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Olanzapina e ECT em paciente com esquizofrenia catatônica refratária – Alvarenga & Rigonatti

Rev Psiquiatr RS set/dez 2005;27(3):324-327

Relato de caso

Uso de olanzapina e eletroconvulsoterapiaem um paciente com esquizofreniacatatônica refratária e antecedentes desíndrome neuroléptica maligna

Pedro Gomes de Alvarenga*Sérgio Paulo Rigonatti**

* Médico residente.

** Professor Doutor. Responsável pelo Serviço de Eletroconvulsoterapia,Instituto de Psiquiatria, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo (HCFMUSP), SP.

Recebido em 28/03/2005. Revisado em 08/06/2005. Aceito em 06/09/2005.

INTRODUÇÃO

Segue relato clínico objetivo, constituídoatravés de informações obtidas junto à família enotas em prontuários médicos, compreendendoa história clínica e o manejo de um pacientemasculino adulto com esquizofrenia catatônicarefratária a neurolépticos típicos (haloperidol eclorpromazina) e a outro agente atípico(risperidona) e com dois antecedentes desíndrome neuroléptica maligna (SNM). Osautores (P.G.A. e S.P.R.) optaram pelaassociação de eletroconvulsoterapia (ECT) eolanzapina (7,5 mg), resul tando emconsideráveis benefícios para o paciente. Umavez que a literatura aponta para a eficácia daassociação entre ECT e um antipsicótico nocontrole da esquizofrenia refratár ia,objetivamos compartilhar uma experiênciaterapêutica eficaz e segura frente a um casocom alto risco de desenvolver SNM.

RELATO DE CASO

Identificação: IS, 35 anos, branco, solteiro,natural e procedente de Presidente Prudente(interior do estado de São Paulo), evangélico.

História da moléstia atual: Pacienteencaminhado por um hospital secundário desua cidade ao Hospital das Clínicas daFaculdade de Medicina da Universidade de SãoPaulo, apresentando há 15 dias quadrocatatônico caracter izado por intensonegativismo, recusa alimentar e mutismo, eentremeado por breves episódios de súbitaagitação psicomotora e discurso acelerado eininterrupto, em que hostilizava familiares eprofissionais de saúde à sua volta.

História hospitalar e medicamentosapregressa: O paciente esteve internado pelaprimeira vez em 1992, aos 23 anos, pordependência alcoólica. Evadiu-se do hospitalapós 4 dias de internação. Foi internado cincovezes entre 1996 e 2002 porheteroagressividade e dependência de álcool.Apresentou SNM após administração dehaloperidol por via oral em 2002. Nesta ocasião,a temperatura axilar atingiu 41 ºC, e a enzima

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creatinofosfoquinase (CPK), 4.303 u/L. Recebeualta após 32 dias, com o quadro psicóticoestabilizado, persistindo abulia e retraimentosocial. Retornou à internação em dezembro de2003, trazido por policiais. Trajava roupas desuperman e estava extremamente agressivo eagitado. Apresentava solilóquios, alucinaçõesvisuais e auditivas e delírios persecutóriosalternando-se com delírios de grandeza,segundo informações médicas. Foi medicadona ocasião com uma ampola de clorpromazinaintramuscular, carbamazepina 600 mg/dia,risperidona 1mg/dia e diazepam 20 mg/dia, soba hipótese de esquizofrenia paranóide. Evoluiucom hipertermia mal igna e sintomasextrapiramidais, necessitando suporte deterapia intensiva por 2 semanas. Recebeu altaapós 53 dias, em boas condições clínicas, comexceção de seqüela motora (déf ic i tsextensores) em antebraços e mãos, os quaispersistem até hoje. Apresentou, entretanto,sintomas delirantes e alucinatórios refratários adiversos psicofármacos, em doses terapêuticaspor tempo adequado, como haloperidol,levopromazina, risperidona, ácido valpróico efenobarbi tal . As medicações eramadministradas pelo responsável legal (irmão) eenfermeiros, portanto, descartou-se máaderência.

Antecedentes pessoais e hábitos:Nascido de parto normal a termo, apresentoudesenvolvimento neuropsicomotor satisfatório.Estudou até a 6ª série com dificuldade, apósrepetir 2 anos. Teve poucos amigos e nenhumanamorada na infância e na adolescência. Opróprio paciente referiu ter tido alguns poucosrelacionamentos heterossexuais ocasionais.Aos 18 anos, começou a trabalhar comopedreiro, mas nunca conseguiu sustentar-sefinanceiramente. Adotou, na ocasião, um estilode vestir-se “punk” e iniciou uso freqüente erecorrente de álcool e tabaco. Experimentava,esporadicamente, maconha, cocaína e “chá decogumelo” na adolescência.

Antecedentes familiares: Háantecedentes de alcoolismo, depressão eretardo mental em familiares de primeiro grau.

