uso de d-xilose para detectar ingestÁo de leite em …

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Bol CJfSanit Panam 99(4), 1985 USO DE D-XILOSE PARA DETECTAR INGESTÁO DE LEITE EM Pó POR OUTROS MEMBROS DA FAMíLIA ALÉM DAS CRIANCAS DE 0 A 2 ANOS PARA AS QUAIS SE DESTINAVA A SUPLEMENTACÁO ALIMENTAR’ Maria das GraGas C. Ferriani,* Vera Heloisa Pileggi Vinha3 e José Eduardo Dutra de Oliveira Introduqáo A desnutricão é urna das principais cau- sas de mortahdade infantil no Brasil e em outros países das Américas, especialmente de criancas na idade pré-escolar (1). 0 problema é agravado pelo fato de que muitas famílias não atendem a necessi- dade que as criancas têm de urna nutricão especial e, também, porque os programas de alimentos têm diíkuldade em atingir esse grupo etário. 0 combate à desnutricão no Brasil é feito, atualmente, através de programas de suplementacão alimentar nos quais as unidades de saúde responsáveis pela pre- vencáo e controle de doencas nas comuni- dades distribuem leite em pó para con- sumo doméstico. A experiência até agora sugere que es- ses programas não reduziram satisfato- riamente a morbidade e mortalidade, e que as criancas envolvidas não atingiram os níveis desejados de crescimento e de- senvolvimento. Devido, em parte, aos baixos níveis sócio-econômicos e educa- ’ Publica-se em ingllês no Bullefin of fhe Pan Amerimn Hdh Orga- nzzdon, Val. 19, No. 1, 1985. 2 Universidade de Sáo Paulo, Escola de Enfermagem de Ri- beirão Preto, São Paulo, Brasil. ’ Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ri- beirão Preto, São Paulo. ’ Universidade de Sáo Paulo, Faculdade de Medicina de Ri- beirão Preto, Departamento de Medicina Clínica, Sáo Paulo. cionais das famílias, suspeitou-se que a maior parte, se não todo o complemento alimentar enviado para as casas, não es- tava chegando às criancas registradas no programa mas sendo consumido por ou- tros membros da famflia. É difícil confirmar essa suspeita através de entrevistas com as mães, pois a expe- riência demonstra que as mães tendem a dizer que somente as criancas visadas es- tão recebendo o complemento, seja ou não verdade. Portanto, parecia apropriado adicionar d-xilose ao alimento e realizar exames de urina para fazer essa verifi- ca@0 . D-xilose é um acúcar de pentose inócuo que normalmente não se encontra nos ali- mentos e que náo altera o gosto da comi- da. Geralmente utilizado em clínicas para provar a absorcão de carboidratos, é pas- sivamente absorvido pelos intestinos. Em- bora urna pequena quantidade seja meta- bolizada, a maior parte é excretada na urina num período de cinco horas após a ingestão (2). Em geral, a quantidade ex- cretada na urina é diretamente propor- cional ao volume ingerido e absorvido (3). 0 procedimento de rotina para o teste com d-xilose consiste em administrar ao paciente 25 g dissolvidas em 250 ml de água pela manhá, em jejum. Recolhe-se toda a urina excretada dentro de um período de cinco horas após a ingestáo, e verifica-se a quanidade de d-xilose excre- tada nesse período (2). 381

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Bol CJfSanit Panam 99(4), 1985

USO DE D-XILOSE PARA DETECTAR INGESTÁO DE LEITE EM Pó POR OUTROS MEMBROS DA FAMíLIA ALÉM DAS CRIANCAS DE 0 A 2 ANOS PARA AS QUAIS SE DESTINAVA A SUPLEMENTACÁO ALIMENTAR’

Maria das GraGas C. Ferriani,* Vera Heloisa Pileggi Vinha3 e José Eduardo Dutra de Oliveira

Introduqáo

A desnutricão é urna das principais cau- sas de mortahdade infantil no Brasil e em outros países das Américas, especialmente de criancas na idade pré-escolar (1). 0 problema é agravado pelo fato de que muitas famílias não atendem a necessi- dade que as criancas têm de urna nutricão especial e, também, porque os programas de alimentos têm diíkuldade em atingir esse grupo etário.

0 combate à desnutricão no Brasil é feito, atualmente, através de programas de suplementacão alimentar nos quais as unidades de saúde responsáveis pela pre- vencáo e controle de doencas nas comuni- dades distribuem leite em pó para con- sumo doméstico.

A experiência até agora sugere que es- ses programas não reduziram satisfato- riamente a morbidade e mortalidade, e que as criancas envolvidas não atingiram os níveis desejados de crescimento e de- senvolvimento. Devido, em parte, aos baixos níveis sócio-econômicos e educa-

’ Publica-se em ingllês no Bullefin of fhe Pan Amerimn Hdh Orga- nzzdon, Val. 19, No. 1, 1985.

2 Universidade de Sáo Paulo, Escola de Enfermagem de Ri- beirão Preto, São Paulo, Brasil.

’ Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ri- beirão Preto, São Paulo.

’ Universidade de Sáo Paulo, Faculdade de Medicina de Ri- beirão Preto, Departamento de Medicina Clínica, Sáo Paulo.

cionais das famílias, suspeitou-se que a maior parte, se não todo o complemento alimentar enviado para as casas, não es- tava chegando às criancas registradas no programa mas sendo consumido por ou- tros membros da famflia.

É difícil confirmar essa suspeita através de entrevistas com as mães, pois a expe- riência demonstra que as mães tendem a dizer que somente as criancas visadas es- tão recebendo o complemento, seja ou não verdade. Portanto, parecia apropriado adicionar d-xilose ao alimento e realizar exames de urina para fazer essa verifi- ca@0 .

D-xilose é um acúcar de pentose inócuo que normalmente não se encontra nos ali- mentos e que náo altera o gosto da comi- da. Geralmente utilizado em clínicas para provar a absorcão de carboidratos, é pas- sivamente absorvido pelos intestinos. Em- bora urna pequena quantidade seja meta- bolizada, a maior parte é excretada na urina num período de cinco horas após a ingestão (2). Em geral, a quantidade ex- cretada na urina é diretamente propor- cional ao volume ingerido e absorvido (3).

