, rap, grafite, break e o Mc, vem ganhando cada vez mais espaço,
pois ?Em lugar de empunharem armas, vociferam seus cantos e poemas (o
rap); rompem espaços urbanos apenas com seus corpos em danças rompantes
(o break, o street dance); pintam muros ou paredes de edificações urbanas (o
grafite); escrevem e publicam contos, poemas, romances e histórias de vida de
?gente da periferia? e suas denúncias sociais (a literatura periférica) e se
organizam em pequenos núcleos de confabulação (a Posse) para reinventar
uma nova forma de resistir e, consequentemente, de viver numa sociedade em
que perduram relações violentas de desigualdade social?. (TAKEUTI, 2010,
p.15). Nesse novo contexto de produção cultural está o rap, manifestação
artístico-cultural no qual os artistas expressam questões de cunho social e
político, composto a partir de uma multiplicidade de vozes, de discursos que
representam diferentes posicionamentos, organizados por uma narrativa,
caracterizada muitas vezes pelo caráter de denúncia, revolta e, em algumas
situações, até mesmo de incitação à violência. Considerado este contexto, esta
comunicação busca refletir sobre o espaço periférico a partir das letras do
rapper mineiro Flávio Renegado. Para tanto, propomos uma análise de duas
canções, ?Conexão Alto Vera Cruz Havana? e ?Outono Selvagem?, nas quais
é possível observar como Renegado descreve a sua comunidade, o Alto da
Vera Cruz, como um espaço de mudança, de voz, de poder através da cultura
e da arte.
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102 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
MULHERES NEGRAS DO CORTIÇO: RECORTES DE RITA BAIANA E
BERTOLEZA COMPARADAS, OPRIMIDAS E REVOLUCIONÁRIAS
DIVIDINDO O MESMO ESPAÇO
MATHEUS LUSTOZA SANTOS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PREFEITURA
MUNICIPAL DE MARATAÍZES
Em um contexto inicial de abolição da escravatura no Brasil na segunda metade
do século XIX, Rita Baiana e Bertoleza são símbolos deste contraste vivido
nesta época, onde se havia pessoas negras completamente entregues à
escravidão enquanto outras desfrutavam da liberdade trabalhando em ofícios
modestos com pequenos ganhos (CANDIDO, 2006). Assim, era Bertoleza
(ex)escrava falsamente liberta ao mesmo tempo submissa as ambições do
parceiro e Rita Baiana lavadeira totalmente dona de seus instintos. Ambas de
origem negra, habitando modestamente as estalagens do cortiço, empregadas
em trabalhos ligados ao âmbito doméstico ? porém as percepções estéticas em
torno das duas, tal qual como suas atitudes perante as pessoas que as
contornam é totalmente diferente (COUTINHO, 2008). Enquanto Bertoleza vai
se escravizando para gerar mais lucro aos cofres de João Romão; Rita se
desprende de todas as amarras sociais para viver uma paixão com Jerônimo.
Desta forma, este artigo desdobra-se para analisar por meio de citações do
narrador e falas das personagens como duas mulheres negras podem ter
destinos totalmente diferentes dividindo o mesmo cenário literário (BORGES
FILHO, 2007). Além de comparadas, as duas são contrastadas sendo
instigante o fato de uma ser tão submissa e a outra ser tão emancipada (FARIA,
1998) (SCOTT, 1995) (MORAES, 2002). Portanto, torna-se a principal questão
deste artigo, como estas duas mulheres podem se comportar de forma tão
distinta em um ambiente que ao mesmo tempo que as oprime, uma consegue
sair como vencedora e outra se rebela em um ato de suicídio. Então, busca-se
aqui uma análise espacial de como as duas personagens deixam registrado um
legado literário à mulher negra brasileira que ecoa até os dias atuais.
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103 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
NOTAS POR UMA POÉTICA DA OCUPAÇÃO: O POEMA, O CANTO E O
ESPAÇO ESCOLAR
LUIZ GUILHERME RIBEIRO BARBOSA
COLÉGIO PEDRO II
Falas se disseminaram, falas sob formas muito diversas, durante as ocupações
secundaristas de 2015 e 2016. Faixas, entrevistas, cabelos, fake news,
sentenças, fraturas, jograis, discursos, canções. Ou cantos de guerra. Cantos
por uma comunidade filiada à escola, mãe, pai, eu, hinos filmados por uma
comunidade em rede social, paródias de funk como queríamos demonstrar.
Uma ocupação é performativa, e por isso uma ocupação precisa de vozes,
corpos, em coro. E uma ocupação escolar produz currículo: doação de aulas,
oficinas, assembleias, aulas públicas. Abre, sob a lição etimológica dessa
palavra, currículo, dessa palavra, curso, caminho para uma aprendizagem pela
urgência erótica do coro: produzir e afirmar os corpos negros, femininos,
transgêneros, periféricos contra a explosão terrorista dos corpos, contra a
implosão estatal dos corpos. A tática de ocupação produziu nas escolas de
ensino médio um contexto como que precoce de aviso político. E, daí, desse
grito inscrito nas redes sociais como cantos de guerra (foi para se proteger que
as ocupações mantiveram comissões responsáveis pelas mídias sociais do
movimento), umas formas cancionais ecoaram, cantando, por exemplo, o funk
como se o funk tivesse sido composto numa ocupação. Essa comunicação
procura estudar as manifestações poéticas produzidas no contexto de
ocupação secundarista, a partir da hipótese de que a forma da canção, como
gênero da tradição poética e como prática performativa de uso da voz em coro,
performa a ocupação política do espaço escolar, repovoando-o. Partindo da
análise desenvolvida por Flora Süssekind em "ações políticas/ações culturais"
(2016) e do estudo desenvolvido por Georges Didi-Huberman, como ensaísta
e como curador, acerca do canto nas manifestações ("Levantes", 2017),
propomos analisar, além de cantos das ocupações secundaristas, um poema
do livro "Ocupa" (2016), de Dimitri BR, considerando a relação entre o canto, o
corpo e o espaço. Pretendemos pensar em cantar como ato performativo de
ocupação do espaço, ocupar o espaço cantando por sobre o espaço
conquistado, traduzindo de um território ocupado a outro instituído os saberes
exilados.
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104 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ALENTEJO COMO ESPAÇO POÉTICO EM JOSE LUIZ PEIXOTO
LUCIANA DE OLIVEIRA MANGUEIRA
UFRJ
O chão de Portugal, ?onde o mar acaba e a terra principia? , é o principal objeto
de estudo da presente proposta de trabalho. Tendo como cenário a região do
Alentejo, será feita uma busca pelo interior de um país que, por tradição, tivera
por muito tempo seu olhar voltado para o mar. A partir da análise da obra
"Nenhum olhar" de José Luiz Peixoto, buscaremos (re)conhecer o trabalhador
do interior português, assim como sua movimentação enquanto descobridor de
si mesmo e, por sua vez, sujeito de sua própria história. Deste modo será
observada a relação dos homens com a terra portuguesa; terra, não mais no
sentido de território, mas a provedora, aquela de onde, por um lado, se tira o
pão e que, por outro, lhes consome a vida. A terra é aquela que os alimenta e
os mata, uma vez que a relação de trabalho, descrita nos romances, mostra
como o sistema da concentração fundiária e o coronelismo massacra
alentejanos no decorrer do tempo histórico. O Alentejo (terra e homem em sua
luta diária) através da perspectiva do olhar de Peixoto ganha uma nova
perspectiva. Por isso, será realizado um estudo sobre a forma ? duas viagens
aí se entrecruzam: a do conteúdo e a da forma. O presente trabalho propõe
uma análise ao que chamamos de aventura da forma. Antes de "Nenhum olhar"
essa mesma terra fora tratada por outros importantes autores que a
caracterizaram conforme sua escrita: o Alentejo neorrealista, com Alves Redol,
passando para uma terra, a mesma e outra, de Saramago, a perceber a ruptura
da forma no que diz respeito à escritura do romance. Culminamos num terceiro
Alentejo, agora revisitado pela poesia no livro de José Luiz Peixoto. Para isso,
será discutida a fronteira entre os gêneros, pautando-se na teoria do romance
de teóricos como Bakhtin. A poesia presente na prosa de José Luís Peixoto
retomará o espaço da subjetividade. Diferentemente de Redol, Peixoto trata o
Alentejo sob a perspectiva da interioridade. Saramago seria a intercessão entre
esses dois Alentejos (o do predomínio do mundo exterior, de Redol, e o do
mundo interior, de Peixoto), uma vez que sai recentemente do neorrealismo e
consegue através de uma escrita que estabelece a polifonia das vozes. Aí se
dá o choque entre visões de mundo que se entrecruzam e intercalam. Esse
trabalho pretende-se, portanto, um estudo sobre o Alentejo, partindo da análise
do material humano, o estudo do camponês através do tempo histórico
presente nas obras e como a imagem desse Alentejo evolui através da visão
de mundo dos lavradores em questão.
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105 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O BAIRRO, DE GONÇALO M. TAVARES, PELA PERSPECTIVA DO
ESPAÇO
ROBSON JOSÉ CUSTÓDIO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
A proposta deste trabalho é analisar os caminhos referentes ao espaço
construído pelo autor português contemporâneo Gonçalo M. Tavares dentro da
série O Bairro, um projeto que atualmente conta com 10 obras, e interstício para
mais 29, nas quais o autor retrata o cotidiano e os convívios de diferentes
senhores, em um espaço criado pelo próprio Tavares a fim de habitar alguns
intelectuais, como uma forma de refúgio de um mundo que não lhes cabe. Para
tanto, percorro as ideias apresentadas, sobretudo, por Michel Foucault, a
respeito da heterotopia, dos lugares sem lugares, que encobrem essa
reconstrução de realidade. O conceito é delineado por Foucault, que para ele
existe provavelmente em qualquer civilização. São, segundo suas discussões,
lugares reais como espécies de contraposicionamentos, como utopias
efetivamente realizadas. No geral, pode-se dizer que a heterotopia é
determinada a partir de suas verossimilhanças, de uma possibilidade de
concretização na realidade do espaço, representado no texto literário, sendo
possíveis em restritas dimensões de texto. O bairro é uma região, por assim
dizer, tipicamente urbana, capaz de nos colocar diante de relações entre a
vizinhança e redescobrirmos nossos próprios conceitos sobre o cotidiano,
tendo como base um mapa que projeta todos os habitantes e suas moradias,
mesmo aqueles que ainda não nos foram apresentados efetivamente em uma
obra. Todos são senhores inspirados em grandes intelectuais, abordando
cotidianos diversos estruturados a partir de pensamentos intertextuais. O
primeiro trabalho refere-se ao poeta francês Paul Valéry e foi lançado em 2004,
no Brasil. O último foi com o poeta e dramaturgo americano T. S. Eliot, em 2010.
A escolha de Tavares pelos senhores que moram nesse bairro fictício é
apresentada aos leitores por meio de narrativas curtas e que comportam
diversos temas. Nessa série, questões literárias também são provocadas a se
discutir; os senhores tentam conversar entre si, com as suas peculiaridades
aparentes. Vê-se que esse espaço nada mais é do que um lugar para senhores
serem representados em um mundo às avessas, de acordo com as suas
perspectivas e ideologias. Nisso, perceberemos na construção do mapa - e
especificamente suas localizações - que ser vizinho muda muitos senhores e
depende muito da noção de estado e de distância, as localizações os deixam
autônomos de seu espaço e às vezes são quase incomunicáveis; além disso,
não pode ser aqueles que estão próximos demais, que vivem juntos ou que
dormem na mesma cama. Claramente, vizinhos serão os que estão no
afastamento. E, para construir essa relação é necessário estar na máquina de
fazer vizinhos ? para ele, a janela.
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106 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O DISCORDE ESPAÇO DO LOBISOMEM NA ORALIDADE BRASILEIRA
JAMILLE DA SILVA SANTOS
UFU
O presente trabalho objetiva estudar o espaço de metamorfose do Lobisomem
dentro de uma cultura que circula entorno do licantropo. Para isso, tomaremos
como base os estudos de Câmara Cascudo no livro Geografia dos Mitos
Brasileiros, em que o autor busca narrar e catalogar histórias ouvidas e lidas
em várias partes do país, tais narrativas fazem uma difusão de certos espaços
específicos de habitação/transformação do nosso Garou . Pensaremos a
oposição entre a tradição lupina que vem de uma literatura oral, passa pela
Europa até sua chegada ao Brasil por meio de imigrantes. Para Helena Gomes,
no prefacio do livro O Livro dos lobisomens, o lupino brasileiro se difere do
europeu em vários aspectos que foram incorporados por uma cultura, como a
sua transformação que para o licantropo europeu só existe duas formas; feitiço
ou mordida, já o lobisomem brasileiro pode se transformar por vários aspectos,
entre eles: maldição e mordida como o europeu, mas também por ser o sétimo
filho de uma família de sete mulheres, filho de incesto, nascer com dedos tortos
e outras formas. O lobisomem brasileiro não herda o glamour do europeu nem
na forma nem no espaço de transformação. O europeu se transforma nas noites
de lua cheia e de preferência em espaços isolados da civilização, já o brasileiro
nem precisa da lua, basta que seja uma sexta-feira em alguma encruzilhada,
ou até mesmo em um chiqueiro como nos fala Maria do Rosário de Souza
Tavares de Lima, no livro O Lobisomem: assombração ou realidade. Nesse
prisma, nos compete neste estudo apresentar um mapeamento das diferentes
manifestações descobertas por meio dos estudos bibliográficos encontrados a
partir de uma tese que está sendo gerada com o intuito de estudar essa figura,
o lobisomem, que vai além de lendas e mitos.
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107 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO DO QUARTO NA CASA DE VALMARES E O TEMA DA
PARTIDA: UMA PERSPECTIVA TOPOANALÍTICA DA OBRA O VALE DA
PAIXÃO, DE LÍDIA JORGE
LASARO JOSÉ AMARAL
FACULDADE CIDADE DE COROMANDEL
A obra O Vale da Paixão, da autora Lídia Jorge, apresenta lugares
diversificados ao longo da narrativa, mas, é possível observar que um, em
particular, destaca-se. Isso porque Walter Dias, homem que desafiava a família
desde criança e não apresentava apego ao trabalho na propriedade dos Dias
visita a filha, personagem sem nome, em seus aposentos, na casa de
Valmares, onde se desenrolam os fatos e a lembrança dos acontecimentos são
narrados. É a partir do encontro no quarto que a narrativa segue o curso. Tal
local tem fundamental importância na história, uma vez que a filha espera o pai
por longo período para conversar e lhe contar o que então se passou na sua
ausência. O quarto é descrito na obra como escuro e que, para se ter acesso
ao local, era necessário passar por um corredor. Já a questão da partida está
presente na diegese quando, após engravidar a personagem de nome de Maria
Ema e não querer assumir a criança, Walter vai para a Índia servir seu país nas
forças armadas. Enquanto isso, para não macular o nome da família, seu pai,
Francisco Dias, impõe ao outro filho, o mais velho, Custódio, que case com a
mesma e honre o sobrenome Dias. A partir de então, os demais filhos, um a
um, deixam a propriedade para viverem em outros lugares longínquos e não
mais regressam. E é tendo isso em vista que o presente trabalho objetiva
analisar a espacialidade da Casa de Valmares, visando, primeiro, a
ambientação do quarto da filha de Walter Dias bem como o resto da residência
e a propriedade da família e, segundo, o percurso espacial dos demais
familiares. Com base nos conceitos da topoanálise de Borges Filho (2007), que
se refere à análise de toda a espacialidade representada na obra de ficção,
verificar-se-á como os respectivos locais são erigidos no romance de Lídia
Jorge, quais funções desempenham na sequência narrativa e qual sua ligação
com as vivências das personagens. Corroborando a análise e interpretação dos
dados, também serão trazidas à baila as teorias de Brandão (2013) e Tuan
(1980), Lotmam (1978), Dimas (1985) e Foulcault (1968, 2000, 2001); no que
se refere à ligação entre as memórias e os espaços, serão utilizadas as teorias
de Bachelard (2008), Candau (2014), entre outros. Nesse contexto, percebe-se
que o lugar desempenha papel basilar na trama, resultado de uma construção
obtida pela rede de relações entre personagem, memória e espaço.
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108 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO EM CHICO BUARQUE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
MOEMA SARRAPIO PEREIRA
UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE
FAPEMIG
O cancioneiro de Chico Buarque de Hollanda, tema de muitos estudos, tem
caráter narrativo, sobretudo após a deflagração do golpe de 64 e a instauração
da censura prévia, com o advento do AI-5, em 1968. Para Adélia Menezes de
Bezerra, as obras do compositor neste período se diferem das outras ?pois
agora o tempo parece ter adquirido para Chico sua dimensão histórica e,
portanto, irreversível? (MENESES, 1982, p. 69). Com efeito, a literariedade em
Chico Buarque está justamente na sua capacidade de contar uma história, além
do seu domínio de rima, ritmo, seu cuidado ao manipular efeitos sonoros e ao
selecionar o léxico. Nesta comunicação observaremos de que forma a canção
popular e, principalmente a obra de Chico Buarque, se insere no espaço da
história, contando sua própria versão dos fatos; além disso, ofereceremos
também uma análise do espaço de algumas canções do compositor,
evidenciando sua relação com o espaço. Estas canções foram selecionadas
dos álbuns "Construção" (1971) e "Sinal Fechado" (1974), ambos produzidos
após a instauração da censura prévia. As canções escolhidas são ?Samba de
Orly? (1971), inscrita/escrita no espaço do exílio; ?Construção? (1971), que
apresenta o espaço social do trabalhador e o espaço físico da construção;
?Acorda, amor? (1974), em que observamos um espaço invadido e ?Copo
Vazio? (1973), composta por Gilberto Gil e gravada por Chico Buarque em seu
primeiro álbum não-autoral Sinal Fechado, em que o espaço do vazio na
verdade é ocupado por algo.
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109 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO GÓTICO NA FICCIONALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS
MESSIÂNICOS BRASILEIROS
HÉLDER BRINATE CASTRO
UERJ
O termo Gótico possui um sentido fugidio, adaptando-se aos mais diversos
contextos de pensamento. No âmbito artístico há, pelo menos, dois modos de
compreendê-lo: um ponto de vista histórico, que o considera como um
movimento artístico coerente, restrito à Europa do final do século XVIII e do
início do XIX, e outro transcultural, que o entende como uma tendência do
pensamento moderno, não limitada a tempo e espaços específicos, cuja
influência percebe-se intensamente em distintas formas de manifestação. Na
arte, o Gótico consolida-se como uma estética negativa e sombria. É partindo
da segunda perspectiva que se pode analisar a forma pela qual a visão de
mundo gótica se projetou na prosa de determinados escritores brasileiros do
século XIX. Nos romances O reino encantado: crônica sebastianista (1878), de
Tristão de Alencar Araripe Júnior, e Os jagunços (1898), de Olívio Barros
(pseudônimo de Afonso Arinos de Melo Franco), os narradores, ao utilizarem
uma retórica macabra e horrorizante para descrever, respectivamente, os
movimentos messiânicos de Pedra Bonita e de Canudos, constroem uma
paisagem nordestina lúgubre e obscura, reproduzindo um dos elementos
essenciais da literatura gótica: o locus horribilis. Em ambas as narrativas, o
espaço não é apenas o palco em que se praticam e sofrem as atrocidades das
tramas, mas também é o principal responsável pela constituição de uma
atmosfera opressora e funesta. Enquanto o Gótico Setecentista explora os
castelos, as ruínas e os mosteiros europeus para evocar emoções de
encarceramento e poder, O reino encantado descreve o sítio dos rituais
místicos da seita de Pedra Bonita de forma a provocar sentimentos de horror e
ojeriza. Os jagunços, por sua vez, utilizam-se da natureza sertaneja para
explicitar o terror dos soldados republicanos diante de canudenses que
parecem fundir-se à hostil vegetação local, conferindo-lhes aspecto
sobrenatural. Com o intuito de compreender como a estética gótica manifesta-
se na literatura brasileira, em especial naquela cuja temática versa sobre o
messianismo, investigar-se-á a forma como ocorre a composição do locus
horribilis nos romances de Araripe Júnior e Afonso Arinos.
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110 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO NA OBRA PRINCE LESTAT DE ANNE RICE COMO FORMA DE
RENOVAÇÃO DO TEMA VAMPIRESCO.
PATRICIA HRADEC
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CAPES
O objetivo é examinar os principais espaços, tanto externos quanto internos,
apresentados na obra Prince Lestat (2014) e verificar como eles renovam a
figura do vampiro, atualizando o tema. Para a análise do espaço teremos aporte
teórico de Gaston Bachelard e sua obra A Poética do Espaço (1993) bem como
Maurice Blanchot e sua obra O Espaço Literário (2011). Ambos trabalham tanto
com o espaço exterior como lugares físicos, comuns e reais do cotidiano quanto
interior, e isso também nos interessa uma vez que a obra é entremeada de
narrativas biográficas e reflexões sobre a vida vampiresca. Prince Lestat é a
décima primeira obra da saga intitulada ?Crônicas Vampirescas? de Anne Rice
composta por doze volumes até o momento. Nessa obra é-nos apresentado o
vampiro Lestat de Lioncourt num patamar de regência, pois este será nomeado
príncipe após mais de uma década de retiro autoimposto. Lembrando que o
vampiro Lestat aparece pela primeira vez em 1976 na obra Interview with the
Vampire (Entrevista com o vampiro) quando é-nos apresentado como um
sanguinário, um vilão na história narrada por seu discípulo Louis. Já em 1985
Lestat passa a ser um herói na segunda obra das ?Crônicas? The Vampire
Lestat (O vampiro Lestat) quando este passa a ser um astro do rock e revela
sua condição vampiresca para os humanos mesclando assim o mundo dos
vampiros com o dos humanos. A saga vampírica continuará em Prince Lestat
(2014) quando os vampiros estarão espalhados em diversos pontos pelo
mundo, incluindo o Brasil, local crucial para o desdobramento da história.
Verificaremos como os vampiros agrupados em diversos lugares interagem
com esses espaços externos e internos. É importante notar que a tecnologia e
a ciência também permeiam a obra e serão cruciais para a renovação do tema
vampiresco. Em pleno século XXI há vampiros espalhados ao redor do mundo
e sua tribo (The Undead tribe) está em completo caos e sem uma liderança
efetiva, o vampiro Lestat será empossado príncipe e reagrupará essa tribo até
então ameaçada de extinção por causa de um espírito ancestral.
Palavras-chave: Literatura norte-americana ? literatura fantástica - espaço ?
vampiro ? Prince Lestat ? Anne Rice
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111 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO NARRATIVO NA OBRA ?O MANDARIM? DE EÇA DE QUEIRÓS
LAYNARA VIANA TAVARES
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Este estudo tem como objetivo a análise da obra ?O mandarim? de Eça de
Queiroz, considerado o autor mais relevante do romance português do século
XIX. O autor foi o explorador do Realismo da literatura portuguesa. Em 1880,
com a publicação de sua obra ele é ?acusado? de se afastar da estética realista
pela estética fantástica. Então, o autor começa a abandonar a ?preocupação
naturalista?, que, segundo ele mesmo, embora tivesse servido para lhe
disciplinar o espírito, também o condenara a reprimir, muitas vezes, sem
vantagem, as suas precipitações de verdadeiro romântico que no fundo era. Ele
começa a desistir em larga medida a proposta de ?romances de tese?,
deixando de lado a descrição científica, a ênfase sociológica e pedagógica,
dando lugar a uma literatura mais fantástica e humorística, recriando, assim, o
Realismo. Porém, sabemos que noventa por cento da crítica sobre a obra de
Eça de Queirós esta focado em suas narrativas realistas / naturalistas,
deixando à margem suas narrativas fantásticas. Dessa forma, o estudo
apresentado procurará preencher parte dessa lacuna deixada pela crítica
literária, com o enfoque na narrativa fantástico-maravilhosa. O mandarim
retrata uma fantástica viagem à China, o que compõe o núcleo do texto e o
torna mais interessante. O espaço narrativo aparece então como o espaço
físico que é apresentado ficcionalmente pelo próprio narrador-personagem.
Com essa viagem fantástica, no entanto, Eça de Queirós não deixa de realizar
uma crítica à sociedade, o que nos demonstra que o fantástico pode ser um
recurso utilizado para se repensar o real. Nesse sentido, a leitura da literatura
fantástica pode despertar da nossa rotina cotidiana e racionalista, levando-nos
para um mundo repleto de significados e fantasias. Como suporte à
interpretação do fantástico, a pesquisa, portanto, é desenvolvida e baseada a
luz dos conceitos tratados, sobretudo, pelos autores, Todorov (2003), Ceserani
(2006), Foucault (2002), Bachelard (1996) e Dimas (1985) para um maior
entendimento das espacialidades presentes na obra.
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112 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO SIMBÓLICO DA CASA EM EMÍLIO MOURA.
LUCIANO MARCOS DIAS CAVALCANTI UNIVERSIDADE VALE DO RIO
VERDE
FAPEMIG
Pretendemos apresentar nesta comunicação uma investigação de como se dá
no livro A casa (1961), de Emílio Moura, a presença da memória da infância, e
como o poeta se utiliza do mundo infantil para construir seus poemas, seja no
que diz respeito à infância vista como um mundo bom e sem problemas, seja
como elemento memorialístico em que o poeta busca no passado não somente
uma lembrança lúdica, mas também um processo criativo utilizado para a
criação literária. A obra poética de Emílio Moura, de forma direta ou indireta,
apresenta uma grande variedade de poemas que se referem memória da
infância e seu mundo lúdico, portanto essa temática pode ser percebida a olhos
vistos e se revela de extrema importância para sua compreensão. O poema
?Toada?, pertencente a Cancioneiro (1945), é exemplar para pensarmos sobre
o tratamento que Emílio Moura da à infância em sua poesia: ?Minha infância
está presente./É como se fora alguém./Tudo o que dói nesta noite,/Eu sei, é
dela que vem.?. Podemos notar nestes versos que a infância ocupa um lugar
privilegiado em sua poesia. Com forte presença, poderíamos dizer que funciona
como uma força ubíqua de onde emana tudo: a própria poesia, como também
o sofrimento trazido pela memória do poeta que se angustia na noite. Essa
perspectiva nos leva a reconhecer a infância como o lugar de origem mítica ?
da memória profunda ? do poeta, uma espécie de ?paraíso perdido? onde a
unidade pode ser encontrada. Será no livro A casa (1961), composto por um
longo poema dividido em onze partes, que Emílio Moura evidenciará, de forma
direta, a relação de sua poesia com a memória de sua infância interiorana por
meio do espaço da casa. Para nos auxiliar a adentrar no espaço fechado e
íntimo da casa recorreremos as considerações sobre este ambiente presentes
em A poética do espaço de Gaston Bachelard. De acordo com o filósofo
francês, a casa é nosso ?espaço vital?, nosso ?canto do mundo?, o nosso
?primeiro universo?. Lembrada poeticamente, principalmente na vivência do
passado, a casa nos permite relembrar momentos fugidios de nossa vivência
antepassada por meio da mistura da memória e da imaginação. Dessa maneira,
a casa é uma espécie de receptáculo que conserva as primeiras lembranças
de nossas vivências mais profundas, abrigando-as do mundo externo,
resguardando nossos valores primordiais, mas a estas memórias são somadas
a imaginação criadora que retrabalha o ambiente vivenciado no passado.
Nesses termos, a imagem da casa nos leva a comoções insuspeitas, além de
oferecer proteção a quem retorna a este espaço, permitindo-o alcançar um
tempo de paz. Dessa maneira, como acrescenta Bachelard, ?Pelos poemas,
talvez mais do que pelas lembranças, chegamos ao fundo poético do espaço
da casa.? (BACHELARD, 2000, p.26) Isto porque as lembranças da casa, um
dia habitada por nós, são revividas por meio de ?devaneios? e ?sonhos?.
O ESPAÇO SOCIAL E AS MULHERES MACHADIANAS: CONSIDERAÇÕES
SOBRE O SEGREDO DE AUGUSTA, DE MACHADO DE ASSIS
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113 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
CILENE MARGARETE PEREIRA
UNIVERSIDADE VALE DO RIO VERDE (UNINCOR)
O conto O segredo de Augusta foi publicado nos meses de julho e agosto de
1868 no Jornal das Famílias, periódico conservador para o qual Machado de
Assis escreveu, entre os anos de 1864 e 1878, mais de oitenta narrativas.
Impresso em Paris e com circulação na Corte Brasileira, o jornal de Garnier era
composto por trinta e duas páginas de seções ilustradas, das quais se
destacavam Modas; Economia doméstica; Medicina popular e, claro, o filão do
momento, Romances e Novelas. Uma carta da redação, publicada em 1869,
destinada ao público formado principalmente por senhoras da elite, revelava
não só a tendência moral do periódico como os temas escolhidos para desfilar
por suas páginas: romances amenos e anedotas pueris, de pura distração;
conselhos domésticos e distintos trajes da última moda parisiense. Uma leitura
mais atenta das narrativas escritas por Machado de Assis para o periódico
mostra, no entanto, que ou autor, apesar da tentativa de mantença do decoro
e da moral da época, rebelava-se contra essa estrutura social conservadora,
revelando, em muitas histórias (aparentemente ingênuas), as fissuras de duas
instituições importantes do Brasil oitocentista: a política de dominação patriarcal
e o casamento. O conto O segredo de Augusta se inscreve dentro dessa
tradição machadiana ao apontar os desgastes do casamento modulado
segundo convenções sociais que pregavam a autoridade do homem como
gerenciador da família. Mais do que isso, o conto expõe a dificuldade feminina
no exercício de dois importantes e fundamentais papéis sociais: o conjugal e
materno. Assim, se na superfície do texto Machado pareceria estar falando
apenas de uma mulher vaidosa; em uma camada mais profunda, estava
erigindo contra a ordem médica familiar que entendia "que era enquanto pai e
mãe que o homem e a mulher poderiam entrar em comum acordo e aparar as
arestas resultantes de suas diferenças sentimentais" (COSTA, 1983, p. 238),
exercendo aquilo que se convencionou chamar, pela ótica da higiene médica,
de amor conjugal. Nesta comunicação, nossa análise do conto está, assim,
vinculada a essa leitura profunda, mostrando como Machado constrói suas
personagens femininas a partir do espaço social antagonizado pela Corte e
pela roça, pois se Augusta se mostra bastante adequada ao modelo de mulher
de representação social, em dia com as exigências da cidade, sua filha,
Adelaide, é seu oposto, justamente porque associada ao espaço rural. O que
nos interessa aqui é pontuar como Machado se utiliza do espaço social do Rio
de Janeiro, sobretudo da Corte como espaço civilizatório burguês, para compor
o antagonismo de suas personagens femininas, mãe e filha.
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114 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPETÁCULO DA MORTE
AIRA SUZANA RIBEIRO MARTINS
Colégio Pedro II- LITESCOLA /SELEPROT
Pretendemos, em nosso texto, apresentar algumas reflexões sobre o conto ?O
carrasco?, de Sophia de Mello Breyner Andresen (2012). A história narra os
preparativos para a execução de um homem, mostrando o insólito do
comportamento humano: implacável no julgamento de infrações a códigos e
regras, sem deixar de cometer ações semelhantes em outras situações. Nossa
investigação buscou auxílio na teoria semiótica de extração peirciana (PEIRCE,
1975), segundo a qual há, em qualquer texto, verbal ou não verbal, elementos
icônicos, indiciais e simbólicos responsáveis pelo processo de semiose, que faz
emergir na mente interpretadora um sentido nunca finalizado, sempre em
constante construção. Acreditamos, igualmente, que as ideias de Simões
(2008) sobre a iconicidade textual, baseadas também na teoria semiótica de
Peirce, muito auxiliam o professor a orientar o aluno na leitura de um texto,
ensinando este a olhar e a considerar todos os signos nele presentes.
Contamos ainda com as contribuições de Michel Foucault (1995), cujas
concepções inovadoras se debruçam sobre investigações no campo do
discurso.
Palavras-chave: leitura; interpretação; prazer estético.
V JOEEL
115 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O RIO DE JANEIRO NAS CRÔNICAS DE LIMA BARRETO
MARTA RODRIGUES
IFE COLEGIO PEDRO II / NUPELL
O início do século XX no Rio de Janeiro foi de inúmeras modificações. O Bota-
Abaixo do prefeito Pereira Passos fez surgir uma nova cidade nos destroços da
velha cidade colonial. Lima Barreto foi um dos mais argutos observadores
desse processo de remodelação sofrido pela cidade e por sua população. Tais
mudanças representaram não somente alterações no espaço físico, mas
especialmente uma transformação de ordem social determinante para a
configuração social e política da cidade a partir daquele momento. Em seus
romances, como como Recordações do escrivão Isaías Caminha e Triste fim
de Policarpo Quaresma, a cidade emerge como uma personagem no conjunto
da história. Em seus contos e em suas crônicas lançou, ao mesmo tempo, um
olhar sentimental, amoroso e crítico sobre a paisagem carioca e seus
habitantes, traçando um painel do Rio de Janeiro de sua época. Negro,
intelectual em terra de ?brancos? e de preconceitos, o autor foi capaz, como
poucos, de registrar as mudanças de sua época, e essa época passada se faz
presente, e tão contemporânea, ainda em nossos dias. Pretendemos, desse
modo, a partir de uma seleção de crônicas, a atualidade da produção de Lima
Barreto, e a importância do autor para quem deseja entender não só o espaço
da cidade do Rio de Janeiro, mas, por extensão, o próprio Brasil em suas
inúmeras contradições.
OS ESPAÇOS DAS OBRAS ?CHAPEUZINHO VERMELHO? E ?TAINÁ -
UMA AVENTURA NA AMAZÔNIA? EM DETRIMENTO DE SUAS
PERSONAGENS
LETICIA DA SILVA ZARBIETTI COELHO
UEMG
PAEx
LUCIANO MAGNO ROCHA
UNIMES
GLACIENE JANUÁRIO HOTTIS LYRA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa ?Representações da crise:
interseções de fontes literárias? desenvolvido na UEMG - Carangola. Nessa
concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática: Espaço e Literatura,
sob os pressupostos de construção do espaço e ambiente na literatura infantil,
analisados em particular no conto da ?Chapeuzinho Vermelho? (de origem
europeia do século XIV) e em relação com o texto fílmico ?Tainá Uma Aventura
Na Amazônia?, que aborda uma perspectiva diferente da relação
espaço/ambiente para com as personagens, além de possibilitar analisar qual
é o tratamento conferido a tríplice: relação telúrica, espaço e a literatura nas
obras europeias e nas brasileiras. Guiadas e motivadas pelos estudos
acadêmicos, este trabalho se justifica pelas demandas da literatura sob a ótica
do curso de Letras da Universidade do Estado de Minas Gerais ? PPC
(2016/2017), visando compreender melhor e analisar essa relação da criação
do espaço/ambiente com sua vinculação com as personagens que também são
V JOEEL
116 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
construídas a partir de uma ideologia determinada do autor e de suas intenções
para com a obra. O título deste trabalho - A Construção Do Espaço Na História
?Chapeuzinho Vermelho? Em Relação Ao Filme ?Tainá Uma Aventura Na
Amazônia?, consideramos conveniente, pois sugere ao leitor uma ideia da
análise que fizemos como ponto chave da pesquisa. Objetivamos estabelecer
um paralelo reflexivo e explicativo entre a obra literária e o texto fílmico, no qual
foram abordadas questões teóricas que alicerçaram nosso trabalho. Quanto a
metodologia, este trabalho foi desenvolvido a partir de uma pesquisa
bibliográfica para fomento dos conteúdos teóricos, como DIMAS (1987),
BLANCHOT (1987), GARRARD (2006) e GANCHO (2002) e de uma análise
qualitativa das obras supracitadas. Ao decorrer do trabalho deparamo-nos com
uma problemática histórica de importantíssima relevância para o entendimento
e analise literária que desenvolvemos, a questão dos estupros que ocorriam
nas florestas e a função social da literatura ao abordar essa temática. Em
contraponto, neste paralelo, temos a perspectiva do texto fílmico?Tainá?, na
qual a floresta tem uma função e é vista de maneira completamente diferente,
um local de força, sabedoria, proteção. Nesta perspectiva, adentramos com os
teóricos da eco crítica, que trouxeram novas iluminações para o trabalho e o
tornaram mais sólido e reflexivo. Enfim, a partir de toda a pesquisa e análises
foi possível refletir sobre o processo de construção do espaço e do ambiente e
a intencionalidade aplicada pelo autor quando os cria, bem como sua
importância no conjunto da obra literária em harmonia com a construção das
personagens, além de refletir nos estudos da eco crítica, esperando despertar
a conscientização crítica para que se preocupem com as temáticas do homem
e sua relação com o meio ambiente.
V JOEEL
117 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
OS VISITANTES MONTELLIANOS: RESSIGNIFICAÇÕES TERRITORIAIS E
AFETIVAS NO ESPAÇO LITERÁRIO DE JOSUÉ MONTELLO
FLAVIANO MENEZES DA COSTA
UNIVERSIDADE FEDERAL DOMARANHÃO
FACULDADE PITÁGORAS
Em qualquer passeio, mesmo curto, pelas obras literárias do romancista
maranhense Josué Montello (1917-2006), é possível encontrar personagens na
condição angustiante ou feliz de retorno a São Luís, capital do Maranhão. É o
caso do saudosista Abelardo Rodrigues em ?A décima noite? (1982), do
destemido João Maurício em ?A coroa de areia? (1984), da pragmática Aspásia
Cantanhede de ?Pedra viva? (1983) e do próprio Montello em ?Perto da meia-
noite? (1986), trazendo relatos e narrativas no qual o autor confessa ou
descreve o que vivenciou e ouviu. Tanto nos seus romances, quanto em suas
narrativas de memória (?Diário da manhã?, ?Diário da tarde?, ?Diário do
entardecer?, ?Diário da noite iluminada?, ?Diário das Minhas Vigílias? e ?Diário
da Madrugada? ? posteriormente, reunidos em 1998), Montello evidencia uma
saudade filial por sua cidade, e seus narradores rompem as vozes fronteiriças
entre o encanto e a decepção dos lugares revividos. Discorre, portanto, sobre
a condição humana, indicando ou identificando mudanças no ser e em sua
aprendizagem com o lugar de origem. Processos de memória e de
aprendizagem na qualidade de ?filhos pródigos?, que fazem com que os
indivíduos repensem suas prioridades e vislumbrem oportunidades na cidade
que é a mesma, mas já acumula outras possibilidades. O que pode nos levar a
repensar a relação entre a existência e a essência do ser humano, ou em sua
inversão ontológica proposta pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-
1980), principalmente nas obras ?O Ser e o Nada? (2012), ?O existencialismo
é um humanismo? (1980) e ?A Imaginação? (2008), considerar que ?a
existência precede a essência?, e tudo o que compreendemos brota da
subjetividade (ou imaginação), pois o indivíduo não é um ser fabricado, que
possui funções irrevogáveis e com uma causa fora de si, mas um ser que se
refaz continuamente. Nas obras montellianas, os protagonistas sempre
caminharão de encontra à casa da infância, alguns com a esperança de se
depararem com o acalanto dos melhores dias da vida. Segundo Sartre (1980),
uma casa é um objeto que é construído por alguém que possui um conceito de
como se ?produzir? uma habitação. Este objeto terá duas qualidades: será um
objeto produzido de certa maneira e terá uma utilidade definida (ser abrigo).
Produção e definição que precedem sua existência. Para o existencialismo, tal
?ordem? imposta e estreita não caberia à situação humana de intinerância,
quando o homem não é um modelo, mas um projeto e esse projeto é errante.
Por isso, no prólogo definidor do existencialismo, não se fale em natureza, mas
?condição humana?. Nas obras de Josué Montello, seus personagens, em uma
nova chance de vivenciarem o espaço da infância, acabam projetando-se no
sentido de impulsionar-se para as experiências, para o futuro. O que lhe atribui
?total responsabilidade sobre a sua existência, e também ?a responsabilidade
por todos os homens?. (SARTRE, 1980, p. 218).
PARIS É UMA FESTA: A CIDADE COMO ESPAÇO UTÓPICO
DAFNE DI SEVO ROSA
V JOEEL
118 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
Mackpesquisa
A expressão utopia, incutida na literatura por Thomas More em seu livro
clássico da literatura universal, pode ser sinônimo, em grego, de eutopia ? ?o
bom lugar? ? ou de outopia ? ?o não lugar? ?. Entretanto, independentemente
da denominação, o termo está sempre associado à idealização de um espaço
social, político, econômico, religioso, entre outros. O trabalho aqui apresentado
pretende mostrar como, no livro Paris é uma festa, a capital francesa é
caracterizada pelo narrador-personagem como um espaço utópico. Por ser
tratar de uma obra autobiográfica, escrita a partir das lembranças de Ernest
Hemingway sobre os anos passados em Paris quando jovem, no romance são
encontradas descrições que fazem da capital francesa um lugar perfeito e
maravilhoso. No entanto, como o espaço do romance é uma cidade real e
turística, ele pode ser classificado ainda como uma heterotopia, que nas
palavras de Foucault, em seu texto De outros espaços (1986), designa uma
espécie de utopia realizada em certa cultura, ou seja, espaços que por diversos
motivos são tidos como exemplos de perfeição para determinadas civilizações.
A partir das colocações de Lewis Mumford e Foucault, objetiva-se analisar
alguns fragmentos do romance que comprovam que a visão utópica da cidade
é fruto da memória afetiva do narrador sobre sua juventude e verificar em que
medida esse ponto de vista deturpado pelas emoções e pelo saudosismo
influencia o leitor, fazendo-o acreditar que Paris não é somente a cidade luz,
mas também um lugar capaz de curar todas as desesperanças humanas e fazer
renascer as crenças e a confiança, mesmo em um tempo em que a capital
francesa foi devastada pelas consequências trágicas da Primeira Guerra e
Ernest Hemingway era um simples jornalista que passava dificuldades
financeiras com sua mulher e seu filho pequeno para viver na cidade e que com
a ajuda de seus amigos ? na época Gertrude Stein e Scott Fitzgerald,
principalmente ? trabalhava para se tornar o autor que anos mais tarde
ganharia o Prêmio Nobel de Literatura.
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119 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
PELAS RUAS, TRABALHANDO OU ESMOLANDO, ONDE ESTÃO OS
TRABALHADORES DE JORGE DE SENA?
BEATRIZ HELENA SOUZA DA CRUZ
UFRJ/ UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Em dissertação intitulada ?Trabalhadores do século XX em poemas de Jorge
de Sena? investigávamos a condição de explorados, dentro do sistema
capitalista, em que se encontravam trabalhadores diversos num corpus de dez
poemas do autor das Metamorfoses, a saber: ?Lepra? (1939); ?Os trabalhos e
os dias? (1942); ?Ode aos livros que não posso comprar? (1944);
?Rendimento? (1946); ?Tudo é tão caro? (1951); ?Camões dirige-se a seus
contemporâneos? (1961); ?Lamento de um pai de família? (1964); ?Lisboa,
1971? (1971); ?Filmes Pornográficos? (1972) e ?Conheço o sal? (1973). Dando
continuidade a este nosso interesse, esta comunicação versará sobre as
diferentes funções do elemento ou categoria espaço, tanto quando
mencionado, como nos casos em que deve ser inferido, entendendo que
poemas deixam marcas, de estilo, do momento histórico de sua escritura e, no
caso deste autor, de sua engenhosidade na composição de uma obra poética
vasta e variada, por meio de uma atenção muito refinada na economia de seus
poemas. Na linha temática Espaço & Literatura, observaremos a construção
dos espaços entendendo seus aspectos estéticos, éticos e políticos num autor
que elaborou as relações humanas no século XX tendo em mente as
consequências de habitar um mundo regido pela lógica do capital e pelo modo
de produção industrial. Um dos poemas, ?Os trabalhos e os dias?, apresenta o
éthos da poesia seniana, no qual se instaura o poeta/homem que se
compromete com a humanidade, a partir do compartilhamento do espaço de
uma mesa alegoria do mundo. Num outro polo, há o espaço geográfico
determinado , como é o caso do poema ?Rendimento?, em que os degraus de
uma escada numa rua secundárioa é o palco onde se representa a trajédia do
desamparo de um homem, sendo este espaço fundamental para a construção
da intensidade da situação degradante, representada pela exclusão à que
estão espostos aqueles que, num sistema em que o dinheiro parece atuar como
a chave que abre todas as portas, não o possuam. Há, ainda, a demonstração
da impessoalidade com que ocorrem as relações de trabalho, numa situação
em que ?atores que se alugam? compõe uma cena descrita num espaço que
podemos perceber, em que pese o fato de que nada na cena permita sua
identificação, de modo que podemos estar em contato com uma produção em
qualquer lugar do mundo.
V JOEEL
120 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
PERSPECTIVAS DO ESPAÇO LITERÁRIO EM ?AS ONDAS? DE VIRGÍNIA
WOOLF: ASPECTOS DE UMA ESCRITA MULTIFORME
DANIELLI DE CASSIA MORELLI PEDROSA UNIVERSIDADE
PRESBITERIANA MACKENZIE
Em ?As Ondas?, Virgínia Woolf substituiu as saídas encontradas por
romancistas tradicionais por descrições e articulações da relação do homem
com ele mesmo, com outros homens e com a vida como um todo, através do
uso de solilóquios, construídos geralmente em solitude.
Escrito entre 1929 e 1931, surgiu da ideia de trabalhar num romance capaz de
apresentar a vida como um intricado arranjo de performances. Considerado
como uma obra-prima e chamado de ?poemance?, a obra é vista pela autora
como o momento em que encontra seu verdadeiro estilo literário. Através da
simplificação e da transformação que se trata de tornar o detalhe irrelevante
em forma relevante, Virgínia alcança aquilo que vai chamar de ?ritmo? do
romance ? forma simples e complexa, clara e obscura. Composto de forma
polifônica, descreve a trajetória de vida de seis amigos, que ao se revezarem
em solilóquios íntimos, permitem ao leitor uma compreensão plena de suas
personalidades, dos fatos e das impressões que têm sobre si mesmos, sobre a
vida, sobre o mundo e uns sobre os outros. As fases da vida dos personagens
são ?emolduradas? por belas descrições em prosa poética do que, num
primeiro momento, parecem tratar de um único dia na beira do mar. O efeito
causado por essa alternância é a de uma coreografia entre a efemeridade da
vida humana e a eternidade da natureza, em seus ciclos de renovação
constante. Em ?As Ondas?, o espaço é construído e ilustrado de forma múltipla.
Por um lado, tempo e espaço surgem imbrincados e cúmplices nas passagens
de prosa poética, revelando a passagem das horas, etapas do dia e estações,
também as nuances dos estados emocionais dos personagens. Em outro
momento, são lugares de encontro que irão fornecer a condição ideal para os
acontecimentos-pensamentos que compõem a narrativa. Em outras partes, os
próprios monólogos se farão espaço literário, quando numa modalidade
subjetiva acabam por conter conteúdos simbólicos e representativos que, tal
qual uma Gestalt, permitirão ao leitor concluir a lógica, ou as lógicas, da obra.
Este estudo tem como objetivo analisar aspectos relevantes das escolhas
estéticas de Virgínia Woolf referentes ao espaço literário, na obra ?As Ondas?
através de duas perspectivas: o registro das modificações do espaço em
determinado período constituído pelas diferentes áreas de percepção espacial,
no caso específico, descrições através da experiência dos órgãos sensoriais
humanos e, pensando as transformações do espaço enquanto conceito,
propriamente dito. ?As Ondas? exige que o espaço literário seja tratado, não
como mera categoria identificável, mas como um sistema interpretativo e
simbólico, capaz de abarcar toda complexidade e originalidade de uma autora
ímpar, cuja consciência artística de alcança maturidade neste trabalho.
V JOEEL
121 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
PONCIÁ VICÊNCIO: UMA ANÁLISE DO GEOESPAÇO NA OBRA
EVARISTIANA
JEFERSON JOSÉ DE OLIVEIRA PINHEIRO UNIVERSIDADE DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
PAEx/UEMG
LEONARDO GOMES DE SOUZA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
PAEx/UEMG
MATHEUS VIEIRA BARBOSA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Este artigo se insere nas reflexões do projeto de extensão ?Estudos de Gênero
e etnia na literatura e sua repercussão na sociedade? desenvolvido na UEMG-
Carangola com o apoio do PAEx/UEMG. Um dos objetivos desse projeto é
refletir sobre a construção das literaturas afro-femininas e seu impacto na
sociedade numa perspectiva interseccional, isto é, considerando diferentes
elementos como gênero, etnia e classe social no processe da formação dos
sujeitos. Nesta lógica, discutiremos a construção da personagem ?Ponciá
Vicêncio? no que toca a edificação de sua espacialidade, logo, esta reflexão
fundamenta-se na geocrítica com o foco na topoanálise a fim de perceber com
mais atenção como, na construção da obra em análise, o geoconceito de
espaço e seus recortes teóricos: lugar, paisagem, região e território mantêm
diálogos entre si e, devido também a isso, possibilitam uma reflexão acurada
acerca dos movimentos e impasses a que a personagem está submetida
durante toda a narrativa. Partir desses conceitos significa, também, perceber a
construção espacial dentro da obra como um movimento político da própria
autora. Atitude reveladora de alteridades e reinvindicações. Percebe-se, nesse
sentido, a construção de uma espacialidade de crise, ou seja, partindo dos
conceitos expostas identifica-se um movimento que tende a moldar, no sentido
de dar forma, e centralizar os espaços e espacialidades tendo como diapasão
o sistema mítico africano o que contrapõe o sistema hegemônico europeizado.
Nesse norte, a análise dos geoconceitos no interior de obras literárias permite
que o crítico entenda os movimentos próprios da linguagem em reflexo do
contexto em que se encontra os diversos personagens da obra. Em última
análise, estudar esses conceitos, é perceber as múltiplas realidades que, pela
pena Evaristiana, querem ganhar vez e voz. Optou-se pelo método
fenomenológico pela possibilidade de se enxergar o espaço, as personagens e
as múltiplas relações mantidas entre esses elementos numa visão mais ampla
e profunda; por metodologia qualitativa pautada na análise de obras literárias.
Iluminam este trabalho os teóricos: Alves (2009), Dardel (2015), Santos, 1978,
Souza 2013.
V JOEEL
122 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
REALIDADE AUMENTADA: O ESPAÇO LITERÁRIO INFANTO-JUVENIL
SOB A ÓTICA DAS TDICS EDUCACIONAIS
LUCIANO MAGNO ROCHA
UNIMES
LETICIA DA SILVA ZARBIETTI COELHO
UEMG
PAEx
GLACIENE JANUÁRIO HOTTIS LYRA
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Este artigo vincula-se ao projeto de pesquisa ?Representações da crise:
interseções de fontes literárias? desenvolvido na UEMG - Carangola. Nessa
concepção, este artigo, desenvolveu-se na linha temática: Espaço e Literatura,
sob os pressupostos de construção do espaço e ambiente na literatura infantil,
analisados nos livros ?Janela Mágica? e ?Piter a caminho do Espaço?, que a
partir da Realidade Aumentada proporciona uma experiência inédita para o
leitor, a partir da junção do livro a um aplicativo de celular. Abordando uma
perspectiva contemporânea, que se vale das TDICs Educacionais ?
Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, na elaboração do
espaço/ambiente e dos personagens, para promover o livro e a leitura, para
com essa nova geração hipermoderna. Guiados e motivados pelos estudos
acadêmicos, este trabalho se justifica pelas demandas da literatura sob a ótica
do curso de Letras, da Universidade do Estado de Minas Gerais ? PPC
(2016/2017), visando compreender melhor e analisar essa relação da criação
do espaço/ambiente, com sua vinculação, com os recursos tecnológicos que
reformulam todo aspecto ?físico? e dimensional da leitura tradicional, bem
como a temos, para uma nova fase, que explora ao máximo a evolução
hipermidiática em função das questões educacionais, que nós, como futuros
professores, precisamos estar atentos e prontos, para agregar essas novas
ferramentas em nosso trabalho. O título deste trabalho - Realidade Aumentada:
O Espaço Literário Infanto-Juvenil Sob A Ótica Das TDICs Educacionais,
consideramos conveniente, pois sugere ao leitor uma ideia da análise que
fizemos como ponto chave da pesquisa. Objetivamos estabelecer um paralelo
reflexivo e explicativo entre a realidade aumentada nas obras literárias ?Janela
Mágica? e ?Piter a caminho do Espaço? e suas implicações no meio
educacional, no qual foram abordadas questões teóricas que alicerçaram nosso
trabalho. Quanto à metodologia, este trabalho foi desenvolvido a partir de uma
pesquisa bibliográfica para fomento dos conteúdos teóricos, como DIMAS
(1987), BLANCHOT (1987), GARRARD (2006) e LIPOVETSKY (2004) e de
uma análise qualitativa das obras supracitadas. É possível destacar algumas
características muito importantes que foram sendo percebidas a partir do
desenvolvimento da pesquisa e das análises feitas, como os livros e o aplicativo
serem 100% brasileiros, em português e gratuitos, ou seja, qualquer
responsável que tenha um smartphone poderá proporcionar essa atividade a
uma criança. Mas também nos deparamos com a pouca quantidade de títulos
disponíveis, visto seu alto custo de produção, alta necessidade de profissionais
qualificados para sua criação e desenvolvimento e por ser um recurso inédito
para o Ministério das Comunicações e para o MEC. Enfim, a partir de toda a
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123 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
pesquisa e análises foi possível refletir sobre o processo de construção do
espaço e do ambiente em sua forma contemporânea e suas implicações para
o futuro educacional dos leitores infanto-juvenis.
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124 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
REPRESENTAÇÕES DO FEMININO: ESPAÇOS DE SUBALTERNIDADE EM
A HORA DA ESTRELA, DE CLARICE LISPECTOR
RAUL GOMES DA SILVA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAPES
CINTIA NAIARA DE SOUZA MELO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
SED/MS
Passados exatos quarenta anos da publicação de A hora da estrela, a narrativa
de Clarice Lispector continua provocando novas leituras e análises no campo
da pesquisa literária brasileira. Isso ocorre porque as significações do texto
ficcional modificam-se de acordo com o deslocamento temporal e espacial do
olhar do leitor acerca do objeto artístico. Tal olhar é sempre novo quando
considerado que o contexto social, político e literário transformam-se
constantemente em razão da própria vicissitude humana. Diante disso, este
trabalho pretende revisitar a referida obra com o intuito de observar as
representações do feminino e os espaços de subalternidade aos quais a
personagem protagonista, Macabéa, está submetida. De fato, a leitura desta
novela põe em questão o lugar (e o não-lugar) discursivo da mulher nordestina
no Brasil, sua condição de migrante, de errante e de sujeito enredado em
espaços de exclusão, tais como o subúrbio e o subemprego, por exemplo.
Parece-nos, portanto, imprescindível o reconhecimento de que os espaços
reservados à mulher fazem parte de uma estrutura global de poder que tem por
finalidade conjurar a autonomia feminina e a performatividade de seus corpos.
Assim, o estudo procura refletir sobre estes espaços de dominação da
subjetividade do feminino na obra clariciana e apontar possibilidades outras
para os discursos de subalternidade. Para isso, parte-se das contribuições
teóricas desenvolvidas por Homi K. Bhabha em O local da cultura (1998), por
Walter Mignolo em Histórias locais / projetos globais: colonialidades, saberes
subalternos e pensamento liminar (2003) e por Foucault em Microfísica do
poder (1997).
Palavras-chave: Representação; feminino; espaço; subalternidade; discurso.
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125 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
REVISTA DE ANTROPOFAGIA: ESPAÇO DE EMBRIAGUEZ E
REVOLUÇÃO
CLAUDIA CAMARDELLA RIO DOCE
UFSC/UEL
Partindo da ideia mais ampla de que as revistas literárias são espaços
privilegiados de divulgação, criação e crítica literárias, bem como da
importância que as revistas tiveram para o nosso modernismo, o trabalho
pretende refletir sobre o papel da Revista de Antropofagia (1928-1929)
enquanto espaço de disseminação da vanguarda brasileira. Conhecida como a
mais radical das revistas modernistas, a Revista de Antropofagia converteu-se
em referência obrigatória da vanguarda, sobretudo por ter tornado público o
Manifesto Antropófago em seu primeiro número. Embora o conceito de
antropofagia tenha se feito vastamente conhecido e frequentemente retomado,
ao longo dos anos, das mais diferentes formas, paradoxalmente a Revista de
Antropofagia foi deixada de lado pelos estudiosos. No entanto, é a partir do
espaço de suas páginas que a ideia de antropofagia é construída e divulgada,
e que obras emblemáticas do modernismo aparecem em primeira mão. Espaço
da multiplicidade, pela diversidade das contribuições, e de revisão do
modernismo, considerado já diluído àquela altura, passado o primeiro ímpeto
revolucionário, a própria Revista é reformulada, constituindo-se de duas fases
bastante distintas (enquanto suporte e nas contribuições apresentadas). A
presente proposta de comunicação é justamente a de voltar a atenção para
esta publicação em torno da qual gravitou o movimento de mesmo nome, no
final dos anos 20 e verificar de que forma ela trabalha e utiliza o conceito de
antropofagia, e se algum aspecto dela continua sendo relevante atualmente,
conforme os estudos mais atuais da antropofagia. O trabalho procura entender
e ressaltar a Revista de Antropofagia como um espaço relevante e fundamental
de instituição do que foi a antropofagia nos anos 20, de que forma ela dialoga
com sua própria época, mas também como e se ela contribui, de alguma
maneira, para os debates atuais, tendo em vista que, com o passar do tempo,
a antropofagia foi considerada a única filosofia genuinamente nacional e que a
fertilidade de ideias que ela abrange ultrapassou desde muito nossas fronteiras.
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126 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
SOB A PERSPECTIVA DO LETRAMENTO LITERÁRIO: A CASA DO LEITOR
JOSAINE APARECIDA CORSSO
UFU
Para desenvolvermos nosso projeto do Mestrado Profissional em Letras,
levamos em consideração a necessidade de se recuperar a importância da
Literatura no âmbito escolar, visto que os métodos tradicionais, em geral, já não
atingem o objetivo de formar leitores. Sendo assim, buscamos um método de
ensino que possibilitasse ampliar o saber literário do aluno sobre um espaço
que consideramos protagonista nas obras escolhidas para análise: a casa. As
obras escolhidas para leitura foram A casa da madrinha, de Lygia Bojunga e
Por parte de pai, de Bartolomeu Campos de Queirós. Nesse caso, a casa pode
ser representada, segundo as denominações geográficas, como um lugar
dotado de significados particulares e de relações humanas e é nesse sentido
que pretendemos caracterizar a relação fundamental entre personagem e
espaço. Para esse intuito, buscamos esteio nos estudos de alguns teóricos
sobre o espaço ficcional, como Foucault (2001), De Deleuze e Guattari (1995,
1997), Luís Alberto Brandão (2007), Reis e Lopes (1988) e Bachelard (1978).
Desse modo, por meio de uma abordagem teórico-metodológica baseada na
sequência básica do letramento literário sugerida por Rildo Cosson (2014),
desenvolvemos oficinas que direcionaram a leitura e a escrita para o tema
apresentado. A hipótese considerada foi que, com a leitura de textos literários
com descrições imagéticas e ficcionais de casas, o aluno, ao dialogar com a
literatura, refletiria sobre a sua identidade e reforçaria sua percepção de
pertencimento em relação ao lugar em que vive e, a partir disso, criaria a própria
descrição literária de sua casa. Como embasamento teórico, realizamos um
estudo bibliográfico sobre o letramento literário, a escolarização da literatura e
a casa como espaço literário. Para a intervenção pedagógica, propusemos
duas produções textuais aos alunos sobre o espaço em que vivem, sendo uma
anterior e outra posterior às atividades desenvolvidas nas oficinas e, por meio
de um diário de campo e um diário de leitura, pudemos registrar e avaliar o
desenvolvimento do saber literário de cada aluno nas oficinas. Com os
resultados alcançados, conseguimos elaborar uma proposta de ensino que
considera todas as fases da metodologia sugerida. Acreditamos que essa
proposta poderá ser usada por qualquer professor de literatura que busque um
trabalho efetivo com o letramento literário.
Palavras-chave: Literatura. Letramento literário. Casa.
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127 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
SOB OS EFEITOS DA DISCRIMINAÇÃO ESPAÇO COMO RESISTÊNCIA EM
RIO NEGRO DE NEI LOPES.
CLAUDIO DO CARMO GONÇALVES
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA / UEFS
O espaço anímico, ou seja o lugar, associado à memória tem uma longa
tradição na história da literatura notadamente em narrativas que revisam ou
documentam períodos pontuais na sociedade. Tal tradição se vê representada
de maneira eficaz e surpreendente no último romance do escritor carioca Nei
Lopes, ?Rio negro 50? (2015), cuja trama envolve não só uma viagem temporal
à década de 1950, como também os espaços da ficção que se transformam e
dão precisão ao significado narrado. Dono de uma obra já vasta situada entre
a ficção, a pesquisa e a composição musical, na qual se destaca com alguns
dos grandes sucessos da música popular brasileira; e ensaios que refletem
uma profunda e complexa pesquisa sobre a memória de raízes africanas no
Brasil, Nei Lopes, em ?Rio Negro 50? acerta a conta racial da sociedade
brasileira, apontando algumas das causas e ressonâncias que convivem no
cotidiano. O preconceito, a discriminação, os silêncios, as identidades, se
mostram parte de um mesmo universo, particularizado na obra mas em perfeita
sintonia com a história contada e vivida. É como se mostrasse o outro lado da
moeda, pois ao relermos o passado, este passado da década de 50,
encontramos uma história contada e vivida por não negros. Neste sentido, o
romance repara essa conotação quando apresenta um micro-cosmos paralelo
de negros que também fizeram e foram decisivos, muitas vezes, na construção
da nação em processo naquele momento. O registro do universo negro adquire
ares de resistência não só no discurso escrito-literário posto na voz e atuação
dos personagens que ora se movem como históricos, ora como ficcionais, mas
também nos espaços também transformados eles, em personagens, ao
identificarem campos de atuação e mobilidade de outros personagens que
estão intimamente e afetivamente relacionados às existências que dão razão
aos fatos. Assim, é necessário acenar para alguns autores que dão suporte ao
argumento da composição do espaço da memória como um espaço de fala e
resistência, tais como Eduardo de Assis Duarte (2014), Aleida Assmann (
2011), além do clássico Pierre Nora (1997), que nos alerta para como os
lugares remetem à memória social e mesmo quando identificados aos espaços
físicos pontualmente, deflagram processos de empatia no tempo como uma
memória afetiva que se estabelece. Deste modo, abordo aqui uma memória
que se faz política e utiliza os lugares como pano de fundo e resistência,
assentado nas relações temporais comuns aos negros no Brasil. A obra expõe
complexas relações que envolvem a memória e a identidade, e por
conseguinte, como uma parcela da comunidade negra, de origem africana,
estabeleceu uma resistência velada à dominação cultural ocidental de
características acentuadamente colonizadora.