Exame psíquico admissional (maio de2004): Mutismo; negativismo passivo; afetoembotado, hipomodulante; hipocinesia eflexibilidade cérea.

Exame clínico e neurológico: Atrofiamuscular e déficits extensores em ambos osmembros superiores. O restante permaneceudentro dos limites da normalidade.

Exames complementares laboratoriais:Sem alterações relevantes.

Exames de Imagem: Ressonânciamagnética de encéfalo (técnicas seqüenciaisaxiais T1, T2, FLAIR, T1 sagital e coronal pós-gadolíneo) evidenciou proeminência de sulcosentre os giros corticais do lobo frontal e dasfissuras sylvianas compatíveis com processodegenerativo crônico.

Hipóteses diagnósticas: 1) Esquizofreniaparanóide/catatônica refratária; 2) Síndromecatatônica; 3) Tabagismo; 4) Dependênciaalcoólica (abstinente há 8 anos); 5) Processodemencial (alcoólico?); 6) SNM prévia (doisepisódios, com seqüelas motoras).

Evolução durante a internação:Suspendeu-se carbamazepina 800 mg/diaprescrita no serviço de origem, introduzindo-selorazepam 12 mg/dia no intuito de promoverrelaxamento da musculatura e alívio dossintomas catatônicos. Empir icamente,programaram-se 12 aplicações de ECT trêsvezes por semana, sob anestesia, relaxamentomuscular e com consentimento de familiares.Após a terceira aplicação de ECT, o pacienteapresentou remissão do negativismo, passandoa apresentar agitação psicomotora, elação dehumor e del ír ios de grandeza. Apóscompletarem-se as 12 aplicações previstas,como persistissem sintomas positivos deesquizofrenia, optou-se por introdução graduale criteriosa de olanzapina. O paciente foisubmetido a outras cinco aplicações de ECT(total de 17). Apresentou remissão total dossintomas posi t ivos com 7,5 mg/dia deolanzapina associada à ECT. Persistiu com osprejuízos cognitivos (atenção e memória defixação), diminuição de pragmatismo e pobrezaideativa ( já relatadas anteriormente emperíodos intercríticos). Não houve alteração deexames laboratoriais, tais como CPK, funçõesrenal ou hepática e glicemia/lípides. O pacienterecebeu alta e foi encaminhado ao serviço deECT de manutenção em uso de olanzapina 7,5mg, sob cuidados de familiares.

DISCUSSÃO

O paciente em apreço necessitou serencaminhado ao nosso serviço de ECT por trêsrazões básicas: 1) sintomatologia catatônica;2) risco de ser medicado com neurolépticospotentes em altas doses (grande possibilidadede recorrência da SNM); e 3) refratariedadeclínica a antipsicóticos.

A catatonia foi descrita inicialmente em1874 por Karl Ludwig Kahlbaum, em umamonografia intitulada Die Katatonie oderSpannungsirrsein. Originalmente considerada

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uma doença independente, caracterizada porprofundas alterações mentais e motoras, acatatonia foi posteriormente tida como umsubtipo da esquizofrenia, como descrita noDSM-IV e no CID-101. Não obstante, é fato queos sintomas de catatonia não ocorremespecificamente na esquizofrenia, mas em umagama de doenças psiquiátricas, como ostranstornos do humor e os transtornosconversivos1. Wernicke-Kleist-Leonhardelaboraram conceitos independentes,baseados na di ferenciação precisa dosdistúrbios motores em formas dist intas:episódica e sistemática1 ou até mesmohipercinética e acinética2. A catatonia é umasituação clínica de emergência que requertratamento imediato, pois a desidratação e oestupor são complicações importantes e quepodem ser fatais3. É indicada, antes de qualquerintervenção terapêutica psiquiátrica, umaavaliação clínica minuciosa, a fim de afastardesequilíbrios eletrolíticos e metabólicos3. AECT desempenha um papel fundamental norestabelecimento destes pacientes4.

A SNM é um estado neurotóxicopossivelmente fatal , que ocorre emaproximadamente 0,2% dos pacientes tratadoscom neurolépticos e que idealmente requercuidados em unidade de terapia intensiva5. Sãofatores de r isco conhecidos: agi tação,desidratação e altas doses de neurolépticospotentes5. Hipertermia, disautonomias,confusão mental e rigidez são elementospadronizados para o diagnóstico5. A elevaçãoda enzima CPK é um dado laboratorial quereforça a elaboração diagnóstica. A recorrênciada SNM é bastante freqüente; logo, convémadministrar drogas mais seguras e realizar suatitulação de maneira cautelosa5. A ECT torna-se uma importante estratégia nestes casos5. Arefratar iedade a agentes ant ipsicót icos(resposta clínica insatisfatória a mais de duasclasses distintas de neurolépticos, por tempo edose adequados)6 não é uma raridade na clínicapsiquiátr ica, e o paciente em questãoapresentou tal refratariedade.