0 procedimento de rotina para o teste com d-xilose consiste em administrar ao paciente 25 g dissolvidas em 250 ml de água pela manhá, em jejum. Recolhe-se toda a urina excretada dentro de um período de cinco horas após a ingestáo, e verifica-se a quanidade de d-xilose excre- tada nesse período (2).

381

382 BOLETIN DE LA OFICINA SANITARIA PANAMERICANA Octubre 1985

Testes preliminares de laboratório

Para adaptar esse método aos nossos objetivos (determinar quem estava con- sumindo a suplementacão alimentar), realizaram-se testes preliminares de la- boratório visando:

1) determinar se o equipamento de la- boratório era suficientemente sensível e o técnico suficientemente treinado para executar os procedimentos necessários;

2) confirmar que o d-xilose adicionado à suplementacáo alimentar seria excre- tado na urina das pessoas que o con- sumiram;

3) determinar a quantidade de d-xilose a ser adicionada à suplementacáo alimen- tar para posterior deteccáo;

4) determinar quando, após a ingestáo no leite em pó, o d-xilose comeca a ser ex- cretado e durante quanto tempo;

5) comparar dois exames de laborató- rio para detectar d-xilose-o teste de Benedict e o teste de Roe e Rice-em ter- mos de sensibilidade e especificidade. 0 teste de Benedict, relativamente barato e que náo requer técnico especializado, pode dar urna resposta positiva a certas drogas, produtos químicos e enfermidades e a todos os acúcares encontrados na urina com excecáo de sacarose (2, 4, 5); o teste de Roe e Rice, mais caro e com maiores exigencias, é específico para d-xilose (6).

Materia& e métodos

Para os testes iniciais ll pessoas (três criancas e oito adultos), registradas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeiráo Preto, foram estu- dadas; nenhuma delas apresentava qual- quer condicáo patológica capaz de inter- ferir nos resultados dos testes.

Treinamento técnico. 0 primeiro teste pre- liminar de laboratório foi realizado para determinar se o técnico de laboratório es-

tava adequadamente treinado para efe- tuar o teste de Roe e Rice. Para tanto, quantidades de 5 g, 10 g e 15 g de d-xilose foram adicionados a três latas contendo cada urna 454 g de leite em pó. Por@es de 15 g da mistura de leite em pó e d-xilose foram diluídas num volume de 100 ml, e 160 ml desse líquido foi dado a cada um dos cinco adultos escolhidos para o teste cujas identidades náo foram reveladas ao técnico. Assim, três adultos receberan d-xilose da lata de 5 g, um recebeu d-xilose da lata de 10 g e um recebeu d-xilose da lata de 15 g. As quantidades ingeridas de d-xilose foram, respectivamente, 0,26 g, 0,051 g e 0,76 g.

Recolheu-se urina de cada urna das pes- soas submetidas ao estudo durante as cinco horas após a ingestáo de d-xilose. 0 volume total coletado de cada indivíduo foi dividido em três porcões; a cada porcáo deu-se o nome de urna pessoa fictícia e as 15 amostras de urina foram enviadas ao laboratório para análise pelo método de Roe e Rice.

Os resultados dessa prova triplo-cega aparecem na tabela 1. Conforme indi- cado, a menor quantidade de d-xilose de- tectada em qualquer das 15 amostras foi 0,Ol g e a maior 0,15 g. Conwdo, quando se calculou a média das três amostras de cada um dos cinco examinados, a média mais baixa foi 0,33 g e a mais alta 0,63 g. Esses resultados foram julgados satisfató- rios e o técnico considerado adequada- mente preparado para realizar o teste de Roe e Rice.

Teste de sensibilidade. Os testes prelimina- res posteriores destinavam-se a determi- nar que quantidade de d-xilose deveria ser adicionada ao leite em pó para ser detec- tado na urina tanto pelo método de Bene- dict como pelo método de Roe e Rice. Para isso, três adultos ingeriram leite con- tendo diferentes quantidades de d-xilose e forneceram amostras de urina para aná- lise por ambos os métodos.

Feriani et al. INGESTAO DE LEITE EM Pó 383

TABELA 1 -Quantidade de d-xilose ingerida por cinco adultos e quantidades detectadas em 15 amos tras de urina submetidas para análise pelo mbtodo de Roe e Rice; dados agrupados para os cinco con. juntos de tres amostras equivalentes; valor mádio, variacáo e um desvio-padráo para cada agrupa. mento.

Indicadores atribuidos d-xilose de-

Quantidade de Quantidade de às 15 tectada pelo Quanti-

d-xilose por d-xilose por amostras teste de Roe dade Um lata de 454 g 160 ml de aos cinco de urina e Rice média desvio

de leite em pó leite ingerido participantes analisadas (em gramas) detectada padráo Variacão

5g

5g

5g

1og

15 .Y

Total

035 g A al 0,02 0,033 g 0,012 g 0,00013

a2 0,04 a3 0,04

026 g B bl 0,Ol 0,060 g 0,078 g 0,00610 b2 0,15

b3 0,oz 03 g C cl 0,06 0,037 g 0,021 g 0,00043

C2 0,02 c3 0,03

032 g D dl 0,06 0,053 g 0,012 g 0,00013

d2 0,06

d3 0,04 0,77 g E el 0,08 0,063 g 0,021 g 0,00043

e2 0,07 e3 0,04

5 participantes 15 amostras 0,049 g 0,035 g 0;00119

A tabela 2 mostra a quantidade de homogênea de d-xilose e leite em pó), os d-xilose adicionada a cada urna das três la- resultados dos exames feitos pelo método tas de leite em pó, a quantidade ingerida de Benedict com amostras iniciais (de con- por cada pessoa (com base na suposicáo de trole) de urina e os resultados dos exames que cada um ingeriu 30 g de urna mistura por ambos os métodos com as amostras

TABELA 2-Resultados indicando a capacidade dos testes de Benedict e de Roe e Rice para detectar 5 g, 10 g e 15 g de d-xilose adicionadas a latas de 454 g de leite em pó, na urina de adultos que ingeriram aproximadamente 30 g da mistura d-xilose e leite em pó.