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128 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
UMA VISÃO GERAL SOBRE A VISTA PARTICULAR: ESPAÇO
GLOBALIZADO E SIMULACRO NO RIO DE JANEIRO DE RICARDO LÍSIAS
ADRIANA ARMONY
COLÉGIO PEDRO II
O trabalho se propõe descrever e analisar as relações entre espaço e simulacro
em A vista particular, de Ricardo Lisias. No romance, uma sátira feroz da
espetacularização globalizante da vida dos morros e sua violência em tempos
pré-Olimpíadas, o artista plástico José de Arariboia, ao tomar o morro Pavão-
Pavãozinho como matéria para uma instalação artística, converte os espaços
vitais - quarto onde uma criança foi assassinada, beco do tráfico, vala de esgoto
a céu aberto - em simulacro, mapeando e ressignificando os percursos
imaginários da favela. A partir dos conceitos de sociedade do espetáculo de
Guy Debord e de simulacro de Jean Baudrillard, procura-se refletir sobre as
apropriações e reconfigurações imaginárias do espaço da favela, em sua
vitalidade e risco.
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129 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PERSONAGEM NOS DOCUMENTÁRIOS
SANTA MARTA, SANTO FORTE E BABILÔNIA 2000 DE EDUARDO
COUTINHO.
RAFAEL E ALMEIDA MOREIRA
UNINCOR/UNIS CAPES
Levando em consideração a vasta filmografia do cineasta Eduardo Coutinho,
é possível observar que alguns filmes, principalmente os mais recentes, como
Jogo de Cena (2007), Moscou (2009), As Canções (2011) e Últimas Conversas
(2015), foram gravados em locações fechadas: teatros e uma escola. Porém,
outras obras guardam uma relação muito forte com o espaço físico e mundo
histórico da cena. Inicialmente, em 1978, Coutinho produz, para o programa
de TV Globo Repórter, Theodorico, Imperador do Sertão, um documentário
centrado no protagonista, um coronel no interior do nordeste brasileiro. Cabra
Marcado Para Morrer (1984) e O fim e o Princípio (2005) também são filmes
que apresentam relação com o nordeste do país. O primeiro conta a história
do assassinato de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas na
Paraíba; o segundo narra a jornada de Coutinho rumo ao sertão da Paraíba,
sem que haja roteiro e personagens preestabelecidas. Outros dois filmes do
diretor se destacam pela relação com o espaço em que foram gravados. Boca
de Lixo (1992) apresenta a histórias de trabalhadores de um lixão, um lugar
completamente insalubre e degradante, no qual os animais ocupam o mesmo
espaço que seres humanos, e Edifício Master (2002), narra as histórias de
moradores de um prédio de classe média em Copacabana. Coutinho também
realiza três filmes que são rodados em comunidades na cidade do Rio de
Janeiro. Em Santa Marta: Duas Semanas no Morro (1987), o diretor e sua
equipe sobem o morro Santa Marta para conversarem a respeito da violência
na comunidade, principalmente sobre a violência policial. Em Santo Forte
(1999), tendo como pretexto a vinda do Papa João Paulo II ao Brasil, mais
precisamente à cidade do Rio de Janeiro, Coutinho entrevista moradores da
Vila Parque Cidade. Já em Babilônia 2000, Coutinho constrói sua narrativa por
meio das narrativas de moradores das comunidades do Chapéu Mangueira e
Babilônia, buscando evidenciar os anseios dos moradores, em relação à
chegada do novo milênio. Diante deste panorama, essa comunicação tem
como objetivo principal a análise da relação das histórias e memórias das
personagens com o espaço físico (neste caso, o mundo histórico) nos três
filmes realizados nas comunidades do Rio de Janeiro, evidenciando, dentro
dessas obras, como a relação entre espaço e personagem nos revela, através
do dispositivo fílmico do diretor, uma poeticidade no universo simples e
corriqueiro de pessoas comuns e muitas vezes em situação de exclusão social.
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130 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS MOTIVACIONAIS NA FOTOGRAFIA DE SEBASTIÃO SALGADO:
ARTE E REALIDADE
DENISE MARQUES CARNEIRO NEVES UNIVERSIDADE DO ESTADO DA
BAHIA
Resumo: Considera-se que as fotografias não são espelhos dos fatos, mas
fragmentos selecionados a partir do que o fotógrafo viu ou vivenciou; são
representações resultantes de seu processo de criação e/ou construção.
Assim, este artigo descreve mecanismos de produção e recepção de imagens
fotográficas de Sebastião Salgado, ao tempo em que discute a relação
espaço/tempo no processo estético e cultural de elaboração da fotografia em
Êxodos e Gênesis. Os espaços fotografados previamente escolhidos por
Salgado representam motivações pessoais e profissionais; constituem,
portanto, intenções, ideologias e formas de compreender o real, o assunto
fotografado. Observando-se a força e a amplitude da imagem fotográfica na
cultura visual contemporânea, discute-se, ainda, como a leitura plural da
fotografia, que tem natureza polissêmica, está associada também ao ato de
dramatizar ou estetizar do fotógrafo. Apresenta como aporte teórico: Kossoy
(2009) para falar de espaço, tempo, realidades e ficções na imagem
fotográfica; Adorno e Deleuze (2013) para discutir sobre estética e arte;
Barthes para refletir sobre o studium e o punctum; Dubois (1994) e Signorini
(2014) para pensar em produção e recepção da fotografia; Fabris (2007) para
analisar a relação imagem fotográfica e cultura visual. Palavras-chave: Sebastião Salgado; espaço; arte; realidade.
ESPAÇOS SAGRADOS NO RIO DE JANEIRO: O MALANDRO E O
TERREIRO DE UMBANDA
ANA PAULA SILVA DE OLIVEIRA
PUC-RIO
CAPES
A Umbanda surgiu como uma religião afro-brasileira que não é efeito de um
retorno de uma tradição ancestral, mas algo criado em meio a mudanças
significativas ocorridas no final do século XIX e início do século XX. Roger
Bastide e Cândido Procópio apontaram certa tendência de a Umbanda se
desenvolver nas zonas que se modernizavam no país. Segundo eles, embora
o processo de urbanização e industrialização tivesse se estendido a outras
regiões, ambos chamam a atenção para o desenvolvimento da religião
especificamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, duas grandes metrópoles.
Entretanto, não se sabe ao certo quando o homem começou a procurar
explicações para compreender a sua origem, a sua presença na terra e os
mistérios da eternidade. Mas é possível concluir que, à medida que as cidades
se desenvolviam industrial e economicamente, esse homem da "urbis"
começou a buscar nos fenômenos transcendentais uma possível paz interior e
o conforto diante das suas carências psicológicas. A informação serve como
ponto de partida para entender a maneira como os fiés da Umbanda foram
seduzidos pelo novo culto. Antes da sua institucionalização, José Henrique de
Oliveira esclarece, em ?Das Macumbas à Umbanda?, que a doutrina espírita
foi introduzida no Brasil, em meados de 1863, e teve sucesso imediato, pois
correspondia a certas necessidades de pequenas classes do interior e
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131 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
tradicionais, que, ao final do Império, permaneceram estáticas no tempo, e,
principalmente, das proletárias e privadas de bens, que se formavam nas
grandes cidades. Renato Ortiz, em ?A morte branca do feiticeiro negro?, aponta
que a clientela mais expressiva das sessões espíritas eram homens
desajustados, desenraizados, perdidos na multidão. O autor completa que na
cidade do Rio as primeiras sessões espíritas foram realizadas por franceses,
muitos deles exilados políticos do regime de Napoleão III. A Umbanda é
caracterizada pelo sincretismo e o culto de arquétipos nacionais, dentre eles o
caboclo, representado pelo índio, o preto-velho e o malandro. O último, meu
objeto de estudo, aparece no ritual umbandístico com as mesmas
características em que é visto no contexto social. Em seu artigo ?O ator e seu
personagem?, Maria Helena Concone afirma que as figuras/símbolos da
Umbanda contam também, ou melhor, dão sua interpretação da história do
nascimento do Brasil, estabelecem vínculos e os celebram no conjunto e na
prática dos terreiros. Concone constrói as seguintes indagações sobre que
símbolos são esses que a Umbanda atualiza. Que qualidades e atributos estão
presentes nessas figuras do imaginário popular? Por que estas escolhas? Ao
longo do artigo, a pesquisadora mostra que as figuras são claramente retiradas
da realidade nacional, como já havia mencionado acima. Esse é exatamente o
grande interesse da religião umbandista: o de mergulhar tão profundamente na
realidade brasileira, de buscar sua fonte de inspiração, transformando em
símbolos sociais figuras do cotidiano popular e buscando de maneira peculiar
o significado mais profundo delas. Seguindo na linha de questionamentos de
Concone, me faço as seguintes interpelações: de onde vem o arquétipo do
malandro? Como ele se constrói e é incorporado na vida citadina do Rio de
Janeiro? Que tipo de ligação e qual o lugar que o malandro ocupa na
institucionalização de uma classe trabalhadora no período urbano-industrial, no
início do século XX, período em que surgem as primeiras referências sobre a
Umbanda? Não seria a presença do personagem, e de sua memória - num e
sobre um determinado lugar -, a questão fundamental para sua sobrevivência
no tempo? Por que, e como, uma figura com caraterísticas urbanas é absorvida
em uma religião? Perguntas como essas me trazem à pesquisa, propondo uma
reflexão sobre como se constrói a figura do malandro e como se estabelece a
relação entre ele e a cidade, sob a perspectiva da manutenção das expressões
e dos lugares evocativos da cultura, da religião e na constituição de um povo.
O malandro está inserido em muitas dimensões da vida popular, no entanto, a
sua interação com a Umbanda ainda é muito incompreendida ou velada; pouco
se sabe como e quando se efetivou o culto à malandragem na ritualística. À luz
da pesquisa, apenas se tem conhecimento que seu arquétipo aparece e ganha
o direito de incorporar nos terreiros de Umbanda, intervindo de forma concreta
na vida de seus devotos. Com imagem visual representada pelo típico
personagem carioca das décadas de 1920 e 1930 - terno branco, chapéu
Panamá e sapatos bicolores ?, o malandro se destaca na cultura popular da
cidade. Ele, construído em um espaço de relações amigáveis ou não, entre a
cultura dominante e a popular, andarilho dos lugares do resvalo, da beira,
movimenta-se articulando e costurando as suas peculiaridades, e se diferencia
e constrói um jeito de ser do país. No ritual umbandístico, nas giras, ele é
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132 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
evocado através de ?Pontos Cantados? - termo dado aos cânticos -, que se
formam de palavras e ritmos com funções variadas e bem definidas, e se
constituem como uma espécie de poder, uma forma de oração mágica para
chamá-lo e auxiliá-lo em seus trabalhos. As roupas, a música que ecoa no
terreiro e os elementos poéticos levantados na sua louvação evidenciam a
construção do seu estereótipo. Nota-se que a sua dimensão profana não foi
inteiramente abdicada, mas "ressignificada" para que ele pudesse trabalhar no
campo religioso. O malandro sobrevive enquanto memória; no entanto, na
Umbanda, é eternamente vivo para seus consulentes que vão ao terreiro em
busca de apoio espiritual.
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133 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O RIO DE JANEIRO DE MILLOR FERNANDES
ALESSANDRA MARA VIEIRA
IFMG - INSTITUTO FEDERAL DE MINAS GERAIS
A proposta do trabalho ?O Rio de Janeiro de Millôr Fernandes? é o estudo de
como o artista, em diversos textos, ilustrou os problemas e conflitos da cidade
do Rio de Janeiro. Nascido na cidade, ele foi jornalista e artista que sempre se
inspirou nos problemas daquela cidade para pensar questões mais universais.
Nas charges, textos, desenhos e até mesmo na vista que tinha de seu
apartamento em Ipanema, a cidade do Rio de Janeiro está presente, tendo sido
descrita e tematizada de forma crítica e, principalmente, irônica. Em muitos
momentos, podemos ver, inclusive, a cidade sendo personificada, ganhando
ares de entidade, num movimento dialético de reverência à cidade e, ao mesmo
tempo, iconoclastia em relação à linguagem e ao espaço em que viveu e criou.
Palavras-chave: Millôr Fernandes, Rio de Janeiro, Ironia
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134 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
UMA LEITURA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE, A
PARTIR DO CONCEITO DE HETEROTOPIA DE MICHEL FOUCAULT.
ANA MARIA COSTA LOPES
INSTITUTO POLITÉCNICO DE VISEU, CI& DETS
ANABELA NAIA SARDO
INSTITUTO POLITÉCNICO DA GUARDA – UNIDADE DE
DESENVOLVIMENTO E INVESTIGAÇÃO DO INTERIOR
ZAIDA PINTO FERREIRA
INSTITUTO POLITÉCNICO DA GUARDA – UNIDADE DE
DESENVOLVIMENTO E INVESTIGAÇÃO DO INTERIOR
A Costa dos Murmúrios, de Lídia Jorge, dá-nos uma perspetiva da guerra
colonial assente numa ótica pouco habitual, a ótica feminina. Onde estiveram e
o que fizeram as mulheres durante a Guerra Colonial portuguesa? De que
forma é que o sonho megalómano da construção de uma utopia nas “províncias
ultramarinas” viria a revelar-se na realidade, como uma conjugação de
heterotopias?
Na verdade, o termo heterotopia, elaborado pelo filósofo francês Michel
Foucault, na sua conferência Des espaces Autres (1984), parece-nos
adequado para designar a experiência quer dos militares, quer das suas
mulheres, mães, etc, durante o período da Guerra Colonial em África. Assim, a
experiência da guerra começa por ser, em nosso entendimento, uma utopia de
crise “Dans notre société, ces hétérotopies de crise ne cessent de disparaître,
quoi qu'on en trouve encore quelques restes. Par exemple, le collège, sous sa
forme du XIXe siècle, ou le service militaire pour les garçons ont joué
certainement un tel rôle (Foucault: 1984, negrito nosso), acabando por evoluir
para uma heterotopia de desvio: “Mais ces hétérotopies de crise disparaissent
aujourd'hui et sont remplacées, je crois, par des hétérotopies qu'on pourrait
appeler de déviation: celle dans laquelle on place les individus dont le
comportement est déviant par rapport à la moyenne ou à la norme exigée. Ce
sont les maisons de repos, les cliniques psychiatriques; ce sont, bien entendu
aussi les prisons “ (Foucault: 1984) e frequentemente, desencadeia a
heterocronia, a perda da vida e subsequente deslocação para o cemitério, lugar
incontornavelmente heterotópico, já que, como explica Foucault: “hétérotopie
se met à fonctionner à plein lorsque les hommes se trouvent dans une sorte de
rupture absolue avec leur temps traditionnel; on voit par là que le cimetière est
bien un lieu hautement hétérotopique, puisque le cimetière commence avec
cette étrange hétérochronie (Foucault: 1984), Em suma, enquanto os soldados
partiam, indistinguíveis devido às fardas (todas elas verdes), que
obrigatoriamente envergavam e que os convertiam em corpos sem vontade
própria, em não- sujeitos, as mulheres permaneciam como que suspensas na
História, num espaço que antes da partida, imaginaram eutópico e topofílico,
mas que acaba por se revelar um espaço tantas vezes heterotópico e
topofóbico (lembremos a praga dos gafanhotos) (Jorge:31) e o consumo de
metanol, pelos negros, na suposição de que se trata de vinho (Jorge:22-23) e
que, já cadáveres, “desaguam” na praia. Neste romance, é pois através do olhar
de duas personagens femininas (Eva Lopo e Helena Forza Leal) que o leitor
fica a conhecer as utopias e heterotopias desvendadas e ocultadas pelo
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135 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
exército português, do qual os seus maridos faziam parte integrante e
privilegiada.
Palvaras Chave: Espaço utópico, espaço heterotópico, Guerra Colonial
RESUMO
EXPANDIDO
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136 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO URBANO NA NARRATIVA DE CARLOS RIBEIRO
Adaíse dos Santos Alves1 Maria das Graças Meirelles Correia2
INTRODUÇÃO
O caminho percorrido para a construção do presente trabalho foi a escolha
do conto “A cidade revisitada”, de Carlos Ribeiro. O texto integra a coletânea
Contos de sexta-feira, publicado pela Assembleia Legislativa da Bahia, em 2010.
Assim, os métodos de investigação utilizados foram estudo de referências
teóricas que contemplam a topoanálise como recurso para estudo de obras
literárias. Segundo Ozíris Borges Filho (2010), a topoanálise ultrapassa a
compreensão psicológica da obra literária abarcando abordagens sobre o
espaço, como interferências sociológicas, filosóficas, estruturais; não se
restringe à análise da vida íntima, mas também a vida social e todas as relações
do espaço com o personagem, seja no âmbito cultural ou natural. Deste modo,
para minuciar o estudo da topoanálise, foi necessário saber qual a função do
espaço presente no conto, suas respectivas consequências na personagem.
Nesse sentido, o personagem age de determinada maneira, pois o espaço é
favorável a essa ação e, por vezes, situa-o geograficamente
1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 2 Docente EBTT do Curso de Eletromecânica do IFBA campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected].
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137 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
e também é responsável por propiciar a ação. Na perspectiva de Borges (2010),
ambiente se define como a soma do cenário ou natureza mais a impregnação de
um clima psicológico. O ambiente onde o personagem está situado proporciona
a ação interna, ocasionando emoções e sentimentos.
Ao longo do conto, o narrador retira elementos da realidade para a
construção do cenário da obra, que remete ao conceito de espaço realista
apontado por Borges (2010). Nesse sentido, o artigo O espaço urbano na
narrativa de Carlos Ribeiro toma o conceito de espaço realista, definido como
representações que se assemelham à realidade. Para refletir sobre como, no
texto em tela, o narrador explora os espaços de Salvador, na construção literária
de micros e macros espaços que referenciam as lembranças do
protagonista, considera-se a cidade como macro espaço; os bairros e os locais
onde o protagonista está inserido são compreendidos como microespaço.
O tempo da história, na construção da narrativa, está demarcado pelo
percurso do protagonista que retorna à cidade após uma década. Suas
lembranças são ativadas com base nas transformações apresentadas por outro
personagem. A construção discursiva do conto efetiva-se através da
ironia – figura de linguagem que consiste no emprego de uma palavra ou
expressão em sentido diferente do que realmente busca significar – fazendo com
que o espaço real da cidade se institua, por oposição. Assim, a ironia produz um
efeito de sentido distinto e, tal oposição, instaura um humor sutil.
Resultados e Discussões
O conto a ser analisado – “A cidade revisitada” – é ambientado na cidade
de Salvador. A narrativa traz o percurso de um personagem cujo nome não é
revelado. O protagonista retorna a sua cidade natal após 10 anos, desse modo
a narrativa se passa em um tempo futuro. O conto apresenta apenas a presença
de dois personagens: um taxista, cuja função é conduzir o protagonista – "o
homem de óculos e roupas surradas" – pelas ruas da cidade. O protagonista
percorre a cidade de Salvador, do Aeroporto Internacional Luís Eduardo
Magalhães até o Elevador Lacerda, tal percurso é realizado através da orla
atlântica. Na perspectiva já sinalizada, a cidade de Salvador pode ser
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
compreendida como o macroespaço da narrativa e os bairros
citados são microespaços. Em caso de percurso real, seria uma hora e vinte
minutos, todavia, neste transcurso temporal, o narrador rememora seus
últimos 49 anos, período em que conviveu com a cidade.
Ao retornar a Salvador, o protagonista começa a perceber transformações
ocorridas durante a década em que esteve ausente. A primeira observação
refere-se ao aeroporto, como mostra no trecho abaixo:
(...) escuta o aviso de que pousarão, dali a alguns minutos, no Aeroporto 2 de Julho. Sorri, intimamente. O fato de terem devolvido ao aeroporto seu nome original soou-lhe como uma
luminosa saudação de boas vindas. (2010, p. 37). A emoção do personagem ao retornar à cidade apresenta-se no trecho
acima, o termo "boas vindas" expressa um sentimento afetuoso em relação
aos visitantes, mas o sorriso íntimo do protagonista é de alacridade.
Neste caso, demonstra irônica satisfação ao saber que o aeroporto internacional
recuperara seu nome antigo; o sorriso revela sentimento de sarcasmo e certo
desanimo no protagonista. O nome do aeroporto fora, desde a sua criação em
1943 (Instituído pela Lei 2.689, de 20 dezembro de 1955), 2 de julho, data magna
que comemora a independência da cidade. Esta titulação permanece até 1998,
quando o senado federal, sob os auspícios do senador Antônio Carlos
Magalhães, pai de Luís Eduardo Magalhães, falecido em 21 de abril de 1997,
vota e aprova maciçamente a troca do nome. Tal fato causa revolta em setores
e indivíduos, sobretudo no meio dos intelectuais e artistas que projetam
discursos contra a tirania política do então senador. Desta maneira, ao assinalar
o sorriso íntimo do protagonista, o narrador instaura, por meio da ironia, uma
rede comparativa entre espaço realista e espaço literário, ficcionalizado por meio
da representação. Assim, a narrativa estabelece uma relação não só com o
tempo passado do personagem, mas com o tempo atual, sendo que – apesar de
tramitar há 10 anos um projeto de lei que retoma o antigo nome do aeroporto –
o local ainda homenageia o político morto. O espaço físico do aeroporto
transmite ao leitor uma co-referência na atualidade, ou seja, são lugares
existentes e considerados pela topoanálise como espaço realista; todavia, por
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
meio da construção do discurso irônico, o espaço – no instante em que
é referencializado – também se desreferencializa.
Após a chegada do protagonista ao aeroporto, toma um táxi e começa a
percorrer a orla. O táxi presente na narrativa faz parte do cenário, ou seja, é um
espaço onde o protagonista também está inserido.
Olha pela janela as imagens que parece fazer parte de uma outra vida: o túnel de bambus, agora mais verde e encorpado; a avenida Dorival Caymmi, com sinalizações e pavimentações surpreendentemente boas; os bairros de São Cristóvão, Nova Brasília e Itapuã, que, segundo o motorista, um senhor de meia idade, com orelhas pequenas e um espesso bigode branco, contam com um serviço de saneamento básico satisfatório, ruas limpas e um policiamento digno e eficiente. (2010, p. 37-38)
A citação dos bairros em ordem, da saída do aeroporto até o local
desejado, faz com que o leitor viaje com o personagem. Segundo Santos (1978),
a paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder
acompanhar as transformações da sociedade. Dessa maneira, quando o
narrador descreve o túnel de bambus e a pavimentação que se encontra melhor
que dez anos antes, de fato, poderiam ocorrer por uma evolução
socioeconômica da sociedade. Entretanto, as transformações sinalizadas
literariamente no espaço da cidade causam incerteza no protagonista: dúvida da
verossimilhança do que está ao alcance dos seus olhos, como o verdume do
bambuzal revigorado, cujas árvores arcadas formam o acesso ao aeroporto e a
qualidade do asfalto da orla. Todavia, elementos que refletem
mudanças socioeconômicas e políticas chegam ao "homem de óculos e roupas
surradas" pela audição, através da intermediação vocal do taxista, conforme a
expressão ", segundo o motorista" revela:
O índice de criminalidade baixou em 95%, diz o motorista, com o ar jovial e despreocupado. O homem de óculos e roupas surradas havia adquirido o hábito de reagir com cinismo a todas as notícias que lhe davam. (...) A pobreza, ali, apresentava-se numa embalagem simples e digna, bem diferente da miséria com a qual havia sido obrigado a conviver desde o explosivo processo de inchamento verificado em Salvador, a partir dos anos 60 do século passado. (2010, p. 38).
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Segundo Ermínia Maricato (2000), as reformas urbanas, realizadas em
diversas cidades brasileiras entre o final do século XIX e início do século XX,
lançaram as bases de um urbanismo moderno "à moda" da periferia. A partir dos
anos 80, as periferias cresceram mais que os centros, resultando em um amplo
aumento populacional que prevalece até os dias atuais. De acordo com a
narrativa, o crescimento da população pobre diminuiu proporcionalmente à
redução dos índices de violência, explicitando as alterações socioeconômicas
que implicam diretamente em mudanças na cidade.
O narrador utiliza a figura de linguagem ironia para expressar os efeitos
de sentido que as informações mediadas pelo taxista produzem no interlocutor.
Ao ouvir as informações sobre mudanças positivas, o protagonista demostra
desprezo e incredulidade. Com expressão de cinismo, mostra desacreditar no
que se encontra à frente, pois, de acordo com o desenvolver do conto, as
transformações ocorreram num período de tempo de apenas 10 anos.
Surpreende-lhe a intensidade da sensação. A consciência plena de que ainda pertence àquela terra é, entretanto, atropelada pela de que ela jamais pertenceria a ele, novamente. Um grande vazio que ocupa o seu espírito. Uma dor se superpõe à alegria, que, por sua vez, se superpõe à dor, sucessivamente. Sente-se como um pai, que retorna ao lar, após longo período de ausência, encontrando o filho forte, crescido, saudável, mas estranho a ele. (2010, p. 39).
Para dar continuidade ao estudo topoanalítico, é preciso conceituar o
ambiente que, segundo Borges (2008) se define como a soma de cenário ou
natureza mais a impregnação de um clima psicológico. Deste modo, o cenário
descrito anteriormente se transfigura em ambiente a partir da sua junção com a
situação psíquica do personagem principal. O sentimento que ambienta o
cenário é a alternância consecutiva entre dor e alegria. Essa alternância
acontece pelo paradoxo encetados pela própria representação dos termos ‘dor’
x ‘alegria’, pois todo o processo de referencialização da cidade real é
construído através da ironia o que, de fato, ficcionaliza Salvador para apresentar
críticas contundentes do modo como as políticas de desenvolvimento urbano se
instituem no país.
– Não há crianças...
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
– O quê? - pergunta o motorista, voltando o rosto para ele. – Não há crianças na sinaleira. Não há meninos pedindo esmolas. Não há esgotos nas praias, nem barracos, nem invasões... (2010, p. 39).
Nessa perspectiva, a ironia acontece pela oposição das duas cidades: a
cidade referenciada real, que está na memória do protagonista, e a cidade
revisitada. A figura de linguagem apresentada no trecho vincula-se com a
percepção do leitor, pois as afirmações de que não há mais crianças nas
sinaleiras, nem meninos pedindo esmolas, estão sendo apresentadas de modo
irônico. Assim como as afirmações sobre as mudanças no modo organizacional
nas cidades, que desreferencializam os principais problemas de gestão do
espaço urbano, como saneamento básico, moradia e distribuição territorial da
cidade. A ironia se instala uma vez que o leitor, pela experiência de viver no
Brasil, já desconfia do falseamento do discurso narrativo.
CONCLUSÃO
Por intermédio das análises, é possível perceber as relações entre o
espaço urbano da cidade de Salvador, e como é representada no texto literário.
Desse modo, o protagonista é situado geograficamente no espaço e por meio do
reconhecimento do espaço "ficcionalizado", onde a ficção é mimetizada, pois o
narrador busca reproduzir o espaço real. A narrativa instaura a literalidade por
intermédio da ironia. Desse modo, o narrador constrói um espaço real para
possibilitar críticas à conjuntura política, econômica e social do país. Assim, a
voz presente na narrativa é apresentada com um aspecto
irônico para criticar políticas públicas de gestão do espaço urbano. Ao narrar
as mudanças ocorridas, possibilita que o leitor – mesmo
aqueles que não conhecem Salvador, perceba que a descrição é oposta às
cidade real, como a mudança do nome do aeroporto, a formação dos bairros da
orla, a inexistência de crianças na rua pedindo esmolas, a falta de esgotos
desaguando nas praias. Assim, o discurso, por meio da ironia, se constitui por
oposição ao real. Dessa maneira, o espaço situa o personagem
geograficamente e, ao mesmo tempo, propicia ações e sentimentos, pois a
construção do texto, por meio da ironia, promove rupturas com o
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reconhecimento de verossimilhança por intermédio da ficcionalização do
espaço.
Referências
BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise - 2008, São Paulo, Brasil SANTOS, Milton. Da sociedade à paisagem: o significado do espaço do Homem - 1978. MARICATO, Ermínia. Urbanismo na periferia do mundo globalizado: metrópoles brasileiras - São Paulo, 2000. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-88392000000400004>. DA SILVA, Maria Auxiliadora. Imagens da cidade da Bahia: um diálogo entre geografia e arte – Délio José Ferraz Pinheiro, Maria Auxiliadora da Silva (Org.) – Salvador: EDUFBA: 2007. Site: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/1998/05/28/aeroporto-de-salvador-tera-o-nome-de-luis-eduardo.
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DA CIDADE AO ESQUECIMENTO: PRINCÍPIOS DA TOPOANÁLISE EM LEITE DERRAMADO, DE CHICO BUARQUE
Allysson Davi de Castro1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Não é muito difícil de se chegar à conclusão de que a cidade ocupa um
espaço majoritário na literatura brasileira desde o fim do século XIX, com a
ascensão do romance, e de forma mais incisiva nas narrativas contemporâneas.
A forma como a cidade é representada no romance vai para além de uma mera
representação e acaba por revelar questões de ordem social, política e cultural.
Segundo Tuan,
[...] a cidade representa a maior aspiração da humanidade em relação a uma ordem perfeita e harmônica, tanto em sua estrutura arquitetônica como nos laços sociais. Em todo lugar que o urbanismo apareceu de forma independente, descobrimos que suas raízes assentam-se em um centro cerimonial prestigioso em vez de em um lugarejo (2005, p. 231).
De acordo com o geógrafo chinês, a organização da cidade em formas
geométricas bastante regulares significava o desejo de ordem e harmonia que a
sociedade aspirava. Com o advento da revolução industrial, que figurou em um
movimento de revolução urbana, este espaço urbano, agora massificado,
passou a ter novas significações. Se o espaço urbano já é em si um lugar de
rearranjos, de movimento, de fluxo e, de certo modo, de organização, na
contemporaneidade esse espaço é potencializado, de forma que acompanha o
crescimento da metrópole e da própria sociedade com toda a sua complexidade.
Na realidade, a descrição na narrativa ficcional contemporânea que
envolve o aspecto urbano funciona como um elemento fundamental para se
entender as personagens que ali transitam, já que ela expõe, como um reflexo,
o homem urbano em seu mais alto grau de subjetividade: um indivíduo
fragmentado, um andarilho, um flâneur. E talvez um dos retratos mais
contundente desse retrato da modernidade esteja em Leite derramado (2009),
quarto romance de Chico Buarque. A narrativa desta obra se estrutura sob a
1 UFPI. E-mail: [email protected]
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forma de um monólogo, em que as reminiscências de um centenário desenham
uma cidade no intervalo de dois séculos, por meio das vivências da família
Assumpção. Com uma visão integradora, Chico Buarque atenua, em seu
romance, os limites entre ficção e realidade, a tal de ponto de o romance ser
considerado uma (re)visitação à história do Brasil.
Evidentemente, reconhecemos que a cidade de Leite derramado (2009)
– como qualquer outra no campo literário – é ficcional, por mais que contenha
elementos da realidade. Essa distinção necessária se impõe no sentido de
delimitar os limites do discurso literário na construção de uma cidade escrita, que
se difere de uma cidade real, como discute a socióloga Beatriz Sarlo:
Entre cidade escrita (no sentido em que Roland Barthes se referia à “moda escrita”) e a cidade real há uma diferença de sistemas materiais de representação, que não pode ser confundida com frases fáceis como “a literatura produz cidade” etc. Os discursos produzem ideias de cidade, críticas, análises, figurações, hipóteses, instruções de uso, proibições, ordens, ficções de todo tipo. A cidade escrita é sempre simbolização e deslocamento, imagem, metonímia. [...] A cidade real, por sua vez, é construção, decadência, renovação e, sobretudo, demolição... (SARLO, 2014, p. 139).
O presente trabalho objetivou, pois, fazer uma leitura topoanalítica do
romance em questão, privilegiando uma abordagem que endosse aspectos da
condição urbana e, a partir disso, investigar como esse tipo de abordagem
contribui para a captação do universo urbano, por meio de imagens e metáforas
espaciais. Para tanto, serão analisados alguns espaços que são recorrentes na
narrativa em tela: a fazenda e o chalé em Copacabana.
FAZENDA: O ESPAÇO DA INFÂNCIA
No campo dos estudos literários, já fora ultrapassada a ideia de que a
personagem está dissociada do espaço. Em contrapartida, há um número
considerável de estudos que sinalizam para o fato de que há uma relação muito
tênue entre o sujeito ficcional e o espaço que o circunda, de modo que
[...] uma das peculiaridades mais proeminentes do espaço talvez seja a sua estreita ligação com o homem, já que as formas espaciais dependem de uma ação humana para se converterem em uma parte integrante da realidade social. Com efeito, os lugares por onde o homem não passa tendem a serem vistos
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como formas destituídas de conteúdo, pois a mera existência física do espaço não é capaz de gerar um objeto vivo e dinâmico, que só é plenamente alcançado por intermédio da experiência humana (PINHEIRO, 2009, p. 2).
Essa ligação “estreita” do espaço com a personagem, como sugere
Pinheiro (apoiado em autores como o geógrafo Milton Santos (2014)), é tão
importante que os espaços passam a existir e a desempenhar um papel
significativo, a partir do momento em que a personagem está inserida eles. Por
esse motivo, vale ressaltar ainda que o espaço cumpre um papel operacional,
ou seja, é uma possibilidade bastante interessante de análise, na leitura do texto
literário.
Embasado na obra Lima Barreto e o espaço romanesco (1976), que é
basilar nos estudos sobre o espaço literário, Ozíris Borges Filho (2007), em seu
livro Espaço e literatura: introdução à topoanálise, elencou uma série de
funções que o espaço pode desempenhar, a saber: caracterizar as personagens,
situando-as no contexto socioeconômico e psicológico em que vivem; influenciar
as personagens e também sofrer as suas ações; propiciar a ação das
personagens; situar a personagem geograficamente; representar os sentimentos
vividos pelas personagens; estabelecer contraste com as personagens;
antecipar a narrativa. Note que a palavra “personagem” aparece na maioria das
funções, excetuando-se somente em uma, o que já é um dado revelador do
quanto esta relação “espaço x personagem” é intrínseca.
Na infância do protagonista, Eulálio Assumpção, o espaço da fazenda é o
espaço que representa a vitalidade, pois foi onde ele teve as suas primeiras
experiências. De certo modo, a personalidade de Eulálio Assumpção é moldada
pelas experiências vividas na fazenda – um lugar marcado pela ideia de
liberdade e pela abundância de recursos projetada pela imagem do casarão.
Com um pensamento saudosista, ele relembra de Balbino Assunção Neto, uma
espécie de criado que o ensinou coisas relacionadas à infância, como ilustra o
trecho a seguir:
Esse me ensinou a soltar pipa, a fazer arapucas de caçar passarinho, me fascinavam seus malabarismos com uma laranja nos pés, quando nem se falava em futebol. Mas depois que entrei no ginásio, minhas idas à fazenda escassearam, ele
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
cresceu sem estudos e perdemos as afinidades (BUARQUE, 2009, p. 18-19).
É interessante perceber que o fator social cria um abismo entre o
protagonista e o criado, mesmo diante das situações de convívio na infância. O
fato de o criado ter crescido sem estudos já foi um indício para que eles
perdessem “as afinidades”. Esse é um discurso recorrente no romance, visto que
a própria formação aristocrática do narrador fez dele sujeito aparentemente
distante de personagens de classes sociais inferiores a sua.
Por outro lado, o hospital, o espaço de sua velhice, é o avesso do que a
fazenda lhe fora. É nele que o protagonista nutre os piores sentimentos, que,
grosso modo, são um reflexo das suas contradições: um aristocrata falido que
não aceita a sua decadência moral e humana:
É o tal negócio, me arrancam da cama, me passam para a maca, ninguém quer saber dos meus incômodos. Nem bem acordei, não me escovaram os dentes, estou com a cara amassada e a barba por fazer, e com este péssimo aspecto me fazem desfilar sob a luz fria do corredor que é um verdadeiro purgatório, com um monte de gente estropiada pelo chão, fora os vagabundos que vêm ali a fim de ver desgraça. Por isso puxo o lençol e cubro meu outrora belo rosto, que logo tornam a expor para não parecer que estou morto, porque causa má impressão, ou é vexatório para maqueiro transportar defunto (BUARQUE, 2009, p. 23).
A caracterização do hospital com palavras de valor negativo revela a
aversão que o narrador possui pelo espaço em que se encontra. A imagem do
narrador “cara amassada e barba por fazer” confunde-se com o aspecto do
hospital, que chega a ser comparado a um purgatório: ambos estão em um
estado de clemência. Algumas linhas depois, o narrador afirma cobrir seu “belo
rosto”, adjetivo que parece estranho, mas que, no entanto, exprime o paradoxo
em que o protagonista se vê mergulhado.
Nesse sentido, o espaço propicia a ação da personagem, o que não quer
dizer que o espaço tenha influenciado, mas contribuído para o comportamento
hostil de Eulálio. Nesta função de propiciar a ação, segundo Borges Filho, “a
personagem é pressionada por outros fatores a agir de tal maneira, não pelo
espaço. Entretanto, ela age de determinada maneira, pois o espaço é favorável
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
a essa ação.” (2007, p. 39). O hospital já é em si um espaço topofóbico, já que
ele significa o lugar da fragilidade e da impotência humana.
O ESPAÇO DA DECADÊNCIA
Em diversos momentos de uma narrativa ficcional, o leitor é capaz de
antever a ação das personagens, por uma motivação interna na própria trama.
O fato de Eulálio estar sempre distante da esposa e de ela se resguardar a
espaços como o da cozinha revela a liquidez da relação na qual estavam
submetidos.
Em Leite derramado (2009), o chalé de Copacabana é o espaço que
mais é evocado nas lembranças do narrador, o que faz dele um espaço chave
do romance. Isso se deve ao fato de ter sido neste casarão que ele passou todos
os momentos com Matilde, do namoro ao casamento. Desse modo, o chalé é
sacralizado pelo narrador, como uma forma de manter viva não somente a sua
história com a esposa, mas também de não perder a condição de aristocrata,
mesmo mediante as dificuldades financeiras.
Do chalé eu não queria me arredar por dinheiro nenhum, mesmo cansado de saber que a ausência da minha mulher era definitiva. Mas noutro lugar talvez eu não ouvisse mais os suspiros dela, naquele endereço ela ainda vinha me ver em sonhos. E eu me fazia de ofendido com o valor das propostas, enxotava os corretores que vinham me aporrinhar, insuflados por minha filha. Maria Eulália não concebia que ocupássemos um terreno tão valioso em Copacabana, sem poder custear um automóvel, uma cozinheira, uma babá para o Eulalinho (BUAQUE, 2009, p. 120).
Passado algum tempo, o protagonista, aliciado pela filha e pelo genro que
lhe furtam o pouco de bens que lhe resta, se vê pressionado para vender o chalé:
E Maria Eulália, ao seu lado, não se pejava de desdenhar a casa onde nasceu e foi criada, esta ridícula arquitetura suíça num país tropical. O casal me sugeria vender o chalé a alguma empreiteira, para me estabelecer com minha mãe no casarão neoclássico de Botafogo (BUARQUE, 2009, p. 80).
No entanto, a ligação visceral do protagonista com o chalé se dá de modo
tão intenso, que a degradação do espaço retrata a decadência do próprio
indivíduo. A decadência humana e moral na qual Eulálio está mergulhado, faz
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com que ele hibridize os espaços e, num lapso de delírio, o chalé pode ser
igualado ao hospital, sob a condição de que lhe devolvam o sossego:
Quando eu morrer, meu chalé cairá comigo, para dar lugar a mais um edifício de apartamentos. Terá sido a última casa de Copacabana, que então se igualará à ilha de Manhattan, apinhada de arranha-céus. Mas antes disso, Copacabana se assemelhará a Chicago, com policiais e gangsters trocando tiros pelas ruas, e ainda assim dormirei de portas abertas. Pouco importa que entrem meliantes pela minha casa, e mendigos e aleijados e leprosos e drogados e malucos, contanto que me deixem dormir até mais tarde. Porque todo dia é isso, acordo com o sol na cara, a televisão aos berros, e já compreendi que não estou em Copacabana, foi-se o chalé há mais de meio século (BUARQUE, 2009, p. 49).
Em síntese, à medida que a narrativa se desenvolve, os espaços da vida
por onde passava o narrador quando criança vão se desconstruindo em função
da degradação social a que sua família é acometida, conforme assinala
Margarida Gil dos Reis em um ensaio sobre o romance:
[...] do chalé de Copacabana dos seus 20 anos passamos para um apartamento nas traseiras do chalé, seguimos para um apartamento menor na Tijuca, vemos o palacete da família em Botafogo ser vendido, a fazenda de infância transforma-se numa favela e a última morada do narrador é o antigo cemitério onde jaz o avô. Tudo converge para um estado que culmina, simbolicamente, na morte (REIS, 2009, s/p).
Na tentativa de aclarar o que Reis (2009) destacou, ao traçar um caminho
por onde o narrador transitou na narrativa de Leite derramado (2009), e com
base no enredo do romance, reproduzimos a imagem a seguir, que, ao nosso
ver, são espaços centrais na trajetória do protagonista no desenrolar da trama:
Imagem 1
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Fonte: O autor
Levando em consideração a fazenda da raiz da serra, o chalé e todos os
outros espaços por onde transita o protagonista até chegar ao hospital onde
narra a história da sua família, é possível deduzir que estes espaços, do ponto
de vista social, representam uma linha descendente da própria história de
Eulálio, pois os espaços são cada vez mais subalternos, equiparando-se a sua
condição de vida. Tomado pela melancolia, o narrador expõe o que sente diante
da destruição desses espaços:
Confesso que, para mim, era um pouco melancólico ver as ruínas da sede colonial, a capela em esqueleto, o estábulo carbonizado, a relva seca e a terra estéril da fazenda da minha infância. Aquela área rural tinha sido ocupada por indústrias, e algumas favelas já infestavam a redondeza (BUARQUE, 2009, p. 79).
Na descrição do narrador, as palavras “ruínas”, “esqueleto”, “estábulo
carbonizado”, “relva seca” e “terra estéril” valorizam negativamente o espaço.
Nessa descrição, o protagonista parece denunciar um espaço infértil à medida
em que ele se transforma em uma área industrial, ocupada por favelas.
Esse sentimento está intimamente ligado à ideia de degradação social
que permeia o discurso do moribundo.
SUJEITO EM DESLOCAMENTO
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Na tentativa de amenizar os efeitos dessa decadência, depois de ter sido
enganado pelo genro, Américo Palumba, os espaços passam a ser naturalizados
na fala do narrador, na tentativa de atenuar a sua condição. Para isso, Eulálio
vive em constante deslocamento espacial em que, nessas andanças, a filha,
Maria Eulália, já se encontra em um novo casamento.
E para mim era uma novidade tomar ar fresco nas ruas da Zona Norte, às vezes eu esticava as caminhadas até o centro da cidade. [...] A noitinha eu regressava por caminhos mal iluminados, onde não corria perigo de topar com algum conhecido. [...] Porque o Xerxes, quando bebia, costumava bater na minha filha, mas em bairros mais populares cenas do gênero são corriqueiras, não escandalizam ninguém (BUARQUE, 2009, p. 143).
Ações simples como caminhar à noite – o que simbolicamente
representaria o perigo – passa a ser uma opção do narrador, que teme ser
reconhecido, o que acentuaria a sua desmoralização. Na verdade, o próprio
indivíduo se vê impotente, assim como o foi boa parte da vida.
À GUISA DE CONCLUSÃO
O espaço urbano em Leite derramado (2009) figura como uma projeção
psicológica do narrador centenário, Eulálio Assumpção. Os espaços funcionam
como uma espécie de espelho do próprio narrador, que usa do discurso como
artifício para manter a tradição aristocrata. A perda de Matilde fez com que ele
atribuísse uma atmosfera pesada e sombria aos espaços, marcados, em grande
parte, pela sua subjetividade.
Dito isto, acreditamos que os espaços da fazenda, do chalé, do casarão,
até culminar no hospital, funcionam como uma metáfora do Brasil, que passou
pelos períodos do feudalismo, da república e, mais recentemente, da
democracia, que desde a sua gênese se mostra enfraquecida e, ultimamente,
em estado de decadência, quando a escolha do povo é usurpada pelo poder
político, em um projeto de destruição de direitos conquistados.
REFERÊNCIAS
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151 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. Franca, São Paulo: Ribeirão Gráfica e Editora, 2007. BUARQUE, Chico. Leite derramado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. PINHEIRO, André. O nascimento de uma nova cidade: aspectos da condição urbana na poesia de Zila Mamede. Revista Odisseia, v. Nº 4, p. 1-10, 2009. REIS, Margarida Gil dos. O regresso às origens. In: Jornal de letras - Portugal - 02/07/2009. Disponível em: <http://www.chicobuarque.com.br/critica/crit_leite_jletras_margarida.htm>. SARLO, Beatriz. A cidade vista: mercadorias e cultura urbana. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014. TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. Trad.: Lívia de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
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MEMÓRIA REVISITADA E A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO LITERÁRIO NA NARRATIVA DE IGOR ROSSONI
Camila Santos do Apolônio1
Maria das Graças Meirelles Correia2
INTRODUÇÃO
Com vista a investigar o espaço afetivamente rememorado pelo narrador-
personagem do livro Exercícios para Clarineta, de Igor Rossoni (Vento Leste,
2010), o presente trabalho evidencia a construção do “espaço realista” na
narrativa. O livro trata-se de uma criação: todos os espaços apresentados são
ficcionais; os ambientes repercutidos no texto são produzidos a partir de
lembranças da vivência entre os personagens. Rossoni toma como parâmetro a
própria experiência. Assim, a matéria fabular do livro é a rememoração afetiva
do que foi vivenciado pelo autor. A figura do narrador é concebida a partir dos
sentimentos materializados na infância. A apresentação sequencial das
lembranças depende de uma voz ficcional que interliga os rumores factuais
isolados nas determinações espaço-temporais. Ao refletir sobre o “espaço
social” constituído pela memória, é pertinente observar que os espaços intra-
narrativos se assemelham a localidades tópicas da realidade tangível citados
nas notas de rodapé, o que oferece maior verossimilhança ao enredo.
Entretanto, as imagens poéticas são ambientadas pelo que a memória guardou.
O romance Exercício para clarineta (Vento Leste, 2010) é composto por
seis segmentos onde se intercalam duas formas de discursos. O primeiro se
refere ao discurso verbal elaborado sob os auspícios da memória afetiva em que
o narrador-personagem retrata a revisitação de determinados cenários e
paisagens em companhia do personagem avô. O segundo concerne ao discurso
musical, construído pelas composições do personagem avô, situando
homologamente o intercurso entre ambos. A narrativa é remissão do autor
efetivada anos após a morte do avô. Impregna-se de lembranças do convívio
dos dois, refletido em imagens poéticas não sequenciais. Tais imagens são
conduzidas pelo narrador-personagem, fundamentando-se nos sentimentos da
ausência e assumem forma encadeada a partir do papel do narrador, uma vez
que este apresenta as rememorações do próprio autor. Para análise do romance,
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consideramos a topoanálise como o estudo psicológico sistemático dos locais de
nossa vida íntima, apresentado por Gaston Bachelard, em A poética do espaço
(2003), uma vez que os espaços na narrativa são recriações condicionadas pela
rememoração afetiva da relação entre os personagens avô e neto. Assim, ao
analisar o espaço na obra literária, observa-se que este sofre interferência dos
aspectos ligados à memória afetiva do narrador-personagem, evidenciando — a
partir da topografia do romance — que os espaços literários são segmentados
pela revisitação afetiva de um cenário ou paisagem exibidas na narrativa. Assim,
os espaços do romance se transmutam em ambientes, uma vez que, (...) “na
perspectiva da topoanálise, o ambiente se define como a soma de cenário ou
natureza mais a impregnação de um clima psicológico” (BORGES, 2008). As
modificações psíquicas do narrador fazem com que o romance seja
impulsionado por intermédios de pequenos flashes que apresentam a relação
entre os personagens – neto-autor-narrador e avô-compositor – ao receptor.
O livro apresenta, como macroespaços, duas cidades, Araraquara e
Mirassol, localizadas do estado de São Paulo. Nesses espaços se realizam as
principais ambientações dos fatos rememorados. Os microespaços são
representados por paisagens e por cenários revisitados por meio da memória a
partir do sentimento de falta. Nesses termos, os ambientes caracterizados pelo
convívio entre os personagens são motivos de reflexão neste estudo
investigativo.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Exercício para clarineta (Vento Leste, 2010), foi escolhido para pesquisa
topoanalítica por apresentar uma formulação incomum do espaço literário da
narrativa, uma vez que se baseia em caracteres de análise psíquicas do
narrador-personagem. Ao observar a estrutura da narrativa e a construção da
linguagem, percebe-se que o autor escreve sobre o que foi experienciado na
infância, caracterizando, assim, a produção textual como escrita memorialística.
Textos desse gênero possuem caráter crítico e autocrítico, em que, ao
escrever um memorial, o autor assume a voz do entrevistado. Deste modo, a
intenção é de reaver anamneses do passado a partir das recordações de
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indivíduos que, de fato, viveram esse passado. São textos reflexivos, na medida
em que a história contada é a do próprio autor, ou seja, uma autobiografia. Para
este estudo, toma-se o conceito de autobiografia como: “Narrativa retrospectiva
em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza
sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (LEJEUNE,
2008, p.15).
Assim, sendo Exercício para clarineta uma obra literária e composta pelo
relato memorialístico do autor é possível considerá-la autobiografia, pois este
gênero se institui distanciado da realidade factual, tornando-se, portanto,
possível interpretá-la como gênero ficcional, cuja matéria fabular é extraída da
memória do autor. Entretanto, essa matéria fabular distancia-se do real em
tempo e espaço vivido. Para avanço da narrativa se faz necessária a figura do
narrador que conduz o enredo de modo sequencial a partir da ligação de
fragmentos da memória. Neste trabalho, a autobiografia é tomada como um
gênero textual equivalente à narrativa memorialística, haja vista o autor utilizar a
revisitação afetiva das lembranças como propulsora do enredo. A narrativa
memorialística caracteriza-se como escrita literária devido ao trabalho linguístico
realizado pelo autor, que transgride a interpretação semântica das palavras com
o objetivo de transmitir o sentimento de falta experienciado, para os leitores, a
partir da articulação entre memórias reais e imagens poéticas.
No romance, se intercalam duas formas de discursos, o primeiro referente
ao verbal fomentado pelas rememorações afetivas e assumidas pelo narrador-
personagem; o segundo compete ao discurso musical, constituído das
composições do avô-compositor, que era clarinetista, motivação, pois, do título
da obra. Para o estudo topoanalítico, este trabalho coteja apenas o discurso
verbal, uma vez que, é através dele que os ambientes são repercutidos. A
topoanálise — estudo psicológico sistemático dos locais de nossa vida íntima
(BACHELARD, 2003) —, apontada pelo teórico Ozíris Borges Filho, em Espaço
e literatura: introdução à topoanálise (2008), necessita de levantamento dos
espaços do texto e a categorização deles de acordo com a função e o tipo. Ao
basear a análise nas determinações proposta por BORGES (2008), observa-se,
a partir da topografia do romance, que o espaço é dividido em dois grandes
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polos, essa segmentação caracteriza-os como macroespaços, representados
pelas cidades, Araraquara e Mirassol, localizada em São Paulo.
Araraquara, a morada do sol, (ROSSONI, 2010) é a cidade onde o
narrador-personagem nasceu e morava com o avô; Mirassol era a cidade onde
o avô permanecia periodicamente e também a cidade onde morreu. O avô tinha
encontros musicais nas duas cidades e o neto o acompanhava nas viagens e
ensaios. Em tela, a vivência em comunhão dos personagens é intercalada entre
as duas cidades, os sentimentos gerados através de momentos em companhia
do avô levam ao desdobramento dos fatos. Ambas as cidades têm em comum a
sensação de claridade e calor que o autor elabora para simbolizar os
sentimentos que preenchem a relação entre os personagens.
Figura 1
Fonte: Notas de rodapé, p. 42
Todas as citações em notas de rodapé remetem a acontecimentos nos
dois macroespaços. Neste ponto, a conceituação do que é o cenário, a natureza
e principalmente o ambiente proposto, torna-se imprescindível para continuação
da análise.
O cenário é entendido como o espaço criado pelo homem, em geral, áreas
da vida humana onde, a partir da experiência cultural, são modificadas e
construídas pelo homem segundo sua imagem e semelhança. Deste modo, o
cenário carrega, em si, personalidades e valores humanos. Na narrativa, tais
espaços são representados pelos lugares onde o avô visitou na companhia do
neto e, especialmente, pelas mediações da casa em Mirassol, que, devido à
originar-se na rememoração afetiva, sua representação poética é impregnada de
sentimentos.
Aqui. No escuro. Eu ainda não dormira e os passos lá sem estancamento. Foram por noites e noites percorrendo espaço, delimitados, o interior da casa. [...] Assim, a dor que pulsara por corredores e labirintos sanguíneos arando sulco de nossos passos pelo escorrer do solo aos pés — veias abertas-para-dentro — agora caminha solitária de um canto-a-outro, sem
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esquinas ou mesmo o silêncio objeto das 2 jaulas ou sombras ou torre ou ânsia de por entre-passos chegar. No escuro. A sala. E o só por paredes truncando passagem; possibilidade e destino. Ao certo, paragens. Dor lá e cá. Dentro d’olhos, paredes e só (ROSSONI, 2010, p.58-59).
Figura 2
Fonte: notas de rodapé, p. 58
Como exposto no estudo, as notas de rodapé concernem a vida real. A
nota apresentada pela figura 2 é referente à citação e retrata os momentos de
dor em que o avô do autor, por não conseguir ficar deitado de tanto incômodo,
andava pela casa à noite e o neto, acordado, ouvia o som de passos
perambulando de um lado para outro.
O cenário íntimo da casa é constituído a partir da movimentação do avô;
a imagem do interior da residência é mapeada pelo andar carregado de dor do
personagem, cujos passos indicam a disposição dos cômodos na casa. O ponto
chave desse segmento é a metáfora criada pelo termo parede. No interior de
uma área construída, fisicamente sua função é separar duas áreas, todavia, no
texto demarca um empecilho no curso da vida do avô. Para o neto, é um
indicativo da futura ausência a ser experienciada. O trecho também acentua a
incapacidade do autor para ajudar o avô, pois, na sua pouca idade, não havia
muito o que pudesse fazer, só ouvi-lo e posteriormente, recordar-se.
A natureza é compreendida como o espaço não construído pelo homem
e que pode repercutir, segundo o labor do autor, com as palavras de diferentes
formas no contexto narrado que acaba por criar múltiplos efeitos de sentido na
obra literária. A natureza também é representada no romance pelos lugares
visitados pelos personagens.
Ele4 olhava estrelas enquanto águas rolavam de rochedo e líquens, naquela tarde. [...] Do peso imposta à pedra, corpo entregue ao descanso, resta o pó o da imagem ali despresenciada. [...] Precipício d’águas entre minerais rochosos e líquido escorrente dando encontros ao turbilhão d’outras águas — as mesmas despendidas — em composição de fonte
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alongada e banhamentos. [...] Os olhos dele, d’encontro à luz, faiscavam. Vi — no quase-nitidamente — a presença da morte. A morte em si, do profundo daqueles negros olhos-negros a galope, em minha direção: vindo, indo, vindo, lentalamento aos golpes d’avanço (ROSSONI, 2010. p. 21-3).
Figura 3
Fonte: notas de rodapé da página 21
A citação e a figura 3 apresentados anteriormente são textos que se
complementam. Exprimem as vivências do autor-narrador-personagem durante
a visita a uma cachoeira na cidade de Torrinha, local onde o avô nascera. Esses
textos retratam, inicialmente, o sentimento de admiração e imponência ao
observar a imagem do avô sentado sobre uma pedra em contraste com a
paisagem da cachoeira. Posteriormente, a experiência se transforma em
angústia e dor fomentados pela sensação de presença da morte e de futura
ausência do avô. Os sentimentos bons e ruins que envolvem psicologicamente
o narrador-personagem é responsável por modificar a cena poética apresenta,
deste modo, a natureza acompanha as emoções experienciadas.
Ao considerar o ambiente “como a soma de cenário ou natureza mais a
impregnação de um clima psicológico” (BORGES, 2008), é possível perceber
que, no romance, os sentimentos que o preenchem ocasionam a
ambientalização do enredo. Os excertos em que foram aplicados os conceitos
de cenário, natureza e — devido ao carácter psíquico — ambiente, pela definição
topoanalítica, exemplificam os microespaços existentes na obra.
A segunda etapa necessária para arrematar o estudo topoanalítico é a
categorização dos espaços a partir do modo como atuam na narrativa. Observa-
se, então, que age de forma análoga aos sentimentos vivenciados pelas
personagens, “portanto há uma relação de homologia entre personagem e
espaço. Trata-se de um espaço homólogo” (BORGES, 2008).
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Dia de festa e festividade, aquele. Todos ali em serena contemplação. [...] Dia de ida à terra natal revisitada. Não pudera conter tamanha excitação: o lugar de nascedouro de todo caminho percorrido. [...] Tempo de borboletas. [...] Esperando encontros: a festa. As frutas todas lá, conformadas à ordem inaugural. Sabor de frutas ao sol, no muito verde entre águas escorreitas e sonoridades. Todos cantos. Passarinhos. Tempo era de muita manhã e quietas verduras. [...] As águas seguem destinos-desfiladeiros, ruas, veias e artérias: corações meus. O dia de festa aquela (ROSSONI, 2010. p.105, 107 e 109).
O trecho encontra-se na última parte da narrativa e destaca a revisitação
do mesmo espaço natural indicado no começo: a cachoeira de Torrinha.
Entretanto, os sentimentos expressos antes e depois são completamente
adversos. No final, tudo se transforma em celebração à vida; as sensações boas
envolvem a cena poética apresentada, ambientando-a. Desde a referência à
primavera — construída por meio da indicação de ser o “tempo de borboletas”
—, perpassando pela ideia da espetacularidade do sabor contido nas frutas, até
a apresentação da queda d'água, refletem os sentimentos vivenciados pelas
personagens destacadas na imagem que constituem a cena poética. Deste
modo, em determinadas cenas, existe uma analogia entre o espaço ocupado
pela personagem e o respectivo sentimento vivenciado por cada uma. Estes
espaços homólogos são lugares de vivências temporárias e, na maior parte das
vezes, casuais.
O último estágio para a conclusão da topoanálise é a definição do tipo de
espaço que conforma o romance. Ao analisar a relação que se estabelece entre
narrador e o que é aludido nas notas de pé de página, é possível determinar que
o espaço realista — “espaço construído na obra semelha-se à realidade
cotidiana da vida real. Nesse caso, o narrador se vale freqüentemente das
citações de lugares existentes” (BORGES, 2008) — configura o romance na
medida em que é recriado a partir das revisitações afetivas das lembranças.
O que existira, não mais. A rua; A cidade12 por pior. [...] Nem lembrança do que fora. Sobrados no limite das calçadas, janelas e portais conforme torneados, texturas em exercício de detalhes e entalhes. Agora, insosso de formas e blindex entre placas de trânsito e condecorações publicitárias. [...] Breve forma do que fora um dia a arquitetura do homem: o feitio definido de ruas e gentes. [...] Todos, entre-quietos assim íamos. Descíamos a “rua 1”13 contendo emoção de logo desfazer de malas, aprumo de partituras, ascender ao peito ar, movimentos lúdicos de-dedos,
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afino de cordas, ajuste de leve-limite das palhetas, harmonias e tonalidades (ROSSONI, 2010. p.35).
Figura 3
Fonte: notas de rodapé da página 35
As referências tópicas nas notas de pé de página agregam maior
verossimilhança ao enredo, uma vez que, a narrativa memorialística — enquanto
gênero literário — não exige comprovação de veracidade do discurso. A
realidade é assegurada pelas citações de localidades tópicas da realidade
tangível. Ao considerar que o espaço social é construído e modificado pela ação
humana e que essas alterações são observadas com o passar do tempo, é
possível presumir a existência esse espaço dentro do discurso literário. O espaço
social é recriado segundo o que a memória armazenou, a afetividade pode
assumir e representar discursivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo intenciona evidenciar a sistematização do espaço
literário a partir da rememoração afetiva das lembranças da infância do autor-
narrador. Ao considerar o “espaço social” fruto de construção e modificação
humana, o estudo também expressa como os sentimentos experienciados
interferem na construção de cenários, da natureza e dos ambientes. Em tela, o
romance funciona como remissão do autor quanto ao não cumprimento da
incumbência lançada a ele pelo avô. Ressalta-se que a narrativa não apresenta
uma história, haja vista o autor intencionar construí-la pela ausência de fatos e
evidenciar o aspecto dramático da perda e ausência do avô. Assim, o que é
gerado a partir do romance é o drama, desse modo, a falta de tema traz a
tragédia, e reconstitui a sensação de ausência. Consequente a isso, na narrativa
não existe clímax. Assim, a mola propulsora da narrativa é a afetividade gerada
da inter-relação dos personagens que dialogam em espaços homólogos aos
seus sentimentos.
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REFERÊNCIAS
ROSSONI, Igor. Exercícios para Clarineta. Vento Leste, 2010. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. XI. In: Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo, 2008. Disponível em: < ttp://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf>. Acesso em: 25 de outubro de 2017. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 5. ed., São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço, Martins Fontes. São Paulo, 2003.
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A CONFIGURAÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO MINHA MÃE, DE VICTOR GIUDICE
Carolina Veloso (UFSC/CNPq)1 Luísa Menin (UFSC/LabFlor)2
O escritor carioca Victor Giudice (1934 – 1997) se destacou por ser um
homem múltiplo: amante e compositor de músicas eruditas e populares, escritor
de contos, romances e peças teatrais, fotógrafo, roteirista, professor e
funcionário do Banco do Brasil por vinte anos. Iniciou sua carreira literária em
1969, publicando contos avulsos em jornais e revistas. No Jornal do escritor,
publicou o miniconto O banquete, técnica que desenvolveu melhor com o passar
dos anos. Giudice produziu quatro livros de contos: Necrológio (1972), Os
banheiros (1979), Salvador janta no Lamas (1989) e Museu Darbot e outros
mistérios (1994); três romances: Bolero (1985), O sétimo punhal (1995) e o
inacabado Do catálogo das flores 3(1999); duas peças de teatro: Ária de
serviço e Baile das sete máscaras; e cerca de vinte contos publicados de forma
avulsa no exterior. A maioria de suas obras está neste momento esgotada.
