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Ciência Veterinária nos Trópicos, Recife-PE, v. 18, n. 1 p. 20-25 - janeiro/abril, 2015

Características seminais de carneiros das raças Dorper, Santa Inês e mestiços em condições de clima tropicalMarciane da Silva MAIA¹ *, Joelma Vasconcelos Celestino da SILVA² , Iralice Monte-negro de MEDEIROS², Claudio Adriano Correia de LIMA³ , Carlos Eduardo Bezerra de MOURA4

RESUMO

Avaliaram-se os parâmetros seminais e testiculares de 17 carneiros (cinco Santa Inês, cinco Dorper e sete mestiços ¾ Dorper + ¼ Santa Inês). A coleta de dados foi realizada quinze-nalmente. Os ejaculados foram colhidos em vagina artificial, mantidos em banho-maria (37 °C) e avaliados quanto ao volume, aspecto, vigor, motilidade, turbilhonamento, concentração, morfologia e viabilidade espermática. Houve diferença significativa (P <0,05) entre as raças para perímetro escrotal, temperatura retal e algumas das características seminais. O volume do ejaculado foi maior (P <0,05) na Dorper (1,27 ± 0,1 ml) comparado à Santa Inês (0,81 ± 0,1 ml) e mestiços (1,00 ± 0,1 ml). A motilidade espermática foi significativamente maior nos carneiros Santa Inês e mestiços (85,5 ± 2,2 e 85,2 ± 1,4%, respectivamente) do que no Dorper (77,8 ± 3,2%). O total de espermatozoides anormais, a porcentagem de defeitos maiores e a temperatu-ra retal média foram mais elevados (P <0.05) na Dorper do que nas outras raças. As evidências sugerem que os carneiros da raça Santa Inês e mestiços apresentam melhor desempenho repro-dutivo sob as condições em que o estudo foi conduzido, possivelmente por estarem mais bem adaptados às condições ambientais da região.

P A L A V R A S - C H A V E Estresse térmico, perímetro escrotal, qualidade de sêmen, morfologia espermática, ovino

Seminal and testicular characteristics of Dorper, Santa Inês and crossbreed rams in a semi-arid tropical environmentABSTRACT

The seminal and testicular parameters of 17 rams (five of Santa Ines, five Dorper and seven

crossbreed - ¾ Dorper + ¼ Santa Inês) were evaluated every two weeks. The ejaculates were collected by artificial vagina and after collection; the semen was kept in a water bath (37°C) and evaluated for volume, aspect, vigor, total motility, mass motility, concentration, morpholo-gy and viability. Significant differences (P<0.05) were observed between breeds for the scrotal circumference, rectal temperature and some of the seminal characteristics. The semen volume was greater (P <0.05) in the Dorper (1.27 ± 0.1 ml) compared to Santa Ines (0.81 ± 0.1 ml) and crossbreed (1.00 ± 0.1 ml) and significantly higher sperm motility was found for the Santa Ines and crossbreed (85.5 ± 2.2 and 85.2 ± 1.4%, respectively) compared to the Dorper rams (77.8 ± 3.2%). The total morphological abnormalities and the percentage of major defects were higher (P <0.05) in the Dorper than in the other breeds. The average rectal temperature was also sig-nificantly (P <0.05) higher in the Dorper than in the other breeds. The evidence suggests that Santa Ines and crossbreed rams show better reproductive performance under conditions in which the study was conducted, possibly because they are better adapted to the environmental conditions of the region.

K E Y W O R D S thermal stress, scrotal circumference, semen quality, sperm morphology, sheep

¹ Embrapa Semiárido – EMPARN. Av. Eliza Branco Pereira dos Santos, SN.

Parque das Nações, Caixa postal 188, CEP: 59158-160, Parnamirim-RN.

[email protected].* autor para correspondência.

² Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. CEP: 59280-000,

Macaíba-RN. [email protected]; [email protected]

³ Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do

Norte – EMATER. CEP: 59064-901, Natal -RN. clazootecnista@yahoo.

com.br

4 Universidade Federal Rural do Semiárido – UFERSA, Mossoró –RN.

[email protected]

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Características seminais de carneiros das raças Dorper, Santa Inês e mestiços em condições de clima tropical

INTRODUÇÃO

A região Nordeste possui o maior efetivo (57,2%) do re-banho ovino do país (IBGE, 2011). Nessa região, o rebanho é formado, predominantemente, por ovinos deslanados sem padrão racial definido (SPRD) e por animais puros das raças nativas Santa Inês, Somalis e Morada Nova.

Em geral, a ovinocultura nordestina está voltada para a produção de carne e pele, de forma extensiva, sendo o desem-penho produtivo e reprodutivo prejudicados pelo baixo nível de tecnologia aplicado ao sistema. Apesar de produzir cerca de oito toneladas de carne ovina/ ano (FAO, 2009) e desse tipo de carne apresentar valor comercial muito maior do que a carne de outras espécies animais, a produção brasileira não é sufi-ciente para atender a demanda do mercado, devido principal-mente, ao sistema de produção deficiente. Assim, precisa haver um aprimoramento no processo de produção como um todo, para que a atividade possa se tornar mais competitiva. Para isso a genética é fundamental. No entanto, é preciso investir não só em melhoramento genético, como também em opções de manejo, alimentação e sanidade dos rebanhos.

As biotécnicas de reprodução como a inseminação arti-ficial e a transferência de embriões, assim como a melhoria nos processos de congelação de sêmen, poderão contribuir para maximizar o uso de reprodutores. Porém é importante lembrar que para obter bons resultados com essas biotécnicas, deve-se partir de um sêmen de boa qualidade. Sendo assim, os reprodutores devem ser mantidos sob condições de ambiente e manejo que favoreçam a produção de sêmen de boa qualida-de. Nos últimos anos tem havido a introdução de animais de raças exóticas especializadas para carne, como a Dorper, com o intuito de promover o melhoramento genético dos rebanhos. A raça Dorper quase sempre é apontada como alternativa para cruzamentos industriais, em acasalamentos com fêmeas da raça Santa Inês e do tipo SPRD (Silva et al., 2010) com o obje-tivo de melhorar os índices produtivos e a qualidade da carcaça (Cezar et al., 2004). No entanto, existe pouca informação sobre a fertilidade e o desempenho reprodutivo destes animais sob as condições de clima e manejo do Nordeste do Brasil. Portan-to, é importante comparar as características reprodutivas dos animais Dorper com aqueles das raças nativas da região para que os produtores possam ter uma garantia de sucesso em seu investimento.

O uso de reprodutores que produzam sêmen de boa qua-lidade é fundamental para maximizar o desempenho repro-dutivo dos rebanhos. Assim, o objetivo deste estudo foi obter informações sobre as características seminais e testiculares de carneiros das raças Dorper, Santa Inês e mestiços (¾ Dorper + ¼ Santa Inês) criados nas condições de clima e manejo do Nordeste do Brasil.

MATERIAIS E MÉTODOS

O experimento foi conduzido na Fazenda São Joaquim, localizada no município de Macaíba – RN, no período de 15 de fevereiro a 14 de maio de 2011. Durante o período experi-mental a temperatura média do ar foi de 31,8°C, a umidade re-

lativa foi de 80,9% e o ITU (índice de temperatura e umidade) 85,9. As coletas de dados ocorreram quinzenalmente, quando se realizava a colheita de um ejaculado, a medição do períme-tro escrotal e da temperatura retal de cada animal. Realizava-se também, a medição da temperatura e umidade relativa do ar com o auxílio de um termo-higrômetro (GRX BRASIL, mode-lo 5195.03.0.00).

Foram utilizados 17 machos ovinos adultos, com três a cinco anos de idade, clinicamente sadios e com escore de con-dição corporal 3,5 a 4, sendo cinco da raça Dorper, cinco Santa Inês e sete mestiços (¾ Dorper + ¼ Santa Inês). Os animais eram mantidos em um sistema de confinamento a céu aberto. Durante o dia permaneciam em um piquete de capim Pango-la (Digitaria decumbes), onde recebiam uma suplementação alimentar (750 g/animal/dia) contendo milho, soja, torta de al-godão, uréia e mistura mineral, com aproximadamente 17% de proteína bruta e capim elefante, palma forrageira e mandioca, picados, à vontade. Ao final da tarde, os carneiros eram levados ao centro de manejo onde pernoitavam com as fêmeas, para a realização dos acasalamentos.

