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USAR OU NÃO USAR OS NOVOS LIVROS DIDÁTICOS DE ALFABETIZAÇÃO? Concepções e práticas dos professores ao ensinarem o sistema de escrita alfabética

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USAR OU NÃO USAR OS NOVOS LIVROS DIDÁTICOS DE ALFABETIZAÇÃO? Concepções e práticas dos

professores ao ensinarem o sistema de escrita alfabética

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ADRIANA ALEXANDRE DE ARAÚJO SANTOS

USAR OU NÃO USAR OS NOVOS LIVROS DIDÁTICOS

DE ALFABETIZAÇÃO? Concepções e práticas dos professores ao ensinarem o sistema de escrita alfabética

Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação

ORIENTADOR: Prof. Dr. Artur Gomes de Morais

RECIFE

2004

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DEDICATÓRIA

A todas as pessoas que estiveram sempre ao meu lado no decorrer

dessa trajetória, especialmente,

A minha querida filha Natália, pelo seu imenso amor, pela sua alegria

que me fortalece a cada momento de dúvida, incerteza e preocupação. Por ter

compreendido, mesmo sendo tão pequena, a minha ausência. Pela sua

presença fundamental em minha vida e por ser a grande razão de tudo isso.

Ao meu esposo e companheiro de todos os momentos, Natanael. Pelo

seu incentivo e dedicação constantes, contribuindo dia-a-dia com uma palavra

de carinho, força e admiração. Dedico com grande amor a essa pessoa que

tanto me incentivou e acreditou na minha capacidade.

A minha mãe Helenita, pelo seu amor infinito, pela sua demonstração de

força e coragem, que sempre procurou contribuir para a realização desse

estudo, me fazendo ter a certeza que eu sempre poderia contar com o seu

carinho.

Ao meu pai Araújo, pelo seu amor e exemplo de homem, de pai, de avô,

de sogro, enfim, pela grandeza de seus atos.

As minhas irmãs Amanda, Janinha e Eduarda pelo carinho e admiração.

Aos meus familiares.

Àqueles que demonstraram durante suas vidas um grande exemplo de amor e

dignidade:

Ao meu sogro Antônio e ao meu avô Antônio, onde quer que estejam.

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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

Agradeço a Deus por tudo, pelo seu imenso amor e por ter colocado em

meu caminho pessoas tão maravilhosas.

Agradeço com todo carinho ao meu orientador, professor Artur Gomes

de Morais, pela sua dedicação, competência e responsabilidade. Pela

confiança que pude ter em sua pessoa durante minha vida acadêmica, por ter

compartilhado de suas experiências e por ter a certeza da grandiosidade de

suas contribuições.

Aos meus pais por tudo, por me amarem muito e por torcerem sempre

por mim.

Ao meu esposo e a minha filha, por compreenderem a minha ausência e

por fazerem me sentir tão especial.

Aos meu avós pelo carinho e pela demonstração de Fé.

As minhas irmãs pelo carinho e admiração.

Agradeço a Luciana e Suele, por terem cuidado da minha filha com

carinho, nos momentos em que não pude estar presente.

Agradeço a Erlirde, Edilene, Andreza e Evânia, por estarem sempre à

disposição, para ajudar.

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Agradeço as minhas amigas de turma do Mestrado, especialmente a

Iracleide, Solange Alves, Sônia e Roseane Amorin, por termos compartilhado

nossas dúvidas, nossas alegrias, e por sabermos que todas estão torcendo por

cada uma nesse processo tão difícil e ao mesmo tempo prazeroso.

A minha amiga Aparecida Biruel, que mesmo estando longe tem

demonstrado sua amizade e sua torcida para a realização desse estudo.

A minha amiga Katharine, pelo seu incentivo e carinho.

A minha amiga Rita. Embora tenhamos nos conhecido há pouco tempo,

tem me incentivado bastante com suas palavras de Fé.

A minha amiga Zeza, pelo seu carinho e pelo orgulho que tanto

depositou em minha pessoa.

A todas as professoras que participaram da pesquisa, pela sua

disponibilidade e pela troca de experiência.

Agradeço a todos os diretores das escolas por onde passei e aos

técnicos das redes de ensino, pela compreensão e disponibilidade.

Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação em

Educação que, de diversas maneiras, contribuíram para a realização dessa

dissertação. Em especial a Alda, pela sua importante contribuição.

Enfim, agradeço a todos os amigos (as) e a todos aqueles que direta ou

indiretamente contribuíram para a realização desse trabalho.

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‘‘Eu acho que os LDs deveriam investir na aquisição do sistema alfabético. Então nesse ponto esse livro responde

às minhas expectativas, porque ele dá ao aluno uma visão de mundo melhor, o aluno não aprende só o ler e

escrever, mas ele vê que isso faz parte de sua realidade, faz sentido pra mim, que é diferente das cartilhas

tradicionais, que eram bem assim, era muito mais fácil ler Dudu, Dadá do que ler Domingo pé de cachimbo. Então

nesse ponto ele é melhor pra trabalhar, porque ele dá uma visão de mundo legal para o aluno. Mas a minha questão é: eu não posso deixar meu aluno ficar só na

visão de mundo, eu não posso permitir que meu aluno tenha uma visão de mundo maravilhosa, mas não consiga

ler Dudu nem Dadá. Negar conhecimento ao aluno a gente também não pode, e nessa perspectiva é preciso recorrer a outras atividades, essas outras que eu falei e

as que vierem mais, pra dar esse respaldo pra gente, porque de qualquer maneira eu tenho uma turma de

alfabetização e se no final do ano meu aluno não consegue ler nem Dudu, nem Dadá, não interessa que ele

saiba cantar ‘‘Hoje é Domingo pé de cachimbo. É o pai e a mãe que dizem logo: ah! Essa professora é péssima,

meu filho não consegue ler nem Dudu, nem Dadá. Então a grande questão desse livro é essa, é você saber dosar

as coisas’’ .

Professora Ana

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SUMÁRIO

DEDICATÓRIA AGRADECIMENTOS SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT INTRODUÇÃO............................................................................................. 14 CAPÍTULO 1 - MARCO TEÓRICO........................................................... 22 1.1 - Transposição Didática e Apropriação dos

Saberes da Ação..................................................

23 1.1.1 - Transposição Didática........................... 23 1.1.2 A Abordagem da Apropriação dos

Saberes da Ação...................................

27 1.2 - Mudanças nas explicações sobre o aprendizado

do Sistema de Notação Alfabética.......................

31 1.2.1 - Os métodos e as Cartilhas tradicionais

de Alfabetização....................................

31 1.2.2 - As contribuições da Psicogênese da

Língua Escrita........................................

41 1.2.2.1 - A Escrita enquanto Sistema

de Notação..........................

41 1.2.2.2 - A Apropriação do Sistema

de Escrita Alfabética pela criança.................................

45 1.2.3 - As contribuições dos estudos sobre

Consciência Fonológica e sua relação com a Psicogênese da escrita no processo de alfabetização.....................

49 1.2.4 - O debate sobre as relações entre

Letramento e Alfabetização...................

56 1.3 - Livros didáticos: o Ensino e o Aprendizado do

sistema de notação alfabética..............................

61 1.3.1 - Livro didático e ensino no Brasil............ 61 1.3.2 - O PNLD e os novos livros didáticos de

alfabetização.........................................

64 1.3.2.1 - Algumas considerações

acerca dos impactos positivos e dos problemas e perspectivas do PNLD..........

67

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1.3.3 - Os novos livros didáticos de alfabetização: algumas considerações

69

1.4 - Objetivos............................................................... 73 1.4.1 - Geral...................................................... 73 1.4.2 - Específicos............................................ 73 CAPÍTULO 2 - METODOLOGIA............................................................... 75 2.1 - Instrumentos de coleta de dados......................... 77 2.2 Perfil dos sujeitos................................................. 80 2.2.1 - Perfil das docentes do Município do

Cabo de Santo Agostinho que participaram da pesquisa......................

80 2.2.2 - Perfil das docentes do Município de

Camaragibe que participaram da pesquisa................................................

82 2.2.3 - Perfil das docentes do Município de

Recife que participaram da pesquisa................................................

83 2.3 - Livros que eram oficialmente adotados em cada

rede de ensino......................................................

85 CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DE RESULTADOS: entrevistas

estruturadas e aprofundadas.......................................

86 3.1 - Considerações sobre as metas das

professoras quanto ao aprendizado do Sistema de Escrita Alfabética ao final do ano letivo........

88 3.2 - Participação do professor na escolha do LD..... 92 3.3 - Avaliação geral do LD........................................ 97 3.4 - Freqüência com que as professoras utilizavam

o LD de alfabetização........................................

110 3.5 - Motivos pelos quais as professoras não

utilizavam o LD oficial........................................

117 3.6 - Materiais utilizados no lugar do LD oficial.......... 122 3.7 - Estratégias de ensino adotadas pelas

professoras........................................................

125 3.8 - Aspectos mais importantes para as

professoras no ensino do sistema de escrita alfabética............................................................

140 3.9 - O Ensino com textos: como as professoras

afirmaram conciliar o trabalho de leitura e produção de textos numa perspectiva de letramento e as atividades relacionadas ao Ensino do Sistema de Escrita Alfabética...........

146 3.10 - Principais dificuldades apontadas pelas

professoras para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem do sistema de escrita alfabética............................................................

149 3.11 - Avaliação do ensino do sistema de escrita

alfabética proposto pelos LDs de alfabetização

154 3.12 - A contribuição do LD oficial no ensino

específico do sistema de escrita alfabética........

161

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3.13 - Atividades de ensino do sistema de escrita alfabética realizadas com mais freqüência com o uso do LD oficial..............................................

163 3.14 - Complementação com outros materiais

didáticos no ensino do sistema de escrita alfabética............................................................

169 3.15 - Atividades de Ensino do Sistema de Escrita

Alfabética realizadas com mais freqüência sem o uso do LD oficial..............................................

174 3.16 - Itens que mais influenciavam a organização do

ensino do sistema de escrita alfabética das professoras........................................................

178 3.17 - As mudanças nos LDs de alfabetização: o que

observavam as professoras?.............................

185

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 192

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................ 208

ANEXOS....................................................................................................... 213

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar por que os professores vinham usando

ou não os novos livros didáticos (LDs) de alfabetização recomendados pelo

PNLD 2000/2001, investigando como abordavam o ensino do sistema de

escrita alfabética. Considerando os estudos sobre a Psicogênese da Língua

escrita, sobre Consciência Fonológica e Letramento, nos apoiamos ainda em

duas abordagens – a teoria da Transposição Didática (Chevallard, 1991) e a

teoria da Apropriação dos Saberes da Ação (Chatier, 1998) – para

compreender as razões que levavam os professores a tomar determinadas

decisões em suas práticas pedagógicas. A pesquisa foi desenvolvida com

professoras de três redes públicas municipais de ensino: Cabo de Santo

Agostinho, Camaragibe e Recife. Realizamos entrevistas estruturadas com 36

professoras (18 da alfabetização e 18 da 1ª série), nas quais as docentes

foram solicitadas a relatarem se usavam ou não o livro didático, quais as

principais contribuições e dificuldades dos LDs, além de descreverem suas

experiências pedagógicas no ensino do sistema de escrita alfabética.

Realizamos, ainda, entrevistas aprofundadas com doze professoras que

participaram da primeira etapa da pesquisa (quatro de cada rede de ensino,

representando as duas séries - sendo que duas usavam e duas não usavam

LD). Quanto ao tratamento dos dados, empregamos uma análise temática que

esteve baseada na análise de conteúdo (Bardin, 1977). Os resultados do nosso

estudo revelaram que as professoras vinham enfrentando grandes dificuldades

quanto ao uso efetivo dos LDs oficialmente adotados, utilizando com mais

freqüência outros livros no ensino do sistema de escrita alfabética. As mesmas,

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apesar de reconhecerem a importância do ensino voltado à leitura e produção

de textos, apresentaram, ainda, uma concepção de alfabetização restrita ao

método silábico, utilizando o texto apenas com a intenção de trabalhar letras,

sílabas e palavras soltas. Isto é, não desenvolviam um trabalho com textos, a

fim de discutir sobre os diversos gêneros e suas funções específicas.

Constatamos também a ausência de um ensino sistemático do sistema de

escrita alfabética que investisse no desenvolvimento de habilidades de reflexão

fonológica sem, necessariamente, empregar os métodos tradicionais de

alfabetização. As docentes reconheciam que os novos LDs priorizavam o eixo

de leitura e produção de textos, em detrimento de atividades que levassem o

aluno a refletir sobre as propriedades do sistema de Escrita Alfabética.

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ABSTRACT

This study aimed at analyzing the reasons why teachers used or did not use the

basic literacy didactical books (LDs) recommended by the 2000/2001 PNLD

(Brazilian Government’s National Plan for the Supplying of Didactical Books),

probing as to how the teaching of reading and writing was tackled by staff.

Based on the studies of the Psycho-Genesis of Written Language, and on the

research on Phonologic and Literacy Awareness, as well as on the Theory of

Didactical Transposition (Chevallard, 1991), and on the Theory of the

Appropriation of The Knowledge of Action (Chatier, 1998) – we sought to

understand the reasons teachers had to make some of their decisions regarding

pedagogical practices. The work was carried out with teachers of the three city

government schooling networks, the cities of Cabo de Santo Agostinho,

Camaragibe and Recife, in the state of Pernambuco, NE Brazil – the latter the

state capital. Structured interviews were used with 36 teachers (18 from

kindergarten and 18 from the first year), where staff were asked to say if they

used the LDs or not, as well as the main contribution they saw coming from

such materials; they were also asked to describe their pedagogical experiences

in the teaching of writing systems. Additional in-depth interviews were made

with 12 teachers who had taken part in the first stage of the research (four from

each city, representing the two different classes, two of them having used

didactical books and two other who had not). The data obtained was subjected

to theme analysis based on content analysis (Bardin, 1977). Results showed

that teachers had been facing great difficulties with the effective use of the

recommended LDs, making more frequent use of other books for the teaching

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of writing systems. Although recognizing the importance of a teaching practice

hinged on reading and text writing, they displayed a conception of alphabet-

teaching that was restricted to the syllable method, using text only with the

intention of working on letters, syllables and loose words, that is, they did not

develop work on text that would lead to discussion on the many varieties and

their specific functions. We also detected an absence of systematic teaching of

an alphabet-based writing system that would invest in the development of

phonological reflection abilities without necessarily having to use traditional

teaching methods. Teachers acknowledged the fact that the new LDs gave

priority to the reading and text producing axis, with the loss of activities that

would take pupils to reflect upon the properties of alphabet-based writing

systems.

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INTRODUÇÃO

A partir da década de 1980 os estudos advindos da lingüística,

pedagogia e da psicologia cognitiva trouxeram novas concepções sobre o

ensino de língua e alfabetização. Nessas duas últimas décadas, presenciamos

uma reformulação dos objetivos e da forma de concebermos a aquisição da

língua escrita. Isso se deve principalmente aos estudos elaborados por Emília

Ferreiro e Ana Teberosky, que passaram a explicar a aquisição do Sistema de

Notação Alfabética como a apropriação de um objeto de conhecimento, que

requer um processo de construção cognitiva, resultante da ação de um sujeito

cognoscente. Dentro dessa perspectiva, Ferreiro (1985) tem demonstrado que,

antes mesmo de ingressar na escola, a criança já possui conhecimentos e

concepções acerca da escrita.

Além das contribuições dos estudos da Psicogênese, temos nos apoiado

em uma outra linha de teorização para compreender como a criança se

apropria do sistema de escrita alfabética. Esta segunda linha de estudos

procura identificar o papel das habilidades da reflexão fonológica no

aprendizado da leitura e da escrita (MORAIS, 2004).

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Nesse período presenciamos também a construção da noção de

‘‘letramento’’ e uma redefinição no próprio conceito de sujeito alfabetizado, o

qual não é visto como alguém que apenas saiba ler e escrever, mas, segundo

Soares (1998), que exerça as práticas sociais de leitura e escrita. Desta forma,

tais estudos acabaram por influenciar diretamente os textos do saber,

especialmente os manuais de alfabetização.

A partir das novas exigências do ensino, os autores dos livros didáticos

foram obrigados a repensar suas propostas. Com isso os novos livros de

alfabetização passaram a ocupar as salas de aula e as antigas cartilhas aos

poucos foram sendo substituídas. Dentro dessa realidade, pretendemos

investigar as concepções dos professores quanto ao uso e não-uso desses

novos livros didáticos (doravante LDs) de alfabetização, no que diz respeito,

especificamente, ao ensino do sistema de escrita alfabética.

Sabemos que as cartilhas baseavam-se numa concepção de

alfabetização que concebe a escrita como um código de transcrição. Segundo

Ferreiro (1985), ao conceber a escrita como um código de transcrição, sua

aprendizagem consistiria na aquisição de uma técnica, priorizando-se

atividades de memória, discriminação auditiva e visual. Sendo assim, essas

cartilhas não consideravam as hipóteses da criança a respeito do sistema de

escrita alfabética, apenas levavam as mesmas a desenvolver atividades

voltadas, sobretudo, à repetição e memorização.

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A partir da intervenção do PNLD1 que tem como objetivos básicos a

aquisição e a distribuição universal e gratuita, de LDs para alunos das escolas

públicas de ensino fundamental, os livros passaram a ser avaliados

pedagogicamente.

É dentro desse cenário que procuramos situar nosso projeto. A escolha

do objeto de investigação justifica-se, sobretudo, por duas grandes razões: a

primeira por percebermos que, ao lado de uma literatura acumulada, criticando

as antigas cartilhas, carecemos de um exame mais cuidadoso da didatização

da língua proposta nos novos livros de alfabetização.

Um primeiro contato com esses manuais permite-nos perceber que eles

vêm dando grande ênfase à leitura e produção de textos, porém, o ensino do

sistema de escrita alfabética ainda parece apresentar algumas lacunas. Isso

fica evidente nas próprias resenhas dos títulos recomendados contidas no Guia

do PNLD2 . O texto de cada resenha traz informações gerais sobre o livro, uma

descrição de sua estrutura e outros dados sobre a análise. Tais resenhas,

assim como o Guia do PNLD de uma forma geral, têm como objetivo ajudar o

professor a refletir sobre questões relativas à qualidade das propostas

veiculadas pelos livros didáticos.

Ao examinarmos essas resenhas, verificamos que as mesmas indicam

que, quando os autores dos novos livros de alfabetização tentam abordar o

Sistema de Escrita Alfabética, muitas vezes acabam apresentando

1 PNLD- Programa Nacional de Livros Didáticos. 2 MEC. Guia de Livros Didáticos; 1ª a 4ª séries. Brasília: Ministério da Educação; FAE; CEALE; CENPEC, 2000.

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determinadas insuficiências, propondo um ensino reorientado em princípios

associacionistas do aprendizado e promovendo o exercício de identificação,

memorização e reprodução de sílabas e palavras.

Ainda de acordo com as resenhas do Guia do PNLD, verificamos que os

novos livros parecem trazer grandes inovações para o trabalho com leitura e

escrita, promovendo várias situações de uso da escrita, nas quais se explora a

produção de diversos tipos e gêneros de textos de circulação social e, às

vezes, com diferentes objetivos e interlocutores. As atividades baseadas na

linguagem oral também ganharam certo espaço nos novos livros, criando-se

um ambiente de uso da oralidade, na interação não apenas entre professor e

alunos, mas entre os alunos.

Ao analisarmos especificamente em alguns livros o trato com o sistema

de escrita alfabética, entendemos que estes trazem certa insuficiência na

articulação entre a reflexão sobre o sistema de escrita e o uso da língua

escrita. Certos manuais apresentam textos autênticos ao lado de pseudotextos;

em alguns momentos valorizam habilidades de interação pela escrita, em

contextos sociais e, em outros momentos, enfatizam processos de codificação

e decodificação.

Percebemos, com isso, uma incoerência nos princípios orientadores das

propostas para o ensino do Sistema de Escrita Alfabética.

A fim de explorarmos um pouco mais os aspectos até então levantados

sobre as propostas veiculadas nos novos livros quanto ao ensino do Sistema

de Escrita Alfabética, apontaremos algumas ilustrações a partir de exemplos

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específicos contidos em alguns títulos recomendados pelo PNLD 2000/2001.

Os diversos títulos contêm suas especificidades e prioridades. Dentre os 22

títulos aprovados, chamaremos a atenção para alguns exemplos inseridos em

determinados títulos.

Um primeiro exemplo pode ser encontrado no ‘‘ALP- Análise, Linguagem

e Pensamento’’ de Maria Fernandes Cóco e Marco Antonio Hailer3. Com

relação a esse título recomendado, a resenha do Guia do PNLD 2000/2001

(MEC, 2000, p. 73) nos informa sobre a adequação e a pertinência das

atividades de leitura e produção de textos. Os exercícios são voltados para a

reflexão sobre a língua escrita, a partir de seu uso. Porém, a resenha deixa

claro que, apesar das muitas qualidades do livro, o mesmo ainda apresenta

algumas insuficiências quanto à articulação entre a reflexão sobre o sistema de

escrita e o uso da língua escrita, particularmente naqueles exercícios de regras

do sistema de escrita, que, embora situados num contexto significativo, se

apóiam em situações artificiais de uso da escrita.

Um outro exemplo bastante interessante está presente na resenha do

livro: ‘‘Novo Tempo’’4 (MEC, 2000, p. 81), que não apresentaria uma coerência

em sua fundamentação. O mesmo ora se apresentaria como fundamentado em

princípios psicogenéticos, considerando o aluno e suas hipóteses sobre o

3 CÓCCO, M. F. e HAILER, M. A . ALP Alfabetização: análise, linguagem e pensamento: um trabalho de linguagem numa proposta socioconstrutivista. São Paulo: FTD, 1995. Este é um livro muito comentado, dentre os que vêm buscando inovar no ensino de língua e, especialmente, no ensino da alfabetização. O mesmo foi considerado como ‘‘a obra mais radical da linha construtivista’’ pela Revista Nova Escola, em Outubro de 1996. Este livro também parece gerar grandes inquietações por parte dos professores que, diante das novas propostas, julgam que o livro é ‘‘muito difícil de se trabalhar‘‘ e ‘‘muito mais difícil para o aprendizado das crianças’’. 4 NICOLA, José Neto de. e CHIARION, Rosalina Aparecida Acedo. Novo Tempo: livro de alfabetização. São Paulo: Scipione, 1999.

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sistema de escrita; ora assumiria uma concepção associacionista, passando a

centrar-se, quase inteiramente, na apresentação de famílias silábicas,

deslocando-se o eixo das hipóteses dos aprendizes para a representação da

sílaba no português. Os autores promoveriam exercícios de identificação e

memorização, sendo estas atividades realizadas dentro de contextos criados

por atividades de uso da língua escrita, a partir de textos com adequada

textualidade, envolvendo, também, aspectos lúdicos e brincadeiras. Desta

forma, percebemos uma confusão, em que os autores acabam mesclando

contextos significativos de uso da língua com atividades tradicionais no ensino

do Sistema de Escrita Alfabética.

Trataremos agora da segunda razão que nos levou a optar pela temática

do presente estudo. Como mencionamos anteriormente, os livros de

alfabetização vêm inovando, sofrendo alterações decorrentes de todo um

contexto histórico e de novos estudos que passaram a convergir na crítica aos

métodos tradicionais de alfabetização e às antigas cartilhas. Desta forma,

sentimos a necessidade de investigarmos como os professores vêm

concebendo o uso desses novos livros de alfabetização. O que priorizam a

partir do uso do livro frente aos estudos da Psicogênese, Análise Fonológica e

Letramento? Quanto àqueles docentes que não usam os LDs adotados

oficialmente, quais motivos os levariam a não seguir as propostas dos autores

dos LDs? O que utilizam no lugar dos mesmos, a fim de desenvolver o ensino

do sistema de escrita alfabética?

Essas são apenas algumas questões que pretendemos responder ao

longo desse estudo, com o objetivo de ouvir e tentar entender os professores

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quanto à utilização desse material didático, que vem ocupando as salas de

alfabetização. Além de identificar a concepção de alfabetização desses

professores, pretendemos contribuir com o debate de uma alfabetização que

precisa assegurar ao aprendiz não apenas a aprendizagem da notação

alfabética, mas as práticas de leitura e escrita dos gêneros que circulam

socialmente.

Dando continuidade ao nosso trabalho, discutiremos no PRIMEIRO

capítulo as duas abordagens que fundamentam esse estudo: a da

Transposição Didática e a que examina a Apropriação dos Saberes da Ação

Docente.

Em seguida, abordaremos as mudanças em torno das explicações sobre

o aprendizado do sistema de escrita alfabética, enfatizando a concepção de

alfabetização dos Métodos e das Cartilhas tradicionais, trazendo exemplos

ilustrativos de atividades presentes em algumas cartilhas que foram bastante

usadas em nosso país e apresentando resultados de alguns estudos realizados

em 1990 e 1996, que tiveram como objetivos analisar o discurso empregado

por algumas cartilhas e a forma como as mesmas estavam organizadas. Logo

após, discutiremos acerca das contribuições da Teoria da Psicogênese da

Escrita, tratando das formas como se concebe a escrita alfabética, suas

implicações pedagógicas e os conflitos vivenciados pela criança na apropriação

desse objeto de conhecimento. Examinaremos depois a contribuição dos

estudos sobre a Consciência Fonológica, a fim de percebermos como o

desenvolvimento de habilidades de reflexão metafonológica se relaciona com a

compreensão do sistema de escrita alfabética, faremos ainda algumas

considerações sobre o Letramento e sua relação com a alfabetização. Para

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tratarmos especificamente dos LDs, faremos também uma discussão sobre o

PNLD e os novos LDs de alfabetização. No segundo capítulo, trataremos dos

procedimentos metodológicos adotados nessa pesquisa e descreveremos o

perfil dos sujeitos pertencentes a cada rede de ensino, que participaram desse

estudo.

No terceiro capítulo, realizaremos a análise dos dados, considerando

aspectos como: as metas das professoras para o ensino do sistema de escrita

alfabética, a participação das mesmas no processo de escolha dos LDs, a

avaliação que as professoras faziam sobre o LD, a freqüência com que elas o

utilizavam, os motivos que levavam as professoras a não utilizarem o LD,

analisando também, entre outros elementos, o que as docentes afirmaram

realizar ao ensinar o sistema de escrita alfabética.

Por fim, teceremos algumas considerações finais, discutindo as

principais evidências deste estudo e sugerindo possíveis contribuições do

mesmo para o debate no campo educacional.

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CAPÍTULO 1 – MARCO TEÓRICO

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1.1 – Transposição Didática e Apropriação do s Saberes da Ação

1.1.1- Transposição Didática

Com o objetivo de analisarmos como ocorre o processo de Transposição

Didática nas salas de alfabetização, no que se refere, especificamente, ao

ensino do Sistema de Escrita Alfabética, faremos uma discussão em torno do

que Chevallard denominou de Transposição Didática. O processo de

Transposição Didática seria desenvolvido, inicialmente, por um grupo de

especialistas que se encontrariam em um campo específico que é a noosfera-

intermediário entre o sistema de ensino e a sociedade, que corresponde à

esfera da produção e circulação do saber sábio. Esses estudos sobre a

Transposição Didática, nos possibilitam compreender o processo pelo qual o

saber dos especialistas (savoir savant) se constitui num objeto de ensino.

‘‘Un contenido de saber que ha sido designado como saber a enseñar, sufre a partir de entonces un conjunto de transformaciones adaptativas que van a hacerlo apto para ocupar un lugar entre los objetos de enseñanza. El ‘‘trabajo’’ que transforma de un objeto de saber a enseñar en un objeto de enseñanza, es denominado la transposición didáctica’’ (CHEVALLARD, 1991, p. 45).

Os objetos de conhecimento originam-se do saber científico que, através

de uma série de transformações e adaptações adquirem características

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particulares de um saber escolar. Para explicar esse processo, Chevallard

(1991), propõe uma distinção entre o ‘‘saber sábio’’ (savoir savant), o ‘‘saber a

ensinar’’ e o ‘‘saber efetivamente ensinado’’. A partir disso, definiu a seguinte

cadeia: ‘‘um objeto de saber’’(saber científico produzido pelos especialistas

num determinado contexto histórico-social) transforma-se em ‘‘objeto a

ensinar’’ (saber a ensinar/ textos do saber como propostas curriculares e livros

didáticos) e este saber torna-se ‘‘objeto de ensino’’ (saber efetivamente

ensinado).

São os trabalhos realizados na noosfera os responsáveis pela produção

dos textos do saber que devem auxiliar e orientar o professor quanto aos

saberes a serem ensinados e as concepções pelas quais devem seguir,

constituindo-se assim, em um instrumento orientador/auxiliar à prática do

professor, que receberá a influência desses textos, e como acreditam os

especialistas, terão influência direta no saber efetivamente ensinado.

Os objetos do saber sofrem alterações no processo de Transposição

didática. Para ser escolarizado o saber produzido no âmbito da pesquisa,

precisa sofrer uma série de transformação e simplificação que facilmente

podem distorcê-lo. Chevallard (1991) aponta o Princípio da Vigilância

Epistemológica que deveria avaliar a adequação dos saberes e os meios.

Albuquerque (2002), ressalta que a escola não ensina os saberes científicos

produzidos em diferentes contextos históricos sociais. Estes ao entrar no

espaço escolar, sofrem um processo de transposição/deformação que se

relaciona com os objetivos, características, organização dessa instituição e

com as demandas sociais a ela impostas, transformando-se em saberes a

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ensinar e o saber efetivamente ensinado pode ou não, corresponder a estes

saberes.

Tendo em vista a preocupação da Transposição Didática em analisar a

distância existente entre esses saberes, apontando como saída uma

redefinição do saber a ensinar a fim de que possa se aproximar dos saberes

científicos e garantir esses saberes aos professores através da reelaboração

dos textos do saber, utilizaremos os estudos da Transposição Didática

procurando compreender como as mudanças nas várias áreas do

conhecimento, acabaram por influenciar uma classe de textos do saber,

resultando em novas definições do saber a ensinar. No nosso caso, o texto do

saber a ser analisado nessa transposição é o livro didático de Língua

Portuguesa, mais especificamente, os novos livros de alfabetização. Desta

forma, analisaremos como mudanças relacionadas ao campo teórico da

alfabetização, ao ensino do sistema de escrita alfabética, estão prescritas

nesse texto do saber que é o Livro Didático de alfabetização, que em nosso

País aparece como substituto das antigas cartilhas.

A partir da década de 1980, as mudanças ocorridas no saber dos

especialistas ligados à Lingüística, à Psicologia Cognitiva e à Educação

trouxeram novas concepções sobre o ensino de Língua e alfabetização.

Presenciamos uma reformulação dos objetivos e da forma de concebermos a

aquisição da Língua escrita, passamos a considerar não apenas o como se

ensina, mas, principalmente, o como se aprende, valorizando os saberes do

aprendiz, seus conhecimentos prévios e suas concepções acerca da língua

escrita. A utilização das cartilhas e dos métodos tradicionais na alfabetização

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passaram, consequentemente, a ser bastante questionados. A notação escrita

deixava de ser concebida enquanto código de transcrição e passava a ser

proposta como objeto de conhecimento, um sistema de representação

(Ferreiro, 1985). Nesse período, presenciamos também, a construção da noção

de letramento e uma redefinição do próprio conceito de sujeito alfabetizado, um

sujeito capaz de exercer as práticas sociais de leitura e escrita, como defende

Soares (1998).

Desta forma, os textos do saber foram bastante influenciados,

especialmente, os LDs que se constituem, segundo (BATISTA apud ABREU,

2002), num dos principais estruturadores do ensino. Os autores de LDs foram

obrigados a repensar suas propostas, procurando atender às prescrições

elaboradas pelos especialistas e transformadas em saber a ser ensinado.

Essas propostas elaboradas pelos especialistas não anunciam ao

professor o que de fato deve ser feito, temos um conflito muito grande de

definir o que fazer na escola. Embora os especialistas cheguem a produzir

objetos de saber que vão ser transformados em saber a ensinar que devem ser

repassados para os professores com o intuito dos mesmos seguir as propostas

estabelecidas, é só no momento que o professor transforma o saber em

ensino, que ocorre a didatização. Nesse caso, a teoria da Transposição

didática deixa a questão pedagógica como secundária e atua na perspectiva

das mudanças didáticas, não considerando as questões específicas da

realidade da sala de aula.

Segundo (PAIS apud MACHADO, 1999), é o processo de ensino que

resulta finalmente no verdadeiro objeto do saber ensinado que é aquele

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registrado no plano de aula do professor e que, não necessariamente, coincide

com aquela intenção prevista nos objetivos programados no nível do saber a

ensinar.

1.1.2 - A Abordagem da Apropriação do s Saberes da Ação

Como mencionamos anteriormente, pretendemos investigar o processo

de Transposição didática a fim de analisar como os professores concebem o

uso dos novos manuais de alfabetização, como estão se apropriando das

prescrições contidas nos mesmos. Para tanto, além da teoria da transposição

didática, utilizaremos a abordagem da Apropriação, tendo em vista que esse

tipo de enfoque, possibilita uma reflexão sobre as especificidades da prática

pedagógica, considerando o processo de reconstrução individual dos saberes

pelas docentes.

De acordo com Chartier (2000), as mudanças nas práticas de ensino

podem se relacionar com mudanças ocorridas nas definições dos ‘‘conteúdos’’

a serem ensinados, que constituiriam mudanças de natureza didática; ou com

mudanças relacionadas à organização do trabalho pedagógico (material

pedagógico, avaliação, etc.), que se caracterizariam como mudanças

pedagógicas. Diferentemente, da teoria da Transposição Didática, a

abordagem sobre a Apropriação está relacionada não apenas às mudanças

didáticas mas também e principalmente, às mudanças pedagógicas, referentes

à organização e condução do ensino na sala de aula.

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De acordo com Albuquerque (2002), os pesquisadores que analisam as

práticas dos professores e os processos de mudanças nelas ocorridas têm

observado que as mudanças didáticas e/ou pedagógicas não são frutos de

uma apropriação direta de algo que se transmite por diferentes meios: cursos,

revistas, livros, etc. Sendo assim, o que ocorre é uma apropriação, re-

interpretação dos saberes. O professor procura, a partir do universo de

informações apreendidas – através das instruções oficiais, das didáticas de

disciplinas e dos conhecimentos acadêmicos – conciliar essas influências com

a sua realidade de sala de aula, suas experiências do dia-a-dia, considerando

os meios disponíveis e as possibilidades de cada aluno. A partir disso, o

professor acaba por preferir um modo de funcionamento e adota um método de

trabalho que esteja relacionado com o que acredita, com as suas crenças,

finalidades e condições de ensino. É nesse processo que o professor vai

tomando decisões para o ensino, a partir de sua própria prática. Para os

especialistas que fazem parte da noosfera, abordada anteriormente, na Teoria

da Transposição Didática, os professores se apropriariam, supostamente, de

forma direta de suas prescrições, desconsiderando suas próprias práticas.

Segundo Chartier (1998), a relação entre as práticas de ensino do

professor e o discurso teórico que pode lhes servir de referência pode ser

abordada por meio de dois modelos: o primeiro, defende que a difusão dos

saberes é necessária para orientar as escolhas didáticas e as práticas

pedagógicas; o segundo propõe que a formação dos professores se faz

principalmente, por ‘‘ver fazer’’ e ‘‘ouvir dizer’’ e que o ponto principal dessa

apreensão dos saberes é sua pertinência em relação ao trabalho na classe.

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Desta forma, o professor não se apropria diretamente do que os especialistas

prescrevem, aplicando uma determinada teoria na sua dinâmica de sala de

aula, mas toma como principal referência sua própria ação. O professor

enquanto sujeito se baseia nas trocas de experiências informais. As

experiências vivenciadas por colegas e que apresentaram resultados positivos

são mais fáceis de serem aplicadas, porque expressam situações construídas

na própria prática. O professor se apropria do que pode ser feito, do que tem

relação direta com a prática, utilizando as inovações que entusiasmam o aluno.

Schön (1996), ao criticar o modelo da ciência aplicada, segundo a qual a

atividade profissional constitui-se na resolução de problemas práticos a partir

da aplicação de teoria e técnicas científicas, propõe uma epistemologia do agir

profissional. Segundo esse autor, as ações profissionais são guiadas por um

‘‘saber fazer’’ que corresponde a um conjunto de regras ou planos cultivados

em nossos espíritos e que precedem a ação.

Chartier (1998), tomando como base os ‘‘saberes da ação’’ e

acreditando na necessidade de vencermos o modelo da pesquisa aplicada,

desenvolveu uma pesquisa com o objetivo de saber como uma professora

poderia ‘‘teorizar reflexivamente’’ sua prática profissional relativa à

aprendizagem da escrita no último ano da escola maternal. A professora

estudada por Chartier desenvolvia atividades que tratavam a escrita a partir de

diferentes modelos. Por trás de sua prática existiam perspectivas teóricas que

não eram explicitadas pela docente. As atividades realizadas – atelier de

grafismo, escrita guiada e escrita livre - do ponto de vista teórico seriam

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atividades incompatíveis, mas do ponto de vista dos ‘‘saberes da ação’’

apresentavam uma forte coerência pragmática (CHARTIER, 1998).

A professora compreendia a necessidade de realizar cada atividade e

tinha consciência de seus objetivos pedagógicos. O que guiava essa mestra

era um conjunto de orientações e o conhecimento que a mesma tinha sobre a

realidade e a necessidade de cada criança. Como mencionamos,

anteriormente, os professores procurariam se apropriar do que pode ser feito, o

‘‘como fazer’’ e não o ‘‘por que fazer’’ que é o que consideram os especialistas

que produzem os objetos do saber.

Mesmo considerando a necessidade de vencermos o modelo da ciência

aplicada e nos apoiarmos também no modelo dos ‘‘saberes da ação’’, que

exige não apenas que o pesquisador possibilite o professor relatar aspectos

específicos de sua prática de ensino, mas que priorize a análise das práticas

dos professores a partir da realização de observações de aula, permitindo um

acesso direto ao pensamento e à ação dos professores, o nosso projeto não

esteve voltado para a observação da prática, quando decidimos investigar

como os professores estão se apropriando das novas propostas contidas nos

LDs de alfabetização. Procuramos, principalmente, analisar, a partir do

discurso das professoras, como as mesmas vêm concebendo o uso do LD;

quais as suas opções quanto à utilização do LD, no que se refere, ao ensino do

Sistema de Escrita Alfabética. Essa opção por analisar o que concebem os

professores quanto ao uso do livro de alfabetização, corresponde a

necessidade de ouvir e tentar entender os professores quanto à utilização

desse material didático que vem ocupando as salas de alfabetização. Como

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vimos na introdução, segundo as resenhas presentes no Guia do PNLD, os

novos livros de alfabetização parecem trazer grandes inovações para o relativo

à leitura e produção de textos, promovendo várias situações de uso da escrita,

nas quais se explora a produção de diversos gêneros escritos de circulação

social e, às vezes com diferentes objetivos e interlocutores. No entanto, quando

os autores dos livros tentam abordar o Sistema de Escrita Alfabética parecem

apresentar mais insuficiências, indefinições quanto à filiação teórica.