Quantidade de Resultados do testea

Participantes

do teste

d-xilose adi- Quantidade cionada a cada estimada de

lata de leite d-xilose

et-n pó ingerida

Método de Benedict

Amostra Amostra do controle do teste

Gramas de d-xilose detectados pelo mé-

todo de Roe e Rice

1 5g 0,33 - + o,o@j g 2 10 D 0,65 - +* 0,011 g 3 15 R 0,96 - +++ 0,030 E

a - = negativo; + = ligeiramente positivo; ++ = moderadamente positivo; +++ = altamente positivo. Para urna defini@o técnica mais precisa sobre esses vakxes, refira-se ao trabalho preparado por Coelho (7).

384 BOLETIN DE LA OFICINA SANITARIA PANAMERICANA Octubre 1985

subseqüentes de urina. Conforme indi- cado, ambos os métodos produziram re- sultados positivos em todos os três casos.

Período de excrecão de d-xilose. Os últimos testes preliminares foram realizados para determinar por quanto tempo o d-xilose adicionado ao leite em pó continuaria sendo excretado na urina de urna crianca que houvesse consumido a mistura e com que precisão os dois métodos detectariam o d-xilose, nas amostras de urina coleta- das, após diferentes períodos de tempo.

As pessoas escolhidas para esses testes foram três criancas de sete a dez anos de idade. A amostra de urina (primeira urina da manhã) foi recolhida de cada crianca em jejum. Diferentes quantidades de d-xi- lose (0,l g, 0,2 g, e 0,3 g) foram então adi- cionadas a 200 ml de leite integral e dadas à primeira, à segunda e à terceira crianca, respectivamente. A urina subseqiiente- mente excretada por cada crianca foi re- colhida em mais dois lotes-o primeiro contendo urina excretada de zero a três horas após a ingestão de d-xilose e o se- gundo com urina excretada de três a cinco horas após a ingestão. Todas as três amos- tras de urina de cada crianca foram exa- minadas pelo método de Benedict e as duas últimas amostras (após a ingestão)

foram examinadas pelo método de Roe e Rice.

Conforme mostra a tabela 3, o método de Benedict apresentou resultados ne- gativos com as três primeiras amostras (em jejum) e positivos com todas as amos- tras recolhidas após a ingestão. Dado que a última amostra da terceira crianca (que havia ingerido a maior quantidade de d-xilose) apresentou um resultado ( + ) menos positivo do que a última amostra das duas outras criancas ( + + ), esta úl- tima amostra da terceira crianca foi reexa- minada, e novamente produziu resultado ligeiramente positivo ( + ). (0 critério téc- nico empregado para essa classificacão de positividade é explicado no trabalho de Coelho (7).)

Quanto aos resultados do teste de Roe e Rice, todas as seis amostras recolhidas após a ingestão apresentaram resultados positivos. As quantidades específicas de d-xilose detectadas nas amostras combina- das de cada crianca, após a ingestáo, va- riaram de 50 a 150 % da quantidade realmente ingerida.

Conclusões. Desses testes preliminares concluiu-se que aproximadamente 1% de d-xilose no leite em pó (5 g numa lata de 454 g) podia ser detectado com seguranca

TABELA 3-Resultados dos exames de urina de crianpas que ingeriram 0,i g, 0,2 g e 0,3 g de d-xilose 0 a 3 horas e 3 a 5 horas após a ingestão.

Resultados do teste de Roe e Rice

d-xilose detectada em d-xilose detectada em

Resultados” do teste de Benedict com: amostras de 0 a 3 horas amostras de 3 a 5 horas

Crianca d-xilose la urina da Amostras de Amostras de % da quantidade % da quantidade

No. ingerida manhã (controle) 0 a 3 horas 3 a 5 horas gramas ingerida gramas ingerida

1 O,lg - + 3-f 0,065 65 0,085 85 2 02 g ’ - + ++ 0,064 32 0,081 40,5 3 0,3 g - + + 0,03 10 0,144 48

a- = negativo; + = ligeiramente positivo; ++ = moderadamente positivo; +++ = altamente positivo Para urna defin¡+ técmca mais precisa sobre esses valores, reiira-se ao trabalho preparado por Coelho (7).

Ferriani et al. INGESTÁO DE LEITE EM Pó 385

na urina das pessoas que consumiam a mistura. Os resultados obtidos com os tes- tes de Roe e Rice demonstraram que esse método era bastante sensível; porém, os resultados quantitativos indicaram que o método não poderia medir com confianca a quantidade exata de d-xilose ingerida.

Em geral, o método de Benedict produ- ziu resultados satisfatórios nesses testes. Contudo, receia-se que variáveis como a ingestão de outros acúcares possam inter- ferir nos resultados obtidos com esse mé- todo. Já que o técnico disponível era capaz de executar o teste de Roe e Rice, mais es- pecífico, este foi escolhido para o restante do trabalho.

Testes de campo

As pessoas escolhidas para essa fase do estudo foram 31 criancas de 0 a 2 anos de idade, de urna área pré-selecionada, que não estavam sendo amamentadas, e cujas famílias concordaram em que elas rece- bessem suplementacáo alimentar. Tam- bém foram incluídos no estudo 114 outros membros das 23 famílias dessas criancas.

Todas as famílas do estudo moravam em Vila Elisa, um bairro pobre de Ri- beirão Preto atendido pelo Centro de Saúde 1. As habitacões eram barracas sem água potável nem instalacões sanitárias, sendo o lixo e os dejetos jogados em terre- nos baldios. As condicões higiênicas eram deficientes, com numerosas moscas e ou- tros insetos.

A área escolhida para o estudo encon- tra-se distante do centro de saúde e dos centros fdantrópicos que fazem distribui- cão regular de suplementacáo alimentar. Essas circunstâncias tornavam imprová- ve1 que os residentes tivessem conheci- mento de programas de alimenta@0 e nu- triGão, o uso de latas de leite em pó abertas e outras irregularidades teriam menos possibilidade de despertar suspeita.