No conto Minha mãe, presente na coletânea Salvador janta no Lamas,
Giudice escreve em primeira pessoa, se utilizando da voz feminina para relatar
alguns acontecimentos da vida da protagonista e os relacionamentos
interpessoais que a circundam. Seu nome não nos é revelado. A narrativa
envolve o leitor numa trama cercada de mistério sobre o relacionamento desta
protagonista com sua família, principalmente com sua mãe.
Dividido em duas partes, o conto inicia na infância da personagem-
narradora, que sofre com a ausência da mãe, a qual, a princípio, vive
enclausurada em um dos quartos da casa, fazendo bordados e costurando. Ela
nunca foi vista pela filha. A distância afetiva do pai e a presença de tia Adelaide,
que cuida do ambiente familiar, compõem esse momento da trama. Já na
segunda parte do conto, a personagem-narradora em sua vida adulta se casa
1 Doutoranda (CNPq) no Programa de Pós-Graduação em Literatura, da Universidade Federal de Santa
Catarina e vinculada ao Laboratório Floripa em Composição – LabFlor. 2 Graduanda em Letras Português na Universidade Federal de Santa Catarina e vinculada ao Laboratório
Floripa em Composição – LabFlor. 3 O romance inacabado Do catálogo das flores foi publicado como apêndice da segunda edição do livro
de contos Museu Darbot e outros mistérios.
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162 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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com seu amigo de infância, Pedrinho. Ainda que a protagonista mude de
ambiente no decorrer da narrativa, o espaço central continua sendo o quarto de
sua mãe, pois é nele que mistério do conto se dá. Mas a pergunta é: Sua mãe
realmente ocupa o espaço físico do quarto? Ou ela ocupa um espaço na
imaginação da protagonista? A curiosidade de descobrir o porquê do suposto
exílio social da mãe e do sentimento de abandono instiga a narradora e prende
a atenção do leitor.
É nesse sentido que esse trabalho se propõe a investigar o espaço
proposto por Giudice no conto Minha mãe, que, no nosso caso, é um espaço
privado, de intimidade, material e, de certa maneira até, psicológico, pois
interfere e rege as relações entre os personagens.
A lei das quatro paredes
No primeiro momento do conto, a narradora-personagem, com base nas
memórias de sua infância, conta-nos como é a dinâmica do cotidiano de sua
casa, onde mora com seu pai, sua tia Adelaide e sua mãe – que curiosamente
ocupa apenas o espaço de um dos quartos da casa, sem, em nenhum momento,
sair dele. O fato de nunca ter visto sua mãe é extremamente frustrante e isso irá
contribuir no seu crescimento e formação enquanto mulher.
Para completar as lacunas que ninguém consegue preencher, como, por
exemplo, a fisionomia de sua mãe, a narradora recorre à imaginação. Para ela,
a mãe é como uma “fada branquíssima de mãos barrocas”, conforme destaca
logo nas primeiras linhas do conto:
COMO EU NUNCA VI minha mãe nem mesmo em fotografias, tenho medo de imaginá-la com um rosto que não fosse tão belo quanto o dela deveria ser. Talvez seja por isso que em minhas fantasias ela apareça com os aspectos de uma fada branquíssima, bordando linhos imaculados com mãos barrocas, mas sempre com a face coberta por um véu de interdições. Também não consigo me lembrar de todas as coisas que aconteceram a ela. Mesmo porque não devem ser muitas as coisas que acontecem a uma pessoa que se tranca num quanto por toda a vida. (GIUDICE, 1989, p.22)
Tia Adelaide é quem cuida das tarefas domésticas, como cozinhar, lavar
roupas, limpar a casa. Seu pai trabalha fora, mas todos os dias almoça em casa
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e tagarela sobre seu trabalho. Segundo a narradora, ele é o Rei da casa. O único
momento de pai e filha é no natal, quando faz brincadeira sobre os presentes.
Enquanto sua mãe passa o dia todo bordando e recebe as refeições de tia
Adelaide, que todos os dias coloca uma bandeja na porta do quarto. Através
dessa mesma porta que a filha faz contato com sua mãe, são perguntas simples
e periódicas, por pressão da tia. Conseguimos compreender um pouco dessa
relação em uma das lembranças da narradora aos cinco anos de idade:
- Por que não pergunta a ela? Sua mãe gosta muito quando você faz perguntas. Foi o que eu fiz. Corri até a porta do quarto e grudei a boca na fechadura: eu achava que desse modo minha mãe me ouviria melhor. - Você é bonita? Não sei dizer se a voz dela transmitiu algum tipo de emoção. Apenas riu pacificamente e passou o problema adiante: - Por que não pergunta a seu pai? Foi o que eu fiz. Naquela época eu já possuía o necessário bom senso para distinguir quais as perguntas que meu pai responderia e quais as que ele, além de não responder, retrucaria com quatro pedras nas mãos, reduzindo-me a uma sujeitinha inconveniente. (p.22-3)4
Em alguns desses breves diálogos, a mãe, para não ter que responder
questões embaraçosas ou que mereciam uma atenção maior, sempre proferia o
bordão “Você não sabe da missa a metade” (p. 25; 30). A narradora, por sua vez,
indagou essa frase ao longo de sua vida, pois a incomodava não entender as
situações da vida e ninguém explicar a ela, a começar por sua tia e seu pai não
comentarem o porquê de sua mãe não sair do quarto. Aos poucos, ela foi
perdendo o interesse nos assuntos relacionados á sua mãe, ficava até três dias
sem fazer-lhe perguntas, até ser lembrada por tia Adelaide: “Já faz três dias que
você não pergunta nada a sua mãe. Vai lá fazer uma perguntinha a ela. Só
umazinha” (p.24) Esse era o papel de sua mãe, (não) responder as suas
perguntas. Durante toda sua infância, quem cuidou da casa, do pai e dela foi tia
Adelaide, por isso ela nem conseguia imaginar o “quão terrível seria nossa vida
caso tia Adelaide resolvesse ficar trancada num quarto. Foi esse o medo que
governou minha infância”. (p. 26-7)
4 Grifo do autor do texto.
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Entre medos, ingenuidades vingativas e remorsos, a vida na casa e
naquela situação tornou-se uma grande tortura para a narradora, sobretudo
quando, ainda criança, seu pai faleceu devido uma severa doença. Nesse
período, ela presenciou uma cena marcante: ao acordar no meio da noite viu sua
tia Adelaide aplicando uma injeção nas nádegas de seu pai e em seguida lhe dar
um beijo na testa. Sua vontade era de contar para a mãe, mas acabou desistindo.
Ela pensou “afinal sei que há algo de errado em uma cunhada beijar a testa do
cunhado doente?” (p.29) A Doença do pai faz com que as injeções tornem-se
frequentes e cada vez mais públicas, porém “só os beijos na testa
permaneceram clandestinos” (p.29).
Durante o tempo decorrido na narrativa observamos o crescimento da
narradora-personagem, desde sua infância até sua vida adulta, fazendo-nos
compreender que os conflitos vivenciados são decorrentes de uma organização
familiar desestruturada, porém, que tentou por muito tempo manter as
aparências de uma família tradicionalmente patriarcal. Um bom exemplo dessa
situação está na narradora-personagem chamar seu pai em dois momentos do
conto de “Rei da casa”: primeiro, quando relata na infância a organização da
família, principalmente a forma como acontecia nas refeições familiares. E,
posteriormente, na enfermidade de seu pai, nunca havia imaginado o rei da casa
naquela situação de humilhação, recebendo injeção nas nádegas e em público,
algo que deveria ser somente no privado bem como os beijos na testa.
O segundo momento do conto se dá quando a narradora-personagem
completa dezesseis anos e toma consciência de sua atração por Pedrinho, seu
vizinho e inimigo de infância. Com o qual, aos 19 anos, ela se casa com ele e
passa a morar em sua casa, mais especificamente, como ela frisa, para o quarto
de Pedrinho: “Apenas trocamos a cama de solteiro por uma de casal” (p.32).
Nessa mesma época, outro acontecimento importante marca sua história:
tia Adelaide fica cega aos quarenta anos em virtude dos bordados. O que a faz
chegar à conclusão que isso só não aconteceu com ela porque se casou com
Pedrinho aos vinte e um, o que ela reconhece que “não deixou de ser uma forma
de perder a vista ou, pelo menos, a visão” (p.30). Segundo a narradora, não
demorou dois anos para Pedrinho mostrar que o casamento, e nem ele, era
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aquilo que ela imaginara: “manda em tudo, exige tudo, proíbe tudo, sempre com
cara de quem não manda em nada, não exige nada, não proíbe nada” (p.30).
Começara a compreender a diferença entre a vida privada, na intimidade do lar
(ou melhor, do quarto), e a vida pública, e ao questionar sua mãe sobre seu
casamento a resposta foi a de sempre “repetiu que eu não conhecia da missa a
metade” (p. 30).
No casamento infeliz e na ausência do marido, ela acaba conhecendo o
irmão do Pedrinho, Francisco. Os encontros iniciam por breves diálogos sobre
música na cozinha, um espaço público dentro do espaço privado. Um imenso
paradoxo onde um espaço de integração e reunião familiar dá brecha para o
início de uma relação privada e proibida, que, por sua vez, é consumada e
continuada no quarto de Francisco, enquanto a sogra dorme a sesta no quarto
ao lado.
Foi inevitável comparar sua relação adultera com os beijos na testa de
sua tia em seu pai, no quarto que deveria ser dele e de sua mãe. Mas ao
contrário, sua traição não fica na clandestinidade por muito tempo, sua sogra a
vê saindo do quarto, mas finge que não viu. Ela chega à conclusão que “essa
atitude deve fazer parte da lei das quatro paredes” (p.39), mas não responde a
todas as suas dúvidas. Foi então que ela descobriu a da metade da missa que
sua mãe tanto lhe falara, “e a outra metade ficaria por conta do futuro” (p.39).
É muito comum os textos giudicianos trazerem em seu contexto um ditado
popular. “Não conhecer da missa a metade” tem no conto um significado
importante para compreender a denúncia feita pelo autor sobre o patriarcado e
as farsas impostas ao espaço íntimo. A narradora ainda não tinha a ideia de que
as relações matrimoniais e familiares são distintas no âmbito do privado e do
público. O casamento enquanto instituição e acordo social nada tem nada a ver
com sentimento ou felicidade. Por trás de uma casa “modelo” existem segredos
que só são entendidos no espaço íntimo. E é no momento da descoberta da
“metade da missa” que o conflito chave do conto vem à tona. Na última cena do
conto, a narradora-personagem, num momento de impulsividade, de confusão
de sentimentos, abre a porta do quarto da mãe. O quarto estava vazio. A mãe
foi embora? A mãe nunca esteve ali? Ela existia?
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O espaço surge como um elemento primordial, pois todo o desenvolver
da narrativa acontece no âmbito familiar, ou seja, na casa. A casa da sua
infância, com pai, mãe e tia. E a casa pós-matrimônio, da sua vida adulta, com
seu marido, cunhado e sogra. Segundo Bachelard (1990), a casa é responsável
pela construção do Eu, torna-se símbolo da autonomia do ser. Em outras
palavras, a casa eh o espaço em que o homem cria raízes, ou seja, onde o ser
humano inicia sua jornada. Nesse caso, a narradora-personagem, na primeira
fase do conto, tenta compreender e nos explicar como funcionava sua casa na
infância, para que então possamos entender o desenrolar das ações no futuro.
As primeiras experiências estão nesse espaço doméstico, onde os valores de
intimidade são impostos e se desenvolvem.
Giudice utilizou essa estrutura narrativa em outro conto, também presente
em Salvador janta no Lamas, “Cumplicidade”. Também pela voz feminina, o
autor explica a organização da casa e da família na infância para então
apresentar os conflitos familiares na vida adulta. Sempre a mulher e sempre esse
espaço de intimidade que também é público, pois, na sociedade patriarcal, a
mulher tem um papel importante, através dela que a imagem do homem se
constitui. Pensando sempre aqui numa organização tradicional da família e da
sociedade.
Para Bachelard (1990), a casa natal está fisicamente inscrita no sujeito.
Ela inscreve no homem as diversas funções do habitar que são aplicadas nas
demais casas que habitara em sua vida. Podemos fazer uma leitura dessa casa
natal não como um espaço físico, mas como um espaço íntimo, onde o homem
e a mulher se espelharão para construir suas futuras casas. Nessa linha de
raciocínio podemos cogitar que essa seja a importância de manter a
imagem/presença da mãe no conto, para contribuir com a formação da
personagem enquanto mulher e futura mãe, dando o exemplo, ainda que a tia
seja a responsável pela maior parte da sua educação.
A idealização da mulher enquanto modelo e imagem da esposa virtuosa,
boa mãe está fortemente ligada ao imaginário da sociedade ocidental, ou seja,
às tantas expressões da cultura patriarcal que comporta uma diversidade de
valores, simbologias, conceitos, noções e relações hierárquicas. Bem como a do
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homem como provedor e líder familiar, conforme destaca a narradora ao chamar
seu pai de “Rei da casa”. Como comentado anteriormente, a narradora cresce
sem a mãe, existe somente uma imagem formada por sua tia que conta algumas
histórias, uma lembrança da mão materna através da porta e breves diálogos
que alimentam sua memória. Mas uma frase de sua mãe ficou ressoando
durante toda sua infância e início da vida adulta, quando esta disse que ela não
conhecia da missa a metade. E não sabia e, até o final do conto, permaneceria
sem saber, ainda que em algum momento acreditasse que havia descoberto pelo
menos metade da missa:
Agora eu sei que é tudo uma mentira da grossa, já sei da missa a metade, que a única verdade é o prazer. Mãe, eu sou uma pecadora, está ouvindo? Sua filha é uma pecadora. [...] Naquele instante a ausência de minha mãe era tudo. Senti uma infinita pena por não poder dizer a ela que eu ainda não sabia da missa a metade (p.39-41)
O mistério da mãe que (in) existe nesse espaço talvez seja apenas para
fortalecer os valores sociais da cultura patriarcal, uma família tradicional e
estruturada que segue as crenças e tradições cristãs. Portanto, essa
ausência/presença da mãe nesse quarto em que ela fica confinada, um espaço
de intimidade dentro de um espaço de intimidade maior que é a casa, pode
simbolizar o cárcere da mulher, a prisão do corpo feminino imposto pela
sociedade, como a própria narradora-personagem se vê. E, agora incluindo o
quarto do Francisco, esses dois quartos podem metaforizar os segredos, o
oculto, das relações hierárquicas e patriarcais das famílias tradicionais. Mas
também podem ser lidos como o profano de uma relação proibida, a traição
matrimonial que se concretiza no quarto de Francisco, e a que é se esconde por
trás de um quarto onde vive a figura de uma mãe.
Por fim, permanece a reflexão sobre as relações que seguem os preceitos
patriarcais e vivem da imagem do que a esfera do público espera de um
matrimônio. Levando os seres envolvidos a se anularem a tal ponto, e
geralmente quem mais se anula é a mulher, de chegar ao absurdo de se confinar
num quarto. Mas isso não aconteceria com a narradora, pois segundo as
próprias palavras: “É claro que vou sair daqui. Minha vocação é a vida. Mas antes
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
é necessário que eu veja com o máximo de clareza todas as coisas que
aconteceram – ou não – dentro deste quarto” (p.42).
Referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1990. FREYRE, G. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2000.
GIUDICE, Victor. Minha mãe. In: _____. Salvador Janta no Lamas. São Paulo: Editora José Olympio, 1989.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇO ATEMPORAL: FÍSICA E FICCÇÃO EM 30 E POUCOS ANOS E MA MÁQUINA DO TEMPO
CLAYTON ALEXANDRE ZOCARATO1
A obra 30 e Poucos Anos e uma Máquina do Tempo (2017), da escritora
norte-americana Mo Daviau, faz uma viagem pelo espaço do desenvolvimento
do Rock Roll, ao longo dos anos de 1980 e 1990, entrelaçando elementos
literários e musicais em torno de como produzir uma tipologia de cultura hibrida.
A esse hibridismo podemos evidenciar, o cenário da música pop como um
elemento norteador a sistematização de um pensamento saudosista, ao qual
faltou algo para complementá-lo em torno de seus personagens principais, tendo
uma realidade nostálgica sem um compromisso com a realidade existente.
Ao longo de suas páginas o jogo de espaços atemporais, entre passado,
presente e futuro, leve o leitor a nichos de uma estética de leitura produzindo
diferentes interfaces de recepção interpretativa, pois não há um enredo que siga
uma simetria de continuidade linear e sim um constante, mudanças morfológicas
de seu cenário narrativo.
A presença da música é um sinal de importância quanto a uma
indiferença, diante a um clivo de modernidade que não deixa espaços para novas
perspectivas de criatividade, surgindo dentro de seu personagem principal Karl
Bender um dono de bar em Chicago, que vive de suas glorias de músico da sua
juventude.
Em meio à atmosfera da cultura “grunge”, suas lembranças são ativadas
nas vivencias de shows debandas do naipe do Nirvana a Bon Jovi, todavia é
restringido de sua felicidade, pela decepção em suas acepções psicológicas, de
não ter conseguido sucesso como um musico profissional.
Nesse quesito, um belo dia se depara com uma “máquina do tempo” nos
fundos de seu estabelecimento que permite reviver grandes momentos de sua
juventude, como roqueiro.
Os paralelos de cânones entre saudade e lembrança se encontram.
1 UNIARA – UFSCAR. E-mail: [email protected]
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170 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A cada passagem, Daviau, realiza uma desconstrução do tempo, unindo
atributos metafísicos, como mentais, ao qual não há uma clara definição do que
possa ser fantasia ou realidade, ocorrendo transposições, de um corpo para
outro de espaço existencial e físico, diferente dentro de sua posição narrativa
original durante o enredo do romance.
Entra ai questões fenomenológicas, como o que seria o real dentro da
concepção de mundo de Bender?
Ou imaginar que esteja viajando através das leis da física para outros
universos, adjacentes a realidade, não passando de um sentido de alucinação
de um “ser”, que perdeu o senso de realidade e vive do passado?
Sartre “realça a importância de uma valorização do nada”, no traquejar de
argumentos que venham a fazerem, um peso de suportar a realidade, como uma
forma de entrever novos sonhos, e realize uma “obliteração do sentido do nada”,
fazendo o individuo transcender suas virtudes de razão crítica em relação ao
seu espaço existencial.
Uma existência que também submete o encontro com a solidão, o medo
do fracasso, e que fazendo jus a um novo advento cultural em ultrapassar os
limites entre o real e o abstrato.
Um abstrato que também deixa a incompreensão e o sentimento de
“’Peter Pan”, do medo de chegar à fase a adulta e de viver de lembranças, que
só produzem novas sinapses, e não tenha uma “ação” de atributos a um sentido
de intelectualidade orgânica na produção de novos relacionamentos.
Para esses fortuitos de medo do distanciamento da infância, ao longo do
romance, ocorrer um choque de adventos de entretenimento, fazendo uma
dialética na transgressão do senso comum de ver as viagens no tempo somente
como um desejo de suportar o peso da realidade.
A influencias para um panóptico cultural entre “De Volta Para o
Futuro”(1985,1989, 1990), de Steve Spielberg, e a serie “Túnel do Tempo”
(1967), e também há uma evocação para a cultuada série “Doctor Who”
(1963...).
A oportunidade mudar o passado, de reencontrar sonhos perdidos, e
procurar realizá-los, de comiserar erros que vão ter consequência em uma vida
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171 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
mais adiante, está também em ilustrar o quão destrutivo o Rock pode ser, já que
as referencias aos entorpecentes, e a um micro-espaço de autodestruição deixa
um peremptório para novas análises acerca da questão de vencer a morte
através da transcendência musical.
Bender pertence a uma geração que procura de todas as maneiras, um
espaço metafísico advindo do uso constante de barbitúricos e outras drogas,
como também de “viagens no tempo”, seja dentro de conceitos ligados a
fabricação de uma realidade alternativa, produzida pela natureza e aliterações
mentais individuais ou também ela teoria do absurdo.
Um espaço do absurdo, ao qual é compartilhada pelo seu melhor amigo
Wayne DeMint, que também está envolvido no marasmo de uma “vita ativa” sem
atrativos, e que se lança na máquina do tempo com o objetivo de dar uma lógica
para sua existencial banal.
Dentro desse intuito, Bender procura ajuda de uma física, para poder
entender sua máquina do tempo, Lena Geduilg, que almeja sucesso acadêmico,
mas não está muito distante de um cotidiano de sonhos não realizados da dupla
de amigos.
Ocorrem discussões acerca de uma lógica temporal, que possa produzir
racionalidade acerca de como a é possível às viagens no tempo.
A possibilidade de construções de universos alternativos, bem como
transgredir as leis das físicas, fazem uma prolixa mistura entre Rock e Física, e
extenua a saudade, como torpor de personagens, que procuram em si mesmo,
um caminho para realização tanto profissional como amorosa e espiritual.
Auspícios de uma conduta, que propicie uma desconstrução de enredos
que façam a disjunção e conjunção do espaço-tempo, fazem uma
interdisciplinaridade de critica acerca de como o romance, atrevem subterfúgios
para imiscuir bases de entendimentos que não fiquem de maneira unívoca, no
sentido da escritura e de estilo.
Nesse quesito de um “referente – referencial” (ECO, 1971), as principais
fagulhas para uma diatribe literária em fornecer vários vértices de possibilidade
de leitura e entendimento do tempo, estão subjugados nos trocadilhos narrativos,
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172 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
que estão incutidos, em polivalentes sentidos de transpor o leitor, interceda como
um “juiz”, a colocar o tipo de estilística que a obra possui.
Sem intermitências a uma dogmatização de estilos, as aventuras dos
personagens, pelo cenário musical norte-americana emergem também ao uso
de tecnologias, que fazem uma diretriz deque o homem pode tudo.
Até mesmo desafiar as leis divinas e físicas para uma gnose
comportamental que produza filosofias de uma cartasis psicológica, contra as
vontades mais radicais de conforto existencial que a sociedade capitalista
possui.
O sonho individual transformado em um esteio de produção intelectual,
que desafie a “princípios do caos, levando a uma “caosmose” (DELEUZE, 2008)
, evidenciando que o homem não possui um ancoradouro certo e preciso diante
as infinitas probabilidades de ação da natureza.
Um nominalismo teórico, na ontologia de ultrapassar as barreiras do
tempo, ao qual Bender é um privilegiado, mas que também venha a despertar
questões éticas.
Não há um sentido natural para a projeção dos átomos, e também para
energias que segundo o grande arquiteto do universo, coloquem uma ordem na
substancial orbital que venha a reger o universo.
As estatísticas de mundo possíveis são aumentadas, como a
aquiescência que “Kronos” teve seu trono usurpado pela humanidade.
Mito e Realidade se confundem em uma questão de programar o “corpo”,
para suportar as ondulações de ondas físicas rumo ao desconhecido.
Esse desconhecido espaço multifacetário que encanta Bender, e o faz
buscar conhecimento acerca de ondas eletromagnéticas para que possa trazer
Demint de volta para seu tempo correto, pelo uso de uma rede de telefones.
Os telefones são peças fundamentais para que as experiências de
viagens no tempo deem certo, e nada melhor do que amplificadores e toda
aparelhagem de som de um mega-show de rock para isso.
Mo Daviau, também enfoca aqui o distanciamento entre as pessoas
através do “boom tecnológico” do fim do século XX, através da internet, e do
avança da telefonia móvel.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Evoca os perigos do domínio pleno dos efeitos naturais pela mão do
homem, e que pode colocar ambições pessoas dentro de eventos históricos que
possam mudar o curso histórico da humanidade.
Bender é seduzido pela ideia de transformar as viagens no tempo em uma
fonte de lucro, dando as pessoas através do pagamento de uma boa pecúnia, a
possibilidade de ver um artista ou show de sua preferência.
A questão da banalização da arte está inserida como no sentido de
produção musical e entretenimento exclusivamente pela diversão,
desvalorizando o talento.
Como também um apontamento acerca de estar preso ao passado sem
conter uma criatividade para que possa vim a produzir novos diâmetros de
cultura no futuro.
Um futuro pelo qual se deva esperar? Ou viver o presente com um pé no
passado?
Eis os dilemas de Bender, em tentar entender como esse fato ocorreu em
sua vida.
A tênue linha, entre o possível e o impossível já não existe.
As formulas físico-químicas são colocadas em evidencia, e a teoria da
relatividade de Albert Einstein entra em cena.
Possa apenas “rever o passado”, mas não posso diretamente interferir
nele, sendo ele uma espécie de vida própria sendo mostrado para qualquer
indivíduo que pague por isso.
A culpa por não ter como mudar de vida, bem como a transgredir enlaces
da realidade, como um efeito existencial, na busca da verdade, faz com que
pessoas se lancem no desconhecido, contra um tempo que não se sabe ao certo,
em que patamar está, sendo ele artífice para fronts de uma metafísica, que
suavize o fardo da existência.
Bender é um exemplo de pessoa que procura vivenciar, as lisuras de uma
vida, que ganha nova oportunidade de atrativo diante o acaso, e que faz da
música uma caminho de libertação, mas também de ação.
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174 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Uma ação resultante da permuta em considerar um interpessoalidade
contendo o espírito varonil, de encontrar no caso um caminho para devaneios de
fuga da solidão.
Uma solidão que a física, está por colocar em evidencia sendo um desafio
para lançar questionamentos acerca da finalização do “homem precário”,
segundo o romancista francês Andre Malraux, que dissemina o atrevimento de
lutar contra do destino comum da maioria dos homens.
Um cronotopo que esteja além das fronteiras da história, flexibilizando
relacionamentos humanos, na busca do bem comum.
Nesse ponto já não há constituições de um sujeito que esteja em um
“tempo definido”, e sim uma renovação de campos de atuações de personagens
que são imiscuídos em antagônicos pareceres, acerca de como entender os
desatinos, da natureza, em um patamar de incertezas perante, em qual universo
está aguerrido, o seu campo de existência, moral e intelectual.
O desafio a ascender o espaço da razão, e proporcionar uma dádiva
humanística através de uma literatura tanto de testemunho como de saudade,
que venha a provocar sensações, tanto de renovação material como moral.
A ética dos experimentos e dos desígnios que o homem faz da natureza,
está saturado em estar prezo mecanismos biológicos, aspergindo uma tessitura
de desafio para Mo Daviau, no sentido tanto de cultivar uma leitura fácil, como
para melindrar traquejos de uma educação leitora que esteja concatenada com
estribos polifônicos tanto de enredo, como de ação narrativa.
Paul Friedlander, em sua obra “Rock and Rol: Uma História Social”,
(2017), dissemina a música como um produto do momento histórico, e também
que ela produz acepções de “revolta”, perante uma lógica tecnicista do mundo.
Bender e DeMint são inconformistas diante uma obra de arte que busca a
renascer cada momento, bajulando uma provocação intrépida para seus
admiradores.
O tempo é por sinal um caminhar de argumentação, para o distanciamento
do senso-comum, defronte uma humanidade que adorna o “momento, e não
analisa suas consequências”.
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175 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Friedlander traça que o Rock Roll, “em seu estado de ebulição” (2017),
oferece um sentimento de revolta e saudade, mas que também venha no seu
momento específico de atuação histórica trazer mudanças para cosmovisões na
busca da realização profissional, como a proporcionar melhoras existenciais
para o outro.
Mas também não deixa de conter o sentimento de “culpa”, por ir além das
barreiras metafísicas, angariando viagens no tempo como algum comum, em
que possa visitar diferentes fatos e podendo conter a mestria de mudar, o que
já foi estabelecido pelas leis do movimento físico.
Lena é o contraponto entre o espaço de realidade e fantasia.
O aparecimento desse portal ou máquina do tempo renova o tempo de
Bender, mas também o deixa preso, a não contemplar a virtude de aprender com
os erros.
A música refaz um caminho cognitivo, de elucidar os mistérios da alma
humana perante atitude que somente pertencem à responsabilidade de
individuação das pessoas.
A individuação de estar, comprometido com responsabilidades perante
um constrito circuito de renovação de atrevimentos de conduta, perante os
desmandos da natureza que faz o que bem entende com o “homo-sapiens”.
Nesses desmandos, Daviau coloca que a chegar aos 30 anos, é um
martírio por viver mentalmente encarcerado a um passado de alegrias, que para
a maioria das pessoas não serão renovadas no futuro.
O passado traz um futuro espreitado na descrença de uma nova
oportunidade de felicidade para a maioria das pessoas.
Bender pertence a uma gama humanística, de descomprometimento com
sua renovação existencial, e que em suas viagens psicanalíticas, extenua o
Rock, como um batistério de empreendimentos comportamentais regrados a
muitos laços de libertinagem, como uma forma de sustentar uma vida que ele
próprio sabe que na fase adulta, esta fadada a convivência do fracasso.
Um fracasso (ou série de fracassos), na semiologia de dias melhores, e
que também saiba lutar contra a saudade.
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176 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Uma saudade que dentro, de um resíduo de literariedade ao qual não está
unicamente preso ao passado, e sim a um futuro que busca sucintamente
revistar fatos ocorridos, para que faça renovações sucessivas de novos
devaneios de uma vida, que não fique burocraticamente preza exclusivamente
as obrigações do cotidiano.
As passagens para o impossível para o possível, perfazem um espaço
que não está condicionado às leis da ciência, mas sim que realizem nos
personagens um sentido, de uma instrumentalização em colocar o saber, nas
alcunhas da fantasia indo contra o hermetismo de respeitar metodologias, que
traga uma criticidade, que arranhe a exclusividade de viver o momento presente,
sem uma pitada e gosto e indignação pelo passado, projetando um futuro, as
falhas que produzem humanizações perante a condição humana de cada
indivíduo.
Daviau usa a amizade de Bender e Demint, e intelectualidade de Leda,
para enunciar o drama da modernidade em buscar raízes, que fixem o homem
no tempo, e que outrora, justifiquem suas ações ao longo do tempo.
O tempo é uma justificativa para a “longa duração dos fatos” (BRAUDEL,
1998), que através de pequenos atos, coloque a história de cada pessoa, dentro
de sua consciência, e faça uma ciência, para ir além de perspectivas do senso
comum animalesco, de não conter sonhos que possam transgredir a realidade
existencial, mas que apresente uma espiritualidade em que o amor, saudade e
esperança produzam uma sintonia de igualdade e possibilidade de esperança
para todas as pessoas em um “meta-espaço psicológico” (FOUCAULT, 1979)
fazem, 30 Anos e uma Máquina do Tempo, extenue categorias de narrativas,
que fazem tanto da nostalgia, como das lembranças, traçados filosóficos de
buscar uma interação ente aspectos físicos e morais, uma justaposição de
espaços éticos, que respeitem a existência individual de cada um, contendo seus
fracassos e sucessos, nas artimanhas de buscar uma condição de vida melhor
e de uma ciência que leve em consideração dentro de suas metodologias
práticas, os fatores emocionais e racionais de cada ser humano, envolvida por
seus deleites materiais e abstratos.
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177 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
REFERÊNCIAS
BRAUDEL, Fernand. Reflexões Sobre a História: São Paulo, Martins Fontes, 1998. DAVIAU, MO. 30 e Poucos Anos e uma Máquina do Tempo: Rio de Janeiro, Rocco, 2017. DELEUZE, Gilles. Caosmose: Um Novo Paradigma Estético: São Paulo, Editora 34, 2008. ECO, Umberto. Obra Aberta: São Paulo, Editora Perspectiva, 1971. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder: São Paulo, Graal Editora, 1979. FRIEDLANDER, Paul. Rock And Roll: Uma História Social, Rio de Janeiro, Record, 2017.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS MOTIVACIONAIS NA FOTOGRAFIA DE SEBASTIÃO SALGADO: ARTE E REALIDADE
Denise Marques Carneiro Neves1
INTRODUÇÃO
O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado declara-se resultado da
influência dos lugares em que se desenvolveu e estabeleceu suas interações.
Suas narrativas em O Sal da Terra, filme-documentário produzido por Win
Wenders e Juliano Ribeiro Salgado, e no livro Da minha terra à Terra, de sua
autoria, destacam a importância da espacialidade para contar histórias de vida
no planeta Terra. Observa-se o cuidado em registrar espaços de práticas sociais,
políticas e econômicas específicas, rejeitando a ideia de instantaneidade e
superficialidade. Nesse contexto, a trama fotográfica de Salgado desperta a
interpretação estética, que vai além da preocupação com o real, porque
sensibiliza, suscita leituras e finalidades subjetivas.
Os espaços fotografados previamente escolhidos por Salgado e sua
esposa Lélia Wanick Salgado, companheira de trabalho e de vida, representam
motivações pessoais e profissionais; são, assim, temas das imagens
fotográficas, problematizam outros espaços (do trabalho, da guerra, da arte, da
natureza), constituem, portanto, intenções, ideologias e formas de compreender
o real, o assunto fotografado. Criar, planejar, realizar e organizar trabalhos
fotográficos, tudo envolve sensibilidade estética tanto do lado da produção
quanto da recepção; envolve interesse, disponibilidade, entusiasmo, como
Deleuze (2013, p. 388) afirma ao discutir o que é o ato de criação: ter uma ideia
“é uma espécie de festa, pouco comum. (...) Uma ideia, assim como quem tem
a ideia, já é voltada para um domínio específico”.
Considera-se que as fotografias são fragmentos selecionados a partir do
que o fotógrafo viu ou vivenciou; são representações resultantes de seu
processo de criação e/ou construção. Nessa concepção, a imagem fotográfica
1 Mestranda em Estudo de Linguagens pelo Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia, Salvador-BA, Brasil; [email protected]
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179 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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possibilita ser interpretada como documento, como representação de
uma realidade, o que demanda a pesquisa histórica.
Kossoy (2009, p. 22) afirma que as fotografias
[...] são plenas de ambiguidades, portadoras de significados não explícitos e de omissões pensadas, calculadas, que aguardam pela competente decifração. Seu potencial informativo poderá ser alcançado na medida em que esses fragmentos forem contextualizados na trama histórica em seus múltiplos desdobramentos (...) que circunscreveu no tempo e no espaço o ato da tomada do registro.
Observando-se a força e a amplitude da imagem fotográfica na cultura
visual contemporânea, a fotografia cumpre, pois, um papel cultural de suma
importância: o tempo em que emociona os indivíduos, serve como meio de
informação, divulgação e convencimento, atua intensamente na construção das
memórias individuais e coletivas, entre outras funções.
CAMINHOS DA GEOGRAFIA, ESPAÇOS QUE MOTIVAM O FOTÓGRAFO
Em favor de certa imagem, Sebastião Salgado exclui algo, demonstra
interesse em contar certas narrativas. Consciente das tensões culturais,
econômicas e políticas, escolhe, como quem é autorizado para tal, falar de
grupos humanos e comunidades que, segundo Hall (2015, p. 46), “estão fazendo
movimentos físicos, mas que não estão no ‘comando’ do processo da mesma
forma que outros”; além disso, escolheu também registrar lugares não
explorados pelo sistema capitalista.
Em Êxodos, Sebastião Salgado expressa relatos sociais e históricos,
provocando reflexões acerca das identidades local e global e da noção de
pertencimento. Compreendendo a constituição do poder e a influência do espaço
geográfico, ele percorreu lugares, observou as representações culturais e tratou
o espaço como elemento fundamental de representação de consequências
decorrentes da globalização.
O que é importante para nosso argumento quando ao impacto da globalização sobre a identidade é que o tempo e o espaço são também as coordenadas básicas de todos os sistemas de representação. Todo meio de representação – escrita, pintura, desenho, fotografia, simbolização através da arte ou dos
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180 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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sistemas de telecomunicação – deve traduzir seu objeto em dimensões espaciais e temporais. (HALL, 2015, p. 40).
Se por um lado o fenômeno da globalização estabelece interação entre
comunidades, saberes e fazeres, atravessando lugares e não lugares,
comprimindo distâncias marcadas pelo tempo e pelo espaço, por outro estimula
que indivíduos tornem-se aventureiros, viajantes, buscando redescobrir culturas,
redefinir identidades (no plural, como sugere Stuart Hall), realizar planos e
sonhos, talvez por acreditar em promessas sedutoras, ou mesmo tentando
distanciar-se do sofrimento causado pelas guerras e perseguições.
Os espaços fotografados por Salgado são reconhecíveis, trazem à tona
uma força problematizadora, então estabelecem relação de correspondência
entre vida e arte. Em Êxodos, trabalho iniciado a partir da percepção das
migrações humanas ao longo da vida, inclusive as próprias, o fotógrafo capta
imagens de angústia, sofrimento, degradação, exploração, de morte: corpos
cadavéricos espalhados por savanas africanas, pessoas doentes com os olhares
tristes, famintos, sofridos; levas de pessoas sem destino certo, sem transporte,
sem aconchego. Em meio à destruição e flagelo da guerra, uma fotografia chama
a atenção: uma mulher negra e uma criança no seu colo, como se quisessem
dizer que confiam na possibilidade de voltar a viver normalmente, uma imagem
de esperança, confiança em que a situação provocada pelas guerras e
perseguições pode mudar a qualquer momento. Quem aprecia as imagens de
Êxodos permite-se pensar que talvez os refugiados percebam-se à margem
social, entretanto são capazes de sonhar e buscar um lugar em que se sintam
protegidos, com direito a um lugar permanente. Em muitas fotografias de
Êxodos, o território geográfico captado remete-nos à compreensão da diáspora
(HALL, 2015), ou seja, o sentimento de não pertencer a um lugar, de estar em
risco, ameaçado e, por conseguinte, sem o aconchego do lar.
Para Hall (2015, p. 52), há que se pensar em tradição e tradução para
tratar de identidades. Mesmo mantendo fortes vínculos com tradições culturais
que jamais voltarão, as pessoas dispersadas das suas raízes, do seu lugar de
origem, acabam negociando com novas culturas, em uma espécie de
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assimilação, tradução do que é possível realizar, procurando manter
traços identitários.
São perceptíveis os efeitos dessa dispersão dos sujeitos na produção das
fotografias de Salgado em Êxodos. As pessoas fotografadas e o próprio
fotógrafo, por razões distintas, migram com frequência. De um lado, o
deslocamento humano que implica descentração dos sujeitos, fato que
transparece nas fotografias; de outro, o deslocamento de um indivíduo viajante
com o objetivo de captar e registrar imagens fotográficas que remetam a
narrativas e práticas que não podem ser esquecidas. A permanência em cada
lugar dura o suficiente para estabelecer interação que implica conhecimento e
registro de nova cultura.
Em Gênesis, trabalho que possibilitou a Salgado oportunidade de
reconhecer seu espaço e repensar outros espaços, o fotógrafo pretendeu
mostrar a natureza: animais, lugares e povos que permaneciam como no
princípio dos tempos, como quem não percebe a modernidade. É resultado da
recuperação da crença no ser humano perdida durante a realização de Êxodos.
Os espaços registrados representam parte (quase metade do planeta) do que o
ser humano não destruiu, porque exercem o papel de alimentar a esperança, o
otimismo, a possibilidade de continuidade da vida com dignidade. De não
lugares, passaram a significar o encontro de Sebastião Salgado com um ponto
de vista: ser um cidadão que respeita a vida, que se sente parte do mundo, um
dos muitos elementos que constituem o mundo.
O OLHAR DO FOTÓGRAFO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
Considerando que a linguagem artística da fotografia está relacionada à
sensibilidade e à imaginação as quais influenciam na reconstituição da imagem,
pode-se supor que o fotógrafo seleciona o que vai ficar em evidência, o que
deseja ressaltar daquela realidade; capta e registra a composição que lhe
interessa, que o anima e provoca, portanto cria efeitos de arte, o que pode não
se constituir um propósito do profissional, como Salgado afirma sobre o registro
de suas imagens reportagens. O olhar de quem aprecia a imagem fotográfica,
entretanto, decide se esta se enquadra como documento ou obra de arte.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Enquanto, segundo Barthes (2006, p. 87), a pintura pode
registrar inclusive o que não é real, o mesmo não acontece com a fotografia, que
remete sempre a um referente real, em uma mistura do que existiu (realidade)
naquele momento (passado): “a coisa esteve lá”, “isto foi”.
Dubois (1994) apresenta três posições epistemológicas para refletir sobre
a representação do real e o aspecto documental da fotografia. No século XIX, a
imagem fotográfica era considerada uma imitação da realidade, o espelho do
real, concepção superada no século XX pela ideia de fotografia como
transformação do real. E a terceira abordagem, a fotografia como traço de um
real, mais recente, devido aos estudos dedicados ao sentido de índice e de
referência. Como índice, a fotografia refere-se ao objeto que ela significa, pois
cria a imagem pela ação da luz sobre o material; aponta para o objeto que
significa, sinalizando propriedades visíveis do mesmo, logo remete à percepção
de presença e realidade. Como afirma Signorini (2014, p. 88):
Se a imagem fotográfica em si (no momento do “clique”) é índice, pura conexão de fato, marca sem significado, esse significado pode contudo vir-lhe de fora, na relação concreta com a situação e com o ato que a faz existir: ato de escolha e enunciação pelo fotógrafo, ato de recepção e interpretação pelo espectador.
Sob esse ponto de vista, reconhece-se certo entrelaçamento de arte e
realidade. Não se trata de emissores dominantes e receptores passivos, pois a
fotografia possibilita a renovação da experiência, dado o impacto da globalização
sobre as identidades de quem produz e de quem aprecia fotografias, em função
do tempo e do espaço. Possibilita a reflexão, a enunciação e a interpretação
diversificadas, porque está fundamentada na compreensão dos registros, o que
depende do repertório cultural de quem produz e do receptor.
O olhar do fotógrafo expressa engajamento de acordo com os espaços
sociais por ele ocupados, por isso as imagens traduzem sua experiência
subjetiva, como um mediador. “Portanto, segundo as formas como capitaliza a
experiência adquirida, o fotógrafo assume uma postura em face da realidade
social que fotografa e, assim, consegue seu reconhecimento profissional.”
(MAUAD, 2008, p. 37)
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Há muito a considerar acerca dos processos de produção e
recepção da fotografia. Como ato humano, o ato fotográfico muitas vezes tem
caráter persuasivo, principalmente quando demonstra interesse pelo afeto, pelas
emoções; está associado a atos de enunciação, mas também ao instante
captado pela ação físico-química.
Desse modo, é importante considerar, como Barthes, que a fotografia
pode apresentar elementos descontínuos, que não pertencem ao mesmo
mundo. O que atrai o interesse, comove e afeta é o studium, ou seja, aquilo que
permite alguém se empolgar, investir e gostar de algo. “É pelo studium que me
interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos,
quer as aprecie como bons quadros históricos, porque é culturalmente (...) que
eu participo nas figuras, nas expressões, nos gestos, nos cenários, nas ações”
(BARTHES, 2006, p. 34-35). O autor acrescenta a existência de punctum,
elemento da fotografia que “perturba” o studium, “salta da cena, como uma seta,
e vem trespassar-me” (BARTHES, 2006, p. 35).
Em se tratando das fotografias de Sebastião Salgado, percebe-se a
beleza dos olhares e posições dos indivíduos constituindo quadros que sabemos
ter referência na realidade; não foram arranjados, mas captados. Como a
subjetividade e a imaginação norteiam as percepções estéticas em relação às
linguagens artísticas, é de suma importância o repertório artístico e cultural de
quem aprecia a fotografia. Esses elementos que motivam a percepção e a crítica,
em se tratando de ponto de vista dos efeitos de arte, devem, pois, constituir a
percepção de que a fotografia não é o espelho da realidade, mas uma recriação,
por isso a representa, a exemplo das outras linguagens artísticas. Assim, pode-
se afirmar que a fotografia pode transformar até mesmo o terrível, o cruel, a
degeneração, o abandono, a exclusão em belo, um dos princípios da arte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fotografia possibilita diferentes leituras e interpretações. Como a
produção tem um lado subjetivo, porque é baseada em ponto de vista de alguém
que a concebe, de quem a materializa e isso também está associado ao tempo
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184 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
e lugar, a recepção é plural. O lugar de fala daquele que produz a
imagem fotográfica nem sempre coincide com o lugar de fala de quem a aprecia
e interpreta. Assim, faz-se necessário observar que a percepção dos espaços
motivacionais na fotografia de Sebastião Salgado aponta para o envolvimento
do público não passivo, que demonstra disposição emotiva (ou não) na
concretização de sua experiência estética. Saber, por exemplo, que Salgado
fotografou geleiras e registrou momentos que jamais se repetirão, dada a
natureza do lugar fotografado, torna as imagens de Gênesis singulares, belas,
pressupondo razões e emoções que guiam a forma de agir do receptor. Por sua
vez, o ato fotográfico engajado incrementa a criatividade e a técnica na produção
de imagens fotográficas que traduzem realidade, mas também possibilitam
experiência estética e, portanto, percepção artística.
Em Êxodos, os espaços comprovam o ser humano descentrado, não
pertencente ao lugar que gostaria de ter como casa, lugar identitário. Em
Gênesis, Salgado leva ao conhecimento do público espaços que fortalecem a
existência de animais e indivíduos, mesmo que temporariamente. No primeiro, o
receptor consolida a ideia de que os espaços fotografados não pertencem aos
indivíduos que por eles transitam como intrusos, indesejados, prestes a ter que
desocupar o território. No segundo, há uma aura de familiaridade, de
pertencimento, visto que traz lugares não disputados, não cobiçados e, portanto,
que não oferecem risco a certo bem-estar facilmente perceptível nas imagens
fotográficas de Gênesis. E o que concorre para essa diferenciação?
Precisamente o que motivou Sebastião Salgado: em Êxodos, a intenção foi
mostrar ao mundo o que o desrespeito e a ausência de alteridade são capazes
de produzir; em Gênesis, o objetivo foi demonstrar que o ser humano pode e
deve se sentir como parte do planeta Terra e, por isso, acreditar que a vida e no
amor à natureza, à vida, caminho possível, mesmo após tanto sofrimento e
destruição. Assim, é importante não esquecer o trabalho do fotógrafo brasileiro,
principalmente porque é uma forma de o ser humano não se esquecer de si
mesmo.
REFERÊNCIAS
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185 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2006. DELEUZE, Gilles. O que é o ato de criação? Tradução João Grabriel Alves Domingos. In: DUARTE, Rodrigo (org.). O belo autônomo: textos clássicos de estética. 3 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora; Crisálida, 2013. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, Papirus, 1994. FABRIS, Anateresa. Discutindo a imagem fotográfica. Domínios da Imagem, Londrina, v. I, n. 1, p. 31-41, nov. 2007. Disponível em: http://www.uel.br/ HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Thomaz Tadeu da Silva & Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina, 2015. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 4 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2009. MAUAD, Ana Maria. O olhar engajado: fotografia contemporânea e as dimensões políticas da cultura visual. ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 33-50, jan-jun 2008. SIGNORINI, Roberto. A arte do fotográfico: os limites da fotografia e a reflexão teórica nas décadas de 1980 e 1990. Tradução Carlos Alberto Dastoli. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.
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186 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A CONSTITUIÇÃO DA MONSTRUOSIDADE COMO CRÍTICA SOCIAL NO ESPAÇO FICCIONAL DE “AS PORTAS DO CÉU”, DE JULIO
CORTÁZAR
ELTON DA SILVA RODRIGUES1
Dentre os diversos temas abordados em Bestiário (2016[1951]), de Julio
Cortázar, há a constituição da monstruosidade no conto “As portas do céu”, única
narrativa em que a leitura do outro enquanto um monstro se dá explicitamente.
O conto, narrado em primeira pessoa pelo protagonista, o advogado Marcelo
Hardoy, discorre sobre o seu contato com pessoas de uma classe social inferior
à sua, e cujas áreas de contato com essas pessoas ocorre na realização de
atividades cotidianas. Além disso, as observações que o protagonista faz
ocorrem em locais marginais, espaços à margem do centro da cidade, como
lares humildes, cabarés e bares. Dessa forma, o presente trabalho tem como
objetivo relacionar a configuração espacial da narrativa a uma crítica social à
desigualdade econômica dirigida, à época, ao governo de Perón, mas que
persiste em toda América Latina.
Publicado pela primeira vez 1951, o Bestiário de Julio Cortázar reúne os
melhores exemplos da genialidade do autor, com contos que apresentam uma
mistura de surrealismo, experimentações do nouveau roman, simbolismo e
fantasia em cenários realistas divididos, na maioria dos contos, entre Paris e
Buenos Aires. Além do domínio da técnica, pode-se observar também, nos
contos, uma ligação com o período histórico da Argentina das décadas de 1940
e 1950. Julio Cortázar, que foi um dos maiores escritores argentinos, era um dos
intelectuais que se posicionava criticamente com relação ao governo de Perón.
Os contos, escritos ao longo dos anos 1940, apresentam críticas ao peronismo,
como “Casa tomada” e “As portas do céu”. Em Literatura e Sociedade, Antonio
Candido destaca o fato de que não é possível fazer uma análise somente pelo
aspecto estrutural da obra, bem como não se deve levar em conta somente os
seus aspectos extrínsecos: uma boa análise ocorre a partir da comunhão de
ambos. Ao levar em conta o contexto de produção dos contos, deparamo-nos
1 Graduando em Letras - Português da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Email: [email protected].
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
com a realidade socioeconômica de países subdesenvolvidos e com
uma crítica social que, produzida a partir do contexto local, ganha proporções
universais, visto que a prevalência de uma elite em detrimento de classes sociais
menos favorecidas é um dos grandes problemas da atualidade. Além das
mudanças políticas que a Argentina atravessava, dentro do contexto histórico há
também uma expansão da indústria cultural, como o aumento significativo de
publicação de contos em revistas literárias.
“As portas do céu” é uma narrativa marcada pela oposição ente o
advogado e seus clientes, Mauro e Celina, e a curiosidade antropológica do
advogado de tomar notas acerca dos comportamentos dos outros, monstros, que
não alcançam a condição de humanidade e que devem ter sua descrição
fisiológica e seus comportamentos catalogados. O conto tem o seu início com a
morte de Celina, esposa de Mauro e ex-dançarina de um cabaré, por conta da
tuberculosa. Marcelo Hardoy, o advogado, é chamado para ir ao velório, e logo
após a sua entrada no bairro, começam as observações acerca dos hábitos das
pessoas que ali vivem. O contato e as saídas de Marcelo com seus clientes são
explicados no decorrer do conto por meio do espaço da memória. Em suas
lembranças, o personagem-narrador descreve as suas observações, abordando
o orgulho que seus clientes sentia por ter um amigo “doutor”.
O epíteto “douto”, aliás, como Hardoy é chamado pelo casal, é a que
demarca a distinção entre as classes. Conforme as próprias palavras de Hardoy:
Celina custou a deixar o ‘doutor’, talvez sentisse orgulho de me atribuir o título diante dos outros, o meu amigo doutor. Pedi a Mauro que falasse com ela, então começou a usar ‘Marcelo. Assim os dois se aproximaram um pouco de mim mas eu continuava tão distante como antes. (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 103)
Alguns dias após o velório, ao voltar de um evento, Hardoy convida Mauro
para ir a um cabaré, o Santa Fe Palace, o qual frequenta com frequência com o
intuito de tomar notas para sua pesquisa. É nesse espaço em que há a maior
reunião de monstros, uma vez que lá eles “aparecem às onze da noite, descem
de regiões imprecisas da cidade, pausados e seguros, a só ou em par, as
mulheres quase anãs e achinesadas, os homens parecendo javaneses ou
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
mocovis...” (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 109-110). Ademais, Hardoy
descreve o local como um dos círculos do inferno de Dante, como se ele mesmo
fosse Virgílio, o guia, distinguindo-se de dos outros ali presentes.
Antes de adentrar na questão teórica com relação à constituição da
monstruosidade e a crítica social, é necessário observar que Hardoy exerce o
cargo de advogado, pertencendo, portanto, à classe alta; Celina, por sua vez, é
uma ex-dançarina de cabaré, e pertence à classe baixa; Mauro é zelador de um
mercado e possui ascendência italiana, sendo um meio-termo. Celina, na visão
de Hardoy, é quem mais se aproxima dos monstros, não apenas pela sua classe
social (classe que, após a união, torna-se a mesma que a de Mauro), mas
também pelos seus traços bugres. Desse modo, a questão étnica também é um
fator para a monstruosidade, como o próprio narrador descreve na narrativa.
Para Marcelo Hardoy, os sujeitos pertencentes à classe baixa que não
alcançam a condição de seres humanos são monstros que devem ser
catalogados, analisados, como outrora os monges católicos da Idade Média
fizeram ao descrever bestas imaginárias ou reais em seus bestiários. José Gil
(2006) nos diz em Monstros, um de seus livros que possui a monstruosidade
como tema, que essas criaturas não se situam fora do domínio humano, mas em
seu limite (como pode ser observado em “As portas do céu”), e são
“absolutamente necessários para [o ser humano] continuar a crer-se homem”
(José GIL, 2006, p. 14). Encontram-se no seu limite uma vez que estão à
margem da sociedade, não dela, e contribuem para que Hardoy reafirme a sua
diferença com relação aos outros. Desse modo, o espaço é o fator definitivo para
que se observa a crítica social a partir da monstruosidade.
Desse modo, surge a questão do lugar do monstro, os cabarés e os bares
em bairros afastados do centro da cidade, afirmando a separação de classes,
como se assim cada um fosse posto em seu lugar. Os monstros, aquém da
condição de serem humanos, tornam-se objetos a serem descritos; Marcelo
Hardoy, em determinado momento da narrativa, afirma que havia passado a
manhã inteira pensando em Celina, e não porque a esposa falecida de seu
cliente importasse, mas por aquilo que a ausência dela provocaria: “a ruptura de
uma ordem, de um hábito necessário.” (CORTÁZAR, 2016[1951], p. 104-105).
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Isto é, não é a perda de um ser humano que importa para o
protagonista, mas sim a perda do hábito de descrever o seu objeto. O espaço do
monstro é aquele que o mantém objeto. Conforme Bachelard (2008) assevera,
os espaços de vivências são capazes de provocar sensações no sujeito ao ponto
de desencadear imagens mentais que repercutem na alma, e para Hardoy, o
convívio com o casal nesses espaços é tão forte que as imagens se fazem
presente ao longo de toda narrativa.
Relacionada à monstruosidade, há outra questão: a falta do
reconhecimento do outro enquanto ser humano. A falta de reconhecimento do
outro como sujeito é justamente uma das questões abordadas por Tzvetan
Todorov (2010) em A conquista da América, livro em que o escritor búlgaro
aborda as relações com outrem a partir da “descoberta” e colonização do
continente americano, tendo em conta que Cortez, apesar de se encantar com a
produção dos astecas, em nenhum momento os reconhece como sujeitos, fato
que vem a resultar em um dos maiores genocídios da história da humanidade. A
ausência do diálogo, para Todorov (2010), é um dos principais fatores para que
o outro não seja reconhecido como ser humano. Em “As portas do céu”, apesar
da presença do diálogo, em momento nenhum Hardoy realmente se permite a
ouvir a palavra do outro, fazendo-o apenas para tomar nota, por conta de seu
hábito.
Ademais, há a questão da crítica social que se dá por meio da
monstruosidade. As reformas instituídas por Perón foram criticadas não apenas
por Cortázar, mas também por outros intelectuais argentinos, como o próprio
Jorge Luis Borges. Isso porque, mesmo com as reformas, as mudanças reais
dificilmente puderam ser observadas. Octavio Paz (2015), ao analisar a situação
pós-colonial no México (uma situação semelhante em todos os países da
América Latina), aborda que a ausência de mudanças reais nas estruturas
econômicas, mesmo com as trocas de governos, por conta da manutenção do
poder na mão de elites, de modo que independência econômica do país tenha
resultado na “dependência das oscilações do mercado mundial, no exterior; e,
no interior, pobreza, diferenças atrozes entre a vida dos ricos e dos
despossuídos, desequilíbrio.” (PAZ, 2015, p. 175, grifos meus).
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Assim sendo, pode-se observar que além da incrível técnica de
Cortázar, há toda uma crítica que se faz presente no conto e que retrata uma
situação que se faz presente até hoje: a desigualdade econômica e a
manutenção de uma elite privilegiada que sobrevive da manutenção da pobreza
e desconhece a humanidade daqueles que não pertencem à sua classe. O conto
de Cortázar, dessa forma, apresenta, relacionando o espaço à monstruosidade,
uma crítica social que proporciona uma reflexão sobre o espaço, não apenas o
literário, mas aquele que o literário reflete e refrata, e as mudanças que podem
se feitas a partir dessa reflexão.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos da teoria e história literária. 13. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2014.
CORTÁZAR, Julio. Bestiário. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
GIL, José. Monstros. Tradução de José Luís Luna. Lisboa: Relógio D’água, 2006.
PAZ, Octávio. O labirinto da solidão. Tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. Tradução de Beatriz Perrone Moisés. 4. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
VEREDAS DE LIBERDADE: O SERTÃO COMO PROTAGONISTA DO QUADRINHO SANT´ANA DE FEIRA:
TERRA DE LUCAS
Gustavo Oliveira Campos1,
Maria das Graças Meirelles Correia2
INTRODUÇÃO
A História em Quadrinho ou HQ é um gênero textual que agrega a arte e
a escrita, em quadros, os quais, segundo Will Eisner (1886) “Tem como objetivo
narrar uma história, ou dramatizar uma idéia”. Para sequenciar classificação de
Ricciotto Canudo é denominada também como “Nona Arte”. Essas histórias
podem ser publicadas de vários formatos impressos e digitais, como revistas,
livros, websites e jornais, sendo o último responsável por difundir e popularizar
este gênero textual. As Hq surgiram no século XIX, mais especificamente no ano
de 1863, com o trabalho do escritor e desenhista alemão Wihelm Busch, cujas
obras, especificas para crianças, fizeram com que o gênero – por longo tempo –
se destinasse ao público infantil. No decorrer do século XX, as narrativas em
quadrinhos se ramificam em novos formatos e estilos e passam a se destinar a
públicos variados.
As HQs podem apresentar modos distintos de narrar que são publicados
em variados formatos. Os Gibis – designação mais usual no Brasil – contam
histórias curtas, encaixando-se numa revista de pequeno porte. Já as tirinhas ou
comic strips trazem narrativa estruturada em enunciados curtos e apontam
críticas gerais com humor; outra variação é a novela gráfica ou graphic novel,
que consiste em uma espécie de livro que conta uma longa história em forma de
desenhos e textos. O livro – Lucas de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas
(Secretaria de Cultura da Bahia, 2012), Marcos Franco e Hélcio Rogério –
estudado para a produção deste artigo, se enquadra na categoria de graphic
1Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 2Docente EBTT do Curso de Eletromecânica do IFBA campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
novel, pois apresenta uma longa história que explora arte sequência
para contar a narrativa imposta pelo roteirista.
No âmbito das histórias em quadrinhos, é perceptível o avanço nos
estudos deste gênero textual, um desses elementos é a definição de ESPAÇO
presente nas HQs, fazendo com que se perceba a relação da história e dos
personagens com o meio onde ele se encontra. O espaço nos quadrinhos é
formado a partir da junção de vários quadros, pois é desse modo que o leitor
percebe o cenário, onde o personagem está integrando e como o meio influencia
e colabora com a narrativa. Um exemplo pertinente é o quadrinho Demolidor
(STAN LEE e BILL EVERET, 1964), cujo protagonista é cego e se localiza
espacialmente por intermédio dos sentidos e mostra a interação do homem com
o espaço, influenciando a construção narrativa. A topoanálise, que segundo
Ozíris Borges Filho (2008), compreende o estudo do espaço literário. Por sua
vez, o espaço na narrativa tem várias funções pontuais, quer seja na formação
de personagens e em suas tomadas de decisão e ações, quer seja na tessitura
dos cenários por onde circulam as personagens no desenvolvimento do enredo.
Borges atenta ainda para o fato de o espaço ser responsável por configurar o
contexto socioeconômico da época onde a narrativa é contada, fazendo com que
caracterize protagonista e coadjuvantes. Assim, o meio influencia diretamente
na tomada de decisões dos personagens, pois é o ambiente que permite a
concretização das ideias de ações tomadas pelo protagonista, e essas mesmas
ações propiciam mudanças no espaço apresentado. No âmbito da natureza,
como o sertão, as áreas naturais são de bastante importância para o auxílio à
personagem, além de informar a capacidade socioeconômica que aquele meio
possui.
E é neste espaço físico sertanejo que a narrativa da graphic novel Lucas
de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas é contada, trazendo, assim, o personagem
Lucas e suas ações em meio a esse espaço apresentado. Podemos perceber,
em meio à história, a influência na natureza em meio a formação de caráter do
personagem e também auxilia as ações efetuadas por Lucas e como
modificavam o ambiente natural. A interação com o espaço é algo também
apresentado na obra trazendo um condicionamento natureza x homem. Desta
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
maneira, o meio natural confere modificação de personalidade e
ambiente natural consecutivamente sofre a ação do personagem, tornando-se,
pois, uma paisagem cultural. Tais elementos são também destacados pela
topoanálise apresentada por Ozíris Borges Filho (2008), que aponta a natureza
sobre a influência humana.
Com base nessas definições e informações sobre o gênero textual, o
artigo estuda a influência do ambiente – o sertão baiano – na narrativa como
auxiliar para as ações do protagonista e para o encadeamento do enredo na obra
em tela.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Para elaborar esse artigo foi necessário ler e analisar a graphic novel
Lucas de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas (Secretaria de Cultura da Bahia,
2012), do escritor e roteirista Marcos Franco e do desenhista Hélcio Rogério. Por
sua vez, o processo de análise Para analisar a estrutura espacial da HQ, buscou-
se referências teóricas sobre as definições de espaço empregado na literatura.
Além disso, foram realizadas pesquisas bibliográficas em suporte digital e
impresso para auxiliar nas referências teóricas para a escrita do artigo. Nas
várias leituras realizadas, foram destacados quadros que ilustrassem as análises
nas discussões propostas nesse artigo.
Marcos Franco nasceu na cidade de Feira de Santana, sertão baiano, em
1975. Atua como roteirista de quadrinhos desde 1996, tendo vários trabalhos
publicados, porém acabou tendo mais visibilidade com a graphic novel, Lucas da
Vila de Sant’ana de Feira, sendo bem avaliado pela crítica e ganhando vários
prêmios, como do 2° Concurso Nacional de Roteiros, o Prêmio DB Artes de
melhor publicação independente de 2010, promovidos pelo HQ Festival Sergipe.