1.2 – Mudanças nas explicações sobre o Aprendizado do Sistema de Notação Alfabética

1.2.1– Os Método s e as Cartilhas tradicionais de Alfabetização

Tradicionalmente, a alfabetização vem sendo tomada como uma

questão de método. Os métodos tinham assumido por muito tempo um lugar de

destaque no processo de ensino-aprendizagem. Essa discussão em torno dos

métodos de alfabetização está presente nas disputas que se estendem até os

dias atuais.

De acordo com Mortati (2000), os métodos tornaram-se um objeto de

tematizações, normatizações, concretizações5 e locus privilegiado em que se

manifesta a recorrência discursiva de mudança, indicadora de uma tensão

permanente entre os autodeterminados ‘‘modernos’’ e aqueles a quem esses

modernos denominam ‘‘antigos’’. Desta forma, compreendemos que em vários

5 Segundo Moratati (2000), as tematizações, normatizações e concretizações estão relacionadas ao conteúdo, finalidade e forma de veiculação dos documentos por ela, utilizados.

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momentos históricos, determinados sujeitos buscaram produzir diferentes

sentidos com relação ao ensino da leitura e da escrita. Nessa dinâmica, o que

se produzia em determinado momento histórico era posteriormente combatido

como tradicional e substituído por um novo sentido por aqueles que se

autodeterminavam modernos. Essa disputa pela hegemonia de projetos para o

ensino da leitura e escrita, ainda de acordo com Mortati (2000), tem estreita

relação com os projetos políticos e sociais emergentes.

No final da década de 1970 novos sentidos para o ensino da leitura e da

escrita foram sendo configurados. Ocorreu nessa época a disputa entre

partidários da ‘‘revolução conceitual’’, especialmente proposta por Emília

Ferreiro, e os defensores dos tradicionais métodos, das tradicionais cartilhas e

do tradicional diagnóstico do nível de maturidade com fins de classificação dos

alfabetizandos (MORTATI, 2000).

O ‘‘construtivismo’’ passou a ser defendido pelos educadores

progressistas e divulgado através de artigos, teses, livros e cartilhas

construtivistas. Dentro dessa perspectiva, o eixo de discussão foi deslocado

para o processo de aprendizagem do sujeito cognoscente e ativo, em

detrimento dos métodos de alfabetização e da relevância do papel da escola e

do professor nesse processo.

Com o intuito de reorganizar o ensino com base nas mais modernas

teorias, a fim de atender às novas necessidades sociais e políticas, passou-se

a investir na formação básica do professor, assim como na sua atualização,

capacitação e reciclagem em serviço relativamente ao conhecimento dos

processos de aprendizagem da criança. Mesmo com o surgimento das novas

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propostas de ensino e toda essa política de formação, os métodos e as

cartilhas tradicionais continuavam sendo utilizados nas classes de

alfabetização. Para combater os sentidos até então defendidos, o discurso

sobre alfabetização passou a incorporar e transformar as práticas e saberes

tradicionais.

Com a intenção de caracterizarmos os métodos e as cartilhas

tradicionais utilizados nas escolas e que se constituíram enquanto objetos de

disputa durante a história da alfabetização, faremos algumas considerações

acerca dos dois métodos mais difundidos, e discutiremos como se

caracterizavam as cartilhas tradicionais.

Dentro da perspectiva dos métodos sintéticos o que se prioriza

imediatamente é a correspondência entre o oral e o escrito, entre o som e a

grafia, e esta correspondência se daria a partir dos elementos mínimos (que

são as letras, os fonemas ou sílabas). Nos métodos ‘‘fônicos’’ a unidade

mínima considerada é o fonema, concebendo-se que o sujeito-aprendiz

precisaria ser capaz de isolar e reconhecer os diferentes fonemas, para poder

relacioná-los aos sinais gráficos. Como modalidades do método sintético

podemos apresentar os processos alfabético, fônico e o silábico (ARAÚJO,

1968).

Para os defensores dos métodos analíticos, a leitura era considerada

como um ‘‘ato global’’, sendo necessário o reconhecimento global de palavras

e orações. Só após a memorização de histórias (método global ou ‘‘contos’’),

de orações (método de ‘‘setenciação’’) ou de palavras (método de

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‘‘palavração’’), é que o ensino investiria na análise de unidades internas

menores (ARAÚJO, 1968).

Os métodos tradicionais estão fundamentados em concepções e teorias

de aprendizagens aparentemente diferentes. Porém, segundo Ferreiro e

Teberosky (1986), tais métodos, por atribuir uma ênfase às habilidades

perceptivas, acabam desconsiderando aspectos fundamentais como a

competência lingüística da criança e suas capacidades cognoscitivas. Todos,

ao final, adotariam concepções empiristas/associacionistas de aprendizagem.

As propostas das cartilhas seguem claramente essa concepção. A partir

do estudo realizado por Dietzsch (1990), que teve como objetivo estudar o

discurso da alfabetização, através da análise de oito cartilhas utilizadas em São

Paulo no período compreendido entre 1930 e 1970, percebemos que os

enunciados das cartilhas giravam em torno de cinco categorias: Assertivos I,

em que o locutor atribui predicados à ‘‘não pessoa’’; Assertivos II, em que

locutor emite predicados sobre o próprio ‘‘eu’’; Imperativos, constituída pela

ação do locutor sobre o ouvinte, no sentido de dar-lhe uma ordem a ser

seguida; os Interrogativos; e os Normativos, que envolviam uma ação e suas

conseqüências. Dietzsch (1990) observou uma maior concentração dos

enunciados Assertivos I.

Desta forma, verificamos que as cartilhas revelavam um discurso da

‘‘não pessoa’’, ou seja, havia um espaço bastante limitado para a interlocução.

Não existia a troca e a interação entre os interlocutores, sendo negado ao

aluno a fala, a possibilidade de argumentar. A idéia que o aprendiz tinha a

respeito da leitura e da escrita, o significado que o mesmo construía e o seu

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conhecimento acerca desses objetos de conhecimento eram desconsiderados.

Essa organização e construção de enunciados não sofreram alterações nas

diferentes edições de uma mesma cartilha. Dietzsch (1990), verificou que as

cartilhas ao longo dos anos não sofreram mudanças significativas, pois além de

não terem ocorrido mudanças nos enunciados, as cartilhas mantiveram o

mesmo conteúdo, apresentando apenas mudanças exigidas pela adaptação

ortográfica e diferenças nas formas de apresentação externa e nas ilustrações.

Os tipos de enunciados empregados pelas antigas cartilhas passavam

para a criança uma concepção de mundo, no qual o aluno ia sendo exposto a

valores que eram ditados explícita e implicitamente e reforçados pelas formas

de manipulação da linguagem em suas características de impessoalidade e de

imposição.

A partir desse estudo, a autora verificou ainda, que nas cartilhas

faltavam textos, um leitor e um escritor. Embora em algumas lições houvesse a

intenção de construir narrativas e tentar ‘‘despontar um texto’’, o que prevalecia

era a justaposição de enunciados desconexos, o desfile de entidades anônimas

e as ordens a serem cumpridas (DIETZSCH, 1990).

De acordo com um outro estudo de avaliação de cartilhas e coleções de

LDs (de 5ª a 8ª série), realizado há alguns anos por Abaurre e outros

pesquisadores (ABAURRE et al, 1996), ficou evidente nas cartilhas a

predominância de palavras, sílabas e letras isoladas. Quando se incluía algo

mais extenso, apareciam os ‘‘pseudotextos’’, predominando as falsas

narrativas, que serviam como pretexto para o ensino de letras, sílabas e

palavras.

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Além dos pseudotextos, predominavam nas cartilhas as atividades

repetitivas, mecânicas e sem sentido, que nada contribuíam para a formação

de leitores e escritores. O aluno não era solicitado a produzir textos, quando

isso acontecia era só no final da cartilha, quando se supunha que a criança já

saberia ‘‘escrever’’.

As atividades que predominavam eram: a cópia, a formação de palavras

a partir das sílabas ou letras estudadas; a separação de palavras em sílabas, o

preenchimento de lacunas com letras, sílabas e palavras, a localização de

palavras, sílabas e letras; a elaboração de listas e de desenhos; a formação de

frases a partir de palavras-chave; a ordenação de frases e outras igualmente

mecânicas, descontextualizadas, repetitivas e sem sentido (ABAURRE et al,

1996).

Exemplificando essas evidências, teceremos algumas considerações

acerca de duas cartilhas muito usadas na rede pública municipal do Recife, até

alguns anos atrás: Parabéns6 e ABC Cartilha7

Na cartilha Parabéns o ensino inicia-se diretamente com as lições onde

são estudadas as vogais. Essas vogais são extraídas de um tema maior,

encontrado dentro da ilustração de cada lição. Por exemplo: a primeira lição

parte da palavra CASA para estudar a vogal a, em seguida, apresentam-se as

palavras anel e abelha, destacando-se mais uma vez a vogal a. Em seguida,

trazem as atividades de cobrir, copiar e ligar as vogais iguais. Nesse caso,

‘‘vogais iguais’’ significa serem iguais quanto ao tipo de letra. O último exercício

6 PESSOA, A . C. Cartilha Parabéns. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1985 7 MAROTE, D‘ O . ABC Cartilha. Ática s/d.

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da lição solicita que o aluno, ao observar os desenhos, escreva a letra com que

começa cada figura. Assim, para o ensino das vogais, apresentam-se palavras

e ‘‘retiram-se’’ delas as vogais.

Em seguida, para o ensino dos encontros vocálicos, são apresentadas

algumas figuras (por exemplo, cachorro latindo, menina chorando) às quais são

associados determinados encontros vocálicos: ai, au 8.

Ainda no manual do aluno da cartilha Parabéns, observamos que um

mesmo formato de lição ocorre em todo livro, apenas vai se ampliando a

quantidade de palavras e alguns exercícios novos vão aparecendo. Dentre os

exercícios priorizados encontramos: colorir as figuras que começam com a

mesma letra, separar sílabas, completar literalmente sentenças com palavras já

dadas em frases soltas idênticas, ordenação de palavras e frases, formação de

palavras a partir de sílabas dadas.

O trabalho com sílabas ‘‘complexas’’ aparece ao final do livro. Estas são

artificialmente contextualizadas. Numa atividade da página 64, o enunciado diz:

‘‘Palavrinhas mágicas- você coloca r depois da 1ª letra e muda a palavra. Veja

o modelo: FIO- FRIO/ PATO- PRATO/ DAMA- DRAMA’’. Desta forma, acredita-

se que esse tipo de atividade por si só, levaria a criança a compreender as

especificidades da notação escrita de nossa língua.

8 Na última página do livro do aluno aparece uma nota explicativa, indicando, entre outras coisas, que o aprendizado das vogais se faz por uma breve historinha de aniversário, em que está havendo uma festa numa casa ( estudo da vogal a) e que essa festa é uma festa de aniversário. A letra o é retirada da palavra bolo, o u das luzes e velas do bolo; a letra e da palavra peteca que foi o presente que a aniversariante mais gostou, etc. Nesse exemplo é importante ressaltar uma das grandes insuficiências das cartilhas, a ausência de textos no trabalho com alfabetização, restringindo-se ao simples isolamento e memorização das letras a serem estudadas.

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Após a última lição, que foi relacionada ao estudo do dígrafo ch, tendo

como palavra-chave chuteira, a cartilha solicita que o aluno copie o alfabeto

para aprender sua ordem. Abaixo desse exercício, pede-se que a criança copie

a frase: Parabéns para mim! Eu já sei ler e escrever. Dentro dessa perspectiva,

há de se reconhecer que, na concepção da autora a respeito do que é saber ler

e escrever, que em nenhum momento se propõem atividades que levem a

criança a pensar sobre textos ou sobre o objeto de conhecimento, que é o

sistema de escrita alfabética. Não se consideravam as hipóteses do aluno

sobre esse objeto, nem se promovem oportunidades de verificar tais hipóteses.

Depois de parabenizar a criança por ter aprendido a ler e escrever,

seguem-se atividades de ‘‘gramática’’, com conteúdos como ‘‘plural’’,

‘‘sinônimo’’, ‘‘antônimo’’, ‘‘diminutivo’’. A cartilha propõe para isto a cópia de

frases indicando por exemplo: Pequeno é o contrário de grande; siga o modelo:

carro grande- carros grandes, sem nenhum tipo de contextualização, apenas

apelando-se para a repetição de determinados enunciados, a fim de que os

alunos pudessem memorizá-los. Enfim, encontramos uma precoce iniciação ao

ensino da gramática pedagógica tradicional, centrada em taxonomias e

nomenclaturas (MATOS E SILVA, 2002).

Com relação à ABC Cartilha, encontramos nela o chamado ‘‘período

preparatório’’. Na orientação geral, aponta-se como objetivo dessa etapa fazer

uma sondagem das condições que o aluno apresenta ao ingressar na escola.

Essa sondagem, na realidade, se restringe ao treinamento da coordenação

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motora e da discriminação visual e auditiva9 . Dentre as propostas de exercício

encontramos as seguintes atividades: identificação de desenhos cujos nomes

apresentam o mesmo som de uma determinada palavra; a correspondência

entre determinados elementos gráficos e a sua posição; exploração de formas

e cores; a complementação de figuras; a identificação de palavras iguais,

treinando o aluno a distinguir as formas gráficas; e, por fim, as atividades

relacionadas à coordenação motora, as quais tomavam um bom tempo levando

o aluno a traçar linhas, ‘‘cobrinhas’’ e ‘‘ondinhas’’, de forma completamente

mecânica e sem sentido.

Após esse período, a cartilha em pauta segue com o ensino das vogais,

partindo de uma palavra- chave, exploram-se os tipos de letra e a coordenação

motora das mesmas. Ainda nesse trabalho com as vogais, encontramos

exercícios do tipo: assinalar as palavras que começam com determinada vogal

e sublinhá-la dentro das palavras.

Quanto às atividades de escrita, estas limitam-se a uma simples cópia

do que já está proposto, o aluno apenas tem o trabalho de cobrir e copiar

várias vezes uma única frase ou pedacinhos de palavras. Quando o autor

propõe uma atividade para o aluno escrever, esta não incentiva nenhuma

criação por parte da criança; ao contrário, o sujeito só precisaria, por exemplo,

substituir um determinado desenho pelo nome.

9 Segundo (CARRAHER, apud KRAMMER, 1986), as cartilhas não têm a preocupação de promover nesse período preparatório, um levantamento das reais experiências que a criança já tem com a escrita. As atividades propostas não exigem do sujeito aquilo que está envolvido na compreensão do sistema alfabético.

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Partindo-se para as chamadas famílias silábicas, a cartilha apresenta

uma determinada palavra e se faz um trabalho de decomposição de suas

partes, que são as sílabas. Logo em seguida, juntam-se determinadas sílabas

e volta-se a escrever novas palavras. Este tipo de atividade leva um longo

tempo e dedica-se à memorização de palavras e frases.

O trabalho com ‘‘sílabas complexas’’, é praticamente ausente; estas

aparecem apenas próximo ao final do livro e não há nenhuma possibilidade de

reflexão sobre as mesmas. Ainda no trabalho com as famílias silábicas, se

apresentam frases soltas, empregando a palavra em estudo. Essas frases são

compostas de uma linguagem simplista, pretensamente facilitadora do trabalho

da criança. Exemplo: Cacá bebe café10.

Com relação à atividade de leitura, a cartilha apresenta pseudotextos,

falsas narrativas que servem como pretexto para o aluno aprender a ler e

escrever, ou melhor, para o ensino de letras, sílabas e palavras. Por exemplo:

lata- Lili lava a lata

É a lata de bala de coco.

Semelhante à análise da cartilha anterior, as atividades não se

modificam, repetindo-se no decorrer de todo o livro.

A cartilha ABC traz também algumas atividades de ‘‘gramática’’ e dentro

da ortografia, a cartilha reserva um momento específico na orientação para o

10 Este exemplo está na página 22 da ABC Cartilha de D”OLIM MAROTE.

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professor, priorizando cópia e ditado11. O autor da cartilha deixa claro para o

professor que o aluno precisa memorizar determinados elementos ortográficos.

Na sessão de atividades de ortografia o autor aponta como sugestão: para o

aluno memorizar o uso do m antes de p, b e no final das palavras, dizer e

escrever na lousa: “A mamãe (letra m) dá a mão ao papai (letra p) ou ao bebê

(letra b). A mamãe (letra m) também vai sozinha (m no final)12. Neste exemplo

fica evidente o uso de frases sem sentido, não levando o aluno a pensar sobre

as regras, forçando o sujeito a memorizar o que se pode compreender, que são

as regularidades da norma ortográfica (MORAIS, 1999).

Como adverte Ferreiro, adotando os métodos de alfabetização e

cartilhas como os mencionados acima, “(...) temos uma imagem empobrecida

da criança que aprende, reduzindo essa criança a um par de olhos, um par de

ouvidos, uma mão para pegar um instrumento para escrever e um aparelho

fonador” (FERREIRO, 1985, p. 40).

1.2.2 – As contribuições da Psicogênese da Língua Escrita

1.2.2.1 – A Escrita enquanto Sistema de Notação

Como foi mencionado anteriormente, na década de 1980, diversos

estudos passaram a questionar o ensino descontextualizado de língua

11 De acordo com Carraher (apud KRAMMER, 1986), quando a criança descobre o sistema alfabético, ela ainda tem muito o que aprender sobre ortografia. Assim, neste momento que a criança descobre o sistema alfabético seu prazer pode ser destruído pela escola por uma insistência exagerada na correção da ortografia, não compreendendo certas especificidades da língua. 12 Exemplo da página 67 da ABC Cartilha de D”OLIM MAROTE.

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portuguesa. Entre essas pesquisas, houve em nosso País uma ampla

divulgação de um saber científico de tipo construtivista, a ‘‘Psicogênese da

Língua Escrita’’. Ferreiro, Teberosky e outros pesquisadores se dedicaram aos

estudos da evolução das hipóteses psicogenéticas no processo de notação da

escrita alfabética (FERREIRO e TEBEROSKY, 1986).

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1986), a escrita pode ser

concebida de duas formas muito diferentes e, dependendo do modo de

considerá-la, podem advir conseqüências pedagógicas distintas.

Ao se conceber a escrita como um código de transcrição que

converteria as unidades sonoras em unidades gráficas (FERREIRO, 1985), a

alfabetização não cria situações para que a criança reflita sobre as

propriedades do nosso sistema de escrita alfabética. Considerando esse

processo como uma decodificação/codificação, o que se prioriza é o exercício

de ‘‘habilidades motoras e perceptivas’’ (coordenação motora, discriminação

auditiva e visual) em detrimento de uma compreensão sobre a natureza do

sistema alfabético.

Dentro dessa perspectiva tradicional, muitas escolas desenvolviam e

ainda vêm desenvolvendo um ensino de alfabetização baseado na repetição e

memorização, acreditando que a criança não tem conhecimentos prévios

acerca da escrita. Durante muito tempo, a responsabilidade pelo fracasso

escolar nas primeiras séries do ensino, vinha sendo atribuída às dificuldades

apresentadas pelas crianças, não se questionando, de fato, o que deve ser

transformado, que são as práticas alfabetizadoras e o sistema de ensino como

um todo. As causas tinham estado sempre voltadas para a pessoa do aluno,

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que não apresentaria maturidade de capacidades específicas, dadas como

necessárias à aprendizagem da leitura e escrita. A partir dessa detecção, a

escola deveria buscar alternativas de uma educação compensatória (CORRÊA

e SANTOS, 1986).

Percebemos que o discurso da prontidão coloca a causa do sucesso ou

fracasso na criança: como se a mesma precisasse ‘‘ter algo pronto’’ para poder

aprender a ler e escrever, quando na realidade, de acordo com Ferreiro (1985),

a tão comentada ‘‘prontidão para a lecto-escritura’’ depende muito mais das

ocasiões sociais de estar em contato com a língua escrita do que de qualquer

outro fator que seja invocado.

Uma das grandes preocupações de Ferreiro (1985), era promover uma

mudança conceitual a respeito da alfabetização, deslocando o eixo do ‘‘como

se ensina’’ para o ‘‘como se aprende’’. Ao propor uma ruptura da visão

tradicional de levar em conta a díade método utilizado/maturidade da criança,

passa-se a priorizar a natureza do objeto de conhecimento, considerando,

assim, as especificidades do sistema de notação alfabética e as concepções

que quem aprende e quem ensina têm sobre esse objeto.

Desta forma, ao se contrapor à concepção anteriormente mencionada, a

qual percebe a escrita como um código de transcrição, Ferreiro defende uma

outra forma de se conceber a escrita, ‘‘a escrita enquanto sistema de

representação’’13. Dentro dessa perspectiva, os elementos e as relações sobre

13 No início dos anos 1980 Ferreiro e seus colaboradores ainda usavam o termo ‘‘representação’’ como sinônimo de ‘‘notação’’.

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esse objeto não estão predeterminados, ao contrário, são construídos a partir

da ação do sujeito.

Sendo assim, um outro aspecto que Ferreiro (1985) discute é que a

criança, para se servir dos elementos de um sistema notacional, precisa

compreender seu processo de construção, respondendo a um problema

conceitual: Qual a natureza da relação entre o real e sua representação? Para

a autora referida, a complexidade do signo lingüístico torna difícil a escolha dos

parâmetros privilegiados na notação/representação e, o fato de estarmos

habituados a conceber o signo lingüístico como a união indisolúvel de um

significante com um significado, nos impossibilita avaliar suficientemente o que

isto pressupõe para a construção da escrita como sistema notacional. O que

está em jogo para o aprendiz é o caráter bifásico do signo lingüístico, a

natureza complexa que ele tem e a relação de referência. Desta forma, a

autora faz algumas indagações, a fim de refletirmos sobre o que a escrita

realmente nota: Diferenças nos significados? Ou diferenças nos significados

com relação à propriedade dos referentes? Diferença entre significantes? Ou

diferenças entre os significantes com relação aos significados?

Segundo Ferreiro (1985), tanto as escritas de tipo alfabético (tanto

quanto as escritas silábicas) podem ser consideradas enquanto sistemas

notacionais que têm como intuito representar as diferenças entre os

significantes, distinguindo-se das escritas de tipo ideográfico, que representam

diferenças nos significados. Mesmo fazendo essa distinção, a autora

reconhece que nenhum sistema de escrita conseguiu representar de maneira

equilibrada a natureza bifásica do signo lingüístico.

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1.2.2.2 – A Apropriação do Sistema de Escrita Alfabética pela criança

A apropriação do sistema de escrita alfabética pela criança segue,

segundo Ferreiro (1985), uma evolução surpreendente. Na tentativa de

responder, como mencionamos anteriormente, às questões sobre o que a

escrita nota e como cria essa notação, as crianças formulam idéias próprias

sobre a escrita alfabética e passam por três grandes períodos no seu processo

de aprendizagem da leitura e da escrita:

� Distinção entre o modo de representação icônico e o não-icônico;

� A construção de formas de diferenciação (controle progressivo das

variações sobre os eixos quantitativos e qualitativos;

� A fonetização da escrita (que se inicia com um período silábico e

culmina no período alfabético).

Ao tentar resolver o problema que a escrita lhe coloca, a criança entra

no primeiro período dessa evolução. Nessa fase, o desenho representa uma

das formas mais privilegiadas de representação gráfica. Ao desenhar, o sujeito

está no domínio icônico. Logo, essa criança vai tentar estabelecer uma

distinção entre desenho e escrita e, paralelamente, entre imagem e texto.

Quando passa a escrever, a mesma entra no domínio notacional.

Nesse processo de estabelecer essas diferenças, a criança se depara

com vários conflitos. Quando se trata de interpretar o significado de um texto e

este vem acompanhado de uma imagem, as crianças interpretam ambos do

ponto de vista do significado: para elas, a imagem e o texto possuem

significados próximos.

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Essa compreensão por parte da criança se repete quando as mesmas

passam da interpretação para a produção de um texto. A criança espera que a

escrita, embora seja diferente do desenho, conserve algumas propriedades do

objeto que esta substitui. Nesse caso, se o objeto que a criança vai representar

na escrita é grande, a escrita vai ter um tamanho proporcional a esse objeto.

Além disso, as crianças buscam fazer as escritas próximas ao desenho, como

uma forma de garantir o significado.

Ao começar a fazer a distinção entre desenho e escrita e imagem e

texto, a criança elimina os artigos que estão presentes quando fazemos

referência à imagem, a mesma só representa o nome dos objetos, isso não

quer dizer que ao perceber que a escrita representa ‘‘nomes’’, a criança já está

concebendo a escrita como expressão gráfica da linguagem.

Segundo Ferreiro e Teberosky (1986), quando a criança consegue

estabelecer essa distinção, ela passa a questionar as propriedades que um

texto deve ter para que possa ser lido, estabelecendo alguns critérios de

diferenciação entre as escritas. Esses critérios de diferenciação são,

inicialmente, intrafigurais (no interior da palavra) e se expressam sobre o eixo

quantitativo, na medida em que a criança começa a construir a hipótese de que

é necessário uma quantidade mínima de letras que, geralmente, se situa em

torno de 3 grafias, para que um texto seja legível, ‘‘menos do que isso não

serve para ler’’, e sobre o eixo qualitativo, como a variação interna necessária

para que uma grafia possa ser interpretada. Nesse momento, a criança começa

a exigir uma outra propriedade que é a variedade de grafias. O passo seguinte

se caracteriza por uma busca mais difícil de modos de diferenciações

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interfigurais (entre palavras). As condições de legibilidade intrafigurais se

mantêm, mas é preciso criar-se modos sistemáticos de diferenciação entre

uma escrita e a seguinte, as crianças passam a explorar tanto critérios sobre o

eixo quantitativo, quanto sobre o eixo qualitativo (repertório de sinais usados,

ordem em que aparecem, etc).

Após esses primeiros períodos, a criança ingressa na fonetização da

escrita, momento em que começa a prestar atenção nas propriedades sonoras

do significante. Dentro dessa perspectiva, Ferreiro e Teberosky (1986),

classificam as escritas infantis em diferentes etapas. Inicialmente ocorre uma

fase silábica, que consiste no momento em que a criança começa a entender

que as letras podem corresponder a outras partes da palavra- as sílabas, desta

forma, a quantidade de letras para escrever a palavra pode corresponder à

quantidade de partes que se reconhece na emissão oral e passa a empregar

para cada sílaba, uma letra, sem omitir silabas e sem repetir letras. A criança,

no entanto, entra em conflito. Antes ela tinha determinado um número mínimo

de letras que uma escrita deveria possuir para que um texto pudesse ser lido,

mas agora se depara com o controle silábico, devendo notar apenas uma letra

para cada sílaba. Além disso, a mesma vai percebendo uma contradição entre

a sua interpretação silábica e as escritas dos adultos que são representadas

por uma quantidade maior de letras do que a hipótese silábica permite.

A partir desse conflito, a criança vai superando a fase silábica, pois a

mesma começa a perceber que é preciso ir além da divisão silábica: a sílaba

deverá ser dividida em sons menores. Ao acrescentar um número maior de

grafias, a criança vai se deparando com novos conflitos. Por exemplo, as

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palavras dissílabas que na concepção anterior da criança deveriam ser escritas

com duas grafias, passariam a ser escritas com três ou mais letras, mas nem

todas as grafias podem ser interpretadas e a solução encontrada é repetir a

mesma sílaba duas vezes ou agrupar duas grafias para uma mesma sílaba.

Esses conflitos, vão desestabilizando progressivamente a hipótese silábica. A

criança pode passar por um longo período oscilando entre escrita silábica e

alfabética, dando lugar a escritas e leituras que, na maioria dos casos,

começam silabicamente e terminam alfabeticamente (FERREIRO E

TEBEROSKY, 1986). Desta forma, o período silábico-alfabético marca a

transição entre os esquemas prévios em vias de serem abandonados e os

esquemas futuros em via de serem construídos (FERREIRO, 1985, p. 27).

De acordo com Ferreiro (1985), é só quando a criança descobre que a

sílaba não pode ser considerada como uma unidade, mas que ela é

reanalisável em elementos menores, que ela ingressa no último passo de

compreensão do sistema socialmente estabelecido. Mas, mesmo tendo

compreendido como se constrói o sistema de escrita alfabética, a criança

passa a vivenciar novos problemas tanto relacionados ao eixo quantitativo, que

corresponde à não possibilidade de estabelecer regularidades quanto à

duplicação da quantidade de letras por sílaba já que existem sílabas que se

escrevem com uma, duas, três ou mais letras; e problemas envolvendo o lado

qualitativo que são irregularidades da norma ortográfica, em que a identidade

do som não garante identidade de letras, nem a identidade de letras a de sons.

Dentro de uma perspectiva pedagógica, esses estudos trouxeram dados

bastante significativos ao lançar para o professor uma nova forma de se

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conceber a escrita infantil, levando o mesmo a compreender o processo de

alfabetização pelo qual passam os aprendizes, ao invés de se preocuparem

exclusivamente, em identificar qual o método mais ‘‘eficaz’’. De acordo com

Ferreiro e Teberosky (1986), estes métodos, na realidade, não consideram as

concepções da criança sobre o sistema de escrita alfabética. Desta forma, os

estudos da Psicogênese revelaram um novo papel do sujeito que aprende,

considerando suas hipóteses e resgatando o sujeito cognoscente e ativo no

processo da sua aprendizagem da leitura e escrita.

A criança constrói, a partir de diversos conflitos que enfrenta, o seu

conhecimento acerca da escrita, mas é necessário que o professor

compreenda as propriedades e limitações desse objeto de conhecimento, para

que possa auxiliar os aprendizes, identificando seus avanços e propondo

situações-problema e alternativas para que superem suas dificuldades.

1.2.3 – As contribuições dos es tudos sobre Consc iência Fonológ ica e sua relação com a Psicogênese da escrita no process o de alfabetização

Além da contribuição dos trabalhos da Psicogênese, temos uma outra

linha de teorização que também procura explicar como a criança se apropria do

sistema de escrita alfabética, que são as investigações sobre o papel das

habilidades de reflexão fonológica no aprendizado da leitura e escrita.

De acordo com Nunes, Buarque e Bryant (1992), todas as crianças que

aprendem a falar, inclusive as diléxicas, têm habilidades fonológicas

importantes e desenvolvem essas habilidades rapidamente e muito antes da

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alfabetização. Mas usar fonemas para discriminar palavras é diferente de fazer

julgamentos específicos de análise de palavras em segmentos fonéticos. Ao

procurar demonstrar essa dificuldade por parte das crianças, muitos estudiosos

realizaram suas pesquisas com a preocupação de perceber a relação entre tais

dificuldades e a aprendizagem da leitura.

Entre os estudos sobre a Consciência Fonológica, encontramos

posições contrárias a respeito do papel das habilidades metalingüísticas no

processo de alfabetização. Para alguns estudiosos, a consciência fonológica

seria uma conseqüência da alfabetização; para outros, a consciência

fonológica teria um papel causal e preditor do sucesso na alfabetização ou,

ainda constituiria um facilitador da aprendizagem da leitura e da escrita (cf.

MORAIS, 2004).

Essas diversas interpretações ficam evidentes ao analisarmos

brevemente alguns estudos que foram realizados por vários pesquisadores.

De acordo com José Morais e um grupo de colegas que desenvolveram

um projeto com adultos analfabetos em Portugal (MORAIS et al, apud BRYANT

E BRADLEY, 1987), a consciência dos sons constituintes das palavras seria

também uma conseqüência direta da alfabetização. Mas segundo Bryant e

Bradley (1987), não devemos concluir que toda consciência fonológica vem

depois da instrução escolar e como conseqüência do aprendizado da leitura,

pois a adição ou subtração de fonemas, tarefas adotadas no citado estudo de

José Morais, constituem apenas duas das várias habilidades fonológicas.

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Diferentemente de outros estudiosos, que preocupavam-se apenas

como aponta Martins (1996), em demonstrar que a habilidade de prestar

atenção aos constituintes fonêmicos da fala auxiliaria no aprendizado das

correspondências letras e fonemas, possibilitando a leitura através da

decodificação; ao superar as limitações da maioria dos estudos que tentaram

explicar a relação entre a consciência fonológica e o aprendizado da escrita

alfabética, os estudos de Bryant e seus colaboradores foram os primeiros a

mostrarem uma ligação causal entre a consciência fonológica e a habilidade de

leitura e a importância do trabalho com rima na aprendizagem da leitura e

escrita em uma ortografia alfabética.

Bryant e Bradley (1987) desenvolveram, primeiramente, um estudo

longitudinal com crianças que ainda não tinham aprendido a ler, e constataram

que pré-escolares com baixa habilidade fonológica em categorizar palavras

com sons semelhantes, no início da alfabetização, apresentavam progressos

inferiores àquelas com um desempenho médio naquela habilidade no início da

instrução em leitura. Em um outro estudo (BRYANT E BRADLEY, 1987), os

pesquisadores, através de treinamento, dividiram as crianças em quatro

grupos. No primeiro grupo, as crianças teriam que identificar palavras que

tinham sons em comum; o segundo grupo, também foi designado a identificar

palavras com sons em comum, mas, posteriormente, com a ajuda de letras de

plástico, escreviam tais palavras, a fim de identificarem os sons que os nomes

das figuras tinham em comum com letras particulares. O terceiro grupo teria

que categorizar as mesmas figuras, mas de modo diferente; tinha que agrupar

as palavras em campos semânticos: objetos de cozinha, animais... e não foram

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ensinadas a identificar sons. Ao quarto grupo nada foi ensinado, funcionando

este como um grupo controle clássico.

Ao verificar a influência, na alfabetização, da experiência de aprender a

categorizar palavras pelos sons, esses pesquisadores perceberam que as

crianças que foram ensinadas a fazê-lo tornaram-se melhores leitores e

‘‘escritores’’ que as demais crianças. Esse progresso ainda foi maior entre as

crianças que formavam palavras com a utilização do alfabeto móvel (BRYANT

E BRADLEY, 1987).

Os estudos experimentais que tentaram explicar a relação causal entre

a consciência fonológica e a aquisição da escrita alfabética tendem a partir

apenas de evidências empíricas. Segundo Morais (2004), esses estudos

deixam de considerar qualquer análise teórica sobre os processos envolvidos

na apropriação de um sistema notacional como a escrita alfabética.

Diante desses estudos, vale ainda ressaltar um ponto muito importante

que é a variedade das tarefas que envolvem a reflexão metalingüística e sua

variabilidade de dificuldade. A Consciência Fonológica, segundo Martins

(1996), era inicialmente vista como uma coisa única, que a criança ‘‘tinha ou

não’’. Dentro dessa concepção, não se tinha a clareza de que tarefas diferentes

apresentavam níveis de dificuldade variados. Os estudos de autores como

Stanovich, Cunningham e Cramer (1984, apud MARTINS, 1996) e os estudos

de Yopp (1988, apud MARTINS, 1996), que solicitaram a crianças falantes do

inglês (pré-escolares e de jardim de infância) que realizassem dez tarefas de

análise fonológica, demonstraram a ampla variabilidade de dificuldade

daquelas tarefas (MARTINS, 1996). Na realidade, passamos a compreender

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que existe uma série de habilidades fonológicas com diferentes graus de

complexidade e que tendem a ser dominadas em diferentes momentos, antes,

durante ou após a alfabetização.

Segundo Morais (2004), a maioria dos pesquisadores que investigam a

Consciência Fonológica continua adotando uma ótica empirista/associacionista

sobre o que é aprender uma escrita alfabética, na medida em que a concebem

como um simples código de associações entre grafemas e fonemas. Tais

estudos, de acordo com Vernon e Ferreiro (1999, apud MORAIS, 2004),

classificam as crianças dicotomicamente como ‘‘leitoras’’ e ‘‘não leitoras’’,

desconsiderando as ricas mudanças que as mesmas vivenciam evolutivamente

na aquisição da escrita alfabética.

Vimos que os estudos sobre a Psicogênese da escrita, vêm defendendo

que a escrita alfabética é um sistema notacional e não um código de

transcrição. Embora esses estudiosos descrevam o rico percurso vivido pelos

aprendizes, não investem na análise dos tipos específicos de habilidades

fonológicas que os alunos desenvolvem durante a apropriação do sistema de

escrita alfabética.

De acordo com Morais (2004), embora essas duas linhas teóricas

tendam a não dialogar, é preciso examinar um ponto de interseção entre elas:

o aprendiz que em certo momento entra numa etapa de ‘‘fonetização da

escrita’’ (FERREIRO E TEBEROSKY, 1986), certamente precisa dispor de

habilidades metalingüísticas para analisar segmentos internos da palavra, a fim

de elaborar hipóteses silábicas e alfabéticas de escrita.

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Com a intenção de investigar como o nível de apropriação do Sistema

de Notação Alfabética alcançado por crianças se relacionava ao desempenho

por elas demonstrado em diferentes tarefas envolvendo habilidades de reflexão

fonológica, Morais (2004), desenvolveu um estudo com 62 crianças que

estavam cursando a 1ª série em escolas públicas de Recife.

As crianças foram examinadas em três momentos do ano letivo

(fevereiro, julho e dezembro). Em cada situação de coleta de dados as mesmas

eram solicitadas, primeiramente, a realizar tarefas de notação de palavras e

uma oração, a fim de verificar-se o nível de hipótese de escrita alcançado.

Em seguida, os alunos eram submetidos a oito tarefas que mediam

habilidades fonológicas: segmentação oral de palavras em sílabas, contagem

do número de sílabas de palavras, segmentação oral de palavras em fonemas,

contagem do número de fonemas de palavras, identificação de palavras que

compartilhavam a mesma sílaba inicial, produção de palavras com sílabas

iniciais iguais, identificação de palavras que compartilhavam o mesmo fonema

inicial e produção de palavras com fonemas iniciais iguais (MORAIS, 2004).

Quanto os resultados obtidos nesse estudo, verificou-se que, no que se

referia ao nível de apropriação do sistema de notação alfabética, a maioria das

crianças apresentava, no início do ano letivo, hipóteses pré-silábicas e silábicas

de escrita.

Com relação às atividades de reflexão fonológica, Morais (2004)

verificou que houve uma enorme variação nos rendimentos dos alunos, tanto

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em função do nível de hipótese de escrita alcançado como em função do tipo

de tarefa em pauta.

De uma forma geral, esse estudo com crianças brasileiras fortaleceu

algumas considerações levantadas por outros estudiosos (de outros países),

ao afirmarem que as distintas tarefas de reflexão fonológica implicavam

variados graus de complexidade.

De acordo com Morais (2004), havia uma tendência de os sujeitos com

hipóteses mais elaboradas sobre o sistema de notação alfabética

apresentarem melhores resultados nas diferentes tarefas de reflexão

fonológica. Verificou-se, ainda, que crianças com hipóteses silábicas ou mais

avançadas revelaram um melhor desempenho nas tarefas de produção e

identificação de sílabas iniciais iguais, mas o êxito naquelas tarefas não

implicava ter alcançado uma concepção alfabética de escrita. As tarefas de

contagem e segmentação de sílabas se revelaram fáceis inclusive para as

crianças que apresentavam uma hipótese pré-silábica. Já as tarefas que

envolviam o fonema, como segmentação oral e contagem de fonemas foram

extremamente difíceis para todos os alunos, mesmo para aqueles com

hipótese alfabética e que já escreviam convencionalmente.