Durante a coleta de dados realizava-se inicialmente, a me-dição do perímetro escrotal com auxílio de fita métrica, aferida em centímetros, com precisão de 1,0mm; no ponto de maior diâmetro testicular. Em seguida, procedia-se a medição da temperatura retal (TR) utilizando-se um termômetro clínico com escala em mercúrio de 35 a 43°C o qual era introduzido no reto do animal onde permanecia por cerca de três minutos e então era feita a leitura da temperatura. Após estas avaliações, procedia-se a colheita dos ejaculados.

Os ejaculados foram colhidos pela técnica da vagina arti-ficial, pois a mesma não provoca dor e produz um ejaculado de melhor qualidade, comparada à técnica do eletroejaculador (Chemineau et al., 1991; Evans e Maxwell, 1987). Após a ini-bição inicial, devido a presença de humanos, todos os animais se submeteram a colheita voluntariamente. Utilizou-se uma vagina artificial aquecida (41 a 42°C) e uma fêmea em estro para estimulação do macho. De cada animal foram colhidos seis ejaculados. Após a colheita o sêmen era mantido em ba-nho-maria a 37 oC e imediatamente, avaliado quanto ao volu-me, aspecto, turbilhonamento, motilidade e vigor espermático (Maia, 2010). Para a avaliação da motilidade espermática uma pequena gota de sêmen foi depositada sobre uma lâmina de vidro limpa e aquecida (37 ° C), diluída com uma gota de so-lução de citrato de sódio a 2,94% e coberta com lamínula e em seguida, examinada sob microscopia óptica (400x). Três cam-pos foram analisados por lâmina e a percentagem de esper-matozoides móveis estimada subjetivamente. Para avaliação do movimento de massa uma gota de sêmen puro foi depositada sobre uma lâmina de vidro (37 ° C) e avaliada sob microscópio óptico com uma ampliação de 100 x. O resultado foi expresso em notas numa escala de 0 a 5, onde zero correspondia a au-sência de turbilhonamento e cinco ao turbilhonamento má-ximo (Maia, 2010; Chemineau et al., 1991;. Evans e Maxwell, 1987). Em seguida retirava-se uma amostra para a determina-ção da concentração espermática (diluição de 1:400, hematoci-tômetro) e preparava-se um esfregaço com uma gota de sêmen corada com eosina-nigrosina (Maia, 2010; Chemineau et al., 1991; Evans e Maxwell, 1987) para posterior avaliação da mor-

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Marciane da Silva MAIA et al.

fologia espermática e porcentagem de vivos. A morfologia es-permática foi determinada em 200 espermatozoides/lâmina e as anomalias observadas foram classificadas em defeitos maio-res e defeitos menores conforme o modelo proposto por Blom (1973). As avaliações foram feitas sob microscopia de luz (1000 x, sob imersão -BIOVAL – L1000, Brasil) com o auxílio de um contador de células digital (CH@MPION-VET, AS-24, Brasil). Todas as avaliações foram realizadas no Laboratório de Tecno-logia de Sêmen (LATES), localizado na estação experimental da EMPARN, em Parnamirim-RN.

Análise estatísticaOs dados foram analisados estatisticamente utilizando-se a

análise de variância (ANOVA) para determinar o efeito da raça sobre os diferentes parâmetros considerados. As médias foram comparadas pelo teste de Tukey a 95% de confiança.

Os valores percentuais foram submetidos à transformação logarítmica para homogeneização das variâncias, e em seguida submetidos à ANOVA. Realizou-se também a análise de cor-relação (coeficiente de correlação linear de Pearson) entre os parâmetros espermáticos e a temperatura retal (TR) e períme-tro escrotal (PE). Todas as análises foram realizadas com o au-xílio do programa estatístico Statgraphics (Statistical Graphis Corp., USA).