Em geral, a renda na área do estudo é baixa e o emprego esporádico. Especi- ficamente, a renda per capita de 18 das 23 famflias era inferior a $Cr 553 (SUS 34,45), metade do salário mínimo vigente no período de 1977 a 1978 quando o estudo foi realizado. A grande maioria dos membros dessas famílias trabalhava sazonalmente na lavoura, em pedreiras, em carregamento de caminhões ou outras atividades semelhantes. A situacáo geral é de subemprego, que náo proporciona urna renda mensal fixa. Nos casos em que a mãe trabalhava fora (22%) inva- riavelmente levava consigo a crianca ou criancas com menos de dois anos de idade; quando não, as criancas ficavam geral- mente em casa.

No tocante à educacão, 33 dos 46 pais e máes eram analfabetos ou semianalfabe- tos, apenas três concluíram 0 curso primá- rio e somente dez tinham curso primário incompleto. Apenas 5,45% das pessoas inicialmente escolhidas, com 10 anos ou mais, haviam concluído o curso primário.

Embora a populacão dessa área tenha acesso aos servicos do Centro de Saúde 1, especialmente à unidade de atendimento materno-infantil, o centro fica tão distante que há pouca demanda dos servicos comu- nitários, inclusive os que fornecem nor- malmente suplementacão alimentar. Em caso de urgência, os moradores geralmen- te buscam assistência no pronto-socorro infantil da localidade ou no do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo).

Suplementa@ alimentar

0 estudo utilizou dois tipos de leite em pó semidesnatado modificado, fortalecido com maltose-dextrin, sacarose e ferro (Nestogeno, da Nestlé) um durante o pri- meiro semestre e o outro durante o se-

386 BOLETIN DE LA OFICINA SANITARIA PANAMERICANA Octubre 2 983

gundo. Primeiramente cada crianca rece- beu urna racão desse produto suficiente para urna semana, que depois foi aumen- tada para cobrir duas semanas. 0 número de latas de 454 g a serem distribuídas foi determinado com base na idade e necessi- dades de cada crianca. Já que não havia nas proximidades nenhum centro de saúde ou instituicáo filantrópica que pu- desse fazer a distribuicáo, decidiu-se utili- zar urna unidade móvel.

Cinco gramas de d-xilose (Merck) foram adicionadas a urna das latas des- tinadas a cada crianca, sendo a lata es- colhida aleatoriamente. Somente a pessoa responsável pela pesquisa sabia qual lata continha o aditivo; nenhum dos partici- pantes foi informado sobre a adicáo. Já que era necessário abrir a lata para adi- cionar o d-xilose, todas as latas foram distribuídas sem a placa protetora de alumínio, para que a lata com d-xilose náo chamasse a atencáo.

Visitas domiciliares

Em conexáo com o estudo foram reali- zadas entrevistas por urna segundanista da Escola de Enfermagem de Ribeiráo Preto. Essa estudante recebeu 10 horas de treinamento sobre como preencher o for- mulário, entrevistar os membros da família, demonstrar a preparacáo da mamadeira, coletar amostras de urina e enviá-las ao la- boratório e programar o trabalho com as famílias.

Urna vez estabelecida a área de estudo, fez-se um levantamento para determinar o número de criancas de 0 a 2 anos, por família, e para fornecer a base para o cálculo da quantidade necessária de leite em pó. Fez-se urna visita inicial a cada in- divíduo responsável por urna crianca dessa idade (ou a grupos de indivíduos, se formados espontaneamente) para descre- ver a natureza, as regras e os procedimen-

tos do programa de suplementacão ali- mentar.

Urna segunda visita domiciliar foi reali- zada para preencher os formulários bási- cos. Esses formulários, com informacões sócio-econômicas e outros dados re- levantes sobre a populacáo do estudo, foram preparados de acorde com os pa- drões estabelecidos pelo Instituto Brasi- leiro de Geografia e Estatística para o VIII Recenseamento Geral (8).

Subseqüentemente, fez-se urna terceira visita para obter os nomes das criancas que iriam participar do programa e ins- truir os responsáveis sobre as rotinas a serem seguidas, procedimento para pre- parar a mamadeira e número de racões de leite em pó a serem distribuídas a cada crianca. Enfatizou-se a importância de alimentar somente as criancas incluídas no programa, discutindo-se a relacáo en- tre urna nutricáo adequada e o cresci- mento e desenvolvimento da crianca.

Após o registro no programa, realiza- ram-se visitas semanais às famílias. Durante essas visitas, distribuía-se o leite em pó, acompanhava-se o andamento do program e instruía-se os chefes de família e outros familiares maiores de 10 anos so- bre a importância de urna dieta adequada que as famílias de baixa renda pudessem proporcionar, particularmente para as criancas com menos de dois anos de idade. Outros aspectos importantes do cresci- mento e desenvolvimento infantil re- lativos a nutricáo também foram aborda- dos, de modo a interessar os participantes.

Coleta de urina e conclusão do programa

Planejou-se obter amostras de urina de todos os membros das famílias aproxima- damente 24 ou 48 horas após a entrega do leite em pó com d-xilose. Explicou-se que as amostras seriam coletadas para verifi- car se alguém teria algum problema

Ferriani et al. INGESTAO DE LEITE EM Pó 387

urinário; os pais foram encorajados a fornecer amostras e obter amostras de toda a família.

As instrucões eram para recolher urna amostra imediatamente após o café da manhá e toda a urina excretada durante as cinco horas subseqüentes no primeiro ou segundo dia após a entrega da mistura de leite em pó e d-xilose. Na noite anterior à coleta de urina, todos os membros das famílias receberam instrucões sobre como coletar a urina apropriadamente. Para tanto, foram entregues vidros rotulados com o nome dos membros da família; se náo sabiam ler, o rótulo continha um de- senho ou figura geométrica.

As criancas e outros membros da famí- lia que náo forneciam amostras eram ex- cluídos do estudo. ‘No total, três criancas com menos de dois anos, 14 pessoas de 2 a 20 anos, duas máes e 18 pais foram exclu- ídos por esse motivo. A populacáo res- tante do estudo consistia de 28 criancas até dois anos e 80 outros membros das famílias. Todas as amostras de urina foram enviadas ao laboratório de análises clínicas do Hospital das Clínicas da Fa- culdade de Medicina de Ribeirão Preto, para serem analisadas pelo método de Roe e Rice.