Segundo o autor (MORAIS, 2004), os dados sugeriram que, se o

desenvolvimento de determinadas habilidades de reflexão fonológica

constituiria uma condição necessária para a apropriação do sistema de escrita

alfabética, não seria condição suficiente para alcançar-se tal nível de

aprendizagem.

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Quanto às implicações pedagógicas, Morais (2004) concebe que seria

necessário promover, desde a educação infantil, situações de ensino que

levem os aprendizes a exercitar a análise de propriedades das palavras

(semelhanças, extensão, estabilidade da notação, etc.) refletindo sobre suas

formas orais e escritas, mas fazê-lo sem insistir sobre fonemas isolados.

Diante desses estudos, parece-nos importante que o educador reflita

sobre essa relação entre o processo de compreensão da escrita alfabética e o

desenvolvimento de habilidades fonológicas. Como defende Morais (2004), em

lugar de defender ‘‘métodos fônicos de alfabetização’’, precisamos considerar

uma alfabetização que esteja voltada para a apropriação das práticas letradas,

desenvolvendo, ao mesmo tempo, uma prática de ensino sistemática para

ajudar o aluno a apropriar-se da notação escrita, numa perspectiva reflexiva.

De acordo com Ferreiro (1985), se a escrita é concebida como um

sistema de representação, sua aprendizagem se converte na apropriação de

um novo objeto de conhecimento, ou seja, em uma aprendizagem conceitual.

Desta forma, é evidente que o sistema de notação alfabética tem suas

propriedades e não se restringe ao exame da natureza sonora das palavras,

não pode se limitar à identificação de sons.

1.2.4 – O debate sobre as relações entre Letramento e Alfabetização

Como discutimos anteriormente, a partir da década de 1980 novas

perspectivas teóricas passaram a discutir o ensino de Língua Portuguesa.

Nesse período, presenciamos também a construção da noção de ‘‘Letramento’’

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e uma redefinição do próprio conceito de sujeito alfabetizado. À medida em que

as práticas sociais de leitura e escrita foram tornando-se mais numerosas e

complexas, passamos a exigir um sujeito que não apenas soubesse ler e

escrever, mas, segundo Soares (1998), que exercesse as práticas sociais de

leitura e escrita.

Desta forma, o conceito de alfabetização foi sendo ampliado. Até 1940 a

partir dos dados do Censo, as pessoas eram consideradas alfabetizadas se

declarassem saber ler e escrever seus próprios nomes. A partir dos anos 50 e

até hoje, algumas instituições passaram a considerar como alfabetizados

aqueles que diziam serem capazes de ‘‘ler e escrever um bilhete simples’’

(SOARES, 1998).

Ante o dado de que, mesmo em países ricos com o índice de

analfabetismo zero, muitas pessoas apresentam dificuldades de usar a leitura e

escrita para finalidades corriqueiras, criou-se o conceito de ‘‘analfabetismo

funcional’’, para referir-se aos indivíduos que podem escrever palavras e

frases, embora não exerçam as práticas sociais de leitura e escrita. Por outro

lado, em países como o Brasil, em que o índice de analfabetismo é alto,

passaram a ser incluídos nesse grupo de analfabetismo funcional não só

pessoas que não dominam o sistema de escrita alfabética, mas aquelas que

tiveram acesso limitado à escolarização ou que têm domínio limitado das

habilidades de leitura e escrita. Tendo em vista algumas limitações das

terminologias utilizadas para designar um sujeito alfabetizado, vimos que nos

últimos 30 anos a concepção de alfabetização vem se ampliando, surgindo o

conceito de Letramento. Segundo Soares (1998), a palavra letramento é uma

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tradução para o português da palavra inglesa literacy: que significa a condição

de ser ‘‘letrado‘’, mas com um sentido diferente: não apenas saber ler e

escrever, mas ter o domínio das práticas sociais da leitura e da escrita.

É importante ressaltar que, embora a autora faça uma distinção entre

alfabetização e letramento, onde a alfabetização corresponde ao processo pelo

qual se adquire uma tecnologia, a escrita alfabética, e o letramento seria o

exercício efetivo e competente dessa tecnologia, para Soares, a alfabetização

e o letramento são inseparáveis e o ideal seria ‘‘alfabetizar letrando’’. Para isso,

torna-se fundamental ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais

da leitura e da escrita (SOARES, 1998).

De acordo com Morais e Albuquerque (2004), a escola é uma instituição

em que se deve promover oficialmente o letramento. No entanto, há um

distanciamento entre as práticas de letramento ocorridas na escola e aquelas

que são vivenciadas em outros contextos sociais. O letramento considerado na

escola tende a ser limitado e não dar conta da complexidade da escrita

encontrada pelos indivíduos no seu dia-a-dia.

Durante muito tempo, o ensino e a aprendizagem da leitura e escrita

foram realizados a partir dos métodos e cartilhas tradicionais de alfabetização,

onde se priorizavam uma concepção de alfabetização enquanto código de

transcrição, em que os aprendizes eram primeiramente, solicitados a

‘‘codificar‘‘ e ‘‘decodificar’’ e só depois desenvolver atividades de leitura e

escrita de textos, não garantindo dessa forma, a formação de

leitores/escritores. Isso fica evidente ao constatarmos que muitas pessoas,

mesmo tendo acesso à escolarização e dominando o sistema de escrita

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alfabética, ainda apresentam uma série de dificuldades de utilizar a leitura e

escrita de forma competente (MORAIS E ALBUQUERQUE, 2004).

Para a maioria dos estudiosos da didática da língua, em nosso País,

desenvolver uma alfabetização na perspectiva do letramento passou a ser visto

nos últimos anos como fundamental. Para isso, torna-se importante que se

tenha as devidas condições, ou seja, é preciso que haja uma escolarização

efetiva e eficaz. No caso específico da alfabetização, passou-se a considerar

primordial que o aprendiz mantenha um intenso contato com a leitura e a

escrita de textos variados, estando imerso em um ambiente letrado.

Infelizmente, muitas instituições escolares ainda fazem o contrário, não só por

falta de condições materiais, mas devido à concepção que se tem sobre o

ensino de língua.

Segundo Morais e Albuquerque (2004), apesar de termos vivido um

amplo debate, nas duas últimas décadas, sobre o ensino e aprendizagem da

língua escrita, verificamos que muitas escolas ainda continuam praticando uma

alfabetização voltada para os métodos tradicionais. Os professores embora

levem para a sala de aula textos que circulam socialmente, continuam

enfatizando atividades mecânicas, como a cópia e junção de sílabas. Em sala

de aula, muitos docentes acabam enfrentando dificuldades em desenvolver um

ensino numa perspectiva de letramento que não esteja atrelado a uma

concepção de escrita enquanto código de transcrição.

Entendemos, tal como Morais e Albuquerque (2004) que o domínio da

escrita alfabética é um conhecimento necessário para que alguém seja, de fato,

cidadão letrado. Como essa apropriação não dá conta do aprendizado dos

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diferentes gêneros textuais e de suas funções e usos no cotidiano, a conquista

de um nível mínimo de letramento pressupõe oportunidades de uso, reflexão e

domínio das propriedades dos diferentes textos que circulam socialmente. A

formação de um sujeito letrado se constrói nas experiências culturais com

práticas de leitura e escrita que os indivíduos têm oportunidade de viver,

mesmo antes de ingressar na educação formal. Segundo Ferreiro (1985), é nas

situações onde circulam as informações sobre a finalidade dos diversos textos,

que a criança vai compreendendo a função social da leitura e escrita.

Ao considerarmos que a alfabetização é algo mais amplo, a escola deve

proporcionar, de acordo com os autores referidos, diariamente, tanto atividades

de ensino sistemático do sistema de escrita alfabética como práticas de leitura

e produção de textos diversificados, já que o domínio das propriedades do

sistema alfabético e de suas convenções constituiriam, por um lado um objeto

de conhecimento e as competências de compreender e produzir gêneros

textuais constituiriam outro domínio de conhecimento.

Segundo os autores Morais e Albuquerque (2004), seria preciso

assegurar uma prática de ensino que promova de fato, a leitura e escrita de

textos, sem que os mesmos sirvam de pretexto para memorizar letras ou

sílabas soltas. Mas, ao mesmo tempo, seria preciso promover um ensino que

ajude os aprendizes, sistematicamente, a avançar em suas concepções sobre

como funciona a notação escrita.

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1.3– Livros didáticos: o Ensino e o Aprendizado do sistema de notação alfabética

1.3.1- Livro d idático e ensino no Brasil

Precisamos considerar que o LD é um objeto variável e instável.

Segundo Batista (apud ABREU 2000), o mesmo apresenta uma

heterogeneidade nos suportes, variação dos meios de produção, variação no

processo de produção e, ao lado da diversidade das funções assumidas pelos

textos e impressos, encontramos a diversidade, também, nos contratos de

leitura e utilização desse objeto com o trabalho pedagógico em sala de aula.

Ainda de acordo com Batista (apud ABREU 2000), os professores e

alunos se alternaram historicamente como leitores desse objeto. No início do

século XX, o livro didático passou a ser destinado prioritariamente ao professor,

que deveria dominar os conteúdos e garantir a ideologia desejada pelo sistema

de ensino. No decorrer do mesmo século, os alunos passaram também a ser

destinatários dos livros didáticos, mas ainda se encontravam livros

prioritariamente destinados a docentes. Apesar disso, o modelo de livro que

prevaleceu foi o livro do aluno, o qual deveria ser utilizado com a mediação do

professor.

Durante a primeira metade do século XX, o Brasil foi vítima de uma série

de decretos – lei e medidas governamentais que visavam a uma função de

controle político e não propriamente didática dos manuais escolares. Esse

processo de construção de medidas para programas dos livros didáticos não

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permitia a participação de outros setores da sociedade como partidos,

sindicatos, associações, pais e mestres e alunos (FREITAG et al, 1989).

Os programas do livro didático no Brasil, não se fundamentaram, assim,

apenas numa questão educacional, mas envolveram estruturas globais da

sociedade, como o Estado, o Mercado e a indústria cultural. Os autores

fabricavam os livros sem um mínimo padrão de qualidade, apenas com a

preocupação de fazer negócio; as editoras, por sua vez, lançavam os livros no

mercado; o Estado tornava-se o comprador ‘‘cego’’ desses manuais; e muitos

professores, não estando preparados para fazer um julgamento desses livros,

acabavam por utilizá-los como o único instrumento de trabalho (FREITAG et al,

1989).

De acordo com estes autores, a questão da falta de qualidade dos

manuais didáticos se estendeu ao longo dos tempos, constituindo um ponto de

grandes discussões. Em 1989 Freitag et al observaram que o LD brasileiro

sempre deixava a desejar, sendo um instrumento de má qualidade, baseado

muitas vezes, numa concepção associacionista, na qual a criança nunca era

estimulada a compreender textos. Mas, mesmo assim, comentavam que o livro

didático continuava sendo visto como indispensável: professores e alunos

teriam se tornado seus escravos, perdendo a autonomia e o senso crítico que o

próprio processo de aprendizagem deveria criar (FREITAG et al, 1989).

O Livro Didático desempenha até hoje um papel muito importante na

produção editorial brasileira. A compra desse livro sempre envolveu, segundo

Batista (2001), volumes e cifras de grande monta, porém a questão da

qualidade desses manuais nunca foi discutida e sistematizada até os anos

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1990. Até 1997 o MEC, por intermédio da Fundação de Assistência ao

Estudante (FAE), se limitava à simples aquisição e distribuição do livro didático.

Os livros eram destinados a parte significativa de alunos e professores

brasileiros, constituindo o principal impresso em torno do qual a escolarização

e letramento da maioria da população brasileira eram organizados, além de ser

um dos principais responsáveis pela organização do trabalho pedagógico como

um todo (BATISTA, apud ABREU, 2000).

Durante muito tempo, os livros didáticos apresentaram incoerências e

incorreções. Vários manuais mantinham um caráter ideológico e

discriminatório, eram desatualizados e apresentavam insuficiências

metodológicas. Muitos professores, devido a sua formação, não questionavam

essa má qualidade dos livros e acabavam utilizando-os sem nenhum tipo de

reflexão e eram estes livros que selecionavam os conteúdos ou saberes a

serem transmitidos, as atividades e exercícios.

Especialmente, com relação ao professor de Língua Portuguesa, Soares

(apud BASTOS, 1998), observa que nos anos 50 houve uma alteração do perfil

desse profissional, devido à abertura da escola para a classe trabalhadora.

Quando as instituições escolares receberam uma grande demanda de alunos,

observou-se um recrutamento menos seletivo de docentes. A partir daí ocorreu

uma acentuada desvalorização do magistério, mudando a figura do professor

que, até então, pertencia a uma ‘‘elite cultural’’. Nesse contexto, o livro de

Língua Portuguesa também passou a assumir um maior papel de ‘‘produtor das

atividades pedagógicas’’ e a ser visto pelos autores de livros didáticos como

um instrumento capaz de suprir as deficiências profissionais dos mestres.

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Segundo Batista (apud ABREU, 2000), ao longo dos anos 1960/1970, no

período de ampla modernização no campo editorial brasileiro, os professores

não tinham autonomia no processo de ensino: os livros determinavam não

apenas uma seleção do conteúdo a ser ensinado, mas um modo de distribuí-lo

no tempo escolar, com base numa progressão de unidades, assim como um

conjunto de atividades que introduziam e desenvolviam a matéria e, muitas

vezes, avaliavam seu domínio pelo aluno.

Essa falta de qualidade, finalmente, passou a ser mais fortemente

questionada e o MEC desenvolveu, a partir de 1995, um conjunto de medidas

que asseguraram uma avaliação sistemática e continuada dos livros didáticos

brasileiros.

1.3.2 – O PNLD e os novos livros didáticos de alfabetização

A falta de qualidade dos manuais didáticos brasileiros já vinha sendo

denunciada desde a década de 1960. Em 1985 foi implantado por decreto o

PNLD, mas só em 1993, quase dez anos depois da implantação, foi que o MEC

instituiu uma comissão de especialistas encarregada de duas tarefas: avaliar a

qualidade dos livros mais solicitados ao Ministério e estabelecer critérios para a

avaliação das novas aquisições. Desta forma, os livros passaram a ser

avaliados sistemática e continuamente; a comissão pôde evidenciar as

principais inadequações editoriais, conceituais e metodológicas dos livros

didáticos e estabelecer, a partir disso, os requisitos que um manual deveria

apresentar para ser considerado de boa qualidade. Essa comissão foi formada

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por áreas de conhecimento e composta por professores com experiência nos

três níveis de ensino (BATISTA, 2001).

De acordo com os critérios inicialmente estabelecidos, só poderiam ser

adquiridos pelo MEC os livros com qualidades editoriais e gráficas que não se

destinassem, ao mesmo tempo, a mais de uma disciplina ou série do ensino

fundamental e que não exigissem a compra de outros volumes ou ‘‘sátélites’’,

como cartazes, cadernos de atividades ou de jogos.

Inicialmente os critérios comuns de análise foram:

� Adequação didática e pedagógica

� A qualidade editorial e gráfica

� Pertinência do manual do professor para uma correta utilização do

livro didático e para a atualização do docente

Já os Critérios eliminatórios definiam que os livros didáticos:

� Não poderiam expressar preconceitos de origem, raça, sexo, cor

idade ou quaisquer outras formas de discriminação

• Não poderiam induzir ao erro ou conter erros graves, relativos ao

conteúdo da área, como, por exemplo, erros conceituais (BATISTA, 2001).

No primeiro Guia de Avaliação de livros didáticos apresentado pelo

MEC, em 1996, foram analisados livros de português, matemática, ciências e

Estudos Sociais de 1ª a 4ª séries e a análise gerou as seguintes categorias:

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‘‘excluídos’’, ‘‘não recomendados’’, ‘‘recomendados com ressalva’’ e

‘‘recomendados’’.

Em 1997, o MEC deu prosseguimento à avaliação, preparando-se para o

PNLD de 1998, que ainda realizou a análise de livros de 1ª a 4ª séries. Com a

extinção da FAE, o FNDE assumiu a execução do Programa e algumas

modificações foram feitas, tanto de caráter institucional como no processo de

avaliação (BATISTA, 2001). A primeira modificação foi a inclusão dos livros

para a alfabetização no Programa; a segunda foi a introdução de uma quinta

categoria: Livros Didáticos ‘‘recomendados com distinção’’. Para aprimorar a

fundamentação do processo de escolha, o MEC passou a explorar a indicação

da avaliação, publicando, num único volume, o Guia e resenhas dos livros

didáticos. Assim, adotou-se a seguinte classificação:

� Recomendados com distinção: são os livros que se destacam

pelo esforço em se aproximar o mais possível do ideal representado pelos

princípios e critérios já referidos. Constituiriam propostas pedagógicas

elogiáveis, criativas e instigantes.

� Recomendados: são aqueles que cumprem todos os requisitos

mínimos de qualidade exigidos por este momento do processo de avaliação.

Por isso mesmo, assegurariam a possibilidade de um trabalho didático correto

e eficaz por parte do professor.

� Recomendados com ressalvas: nesta categoria estão reunidos os

trabalhos isentos de erros conceituais ou preconceitos, que obedecem aos

critérios mínimos de qualidade, mas que, por este ou aquele motivo, não estão

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livres de ressalvas. Desse modo, poderiam subsidiar um trabalho adequado, se

o professor estiver atento às observações, consultar bibliografias para revisão e

complementar a proposta (MEC- Guia de Livros Didáticos; 1ª a 4ª série.

Brasília: Ministério da Educação; FAE; CEALE; CENPEC, 2000).

Essas categorias são representadas pela seguinte representação

gráfica: três estrelas para os recomendados com distinção, duas estrelas para

os recomendados e uma estrela para os recomendados com ressalvas.

1.3.2.1 – Algumas considerações acerca dos impactos positivos e dos prob lemas e perspectivas do PNLD

Segundo Batista (2001), com o PNLD constatou-se impactos positivos

no campo da produção editorial, já que as editoras que estão participando do

processo de avaliação desde 1997 vieram ampliando, progressivamente, o

número de livros recomendados e reduzindo o de excluídos. Além disso, essa

avaliação propiciou a participação de novas editoras a cada PNLD, com a

inscrição de novos títulos. Constatou-se também impactos positivos no campo

escolar, onde os livros mais bem qualificados passaram a ser mais solicitados

pelos docentes.

Com esse esforço de melhorar a qualidade dos livros didáticos, o PNLD

viria contribuindo para um ensino de melhor qualidade, possibilitando uma

reformulação nos manuais escolares brasileiros e criando condições

adequadas para a renovação das práticas de ensino nas escolas (BATISTA,

2001).

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68

No entanto, apesar dos impactos positivos que mencionamos acima, o

PNLD precisaria sofrer reformulações, a fim de superar os limites pedagógicos

próprios de um processo de transição entre diferentes paradigmas

educacionais.

Tendo em vista as possibilidades de ampliação da atuação do PNLD, a

fim de que possa contribuir mais decisivamente para a melhoria do ensino

fundamental brasileiro, Batista (2001) propõe a discussão acerca de alguns

aspectos que estão relacionados a quatro dimensões constitutivas de uma

política de livro didático no País: concepção de livro didático em torno da qual

vem se apoiando o PNLD; as relações que o Programa vem mantendo com o

campo escolar e, particularmente, com os professores do ensino fundamental;

os vínculos que vem estabelecendo com o campo editorial; e as possibilidades

de operacionalização dos processos de avaliação, escolha e distribuição dos

livros didáticos.

Dentre as várias recomendações feitas, o autor expressa a preocupação

em superar-se o descompasso que existe entre as expectativas do PNLD e as

dos docentes. Quando os professores tendem a escolher os livros menos

recomendados, ficam evidentes as dificuldades enfrentadas por muitos

docentes quanto ao uso efetivo de livros recomendados e recomendados com

distinção (BATISTA, 2001).

Essas diferenças entre as expectativas do MEC e as dos professores

poderiam ser causadas pelo próprio processo de escolha, para o qual os

docentes não dispõem de tempo e condições adequadas; muitas vezes a

escolha seria feita sem o necessário processo de discussão e fundamentação.

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Além disso, um outro fator que poderia colaborar para essas diferenças seria a

formação e atuação docente, suas condições de trabalho, as necessidades a

que está exposto, em razão das formas de organização do trabalho na escola

(BATISTA, 2001).

Desta forma, fica evidente a necessidade das políticas públicas

considerarem e contemplarem a formação e o fortalecimento profissional

desses docentes nas suas propostas da melhoria da qualidade de ensino.

1.3.3 – Os novos livros didáticos de alfabetização: algumas considerações

De acordo com os princípios gerais do Guia do PNLD14, o processo de

aquisição da Língua escrita deve ser considerado não como aquisição de uma

‘‘mecânica’’, isto é, de codificação de grafemas em fonemas, como ocorria com

as antigas cartilhas, mas deve ser entendido prioritariamente como um

processo de aquisição e desenvolvimento de habilidades de comunicação e

interação com textos escritos. Desta forma, fica evidente a valorização da

variedade textual, com a preocupação de introduzir o aprendiz no mundo

letrado, a partir de textos coerentes, que tenham significado para o aluno e

valor real de comunicação por meio da língua escrita. Abominam-se, portanto,

os pseudotextos, os quais predominavam nas antigas cartilhas.

Ao tratarmos, especialmente, da aquisição da escrita alfabética,

verificamos, como já dito, que em algumas resenhas do Guia do PNLD

14 MEC. Guia de Livros Didáticos; 1ª a 4ª séries. Brasília: Ministério da Educação; FAE; CEALE; CENPEC, 2000.

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2000/2001 (MEC, 2000) a avaliação indicava que o processo de aquisição do

sistema de escrita dar-se-ia de maneira contextualizada, com textos de uso

social, em situação real ou aproximada do real. As resenhas valorizavam,

também, a reflexão sobre a língua escrita. Outras afirmavam que a

fundamentação teórico-metodológica tanto priorizava os estudos da

Psicogênese, estimulando-se a participação ativa do aluno, quanto os

princípios associacionistas de aprendizagem, apoiados no método silábico de

alfabetização. Encontramos, também, resenhas as quais apontavam para livros

que focalizavam a escrita ‘‘ora como sistema de representação, ora como

código de transcrição da fala’’.

A partir da análise realizada por Albuquerque, Morais, Ferreira et al

(2004), que tinham como objetivo caracterizar melhor as propostas de

didatização do sistema de escrita alfabética nos LDs de alfabetização atuais,

verificou-se que os autores dos livros revelaram uma adesão, no plano do

discurso, às mais recentes perspectivas teóricas nas áreas de lingüística e

psicologia.

Para os autores citados acima, os novos LDs de alfabetização, assim

como mencionamos anteriormente, vêm investindo no exercício das práticas de

leitura e produção de textos, considerando as mesmas, fundamentais no

processo de alfabetização. Desta forma, Morais et al (2004), constataram uma

grande diversidade textual, inclusive, em títulos recomendados com ressalvas.

Quanto ao ensino do sistema de escrita alfabética, os autores dos novos

LDs procuravam se distanciar dos princípios empiristas das cartilhas e faziam

em sua maioria referência à teoria da Psicogênese, porém, quando partiam

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para as propostas de atividades, pouco consideravam a heterogeneidade dos

alunos, quanto ao nível de compreensão do sistema de escrita alfabética, não

possibilitando à criança revelar seu nível de compreensão sobre a escrita.

Nessa mesma direção, apenas um LD analisado planejava atividades que

possibilitavam ao professor, periodicamente, identificar o progresso das

crianças na compreensão da escrita alfabética.

Dentre as atividades voltadas para o ensino do sistema de escrita

alfabética contidas nos livros, os autores identificaram: leitura, identificação,

comparação, contagem, partição, formação, exploração, cópia, escrita,

produção, desenhos e ‘‘outros’’.

A partir dessas atividades que foram categorizadas cuidadosamente,

Morais et al (2004), identificaram que se os LDs tinham muitas tarefas de

leitura e produção de textos, quando partiam para ensinar o sistema de escrita

alfabética pareciam querer se diferenciar das antigas cartilhas, que tomavam a

sílaba como unidade, passando a privilegiar atividades que tinham a ‘‘palavra’’

ou a ‘‘letra’’ como unidades principais.

No que se refere aos estudos sobre a consciência fonológica na

alfabetização, estes não foram mencionados. Os LDs pouco promoviam

atividades que levassem as crianças a desenvolver a consciência fonológica,

propondo raramente tarefas de identificação ou produção de rimas e aliteração,

partição, comparação de palavras quanto ao número de sílabas, além de não

explorar os textos como trava-línguas, parlendas e quadrinhas que são

adequados e ajudam o aluno a refletir sobre as relações entre partes escritas e

faladas das palavras.

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Morais et al (2004), ainda observaram que os LDs apresentavam uma

uniformização, iniciando com as tarefas que exploravam os nomes próprios e

que enfatizavam a localização de letras no interior dos nomes, sem levar as

crianças a pensarem sobre a sonoridade ou quantidades de sílabas e letras.

Como estas atividades eram apenas priorizadas nas primeiras unidades dos

livros, parecia que os autores consideravam que todos os alunos, num breve

espaço de tempo, estariam dominando a lógica das relações parte-todo do

sistema de escrita alfabética. Os autores dos LDs examinados pareciam,

também, acreditar que, a partir do 3º bimestre, todas as crianças já teriam

alcançado uma hipótese alfabética de escrita, explorando nessa etapa do ano

letivo as atividades de leitura/produção de palavras e textos.

Enfim, Morais, Albuquerque, Ferreira et al (2004), perceberam que os

autores dos LDs de alfabetização por eles analisados, não conseguiam

articular as atividades de leitura e produção de textos com aquelas voltadas à

reflexão sobre palavras e suas unidades menores, que são mais adequadas ao

aprendizado do sistema de escrita alfabética.

Observamos, em nossas escolas, professores, principalmente na

alfabetização, que utilizam não apenas um livro, mas outros livros e outros

materiais na estruturação do seu trabalho. Para alguns estudiosos, essa

alternativa seria devida a uma ‘‘resistência dos professores’’ ao livro disponível

para sua turma. Numa primeira aproximação da problemática, pensamos que

alguns fatores precisam ser considerados. Vimos que a partir da década de

1980, o uso do livro passou, segundo (BATISTA apud ABREU, 2000), a ser

vinculado a uma prática tradicional de ensino, que precisaria ser, então,

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ultrapassada. Segundo Albuquerque (2002), o uso exclusivo do livro didático

como organizador das atividades do professor precisaria ser por este negado,

estando vinculado ao ‘‘tradicional/errado’’. Além disso, é preciso lembrar que a

utilização do livro didático foi considerada como um dos principais fatores

responsáveis pela desqualificação profissional de professores, já que os LDs

teriam criado uma dissociação entre aqueles que executam o trabalho

(docentes) e aqueles que o concebem, planejam e estabelecem suas

finalidades (os autores de livros didáticos e as grandes editoras). Uma

conseqüência dessa dissociação consistiria numa diminuição das exigências

de formação e preparo docente (BATISTA apud ABREU, 2000).

1.4 – Objetivos

1.4.1 – Geral

� Analisar por que as professoras vêm usando ou não os novos

livros de alfabetização recomendados pelo PNLD 2000/2001, no que se refere,

especificamente, ao ensino do sistema de escrita alfabética.

1.4.2 – Específicos

� Investigar como as professoras vêm abordando o ensino do

sistema de escrita alfabética a partir dos novos livros de alfabetização,

considerando os estudos sobre a Psicogênese da escrita, Consciência

Fonológica e Letramento.

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� Analisar as principais contribuições e dificuldades encontradas

pelas professoras quanto ao uso ou não-uso do LD de alfabetização no ensino

do sistema de escrita alfabética.

� Identificar quais motivos levam os professores a não seguir as

propostas dos autores dos LDs.

� Verificar o que utilizam no lugar do LD, a fim de desenvolver o

ensino do sistema de escrita alfabética.

� Identificar como as professoras conciliam o ensino de leitura e

produção de ‘‘textos’’ numa perspectiva de letramento e as atividades voltadas

para o aprendizado do sistema de escrita alfabética.

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CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA

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É importante ressaltar que tínhamos, a princípio, a intenção de

observarmos como os professores estavam se apropriando das propostas

contidas nos novos livros de alfabetização. Para isso, iríamos realizar dois

estudos de caso com professores que estivessem utilizando LD. Passamos

praticamente dois meses em salas de alfabetização; no entanto, constatamos

que seria muito difícil dar continuidade a essa pesquisa, pois os professores

durante esse período afirmaram utilizar o livro, mas, na realidade, não o

usavam. A partir dessa realidade, sentimos a necessidade de não diretamente

observarmos como os professores estavam se apropriando dessas propostas,

mas compreender os motivos que os levavam a não utilizar o LD. E quanto aos

docentes que usavam LDs, investigar o que priorizavam no ensino do sistema

de escrita alfabética a partir do uso dos mesmos.

Tendo em vista o objetivo geral desse projeto, que visou a analisar como

os professores vinham concebendo o uso dos novos livros didáticos (LDs) de

alfabetização recomendados pelo PNLD 2000/2001 para o ensino do sistema

de escrita alfabética, tivemos como sujeitos da nossa pesquisa professoras de

três redes públicas municipais de ensino: Cabo de Santo Agostinho (doravante

REMCSA), Camaragibe (doravante REMC) e Recife (doravante REMR). O

interesse de investigarmos as três redes de ensino, envolveu a preocupação de

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confrontarmos as concepções de docentes sobre o uso do LD tanto em redes

que adotaram escolha única quanto naquelas que utilizavam livros diferentes, a

fim de termos um leque ampliado de discussão. Além disso, priorizamos as

salas de alfabetização por ser a etapa em que o aprendiz está começando a se

apropriar da escrita alfabética e as turmas de 1ª série por compreendermos

que, para a realidade da maioria das escolas públicas, essa série ainda se

constitui numa alfabetização inicial.

Algumas professoras foram indicadas pela Secretaria de Educação de

cada rede de ensino, outras foram escolhidas por terem aceitado o convite para

a realização das entrevistas e por estarem lecionando em turmas de

alfabetização ou 1ª série.

2.1 – Instrumentos de Coleta de Dados

Utilizamos como instrumento de coleta de dados a entrevista. Esta

justifica-se pela possibilidade de criar uma relação de interação entre

pesquisador e pesquisado. Nessa relação, de acordo com Szymansky et al

(2002), estão em jogo as percepções, expectativas, sentimentos, preconceitos

e interpretações. O pesquisador tem determinadas informações e procura

outras e o entrevistado processa um conjunto de conhecimentos e organiza

suas respostas para aquela situação. Então a entrevista deve ser encarada

como uma relação de interação humana que oportuniza a apreensão não

apenas do discurso explícito, mas o que está latente nesse discurso. Além

disso, podemos apreender também os sentidos veiculados pela comunicação

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não-verbal que o sujeito acaba estabelecendo a partir de gestos, expressões,

entonações e alterações no ritmo. Segundo Lüdke e André (1986), a captação

da comunicação não-verbal é muito importante para a compreensão e

validação do que foi efetivamente dito.

Optamos por explorar como primeiro instrumento de coleta de dados, a

entrevista estruturada, a fim de identificarmos, a princípio, professores que

usavam e professores que não usavam LD, investigando suas principais

justificativas quanto ao uso e não-uso desse manual e os encaminhamentos

didáticos que eram priorizados, no que se refere, especificamente, ao ensino

do sistema de escrita alfabética. Nessas entrevistas abordamos os seguintes

pontos:

• Escolha do LD

• Avaliação geral do LD e de sua contribuição no ensino do sistema de

escrita alfabética

• Organização da prática pedagógica, envolvendo o tempo pedagógico

em que desenvolviam o ensino do sistema de escrita alfabética e as

principais atividades realizadas com ou sem o uso do LD.

• Aspectos que consideravam importantes no ensino do sistema de

escrita alfabética

Com a intenção de nos apropriarmos de maiores informações,

realizamos entrevistas aprofundadas com doze professoras que participaram

da primeira etapa da pesquisa (quatro de cada rede de ensino, representando

as duas séries- sendo que duas usavam e duas não usavam LD). Optamos em

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utilizar essa entrevista porque não apresentava um esquema rígido, mas, sim,

partia das respostas do professor na ocasião, permitindo fazer algumas

adaptações. O entrevistador podia, com base no roteiro que servia para guiar

os tópicos que precisavam ser enfocados e de que não podia distanciar-se,

lançar outras questões que favorecessem o aprofundamento de determinados

aspectos, direcionando a entrevista, a fim de que, cada vez mais, pudesse

apreender dados significativos para serem posteriormente, interpretados. Ainda

de acordo com Lüdke e André (1986), quando se quer conhecer, por exemplo,

a visão de um professor sobre o processo de alfabetização em uma escola de

periferia ou a opinião de uma mãe sobre um problema de indisciplina de seu

filho, é melhor preparar uma entrevista mais longa, mais cuidada, feita com

base em um roteiro, mas com grande flexibilidade. A entrevista aprofundada

nos permitiu a obtenção de informações mais complexas, confirmando

questões anteriormente levantadas e ampliando elementos que não foram

mencionados. Tomamos a entrevista aprofundada como uma forma de

ilustrarmos as nossas considerações acerca dos dados encontrados na

entrevista estruturada. Dentro dessas entrevistas (aprofundadas) priorizamos

os seguintes temas:

� Objetivos de ensino das professoras

• O ensino com textos

• Dificuldades encontradas pelos professores alfabetizadores

• Conhecimentos sobre a Teoria da Psicogênese da Escrita e sobre a

Consciência Fonológica

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• Elementos da prática de ensino que julgavam prioritários

2.2 – Perfil dos Sujeitos

A amostra foi composta por 36 professoras que lecionavam nas salas de

alfabetização, Pré II ou 1º ano do 1º ciclo e na 1ª série ou 2º ano do 1º ciclo,15

estando distribuídas nas três redes de ensino. Em cada rede investigamos 12

docentes (seis de alfabetização e seis de 1ª série). As professoras foram

divididas em dois grupos com três informantes cada, para dois subgrupos:

quem usava e quem não usava LD.

As informações apresentadas nas seções seguintes podem ser

visualizadas na forma de quadros (Quadros 1, 2 e 3) no Anexo II.

2.2.1 – Perfil das docentes do Município do Cabo d e Santo Agostinho que participaram da pesquisa

Pudemos observar que, na Rede Municipal do Cabo, a maioria das

professoras investigadas tinha mais de 40 anos; apenas três possuíam idade

entre 27 e 31 anos.

A maioria das professoras cursou todo o ensino fundamental em escola

pública (11/12); uma fez o ensino fundamental em escola pública e particular, e

15 Quando da realização do estudo, a rede pública municipal de Recife já estava organizada no novo regime de ‘‘ciclos de aprendizagem’’, no qual o processo de alfabetização formal começa um ano antes da antiga primeira série. Desta forma, a alfabetização na rede de Recife passou a ser designada 1º ano do 1º ciclo e a 1ª série corresponde ao 2º ano do 1º ciclo.

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apenas uma docente realizou todo seu ensino fundamental em escola

particular.

Quanto à formação do ensino médio, 11 docentes concluíram o

magistério. Apenas uma não o cursou, realizando ‘‘Científico’’ e

‘‘Contabilidade’’.

No que diz respeito à formação de 3º grau das docentes, apenas três

professoras tinham concluído o ensino superior, todas em faculdades

particulares. Uma concluiu Pedagogia e as outras duas fizeram Licenciaturas

em ‘‘Comércio e Administração’’ e em ‘‘Matemática’’. Dentre as quatro

docentes que ainda estavam cursando o 3º grau, três faziam Pedagogia numa

Faculdade estadual16, a UPE, e uma Teologia na FATER.

Os sujeitos que tinham concluído o 3º grau deram continuidade a sua

formação, fazendo cursos de pós-graduação. Destas, apenas uma já tinha

concluído uma pós-graduação em Gestão Escolar. As outras estavam

cursando especialização em Psicopedagogia e Matemática.

Dentro dessa sub-amostra (REMCSA), verificamos que as professoras

possuíam uma longa experiência docente e, na maioria dos casos, essa

experiência se aproximava do tempo de experiência que as mesmas tinham na

rede municipal. Porém possuíam menos tempo de experiência docente na

16 Cursavam o PROGRAPE (Programa de Graduação em Pedagogia), na Universidade de Pernambuco através de convênio firmado entre a Universidade de Pernambuco e alguns municípios.

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alfabetização ou na 1ª série do ensino fundamental.

Quanto às atividades profissionais exercidas pelas professoras,

constatamos que a maioria desempenhava unicamente a função de docente.

Apenas duas exerciam outras funções: Costureira e Coordenação/supervisão

pedagógica.

Dentre as professoras, cinco trabalhavam em um único turno, cinco em 2

turnos e duas em 3 turnos.

2.2.2 – Perfil das docentes do Município de Camaragibe que participaram da pesquisa

Com relação aos dados levantados na rede de Camaragibe, verificamos

que os sujeitos possuíam idades entre 27 e 52 anos, apresentando uma média

geral em torno de 38 anos.

Quanto ao ensino fundamental, apenas duas o fizeram em escola

particular e uma não informou. Assim, 9/12 o cursaram em escolas públicas.

Ao observarmos a formação de nível médio das educadoras, verificamos

que 11 cursaram o Magistério; dentro desse universo 5 professoras fizeram

além do Magistério outros cursos como Contabilidade ou Científico. Apenas

uma professora não teve formação em Magistério, cursando Científico.

Quanto à formação de 3º grau, oito professoras tinham concluído o

ensino superior; dessas oito, seis tinham cursado Pedagogia. Duas docentes

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ainda estavam cursando o PROGRAPE na UPE e duas não tinham começado

a fazer o 3º grau.

Verificamos ainda que nenhuma docente chegou a cursar uma Pós-

graduação.

Se a maioria das professoras (oito), tinha uma experiência de docência

acima de 10 anos, verificamos que essa experiência correspondia praticamente

ao tempo de experiência naquela rede municipal de ensino.

Na rede Municipal de Camaragibe, a experiência das docentes nos

níveis de ensino enfocados (educação infantil, 1ª série) se concentrava na faixa

de 5 anos de experiência.

Dentre as professoras da Rede de Camaragibe, só duas desenvolviam

outras atividades, além de lecionar. Uma exercia a função de recreadora e a

outra, era musicista.

Das 12 professoras, quatro trabalhavam em apenas 1 turno, sete em 2

turnos e uma em 3 turnos.

2.2.3 – Perfil das docentes do Município de Recife que participaram da pesquisa

No que se refere à Rede Municipal do Recife, observamos que a idade

dos sujeitos analisados variava entre 27 e 56 anos.

Os dados revelaram que 50% das professoras pesquisadas realizaram

seu ensino fundamental em escola particular.

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Quanto ao ensino médio, verificou-se também um grande percentual

(10/12) de professoras que fizeram o Magistério, apenas duas realizaram

outros cursos.

No que diz respeito ao ensino superior, pudemos observar que todas

fizeram ou estavam fazendo o 3º grau. Nove educadoras tinham concluído o

ensino superior (seis cursaram Pedagogia e as demais fizeram Ed. Artística,

Letras ou Matemática).