Ainda em 2010, foi premiado em duas categorias do 27° Prêmio Angelo Agostini:
Melhor Roteirista e Melhor Lançamento Independente. Hélcio Rogério nasceu
em 1973, na cidade de Feira de Santana, onde até hoje reside, iniciou sua
carreira como ilustrador de quadrinhos em 1998, participando em revistas
independentes
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Com o sucesso da graphic novel, Marcos trouxe a continuação
– Lucas de Sant´ana de Feira: Terra de Lucas, que conta a história da ascensão
e queda de Lucas. Numa narrativa em flashbacks conta como o protagonista
acabou se refugiado no sertão da Bahia e tornando-se lendário entre os escravos
foragidos. Da fuga à fama, a narrativa mostra o percurso de Lucas no sertão,
conforme apresenta nos quatros abaixo:
Figura 1 - Sant'ana de Feira: Terra de Lucas
Fonte: p. 44
Lucas cresceu nas áreas rurais do sertão baiano, ainda criança fugiu da
senzala onde era escravizado. Desde a infância, apresenta como traços
marcantes de personalidade a ousadia e a capacidade de insurgir-se: revolta-se
com as condições de vida dos negros no período e este sentimento se concretiza
com a fuga. Por ser um escravo foragido, é obrigado a continuar no sertão,
sendo, portanto, levado a aprender a conviver com a natureza de onde retira
alimentação e moradia.
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195 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A vivência de uma pessoa nas áreas rurais sertaneja não era
comum, logo o protagonista aproveitava-se da inexperiência dos demais
personagens para efetuar ações sobre as pessoas. Podemos ver isso na
primeira ação apresentada no livro, feita por Lucas com auxílio da natureza,
assim como demonstra a imagem a seguir:
Figura 2 - Sant’ana de Feira: Terra de Lucas
Fonte: p. 42 e 43
Na cena, podemos ver o protagonista escondido nas árvores, utilizando-
se do espaço natural como apoio; na sequência, Lucas se revela assustando
crianças com a imprevisibilidade, obtendo, assim, a arma que o ajudaria em sua
jornada.
Na obra, o autor tenta trazer uma boa construção do espaço do sertão
baiano, incrementando características da condição ecológica da região, fazendo
com que o leitor entenda toda a estrutura do bioma encontrado nas áreas rurais
da Vila de Sant’ana de Feira, cuja vegetação é formada por cansanção, xique-
xique, gravata, sisal, cabeça de frade, dentre outros que se limitam a região
nordestina brasileira. Com o prosseguir da obra é possível perceber a interação
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
do protagonista com a ecologia encontrada, isso ocorre principalmente
por Lucas ser um negro rebelde refugiado. Neste espaço de liberdade, o sertão,
em um período escravagista, Lucas desenvolve o modus operandi de sobreviver
às intempéries e se transforma em um caçador de recompensas, fazendo suas
caçadas no âmbito rural com o auxílio da natureza. Assim como foi feita a sua
primeira interação com esse espaço, representada na Figura 2, podemos ver o
bioma e a interação com o espaço na Figura 3 e 4, respectivamente.
Figura 3 - Sant’ana de Feira: Terras de Lucas
Fonte: p. 58.
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197 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Figura 4 - Sant’ana de Feira: Terras de Lucas
Fonte: p. 70
Na Figura 3 é possível perceber a construção um ambiente, utilizando a
natureza sertanesca, para inserir uma ação de encontro entre Lucas e um
possível contratante. Lucas utiliza do espaço do sertão para instalar sua rede de
negócios; neste espaço tanto recepciona os mandantes dos serviços, para
receber encomendas de emboscadas como para os “senhores” realizarem o
pagamento de serviços prestados ao ex-escravo.
Essa ação de encontro junto com o espaço da natureza cria um ambiente,
na qual pela concepção de Borges (2008), tem como definição “a soma de
cenário ou natureza mais a impregnação de um clima psicológico”. O clima de
tensão instala-se no curso destes encontros e se forma a partir das ações dos
personagens envolvidos na cena.
Na Figura 4, podemos ver Lucas castigando o personagem Mané Pinga-
Fogo, por conta de um contraposto as ideologias do personagem principal. No
processo de punição, Lucas apanha um cansanção que se caracteriza pela
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198 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
sensação de queimadura ao toque com a pele; utilizando este atributo
da vegetação local, Lucas agride Mané com várias chibatadas, deixando-o com
várias queimaduras pelo corpo.Nessa cena é possível concluir que o autor
buscou situar o leitor ao tipo de natureza encontrado na graphic novel, pois o
cansanção é uma planta limitada ao nordeste brasileiro e muito conhecida pela
abundância no sertão da Bahia. O protagonista, bem integrado ao espaço, tem
conhecimentos das propriedades biológicas da planta, logo utiliza da natureza
para seu benefício criando, assim, uma interação homem/espaço representado
em todo o quadrinho.
Outros quadros que podem representar a interação entre Lucas e o Sertão
estão presentes na figura 5, onde apresenta o protagonista, utilizando da
plantação de mandacaru, continua a punir Mané Pinga-Fogo. O mandacaru é
uma planta hidrófila, cujos espinhos pontiagudos são responsáveis por
causarem dor no contato com a pele.
Os quadros apresentados, relacionados ao embosco ao personagem
Mané, evidenciam que Lucas aproveita-se do conhecimento do ambiente onde
vive, para efetuar torturas, punições e capturas que lhe rendem recursos para
sobreviver.
Figura 5 - Sant’ana de Feira: Terras de Lucas
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Fonte: p. 74
Com base neste estudo, é possível analisar a obra e perceber que as
ações do protagonista demarcam alta posição neste espaço. Cria-se em torno
dele várias lendas, por meio do temor que a população de Feira de Santana
desenvolve em relação a Lucas, cujo respeito e imponência espalha-se na
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200 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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região. Assim, essa formação de ambiente cria uma relação de
dominação-apropiação da terra ali apresentada. Podemos ver isso logo com a
leitura do título da obra, “sant’ana de Feira: Terra de Lucas”. O termo “Terra de
Lucas”, já diz ao leitor que o ambiente a ser apresentado está sobre grande
influência do protagonista, criando, assim, uma análise de que o território do
sertão de Feira de Santana está sobre domínio de Lucas.
Em contraposto ao que é apresentado, no decorrer da narrativa,
autoridades do interior da Bahia se incomodam com o temor e crimes cometidos
pelo protagonista, logo se cria um conflito Lucas e o governo, que segundo a
definição de território, se configura em uma disputa de poder.
Com esse conflito marcado na obra, Lucas acaba sendo caçado pelas
autoridades estatais. Todavia, as tentativas de capturá-lo são frustradas pelo fato
do personagem conseguir utilizar do espaço da natureza do sertão em seu
auxilio. Para contrapor esse favoritismo do protagonista nesse espaço, o estado
busca por José, personagem que, junto com Lucas, também cresceu no espaço
do sertão de Feira, fato que o permitiu a ter conhecimento semelhante. José
estava sob custódia das autoridades e lhe foi ofertada a liberdade caso auxiliasse
na captura ou assassinato de Lucas. José aceita e, num momento de descanso
do protagonista, atira e fere Lucas, facilitando assim a captura e morte do
personagem.
A captura e morte de Lucas demarcam o final trágico da narrativa, por
meio da qual é possível perceber que Lucas o desenvolvimento e ascensão de
Lucas legou-lhe fama, tornando-lhe um dos personagens míticos do sertão
nordestino. Esta fama se deu graças ao auxílio da natureza. A partir da
convivência com o ambiente natural cria ambientes favoráveis para suas ações.
Contraditoriamente, foi morto por meio do auxílio do mesmo espaço que o ajudou
a sobreviver. Desta maneira, a narrativa encena o ciclo da vida do personagem:
amadurecimento, reconhecimento e morte por meio das inter-relações com
sertão baiano.
CONCLUSÃO
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Este artigo analisa como a Graphic Novel Lucas de Sant´ana de
Feira: Terra de Lucas mostra o espaço da natureza do sertão baiano e como
esse meio influencia na personalidade do protagonista, trazendo também o
processo de condicionamento natureza x homem e de auxilio nas ações de
Lucas no curso da narrativa. Por intermédio de as análises, fica perceptível as
construções de ambiente, feitas pela natureza e ações propagadas pelos
personagens e bem como em processos auxiliares do espaço sobre o
protagonista. Desta maneira, por meio da leitura e análise é possível afirmar que
o espaço em tela – o sertão nordestino – teve protagonismo na obra.
REFERÊNCIAS FRANCO, M; ROGÉRIO, H., Sant’ana de Feira: Terra de Lucas. Feira de Santana. Secretaria de Cultura da Bahia, 2012. 178pg. BORGES FILHO, O. Espaço e Literatura: introdução à topoanálise. XI Congresso Internacional da ABRALIC, São Paulo, p. 1-7, Jul, 2008. Disponível em <
http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf >Acesso em: 14.10.2017 LUCAS, R.J.L O espaço nos quadrinhos: entre as formas diegética e gráfica. Fortaleça. 18pg. SILVA, Fabio Luiz Carneiro Mourilhe. O Quadro nos Quadrinhos. Rio de Janeiro: Multifoco, 2010. EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial: princípios e práticas do lendário cartunista. WMF Martins Fontes, SP, 4ª ed, 2012. PINTA, Patrícia Kátia da Costa. Literatura em quadrinhos: arte e leitura hoje. 1ª ed. – Curtiba; Appris, 2012.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO GÓTICO NA FICCIONALIZAÇÃO DE MOVIMENTOS MESSIÂNICOS BRASILEIROS
Hélder Brinate Castro (UERJ)1
A poética gótica
A ausência de univocidade do termo “gótico” reflete sua notável
capacidade de adaptar-se a contextos diversos (cf. STEVENS, 2000; BOTTING,
2014). Uma rápida consulta a dicionários apontará, ao menos, quatro
significados principais: (i) um adjetivo pátrio referente a uma das tribos
germânicas responsáveis pelo declínio do Império Romano, os Godos; (ii) um
termo renascentista empregado para nomear o estilo arquitetônico medieval,
considerado “bárbaro”, sem refinamento, em oposição à arte clássica; (iii) o
grupo de romances e narrativas britânicas escritas entre 1764 e 1820,
caracterizado pela produção de terror e/ou horror como efeito de recepção; e (iv)
uma subcultura da arte e da moda contemporânea identificada pelo apreço às
temáticas da melancolia, do terror e da morte.
A extensa e intricada história do vocábulo “gótico” parece frustrar qualquer
tentativa de conciliar seus conceitos mais restritos com seus sentidos mais
amplos. No campo dos estudos literários, costuma-se, todavia, compreender o
Gótico de acordo com duas perspectivas: uma que o considera como um gênero
historicamente determinado, e outra, como uma tendência mais persistente e
abrangente dentro da ficção como um todo. Conforme a primeira compreensão,
o Gótico é um fenômeno histórico-literário, cujo auge, situado entre a segunda
metade do século XVIII e o início do XIX, caracteriza-se pela produção de uma
ficção popular associada a uma visão sombria e decadente da vida, em que
escritores como Horace Walpole, Ann Radcliffe, Mary Shelley e Matthew Lewis
deixaram sua marca. Tal concepção não impossibilita, porém, a manifestação de
revivalismos góticos nos séculos posteriores, pois, conforme David Stevens
(2000), o próprio Gótico setecentista teria sido um revivalismo da preocupação
1 Hélder Brinate Castro é bacharel e licenciando em Letras: Português e Literaturas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e faz parte dos seguintes grupos de pesquisa: “Estudos do Gótico”; “Vertentes do Fantástico na Literatura”; e “Nós do Insólito: vertentes da ficção, da teoria e da crítica” . E-mail para contato: [email protected].
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
com temáticas medievais e fantasiosas. A segunda perspectiva, por
sua vez, considera o Gótico menos como um movimento artístico restrito a locais
e momentos históricos específicos e mais como uma disposição do espírito
moderno que alterou, significativamente, os modos de pensar, sentir e expressar
a arte na modernidade. Trata-se, assim, de um fenômeno transcultural
caracterizado por uma visão de mundo negativa e desiludida com a realidade.
Compartilhando desta última concepção, Julio França (2017) afirma que
o Gótico seria a amálgama entre uma interpretação do mundo e uma linguagem
artística altamente estetizada que, despontada no contexto cultural da segunda
metade do século XVIII, teria se adaptado, em seus diversos revivalismos, às
ansiedades e aos medos da sociedade moderna. O Gótico configura-se, pois,
como uma faceta desiludida da natureza humana que transpassa múltiplas
manifestações culturais e estabelece-se, no campo da arte, como uma poética
negativa. Para Botting (2014, p. 2, tradução minha),
A bondade, seja em termos morais, estéticos ou sociais, não se faz presente nos textos góticos. É o vício que lhe interessa: os protagonistas são egoístas ou maus; as tramas envolvem decadência ou crime. Seus efeitos, estéticos e sociais, são repletos de características negativas – não há beleza, nem demonstrações de harmonia ou proporção. Deformados, obscuros, feios, lúgubres e completamente avessos aos efeitos do amor, da afeição ou dos prazeres nobres, os textos góticos inscrevem a repulsa, o ódio, o medo, a aversão e o terror.
A partir dessa perspectiva, estudos recentes no âmbito da literatura
brasileira (cf. FRANÇA, 2017) vêm demonstrando que nossa produção ficcional,
diferente do que evidenciam os estudos literários dos séculos XIX e XX,
apresenta influxos da poética gótica, muitas vezes incompreendidos e
menosprezados pela crítica nacional. Dos muitos elementos comuns entre as
letras brasileiras e a ficção gótica, há pelo menos cinco pontos que surgem como
fundamentais: (i) a construção de espaços narrativos como loci horribiles; (ii) a
relação fantasmagórica com o passado, que ressurge para assombrar o
presente; (iii) a caracterização de personagens como monstruosidades devido à
própria natureza humana ou a psicopatologias; (iv) o desenvolvimento de
enredos que exploram, tanto no plano da diegese quanto no da recepção, efeitos
melodramáticos e emocionais; e (v) a utilização contínua de campos semânticos
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
relacionados à morte, à morbidez e à degeneração física e mental.
Tendo em vista a limitação espacial do presente ensaio, focalizar-se-á o primeiro
tópico, ainda que os demais sejam explorados ao longo do estudo.
O Espaço no Gótico Literário
O espaço é um elemento central nas narrativas góticas. Em muitos casos
é personificado, tornando-se ele próprio uma monstruosidade capaz de gerar
seus próprios monstros. O locus horribilis pode ser, de fato, considerado um
tópos do Gótico literário, uma vez que não são raras as narrativas que tematizam
locais sinistros, principalmente castelos, casarões arruinados, espaços
religiosos, florestas e cidades labirínticas. Essas localidades, evocando emoções
de encarceramento e poder, situam-se em regiões isoladas, fora do alcance da
lei e da autoridade civilizadas, o que as torna ambientes sem proteção contra o
terror, onde a escuridão e a estrutura desordenada estimulam medo e fantasias
irracionais.
Esses ambientes não apenas inspiram medos e ameaças por meio de
suas características físicas e concretas. As percepções subjetivas dos indivíduos
sobre os locais também configuram importante fator tanto para a gênese quanto
para a intensificação de apreensões e pavores. Tais percepções não são, porém,
somente idiossincráticas, mas respondem a certas condições culturais, do que
depreende a complexidade das paisagens do medo (cf. TUAN, 2005, p. 12),
dependentes da consubstanciação de aspectos objetivos do espaço físico com
a subjetividade do espaço psicológico. No caso da literatura, as idiossincrasias
geofísicas e socioculturais subordinam-se sempre à perspectiva de quem os
presencia e/ou descreve (narradores e personagens) e à de quem os
experimenta (personagens e leitores). Tomemos como ilustração de uma
paisagem do medo a seguinte descrição do castelo do romance The Mysteries
of Udolpho (1794), de Ann Radcliffe:
“Lá”, disse Montoni, falando pela primeira vez em muitas horas, “está Udolpho”. Emily contemplou o castelo, que compreendeu ser de Montoni, com um terror melancólico; pois, embora fosse iluminado pelo pôr do sol, a grandeza gótica de seus traços e os seus arruinados muros de pedras cinza tornavam-no sublime e
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
sombrio. Conforme ela olhava, a luz desaparecia das muralhas, deixando uma melancólica cor roxa, que se espalhava ficando cada vez mais escura, enquanto as ameias acima ainda mantinham o esplendor. Destas também os raios de sol desvaneceram prontamente e todo o edifício foi envolvido pela solene escuridão da noite. Silencioso, isolado e sublime, ele parecia o soberano da cena e desafiava a todos que se atrevessem a invadir seu reino solitário. À medida que o crepúsculo adensava, os aspectos do castelo tornavam-se mais horríveis na escuridão, e Emily continuava a contemplar até que somente suas torres aglomeradas fossem vistas, erguendo-se sozinhas sobre os topos das árvores, sob as quais densas sombras de carruagens começavam a subir. A extensão e a escuridão dessas altas árvores despertaram espantosas imagens na mente de Emily, quem quase esperou que surgissem bandidos escondidos entre a floresta. Ao longe, as carruagens apareceram sobre uma rocha com vegetação rasteira e, logo após, alcançaram os portões do castelo, onde o intenso tom do sino do portal, balançado para avisar da chegada da comitiva, aumentou as terríveis emoções que assaltavam Emily. (RADCLIFFE, 2008, p. 226-227, tradução minha)
Na passagem, o castelo, situado à beira de um precipício, é descrito
durante o crepúsculo, acentuando seu aspecto sombrio, misterioso e sublime.
Sob a perspectiva abatida da heroína do romance, Emily, a construção torna-se
mais ameaçadora, o que ocorre principalmente pelo emprego constante de
vocábulos associados ao campo semântico da morbidez e da degradação, como
“arruinados”, “sombrio”, “melancólica”, “horríveis”, “sombras” etc. O edifício
desvelava-se ainda de forma a sugerir a possibilidade de ser um local mal-
assombrado, palco de transgressões morais e físicas, o que se confirma ao longo
do romance: o encarceramento de Emily e o cruel tormento de sua tia, que
sucumbe à perversidade de Montoni, constituem acontecimentos que
intensificam o caráter nocivo do local. O castelo de Udolpho emerge, assim,
como um dos mais eminentes loci horribiles da produção radcliffeana e também
do Gótico literário.
O espaço gótico dos movimentos messiânicos brasileiros
Enquanto o Gótico setecentista explora castelos, mosteiros e casarões
arruinados para evocar emoções de encarceramento e poder, a literatura
brasileira da segunda metade do século XIX tem os sertões e os ambientes rurais
do Brasil como um de seus principais loci horribiles. Longe de servir somente
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206 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
como pano de fundo para a composição da “cor local”, tais localidades
constituem fator essencial para as narrativas com influxos góticos ali
ambientadas. Se, na literatura gótica europeia, o clima enevoado e frio propicia
a gênese de cenários melancólicos e amedrontadores, na literatura brasileira, o
sertão desconhecido, desabitado e isolado induz a criação de paisagens
ameaçadoras e soturnas. Euclides da Cunha, n’Os Sertões (1902), aponta tal
paralelo: “Há, ali [o sertão nordestino], toda a melancolia dos invernos, com um
sol ardente e os ardores do verão!” (CUNHA, 2011, p. 56). Na região brasileira
de clima tropical semiárido, com temperaturas elevadas e com os menores
índices pluviométricos do país, alguns autores dos Oitocentos encontraram solo
fértil para a produção de uma literatura capaz de gerar o medo artístico, em que
técnicas narrativas típicas da poética gótica mostram-se essenciais.
Além de essas localidades apresentarem condições topoclimáticas
adversas à vida humana, seu isolamento e, por conseguinte, seu alheamento a
uma educação formal e às explicações científicas divulgadas no litoral brasileiro
da segunda metade do século XIX acentua a crença das populações sertanejas
e rurais em lendas e superstições, o que conforma contexto propício para a
manifestação de topoi góticos. É de se esperar, portanto, que a ficcionalização
de movimentos messiânicos, marcados por episódios de crença extremada e de
repressões truculentas, atribua características sombrias, fúnebres e grotescas a
ritos e rituais de bases sociorreligiosas, pintando, assim, um quadro típico das
narrativas góticas.
Nos romances O reino encantado: crônica sebastianista (1878), de Tristão
de Alencar Araripe Júnior, e Os Jagunços: novela sertaneja (1898), de Olívio
Barros (pseudônimo de Afonso Arinos de Melo Franco), os narradores, ao se
utilizarem de uma retórica macabra e horrorizante para descrever,
respectivamente, os movimentos messiânicos de Pedra Bonita/Pedra do Reino
e de Canudos, constroem uma paisagem nordestina lúgubre e obscura,
transformando o sertão em um autêntico locus horribilis. Em ambas as
narrativas, o espaço não é apenas o palco em que se praticam e sofrem as
atrocidades das tramas, mas também é o principal responsável pela constituição
de uma atmosfera opressora e funesta. Se O reino encantado descreve o sítio
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207 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
dos rituais místicos da seita de Pedra Bonita de forma a provocar
sentimentos de horror e ojeriza, Os Jagunços, por sua vez, utilizam-se da
natureza sertaneja para explicitar o terror dos soldados republicanos diante dos
canudenses, que parecem fundir-se à hostil vegetação local, conferindo-lhes
aspecto sobrenatural.
O livro do aclamado crítico literário narra as desventuras do fazendeiro
Bernardo de Vasconcelos, que, além de ter suas fazendas destruídas, tem sua
filha Maria raptada pelos membros da seita sebastianista, os também autores da
ruína de suas propriedades. Com o intuito de resgatá-la, Vasconcelos, com a
ajuda de alguns de seus subordinados e de integrantes da Igreja e do governo,
organiza uma comitiva que enfrenta uma árdua jornada pelo sertão nordestino
até adentrar Serra Formosa, onde ocorrem os rituais de Pedra Bonita. Ao longo
do trajeto, as personagens sentem-se amedrontadas e intimidadas. Tais
sentimentos exacerbam-se ainda mais à medida que se aproximam do local. É,
contudo, a partir da descrição do arraial de Pedra do Reino, sob a perspectiva
de Manuel Velho, feitor de Vasconcelos, que se condensa e se revela
explicitamente o medo sentido pelos indivíduos não sebastianistas diante do
movimento messiânico:
Dirigindo suas vistas para a esplanada, Manuel Velho, cujos cabelos erguiam-se sob o chapéu de couro, quase caiu agitado por uma convulsão que percorreu-lhe todo o corpo. Mil visões e avantesmas passaram-lhe pelos olhos. E o quadro não era para menos... Havia em tudo quanto o circundava um aspecto pavoroso, que crescia à proporção que se avisinhava dos rochedos. Entre estes, no fundo da tela, suspendiam-se, destacando-se do resto, duas gigantescas rochas quase iguais na altura, retas, separadas entre si por um mui pequeno interstício, que pela alvura assemelhavam-se a dois fantasmas envolvidos em amplas mortalhas. Por capricho do acaso acontecia que, ao tempo em que Manuel desembocava na esplanada, o globo prateado da lua, colocando-se por traz desses duendes de granito, cercava-os de uma espécie de auréola diáfana, esbranquiçada, projetando a sua sombra imensa até onde estavam os nossos observadores. (ARARIPE JÚNIOR, 1878, p. 60)
Ao se deparar com o povoado, Manuel Velho apavora-se de forma similar
a Emily quando esta contempla o castelo de Udolpho. Enquanto a heroína do
romance de Radcliffe possui uma disposição anímica sensível e frágil, o feitor da
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208 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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narrativa de Araripe Júnior mostra-se, porém, destemido, o que não o
impede de se horrorizar diante das duas pedras que, conforme os adeptos da
seita, seriam as torres da catedral enterrada. Aponta-se, pois, que o arraial de
Pedra Bonita é tão assombroso e ameaçador que, perante ele, os mais corajosos
feitores do sertão sucumbem. Para tal, o narrador, ao empregar vocábulos do
campo da morte e do sobrenatural, descreve as rochas como fantasmas e
duendes, cuja aparência ganha contornos mais aterrorizantes sob a luz diáfana
de um luar nebuloso, reforçando os aspectos sobrenaturais e soturnos do local.
Conforma-se, assim, um legítimo locus horribilis, que aguça o sentimento de
medo da personagem e, por extensão, do leitor.
Se n’O reino encantado, o povoado de Pedra do Reino é o principal locus
horribilis da trama, n’Os Jagunços, todo o sertão da Bahia recobre-se de
aspectos fúnebres, em especial durante os inúmeros embates travados entre os
canudenses e as tropas do governo, como se nota no seguinte excerto:
(...) Para os soldados havia qualquer coisa de estranho, ou de sobrenatural naquela subitânea e tremenda agressão. Em vão, seus olhos, depois de rápido encontro, muitas vezes corpo a corpo com o inimigo, pesquisavam o campo e penetravam perscrutadores na sombra das caatingas: tudo parecia silencioso e deserto. Nem o mais leve palpitar de asas de um pássaro alvoroçado vinha dar uma nota de vida à solidão; as próprias árvores, mudas e tristonhas, com as folhas de um verde tirante a amarelo; as próprias árvores, mesquinhas, de tronco rugoso e cinzento, como que estortegadas na luta contra a dureza e a sequidão da terra ingrata — soerguiam-se do solo com ar de desconfiança e de hostilidade. Toda aquela região deserta e morta, áspera e brutesca sacudia-se de repente vomitando tiros, derramando na força invasora o pavor do assombramento, e logo depois recolhia-se na mudez e na solidão. Já então os soldados viam por toda a parte sombras de inimigos; cada tronco parecia abrigar um poder invisível de agressão e de morticínio (...). A tarde ensanguentara o céu, e os raios do sol no declínio rasgavam as nuvens como longas espadas refulgentes. [...] A aproximação da noite, a ameaça da treva, criava na paisagem formas temerosas e levantava sons inauditos, que pareciam silvos de cobras, vozes de morcegos, ranger de ferro e pracatar de passos correndo. (ARINOS, 1898, p. 200-201)
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209 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
No momento da batalha com as tropas republicanas, os
membros de Canudos adquirem feições sobrenaturais, fundindo-se à própria
flora sertaneja, caracterizada como sorumbática e tortuosa devido à adversidade
do sertão baiano ao ser humano. Diante da região desconhecida, qualificada
como “deserta e morta, áspera e brutesca”, e do hábil jagunço, os soldados
republicanos apavoram-se e perdem a luta, cuja violência reflete-se na descrição
do crepúsculo com cor vermelho-sangue e com raios de sol cortantes. O
anoitecer traz ainda outras adversidades: a ameaça das trevas para os agentes
do governo, que se encontram em uma terra onde os sons dos animais acentuam
o caráter sobrenatural e atemorizante da noite, aguçando-lhes o instinto de
proteção: o perigo está em todo parte, porém não se pode vê-lo nem combatê-
lo.
Os movimentos messiânicos de Pedra Bonita e de Canudos adquirem,
portanto, nas escritas de Araripe Júnior e de Afonso Arinos, respectivamente,
aspectos tétricos e sombrios, despontando o sertão nordestino como um local
inóspito, sobrenatural e ameaçador. Presencia-se, pois, em meio ao calor
tropical das letras brasileiras, a composição do característico locus horribilis das
narrativas góticas e de paisagens do medo, em que os aspectos físicos e
concretos das localidades somam-se à reação das personagens e dos
narradores de forma a gerar e intensificar o medo como efeito de recepção.
Referências bibliográficas
ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. O reino encantado: crônica sebastianista. Rio de Janeiro: Tipografia da Gazeta de Notícias, 1878. ARINOS, Afonso. Os Jagunços: novela sertaneja. v. 1 e 2. São Paulo: O Comércio de S. Paulo, 1898. BOTTING, Fred. Gothic. 2. ed. London: Routledge, 2014. CUNHA, Euclides da. Os sertões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011 [1902]. FRANÇA, Julio. O sequestro do Gótico no Brasil. In: _____; COLLUCI, Luciana. As nuances do Gótico: do Setecentos à atualidade. Rio de Janeiro: Bonecker, 2017. p. 111-124. RADCLIFFE, Ann. The Mysteries of Udolpho. Oxford: University Press, 2008.
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210 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
STEVENS, David. The Gothic Tradition. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. TUAN, Yi-Fu. Paisagens do medo. Tradução de Lívia de Oliveira. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
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DIÁRIO DE LEITURA: UM ESPAÇO DE MEDIAÇÃO
Josué Rodrigues Frizon1
Mediadores de leitura, com pouca ou larga experiência, talvez muito já
tenham se questionado sobre seu trabalho com a mediação. Como formar novos
leitores? Quais os desafios e oportunidades que nós, educadores, temos em
mãos para contribuir no sentido de que nossos alunos tenham um
comportamento leitor? E ainda, como propiciar experiências de leitura literária
num universo tão vasto de tantos entretenimentos? Esses e outros
questionamentos sempre vêm à tona quando se tem o desejo de contribuir para
a formação social de nossos educandos por meio da literatura. No entanto,
sabemos que essa não é uma tarefa fácil e, ainda, não existe uma receita. O que
há são caminhos, descobertas e muito trabalho. Os resultados valem a pena e
possibilitam acreditar num futuro melhor. Já as reflexões nos dão perspectivas
para continuar “remando”, vencendo obstáculos e construindo.
Também, todo professor mediador provavelmente carrega consigo
experiências de sua trajetória enquanto aluno e profissional da educação.
Existem vivências que são guardadas para sempre, que são reproduzidas e,
mesmo em outro ambiente, em outro contexto, em outro tempo, continuam tendo
sentido. Ao mencionar isso, quero me referir a minha experiência enquanto leitor
em formação e também professor mediador de leitura. Nesse sentido, o trabalho
que ora apresento busca relatar a experiência de uma atividade de mediação
que foi realizada com 35 alunos de uma turma de 9º ano, do Colégio Franciscano
Cristo Rei, do município de Marau – no Planalto Médio do Rio Grande do Sul, no
primeiro semestre de 2017.
Sendo professor titular da disciplina de Língua Portuguesa e de Produção
Textual, e ainda realizando um trabalho na biblioteca escolar da instituição, o
meu objetivo na experiência foi verificar, através da criação de Diários, tipos de
leituras que eram realizadas pelos jovens alunos. O trabalho teve como meta,
igualmente, contribuir para a formação de novos leitores de literatura gaúcha,
1 Doutorando em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: [email protected].
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212 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
através das mediações realizadas na referida biblioteca. Isso pelo fato
de que se verificou, nas experiências anteriores enquanto docente em cinco
escolas públicas (estaduais e municipais) e privadas do RS, que o incentivo para
formar leitores de literatura regionalista pouco ocorria. Também, prezei em
continuar um trabalho iniciado quando da realização do meu Mestrado em
Letras, na Universidade de Passo Fundo – RS, cuja pesquisa analisou uma outra
experiência de mediação de leitura com vistas a contribuir para a formação de
leitores do escritor gaúcho Josué Guimarães.
Importante frisar que, ao pensar neste trabalho de mediação, tive como
base uma experiência pessoal, acontecida no período em que fui aluno na 6º
série de Ensino Fundamental, de uma escola também do interior do estado.
Naquele período tive uma experiência, proporcionada por uma professora
mediadora de leitura, que me marcou enquanto leitor em formação. A referida
professora criou com a minha turma um Diário de Leitura em que era possível
registrar, diariamente, anotações das narrativas lidas em casa e nas aulas. O
incentivo com relação ao hábito de leitura e do registro daquilo que se lê persistiu
ao longo do tempo e faz parte de minha prática enquanto docente.
Na experiência aqui apresentada e que agora envolve meus alunos,
ocorrida desde o início do ano letivo 2017, inicialmente foi proposto aos
educandos a produção de diários. A oportunidade deu-se através de uma
conversa bastante tranquila, em que ficou claro para os jovens que o objetivo
principal da atividade não era realizá-la para avaliação trimestral, para obtenção
de uma nota, e sim ter uma experiência diferenciada de escrita como produto
das leituras que faziam. De imediato a tarefa foi aceita e, assim, iniciaram-se as
visitas à biblioteca escolar onde começamos com as leituras compartilhadas de
contos da obra O cavalo cego, de Josué Guimarães. Foi elucidada aos
educandos a possibilidade de também, em seus diários, registrarem
considerações a respeito de séries, filmes, jogos, letras de músicas que mais
gostavam. Ou seja, o material não serviu apenas para o registro de suas leituras
em livros impressos. Assim, adentrei um pouco mais no universo particular de
cada um, tendo gradativamente maior percepção daquilo que era vivenciado por
estes. Além disso, busquei incentivar o hábito da escrita por parte do público-
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
alvo, esta que é também uma dificuldade comum para os docentes de
língua portuguesa.
O que contam os Diários de Leitura
A atividade de mediação de leitura ocorreu até agosto de 2017 e
possibilitou algumas constatações e reflexões. A primeira delas diz respeito à
diversidade de leituras realizadas pelos jovens estudantes. Sejam no meio
impresso, em tablets, em nootbooks, em celulares ou em outros aparelhos
eletrônicos, são muitos e variados os textos lidos, que vão desde livros sobre
séries de TV como The Walking dead até poemas de Fernando Pessoa. Harry
Potter e outras obras de vários volumes são registros frequentes. Mas não ficam
de fora letras musicais com autoria de Tom Jobim por exemplo, ou poemas como
os do gaúcho Mário Quintana. Isso, além do clássico O Pequeno Príncipe, de
Antoine de Saint-Exupéry e de obras de Clarice Lispector. Desse modo, verifiquei
que estão presentes no repertório leitor de grande parte dos educandos muitos
e variados tipos de leituras, que envolvem imagens, sons e culturas
diferenciadas.
Em relação à literatura regionalista - a não ser as já citadas leituras de
poemas de Mário Quintana - muito pouco era lido. Os registros sobre esse tipo
de literatura surgiram após as leituras compartilhadas, que eram realizadas na
biblioteca. Aliás, sobre estas, em específico sobre contos como O cavalo cego,
de Josué Guimarães, foi possível uma percepção, já evidenciada em outras
pesquisas por mim realizadas, de que os jovens gostam sobremaneira do
fantástico nas narrativas, atentando-se pouco para os aspectos que tratam de
questões históricas e culturais da nossa terra, do Rio Grande do Sul.
Outro dado significativo é o fato de que os registros se tornaram hábito de
um número significativo de jovens que participaram da mediação leitora. O
capricho e a organização foram evidenciados a cada recolha do material,
realizada por mim ao final de todo mês. Não raro, muitas ilustrações eram
criadas, representando obras, poemas e outras leituras realizadas. Também
partituras musicais, anedotas, fotografias, descrições, anotações sobre filmes,
pequenos textos sobre segredos juvenis e outros tantos registros ocorreram. Foi
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através da escrita de três alunas que conheci um pouco sobre o
aplicativo Wattped, onde estas escreviam e, para alguns de seus pequenos
textos, contavam com centenas de leitores. É esse um dado importante de ser
observado. É perceptível que a escrita, além da leitura, ocorre no meio digital e
parece ser atraente aos olhos dos adolescentes.
Há que se levar em consideração muitos outros dados deste trabalho de
mediação de leitura. Entre eles o fato de que eu, enquanto professor, durante as
leituras do material, nunca realizei intervenções escritas. O diário era de cada
um. Portanto, somente os educandos puderam escrever neles. Por isso, a cada
análise do material, era deixado um bilhete solto no meio do diário e endereçado
diretamente ao seu dono, procurando assim tecer comentários e fazer
observações sobre o que foi produzido. Isso, sempre no sentido de incentivar o
proprietário para que continuasse com os registros e fosse aos poucos criando
um comportamento leitor.
Como mencionado anteriormente, muitos aspectos são possíveis de
serem observados neste trabalho de mediação. Mais do que isso, acredito que
os resultados foram alcançados. Meus alunos passaram a escrever mais, a ler
mais, a conhecer um pouco da literatura gaúcha. A atividade, prevista para ser
concluída somente ao final do ano, teve de ser interrompida pois em agosto de
2017 saí da instituição. No entanto, “a semente foi lançada” mais uma vez. Oxalá,
assim como minha professora de 6ª série, eu também tenha plantado em meus
alunos o gosto pela literatura. Sobretudo pela literatura regionalista, tendo em
vista que considero ser importante para cada um de nós conhecer um pouco do
que se escreve sobre e na nossa terra.
REFERÊNCIAS
BORDINI, Maria da Glória; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998. 173 GUIMARÃES, Josué. O cavalo cego. 3. ed. Porto Alegre: L & PM, 2007. 146 p. NETO, José Castilho Marques. Políticas Públicas de Leitura e a formação de mediadores. In SANTOS, Fabiano dos; NETO, José Castilho Marques; RÖSING, Tânia M. K. (orgs.). Mediação de Leitura. Discussões e alternativas para formação de leitores. São Paulo: Global, 2009. p. 71-70.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tania M. K. Leitura e escola: velha crise, novas alternativas. 1. ed. São Paulo: Global, 2009. 229p.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO DO QUARTO NA CASA DE VALMARES E O TEMA DA PARTIDA: UMA PERSPECTIVA TOPOANALÍTICA DA OBRA O VALE DA
PAIXÃO, DE LÍDIA JORGE
Lasaro José Amaral1 Ozíris Borges Filho2
A obra O Vale da Paixão (2008), da autora Lídia Jorge, apresenta lugares
diversificados ao longo da narrativa, quando tomamos conhecimento sobre a
fazenda, a qual é descrita como um lugar hostil para todos os seus moradores,
o que gerou neles a necessidade de fuga. Isso porque, para além das
sentimentalidades experimentas dentro do espaço da fazenda, sobretudo, do
quarto, os preceitos familiares simbolizam o extremo autoritarismo, isto é, em um
ângulo menor, simboliza a sociedade ditatorial portuguesa da época, conhecida
como Salazadorismo.
Desta feita, a narrativa é ambientada nas décadas de 1950 até 1980 do
século XX e remonta ao contexto opressor da ditadura que vigorou naquele
tempo. O próprio chefe da família, Francisco Dias é uma representação de
Antônio de Oliveira Salazar. Do mesmo modo que este, o patriarca, no espaço
de seu domínio, impunha um sistema ditatorial pautado em ações de opressão
e censura aos seus, sendo a favor do crescimento econômico apenas para a alta
sociedade.
Assim apresentado, este trabalho objetiva analisar a espacialidade da
Casa de Valmares, visando, primeiro, a ambientação do quarto da narradora-
personagem não nomeada, a filha de Walter Dias e, segundo, o percurso
espacial dos demais familiares.
Walter, primogênito da família Dias, homem não se submetia às
imposições do pai e quase não gostava de trabalhar, inicia a narrativa visitando
a filha, em seus aposentos, na casa de Valmares, onde através da evocação de
lembranças, os acontecimentos são narrados. De acordo com Halbwachs (2003,
1 Mestre em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal de Goiás/ Regional Catalão.
Professor de Língua e Comunicação da Faculdade Cidade de Coromandel. L.E.M. Inglês da Escola Estadual Pedro Álvares Cabral. Contato: [email protected].
2 Doutor em Estudos literários. Professor do Programa de Mestrado em Estudos da Linguagem
da UFG/Câmpus de Catalão. Professor de Teoria da Literatura da UFTM. Bolsita PET. Contato: [email protected]
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
p. 157), “nosso ambiente material traz ao mesmo tempo a nossa marca
e a marca dos outros”. Nota-se que, junto à formação espacial, a personagem
traz à luz as próprias reminiscências junto às de seus parentes, narrando, assim,
os acontecimentos nada benéficos vividos naquele local.
É a partir do encontro no quarto que é dado seguimento ao curso da
narrativa. Tal local tem fundamental importância na história, assim como assinala
Bachelard (1989, p. 206):
Para evocar os valores de intimidade, é preciso, paradoxalmente, induzir o leitor ao estado de leitura suspensa. É no momento em que os olhos do leitor deixam o livro que a evocação do meu quarto pode transformar-se num limite de onirismo para outrem.
O quarto, do mesmo modo que casa, por ser, em geral, parte dela, pode
ser expressão legítima do eu da personagem, bem como elemento que leva o
leitor a um estado de conexão como texto. Por identificar-se com tal cômodo,
são acionados em ambos a sentimentalidade, a memória, o sonho, a intimidade.
De modo semelhante, Osman Lins (1976, p. 98)3 afirma que “[...] o espaço
caracterizador é em geral restrito — um quarto, uma casa — refletindo na
escolha dos objetos, na maneira de os dispor e conservar, o modo de ser da
personagem”. Nessa esteira, Borges Filho (2007, p 35) pontua que é função do
espaço literário “[...] caracterizar as personagens, situando-as no contexto sócio-
histórico e psicológico em que vivem.” (BORGES FILHO, 2007, p. 35).
Desta feita, na narrativa aqui analisada, o quarto é elemento identificador,
pois é formado a partir de uma estreita relação com as características das
personagens. Sua ambientação é feita ao mesmo tempo em que são trazidos à
baila a memória, a identidade e o imaginário, seja do leitor ou personagem,
conforme se lê:
Como na noite que Walter dias visitou a filha, de novo os seus passos se detêm no patamar, descalça-se rente à parede com agilidade duma sombra, prepara-se para subir a escada, e eu não posso dissuadi-lo nem detê-lo, pela simples razão, de que
3 Referimo-nos aos conceitos presentes na obra, Lima Barreto e o espaço romanesco, de Osman Lins (1924-
1978), publicado no ano de 1976, na qual é dado um tratamento teórico metodológico ao espaço literário.
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desejo que atinja o último degrau, abra a porta sem avisar e entre rapidamente pelo limiar apertado, sem dizer uma palavra. E foi assim que aconteceu. Ainda o tempo de reconstituir esses gestos não tinha decorrido, e já ele se encontrava a meio do soalho segurando os sapatos com uma das mãos. Chovia nessa noite distante de Inverno sobre a planície de areia, e o ruído da água nas telhas protegia-nos dos e do mundo como uma cortina cerrada que nenhuma força pudesse rasgar. De outro modo, Walter não teria subido nem teria entrado no interior do quarto. (JORGE, p. 9)
É possível dizer que aí forma-se um ambiente, termo esse que, segundo
a teoria da Topoanálise de Borges Filho (2007), designa o grau de afinidade,
benéfico ou maléfico, entre a personagem e o espaço, isto é, “[...] a soma de
cenário ou natureza mais a impregnação de um clima psicológico” (BORGES
FILHO, 2007, p. 50).
Note-se que a filha espera o pai, Walter, no quarto escuro, o qual para se
ter acesso, era necessário subir uma escada edificada entre paredes estreitas e
passar por um corredor tortuoso, de difícil acesso. O cenário alinha-se à
sentimentalidade de ambos, pois é caracterizado como escuro, frio, tortuoso,
lembrando o que oprime e o que reprime, ainda estando envolto por um clima de
mistério e suspense.
Do quarto para o mundo a fora
De acordo com o que poderemos ver adiante, a questão da partida está
presente na diegese quando, após engravidar, a personagem de nome de Maria
Ema não quer assumir o filho de Walter. Este, por sua vez, vai para a Índia servir
seu país nas forças armadas. Enquanto isso, para não macular o nome da
família, a figura paterna, Francisco Dias, impõe ao outro filho, o mais velho,
Custódio, que se case com a moça e honre o sobrenome Dias. Desse modo, se
expressa o máximo autoritarismo e a necessidade de seguir normas de formação
familiar e sociais, seguindo naquele círculo familiar um rígido regime ditatorial.
Sem dúvida, ao forçar um matrimônio indesejado, Francisco Dias coloca o filho
mais velho numa situação deveras incômoda, já que não era ele o verdadeiro
pai da criança. A partir dessa abusiva expressão de poder, os demais filhos, um
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a um, deixam a propriedade para viverem em outros lugares
longínquos e não mais regressam.
Todavia, antes que isso viera a acontecer, Francisco Dias conduzia os
afazeres da propriedade utilizando-se de mão de obra caseira, uma vez que,
naquele momento, conseguia manter todos, menos Walter, sob seus comandos.
Ele conhecia o filho que Deus lhe tinha dado. Ele não acreditava que Walter fosse o primeiro a espadeirar, o primeiro a zurzir, o primeiro a rastejar e cambalhotear. Era a força do desenho, era isso que ele acreditava que estivesse na base do reconhecimento traduzido na tirinha de pano que fizera dele um cabo. (JORGE, 2009, p. 77).
Após a partida de Walter para servir nas forças armadas, Francisco vai
até o quartel na expectativa de que o filho não tenha prestado bons serviços no
ambiente militar, por almejar leva-lo de volta à Valmares. Isso porque, na lida do
dia a dia com as coisas do campo, o primogênito dos Dias não era obediente
nem muito menos responsável. Porém, o patriarca, ao deparar-se com o superior
de Walter nas forças armadas surpreende-se e é informado de que o filho é um
dos melhores soldados daquele quartel, sendo designado a servir na índia.
Assim, “O mistério da ascensão de Walter, num local para onde o mandara a fim
de ser punido, fazia-o cismar em manobras escuras” (JORGE, 2009, p. 77).
Contudo, o filho não havia feito nenhuma manobra obscura ou de índole
duvidosa, sendo este um paradoxo a se pensar, pois o rapaz, servindo o país,
dentro de um ambiente militar que por si só costumava ser rígido e severo,
sentia-se livre, direito que lhe era cerceado em casa.
Depois de servir o país na Índia, junto aos “trotamundos”, como eram
chamadas pelo pai as pessoas que partiam para lugares diversos a fim de buscar
conhecimento e crescimento econômico. E, de fato, o filho mais novo o alcança
e, diversas vezes, volta para Valmares como um homem bem-sucedido,
podendo ser exemplo para que os irmãos seguissem os passos dados por ele.
No entanto, para Francisco Dias, na lógica da própria ditadura, sua prole deveria
ser mantida sempre sobre domínio, então, via com maus olhos a ascensão de
Walter, sendo este uma má influência para os demais irmãos, já que isso poderia
motivá-los a também partir.
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O espaço da fazenda de Valmares não propiciava esse tipo de
crescimento aos filhos de Francisco Dias, já que todos eles passavam quase
despercebidos diante da figura turrona e espinhosa do pai. Isso culminou na
necessidade dos irmãos de Walter Dias buscarem a subsistência em outros
lugares, dentro ou fora de Portugal, país no qual é descrita a propriedade da
família, conforme bem figura o excerto:
Aliás, eles não existiam diante de Francisco Dias. Só à medida que anunciavam que iam partir começavam a ter singularidade na casa, a ter identidade própria diante do pai, saíam do molho, do bando produtivo, da brigada de trabalho que formavam, para serem pessoas identificadas. [...] Ao contrário dos outros camponeses que faziam da partida alguma coisa que se assemelhava a uma festa com seu laivo funeral e de fanfarra, os Dias saíam sem rumor, sem avisar. (JORGE, 2009, p. 86)
A partida dos irmãos de Walter Dias era inevitável à medida que todos
percebiam que poderia haver, fora daquele contexto forçosamente disciplinado,
autoritário e ditador, uma vida mais leve, mais branda e com possibilidade de
crescimento. Sendo assim, ainda que enfrentassem dificuldades fora do recinto
de Valmares, os filhos de Francisco insistiam em partir e não voltar, sequer para
herdar um pedaço da propriedade. De um a um foram saindo sem avisar, não
por medo, mas por não terem interesse de dar satisfação sobre para aonde
partiam. “Os Dias libertavam-se do pai como coelhos. Silenciosos e rápidos
como as lebres nos sonhos. Libertavam-se” (JORGE, 2009, p. 87). E seguiam
concretizando o sonho de serem libertos de qualquer ato de autoritarismo, de
escapar dos tempos de trabalho duro na propriedade de Valmares, assim como
a sociedade da portuguesa da época lutava por desatar as amarras do sistema
ditatorial, o qual lhes era submetido. Na fazenda, apenas o filho mais velho,
Custódio, permaneceu, sustentando o sonho do pai de sempre aumentar a
produtividade e fazer riqueza. Como se vê, a ideia de partida está presente em
toda a narrativa de Lídia Jorge.
Outrossim, de uma forma muito peculiar, cabe enfatizar que, por todos os
lugares pelos quais Walter passa ele envia desenhos de pássaros para sua
filha/sobrinha cujo nome não é descrito no texto. Segundo o ideal que movia os
‘trotamundos’, “o mundo é grande, mas há sempre aqueles que se apegam a um
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lugar”, mas Walter não era assim, pois tinha em mente que. “Em todo
lugar se pode viver, desde que se possa partir para o local seguinte” (JORGE,
2009, p. 111).
Com efeito, o protagonista, com espírito e modo de ser livres, representa
a não aceitação a imposições autocratas injustas, mas também simboliza a
esperança, pois ao não se submeter aos desmandos de seu progenitor, teve a
oportunidade de crescer de maneira independente e de mudar o seu destino.
Considerações Finais
Como foi possível perceber, no que se refere à ligação entre as memórias
e os espaços, o lugar restrito vai se ampliando, sendo de lá descritos os locais
externos para os quais as personagens vão abrindo-se a uma vida livre, fora dos
limites do quarto, bem como da fazenda. Assim, impulsionados pela rede de
relações entre personagem, memória e espaço, os deslocamentos,
representados via tema da partida desempenham um papel basilar na trama.
Referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1989. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura - introdução a Topoanálise. Franca, São Paulo: Ribeirão Gráfica e Editora, 2007. JORGE, Lídia. O vale da paixão. 6. ed. Alfragide: Dom Quixote, 2009. HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2003. LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O LISRISMO DO LUGAR NA POÉTICA DE LIDIANE NUNES
Lídia Sacramento de Souza1 Maria das Graças Meirelles Correia2
INTRODUÇÃO
A definição de lugar pode ser vista primeiramente a partir da etimologia da
palavra que do latim locális, de locus designa “espaço ocupado, localidade,
posição”. Além disso, pode referir também a povoação, localidade, região e país.
Maciel e Lima compreendem a paisagem física como:
Um sistema complexo composto de rochas, depósitos superficiais, relevo, solos, plantas, animais e sociedade e que a mesma vem passando por permanentes transformações espaciais e temporais em função da dinâmica do processo. (MACIEL; LIMA, 2011, p.169).
Não obstante, Milton Santos (2007) compreende a paisagem como objeto
social. Afirma que a paisagem não é fixa e tampouco imóvel, pois, a partir do
momento em que a sociedade entra em processo de mudança, a política, a
economia e as relações sociais também modificarão, sendo que cada um em
seu ritmo. Para Santos (2007, p.57), os lugares são combinações localizadas de
variáveis sociais. A partir daí, afirma que a sociedade produz paisagens e que,
ao lado das formas geográficas e da estrutura social, deve-se considerar os
processos que levam a energia social a transmudar-se em formas. Neste
sentido, afirma:
A paisagem, assim como o espaço, altera-se continuamente para poder acompanhar as transformações da sociedade. A forma é alterada, renovada, suprimida para dar lugar a uma outra forma que atenda às necessidades novas da estrutura social. (Santos, 2007)
Nos textos literários, a paisagem se constrói em volta da perspectiva de
mundo criada pelo indivíduo (no caso, o autor), através da escrita. Deste modo,
1 Estudante de Eletromecânica no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail: [email protected]; 2 Professora EBTT do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),
campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail:
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
em cada texto, o autor apresenta reflexões estéticas e culturais
mediadas por suas experiências coletivas e individuais em relação ao meio
paisagístico em consonância com o espaço social. A natureza, na escrita, pode
se referir a vários sentimentos como, por exemplo, as estações do ano que
simbolizam, metaforicamente, na literatura, um estado emocional. O inverno e o
outono trazem perspectiva de morte e infelicidade, enquanto a primavera e o
verão, ao invés, remetem a noção de vida e felicidade.
Nesse sentido, a pesquisa O lirismo do lugar na poética de Lidiane Nunes,
compreende estruturar o modo como o eu poético representa o lugar sob o
paradigma da homologia, utilizando-o para apontar sentimentos a partir dos
elementos da paisagem. O espaço físico será desreferencializado no momento
em que o sujeito se materializa neste espaço. De modo ilustrativo, neste
trabalho, será apresentada uma proposta analítica dos poemas “Fronteira”
(NUNES, 2013, p. 20) e “Metamorfose” (NUNES, 2013, p. 51). Os dois
apresentarão o lugar enquanto paisagem física e logo após, este será
transfigurado para o estado sentimental em que se encontra o indivíduo.
A realização da pesquisa foi possível pela participação no projeto de
extensão Oxe: literatura baiana contemporânea cujo foco principal é a leitura, o
estudo e a pesquisa de autores baianos. Por meio das ações do projeto, houve
o contato com as obras de Lidiane Nunes que foram lidas de modo a perceber
um tema que se destacasse e pudesse ser estudado. Com a proposição do tema,
representações do espaço como objeto para a construção de textos poéticos,
buscou-se identificar referenciais teóricos que pudessem auxiliar na análise dos
poemas. Além da seleção teórica sobre o tema, foram lidas e discutidas obras
de teoria da análise poética. Ambas embasaram a pré-seleção de poemas para
compor o corpus de análise. A definição do corpus para compor este trabalho
ocorreu após leituras dos textos literários da escritora e sessões de orientação.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O espaço como sendo homólogo ao eu poético e a transfiguração da
paisagem física para o lugar não físico serão aspectos comuns encontradas nos
dois textos, de modo que ambos apresentam elementos que se relacionam. O
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poema “Fronteira” remete a duas condições de espaço: o denotativo e
o conotativo. O texto apresenta um lugar físico como a condição espacial
socialmente construída, limite para que o indivíduo adentre outros espaços.
O termo utilizado no título remete a uma paisagem física e, ao mesmo
tempo, a uma paisagem não física. Fronteira refere-se a um limite entre dois
lugares geográficos distintos, mas, no poema, o lugar constitui-se, em verdade,
em ausência tópica, configurando-se, pois, em lugar nenhum. Assim, o poema
aponta a impossibilidade de materializar o limite de um não lugar.
Nos primeiros versos, o eu lírico parece se representar com os olhos
fechados diante do mundo e, ao sofrer uma transformação, retoma à
racionalidade. A partir deste momento, a fronteira, antes física, se transforma em
metáfora para se referir ao estado sentimental do eu lírico, o qual, agora se
encontra em extremos de angustias e frustrações. A fronteira se constitui, no
decorrer do texto, como condição de deslocamento do eu lírico diante do mundo.
Ainda nos primeiros versos, aparece uma ambiguidade referente ao termo
“abismo”, que, do grego abyssos significa sem fundos, precipício, profundeza.
Socialmente, estar no abismo pode remeter a uma situação de desespero.
Conforme o texto, o termo é usado em acepção negativa; o eu lírico apresenta
estado de abatimento e se encontra sem perspectiva em relação ao futuro. A
expressão “está no abismo” remete a situações sociais limites como a perda de
emprego, endividamento, doenças incuráveis, situações cuja resolução dos
problemas não são fácies. Assim, alguém em tais situações pode ser
considerado entre o nada e o abismo. Contudo, no poema, o que faz o sujeito
estar no limite entre um espaço e outro é o sentimento melancólico.
Nesse sentido, mais uma vez, o leitor se depara com um jogo de
contrários: o poema estabelece dissonância entre lugar físico e pulsões
sentimentais: estar entre o nada e o abismo é enfrentar uma circunstância
insolúvel. O eu lírico busca marcar o desconforto existencial por meio de
construções metaforizadas da paisagem.
“Abro os meus olhos e estou entre o nada e o abismo, naquele não-lugar,
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o lugar nenhum.[...]”
A última parte do poema traz a ideia de enraizamento, da impossibilidade
do eu lírico se mover. Os versos denotam a dificuldade que o indivíduo tem de
se estabelecer mediante as inúmeras situações que perpassam o dia-a-dia. A
vida aprisiona o eu lírico, fazendo-o continuar estático, mesmo que tente se
libertar da condição de suposta infelicidade:
“[...] Estou aqui, exatamente aqui e não faço ideia de como sair.”
Pode-se observar que o poema inicia com a ideia do espaço físico e logo
após se transfigura para o lugar não físico. Esta transição ocorre no momento
em que a voz lírica se inscreve enquanto matéria. Nesse sentido, pode-se
destacar que o não-lugar só aparece por causa do eu poético.
O poema metamorfose se constrói no início, a partir de um espaço físico
que, neste caso, é a paisagem. O símbolo da lagarta e da borboleta são o que
caracterizam o lugar aparente no texto.
Nas duas primeiras estrofes, a voz lírica revela os aspectos dos animais
representados, sendo que as inferências se inscrevem na forma denotativa, de
modo a comprovar a existência do espaço físico no texto.
Ainda nos primeiros versos, pode-se perceber a condição antagônica
entre a lagarta e a borboleta.
Enquanto a primeira designa feiura, na posição de um animal que se
rasteja e semelhante a um verme, a borboleta, de forma contrária, transmite a
ideia de beleza, leveza e liberdade:
“A lagarta rasteja, Prisioneira Da natureza A borboleta voa Liberta, Ganha os mares. [...]”
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O eu lírico refere-se à lagarta e à borboleta como se fossem
seres distintos. O inseto antes da fase adulta era lagarta, mas, a partir de uma
transformação biológica – a metamorfose –, torna-se borboleta.
Nas últimas estrofes, o espaço antes físico se converte agora para figurar
o estado sentimental, onde está o eu lírico. Este sentimento de não
pertencimento e de deslocamento diante do mundo.
A lagarta e a borboleta, expressas nos últimos versos, serão vistas agora
como condições opostas. A lagarta se refere ao aprisionamento do ser perante
à vida e também aquele que vive cheios de angústias e infelicidade. A condição
de borboleta é totalmente inversa: refere-se ao sentimento de alegria, liberdade
e contentamento do ser.
No poema, o eu lírico está diante de duas circunstâncias, porém entre ser
lagarta ou borboleta, consegue ser apenas a crisálida, ou seja, a casca. Por sua
vez, a casca, ao mesmo tempo em que pode simbolizar o lugar que contém a
potencialidade do ser, também se refere ao nada, porque após a lagarta se
transformar em borboleta, a casca não terá mais função. O fato de a crisálida ser
o lugar onde o inseto não se move denota a imobilidade do eu lírico à condição
de não conseguir se deslocar para outro espaço.
A casca, no poema, apresentar-se-á como espaço transitório entre a
lagarta e a borboleta. No momento em que o eu lírico se intitula como casca,
afirma se encontrar no limite entre uma coisa e outra, neste caso a fronteira,
remetendo ao poema anterior.Pode-se ainda perceber que o espaço
denominado casca constitui-se não-lugar. Sendo assim, do ponto de vista social,
a existência indeterminada deste espaço permitirá que a voz lírica surja.
[...]E eu, Que não nasci lagarta Nem borboleta, Sei apenas ser casca.
Nestes termos, pode-se constatar que o poema se constrói,
primeiramente, a partir de um lugar físico e, logo após, se transfigura para o
sentido conotativo, representando, pois, o eu lírico como inserido na incerteza
de um não lugar. O instante da transição do espaço físico para o não físico já se
encontra demarcado desde do título: metamorfose. Palavra que provem do latim
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metamórṗhosis que, do vocábulo grego, significa transformação.
Assim, o título do poema, por si só, remete a ideia central que será abordada em
todo o texto literário.
CONCLUSÕES
O lugar enquanto paisagem física presente em ambos os textos será
utilizado como pressuposto metafórico para a constituição da voz lírica que se
inscreve no poema. O espaço será apresentado, primeiramente, de forma
denotativa e logo depois será transfigurado para uma condição conotativa, que
se refere ao estado sentimental de melancolia, abatimento e de deslocamento
do eu lírico diante do mundo.
O indivíduo se encontra entre o espaço físico e o não físico. A partir daí, o
lugar se transforma no não lugar, que se apresenta à medida que a voz lírica se
materializa no espaço. O local em questão é chamado de espaço social e sofre
constantes transformações, porém o indivíduo não consegue se desprender de
um determinismo para acompanhar as transformações e, por isso, permanece
estático e dinâmico.
A representação da paisagem como pressuposto metafórico para a
constituição da voz lírica que se inscreve nos poemas não aparece somente
neste corpus de poema, mas em outros textos do livro Aquela Mesma Paisagem
(Kalango, 2013). A própria capa já remete ao tema do trabalho, a qual traz a
construção de uma paisagem física com sua imagem sendo refletida no lago
para dar ideia ao título do livro.
Sendo assim, por meio desta perspectiva, a condição do sujeito poético
extrapola o plano individual e se coletiviza, na medida em que os sentimentos do
EU entram em consonância com o ambiente externo ao sujeito.
REFERÊNCIAS
ALVES, Idá. Em torno da paisagem: literatura e geografia em diálogo interdisciplinar. Revista da Anpoll, nº 35, p. 181-202, Florianópolis, Jul./Dez. 2013.
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MACIEL, Ana Beatriz Câmara, Lima, Zuleide Maria Carvalho. O Conceito de paisagem: diversidade de olhares. Natal: sociedade e território, 2011. V. 23, nº 2, p. 159-177. BORGES FILHO, Ozíris; LOPES, Ana Maria Costa; LOPES, Fernando Alexandre (Org.). Espaço e literatura: perspectivas. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. 220 p. NUNES, Lidiane. Aquela mesma paisagem. Simões Filho: Kalango, 2013. 72p. ROSSONI, Igor. Transfiguração poética do espaço em Guimarães Rosa e Manoel de Barros. Feira de Santana: UEFS Editora, 2016. 157 p. SANTOS, Milton. Pensando o espaço do homem. 5. ed. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007. 96 p.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO E O TEMPO NA POÉTICA DO CORPO NA OBRA DE SANDRO ORNELLAS
Lidiane Sacramento de Souza1 Maria das Graças Meirelles Correia2
INTRODUÇÃO
O corpo é um objeto de arte que emite sensações, emoções, afetos,
percepções; fala por meio de comunicação espontânea. Assim, não apenas no
teatro, na música e dança o corpo é usado na composição do objeto artístico.
Nas artes gráficas e visuais, observa-se o uso de um corpo que ativa a
composição do produto da arte. Este pressuposto vale também para a literatura
que pode ser compreendida como tradução expressiva que, por meio do signo
verbal, expõe percepções do corpo e sinaliza sua inscrição no mundo,
externando, assim, a visão do autor para os leitores. Por meio do tema, poetas
e escritores, consequentemente, deslocam-se de uma perspectiva individual
para uma dimensão externa e coletiva.