RESULTADOS

O volume do ejaculado diferiu significativamente (P<0,05) entre as raças. Os carneiros da raça Dorper apresentaram um ejaculado com volume maior, que os da raça Santa Inês e mes-tiços. A motilidade espermática também foi afetada pela raça.

Os carneiros da raça Santa Inês e os mestiços apresentaram motilidade significativamente maior que os da raça Dorper. A concentração espermática, bem como, a porcentagem de vivos, turbilhonamento e defeitos menores não diferiu significativa-mente entre as raças (Tabela 1). O valor médio da concentração espermática foi 3.591,6 x106 sptz/mL.

O total de defeitos espermáticos (TDE) e o percentual de defeitos maiores (DMA) diferiram significativamente entre as raças. Os carneiros da raça Dorper apresentaram TDE e DMA mais altos que aqueles observados para a raça Santa Inês e mes-tiços, os quais, não diferiram entre si (Tabela 1). Dentre as pa-tologias espermáticas observadas, destacaram-se as patologias de acrossoma (37,11%), cauda dobrada (13,63%), cauda forte-mente dobrada (12,24%), gota proximal (10,20%), gota distal (6,82%) e cabeça solta normal (5,13%).

O perímetro escrotal foi significativamente maior nos car-neiros mestiços comparados aos Dorper e semelhante ao San-ta Inês (Tabela 1). Houve baixa correlação positiva entre PE e concentração espermática (Tabela 2).

A temperatura retal (TR) foi significativamente maior (P < 0,05) nos carneiros da raça Dorper comparada à Santa Inês e mestiços, os quais apresentaram médias semelhantes entre si (Tabela 1).

Os parâmetros seminais, motilidade (MT), concentração e vivos, correlacionaram-se negativamente, com a TR. Enquan-to que o percentual de espermatozoides anormais (TDE) e o percentual de DMA apresentaram uma alta correlação positiva com a TR e uma correlação negativa com o PE. Observou-se também uma correlação positiva entre concentração espermá-tica e perímetro escrotal (Tabela 2).

Tabela 1 - Parâmetros seminais, testiculares e fisiológicos (media ± ep) de carneiros das raças Santa Inês, Dorper e Mestiços, no nordeste do Brasil

Parâmetro

Raça Média Geral

(n = 102)CV(%)Dorper

(n = 30)Santa Inês

(n = 30)Mestiços(n = 42)

V (mL) 1,27±0,1a 0,81±0,1c 1,00±0,1b 1,02±0,03 38,96C (x106/mL) 3375,6±208,4 3936,3±204,2 3492,4±174,9 3591,6±116,1 32,69

MT (%) 77,8 ± 3,2b 85,5 ± 2,2a 85,2 ± 1,4a 81,9 ± 1,5 15,84Vivos (%)* 82,7±1,7 83,0±2,1 84,9±1,3 83,7±1,0 11,35MM (0 - 5) 4,2±0,1 4,3±0,1 4,3±0,1 4,3±0,1 15,04

Vigor (0 - 5) 4,00±0,1 4,4±0,1 4,2±0,1 4,2±0,1 17,31TDE (%) 26,2±3,8a 17,7±1,3b 15,3±1,3b 19,2±1,5 20,32DMA (%) 21,5±3,8a 12,4±1,4b 10,8±0,9b 14,4±1,2 25,68DME (%) 4,8± 0,6 5,3±0,7 4,5±0,7 4,8± 0,4 62,63PE (cm) 35,0± 0,4b 35,1 ± 0,4ab 36,1 ± 0,3a 35,6 ± 0,2 6,00TR (°C) 39,59±0,11a 38,68±0,09b 38,68±0,11b 38,92±0,14 2,84

Médias seguidas de letras diferentes na mesma linha diferem entre si a P < 0,05, pelo teste de Tukey. *Coloração vital. V: volume; C: concentração espermática; MT: motilidade total; MM: turbilhonamento; TDE: total de defeitos espermáticos; DMA: defeitos maiores; DME: defeitos menores; PE: perímetro escrotal; TR: temperatura

retal.