Urna vez coletadas as amostras, a distri- buicáo de leite em pó continuou por duas semanas; depois, as criancas conti- nuariam recebendo leite do centro de saúde.

Os dados obtidos com o estudo incluem

todas as observacões sobre o leite em pó recebido pelas criancas que participaram do estudo, registro das instrucões, outras observacões gerais e os resultados dos exames de laboratório, A etapa preliminar e a etapa comunitária do programa duraram um ano (do segundo semestre de 1977 ao primeiro semestre de 1978), sendo que a etapa comunitária teve início em 1978.

Resultados

Dados do leuantamento

A tabela 4 mostra a distribuicáo das 28 criancas de 0 a 2 anos. Deve-se assinalar que a maioria (20) dessas criancas tinha mais de um ano de idade. A distribuicáo de todo o grupo de estudo, constituído de 108 pessoas, encontra-se na tabela 5. Já que todas as 23 famílias escolhidas tinham pelo menos urna crianca de 0 a 2 anos, náo é de surpreender que os grupos etários mais numerosos eram os de 0 a 2 anos e os acima de 20 anos. Os dados também mos- tram que, embora o grupo tivesse urna distribuicáo mais ou menos igual por sexo, a maioria das pessoas com mais de 20 anos (pais ou outro responsável pelas criancas menores) incluídas no estudo eram do sexo feminino, pois muitos pais náo forneceram as amostras de urina.

Além disso, os dados mostram que a maioria (mais de 71%) dos pais incluídos

TABELA 4-Criancas (0 a 2 anos de idade) que forneceram amostras de urina, por sexo e grupo etiuio.

Idade em meses

Sexo masculino Sexo feminino Total

No. % do total No. % do total No. % do total

o-5 1 3,6 2 771 3 10,7

6-11 4 14,3 1 376 5 17,9

12-17 2 7,l 2 731 4 14,3

18-23 8 28,6 8 28,6 16 57,l

Total 15 53,6 43 46,4 28 100,o

388 BOLETIN DE LA OFICINA SANITARIA PANAMERICANA Octubre 1985

TABELA 5-Todas as pessoas que forneceram amostras de urina por sexo e grupo etário.

Idade em anos

Sexo masculino Sexo feminino Total

No. % do total No. % do total No. % do total

o-5 15 13,9 13 12,0 28 25,9 2-3 2 13 3 23 5 4,6 4-5 4 3,7 5 4,6 9 8,3 6-7 10 93 5 496 15 13,9 8-9 2 13 7 6,5 9 873

10-11 7 65 1 03 8 7,4 12-13 3 23 1 03 4 3,7 14-15 0 0 1 03 1 (49 16-19 1 o,g 1 03 2 139 220 6 5,6 21 19,4 27 25,0 Total 50 46,3 58 53,7 108 100,o

no estudo eram analfabetos ou semi- analfabetos e que poucos (menos de 7%) haviam concluído o curso primário. A maioria (18) das 23 famflias tinha renda mensa15 de até $Cr 553 (SUS 34,45), me- tade do salário mínimo na ocasiáo.

Exames de urina

A tabela 6 apresenta as pessoas cuja urina continha d-xilose. No total, 102 dos 108 participantes do estudo (94%) excre- taram d-xilose, e a percentagem de casos positivos foi mais baixa (89%) no grupo de 0 a 2 anos.

A tabela 7 mostra as quantidades de d-xilose detectadas nas amostras de urina analisadas, por família, que variaram de 3 miligramas (nas amostras da família 20) a 116 miligramas (nas amostras da família 1). No todo, a análise das quantidades en- contradas nas amostras individuais sugere que as maiores quantidades de d-xilose eram excretadas pelas máes e outros filhos e náo pelas criancas menores registradas no programa alimentar.

i Somatório da renda mensal de todos os membros da familia dividido pelo número de pessoas da familia.

TABELA 6-Resultados do teste de Roe e Rice para d-xilose em amostras de urina de todos os participantes do estudo que forneceram amos- tras, por grupo etário.

Resposta ao teste de Roe e Rice:

Grupo etário Positivo Negativo

No. de em anos No. % No. % participantes

o-1 25 89,3 3 10,7 28

2-6 18 90 2 10 20 7-11 26 100 0 0 26

12-16 6100 0 0 6

17-21 1100 0 0 1

222" 27 96,4 1 3.6 28 Total 102 94,4 6 5,6 108

’ Esse grupo etário inclui os pais ou responsáveis pelas crianzas.

Discussáo e conclusões

Esses resultados mostram que nas con- dicões vigentes o d-xilose serviu como um indicador eficaz para detectar o uso irre- gular de suplementacáo alimentar. A quan- tidade média de d-xilose detectada por família foi de 44 miligramas. Essa cifra baixa pode ser devida à coleta incorreta de urina-especificamente, à falha em reco- lher toda a urina excretada durante o

Feviani et al. INGESTAO DE LEITE EM Pó 389

TABELA ir-Quantidade (em gramas) de d-xilose detectada pelo teste de Roe e Rice em to- das as amostras de urina recolhidas, por família.

No. atribuído à família

1

2 3 4

5 6 7 8

9 10 11

12 13 14

15 16 17 18 19

20 21 22 23 Total

Gramas de d-xilose detectados pelo teste

de Roe e Rice

0,116 0,009 0,018 0,051 0,039 0,085 0,093

0,015 0,071 0,005

0,085 0,023

0,043 0,019 0,042 0,041 0,091 0,037 0,027 0,003 0,037 0,048 0,031 1,029

período de cinco horas. Por isso, náo se pode fazer urna correlacão exata entre as quantidades de d-xilose detectadas e as quantidades da mistura de leite e d-xilose consumidas. Todavia, foi possível deter- minar quem havia consumido a mistura. Na verdade, a concentracão final de 1% de d-xilose (5 g em 454 g de leite em pó) foi mais do que suficiente para isso. Urna amostra de urina apenas já teria fornecido urna base adequada para a deteccão não- quantitativa do produto, já que é preciso somente um milímentro de urina para de- tectar d-xilose pelo método de Roe e Rice.