A partir das percepções emitidas pelo corpo, há duas concepções distintas
que se entrelaçam na relação corpo x espaço, ou seja, o interior, como espaço
de inscrição, é entendido como corpo sujeito, aquele situado no espaço cujas
percepções externas também é espaço de inscrição. Assim, o corpo objeto é
aquele que ao ser submetido como espaço registrará formas de percepções do
espaço nele próprio. Nesse contexto, a pele será fronteira entre espaço exterior
e espaço interior, sendo, pois, a passagem comunicativa entre o espaço interno
e o externo.
O corpo situado na esfera social é entendido como objeto de
representações em que cada experiência, cada acontecimento, cada
comunicação se inscreve como marca do outro. Nesse contexto, se constituem
padrões de beleza pelos quais um corpo é julgado, comparativamente a outro, a
1 1Estudante de Eletromecânica no Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail: [email protected]; 2 Professora EBTT do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA),
campus Santo Amaro, coordenadora do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. e-mail:
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partir da aparência externa. Essa idealização do belo é reconstruída
temporalmente e tais discussões voltadas para a questão da estética considera-
se o corpo feminino, deixando o corpo masculino em segundo plano.
Nesse sentido, o presente artigo objetiva discutir a presença do corpo
físico no espaço e o corpo como espaço em textos líricos, a partir da
compreensão de seu uso como matéria para a criação artística. Por conseguinte,
fundamentado nos pressupostos teóricos de Henrri-Pierre Jeudy, Deleuze e
Guattari, discute-se a utilização do corpo como objeto de arte em diversas áreas,
tomando como foco a literatura. Assim, o trabalho visa analisar a perspectiva do
corpo pensado como categoria sociocultural onde o sujeito se inscreve, tanto
como instrumento ativo que age no espaço quanto elemento passivo que, uma
vez ocupando espaço sociocultural, sofre as ações do tempo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O poema “Agonites” apresenta aspectos relativos à imagem produzida
pelo corpo que se inscreve no espaço e no tempo. A ideia de um corpo que se
prepara para enfrentar o cotidiano. O título aponto visão geral do contexto
poético, pois o significado do termo “agonistes” remete a concepções que se
associam: agonistes como substância que estimula a ação do corpo e como
acepção de um músculo que responde a movimentos voluntários e involuntários.
Esses significados reforçam a ideia de que o corpo material se inscreve no texto
como matéria para a composição do poema de Sandro Ornellas. Nesse sentido,
é como se o corpo do escritor transpassasse para se escrever, possibilitando
encenar o próprio corpo escrito.
O significado do termo remete à aparição do corpo como sujeito, pois
agonistes, em outra acepção dicionarial, significa ainda indivíduo engajado em
um conflito, desafio ou competição que, neste caso, implica o uso do corpo físico.
Esse vocábulo aponta para uma flexão do verbo agoniar, cujo efeito sensorial
remete a um sentimento comparado a intensa dor ou sofrimento longo e profundo
presente no momento que antecede à morte (agonia é o conjunto de fenômenos
que anunciam a morte; do grego agonia = luta; entende-se luta “contra a morte”).
Assim, a leitura do poema remete a apercepção do eu lírico relativos aos
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processos de decrepitude do corpo que, por si, remetem à consciência
da morte. Neste sentido, o poema se refere ao corpo de modo ambivalente:
sujeito e objeto. O corpo sujeito toma a ação do mundo, ou seja, aquele que se
preocupará com as transformações do próprio corpo, tornando-se dessa
maneira, objeto de representações. Nesse contexto, Jeudy (1998) diz: “[...] Para
pensar na morte de meu próprio corpo, sou obrigado a me situar como sujeito
que observa um objeto (meu corpo) destinado a desaparecer [...].”
Socialmente, a ideia de beleza está voltada para a juventude do corpo que
deve demonstrar ser sensual, exuberante e atraente. Tal conceito se torna
subjetivo ao perceber que a construção do belo está relacionada com o tempo,
cultura e localização do corpo sujeito. A concepção de beleza está muitas vezes
fincada na condição da comparação: é estabelecido um símbolo de beleza
através de concursos de beleza, aparições midiáticas e vários outros métodos e,
a partir daí, as pessoas se comparam a esse símbolo. Esse comportamento leva
à busca desmensurada pela perfeição aparente do corpo, através das clinicas
de estéticas, maquiagem, cosméticos, pílulas, sorrisos falsos. Segundo Jeudy
“as caretas, os sorrisos, as maquiagens e outros cosméticos não mudarão muito
a imagem refletida”, esse corpo sujeito pode até se imaginar da forma que
desejar, porém, ao se deparar com o espelho – entendendo-o como tirano – as
marcas do espaço do corpo serão evidenciadas, mostrando o estado que
presentifica o transcurso do passado.
No início do poema traz a perspectiva do corpo sujeito, apontando as
transformações que o espaço corpóreo sofre pelo transcurso de tempo. Essa
situação implica no ato de barbear-se. A barba, para os homens, possui vários
significados simbólicos e valores sociais, culturais e religiosos. Muitos homens
optam em deixar a barba crescer como estratégia para atrair o sexo oposto;
outros aderem à moda que se destaca a cada 30 anos; há, ainda, aqueles que
usam barba por questões de estilo. Quando os homens não possuem pelos no
rosto, esse fato pode estar relacionado a falta de hormônio masculinos suficiente
para o desenvolvimento de pelos no corpo, a questão do gosto por essa estética
facial masculina, entretanto a maior parte dessa circunstância está relacionada
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
com a ideia de juventude, estar com o rosto sem pelo implica na alusão
de estar com a “cara de bebê”, estar com aparência jovem.
Simbolicamente, na sociedade, a barba dar ao homem uma aparência
sexy, serve para afirmar a masculinidade, a virilidade e confere “status social”,
além de atribuir uma feição de responsável, maduro, experiente e velho. Assim,
a barba, no poema, de modo metonímico, revela a percepção do sujeito lírico da
perecibilidade do corpo. Então, se a matéria é irreversivelmente perecível, de
que adianta os excessos de cuidado e a fascinação demasiada por questões
estéticas?
Os versos iniciais sinalizam, através do sarcasmo implícito, uma ruptura
com a noção de beleza, como exemplo temos o quarto verso: “dentes tortos”, os
dentes traduzem a qualidade da saúde física e emocional do indivíduo e o
adjetivo que acompanha a palavra reflete para a desmitificação dos padrões de
beleza impostos pela sociedade.A partir dessa ideia, Jeudy entende que:
[...] A variabilidade da ideia de beleza – e consequentemente dos critérios estéticos – liga-se, em particular, à multiplicidade dos modos de percepção do corpo. Ela não é redutível a um relativismo do Belo, apoiando-se, ao contrário, na própria determinação da percepção. O que um indivíduo considera belo não o é necessariamente para qualquer outra pessoa. A ideia de beleza depende tanto das convenções quanto da soberania do sujeito e da arbitrariedade de suas escolhas [...].
O sorriso remete a uma ironia, como se todo o disfarce vindo da “obsessão
cotidiana do estetismo” para cobrir as marcas do tempo não fossem suficientes,
sendo que a única “coisa” que pode retardar o envelhecimento seria algum
milagre divino:
preparo pele pressa e gilete enquanto dentes tortos sorriem outra espécie de prece:
No decorrer do poema, há uma descrição do ato de se afeitar, marcando
a ação do tempo sobre o corpo. Há, ainda, referência a outras características
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físicas, como a perda do cabelo que também sinaliza a condição de
envelhecimento e transcurso de tempo.
barba crespa cabelos ralos na calva, navalha raspando pêlos do pescoço:
Os versos a seguir descrevem o objeto principal para o fazer da barba e
o termo “trilhos” remete ao caminho aberto na pele do corpo, enquanto objeto,
pela lâmina que o percorre. A maneira como o corpo sujeito tem de voltar ao
tempo que ocorre por meio da rememoração dos processos sinestésicos aos
quais foi submetido na noite anterior. No período noturno, o corpo esteve
submetido a processos lúdicos: o prazer sexual, encetado pelo termo “coito”; a
ludicidade do encontro sexual, expresso em “risos” e o esforço físico que implica
o sexo, externado pelo termo “suores”. Mas, a partir do momento em que o dia
amanhece, o eu lírico depara-se com a realidade: ao corpo, serão ofertadas
sensações diferentes dos elementos lúdicos da noite. Tal interpretação se baliza
nos versos “as lâminas do dia devolvendo às superfícies [no caso, as superfícies
da pele que suou à noite] o mais direto e ríspido sentido”. Pelo termo “lâminas”
é possível assentir – denotativamente – que seu uso traz a noção de
envelhecimento e a consequente percepção das transformações advindas pelo
tempo.
Daí, a lâmina, de modo simbólico, aponta para a renovação e o
rejuvenescimento do corpo.
o aço e o brilho dos trilhos na pele do coito noturno suores risos e as lâminas do dia devolvendo às super- ficies o mais direto e ríspido
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sentido.
Uma vez que a pele é considerada o invólucro do corpo, sendo ela
“apenas uma superfície de registro dos sinais da aparência” (idem), nos versos
finais, a presença do muro remete a essa perspectiva da pele; uma pele que
perdeu a vivacidade com o passar dos anos, com o passar das estações e a
atual condição física traz, mais uma vez, o sentido da morte, que se esconde por
detrás dos novos dias. O termo “maravilha”, presente no texto, é irônico, pois a
água, de modo geral, é simbolicamente representada como renascimento e a
partir da imagem, a chuva desbotando os muros, pode-se perceber a contradição
no sentido simbólico do termo.
e dos muros desbotados pela chuva dos verões formam-se as tantas maravilhas mortais por detrás de cada novo dia
Pode-se constatar em “Agonistes” que o corpo físico aparece como
subterfúgio para o sentimento, para o pensamento e para a reflexão. Evidencia
a construção da linguagem poética por meio da inscrição de corpo físico. Assim,
a poesia é percebida por intermédio de um corpo material, da ação possível
sobre esse corpo e da ação do mesmo sobre o mundo.
CONCLUSÕES
As estratégias de representar o corpo na poesia afastam-se de um modo
mais conservador de escolher as temáticas, visto que, em geral, o corpo aparece
trazendo a ideia da intelectualidade ou sentimento, resvalando, pois, a
corporeidade material a segundo plano. Por sua vez, nos poemas de Sandro
Ornellas, a parte material desse corpo-matéria é o assunto focal para a
composição poética. Nessa perspectiva, o poema do autor estabelece uma
relação entre o espaço e o tempo a partir do corpo sujeito e do corpo objeto,
neste estudo referido pelos termos “corpo no espaço” e “corpo como espaço”. O
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
corpo mostra-se como sinalizador do tempo, onde ficam registrado
aspectos que reafirmam a perecibilidade da matéria. De modo irônico, Ornellas
traz aspectos corporais que rasuram padrões de beleza instituídos para mostrar
que a condição de decrepitude é inevitável, mesmo com a adoção de métodos e
procedimentos para recuperar o corpo. Assim, fatores que compõem o espaço
físico, local onde está situado o corpo sujeito, também contribuem para a
decadência física uma vez que o corpo é espaço para guardar as marcas do
tempo.
Além de “Agonistes”, em vários outros poemas de Ornellas aparecem a
inscrição do corpo que escreve e se inscrevem, literal e metaforicamente, no
tempo e espaço que o cerca. Nestes termos, conclui-se que a poética de
Ornellas evidencia, por intermédio da função metalinguística, o fato de a poesia
ser escrita pelo corpo, para o corpo e com o corpo.
REFERÊNCIAS
FILHO, Domício Proença. A Linguagem Literária - 2. ed. – Ática, 1986. JEUDY, Henrri-Pierre. O Corpo como objeto de artes – São Paulo: Estação Liberdade, 2002. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso Literário- 2. ed. – São Paulo: Contexto, 2012. ORNELLAS, Sandro. Trabalhos do Corpo: e outros poemas físicos – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2007. SILVA. Fernando Manuel Machado Arnaldo Pinto da. Da Literatura, do Corpo e do Corpo na Literatura: Derrida, Deleuze e monstros do Renascimento. ed..: Évora, 2007. 233 p. Disponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/silva_fernando_machado_da_literatura_do_corpo_e_do_corpo_na_literatura_derrida_deleuze_monstros.pdf>. Acesso em: 06 nov. 2017.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O ESPAÇO NA NARRATIVA INFANTO-JUVENIL DE MAYRANT GALLO
Lívia Eduarda Oliveira de Araújo1
Maria das Graças Meirelles Correia2
Introdução
O espaço é definido como um conjunto de signos que produz efeitos de
representação, conforme apontam estudiosos do tema, a exemplo de Jean Tadié
(1978, apud BORGES, 2015). Dentre as representações admitidas, a análise
aqui edificada se atém às construções dos signos produtores do espaço dentro
da narrativa. Em suma, sabe-se que o texto narrativo possui como função
elementar a narração de fatos e acontecimentos, por intermédio de uma voz
narrativa, que constitui a representação de ações e personagens no decorrer de
um enredo, situando-os em eixos temporais e espaciais.
No que tange aos elementos da narração, é possível assinalar que a
descrição será usada para fomentar a caracterização de personagens e a
ambientação de espaço. Nestes termos, a descrição evidencia-se entre os
elementos de relevância em estudos topoanalíticos, quando estes se voltam
para o estudo do espaço em narrativas. Conforme Angelo (2016), a descrição é
imprescindível, visto que os elementos dinâmicos da história não poderiam ser
pensados e representados sem o mínimo de coerência e de expansão das
estruturas espaciais. Assim, o autor reflete acerca da afirmação de Gérard
Genette:
“É mais fácil” imaginar uma descrição desprovida de todo elemento narrativo do que o contrário, vez que a mais sóbria designação dos elementos e das circunstâncias de um processo pode ser considerado como início de uma descrição. (GENETTE, 1969 apud MARCHESE, 2016).
Nesse contexto, Philippe Hamon sinaliza que a descrição é o lugar onde
a narração encontra-se em interrupção, suspendendo a ação e organizando a
1 Estudante do Curso Técnico em Eletromecânica Integrado ao Ensino Médio no Instituto Federal da Bahia – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea E-mail: [email protected] 2 Docente EBTT do Instituto Federal da Bahia – Campus Santo Amaro / Coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. E-mail: [email protected]
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237 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
história; esta pausa na narrativa é considerada por ele como ponto
principal na estrutura da narrativa com as seguintes funções: 1) previsão da
continuação 2) reforço do conteúdo 3) duplicação metonímica do estado
psicológico ou destino dos personagens (Hamon, 1972 apud IBSCH, 1979).
Com vistas a discutir a representação do espaço na obra literária, o
trabalho O espaço na narrativa infanto-juvenil de Mayrant Gallo visa a investigar
– privilegiando o livro Dias de Garoto (2015) – a construção dos espaços físicos,
psicológicos e sociais na referida obra. O livro citado integra a coleção infanto-
juvenil “Pato, Cachorro, Garoto e Minhoca” do escritor baiano e contemporâneo
Mayrant Gallo. A produção textual em destaque foi selecionada para análise por
apresentar estrutura topológica atípica na elaboração da narrativa direcionada
ao publico infanto-juvenil. Os espaços investigados não são representados em
descrições topográficas, não obstante, surgem por lógica “sinedóquica” ligado
diretamente as ações do protagonista. Assim sendo, o estudo topoanalitico
recairá sobre as possibilidades de leitura criativa, visto que a linguagem espacial
utilizada condiciona-se as possíveis interpretações do leitor, dado a escassa
descrição das figuras topológicas que compõe o enredo.
Resultado e Discussões
As principais discussões advindas da pesquisa foram propostas por meio
da análise do livro, Dias de Garoto (GALLO, 2015).
Imagem1 - Capa do livro Dias de Garoto
Fonte: Editora Kalango (2015).
O protagonista da narrativa é uma criança e o enredo permeia o cotidiano
do garoto, cujo nome próprio não é apresentado ao leitor. Ao iniciar com a
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
expressão “Era uma vez”, ao leitor é sugerida a ideia de texto
fantasioso, distanciado da realidade factual, despertando, em quem lê a
possibilidade de explorar espaços que não possuem semelhança com a
realidade. Todavia, a expressão parece soar irônica, já que a narrativa não se
trata de um conto de fadas e constitui-se, sobretudo, de espaços imaginosos
que, segundo Ozíris (2008) são lugares citados na obra literária que não existem
no mundo real, todavia quando imaginados pelo narrador, são similares aos
existentes em nosso mundo.
No primeiro parágrafo, ainda, mediante uso de estratégia narrativa
análoga as introduções de contos infantis, nota-se a exposição de duas
modalidades espaciais que possuem função básica de localizar o leitor no
contexto da obra e apresentar o protagonista. Na escolha do signo “mundo” está
contida ideia de universalização, uma vez que amplifica as possibilidades de
ambientação no enredo. Todavia, ao utilizar a locução adjetiva “de um garoto”
indica que a narrativa se restringirá a um ambiente específico experienciado pelo
protagonista. Ocorre, deste modo, transição de um espaço dado como global e
externo para um espaço interno e íntimo.
O foco narrativo é configurado em terceira pessoa e o enredo se edifica a
partir da criação, pelo narrador, de dois cenários: o espaço doméstico – onde
reside o garoto – e o espaço urbano. A representação dos espaços dentro da
narrativa é construída pelo narrador recorrendo a recursos de linguagem cujos
signos espaciais são concebidos por lógica sinedóquica, isto é, os espaços da
obra não se apresentam por intermédio de descrições, mas, através de relações
de contiguidade semântica nas interpretações do leitor. Sem se ater às
descrições, o espaço aparece concomitante à observação do personagem:
Ele olhava os trens ao longe, Olhava também a chuva. Olhava as pessoas que passavam Para o trabalho, e depois de volta – mortas de cansaço. Seu pai era uma dessas. E sua mãe. E seu irmão mais velho. E sua irmã também. Ainda havia Dália, que chegava de manhã E ia embora com as cores da noite. (GALLO, 2015, p. 1)
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O espaço exterior surge no enredo ao ser percebido pelo garoto,
conforme o trecho. O narrador não descreve a rua, muito menos anuncia que há
uma ferrovia no entorno da casa, mas referencia a presença de um trem e
evidencia a chuva. Ambas as referências denotam o espaço urbano externo ao
ambiente doméstico. Por meio do excerto, o leitor constrói relações imagéticas
e percebe um espaço físico, ao qual o garoto acessa somente através da visão.
A construção “pessoas que passavam para o trabalho”, além de repercutir
espacialidades urbanas, permite ao garoto, enquanto observador do espaço da
rua, acompanhar o mundo do trabalho, como também a rotina de Dália, a
empregada, que se faz presente em vários trechos do livro, tornando-se
imprescindível à sobrevivência do garoto. O cansaço – marcado na citação dos
corpos de estranho e familiares que passam na rua, diante do protagonista, na
ida e no retorno das atividades laborativas – é índice do espaço que reflete o
contexto socioeconômico em que o protagonista vive. Esse deslocamento
dinâmico das pessoas no espaço “para o trabalho e depois de volta” apresenta,
no texto, os membros da família do garoto: o pai, a mãe, a irmã e o irmão.
Aspecto interessante a ser abordado neste estudo topoanalítico são as
técnicas empregadas pelo narrador para conceber a passagem de tempo na
narrativa. Geralmente, para elaborar transcursos de tempo em prosa literária
recorre-se ao uso de advérbios/locuções adverbiais temporais. Ao invés, o texto
não é composto por sequências de acontecimentos organizados de modo
cronológico e com duração pré-estabelecida. A noção de quantos dias, meses e
anos passaram-se não é depreendida no enredo, propiciando, ao leitor, a
impressão de que o protagonista não sai da fase pueril, nem sofre
transformações.
Tudo permanece estático e monótono, conservando a imagem concebida
do infante pelo leitor, ao passo que, não se verifica mudança hábil para uma
possível vida adulta:
E havia os dias, que passavam arrastados, E os anos, que corriam uns após os outros, sem se deter. E o garoto a vê-los morrer: Natal, Ano-Novo de novo. (GALLO, 2015, p. 7).
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Para dinamizar os aspectos cronológicos, o narrador não
dissocia tempo e espaço, haja vista que os eventos ocorridos em perspectiva
temporal reorganizam o espaço e geram transformações sociais, políticas e
econômicas. Para tanto, vale apresentar a concepção do Milton Santos (2007)
de que “o espaço é a acumulação desigual dos tempos”. Tal reflexão evidencia-
se no modo como a voz narrativa utiliza o espaço exterior para destacar, através
da percepção do infante, as transformações na sociedade - “nas pessoas do lado
de fora da casa” - que também refletem nos percursos dos familiares do
protagonista: “Lá fora, as mulheres trocaram saias por calças compridas/Os
homens deixaram de usar chapéus/Também seu pai deixou de usar chapéu/E
seu irmão deixou crescer os cabelos. Depois a barba/E em tudo o que se dizia
incluía-se a palavra bicho. /Ou a interjeição: - Pô!”. (GALLO, 2015, p. 17) A
exemplo do pai e do irmão, que a partir do contato constante com o espaço
urbano adquire novos costumes. As transformações são processuais no meio
social e no seio familiar, pois mudanças de hábitos variam de acordo com
contextos históricos. Assim, as modificações ocorridas no espaço e no tempo
colaboram para demarcar transcurso temporal.
Os marcadores temporais constituem-se por intermédio de datas
comemorativas socialmente gestadas, a saber: Natal, Ano-Novo, Aniversário,
Aniversário de Casamento, Dia das Crianças; eventos específicos sucedidos em
datas distintas e ocorridos uma vez ao ano. A citação destas datas sinaliza a
transmutação de tempo. Os eventos vivenciados no interior da casa, dado que o
personagem não acessa espaços públicos, tecem noções acerca da condição
social e psíquica do garoto.
Seu aniversário – ele era de peixes –, O aniversário de seus pais, De casamento de seus pais, O de seu irmão. Logo o de sua irmã – bem próximo. E o Dia das Crianças – criança que um dia Ele deixaria de ser. Pois: - Não é que era Natal de novo?! E mais um Natal. E mais um Ano-Novo. De novo seu aniversário. E o Dia das Crianças. (GALLO, 2015, p. 8)
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Nota-se no texto, a existência de duas espacialidades que se
opõem e configuram ideias de interioridade e exterioridade, a saber, a casa e
rua. Estes lugares não recebem descrições diretas, ademais, o narrador introduz
na prosa estrutura topológica responsável por delimitar conflitos espaciais que
reverberam na criação do enredo na narrativa. O espaço doméstico apresenta-
se enquanto espaço do sujeito, onde está localizado geograficamente a
personagem principal, bem como sugere ideia de restrição e reclusão. O espaço
público, em contrapartida, assume para o infante, sobretudo, a concepção do
espaço que promove liberdades e relações interpessoais, entretanto, ao
protagonista é vetado acessá-lo. Tais referências espaciais delimitam, dessa
maneira, as ações a serem desenvolvidas pelo protagonista, isto é, o espaço
favorece a prática de certas atividades em detrimento de outras. Esta reflexão
fica patente ao longo das cenas: o narrador evidencia a imobilidade do garoto
frente a atividades rotineiras para crianças realizadas no espaço urbano, como
“correr, soltar pipa, rodar pião, jogar bola de gude, se esconder de outros
garotos”, visto que a característica ampla deste espaço facilita a prática de
atividades lúdicas como jogos e brincadeiras diversas com outras crianças. Tal
fato – somado à inexistência de elementos descritivos que evidenciem
características físicas do protagonista – sugere ao leitor possibilidades de refletir
acerca da condição ergonômica do personagem. A oposição do cenário casa X
rua permeia o texto e é crucial para construir atmosfera de tensão que perpassa
a narrativa: a reclusão do protagonista em casa e a vontade de acessar o espaço
externo a ela. O tensionamento entre o acesso aos dois ambientes termina por
despertar no leitor curiosidade sobre os motivos pelos quais o personagem não
acessa ao espaço exterior e não convive com outras crianças.
A espacialidade da casa somente é revelada ao leitor no décimo primeiro
parágrafo do texto, até então, o lugar de onde ele observa é velado pela
construção sígnica. Todavia, há algumas pressuposições possíveis no decorrer
da narrativa, como na expressão “Ainda havia Dália, que chegava de manhã” -
por ocupar profissão de babá do protagonista sugere chegar a casa - ou “Essas
coisas que ele havia conhecido nos livros e na tevê” - livros e tevê são relevantes
na construção da espacialidade CASA, pois como não há descrição dos
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242 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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percursos espaciais no texto, por intermédio de leitura criativa, o leitor
é conduzido a imaginar estantes, rackers, prateleiras, móveis e cômodos que,
semanticamente e por relações contíguas, permitem estabelecer ideia de
interior. A casa trata-se de um cenário, isto é, de acordo com Ozíris (2008) um
espaço produzido pelo homem e surge com característica geográfica na obra a
partir do ato de expor a localização do personagem, na medida em que, o
narrador apresenta a espacialidade janela. A última é de suma importância para
a narrativa, pois é a partir dela que o garoto se comunica com o espaço urbano
e defronta-se com elementos essenciais à sua formação. A janela limita a
percepção do personagem e, como o enredo, se edifica por meio desse
pressuposto, contornando as possíveis interpretações do leitor:
Era um garoto numa janela. Um garoto a olhar a gente que passava, As nuvens que se formavam E a chuva que afinal caía E transformava o mundo numa floresta de sombrinhas. O sol pálido lá fora. A chuva. (GALLO, 2015, p. 13).
A casa, a permanência na janela e a observação do exterior pelo garoto
reverberaram características do estado psicológico do protagonista. Ao anunciar
o sol pálido e a chuva na referência espacial “lá fora”, o narrador sinaliza uma
analogia entre o espaço visualizado pelo personagem e seu sentimento. Conduz
o leitor à impressão de que a natureza está triste e passiva, assim como o garoto
e que o sol está sem brilho, opaco, semelhante ao rosto do personagem. A chuva
representa estado de choro e nebulosidade, compondo o estado mental e íntimo
do protagonista. Assim, por meio de tais análises, supõe-se a relação de
homologia entre personagem e espaço.
Considerações Finais:
A representação literária do espaço na narrativa infanto-juvenil de Mayrant
Gallo, apresentada como cerne deste trabalho, foi evidenciada na medida em
que a análise se ateve na construção da estratégia narrativa. Observa-se que o
texto dispõe de duas estruturas narrativas básicas: apresentação e
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desenvolvimento; não existe clímax, apresenta-se conflitos
representados pela dicotomia entre o percurso espacial casa X rua, interior X
exterior que reverberam na condição do acesso do garoto ao exterior na casa;
também não há desfecho, pois estas tensões não são resolvidas no final da
narrativa, restando ao personagem principal o permanente sentimento de
esperança diante de transformações em sua realidade, desejando que “tudo
fosse diferente, que algo acontecesse, com ele ou com o mundo”. O percurso
espacial não é descrito; assim o espaço interior e exterior são representados por
intermédio de relações com as ações e os anseios do protagonista. O estudo
topoanalítico da obra Dias de garoto denotou a maneira como a espacialidade
potencializa alterações estruturais na condição da criança protagonista e os
modos como se relaciona com a sociedade.
REFERÊNCIAS
BORGES FILHO, O. Afinal de contas, que espaço é esse? In: BORGES FILHO, O., LOPES, A. M. C., LOPES, A. L. (Org.) Espaço e Literatura: Perspectivas. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2008. GALLO, Mayrant. Dias de Garoto. Coletânea Pato, Cachorro, Garoto e Minhoca. Bahia: Kalango, 2015. IBSCH, Elrud. Mudanças Históricas da Função da Descrição Espacial em Textos Literários. Poetics Today, 16-22 de junho, 1979. Vol. 3, No. 4 (Autumn, 1982), pp. 97-113. In: BORGES FILHO, Ozíris. O espaço literário. Uberaba (MG): Ribeirão Gráfica e Editora, 2016. MARCHESE, Angelo. As estruturas espaciais do relato. Revista Semiosis, janeiro-junho de 1983, no.10, p. 25-50. In: BORGES FILHO, Ozíris. O espaço literário. Uberaba (MG): Ribeirão Gráfica e Editora, 2016. SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem. 5. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007.
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ESPAÇO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA MANAUS DE MILTON HATOUM
Manoelle Gabrielle Guerra1
Consagrado na cena brasileira contemporânea, Milton Hatoum é um dos
autores que explora com maestria o entrelaçamento da memória com o processo
narrativo. Seus romances têm como palco a capital amazonense e empreendem,
por meio de diferentes vozes, um processo de reconstrução da cidade. A
hipótese que fundamenta a discussão a ser desenvolvida é a de que há uma
subjetivação da narrativa, a qual contribui para a construção de quadros
representativos de Manaus, nos quais pode-se observar a formação de núcleos
identitários diversos. Esses quadros, quando justapostos, formariam uma
imagem ampla da cidade, destacando suas fases históricas bem como as
diferentes faces de sua população.
As vozes narrativas se posicionam de modo a destacar determinadas
passagens de suas vidas que deixam entrever momentos específicos do
passado urbano da capital, construindo também a identidade desse espaço em
conjunto com a dos sujeitos que a habitam. Os romances de Hatoum fazem esse
movimento de forma evidente, partindo do início do século XX até meados da
década de 1980, na qual se localizam alguns de seus narradores. Também os
contos e crônicas estão inseridos nesse panorama, embora tragam uma
diferença na representação devido a sua forma breve e a concisão narrativa.
Pauta-se, aqui, o estudo do espaço a partir da perspectiva de que ele está
diretamente ligado ao homem, tomando a vivência como base para seu
desenvolvimento como construto. Os passos humanos moldam essa dimensão,
tornando-a praticada e conferindo-lhe um significado social (CERTEAU, 2000).
Compreende-se que há um processo de ocupação promovido ao longo dos anos,
responsável pelas modificações espaciais e pelo estabelecimento de laços
afetivos entre sujeitos e lugares.
1 UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”; Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara; Bolsista Capes. [email protected]
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Segundo Maurice Halbwachs (2006), essa ocupação é
responsável pelo surgimento daquilo que se pode chamar de “memória coletiva”,
a qual não existe sem estar atrelada a um domínio espacial. O homem, como
agente transformador, adapta o espaço à sua dinâmica cotidiana, construindo
cidades, erguendo muros e criando caminhos. Ao fazer isso, acaba associando-
se definitivamente a essa grandeza, a ela incorporando tradições e,
consequentemente, memórias. Esse é o ponto de partida para discutir as
possíveis representações urbanas presentes nos textos literários a serem
abordados.
A diferença existente entre Relato de um certo Oriente, primeiro
romance do autor, e Um solitário à espreita, seu conjunto de crônicas, não se
limita ao gênero. Há dois processos narrativos diversos acontecendo no interior
dessas duas obras, os quais se distinguem pela caracterização do próprio
narrador e o tipo de olhar conferido por cada um deles à cidade. As vozes dão
vazão a pensamentos distintos, os quais se referem a grupos sociais
completamente diferentes e a tempos distantes um do outro, mostrando ao leitor
momentos vários da história de Manaus, cada um apontado em conjunto com as
devidas críticas.
Esses dois movimentos de exploração do espaço ocorrem, ainda, visando
ambientes diferentes. Publicado em 2013, Um solitário à espreita reúne textos
publicados por Hatoum em jornais e revistas ao longo e dez anos. As crônicas
selecionadas para a análise fazem referência à cidade em si, às ruas e locais
públicos como praças, cinemas e mesmo clubes e comércios. São espaços
abertos, de contato direto com a população de uma forma geral, possibilitando
aos narradores desses textos uma visão mais abrangente, que nota tanto as
riquezas quanto as mazelas presentes na capital.
A discussão social é um assunto que direciona a maior parte dos textos e
tem relação direta com a formação do autor como arquiteto, fazendo-o criticar
com fervor a organização urbana de diversas cidades, principalmente Manaus.
O processo de desenvolvimento da capital amazonense é destacado
constantemente, e as diversas vozes que narram trazem em comum esse olhar
que não é nem um pouco benevolente com relação aos ciclos econômicos da
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
região. Ao observar as crônicas em conjunto, é possível ver a
formação de um mapa urbano, uma vez que as narrativas reconstroem espaços
diversos ao longo dos anos. Em alguns casos tem-se a imagem passada e
presente sobrepostas, sendo diferenciadas mediante o olhar do narrador que,
aos poucos, destaca as modificações causadas pelo tempo.
O olhar infantil presente em crônicas como “Segredos da Marquesa” é
responsável por mostrar os espaços de lazer e o cotidiano de determinadas
classes sociais. Outros espaços, ocupados pela população menos favorecida
aparecem em textos como “Dilema”, o qual critica a criação da zona industrial,
relacionada diretamente com o crescimento da Zona Franca de Manaus, e
“Crianças desta terra”, crônica que fala, a partir do olhar de um adulto que
relembra a infância, sobre a ascensão de um político corrupto. A associação
entre as eleições e as políticas públicas é escancarada na voz desse sujeito que
ressalta a pobreza da população local, a falta de recursos e o descaso do
Governo.
O passado extravista da cidade é também colocado em pauta, assim
como a ilusão sofrida com os diversos ciclos econômicos que impulsionaram a
região durante anos e foram os responsáveis pelas maiores transformações
desse espaço. A tônica de crítica presente nas crônicas que falam sobre Manaus
perpassa ainda outras cidades, que não são foco deste trabalho, mostrando uma
preocupação com a organização urbana que está, ainda, associada às
discussões referentes à globalização e seus efeitos sobre as políticas de espaço,
fronteiras e dinâmicas sociais.
As ruas e travessas são vistas pelos diversos narradores sempre partindo
de suas lembranças, e as marcas da ocupação humana evidenciam-se por meio
dos relatos que essas vozes fazem sobre a história da cidade. Como
determinados pontos eram e aquilo que se tornaram entram no campo de visão
do leitor de forma, por vezes, saudosista e nostálgica. Em outros momentos o
passado é utilizado como elemento determinante no processo de consolidação
dessa representação urbana pautada no social, uma vez que ele possibilita
enxergar o modo como a modernização foi nociva ao longo dos anos.
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Relato de um certo Oriente, por sua vez, faz um movimento de
exploração do espaço em sentido oposto àquele empregado no conjunto de
crônicas. Publicado em 1989, o romance traz a história de Emilie, matriarca de
uma família de origem libanesa que migrou para o Amazonas no início do século
XX. Narrado por diversos personagens cujas vozes se submetem à uma outra,
pertencente à filha adotiva dessa família, o relato vai tomando forma e se
organizando como resposta à busca por uma identidade dessa narradora central
que deseja reencontrar a mãe e saber quem de fato é.
A casa torna-se o espaço central do romance, condensando em si todas
as memórias a serem revisitadas por esses parentes e amigos que buscam, em
última instância, preservar a figura da matriarca por meio de seu passado
narrado. Esse espaço fechado demanda um processo analítico diferenciado, que
busca observar a formação identitária a partir da composição da casa como algo
inerente ao homem e que, segundo Bachelard (1993), faz parte dele e para o
qual ele retorna nos momentos de grande aflição.
A família da narrativa é caracterizada, principalmente, por sua ligação com
o Oriente, o qual está presente de diversas formas. É possível entrever,
espalhados pelos cômodos descritos, diversos objetos que retomam a tradição
dos membros mais antigos, como é o caso do pequeno cedro do Líbano, objeto
de estima de Emilie, sobre o qual repousam seus olhos durante o descanso
vespertino. As festas e jantares também são formas de manter os hábitos
milenares dos antepassados, criando uma redoma em torno desses imigrantes
que, muitas vezes, não se adaptam à cultura do país em que residem.
Os objetos e hábitos compõem a dinâmica do morar, representam a vida
cotidiana e, no romance, atendem à uma tentativa de reconstrução da terra natal.
A procura pelo Oriente em meio ao Ocidente determina a organização familiar
desses personagens e atentam para a complexidade do processo de formação
identitária do imigrante, o qual é um expatriado que, embora queira encaixar-se
no país de destino, não é capaz de ignorar a imagem de seu lar que permanece
na memória.
A casa denota ainda a formação de outros universos, contidos e restritos
a determinados cômodos, os quais guardam partes do passado da matriarca ou
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prendem membros da família. Vidas clandestinas como a da pequena
Soraya Ângela crescem alijadas do convívio familiar, como se fizessem parte de
um outro mundo, um que existe apenas no interior do quarto. A casa também
exclui e exila seus próprios moradores, sempre de acordo com as dinâmicas
humanas impostas nesse espaço.
É notável que Manaus aparece, de fato, apenas em pequenos trechos
narrativos. Quando a filha adotiva vai à casa de Emilie e se depara com os
portões fechados, decide fazer uma caminhada pela cidade, para observar a
passagem do tempo. Esse momento é significativo, pois mostra ao leitor que há
um impasse entre o ambiente interno, recluso, da casa, e a rua. A cidade da
infância era proibida às crianças, e o que essa personagem vê ao longo de sua
caminhada é que as histórias que ouvia sobre mortes e traições, sobre uma
cidade sem lei, na verdade são partes de um quadro maior, marcado pela
pobreza e descaso. O porto e o mercado, caracterizados pelo intenso fluxo
populacional, deixam entrever uma amostra dos habitantes da cidade e seus
hábitos. Instaura-se, então, um contraste com aquilo que é observado no interior
da casa nos demais capítulos, evidenciando uma linha divisória na
representação identitária da cidade.
O romance trabalha, portanto, com a organização de uma identidade
referente a um determinado seguimento de homens: os imigrantes libaneses,
mostrados em meio a sua cultura e tradição. Ao serem colocados ao lado dos
demais habitantes, acabam se destacando mediante às diferenças dos hábitos
cotidianos. Ao voltar o olhar para o interior da casa, o autor está representando
Manaus por meio de parte de seus moradores, traçando um dos perfis possíveis
para a recriação desse universo urbano.
As crônicas, quando pensadas nesse conjunto, traçam um caminho
diferenciado mas necessário, o qual recai na observação da cidade por meio de
sua história e da passagem do tempo sobre suas ruas. Com a diversidade
narrada é possível compreender melhor a ideia de que a identidade manauara é
múltipla, formada por diversas vertentes, e, ao pensá-la sob o signo do urbano,
o que há nas crônicas é a construção de uma identidade que faz referência à
cidade em si, mais do que ao seu povo. Desse modo, as representações contidas
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
nos dois textos do corpus articulam as dinâmicas humanas e urbanas
de forma a criar um quadro amplo da imagem de Manaus, pensando suas várias
faces e identidades observáveis.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, G. A poética do espaço. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 242 p. CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 5 ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2000. 351 p. HALBWACHS, M. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. 224 p. HATOUM, M. Um solitário à espreita. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 285 p. _____. Relato de um certo Oriente. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 148 p.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
DO (IN)VISÍVEL NA DIMENSÃO DAS ESPACIALIDADES RE(A)PRESENTADAS EM “O BURRINHO PEDRÊS”: REFLEXÕES SOBRE
LUGARES DEMARCADOS PARA HOMENS E MULHERES NARRADOS
Maria de Lourdes Dionizio Santos1
Propomo-nos realizar uma leitura sobre a representação espacial no
conto “O burrinho pedrês”, de João Guimarães Rosa. Partimos do pressuposto
de que os espaços destinados a homens e mulheres re(a)presentados na
referida obra deixam perpassar, na tessitura narrativa, distinções que revelam
demarcações dos espaços a serem ocupados por homens e por mulheres.
Desse modo, percebemos, por um lado, através dessa leitura, que as
raras mulheres mencionadas na narrativa, estão confinadas no espaço restrito
da casa, a cozinha, mais precisamente – de onde só saem se forem autorizadas
pela figura masculina. Exemplo disso é o que encontramos nos excertos
extraídos da obra, em que verificamos a figura do dono da fazenda. Como
proprietário da Fazenda, em seu domínio e livre trânsito,
[...] o Major Saulo foi até à porta, para espiar o relógio da parede da sala. Maria Camélia chegou com a cafeteira e uma caneca. - “Quente mesmo? para velho?” - “De pelar, seu Major!” Sempre com a mão esquerda alisando a barriga, o Major Saulo chupava um gole, suspirava, ria e chuchurreava outro. E a preta e Francolim, certos, a um tempo, sorriam, riam e ficavam sérios outra vez. - “Dá o resto para o Francolim, mas sem soprar, Maria!” E o Major, já de cigarro na boca, se debruçava no parapeito, pensando alto: -... Boi para encher dois trens, e mais as vacas que vão ficar no arraial... (ROSA, 1974, p. 11). [...] Mas a preta Maria Camélia se foi, ligeira, levando o decreto do Major Saulo de novidade para a cozinha, onde arranchavam ou labutavam três meninas, quatro moças e duas velhas, afora gatos e cachorros que saíam e entravam; e logo se pôs aceso o mundo: - O João Manico vai tocar boiada no burrinho! Imagina só, meu-deus-do-céu, que graça!... (ROSA, 1974, p. 11).
Por outro lado, o universo simbólico feminino povoa o imaginário
masculino, cuja mobilidade acompanha o deslocamento pertinente ao caráter
1 Universidade Federal de Campina Grande (UFCG); E-mail: [email protected]
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sócio-cultural que permeia a formação do homem. Neste sentido, ao
conceituar imaginário, em As estruturas antropológicas do imaginário, Gilbert
Durand (1989, p. 114) afirma que “O imaginário é um processo, e complexo
polimorfo, pois suas operações apresentam-se sob várias e diversas formas,
todas agindo, interagindo umas sobre as outras”.
Com efeito, a contraposição que atesta as desigualdades entre homens e
mulheres representados nesse conto de Guimarães Rosa, ressalta a limitação
espacial definida para as mulheres, enquanto para os homens, observa-se uma
dimensão espacial que excede em muito a condição das mulheres.
Essa antinomia espacial perceptível no discurso narrado torna patente a
prerrogativa de ser livre cabível ao homem, que, em nossa sociedade, ainda
patriarcal, pode locomover-se por diversos espaços, sem fronteiras. Nessa
perspectiva, ao observarmos o silêncio latente, nessa obra, contribuindo para a
invisibilidade a figura feminina, percebemos que as personagens masculinas
percorrem quase todo o espaço da narrativa. Dessa forma, a partir da breve
aparição da personagem Maria Amélia, assim como da figura invisível, porém
estigmatizada, da namorada do Badú, em torno da qual se estabelece um clima
de ciúme, uma disputa e instaura-se um conflito no enredo, somos instigados a
discutir a aparição desses seres nas múltiplas espacialidades que a estrutura
narrativa revela.
Kathryn de Woodward (2014, p. 9-10) afirma, em seu texto “Identidade e
diferença: uma relação teórica e conceitual”, que “A identidade é [...] marcada
pela diferença” e “por meio de símbolos”, “e a construção da identidade é tanto
simbólica quanto social. A luta para afirmar as diferentes identidades tem causa
e consequências materiais”.
Estabelecendo uma relação entre essas reflexões de Woodward e o que
Pierre Bourdieu aborda em sua obra A dominação masculina, encontramos
similaridade entre as análises desses autores, quando Bourdieu (2016, p. 22-24)
assinala que
A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça: é a divisão sexual do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do
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espaço, opondo o lugar de assembleia ou de mercado reservados ao homem, e a casa, reservada às mulheres; ou, no próprio lar, entre a parte masculina com o salão, e a parte feminina com o estábulo, a água e os vegetais; é a estrutura do tempo, as atividades do dia, o ano agrário ou o ciclo da vida, com momentos de ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos.
Os comentários acima fornecem suporte para discorrermos sobre o que
nos propomos discutir neste trabalho. Assim, as diferenças identitárias entre
homens e mulheres, bem como entre os espaços demarcados para eles, além
das definições de seus papéis observadas a partir da leitura do conto “O burrinho
pedrês”, nos levaram a algumas questões, tais como: Como se re(a)presenta(m)
o(s) espaço(s) na narrativa? Quais são os espaços de homens e de mulheres no
conto? Como se apresentam os espaços da casa para as movimentações
masculina e feminina? O que podem os homens e as mulheres representados
no conto? Quem pode narrar as histórias contadas na obra?
Nessa perspectiva, Michel Certeau, em A invenção do cotidiano: Artes de
fazer, discute, no capítulo “Relatos de espaço”, as ações narrativas que
“permitirão precisar algumas formas elementares das práticas organizadoras de
espaço: a bipolaridade ‘mapa’ e ‘percurso’, os processos de delimitação ou de
‘limitação’ e as ‘focalizações enunciativas’” (CERTEAU, 2008, p. 201).
Em sua abordagem, Certeau explicita, em “percursos e mapas”, estes,
próximos à cozinha, são destinados às meninas, conforme “descrições de
apartamentos em nova Iorque”, reconhecido por “C. Linde e W. Labov”
(CERTEAU, 2008, p. 203-204). E, no outro polo encontra-se o “percurso”, ou
“tour”. Este tipo é o preferido dos narradores, no qual se encontrará o meio para
se transitar e oferecer movimento aos seus relatos.
Certeau (2008, p. 207) acrescenta que “De uma geografia
preestabelecida, que se estende (se a gente se limita apenas a casa) desde os
quartinhos, tão pequenos [...] os relatos cotidianos contam aquilo que, apesar de
tudo, se pode fabricar e fazer. São feituras de espaço”.
Em busca de prováveis respostas às nossas perguntas, encontramos
respaldo na abordagem apresentada nas reflexões desses e de outros autores.
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253 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A propósito do espaço, Ozíris Borges Filho afirma, em seu texto
“Afinal de contas, que espaço é esse?”, que, em se tratando de espaço literário,
este só poderá “ser pensado”
[...] na relação que estabelece com as personagens [...]. Ele é construído tendo como base a representação humana. Todo espaço que se apresenta ou se re-apresenta na obra literária está direta ou indiretamente ligado a personagens ou em fase dessa ligação, mesmo que o espaço seja somente imaginado pela personagem. O espaço literário é obrigatoriamente pensado a partir do ser humano, como, de resto, toda literatura. (BORGES FILHO, 2015, p. 18)
Borges Filho (2015, p. 19) acrescenta, “Em síntese”, que “por espaço
literário entendemos o espaço representado (ou re-apresentado) dentro do texto
literário e que guarda semelhança com o nosso mundo”. Das considerações
deste autor, destacamos o que ele discorre sobre o espaço relacionado ao
mundo humano, que, segundo ele, “[...] trata-se de um espaço determinado pela
convivência humana, um espaço que mantém relações plurissignificativas com
as personagens e é infinito” (BORGES FILHO, 2015, p. 20).
De acordo com Maurice Blanchot (2011, p. 26), em Uma voz vinda de
outro lugar, ao discorrer sobre “O branco O negro”, “Só existem os espaços em
branco se houver o negro, só há silêncio, se houver a palavra e o barulho
produzindo-se para cessar”.
Esse comentário de Blanchot, retirado do seu texto “O branco O negro”,
dialoga com o que afirma Jean-Yves Tadié, em sua obra Le récit poétique,
quando este infere sobre o espaço literário, e pondera que “Em um texto, o
espaço se define junto aos signos que produzem um efeito de representação”,
trata-se, pois, de “estudar a estruturação dos signos espaciais, dos signos
produtores de espaço na narrativa” (TADIÉ, 1944, p. 48) (Tradução nossa).
A partir da leitura do conto supramencionado de G. Rosa, selecionado
para estudo, percebemos que o espaço que perpassa a narrativa alcança uma
dimensão que chama a atenção do leitor. De imediato, destaca-se a amplitude
dos domínios espaço-geográfico aberto (exterior), oposto ao espaço fechado
(interior). Em seguida, nota-se a movimentação que nos conduz a uma
observação da ocupação desses espaços por parte dos diversos personagens,
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
donde percebemos as distinções entre eles, seja em gênero, número,
etnia e idade, que desponta a posição hierárquica elevada que impõe respeito
entre uns, ou o desprezo entre outros que não gozam do mesmo prestígio.
Nessas relações, às vezes díspares, percebemos que a idade avançada entre
os homens poderá agregar respeito, conforme sua habilidade em lidar com as
atividades, lançando mão de suas experiências adquiridas pelo mundo.
Também desperta o nosso olhar a forma como as mulheres se
apresentam nessa obra, explicitamente confinadas ao recinto mais restrito da
casa, a cozinha, necessitando ser requisitada pelo seu patrão, o Major Sales,
para ir até a sala, servi-lo. Não se encontra na narrativa, voz feminina.
As múltiplas histórias que compõem o conto são contadas por homens,
nenhuma compete à mulher narrar. O ato de narrar é prerrogativa de um
narrador, autoridade designada para tal função, visto que ele atravessa fronteiras
e conta o que ouve ou vê por onde anda, conforme observamos na quadra
abaixo transcrita, apresentada como epígrafe do conto. De modo coerente, o
mote remete a tempos longínquos, expressando a simplicidade da poesia
tradicional disseminada através literatura oral por diversas gerações, chegando
até nós, inclusive recriada na modalidade escrita:
VELHA CANTIGA, SOLENE, DA ROÇA
“E, ao meu macho rosado, carregado de algodão, preguntei: p'ra donde ia? P'ra rodar no mutirão.” (ROSA, 1974, p. 3)
A propósito, vale destacar a forma como aparece o narrador principal que
se pretende distante, mas que segue bem próximo aos demais a quem ele
autoriza relatar os fatos. Talvez seja essa a estratégia para a introdução do
conto, com uma narrativa que disfarça mas se assemelha à técnica utilizada nos
contos de fadas, como vemos em seguida: “Era um Burrinho Pedrês, miúdo e
resignado, vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no
sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existiu e
nem pode haver igual” (ROSA, 1974, p. 3).
Adiante, encontramos a seguinte construção que nos remete novamente
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aos contos de fadas:
Sete-de-Ouros, uma das patas meio flectida, riscava o chão com o rebordo do casco desferrado, que lhe rematava o pezinho de Borralheira. E abria os olhos, de vez em quando, para os currais, de todos os tamanhos, em frente ao casarão da fazenda. (ROSA, 1974, p. 5).
Aos vaqueiros do Major, cabe o espaço externo, mas lhe devem
obediência, dedicação e subserviência, vivendo sob vigilância de Francolim,
secretário da fazenda. Dirigindo-se a este, o Major o chama de “mulato”: “Afinal,
[...] se desvirou, de repente, encarando Francolim”: “E Francolim baixava os
olhos, sisudo, com muita disciplina de fisionomia” (Rosa, 1974, p. 10).
Os empregados da fazenda não desfrutam de sua liberdade, conforme
observamos no excerto nas expressões abaixo, extraídas da obra:
- Badú, ó Badú! - Já vem ele ali, Juca, foi se despedir da namorada... Enfim surge Francolim, vindo da varanda do lado, mastigando qualquer coisa. - Fui ver se tudo vai ficar em ordem, lá por dentro, seu Major. - Olha para mim, Francolim: “joá com flor formosa não garante terra boa!“... Arrancha aqui, perto das minhas vistas. (ROSA, 1974, p. 13). [...] - Silvino está com ódio do Badú... (ROSA, 1974, p. 14). [...] - ... por causa que Silvino também gosta da moça, mas a moça não gostou dele mais... (ROSA, 1974, p. 15).
As lembranças dos amores dos vaqueiros vêm à tona e, enquanto eles
tocam a boiada, são entoadas em trechos de canções, configurando a
simbologia dos bens culturais e coletivos compartilhados pelo indivíduo que
habita o espaço do interior humano e geográfico:
O Curvelo vale um conto, Cordisburgo um conto e cem. Mas as Lages não têm preço, Porque lá mora o meu bem... (ROSA, 1974, p. 23). [...] Um boi preto, um boi pintado, cada um tem sua cor. Cada coração um jeito de mostrar o seu amor. (ROSA, 1974, p. 24).
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[...] Todo passarinh' do mato tem seu pio diferente. Cantiga de amor doído não carece ter rompante... (ROSA, 1974, p. 24).
Para contar histórias, o Major recorre ao vaqueiro Raimundão, conforme
vemos no destaque a seguir:
[...] Você ainda se lembra da primeira topada sua, Raymundão? - Ah, seô Major, foi um boi retaco, que caminhava na gente por gosto e investia de olho aberto e cabeça alteada, feito vaca... [...] Meu pai, que era vaqueiro mestre, achou que era o dia de experimentar minha força... Dei certo, na regra, graças a Deus... - Você pensou alguma coisa na hora, Raymundão? Que foi que você sentiu? - Só, na horinha em que o bicho partiu em mim, eu achei que ele era grande demais, e pensei que, de em-antes, eu nunca tinha visto um boi grande assim, no meio dos outros... Mas isso foi assim num átimo, porque depois as mãos e o corpo da gente mexem por si, e eu acho que até a vara se governa... Quando dei fé, a festa tinha acabado, e meu pai estava dando um cigarro, que ele mesmo tinha enrolado para mim, o primeiro que eu pitei na vista dele... E foi falando: - “Meu filho, tu nasceu para vaqueiro, agora eu sei”... [...] -- Começo bom, Raymundão. Escuta: eu dou valor aos meus vaqueiros, e o que eles contam de si eu aprecio. Pessoal meu é gente escolhida... - Bondade sua, seô Major. [...] Agora, tem essa história de Silvino com o Badú... Você vê algum perigo dessa briga arruinar? - Eu acho que não, seô Major. A raiva deles tinha de ter, mas tem também de se esfriar... O Badú veio para a Fazenda faz só dois meses, e tomou a namorada do Silvino... - E a moça, é bonita? - Serve. Só que é meio caolha, seô Major. Mas, agora por último, como o casamento já está marcado, o Badú só pensa nisso, e não quer saber de briga nenhuma. (ROSA, 1974, p. 40-41).
Percebemos, na curiosidade incontida do Major Sales, ao desejar saber
se a namorada do Badú é bonita, a marca da cultura que prestigia a mulher bela
para ser amada. Nota-se, também no interesse do Major, a presença do
imaginário, envolvendo-o nesse mistério que alimenta suas ilusões. Aqui,
destacamos os homens, por sua regalia em percorrer livremente os espaços,
quer na representação literária, quer na realidade da sociedade em que vivemos.
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A condição exclusiva do Major, que pode penetrar livremente os
espaços que desejar, deve-se ao seu status de dono, que reúne outros poderes
e forças que corroboram sua dominação ressaltada na narrativa.
Ao conquistar a namorada de Silvino, Badú causa-lhe ciúme e se
estabelece uma tensão no conto. Assim, o momento em que Badú se atrasa para
a viagem – na partida –, é justificado pelo momento solene da despedida da
namorada, bem como pela compra do presente para ela (antes do retorno).
Referências
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BORGES FILHO, Ozíris. Afinal de contas, que espaço é esse? In: BORGES FILHO, Ozíris; LOPES, Ana Maria; LOPES, Fernando Alexandre. Espaço e Literatura: perspectivas. Franca, SP: Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. p. 13-39.
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução por Maria Helena Kühner. 3. ed. Rio de Janeiro: BestBolso, 2016. CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Tradução por Ephaim Ferreira Alves. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa: Presença, 1989. ROSA, Guimarães. O burrinho pedrês. In: ______. In: Sagarana, 1974. p. 3-68. TADIÉ, Jean-Yves. Le récit poétique. Paris: Gallimard, 1997. (Collection Tel). WOODWARD, Kathryn de. Identidade e diferença: uma relação teórica e conceitual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Tradução por Tomaz Tadeu da silva. 15. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 7-72.
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A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO NO CONTO ‘MENINA A CAMINHO’,
DE RADUAN NASSAR
Maria Iara Zilda Návea da Silva Mourão1
O escritor paulista de origem libanesa, Raduan Nassar, vem cada vez
mais se destacando no cenário da literatura contemporânea. Vencedor de vários
prêmios literários, dentre eles o prêmio Camões (2016) pelo conjunto de sua
obra, o autor possui uma produção bem realizada esteticamente, tendo como
componentes marcantes o olhar crítico para diferentes aspectos da experiência
humana na sociedade hodierna e uma alta dose de lirismo na composição da
linguagem. As obras Lavoura Arcaica (1975) e Um copo de cólera (1978) têm
despertado mais atenção da crítica especializada. Em edição exclusiva sobre o
escritor, Os cadernos de literatura brasileira (nº2, 1996, p.5) destacam a
extraordinária qualidade da linguagem desses livros e os classificam como
verdadeiros momentos de epifania da literatura brasileira.
Neste trabalho, no entanto, analisou-se o conto Menina a caminho, que
integra o livro homônimo. Apesar da pouca visibilidade em relação às outras
obras, este volume apresenta contos de uma qualidade estética inegável e, ao
mesmo tempo, reveladores de questões sociais presentes no contexto social
brasileiro. Desse modo, procurou-se observar como a estruturação do espaço,
nessa obra, permitiu uma abordagem crítica da sociedade brasileira, mas sem
comprometer o lirismo, demonstrando um “engajamento político mais amplo do
que o recurso direto aos temas de um momento histórico preciso” (PERRONE-
MOISÉS, 1996, p.69). Além dos estudos já conhecidos por tratar do espaço
ficcional, como os de Borges Filho (2007) e Brandão (2013), utilizou-se como
fundamentação teórica trabalhos de outras áreas das ciências humanas, como
os de Henri Lefebvre (2000), que trata da relação estabelecida entre espaço e
política e Walter Benjamin (1994), que analisa a figura do flâneur e sua
experiência urbana na modernidade.
1 Graduanda em Letras Português-Francês e suas respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Bolsista do Programa de Iniciação Científica da UFPI (PIBIC/UFPI - 2017/2018). E-mail: [email protected]
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No conto em questão, acompanha-se uma menina pobre
percorrendo uma cidade, que comporta traços interioranos, para deixar um
recado a um comerciante, fato que é desvelado à medida que narrativa se
desenvolve. Durante essa travessia, o leitor, através do ponto de vista da
criança, acompanha o cotidiano dos cidadãos e a repercussão causada por um
boato sobre o filho desse comerciante. Esse enredo aparentemente simples
consegue retratar aspectos da sociedade brasileira no período governamental
conhecido como Era Varga. Dessa forma, o conto aborda, de forma crítica, o
cotidiano de uma cidade, mostrando os impasses e as consequências do
processo de transformação urbana típico desse momento histórico, a partir da
perspectiva de uma menina andarilha.
Por isso, mostra-se bastante produtivo analisar o fato de que, em boa
parte do conto, predomina o que Norman Friedman (2002, p. 178) denomina de
“narrador onisciente seletivo”, ou seja, uma voz narrativa que, limitada à mente
de apenas um personagem, enuncia toda a história a partir das experiências,
percepções e sentimentos desse centro fixo. Uma tensão muito produtiva se
instaura a partir dessa escolha: a personagem na qual se apoia o narrador, além
de estar em movimento, encontra-se a margem da sociedade por ser pobre,
criança e mulher. Ter como centro fixo uma perspectiva tão desprivilegiada já
revela uma tentativa de mostrar a realidade de forma diferenciada. Ao identificar
a narração com essa personagem, ganha-se em dinamicidade e criticidade, já
que o leitor se depara com a visão em primeiro plano da vivência de um sujeito
clandestino em pleno movimento pela cidade. A isso, soma-se o fato de que, na
maioria das vezes, não é permitido à menina adentrar inteiramente nos espaços,
forçando-a se localizar em zonas limítrofes, como o meio da rua, a soleira da
porta, o meio fio, enfatizando a ideia de não pertencimento dessa personagem
na sociedade.
Acompanhar a história por esse ponto de vista mostra-se ainda mais
interessante levando se em consideração a ideia de que o olhar da criança é
menos carregado de preconceitos, medos, memórias e ideologias, por isso,
aparenta ser mais isento. Tuan (1983) esclarece que o modo como a criança se
relaciona com os espaços é diferente daqueles do adulto:
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O lugar pode adquirir profundo significado para o adulto através do contínuo acréscimo de sentimento ao longo dos anos[...] A criança não apenas tem um passado curto, mas seus olhos, mais que os adultos estão no presente e no futuro imediato. Sua vitalidade para fazer coisas e explorar o espaço não condiz com a pausa reflexiva e com a olhada para trás que fazem com que os lugares pareçam saturados de significância. (TUAN, 1983, p. 37)
Desse modo, ao vivenciar os espaços da cidade, a menina lança sobre
eles um olhar ingênuo, que ainda está se construindo. Toda a trama ganha,
então, um tom de descoberta e aprendizado, em que a personagem principal
ganha ares de um flâneur iniciante, aprendendo a viver em meio a fragmentação
das relações interpessoais, o aumento da violência, a alienação das relações de
trabalho, os preconceitos e outras características da modernidade que começam
a surgir em sua cidadezinha do interior. Cúmplice nessa caminhada, o leitor,
desde o título, é alertado sobre a atmosfera de transformação que marca o conto,
pois a expressão “a caminho” e a escolha por contar a travessia da personagem
principal através de formas verbais no presente do indicativo e no gerúndio
materializam a ideia do que ainda está por se fazer.
É preciso destacar também a importância que esse olhar infantil tem para
a captação da própria modernidade. A vontade de modernização,
frequentemente, vem marcada por uma ânsia de romper a todo custo com a
tradição e instaurar uma visão irrestrita das potencialidades do futuro. Nesse
contexto, o olhar infantil parece ideal para expressar o descompromisso com o
passado através de um olhar sem medo, autônomo, capaz de vislumbrar além
das barreiras impostas. Entretanto, em Menina a caminho, o olhar infantil da
personagem, apesar da sua inocência, consegue apreender os impasses e
contradições advindos dessa sociedade que está em vias de se modernizar, mas
ainda conserva valores, sobretudo, morais de cidade interiorana. Essa
apreensão não se dá de forma isenta, nem por parte do narrador que, como bem
marcou Leyla Perrone-Moisés (1996, p. 73), expressa através da alta frequência
do verbo “vomitar” na narrativa uma atitude de desprezo pela brutalidade e
mesquinhez dessa sociedade, nem pelo olhar da menina que, ao enfocar as
cenas da cidade e a si mesma, “com os olhos sempre cheio de espanto” (Nassar,
p. 326) ou encantamento, revela uma criticidade silenciosa, mas significativa,
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capaz de sobrepor aos espaço percebidos e concebidos, um espaço
vivenciado que põem em jogo as representações convencionais do espaço e das
pessoas.