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Características seminais de carneiros das raças Dorper, Santa Inês e mestiços em condições de clima tropical

DISCUSSÃO

Os valores dos parâmetros seminais e testiculares avaliados diferiram entre os três grupos de animais estudados e varia-ram bastante em comparação com diversos estudos realizados com ovinos deslanados (Maia et al., 2011; Frazão Sobrinho et al., 2009; Souza et al., 2007; Fourie et al., 2004). Porém, elimi-nando-se o fator raça, o valor médio de todos os achados está de acordo com os valores recomendados para a espécie ovina (CBRA 2013; Evans e Maxwell, 1987). A diferença entre os três grupos de carneiros pode ser atribuída às variações no grau de tolerância dos indivíduos ao estresse térmico. De acordo com Chemineau et al. (1991) a temperatura ambiente elevada obser-vada em regiões tropicais, especialmente na estação seca, pode interferir com a termorregulação testicular refletindo negativa-mente sobre a espermatogênese e, portanto, sobre a qualidade do sêmen. Para avaliar a tolerância dos carneiros ao estresse tér-mico foi medida a temperatura retal dos animais, uma vez que este parâmetro tem sido utilizado para esta finalidade (Mota, 1997). A temperatura retal média (TR) dos animais foi de 38,9 °C, semelhante à referida por Raslan (2008) para fêmeas e ma-chos no turno matutino e estava dentro do intervalo de ter-moneutralidade (38,8-39,9 °C) descrito por Marai et al. (2007) em ovinos. No entanto, houve diferença significativa entre as raças para TR, com os animais da raça Dorper mostrando os va-lores mais altos. Provavelmente, as condições ambientais sob as quais o estudo foi realizado foram estressante para os animais desta raça que eram menos tolerantes ao estresse térmico do que os animais Santa Inês e mestiços. Cezar et al. (2004) tam-bém relataram os animais Dorper e mestiços demonstraram menor grau de adaptabilidade ao ambiente semiárido do que os Santa Inês. Em nosso estudo, a média do ITU pela manhã foi de 85,9 que está na faixa considerada de emergência. O ITU é um índice de conforto térmico que pode ser relacionado com o desempenho do animal; quando acima da normali-dade (até 70 normal; 71-78 crítico; 79-83 situação de perigo; 84 ou maior emergência; Hahn 1985 citado por Raslan, 2008) ocassiona estresse térmico e alterações fisiológicas e comporta-mentais nos animais, podendo comprometer a produtividade e sobrevivência. Trabalhando com os mesmos genótipos aqui avaliados (Santa Inês, Dorper e mestiços) Cezar et al. (2004) observaram que um ITU de 82,4 obtido no turno da tarde cau-sou estresse térmico em todos os animais, resultando em eleva-ção da temperatura retal, frequência respiratória e frequência cardíaca. Porém, os machos Dorper e mestiços apresentaram

frequência respiratória, significativamente mais elevada que os Santa Inês. Possivelmente como mecanismo para eliminar o excesso de calor.

Em carneiros, as características seminais mais afetadas pela temperatura ambiente elevada são a motilidade, vigor, con-centração e morfologia (Maia et al., 2011; Moreira et al., 2001; Freitas e Nunes, 1992). Além disso, a elevação da temperatu-ra retal a 39-39,5 °C afeta a espermatogênese, resultando no aparecimento de espermatozoides anormais no ejaculado al-gumas semanas mais tarde (Chemineau et al., 1991). Em nosso estudo, as anormalidades espermáticas mais frequentes foram as de acrossoma, cauda dobrada e enrolada, gota proximal e distal e cabeças soltas normais. Estes tipos de defeitos estão relacionados ao estresse térmico e / ou degeneração testicular (Moreira et al., 2001; Santos e Simplício, 2000; Barth e Oko, 1989). O percentual médio de anormalidades espermáticas totais (19,2%) foi inferior ao encontrado em outros estudos com animais da raça Dorper e Santa Inês (Maia et al., 2011; Souza et al., 2007; Fourie et al., 2004). No entanto, ao compa-rarmos os três grupos de animais avaliados, observamos que os da raça Dorper apresentaram um maior percentual de defeitos espermáticos totais (TDE; 26,2%) e defeitos maiores (DMA), comparado às outras raças, valor este superior ao recomendado para espécie (CBRA, 2013). A constatação da temperatura retal mais elevada na Dorper que nas outras raças é indicativo de que esses animais estavam sofrendo estresse térmico nas nossas condições climáticas. Além disso, foi observada uma alta cor-relação positiva entre TDE e DMA com a TR. Assim, quanto mais elevada for a TR maior será a porcentagem de anomalias espermáticas. De acordo com Fourie et al. (2004) os carneiros da raça Dorper acumulam uma grande quantidade de gordura no tecido subcutâneo do cordão espermático e bolsa escrotal. Essa gordura escrotal pode interferir com o mecanismo de termorregulação testicular, o qual é essencial para uma ótima espermatogênese. Assim, todos esses fatores podem ter contri-buído para a maior porcentagem de TDE e DMA observados na raça Dorper. Estes achados demonstram ainda, a influência da temperatura corporal elevada, em situações de estresse ca-lórico, sobre as características seminais, em particular a morfo-logia espermática.