A populacão do estudo estava bem dis- tribuída e era representativa para os ob- jetivos deste trabalho. A distribuicão ir- regular dos participantes entre os diversos,

grupos etários deriva do fato de que foram escolhidas, para o estudo, apenas as famí- lias com criancas de até dois anos de idade, num bairro relativamente isolado de Ribeirão Preto (o grupo etário de 0 a 2 anos representa mais de um quarto da po- pulacão em estudo).

0 estudo também serviu para ilustrar como é difícil mudar os conceitos, valores e padróes de comportamento das pessoas num curto período de tempo, especial- mente em lugares onde são muito baixos os níveis sócio-econômicos, de saiíde e de educacão.

Mais especificamente, parece evidente que não foi atingida a meta de fornecer su- plementacão alimentar a criancas com menos de dois anos. Conforme indica a ta- bela 6, o alimento estava sendo con- sumido por quase todos (94,4%) os mem- bros da família que forneceram amostras de urina, e os que recebiam menos eram as criancas de 0 a 2 anos e de 2 a 6 anos que dependiam de suas mães para a ah- mentacáo. Os testes de Roe e Rice indi- caram a presenta de d-xilose na urina de todas as pessoas menos três criancas de 0 a 2 anos, duas criancas de cinco anos e urna mãe.

0 consumo da suplementacão por criancas em idade escolar e adolescentes é fácil de compreender, pois em geral sáo os que cuidam das criancas menores quando seus pais náo estáo em casa. Mas no caso dos adultos, esse consumo indica falta de conscientizacáo quanto às necessidades nutricionais das criancas menores, igno- rância sem dúvida comumente associada à fome em decorrência da pobreza.

Já que ocorre esse consumo por outros membros da família-e na verdade parece difícil impedí-lo-surge urna dúvida: as famílias com baixo nível sócio-econômico e educacional devem ser instruidas no sen- tido de fornecer suplementacão alimentar apenas às criancas menores, ou deveriam receber um produto menos caro a ser

390 BOLETIN DE LA OFICINA SANITARIA PANAMERICANA Octubre i985

distribuído para todos os membros da família?

Em ambos os casos, existe o problema de como educar os pais sobre a vulnerabi- lidade das criancas de menos de dois anos à desnutri@io (e os conseqüentes danos físicos e mentais). 0 programa fez um es- forco para inculcar essa nocáo nos pais, mas nem assim eles reservaram a suple- menta@0 alimentar exclusivamente para as criancas menores.

Contudo, pode-se ter encorajado a in- formacão falsa. Durante as visitas para acompanhar o andamento do programa, sempre perguntava-se à máe quem estava recebendo o leite e como estava sendo aceito pela crianca. Todas as mães inva- riavelmente respondiam que o leite estava sendo dado apenas à crianca pequena e que ela gostava, mesmo quando urna racáo de duas semanas estava sendo con- sumida em apenas urna semana. Nos ca- sos de consumo excessivo, quando se volta a repetir a pergunta as máes geralmente dizem que erraram no calculo, ou que a crianca tomou mais do que se havia indi- cado.

Obviamente, tudo isso cris um sério conflito para a mãe. Por motivos sociais e psicológicos, é muito difícil para ela fazer discriminacões entre os membros da famí- lia-exatamente 0 que um programa desse tipo exige. Ao descobrir que é im- possível “isolar” a suplementacáo ali- mentar dos outros membros da família carentes de alimentacão, ela quer manter o suprimento de alimento. Assim, ela fornece informacões falsas, náo por querer mentir, mas por medo de perder o ah- mento que está recebendo.

Em outras palavras, sua criacão lhe en- sinou que as máes devem ser imparciais, e qualquer tentativa das autoridades do programa de ahmentacão de impor práti- cas discriminatórias de distribuicáo domi- ciliar entra em conflito com o padráo de conduta materna aprendido na infância.

É até mesmo difícil para a máe compreen- der que o alimento destina-se realmente a apenas um membro da família, apesar das explicacões, pois 0 que importa para ela é ter algum alimento para oferecer a qual- quer crianca que 0 solicite.

Tudo isso ajuda a explicar por que as criancas registradas nos programas de su- plementacáo alimentar não mostram os ganhos de peso previstos. A explica<;áo quase sempre é que a crianca náo está re- cebendo a suplementacáo, ou a está rece- bendo apenas irregularmente e em pe- quenas quantidades.

0 problema é agravado pelo fato de que o leite em pó geralmente distribuído pelos programas institucionais de suplemen- tacáo alimentar tem um sabor que agrada aos adultos e às criancas. Tentando alterar essa circunstância, Ferriani (9) propôs o uso de um leite acidificado que as criancas pequenas gostam, mas cuja sabor náo é agradável para as criancas maiores. Esse produto, modificado por acidifícacáo biológica, alteracáo do .teor de gordura (80% gordura de leite a 20% gordura ve- getal) e adicáo de vitaminas, ferro e car- boidratos, é especialmente indicado para alimenta@0 de criancas no primeiro ano de vida. Os autores concluíram que um leite acidificado desse tipo é indicado para uso em um programa de suplementacão alimentar dirigido apenas a criancas até dois anos de idade.

Também Vinha e Dutra de Oliveira (10, II) e Dutra de Oliveira et al. (12) pro- puseram que a distribuicáo domiciliar fosse substituída por um programa comu- nitário no qual as pessoas registradas te- riam de consumir o suplemento alimentar num café, armazém ou outro centro de distribuicão. Concluíram que tal pro- grama poderia atingir qualquer grupo nu- tricionalmente vulnerável (notadamente as criancas menores) e que seria urna ma- neira de assegurar que a suplementacão alimentar fosse realmente consumida pelo grupo visado.