Dessa forma, na sua caminhada, a personagem principal revela as
ambivalências dos espaços da cidade. Assim, por exemplo, a selaria de seu Tio-
Nilo, personagem sério que vai à contramão do processo de modernização e
esvaziamento das relações de trabalho capitalistas, através da execução de um
trabalho artesanal em que ele se compromete por inteiro, é redescoberta pela
menina como um lugar onde é possível ter um repouso através do trabalho e
uma preparação para enfrentar a “vida dura”:
Solitário, ninguém cochicha na sua oficina. O seu Tio-Nilo recolhe criterioso os recortes, ajunta os retalhos pr’um uso possível, deixa os óculos de lado apanha a muleta e se desloca. Alto, magro, a barba branca e rala, o coto de perna esquerda está corretamente vestido e embrulhado com a sobra do pano da calça. Volta logo pra banqueta trazendo outra sola. Faz tudo sozinho, a semana inteira trabalhando na mesa do balcão, ou costurando naquela máquina esquisita, menos no sábado que é quando chegam os peões-boiadeiros, tez queimada, lenços coloridos no pescoço, gente rude, delicada. Vão deixando os cavalos com as rédeas amarradas nas argolas da guia, um ao lado do outro, assim arrumados que nem nas batalhas santas das romarias. Aos poucos esses homens do campo se apertam ali na selaria, rascando esporas no chão, selecionando peças com adornos, além de apetrechos triviais de montaria, proseando sobretudo a vida dura e ouvindo com respeito a palavra curta do artesão severo. Por que é que falam que o seu Tio-Nilo é um homem perigoso? (NASSAR, 2016, p. 313-314)
Nessa ressignificação dos espaços operada pelo olhar da garota, mesmo
a escola, símbolo do desenvolvimento racional e da cultura letrada, a qual a
personagem só pode ter acesso através da janela, aparece como um lugar de
segregação onde mesmo os que lá estão, são submetidos a um regime totalitário
e violento, análogo aquele da sociedade brasileira submetida ao poder de Getúlio
Vargas:
Sem acreditar, a menina assiste através da vidraça aos três bolos em cada mão como castigo. A dona Eudóxia atira a régua num canto enquanto a menina dos biscoitos chora. Encolhida lá fora, a menina nem se dá conta de que apontam para a janela,
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
mas seus olhos se chocam de repente com os olhos de aço da velha mestre-escola. (NASSAR, 2016, p.304.).
Nesse contexto de opressão, a figura de dona Eudóxia, professora e
centro do poder, pode ser comparada à recorrência da foto do presidente Vargas
presente em outros espaços públicos, lembrando a todo momento o seu domínio:
Paralítica, a velha mestre-escola está sempre naquela cadeirona do canto, ao lado da lousa, os chinelões de lã descansando no assoalho, os pés sobre o banquinho cobertos pela surrada manta xadrez que lhe protege também as pernas. Mas segura firme o livro que folheia devagar, como se escolhesse a lição. Cada aluno tem um livro aberto em cima da carteira, e toda vez que dona Eudóxia vira uma página as crianças juntas, logo em seguida, viram uma página também. (NASSAR, 2016, p. 302)
Colocada em um ponto estratégico da sala, a “mestre-escola”, submetida
a uma condição de fixidez por ser paralítica, assume, entretanto, proporções
aterrorizantes, impondo uma ordem artificial marcada pela violência.
O olhar da menina não capta somente as ambivalências dos espaços,
mas o próprio processo de transformação da sociedade brasileira vivido no
tempo histórico que a obra faz referência. Os espaços representados, por sua
vez, denunciam um amplo perfil dessa sociedade que vêm se delineando na
literatura deste antes do modernismo. No ensaio A carroça, o bonde e o poeta
modernista, Roberto Schwarz já observa um ponto característico da literatura e
da arte brasileira que é “a justaposição de elementos próprios ao Brasil-Colônia
e ao Brasil burguês” (Schwarz, 1987, p. 12). Segundo o crítico, antes mesmo de
ser um recurso artístico, essa dualidade era – e parece ainda continuar sendo –
um dado de observação comum no dia-a-dia nacional. Entre o rural e o urbano,
a cidade do conto também reflete uma justaposição de espaços e elementos
dessas duas esferas, em uma dinâmica que mais parece um simulacro das
condições sociais e históricas do país.
Ao longo de todo o conto, vão coexistir elementos que sinalizam para um
processo de modernização e outros que apontam para o atraso de uma
sociedade tipicamente rural: “Vindo de casa a menina caminha sem pressa,
andando descalça no meio da rua, às vezes se desviando ágil para espantar as
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galinhas que bicam a grama crescida entre as pedras da sarjeta.”
(NASSAR, 2016, p. 287).
O trecho acima, ao retratar o espaço inicial do conto, instaura essa
atmosfera de dualidade entre campo e cidade: há ruas nessa cidade, mas elas
são permeadas por animais que circulam livremente. Em outro momento,
caminhão e carroça, elementos de certa forma conflitantes, dividem o espaço
dessa cidade:
Ela se põe de pé num salto, se atrapalha com a carroça parada quase em frente da máquina de arroz, e dispara. Respirando de boca aberta, já na esquina da rua principal, acompanha dali o caminhão velho que vem rodando, levantando uma poeira amarela, a carroçaria sacolejando, fazendo um barulhão dos diabos nessa hora pachorrenta em que tudo está quieto. (NASSAR, 2016, p. 296)
É importante notar que o ímpeto modernizador não é capaz de abolir de
imediato ou mesmo para sempre os resquícios de uma tradição tão significativa
quanto foi a cultura rural no Brasil. Reflexo disso, é o fato de que a carroça
mesmo parada, parece ser uma imagem mais clara que o caminhão que,
podendo remeter a modernidade, aparece velho, desgastado e coberto por uma
poeira amarela, revelando que a modernidade no Brasil ainda não é um dado
bem delineado, mas ainda está sendo produzida pelos discursos dominantes e
pelas representações do espaço disseminadas.
Pode-se afirmar que, no conto Menina a caminho, o espaço representado
contribuiu para desenvolver um quadro crítico da sociedade brasileira. Assim, o
olhar ingênuo da personagem principal conseguiu desvelar, através de uma
relação com espaço marcada por sua condição clandestina, aspectos da
condição social brasileira que persistem até hoje.
BIBLIOGRAFIA
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. 3ª ed. São Paulo: Brasilense, 1994. BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. São Paulo: Ribeirão Gráfica e editora, 2007. BRANDÃO, Luís Alberto. Teorias do espaço literário. São Paulo: Perspectiva,
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A ESCRITA POR IMAGENS DA CIDADE NAS CRÔNICAS DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Moema de Souza Esmeraldo 1
O intuito desse resumo expandido é elencar algumas crônicas de Carlos
Drummond de Andrade escritas para o jornal Correio da Manhã e examinar os
vestígios da construção de imagens dialéticas relacionadas, sobretudo, à cidade.
Além disso, evidenciar imagens ressignificadas em uma escrita que narra o
espaço urbano sob o olhar do autor importante intelectual brasileiro do século
XX.
Inicialmente, faz-se necessário distinguir o conceito de escrita por
imagens do pensamento. Sendo assim são importantes as observações sobre o
conceito de uma escrita por imagens aliadas à compreensão de tempo que
afasta a perspectiva linear da história, ou seja, escapam de um espaço-temporal
continuum. Para amparar o enfoque apresentado, partirei de algumas
considerações teóricas discutidas por Walter Benjamin (1994) no ensaio
intitulado Sobre o conceito da história.
A compreensão de tempo apoia-se a partir de uma descontinuidade, com
sentido que se distingue do tradicional, pressupondo parte substancial de um
pensamento por meio de uma escrita por imagens. No ensaio intitulado Sobre o
conceito da história, Walter Benjamin faz uma crítica radical ao pensamento
historicista tradicional, que concebe a linearidade histórica com o objetivo de
preencher o tempo histórico homogêneo e vazio. Para tanto, aponta que “o
passado aparece como uma imagem que perpassa veloz, como fixação rápida
e não definitiva tal qual um relâmpago” (Benjamin, 1994, p. 224).
O autor expõe que o pensamento não é apenas uma questão de
conteúdo, mas de forma (escrita), e que um projeto de escrita por imagens seria
a construção de uma filosofia por imagens. Benjamin afirma que “articular
historicamente o passado não significa conhecê-lo como ele de fato foi”
(Benjamin, 1994, p. 225), mas “significa apropriar-se de uma reminiscência tal
1. Doutoranda em Literatura, cultura e contemporaneidade, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bolsista CAPES e licenciada pela Secretaria de Educação do Distrito Federal. [email protected].
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como ela relampeja no momento de um perigo” (idem, p. 224). Assim,
o crítico, na sua tese de número seis, dentre as onze expostas, presume que:
[...] fixar uma imagem no passado como ela se apresenta no momento do perigo ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela (BENJAMIN, 1994, p. 224).
No interior da linguagem, temos acesso ao passado e à possibilidade de
dizer “que os vencidos aconteceram” apesar do devir histórico ter sido construído
a partir dos que venceram. No sentido de “[...] colocar o passado em um
momento de tensão no perigo” (BENJAMIN, 1994, p. 224), o escritor Carlos
Drummond de Andrade, em muitas das crônicas escritas para a sua coluna
Imagens no jornal Correio da Manhã e em sua poesia, consegue, ao seu modo,
não só “fixar a imagem do passado como ela se apresenta no momento do
perigo” (Benjamin, 1994, p. 224), mas também aproximar elementos que
constatam uma sua escrita por imagens do pensamento.
Nessa proposta de leitura, verificar-se-á que Drummond executa na sua
escrita, principalmente como cronista, a tarefa de um pensamento não
instrumental, mas interessado em discutir questões relacionadas às imagens
dialéticas do passado, por meio da rememoração dos espaços da cidade, para
elaborar a representação da experiência urbana, marcada pelo cotidiano e pelas
pessoas comuns que habitam a cidade.
De modo singular, o escritor mineiro, seja em sua prosa, seja em sua
poesia, elaborou uma escrita por imagens do passado que narrou
acontecimentos grandes e pequenos e conseguiu flagrar imagens do passado
que fogem a uma perspectiva linear e continuísta da história. Nessa acepção, o
crítico alemão nos diz que:
O cronista que narra os acontecimentos sem distinguir entre os grandes e os pequenos leva em conta a verdade de que nada do que aconteceu pode ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade redimida poderá apropriar-se totalmente de seu passado. Isso quer dizer que somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos seus momentos (BENJAMIN, 1994, p. 223).
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Benjamin propõe um estado de exceção permanente diferente
do imposto pela história universal, que se revela como uma fantasmagoria da
tradição dos vencedores. Em suas Teses, tem urgência em construir um conceito
de história que rompe com a linearidade temporal para obter com os fragmentos
imagens que ofereçam alegorias à interpretação. Em consonância com esse
pensamento, por exemplo, Drummond estabelece como matéria de sua literatura
imagens que representam o passado “vento de minas”, a ser reconhecido, por
exemplo, no presente, de modo intempestivo, para elaborar uma escrita que
também não obedece à memória linear do passado, como será verificado na
análise de seus textos a serem elencados para estudo.
Tendo em vista essa busca por imagens que não privilegiam a ordem
histórica dos acontecimentos, Katia Muricy (2009 chama a atenção para o
conceito de imagem dialética na obra Passagens, de Benjamin:
A noção de imagem dialética é a grande novidade da epistemologia exposta no livro Passagens, de Walter Benjamin. Essa obra constitui-se pela articulação temporal que Benjamin encontrara nas alegorias das Passagens parisienses de Baudelaire – o encontro do antigo e do moderno. A imagem dialética é a projeção, na atualidade, das fantasias e desejos da humanidade – o encontro do outrora com o agora. A imagem dialética, isto é, a dialética parada, é ambivalente: é sonho e despertar, o arcaico e o atual. Na imagem dialética, a relação entre o passado e o presente é arrancada da continuidade temporal. Não há um desenrolar dialético, mas um salto que imobiliza. É a produção de um conhecimento imediato sobre um objeto histórico constituído simultaneamente, por sua vez, nessa imobilização. O espaço desta imobilização é a linguagem, o medium das imagens dialéticas (MURICY, 2009, p. 237).
Assim, o pensamento por imagens é uma teoria que perpassa o legado
teórico benjaminiano, assim como a necessidade de interpretar imagens
dialéticas do passado, que estipula ao historiador as tarefas de explodir a
continuidade homogênea de um tempo vazio e a linearidade do processo e
trabalhar com os fragmentos e as ruínas do passado, cristalizados pelo olhar da
atualidade e pela premência do perigo.
Na sua tese de número nove, Benjamin cita a figura criada pelo pintor Paul
Klee em 1920, o angelus novus, para reconhecer a tarefa do historiador; desse
modo, constrói sua alegoria para a história: com os olhos no passado, vê as
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ruínas onde o historicista veria acontecimentos; vê catástrofes onde o
historicista faz a canonização do ponto de vista dos vencedores (Benjamin, 1994,
p. 226). Critica sobretudo a compreensão de história como acúmulo de fatos e
propõe uma história focada em construir “imagens utópicas” da história crítica, a
concepção continuísta e a concepção de uma história imobilizada em imagens.
Sobre as obras benjaminianas, Katia Muricy expõe:
As “Teses” são construídas como alegorias. As alegorias de Benjamin são imagens dialéticas, onde passado e presente fulguram simultaneamente em um conhecimento instantâneo de ambos” (p. 234) “A imagem dialética é um relâmpago. Escrita que quer falar por imagens. A revolução é um salto para o passado. Na seção N do livro Passagens, apresenta sua epistemologia, que sustenta suas teses: descontinuidade do pensamento; temporalidades simultâneas relacionadas ao instante; fragmentação da verdade; importância do minúsculo. (MURICY, 2009, p. 243).
Drummond foi, então, ao seu modo, historiador de seu tempo no sentido
proposto por Walter Benjamin, pois narrou acontecimentos pormenorizados
oficiais da história da cidade do Rio de Janeiro, que serviram de matéria para
suas crônicas, a exemplo da tentativa de remover os favelados do Morro da
Catacumba, no Rio de Janeiro; da higienização da antiga Avenida Central pelo
prefeito Pereira Passos; da demolição de edifícios em nome de uma arquitetura
mais moderna; e até dos escândalos envolvendo personalidades e funcionários
públicos fantasmas. O que predomina, contudo, para esta proposta de estudo
são as referências sobre o espaço da cidade, em especial, a cidade do Rio de
Janeiro.
Partindo-se dessas constatações, procura-se então apreender a seguir o
diálogo travado entre imagem, experiência urbana e literatura, dando destaque
aos textos drummondianos marcados por uma necessidade de representação
do passado por meio de uma escrita por imagens que relaciona o presente junto
com a representação do espaço da cidade.
Dando continuidade, esse trabalho visa, sobretudo, difundir o estudo do
espaço da cidade a partir da coluna Imagens, que Drummond publicou entre o
período de 1954 a 1969. No primeiro ano, em 1954, o cronista chegou a publicar
quase seis vezes na semana e nos anos seguintes, em média três vezes por
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semana, salvo em alguns casos de datas excepcionais ou em datas
comemorativas, em que também publicava.
Drummond já vinha contribuindo com o suplemento literário desse
importante periódico, com colunas avulsas, mas no dia 9 de janeiro de 1954,
publicou a crônica A pipa2, utilizando como título da coluna Imagens do Rio,
dando sequência a este título para todas as suas demais crônicas publicadas no
Correio da Manhã até 1969. No entanto, há uma variação desse título a partir
dos conteúdos abordados em seus textos, por exemplo, Imagens do tempo,
Imagens antigas, Imagens da história, Imagens eleitorais, Imagens da medicina,
Imagens mineiras, Imagens da vida, entre outros.
Desse modo, muitas questões valem recortes para diferentes análises da
obra do autor. Mas esta proposta de estudo centra-se em questões vinculadas a
uma escrita por imagens da cidade e da experiência urbana. As crônicas que
tematizam as transformações urbanas e estão ligadas aos acontecimentos do
dia a dia apresentam-se como uma espécie de crônica-reportagem, que passa
em sua coluna a partir de muitas críticas políticas relacionadas à experiência na
urbe. Em muitas crônicas, considerou dedicadamente sua escrita a narrar à
cidade do Rio de Janeiro, seja denunciando, seja criticando, seja ironizando, e
elegeu a cidade afetivamente como tema para muitos de seus textos, em prosa
ou em poesia.
Porém, a contradição desse espaço urbano carioca com o espaço da
lembrança da cidade interiorana de seu nascimento e infância, Itabira, cidade do
estado de Minas Gerais, marca inquietantemente a trajetória do escritor também
como cronista. Esse sentimento pode ser sinteticamente reconhecido em vários
textos, em que ilustra a necessidade de relativizar esses dois espaços.
No verso “Espírito mineiro circunspecto”, do poema Prece de mineiro no
Rio realiza-se ao se manifestar no espaço do Rio de Janeiro, haja vista que é lá
(presente) a sua morada, e a cidade bate em seu “coração, não mais no cais”
(Drummond, 2012, p. 20). Incorporando finalmente as características deste local
2 Essa crônica satiriza sobre a falta de água no Rio de Janeiro, tema frequente em muitos outros textos para o Correio da Manhã. Na citada crônica, faz referência ao carro-pipa, que será a alternativa para os moradores, em especial, da Rua Joaquim Nabuco, em Copacabana. Ressalta o custo financeiro desse tipo de fornecimento de água e comenta: “Estudemos a sociologia da pipa”.
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e encontrando o lugar onde ele se resolve, o poeta finaliza o texto
declarando seu amor à cidade (grande, urbana), diferentemente da cidade
pequena (uma cidadezinha qualquer). Assim sendo, esta acaba por se tornar
uma intensa temática para a compreensão do projeto literário de Carlos
Drummond de Andrade, que visa à ressignificação de espaços da cidade.
Em meio a tanta diversidade dos textos dentro da obra do autor que
versam sobre a rememoração de Minas Gerais, as transformações do Rio de
Janeiro, além da representação de importantes construções urbanas demolidas,
chamam atenção. Somam-se a essas crônicas aquelas que apresentam como
interlocutor o personagem João Brandão3 e os inúmeros textos que intitulou de
Imagens da lotação, em que narra experiências pela cidade ao andar de lotação,
transporte público comum em sua época.
Torna-se questionador irônico e sarcástico na série de crônicas avulsas
que publica como Imagens urbanas. A primeira recorrência do título aparece em
24 de junho de 1954, com o subtítulo Taxi-heim, que discute se o motorista de
táxi tem o direito de recusar passageiros “pela pinta” e se, como compensação,
o passageiro poderia usar o leito das ruas, a pé, em faixas longitudinais. Com
humor, conclui que “os táxis correriam por onde entendessem, vazios e calmos;
os cidadãos fariam admirável exercício físico” (DRUMMOND, 1956, p. 6).
Dando continuação ao título, a segunda crônica que nomeia de Imagens
urbanas é Conversa no escuro, a qual relaciona aspectos oriundos do mau
planejamento urbano, como o racionamento de energia elétrica, o que comprova
a atualidade dos temas abordados nessas colunas, pois as palavras de outrora
parecem ser ditas nos dias atuais, como neste trecho: “A vida na cidade grande
não é muito variada. Em julho ou agosto, infalivelmente, surge a advertência de
que é preciso economizar energia elétrica, porque a vasão do Rio Paraíba nunca
foi tão baixa nesses últimos quarenta anos (Drummond, 1956, p. 6).
3 João Brandão é figura singular na crônica de Carlos Drummond de Andrade. Não é pseudônimo, tampouco é personagem de contornos detalhados e vida própria. João Brandão poderia ser definido, pelo menos a princípio, como um “alter ego do escritor, gauche como convém ao poeta e de participação um tanto episódica em sua longa carreira de cronista”, descreve Paulo Roberto Pires (2015), no prefácio da última reedição da coletânea de crônicas do livro Caminhos de João Brandão, que foi publicado pela primeira vez em 1970.
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Outras crônicas com título de Imagens urbanas são importantes
para perfilhar as condições e as consequências da vida na cidade. Para tanto,
vale-se da imagem das ruas com protagonismo em sua escrita. No texto Nossa
rua, apresenta a enquete descoberta em uma das suas “escavações pela
Biblioteca Nacional” (Drummond, 1963, p.06), onde buscava repertório para seus
textos em meio a jornais e revistas, encontrando na folha de 1908 a reportagem
que trazia a pergunta feita a ilustres da época sobre “Qual a rua mais bonita do
Rio?”.
Dado o momento histórico da pergunta, “era de se esperar que fosse a
Avenida Central, recentemente aberta, metamorfose urbana”, e aproveita para
criticar a limpeza da “morrinha imperial realizada por Passos e Oswaldo Cruz”,
que “espalhava euforia do carioca pelos novos aspectos da cidade”. Mas para
seu espanto, teve apenas o voto de Euclides da Cunha. A maioria dos famosos
votantes, principalmente escritores, “manifestaram em favor das vias públicas,
ligadas talvez a circunstâncias da vida emocional deles próprios”. Drummond
retruca se haveria cabimento essa pergunta nos dias atuais. Para ele seria a rua
mais escondida de todas, que não sofreu com as corrosões do tempo, ou seja,
só haveria pedaços de rua que se recusaram a perder o seu caráter e “nelas se
concentra a alma heroica do Rio”.
Já na crônica Redescoberta, faz menção à importância do caminhar pela
cidade. Utiliza João Brandão, “o sem-pneu”, para redescobrir a existência de
duas ruas – da Quitanda e São José –, pois “perdera-se a memória delas na
noite dos tempos”. Ambas, depois de uma reforma do trânsito, aboliram a
passagem de veículos, e assim foi reestabelecido para o cronista “o prazer
admirável de andar”, onde as pessoas iam e vinham naturalmente, sem correr
dos automóveis ou passar por cima deles. “Enfim, uma rua como se havia em
outros tempos, onde – não é mentira não – se andava”. Ao andar pela cidade,
privilegia a rua para narrar a experiência urbana.
Diante do exposto, foi feito um exame teórico com o objetivo de analisar
a construção de um pensamento por imagens do cotidiano urbano realizada pelo
escritor mineiro, que investiu na representação de temas banais e comuns para
elaborar uma escrita a partir de fragmentos da cidade, bem como discutir a
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profusão da consciência de representar a experiência urbana; além de
examinar a escrita a partir da construção de imagens poéticas relacionadas à
cidade e à construção da representação de um imaginário urbano.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. ______. A pipa. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 09 jan. 1954, Imagens urbanas, 1o caderno. ______. Nossas ruas. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 22 ago. 1963, Imagens do Rio, 1o caderno. ______. Redescoberta. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jul. 1964, Imagens urbanas, 1o caderno. ______. Táxi-heim. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 09 abr. 1954, Imagens urbanas, 1o caderno. ______. Caminhos de João Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: ______. Mágia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas). MURICY, Katia. Alegorias da dialética: imagens e pensamento em Walter Benjamin. Rio de Janeiro: Nau, 2009.
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O ESPAÇO NA OBRA PRINCE LESTAT DE ANNE RICE COMO FORMA DE RENOVAÇÃO DO TEMA VAMPIRESCO
Patricia Hradec1
O presente artigo tem por objetivo analisar trechos da obra Prince Lestat
(2014) de Anne Rice acerca dos espaços literários apresentados na obra e
verificar como esses espaços renovam a caracterização do vampiro. Como
aporte teórico nos basearemos em Gaston Bachelard e sua obra A Poética do
Espaço (2000) bem como Maurice Blanchot e sua obra O Espaço Literário
(2011).
Prince Lestat (2014) é a 11ª obra das “Crônicas Vampirescas” de Anne
Rice, saga iniciada em 1976 com a obra Interview with the Vampire (Entrevista
com o vampiro) quando Lestat é-nos apresentado como um vilão através da
narração autobiográfica do vampiro Louis, discípulo de Lestat. Já em 1985 Lestat
passa a ser um herói na segunda obra das “Crônicas” The Vampire Lestat (O
vampiro Lestat) quando esse passa a ser um astro do rock e revela sua condição
vampiresca para os humanos mesclando assim o mundo dos vampiros com o
dos humanos. A saga vampírica continua em Prince Lestat (2014) quando os
vampiros precisarão de um líder para reagrupar a tribo dos vampiros. Em pleno
século XXI há vampiros espalhados ao redor do mundo e sua tribo (The Undead
tribe) está em completo caos e sem uma liderança efetiva, o vampiro Lestat será
empossado Príncipe Regente e reagrupará essa tribo até então ameaçada de
extinção por causa de um espírito ancestral.
Esses vampiros agrupados em diversos lugares interagem com os
espaços externos e internos. Entendemos aqui que os espaços externos são os
lugares físicos, comuns e reais do cotidiano; ou seja, os espaços geográficos. Já
os espaços internos entenderemos que são os espaços: social e psicológico
intrínseco ao texto. Social no sentido de interação entre os vampiros e interação
com o mundo dos humanos. Psicológico no sentido das reflexões feitas pelos
vampiros e pelos fatos narrados biograficamente traçando um perfil.
1 Professora Mestra e Doutoranda em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Vinculada ao MACKPESQUISA. Bolsista da CAPES. E-mail: [email protected]
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Inicialmente devemos entender que dentro de uma obra literária
encontramos diversos tipos de espaços. Santos e Oliveira (2001) destaca que
os espaços podem ser descritos como geográfico, ligado aos lugares onde a
história se desenrola; histórico, relacionado ao tempo decorrente; social,
descrevendo a relação entre as personagens; psicológico, relacionado às
características existenciais das personagens e o da linguagem, relacionado às
formas como as personagens se expressam.
Além dos diferentes tipos de espaços, devemos entender que eles
também servem para diferentes objetivos. Borges Filho (2008) descreve sete
funções do espaço: 1) caracterizar as personagens; 2) influenciar os atos; 3)
propiciar a ação; 4) situar geograficamente a história; 5) representar sentimentos
vividos dentro da história; 6) estabelecer contrastes entre as personagens e 7)
antecipar a narrativa. Sendo assim, além dos diversos objetivos a que se propõe,
dentro de uma obra literária encontramos também diversos tipos de espaços,
mas dentro da obra Prince Lestat (2014) analisaremos apenas o geográfico, o
social e o psicológico pois esses nortearam nossos estudos dentro do espaço e
evidenciarão as mudanças no que diz respeito à renovação da figura do vampiro.
Logo nos primeiros capítulos somos informados que há vampiros
espalhados em todas as partes do mundo, eles estão na Europa (Paris,
Amsterdã, Londres), Estados Unidos (Nova Iorque), Brasil (Rio de Janeiro e
Selvas da Amazônia), Nepal (Katmandu), Índia (Nova Deli), e em vários outros
lugares. A partir de uma crise mundial, vampiros ao redor do mundo vêm sendo
destruídos: “Burning last night in Kathmandu.”2 (RICE, 2014, p. 130); “The
Burning was annihilating the vampires of India.”3 (RICE, 2014, p. 131); “Vampires
have been slaughtered in Mumbai, […] It is the same as in Tokyo and Beijing.
Havens and sanctuaries burnt […] A frantic vampire calling from Hong Kong
poured out her fears to Benji.”4 (RICE, 2014, p. 125). Por conta dessa ameaça
2 Queimada ontem à noite em Katmandu. (RICE, 2015, p. 144) 3 A Queimada estava aniquilando os vampiros da Índia. (RICE, 2015, p. 145). 4 Vampiros têm sido chacinados em Mumbai, […] Acontece o mesmo em Tóquio e em Pequim. Refúgios e santuários queimados […] Uma vampira em pânico que ligava de Hong Kong despejou seus temores sobre Benji. (RICE, 2015, p. 138)
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de extinção é que os vampiros irão se agrupar e se unir enquanto tribo
e é nesse momento que precisarão de um líder.
Observamos assim que a função do espaço é situar essa tribo dos
vampiros ao redor do globo terrestre, levando a um efeito que propiciará uma
ação: a tribo precisará ser comandada de alguma forma. Estar esses vampiros
espalhados ao redor do mundo indica que eles têm de alguma maneira se
modernizado e podem passar por humanos o que corresponde à outra função:
a de caracterizar as personagens.
O Brasil, mais precisamente o Rio de Janeiro, aparecerá na trama, mas
as Selvas da Amazônia serão cruciais para o desenrolar da narrativa. Há
vampiros morando no Rio de Janeiro, em Santa Teresa, famoso bairro boêmio.
“‘Stay away from that coven house in Santa Teresa.’ He sent the message
telepathically […]”5 (RICE, 2014, p. 138), o bairro de Santa Teresa no Rio de
Janeiro tem uma localização privilegiada com vista para o Corcovado, também
é famoso por casarões antigos, e é o lar de vários intelectuais, acadêmicos,
artistas que buscam qualidade de vida além de historicidade e cultura, poderia
ser um ótimo lugar para um refúgio vampírico.
Os vampiros Marius e Daniel moram no Rio de Janeiro mas não sabemos
exatamente em qual bairro: “[...] the flowers he’d seen in Rio de Janeiro [...]
always the faces of the beautiful Brazilians he encountered everywhere, walking
through the nighttime rain forest of Corcovado, or on the endless beaches of the
city, or in the noisy garishly lighted nightclubs he frequented, […] from the frothy
margin of the ocean.”6 (RICE, 2014, p. 135).
Bachelard (2000) relata que “[…] a casa é o nosso canto do mundo. [...] o
nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. [...]” (BACHELARD, 2000, p.
24) e os relatos de aniquilamento dos vampiros abalam esse mundo, muitos
5 “Fique afastado daquela casa de irmandade em Santa Teresa.” Ele enviou a mensagem telepaticamente [...] (RICE, 2015, p. 152) 6 […] das flores que ele vira no Rio de Janeiro [...] sempre os rostos dos belos brasileiros que ele encontrava em todos os lugares, andando à noite pela mata do Corcovado, ou nas inúmeras praias da cidade, ou nas barulhentas casas noturnas com iluminação extravagante que frequentava, [...] da espumosa orla do oceano. (RICE, 2015, p. 149)
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acabam buscando refúgio em outros lugares supostamente mais
seguros, abalando assim o próprio universo vampírico.
O fato dos vampiros estarem espalhados pelo mundo causa a renovação
da figura porque indica que o vampiro não está no castelo gótico, como um
aristocrata, mas está em lugares comuns, lugares que até podemos conhecer e
ou frequentar. O vampiro não é mais o estrangeiro, o diferente, ele é o ‘real’. E
conforme Blanchot (2011) explica: “O ‘real’ é aquilo com que a nossa relação é
sempre viva e nos deixa sempre a iniciativa, [...]” (BLANCHOT, 2011, p. 279).
Esses vampiros circulam entre nós, frequentando os mesmos lugares que nós,
não estão mais fechados em algum castelo longínquo, estão nas nossas ruas e
podem até ser nossos vizinhos.
Outro lugar de destaque na obra são as Selvas da Amazônia, título do 12º
capítulo, lugar de refúgio para as irmãs bruxas-vampiras Maharet e Mekare que
antes de serem aniquiladas eram consideradas as anciãs da tribo dos vampiros.
Quando Lestat tenta conversar com elas para pedir o reagrupamento da tribo,
ele e o amigo David ficam em uma pousada em Manaus. “[…] He said he knew
of a fashionable little jungle lodge about thirty miles out of Manaus located on the
Acajatuba River. [...]”7 (RICE, 2014, p. 212). Novamente temos uma localização
real aqui no Brasil, um espaço geográfico que irá ser crucial para o desenrolar
da narrativa na medida em que a floresta é o local de refúgio das anciãs
escolhido para que não fossem perturbadas.
Dentro da narrativa evidencia-se também o espaço social, ou seja, as
infinitas relações entre vampiros e humanos, como dito anteriormente, o mundo
dos vampiros convive com o dos humanos em harmonia. Observe o trecho a
seguir: dois humanos, Rose e Viktor estão conversando com o vampiro Louis em
perfeita harmonia. Louis não está tentando matar ou se alimentar dos humanos,
antes estão conversando de maneira pacífica e calma.
He was irresistible. Rose had been listening to him for hours. […] Viktor too had been listening, […] right now she was listening to Louis. Louis shied away from bright electric lights, a soul of the nineteenth century, he confessed, preferring these
7 Ele disse que conhecia uma pequena pousada charmosa no meio da selva, a mais ou menos cinquenta quilômetros de Manaus, situada no rio Acajatuba. (RICE, 2015, p. 235)
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old-fashioned candles and especially here in this high glass apartment with the brightness of Midtown […]8 (RICE, 2014, p. 333)
Convém ressaltar que a tecnologia e a ciência também permeiam a obra
e serão cruciais para a renovação do tema vampiresco dentro do espaço social.
Há uma rede de comunicação entre os vampiros ao redor do mundo feita através
de uma rádio que transmite notícias via internet.
[…] Benji Mahmoud was probably twelve years old when Marius made him a vampire, […] born in Israel to a Bedouin family, then hired and imported into the United States by the family if a young female piano player named Sybelle – who was clearly insane – so that he could be Sybelle’s companion. […] he was living in New York with Armand and Louis and Sybelle, and he had invented the radio station […] it was broadcast at first, […] he soon operated the program as an internet radio stream out of the townhouse on the Upper East Side, often speaking to the Children of the Darkness nightly and inviting their phone calls from all over the world. […] He just talked, talked to Us and paid no attention whatsoever to the vampire-fiction enthusiasts or little Goths […]9 (RICE, 2014, p.13 e 14)
A tecnologia é usada em favor dos vampiros: “[…] the world itself has
changed so dramatically in the last thirty years, […] What with computers now it
is entirely possible to unite and strengthen the Great Family in a way that simply
wasn’t possible before.”10 (RICE, 2014, p. 39). A tribo dos vampiros ao redor do
8 Ele era irresistível. Rose o estava escutando há horas. [...] Viktor também o estava escutando, [...] naquele exato momento ela estava escutando Louis. Louis evitava as brilhantes luzes elétricas, uma alma do século XIX, ele confessava, preferindo aquelas antiquadas velas, sobretudo naquele apartamento de vidro com a luminosidade de Midtown [...] (RICE, 2015, p. 369)
9 [...] Benji Mahmoud tivesse provavelmente doze anos de idade quando Marius fez dele um vampiro, [...] nascera em Israel numa família de beduínos, então fora contratado e levado para os Estados Unidos pela família de uma jovem pianista chamada Sybelle – que era claramente insana – de modo que ele pudesse ser um companheiro para a garota. [...] ele já estava morando em Nova Iorque com Armand, Louis e Sybelle, e ele já havia inventado a estação de rádio [...] no início se tratava de uma transmissão tradicional, [...] logo passou a operar o programa de rádio como um stream via internet ao vivo da residência no Upper East Side, frequentemente falando com as Crianças da Escuridão todas as noites e convidando-as a realizar ligações telefônicas de todas as partes do mundo. [...] Ele simplesmente falava, falava a Nós e não prestava nenhuma atenção aos entusiastas de historinhas de vampiro ou aos pequenos góticos [...] (RICE, 2015, p. 14 e 15) 10 […] o mundo em si mudou de modo tão dramático nos últimos trinta anos, [...] Agora com os computadores é totalmente possível unir e fortalecer a Grande Família de uma maneira que não era possível antes. (RICE, 2015, p. 42)
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mundo vem sendo organizada e essa tribo não atrapalha o andamento
da humanidade, os vampiros não são uma ameaça aos humanos, convivem em
perfeita harmonia e transitam entre os dois mundos: o dos vampiros e o dos
humanos.
No que diz respeito ao espaço psicológico há inúmeras reflexões sobre o
mundo dos vampiros, mas iremos nos ater ao vampiro Louis que continua
refletindo sobre suas atitudes vampíricas iniciada na primeira obra Interview with
the vampire (1976).
Louis sat there, back to the trunk of the tree, a copy of his memoir, Interview with the Vampire, the memoir that had sparked the Vampire Chronicles, open on his lap. […] Louis read the words he’d spoken years ago to Daniel Malloy when Daniel had been an eager and enchanted human, […]11 (RICE, 2014, p. 446).
Louis relembra suas palavras num espaço psicológico vivido. Bachelard
(2000) nos informa que “[...] o espaço percebido pela imaginação não pode ser
o espaço indiferente entregue à mensuração [...] É um espaço vivido. E vivido
não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação.”
(BACHELARD, 2000, p. 19).
Devemos lembrar que Louis conta sua história, a partir de seu ponto de
vista tanto que para ele Lestat era um vilão, um vampiro sanguinário, bem
diferente daquele apresentado em Prince Lestat (2014), um líder, um herói que
comandará a tribo.
Bachelard (2000), citando Baudelaire, diz que “Para Baudelaire, o
destino poético do homem é o do ser o espelho da imensidão; ou, mais
exatamente ainda, a imensidão vem tomar consciência de si mesma no
homem. Para Baudelaire, o homem é um ser vasto.” (BACHELARD, 2000, p.
201). Neste respeito, Louis toma consciência de si mesmo.
11 Louis estava ali sentado, as costas voltadas para o tronco da árvore, um exemplar de suas memórias, Entrevista com o vampiro, as memórias que haviam aceso a chama das Crônicas Vampirescas, aberto no colo. [...] Louis lia as palavras que proferira anos atrás a Daniel Malloy, quando este era um ansioso e encantado ser humano, [...] (RICE, 2015, p. 494).
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But no other understanding was needed. He knew this. […] For what he’d been, the being he’d been, required no confessions to those he knew and loved, but only that he love them and affirm their purpose with his transformed soul. […] He had not perished. That might be his only significant accomplishment. He had survived. Yes, he’d been defeated, more than once. But fortune had refused to release him. And he was here now, whole, and quietly accepting of the fact though he honestly did not know why.12 (RICE, 2014, p. 447)
Louis agora reflete sobre sua vivência: “His mind was no longer stubborn
and locked against its vagrant possibilities and wild, escalating light.”13 (RICE,
2014, p. 447). E sobre isso Bachelard (2000) diz: “É um ‘poder da palavra’. [...]
Traduz uma convicção vital, uma convicção íntima.” (BACHELARD, 2000, p. 201
e 202).
Ainda sobre a questão da memória, Blanchot (2011) demonstra como “[...]
Mallarmé reconhece ‘um duplo estado da fala [...]’ A fala em estado bruto
‘relaciona-se com a realidade das coisas’. [...] A fala essencial distancia-as, fá-
las desaparecer, ela é sempre alusiva, sugestiva, evocativa. [...]” (BLANCHOT,
2011, p. 32). Podemos entender esse duplo estado da fala quando Lestat
questiona Jesse se é feliz sendo vampira.
‘Were you happy in the Blood?’ I asked suddenly. She was startled. ‘What do you mean?’ ‘In the beginning, during those first years. Were you happy?’ ‘Yes,’ she said. ‘And, I know that I will be happy again. Life is a gift. Immortality is a precious gift. It shouldn’t be called the Dark Gift. That’s not fair.”14 (RICE, 2014, p. 66).
12 Mas nenhuma outra compreensão era necessária. Ele sabia disso. [...] Pois o que ele fora, o ser que havia sido, não requeria nenhuma confissão àqueles que conhecia e amava, mas apenas que os amasse e que afirmasse seus propósitos com sua alma transformada. [...] Ele não perecera. Esse talvez tivesse sido seu único êxito significativo. Sobrevivera. Sim, ele havia sido derrotado, mais de uma vez. Porém a sorte se recusara a abandoná-lo. E ele estava ali, inteiro, e silenciosamente aquiescente ao fato, embora honestamente não soubesse o motivo. (RICE, 2015, p. 495 e 496)
13 Sua mente não era mais teimosa e selada contras suas próprias possibilidades errantes e sua luz selvagem e cada mais acentuada. (RICE, 2015, p. 495)
14 – Você já foi feliz no Sangue? – perguntei subitamente. Ela ficou sobressaltada. – Como assim? – No começo, durante aqueles primeiros anos. Você era feliz? – Era. E eu sei que eu ficarei feliz novamente. A vida é uma dádiva. A imortalidade é uma dádiva preciosa. Não deveria ser chamada de Dom Escuro. Isso não é justo.” (RICE, 2015, p. 73)
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
É interessante notar que a função desse espaço interacional é
representar os sentimentos vividos, a busca da felicidade tão comum para os
humanos, é um sentimento também vampírico, renovando a figura vampírica na
medida em que sofre, tem sentimentos humanos e reflete sobre sua existência.
Embora a obra seja repleta de outros exemplos que se aplicam aos
espaços literários, vimos aqui apenas alguns que indicam o propósito de cada
espaço delimitado na obra. Vimos o espaço físico que serve como representante
do mundo real, o espaço social entrelaçando os dois mundos: o vampírico e o
humano e por último vimos o espaço psicológico com a intenção de representar
sentimentos vividos.
REFERÊNCIAS BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 5ª tiragem. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. BORGES FILHO, Ozíris. “Espaço e literatura: introdução à topoanálise”. In: Tessituras, Interações, Convergências. XI Congresso Internacional da ABRALIC. São Paulo, 2008. <http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf> .Acesso em: 13 nov. 2017, às 8h54min. RICE, Anne. Prince Lestat. Nova York: Alfred A. Knopf, 2014. ______ Príncipe Lestat. Tradução de Alexandre D’Elia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2015. SANTOS, Luis Alberto Brandão e OLIVEIRA, Silvana Pessoa de. Sujeito, tempo e espaço ficcionais: introdução à teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
PORTOS DE ANCORAGEM – REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS NA POÉTICA DE DAMÁRIO DA CRUZ
Rodrigo de Carvalho Oliveira1 Igor Rossoni2
Maria das Graças Meirelles Correia3
INTRODUÇÃO
O conceito de espaço é multifuncional e transdisciplinar, pois perpassa
campos teóricos diversos. Todavia, dentre as possibilidades investigativas, uma
das principais abordagens no campo literário se dá através da noção de
representatividade do espaço (BORGES FILHO, 2015). Em termos analíticos, o
conceito de espaço literário pode ser desenvolvido a partir de planos expressivos
distintos que refletem modos de criação estética e intenções discursivas
específicas, os quais, ao tratar de literatura, depreendem uso de recursos
plurissignificativos de linguagem.
A poesia na literatura contemporânea, de modo geral, incorpora valores
expressivos que subvertem modelos tradicionais, visto que, além de promover
inovação estrutural, por meio de técnicas experimentais, recursos gráficos e
diferentes formas de difusão do texto literário, é marcada por tendências
estéticas que, dentre tantas, retratam temáticas urbanas e do cotidiano. Assim,
apresenta perspectivas singulares no que tange à representação espacial, por
desenvolver, a depender da linguagem adotada pelo autor, inter-relações entre
obra, leitor, bem como o autor, que se transmutam em decorrência dos
elementos textuais e contextuais. Assim, o processo receptivo ora pode decorrer
de uma leitura criativa − em que as imagens poéticas são mais abstratas e
generalizadas, pluralizando os sentidos do texto −, ora uma leitura sensorial, em
que as imagens poéticas são específicas e referencializadas, possibilitando de
1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];
2 Professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, colaborador do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 3 Professora do Instituto Federal da Bahia campus Santo Amaro, coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
modo proeminente identificações contextuais e identitárias do leitor
para com a obra.
Neste sentido, o presente trabalho visa a tecer reflexões comparatistas
sobre os poemas “Rio Paraguaçu”, presente no livro Re(sumo) (Pouso da
Palavra Edições, 2008) e “Calmaria”, no livro Todo risco: o ofício da paixão
(Livro.com, 2012), do escritor baiano Damário Dacruz por intermédio do conceito
da representação do espaço. O escritor nasceu em Salvador - BA, mas viveu
muitos anos em Cachoeira, no mesmo estado. A cidade faz parte do território de
identidade do Recôncavo Baiano, região de grande relevância histórica no Brasil,
visto o patrimônio histórico, artístico e arquitetônico que se manteve preservado
com expressiva cena cultural, composta por manifestações populares, religiosas
afro-brasileiras e quilombolas, tais como a Festa da Irmandade da Boa Morte,
Festa D’ajuda, Ternos de Reis e grupos de Samba de Roda, bem como festas
literárias e festivais de cinema, música e artes visuais que se integram
anualmente ao calendário cultural da localidade. O autor fundou o “Pouso da
Palavra”, local que ajudou a compor e expandir a cena cultural cima descrita,
realizando exposições, encontros literários e recitais. Além de poeta, Damário foi
jornalista e fotógrafo, destacando-se pela composição de cartazes poéticos que
coadunam fotografia e literatura. Além desta marca estética, a linguagem
cotidiana, fragmentada, com versos livres que retratam temas existenciais são
recorrentes em sua obra, constantes nos livros Vela Branca (1973), Todo risco:
o ofício da paixão (Livro.com, 2012), O segredo das pipas (EPP Publicações e
Publicidade, 2003), Re(sumo) (Pouso da Palavra Edições, 2008), Bem que te
avisei (Uefs Editora, 2010, volume póstumo). Outrossim, parte dos textos focaliza
a representação do espaço local e respectivas significações, posto a temática da
pesquisa supracitada. O autor faleceu, em 2010, vítima de problemas
respiratórios, e parte da obra literária está exposta no Pouso da Palavra.
Deste modo, objetiva-se evidenciar as representações espaciais por
intermédio do discurso poético deste escritor baiano no corpus em questão. Em
“Rio Paraguaçu”, averígua-se referências espaciais de cunho geográfico e
citadino vivenciadas pela voz lírica que privilegiam instâncias tópicas e
particularizadas da cidade de Cachoeira-BA. Em “Calmaria”, por sua vez, a
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
análise recai sobre o espaço de interioridade para qual o eu-lírico se
vê transportado, diluindo as particularidades em proveito do espaço concernente
à condição de universalidade. Assim, se apresenta a metáfora “Portos de
ancoragem” no título do trabalho que, além de simbolizar cenário poético
constante nos textos selecionados – região portuária, rios, barcos e demais
elementos correlacionados a este espaços – conota a finalidade do mesmo: tecer
relações comparatistas entre os textos, investigando sob quais discursos e
métodos estéticos se ancoram os modos de representações espaciais na
linguagem poética de cada poema.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente trabalho se integra às atividades de pesquisa do projeto OXE:
literatura baiana contemporânea que atua no IFBA – Campus Santo Amaro e
promove a leitura literária como prática de fruição estética e interação social,
privilegiando a produção literária da Bahia compreendida em período de 50 anos,
dos finais da década de 70 do século XX aos dias atuais. Além disso, é a
continuação da pesquisa também voltada à discussão do espaço literário
iniciada em 2016, Espaço Urbano e Identitário na poesia de Damário Dacruz, a
qual se ateve em investigar representações de espaços físicos e simbólicos da
cidade de Cachoeira em poemas e foto-poemas do autor. O estudo atual,
pretende denotar os recursos de linguagem utilizadas pelo autor que divergem
do estudado anteriormente. Visto que majoritariamente a produção poética de
Damário tangencia a perspectiva espacial, foi necessário especificar o corpus.
Para tanto, selecionou-se um texto poético que apresenta relação com o espaço
físico e urbano de Cachoeira-BA: “Rio Paraguaçu”; já analisado em 2016, mas
também optou-se em reinseri-lo para fins comparativos com o poema “Calmaria”,
em que as referências espaciais se universalizam. Por conseguinte, realizou-se
levantamento bibliográfico concernente aos elementos que compõem o universo
aqui evidenciado – ou seja, espaço literário, paisagem urbana; contextualização
histórica e identidade cultural de Cachoeira. Por fim, a análise comparatista dos
textos selecionados culmina a proposta geral do trabalho.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
No poema “Rio Paraguaçu” os signos linguísticos criam imagens poéticas
identificáveis extratextualmente que são corriqueiras na cidade de Cachoeira,
como a orla do rio, a ponte metálica rodoferroviária que a liga à cidade de São
Félix e à região de estuário. Tais paisagens se conformam na memória de quem
mora ou visita a localidade. A seguir, o texto:
Este rio cabe apenas nos meus sossegos Essa água acumula nas marés os meus segredos Essa ponte junta gente separa medos Essa gente mata o rio a ponte e os próprios dedos (2008, p. 24)
Neste sentido, além da projeção da palavra poética que rememora objetos
e lugares factuais, se observa a representação do espaço através da linguagem
que, de certo modo, exige percepção sensível para o ato da leitura, pois os
sentidos advindos das palavras "rio", "ponte", "água", "gente" são corpos
materiais identificáveis no mundo sensível.
O cenário poético descrito pelo eu-lírico suscita possível momento de
contemplação da paisagem urbana da orla deste rio, em Cachoeira, posto o
registro poético da primeira estrofe que metaforiza a calmaria das águas, seguido
da segunda estrofe que sublima a imagem do encontro com o mar ao manifestar
“essa água / acumula nas marés / os meus segredos”, afirmando a condição de
inspiração e reflexão do eu-lírico frente ao referido elemento da paisagem local.
É possível observar repercussões da vivência tópica do autor no poema,
fato que se evidencia em entrevista concedida para "Olhar Recôncavo", na qual
se discute a escolha de ter a cidade de Cachoeira como morada:
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Por que eu troquei o mar pelo rio? Eu sempre respondo brincando: o mar é exagerado, o mar é algo muito exagerado. E eu prefiro o rio, porque o rio tem uma determinação impressionante de só ir. O rio tem um sonho, uma utopia que eu acho extraordinário: [...] o rio, vai adoçar esse mar imenso. (DACRUZ, 2010)
Ao deslocar o olhar para a ponte de ferro, a calmaria da água doce, de
modo análogo às águas agitadas do mar elucidadas acima, se contrapõe à
paisagem urbana conturbada na ponte que liga as duas cidades (Cachoeira e
São Félix), visível devido a movimentação constante de pedestres, automóveis
e dos ruídos estridentes do trânsito, quer trem ou carros. Nestes termos, nota-
se uma progressão de sentidos valorados serenos/conturbados no texto para
que este registro poemático transcenda significados; dentre eles, alertar o
descuido ambiental frente a preservação do rio, bem como os efeitos sociais
advindos de negligência e descaso. (Essa gente / mata o rio / a ponte / e os
próprios dedos).
Depreende-se que, ao imprimir instâncias espaciais particularizantes, se
observa as intenções do escritor no que tange ao uso da linguagem poética,
gerando processos de identificação e potencialização de sentidos principalmente
aos leitores da cidade, da região do Recôncavo Baiano ou que conhecem a
localidade.
Em “Calmaria”, por sua vez, as referências relacionadas aos espaços
citadinos não são diretamente discriminadas. Ao invés, surgem como metáforas
que evidenciam estado oposto ao anterior; ou seja, de universalidade.
A seguir, o poema:
A que porto busca este barco de madeira podre? Haverá cais livre nos mares humanos que hospede silenciosamente um navegante suicida num barco podre? Os portos estão fechados às naus da liberdade, Os corações dos homens já não acalmam
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as correntes violentas da razão dominadora. O barco da liberdade apodrece nas mãos de todos. (1993, p. 20)
Em primeiro plano, com tom interrogativo, o engendramento das palavras
suscita reflexões existenciais voltadas à condição humana. O sentido de
serenidade, o qual transparece o título do poema, é posto em contradição com
o corpo textual que, por sua vez, tende a revelar estado de instabilidade e
indagação do eu-lírico. A linguagem poética, neste caso, torna-se mais
impessoal, pois não há presença de elementos que se refiram diretamente à voz-
lírica, tal como ocorre no primeiro texto: “meus sossegos”, “meus segredos”.
Consequentemente, as possibilidades de leitura se amplificam.
As referências espaciais “cais”, “porto”, “barco”, “naus”, “mares” são
elementos identificáveis no mundo sensível. Entretanto, pertencentes à qualquer
espaço, não se atém unicamente à paisagem citadina referendada no primeiro
poema. Devido à condição de generalidade impressa para a representação
destes espaços, o processo de criação de imagens poéticas depreende em mais
evidência a leitura criativa; isto é, exige que o receptor construa imagens de
objetos/espaços que não necessariamente se encontram exatamente em local
conhecido; em detrimento de “Rio Paraguaçu”, o qual sugere uma leitura mais
sensorial ao determinar o local abordado.
Enquanto temática, pode-se destacar a defesa à liberdade humana e,
principalmente, a dificuldade em assegurá-la: “Os portos estão fechados / às
naus da liberdade”, “O barco da liberdade / apodrece nas mãos de todos”. Além
disso, as categorias espaciais “barco” e “naus” metaforizam o sentimento de
estar à deriva ao qual o eu-lírico se vê transportado. Bem como, “porto” e “cais”
são referências espaciais que conotam seguridade e possibilidade de refúgio.
Mesmo apresentando a universalidade enquanto abordagem de
representação poética-discursiva, para leitores que conhecem o espaço citadino
do cais do porto do Rio Paraguaçu na cidade de Cachoeira, bem como pelo título
“Calmaria” que repercute as águas calmas constante no poema 1 e a saber da
vivência tópica do autor na região, é possível particularizar a representação
espacial neste texto, tal como ocorre no primeiro. Assim, a pluralidade de
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sentidos poéticos se expande a medida que, simultaneamente, pode-
se manifestar uma localidade particular, bem como retratar qualquer outro local.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível perceber, a partir da análise comparatista dos textos, os usos
de linguagem que repercutem representações espaciais distintas no discurso
poético Damário Dacruz. No poema "Rio Paraguaçu", as palavras rememoram
espaços representativos na cidade, sendo identificáveis no mundo sensível.
Privilegia-se, então, instâncias tópicas e particularizadas da cidade de
Cachoeira-BA. A leitura depreende percepção sensível do espaço para gerar
processos de identificação principalmente em leitores que conhecem a
localidade. Em “Calmaria”, no que lhe concerne, as particularidades espaciais
são diluídas, apresentando instâncias universais para expressar o estado interior
da voz-lírica. Para tanto, a linguagem poética se torna mais impessoal e o
processo de criação de imagens poéticas depreende leitura criativa em mais
evidência, em detrimento de “Rio Paraguaçu” que sugere uma leitura mais
sensorial.
REFERÊNCIAS
BORGES FILHO, O. Afinal de contas, que espaço é esse? In: BORGES FILHO, O.B, LOPES, A. M. C., LOPES, A. L. (Org.) Espaço e Literatura: Perspectivas. Franca (SP): Ribeirão Gráfica e Editora, 2015. p. 13-39. DACRUZ, D. Damário Dacruz - Criação Poética: depoimento [2010]. Entrevistador: ALMEIDA, Maísa. Cachoeira: UFRB, 2010. Entrevista concedida ao projeto Olhar do Recôncavo. Disponível em <https://youtu.be/6lSK1XPkXH8> Acesso em 21 nov. 2017. ---------. Re(sumo). Cachoeira: Pouso das Palavras Edições, 2008. p. 24. ---------. Todo risco: o ofício da paixão. Salvador: Livro.com, 2012. p. 45.
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CHIMAMANDA ADICHIE E SEUS DESLOCAMENTOS EM AMERICANAH
Regina Fatima Oliveira de Sá1
Em entrevista concedida à primeira Ministra da Escócia, Nicola Ferguson
Sturgeon, a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie comenta como foi
escrever o livro Dear Ijeawale: or a feminist manifest in fifteen suggestions.2
Nesta a autora confessa que quando uma amiga lhe pediu conselhos, não sabia
o que dizer ou pensar, mas logo viu que escrever sobre isso seria como "um
mapa" de seu próprio pensamento. Chimamanda, portanto, acredita na
importância dos ‘mapas’ para registrar, espacialmente, os seus pensamentos.
Quem sabe, inspirada, por Moretti que diz que os mapas trazem à luz a lógica
interna da narrativa (apud TALLY, 2013: 110)
A partir desta perspectiva espacial pode ser questionado o que está sendo
retratado no mapa da obra Americanah. Chimamanda, neste romance lançado
em 2013 pela Companhia das Letras, nos apresenta uma gama de personagens
africanos e estadunidenses ao nos fazer adentrar em suas casas, trabalhos,
escolas e outras localidades no seu dia-a-dia.
Chimamanda habilmente nos apresenta personagens, culturas, modos de
ser que nos fazem participar ativamente da narrativa: deixamos de ser estranhos
àquele local e criamos identificação com o que está sendo narrado. O leitor
participa da estória, tem a possibilidade de viver a experiência do outro, sentir os
aromas, a textura, os sabores daquilo que no seu "mundo real" não lhe é
permitido. Esse leitor sai da egológica cartesiana da modernidade para uma
geológica que abre espaço para as interrogações sobre as produções univocais
de significado e as verdades do mundo atual.
Interessante notar que é através dos espaços presentes na literatura, que
são imaginados, fluídos e mágicos e que não só refletem/simbolizam lugares
físicos, que os mais variados tipos de leitores, de todas as cores de pele,
1 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Literatura em Língua Inglesa-Universidade
Estadual do Rio de Janeiro ( UERJ).Professora do Colégio Pedro I. [email protected] No Brasil: “Para educar crianças feministas”. 2 No Brasil: “Para educar crianças feministas”.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
conseguem atravessar as barreiras interculturais e chegam para
comungar da mesma experiência narrativa.
São os salões de traças africanas, entre tantos outros lugares
frequentados pelos personagens do romance, que eu gostaria de analisar como
exemplo de ‘locais’ (locales), cuja ‘espacialidade e temporalidade estão
contextualmente interligados em inseparáveis conexões de relações de poder.’
(ANTHONY GIDDENS apud SOJA, 1989:150)
Uma das passagens mais comentada na entrevista do Tenement
Museum3 (2014) é a do salão de tranças africanas que Ifemelu frequenta.
Inclusive, a capa do livro no Brasil é uma vasta cabeleira representando este
assunto que é repetidamente abordado no livro. Chimamanda, assim como
Foucault, percebe que os lugares descritos por ela, no romance, são centros de
controle que dominam os espaços sociais com suas "táticas do habitat"
(FOUCAULT, 1986, p. 212). A própria entrevistadora observa que o salão de
tranças é um segregador. Durante a mesma entrevista Chimamanda esclarece:
Existe um tipo de subcultura das mulheres da África Ocidental presente nos salões dos Estados Unidos. [...] Parecido com uma máfia… uma máfia branda [Chimamanda ri]. [Lá] você pode perceber que quem fala melhor o inglês é sempre a pessoa responsável pelo estabelecimento comercial. [...] Para mim o mais fascinante é assistir como elas se tornam versões delas mesmas. Então quando uma afro-americana chega no salão, elas mudam o comportamento. Quando uma africana chega, mudam novamente. Assistir elas navegarem esses espaços enquanto ficam constantemente no celular mandando dinheiro para alguém no Senegal, Mali, Gana via o Western Union é bastante interessante...
Durante a entrevista Chimamanda discorre sobre a razão da repetição
deste assunto: “não é só cabelo”, falar sobre cabelo também é falar sobre como
uma pessoa pode chegar em sua plenitude. É sobre como descobrir “a si
mesmo. É sobre ser dona de si mesmo do jeito que você é.” Ela conclui que
acredita ter conseguido alcançar esta plenitude e que queria que sua
personagem, Ifemelu, também tivesse essa oportunidade de autoconhecimento.
3 Chimimanda Ngozi Adichie: On Hair Em: www.youtube.com/watch?v=WWuRA61N8jA
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
A autora de Americanah demonstra, nas longas sessões de
cinco ou seis horas necessárias para trançar um cabelo afro, o microcosmo dos
diferentes países africanos representados pelas funcionárias do salão de
tranças. A autora expõe os diferentes saberes das representantes dessas
diferentes nações, que retratam diferentes níveis de autoridade sobre os mais
variados assuntos: qualidade dos filmes de Nollywood ,motivos para regressar à
África, técnica de trançamento, o valor de ser uma estudante bolsista nos
Estados Unidos, a importância de se ter um green card e de se casar ou não
com um homem de outra(s) partes da África, etc. (Adichie, 2013: 17-25, 47-48,
113-114)
São essas variações – múltiplas possibilidades do mundo contemporâneo
– que estão sendo narradas nas páginas deste romance. Os temas são muitos:
feminismo, racismo, deslocamento, preconceito, cultura, etc. Apesar dos vários
flashbacks presentes no livro, em ordem cronológica a estória começa com
Ifemelu e Obinze (o primeiro e último amor de Ifemelu) ainda estudando numa
escola da Nigéria durante o governo militar. Obinze tem um fascínio pelos
Estados Unidos, mas é Ifemelu quem vai morar lá e anos mais tarde ganha uma
bolsa de estudos para uma pós-graduação na Universidade de Princeton.
Obinze, por sua vez, vai para Londres, mas como não consegue se estabelecer
na cidade como gostaria, acaba lavando banheiros, por não ter visto, e tem
problemas com a polícia. Porém, ao retornar para a Nigéria, Obinze,
rapidamente, torna-se milionário. Americanah, é uma história de amor entre
seres plurais, cidadãos híbridos, no qual ora o leitor se identifica, ora estranha,
sentindo-se em casa ou um completo turista numa terra desconhecida.
Chimamanda escreve uma história de amor contemporânea. No livro
Spatiality de Robert Talley as ideias de Fredric Jameson sobre o ‘gênero literário’
são elaboradas. O gênero é um contrato social entre o autor e o seu público
específico, cuja função é fazer uso desse artefato cultural. Assim sendo os
parâmetros deste gênero literário ajudam a estabelecer um ‘ mundo projetado
daquela estória (Tally, 2013:56) Um ‘mundo projetado daquela estória’ parece
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ser, novamente, um tipo de mapa. Chimamanda declara suas
intenções em entrevista à Pen America4, e diz:
Em Americanah eu queria falar do presente. Eu queria escrever para as pessoas do presente. Eu queria escrever este texto contemporâneo sobre amor, obviamente... mas também sobre o emigrante africano com o qual eu estou familiarizada. Porque eu acho que a narrativa encontrada no mundo ocidental sobre os emigrantes africanos é aquela que mostra eles fugindo da pobreza, guerra e catástrofe. Essas histórias são importantes mas elas nunca me pareceram familiares, porque não é a estória que eu conheço. Eu queria escrever sobre as pessoas que não estão morrendo. Que estejam no meio de uma guerra mas que estão sonhando com mais alguma coisa. E para os que este 'sonhar mais' é sinônimo de ‘América’. [...] E também sobre o africano que está no seu país e está bem, ele até tem um emprego mas escolhe deixar o país. E de repente ele está lavando privadas em Londres. Eu queria falar sobre 'como é essa coisa’ e como isso afeta o relacionamento com os seus colegas.”
Como a própria Chimamanda alerta em seu famoso TED Talk sobre: o
perigo de uma única história5 (2009). Chimamanda contribui para que hajam
várias estórias entre seus personagens e assim sejam possíveis várias
construções de realidade para seus leitores.
A contemporaneidade está associada à angústia. Por meio da ficção
neste romance, podemos estar em Lagos, Londres ou Princeton no tempo
presente ou rememorado a adolescência da personagem principal, Ifemelu. Essa
movimentação intensa, tão característica da contemporaneidade, gera uma
pluralidade de sensações, entre elas, a sensação de angústia pelo não
pertencimento integral a nenhum dos espaços (desenraizamento). Mas, com
suas “configurações novas do visível, do dizível e do pensável” (RANCIÈRE,
2010a), com seu lirismo e também humor, Chimamanda nos dá uma narrativa –
embora desconcertante – também sensorial, divertida, e, por isso, afirmativa.