Das nove que concluíram o ensino superior, seis fizeram pós-graduação

(em Informática Educacional, Coordenação e Supervisão, Lingüística Aplicada,

Administração Escolar e Educação Artística ).

Quanto ao tempo de experiência no magistério, verificamos que a

maioria dos sujeitos possuía mais de 10 anos. Essa realidade não se refletia

com relação ao tempo de ensino naquela rede, onde verificamos uma

proporção bastante elevada de professoras com menos de 10 anos lecionando

na Rede Municipal do Recife (10/12). Há que se considerar que, nos últimos

anos, esta rede de ensino vinha realizando diversos concursos para a

contratação de novos docentes.

Os dados também revelaram que o tempo de experiência dessas

professoras na alfabetização e 1ª série variava de 01 a 10 anos, tendo uma

maior concentração, assim como constatado nas demais redes, em até 05

anos.

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Das 12 professoras analisadas, três desenvolviam outras atividades

profissionais como: técnico-pedagógico, coordenadora pedagógica e inspetora

escolar.

Quanto aos turnos de ensino trabalhados, quatro docentes atuavam em

apenas um turno, seis em 2 turnos e duas em 3 turnos.

2.3 – Livros que eram oficialmente adotados em cada rede de ensino

Como mencionamos anteriormente, a nossa pesquisa envolveu redes de

ensino que tanto adotaram escolha única quanto utilizavam LDs diferentes.

Dentro desse universo encontramos:

REMCSA- Vida Nova - alfabetização e Letra, Palavra e Texto - 1ª série.

REMC- ALP e o livro de Damaris Flor- Pré II e ALP e Na Trilha do Texto-

1ª série.

REMR- Letra, Palavra e Texto- 1º e 2º anos do 1º ciclo.

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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE RESULTADOS

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Análise de dados

Quanto ao tratamento dos dados, realizamos uma análise temática que

está dentro da análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Esse tipo de análise se

direciona, segundo Moraes (1999), para as características da mensagem

propriamente dita, seu valor informacional, as palavras, os argumentos e idéias

nela expressos.

Dentro dessa análise de conteúdo há a possibilidade do investigador

poder escolher o tipo de conteúdo a ser examinado, podendo ser apenas o

conteúdo manifesto ou o conteúdo latente. Como afirmamos anteriormente,

nosso interesse foi perceber não só o que era dito, mas o que estava latente no

discurso. Além de uma leitura representacional, procuramos compreender

profundamente o que estava nas entrelinhas das mensagens.

Recordamos que os nossos objetivos incluíam investigar a concepção

dos professores quanto ao uso e não-uso do LD de alfabetização, identificando

o que priorizavam a partir do uso ou substituição do mesmo, investigando o

que levava alguns docentes a não seguir as propostas dos autores dos LDs

adotados oficialmente e o que utilizavam no lugar desses livros, a fim de

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desenvolver o ensino do sistema de escrita alfabética. Vale ressaltar, antes de

iniciarmos a discussão acerca dos resultados obtidos com esse estudo, que, na

análise, existem questões que foram formuladas exclusivamente a quem usava

LDs, outras, a quem não os utilizava, e um outro grupo de questões que foram

respondidas tanto por quem usava como por quem não usava LD.

Procuraremos situar em cada seção, sempre que necessário, a quem

estavam sendo direcionadas as questões e quais os objetivos das mesmas.

No decorrer da análise iremos utilizar os termos ‘‘professora’’, ‘‘docente’’,

‘‘mestra’’, como sinônimos, apenas com a intenção de não estarmos repetindo

o mesmo termo durante um longo período de discussão, assim como

utilizaremos também, ‘‘aluno’’, ‘‘aprendiz’’ e ‘‘criança’’ com o mesmo objetivo.

3.1 – Considerações sobre as metas das professoras quanto ao aprendizado do Sistema de Escrita Alfabética ao final do ano letivo

Ao perguntarmos às mestras o que as mesmas esperavam dos seus

alunos no final do ano letivo, com relação ao ensino do sistema de escrita

alfabética, identificamos que a maioria das docentes tinha como principal

objetivo que os alunos chegassem ao final do ano ‘‘alfabetizados’’, ‘‘dominando

o sistema de escrita alfabética’’. Esse objetivo foi relatado por seis docentes

(uma da REMCSA, quatro da REMC e uma da REMR). Eis alguns

depoimentos:

‘‘Eu espero que meus alunos saiam realmente da 1ª série

alfabetizados, já escrevendo. Porque quando a gente recebe o aluno

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na 2ª série sem escrever, a escrita como se coloca, aí fica difícil para

o professor da 2ª trabalhar. E quando o aluno sai da 1ª escrevendo

seu nome e conhecendo o alfabeto, é bem melhor para avançar

esse aluno. Dá seqüência, continuidade’’ (PROFESSORA 22, 1ª

série- usa LD/REMC).

‘‘Eu espero que eles tenham crescido muito em relação à leitura.

Pelo desenvolvimento que a gente teve na sala, eles estão bem

evoluídos na escrita. Eu espero que eles estejam dominando o

sistema de escrita’’ (PROFESSORA 17, Pré II- usa LD/REMC).

Dentre as professoras que tinham como objetivo que os alunos

dominassem o sistema de escrita alfabética, duas mencionaram que gostariam

que os alunos saíssem escrevendo seu nome, conhecendo o alfabeto e

escrevendo pequenas frases.

Uma outra professora mostrou a preocupação de que ao chegar o final

do ano, os alunos conhecessem pelo menos as letras e soubessem fazer as

‘‘junções’’, formando palavras simples.

‘‘Como as crianças de escola pública vêm direto de casa para a

escola, então eu não posso esperar que elas saiam daqui

completamente alfabetizadas, alfabetizadas mesmo, sabendo

escrever textos, não vamos esperar isso. Então o mínimo que se

espera é que eles conheçam todas as letras e saibam fazer junção

de algumas. Pelo menos palavras simples. A partir daí ele vai ter

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continuidade, porque alfabetização não é só 1º ano, é no 1º ciclo’’

(PROFESSORA 28, 1º ano do 1º ciclo- não usa LD/REMR).

Verificamos desta forma que, parecia haver uma maior cobrança por

parte das professoras em ‘‘alfabetizar‘‘ seus alunos e uma menor cobrança em

‘‘letrá-los’’.

Nessa mesma direção, apenas duas mestras (uma da REMCSA-

alfabetização e uma da REMR- 2º ano do 1º ciclo) tinham como objetivos que

os alunos escrevessem pequenos textos.

Nenhuma professora fez menção à expressão letramento, as mesmas

não demonstraram uma preocupação de uma alfabetização numa perspectiva

de letrar os alunos. O objetivo de levar a criança a ‘‘escrever pequenos textos’’

estava mais voltado para a necessidade do aluno ‘‘aprender a escrever

simplesmente’’, que ele pelo menos fosse capaz de escrever ‘‘alguma coisa’’,

não necessariamente que o mesmo exercesse as práticas sociais de leitura e

escrita. Isso fica evidente no depoimento abaixo:

‘‘Que eles leiam não tão correto, porque se eles estão na fase da

silabação, alguns se sobressaem, outros não. E a escrita, eles saiam

pelo menos fazendo pequenos textos, não textos! Textos! Mas uma

palavra, uma frase, mesmo tendo que refazer alguma coisa, mas

que saiam nesse nível. Lendo alguma coisa ou escrevendo alguma

coisa’’ (PROFESSORA 02, alfabetização- usa LD/ REMCSA).

Duas professoras apontaram como objetivos que os alunos lessem e

escrevessem com compreensão e não simplesmente decodificassem.

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Uma única professora tinha como objetivo que os alunos

compreendessem a função da escrita.

‘‘A primeira coisa é que ele compreendesse o pra que serviria a

escrita, o uso disso. Da necessidade dele se sentir mais

independente, porque eles tinham conhecimentos das letras e que

essas substancial (sic), porque eles iam deixar de depender das

outras pessoas em termos de pegar ônibus, de comprar as coisas,

escolher as coisas pela composição, porque já trabalhou rótulos.

Então a função da escrita mesmo, da letra mesmo para o

desenvolvimento pessoal’’ (PROFESSORA 19, 1ª série- usa

LD/REMC).

Nesse sentido observamos que, ao mencionar suas metas de

aprendizagem do sistema de escrita alfabética, as mestras independentemente

da série que lecionavam, estavam mais preocupadas que os alunos

aprendessem a ler e escrever, que as crianças saíssem alfabetizadas,

escrevendo ‘’alguma coisa’’. Pois para a maioria das professoras, os alunos

que vêm direto de casa para a escola e que não estão ainda dominando o

sistema de escrita alfabética, não têm condições de avançar nas práticas de

leitura e produção de textos, paralelamente à aprendizagem do sistema de

escrita alfabética. Primeiramente, ele tem que aprender as letras, fazer

junções, formar palavras simples, frases e só depois, exercer as práticas de

leitura e produção de textos.

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3.2 – Participação do p rofessor na escolha do L D

Com a intervenção do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático),

esperava-se que os professores pudessem ter um maior subsídio para avaliar

os livros a serem por eles utilizados na organização do seu ensino, já que esse

instrumento foi feito para os professores e tem a função de orientá-los. Porém,

como foi levantado por Costa Val et al (2001), é marcante a ausência, ou a

reduzida função do Guia do PNLD no processo de escolha dos livros didáticos.

Essa escolha se faz fundamentalmente, com base no exame de livros

fornecidos pelas editoras. Estas, buscam diversas maneiras de convencer os

professores e interferir nesse processo.

Percebemos desta forma, uma outra situação que antecede essa

problemática: os professores deveriam participar da escolha dos livros, mas

ainda contamos com um índice muito alto de não-participação docente.

Evidenciamos, em nosso estudo, mais uma vez, essa não-participação dos

professores. Entre as docentes aqui estudadas que usavam LDs, a grande

maioria não participou da escolha dos mesmos, principalmente porque não

estavam trabalhando naquela escola, rede ou série/ciclo na época em que se

deu a seleção. Foi o que justificou uma professora de 1ª série que na ocasião

estava lecionando na educação infantil.

‘‘Não, porque o livro é sempre escolhido um ano antes e eu não

estava ainda na 1ª série, era educação infantil’’ (PROFESSORA 19,

1ª SÉRIE/REMC).

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Outras professoras declararam que não participaram da escolha dos

LDs porque na rede que estavam lecionando não houve seleção de livros para

a série.

Desta forma, no quadro das 18 professoras que usavam LD nas três

redes de ensino, apenas nove docentes afirmaram ter participado do processo

de seleção de LDs. Dentre estas, apenas quatro participaram da seleção que

definiu o livro que as mesmas deveriam estar utilizando na ocasião da

entrevista (no ano de 2003), pois as outras cinco tinham participado da seleção

do livro que deveria ser utilizado em 2001, ou da seleção do ano corrente que

definiria o livro para o ano de 2004. As professoras que, de fato, tinham

participado da seleção do livro que deveriam estar utilizando, demostraram um

estado de insatisfação com relação aos resultados desse processo de escolha.

Segundo elas, ‘‘nunca chega o livro que os professores decidem’’. Vejamos

alguns depoimentos:

‘‘Veio uma lista pra cá. A gente colocou o livro que gostaria de

trabalhar, mas a gente sabe que o livro que a gente colocou não vai

ser escolhido. Aí vem aquele ‘‘bolo’’ de livro, a gente olha e não é

aquele que a gente escolheu!. É o que eles decidiram’’

(PROFESSORA 26, 1º ano do 1º ciclo/ REMR).

‘‘Nunca é o mesmo que a gente escolhe. Infelizmente nós paramos

para a escolha do livro, sabe? É, existe um cuidado especial de nós

professores, sabe? Nós nos agrupamos agora, por ciclo. Quem é do

ciclo I se agrupa, quem é do ciclo II e vamos lá! Aí os livros estão ali

pra que a gente escolha, nós fazemos tudo cuidadosamente,

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anotamos disciplina por disciplina, mas, de fato, quando chega o LD

nunca chega esse que nós escolhemos. Porque a gente escolhe de

acordo com a realidade da nossa escola, das nossas crianças e, na

verdade, os livros que vêm fogem à nossa realidade, porque não foi

o que nós escolhemos. A gente não sabe o critério que eles adotam

para não adotar, não trazer pra nós o livro que nós escolhemos’’

(PROFESSORA 32, 2º ano do 1º ciclo/ REMR).

Os depoimentos acima, além de revelar a não-aceitação das escolhas

feitas pelas docentes quanto ao LD que deve ser utilizado, parece revelar,

também, que os professores têm grande necessidade de que os livros sejam

condizentes com a realidade de seus alunos ’’que muitas vezes chegam às

escolas sem saber nada de alfabetização’’, e os ‘‘livros estão além do nível

daquelas crianças’’. Esse é um dado que merece algumas considerações.

Segundo Costa Val et al. (2001), essa defesa às condições do aluno pode estar

relacionada com a própria resistência do professor no que diz respeito a um

trabalho que envolva dificuldades desconhecidas, representadas por

concepções teóricas das quais ele não está convicto e práticas das quais ele

não tem domínio, nas quais ele não tem desembaraço.

Encontramos um único caso em que a docente afirmou ter participado

da escolha e que o livro que chegou à escola foi o mesmo que os professores

escolheram, mas a mesma fez questão de enfatizar que isso não era comum.

Vejamos o que nos afirmou essa professora, quando perguntamos se o livro

que estava usando era o mesmo que foi escolhido.

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‘‘Não. Quer dizer, esse ano até que foi. Porque outros anos não

aconteceu isso. A gente escolhia um livro e até por força de gastar

menos, eles escolheram outro e trouxeram para a escola’’

(PROFESSORA 20, 1ª série/REMC).

Isso revela que, na realidade, a decisão final quanto à seleção dos LDs

não é tomada por quem de fato irá utilizá -los. De acordo com Costa Val et al.

(2001), ‘‘Quem escolhe não usa e quem usa não escolhe’’. A referida autora

aponta três causas que levariam a esse paradoxo:

a) As Secretarias de educação ou as coordenações pedagógicas

tomam para si essa prerrogativa;

b) A rotatividade dos docentes nas escolas e nas séries de atuação

faz com que os professores acabem opinando sobre livros que não vão usar,

porque na ocasião do uso efetivo já estão noutra escola, ou atuando em outra

série;

c) O desencanto geral com o processo acaba gerando desinteresse,

indiferença ou até resistência entre o professorado, que, afinal, chega a

sonegar sua participação.

Como vimos, no universo das 18 docentes que estavam utilizando o LD,

muitas (9/18) não tinham participado da escolha do s mesmos. Dentre estas,

uma nunca participou do processo de seleção de LDs. O interessante é que

inclusive essas que não participaram desse proces so de escolha, também

tinham claro, através de informações de colegas, que ‘‘o livro escolhido nunca

chega’’:

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‘‘Vêm vários livros. São vários professores, cada um escolhe e

quando escolhe nunca vem o livro. Assim é o que os professores

diz(sic), vem outro livro que outras pessoas escolheram. Eu nunca

participei não. Da escolha de livro não’. (PROFESSORA 01,

alfabetização/REMCSA).

Acreditamos que o modo como tem sido realizada a escolha desses

livros é algo que precisa ser modificado. Os professores oficialmente passam a

participar do processo de escolha dos LDs, mas, na prática, isso pouco ocorre.

Além disso, esses professores não analisam com profundidade o livro que

deverão utilizar. O Guia do PNLD surgiu com a intenção de ajudar o professor

e, por vários motivos, os docentes não chegam sequer a ter acesso a esse

instrumento, levando-os, muitas vezes, a desconsiderar livros que, apesar de

algumas limitações, vêm inovando com relação ao ensino de Língua

Portuguesa.

Antes de continuarmos a nossa análise, torna-se importante

recordarmos os livros que eram adotados oficialmente, e de fato, utilizados em

cada rede de ensino:

� REMCSA: Vida Nova - alfabetização e Letra, Palavra e Texto - 1ª

série.

� REMC: ALP e o livro de Damaris- Pré II e ALP e Na Trilha do Texto-

1ª série.

� REMR: Letra, Palavra e Texto- 1º e 2º anos do 1º ciclo

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3.3 – Avaliação Geral do L D

Ao analisarmos as considerações das professoras quanto à avaliação

dos LDs em geral, o que as mesmas ‘‘achavam do livro’’, percebemos que,

embora algumas docentes tenham afirmado que gostavam dos LDs ‘‘porque

apresentavam uma proposta construtivista’’; ‘‘porque eram baseados em

projetos’’, ‘‘porque traziam textos’’ ou ‘‘atividades diversificadas’’, a maioria fez

ressalvas ao uso desses manuais. Dentre as dezoito professoras que

utilizavam o LD, dez afirmaram que os LDs adotados pelas escolas, e de fato

por elas utilizados, eram ‘‘difíceis para o nível da turma’’. Este tipo de

julgamento foi emitido por professoras das três redes e dos dois níveis de

ensino. Vejamos os seguintes depoimentos:

“Ele é um pouco difícil pra alfa, a alfa não começa lendo e no livro

tem umas atividades bobas demais e umas atividades muito fortes

pra eles, porque vêm com textos e eles ficam loucos pra ler aqueles

textos e eles não conseguem ler os textos e fica difícil pra gente que

tem que, de qualquer maneira, responder os textos em sala de aula.

Porque no momento que eles começam a freqüentar a alfa eles

ainda não têm aquela habilidade, eles não conhecem todas as

letras, eles não conseguem juntar, não conseguem ler, aí fica muito

difícil trabalhar com essa cartilha17, aí tem que fazer em sala de aula,

você mesmo respondendo no quadro’’ (PROFESSORA 2,

alfabetização/REMCSA).

17 A professora refere-se ao livro Vida Nova- Contextualizando a Escrita

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‘‘O livro ALP é muito bom porque ele trabalha muito em cima de

texto. Mas ele é um pouco assim... eu acho um nível um pouco

elevado para as crianças que são oriundas do lar e se deparam logo

com textos. Mas as situações são muito boas que eles colocam. Eu

gosto do livro’’ (PROFESSORA 14, Pré II/ REMC)

‘‘Olhe, esse livro que eu tô utilizando agora... primeiro eu não teria

outra opção. Seria esse mesmo, não tem outro. Agora é um livro

muito bom, mas esse livro seria excelente se o aproveitamento, o

nível de conhecimento dos nossos alunos, uma vez matriculado

(sic), naquele ciclo, naquele ano, fosse condizente com o conteúdo

programático do livro. Mas o livro tá sempre além. Se eu estou no 2º

ano do ciclo I, o livro que estou adotando, que deveria ser de fato o

livro texto I18, está além do conhecimento da criança, mas é

exatamente porque ele vem numa outra realidade, entendeu? Então,

se eu for analisar o livro isoladamente, é um excelente livro, mas se

eu for analisar o livro dentro da minha realidade, em sala de aula, ele

fica um livro além. Por isso mesmo que eu não posso utilizar ele no

dia-a-dia, me basear nele. Eu tenho que usá-lo como complemento’’

(PROFESSORA 32, 2º ano do 1ºciclo/REMR).

É importante enfatizar que, por julgarem o livro ‘‘elevado’’, ‘‘difícil’’ para a

série em que estavam atuando, algumas professoras só o utilizavam no final do

1º semestre ou no 2º semestre, como foi relatado por uma das professoras

18 A professora utilizou a expressão livro texto I para se reportar ao livro: Letra, Palavra e Texto da 1ª série.

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acima; ou até mesmo passavam a utilizar, também, outro livro que julgavam

está mais próximo da realidade dos seus alunos. Foi o que justificou a

professora abaixo:

‘‘Bem, eu costumo trabalhar com os dois livros por que, na verdade

é o mesmo autor. Por que eu faço isso? Porque quando eu recebo

as crianças no ciclo 1, segundo ano, de fato elas não chegam

alfabetizadas, deveriam chegar, mas uma grande maioria, para elas,

é o primeiro ano de escola. Vêm da rua direto. Não tiveram

escolaridade nenhuma, nem em casa, que não sabem nem pegar no

lápis. Então o livro que deveria ser adotado seria Letra, Palavra e

Texto I, mas nós principiamos com o Letra, Palavra e Texto-

Alfabetização, porque eles vão ser alfabetizados com ele... Então eu

tenho que prepará-los, eu tenho preparado essas crianças, fazê-los

ler. Eles lêem praticamente as sílabas mais simples. Eles chegam

naquela fase de silábico - alfabético para mim, não chegam

alfabetizados como deveriam. Aí todos, como eu disse, é um

complementando o outro. Ele trabalha em cima de projetos, como

você vê é alfabetização de projetos, e o livro I continua o que o livro

de alfabetização começou. É a continuidade e quando chega,

determinado momento do meu trabalho, agora por exemplo, 2º

semestre, aí eu já posso, por exemplo, adotar o livro I que eu

deveria ter adotado. Aí eu não desprezo o livro de alfabetização. Aí

fico fazendo um paralelo, um complementando o outro’’

(PROFESSORA 32, 2º ano do 1º ciclo/REMR).

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Verificamos que dentro do universo de professoras que julgaram o livro

como ‘‘difícil para a série’’, oito justificaram suas respostas. Três docentes

pertencentes à REMCSA, mencionaram que o LD era difícil porque ‘‘trabalhava

em cima de textos ou porque os textos eram longos‘’, o que para elas

dificultava o processo de alfabetização. Percebemos uma grande preocupação,

por parte das mesmas quanto à presença de textos nos novos livros. Para as

docentes isto dificultava sua tarefa de ensino, ‘‘ficando muito difícil o trabalho’’

porque os alunos de escola pública em sua maioria, ‘‘viriam de casa’’, (não

cursaram a educação infantil), nunca teriam tido acesso a uma escola antes e

ingressariam diretamente numa alfabetização ou, dependendo da faixa etária,

na 1ª série.

‘‘Pra ser sincera, esse livro que eu estou usando, ele é muito forte

para os meninos de alfabetização. Porque olhe os textos! E o nome

já está dizendo: Contextualizando a escrita19, aí são uns textos muito

grande(sic). Eu trabalho com ele, mas eu aproveito o que eu acho

que é adequado pra eles. Tem muita coisa boa, mas também tem

muitos textos grandes. É tanto a prova, que eu estou usando ele

agora no 2º semestre. Que venha com textos mais claros, textos

menores, porque eles querem que a gente trabalhe muito com as

crianças um texto. E os textos são muito grandes’’ (PROFESSORA

01, alfabetização/REMCSA).

Uma docente da REMCSA, além de mencionar que o LD era difícil por

conta dos textos, também fez referência às atividades contidas no LD Vida

19 A professora refere-se ao livro: Vida Nova- Contextualizando a escrita.

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Nova. Para essa professora, as atividades eram muito repetitivas, ocasionando

uma falta de estímulo para os alunos. Ao observarmos o LD, verificamos que,

de fato, as atividades apresentavam uma mesma estrutura. Para explorar

determinadas famílias silábicas e os diferentes tipos de letras, o livro seguia um

mesmo formato de atividades. Podemos verificar a seguir um exemplo dessas

atividades, citado pela docente e extraída fielmente do LD.

‘‘Leia e escreva a letra m, maiúscula e minúscula.

Madalena- Madalena- M................................

Mamãe- mamãe - m...............................” 20

Em seguida, as atividades solicitavam que o aluno lesse e repetisse as

palavras, circulasse as sílabas ma- me- mi- mo- mu- mão, completasse as

palavras, juntassem as sílabas...21

Além de mencionar que tais atividades eram repetitivas, esta mestra

também nos apontou um fato curioso: os textos não estavam relacionados com

o cotidiano do aluno, e por isso, priorizava os ‘‘textos coletivos’’ para explorar

este cotidiano. Nesse caso, os textos do LD serviam muito mais para

‘‘pesquisar palavras que começavam com determinadas letras; marcar,

sublinhar ou copiar’’. Como podemos observar a partir do relato dessa

professora, a mesma parecia não promover um ensino voltado para a leitura e

produção de textos que circulam socialmente, isto é, não colocava o aluno em

20 As palavras eram escritas tanto com letras maiúsculas e minúsculas de imprensa como manuscritas 21 Tendo em vista esse tipo de atividade o livro Vida Nova- Contextualizando a escrita parece tomar a sílaba como unidade principal, semelhante ao que ocorria com antigas cartilhas.

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contato com a diversidade textual. Na REMCSA apenas uma docente julgou

que gostava do LD que estava utilizando porque trazia textos simples,

adequados ao nível da turma. É preciso, no entanto, ressaltar que o livro

mencionado era o Vida Nova (alfabetização), e a professora estava atuando na

1ª série. Em seus depoimentos a professora deixou claro que o livro se tornava

‘‘fácil’’ porque era destinado a uma alfabetização e a mesma estava lecionando

numa 1ª série, onde o livro adotado era Letra, Palavra e Texto. É importante

ainda destacar que o Vida Nova é um livro recomendado com ressalvas, pois,

segundo a resenha contida no Guia do PNLD de 2000/2001, a proposta desse

livro oscila entre referenciais socioconstrutivistas e os da tradição pedagógica,

baseados no método analítico-sintético. Por um lado, apresenta textos

autênticos, de usos sociais, por outro lado, enfatiza os processos de

decodificação e codificação. Eis o depoimento da professora:

‘‘É porque como eu tô na 1ª série, né? São textos assim, simples, ao

nível da turma... O Vida Nova ajuda muito. De início comecei com

Vida Nova porque trazia textos simples e as atividades, até porque o

nível da minha turma é fraco e o Vida Nova tem palavras simples’’

(PROFESSORA 08, 1ª série/REMCSA).

Já as docentes da REMC (quatro), ao afirmar que o LD ‘‘era difícil para o

nível da turma’’, fizeram referência a limitações nas atividades propostas pelos

LDs. Dentre essas, uma docente também fez referência aos textos longos.

É importante lembrarmos que, nessa rede, as professoras adotaram dois

livros na 1ª série (ALP e Na Trilha do Texto), com o intuito de utilizar o ALP

com os meninos que apresentavam uma maior dificuldade ou que nunca

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tiveram acesso à educação formal e o Na Trilha do Texto com aqueles mais

‘‘adiantados’’. As docentes embora tenham julgado os LDs como bons, não

deixaram de afirmar que algumas atividades propostas pelos mesmos,

principalmente pelo Na Trilha do Texto, ‘‘eram muito difíceis’’, ‘‘vinham com

muitos textos’’ e que as crianças precisariam do apoio do professor na

realização das tarefas, pois o LD pressupõe um aluno já alfabetizado. As

atividades, além de serem complexas, eram longas:

‘‘Deixa-me ver... ele vem... tem poucos exercícios, os que tem não

são claros para os alunos, pra eles conseguirem fazer só. Você tem

que tá sempre interagindo o tempo todo, e às vezes fica cansativo,

devido ao número de alunos que a gente tem em sala de aula’’

(PROFESSORA 20, 1ª série/REMC).

‘‘Os dois são bons, né? Porque o Na Trilha do Texto ele traz muito

texto pra criança, de leitura. Enquanto que o ALP traz muita

atividade, traz o texto, mas traz muitas atividades diferenciadas pra

trabalhar com as crianças’’ (PROFESSORA 19, 1ª série/REMC).

‘‘Porque, veja bem. Na Trilha do Texto já é pro aluno que já está

alfabetizado, já é um nível assim... em relação à nossa realidade é

menino de 3ª série e alunos bons de 3ª série, não são nem todos

que conseguem! ’’ (PROFESSORA 20, 1ª série/REMC).

Com relação ao que algumas professoras relataram sobre a

necessidade de responder com o aluno as atividades, parece-nos que as

docentes tinham dificuldade de desenvolver tarefas que não exigissem do

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aluno respostas simples ou únicas. Parece-nos que se torna mais fácil para o

professor ‘‘levar o aluno a dar respostas certas’’, isso acabaria mantendo de

certa forma, os alunos ocupados e a etapa de ‘‘correção’’ se daria de uma

forma ‘‘mais prática’’.

Diferentemente das demais redes de ensino, na REMR, uma professora

além de declarar que o LD ‘‘era difícil’’, ‘‘não estava condizente com a realidade

da turma’’, também mencionou a questão dos ciclos de aprendizagem

implantados na REMR e o fato do livro não corresponder à realidade dos

nordestinos. Vejamos o que nos afirmou a professora:

‘‘Fora da questão... que está fora da realidade, por conta dele ser

ainda seriado e nós estamos trabalhando com ciclos na Prefeitura do

Recife, não é em todas, mas nós estamos. Além disso, é a questão

de o livro não ser editado, projetado em cima da nossa realidade, de

sermos nordestinos. Não existe, você procura livros que explorem o

nosso meio ambiente, o nosso social e você não encontra. A gente

tem que se sujeitar a trabalhar com um... com a realidade que vem

de fora. Esse é o grande problema... A realidade é do Sul, Sudeste,

então os textos quando as crianças lêem, não lhes diz respeito. Elas

não se identificam com as personagens dos textos porque são

realidades diferentes da dele, o ambiente é outro...’’ (PROFESSORA

32, 2º ano do 1º ciclo/REMR).

Ao levantar essa problemática, há uma indicação de que as professoras,

principalmente das séries iniciais, teriam interesse em ensinar ‘‘a partir do

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cotidiano do aluno’’. O ensino teria que ter relação com a sua vida e

principalmente os textos deveriam ser ‘‘significativos’’.

Estas professoras também apontaram como aspectos negativos nos LDs

a ausência de determinadas atividades. Isso se deu tanto no 1º ano quanto no

2º ano do 1º ciclo.

Dentre as professoras do 1º ano do 1º ciclo, duas relataram sentir falta

de atividades relacionadas ao ensino do sistema de escrita alfabética que

explorem letras e palavras. Uma delas ainda apontou a ausência de atividades

de ‘‘Análise Fonológica’’. As professoras reconheciam que o LD (Letra, Palavra

e Texto) explorava diversos gêneros textuais e trazia atividades que o aluno

tinha prazer em realizar como: ‘‘parlendas’’, ‘‘caça-palavras’’, ‘‘cruzadinhas’’,

‘‘montar’’, ‘‘colar’’; no entanto, não priorizava outras atividades que levassem o

aluno a refletir sobre a escrita alfabética. A outra docente do 1º ano mencionou

a falta de atrativos no LD. Para ela, o LD Letra, Palavra e Texto não possuía

gravuras, não era colorido e, mais que isso, não explorava os diferentes tipos

de letras.

‘‘Eu acho que os LDs deveriam investir na aquisição do sistema

alfabético. Então nesse ponto esse livro responde às minhas

expectativas, porque ele dá ao aluno uma visão de mundo melhor, o

aluno não aprende só o ler e escrever, mas ele vê que isso faz parte

de sua realidade, faz sentido pra mim que é diferente das cartilhas

tradicionais, que eram bem assim, era muito mais fácil ler Dudu,

Dadá do que ler Domingo pé de cachimbo. Então nesse ponto ele é

melhor pra trabalhar, porque ele dá uma visão de mundo legal para

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o aluno. Mas a minha questão é: eu não posso deixar meu aluno

ficar só na visão de mundo, eu não posso permitir que meu aluno

tenha uma visão de mundo maravilhosa, mas não consiga ler Dudu

nem Dadá. Negar conhecimento ao aluno a gente também não

pode, e nessa perspectiva é preciso recorrer a outras atividades,

essas outras que eu falei e as que vierem mais, pra dar esse

respaldo pra gente, porque de qualquer maneira eu tenho uma turma

de alfabetização e se no final do ano meu aluno não consegue ler

nem Dudu, nem Dadá, não interessa que ele saiba cantar ‘‘Hoje é

Domingo pé de cachimbo. É o pai e a mãe que dizem logo: ah! Essa

professora é péssima, meu filho não consegue ler nem Dudu, nem

Dadá. Então a grande questão desse livro é essa, é você saber

dosar as coisas’’ (PROFESSORA 27, 1º ano do 1º ciclo/REMR)

‘‘(...) Sinto falta de atividades de Análise Fonológica e Decodificação

da notação alfabética’’ (PROFESSORA 25, 1º ano do 1º ciclo/

REMR).

Já as professoras do 2º ano do 1º ciclo, afirmaram sentir falta tanto de

atividades que envolvessem o ensino do sistema de escrita alfabética, como de

atividades gramaticais.

‘‘Eu acho que ele não contempla os objetivos da série. Ele é um livro

interessante, mas para as crianças que eu trabalho, com essa faixa

etária, com todas as dificuldades que eles têm, não contempla. A

mim não me satisfaz. ...Utilizo porque os textos dele são

interessantes, mas se nós formos nos prender apenas aos textos

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contidos no livro, você não consegue alfabetizar. Se eles são 1ª

série... eu tenho um filho de oito anos que já passou pela 1ª série, eu

vejo que o livro do meu filho, ele traz tudo aquilo que uma criança de

1ª série deveria ou poderia aprender. E o Letra, Palavra e Texto, ele

não traz a gramática. Ele traz os textos. Tudo bem que hoje em dia

você não trabalha a gramática de uma forma solta, isolada, mas é

importante também a criança ter o domínio da gramática. Então nós

terminamos fazendo essa parte fora. Então a criança não tem aonde

ver as regras, como é que tá certo, se tá errado, porque ela só

dispõe dos textos mesmo. Então por isso a necessidade que eu

senti, na minha sala, de trabalhar com um livro complementar, que

vem trabalhando passo a passo, formação de palavras, como se

forma uma frase. Porque eles não sabiam nem formar uma frase,

então quem passou todo esse conteúdo foi eu mesma, início de

frase, letra maiúscula; a segmentação que eles não tinham, a

pontuação que eles desconheciam. Então eu não vejo por que não

passar isso pra criança. Isso não significa ser tradicional, de forma

alguma, porque eu tenho que oferecer os instrumentos necessários

pra que a criança consiga ler e escrever corretamente’’

(PROFESSORA 31, 2º ano do 1º ciclo/ REMR).

A professora acima parecia sentir falta de atividades que explorassem

questões de normatividade, aspectos que o LD não enfatizava.

Encontramos, ainda, três professoras que afirmaram gostar dos LDs,

mas enfatizaram que os mesmos precisavam ser adaptados à realidade dos

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alunos. Para elas, os livros só atendiam a uma parcela da turma, sendo

necessário uma intervenção das mesmas para adequar as atividades ao nível

das crianças. De acordo com os depoimentos, parece-nos que as mestras

sentiam necessidade de suprir determinadas lacunas com relação à

heterogeneidade de desempenho dos alunos, algo de que os livros não

conseguiam dar conta. Uma dessas docentes relatou que ‘‘o LD teoricamente

era bom porque apresentava uma proposta construtivista, mas, ao olhar para a

realidade de seus alunos compreendia que não poderia ser só construtivista,

como não deveria ser só tradicional, mas precisaria ‘‘dosar’’ as atividades para

atender a todos os alunos’’. Vejamos o que nos afirmou uma outra professora:

‘‘Porque ele não supre as necessidades da criança. Por exemplo, a

gente trabalha com vários grupos na sala de aula. Classificamos

como pré-silábicos, silábicos, alfabéticos, alfabetizados, e o livro, ele

não vem atender a todos, né isso? Ele atende a uma parte, as outras

não. Então a gente tem que saber usar aquela atividade dentro da

realidade deles, que nem sempre vem atender. Nem tudo do livro eu

trabalho com ele, com o grupo, com todos. Eu tenho que ver a

necessidade de quem... né? Pra poder usar o livro’’ (PROFESSORA

19, 1ª série/REMC).

‘‘Eu recebi alunos que já chegaram praticamente alfabetizados, né?

Porque vieram de escolas particulares, porque em casa tem apoio e

dá a ele uma boa base, mas eu recebi aluno como esse, essa

criança começou o ano assim, nem letra ele sabia fazer. Fazia as

garatujas, nem a posição do caderno ele sabe. É tudo risco, bola.

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Quando você usa letra bastão, aí ele consegue imitar, ele não

domina, mas consegue imitar. Então com isso ou você faz um

trabalho diferente com esse aluno ou ele se perde no meio dos

outros. Se você continua e deixa ele pra trás, ele realmente vai

ficando pra trás’’ (PROFESSORA 27, 1º ano do 1º ciclo/REMR).

Dentre as três docentes que mencionaram a preocupação com a

heterogeneidade encontrada em sala de aula, duas afirmaram recorrer às

atividades propostas pelo GEEMPA22, realizando muitas vezes, atividades que

levavam os alunos a memorizarem letras, sílabas e palavras, sem proporcionar

uma reflexão acerca do sistema de escrita, como na realidade, ele é

construído.

‘‘Na verdade eu já participei do GEEMPA, eu já tinha muito o

trabalho com texto, mas o GEEMPA ele direcionou pra determinadas

coisas, tirando aquela coisa de que o menino não precisa memorizar

as sílabas, as letras, palavras. O menino precisa! Porque pra você

conhecer uma coisa tem que conhecer bem’’ (PROFESSORA 33, 2º

ano do 1º ciclo/REMR).

Em síntese, ao analisarmos o conjunto dos depoimentos, verificamos

que embora tenham sido as professoras da REMCSA que mais expressaram o

julgamento de que os LDs ‘‘eram difíceis por conter textos e textos longos’’, um

grande número de docentes também revelaram sentir dificuldade em

22 Grupo que existe em Porto Alegre desde 1980 sob a coordenação de Esther Pillar Grossi. A REMC foi convidada desde o 2º semestre de 2002 para fazer parte de um projeto de alfabetização. Em Camaragibe profissionais do GEEMPA se reuniam com os professores da 1ª série e da Educação de Jovens e adultos, a fim de discutir alternativas didáticas específicas para cada fase da evolução da escrita.

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‘‘trabalhar’’ com os textos contidos nos LDs com alunos que ainda não estavam

alfabetizados. Para elas, o livro era bom porque trazia textos, mas estes não

correspondiam à realidade da turma, os alunos ainda não estavam em

condições de utilizar aqueles textos. Tais depoimentos também parecem

revelar que os livros, na opinião das professoras, traziam poucas atividades

que atendessem aos diferentes níveis encontrados em sala de aula, além de

necessitar de um maior investimento em atividades relacionadas ao ensino do

sistema de escrita alfabética. Ressaltamos, por fim, os problemas decorrentes

dos LDs de 1ª série serem concebidos, pelos autores, como destinados a

crianças já alfabetizadas. Cremos que isto sugere que o aprendiz por eles

idealizado é uma criança de classe média, que cursou a educação infantil e se

alfabetizou no último ano daquela etapa escolar.

3.4 – Freqüência com que as professoras utili zavam o LD de alfabetização

Tendo em vista a avaliação dos LDs realizada pelas professoras,

verificamos que, de fato, estas não tomavam o LD como um dos elementos

mais presentes em seu ensino. A maioria das mestras mencionou que utilizava

o LD no máximo até duas vezes por semana ou raramente.

Na REMCSA, os depoimentos das mestras das duas séries, se

apresentaram bem semelhantes. As professoras afirmaram utilizar o LD

raramente ou duas a três vezes na semana. Na seção anterior as docentes

afirmaram que os LDs traziam textos e textos longos, o que os tornava

‘‘elevados para o nível da turma’’. Desta forma, as professoras acabavam

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utilizando esse material didático com pouca freqüência, ou exclusivamente, nos

dias específicos da disciplina Língua Portuguesa, como foi relatado por

algumas professoras.