Femiani et al. INGESTAO DE LEITE EM Pó 391

Atualmente, os programas da Secreta- ria de Saúde estão distribuindo leite em pó com sabor agradável através de centros de saúde locais para consumo doméstico. Parece improvável que as metas desses programas, dirigidos exclusivamente a criancas de 0 a 2 anos, sejam atingidas. Contudo, é provável que a incorporacáo das medidas propostas produza benefícios substanciais. Ou seja, parece razoável su- por que o consumo do suplemento alimen- tar em locais escolhidos faca com que os grupos específicos sejam atingidos de ma- neira eficaz. Deve-se assinalar que os tes- tes preliminares com leite acidificado mos- traram que apenas as criancas envolvidas o consumiam, e outros membros da famí- lia náo o faziam porque consideravam o sabor desagradável.

Resumo

A experiência com suplementacão ah- mentar de leite em pó, no Brasil e em ou- tras regiões, indica que as criancas visadas por esses programas talvez náo atijam os níveis desejados de crescimento e desen- volvimento porque o alimento está sendo consumido em parte por outros membros da família. Isso é difícil de confirmar por entrevistas, porque as máes geralmente dizem que somente a crianca está receben- do o produto, seja ou não verdade. Por- tanto, considerou-se apropriado realizar urna pesquisa em que um indicador (o acúcar de pentose d-xilose) fosse adi- cionado ao leite a ser distribuído, e depois se coletasse e analisasse as amostras de urina das criancas visadas e de outros membros da família para determinar quem havia consumido o produto.

Testes preliminares de laboratório indi- caram que o método de Roe e Rice para d-xilose era suficientemente sensível e es- pecífico para os objetivos dessa pesquisa, e que o técnico e o equipamento de labora-

tório disponível eram suficientes para rea- lizar esse teste. Também mostraram que a adicáo de 5 g de d-xilose a 454 g de leite em pó produziria urna quantidade sufi- ciente para ser detectada na urina, e que o d-xilose ‘era excretado em quantidades substanciais pelo menos até três horas após a ingestáo.

A área escolhida para o teste foi um bairro pobre de Ribeirão Preto chamado Vila Elisa. A populacáo do estudo consis- tia de 31 criancas com menos de dois anos de idade e 114 membros de suas famílias. Todas as 23 famílias envolvidas estavam registradas num programa destinado a fornecer leite em pó para crianGas com menos de dois anos.

Urna das latas de leite em pó fornecidas a cada família continha d-xilose. Num in- tervalo adequado após a entrega da lata, procurou-se obter amostras da urina dos membros da família alegando motivos náo relacionados com a pesquisa. As amostras de urina foram examinadas pelo método de Roe e Rice para detectar d-xilose. As pessoas que náo forneceram amostras de urina (três criancas com menos de dois anos e outras 33 pessoas) foram excluídas do estudo.

Os resultados da pesquisa indicam que 102 dos 108 participantes do estudo que forneceram amostras estavam excretando d-xilose; 89% das criancas até dois anos de idade apresentaram d-xilose em sua urina, mas urna proporcáo ainda maior dos outros grupos etários estudados apre- sentaram d-xilose na urina. 0 resultado demonstra que d-xilose pode servir como um indicador eficaz para detectar o uso impróprio de suplementacão alimentar. Também ilustra a dificuldade de fazer com que a suplementacáo alimentar cheg;ue às criancas pequenas (especialmente nos lares onde prevalecem a fome, ignorância e pobreza) e indica a necessidade de medi- das especiais para reduzir esse desvio da suplementacão alimentar nas casas. n

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Moura Duarte, F. A. Reaching preschool chil- dren through a community food program. Eco1 Food Nutr 9:223-228, 1980.

Uso de d-xilosa para detectar la ingestión de leche en polvo por otros miembros de la familia además de los niños de 0 a 2 años a quienes se destinaba la

suplementación alimentaria (Resumen)

La experiencia con suplementación alimen- taria de leche en polvo, en el Brasil y en otros lugares, indica que los niños objetivo de esos programas tal vez no lleguen a los niveles de- seados de crecimiento o de desarrollo porque otros miembros de la familia consumen en parte el suplemento. Esta situación es difícil de comprobar por medio de entrevistas porque, generalmente, las madres dicen que solamente el niño a quien estaba destinado el alimento es el que realmente lo recibe. Por esta causa, se consideró apropiado realizar un estudio sobre la base de agregar un indicador (el azúcar de pentosa d-xilosa) a la leche que se distribuyera y de que, posteriormente, se recogieran y ana- lizaran las muestras de orina de los niños ob- jetivo y de otros miembros de la familia para

determinar quién había consumido el suple- mento.

Las pruebas preliminares de laboratorio in- dicaron que el método de Roe y Rice para d-xilosa es suficientemente sensible y específi- co para los objetivos de ese estudio y que el téc- nico y el equipo de laboratorio disponibles tenían capacidad para realizar la prueba. También mostraron que el agregado de 5 g de d-xilosa a 454 g de leche en polvo introduciría una cantidad de d-xilosa en la orina suficiente como para que fuera detectada y que la d-xilosa se excretaba en cantidades sustan- ciales por lo menos hasta tres horas después de la ingestión.

La zona elegida para la prueba fue un barrio muy pobre de Ribeirão Preto llamado Vila

Femiuni et al. INGESTAO DE LEITE EM Pó 393

Elisa. La población del estudio estaba com- puesta por 31 niños menores de dos años y 114 miembros de sus familias. Las 23 familias so- metidas al estudio estaban registradas en un programa de suplementación de leche en polvo para niños menores de dos años.

Una de las latas de leche en polvo entrega- das a cada familia contenía d-xilosa. Poco des- pués del reparto de esa lata se procuraba ob- tener muestras de orina de la familia, por motivos no relacionados con el estudio. Estas muestras se examinaban por el método de Roe y Rice para detectar d-xilosa. Las personas que no entregaron muestras de orina (tres niños menores de dos años y otras 33 personas) fueron excluidas del estudio.

Los resultados indican que 102 de los 108

participantes del estudio que proveyeron muestras excretaban d-xilosa y que, mientras 89% de los niños menores de dos años presen- taban d-xilosa en la orina, un porcentaje aun mayor de todos los grupos de edad estudiados presentaban vestigios en la suya. El resultado demuestra que la d-xilosa puede servir como indicador eficaz para detectar el mal uso de la suplementación alimentaria. También mues- tra que es difícil lograr que la suplementación alimentaria llegue a los niños de corta edad (especialmente en los hogares donde reinan el hambre, la ignorancia y la pobreza) e indica que es necesario tomar medidas especiales para reducir el desvío de la suplementación ali- mentaria a otros miembros de la familia.