Angústia é a palavra da vez. A falta de certezas, a fragmentação, as
mudanças constantes e a sua rapidez, os meios de comunicação gerando mais
4 Chimamanda and Trevor Noah- Em: www.youtube.com/watch?v=yiX5XvykVSk
5 Chimamanda Ngnozi Adichie TED Talk Em:
https://www.youtube.com/watch?v=wQk17RPuhW8
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
e mais informação que não pode ser processada em tempo hábil... tudo
ajuda a criar um ser humano praticamente esquizofrênico que não consegue
distinguir a verdade da fantasia, num mundo em que tudo parece funcionar de
forma
incoerente. Ihab Hassane distingue o pós-modernismo (apud Tally, 2013:
38 ) como uma atitude que privilegia a dispersão, a desconstrução e
intermitência dos sistemas metafóricos que não tem um ponto central mas na
verdade, múltiplos. O romance de Chimamnada tem essa multiplicidade. Nas
suas 520 páginas existem vários temas repetidos e confrontados, mas sempre
sendo narrados do ponto de vista de um narrador que também parece ser
nigeriano vivendo longe de seu país. Ao longo o leitor tem a lembrança de já ter
visto situação parecida de racismo, machismo ou discriminação. Ironicamente, o
leitor durante a leitura de Americanah acaba, simultaneamente, se identificando
e se confrontando ( procurando entender as metáforas talvez) com as situações
expostas.
Quando Anthony Giddens apresenta o conceito de vida social formada
por multicamadas de locais ( locales) hierarquicamente constituídos. Ele se
refere a uma estrutura topológica que apesar de ser mutável e permutável, está
sempre presente para englobar, situar, e constituir toda ação humana (apud
Soja 1989: 148) .A entrevistadora do Tenement Talk, intuitivamente, como
Giddens (e Soja), percebe a mesma coisa: as representações espaciais
legitimam, segregam, reorganizam, protegem, incluem e excluem pessoas e
saberes. Digo saberes pois Foucault nos instrui que a epistemologia é
caracterizada por vários saberes, e que estes, em determinado momento,
passam para o discurso ganhando forma de poder.
Por conseguinte, já que onde existe forma, existe conhecimento e poder
(FOUCAULT, 2013), ocorre uma negociação interessante entre a Ifemelu e
Aisha, uma atendente no salão de tranças. Aisha, que trançava os cabelos de
Ifemelu para de trabalhar dizendo que iria ligar para os seus dois namorados e
pedir para que eles fossem ao salão para Ifemelu opinar sobre com qual ela,
Aisha, deveria se casar. Aisha pensava que Ifemelu sendo igbo poderia orientar
os homens sobre o casamento e fazer uma escolha para eles. Ao ler essa
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
passagem do romance o leitor se depara com essa situação inusitada;
a atendente, uma profissional, deixa de concluir o serviço para tirar uma dúvida
sobre uma questão puramente pessoal. (ADICHIE, 2013: 25)
Essa possibilidade de flexibilização das estruturas na vida social que gera
essa negociação, entre a Aisha e Ifemelu, faz com que a atendente do salão
pense ser possível fazer a consulta à sua nova cliente que acabou de conhecer
faz pouco mais de 3 (três) horas. Imagino que um salão de cabelereiro em outras
partes do mundo, com clientes de outras nacionalidades, isso nunca poderia
acontecer. Seria algo completamente inconcebível.
As reações poderiam ser muitas: no caso de Ifemelu, não houve
estranhamento e ela ficou pensando como isso poderia ser um tema para um
artigo de seu blog. O assunto seria algo tipo: “como as pressões da vida de
imigrante podem deixar você maluco.” Giddens (1979,1984) afirma que existe
uma dualidade na estrutura topológica e uma flexibilização nas condutas
humanas. Essas características podem restringir como facilitar a própria ação e,
assim, criam um contínuo processo de escolhas dentro da estruturação
existente. A possibilidade de uma ato individualizado dentre tantas opções
universais.
Conhecendo a vida acadêmica de Chimamanda Ngozi Adichie podemos
supor que suas escolhas não foram ao acaso. Apesar de ter começado seus
estudos na Universidade da Nigéria, onde estudou medicina por um ano, passou
por Drexel Univeristy (Filadelfia) e Eastern Connecticut State Univesity. Obteve
um mestrado em Escrita Criativa (John Hopkins), passou alguns anos em
Princeton e Harvard fazendo cursos de pós-graduação e obteve um Doutorado
em Estudos Africanos (Yale). Chimamanda, como os outros autores da terceira
geração de escritores nigerianos, que escolheram falar sobre temas
relacionados à problemas sociais contemporâneos, seus deslocamentos e a
ficção urbana, estão propositalmente ressignificando o que é ser nigeriano e
abrindo portas para novas possibilidades de ver o mundo.
CONCLUSÃO
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Como diz a acadêmica Carole Boyce- Davies (Emenyonu, 2017
: 236) é no blog que Ifemelu alcança o empoderamento ( agency) pois é no blog
que ela se torna um sujeito de resistência no que consegue colocar em palavras,
os vários desafios de ser negro nos Estados Unidos da América. Em seu blog os
assuntos são tratados de forma mais direta e não como no resto do romance
quando aparecem muitas vezes nas entrelinhas da narrativa. Dessa forma ela,
Ifemelu, a blogeira, empodera os leitores que se identificam com as experiências
relatadas.
E é nesse mesmo blog que Ifemelu pergunta ao seu leitor o que ele acha
que aconteceria se um dia Michelle Obama acordasse e resolvesse que não iria
mais alisar o cabelo (Adichie, 2013: 321). Chimamanda chega a dizer, na
entrevista que concede à Synne Rifbjerg6, e em outras, que se Michelle Obama
deixasse de alisar o cabelo o Barak Obama não teria ganho a eleição. Ela
complementa: “Os americanos teriam olhado para ela ( Michelle) e pensando “
Meu Deus! Ela é uma ‘black panther”7 Ela está usando uma afro! ”
Afinal, o que é mais assustador? Que uma escritora, premiada, passe boa
parte do romance tratando sobre um assunto tão prosaico como cabelo ou o fato
de um presidente poder se eleger ou não depender de como sua esposa usa o
cabelo?
Uma coisa é certa, existe muito poder sendo discutido nas entrelinhas deste
romance. O título de um dos blogs de Ifemelu, página 321, diz: “o cabelo como
metáfora de raça”. Fica a pergunta: Então estávamos falando de raça o tempo
todo? Entre tantas outras coisas, sim.8
REFERÊNCIAS
ADICHIE, Chimamanda. Americanah. São Paulo, Companhia das Letras, 2014
6 Chimamanda Ngozi Adichie: “If Michelle Obama had natural hair, Barack Obama would not have
won’ Em: www.youtube.com/watch?v=tz8MHG-IIYM
7 Membro do grupo Panteras Negras, grupo revolucionário norte-americano ligado ao
nacionalismo negro.
8 Nota: todas as traduções de produções cujos títulos estão em inglês são minhas. Todas as
traduções das falas da Chimamanda Adichie, retiradas dos vídeos de entrevista, também.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
EMENYONU, Ernest (editor) A Companion to Chimamanda Ngozi Adichie,. James Currey, 2017 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Edições Graal, 1986. GAUNTLETT, David. Media, Gender and Identity: an introduction. Routledge, 2002. RANCIÈRE,Jacques. O espectador emancipado, Martins Fontes. São Paulo, 2010a. SOJA, Edward Postmodern Geographies: The reassertion of space in critical social theory, Verso, London, 1989. TALLY JR, Robert. Spatiality, New York, Routledge, 2013.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS (INTER)DITOS: CONFIGURAÇÕES DA EXPERIÊNCIA SUBALTERNA EM O VENTO ASSOBIANDO NAS GRUAS, DE LÍDIA JORGE
Profª Ma Risonelha de Sousa Lins- IFPB/UERN Profª Drª Rosangela Vieira Freire IFCE
Considerações iniciais
A escritora Lídia Jorge destaca-se entre os ficcionistas portugueses, cuja
produção estética é capaz de fomentar debates sobre as transformações
históricas, políticas e sociais de Portugal, ocorridas a partir da "Revolução dos
Cravos", quando as relações sociais eram extremamente carregadas de
preconceitos e diferenças de classe. As narrativas jorgianas expõem aos leitores
as forças políticas, ideológicas e sociais que envolvem os indivíduos numa
relação feita de opressores e subalternos.
Conforme Thomas Bonnici (2007), o termo subalterno remonta à obra de
Gramsci (1891-1937) e estava ligado às lutas da classe trabalhadora, todavia,
graças às perspectivas dos estudos pós-coloniais, passou a ser empregado em
referência aos grupos subjugados e marginalizados por uma classe dominante.
Considerando-se tais critérios dentro da realidade histórica da Europa,
Zolin (2012) assevera que os negros, as mulheres e os índios sobressaem-se
como os focos dessa conduta de discriminação. Logo, essa perspectiva de
leitura permite-nos verificar as implicações sociais do arquivo da cultura,
inconscientemente, posta na mente dos sujeitos, funcionando como garantia da
manutenção das relações de poder.
Baseando-se, portanto, na prática ideológica localizada, que resguarda
variadas dimensões da existência empírica dos sujeitos de margem, incapazes
de falar de sua condição, não pela qualidade do seu testemunho, mas pelo fato
das palavras serem insuficientes para abarcar a dimensão do que experimentou,
este artigo pretende analisar a configuração do subalterno na obra O vento
assobiando nas gruas (2007), da escritora portuguesa Lídia Jorge, investigando
as relações dicotômicas e problemáticas entre dominantes e dominados dentro
do espaço de relações históricas e sociais de Portugal. Publicada em Portugal
em 2002, esta obra mostra a verdadeira face da colonização e suas reais
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
consequências sobre a mente dos negros imigrantes e da mulher
domesticada pelas estruturas de poder.
Os percursos da subalternidade em O vento assobiando nas gruas, de Lídia Jorge
De modo geral, a narrativa segue o fluxo de consciência da narradora,
uma jovem pertencente aos Leandros, família branca, tradicional,
preconceituosa e cheia de artimanhas, que narra a trajetória da prima, moça
“oligofrênica” (problema clínico de vivência de uma idade diferente da
cronológica) e seu envolvimento com Antonino, filho viúvo da família Mata, grupo
de cabo-verdianos, recém-chegados a Valmares (cidade portuguesa fictícia),
onde desenvolvem as profissões de construtores, operador de gruas e cantor.
A moça realiza normalmente quase todas as atividades, todavia não
consegue elaborar ou entender discursos mais complexos, necessitando das
palavras dos outros. Seu comportamento é sempre discriminado pela família,
adotando uma existência limitada e cheia de invisibilidade enquanto sujeito,
assemelhando-se em condição aos negros com quem acaba se relacionando
satisfatoriamente. Para os Leandros, ela não passava de um “erro da natureza”
(JORGE, 2007, p.424), uma rapariga “feia, insignificante” “[...] destinada a existir
para inquietar os outros (p.422), atributos também aplicados aos caboverdianos
por Afonso Leandro, quando os descreve ao holandês Van de Berg:
Um bando de pessoas lentas, pessoas sem noção do alheio, longe das horas do relógio e dos dias do calendário [...] que não sabiam fazer mais nada além de amassar cimento e colocar tijolo sobre tijolo, actos primitivos anteriores à civilização. A noite guardavam eles para dançar e fazer filhos [...] (JORGE, 2007, p.275).
Verifica-se nas palavras do advogado uma série de preconceitos ligados
ao comportamento, à profissão, à inteligência dos negros, negando-se-lhes uma
condição digna dentro das relações sociais. Apontados como primitivo,
instintivos e problemáticos, os negros são degradados e reduzidos a objetos.
Assim, com base no pressuposto de que o homem se constitui como sujeito a
partir de suas relações com os outros, pode-se inferir haver uma limitação de
espaços, uma opressão à classe e à raça e, consequentemente, a imposição de
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
valores do grupo dominante, no caso, os Leandros, para quem os
trabalhadores da terceira leva eram apenas “graves problemas no futuro”.
As Matas mantêm-se, portanto, em posição de desvantagem pela
dependência econômica a uma estrutura social, vista hierarquicamente como
superior e lhes é negado espaço de voz para defender os próprios interesses.
Como nos garante Spivak (2010), os subalternos sofrem com as imposições das
classes opressoras e buscam uma identidade através da qual possam negociar
com o estrato social dominante.
Essa identidade, posta, conforme Hall (2006), “entre o interior e o exterior
– entre o mundo pessoal e o público” torna-se uma espécie de negociação com
as estruturas de poder, garantindo uma relação estável entre os desejos
individuais do oprimido e “os lugares que ocupa no mundo social e cultural”
(p.12). Nesse percurso, a memória, a autoafirmação e a necessidade de articular
seus pensamentos tornam-se uma forma de superar o espaço tenso e restrito de
ação.
A dificuldade de Milene em articular o pensamento para explicar aos tios
a morte da avó Regina Leandro, já que se encontravam ausentes, é a mesma
dos caboverdianos para provar que a cor de sua pele não lhes tira a nobreza de
caráter.
O percurso de Milene, vista sob o prisma de uma loucura manipulada e
oprimida pelos tios, evidencia as mesmas práticas e regras que privilegiam os
detentores do poder que se sobrepõem aos mais fracos numa relação
reificadora. Os Leandros circulam em meio aos privilégios da classe média alta,
exercem as profissões de político, advogado, dona de clínica e empresário e
conservam o princípio da superioridade racial e econômica, trabalhando para a
alienação dos fatos em favor de si mesmos.
Os Matas, por sua vez, marginalizados e esmagados pela diferenças de
classe e de raça, tentam imprimir ao espaço as suas necessidades de fuga aos
estereótipos históricos e sociais já assimilados, ou seja, em virtude de estarem
inseridos no prédio da velha Fábrica de Conservas Leandro 1908, espaço que
marcava os tempos de glória da família Leandro e ainda com alto valor de
mercado pela localização, essa família caboverdiana sente-se na posse de uma
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
nova posição social, garantida pela ostentação de aparelhos
eletrônicos e por reuniões de amigos para assistir aos shows do membro artista
da família, Janina Mata King. A nova morada representa a superação do estado
subumano do bairro de lata, ironicamente, chamado de Bairro dos Espelhos,
onde viviam ignorados.
O Bairro dos Espelhos é rejeitado pelos Matas por ser símbolo do
adensamento da miséria e insignificância social, entretanto, esse espaço aponta
para a dupla visão da realidade vivenciada pelos africanos dentro das estruturas
históricas e sociais de sua exploração, uma vez que é descrito pelo narrador
como um lugar ideal ao africano, um refrigério diante da situação de seca,
vivenciada em seu país de origem, ao mesmo tempo em que surge como espaço
de oposição, onde se situam os insignificantes, os deserdados e invisíveis,
postando-se como “um aglomerado raso, sem nome no mapa”. Assim os
descreve a narradora do romance, uma anônima prima da protagonista Milena
“O Bairro dos Espelhos não passava de um aglomerado raso, sem nome no
mapa [...].A maioria das pessoas [...] provinha de terras inscritas na faixa
marítima do Sahel, pedaços desgarrados de África” (JORGE,2007,p.39)
Observa-se que, apesar de anuírem quanto à capacidade de produção
que tinham pelo fato de poderem melhorar, guardar e multiplicar o diamante
(nome usado como referência à fabrica), os Mata reconheciam-se como
inferiores, prisioneiros da condição econômica, da cor da pele,da opressão
histórica, responsável por uma invisibilidade a ser utopicamente rompida com o
futuro sucesso de Janina Mata King por meio da música:
Tudo aquilo [...] Era a justiça feita à família dos Mata [...]. Eram os encarcerados das ilhas pobres do Terceiro Mundo, saindo da fome e da sede directamente para a televisão [...] os pobres, os afastados, os transumantes, os deserdados nas horas maiores da televisão (JORGE, 2007, p. 306-307).
O sonho de igualdade dos “pobres, afastados, transumantes, deserdados”
viria com o reconhecimento das suas capacidades criadoras, do seu talento e,
consequentemente, aumentando o poder aquisitivo e apagando os pressupostos
de sua incapacidade. Felícia Mata sonhava com peças de ouro a cobrir-lhe o
corpo: “uma onda que [...] lhe arremessava peças de oiro aos pés. Nem lhe
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
apetecia acordar. Todo o seu corpo enfeitado de jóias caras. Afinal o
mar era o Coliseu, as jóias eram as palmas” (Ibidem, p.105).
Segundo Chevalier e Gheerbrant (2012), para os africanos, o ouro é o
símbolo da realeza e da imutabilidade, podendo representar a felicidade ou um
fardo a quem o possui. Logo, esse desejo de poder depositado nas mãos de
Janina traz para a família esse dualismo, ora alimentando a euforia e o consumo
dos bens desejados pela família, numa autoconsciência dos marginalizados e
sua ânsia de superar as limitações de raça e de classe, conduzidas durante
séculos pela herança do poder e da opressão: “a glória na vida, na acção”,ora
arrastando-os a caminhos outrora rejeitados.
Em conexão com a cultura dos Matas, o prédio da velha fábrica reflete o
rompimento das gerações mais novas e a lembrança da geração mais velha. A
avó Ana Mata projeta no espaço os desejos de retorno à pátria
abandonada,vendo nos esgotos a céu aberto a água dos rios que restauraria sua
condição de imigrante, enquanto sua família polui as águas com excesso de
comida e odores de sabonetes baratos: “os rios de Ana Mata [...] cheiravam
melhor na hora do banho” (JORGE, 2007, p.199). Para Edward Said (2003,
p.52), o exilado busca uma nova identidade a partir “da fratura entre o eu e o seu
verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada”. Deste modo, o
sentido trágico da existência e a memória da terra de origem, vivenciados nas
percepções espaciais da avó Mata, registram o apego à cultura e a consciência
da desigualdade, alimentando o desejo de voltar à terra natal: “Dei minha
confiança para vir e voltar. Mas agora vocês querem morrer todos nesta terra
diferente da nossa. E ela não é boa para os meus ossos, não é boa para os
ossos dos Mata” (JORGE, 2007,p.319).
Tentando distinguir-se dentro da estrutura social, onde exerciam
profissões ligadas ao trabalho braçal, como os demais africanos migrantes, a
família Mata empreende um eco de progresso que firme sua significância aos
amigos, ainda moradores do Bairro dos Espelhos. Nesse sentido, o espaço da
fábrica reflete as aspirações, anelos e frustrações dos subalternos, que por meio
das possibilidades materiais e espirituais das experiências particulares tentam
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301 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
“atuar sobre o mundo [...]” e “adaptar-se ao meio físico. (BORGES
FILHO, 2016, p.96), enfrentando o “o problema crucial dos contatos humanos
(Ibidem p.105).
Os Matas, deslocados da estrutura miserável do Bairro de Lata, tentavam
se autoafirmar diante dos Leandros, ressaltando suas potencialidades para a
música, suas qualidades morais e sua honestidade frente ao contrato com os
Leandros, bem como a capacidade de adaptação à nova posição social por meio
do consumo desenfreado de eletrônicos, certificação do futuro promissor da
família aos moradores do Bairro dos Espelhos: “três aparelhos de televisão, o
maior deles com capacidade para alcançar para cima de trezentos canais”
(JORGE, 2007, 2002).
O capital simbólico dos Leandros leva Felícia Mata a confirmar a
subjugação do seu povo, assegurando que sempre foram confiáveis, uma vez
que nunca se impuseram ao dominador, nem questionaram a posição ocupada.
Esse tipo de existência não só os objetificava, mas também os tornava estranhos
e incômodos à cultura hegemônica.
Gayatri Spivak (2010), em seu ensaio Pode o subalterno falar? Confirma
a indisponibilidade de fala para o subalterno, pois este não se insere nos espaços
hegemônicos de poder, mantendo-se sob domínio por meio de restrições e atos
de violência. Assim ocorre com o casal Antonino Mata e Milene Leandro, uma
vez que a tia da moça, Margarida Leandro, após a tentativa inútil de dissuadir a
sobrinha do casamento com um dos “Mata, essa cambada da terceira vaga”
(JORGE, 2007, p.119), articula fazer uma cirurgia para torná-la infértil, a
bissetriz.
De acordo com Zygmunt Bauman (1998), dentro do tecido de relações
sociais, existe sempre um conflito entre a maioria e o diferente que gera duas
atitudes diversas em prol da estabilidade desejada. A primeira consiste em
“aniquilar os estranhos, devorando-os e, depois, metabolicamente,
transformando-os num tecido indistinguível do que já havia” (p.29), ou seja,
trabalhá-lo de tal forma que ele se torne idêntico a maioria, diluindo-se no todo;
a segunda compreende “vomitar os estranhos, bani-los dos limites do mundo
ordeiro” (p.29), o que implica suprimi-lo do grupo, evitando as possíveis
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modificações no todo. Caso isso não ocorra, parte-se para a morte do
estranho. Angela Margarida estabelece que o erro “não precisa de
consequências (p. 418),por isso engana e mutila a sobrinha a fim de evitar a
miscigenação.
Além disso, o ato violento é justificado com orgulho pela tia como princípio
humanitário que garantirá a pureza dos Leandro e a manutenção dos bens nas
mãos de seus geradores.
Observa-se que, embora Milene tivesse um comportamento incomum,
seu desejo era ser feliz, ser mãe e ser independente junto a Antonino, todavia
seu direito à voz e à subjetividade é desrespeitado e sua trajetória modificada,
conforme a conveniência dos tios. Por conseguinte, o corpo de Milene torna-se
lugar de inscrição, onde a violência concretiza o preconceito e a marginalidade.
A casa, “núcleo permanente e [...] bem que acompanha o ser humano ao
longo de sua existência” (BACHELARD,1989, p. 35) não só situa os personagens
do romance, mas também os traduz. Nela, os Leandros exibiam o luxo devido a
sua posição social, com objetos caros e fino acabamento como a do tio
Ludovice, que se movia sobre o “ verniz do soalho, no fino tapete da sala”
(JORGE,2007, p.236). Por outro lado, a casa da avó Regina, no Quilômetro
44,Vila Regina, onde morava a sua neta Milene era avaliada pelos herdeiros
como um imóvel sem valor, “uma boa construção em situação vermelha” (Ibidem,
p.126); tal como a casa, a moça era desvalorizada pela família e vivia sempre
tentando descobrir o seu valor. Talvez fosse, como afirma a narradora, “um
objecto inútil” (Ibidem, p146). Nota-se, portanto, no percurso da trama, que a
subalternidade emerge não somente enquanto relação de classes, mas também
enquanto conceitos e valores internalizados pelos sujeitos sociais.
Considerações finais
Nas considerações aqui apresentadas, observamos que a realidade é
configurada no romance sob um ponto de vista espacial capaz de evidenciar as
relações entre os sujeitos e o seu derredor, bem como as normas que o regem,
atuando como elemento significativo na construção estética. Logo, a dominação
e subjugação enraizadas nas relações coloniais, perpetuadas, de certo modo,
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303 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
nos complexos relacionamentos do mundo contemporâneo, permitem-
nos compreender tanto as marcas das vivências históricas quanto a
subjetividade humana, que emerge da repressão e do silêncio impostos pela
sociedade a certos grupos e gêneros. Isto nos confirma que “um espaço ou um
tempo inventados, ficcionais [...] não raro subvertem _ ou enriquecem, ou fazem
explodir_ nossa visão das coisas (LINS,1976,p.64).
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BONNICI, Thomas. Teoria e crítica literária feminista: conceitos e tendências. Maringá: EDUEM, 2007.
BORGES FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoanálise. Franca: Ribeirão Gráfica e Editora, 2007. ______.A distinção: crítica social do julgamento. Tradução de Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo: Edusp;Porto Alegre: Zouk,2007. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 24 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012. HALL, STUART. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Thomas Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. JORGE, Lídia.O vento assobiando nas gruas. Rio de Janeiro:Record,2007. LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976. SAID, Edward.Reflexões sobre o exílio. In: Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo:Companhia das Letras,2003 SPIVAK , Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar?Tradução de Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa e André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora UFMG,2010. ZOLIN, Lúcia Osana. Pós-Colonialismo, Feminismo e Construção de Identidades na Ficção Brasileira Contemporânea Escrita por Mulheres. * Revista Brasileira de Literatura Comparada, n.21, 2012.
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304 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
ESPAÇOS OPOSTOS E IDENTIDADES HISTÓRICAS: UMA LEITURA TOPOANALÍTICA DE A COSTA DOS MURMÚRIOS, DE LÍDIA JORGE
Rosangela Vieira Freire - IFCE1 Risonelha de Sousa Lins - IFPB/UERN2
Considerações iniciais
Este trabalho se propõe a analise do espaço ficcional no “conto” Os
gafanhotos, texto de abertura do livro A costa dos murmúrios, da escritora
portuguesa Lídia Jorge. Reconhecida como uma das mais importantes escritoras
europeias e, em Portugal, Lídia Jorge integra uma geração marcada pela
experiência da ditadura, da relação colonial, da violência da guerra. Esse tempo
sombrio, a noite da “civilização” se impõe com muita firmeza em A costa dos
murmúrios. Ambientado na cidade da Beira, em Moçambique, uma das ex-
colônias portuguesas, o romance inicia-se com um conto: Os gafanhotos.
Carregado de simbologias e, diferentemente de Maria Mutema, encravado no
meio do caudaloso Grande sertão: veredas, do mineiro Guimarães Rosa, Os
gafanhotos constitui a rampa de lançamento de uma narrativa maior,
desenvolvida na segunda parte em nove capítulos.
O conto Os gafanhotos é a narrativa de abertura do romance, possui
título, epígrafe e o narrador concede-lhe um limite pela palavra FIM. O romance,
que acolhe o conto, na iminência de completar 20 anos de publicação, remete-
nos aos anos duros da colonização portuguesa na África, especialmente, em
Moçambique, um dos países em que o processo “civilizatório” foi mais acirrado.
Cabe à narradora Eva, voz condutora da segunda parte do romance, minuciar
os fatos condensados em Os gafanhotos.
O romance, A costa dos murmúrios, ao trazer como texto inaugural da
obra um conto, reporta-nos a Bakhtin (1990, p. 397) para quem “o romance é o
único gênero por se constituir, e ainda inacabado. [...] O nascimento e a
formação do gênero romanesco realizam-se sob a plena luz da História. Para
1IFCE- INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ/ CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM LETRAS. E-MAIL: [email protected] 2DOUTORANDA-UERN – RN E PROFESSORA DO IFPB- INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA PARAÍBA/ CURSO SUPERIOR DE LICENCIATURA EM LETRAS. E-MAIL: risonelha@gmail. com
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
corroborar o pensamento bakhtiniano sobre o romance, observemos a
declaração da escritora Lídia Jorge3,
[...] o meu projeto é o do confronto com a mudança social e do mundo, o que faz que escreva alguma coisa que se quer comparável a uma crónica do tempo. De um tempo transfigurado naturalmente, mas esta relação com o que estamos a viver atualmente é a de uma época tão funda como ficcionável.
Percebe-se que, embora não se expresse exatamente igual ao teórico
russo, Lídia Jorge também admite que sua escrita é movente, dialoga com o
contexto social, com a época. Logo, [...] a ossatura do romance enquanto gênero
ainda está longe de ser consolidada, e não podemos ainda prever todas as suas
possibilidades plásticas.” (Bakhtin, 1990, p. 397). Por isso mesmo, tempo e
espaço estão atrelados, entranhados, como algo indissolúvel.
Espacialidade em “Os gafanhotos”
Como já foi antecipado, dois relatos compõem o romance: o primeiro
apresenta-se em forma de um conto intitulado Os gafanhotos. Essa narrativa
lida com espaços opostos: metrópole/colônia, hotel Stella Maris/mar. Percebe-
se, conforme Weisgerber (1978), que em A costa dos murmúrios “o mundo da
narrativa se constitui, à semelhança do mundo em que vivemos, um conjunto
espácio-temporal onde lugares e instantes de ação se interpenetram”. Vejamos
como o espaço interfere na construção das identidades e dos discursos dos
sujeitos ficcionais em relações dicotômicas. Nesse sentido, silenciados e
portadores de voz digladiam na arena ficcional.
O conto narra a festa matrimonial do alferes português Luís Alex e sua
noiva portuguesa Evita, cobrindo um período dois dias. Como estão em guerra,
há uma suspensão temporária dos combates belicosos para que se comemore
o casamento. As bodas acontecem no hotel onde os convidados se divertem e
os noivos,
Já não estavam junto de nenhum altar, mas no terraço do Stella Maris cujas janelas abriam ao Índico. No terraço, obviamente,
3https://www.dn.pt/artes/interior/lidia-jorge-sou-uma-escritora-pre-filmica-5128780.html
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não havia janelas, apenas pilares sobre os quais se estendia uma cobertura suave mas suficientemente protectora para se poder receber um cortejo daquela importância e quantidade (2009, p. 04)
O hotel se constitui no espaço eleito pelos soldados lusitanos que lutam
em Moçambique pela expansão portuguesa durante o período salazarista. O
nome do hotel já denuncia a maneira como as personagens lidam com o espaço
do Império. Stella Maris denota a superioridade portuguesa na expansão
colonial. Oriunda do latim, stella, ae – estrela; mare, maris – mar: estrela do mar,
essa denominação de Estrela do Mar, além de realçar a localização do hotel,
postado à beira-mar; também alude à áurea expansão colonial desencadeada
através da exploração marítima. Portugal, historicamente, definiu-se como a
“estrela do mar”, também como “guia” de suas colônias.
Conforme Lefebvre (apud SIMÕES, 2017, p. 122),
[...] O espaço é político e ideológico. Há uma ideologia no espaço. Porquê? O espaço que parece homogêneo, que parece dado como um bloco na sua objetividade, na sua forma pura, tal como o constatamos é um produto social.
Embora pensado para o espaço social, o conceito desenvolvido por
Lefebvre também se aplica ao espaço literário porque ele representa uma
experiência vivenciada. E os espaços em que se desenvolve a narrativa de Lídia
Jorge, em Os Gafanhotos, ratificam que eles são políticos e ideológicos.
E o espaço de Moçambique, embora inicialmente empírico para Lídia
Jorge, converte-se num espaço político e ideológico para ambientar seu texto.
Ela esteve lá, lecionando em Moçambique, enquanto acompanhava o marido
militar.
Em sua palestra na PUCRS, a escritora mencionou a emblemática chuva dos gafanhotos. Mais do que a imagem, os sons da festa dos moçambicanos que assavam os insetos em fogueiras, por todo canto, e o escárnio dos oficiais e suas esposas, que a tudo assistiam das janelas do hotel, nunca a abandonaram. Com o tempo, os sons se transformaram em murmúrios que a habitaram até o dia em que decidiu transformar
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em literatura o seu fragmento vivido — e ainda vívido — de história4.
De acordo com Borges Filho (2007: 50), não se deve confundir o conceito
“ambiente” com o de espaço, quando nos referirmos à topoanálise, pois ela é “a
soma de cenário ou natureza mais a impregnação de um clima psicológico”. Essa
reflexão nos autoriza dizer que Lídia Jorge interiorizou esses microespaços
experienciados pessoalmente para tecer seu texto, já que as vozes, os sons, as
imagens “nunca a abandonaram”.
Na mestria do narrador que ela elege para a condução da narrativa, a
referência ostensiva a vocábulos que sugerem, espacialmente, uma posição de
superioridade como, por exemplo, “terraço” (21 vezes), “de cima” (10 vezes),
“subir” (7 vezes), “sol” (4 vezes); “astros” (3 vezes), “céu” (2 vezes), leva-nos a
refletir que “céu” implica um espaço de poder e que, por extensão, dialoga com
império, instância terrena de poder. A escolha do “terraço” só evidencia a
magnitude de que se reveste o país colonizador.
Durante os dois dias em que aconteceram os festejos, chegaram à costa
inúmeros corpos de negros, mortos por envenenamento:
Vejam, é uma nuvem de gafanhotos que passa abaixo do nível superior do Stella. Como o nevoeiro nas falésias da Europa. Reparem como as luzes os ofuscam, reparem como cheira a quitina quebrada, reparem como eles volitam, afocinham e
caem! (JORGE, 2009, 32).
Percebidas essas dicotomias espaciais, “uma nuvem de gafanhotos que
passa abaixo do nível superior do Stella”, demarca-se a oposição entre quem
invade e quem é invadido. Embora o mar seja o espaço da amplidão, é ele que
é visto de cima, ou seja, do terraço do hotel, mas pelo espetáculo tétrico que é
deixado na areia. Para que o genocídio seja afastado das mãos colonizadoras,
o capitão das “imensas condecorações” se pronuncia:
«Não temos nada a ver com esta cegada» — disse ele. «E para já tudo o que devemos fazer é manter-nos à distância» (JORGE, 2009: 12).
4 Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Web/x-sihl/media/comunicacao-6.pdf. Acesso em 30 de dezembro de 2017. A COSTA DOS MURMÚRIOS DO ROMANCE DE LÍDIA JORGE E DO CINEMA DE MARGARIDA CARDOSO: Olhares femininos sobre a guerra colonial. DOVAL, Camila Canali (PUCRS)
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
«Porque aí esses gajos, os blacks, descobriram no porto um carregamento de vinte bidons de álcool metílico que iam a caminho duma tinturaria, e pensaram que era vinho branco, e descarregaram-nos ontem de tarde, e abriram os bidons, e beberam todos, e distribuíram pelos bairros de caniço, e agora uns estão lerpando e outros vão cegar. Os que a maré trouxe foram só os que o mar encontrou, recolheu à beira e deitou. As praias vão mas é ficar coalhadas deles quando chegar a noite. Vocês vão ver. Os blacks! Vê-se mesmo que são ideias de blacks!» (JORGE, 2009, 12).
Estrategicamente, o capitão recomenda a manutenção de distância, uma
vez que não podem ser culpabilizados pela confusão feita pelos “blacks”,
ingerindo álcool etílico, supondo que fosse vinho. O uso do termo “blacks”
evidencia um tom pejorativo adotado pelo colonizador e vem de um discurso
autoritário e de autoridade: “o capitão das imensas condecorações”. As vozes
dos inúmeros moçambicanos, definitivamente silenciadas pelo envenenamento,
e todos eles referenciados pelo capitão como os “blacks” já marca uma oposição
em relação à cor: blacks, os negros.
O conto Os Gafanhotos também possui uma ressonância bíblica que não
pode deixar de ser mencionada. Lá no Pentateuco, especialmente, no livro de
Êxodo, o faraó obstinado, de coração endurecido não ordena a saída do povo
israelita, libertando-o da escravidão vivida no Egito. Deus envia dez pragas,
dentre elas, a dos gafanhotos. O envio das pragas objetivava quebrantar o
coração do faraó, permitindo a libertação dos israelitas do jugo egípcio. A praga
dos gafanhotos foi a oitava, cobriu a face da terra, a nuvem de insetos invadiu
quartos e devastou toda a plantação.
Em A Costa dos Murmúrios, observa-se uma chuva de gafanhotos na
noite de celebração do noivado de Evita e Luís Alexandre descrito no relato Os
Gafanhotos. Esses gafanhotos tanto lembram os insetos, que dizimam as
plantações, quanto os soldados portugueses que usavam fardas verdes e,
também devastam povos e suas culturas. A posição que o colonizador assume
em terras africanas é consolidada por essas imagens, isto é, o hotel Stella Maris
e a chuva de gafanhotos.
O espaço das mulheres
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Em Os Gafanhotos, narrativa introdutória de A Costa dos
murmúrios, são evidenciadas duas personagens femininas: Evita, a noiva cuja
celebração matrimonial acontece no hotel Stella Maris, e Helena, a esposa do
capitão Forza Leal. Dotada de inigualável beleza, também é conhecida por
Helena de Tróia. Em se tratando dos espaços em que essas personagens se
deslocam, percebe-se que Helena está mais limitada ao espaço doméstico,
como o lugar do “recolhimento”.
Acuada pela agressão do marido, o capitão Força Leal, circunscrever-se
aos limites da casa sugere uma postura de não exposição pessoal. Mas, o
espancamento também ocorre publicamente: “Naturalmente o capitão
esbofeteou a mulher. Ainda mais naturalmente – porque tinha a ver com a
dinâmica e a cinética – a mulher ficou encostada ao ferro [...]. Com a face
esbofeteada, era naturalmente cada vez mais linda” (JORGE, 2009, p. 29).
As pessoas, no entorno, não esboçaram nenhuma reação para apoiar a
mulher agredida, não se envolveram, não intervieram porque tudo aconteceu,
“naturalmente”. Essa ironia que permeia a agressão masculina à esposa
demarca um lugar de subalternidade, de impotência do oprimido em relação ao
opressor.
Já Evita, a noiva cujas festas de núpcias acontecem no hotel Stella Maris,
tem, em seu nome, uma redução, desperta no leitor uma sensação de
ingenuidade que perdura até o final do conto. Evita, em Os Gafanhotos, é
apenas uma jovem portuguesa que vem de Lisboa para se casar em
Moçambique com o seu antigo namorado Luís Alex, um brilhante estudioso de
Matemática que, pelas circunstâncias da guerra, está na cidade da Beira a
serviço militar.
Enquanto dura o cerimonial, Evita transborda felicidade, dança com o
noivo, no terraço do hotel. “Os noivos olhavam-se cheios de ternura” (p.15).
“Aquele era um momento cheio de encanto” (p.10). O espaço em que Evita é
posta está carregado de significados. No hotel cujas janelas dão para o Índico,
ela conhece o capitão Forza e a sua esposa, Helena de Tróia, casal com quem
conviverá, numa terra estranha e “da cor do whisky” (p. 12).
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310 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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No ambiente em que acontecem as bodas de Evita e Luis Alex,
tudo transcorre num clima de aparente tranquilidade, uma vez que há uma
suspensão dos conflitos para que o casamento não seja maculado pelos
horrores da guerra. Na verdade, tudo isso é apenas aparente, pois o conflito
continua de forma horrenda com o envenenamento dos negros.
Para a surpresa de todos, o noivo suicida-se/é assassinado na segunda
noite de festas:
Então o terraço foi fechado para que não se voltasse a sentir idêntica chamada de esplendor. Evita sentiu-se vítima duma lição tão subtil que intransmissível, sobretudo quando do cortejo, posto em semicírculo, e onde as ondas chegavam sem espuma, o major surgiu, deu um passo em frente e se curvou até aos joelhos — « Madame, os meus respeitos!» Ela voou no primeiro avião civil. O corpo dele seguiu depois, num barco militar.
O fechamento do terraço para “o velório” do alferes coincide com o final
do conto de abertura. É no fechar desse espaço que Evita se extingue e voa “no
primeiro avião civil”. Ela voa para se transformar em Eva Lopo, a protagonista da
segunda parte de A Costa dos murmúrios. Ela se despe da ingenuidade,
essência de Evita, para perscrutar, perseguir e dissecar, após vinte anos, os
fatos narrados inicialmente em “Os gafanhotos” .
A mudança de nome é simbolicamnete muito rentável, uma vez que Eva,
conforme a Bíblia foi a primeira mulher a qual, comendo o fruto da árvore do
conhecimento, é expulsa do Éden.
Eva, a protagonista de A Costa dos murmúrios, também será
conhecedora tanto dos acontecimentos ocorridos há duas décadas quanto de
tudo o que cercava a vida do alferes, o ex-marido. Esse conhecimento suscita o
degustar de um veneno e, possivelmente, detentora dessa sabedoria, seu nome
recebe um segundo Lopo.
Considerações finais
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O trabalho objetivou mostrar como o espaço interfere na
construção das identidades e dos discursos dos sujeitos ficcionais em relações
dicotômicas. Nesse sentido, silenciados e portadores de voz, opressores e
oprimidos se debatem no texto jorgiano, com ênfase para os opressores, os
detentores da voz.
Inseridos num tempo austero, o da colonização, os personagens de A
Costa dos murmúrios são situados em espaços em que ficam evidenciadas
as relações de poder, as maquinações que despistam os menos avisados das
manipulações de quem manda.
Nesses espaços, também é possível perceber a “extinção” de um
personagem, no caso de Evita, para que renasça, na segunda parte do texto,
trazendo à tona uma verdade sobre os fatos vividos em Os gafanhotos.
Referências
BAKHTIN, M. Questões de Literatura e Estética. São Paulo: Hucitec, 1990. BORGES,F. Espaço e Literatura. Introdução à topoanálise. São Paulo, Franca: Ribeirão Gráfica e editora, 2007. DOVAL,C,C. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/Ebooks/Web/x-sihl/media/comunicacao-6.pdf.. A COSTA DOS MURMÚRIOS DO ROMANCE DE LÍDIA JORGE E DO CINEMA DE MARGARIDA CARDOSO: Olhares femininos sobre a guerra colonial. (PUCRS) Acesso em 30 de dezembro de 2017. JORGE, L. A Costa dos murmúrios. Portugal: Publicações D. Quixote, 2009. SIMÕES, M. J. Arte dos espaços na construção de “Retábulo de Santa Joana Carolina”, de Osman Lins, In: O espaço literário em Osman Lins. Borges, F.O; BARBOSA, S.; ROSSONI,I (orgs). São Paulo: Todas as musas, 2017. WEISGERBER, Jean. O espaço romanesco: tentativa de definição. In: O espaço literário: textos teóricos. Uberaba –MG: Ribeirão gráfica e editora, 2016.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
LIVRO, DE JOSÉ LUÍS PEIXOTO: UM ROMANCE DE DESLOCAMENTOS QUE REFLETEM A EMIGRAÇÃO E A PRÓPRIA
LITERATURA
Rosemary Gonçalo Afonso (Doutoranda - UFRJ)
“Hay, pues, vivencias que no podrían ser expresadas por ningún gesto y que, sin
embargo, ansian expresión” (Gyorgy Lukács)1
O romance Livro, do escritor português José Luís Peixoto, tem como tema
principal a emigração portuguesa para a França. Seu enredo gira em torno do
desencontro de um casal de namorados que deixa sua pequena vila no interior
de Portugal. O rapaz, cujo o nome é Ilídio, era apenas uma criança quando a
mãe o abandonou, deixando-o aos cuidados de um amigo, o pedreiro Josué,
antes de emigrar. Quando a namorada, Adelaide, é obrigada pela tia a partir, ele
decide procurá-la em Paris. Inconscientemente, é também a mãe que busca.
Ilídio tem como companhia o amigo Cosme, que teme ser enviado para a
guerra colonial, mantida pelo governo português em suas últimas colônias
africanas.
A viagem que realizam clandestinamente: primeiro Adelaide, e logo em
seguida Ilídio e Cosme, reflete a experiência de muitos portugueses que foram
levados a deixar Portugal no decorrer do século XX, tendo a França como um
dos principais destinos. Segundo o próprio autor, apenas essa cidade europeia
recebeu quase um milhão e meio de portugueses entre 1960 e 1974.
O romance é dividido em duas partes. Na primeira, a narrativa é
tradicional, tornando claros os elementos estruturais normalmente exigidos pelo
gênero textual em questão, tais como: o foco narrativo, inicialmente em terceira
pessoa e posteriormente em primeira; o tempo da ação, que decorre entre a
segunda metade do séc.XX e a primeira década do séc.XXI; o local dos
principais acontecimentos: uma pequena vila portuguesa e a cidade de Paris; o
perfil das personagens e seus motivos para empreender suas ações. O final
dessa primeira parte é marcado pelo nascimento de uma personagem que
1 (LUKÁCS, s.d., p.23).
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recebe o nome de Livro, e que se assume como o narrador da história.
O destaque conferido a esse momento: duas e meia da tarde do dia 27 de abril
(PEIXOTO, 2012, p.204), marca ainda a coincidência de a segunda parte se
transformar no nascimento do objeto “livro” através da sua concepção teórica.
Como lembra Walter Benjamin (2011, p.81) “através de sua forma a obra
de arte é um centro vivo de reflexão”. Entendemos que o debate teórico
incorporado à narrativa, a partir da segunda parte, destaca o valor não apenas
da emigração portuguesa para a França, mas, sobretudo, da sua representação
no espaço literário; onde ela é ressignificada com a contribuição dos leitores.
O termo “livro” é utilizado pelo autor em três instâncias: ele é o título do
romance, é o nome de um dos personagens e é um objeto concreto, que se
desdobra também em três: o livro que a mãe de Ilídio lhe entregou antes de
abandoná-lo, um outro escrito no decorrer da narrativa e, finalmente, o que livro
que temos em mãos. A percepção de que são os mesmos se constrói à medida
que o deslocamento observado em relação à movimentação dos emigrantes, se
dá pelo trânsito entre os gêneros, e a liberdade que caracteriza o romance
admite o surgimento de um outro gênero: o ensaio. A combinação de gêneros
está alinhada com a crise de gêneros que caracteriza a literatura portuguesa
contemporânea.
Ao atribuirmos ao romance Livro um caráter ensaístico, concordamos com
o pressuposto de que o ensaio é uma forma de arte, “uma crítica científica
caracterizada como gênero artístico”, como defende Lukács (s/d, p.16) em sua
carta a Leo Popper, com a qual introduz seu livro A alma e as formas. Portanto,
o ensaio tem um caráter híbrido: seu autor recorre à observação, sem
compromisso com a comprovação, mas respeitando um método. Parafraseando
Eduardo Prado Coelho (1997, p.20), podemos defini-lo como uma forma de
pensamento em que se “pesa” o valor das ideias, num exercício de ponderação
em que se procura afastar o que poderá ser perigoso para a conservação do
indivíduo. Em Livro, a alternância de foco narrativo, culminando com a dúvida
sobre a autoria do romance, busca esse afastamento e, consequentemente, uma
proximidade com o leitor.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Sabemos que o ponto de vista do autor corresponde à sua
concepção de mundo e pode se aproximar ou afastar do ponto de vista daqueles
que o leem; contudo, ele não pode inviabilizar a recepção do texto, visto que a
obra está acima das opiniões pessoais; sobretudo pela multiplicidade de
interpretações que admite. Não cabe, tampouco, tentar contemplar a totalidade
da situação que inspira o seu enredo; pois como sintetiza Maurice Blanchot, no
seu livro dedicado ao espaço literário: “- a obra de arte, a obra literária – não é
acabada nem inacabada: ela é. O que ela nos diz é exatamente isso: que é – e
nada mais. Fora disso, não é nada” (BLANCHOT, 1987, p.12).
Atribuir uma forma a um conteúdo qualquer é, na verdade, construí-lo, e
a forma literária atende à necessidade de expressão daquilo que é preciso
captar.
Em sua dissertação de mestrado, a professora Gumercinda Nascimento
Gonda, lembra uma explicação de Luckács, que contempla nossas
considerações:
A forma nada mais é do que a mais alta abstração, o mais elevado modo de condensação de conteúdo, de intensificação das motivações, da constituição da proporção adequada entre as motivações individuais e a hierarquia de importância entre as contradições individuais da vida refletidas na obra de arte. (LUCKÁCS, apud GONDA, p.31)
Visto que a liberdade do gênero romance admite inovações, em virtude
do seu caráter mutável, Peixoto inclui informações oficiais no texto sem inserir
qualquer tipo de nota e, paradoxalmente, faz das notas de rodapé um espaço
para desenvolver uma série de divagações, que podem ser do autor, do narrador
ou mesmo da personagem. Essas notas são 11 no total; e inspiram reflexões
relevantes sobre os emigrantes e sobre sua relação com o país que deixam e
com o que os acolhe, sugerindo que são, ao mesmo tempo, protagonistas e
vítimas de sua história. Numa delas, o verbo ir é traduzido por voltar, e uma outra
apresenta uma crítica do personagem Livro à cidade luz:
Eu não tenho para onde voltar. Paris não é minha, nem dos magrebinos, nem dos búlgaros, poloneses, nem dos senegaleses a carregarem elefantes de madeira, marfim de pechisbeque, pulseiras feitas na China, muito menos é dos franceses, atarefados com erres e vogais babosas. Se me
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dessem Paris, é tua, eu não a queria porque sei que espectros dessa natureza não se deixam possuir. (PEIXOTO, 2012, p.218)
Outro aspecto importante a ser observado na elaboração do romance
Livro são os elementos alegóricos, verificados, sobretudo, pelas mortes que se
multiplicam na narrativa. A morte exige uma nova organização, funciona como
um agente de mudança, e as que acontecem no romance determinam algumas
decisões importantes dos personagens. As mais significativas são: a que resulta
do atropelamento de uma velha portuguesa pelo personagem Livro,
possivelmente sua própria avó, que contribui em sua decisão de voltar para
Portugal; a morte da velha Lubélia, enterrada viva no caixão que ela mesma
comprou, acelerando o casamento de Adelaide e permitindo a descoberta das
cartas que ela e Ilídio haviam escrito a partir da França; e a do homem de
gabardina que se oferece para pagar o último trecho da viagem de Cosme e Ilídio
para a França, encontrado em pedaços dentro da sua própria mala. O corpo
fragmentado desse homem é um prenúncio de um sonho que se converte em
pesadelo, substituindo a esperança pelo horror, ao revelar a condição dos
emigrantes num país estranho que os atrai e, ao mesmo tempo, oprime. Eles
não chegam até aí “inteiros”, em virtude de uma viagem que sacrifica seus
corpos e suas mentes.
Se entendermos “a história como um processo imanente de conflito e
sofrimento”, a imagem alegórica se adequa à representação da história da
emigração, pois como lembra Benjamin:
A história em tudo o que nela desde o início é prematuro, sofrido e malogrado, se exprime num rosto – não, numa caveira. E porque não existe, nela, nenhuma liberdade simbólica de expressão, nenhuma harmonia clássica da forma, em suma, nada de humano, essa figura, de todas a mais sujeita à natureza, exprime, não somente a existência humana em geral, mas, de modo altamente expressivo, e sob a forma de um enigma, a história biográfica de um indivíduo. (...) Quanto maior a significação, tanto maior a sujeição à morte, porque é a morte que grava mais profundamente a tortuosa linha de demarcação entre a physis e a significação. (BENJAMIN, s.d., p.188)
O recurso à alegoria torna-se mais expressivo ao se relacionar
diretamente com um aspecto do século em que se passa a história
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
representada por José Luís Peixoto; um momento marcado por
grandes conflitos, por duas grandes guerras e, consequentemente, indo ao
encontro do que identifica Lacan, que afirma: “o objeto que melhor
caracterizaria o século XX é a ruína” (LACAN, 2012, p.57).
A sugestão da ruína como elemento fundamental desse século se
constrói, no romance, pelas casas vazias ou abandonadas que são
recuperadas por novos moradores. Reconstruir uma vida a partir de “ruínas”
contribui para a identificação da alegoria como representação de um estado
mental que reflete um passado que acumula destroços. No plano físico, a
representação se verifica pela compra da casa de D. Milú, matriarca da vila, por
Adelaide; e pelo fato de Ilídio construir uma casa sobre a ruína da casa do
personagem Aquele da Sorna, seu pai e avô: uma casa da qual não foi possível
aproveitar absolutamente nada.
Os exemplos reforçam a necessidade de se construir algo novo sobre aquilo que
precisa ser ultrapassado, inclusive no âmbito da representação literária. Em Livro, o
resgate do passado visa uma reconciliação, ainda que a narrativa questione os valores
da sociedade e critique sua estratificação.
REFERÊNCIAS
BENJAMIM, Walter. Origem do drama do barroco alemão. São Paulo: Brasiliense, [s.d.]. BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. COELHO, Eduardo Prado. O cálculo das sombras. Lisboa: ASA literatura, 1997. GAGNEBIN, Jeanne Marie. “A verdade da crítica”. In: Walter Benjamin. (Série Encanto Radical). São Paulo: Brasiliense, 1982 ------. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2011. GONDA, Gumercinda Nascimento. O Santuário de Judas. Portugal entre a Existência e a Linguagem. 171 fls. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras. Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1988.
LACAN O escrito, a imagem. Trad. Yolanda Vilela. Prefácio Rose-Paule Vinciguerra Belo Horizonte: Autêntica, 2012. LUKÁCS, Gyorgy. El alma y las formas. Teoria de novela. México Barcelona Buenos Aires: GRIJALBO, s/d.
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317 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
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PEIXOTO, José Luís. Livro. 7ed. Lisboa: Quetzal. 2012.
SILVEIRA, Jorge Fernandes da (Org.). Escrever a casa portuguesa. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
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A REPRESENTAÇÃO DOS ESPAÇOS CITADINOS NA POÉTICA DE IDERVAL MIRANDA
Thailane da Paixão Pereira1 Igor Rossoni2
Maria das Graças Meirelles Correia3
O estudo “A representação dos espaços citadinos na poética de Iderval
Miranda” visa a investigar a determinação dos espaços urbanos na constituição
e performance do eu lírico no poema “Rua Marechal Deodoro”, constante da obra
Então (Tulle, 2013), do poeta feirense Iderval Miranda (Feira de Santana, 1949).
Para tanto, os procedimentos analíticos serão desenvolvidos a partir dos textos
teóricos “Espaço e Literatura: introdução à Topoanálise” (2008) e “Afinal de
contas, que espaço é esse” (2009), ambos de autoria do pesquisador Ozíris
Borges Filho e “O espaço geográfico: um esforço de definição” (2004), de Rhalf
Magalhães Braga. Uma vez disposto o poema a ser estudado nesta pesquisa, observa-se
que o olhar voltado à constituição dos espaços, além de identificarem localidades
específicas na cidade de origem do poeta, tornando-se referências tópicas ainda
na atualidade, também se apresenta como indicadores de pelo menos dois
dispositivos de investigação. O primeiro, refere-se ao fato de servir como
elemento a ser estudado pelo viés da memória; ou seja, tratam-se de espaços
vivenciados no tempo e no espaço que remetem à conjuntura juvenil do poeta.
Nesse sentido, a representação das respectivas localidades pende para a
delimitação do percurso vivencial do eu lírico desde um tempo passado à
atualidade, constituindo-se nisto, o segundo elemento de observação a ser
analisado durante o processo investigativo. Sabe-se que entre as funções do espaço, em relação à figura do
personagem na constituição do advento literário, uma delas refere-se à situá-lo
1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia
– IFBA – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-
mail: [email protected];
2 Professor do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia, colaborador do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 3 Professora do Instituto Federal da Bahia campus Santo Amaro, coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
geograficamente. Neste dispositivo, o espaço ocupa meramente
função denotativa; isto é, a respectiva utilidade do elemento espacial se reserva
à especificar a localidade em que o personagem vem inserido. Por outro lado,
também possibilita repercutir os sentimentos vivenciados por ele no
desenvolvimento das ações. Assim, a conjunção entre tais determinações
espaciais suscitam uma mirada analítica capaz de tornar evidente, tanto
percursos desdobrados segundo determinações exteriores; ou seja, pelo
advento da memória topicalizar trajetos conformados na juventude quanto
determinações interiores, referenciadas pela vivência do eu lírico no decorrer do
tempo passado ao presente. Exatamente os dois parâmetros que este estudo
procura investigar. Deste modo, o poema em estudo assim se constitui:
rua marechal deodoro as postas de peixe
estabeleciam o início da semana. Minhas calças compridas
e aquelas revistas de que já não me lembro mais.
Espaço exterior e o jogo da rememoração tópica do passado
Um dos modos de entrever as funções do espaço na representação
literária diz respeito ao destaque de localidades de natureza tópica, ou seja,
demarcações geográficas indicativas e características de determinada região ou
lugar. No poema em destaque, a única referência que se pode evidenciar vem
disposta logo no título do texto: rua marechal deodoro. Em verdade, trata-se de
espaço onde o poeta, em estado de juventude, permite vislumbrar certas
características específicas da referida localidade. Sendo assim, a tal
denominação, pelo recurso da memória, torna-se visível ao receptor como lugar
destinado ao trabalho diário. De modo geral, este qualificativo advindo do espaço
urbano Rua Marechal Deodoro, pode ser observado no poema a partir dos
versos: “as postas de peixe/estabeleciam o início da semana,” (2013, p. 25).
É nesse sentido que sugere menção a uma característica cotidiana da
referida rua, do comércio local, e a consequente certeza da continuidade
progressiva do trabalho, ao reiniciar-se, cronologicamente, em todo início de
semana. Portanto, o eu lírico utiliza o recurso da memória para relembrar
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
situações em um espaço realista e geograficamente localizado na
própria cidade de Feira de Santana.
Há de se destacar que as indicações de localidade são apresentadas pelo
eu lírico de modo indireto. Em primeiro lugar, pelo motivo de o verso inicial,
principiar por letra minúscula. Este fato toma relevância uma vez que se localiza
logo abaixo do título que, mesmo que também em minúsculas, diferentemente
do verso inicial, identifica personagem relevante na história do país: “marechal
deodoro”. Assim, dicotomiza-se o primeiro designativo – “marechal deodoro” −, com
o segundo – “as postas de peixe”. Ou seja, por um lado, um representante do
espaço nacional, e outro de localidade citadina interiorana; ainda mais,
eufemizado por, no poema, assumir posto de mera metonímia de Feira de
Santana. Por isso, é que se possibilita a inferência de substituição do elemento
alimentar pelo elemento do trabalho, isto dado pela evidente disposição:
marechal deodoro x peixe, em que podemos observar o jogo proposto pelo eu
lírico, o notório distanciamento entre uma rua comum e a figura do então
Marechal Deodoro. O distanciamento que se dá a princípio pelo título e verso
inicial inscreverem-se por letras minúsculas, visto que, já foi evidenciado a
desproporção entre os dois elementos disposto nessa discussão: marechal
deodoro/peixe. À referida disposição, agrega-se a sequência verbal: “o início da semana”;
início de nova jornada de labuta. Além do mais, há grande distância entre a
condição de um Marechal Deodoro e um vendedor de pescado em dada
localidade citadina. Senão por nada, o exercício realista diário, comercializar
peixe, ainda ocorre no poema sob os olhos verbais da denominação da rua.
Todos esses elementos parecem não serem captados ou capturados por olhos
juvenis. No entanto, assim o poema se estabelece, e uma pergunta sugere se
emancipar: por que o poeta escreve o poema? Com o outro elemento tópico indireto, ocorre fato similar e vem grafado
pelo verso: “e aquelas revistas” que, por sua vez, remontam duas especificidades
tópicas. A primeira também se constitui de natureza comercial; e a segunda,
caracterizada pela distância em que se encontra, ou seja, nesse verso o eu lírico
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deixa claro uma condição juvenil a partir da recordação do objeto:
“revista”, e a distância desse período quando cita: “aquelas”, evidenciando uma
separação entre a condição atual e a juvenil. Assim sendo, o ponto de
desarticulação potencial do texto que, aliás, permitirá passagem para o segundo
parâmetro em investigação − o espaço referenciado pela vivência interior do eu
lírico no decorrer do tempo passado ao presente − evidencia-se no poema pela
associação dos versos intercalados: “minhas calças compridas”, instituindo a
passagem do tempo para um estado de presentificação; logo, de
amadurecimento em relação ao tempo passado da juventude, e “de que já não
me lembro mais”. Este último, por também encerrar o poema, sacramenta e
atualiza a consciência da voz lírica pelo advento da superação dos instintos
aflorados no período da juventude; para, assim construir a identidade íntegra do
poema “rua marechal deodoro”.
Espaço interior e o jogo da vivência tópica do passado ao presente Até então, observaram-se desdobramentos tópicos e exteriores gerados
a partir da análise do espaço geográfico. Entretanto, eles repercutem marcas
interiores na conformação da voz lírica que se manifesta no poema. Isto se
verifica, pois o espaço geográfico em questão assume grande importância
afetiva juvenil para o eu lírico, que revela a êxtase causada por essas
rememorações no momento em que vivencia o embate entre o passado e o
presente na referida rua. Isto é, o reencontro do eu lírico com a rua e,
consequentemente, com as rememorações ativadas no momento de contato.
No poema, pode-se inferir que o eu lírico vivencia momento raro, onde a
recordação e a lembrança se implicam e se entrecruzam no enovelamento da
consciência atual do poeta. Assim, inversamente, nos versos “as postas de
peixe/ estabeleciam o início da semana”, embora façam menção à determinada
rua comercial da cidade, sugerem se perder na memória por se vincular não
somente à localidade, mas à sensação olfativa que lhe conduz a dada situação
passada, na vigência de pulsações do cotidiano. A sequência, em “minhas calças
compridas/ e aquelas revistas/ de que já não me lembro mais”, revela uma ação
temporal em que o eu lírico determina dois segmentos: um da infância que
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emerge a partir dos primeiros versos, denunciando um momento de
reflexão interior de um período considerado transitório e que emerge a sensação
de jogos de rememorações; e o outro, de um passado menos remoto, do qual,
embora manifestado, referenda não mais se lembrar. A ação lírica, deste modo,
parece retomar o sentido inicial após tal revelação, pulverizando na lembrança
eflúvios de recordações dispostas por lacunas temporais.
A construção de tais lacunas dispõe exatamente a qualidade consciencial
impressa no poema, a que inicia e concretiza o poema. Produzindo a partir dos
espaços, eflúvios dicotômicos no espaço da atualidade, evidencia
provavelmente a razão de escritura do mesmo, a de fazer-se íntegro com a
associação de elementos de natureza externa com os de natureza interna.
Portanto, o poema se consagra tanto como espaço de pulsação do passado
quanto espaço de pulsão no presente, constituída de impulso energético interno
que direciona o comportamento do indivíduo; qual seja, o comportamento
manifestado por tal consciência na construção do poema em tela.
REFERÊNCIAS
BORGES FILHO, O. Espaço e literatura: introdução a topoánalise. In http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf, acesso em 01 de setembro. -----------. Afinal de contas, que espaço é esse? In http://www2.uftm.edu.br/joeel/images/caderno%20de%20resumos%202%20joeel.pdf, acesso em 01 de setembro . MAGALHÃES BRAGA, R. O espaço geográfico: um esforço de definição. In http://www.revistas.usp.br/geousp/article/view/74066, acesso em 01 de setembro. MIRANDA, Iderval. Então. Feira de Santana: Tulle, 2013.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
O VAQUEIRO NO ESPAÇO DO SERTÃO EM ADRIANO EYSEN
Thaisy Jennifer dos Santos Ferreira1 Igor Rossoni2
Maria das Graças Meirelles Correia3
INTRODUÇÃO
O trabalho “A representação do vaqueiro no espaço do sertão em Adriano
Eysen” visa a analisar a representação da figura do vaqueiro inserido no universo
do sertão nordestino. Para tanto, seleciona-se da obra do referido poeta,
Assombro Solares (2011), o poema “Vaqueiro de sete sóis”. Nesse sentido,
observa-se que, pela constituição tanto temática quanto poética, que os
elementos dispostos em texto são referências, além de delimitarem a
confabulação espacial de determinação específica do sertão no nordeste
brasileiro ainda culminam por caracterizar a personagem, ou seja, a voz lírica
que expressa tal figura no decorrer da composição referendada.