‘‘Eu uso principalmente, o de Português, no dia de Português,

porque eu uso pra fazer leitura com eles, pra botar no quadro

assim... algumas palavrinhas pra eles copiarem e no caderno

mesmo, aí eu uso na leitura com eles’’ (PROFESSORA 7, 1ª série/

REMCSA).

Isto sugere que mesmo nas séries bem iniciais haveria dias ‘‘que não

são de Língua Portuguesa’’. Sabemos que a maioria dos alunos de escola

pública tem pouco contato com as práticas de leitura e escrita, e que a escola é

a instituição onde isso deve ser assegurado. Os alunos precisam ser expostos

aos diversos textos que circulam socialmente, devem ler e produzir textos

diariamente, além de serem ajudados a compreender o sistema de escrita

alfabética. Nesse caso, ao se estabelecer nas séries iniciais os dias específicos

de Língua Portuguesa, podemos nos perguntar: De que forma as professoras

vêm desenvolvendo um ensino que, de fato, ajude o aprendiz na apropriação

da língua escrita e vise à formação de um suj eito letrado? Cremos que, para

reduzir as diferenças sociais, a escola precisa assegurar a todos os alunos-

diariamente- a vivência de práticas reais de leitura e produção de textos

diversificados (MORAIS E ALBUQUERQUE, 2004).

Além dessa problemática, temos um outro tipo de depoimento que vem

ilustrar a pouca utilização do LD oficial. Neste caso, as professoras, por

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sentirem dificuldade de ensinar com os textos dos livros, realizavam o ‘‘texto

coletivo’’:

‘‘Esse que eles ganharam, que o Governo Federal envia, eu

dificilmente uso, eu não acho ele adequado pra alfa não. Ele é muito

forte em relação à Proposta Curricular que a gente recebe. Eu tiro

algumas coisas, algumas atividades, porque é útil. Eu não vou dizer

que colocaria ele numa prateleira e esqueceria não. Eu tiro algumas

coisas dele, mas pra usar ele diariamente eu não utilizo’’

(PROFESSORA 2, alfabetização/ REMCSA).

Quando perguntamos sobre a proposta curricular a professora

respondeu:

‘‘Possa ser que alguns professores, né? Consiga (sic) pegar essa

cartilha e trabalhar, porque cada pessoa tem sua dificuldade. Eu não

consigo trabalhar com essa cartilha o que eu pretendo, porque a

rede... ela pretende trabalhar muito com o construtivismo do menino,

com textos e eu acho o texto dele muito além do conhecimento da

criança. Eu prefiro fazer o texto mesmo com ele, o texto coletivo, do

que tirar aquele texto do livro, fazer a interpretação. Eu não sou

muito a favor não’’ (PROFESSORA 2, alfabetização/ REMCSA).

É importante verificar que a professora, mesmo reconhecendo a

proposta curricular da rede, que defendia ‘‘o construtivismo e o ensino a partir

de textos’’, não incorporou esse discurso devido principalmente, à dificuldade

de ‘‘ensinar com os textos contidos nos LDs’’, optando assim, por desenvolver

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‘‘textos coletivos’’. Isso acaba reforçando mais uma vez o conflito vivido por

aquelas professoras, que recorriam aos textos coletivos, que para elas ‘‘eram

mais fáceis para o nível da turma’’. Essas mestras, ao não usar os textos

‘‘difíceis’’ dos LDs, realizavam os ‘textos coletivos’’ ou coisas afins, que não

correspondiam necessariamente, a gêneros de circulação social. Os alunos,

desta forma, corriam o risco de não serem expostos a bons modelos textuais.

Tendo em vista a preocupação de não reduzir a noção de alfabetização ao

aprendizado do sistema de escrita alfabética, mas uma alfabetização que

possibilite ao educando o exercício efetivo e competente da escrita, ou melhor,

uma alfabetização que esteja atrelada ao letramento, onde o aluno possa fazer

uso dessa escrita nos diversos contextos sociais, julgamos que é necessário

que os educadores tenham uma intervenção sistemática. Segundo Morais e

Albuquerque (2004), a conquista de um nível mínimo de letramento pressupõe

oportunidades de uso, reflexão e domínio das propriedades dos diferentes

textos que circulam socialmente.

Dentro do universo pesquisado, encontramos também duas professoras

(uma de cada série) que afirmaram utilizar o livro de três a quatro vezes na

semana. É importante ressaltar que, embora tenham afirmado utilizar o livro

dentro de um período maior, essas docentes também mencionaram que os

manuais deixavam a desejar, eram elevados, e uma delas, responsável pela 1ª

série, acabava usando o livro que era destinado à alfabetização, porque, para

ela, ‘‘estava mais próximo do nível da turma’’.

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No que se refere à REMC, as professoras do Pré II23 pareciam utilizar

mais o LD em relação às professoras da 1ª série. Nenhuma professora

mencionou que usava o livro raramente e apenas uma afirmou que o utilizava

no máximo duas vezes por semana, ‘‘porque estava vivenciando projetos’’, mas

fez questão de relatar que as atividades do projeto eram retiradas do livro:

‘‘Veja só, como ele é só um suporte e ultimamente assim... de junho

pra cá eu tenho trabalhado muito com projetos, então eu tenho tido

pouco tempo pra trabalhar o livro didático, embora as atividades em

cima do projeto eu vou buscando lá modelos de atividades pra ser

um suporte, mas...’’ (PROFESSORA 13, Pré II/ REMC).

As outras duas docentes do Pré II afirmaram utilizar o livro de três a

quatro vezes por semana. Este é um dado bastante curioso, pois na rede em

que as professoras eram orientadas a não utilizar LD no Pré II, aquelas

docentes usavam o livro com mais freqüência do que as professoras da 1ª

série que, em sua maioria, recebiam dois LDs de Língua Portuguesa.

Acreditamos que aquelas docentes usavam os LDs com maior freqüência

porque gostavam, de fato, dos mesmos. Duas utilizavam o ALP e para elas o

livro só deixava a desejar porque em alguns momentos ‘‘trazia atividades um

pouco elevadas’’, mas a maioria das atividades eram por elas utilizadas. A

outra docente do Pré II que usava o livro de Damaris,24 também o utilizava com

23 É importante lembrar que nessa rede de ensino as professoras não recebiam livro no Pré II. 24 FLOR, D. Pedagogia: Caminhos Diferentes para Alfabetizar. Recife: TSI, 2000. Esse livro apresenta diversas atividades práticas, baseadas na “filogenia da comunicação”, isto é, da história do desenvolvimento da comunicação na humanidade. Segundo a autora, o aprendizado da notação alfabética se apóia em “desenhos ou imagens para representar a fala e a escrita simultaneamente.

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muita freqüência e, segundo ela, ‘‘aquele LD só deixava a desejar porque a

mesma não possuía a coleção completa’’.

Já as docentes da 1ª série da REMC que entrevistamos pouco usavam o

LD. Uma relatou que o livro só era consultado raramente (uma vez a cada 15

dias) e as demais no máximo duas vezes na semana. Vejamos o depoimento

de uma professora da 1ª série:

‘‘Olha, é muito pouco. Não é assim uma coisa diariamente, até

porque eu me apoio em outros tipos de atividades com eles’’

(PROFESSORA 19, 1ª série/ REMC).

Os outros tipos de atividades que a professora afirmou realizar como

apoio, eram aquelas elaboradas procurando atender as necessidades do

grupo: ‘‘completar com as sílabas que estão faltando’’; ‘‘escrever os nomes das

figuras’’; ‘‘completar as palavras com as vogais’’; ‘‘ditado’’... Essas atividades,

segundo a professora citada acima, eram distribuídas de acordo com os níveis

das crianças. Embora ela gostasse dos LDs oficiais, reforçava que os mesmos

‘‘não abordavam a heterogeneidade’’.

Quanto à REMR, as professoras pareciam usar um pouco mais o LD

oficial em relação às colegas. Apenas uma professora do 2º ano do 1º ciclo

afirmou empregar o LD raramente, utilizando outros livros com maior

freqüência; e uma do 1º ano do 1º ciclo não indicou a freqüência que utilizava o

LD. As demais professoras das duas séries utilizavam o LD de duas a quatro

vezes na semana.

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‘‘O Letra Palavra e Texto, eu acredito que uso umas quatro vezes

por semana. Tem semana que eu uso três, tem semana que eu uso

quatro. Vai depender muito da semana. Às vezes é mais

tumultuado, porque tem outras coisas’’ (PROFESSORA 33, 2º ano

do 1º ciclo/ REMR).

‘‘Eu uso o Letra, Palavra e Texto muito esporadicamente, eu uso

com mais freqüência o outro...’’ (PROFESSORA 31, 2º ano do 1º

ciclo REMR).

O livro que a professora mencionou utilizar com maior freqüência foi o

Novo Tempo. Este era empregado ‘‘para fazer a leitura do texto’’ e, em

seguida, ‘‘trabalhar palavras-chave’’ e formar a partir dessas palavras, novas

palavras.

Na realidade, o depoimento dessa professora, parece revelar o discurso

da maioria das docentes aqui pesquisadas que utilizavam o LD adotado

oficialmente (11/18) que, ao não utilizar o livro destinado a sua série, acabavam

empregando outros livros didáticos com maior freqüência, na tentativa de

encontrar atividades e textos que, para elas, auxiliavam muito mais nesse

processo de alfabetização.

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3.5 – Motivos pelos quais as professoras não utili zavam o LD oficial

Percebemos que os motivos pelos quais as professoras não utilizavam

LD, iam desde o fato da rede não ter adotado livro para determinada série até a

complexidade atribuída àqueles manuais..

Verificamos que a maioria das escolas da rede do Cabo de Santo

Agostinho não recebeu livro de alfabetização em 2003. Algumas professoras

chegaram até a participar da escolha do LD, mas o mesmo não chegou. Vale

ressaltar que em conversas mais informais com os membros de várias

instituições (professoras, diretora, coordenadora) e técnicos da própria

secretaria de Educação, conseguimos informações sobre escolas que tinham

recebido livros nessa série, por intermédio exclusivo, de sua direção. O que

possibilitou nossa investigação.

Com relação às professoras da 1ª série que não usavam LD, as mesmas

também afirmaram que este ‘‘era difícil para o aluno’’, ‘‘difícil porque trabalhava

em cima de textos’’ e ‘‘distante da realidade da turma’’. Desta forma, as

professoras da 1ª série que não usavam livro também apresentaram o mesmo

tipo de julgamento das professoras que usavam LD e o consideravam ‘‘difícil

porque trabalhava em cima de textos’’. Por isso, aquelas que não usavam o LD

acabavam utilizando textos extraídos de livros da alfabetização para serem

utilizados na 1ª série. Eis os seguintes depoimentos:

‘‘...Então eu acho, como D. Aparecida falou, ele é difícil, ele é

complicado na cabeça do aluno, pro aluno entender. Ele traz muito

texto, entendeu? São coisas isoladas nesse livro. Então não dá pra

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trabalhar com o aluno que não sabe o que é um ‘‘a, o que é um b,’’

eles não conhecem...’’ (PROFESSORA 10, 1ª série/ REMCSA).

‘‘Porque eu acho o nível dele muito além do que minha turma é.

Geralmente, eu pego textos da alfa para trabalhar com a turma da

1ª’’ (PROFESSORA 12, 1ª série/ REMCSA).

As professoras, em seus depoimentos, apresentavam uma certa

angústia quanto ao que fazer com o livro. Para elas, o livro destinado a sua

série ‘‘só trazia textos e apresentava um nível muito elevado’’, dificultando o

seu ensino da escrita alfabética. Era necessário buscar livros de alfabetização

para serem utilizados com a 1ª série e muitas vezes esses livros eram

recomendados com ressalvas ou não recomendados, mas as docentes

sentiam mais segurança em usá-los.

Isso fica evidente no decorrer do depoimento da professora citada

anteriormente, quando perguntamos de que livro ela retirava esses textos. A

professora respondeu:

‘‘Eu gosto do ‘‘Porta de Papel’’, daquele ALP, vou pegando livro

emprestado de outros colegas. Eu gosto muito do Porta de Papel. O

ALP eu praticamente só pego os textos e o Porta de Papel não,

pego textos, pego atividades’’ (PROFESSORA 12,1ª série/

REMCSA).

Em seguida, a professora afirmou que não gostava muito do ALP

porque:

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‘‘Ele fala do mundo do construtivismo, o livro é muito bom, mas o

professor ‘‘não tem muito tempo para trabalhar isso’’. Já o Porta de

Papel ‘‘é um pouquinho mais tradicional e como você não tem muito

tempo ele fica melhor para trabalhar’’ (PROFESSORA 12, 1ª série/

REMCSA).

Parece-nos que as professoras não estavam satisfeitas com as

propostas dos novos livros e acabavam utilizando os livros tradicionais, ‘‘ruins’’.

De acordo com o depoimento da professora acima, isto ocorria também

‘‘porque o professor não tem tempo para fazer algo melhor’’.

No que se refere à REMC, existia uma problemática quanto ao uso e

não-uso do livro de alfabetização. A secretaria de Educação afirmou que o Pré

II não deve ria utilizar LD. A proposta era que os educadores ‘‘fossem criativos

para formular atividades diversas’’, e que os mesmos ‘‘não teriam obrigação de

alfabetizar’’25. Algumas escolas afirmavam que o Pré II utilizava livro, outras

mantinham o mesmo discurso da secretaria de Educação, e uma outra

informação era que o Pré II não deveria usar LD, mas algumas professoras, por

escolha própria, resolviam utilizá-lo e pegavam o livro disponível na escola.

Dentro desse cenário, os depoimentos giravam em torno de uma mesma

justificativa: as professoras do Pré II afirmaram que ‘‘não usavam livro porque

a série não trabalhava com LD’’, ‘‘recebiam orientações para não utilizar’’ e, por

conta disso, uma professora mencionou que ‘‘utilizava projetos’’.

25 Depoimento oral fornecido por um membro da Diretoria Geral de Ensino daquela rede, obtido pela ocasião da autorização para a realização da pesquisa.

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Já as professoras da 1ª série não eram ‘‘proibidas’’, ‘‘solicitadas a não

utilizar livros’’, mas todas faziam parte do GEEMPA26 e, dentro desse

programa, observamos nas entrelinhas dos depoimentos das professoras que a

proposta era que o professor não usasse livro, mas se baseas se no próprio

‘‘livro de Esther Grossi27’’ , o qual continha atividades diversificadas para

atender os diferentes níveis no processo de aquisição da escrita. Isso ficava

evidente nos depoimentos abaixo:

‘‘... Porque eu tô trabalhando no GEEMPA e o GEEMPA não

permite. A gente dá uma olhadinha, vê, mas não pode estar com o

LD. Ele dá outra experiência ` a gente’’ (PROFESSORA 22, 1ª série/

REMC).

‘‘...O GEEMPA ele orienta que se precisar use, mas ele trabalha

muito em cima de textos, do aluno criar, do aluno pesquisar’’

(PROFESSORA 24, 1ª série/ REMC).

É interessante observarmos que os argumentos apresentados pelas

professoras da REMR, do 1º ano do 1º ciclo, eram semelhantes aos das

26 O GEEMPA realizava grupos de estudos e os encontros aconteciam semanalmente, atendendo aos professores da 1ª série (Ensino fundamental) e aos professores da Educação de jovens e adultos. Cada grupo possuía um líder que deveria organizar a pauta, os questionamentos e dificuldades encontradas pelos professores em sala de aula. Os professores juntamente com a coordenação de cada grupo discutiam e selecionavam atividades para atender a cada nível de aprendizagem. 27 Esse material se constitui em uma coleção sob o título ‘‘Alfabetização em clas ses populares’’ e teve grande repercussão, por ser um material produzido para a alfabetização com a finalidade de uso em sala de aula. A coleção procura definir orientações pedagógicas pertinentes às diferentes etapas da psicogênese da escrita estando, para isso, organizada em três volumes: Didática do nível pré-silábico, Didática do nível silábico e Didática do nível alfabético. Cada volume apresenta orientações metodológicas voltadas a cada fase da psicogênese da escrita.

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docentes da 1ª série da REMCSA (difícil para o nível da turma). Já entre as

professoras do 2º ano do 1º ciclo, duas afirmaram que não usavam livro porque

‘‘trabalhava em cima de textos fragmentados, descontextualizados’’ e que ‘‘as

leituras eram extensas e sem sentido’’. Eis alguns depoimentos que ilustram

esses pontos de vista:

‘‘As leituras são extensas e muito sem sentido... É, eu acho muito

alto, tem coisas que ficam muito difíceis pra eles, muito extenso. Eu

acho assim muito extenso, acho muito... pra os assuntos que a

gente trabalha do IQE (Instituto da Qualidade do Ensino) que é um

projeto muito bom28’’ (PROFESSORA 35, 2ºano/REMR).

‘‘Porque são descontextualizados, trazem sempre os mesmos

textos, geralmente fragmentados’’ (PROFESSORA 34, 2º ano do 1º

ciclo/ REMR).

Uma outra docente afirmou que não utilizava o LD oficial porque quando

assumiu a turma, a professora já fazia uso de outro LD que não era o adotado

pela escola e ela deu continuidade ao trabalho com esse livro.

Em síntese, observamos que o julgamento ‘‘difícil para o aluno’’, ’’nível

elevado para a turma’’, prevaleceu no discurso de seis das dezoito professoras

das três redes de ensino. Parece-nos que, para as professoras, o LD adotado

pelas escolas ‘‘não ajudava a alfabetizar’’. O interessante é que, ao lado desse

julgamento, as professoras também afirmavam que era ‘‘difícil porque

trabalhava em cima de textos’’. Apenas uma docente revelou esse argumento,

28 Essa professora trabalhava na Escola André de Melo. Esta era uma das escolas atendidas em Pernambuco pelo o IQE (Instituto da Qualidade de Ensino).

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mas associando isso aos julgamentos: ‘‘difícil para o aluno e ‘‘textos

fragmentados, descontextualizados’’, nos deparamos novamente com uma

forte rejeição aos textos dos LDs. Percebemos que elas sentiam grandes

dificuldades de trabalhar com o LD e iam em busca de outras fontes, outros

materiais, para ajudá-las na organização do seu ensino do sistema de escrita

alfabética. Mas, freqüentemente, a salvação encontrada era extraída de outros

livros, que continuariam tratando a escrita alfabética como um código, a ser

ensinado de forma bastante controlada, de preferência ordenando a

apresentação das ‘‘famílias silábicas’’.

3.6 – Materiais utili zados no lugar do L D oficial

Como mencionamos no final da seção anterior, as professoras que não

utilizavam o LD adotado pelas escolas ou pela rede, usavam, em sua grande

maioria (16/18), outros LDs. Isso ocorria nas três redes de ensino, tanto na

alfabetização como na 1ª série. As docentes diziam sentir a necessidade de, de

alguma forma, ‘‘utilizar um livro’’. Se não gostavam do LD adotado, procuravam

outros livros e faziam uma seleção, seja para retirar atividades, textos, ou até

mesmo ‘‘pegar alguma idéia’’, ‘‘alguma sugestão’’, mas sempre recorriam a

outros livros que lhes ofereciam uma ‘‘maior possibilidade de trabalhar em sala

de aula’’. Eis alguns depoimentos sobre esse processo de ‘‘seleção’’:

‘‘Basicamente, resgatar textos para, em cima do texto, fazer

interpretação... é, para fazer aquela coletânea... e às vezes, para

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fazer o trabalho também, de ortografia, alguma coisa assim’’

(PROFESSORA 12, 1ª série/ REMCSA).

‘‘Algumas vezes... pra tirar assim, alguns textos, alguma atividade

dele, por base, né? Porque também a gente dizer que não utiliza

livro nenhum... nenhum professor trabalha sem livro algum’’

(PROFESSORA 23, 1ª série/ REMC).

‘‘Pra fazer consultas, pesquisa, ver se tem alguma tarefa no tema

que eu tô trabalhando, pra ajudar no meu dia-a-dia’’.

(PROFESSORA 30, 1º ano do 1º ciclo/ REMR).

Cinco das dezesseis docentes que relataram empregar outros livros,

afirmaram inicialmente que utilizavam ’’textos’’ no lugar do livro adotado. Essas

professoras não explicitaram nenhum tipo ou gênero textual, apenas afirmaram

que ‘‘trabalhavam com texto’’. Quando perguntamos de onde retiravam os

textos, elas respondiam que era de vários livros, ou seja, as professoras que

afirmaram ‘‘utilizar texto’’ trabalhavam, na realidade, com outros livros

didáticos!!.

‘‘Às vezes eu pego assim, eu pego alguns livros de alfabetização ou

de 1ª série para tirar assim, pra tirar atividades que dê pra trabalhar

com os textos que a gente trabalha, que a gente trabalha com o

texto, do texto é que a gente trabalha com músicas, é só em caso de

pesquisa, né?’’ (PROFESSORA 18, alfabetização/ REMC).

É importante observar que o discurso do ‘‘texto‘‘, ’‘ensinar a partir de

textos’’, é um discurso que, segundo Albuquerque (2002), hoje está sendo

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bastante difundido. Os professores de certa forma, já incorporaram esse

discurso. No entanto, vale ressaltar, que as docentes aqui pesquisadas

pareciam ter incorporado tal discurso, reconhecendo a importância do texto,

mas, ao mesmo tempo, demonstravam que uma das sua grandes dificuldades

de ensinar a partir do uso do LD oficial era justamente por este conter textos,

‘‘textos longos’’, tornando-se complexos para serem trabalhados ‘‘com crianças

que, muitas vezes, nunca chegaram a freqüentar uma escola’’.

Por outro lado, cinco professoras explicitaram como materiais utilizados

no lugar do LD, vários gêneros textuais como: Fábulas, receitas, trava-línguas,

poemas, poesias e músicas. É interessante enfatizarmos que as docentes

explicitaram textos que possibilitavam ao aluno brincar com as palavras, com

as rimas, refletir sobre as mesmas, o que auxilia a criança na compreensão do

sistema de escrita alfabética (MORAIS, 2004).

O fato de selecionarem textos mais curtos, que os alunos memorizem

facilmente, também os ajudariam a refletir sobre as relações letra-som, sobre

as relações parte-todo (palavra- sílabas/letras) e entre partes faladas e partes

escritas.

‘‘É... atividades... com textos bem conhecidos, nós estamos iniciando

o ano, trabalhei com textos bem conhecidos deles, né? Cantiga de

roda, parlenda, coisa bem do dia-a-dia deles, receitas. Aí a gente

fez, né? ... Visitou a cidade, para eles olharem algumas palavras, as

funções das palavras. Isso através de texto, coletânea...’’

(PROFESSORA 23, 1ª série/ REMC).

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Apenas três professoras afirmaram realizar exercícios mimeografados e

atividades no quadro como: ‘‘produção de texto a partir de figuras’’, formação

de palavras’’. Nos perguntamos assim: de que forma as docentes realizavam

seus registros em sala de aula? Como e em quais situações os alunos eram

solicitados a expressar sua compreensão acerca do sistema de escrita

alfabética, já que as professoras relataram não usar LD e usavam outros para

retirar apenas sugestões de atividades ou textos e se apenas três, afirmaram

realizar atividades mimeografadas ou no quadro? Uma hipótese seria que as

professoras realizavam, em sua maioria, atividades no caderno, mas isso não

foi explicitado. Elas não apontaram o caderno como sendo um material didático

que acabava por substituir o LD.

3.7 – Estratégias de ensino adotadas pelas professoras29

É importante enfatizar que essa questão foi formulada a todos os

sujeitos, com a intenção de investigarmos como os mesmos desenvolviam seu

ensino do sistema de escrita alfabética independentemente de utilizar ou não o

LD adotado para a série.

Ao analisarmos as formas de ensino utilizadas pelas professoras,

percebemos que, ao relatarem tais encaminhamentos, acabavam muitas vezes

mencionando as atividades e os conteúdos ensinados, não enfatizando de fato,

o ‘‘como faziam’’.

29 O termo estratégia foi utilizado nesse estudo enquanto encaminhamentos didáticos, como as professoras desenvolviam seu ensino e não no sentido de estratégia como cálculo ou manipulação de força definida por Certeau, 2000.

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É interessante verificar que, dentre as estratégias apontadas pelas

mestras, as que envolviam a ‘‘leitura’’ foram as mais citadas. Percebemos que

19/36 das professoras representantes das três redes e dos dois níveis de

ensino, a mencionaram. Dentro das atividades de leitura, observamos que

grande parte dessas docentes (12) realizavam ‘‘leitura de texto’’, sendo que a

metade afirmou priorizar a leitura de histórias dos livros de literatura infantil

porque segundo elas, a ‘‘leitura deve ser prazerosa’’ e ‘‘devemos desenvolver a

leitura a partir do que as crianças gostam de ler, que é a leitura de histórias

infantis’’. Vale ressaltar que a leitura de textos era geralmente realizada pela

própria mestra; encontramos apenas um caso em que a leitura era feita tanto

pela docente quanto pelos alunos, mas era uma leitura na qual a criança ia à

banca da professora para ‘‘tomar a leitura’’. A professora justificou que a sala

não dispunha de um espaço adequado para desenvolver as atividades e que,

por isso, a alfabetização se reduzia a atividades no quadro e leitura feita por ela

ou individualmente. Ainda dentro da leitura de textos, uma professora afirmou

realizar tal atividade a partir de textos produzidos coletivamente. Vejamos os

seguintes depoimentos:

‘‘Olha é... é fazendo com que a criança tenha muito contato com o

texto. É assim que eu penso, né? Quanto mais leitura se tiver na

frente delas, para elas e o contato com essa leitura e dessa leitura

também a escrita, eu acredito que a partir daí é que a criança vai se

alfabetizando’’ (PROFESSORA 13, Pré II- usa LD/ REMC).

‘‘... a alfabetização mesmo se reduz mais, assim... a atividades no

quadro, leitura feita por mim e faço também a leitura individual. Peço

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pra cada um vir na minha mesa,né? AÍ dou um livro, geralmente é

história da literatura infantil, né? Que mais agrada a eles, porque eu

acho também que a leitura só se dá assim, a partir de um processo

que eles gostem, tem que ser uma coisa que eles gostem de ler, né?

Então eu procuro dar assim... livros de leitura’’ (PROFESSORA 36,

2º ano do 1º ciclo- não usa LD/ REMR).

‘‘A gente trabalha leitura de textos coletivos, eu trabalho com eles

formação de palavras a partir de ditados, de jogos, onde eles tentam

formar palavras e eles tentam, né? Escrever da maneira como eles

sabem e depois a gente questiona, né? Como foi escrita aquela

palavra, o que tá faltando, sempre provocando o pensamento da

criança, né? Pra que ela chegue num determinado entendimento

que aquela palavra não é daquele jeito ou que é’’ (PROFESSORA

19, 1ª série- usa LD/REMC).

As mestras muitas vezes utilizavam o texto, a leitura do texto, como

pretexto para retirar palavras para serem estudadas e, a partir dessas palavras,

destacar as ‘‘famílias silábicas’’. Segundo Morais e Albuquerque (2004), é

necessário promover situações cotidianas em que os textos possam ser lidos e

escritos porque atendem a uma determinada finalidade. ‘‘Trata-se de ler e

produzir textos! Nada de usar a apresentação de textos como pretexto para

memorizar letras ou sílabas soltas’’. (MORAIS E ALBUQUERQUE, 2004, p.

09).

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Dentro desse universo, encontramos uma professora que afirmou

‘‘trabalhar com a leitura de texto,’’ declarando utilizar o método análítico-

sintético. Vejamos seu depoimento:

‘‘Olha, eu alfabetizo primeiro trabalhando com o texto. O método é

analítico-sintético, ele parte do todo para as partes e das partes para

o todo30. Como é que isso se dá na prática? Por exemplo, na

verdade eu quero que eles conheçam a letra B, mas eu não vou pro

B trabalhar o BA-BE-BI-BO-BU, claro! Então, o que é que eu faço?

Eu trago um texto e nesse texto nós fazemos uma leitura. Pode ser

um texto de... normalmente, eu faço texto musical também, trago às

vezes CDs. Eles cantam, eles tocam, eles brincam e essas músicas

são mais... às vezes cantigas de roda, cantigas folclóricas, e a partir

daquele texto, que eles já estão interagindo com aquele texto, então

eu escolho uma palavra. No caso, se for por exemplo o B, eu

escolho a palavra que tem o B e a gente vai destacar aquela

palavra. Destacando aquela palavra, eu vou destacar as famílias

silábicas daquela palavra...’’ (PROFESSORA 29, 1º ano do 1ºciclo-

não usa LD/REMR).

Um outro grupo de professoras (dez), embora priorizassem a leitura, não

especificaram se esta leitura era realizada em cima de letras, palavras, frases

ou texto. Apenas mencionaram que ‘‘gostavam de realizar a leitura’’, ‘‘partiam

30 Evidencia-se uma confusão sobre as características dos métodos tradicionais. Já que os métodos classificados enquanto Sintético-Analíticos são: Alfabético, Fônico e o Silábico e os Métodos Analíticos-sintéticos envolveriam os processos de Palavração, Setenciação e de Contos.

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da leitura’’, mas não aprofundaram como e a partir de quê se dava essa leitura.

É interessante levantar que, dentre essas professoras, que não especificaram

que tipo de leitura realizavam, encontramos duas docentes que afirmaram

promover a ‘‘pseudo-leitura’’ (uma da REMC do pré II e uma da REMR do 2º

ano do 1º ciclo, que utilizavam o LD), mas também não deixaram claro, a partir

de quê essa pseudo-leitura era realizada. Além disso, duas professoras

também mencionaram a ‘‘leitura do alfabeto’’; junto à leitura do alfabeto,

ensinavam a ordem alfabética, para que os alunos identificassem e

reconhecessem o som das letras.

Uma outra estratégia semelhante, bastante mencionada pelas mestras,

dizia respeito a ‘‘atividades que envolviam o texto’’. Verificamos que 13

professoras das três redes mencionaram tais atividades. Além da leitura de

texto citada acima, uma outra atividade enfatizada foi a produção de textos.

Essa estratégia era mais realizada nas turmas de 1ª série. Na alfabetização a

produção era realizada apenas pelas docentes que utilizavam LD, enquanto

que na 1ª série isso era realizado tanto por quem usava como por quem não

usava o livro oficial. Observamos, também, que dentre as docentes que

realizavam a leitura de textos (12), apenas quatro promoviam a produção de

textos. É importante ressaltar que a produção de textos, para algumas

professoras, ‘‘surgia aos poucos’’, ‘‘quando os alunos já conheciam as letras’’,

‘‘eram capazes de compor vogais e consoantes, formar palavras e frases’’.

Ficava patente, nesses casos, a antiga concepção ‘‘aditiva’’, segundo a qual

era preciso partir de unidades menores, que gradativamente iriam se somando.

Vejamos o que nos afirmava a professora abaixo:

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‘‘Alfabetizar se dá assim, num passo muito lento. Eu costumo usar

assim... um quadro de padrões silábicos, que ele compõe as vogais,

as consoantes, formando assim... as palavrinhas. Depois do grupo

de padrões silábicos formados com o formato das palavras e dali

vão surgindo as frases e das frases os textos’’ (PROFESSORA 08,

1ª série- usa LD/ REMCSA).

Por outro lado, as professoras não compreendiam que os alunos,

mesmo não escrevendo convencionalmente, deveriam ser estimulados a

produzir seu textos. Segundo elas, para fazê-los o aprendiz precisaria antes se

alfabetizar, conhecer as letras, formar as sílabas, palavras, frases e, só depois,

construir textos. Tal como diziam ser difícil trabalhar com a leitura de textos

longos e ‘‘complexos’’, no caso da produção de textos não pareciam ver

ganhos em termos de conhecimento dos gêneros textuais, que poderiam advir

de tais atividades, mesmo antes dos alunos terem se apropriado do sistema de

escrita alfabética.

Em outros casos, as professoras realizavam, como mencionamos

anteriormente, a produção de textos coletivos, na qual, na realidade, os alunos

não notavam/registravam o texto; eles ditavam e a professora registrava no

quadro, a fim de que fossem extraídas determinadas palavras, para serem,

posteriormente, estudadas. Vejamos o seguinte depoimento:

‘‘... Na medida que íamos falando sobre o eclipse, tal, eu ia

escrevendo as palavras que saíram, que eles iam falando, eu ia

escrevendo no quadro...Das palavras que surgiram, eu solicitei que

criassem um texto, depois eles falaram... eles já são muito

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acostumados a criar textos coletivos, quase sempre a gente faz um

texto coletivo. Eles criaram um texto sobre o que eles acham o que é

um eclipse, tal, deram um título ao texto e dali... e desse texto nós

tiramos as palavras...‘‘ vamos lá trabalhar a palavrinha sol, aí foi

interessante porque tem a questão do L no final, que tem o som do

U...’’ (PROFESSORA 31, 2º ano do 1º ciclo- usa LD/ REMR).

Ao lado desse ‘‘trabalho com as palavras’’ que eram retiradas dos textos

produzidos coletivamente, as professoras não levavam os alunos a praticarem

a leitura e a escrita de textos reais. Ainda de acordo com Morais e Albuquerque

(2004), ao explorar ou produzir textos, mesmo que esses sejam notados por

uma pessoa já alfabetizada, os aprendizes estarão desenvolvendo

conhecimentos sobre a linguagem que se usa em cada um dos gêneros que

circulam numa sociedade letrada e sobre as finalidades a que se prestam.

Considerando os depoimentos das mestras, entendemos que os aprendizes

quando eram solicitados a produzirem textos coletivos, poderiam, como foi

mencionado anteriormente, não estar sendo expostos a bons modelos textuais,

a textos que apresentam características e finalidades socialmente definidas. As

professoras tratavam freqüentemente, a partir de textos produzidos

coletivamente, de temas do cotidiano, datas comemorativas: ‘‘as férias’’, ‘‘o

natal’’, ‘‘filhos sem mães’’...

Ainda dentro desse universo do ensino com o texto, sete professoras

que mencionaram o ‘‘texto’’, afirmaram ‘‘utilizar vários tipos de textos’’, mas não

especificaram o que de fato realizavam com os mesmos. Ao afirmar que

‘‘usavam vários tipos de texto’’, as sete professoras indicavam a história,

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poemas, poesias, listas e músicas como os gêneros priorizados para

alfabetizar, sendo estas representantes das três redes e dos dois níveis de

ensino, incluindo tanto quem usava como quem não usava LD.

Se tinham dificuldade de promover a leitura e a produção de textos, elas

pareciam ter ainda mais dificuldade de desenvolver a ‘‘interpretação’’. Apenas

uma docente afirmou realizar essa atividade:

‘‘... Então eu faço, nesse sentido aí, todos os dias leitura, todos os

dias interpretação...’’ (PROFESSORA 6, alfabetização – não usa

LD/REMCSA).

As professoras também priorizavam a ‘‘Formação de palavras’’.

Verificamos que 12 professoras das três redes e dos dois níveis de ensino

mencionaram essa atividade, independentemente de utilizarem ou não o LD.

Observamos que quase a metade dessas professoras (cinco), promoviam a

formação de palavras a partir do uso dos padrões silábicos e de fichas

contendo letras e sílabas. Para auxiliar essa atividade, duas professoras

realizavam, também, a ‘‘separação de sílabas’’. Além dos padrões silábicos e

de fichas, outras docentes também mencionaram que desenvolviam ‘’formação

de palavras’’ a partir de ‘‘ditados’’, ‘‘ jogos educativos’’, ‘‘abecedário’’ e

‘‘alfabeto móvel’’. Vale ressaltar que o uso dos padrões silábicos e da

separação de sílabas foram atividades relatadas apenas pelas professoras da

REMCSA.

‘‘A gente trabalha leitura de textos coletivos, eu trabalho com eles

formação de palavras a partir de ditados, de jogos onde eles tentam

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formar palavras e eles tentam, né? Escrever da maneira como eles

sabem. E depois a gente questiona como foi escrita aquela palavra,

o que tá faltando, sempre provocando o pensamento da criança, né?

Pra que ela chegue a um determinado entendimento, que aquela

palavra não é daquele jeito’’ (PROFESSORA 19, 1ª série- usa LD/

REMC).

Sete professoras disseram desenvolver seu ensino do sistema de escrita

alfabética utilizando, entre outras atividades, jogos educativos e brincadeiras

‘‘porque interessavam à criança’’. Os jogos e brincadeiras só foram apontados

pelas docentes das REMC e REMR. Os jogos mais citados foram: ‘‘bingo de

palavras’’ e ‘‘forca’’. Como dito anteriormente, a maioria dos jogos auxiliava nas

atividades de ‘‘formação de palavras’’. Embora a ‘‘cruzadinha’’ fosse

mencionada em outras ocasiões das entrevistas, ela não foi elencada como

uma estratégia de ensino do sistema de escrita alfabética. Apenas uma

docente relatou que a cruzadinha era importante para a criança aprender a ler

e escrever.

A ‘‘formação de frases’’ foi apontada apenas por quatro professoras da

1ª série. Essa atividade era realizada como uma etapa do ensino, em que o

texto viria como abordado anteriormente, por conseqüência dessa atividade.

Ou, ainda, porque os alunos teriam dificuldade de produzir textos e as

professoras acabavam priorizando a produção de frases.

‘‘É... atividades é... como... eu já falei dos jogos né? E também é...

produção de frases, né? Ditados de palavras, eu dou muito ditado,

produção de frases, porque eu tô mais na produção de frases. Como

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eles estão com muita dificuldade de produzir um texto, eu tô

achando melhor ir pelas frases’’ (PROFESSORA 36, 2º ano do 1º

ciclo- não usa LD/ REMR).

As professoras também relataram ‘‘desenvolver a escrita’’. Isto foi

relatado por 11 docentes, mas na REMCSA apenas uma professora da 1ª série

que usava LD, ‘‘afirmou realizar a escrita’’. Nas demais redes as tarefas ‘‘de

escrita’’ foram bastante enfatizadas tanto por professoras da alfabetização

como da 1ª série, que usavam ou não o LD.

Dentro dessa ‘‘estratégia‘‘, algumas professoras afirmaram ‘‘realizar

atividades de escrita’’, ‘‘proporcionar o contato com essa escrita’’, mas também

não especificaram claramente como isso era feito. Outras docentes priorizavam

a ‘‘escrita de palavras que possuíam determinadas letras’’, ‘‘a escrita do nome

dos alunos’’, o ‘‘reconto do texto através da escrita’’ e ‘‘a escrita do aluno’’.

Associado a isso, dentro das estratégias levantadas pelas professoras, uma

única docente relatou a preocupação de estar identificando os níveis de escrita

dos alunos. Seria bom que essa estratégia fosse bem mais explorada pelas

docentes, pois a partir dela o educador pode refletir sobre a concepção de

escrita do aluno, ajudando-o nessa construção através da seleção de tarefas

ajustadas ao nível do aprendiz.

Para atender aos níveis diferenciados existentes na sala de aula, uma

professora da REMC afirmou desenvolver ‘‘atividades em grupo’’. Outra

professora da REMR também desenvolvia o trabalho em grupo, a fim de

levantar e checar as hipóteses que estavam sendo expostas nas discussões.

Outras professoras promoviam o ‘‘trabalho em grupo’’ porque havia a

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possibilidade de ‘‘colocar os mais fracos com os mais fortes,’’ ‘‘para que

aqueles que sabiam mais pudessem ajudar os que não sabiam’’.