Use of d-xylose to detect ingestion of a powdered milk food supplement by family members other than the children O-2 years of age for whom ìt was

intended (Summary)

Experience with powdered milk food sup- plementation programs in Brazil and else- where has indicated that the young children such programs are designed for may fail to achieve the desired levels of growth and devel- opment because portions of the supplement are consumed by other family members. This is hard to confirm through interviews, because the mothers involved generally claim that only the target Child has been receiving the supple- ment, whether or not this is actually the case. Therefore, it was deemed appropriate to con- duct a survey in which a tracer (the pentose sugar d-xylose) was added to the supplement, mine samples were collected from target chil- dren and members of their families, and uri- nalysis tests were performed to determine who had consumed the supplement.

Preliminary laboratory tests indicated that the Roe and Rice test for d-xylose was suffi- ciently sensitive and specific for purposes of the planned survey, and that the available lab- oratory technician and equipment were capa- ble of performing this procedure. They also showed that addition of 5 g d-xylose to 454 g powdered milk supplement would place enough d-xylose in a consumer’s urine to be

detected, and that d-xylose was excreted in substantial amounts for at least three hours fol- lowing ingestion of the supplement.

The area selected for the fíeld test was a crit- ically impoverished shantytown in Ribeiráo Preto called Vila Elisa. The study population consisted of 3 1 subjects less than two years old and 114 members of their families. Al1 23 of the families involved were enrolled in a pro- gram designed to provide powdered milk food supplement to children under two.

One of the powdered milk cans provided to each family was impregnated with d-xylose. At a suitable interval following delivery of that can, an effort was made to obtain urine speci- mens from al1 the family members-for alleg- edly unrelated reasons. The urine specimens were then tested for d-xylose by the Roe and Rice method. Subjects who did not provide urine specimens (three children under two and 33 others) were excluded from the study.

The results of this survey indicated that 102 of the 108 study subjects providing specimens were excreting d-xylose, and that while 89 % of the children under two were found to have d-xylose in their urine, even higher percent- ages of al1 other age groups studied appeared

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to have the tracer in their urine. The finding they are usually intended (especially in homes thus demonstrates that d-xylose can serve as where hunger, ignorance, and poverty pre- an effective tracer for detecting unintended vail) and points up the need for special mea- uses of food supplements. It also illustrates the sures that will reduce misdirection of food sup- difliculty of getting the entire amount of those plements in the home. supplements to the young children for which

Utilisation de d-xylose pour déceler I’ingestion de lait en poudre destiné à servir de supplément alimentaire aux enfants âgés de deux ans ou moins par les autres

membres de leur famille (Résumé)

L’expérience des programmes de lait en poudre utilisé Comme supplément alimentaire au Brésil et ailleurs montre que les jeunes en- fants auxquels ces programmes s’adressent ne parviennent pas au niveau désiré de croissance et de développement car des portions du sup- plément sont consommées par d’autres mem- bres de la famille. Cela est difficile à confirmer par des interviews, car les meres responsables prétendent généralement que seul l’enfant auquel le supplément était destiné l’a recu, que ce soit ou non le cas. Il a donc été jugé utile d’effectuer une étude pour laquelle une subs- tance de dépistage (le sucre pentose d-xylose) a été ajoutée au supplément, des échantillons d’urine ont été prélevés sur les enfants cibles et les membres de leur famille, et des analyses d’urine ont été effectuées pour déterminer qui avait consommé le supplément.

Les premiers tests de laboratoire ont montré que le test de Roe et Rice pour le repérage du d-xylose était suffisamment sensible pour les besoins de l’enquête et que le technicien et le matériel de laboratoire disponibles suffisaient pour effectuer ce contrôle. 11s ont également montré qu’en ajoutant 5 g de d-xylose à 454 g de lait en poudre de supplément, on ferait ap- paraître assez de d-xylose dans l’urine du con- sommateur pour qu’elle puisse être détectée et que la d-xylose était excrétée en quantité subs- tantielle pendant au moins trois heures après l’ingestion du supplément.

Le quartier choisi pour l’essai sur le terrain était un bidonville de Ribeirão Preto appelé Vila Elisa. La population étudiée comprenait 31 sujets de moins de deux ans et 114 membres de leur famille. Les 23 familles soumises ainsi

à ces essais ont été inscrites à un programme de fourniture de lait en poudre à titre de sup- plément alimentaire pour les enfants âgés de moins de deux ans.

L’une des boîtes de lait en poudre fournie à chaque famille avait été imprégnée de d-xy- lose. Un certain temps après la livraison de la boite en question, on s’est efforcé d’obtenir des spécimens d’urine de tous les membres de la famille-soi-disant pour d’autres raisons. Les spécimens d’urine ont alors été testés afín de dépister la d-xylose selon la méthode de Roe et Rice. Les sujets qui n’ont pas fourni de spécimens d’urine (trois enfants de moins de deux ans et 33 autres personnes) ont été exclus de l’étude.

Les résultats de cette enquête ont indiqué que 102 des 108 sujets qui avaient fourni des spécimens présentaient de la d-xylose dans leurs urines et que si 89% des enfants de moins de deux ans avaient rejeté de la d-xylose dans leurs urines, des pourcentages encare plus élevés des personnes des autres groupes d’âges paraissaient avoir cette substance dans les leurs. Cette étude a montré que la d-xylose peut servir de moyen de dépister des utilisa- tions non voulues de suppléments alimen- taires. Elle montre également cambien il est difficile d’obtenir que la quantité totale de ces suppléments soit administrée aux jeunes en- fants auxquels ils sont généralement destinés (surtout dans les foyers en proie à la faim, à l’ignorance et à la pauvreté) et montre la né- cessité de mesures spéciales pour réduire le dé- tournement des suppléments alimentaires de leur destination au sein du foyer.