As três situações apresentadas – 1)s índrome cata tôn ica ; 2 ) SNM; e 3)refratariedade a antipsicóticos – constituemindicações precisas para a aplicação de ECT,a qua l resu l tou em resposta c l ín icasatisfatória e alguns poucos efeitos colateraismenores já esperados (cefaléia e amnésiatransitória). Após as 12 aplicações previstasinicialmente, o paciente remitiu dos sintomascatatônicos; entretanto, permaneceu comdelírios de grandeza e delírios persecutórios

residuais. A associação entre ECT e umantipsicótico vem demonstrando benefíciospara o controle dos sintomas positivos daesquizofrenia refratária7,8. Assim, optou-sepela introdução gradual e cr i ter iosa deolanzapina, já que o paciente apresentaraSNM anterior com neurolépt icos t ípicos(haloperidol e clorpromazina) e respostaclínica insatisfatória a outro agente atípico(risperidona). Há relatos na literatura9,10 deSNM desencadeada por uso de agentesant ips icó t icos a t íp icos , en t re e les aolanzapina, o que demandou cuidado ao seelevar a dose da medicação, buscando amenor dose e fe t iva para o pac iente .Submetido, então, a outras cinco aplicaçõesde ECT (total de 17), em uso de 7,5 mg/dia deolanzapina, apresentou remissão total dossintomas positivos. O paciente manteve oss in tomas negat ivos, ta is como déf ic i tscognitivos, hipobulia, embotamento afetivo epobreza ideativa, o que já era esperado, umavez que a combinação de um psicofármacocom a ECT tem mostrado pouco impacto nocontrole de sintomas negativos8. Trabalhosna literatura11 apontam para a eficácia da ECTde manutenção (ECT-M) em diminuir asrecidivas de sintomas psicóticos e o númerode hospitalização de pacientes psiquiátricos,e a mesma tem sido empregada em nossoserviço com excelentes resultados.

Concluindo, a associação entreneurolépticos e ECT vem sendo empregadacom sucesso. Apesar de relatos de SNMdesencadeada por uso de agentes atípicos, aassociação entre olanzapina (7,5 mg) e ECT foiuma alternativa segura em um caso deesquizofrenia catatônica refratária com altorisco para desenvolver SNM.

REFERÊNCIAS

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4. Rohland BM, Carroll BT, Jacoby RG. ECT in the treatmentof the catatonic syndrome. J Af fect Disord.1993;29(4):255-61.

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6. Koshino Y. Algor i thm for t reatment-refractoryschizophrenia. Psychiatry Cl in Neurosci .1999;53(Suppl):S9-13.

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10. Kogoj A, Velikonja I. Olanzapine induced neurolepticmal ignant syndrome: a case review. HumPsychopharmacol. 2003;18(4):301-9.

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RESUMO

Este artigo descreve a história clínica e o manejode um paciente masculino adulto com esquizofreniacatatônica refratária a dois neurolépticos típicos(haloperidol e clorpromazina) e a outro agente atípico(risperidona), e com antecedente de dois episódiosde síndrome neuroléptica maligna em vigência deneurolépticos típicos. Os autores optaram pelaassociação de eletroconvulsoterapia (ECT) eolanzapina (7,5 mg). Foram obtidos consideráveisbenefícios para o paciente.

Descritores: ECT, olanzapina, catatonia.

ABSTRACT

This article describes the clinical history andmanagement o f an adu l t male pat ien t w i threfractory catatonic schizophrenia to two typicallyused neurolpetic medications (haloperidol andchlorpromazine) and to another atypical agent

(risperidone).The patient had also presented twoneuroleptic malignant syndrome episodes due totypical neuroleptic agents. The authors combinedECT and olanzapine (7.5 mg) as treatment, and aconsiderable clinical improvement was obtained.

Keywords: ECT, olanzapine, catatonia.Title: Olanzapine and ECT combined therapy in arefractory catatonic subtype schizophrenia patientwith previous neuroleptic malignant syndromeepisodes

RESUMEN

Presentamos un relato clínico referente a lahistoria precedente y al desarrollo de un enfermovarón con esquizofrenia catatónica refractaria a losneurolépticos convencionales (clorpromazina yhaloperidol) y a otro agente de nueva generación(risperidona). El enfermo presentó, en dos ocasiones,síndrome neuroléptico maligno, provocado por el usode los neurolépticos convencionales. Los autoresemplearon ECT y olanzapina (7,5 mg) obteniendoconsiderable éxito clínico.

Palabras clave: Eletroconvulsoterapia, olanzapina,catatonía.Título: Olanzapina y ECT en un enfermo conesquizofrenia catatónica refractaria y alto riesgo desíndrome neuroléptico maligno

Correspondência:Pedro Gomes de Alvarenga/Sérgio Paulo RigonattiRua Ovídeo Pires de Campos, 870São Paulo – SPFone: (11) 3069.6132E-mail: [email protected]

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