‘‘...Trabalho em grupos, assim... dentro da sala, sempre juntar em

grupos, sempre puxar daquele aluno mais forte, juntar com aquele

mais fraco porque tem muitos que são fracos. Aí o mais forte sempre

ajuda’’ (PROFESSORA 9, 1ª série- usa LD/ REMCSA).

O que queria dizer com ‘‘fraco’’ ou ‘‘forte’’?. Na realidade a professora

não deixou claro qual seria a sua intervenção. Entendemos que a criança, de

fato, precisa ser ajudada no seu processo de aquisição da escrita alfabética; o

professor precisa ter uma prática sistemática, mas julgamos que a criança não

deveria ser comparada como mais ‘‘fraca ou mais forte’’, sem levar-se em

conta seus progressos, em relação a um momento ou etapa anterior.

Dentre as (11) professoras que desenvolviam atividades de escrita,

quatro afirmaram que faziam ditado. Outras professoras também realizavam o

ditado, independente de o terem incluído nas atividades de escrita. Esse

encaminhamento foi mais relatado pelas professoras da REMR.

...Trabalho também o ditado relâmpago com palavras, utilizando

fonemas que já foram estudados anteriormente. Eles olham aquela

palavra e a gente retira e eles escrevem... (PROFESSORA 29, 1º

ano do 1º ciclo- não usa L.D/ REMR).

Várias docentes (12) também relataram, como estratégias, as atividades

que envolviam a ‘‘exploração do som’’. Embora tivessem demonstrado uma

preocupação em levar os alunos a refletirem sobre a relação letra-som,

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percebemos que poucas vezes as mesmas falaram em ‘‘Análise ou Reflexão

Fonológica’’ e muito menos em levar os alunos a desenvolver habilidades

metafonológicas que os auxiliariam na aquisição da escrita alfabética. A

maioria das atividades citadas solicitavam apenas que os alunos identificassem

determinadas letras a partir dos sons que eram estudados seqüencialmente.

Ao perguntarmos como as professoras desenvolviam o ‘‘trabalho com o som’’,

elas tendiam a responder da seguinte forma:

‘‘Assim... junção... aquela questão que é um pouco antiga, mas que

a gente sabe... juntar a letrinha, formar o som, a gente oralmente

assim: BA-BE-CA-CO e sempre juntando, falando, e eles

escrevendo, e depois corrigindo, vendo qual é o erro, certo?...’’

(PROFESSORA 12, 1ª série- não usa LD/ REMCSA).

‘‘A gente identifica as letras, vamos supor o B. Então BA como fica?

Aí ele tem que verificar que a posição de BA vem da letra B. É mais

ou menos por esse caminho’’ (PROFESSORA 30, 1º ano do 1º

ciclo- não usa L.D/ REMR).

Vejamos outro depoimento:

‘‘Por exemplo, quando eu tô... vamos supor... é... a semana

passada, a gente visitou o Zoológico, lá em Dois Irmãos. Quando

voltamos, trabalhamos o nome de alguns animais. Não só os nomes

como alguns temas que estavam lá: Animais em extinção. Quando

eu trabalhei, aí alguém disse assim: ‘‘você vai trabalhar o H?’’

Hipopótamo por exemplo. Avestruz- truz, a questão do z. Eu trabalho

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porque quando eu digo a questão do som, assim, é porque eu parto

muito disso, que às vezes até me canso, porque a criança diz que

não sabe fazer um (truz) por exemplo. Aí eu digo a ela: como é que

faz um tru? Você escuta o som de quais letras quando eu faço tru?

Escuto o som do r que é ‘‘tremendo’’, escuto o som do u, entendeu?.

Aí eu trabalho... a questão do som que eu digo é assim’’

(PROFESSORA 4, alfabetização- não usa LD/ REMCSA).

Percebemos que as professoras chegaram a mencionar determinadas

atividades relacionadas ao som, que auxiliavam o aluno a pensar sobre a

palavra, mas, ao relatarem exemplos de sua prática, a maioria enfatizou a

‘‘questão da letra’’, ‘‘a memorização do som daquela letra’’, desconsiderando

que existem outras habilidades que são fundamentais nesse processo. Talvez

essa não-exploração das diversas habilidades fonológicas (como identificação

ou produção de rimas e aliteração, partição, comparação de palavras quanto

ao número de sílabas) se dava por as mestras não terem se apropriado de

subsídios teóricos e práticos que as ajudassem a desenvolver o trabalho de

análise fonológica com os alunos, não tendo consciência de sua importância

para a alfabetização.

As atividades ‘‘com o som’’ foram relatadas pelas professoras das três

redes de ensino. Foram, porém, as mestras da REMR que mais as

enfatizaram. Foi também na REMR que encontramos uma professora que

mencionou o termo ‘‘Análise Fonológica’’ e citou uma maior variedade de

situações que envolviam o aluno no trabalho de reflexão sobre a língua. Eis o

que nos relatou a professora:

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‘‘É, como eu já lhe falei: a gente escolhe as palavras do texto, coloca

a palavra no quadro uma por uma, vai lendo com eles, vai vendo o

som que começa, o som que termina, a quantidade de letras que

estão juntas, mas emitem o mesmo som, não é? Porque tem aquela

sílaba formada por três letras e ela tem um só som e assim por

diante. E naquela Análise Fonológica, ele vai tomando conhecimento

das sílabas, aí quando você já bota outras palavras que você já

trabalhou aquela sílaba, ele já conhece, ele já identifica ela.... O

som, o som que emite os fonemas (sic), o som dos fonemas (sic).

Porque ao meu ver, sabe? Eu tava conversando com uma colega

minha, é pelo som que o aluno aprende a escrever’’ (PROFESSORA

35, 2º ano do 1º ciclo- não usa LD/ REMR).

Vale ressaltar que a professora citada acima participou do Ciclo de

Alfabetização da REMR no período de 86/88. Segundo a referida professora

sua referência sobre Análise Fonológica foi construída nos Ciclos de

Alfabetização.

‘‘Análise Fonológica’’ foi do ciclo. Esse ciclo já existiu em outros

tempos, na época que Edla foi secretária de educação e a nossa

professora exigia ‘‘Análise Fonológica’’: o som que começa e o som

que termina. ‘‘Diga uma palavra que começa com tal som, que tem

no meio, que tem no fim’’. Aí ajuda muito (PROFESSORA 35, 2º ano

do 1º ciclo- não usa LD/ REMR).

Consideramos importante que o educador reflita sobre o processo de

compreensão da escrita alfabética e o desenvolvimento de habilidades

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fonológicas, para que possa promover situações em que a criança pense sobre

as palavras de sua língua. Segundo Morais (2004), a escola deveria

desenvolver seqüências didáticas que permitissem aos alunos refletirem sobre

as palavras da língua, situações que proporcionassem aos alunos momentos

planejados de ‘‘comparar, montar e desmontar palavras’’, discutindo e

observando semelhanças entre elas.

Nos depoimentos das professoras, a ‘‘Pesquisa’’ também era uma

atividade citada. O interessante é que essa ‘‘pesquisa’’ servia como um reforço

das atividades que desenvolviam acerca do ‘‘som das letras’’, ‘‘das palavras’’.

Dentre as 12 docentes que afirmaram desenvolver atividades ‘‘envolvendo o

som’’, quatro mestras também realizavam ‘‘pesquisas’’, onde os alunos eram

solicitados a procurar, em jornais e revistas, letras que já foram estudadas,

palavras que possuíam determinadas letras ou sons; letras do seu nome.

Apenas uma docente realizava a pesquisa independentemente de desenvolver

atividades ‘‘com o som’’.

Por fim, três professoras da REMCSA, uma da REMC e uma da REMR

fizeram ainda referência ao ‘‘conhecimento do aluno’’. Para elas, era

fundamental ‘‘partir do conhecimento do aluno’’ e o que eles traziam de novo

para a sala deveria ser aproveitado, procurando-se sempre estabelecer uma

relação da escola com o cotidiano da criança.

Fazendo um balanço geral, embora a leitura tenha sido relatada como a

estratégia mais utilizada por professoras das três redes e dos dois níveis de

ensino, tanto por quem usava como por quem não usava LD, vale ressaltar que

as mestras da REMCSA foram as que deram menos ênfase à leitura, de uma

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forma geral. Vimos que a leitura de textos, muitas vezes, servia como pretexto

para isolar e ensinar palavras, sílabas e letras. Além disso, essa leitura era

realizada quase exclusivamente pelas professoras. Poucas docentes, dentre as

que desenvolviam a leitura, realizavam produções textuais e, muito menos

ainda, a interpretação de textos.

Além disso, as professoras sentiam falta, no livro, de atividades

relacionadas ao ensino do sistema de escrita alfabética e, por conta disso,

pareciam ter dificuldade de desenvolver atividades que levassem os alunos a

pensar sobre as propriedades do sistema e que fossem diferentes das

propostas pelos métodos tradicionais de alfabetização.

3.8 – Aspectos mais importantes para as professoras no ensino do sistema de escrita alfabética

Essa questão, assim como a anterior, foi formulada a todas as

professoras investigadas pois, independentemente de usar ou não usar LD,

sentimos necessidade de analisar o que elas consideravam como elementos

mais importantes no seu ensino do sistema de escrita alfabética.

Para uma grande parte das professoras (nove), o mais importante

quando ensinavam o sistema de escrita alfabética era ’’considerar a escrita do

aluno’’, a ‘‘forma como escreviam’’, a ‘‘criatividade na escrita’’, mesmo sem

corresponder à escrita convencional. Esse dado é muito interessante porque

embora nove docentes tenham afirmado como aspecto mais importante

considerar a escrita da criança, apenas uma professora promovia atividades

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que possibilitassem aos alunos demonstrarem seu nível de compreensão sobre

o sistema de escrita alfabética. Na mesma direção, uma professora

pertencente à REMCSA afirmou que o mais importante era que o aluno

escrevesse de forma que pudesse ser compreendido. Além disso, mais três

professoras mencionaram que a ‘‘escrita’’ era o mais importante, porém não

apresentaram justificativas.

‘‘O que eu acho assim importante é que os alunos produzam,

mesmo que eles escrevam... que a gente sabe que na alfabetização

o aluno não está pronto. Mesmo que escreva palavra faltando letra,

palavra com letras trocadas, mas o que considero importante é que

eles produzam, que eles escrevam, mesmo que seja do jeito dele,

que não seja na forma, na forma, como é que se diz? Na forma

alfabética é... eita! Fugiu a palavra agora. Na convencional... porque

a gente sabe que a criança na alfabetização ela escreve assim. E

deixar escrever às vezes espontaneamente também, pra ver como é

que tão. ‘‘Pensem assim uma coisa que vocês viram hoje’’. Aí eles

vão percebendo que o que a gente pensa a gente pode escrever e o

que a gente fala também pode escrever. Aí a gente tem que aceitar

a produção deles, mesmo que seja... sabendo que tem erro de

ortografia, de gramática e eles não dominam isso. Com um tempo é

que eles vão dominar’’ (PROFESSORA 05, alfabetização- não usa

LD/REMCSA).

‘‘É aproveitar.... o que eu acho importante é aproveitar tudo que

ele... ele faz na sala de aula através da escrita, né? Mesmo que ele

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escreva daquela forma dele, né? Mas que eu possa aproveitar. É ali

que ele vai fazer a própria construção, que ele vai entender, ele

mesmo se interrogando, a gente fazendo com que ele pense no que

está fazendo. O bingo mesmo faz com que ele reflita onde está a

palavra que ele estudou. Ele vai buscar ali a palavra, aí quando ele

não encontra, ele tem alguma dúvida, ele mesmo vai buscar uma

forma de... de... é... ele mesmo acertar, buscar’’ (PROFESSORA 17,

Pré II- não usa LD/ REMC).

Tais depoimentos parecem revelar que as professoras vêm se

apropriando de explicações da Psicogênese da Escrita, reconhecendo a

importância das produções espontâneas das crianças no processo de

reconstrução da escrita alfabética. Para Ferreiro (1985), essas produções são

indicadores mais claros das explorações que as crianças realizam para

compreender a natureza da escrita.

Um outro aspecto aparentemente relacionado ao anterior, relatado pelas

docentes (4/36), foi ‘‘a importância do aluno dominar, compreender o sistema

de escrita’’. Associado a isso, quatro professoras também afirmaram como

importante, ‘‘a evolução da criança’’, ‘‘quando estas passavam de um nível a

outro no processo de aquisição da escrita alfabética’’. Ilustrando esses

aspectos, mais uma professora da REMR, expôs a importância de propor

desafios e questionamentos quanto ao sistema de escrita alfabética, para que o

aluno reflita sobre ele.

‘‘O mais importante é que a criança consiga romper o nível que ela

está, né? O que a gente quer é conseguir que a criança compreenda

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o sistema de escrita alfabética. Porque nós trabalhamos aqui

observando os níveis, né? Tem esse pré-silábico, o silábico,

alfabético e alfabetizado, então sempre é que o aluno rompa aquele

ciclo onde ele está, aquela fase’’ (PROFESSORA 23, 1ª série- não

usa LD/REMC).

Embora as mestras tenham mencionado como aspectos importantes a

‘‘escrita da criança’’ e ‘‘a compreensão da mesma quanto ao sistema de escrita

alfabética’’, apenas uma docente da REMCSA relatou a importância do

professor compreender os níveis em que se encontra cada criança no seu

processo de escrita, para que possa criar estratégias que auxiliem o aluno

nesse processo. Ainda de acordo com Ferreiro (1985), quando a criança

escreve tal como acredita que poderia ou deveria escrever, tais escritas

necessitam de uma interpretação, para poderem ser avaliadas. Nesse caso, o

professor não deve apenas possibilitar a escrita espontânea da criança, mas

solicitar a leitura das notações produzidas, a fim de compreender os conflitos

que o aluno vivencia ao tentar entender o que a escrita nota e como nota.

Sete professoras também mencionaram as ‘‘atividades de leitura’’ como

o aspecto mais importante. Dentre essas sete mestras, três enfatizaram a

importância do aluno ‘‘compreender o que está lendo’’, ‘‘não simplesmente

fazer uma leitura enquanto codificação, mas uma leitura que busque

compreender seu significado’’. Junto a essa preocupação das docentes,

encontramos mais duas professoras da REMR que afirmaram que o importante

era ‘‘desenvolver a leitura de mundo’’, ‘‘o senso crítico dos alunos’’. Eis o

seguinte depoimento:

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‘‘O mais importante é que o educador possa desenvolver a leitura de

mundo, porque alfabetizar não é decodificar apenas. É desenvolver

esse senso crítico, esse senso político, pra que ele possa

compreender o que lê...’’ (PROFESSORA 29, 1º ano do 1º ciclo- não

usa LD/REMR).

Embora ‘‘o texto’’ tenha sido citado em outros momentos com maior

ênfase, ao formularmos a pergunta ‘Quais os aspectos mais importantes

quando estão ensinando o sistema de escrita alfabética?’ apenas uma

professora apontou o texto e a compreensão dos gêneros textuais como

aspectos importantes. As atividades que envolviam unidades menores (como o

conhecimento e identificação das letras, o alfabeto, a escrita do nome, as

sílabas), foram mais citadas em relação ao texto. Apenas uma docente

mencionou a importância do aluno compreender as funções sociais da escrita.

É curioso observarmos que, nas estratégias de ensino, as professoras

deram uma maior ênfase ao trabalho com o texto. Já nos ‘‘aspectos mais

importantes no ensino do sistema de escrita alfabética’’, isso não foi tão

enfatizado. Parece-nos, mais uma vez, que o texto servia como pretexto para

ensinar as unidades menores da Língua. Este dado parece revelar, também,

que as docentes pouco investiam no letramento, não possibilitando que o

aprendiz compreendesse e produzisse os diferentes gêneros textuais.

Desta forma, verificamos ainda que quatro professoras, representando

as três redes de ensino, relataram como importante ‘‘a identificação das letras

e o alfabeto’’; duas, priorizavam ‘‘a escrita do nome da criança’’ (uma da REMC

e a outra, da REMR). As atividades que envolviam as sílabas, separação e

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junção de sílabas foram mencionadas por três professoras (duas da REMCSA

e uma da REMR).

Ainda dentro desse universo, duas docentes apontaram como aspecto

mais importante ensinar ‘‘as letras’’, para que as crianças passassem a formar

sílabas e consequentemente, palavras e textos.

Ao lado da identificação das letras, ‘‘a compreensão do som’’ também

recebeu um número significativo de menções. Mas é importante lembrarmos

que o que de fato, as professoras priorizavam, era o ‘‘som das letras’’, o

‘‘reconhecimento do alfabeto pelos sons’’.

‘‘A cópia, ela é direto, no dia-a-dia, e que eles pra poder copiar, eles

têm que ter o som daquela letra. Porque todas as letras têm um som

diferente. E uso o ditado pra eles conhecerem o som diferente das

letras, porque no ditado... ali a gente usa vários tipos de letras com

as palavras, né? Pra eles copiar e conhecer(sic) os sons diferentes’’

(PROFESSORA 07, 1ª série- usa LD/ REMCSA).

O ditado e a cópia foram relatadas como atividades complementares

daquelas que envolviam ‘‘a compreensão do som’’, como mencionou a

professora acima. Além dessa professora, mais duas docentes fizeram

referência a essas atividades.

É importante ressaltar que as atividades diversificadas e os jogos só

foram mencionados por uma professora do Pré II da REMC.

Diferentemente dos demais aspectos apontados pelas mestras, uma

docente da REMR do 1º ano do 1º ciclo apresentou uma preocupação com

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relação à família. Para ela, o apoio dos pais era muito importante, mas dizia

que este apoio naquela rede municipal era inexistente.

3.9 – O Ensino com textos: como as professoras afirmaram concili ar o trabalho de leitura e produção de textos numa perspectiva de letramento e as atividades relacionadas ao Ensino do Sistema de Escrita Alfabética

Ao indagarmos explicitamente às professoras sobre como as mesmas

conciliavam o trabalho de leitura e produção de textos, numa perspectiva de

letramento, com as atividades relacionadas ao ensino do sistema de escrita

alfabética, algumas mestras, mais uma vez, demonstraram a resistência de

ensinar com os textos contidos nos LDs, optando por desenvolver o ‘‘texto

coletivo’’.

Cinco docentes (três da REMCSA e duas da REMC- responsáveis pelos

dois níveis de ensino), afirmaram que ‘‘preferiam trabalhar o texto coletivo’’, ‘‘as

histórias construídas pelos próprios alunos’’, porque não eram textos longos e

estavam mais próximos do cotidiano das crianças.

‘‘É importante porque sempre há uma interação entre os alunos. Na

medida que eles vão falando, a gente vai escrevendo no quadro, vai

colocando as palavras que eles vão falando e formando o texto

coletivo, não tão longo e a gente consegue fazer esse texto coletivo.

O texto coletivo, ele tanto serve pra você retirar as letrinhas, alguma

coisa referente à escrita, mas também ele tem todo o conhecimento

do assunto que está sendo explanado no momento. Porque o texto

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coletivo ele tem um objetivo, ele não é só um texto. Ele serve para

explorar determinadas palavras, situações contidas no texto’’

(PROFESSORA 2, alfabetização- usa LD/ REMCSA).

Quando as professoras utilizavam os textos dos LDs adotados

oficialmente ou de outros LDs, a maioria os usava apenas para explorar as

letras, sílabas e pesquisar palavras.

Mais quatro professoras afirmaram que conciliavam a leitura e produção

de textos com as atividades voltadas para o sistema de escrita alfabética,

fazendo a leitura dos textos e, em seguida, como mencionamos anteriormente,

trabalhavam letras, dígrafos, sílabas e palavras. Dentre estas, uma docente da

REMR relatou que os textos eram longos e buscava sempre fragmentá-los,

trabalhando parágrafo por parágrafo, para depois explorar as letras e palavras.

Ainda dentro desse universo de professoras, uma mestra afirmou que o texto

era importante para as crianças entenderem que as palavras não são soltas,

mas fez questão de enfatizar que não trabalhava com textos. Estava

explorando as letras e palavras.

Apenas quatro docentes (duas da REMC e duas da REMR),

trabalhavam com textos para que os alunos ‘’compreendessem a função social

desses textos e porque as crianças tinham de onde partir’’. As mestras

apontaram vários gêneros textuais que priorizavam no ensino do sistema de

escrita alfabética. As mesmas conciliavam esse trabalho com textos e as

atividades do sistema de escrita alfabética, na medida em que, após a leitura

dos textos faziam a segmentação das palavras, dos textos, solicitavam que os

alunos identificassem as letras iniciais de determinadas palavras, contassem as

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sílabas... Além de solicitar que os alunos produzissem bilhetes, cartas, listas,

histórias e poesias.

‘‘Eu acredito assim... que o texto ele tem que ter a função social

dele. Não adianta um texto qualquer. Se você vai trabalhar uma

carta, tem a sua função social, que as crianças compreendam, que

elas percebam qual é a função social, não o texto pelo texto. O texto

só, ele não é rico, ele tem que estar casado com o social que ele vai

trazer, ou seja, a questão é a seguinte: você tem que tá ligando o

texto ao real, como esse texto é usado lá fora. Para que ele é

usado?. Por que eu trabalho tantas listas? Porque é um texto que

eles usam muito em casa, lista de tudo, lista de material, lista de

comida, lista de tudo eles usam. Eu trabalho muito lista na sala por

isso e tem na sala: lista de nome, lista de livros, e assim vai. Eu

gosto muito de trabalhar lista com eles porque é um texto que eles

gostam de fazer, é um texto prático e eles pensam pra fazer ‘‘tal

palavra é assim... assim... assim...’’ E um texto que eu trabalhei

muito esse ano foi as poesias que foi um projeto que durou muito.

Eles gostaram muito. Escrita, pesquisa, rima que tinha nos poemas,

foi um dos textos que eu trabalhei muito e trabalhei também receita,

né?’’ (PROFESSORA 13, Pré II- usa LD/ REMC).

‘‘Se não tiver textos você vai partir de onde? Do nada?. Poemas,

poesias, eu acho que a estrutura deles ajuda muito. Claro que

depois a gente vai precisar diversificar pra ele ver a funcionalidade.

A questão da receita, a questão do texto informativo, os textos

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literários, mas a poesia e o poema eu acho dez de trabalhar. Tem

aquela coisa da seqüência de linhas, saber que a frase, até com a

segmentação da escrita ajuda...’’ (PROFESSORA 33, 2º ano do 1º

ciclo- usa LD/REMR).

Ao analisarmos o conjunto dos depoimentos, verificamos que poucas

professoras mencionaram a diversidade textual. Além disso, as docentes não

tendiam a realizar atividades que levassem o aluno a trabalhar os gêneros

textuais, suas funções. Havia uma dificuldade por parte das professoras em

conciliar as atividades de leitura e produção de textos numa perspectiva de

letramento e as atividades relacionadas ao ensino do sistema de escrita

alfabética.

É curioso, ainda, que algumas tenham privilegiado gêneros como listas e

poesias. No primeiro caso, nos perguntamos se tal priorização não se deveria

ao fato de uma lista poder ser tratada também como um ‘‘conjunto de

palavras’’, sobre as quais poderiam praticar os exercícios e atividades que

adotam para ensinar o sistema de escrita alfabética. No segundo caso, o

próprio depoimento da mestra sugere que o formato das poesias permitiria

explorar/enfocar unidades, frases, no interior do texto.

3.10 – Principais dificuldades apontadas pelas professoras para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem do sistema de escrita alfabética

As principais dificuldades encontradas pelas professoras no processo de

ensino-aprendizagem do sistema de escrita alfabética diziam respeito,

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principalmente, à falta de recursos materiais, condições familiares dos alunos

(que acabavam interferindo no seu desempenho em sala de aula) e à

preocupação de como tratar o conhecimento, que vai desde a dificuldade de

ensinar os vários tipos de letras até a ausência de propostas de atividades

atuais que ajudem no ensino do sistema de escrita alfabética.

Três mestras (duas da REMCA e uma da REMC) reconheciam que a

falta de recursos materiais dificultava o bom desenvolvimento das aulas. Para

essas professoras não existia um apoio, o professor não tinha fontes de

pesquisa.

‘‘A minha dificuldade é mais no sentido de ter material didático, não

ter fonte de pesquisa, porque infelizmente o salário não favorece,

para que eu invista em livros’’ (PROFESSORA 6, alfabetização- não

usa LD/ REMCSA).

‘‘Material didático, não tem apoio. Eu acho que (a maior dificuldade)

é material didático, porque de tudo falta’’ (PROFESSORA 10, 1ª

série- não usa LD/REMCSA).

Ao lado dessa dificuldade, verificamos a preocupação das professoras

em investir na sua formação para atender às necessidades da prática

pedagógica. Parecia haver, por parte de algumas docentes, uma vontade de

estar sempre buscando informações e atividades novas para serem

desenvolvidas com os alunos, no que se refere, especificamente, ao ensino do

sistema de escrita alfabética:

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151

‘‘Eu acho que é conhecimento mesmo, de atividades. ‘Tal atividade

ela é boa para tal nível’, ‘tal atividade é boa para tal nível’. Então eu

acho que a gente tem muito pra aprender isso, a gente sabe que a

atividade é boa, compreende algumas, mas o acervo é pouco,

precisa de mais, talvez assim, pra mim, né?’’ (PROFESSORA 13,

PréII- usa LD/REMC).

‘‘... Eu acredito que o professor deve estar sempre investindo em

curso, se aprimorando na parte pedagógica dele. Isso é uma

dificuldade, porque mesmo que você tenha dinheiro, você não tem

tempo. Pra você ter aquele dinheiro que é necessário para sua

sobrevivência, você tem que trabalhar de manhã, de tarde ou até

mesmo os três expedientes, como eu faço. Então eu vou ter tempo

quando, pra investir em mim mesma? Eu vou ter que abrir mão de

alguma coisa, que vai me prejudicar financeiramente, pra investir no

meu profissional. Eu cubro um ‘‘santo,’’ pra descobrir outro. Eu não

abro mão de nenhum momento que a prefeitura oferece pra gente

ter esse momento de reflexão, de estudo. Agora eu gostaria de

investir no meu conhecimento, o professor deve estar caminhando

em todo esse processo de mudança’’ (PROFESSORA 6,

alfabetização- não usa LD/REMCSA).

A partir dos depoimentos das professoras acima, ficam evidentes alguns

fatores que acabam impedindo-as de estarem mais próximos das discussões

que vêm se travando acerca do ensino de língua e da alfabetização. As

capacitações de redes parecem não dar conta dessas necessidades.

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As mestras têm consciência de que o ensino vem inovando no que diz

respeito ao ensino do sistema de escrita alfabética, a maioria delas afirmaram

conhecer, embora superficialmente, as contribuições de Emília Ferreiro, quanto

à aquisição da escrita alfabética. Para elas, a grande contribuição de Ferreiro

na pedagogia é levar o professor a refletir sobre as fases das crianças,

entender como os alunos desenvolvem o conhecimento acerca da escrita:

‘‘Porque, quando você consegue entender as fases da escrita, você

consegue entender que seu aluno passa por etapas. Os gregos

imaginavam que a criança era um adulto pequeno, então trabalhar a

criança como se fosse um adulto em miniatura não existe. É preciso

entender que a criança, ela vai passar por fases, que vai começar só

rabiscando e depois entender, diferenciar letras de números. E

quando você consegue entender essas fases da escrita, que

Ferreiro estabeleceu, fica mais fácil a alfabetização, porque aí você

vai entender que seu aluno precisa passar por etapas. E queimar

etapas é prejudicar a construção do conhecimento dessa criança’’

(PROFESSORA 27, 1º ano do 1º ciclo- usa LD/REMR).

Uma outra dificuldade apontada por seis professoras pertencentes às

REMC e REMR estava relacionada à ‘‘questão familiar’’, que envolvia a falta de

acompanhamento dos pais, a ausência do aluno na escola, impedindo a

criança de ter acesso a uma prática sistemática, a falta de contato por parte

dos alunos com o material escrito e as limitações encontradas pelas crianças

que são oriundas de ‘‘uma classe social baixa e alunos de escolas públicas’’.

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‘‘Eu acho que o que mais dificulta é a questão social, financeira.

Houve um tempo que eu tive oportunidade de trabalhar com rede

pública e rede privada simultaneamente. Então pra mim era triste.

Eu chorava porque na escola particular eu conseguia fazer um

trabalho tradicional, mas conseguia fazer. E na escola pública eu

não conseguia porque o irmão da 1ª série era quem tomava conta

dele (do aluno) e tomava conta de mais três. Então ele chegava na

escola com fome, porque o irmão não tinha esquentado a comida

que a mãe tinha deixado. Era aquele aluno muito carente, que já

vinha com fome e já entrava na escola perguntando: Tia, que horas

é a merenda?...’’ (PROFESSORA 27, 1º ano do 1º ciclo- usa

LD/REMR).

‘‘A dificuldade é que em cada sala de aula são vários alunos, cada

um é diferente do outro, cada um tem um interesse diferente, cada

um tem uma facilidade ou dificuldade diferente e se percebe que a

maioria não tem apoio em casa. Então a criança só vê letras,

palavras aqui na escola, em casa não existe livro, não existe nada.

Então é um negócio totalmente à parte. Aí fica difícil porque você

não pode parar e sentar com cada um, então é só aquele

‘‘momentozinho’’. Se tivesse a participação da família em ler

histórias, sentar junto... Mesmo que não saiba nada, mas só em

sentar junto... mostrar a importância... eu acho que isso já ajudaria’’

(PROFESSORA 28, 1º ano do 1º ciclo- não usa LD/REMR).

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Dentro de alguns depoimentos que já foram mencionados, podemos

observar uma outra dificuldade das professoras que é a questão da

heterogeneidade. Trabalhar com os diversos níveis de ensino num tempo

didático que não lhe possibilita uma atenção individualizada e saber

encaminhar as atividades de forma que possam atender as diversas

necessidades em sala de aula, também foram algumas fontes de dificuldade

apontadas pelas docentes, para o desenvolvimento do seu ensino enquanto

alfabetizadoras.

3.11 – Avaliação do Ensino do Sistema de Escrita Alfabética Propo sto pelos LDs de Alfabetização

Dentre as dezoito professoras que usavam livro31, oito afirmaram que o

ensino do sistema de escrita proposto nos LDs ‘‘era bom’’, embora não

deixassem de reforçar algumas limitações gerais, já mencionadas com relação

aos mesmos. Dentro desse quadro, três docentes julgaram que o livro

‘‘ensinava o sistema de escrita alfabética a partir de textos’’, mas

argumentaram mais uma vez, que os textos eram longos.

‘‘Não é ruim não, o sistema dele é bom, porque ele tá sempre

trabalhando com o quê agora? Tudo em cima... tá sendo o que,

agora? Tudo é texto, texto e dentro desse livro só é o que tem: texto!

Só que eu acho grande, tá entendendo? Mas o trabalho dentro dele

é bom’’ (PROFESSORA 9, 1ª série/ REMCSA).

31 Recordemos os livros utilizados em cada rede de ensino: REMCSA- VIDA NOVA Alfabetização e LETRA, PALAVRA E TEXTO- 1ª série. REMC- ALP e DAMARIS- Alfabetização e ALP e NA TRILHA DO TEXTO- 1ª série. REMR- LETRA, PALAVRA E TEXTO- 1º e 2º anos do 1º ciclo.

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Ainda no grupo de professoras que fizeram menções positivas, tivemos

um depoimento que apontou para uma proposta que priorizava o letramento,

porém, não levava o aluno a refletir sobre o ‘‘código’’. Apenas uma professora

mencionou o termo letramento, mas outras docentes já afirmaram que o LD

investia na leitura e produção de textos:

‘‘O LD abrange o letramento, mas não os aspectos de ensino

(reflexão) sobre o código’’ (PROFESSORA 25, 1º ano do 1º

ciclo/REMR).

Para uma outra docente, o livro ‘‘respeitava os níveis das crianças’’,

embora algumas vezes trouxesse atividades avançadas. Por outro lado, uma

docente afirmou que o livro ‘‘possibilitava à criança fazer suas produções,

refletir sobre a escrita’’, mas em outros momentos enfatizou que a sua

dificuldade em ensinar com o livro era porque o mesmo não atendia aos

diferentes níveis de apropriação da escrita. Uma outra professora afirmou que

o LD estimulava a criticidade do aluno, mas não explorava os diferentes tipos

de letras.

Houve apenas um caso em que uma professora afirmou que o ensino do

sistema de escrita ‘‘era bom’’, sem apontar limitações, embora no decorrer dos

seus depoimentos tenha considerado que o livro era elevado para aquelas

crianças que ‘‘viriam diretamente do lar para a escola’’.

Outras professoras também avaliaram o ensino do sistema de escrita

como ‘‘muito bom’’ ou ‘‘razoável’’, fazendo suas considerações. Nenhuma

docente julgou esse ensino como ruim, mesmo que tenham explicitado

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limitações. Parece-nos que essas limitações estavam muito mais relacionadas

às dificuldades que as professoras tinham em ensinar o sistema de escrita a

partir dos novos livros , por estes conterem uma diversidade textual até então

ausente nos LDs de alfabetização.

Diante do atual repertório textual, as docentes pareciam acabar não

sabendo conciliar a leitura e produção de textos numa perspectiva de

letramento e as atividades relacionadas ao ensino do sistema de escrita

alfabética.

Pensemos que essa dificuldade não se dava gratuitamente: os próprios

livros atuais pouco exploram aquelas atividades, que seriam fundamentais para

ajudar o aluno na apropriação da escrita alfabética (MORAIS, ALBUQUERQUE

et al, 2004). Os LD analisados pelos autores citados acima tinham muitas

tarefas de leitura e produção de textos, mas não promoviam a reflexão

metalingüística dos alunos. Os autores freqüentemente não conseguiam

articular as atividades de leitura e produção de textos com aquelas voltadas à

reflexão sobre as palavras e suas unidades menores, que são mais adequadas

ao aprendizado do sistema de escrita alfabética. Além disso, ‘‘alfabetizar

letrando’’, como propõe Soares (1998), ainda se constitui numa dificuldade

para muitos educadores.

Tendo em vista os LDs utilizados em cada rede de ensino e os

julgamentos emitidos pelas docentes, percebemos que o ALP foi o livro que

mais se destacou entre as opiniões das mestras. Mesmo algumas docentes

que não usavam LD fizeram boas referências a esse livro. Para as professoras,

o ALP apresentava uma proposta ‘‘boa ou muito boa’’; ‘‘respeitava os níveis de

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escrita das crianças’’, embora ‘‘apresentasse algumas atividades um pouco

elevadas’’; ‘‘trabalhava’’ em cima de textos’’ e ‘‘levava a criança a refletir sobre

a escrita’’.

‘‘O ALP, ele respeita o nível de escrita, né? Embora ele seja assim

um pouquinho avançado para as turmas do Pré II aqui. Mas, assim...

ele respeita o nível, ele não... ele não limita a quem está alfabético,

não. Quem está no pré-silábico consegue usá-lo, não é? Ele não fica

limitado a um nível de escrita’’ (PROFESSORA 13, PréII/ REMC).

‘‘Porque, veja bem, a gente pressupõe uma prática que aprender a

ler e escrever tem que ser com as letras soltas, depois juntando

sílabas, fazendo essa composição e o ALP, ele traz os textos e o

aluno é como se fosse o autor, produtor do texto. Ele vai produzindo,

ele vai aprendendo o sistema dentro do texto. É muito mais fácil,

sem essas coisas de decoreba, como era antes (PROFESSORA 14,

Pré II/ REMC).

É importante ressaltar que, ao observarmos o ALP, verificamos que o

mesmo tem atividades de escrita espontânea (para o professor identificar a

hipótese de escrita) ao final de quase todas as unidades. Tem também

atividades em que a criança é chamada a comparar o número de letras e de

sílabas. Esse tipo de atividade foi elogiado por algumas professoras, ao

relatarem as atividades que mais desenvolviam a partir do uso do LD.

Quanto ao livro Na Trilha do Texto, que também era adotado na 1ª série

da REMC, as professoras sentiam mais dificuldade em utilizá-lo e

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consideravam que o ensino do sistema de escrita era elevado para a

turma/série. As atividades ‘‘eram longas e complexas’’, ‘‘além de trazer muito

texto’’.

‘‘Eu achei mais complexo pra eles, eles têm que ler bastante e eles

estão ainda começando agora, né? E os textos são longos, se torna

mais difícil pra eles responderem’’ (PROFESSORA 21, 1ª

série/REMC).

‘‘O livro traz muito texto e muita interpretação de texto. Então a

interpretação é mais apropriada para a criança que já está lendo, ela

vai poder ler sozinha e interpretar sozinha. E a criança que não está

lendo, como é que fica essa criança? Ele traz muito texto, muita

interpretação e aí foge um pouco da nossa realidade e aí porque eu

utilizei muito pouco Na Trilha do Texto’’ (PROFESSORA 19, 1ª série/

REMC).

Com relação aos livros utilizados pelas professoras da REMCSA, o

ensino do sistema de escrita alfabética proposto pelo Vida Nova era julgado

como ‘‘razoável’’, ‘‘elevado para a alfabetização’’. Apenas uma professora

afirmou que o ensino do sistema de escrita no LD era ‘‘muito bom’, mas é

preciso lembrar que esta docente era responsável pela 1ª série e, na ocasião,

estava usando o livro da alfabetização, para só depois, no segundo semestre,

passar a utilizar o Letra, Palavra e Texto, que era o LD destinado à primeira

série. No que se refere ao livro Letra, Palavra e Texto, que era utilizado na 1ª

série, as professoras indicaram que o ensino do sistema de escrita era elevado

para a série ‘‘porque trazia textos, textos longos’’.

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Foram as professoras do 1º ano do 1º ciclo da REMR que afirmaram que

o ensino do sistema de escrita proposto pelo Letra, Palavra e Texto ‘‘era bom

porque trazia textos‘‘, ‘‘abordava o letramento’’, ‘‘estimulava a criticidade do

aluno, mas não levava a criança a refletir sobre o código’’ e não ‘‘explorava os

tipos de letra’’. Já as docentes do 2º ano afirmaram que era uma proposta

elevada, que muitas vezes o ‘‘trabalho ficava por conta do professor’’. Além

disso, era uma proposta insuficiente, porque ‘‘não trazia o ensino da

gramática’’.

‘‘O sistema de escrita alfabética desse livro é... como eu digo... ele é

elevado. Ele já tá em outro estágio mesmo, é um livro que se a

criança for ler por ela, ela vai ler e vai precisar do apoio do professor

ou de alguém para que traduza, digamos assim, interprete pra ela,

explique, sabe? Porque o alcance dele não é o ideal... Fica por conta

do professor fazer um trabalho à parte: fichas mimeografadas,

exercícios no quadro, entendeu? Porque se for pra ele utilizar os

exercícios do livro, ele aí já vai encontrar dificuldade...’’

(PROFESSORA 32, 2º ano do 1º ciclo/ REMR).