Sertão é referência institucionalizada, oficialmente, como uma das
subáreas da região nordeste no Brasil. Neste espaço há o predomínio da
semiaridez, com escassez hídrica devido a amplos períodos de estiagem que
terminam por interferir, nos mais amplos aspectos, sobre o espaço e seus
respectivos habitantes. A paisagem característica do sertão apresenta a
caatinga como vegetação típica, tendo solo pedregoso com formações de rios
temporários ou intermitentes.
A representação deste espaço – tanto por meio da alusão a fatores
geomorfológicos como no aspecto cotidiano daqueles que nela vivem– foi
introduzida na literatura brasileira desde os primeiros tempos, constituindo-se,
assim, como temática recorrente em variada gama de autores. Em relação ao
motivo de interesse deste ensaio, vertido à produção de literatura
1 Estudante de Eletromecânica do Instituto Federal de Educação, Ciência e tecnologia da Bahia – Campus Santo Amaro, integrante do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea. E-mail [email protected] 2 Docente da Universidade Federal da Bahia, colaborador do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail [email protected] 3 Docente EBTT do Instituto Federal da Bahia, coordenadora do projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail [email protected]
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contemporânea produzida no estado da Bahia, é possível assinalar
vários autores que voltam atenção ao tema como fonte de interferência criativa.
Dentre eles, busca-se refletir sobre a ambientação do estatuto do vaqueiro no
espaço “sertão” a partir da obra Assombros Solares (2011), de Adriano Eysen.
A referida obra foi publicada em 2011 pela editora Via Litterarum e é
dividida em três partes: Assombros solares (14 poemas); Cantos sob sopros e
cordas (14 poemas) e Escrever a casa solar (10 poemas). De Assombros
solares, a intenção analítica recairá sobre o poema “Vaqueiro de sete sóis”, como
se observa:
Vaqueiro de sete sóis Os chocalhos das vacas anunciam sua partida vaqueiro de sete sóis e as algarobas farfalham em tua despedida num tapete de girassóis. O cavalo campeia teus rastros na caatinga e o gibão rasurado pela macambira retrata tua bravura nessa aldeia que vem em prece, aboio e cantiga. Neste sertão, restam tuas rosetas sangrando manhãs. Vai, Aquiles das veredas, montado no vento, vestido de couro e coragem.
De modo geral, o texto em destaque evidencia o trajeto cotidiano
enfrentado pela figuração de um vaqueiro, remetendo-o à fusão entre o espaço
geográfico – convivência e trabalho – e o espaço de natureza psicológica que se
impõe ao sujeito segundo diversa forma de interferência.
Nesse sentido, cada estrofe sugere trazer o destemor reportado
poeticamente pela voz eu-lírica, de modo que, em cada uma, especifica-se
diferenciada singularidade.
Na primeira estrofe, por um lado, destaca-se o trabalho rítmico elaborado
pela ocorrência de rimas que se complementam. Este fato sugere referendar a
cadência cotidiana de um sujeito-vaqueiro disposto ao movimento e às
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intempéries do espaço geográfico em que se vê inserido. No entanto,
por outro lado, não se verifica no referido construto, ordenação métrica, voltando-
se às pulsações interiores por intermédio de livres associações de imagens
poéticas.
Na segunda estrofe, a voz lírica ainda mantém o princípio retórico de
recursos imagéticos que conferem ideia de locomoção e fixação em dada
paisagem. Entretanto, o que deixa rastro evidente, em específico, deriva para
elencar elementos que vertem sentidos focados no sujeito; ou seja, ainda
respeitando a dupla direção espacial em tela – espaço geográfico (exterior) /
espaço psicológico (interior) – delimita elementos da indumentária, própria para
enfrentar a referida labuta em paisagem hostil; bem como aponta para diverso
tipo de vestimenta, justamente à de natureza interna, repercutida pelo estado de
envergadura psicológica de que se reveste a fim de empreender tal empreitada.
Assim, nota-se a passagem da condição de “um” vaqueiro para a de “o vaqueiro”,
sujeito singular potencializado na própria grandeza e condição.
Na terceira estrofe, o que se mantém é o privilégio centrado na figura do
sujeito, iniciado na segunda estrofe. Assim, estende-se um fio condutor que
pende do título, unindo as imagens poéticas que acometem a primeira e segunda
estrofes às referências metonímicas do indivíduo-vaqueiro (indumentárias)
recorrentes na segunda e terceira. O elemento singularizador, na aparentemente
última estrofe, evidencia-se por transmutação comparativa. Ou seja, compara-
se por transmutação – portanto, implementando exponencialidade valorativa – a
figura de “um” vaqueiro para “o” vaqueiro; mitificado em estado de semi-Deus
pela denominação “Aquiles”.
Deste ponto, que indicaria o término do percurso, o poema e,
consequentemente, o receptor, obrigam-se à nova envergadura: a de volverem
sobre si mesmos, em sentido e direção, rumo ao ponto de partida, ou seja, à
expressão titular “Vaqueiro de sete sóis”. Assim sendo, do deslocamento de
partida e chegada instituído através do cotidiano no espaço geográfico (exterior)
atinge movimento cíclico e perene – imprescindível por divinação – encerrado
em si mesmo, enquanto figura e construção poética.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES
O texto Vaqueiro de sete sóis apresenta de modo metaforizado o laborar
do vaqueiro, retratando como o espaço pode repercutir no formato e
ambientação tanto exterior quanto interior do personagem. O lugar em questão
vem caracterizado por ambiente árduo e inóspito, representado, no decorrer do
poema, a partir de signos – que agregados – evidenciam o designativo “sertão”.
Desde o registro titular podem ser identificados sinais de devoção
valorativa à figura do vaqueiro, consagrado pela expressão qualificativa de “sete
sóis”. Assim sendo, semanticamente, dispondo-se em foco o primeiro termo,
idealiza-se a peleja diária, referida a uma jornada e à vivência física do vaqueiro
no transcorrer dos sete dias da semana. Em seguida, o termo “Sóis” sugere
contextualizar, por um lado, a jornada solitária desse indivíduo. Por outro lado,
possibilita remeter à potência de elemento da natureza vinculado à
personalidade de tal figura, conferindo-lhe status de poder, força e energia.
À vista de tal conformatura, desde o prelúdio do poema, vislumbra-se a
comunhão entre sujeito e espaço, como se observa em:
Os chocalhos das vacas anunciam sua partida vaqueiro de sete sóis e as algarobas farfalham em tua despedida num tapete de girassóis.
No trecho em destaque, o elemento vegetal característico daquela região
– “algarobas” – identifica-se ao deslocamento geográfico do vaqueiro diante da
lida diária. Entretanto, o que sobressalta aos olhos pela imagem poética
referendada, é que após registro de vegetação adaptada ao solo exaurido, a voz
poética dispõe o vaqueiro sobre um “tapete de girassóis”; controversamente,
planta que, para se fazer exuberante, carece de solo fértil e umidificado. Nesse
sentido, exteriormente, estabelece-se uma relação entre a sonoridade rítmica e
a representação metonímica (“algarobas”) do espaço em que o sujeito se vê
inserido. Simultaneamente, pelo viés da interioridade, diálogo similar ocorre
entre as pulsações internas – especificadas pela ausência de ordenação métrica
–e a evocação metafórica representada pela expressão “tapete de girassóis”.
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Deste modo, sugere-se constituir a centralidade e a importância
do vaqueiro como lugar onde espaços exteriores e interiores se manifestam na
própria composição da integridade-vaqueiro, pois, todo o contexto a que se vê
submetido necessita e gira em torno do individuo; tanto quanto o girassol que,
ao girar em torno do sol, constrói a própria exuberância diária.
Na segunda estrofe, o vaqueiro é caracterizado por conduzir o gado com
o auxílio de um cavalo, percorrendo região quente e seca. Deste modo, a fim de
viabilizar a empreitada, vale-se de indumentária condicionada à natureza do
espaço em tela:
o cavalo campeia teus rastros na caatinga e o gibão rasurado pela macambira retrata tua bravura nessa aldeia que vem em prece aboio e cantiga.
Ao se deslocar pela inóspita paisagem, dois movimentos contrários
demarcam-lhe o espaço percorrido. Ou seja, o vaqueiro deixa na paisagem o
registro do próprio deslocamento, ao passo que, a vestimenta que lhe cobre o
corpo, impregna-se dos sinais deixados pelo lugar no sujeito. Assim, o estado de
ambivalência se estabelece a partir do momento em que o vaqueiro avança e
fere a paisagem, à proporção que os espinhos da macambira rasuram-lhe o
gibão, integrando, por vez outra, espaço e indivíduo. O fato de as vestimentas,
em virtude do enfrentamento diário, serem assinaladas pela condição toponímica
da região, não deixa de demonstrar a superioridade e a capacidade de lidar com
espaço severo e árduo, fazendo com que cada marca se constitua como
alegação de intrepidez e destemor próprios.
Observa-se que o andamento construtivo do discurso poético promove
similar acontecimento; ou seja, com o avançar do poema, deixam-se apenas
vestígios de letras, sinais, palavras e rastros linguísticos que se corporificam e
impregnam o receptor no ato de leitura.
Ainda nesta estrofe é inserida a fortaleza que delineia o vaqueiro −
situando-o em universo que lhe pertence − constituído por três expressões:
“prece, aboio e cantiga”. Nesta situação de aldeia, anuncia mais um dia de
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labuta, ou seja, retrata a veneração intuída pelo retorno aos “sete sóis”
rotineiros em forma de cantiga e invocação de bois.
De certo modo, os três termos em destaque sugerem retratar as três
estrofes que compõe o poema, tanto na vinculação circunstancial de
apresentação do vaqueiro de sete sóis quanto na representação criativa e
artística dele por intermédio da escritura poemática. Com isso, o poema resume-
se em prece, aboio e cantiga, manifestação da cultura popular de vaqueiro, do
trabalho, do tanger e entoar o chamado do boi e, por fim, construir cantigas sobre
a respectiva vida. Desta maneira, é evidenciado ainda nesta estrofe a veneração
dada a esse personagem e o quanto é indispensável o esforço rotineiro para
trazer esperança e a possibilidade de continuar mais um dia nas intempéries do
sertão.
O terceiro verso da última estrofe pode ser equiparado ao respectivo da
primeira estrofe, pois neste se observa pedido para que o vaqueiro pudesse se
distanciar do local onde se encontra, “vaqueiro de sete sóis”; ou seja, por livre
associação, vá-queiro de sete sóis; no terceiro da última estrofe registra: “Vai,
Aquiles das veredas”. A voz lírica devota-se ao personagem, por conferir-lhe
condição mitológica, divinizando-o na qualidade do herói grego e semi-Deus
Aquiles. Assim sendo, sugere-se percurso de saída e retorno. Ou seja: no
espaço geotópico, na primeira estrofe, parte um vaqueiro; na segunda, sobe à
cena, estado psicológico de enfrentamento e bravura, transformando-se em “o”
vaqueiro; e, na terceira, retorna mitificado como ser emblemático de fortaleza e
destemor. Este périplo já se encontra materializado no registro que encerra a
segunda estrofe, apenas que de modo aparentemente difuso: “que vem em
prece, aboio e cantiga”. Desta maneira evidencia jogo retórico de associações
diretamente implicadas: o espaço da partida à lida diária – um vaqueiro/aboio −;
o espaço da transformação vertida em discurso poético – o vaqueiro/cantiga −;
e, emendando instância final com situação inicial, consagra-lhe espaço cíclico e
divinizado ao conjugar vivência exterior e interior – vaqueiro de sete sóis
[Aquiles]/prece.
Neste patamar, evidencia e também remete alusão transmutada à figura
do vaqueiro pela impressão do termo “veredas”: minadouros de água que brotam
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
e umedecem o solo que as sustentam. Em virtude de tal disposição,
pode-se também observar retórica de ambiguidade construída pela voz lírica,
enxertando “veredas” à tal qualidade de sertão. Assim, ao mesmo tempo em que
é feita a relação desse vaqueiro com um ser mítico, sobre ele recai a
possibilidade de abrir caminhos, umidificá-los em função de futuro promissor,
como água brotando em espaço inapropriado, tornando-se filamento, pequeno
córrego, rio e, finalmente, espaço líquido impossibilitado de mensuração.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta maneira, o poema “Vaqueiro de sete sóis”, apresentada na obra de
Adriano Eysen, discorre sobre a influência do cenário no vaqueiro e a condição
psíquica do mesmo, que transfigura o ambiente, denotando ao personagem o
atributo de um ser heroico pela bravura e determinação para enfrentar a peleja
diária trilhando a caatinga e a si mesmo.
REFERÊNCIAS
EYSEN, Adriano. Assombros Solares. Itabuna/BA: Via Litterarum, 2011. 97p. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Abril Cultural, 1979 FILHO, Ozíris. Espaço e literatura: introdução à topoánalise. ttp://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdfacesso em 01 de setembro
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A SECA E A PAISAGEM DESFIGURADA EM O QUINZE, DE RACHEL DE QUEIROZ
Vinicius Schiochetti 1
Regina Célia dos Santos Alves (Orientadora) 2
Resumo
O estudo aqui apresentado tem como objeto de observação o romance O
Quinze, de Rachel de Queiroz, sendo o foco a análise da figuração da paisagem
presente na narrativa. A obra em questão, romance inaugural da autora da
geração modernista de 30, é conhecida por seus traços regionalistas e por fazer
parte da chamada e aclamada “literatura brasileira da seca”. O tema central da
obra é um grande período de estiagem que provoca enormes danos à paisagem
sertaneja e ao homem do local questão que se evidencia no movimento das
personagens em torno da calamitosa situação. Assim, a seca, assumirá papel
fundamental para a “desfiguração da paisagem” do sertão descrita na obra. A
paisagem “desfigurada” pode ser percebida em todas as mazelas trazidas pela
seca: ressecamento do solo, poeira vermelha, sol escaldante, pele queimada,
animais moribundos, carcaça dos que já morreram, vegetação seca, pessoas
magras e sujas vestindo trapos, ou seja, uma paisagem que se apresenta quase
como a de um pós-guerra. Outro aspecto interessante, notado na paisagem da
obra em questão, é o uso das cores para indicação da presença e ausência de
vida. As cores identificadas parecem traduzir a impressão de um sujeito que olha
para o sertão e percebe com dificuldade o aspecto lúgubre desse espaço e de
tudo o que ali se coloca pelo calor, pelo sol e pelo ressecamento não só do
espaço, mas de sua própria vida.
Palavras chave: Rachel de Queiroz; O Quinze; Paisagem e Desfiguração
Introdução
O presente artigo tem por finalidade realizar um estudo da paisagem que
figura no romance O Quinze, de Rachel de Queiroz. O espaço será pensado
sempre em relação à percepção das personagens, pois o trabalho com a
paisagem exige sempre uma perspectiva de percepção, o que será explicado
logo a seguir. Levando em conta a questão do espaço destinado a essa
publicação serão enfocadas somente as personagens centrais da narrativa, as
protagonistas.
O conceito de paisagem, utilizado nesse estudo, parte, em especial,
daquele elaborado por Michel Collot (2012). O teórico francês define a paisagem
como um espaço percebido, ou seja, não o espaço em si, mas sim “o aspecto
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
visível, percepetível do espaço” (COLLOT, 2012. p. 11). Collot (2012)
afirma ainda que a percepção do espaço é organizada de forma simbólica
gerando sentidos com sua organização. Desse modo, a paisagem constitui-se
não de uma recepção “passiva” e objetiva de dados sensoriais, mas sim
reorganizada “ela (a paisagem) não se limita a receber passivamente os dados
sensoriais, mas os organiza para lhes dar um sentido. A paisagem percebida é,
desse modo, construída e simbólica.” (COLLOT, 2012, p. 11)
Dentro das instâncias que perpassam o perceptor estão os três elementos
essenciais da paisagem, a saber: o “ponto de vista”, a “parte” e o “conjunto”. A
primeira e a que interfere de modo mais significativo na percepção de um espaço
por um sujeito, é o “ponto de vista”. A paisagem condicionar-se-á a partir do
“ponto de vista” pelo qual será observada por um sujeito. (COLLOT, 2012)
Collot (2012) traz uma reflexão fundamental para o entendimento da
paisagem, se ela existe somente enquanto uma percepção tida de um “ponto de
vista” específico ocupado por um sujeito, é possível afirmar que a paisagem só
existe mediante a ação perceptiva de um sujeito, ou seja, a paisagem não existirá
desvinculada da ação humana de percepção sensorial e da organização que
será feita da percepção.
Se, para Collot (2012), a configuração da paisagem depende da ação
perceptiva de um sujeito, é possível falar, pensando ainda no posicionamento do
sujeito, em um “ponto de vista” físico e um “ponto de vista” sociocultural.
Pensando na ação perceptiva primeira de um indivíduo sob um espaço físico,
Collot (2012) diz:
[...] o espaço não é mais aquele de que fala a Dióptrica [...] é um espaço considerado a partir de mim como ponto ou grau zero da espacialidade. Eu não o vejo segundo seu invólucro exterior, eu o vejo de dentro, sou aí englobado. Afinal de contas, o mundo está ao meu redor, não diante de mim. (PONTY apud COLLOT, 2012, p. 13)
Espaço e sujeito estão, portanto, ligados inerentemente. Dessa forma,
Collot (2012) adota a visão fenomenológica de Merleau Ponty.
Fisicamente, o indivíduo, necessariamente, tem de se posicionar no
próprio espaço para poder observar a paisagem que se formará a partir desse
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espaço. Social e culturalmente esse espaço vislumbrado tomará
formas e sentidos construídos por ele a partir de sua experiência enquanto ser
social e integrante de uma cultura.
A segunda ideia colocada por Collot (2012) é a de “parte”. A observação
da paisagem, de acordo com o teórico, se faz, necessariamente, de um único
“golpe de vista” e não de uma visão área ou panorâmica, por exemplo. Essa
visão dada por um “golpe de vista” fará, necessariamente, um recorte, uma
seleção no espaço percebido em que alguns elementos serão selecionados e
outros serão excluídos. Essa seleção formará uma espécie de “enquadramento”,
traço característico da paisagem. O “enquadramento”, como dito acima, não
permite a totalidade da visão panorâmica, mas sim a parte de um todo.
A “parte” evoca a terceira ideia colocada por Collot (2012), qual seja, a de
“conjunto”. Se o espaço percebido e representado dentro de um
“enquadramento” e faz uma eleição de elementos, em que alguns serão incluídos
e outros excluídos, é possível pensar em um conjunto de elementos que formam
a paisagem enquadrada. Desse modo, todos os elementos percebidos na
paisagem formam um conjunto de elementos que ao serem vistos enquanto uma
seleção evocam outros que não figuram dentro desse “conjunto”.
A “paisagem desfigurada” no romance O Quinze
Para falar de “paisagem desfigurada”, também é necessário mencionar
Michel Collot (2013). O teórico desenvolve essa ideia a partir do estudo de
poetas franceses do pós-guerra. Segundo ele, os poetas daquele momento ao
falar de paisagens totalmente destruídas e “desfiguradas”, tentariam
reestabelecer com ela um vínculo.
Segundo Collot (2013):
Se essas paisagens aparecem desfiguradas e privadas de sentido, é também, com efeito, por estarem frequentemente desertas. São, em sua maioria, ‘paisagens com figuras ausentes’. Como o homem não as molda mais à sua imagem, as paisagens perderam o rosto humano. As mais selvagens são privilegiadas, porque nos fazem sair de uma visão antropomórfica ou antropocêntrica do mundo:[...] (COLLOT, 2013, p. 153-154)
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333 Caderno de Resumos do JOEEL, vol. 5, no5, 2017 ISSN – 2319-0272
Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Como pode ser observado, Collot (2013) ao falar desse espaço
percebido fala de uma “paisagem que está desfigurada” por não possuir mais o
molde humano das construções urbanas que foram destruídas pela guerra. Para
ele, a ausência dessa marca humana simboliza uma imagem lúgubre, pois as
figuras urbanas e humanas que ali existiam pareciam a ele serem as marcas de
vida, as marcas positivas da paisagem que foram substituídas por uma
“paisagem com figuras ausentes”.
É possível traçar uma relação entre essa paisagem descrita por Collot
(2013) e a presente no texto de Rachel de Queiroz, atentando-se justamente
para o efeito da seca no espaço percebido criado pela autora.
Sertão de Quixadá e os campos de concentração
De acordo com Davi Arrigucci (2016), o livro de Rachel fala de uma real
seca nordestina, a grande seca de 1915, fato anunciado desde o título “O
Quinze”. O mais interessante de se notar e que pode ser relacionado com a
forma com que a autora fala da paisagem nesse romance é que, se a seca de
que fala aconteceu em 1915 e ela nasceu no ano de 1910, Rachel não teria idade
suficiente para falar dessa seca com tanta propriedade como fala em seu
romance. No entanto, diz Arrigucci (2016) que a jovem escritora fala usando não
uma memória pessoal, mas sim “acontecimentos sedimentados na memória
social”, ou seja, Rachel fala não de um ponto de vista pessoal, mas sim
sociocultural de sua região de formação. Isso vem ao encontro com o que propõe
Collot (2012), ou seja, o sujeito pode ocupar um “ponto de vista” sociocultural
para falar de um local. Rachel usa do que ouve da memória local para construir
as imagens e narrativas que compõe seu romance sobre o sertão.
A paisagem que figura em O Quinze é toda centrada no efeito da seca
não somente no espaço físico do sertão, mas também no efeito social que ela
causa.
Seguindo uma ordem cronológica no texto, a primeira paisagem através
do olhar de Vicente se localiza logo nas primeiras páginas do romance:
Novamente a cavalo no pedrês, Vicente marchava através da estrada vermelha e pedregosa, orlada pela galharia negra da caatinga morta. Os cascos do animal pareciam tirar fogo nos
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seixos do caminho. Lagartixas davam carreirinhas intermitentes por cima das folhas secas no chão que estalavam como papel queimado. O céu, transparente que doía, vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada. Vicente sentia por toda parte uma impressão ressequida de calor e aspereza. Verde, na monotonia cinzenta da paisagem, só algum juazeiro ainda escapo à devastação da rama; mas em geral as pobres árvores apareciam lamentáveis, mostrando os cotos dos galhos como membros amputados e a casca toda raspada em grandes zonas brancas. (QUEIROZ, 2016, p. 23).
Uma primeira e, até mesmo, menos atenta leitura, já é capaz de sentir, na
percepção de Vicente desse espaço, uma sensação de sofreguidão em relação
aos efeitos de ressecamento do espaço. Vicente era um pecuarista que estava
perdendo todo o seu gado por malefício da seca. Além disso, era “filho” do lugar
o que faz com que o sentimento topofílico aflore, mesmo na situação de “morte”
como se encontra a região.
Analisando mais atentamente a forma como a protagonista do romance
sente esse trecho da estrada, pode-se perceber que ele não usa somente o
sentido da visão para construir sua percepção dessa paisagem. Vicente, com o
sentido da visão, percebe as cores acinzentadas e negras que estão tomando
conta da natureza, marcando a morte desse local pelo ressecamento da
“galharia negra”, e na “monotonia acinzentada da paisagem”. Vê, ainda, no
último verde restante, uma ponta de esperança a existir em meio o domínio da
paisagem cinza. Com o sentido do tato, percebe “O céu, transparente que doía,
vibrava, tremendo feito uma gaze repuxada.”, em que se percebe a dor com que
Vincente sente o calor que persiste a matar o sertão, um calor tão intenso que
faz tremer o transparente do céu. Com a audição, percebe o quebrar das folhas
que pelo andar da lagartixa “estalavam como papel queimado.”. A imagem da
folha seca e, principalmente, o barulho dela sendo quebrada, remete ao
ressecamento sofrido por toda a natureza sertaneja que está morrendo. O modo
como Vicente percebe a estrada e seu entorno evidencia seu entorno frente à
morte do sertão. Além disso, sua busca por algum “verde” simboliza a sua
esperança de que a paisagem consiga, de algum modo, sobreviver a esse
período de estiagem prolongada.
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Para Yi-Fu Tuan (2012) a percepção humana de um espaço se
dá por meio de todos os sentidos e não somente com o da visão, pois a
percepção realizada com todos sentidos permite ao individuo uma sensação
mais sensível do espaço do que a feita apenas com o da visão. A percepção de
Vicente da estrada do Quixadá seria um bom exemplo dessa percepção o que o
coloca como um participante desse espaço e não um mero “espectador” como
Tuan (2012) chama o perceptor do espaço que realiza sua visão somente com
os olhos. Essa colocação de Tuan (2012) vem ao encontro do que afirma Collot
(2012) ao dizer que o sujeito está englobado pelo espaço no processo de
percepção do espaço e constituição da paisagem.
À Conceição figura a paisagem do campo de concentração. O campo de
concentração nada mais era do que um local para onde iam as pessoas que
chegavam à cidade em busca de melhores condições de vida fugindo da seca.
Quando transpôs o portão do Campo, e se encostou a um poste, respirou mais aliviada. Mas, mesmo de fora, que mau cheiro se sentia! Através da cerca de arame, apareciam-lhe os ranchos disseminados ao acaso. Até a miséria tem fantasia e criara ali os gêneros de habitação mais bizarros. Uns debaixo dum cajueiro, estirados no chão, quase nus, conversavam. Outros, absolutamente ao tempo, apenas com a vaga proteção de uma parede de latas velhas, rodeavam um tocador de viola, um cego, que cantava numa melopeia cansada e triste: [...] Uma velha, mais longe, sentada nuns tijolos, fazia com que uma caboclinha muito magra e esmolambada lhe catasse os cabelos encerados de sujeira. (QUEIROZ, 2016, p. 66-67)
A descrição acima mostra um local divido marcando a separação social
entre Conceição e os retirantes. Isso é simbolizado pela “cerca de arame” que
se colocava entre a personagem e o ambiente.
Se o sentimento de Vicente pelo sertão do Quixadá era “topofílico” e
sofrido pelo efeito da seca, o de Conceição sobre o campo de concentração
mostra-se mais apiedado e preocupado com a situação de miséria e abandono
no qual se encontravam o local e as pessoas que ali estavam.
O primeiro sentido evocado pela normalista além do da visão é o olfato
“que mau cheiro se sentia”, o que a faz se afastar do campo em busca de ar
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puro. O segundo seria o do tato, marcado pelos “cabelos encerados de
sujeira” dos miseráveis. A sensação da sujeira e a oleosidade misturada com a
poeira levantada pelo tempo seco causam repulsa na protagonista.
A vista de Conceição capta toda a miséria e todo o sofrimento dos
retirantes jogados “quase nus” “absolutamente ao tempo”, sendo suas moradias
“disseminadas ao acaso”, marcando a situação de total e miséria e grave
abandono em que se encontravam. O afastamento de Conceição em busca de
ar puro, longe do “mau cheiro” e da miséria sufocante do campo de concentração
proporciona a ela uma visão privilegiada desse espaço. Sua percepção dessa
paisagem acaba por contribuir para mostrar o olhar crítico e denunciador de
Rachel sobre a realidade que os menos favorecidos enfrentam no sertão
nordestino.
O que se mostra mais interessante é que ao final da seca, com a chegada
da chuva, a paisagem física do sertão representada por Rachel de Queiroz
consegue obter uma boa recuperação restando pequenas marcas/cicatrizes.
Essas marcas/cicatrizes na paisagem física do romance acabam por simbolizar
a miséria social do local que não é solucionada pela chegada da chuva. A chuva
resolve somente o problema da seca, mas não o da miséria.
De acordo com Landim (1992), no romance de Queiroz o que existe é a
miséria, pois até mesmo os donos das terras sofrem com os malefícios da seca
e não somente os empregados: “Nele (em O Quinze) só predomina a miséria.
[...] Em O Quinze, p. ex., até mesmo os proprietários rurais que o habitam sofrem,
tanto quanto seus agregados, a catástrofe da seca.” (LANDIM, 1992.p. 110).
Ao se comparar a situação de D. Marocas e Vicente, os dois senhores de
terra que Landim (1992) cita como exemplo, e a família de Chico Bento, que
figura como “agregado”, percebe-se que a seca atinge, como afirma o autor, a
ambos os grupos, mas os efeitos são menos intensos nos representantes da
classe dominante. Segundo Landim (1992) residiria aí a principal crítica social
do texto de Rachel de Queiroz, a negligencia do poder público perante o
desfalecimento da população, principalmente a menos favorecida, perante os
males trazidos pela estiagem.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
Considerações finais
A crítica social e política feita por Rachel de Queiroz no seu romance pode
ser sentida na forma como ela compõe a paisagem. Vicente olha para esse
sertão preocupado com a ausência de chuvas, buscando qualquer resistência
da natureza. Conceição olha para o campo de concentração perplexa com a
miséria que presencia diariamente ali.
Talvez uma das críticas mais ferrenhas do romance aconteça quando o
período de estiagem acaba e o olhar volta-se para a natureza, mas apenas para
a natureza, não se fala mais das personagens que mais sofreram durante esse
período, a família de Chico Bento, uma crítica à indiferença com que os mais
pobres eram tratados.
REFERÊNCIAS
ARRIGUCCI JR, Davi. O sertão em surdina. In.: QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 105. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. p. 175-190. COLLOT, Michel. Desfigurações. In.: ______. Poética e Filosofia da Paisagem. Michel Collot; tradução: Ida Alves... [et al.]. – 1 Ed. Rio de Janeiro: Editora Oficina Raquel, 2013, p. 146 – 165. ______ . Pontos de vista sobre a percepção de paisagens. In. Negreiros, Carmem. Literatura e Paisagem em diálogo/ Carmem Negreiros; Masé Lemos; Ida Alves. - Rio de Janeiro: Edições Makunaima, 2012. LANDIM, Teoberto. Seca; a estação do inferno. Fortaleza, UFC/Casa José de Alencar, 1992. QUEIROZ, Rachel de. O Quinze. 105. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016. TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. Tradução: Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel, 2012.
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RESISTÊNCIA E CIDADE NA OESIA LÍTERO-MUSICAL DE BACO EXU DO BLUES
Wendel Dantas Lima1 Maria Das G. M. Correia2
INTRODUÇÃO
O trabalho Resistência e cidade na obra lítero-musical de Baco Exu do
Blues reflete sobre os modos como estão representados os conflitos e os meios
de resistência social no espaço urbano contemporâneo, a partir da análise da
canção Intro, constante no disco Esú (2017), do compositor e músico baiano
Diogo Moncorvo (Baco Exu do Blues). A análise recai sobre as relações
hierárquicas no espaço da cidade, onde transparecem o preconceito e a
discriminação como catalisadores de mudanças psicossociais no eu lírico. Em
tela, o artigo toma propostas da topoanálise de Ozíris Borges Filho (2008).
Assim, o trabalho foca nas estratégias discursivas do poeta estudado, visando a
compreender como o eu lírico se constitui enquanto voz de personas sociais
dentro da perspectiva do “espaço realista” da geografia contemporânea nas
cidades, sobretudo do locus de produção do artista, que é a cidade de Salvador,
capital da Bahia.
Em compreensão histórica, a noção de espaço urbano comporta diversas
definições, dentre as quais, a primordial é feita por Aristóteles cerca de 350 anos
antes de Cristo; o filósofo grego propõe que o espaço geográfico como um todo
é a zona na qual se situam os corpos. Na atualidade, por sua vez, Milton Santos
(1979) define o espaço citadino como fruto das produções humanas, por meio
de leis tradicionalmente determinadas, fundamentando-se em relações de
conflitos sociais entre classes. Santos ultrapassa o parecer de espaço apenas
como limiar do ramo geográfico ecológico, abrangendo, assim, a totalidade de
questões sociais e suas relações para com o ambiente. Com o propósito de
estabelecer o espaço como produtor da Formação Econômica Social que, por
1 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected]; 2 Docente EBTT do Curso de Eletromecânica do IFBA campus Santo Amaro, coordenadora geral do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];
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sua vez, engloba aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais
afirma, paradoxalmente, que o meio é reflexo da inter-relação entre tais
aspectos, sugerindo que:
O espaço reproduz a totalidade social, na medida em que essas transformações são determinadas por necessidade sociais, econômicas e políticas. Assim o espaço reproduz-se, ele mesmo, no interior da totalidade, quando evolui em função do modo de produção e de seus momentos sucessivos. Mas o espaço influencia também a evolução de outras estruturas , por isso, torna-se componente fundamental da totalidade social e de seus movimentos (SANTOS, M. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979)
A obra de Baco Exu do Blues chega ao público por meio do rap, gênero
musical que historicamente exerce contundentes críticas ao status quo instituído:
destoa da ideia de que o modelo de sociedade burguesa, branca e cristã é a
principal referência sócio histórica do Brasil. O rap origina-se como música de
protesto em decorrência das condições de inferioridade impostas a determinado
grupo pela hierarquização de raças e classes dentro do espaço urbano. As
composições analisadas refletem a natureza do rap ligada à religiosidade afro-
brasileira, evidenciando posição de revolta e denuncia frente a situações de
distrato que inferioriza a cultura e religião de matriz africana. Nestes termos, o
artigo Resistência e cidade na obra lítero-musical de Baco Exu do Blues investiga
o espaço urbano representado como palco de conflitos determinado por ações
de atores sociais de classes e etnias distintas. Para tanto, toma o espaço urbano
como produtor de relações socioeconômicas, sendo empregado como
mecanismo político e ideológico, culturalmente produzido e remodelado pela
ação destes grupos. O trabalho foca ainda a representação histórica de aspectos
da religiosidade africana, buscando apreender o protagonismo do espaço como
influenciador e proporcionador de disputas de campos discursivos que se
instituem na cidade de Salvador. Tais proposições são fundamentais na
constituição da voz lírica que formatam as canções do Cd analisadas nesta
pesquisa.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO:
A canção intitulada Intro é a primeira faixa do disco Esú(2017) do cantor
e compositor baiano Diogo Moncorvo que usa o pseudônimo Baco Exu do Blues.
De um modo geral, o álbum evidencia a dualidade psíquica da metamorfose
sociocultural sofrida pelo eu lírico durante a Ode, utilizando-a como atributo de
exposição e denúncia para as condições de subsistência do povo negro dentro
do espaço citadino.
Baco Exu do Blues, em todas as canções do álbum, se remete a suas
raízes africanas. Para tanto exalta a cultura afro-descendente como matriz de
sua obra, fato comprovado logo na primeira faixa, onde, com intuito de evidenciar
a descendência africana como natureza primordial de suas canções, proveniente
de ritmos africanos singulares presentificados no Brasil, a canção Intro é
apresenta como prelúdio citação retirada do disco/documentário Obaluayê, da
Orquestra Afro-Brasileira (1957), obra que, desde meados do século passado,
busca ressaltar a contribuição afro-brasileira na produção musical, conforme
destaca:
Este ritmo binário Que é o alicerce principal de quase todos ritmos Da canção popular do Brasil Veio importado de longe Das placas ardentes da África Onde o sol queimou a pele dos homens Até carboniza-la em negro, negro, negro O compasso tão simples que reproduz em tom grave As batidas do próprio coração Atravessou o Atlântico sob a bandeira dos navios negreiros Servindo para marcar o andamento de melopeias Que vinham dos porões em vozes gemidas e magoadas (Orquestra Afro-Brasileira - Obaluayê!. 1957)
A contribuição da cultura africana na música é ressaltada a partir da
inclusão de referências a religiosidade afro-brasileira a partir da ideia de criação
pela lama, relacionada ao orixá Nanã, que segundo babalorixá Renato de Oxossi
(2017), é a mãe de todos do Orixás do Orum, detentora de os mistérios do
mundo, em dualidade com o sentido de existência precária do indivíduo negro
no espaço urbano contemporâneo. Faz referência à vida como algo subjetivo ao
meio em que o eu lírico está inserido e corporifica a ancestralidade gloriosa da
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criação divina, para a qual, em contrapartida, atribui semanticamente a
situações de subsistência vivenciadas pelo seu povo (os negros). Questiona a
presença do negro no ambiente sócio geográfico da cidade, onde se instituiu a
vida e a morte da população negra, como é sinalizado nos últimos versos da
estrofe:
Somos argila do divino mangue Suor e sangue Carne e agonia Sangue quente, noite fria A matéria é escrava do ser livre A questão não é se estamos vivos É quem vive (Intro-Esú, Baco exu do Blues)
Posteriormente, o sujeito lírico, em perspectiva de denúncia, representa o
descaso a que historicamente foi relegado os negros no ambiente gregário
urbano. Nesta direção, aponta o confinamento geográfico do espaço onde,
tradicionalmente, os negros são massa de manobra para obtenção dos meios de
produção do espaço, alimentando a caracterização do preconceito impregnado
nas mais diversas camadas sociais. Ao fazer referência a obras culturais de
diferentes aspectos em um mesmo plano de espaço, a voz lírica assinala
princípios de metamorfose psíquica como decorrência da conjuntura sócio
espacial. Atrelado a isso, na canção é apresentada a interpretação do homem
negro perante o processo de exclusão em torno da perspectiva espacial,
relacionando-os com a ideia de morte do indivíduo negro, gerada por
características provenientes do cenário de periferização dos guetos na cidade
de Salvador. Esta organização desigual da cidade, segundo Vitor Longo (2013),
é um dos fatores que torna Salvador uma das capitais mais violentas para jovens
negros. Estes espaços são reservados aos grupos economicamente
desfavorecidos, prioritariamente compostos por negros que experienciam
situações de violência e extermínio.
Capitães de areia não sentem medo de nada E essa altura do enredo A Asa Branca dança no lago do Cisne Negro Pretos de terno sem ser no emprego Meus pretos de terno em festas que não sejam enterros Meu fim é doloso
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Jovem preso num espírito idoso (Intro-Esú, Baco exu do Blues)
O eu lírico assume a voz representativa de seus semelhantes em relação
às implicações adversas do espaço, tomando posto de situações de conflito
entre classes pelo espaço físico urbano. Cita citado os “capitães da areia” como
referência à luta por espaço que meninos de rua travam na Salvador
ficcionalizada por Jorge Amado na obra intitulada Capitães da areia (1937). A
remissão ao romance pode ser entendida como um meio de sinalizar ao ouvinte
que em quase um século houve pouca transformação e os conflitos continuam.
A parte final da música Intro tem o núcleo voltado às mudanças psicossociais do
eu poético, tal fato é demarcado pelo banho de mar atitude que, no imaginário
cultural afro-brasileiro, representa purificação e prece por proteção a Iemanjá,
Orixá consagrada ao espaço marinho. A partir de então, a personificação do eu
lírico se altera, mostrando como consequência a purificação necessária para o
ritual para incorporação do Orixá. Desta maneira, o eu lírico sofre metamorfose
crucial para posicionar-se no espaço urbano: deixa de ser o “Diogo” e se torna
“Exú” (Esú, Eshu, Bará, Ibarabo, Legbá, Elegbara). Tal entidade, para a tradição
religiosa afro-brasileira representa o movimento da evolução, a verdade e o
dinamismo. É responsável por fazer a interlocução entre o Orun (mundo dos
orixás) e o Aiye (mundo dos humanos), abrindo caminho para outros orixás
acessarem o Aiyê e para os homens fazerem suas preces aos orixás. Além de
interlocutor, Exú é o mediador entre orixás e homens.
Em sua poética, Baco constitui um eu lírico que se atribui o papel de
tradutor cultural entre classes sociais distintas que, tradicionalmente, nutrem
relações de conflito no ponto de vista da Formação Econômica Social. Assim, o
eu lírico representa uma tradição sócio religiosa desfavorecida, submetida à
segregação espacial e cultural, que alcança a ascensão através da
profissionalização como músico, ao qual – por sua vez – está reservado
determinado espaço discursivo na cena cultural da cidade. Assim, por meio de
sua voz performatizada em poemas-canção, seu método de expressão
representa, como referência tópica, o nascer do sol no espaço citadino do bairro
do Rio Vermelho situado na cidade de Salvador, local onde é realizado, em 2 de
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fevereiro, a festa de Yemanjá. A festa e os louvores aos orixás
demarcam a ideia de esperança para seus semelhantes, os negros que
mantiveram as tradições religiosas africanas no Brasil. Declara-se a gratificação
e prazer do sujeito poético por assumir o papel social, em dualidade à pressão
causada pela expectativa criada sobre o indivíduo, ao arrogar-se de tal função,
sendo cobrado por atitudes de herói em diversos sentidos, lhe causando uma
série de transtornos e vícios.
Ao fim, o eu lírico busca a concepção das consequências de seus atos
dentro do espaço, com o intuito de evidenciar as situações vividas nas periferias
de Salvador. Mesmo quando ocupa outros espaços geográficos e discursivos, é
perceptível a preocupação do eu lírico com as questões de representatividade
do espaço social e cultural do negro na estrutura sócio econômica do espaço
citadino. O sujeito lírico se vê a partir da expectativa formada sobre o seu papel
de representatividade. Demonstra aspectos depressivos em decorrência da
expectação sobre seus atos, restando apenas refugiar-se da realidade, na
resistência através do esforço de suas atitudes enquanto interlocutor cultural, de
representante do dinamismo social da ascensão do negro dentro das
perspectivas conflituosas do espaço urbano. Tal consentimento é perceptível na
análise da última estrofe da canção:
Medroso, me jogo no mar Aquário de Iemanjá O sol nasce no Rio Vermelho Me olho no espelho embriagado De volta ao centro A poesia habita o trago Observo o estrago do silêncio A boêmia em seu maldito vício Parei no precipício do último maço Último abraço Minha imaginação, meu asilo Sabendo que melhor que sentir o beijo É a sensação antes de senti-lo Senti Exu, virei Exu Esse é o universo no seu último cochilo (Intro-Esú, Baco exu do Blues)
A escrita de Baco na composição das canções selecionadas busca o
entendimento conforme Roland Barthes no livro intitulado Aula (1978) que “A
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literatura é uma re[a]presentação do real”, uma vez que o processo de
transição sócio psíquica representada no personagem lírico, foi no espaço
realista atribuída ao próprio Diogo Moncorvo, após sua elevação musical
proveniente do impacto ideológico da participação, junto ao rapper
pernambucano Diomedes Chinaski, na música “Sulicidio (2016)”. Na canção,
Baco utiliza o escárnio para fazer sérias críticas ao cenário da produção e
consumo musical, assim como a toda conjuntura de negação do espaço aos
jovens compositores nordestinos. Na canção, ressalta com o reconhecimento
musical no Brasil depende da localização socioespacial, “Sulicidio não é um
ataque, é um grito” (Baco Exu do Blues, 2016). A faixa em questão projetou Baco
ao patamar de “herói do rap nordestino, do rap de preto” o que,
consequentemente, elevou o nível de expectativa sobre seu trabalho musical,
potencializado, ainda mais, pela sua participação no projeto musical “Poetas no
topo (2017)”.
CONCLUSÃO
O espaço, enquanto estrutura literária, comporta diversas definições.
Baco Exú do Blues utiliza em sua ode atributos que qualificam o ambiente
poético como espaço realista, descrito por Oziris Borges Filho, no artigo Espaço
e literatura: introdução à topoanálise (2008), como espaço constituído de
características que se assemelham à realidade. Assim, a partir de a análise da
composição poética do autor, perceber as estratégias discursivas que sinalizam
particularidades do espaço citadino de Salvador, como gerador de conflitos entre
classes, nos mais diversos âmbitos, proporcionando o enredo literário como
representação da realidade.
Resistência e cidade na obra lítero-musical de Baco Exu do Blues aponta
perspectiva do estudo das especificações do espaço e religiosidade africana, na
obra do autor em questão, foi analisada, primeiramente, a canção Intro, e
posteriormente é pretendido o estudo das demais composições presentes no
Disco Esú, para melhor entendimento da constituição dos conflitos citadinos
provenientes das relações de classes dentro do espaço realista por meio da obra
litero-musical de Baco Exu do Blues.
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Jornada Internacional de Estudo sobre o Espaço Literário: espaço, literatura e outras manifestações artísticas
REFERÊNCIAS
BORGES FILHO, O. Espaço e Literatura: introdução à topoanálise. XI Congresso Internacional da ABRALIC, São Paulo, p. 1-7, Jul, 2008. Disponível em <http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf>Acesso em: 14.out.2017. SANTOS, M. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1979. SANTOS, M. Espaço e método. São Paulo: Nobel, 1985. SANTOS, M. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec, 1982. SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1988.
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CABRUCA E CACAU: A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO ROMANESCO EM
HÉLIO PÓLVORA
Yasmin Santos Lopes68 Maria das Graças Meirelles Correia69
RESUMO
O presente artigo Cabruca e cacau: a construção do espaço romanesco em Hélio Pólvora objetiva analisar o ambiente retratado pela voz do personagem Jonas no romance Inúteis Luas Obscenas (Casarão do verbo,2010), do escritor baiano Hélio Pólvora (1928). A proposta de usar elementos do cotidiano como temática para a produção literária, no Brasil, é contemplada durante o século XX. Na Bahia, surgem narrativas que descrevem a realidade social e política da região cacaueira. Este tipo de literatura foi categorizado como “literatura do cacau” e tem como expoentes Jorge Amado, Adonias Filho e Hélio Pólvora, classificados como regionalistas devido às respectivas obras em que destacam o contexto produtivo do cacau no sul da Bahia. Assim, tomado um dos romances de Pólvora, pretende-se estudar a construção do espaço na literatura do cacau. No romance existem quatro personagens/narradores, Celina, Regina, o Surdo e Jonas. O último, como os outros, narra o enredo a partir do seu ponto de vista e estado psicológico. Deste modo, compreende-se que a obra é composta por uma multiplicidade de vozes denominada, por Bakhtin, como polifonia, daí, este artigo, parte deste pressuposto teórico para
68 Discente do 4º ano do Ensino Médio Integrado em Eletromecânica do Instituto Federal da Bahia – IFBA – campus Santo Amaro, integrante do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea e-mail:[email protected]; 69 Docente EBTT, IFBA campus Santo Amaro, coordenadora geral do Projeto Oxe: literatura baiana contemporânea, e-mail: [email protected];
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analisar a composição do espaço romanesco. Para tanto, selecionou-se o personagem Jonas, cuja construção discursiva caracteriza o espaço da produção do cacau principalmente ao descrever a trajetória de vida de seu pai, o Surdo, que se deslocou de São Cristovam para o sul da Bahia depois de ouvir falar da riqueza do cacau. Ao se considerar o espaço, segundo a perspectiva de Borges (2008), é possível elencar duas categorias: define-se cenário como o espaço criado e habitado pelo homem por meio da cultura; já por Natureza, entende-se espaços que não sofreram interferência humana. Portanto, pretende-se estudar a constituição do espaço observando as ações entre personagens e o próprio espaço, destacando a presença do personagem Jonas. Palavras –chaves: literatura do cacau; espaço; análise da narrativa; Hélio Pólvora; polifonia. ABSTRACT This article aims to analyze the environment portrayed by the voice of the character Jonas in the novel Inúteis Luas Obscenas (Casarão do verb, 2010), by the Bahia writer Hélio Pólvora (1928). The proposal to use everyday elements as thematic for literary production in Brazil is contemplated during the twentieth century. In Bahia, narratives emerge that describe the social and political reality of the cacao region. This type of literature was categorized as "cocoa literature" and has as exponent Jorge Amado, Adonias Filho and Hélio Pólvora, classified as regionalists due to the respective works in which they highlight the productive context of cacao in the south of Bahia. Thus, taking one of Powder's novels, we intend to study the construction of space in the literature of cacao. In the novel there are four characters / narrators, Celina, Regina, the Deaf and Jonas. The latter, like the others, narrates the plot from his point of view and psychological state. In this way, it is understood that the work is composed of a multiplicity of voices called, by Bakhtin, as polyphony, hence, this article, part of this theoretical presupposition to analyze the composition of the romanesque space. For that, the character Jonas was chosen, whose
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discursive construction characterizes the space of cocoa production mainly when describing the life trajectory of his father, the Surdo, who moved from São Cristovam to the south of Bahia after hearing about the wealth of cocoa. When considering space, according to the perspective of Borges (2008), it is possible to list two categories: a scenario is defined as the space created and inhabited by man through culture; already by Nature, are spaces that have not suffered human interference. Therefore, it is intended to study the constitution of space observing the actions between characters and the space itself, highlighting the presence of the character Jonas. Keywords: cocoa literature; space; narrative analysis; HélioPólvora; polyphony.
Desbravando a mata
O cacau foi responsável por inovações,
prosperidades e problemas na sociedade do sul da Bahia.
O imbricamento dessas questões resulta no que se pode
entender como cultura cacaueira. No final do século XIX e
início do XX se difundiu e desenvolveu a lavoura do cacau
na região. Com a prosperidade da lavoura, a região foi vista
como extremamente favorável, sendo o cacau comparado
ao ouro, já que essa riqueza inovou e sustentou fazendas
e cidades, além de atrair milhares de pessoas em busca de
uma vida melhor, especialmente no estado de Sergipe,
como relata ROCHA, (2008) “Anualmente, milhares de
pessoas chegavam de várias partes do país,
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principalmente de Sergipe, atraídos pela fama de
riqueza atribuída à árvore dos frutos de ouro”.
Os cenários do sul da Bahia, encenados pela cultura
cacaueira, nos idos da década de 1940, passam a
tematizar romances. O gênero literário romance surgiu no
início do século XVII com o foco temático na classe
burguesa, mas, com a revolução industrial, foi propagado
para a classe proletária, as quais passam a também ser
tema do gênero em finais do século XIX. No Brasil, no
começo do século XX, os romances realizam uma pesquisa
sobre o indivíduo abordando como tema a vida privada e
doméstica. Na Bahia, autores que viveram na região sul do
estado começam a construir narrativas que reproduzem a
estrutura histórica, os conflitos e a realidade sociopolítica
de cidadãos formados pela economia do cacau. Estes
textos ficcionais passam a ser denominados ‘literatura do
cacau’. Dentre tais nomes, está Adonias Filho destacando
o romance Corpo Vivo e Jorge Amado com São Jorge de
Ilhéus, Terras do sem fim, dentre outras grandes obras.
Mais recentemente, Hélio Pólvora insere-se nesta cena
com narrativas como “O menino do cacau” (Antares,1975)
e “Inúteis Luas Obscenas” (Casarão do Verbo, 2010).
Ambos os texto são ambientados no interior da Bahia,
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exatamente representando a produção cacaueira
do estado. Estes textos têm relevância significativa na
literatura brasileira, pois textos e autores apontam
inclinação histórica inseparável do contexto das relações
de produção local.
Pólvora, dessa maneira, constrói no romance um
espaço que resgata elementos regionais e os insere numa
tradição literária já solidificada no Brasil desde a segunda
geração do modernismo. Inúteis Luas Obscenas (Casarão
do Verbo, 2010) contém elementos inusitados que chamam
a atenção do leitor. O romance é constituído por quatro
personagens principais Regina, Jonas, O Surdo e Celina
que narram o enredo e interagem entre si, com as
percepções e estados psicológicos, o que BAKHTIN (2008)
denomina por polifonia. O Surdo está inserido no espaço
referente a zona do cacau, no entanto, acaba vivendo e
sustentando seus dois filhos como carpinteiro. A trajetória
deste personagem é descrita por Jonas, o primogênito, por
isso os trechos do enredo que envolvem este personagem
é o foco deste estudo. Para analisar a elaboração do
espaço representativo da zona do cacau, é preciso elucidar
alguns conceitos que nortearam a pesquisa. Espaço é
definido por Borges (2008) como tudo o que constitui uma
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obra literária “como tamanho, forma, objetos e suas
relações”. Esse espaço é formado por cenário e natureza,
nos quais são ambientados as vivências dos personagens.
Borges conceitua natureza como espaço que não sofreu
interferência humana como rios e florestas; já cenários são
espaços que sofreram modificações realizadas pelo
homem, este o habita com suas crenças, costumes,
hábitos, enfim, aspectos culturais que permeiam campos
como a lei, a moral e a arte.
Portanto, o presente artigo pretende refletir sobre a
constituição do espaço observando as ações entre
personagens e o próprio espaço, bem como a inclusão
deles na cultura do cacau em Inúteis Luas Obscenas
(Casarão do Verbo, 2010), de Hélio Pólvora. Para tanto,
destaca a narrativa de um dos personagens, analisando
como se insere e interfere no ambiente. Para elaborar esse
artigo foi preciso ler a referida obra e selecionar trechos
específicos para compor o corpus. Por sua vez, para
analisar o romance, foi preciso procurar ler e discutir artigos
teóricos sobre a estruturação do espaço na obra.
A mata dourada
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O romance Inúteis Luas Obscenas,
publicado pela editora Casarão do verbo em 2010, é
constituído por um artifício denominado polifonia por
BAKTHIN, que se caracteriza por um enredo narrado pelas
vozes de seus protagonistas, Regina, Jonas, Celina e o
Surdo, que adquirem identidade durante o percurso. A
polifonia pode ser entendida como “a multiplicidade de
vozes equipolentes, as quais expressam diferentes pontos
de vista acerca de um mesmo assunto” (BAKHTIN, 2008,
p. 38-9). Conforme estas bases teóricas, foi possível
compreender a organicidade narrativa do romance que se
inicia com a voz da Regina. Regina é uma mulher de
quarenta anos que nunca se casou e mora com o pai, a
quem, no começo da narrativa, revela considerar um
homem de “respeito”, no entanto, após a interação do
Surdo com Celina, ela inverte suas opiniões. Jonas sofre
por um amor proibido pela filha do Coronel Castro Guerra,
Celina, e enfrenta as objeções para perdurar esse
romance.
O enredo evidencia as interações desses
personagens, mas a obra focaliza no Surdo, personagem
apresentado formalmente como José da Costa Guimarães.
O protagonista possui dois filhos, Regina e Jonas, mora em
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Itabuna e trabalha como carpinteiro, nas primeiras
linhas do romance, ocorre uma caracterização do espaço
físico da ação, em que Regina descreve a casa do Surdo,
como pode ser visto no trecho a seguir: “[...] Da casa de
tijolo vermelho, no alto, com uma escada de cinco degraus
de madeira, desce um caminho que contorna
prudentemente uma cajazeira [...]”. (PÓLVORA, p.11)
Jonas divide a narrativa entre sua relação amorosa
com Celina e o processo de descrever o percurso do Surdo
que se deslocou de São Cristovão, cidade onde nasceu,
para o sul da Bahia, cobiçando a riqueza do cacau.
Conforme o trecho abaixo:
[...] De São Cristóvão, Sergipe, depois de ouvir falar nas riquezas do cacau,largou-se, um dia,pro sul baiano, a pé, com o primo Francisco,porque tinham muito pouco dinheiro que desejavam poupar pros primeiros meses na terra estranha. Plataforma, Feira de Santana, Jequié, Itabuna [...]. (PÓLVORA, p. 19)
O personagem descreve o itinerário percorrido pelo
Surdo que se deslocou de Sergipe e se fixou em Itabuna,
conforme destacado. O Surdo, por possuir recursos
limitados, durante o trajeto passa por muitas dificuldades
para se transportar, dormir e se alimentar:
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[...] meses de andança durante o dia, albergue durante noites qualquer lugar que desse pouso, ou, então, no mato [...] [...] No embornal, a farinha que iam renovando pela estrada, nas feiras, a rapadura que ajuda a matar a fome [...] (PÓLVORA, p.19).
Esses aspectos estão presentes na “literatura do
cacau”, pois refletem a realidade vivida pelos imigrantes de
várias regiões, que se deslocaram para o sul baiano
aspirando uma vida de riquezas oferecida pelo cacau. No
entanto, as dificuldades econômicas impediam-no de
chegar ao destino final. Como o Surdo, os de poucas
posses, ficavam pelo caminho e trabalhavam com o que
fosse oferecido para sobreviverem. O personagem,
diferente do primo que possuíam mais recurso financeiro e
conseguiu comprar um pedaço de terra, fixou-se em
Itabuna, mandou buscar seus filhos e, para subsistir e criá-
los, começou a trabalhar como carpinteiro:
Destinos diferentes, os de José da Costa Guimarães e Francisco Guimarães Rocha. Este levava mais dinheiro, conseguiu comprar uma posse e plantar cacau. O Surdo dissipou logo seus possuídos, porque mandou buscar os dois filhos em garupa de caminhão, e
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sobreviveu como carpina. (PÓLVORA, p. 20).
Os aspectos sociais, políticos e econômicos
vivenciados na trajetória do Surdo e em trechos da obra
auxiliam na construção do espaço dentro desse tipo de
literatura. Para construir o espaço na estrutura romanesca,
é preciso associar a Natureza ao Cenário. Assim, o
primeiro é visualizado na obra quando o fruto alvo da
procura do Surdo e dos seus condiscípulos, o cacau, antes
da intromissão humana, era mais uma planta como tantas
outras da mata atlântica e existia independente das
atividades do homem. Jonas descreve no trecho baixo,
como transcorreria esta geração natural:
[...] os juparás que comem cacau e depois expelem caroços inteiros, de mistura com os seus excrementos - e assim a natureza se recompõe, das sementes espalhadas ao capricho pelos macacos surgem árvores. [...]. (PÓLVORA, p.107-108).
No entanto, a condição natural é modificada quando
ocorre a introdução da cultura do cacau, construindo o
cenário. O fruto passa a ser plantado na Bahia há mais de
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200 anos e se torna um dos maiores produtores de
cacau do Brasil, cujas plantações se concentram no sul
baiano.
Para instaurar a cultura do cacau, foi modificado
esse sistema natural de cultivo e instalado um novo
sistema sob a interferência do homem. Uma das técnicas
utilizadas é a cabruca. Tal método consiste em manter as
árvores mais altas para sombrear o cacau, já que o fruto
não suporta exposição solar e retirar o conjunto arbóreo
mais baixo que cedem espaço aos cacaueiros, os quais,
dentro de cinco anos, floresciam e frutificavam. O surdo e
os milhares de imigrantes ansiavam por pedaços de terra
nessa região para habitar e fazer modificações para o
plantio.
Pela perspectiva de BORGES (2008) já
apresentada, a construção do espaço romanesco perpassa
a descrição do cenário. Jonas, em um trecho do romance,
evidencia que uma perspectiva de futuro seria um pedaço
de terra para plantar o cacau:
[...] Eu já estava pensando em fugir para Camacã. Rosendo tinha me falado num pedaço de terra virgem cuja posse eu podia requerer. Deitado sob o sol, nas clareiras, com Celina, eu pensava em
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Camacã: era longe, a terra pra cacau era de primeira, produzia uns cachos de banana da terra que um homem sozinho não podia mais carregar.[...]. (PÓLVORA, p.75).
Desta maneira, o plantio do cacau se torna uma
condição do homem daquela época na região; a cultura
cacaueira se integra na Natureza modificando-a e
transformando-a em cenário, resinificado, na narrativa, o
espaço da literatura do cacau. Os personagens, Surdo,
Jonas, Regina e Celina vivenciam e interferem no espaço
literário, mesmo sem condições de comprar um terreno
para plantar, o Surdo como carpina [...] Recebia
encomendas de barcaças, estábulos, casas, cancelas,
cochos de fermentação de cacau, armazéns. [...]
(PÓLVORA, p.20, 2010) instrumentos utilizados na
produção do cacau e os recursos naturais auxiliam nesse
processo de interferência humana [...] O Surdo só leva a
palma às vezes porque vai buscar ciência nos almanaques,
lê horóscopos, sabe o mês e o dia propício a determinados
plantios, segundo o curso da lua. [...] (PÓLVORA,2010,
p.21)
Assim, como foi estudado, o cacau – elemento
natural – torna-se uma cultura nessa região; a cabruca,
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forma de conhecimento; surgem hábitos; nascem
leis geradas e mantidas pelos coronéis. Esta interação do
Natural com o Cenário pode ser lida na obra e no trecho
abaixo, onde percebe-se a construção sociocultural de um
elemento antes pertencente ao plano da natureza, o cacau.
[...] O cacau está sempre a olhar pro céu, a estudar mudanças de ventos e de umidade, trânsito de nuvens ou funduras de um azul que chega a doer na vista. Estende pra cima seus braços, o cacaueiro, e suplica talvez reze. Precisa de chuva pra espocar em flores arroxeadas, apressara polinização pelas moscas e arrebentar, por fim, em frutos minúsculos [...]. (PÓLVORA, p. 25).
A colheita do cacau
Este artigo mostrou como no romance Inúteis Luas
Obscenas (Casarão do Verbo, 2010), Pólvora utiliza da
descrição de espaços reais e da cultura do cacau –
recorrendo a multiplicidade de vozes narrativas
instauradas por polifonia – para representar literariamente
a região cacaueira da Bahia. Foram destacados trechos
narrativos de Jonas quando explora o itinerário do Surdo
que se desloca de Sergipe para Itabuna em busca do fruto
dourado mostrando como os aspectos sociais, políticos e
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econômicos vivenciados pelo personagem, se
assemelha aos milhares de imigrantes deste período,
caracterizando a cultura cacaueira. Para compreender
teoricamente as estratégias narrativas, foi discutida a
formação espacial a partir das conceituações de Natureza
e Cenário, dispostas por Borges Filho (2008). Assim, fica
patente que as árvores de cacau, antes nascidas sem
interferência do homem constituindo a Natureza, ao ser
estabelecida a cultura do cacau, constitui-se em cenário,
formando, então, um espaço dentro dessa literatura, que é
vivida pelos personagens da obra.
Referências
PÓLVORA, H. Inúteis Luas Obscenas. 1ª edição. São Paulo. Casarão do Verbo, 2010. CARDOSO, J. B. Literatura do cacau: ficção, ideologia e realidade em Adonias Filho, Euclides Neto, James Amado e Jorge Amado. Ilhéus. Editus, 2006. ROCHA, L. B. A região cacaueira da Bahia – dos coronéis à vassoura-de-bruxa: Saga, percepção, representação. Ilhéus. Editus, 2008. FILHO, O.B. Espaço e Literatura: introdução à topoanálise. XI Congresso Internacional da ABRALIC, São Paulo, p. 1-7, Jul, 2008. Disponível em <http://www.abralic.org.br/eventos/cong2008/AnaisOnline/
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simposios/pdf/067/OZIRIS_FILHO.pdf>Acesso em: 14.out.2017. MARCUZZO, P. Diálogo inconcluso: os conceitos de dialogismo e polifoniana obra de Mikhail Bakhtin. Cadernos do Il, Porto Alegre, p. 1-9, jun, 2008. Disponível em:< http://seer.ufrgs.br/cadernosdoil/article/view/18908 >. Acesso em: 10 out. 2017.