A motilidade espermática também foi afetada pela raça. Os carneiros da raça Santa Inês e os mestiços apresentaram sêmen com motilidade espermática superior aos da raça Dor-per, cujo valor (77,8%) foi inferior ao mínimo aceitável para sêmen ovino colhido em vagina artificial (CBRA, 2013). Essa diferença pode ser atribuída ao alto percentual de TDE obser-

V C MT MM VIVOS TDE DMA DME

TR 0,17 -0,21* -0,28* -0,19 -0,20* 0,79** 0,86** 0,16PE 0,06 0,20* 0,09 0,15 0,09 -0,34** -0,31** -0,14

*P<0,05 ** P<0,01. V: volume, C: concentração espermática, MT: motilidade total, MM: turbilhonamento, TDE: total de defeitos espermáticos, DMA: defeitos maiores, DME: defeitos menores, PE: perímetro escrotal, TR: temperatura retal.

Tabela 2 - Coeficiente de correlação linear de Pearson (r) entre a temperatura retal (TR) e perímetro escrotal (PE) com os parâmetros espermáticos

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Marciane da Silva MAIA et al.

vado na Dorper, uma vez que existe uma relação negativa entre motilidade e anormalidade espermática (Bearden et al., 2004). Esse fato foi verificado em nosso estudo onde os dois grupos de animais com maior motilidade espermática (Santa Inês e Mestiços), também foram os que apresentaram o menor por-centual de células anormais, em relação ao Dorper.

O perímetro escrotal diferiu entre os três grupos de ani-mais sem, no entanto, apresentar qualquer efeito sobre a con-centração espermática. Essa diferença pode ser atribuída à predominância do formato testicular longo-oval (Araújo et al., 2011) na raça Dorper, afetando o valor do PE em relação às outras raças. Observou-se também, uma ampla variação no perímetro escrotal em comparação com outros estudos realiza-dos com animais deslanados (Salgueiro e Nunes, 1999; Bitten-court et al., 2003; Fourie et al., 2004; Monteiro, 2007; Maia et al., 2011), possivelmente em decorrência da variação na idade e peso dos animais, bem como, às diferenças no manejo nutri-cional dispensado aos mesmos (Siqueira Filho, 2007; Bitten-court et al., 2003).

CONCLUSÕES

Os carneiros Santa Inês e os mestiços mostraram-se bem adaptados às condições de clima e manejo da região onde o estudo foi realizado, produzindo sêmen de boa qualidade. Já os da raça Dorper demonstraram alterações espermáticas que podem comprometer sua capacidade fecundante, sendo neces-sário proporcionar a estes animais as condições adequadas de ambiente e manejo que favoreçam a produção de sêmen de boa qualidade.

A termorregulação testicular influencia diretamente as ca-racterísticas seminais, em particular a morfologia espermática, sendo o estresse calórico decorrente das altas temperaturas am-bientais, um fator de efeito negativo sobre essa característica. A medição da temperatura retal pode ser utilizada como um parâmetro de avaliação da tolerância dos indivíduos ao estresse calórico e um indicador do seu impacto na qualidade seminal.

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