Quanto ao ‘‘ensino da gramática’’, recordemos que a professora sentia

necessidade de, além dos textos, ensinar o aluno a ‘‘formar palavras, frases,

pontuação, segmentação e usar letra maiúscula no início de frases’’. Para essa

mestra, isso era gramática e o aluno de 1ª série teria que ter esse

conhecimento. Pensando no que ela relatou como conteúdos gramaticais, é

importante fazermos algumas considerações. A mestra parecia viver um certo

conflito sobre o que seria a gramática e, mais ainda, o que seria necessário

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para o aluno nesse momento da alfabetização. Ela não considerou que as

crianças de 1ª série de escola pública, em sua maioria, ainda não construíram,

não se apropriaram do sistema de escrita, pois muitos nunca passaram por

uma escola antes. Ao invés de criar estratégias para ajudá-las nessa

apropriação, ela parecia insistir em que o aluno escrevesse sem erros de

segmentação quando ainda não conseguia compreender o sistema de escrita

alfabética.

A própria professora reconheceu que os alunos tinham uma série de

dificuldades e que precisavam de um livro ‘‘que amarrasse as coisas’’, pois

para ela, ’‘o conhecimento da Língua Portuguesa deve ser passo a passo’’. Na

realidade, vimos em seu depoimento que o ‘‘passo a passo’’ defendido seria

levar primeiro o aluno a ‘‘trabalhar a palavrinha’’, ’’escrever palavras que

começam com determinada letra’’. Nesse caso, o texto quando usado, era na

maioria das vezes o texto coletivo (onde os alunos ditavam e a professora

escrevia) e serviria apenas para retirar essas palavras. Mais uma vez

insistimos em considerar que as professoras, por sentirem dificuldade em

conciliar o ensino com textos e as atividades necessárias à apropriação do

sistema de escrita, acabavam abandonando os livros mais recomendados e

utilizando um livro menos recomendado, porque trazia ‘‘bem arrumadinho’’

atividades com letras, sílabas e palavras soltas.

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3.12 – A Contribuição do L D oficial no ensino específico do Sistema de Escrita Alfabética

Antes de discutirmos sobre a contribuição do LD no ensino do sistema

de escrita alfabética, vale ressaltar que essa questão só foi formulada para as

18 docentes que usavam este manual.

Para a maioria dessas professoras, o livro auxiliava porque se constituía

em um material escrito que comportava vários textos, porém, mais uma vez,

não deixaram de apontar algumas limitações referentes, principalmente, à

complexidade do LD. Dentro desse universo também encontramos professoras

que afirmaram utilizar o livro como ‘‘um suporte’’, ‘‘um apoio’’, cujo uso o

professor não deveria priorizar em sala de aula, pois ‘‘o livro sozinho não era

suficiente’’.

As mestras responsáveis pelas turmas de alfabetização da REMCSA

relataram que o livro (Vida Nova) auxiliava por duas razões: porque servia

como um suporte para desenvolver a leitura coletiva, pois as crianças ‘‘ainda

não sabiam ler sozinhas’’ e porque trazia palavras cruzadas. Quanto às

professora da 1ª série, estas reconheciam que o livro trazia vários textos e em

seguida as atividades para serem respondidas, mas acabavam afirmando usá-

lo como um apoio, ‘‘enquanto um suporte’’.

‘‘Em alguns momentos (o uso do LD é importante) como eu coloquei,

né? Porque eu não uso ele como uma muleta, eu uso ele como um

suporte, eu uso como um meio de pesquisa né? Pra trabalhar com

as crianças. Tem dia que eu digo: olhe! Vamos abrir a cartilha em tal

folha, hoje eu li em casa e tava ótimo pra mim... vamos ver se a

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gente consegue trabalhar o que eu estou entendendo, a gente

trabalha com a palavrinha que está ali, o texto que está ali... o que

aconteceu? Depois que se lê o texto coletivo, a maioria não lê, né?

Têm dificuldades porque tem palavras com sílabas travadas,

palavras longas com várias letras e eles não conseguem. Mas a

gente vai lendo com eles e eles vão acompanhando comigo, né? A

gente faz interpretação de texto, que é bom interpretar textos. O que

você vê na maioria dos concursos é interpretação de texto.... e tira

do texto coisas que você diz: ‘‘Mas, meu Deus, isso aqui não tava no

texto, como é que saiu?’’ E você fica perdidinha, né?. Então é bom o

livro didático, eu não descarto o livro que é adotado. Agora não que

seja aquele livro que sirva de muleta para você, como eu já citei

anteriormente’’ (PROFESSORA 2, alfabetização/ REMCSA).

Quanto às professoras da REMC, apenas uma docente do Pré II afirmou

que utilizava o livro como apoio, mas justificou que isso se dava porque estava

‘‘trabalhando com projetos’’. As demais professoras afirmaram que o LD

auxiliava, embora também não deixassem de relatar que algumas atividades

tornavam o livro ‘‘um pouco elevado’’, ‘‘complexo para aquelas crianças’’.

Dentre estas docentes, estava a professora que utilizava o ‘‘livro de Damaris’’.

Para ela, este auxiliava porque explorava as relações sonoras.

No que se refere às professoras da 1ª série que recebiam orientação

para utilizar dois LDs - o ALP e Na Trilha do Texto- como afirmou anteriormente

uma professora dessa série:

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‘‘o ALP deveria ser utilizado com as crianças que nunca foram a

uma escola, que têm dificuldade de alfabetizar-se e o Na Trilha do

Texto só deveria ser usado no 2º semestre’’ (PROFESSORA 20, 1ª

série/ REMC).

É importante lembrar que mesmo tendo sido orientadas para usar Na

Trilha do Texto apenas no segundo semestre, as professoras consideravam

que o livro era elevado e mesmo dispondo de dois livros, as professoras

afirmaram complementar seu ensino com outros materiais didáticos.

Dentro da REMR, as professoras do 1º ano apontaram o livro como mais

um recurso didático, mencionaram também que o livro auxiliava ‘‘porque trazia

projetos’’, mas precisaria ser um livro mais ilustrado. No que se refere às

professoras do 2º ano do 1º ciclo, diziam que o livro auxiliava também porque

‘‘era um material escrito que trazia textos e não precisava reproduzir esses

textos para trabalhar com os alunos’’ e acabavam usando o livro como um

‘‘suporte para ensinar as palavras’’.

‘‘É porque ele vem dar um suporte, né? Porque você trabalha as

palavras que vêm no livro. No livro vem muito texto então dá pra

trabalhar’’ (PROFESSORA 31, 2º ano do 1ºciclo/REMR).

3.13 – Atividades de Ensino do Sistema de Escrita Alfabética realizadas com mais freqüência com o uso do L D oficial

Percebemos que, ao relatarem as atividades que realizavam com mais

freqüência a partir do uso do LD oficial, dez professoras, representantes das

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três redes e dos dois níveis de ensino, mencionaram as atividades de leitura.

Dentro desse universo, seis afirmaram realizar a ‘‘leitura de textos’’. Duas

professoras, ao reconhecerem que os alunos ainda ‘‘não sabiam ler sozinhos’’,

realizavam a leitura e os alunos as acompanhavam. Além da leitura de textos,

quatro professoras mencionaram a leitura de palavras.

‘‘Eu uso, deixa-me ver... atividades... a leitura de textos, eu escolho

os textos que é mais interessante(sic) pra meu aluno naquele

momento e faço a leitura, somente a leitura’’ (PROFESSORA 20, 1ª

série/ REMC).

‘‘Eu leio junto com eles o texto todinho, depois eu pergunto pra eles

se eles conseguem identificar algumas palavras pela leitura que nós

fizemos. Depois a gente faz uma leitura coletiva, dentro do texto a

gente faz a interpretação, o que cada um entendeu, o que é que o

texto tá querendo dizer. Dali a gente vai formar novas palavras com

aquelas que eles conseguiram identificar dentro do texto. Pronto! Aí

o livro, esse livro Letra, Palavra e Texto, ele tem muito texto, ele

trabalha interpretação. Então quer dizer, eu uso ele nesse sentido’’

(PROFESSORA 26, 1º ano do 1º ciclo- usa LD/ REMR).

Ao lado dessas atividades de leitura, apenas três professoras afirmaram

realizar a ‘‘interpretação de texto’’ e uma, ‘‘a produção de textos’’. Se

considerarmos o que explicitaram nos depoimentos, essas atividades eram

pouco realizadas pelas docentes. Os alunos pouco produziam ou interpretavam

textos, usando os LDs.

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‘‘Produção de texto a partir de desenho, através do próprio desenho

dele, através de uma figura em quadrinhos que tem no livro,

preenchimento. ‘Vamos dizer uma frase’ aí no meio da frase tem um

desenho, eu utilizo muito isso sem o livro, eu faço todo no

mimeógrafo’’ (PROFESSORA 30, 1º ano do 1º ciclo- não usa LD/

REMR).

Este depoimento parece revelar mais uma vez que as professoras, ao

usar os LDs, não exploravam a produção textual já que esta se dava a partir de

gravuras/quadrinhos do LD, sem que o autor do livro tivesse proposto tal

atividade. Isso revela novamente, o papel do LD como um ‘‘suporte’’.

A reescrita de texto também só foi mencionada por uma docente. Essa

reescrita era mais voltada para histórias ou poemas.

Ainda dentro das atividades com texto do LD, três professoras afirmaram

realizar a ‘‘complementação’’ ou ‘‘segmentação’’ de textos:

‘‘...Ultimamente é a questão de textos, eu tô usando muito a questão

de complementação, a questão das lacunas. Eu tenho trabalhado os

textos, depois eu deixo faltando algumas partes, ou eles dão um

novo final ou eles botam alguma coisa que tá faltando lá’’

(PROFESSORA 33, 2º ano do 1º ciclo- /REMR).

‘‘... Aí eu faço ditado mudo, segmentação de texto, eu trabalho

também com eles, trabalho o texto. Pego um texto do LD e faço todo

segmentado pra que eles compreendam... o texto todo partidinho,

né? A questão das pausas de uma palavra pra outra, embora eu não

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exija isso deles, mas eu sempre tô mostrando pra que eles se

apropriem disso’’ (PROFESSORA 13, pré II/REMC).

Quanto às atividades realizadas ao nível das palavras, verificamos que

a Formação de Palavras a partir do LD também foi uma das atividades que

recebeu um certo número de menções, porém não se constitui num número tão

significativo. Apenas quatro professoras pertencentes às REMC e REMR,

mencionaram a ‘‘Formação de Palavras’’. Dentre essas docentes, uma

desenvolvia essa atividade com o auxílio do alfabeto. Mais duas mestras

relataram o ‘‘trabalho com palavras-chave’’. Essas palavras-chave eram

extraídas do texto do LD, palavras que chamavam a atenção dos alunos e a

partir delas, novas palavras iam sendo formadas. Junto dessas atividades,

apenas uma professora da alfabetização da REMR, mencionou realizar a

‘‘Formação de frases’’.

Ainda usando o LD as professoras também realizavam a ‘‘Escrita de

Palavras’’ e o ‘‘Ditado’’. Três professoras relataram a ‘‘escrita de palavras’’,

sendo que uma delas priorizava a escrita livre da criança. Eis o seu

depoimento:

‘‘Quando vem no livro assim, atividades onde ele tenta escrever

livremente a partir de um desenho ou a partir do que o texto

questiona, quando ele tem que tentar fazer a escrita dele, pensando,

né? Como vai escrever’’ (PROFESSORA 19, 1ª série/REMC).

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Mais uma vez evidenciamos o pouco investimento nesse tipo de

atividades que possibilitam ao aprendiz expor suas concepções acerca do

sistema de escrita alfabética.

Quanto ao ditado, apenas três docentes da alfabetização, uma de cada

rede de ensino, o mencionaram.

Uma outra atividade expressa por três professoras foi a ‘‘Pesquisa de

palavras no texto’’. Os alunos eram solicitados a identificar no texto do LD

palavras que possuíam determinadas letras:

‘‘Eu uso muito o ditado. Eu tiro palavrinhas dentro do livro, uso muito

atividades de pesquisa, eu coloco por exemplo... vamos dar um

exemplo de tá trabalhando palavras com G, J, sei lá. ‘Vamos abrir o

livro em tal página, vamos procurar nesse texto’, porque claramente

eu fiz pesquisa e sei que ali tinha alguma coisa. ‘Vamos retirar desse

texto alguma palavrinha que tenha j’. ‘Acharam?’ Mesmo que sejam

palavrinhas enormes, palavras sem sentido pra eles, mas tem. Mas

ele vai lá e diz: ‘Olhe tia! Eu encontrei tem um G, tem um já’. Porque

eles nunca repetem J. ‘Tem um ja, olhe tia! Eu encontrei uma que

tem o je’, quando é uma palavrinha fácil, que eles já conseguem ler,

então é bom. A gente sempre utiliza o LD (PROFESSORA 02,

alfabetização/REMCSA).

Quanto a atividades que focalizavam o som (por exemplo, identificação

de sílabas em determinadas posições que possuam aquele som estudado,

contagem de letras), foram mencionadas apenas por três professoras (duas do

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Pré II pertencentes à REMC e uma do 2º ano do 1º ciclo da REMR), embora só

uma delas tenha melhor enfatizado essa atividade, ilustrando seu depoimento

com exemplos do livro. Isso pode ser uma conseqüência dos próprios livros,

que muitas vezes não priorizam atividades com este tipo de reflexão (cf.

Morais, Albuquerque e Ferreira, 2004). O interessante é que essa professora

utilizava o ALP e nesse livro esse tipo de atividade aparecia com certa

freqüência.

‘‘É uma atividade que o livro traz assim, por exemplo, ele traz

desenhos é feito... não é um quadro nem é uma cruzada, é desenho,

é como se fosse... com colunas divididas tem muitas dessa atividade

é o que é mais fácil. Que desenho é esse? Aí eles diziam macaco.

Como é a sílaba... sílaba inicial? MA. Quantas letras tem a sílaba

inicial? DUAS, você fala, abre, você pronuncia macaco usando

quantos sons? Três. Qual é a outra sílaba final? CO. Você lembra de

alguém que tem o nome ou alguma palavra que começa com o MA

de macaco? É uma atividade que eu gosto muito de fazer’’

(PROFESSORA 14, Pré II/REMC).

Encontramos ainda três professoras, uma de cada rede de ensino, que

mencionaram os jogos e cruzadinhas.

Ao analisarmos o conjunto dos depoimentos, é curioso observarmos

que, embora as professoras tenham apresentado uma avaliação negativa

quanto aos LDs por conter textos/ textos longos, nas atividades com o livro,

muitas docentes mencionaram realizar a leitura dos textos.

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Há aqui dois aspectos que nos parecem essenciais. Em primeiro lugar,

os LDs pareciam constituir um apoio ou ‘‘suporte’’ por conterem um repertório

variado de textos. Em segundo lugar, as atividades mais realizadas a partir do

LD eram aquelas que as mestras tinham indicado, previamente, como as que

empregavam para alfabetizar, independentemente de estarem ou não usando o

LD. Parece-nos, portanto, que quando o LD não propunha atividades que elas

julgavam necessárias, passava a ser usado como ponto de partida ou

‘‘suporte’’ para a sua realização- por exemplo, a ‘‘pesquisa de palavras’’,

‘‘ditado’’, etc.

3.14 – Complementação com outros materiais didáticos no Ensino do Sistema de Escrita Alfabética32

Para suprir as limitações apontadas quanto ao uso do LD, as mestras

em sua maioria, utilizavam outros livros didáticos como: Porta de Papel, Lápis

na Mão, Eu Gosto de Ler e Escrever, Didática dos níveis de Esther Grossi,

Todas as Letras, Pipoca, Tirando de Letras. Como citado anteriormente, as

professoras recorriam, essencialmente, a outros livros didáticos. Esse fato é

muito importante, pois não só as professoras que não usavam o LD oficial

utilizavam outros livros, mas, principalmente, aquelas que receberam livros, se

referiram com mais freqüência a outros LDs, já que as mesmas afirmaram

sempre buscar em outros livros ‘‘atividades diferenciadas que eram utilizadas

diariamente’’ e terem afirmado, também, que usavam o LD oficial com pouca

32 Essa questão só foi formulada às professoras que usavam LD, a fim de investigarmos se as mesmas sentiam necessidade de complementar seu ensino do sistema de escrita alfabética com outros materiais além dos LDs oficialmente adotados e quais eram esses materiais.

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170

freqüência. As professoras, na maioria das vezes, utilizavam vários outros

livros, a fim de encontrar atividades que não constavam nos LDs oficialmente

adotados e que para elas eram mais fáceis de serem desenvolvidas em sala de

aula. Isso fica bastante evidente no depoimento abaixo:

‘‘Tudo que é livro de alfabetização a gente dá uma olhada, porque

mesmo que a proposta não seja a construtivista, mas, nesse ponto

de atividades isoladas, dá pra você pegar uma atividade de um, uma

atividade de outro. Livro de poesia eu trabalhei muito... ‘‘Quando

tudo era brinquedo’’ de Paulo Gustavo. Trabalhei o ano todo com

ele, como ele é de poesia e poesia interessa muito a eles, sempre

na hora e a poesia... que eles têm a hora da poesia, antes de iniciar

a aula a gente procurava trabalhar um dos poemas e daí partir pra

temática que a gente queria abordar’’ (PROFESSORA 27, 1º ano do

1º ciclo/ REMR).

Além de outros livros didáticos, os livros de história e jogos educativos

(como dominó de palavras, bingo com os nomes das crianças, pescaria)

também foram bastante mencionados pelas docentes. Além desses materiais,

as professoras utilizavam vídeos, atividades mimeografadas e jornais, embora

tais materiais não tenham sido tão referidos por elas.

Na REMCSA todas as professoras que utilizavam o LD oficial, afirmaram

usar outros livros para complementar o seu ensino e superar algumas lacunas

existentes no LD destinado a sua série. Além de outros livros didáticos, as

professoras da alfabetização usavam jogos educativos e as responsáveis pela

1ª série, livros e vídeos de histórias infantis.

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No que se refere à REMC, os materiais complementares utilizados eram

mais diversificados. Nos dois níveis de ensino as docentes também

mencionaram outros LDs, que eram utilizados principalmente para retirar textos

diversos (como receitas, músicas, listas e bilhetes), os livros de histórias

infantis e jogos. No Pré II uma professora apontou também as histórias infantis

que eram lidas e ouvidas no gravador, além de um suporte dado pelo vídeo. Na

1ª série, uma professora acrescentou as ‘‘atividades diversificadas que

atendiam às necessidades do grupo’’. Como mencionamos anteriormente, a

professora fez questão de enfatizar que tais atividades eram baseadas no

GEEMPA. Vejamos o que nos afirmou a professora abaixo quanto à

diversidade de material trabalhado como complemento do LD adotado

oficialmente.

‘‘É, eu utilizo muita leitura de paradidático, muita fita de vídeo, muitas

historinhas infantis ouvidas no gravador, trabalhando assim, usando

muito som, mas usando outras formas, né? Didática. Eu utilizo

também outros livros, outras cartilhas’’ (PROFESSORA 14, Pré II/

REMC).

Quanto à REMR, verificamos que a maioria das professoras utilizava

tanto outros livros didáticos quanto livros de histórias infantis. Utilizavam,

também, atividades mimeografadas ou no quadro e jornais e revistas. Um fato

curioso é que os jogos só foram mencionados por uma professora do 2º ano do

1º ciclo, e que naquela rede as professoras (uma do1º ano e uma do 2º ano),

diferentemente das pertencentes às demais redes, referiram-se ao

abecedário/alfabetário ou a um mural com o alfabeto.

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Desta forma, podemos perceber que as professoras recorriam,

principalmente, como já foi mencionado, a outros LDs. Porém, em geral, outros

materiais complementares também foram mencionados. Percebemos que

outros livros, livros de histórias infantis e jogos foram os materiais que

predominaram como outras alternativas que auxiliariam as docentes na

ausência de elementos no LD que, para elas, precisariam ser explorados.

No que se refere à utilização de outros LDs, a maioria das docentes

afirmaram que tais livros traziam textos e atividades ‘‘mais simples, que

poderiam ser trabalhados com a criança’’. Quanto à leitura de livros de histórias

infantis, as professoras afirmaram realizá-la- porque ‘‘ajuda a criança na

medida em que lhe possibilita o contato com a língua escrita, levando-a a

compreender como se forma uma história: início, meio e fim’’, e porque ajudaria

a estabelecer uma relação entre a língua escrita e a língua falada.

‘‘Tem, aqui até tem alguns jogos, eu trago. Eu tô meio assim por

hábito, praticamente todo dia, eu faço a leitura de uma historinha

infantil porque eu faço parte do grupo de estudo do IQE (Instituto da

Qualidade do Ensino) e a gente assim, sempre nos estudos a gente

vê como é importante pra criança ela ter contato com a língua

escrita, como se forma uma história, o início, o meio e fim,

estabelecer relação entre a língua escrita e a língua falada. Então,

assim, por hábito, eles já conhecem muitas histórias porque eu

trago, sempre trago uma historinha diferente. Costumo ler para eles,

depois que eu leio, praticamente quase todos os dias, a gente faz

um reconto da história, eles fazem a reescrita do texto e a ilustração,

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é assim que eu trabalho’’ (PROFESSORA 31, 2º ano do 1º ciclo/

REMR).

Como vimos, a literatura infantil estava muito presente no ensino das

professoras aqui estudadas e estava cada vez mais presente nas escolas e

nas salas de aula, de uma forma geral. Na medida em que a escola se apropria

da literatura infantil, esse conhecimento é transformado em saber escolar,

sendo inevitável a sua escolarização. Segundo (SOARES et al, apud

EVANGELISTA, 1999), o que se deve negar não é a escolarização da

literatura, mas a sua inadequada e imprópria escolarização, quando a leitura de

livros de literatura na escola se distancia das práticas desenvolvidas fora da

escola, no contexto social. Ainda de acordo com (Soares et al, apud

EVANGELISTA, 1999) a leitura é determinada e orientada pelo professor, em

geral de Português, portanto, configura-se como tarefa escolar, sejam quais

forem as estratégias para mascarar esse caráter de dever escolar, jamais essa

leitura será ‘‘ler para ler’’, ler por prazer que são as características de uma

leitura literária fora da escola.

Isso ficava evidente nos depoimentos das professoras e, principalmente,

no depoimento da professora acima. Ela fez questão de ressaltar que sempre

levava para a escola livros de histórias, e ela mesma lia para os alunos e em

seguida, pedia para que eles rescrevessem a história, recontassem, para que

compreendessem ‘‘como se forma uma história’’.

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3.15 – Atividades do Ensino do Sistema de Escrita Alfabética realizadas com mais freqüência sem o uso do L D oficial 33

É interessante observarmos que as tarefas que foram pouco

mencionadas na seção de atividades realizadas com o uso do LD, foram as

que mais menções receberam quando formulamos a pergunta de que trata esta

questão.

Assim, se o ditado só foi relatado por três professoras quando usavam o

LD, aqui 14 professoras das três redes de ensino e das duas séries, afirmaram

realizá-lo.

‘‘... eu faço muito é... ditados, vários tipos de ditados, como o ditado

mudo, ditado com figuras, ditado convencional, eu dizendo as

palavras, eles escrevendo...’’ (PROFESSORA 2, alfabetização- usa

LD/ REMCSA).

A segunda atividade mais apontada pelas mestras sem recorrerem aos

LDs foi a produção de textos. Elas afirmaram realizar ‘‘produção de texto

coletivo’’, ‘‘produção de texto a partir de figuras/ desenhos’’. Vejamos alguns

depoimentos:

‘‘É... eu faço atividades mimeografadas e atividades de leitura no

quadro também. Eu trabalho assim... muito com texto coletivo. A

cada semana eu escolho um texto, às vezes é coletivo, produzido

pelos alunos e às vezes é uma poesia, uma história, um conto de

33 Essa questão foi respondida tanto por quem usava como por quem não utilizava o LD oficial. A nossa intenção era investigar não só o que faziam aquelas professoras que não usavam LD, mas entender o que as que usavam realizavam, quando não utilizavam aquele LD.

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fadas. Uso adaptação e trabalho aquele texto durante toda a

semana, e daquilo ali, daquele grande texto, saio tirando as

palavras-chave pra trabalhar e depois as sílabas, pra poder chegar

às letras’’ (PROFESSORA 20, 1ª série- usa LD/ REMC).

‘‘Produção de textos, ditados, atividades que no mimeógrafo a gente

roda e dá pra eles, formando palavras, formando frases’’

(PROFESSORA 21, 1ªsérie- usa LD/ REMC).

Nessa pesquisa, tal como observado por Albuquerque (2002) na REMR,

constatamos que as práticas de leitura e produção de textos já faziam parte do

cotidiano das mestras. Por outro lado, verificamos que poucas professoras

desenvolviam com suas turmas a Produção de textos proposta nos LDs. Vale

lembrar, também, que sem o uso do LD a maioria dessas professoras optavam

pela produção de textos coletivos.

Quanto à ‘‘formação de palavras’’ e ‘‘formação de frases’’, houve agora

um aumento significativo quanto à realização dessas atividades não partindo

do LD. Dentro do universo pesquisado, 11 docentes afirmaram realizar a

formação de palavras e nove mencionaram a ‘‘f ormação de frases’’. Essas

atividades, mencionadas por professoras das três redes de ensino, de fato não

apareciam freqüentemente nos LDs oficialmente adotados.

Seis docentes das REMCS e REMC, da alfabetização, afirmaram

realizar atividades que envolvessem o alfabeto. Dentre estas, duas afirmaram

utilizar o alfabeto móvel; para formar palavras.

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Quanto à leitura de textos, verificamos que tanto com o livro como sem o

LD, as professoras realizavam esse tipo de atividade. Daí parecem justificar-se

as afirmações das professoras quando relataram recorrer a outros LDs, livros

de histórias infantis, para explorar textos que eram mais ‘‘fáceis’’, mais

‘‘simples’’. É o que nos afirmou a professora abaixo, ao se reportar a outros

materiais para trabalhar essa leitura de textos:

‘‘Livro de história, gibi, jornal, outro tipo de texto que não o do LD.

Faço textos em cartazes, cartolinas. Acesso a textos eu tenho, mas

não livros’’ (PROFESSORA 30, 1º ano do 1º ciclo/REMR).

A leitura de textos extraída de outras fontes que não o LD foi

mencionada por oito docentes das três redes de ensino. Na REMCSA só as

professoras da alfabetização relataram fazer essa atividade, na REMC apenas

as mestras da 1ª série e na REMR tanto professoras do 1º ano do 1º ciclo

quanto do 2º ano do 1º ciclo realizavam a leitura de textos. Apenas uma

docente afirmou realizar a leitura de palavras dentro das atividades sem o uso

do LD.

Associada à leitura de textos, oito docentes afirmaram realizar a

interpretação de texto, desenvolvendo interpretação oral, escrita e através de

desenhos. Esse é um dado que nos parece muito interessante. As mestras não

realizavam a produção textual e não faziam as tarefas de interpretação

sugeridas pelos autores dos LDs nem criavam outras. Agora, com os textos

mais fáceis, o faziam bem mais!!

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Houve um aumento significativo, também, nas menções relacionadas às

atividades que envolviam a ‘‘exploração do som’’. Oito docentes relataram

desenvolver exercícios que envolvessem a ‘‘reflexão acerca do som’’, enquanto

que apenas três professoras tinham afirmado fazer isso com o auxílio do LD.

Essa atividade apareceu nas três redes de ensino e só as professoras da

REMCSA afirmaram realizá-la apenas na 1ª série. Morais, Albuquerque,

Ferreira et al (2004), examinando LDs de alfabetização aprovados no PNLD-

2004, constataram, de fato, uma freqüência muito baixa de atividades em que

os alunos eram levados a explorar as relações som-grafia.

Paralelamente a essas atividades, duas professoras afirmaram solicitar

aos alunos que identificassem sílabas e palavras que possuíam determinadas

letras, sons. Ainda no âmbito das ‘‘atividades com o som’’, duas professoras

mencionaram realizar a contagem de letras e sílabas. Vale ressaltar que essas

atividades só foram descritas por uma professora do 1º ano do 1º ciclo e uma

do 2º ano do 1º ciclo da REMR. Os exercícios que envolviam a contagem de

letras e sílabas, eram pouco explorados pelas professoras, não possibilitando

ao aluno pensar sobre a quantidade das unidades menores da palavra.

No que se refere à exploração da ‘’segmentação das palavras’’, de modo

semelhante ao que ocorreu nas atividades realizadas com o uso do LD, apenas

uma professora da 1ª série da REMC relatou desenvolver essa atividade.

Certos jogos didáticos foram também explorados nas atividades sem o

uso do LD. As professoras dos dois níveis de ensino das REMC E REMR

afirmaram realizar atividades que envolviam jogos como: bingo, dominó, caça-

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palavra, pescaria, forca. Apenas as professoras da REMCSA não mencionaram

esse tipo de atividade.

As mestras também relataram desenvolver atividades lúdicas,

explorando as músicas e cantigas de roda. Ressaltamos, no entanto, que

essas atividades só foram mencionadas por professoras da REMCSA (duas de

alfabetização e uma da 1ª série) e da REMC (uma do pré II e uma da 1ª série).

Torna-se interessante lembrarmos a partir desses dados que,

geralmente o que as professoras afirmaram realizar sem o livro tendia a ser o

que não faziam com o LD oficial.

3.16 – Itens que mais influenciavam a organização do Ensino do Sistema de Escrita Alfabética das professoras34

Os quadros 1, 2 e 3 abaixo pretendem mostrar as prioridades

mencionadas pelas professoras de cada rede de ensino. Os números ordinais

representam: 1ª prioridade, 2ª prioridade e assim por diante. Os números que

estão ao lado de cada item representa a quantidade de professoras que os

apontaram como mais ou menos importantes na definição de suas práticas de

ensino do sistema de escrita alfabética.

34 Esta questão também foi formulada a todas as professoras investigadas.

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QUADRO 1

Itens que influenciavam a organização do ensino do sistema de escrita alfabética praticado p elas professoras da REMCSA, segundo o g rau de influência – REMCSA

Itens 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º

Livro didático 1 1 1 4 2 1 2

Capacitações 5 2 3 1 1

Curso de formação 5 2 2 1 2

A prática de colegas 3 1 2 3 3

Sua própria prática 2 5 3 2

Leitura de textos sobre o ensino de língua 4 1 2 1 3 1

Leitura da proposta da rede 1 3 4 4

Não respondeu 0 0 0 0 0 0 0

QUADRO 2

Itens que influenciavam a organização do ensino do sistema de escrita alfabética praticado p elas professoras da REMC, segundo o g rau de influência – REMC

Itens 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º

Livro didático 1 3 8

Capacitações 1 5 2 3 1

Curso de formação 4 2 1 1 3 1

A prática de colegas 1 2 2 4 3

Sua própria prática 2 3 3 3 1

Leitura de textos sobre o ensino de língua 1 2 2 3 1 1 2

Leitura da proposta da rede 4 1 4 2 1

Não respondeu 0 0 0 0 0 0 0

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QUADRO 3

Itens que influenciavam a organização do ensino do sistema de escrita alfabética praticado p elas professoras da REMR, segundo o g rau de influência - REMR

Itens 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º

Livro didático 1 1 1 2 1 5

Capacitações 3 2 1 3 1 1

Curso de formação 2 1 2 1 4 1

A prática de colegas 1 1 2 1 3 3

Sua própria prática 2 3 3 3

Leitura de textos sobre o ensino de língua

4 4 2 1

Leitura da proposta da rede 1 2 1 5 2

Não respondeu 1 1 1 1 1 1 1

Ao analisarmos cada rede de ensino, verificamos que as docentes da

REMCSA apontaram a leitura da proposta da rede e a prática de colegas como

itens que menos influenciavam a organização do seu ensino. Já os cursos de

formação inicial, as capacitações e sua própria prática seriam o que mais

determinava seus modos de ensinar. Dentre esses aspectos, os cursos de

formação inicial tinham maior relevância para a maioria dessas docentes.

Apenas duas mestras não consideravam o curso de formação inicial

importante. Ao analisarmos mais detalhadamente os dados, verificamos que

uma dessas professoras não possuía curso superior e tinha concluído o

magistério há mais de 26 anos; a outra, apesar de ter formação superior,

estava cursando sua pós-graduação, tinha feito formação mais específica, na

área da Matemática. Acreditamos que talvez estes elementos tenham

influenciado suas avaliações.

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Ainda na REMCSA, a leitura de textos sobre o ensino de língua também

foi apontada como tendo uma significativa influência na organização do ensino

dessas professoras. Podemos verificar, também, que o LD na REMCSA não

era considerado como fator importante para a organização do ensino do

sistema de escrita alfabética.

Na REMC, o LD foi citado como item de menor influência. Isso parece

estar em consonância com a realidade daquela rede, onde as professoras do

Pré II eram orientadas a não utilizar LD, e mesmo aquelas que usavam LDs

apontaram algumas limitações com relação aos mesmos, embora em

comparação às professoras da 1ª série, as mestras do Pré II usavam o LD com

uma freqüência um pouco maior. Já os cursos de formação inicial, a leitura da

proposta curricular da rede e as capacitações foram citados como os itens de

maior influência na organização do ensino. É importante ressaltar que as

professoras daquela rede faziam muita referência ao ‘‘GEEMPA’’35. As

docentes sempre citavam exemplos de atividades ou algumas propostas de

ensino desse curso. Parece-nos que se sentiam mais seguras sendo

subsidiadas pelo GEEMPA. É como se as mestras recorressem a essas

atividades porque ‘‘eram mais fáceis’’ e ‘‘atendiam às necessidades das

professoras’’. Preocupadas em estar sendo tradicionais, ficavam satisfeitas em

perceber que o GEEMPA, por ser um curso de formação continuada, também

defendia atividades que aquelas educadoras já haviam praticado ou gostavam

de realizar. É o que nos revela uma professora da REMR, mas que já tinha sido

35 Recordemos que o GEEMPA era a forma como as professoras designavam o curso realizado na REMC com as professoras responsáveis pela 1ª série e pela Educação de Jovens e Adultos.

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professora de Camaragibe e participado do GEEMPA.

‘‘Na verdade eu já participei do GEEMPA. Eu já tinha um... eu já

fazia muito o trabalho com texto, mas o GEEMPA ele direcionou pra

determinadas coisas, tirando aquela coisa de que o menino não

precisa memorizar as sílabas, as letras, palavras. O menino precisa!

Porque pra você conhecer uma coisa tem que conhecer bem... Tirou

aquele sentimento de culpa que você tinha, que alguém que estudou

mais do que você descobriu que o aluno precisa estar lendo,

fazendo o alfabeto... circule as letras do seu nome...’’

(PROFESSORA 33, 2º ano do 1º ciclo- usa LD/ REMR).

Quanto à REMR, o LD também foi citado como o item que menos

influenciava na organização do ensino do sistema de escrita alfabética

daquelas professoras. Ao lado do LD, como fatores de menor influência

estavam a leitura da proposta curricular da REMR e a prática de colegas,

respectivamente. É preciso enfatizar que as propostas curriculares 96/2003

tratam muito superficialmente o ensino de Língua Portuguesa na alfabetização

e menos ainda do ensino específico do sistema de escrita alfabética.

Embora as mestras das outras redes tenham mencionado a leitura de

textos sobre o ensino de língua como um fator que exercia certa influência no

seu ensino, foram as mestras da REMR que mencionaram a leitura de textos

sobre o ensino de Língua como o item que mais influenciava a organização do

seu ensino. Em seguida, verificamos que as capacitações também eram

consideradas por elas como importantes para a organização do seu ensino do

sistema de escrita alfabética.

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Quanto ao LD, podemos verificar que alguns dados são bem

interessantes. Nas três redes de ensino o LD exercia pouca influência nos

modos de ensinar das professoras. Apenas duas docentes no universo de 36

professoras citaram o LD como primeira opção. Isso nos revela o lugar

secundário que assumia o LD no ensino do sistema de escrita alfabética

daquelas professoras.

A partir das novas concepções relacionadas ao ensino de Língua

Portuguesa que passaram a ser divulgadas na década de 1980, o uso do LD

passou a ser vinculado a uma prática pedagógica tradicional. De acordo com

Albuquerque (2002), o uso do livro didático como organizador das atividades de

ensino do docente é algo que, para as professoras, precisa ser negado,

estando vinculado ao tradicional/errado. Desta forma, a autora acima verificou

que professoras de 3ª e 4ª séries, ao afirmarem que tomavam o livro apenas

como apoio, negavam a utilização do LD como material pedagógico exclusivo.

No que se refere às professoras alfabetizadoras aqui estudadas,

entendemos que o fato das mesmas não terem apontado o LD enquanto fator

determinante ou que exercia certa influência na organização do seu ensino e

terem afirmado que utilizavam o livro apenas como um suporte, não revelaria

apenas uma situação semelhante à encontrada por Albuquerque (2002), mas

expressaria, sobretudo, a dificuldade encontrada por aquelas professoras

quanto ao uso desse manual.

As docentes enfatizaram a questão da complexidade do livro e a

ausência de atividades que ajudariam o aluno na aquisição do sistema de

escrita alfabética. Para elas, o livro não deveria ser utilizado como uma

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‘‘muleta’’, mas era preciso ‘‘adaptá-lo à realidade da turma’’. Isso vai de

encontro à concepção que se tem de que o livro é o que determina todo o

trabalho do professor, pelo menos do alfabetizador das redes públicas de

ensino.

Um outro dado bastante curioso foi o fato das mestras não terem

indicado as experiências das colegas enquanto um elemento que exercia

significativa influência sobre o seu ensino. Segundo Chartier (1998), o

professor tenderia a não se apropriar diretamente do que os especialistas

prescrevem, aplicando uma determinada teoria na sua dinâmica de sala de

aula, mas tomaria como principal referência sua própria ação e as experiências

vivenciadas por colegas e que apresentaram resultados positivos. Estas seriam

mais fáceis de serem aplicadas, porque expressariam situações construídas na

própria prática. O professor se apropriaria do que pode ser feito, do que tem

relação direta com a prática, utilizando as inovações que entusiasmam o aluno.

É importante ressaltar que, embora as professoras não tenham

apontado as experiências das colegas como fator que exercia influência sobre

sua prática, quando perguntamos sobre a origem das atividades, as mesmas

mencionaram ter se apropriado principalmente, de sugestões e propostas de

colegas, ao verificar que tais propostas tinham se revelado enquanto

experiências positivas.

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3.17 – As mudanças nos LDs de alfabetização: o que observavam as professoras?

Enfocaremos, agora, o que as professoras identificavam como

mudanças nos LDs de alfabetização. É interessante ressaltar que a maioria das

docentes apontou claramente as mudanças ocorridas nos LDs, fazendo relação

com as antigas cartilhas com que estudaram e que predominavam nas salas de

alfabetização até a década de 1990.

As professoras não apenas relataram as semelhanças e diferenças entre

as antigas cartilhas e os novos livros, mas algumas mestras também

enfatizaram dificuldades encontradas nos livros atuais que, apesar de estarem

inovando no ensino do sistema de escrita alfabética, apresentam limitações.

As mudanças mais mencionadas foram relacionadas ao ‘‘processo

mecânico de alfabetização’’. Dentre as professoras das três redes e dos dois

níveis de ensino, 16/36 afirmaram que as antigas cartilhas levavam o aluno

apenas a copiar, decorar, repetir, decodificar, sem refletir sobre o que estava

fazendo. Já os novos livros, segundo 16/36 professoras - não necessariamente

as mesmas docentes citadas acima – ‘‘interagiam com os alunos’’, promovendo

a criticidade e estimulando sua construção de conhecimentos. Vejamos o

seguinte depoimento:

“Mudou, né? Mudou algumas coisas (sic). Porque antigamente o

aluno só fazia decorar, completar palavras, ler aquelas frases já

decoradas. E hoje não. Hoje é como eu disse a você, os livros são

assim mais amplos, né? ‘‘Responda com suas palavras’’, já é mais

crítico. ‘‘Dê a sua opinião’’, ‘‘faça comparação’’, ‘‘leia tal parágrafo,

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tal parágrafo’’, compare um com o outro; o que ele tá querendo

dizer?. Quer dizer, já tá exigindo mais dele, mais da experiência

dele, do raciocínio, que ele pense mais, raciocine mais

(PROFESSORA 35, 2º ano do 1º ciclo- não usa LD/ REMR).

Ao lado dessas mudanças, encontramos outras docentes (14/36) que

afirmaram que as antigas cartilhas priorizavam o processo silábico,

‘‘trabalhavam’’ as famílias silábicas dentro de uma seqüência que acabava

impedindo o aprendiz de se apropriar do sistema de escrita de uma forma mais

ampla, por estar limitado, em determinados momentos, àquele padrão silábico.

Além disso, trabalhavam em cima de letras soltas, levando os alunos a

memorizarem tais letras. Quando traziam textos, estes, na verdade, se

constituíam para algumas professoras em textos cartilhados, frases soltas, sem

significado e coesão. Ao se referirem aos novos livros, o que mudou foi o

‘‘trabalho’’ com textos: textos mais ricos, diversificados e que fazem parte das

melhores obras da literatura brasileira. Verificamos que embora as professoras

reconheçam a diversidade textual no LD, algumas professoras não deixaram

de mencionar que a implantação desses livros significa um aumento nas

atribuições do trabalho docente. Vejamos o seguinte depoimento:

‘‘As antigas cartilhas, elas trabalhavam, assim, os sons isolados,

né? Elas por exemplo: trabalhavam o B- Bia, baba, boi, o b e as

vogais. Depois vinha o L e assim sucessivamente; os de hoje não.

Muitas vezes assim, inclusive, muitas pessoas não querem certos

livros por causa disso. Porque alguns já começam pedindo para a

criança escrever, as pessoas não querem, preferem as cartilhas por

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causa disso, porque dá menos trabalho às professoras, esses livros

eles dão mais trabalho, né? Na hora da correção. Não estou dizendo

que é certo, estou dizendo que isso acontece. As antigas cartilhas

elas... a criança não tinha nem direito assim, tinha que ficar com

aquele saber ali bem resumido, não tinha direito... muitas vezes

tinha crianças que sabiam outro som, mas tinha que ficar naquele B

porque a professora não terminou os dias pra acabar com a lição do

B ainda, pra poder partir pra outra. Hoje é diferente, muitas vezes

quando a gente consegue alfabetizar, quando a gente tem material e

outras coisas mais, quando a gente consegue alfabetizar, tem

criança que na metade do ano... o que antigamente não existia, já lê

tanta coisa, até palavras com Z, com as sílabas que a gente

chamava complexas, essas coisas todas, ‘‘travadas’’. Porque não

tem mais aquela coisa de esperar até o fim do ano pra gente

trabalhar as sílabas complexas, assim uma coisa que eu acho que

se diferenciou, mesmo, foi isso. A questão dos sons mesmo, os que

são trabalhados na sala de aula, porque quando você trabalha só o

som por som, letra por letra, tem que mostrar à criança o T, como

fica o T com A, pra saber como é que fica. Mas ficava só naquilo, só

tinha direito de dizer outra letra... tá trabalhando o B, se a criança

dissesse a palavra ‘bota’, não poderia, porque bota tem o T e o T

não trabalhou ainda, tem que trabalhar ‘boi’, ‘bia’, ‘baba’, essas

coisas assim. E hoje em dia o que eu faço é isso. Tem muitos livros

bons com atividades bem diferentes. Trabalha poemas, com

músicas, essas coisas todas. Com coisas que a criança vê na rua,

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no supermercado, vê em todo canto. E antigamente as cartilhas não

tinham nada disso, talvez é até isso que tenha predominado até

hoje, essa questão de só se aprende a ler, a ler não, né? A

decodificar alguns sons, na escola. Quando saem da escola,

acabou-se. Acho que foi por causa disso’’ (PROFESSORA 04,

alfabetização- não usa LD/REMCSA).

‘‘As cartilhas elas usavam muito de você decorar, né? Decorar o

texto. Eram textos partidos, sem seqüência, sem coesão textual.

Hoje trabalha textos ricos, que a gente sabe... de escritores bons da

nossa literatura, né? O livro hoje, o livro ALP, ele tem essa riqueza,

né? E os nossos livros cartilhas não usavam, eram textos partidos,

sem coesão textual e que não faziam a criança pensar, nem

construir nada’’ (PROFESSORA 13, Pré II- usa LD/REMC).

É curioso que algumas dessas docentes, ao mesmo tempo que

criticavam as antigas cartilhas, defendiam a ênfase dada nelas ao ensino das

famílias silábicas.

‘‘Já a cartilha, o sistema de escrita, ele trabalha mais as famílias

silábicas. Nesse ponto eu utilizo também essa metodologia. Porque

é como eu tinha falado anteriormente: a gente tem que fazer com

que o aluno ele tenha contato com muitos textos, mas ao mesmo

tempo a gente tem que trabalhar as famílias silábicas. Pode ser

criticado como for, mas é um caminho que eu tenho resultados,

certo? Então nesse ponto eu concordo com as antigas cartilhas

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porque trabalham também as famílias silábicas’’ (PROFESSORA 29,

1º ano do 1º ciclo- não usa LD/REMR).

Esse é um ponto fundamental. As professoras identificaram que as

antigas cartilhas eram limitadas, porque apresentavam um processo mecânico,

priorizavam o processo silábico, enfatizando o ensino das famílias silábicas,

mas por outro lado, reconheciam que precisavam desenvolver um ensino

sistemático para alfabetizar os alunos. Desta forma, as professoras por

sentirem dificuldade de realizar o ensino do sistema de escrita alfabética dentro

de uma outra perspectiva, acabavam utilizando o método silábico.

Morais e Albuquerque (no prelo) estão desenvolvendo um trabalho, o

qual propõe uma sistemática de ensino que possibilita ao aluno refletir sobre as

propriedades do sistema de escrita, sem tratar equivocadamente a escrita

como um código, transmitindo as famílias silábicas.

As professoras também fizeram referência às atividades diversificadas.

De acordo com docentes da REMCSA e REMC, os novos livros passaram a

investir em atividades diversificadas como: brincadeiras, jogos... Atividades até

então não visualizadas nas antigas cartilhas.

‘‘Vem mais atividades. Antigamente era resumida a quantidade de

atividades. Hoje em dia vem mais atividades, há uma escolha maior

pra gente se basear e pegar na sala de aula’’ (PROFESSORA11, 1ª

série- não usa LD/REMCSA).

Apenas na REMCSA, houve dois casos de menções referentes às

mudanças nas ilustrações. Para essas professoras, os novos livros chamavam

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mais a atenção das crianças, traziam bastante ilustrações, diferentemente das

antigas cartilhas.

‘‘Algumas cartilhas elas são novas edições, elas existiram e agora

são novas edições. Fazem alguma modificações, mas sempre volta

os mesmos textos, as mesmas palavras, os mesmos desenhos.

Agora o que tô achando com mais facilidade é porque vem muito

colorido, chama muito a atenção da criança, as letras são maiores...’’

(PROFESSORA 02, alfabetização- usa LD/REMCSA).

Ao analisarmos mais detalhadamente cada rede de ensino, verificamos

que algumas professoras das REMCSA e REMR, além de apontar as

semelhanças e diferenças, também fizeram referência aos textos e atividades

contidos nos novos livros. Para elas, os novos livros se tornavam mais difíceis

de serem ‘‘trabalhados’’, principalmente, por conta dos textos/ textos longos.

Os novos livros acabariam ‘‘não atendendo à realidade de seus alunos’’, ou

melhor, dos alunos de escola pública.

Ainda encontramos um caso em que a professora afirmou que não

houve muita mudança. Ao lado dessa observação, uma outra professora

afirmou que as atividades dos novos livros eram semelhantes às encontradas

nas antigas cartilhas36.

‘‘São quase idênticas as de agora, pela que eu pego, né? Possa ser

que exista algumas que eu não tenha tido contato e sejam melhores.

Posso dizer que a que eu tive contato com ela, é quase idêntica. Eu

36 O livro utilizado pela professora era Vida Nova.

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sempre dou uma olhada nas cartilhas. Porta de Papel é uma cartilha

antiga, que teve já renovada, teve Bolinha de Sabão. Eu sempre

gosto de dar uma olhadinha na Porta de Papel, nessa que eu

sempre acompanho’’ (PROFESSORA 02, alfabetização- usa

LD/REMCSA).

Verificamos que, segundo as mestras, as antigas cartilhas, além de se

limitarem aos padrões silábicos, priorizavam a aprendizagem de letras soltas. E

os novos livros exploravam os textos, partiam de textos. É interessante

ressaltar que as professoras questionavam a limitação das cartilhas em

priorizar a aprendizagem dos padrões silábicos, das letras soltas, mas, ao

relatarem suas estratégias de ensino e as atividades do sistema de escrita

alfabética, muitas vezes, afirmaram ‘‘trabalhar’’ esses elementos. Talvez isso

deve-se ao fato das mestras não estarem sabendo utilizar esses textos,

relacionando-os ao ensino do sistema de escrita alfabética, um ensino que,

segundo elas, pouco é assegurado pelos novos LDs.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como ressaltamos no decorrer desse trabalho, tínhamos como objetivo

analisar por que as professoras vinham usando ou não os novos LDs de

alfabetização, investigando como as mesmas abordavam o ensino do sistema

de escrita alfabética frente aos estudos da Psicogênese da Língua Escrita,

sobre Consciência Fonológica e Letramento.

A partir desse momento, sem pretendermos fazer generalizações,

trataremos de enfocar os principais resultados que foram obtidos no universo

de 36 professoras, as quais estavam distribuídas nas três redes públicas de

ensino: Cabo, Camaragibe e Recife. Inicialmente, mencionaremos e

discutiremos as principais evidências, à luz da literatura que fundamentou

nosso estudo. Em seguida, faremos uma análise dos limites dessa pesquisa,

apontando algumas sugestões para futuras investigações. Por fim, refletiremos

sobre possíveis contribuições que esse estudo pode oferecer ao campo

educacional.

Desta forma, para compreendermos por que as professoras usavam ou

não usavam os novos LDs de alfabetização e o que as mesmas priorizavam ao

desenvolver o ensino do sistema de escrita alfabética, tínhamos considerado

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importante investigarmos, primeiramente, suas principais metas com relação

ao aprendizado dos alunos ao final do ano letivo. Constatamos que as

professoras, independentemente da rede e da série em que lecionavam,

estavam mais preocupadas com que seus alunos chegassem ao final do ano

dominando o sistema de escrita alfabética, ‘‘fazendo junções’’ e ‘‘escrevendo

pelo menos palavras simples’’. Não existia uma cobrança de que os alunos

soubessem ler e produzir textos; sua prioridade era, de fato, levá-los a dominar

o sistema de escrita alfabética, já que para elas as práticas de leitura e

produção de textos seriam uma conseqüência da aprendizagem do sistema de

escrita alfabética e poderiam ser asseguradas em outras etapas do ensino

formal.

Ao passarmos a discutir o uso do LD oficial pelas professoras, tivemos a

preocupação de analisarmos o momento que precede o uso desse material em

sala de aula: sua escolha. Identificamos, assim, que a maioria das docentes

por nós investigadas não participou do processo de escolha dos LDs, tendo

geralmente que utilizar livros que não foram por elas escolhidos ou

‘‘analisados’’. Não podemos afirmar que, caso as mestras tivessem participado

da escolha, optariam por livros melhor recomendados pelos

especialistas/avaliadores do PNLD. Acreditamos, sim, que os professores

precisam, antes de tudo, ter maiores subsídios teóricos e práticos que

fundamentem suas escolhas didáticas e, conseqüentemente, a sua prática

pedagógica.

De acordo com Batista (2001), a escolha de LDs, de fato, tende a se

fazer sob condições pouco adequadas e um indicativo disso é que, muitas

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vezes, essa escolha ocorre sem o necessário processo de discussão. Os

professores não recebem orientações que lhes possibilitem uma escolha mais

fundamentada. Isto se constitui em um dos fatores que acabam gerando um

descompasso entre as expectativas do PNLD e as dos docentes.

Percebemos que as professoras aqui pesquisadas, que afirmaram

utilizar LD, não se apropriavam diretamente das prescrições contidas nesses

LDs como concebem certos estudiosos, ao defender que os textos do saber

influenciam diretamente a prática do professor. Ao contrário dessa concepção,

as professoras dessa pesquisa, embora tenham reconhecido que os livros

vinham inovando – porque apresentavam uma proposta construtivista, eram

baseados em projetos e traziam textos que os diferenciavam das antigas

cartilhas – não deixaram de fazer algumas ressalvas, mostrando as principais

dificuldades por elas encontradas quando os usavam, ao desenvolver o ensino

do sistema de escrita alfabética.

Para elas, os livros eram “difíceis”, “elevados para a série” em que

estavam atuando. Os mesmos “não correspondiam à realidade dos alunos” e

essa complexidade se dava principalmente por conta dos textos existentes nos

LDs que, na maioria das vezes, “eram longos”. De acordo com as docentes,

esses textos eram pouco apropriados para trabalhar com alunos que ainda não

sabiam ler e escrever ou que nunca tiveram acesso à educação formal antes.

Esse dado também foi encontrado por Ribas (2003), como uma das queixas

mais mencionadas pelas docentes, quando se referiam ao ensino do sistema

de escrita alfabética. A autora nos aponta que as professoras passavam a se

guiar pelas metodologias que privilegiam a ênfase nos processos de

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decodificação e codificação. Por conta disso, julgavam os textos longos dos

LDs pouco apropriados, apontando os textos curtos como o principal aspecto

positivo de alguns LDs.

Devido a isso, percebemos que algumas professoras aqui pesquisadas,

só passavam a utilizar o LD oficial, no segundo semestre do ano letivo, por

julgarem ser então mais fácil de serem trabalhados “dentro da realidade de

seus alunos”, já que segundo elas, os livros didáticos, especialmente os da 1ª

série, pareciam ser destinados a alunos já alfabetizados. Este é um dado que

julgamos importante e pouco discutido em nosso país: a maioria dos autores

dos livros destinados à 1a série parecem ter em mente os alunos de classe

média, que tendem a aprender a notação alfabética ainda na educação infantil.

Ao decidirem usar o LD apenas no segundo semestre, as mestras

estariam considerando principalmente, o desenvolvimento dos seus alunos e

as condições que os mesmos apresentavam em utilizar ou não esse livro. Para

elas, os alunos ainda não sabiam ler nem escrever, ficando muito difícil

empregar esse LD. As professoras investigadas por Ribas (2003) também só

decidiam utilizar o LD no segundo semestre do ano letivo, pois era necessário,

primeiramente, realizar um “trabalho de base e levar os alunos a ter um certo

domínio do código”. Para explicar essa problemática, Arroyo (1995 apud

RIBAS, 2003) aborda a lógica da organização dos tempos escolares. Uma das

características dessa lógica seria organizar os tempos e espaços da instituição

escolar, considerando exatamente os ‘‘conteúdos’’ a serem ensinados e

tomando como referência o desempenho ou desenvolvimento da maioria dos

alunos para aprendê-los.

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Ribas (2003), ainda identificou que o LD podia ser utilizado no início do

ano letivo, mas isso só acontecia com os alunos já alfabetizados. Esse

processo também foi evidenciado em nossa pesquisa. As professoras da

alfabetização usavam, na maioria das vezes, outros livros que estavam

“entulhados” em casa ou na escola; e as professoras da 1ª série utilizavam no

início do ano, livros da alfabetização por julgarem mais próximos da realidade

dos alunos.

No caso específico da 1ª série da REMC, essa decisão não era tomada

exclusivamente pelas professoras em sala de aula, mas a própria escola

chegava a distribuir dois livros didáticos, com a intenção de que os professores

adotassem o livro ALP da alfabetização com os alunos que estavam na 1ª

série, mas que ainda apresentavam dificuldades quanto ao domínio do sistema

de escrita alfabética e o Na Trilha do Texto, destinado, de fato, à 1ª série,

deveria apenas ser empregado com os alunos já alfabetizados. Mesmo assim,

muitos não conseguiam alcançar o nível desse LD, segundo as mestras.

Algumas docentes também mencionaram a complexidade e a extensão

das atividades propostas pelos novos LDs. Para elas, o aluno não tinha

condições de realizar sozinho tais atividades, exigindo um maior

acompanhamento do professor na realização das mesmas e um tratamento

mais individualizado.

Além de estarem preocupadas em ‘‘levar o aluno a dar respostas

certas’’, o que acabaria mantendo-os de certa forma, ocupados, as professoras

se mostravam preocupadas, também, com a etapa de ‘‘correção”. Quando se

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197

usavam tarefas com respostas únicas, esta etapa se daria de uma forma ‘‘mais

prática’’.

Segundo Lerner (2002 apud RIBAS, 2003), os novos LDs propõem

atividades ‘‘abertas’’ e esse tipo de tarefa realmente exige uma maior

intermediação do professor. Como prevêem mais de uma resposta válida,

demandam também um professor que domine as formas de intervenção

coerentes com o novo modelo pedagógico e uma nova organização do trabalho

em sala de aula. Dentre as razões básicas que, segundo Ribas (2003),

levariam as professoras a substituírem os livros com melhor avaliação por

outros com proposições mais próximas dos seus ideários pedagógicos, estaria

a conseqüente insegurança das docentes. Se considerarmos a distinção entre

aspectos didáticos e pedagógicos proposta por Chartier (1998),

compreendemos que lidar com tarefas abertas e ter que mediar a leitura e

produção de textos longos pressuporia uma inovação no âmbito estritamente

pedagógico da atuação das docentes que estivemos pesquisando.

Além desses problemas, uma professora ainda mencionou a questão do

LD ser programado para uma escolarização baseada num regime seriado,

quando a REMR estava implantando os ciclos de aprendizagem. Outras

docentes, independentemente, de estarem num regime de ciclos, também

consideravam que os LDs não atendiam à heterogeneidade de desempenho

dos alunos. Para suprir essa lacuna, tendiam a utilizar algumas alternativas,

dentre elas, estava a necessidade de ‘‘dosar’’ as atividades do LD para

contemplar todos os alunos e programar, por conta própria, outras atividades.

Para tanto, as mestras acreditavam que, em determinados momentos, teriam

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198

que “ser tradicionais”, realizando atividades que para elas eram adequadas

para alunos com determinados níveis de desempenho.

As professoras também afirmaram sentir falta de atividades no LD que

contemplassem a aquisição do sistema de escrita alfabética, bem como de

atividades que levassem os alunos a refletir sobre os segmentos sonoros das

palavras, ou seja, atividades de análise fonológica. Como vimos, a partir do

estudo de Albuquerque, Morais & Ferreira (2004), os novos livros, de fato, vêm

apresentando uma maior preocupação com o eixo do letramento, em

detrimento de uma maior sistematização da aprendizagem do ensino do

sistema de escrita alfabética. Neste contexto, algumas mestras deixaram claro

que “não pretendiam retomar o BA-BE-BI-BO-BU”, mas, para isso, era preciso

que os livros trouxessem atividades que as ajudassem no processo de

alfabetização.

Diante dessas evidências, nos perguntamos: Como os novos LDs vêm

realizando o processo de Transposição Didática? Entendemos que os autores

dos LDs parecem não estar sabendo conciliar as atividades relacionadas ao

ensino do sistema de escrita alfabética com aquelas voltadas à leitura e

produção de textos, numa perspectiva de letramento. Assim como observaram

as professoras e como vêm comprovando alguns estudos (Morais,

Albuquerque & Ferreira, (2004), os autores dos LDs, ao enfatizar a inserção do

aluno no mundo letrado, passam a não considerar adequadamente as teorias

que vêm explicando o processo de apropriação da escrita alfabética pelos

aprendizes. Desta forma, observamos pouco investimento em atividades

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fundamentadas nas contribuições da teoria da Psicogênese da Escrita

alfabética bem como dos estudos sobre Consciência Fonológica.

Talvez, também por sentirem falta dessas atividades, as mestras não

incorporavam facilmente as propostas didáticas dos autores dos LDs. Isso se

evidencia na medida em que a maioria das professoras relatou que o LD oficial

não representava um dos elementos mais determinantes em seu ensino, sendo

utilizado raramente/ duas vezes por semana, ou exclusivamente, nos “dias

específicos da disciplina Língua Portuguesa”.

Apesar das docentes do Pré II da REMC e as professoras da REMR

terem afirmado utilizar esses manuais com uma freqüência maior em relação

às colegas das demais redes, usavam, em sua maioria, com mais freqüência,

outros LDs de alfabetização, na tentativa de encontrar atividades e textos que

acreditavam serem mais adequados para “trabalhar dentro da realidade da sua

turma”. As professoras diziam não se limitar a um, ou outro livro, mas

buscavam sempre utilizar “vários livros”, a fim de fazer uma seleção das

atividades e textos que lhes oferecessem uma maior possibilidade e segurança

para trabalhar em sala de aula.

No que se refere às estratégias de ensino, constatamos que as

professoras enfatizaram a “leitura de textos”, especificamente a leitura de

histórias infantis. Vale ressaltar, no entanto, que essa leitura de textos era

realizada geralmente pela professora e que, muitas vezes, o texto era utilizado

como pretexto para retirar palavras e destacar as sílabas que seriam estudadas

posteriormente, buscando levar os alunos a decorar as famílias silábicas.

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200

Quanto à produção textual, esta também foi bastante mencionada.

Contudo, para a maioria das docentes a produção de textos ‘‘surgia aos

poucos’’, ‘‘quando os alunos já conheciam as letras’’, ‘‘eram capazes de

compor vogais e consoantes’’, ‘‘formavam palavras e frases’’. Ficava patente,

nesses casos, a antiga concepção ‘‘aditiva’’, segundo a qual era preciso partir

de unidades menores, que gradativamente iriam se somando. As professoras

não explicitaram ver ganhos em termos do aluno adquirir conhecimento sobre

os gêneros textuais. Frente às prescrições do saber dos especialistas,

pareciam apresentar uma baixa apropriação em torno das mudanças didáticas

relacionadas ao ensino da linguagem que se usa ao escrever.

Se um dos principais motivos que levavam as professoras a utilizar com

pouca freqüência os LDs oficialmente adotados era a dificuldade que tinham de

ensinar com os textos dos livros, por serem ‘‘difíceis’’, optavam por trabalhar

com os alunos a “produção de textos coletivos”. Embora encontremos aí uma

preocupação de “trabalhar textos desde cedo”, indicadora de apropriação das

novas prescrições ligadas ao campo do letramento, é preciso não esquecer

que os tais “textos coletivos” não correspondiam necessariamente a gêneros

de circulação social, estando mais voltados ao registro escrito das discussões

travadas em sala de aula, sobre temas do cotidiano, datas comemorativas, etc.

A partir dos depoimentos das mestras, percebemos que as mesmas não

utilizavam o livro passo a passo, não se apropriavam direta e ordenadamente

das suas prescrições. Como nos afirma Albuquerque (2002), os professores

não se apropriariam diretamente de algo que é transmitido por diferentes

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meios: cursos, revistas, livros, etc., mas operariam uma re-interpretação, com

base em seus saberes da experiência docente.

Ribas (2003), também identificou essa não-centralidade do LD no

trabalho do professor. As professoras por ela estudadas tendiam a romper com

a seqüência ordenada dos passos de ensino e aprendizagem proposta pelo

LD, por reconhecerem que a mesma não coincidia com as formas de ensino

que lhe eram familiares. Desta forma, a pesquisadora percebeu que as

professoras recontextualizavam as propostas dos LDs, transformando-as de

acordo com as intencionalidades de sua realidade de sala de aula e de sua

experiência profissional.

Ao analisarmos os depoimentos das docentes que afirmaram não utilizar

o LD oficial, constatamos que algumas não estavam usando o livro porque a

rede de ensino não havia adotado LDs na série de alfabetização ou porque não

chegaram livros suficientes. Mas o principal motivo que as levava a não

seguirem as propostas dos autores dos LDs era idêntico ao apontado por suas

colegas que usavam os LDS: a “complexidade dos mesmos”, o fato de não

corresponderem ao nível da turma. Seguindo a mesma linha de solução, as

professoras que não usavam LD recorriam também, a outros LDs “antigos”,

que continuavam tratando a escrita alfabética como um código, a ser ensinado

de forma bastante controlada, priorizando a apresentação e memorização das

famílias silábicas. Também este subgrupo que não utilizava LDs recorria

basicamente aos “textos coletivos”, nas atividades de produção textual.

Independentemente de usarem os LDs oficiais ou não, a forma como as

professoras utilizavam os textos neles contidos era reveladora de um processo

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202

de apropriação. Elas pareciam ter assumido a necessidade de “partir de textos”

(ALBUQUERQUE, 2002) para se distanciarem do que tradicionalmente vinha

sendo feito, para “não ficarem presas ao BA-BE-BI-BO-BU isoladamente”,

como afirmaram algumas docentes. Entretanto, se passaram a utilizar os

textos, não deixaram de desenvolver os encaminhamentos didáticos dos

antigos métodos de alfabetização.

Um outro dado que ficou evidente foi a pouca menção a atividades de

reflexão fonológica ou outras modalidades de consciência metalingüística.

Apenas uma docente citou a expressão “Análise Fonológica”. Algumas

professoras mencionaram realizar atividades que levassem o aprendiz a

“pensar sobre o som das palavras”, apontando exemplos dessas atividades

(por exemplo, identificar a letra inicial de determinadas palavras, relacioná-la

com a letra inicial do seu nome). Mas a maioria das atividades citadas

solicitava apenas que os aprendizes identificassem determinadas letras a partir

dos sons que eram estudados seqüencialmente, com a intenção de levá-los a

realizar associações das letras, através da leitura e da escrita das famílias

silábicas. Vimos que embora as professoras tenham mencionado algumas

atividades “referentes aos sons”, estas pareciam não promover a reflexão

metafonológica, a partir, por exemplo, da identificação/produção de rimas e

aliterações.

Os estudos de Morais (2004) e Morais e Albuquerque (2004), defendem

que é possível promover o desenvolvimento das habilidades de reflexão

fonológica e de apropriação do sistema de escrita, sem estar usando os

métodos tradicionais de alfabetização, além de enfatizarem que a escola

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203

precisa não só alfabetizar, no sentido estrito de ajudar o aluno a aprender a

notação alfabética, mas garantir a imersão do mesmo no mundo letrado,

levando-o a vivenciar diariamente as práticas de leitura e produção do diversos

gêneros textuais que circulam na sociedade. Como vimos, a ação docente de

nossas mestras não se aproximaria deste tipo de prescrições.

Constatamos, ainda, que embora muitas professoras tenham afirmado

que o mais importante quando ensinavam o sistema de escrita alfabética era

“considerar a escrita das crianças”, “a forma como escreviam”, apenas uma

mestra afirmou promover atividades que levassem o aluno a demonstrar seu

nível de compreensão sobre esse objeto de conhecimento. Além disso,

nenhuma professora afirmou considerar importante avaliar as escritas

espontâneas dos alunos, no sentido de analisar as notações produzidas, a fim

de compreender os conflitos que a criança vivencia na construção do sistema

de escrita alfabética. Tal como a maioria dos novos LDs de alfabetização

(MORAIS, ALBUQUERQUE & FERREIRA, 2004), nossas professoras não se

valiam da Teoria da Psicogênese da Língua escrita para, sistematicamente,

diagnosticar o nível de compreensão do sistema de notação alfabética

alcançado por seus alunos

Uma outra evidência importante foi que as professoras diziam que o LD,

de fato, servia como “um apoio/suporte”. Se as atividades mais realizadas a

partir do uso do LD eram as que elas tinham indicado, previamente, como as

que empregavam para alfabetizar, independentemente de estarem ou não

usando o LD, ao mencionarem a seleção feita com base no LD, indicavam

concebê-lo como um “suporte” em dois sentidos. Em primeiro lugar, como um

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204

conjunto de textos variados, o que facilitava seu trabalho, ante a carência de

livros de literatura e outros “suportes” não-didáticos. Em segundo lugar, quando

o livro não propunha atividades que elas julgavam necessárias, passava a ser

usado como ‘‘suporte/ ponto de partida” para a realização de tarefas como

pesquisa de letras, pesquisa de palavras, ditado...

Esse dado também é indicativo de um peculiar processo de apropriação.

As professoras dispunham de textos do saber, mas, na sala de aula, dentro da

sua realidade, acabavam aplicando as estratégias de ensino que julgavam

mais adequadas para seus alunos concretos. Chartier (1998), explica que o

processo de apropriação por professores das prescrições oficiais relaciona-se a

uma categoria específica: a da coerência pragmática. Desta forma, no caso das

professoras aqui pesquisadas, ao utilizarem o texto para simplesmente levar o

aluno a pesquisar e explorar letras, palavras e sílabas, estariam

fundamentando-se nos ‘‘saberes da ação’’, assumindo uma opção pedagógica

que apresentava uma forte coerência pragmática com os mesmos, apesar de

romper com as expectativas de coerência teórica atualmente defendidas pelos

estudiosos da linguagem.

Para a maioria das professoras, as principais dificuldades encontradas

por elas, no desenvolvimento do ensino do sistema de escrita, eram a falta de

recursos materiais, as condições familiares dos alunos e a preocupação de

como tratar o conhecimento. Elas revelavam estar sempre dispostas a

acompanhar as mudanças didático-pedagógicas oficialmente prescritas, no

entanto, pouco podiam investir na sua formação para atender às necessidades

da prática pedagógica.

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205

Quanto aos itens que mais influenciavam a organização do ensino do

sistema de escrita, verificamos que variavam de uma rede para outra.

Contudo, o LD não era apontado como algo relevante. Na REMCSA, as

professoras não identificaram o LD como o item de menor influência, tal como o

fizeram suas colegas das demais redes, mas também não indicaram que este

representava um fator importante na definição de suas práticas pedagógicas.

Ressaltamos que embora as professoras não tenham selecionado –

dentre sete itens listados que lhes apresentávamos– as práticas das colegas

como “elemento que mais influenciava a organização do ensino”, quando

perguntamos sobre a origem das atividades, as mesmas afirmaram ter como

referência aquelas práticas de colegas que se mostraram “positivas”.

Consoante com o que afirma Chartier (1998), nossas professoras se baseavam

nas trocas de experiências informais e as experiências vivenciadas por colegas

e que apresentaram resultados positivos pareciam mais fáceis de serem

aplicadas, porque expressam situações construídas na própria prática.

Enfim, as professoras compreendiam que os LDs vêm inovando com

relação ao ensino do sistema de escrita alfabética, “porque apresentam uma

proposta construtivista”, “porque privilegiam os textos”, o que não ocorria com

as antigas cartilhas, que enfatizavam os pseudotextos e eram baseadas no

processo mecânico de alfabetização, que privilegiava as letras e sílabas soltas.

Porém, as mesmas reconheciam que precisavam ajudar os alunos a se

apropriar do sistema de escrita alfabética. Ao não se sentirem auxiliadas pelas

propostas dos novos LDs, acabavam utilizando os princípios dos métodos

tradicionais de alfabetização, já que esses seriam os saberes de que essas

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professoras mais dispunham e que lhes permitia dar conta da dimensão

pedagógica (organização dos alunos, atendimento à heterogeneidade, controle

das relações de trabalho na sala de aula, etc).

Evidencia-se, mais uma vez, a distância entre o que os especialistas

propõem como mudanças didáticas para o ensino do sistema de escrita

alfabética e o que as professoras na realidade, podem ou têm condições de

fazer, considerando simultaneamente os âmbitos didático e pedagógico.

Além disso, os resultados de nossa pesquisa sugerem que o campo

editorial e de avaliação de LDs repensem suas políticas e propostas,

considerando as limitações assinaladas pelas professoras alfabetizadoras.

Apontamos como sugestão, para futuras pesquisas, a observação

etnográfica da prática de ensino de alfabetização, a fim de examinar in loco

como os professores vêm desenvolvendo o ensino do sistema de escrita

alfabética. Entendemos que o exame do cotidiano da sala de aula permitirá

compreender melhor como os professores usam/substituem/complementam as

prescrições dos LDs.

Uma outra sugestão seria desenvolver um estudo comparando situações

em que os professores puderam escolher e não puderam escolher os LDs, a

fim de verificar-se, entre outros elementos, se os professores que tiveram

condições de escolher os LDs com que desejariam ensinar apresentam

concepções e estratégias de ensino diferentes daqueles que não puderam

fazê-lo.

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Segundo Chartier (2002 apud RIBAS, 2003), as pesquisas na área da

educação têm mostrado a importância de se apresentar contribuições

consistentes sobre procedimentos metodológicos baseados nas novas teorias

educacionais, se não quisermos que sua implementação, pelas escolas,

redundem em espontaneísmo, resistências e fracassos. Portanto,

consideramos ainda importante, tal como vêm desenvolvendo Albuquerque,

Ferreira e Morais (2004), pesquisas de intervenção que busquem discutir com

os professores o processo de alfabetização e a natureza dos novos LDs.

Para finalizar, acreditamos que os resultados desse estudo sinalizam

para a necessidade de um investimento bem maior na qualidade da formação

inicial e continuada dos professores, a fim de que possam ter um maior

acompanhamento pedagógico, refletindo sobre as mudanças didáticas e

pedagógicas que vêm sendo defendidas no ensino de Língua e, especialmente,

de alfabetização. As evidências que obtivemos sugerem que na formação

continuada de professores travem-se discussões acerca dos novos e antigos

LDs, analisando-se suas contribuições e limites para o ensino do sistema de

escrita alfabética e a adequação/possibilidade de conjugar-se tal ensino com

práticas letradas de leitura e produção de textos escritos.

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A N E X O S

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ANEXO I

ROTEIRO DE ENTREVISTA ESTRUTURADA

USAR OU NÃO USAR OS NOVOS LDS DE ALFABETIZAÇÃO?

CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DOS PROFESSORES AO ENSINAR O SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA

1. Escola em que leciona: 2. Sexo: 3. Idade: 4. Formação:

4.1. Onde fez o Ensino Fundamental em: ( ) escola pública ( ) em escola particular 4.2. Onde fez o Ensino médio em: ( ) escola publica ( ) em escola particular 4.3. Onde fez: ( ) Magistério ( ) Científico ( ) Outros Ano de conclusão: 4.4. Onde fez 3º grau? Sim ( ) Não ( ). Caso sim: Curso:

Instituição: Ano de conclusão: 4.5. Você fez pós-graduação? Sim ( ) Não ( ) Caso sim: curso: Instituição: 5. Experiência Profissional: 5.1. Séries ou ciclos que está lecionando esse ano: 5.2. Anos de experiência no magistério: 5.3. Anos de experiência na rede municipal: 5.4. Anos de experiência na alfabetização: 5.5. Trabalha em outra escola? Sim ( ) Não ( ) Caso “sim” turno (s): ( )Manhã ( ) Tarde ( ) Noite Rede: ( ) Estadual ( ) Particular ( ) Municipal 5.6.Exerce outra atividade profissional? Sim ( ) especificar: Não ( ) 6. Escolha do Livro Didático

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6.1 Você está utilizando o livro didático esse ano?

Caso sim, qual é o livro?

Caso não, o que utiliza no lugar do livro didático?

6.1.2 As outras turmas de alfabetização da escola utilizam o Livro Didático?

6.2. Você utiliza outro livro didático que não foi o escolhido pela escola?

Caso sim, para que atividades?

6.3. O livro que chegou à escola é o mesmo que foi escolhido? 6.4. A escolha do livro didático para a sua turma atual foi decidida :

pela secretaria de educação

pelo coletivo dos professores de sua escola

por você mesmo

por outras formas (especificar):

6.4.1 Caso a escolha tenha sido feita por você, como foi esse processo?

6.4.2 Mesmo a escolha não tenha sido feita por você, teria algumas informações sobre como essa escolha foi feita? 7. Avaliação do livro didático atual: 7.1 Você gosta do livro didático que está utilizando? ( ) sim ( ) não. Por quê? 7.2 O que você acha da forma como o ensino do sistema de escrita alfabética é proposto neste livro? ( ) Muito boa ( ) Boa ( ) Razoável ( ) Ruim ( )Outros: Já utilizou esse livro anteriormente ? ( ) sim ( ) não Caso sim, por quanto tempo ? anos ou semestres

8. Uso do livro didático em sala de aula

8.1 Com que freqüência você utiliza o livro didático de alfabetização ( ) todo dia ( )4 vezes por semana ( ) 3 vezes por semana ( ) 2 vezes

por semana ( ) 1 vez por semana ( ) raramente ( ) nunca

8.2 Você reserva momentos específicos para trabalhar o sistema de escrita alfabética com seus alunos? ( ) sim ( ) não 8.2.1. Caso sim, com que freqüência?

( ) todo dia ( )4 vezes por semana ( ) 3 vezes por semana ( ) 2 vezes por semana

( ) 1 vez por semana 8.2.3. Caso não, por quê? 8.3 Enumere por ordem de prioridade os itens abaixo que mais influenciam a organização do seu ensino do sistema de escrita alfabética: (1 mais importante, 2 um pouco menos importante, ... )

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( ) o livro didático ( ) capacitações ( )curso de formação ( )a prática de colegas ( )sua própria prática ( )leitura de textos sobre o ensino de língua ( ) leitura da proposta da rede. 9. Como você faz para alfabetizar? 10. O que você acha mais importante quando ensina o sistema de escrita alfabética? 11. O livro didático escolhido auxilia você nesse trabalho ( do ensino do SEA )?

( ) sim ( ) não Caso sim, como? Caso não (ou pouco), por quê? 12. Que atividades relacionadas à escrita alfabética você realiza com mais freqüência usando o livro didático? 12.1. Que atividades relacionadas à escrita alfabética você realiza com mais freqüência sem o uso do livro didático? 13. O livro didático escolhido deixa a desejar em alguns aspectos? ( ) sim ( ) não Caso sim, quais? 14. Há necessidade de complementação com outros materiais didáticos (outros livros didáticos, textos, etc.)? ( ) sim ( ) não Caso sim, quais? Por quê? 15. Você poderia fazer uma breve comparação entre as antigas cartilhas e os novos livros de alfabetização? Em que se assemelham ou se diferenciam?

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ANEXO II

QUADRO 1- COM PERFIL DESCRITIVO DAS PROFESSORAS DA REMCSA QUE PARTICIPARAM DA PESQUISA QUADRO 2- COM PERFIL DESCRITIVO DAS PROFESSORAS DA REMC QUE PARTICIPARAM DA PESQUISA QUADRO 3- COM PERFIL DESCRITIVO DAS PROFESSORAS DA REMR QUE PERTICIPARAM DA PESQUISA

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