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RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL NO HOMICÍDIO DE TRÂNSITO RECOGNITION OF CRIMINAL INTENT IN TRAFFIC DEATHS Viviane Mayumi Resende Uenaka [email protected] Graduanda em Direito – UniSALESIANO Lins Prof. Me. Cláudio Thiago Matta – UniSALESIANO Lins [email protected] RESUMO O presente estudo tem como objetivo o reconhecimento do dolo eventual e da culpa consciente no homicídio decorrente de acidente de trânsito, devido sua grande importância para sociedade, pelo bem jurídico tutelado, e principalmente por sanar as dúvidas quanto à aplicação desses institutos jurídicos. Cumpre dizer, que embora exista uma linha tênue na interpretação entre esses dois institutos, a consequência quanto a responsabilização é gigante. Na sequência, será explanado sobre o dolo e a culpa. Além disso, haverá a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Sucessivamente, será destacada a finalidade e importância do Código de Trânsito Brasileiro. Palavras-chave: Dolo eventual. Culpa consciente. Código de Trânsito Brasileiro. ABSTRACT This study has the objective of recognition of criminal intent and negligence in traffic deaths, due to it’s great importance to society, as well as being taught, and principally to resolve doubts in the application of these legal concepts. Although there is a thin line dividing these two concepts, the consequences to assessing Universitári@ - Revista Científica do Unisalesiano – Lins – SP, ano 7, n.15, jul- dez de 2016

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RECONHECIMENTO DO DOLO EVENTUAL NO HOMICÍDIO DE TRÂNSITORECOGNITION OF CRIMINAL INTENT IN TRAFFIC DEATHS

Viviane Mayumi Resende Uenaka – [email protected] em Direito – UniSALESIANO Lins

Prof. Me. Cláudio Thiago Matta – UniSALESIANO Lins – [email protected]

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo o reconhecimento do dolo eventual e

da culpa consciente no homicídio decorrente de acidente de trânsito, devido sua

grande importância para sociedade, pelo bem jurídico tutelado, e principalmente por

sanar as dúvidas quanto à aplicação desses institutos jurídicos. Cumpre dizer, que

embora exista uma linha tênue na interpretação entre esses dois institutos, a

consequência quanto a responsabilização é gigante. Na sequência, será explanado

sobre o dolo e a culpa. Além disso, haverá a distinção entre dolo eventual e culpa

consciente. Sucessivamente, será destacada a finalidade e importância do Código

de Trânsito Brasileiro.

Palavras-chave: Dolo eventual. Culpa consciente. Código de Trânsito Brasileiro.

ABSTRACT

This study has the objective of recognition of criminal intent and negligence

in traffic deaths, due to it’s great importance to society, as well as being taught, and

principally to resolve doubts in the application of these legal concepts. Although there

is a thin line dividing these two concepts, the consequences to assessing

responsibility is gigantic. Next, there will be an explanation of criminal intent and

negligence, it’s modalities and it’s specifications. Further, there will be a distinction

between criminal intent and negligence. Subsequently the objective and importance

to Brazilian Traffic Code will be emphasized.

Keywords: Criminal intention. Criminal negligence. Code Traffic Brazilian.

INTRODUÇÃO

Na atualidade, as questões que envolvem os acidentes de trânsito,

principalmente os que abrangem vítimas fatais, tem a atenção voltada para o

Estado, que exerce a persecução penal, sendo que o Código de Trânsito Brasileiro

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foi desenvolvido para essa finalidade, dentre outras, aplicando-se também

dependendo do caso o Código Penal.

No que se refere ao homicídio no trânsito, este, pode ser acarretado por

diversas situações, e circunstâncias, mas para os operadores do direito, no

momento de se apurar a punição devida do agente causador do fato, antes de

qualquer coisa, é imprescindível levar em consideração o elemento subjetivo do

agente, ou seja, é necessário investigar a sua motivação, para assim, verificarmos a

ocorrência do dolo eventual ou da culpa consciente.

Neste ponto há uma divergência nas decisões jurisprudenciais, isto porque os

próprios magistrados diante do caso concreto enfrentam dificuldades para definir o

qual era o animus do agente no momento do fato, para assim, determinar se houve

um homicídio doloso, o que implicaria na submissão do Código Penal e em um

procedimento do júri ou se trataria de um homicídio culposo sujeito ao Código de

Trânsito Brasileiro.

Buscando aclarar esse tema o presente trabalho destacará quais são as

hipóteses que devem ser levadas em conta na hora de decidir sobre quando ocorre

a culpa consciente ou o dolo eventual. Cumpre dizer, que o trabalho em questão foi

realizado de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, objetivando facilitar a

compreensão do leitor.

Primeiramente, iremos tratar do dolo e da culpa, seu conceito e diferenciação,

para depois apresentarmos a dificuldade em diferenciar um homicídio doloso ou

culposo decorrente de acidente de trânsito.

1 DOLO E CULPA

1.1. DoloPode-se dizer que alguém age dolosamente quando quer cometer um delito

ou assume o risco de cometê-lo. De acordo com Greco (2006, p. 193) dolo é “a

vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal

incriminador”.

Para NORONHA (2009, p. 134):Mas o dolo não se exaure na vontade e representação do evento. Não basta o agente querer praticar o fato típico, é necessário também ter

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conhecimento de sua ilicitude. Dolo é vontade e representação do resultado, mas, igualmente, é ciência de oposição ao dever ético-jurídico; é ação no sentido ilícito.

O nosso Código Penal em seu artigo 18, inciso I, também traz uma definição

de dolo ao dizer que crime doloso ocorre ‘’quando o agente quis o resultado ou

assumiu o risco de produzi-lo’’ (grifo nosso).

Dessa forma, pode-se extrair que o dolo é um elemento subjetivo do agente,

logo, dolo é, para o Direito Penal, a vontade do agente em querer cometer um ato

vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, objetivando a ofensa a um bem jurídico

penalmente tutelado ou, na ausência do querer, o assumir o risco de produzir a

referida ofensa.

Mirabete e Fabbrini (2010, p. 126) dizem que ‘’são elementos do dolo,

portanto, a consciência (conhecimento do fato – que constitui a ação típica) e a

vontade (elemento volitivo de realizar esse fato).

Neste ponto é importante diferenciar o dolo eventual do dolo direito. Noronha

(2009, p.136) entende que o dolo direito corresponde a vontade do sujeito ativo do

tipo penal, implica em querer um determinado resultado. Referido dolo é adotado na

primeira parte do art. 18, I, do Código Penal Brasileiro.

Por outro lado, teremos o dolo eventual quando o agente ativo do crime não

busca diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo, é esta

previsão e assunção ao risco que caracteriza o dolo eventual que está previsto na

segunda parte do mesmo art. 18, I, do Código Penal Brasileiro ‘’quando o agente

quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo’’ (grifo nosso).

Diante disso, podemos verificar que o dolo direito é caracterizado pela busca

do resultado pelo agente ativo do tipo penal, ao passo que o dolo eventual o agente

com sua conduta assume o resultado para a ocorrência do tipo penal, pouco se

importando se o resultado irá ou não ocorrer.

1.1.1. Culpa

O Código Penal é claro em seu artigo 18, inciso II ao declarar que crime

culposo ocorre ‘’quando o agente deu causa ao resultado por imprudência,

negligência ou imperícia’’.

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Em regra, na seara penal o dolo figura como elemento subjetivo do crime, no

que diz respeito ao parágrafo único do art. 18 do CP, devido a isso os tipos culposos

precisam obrigatoriamente de previsão legal expressa, caso contrário não podem

ser classificados como tal.

Capez assim disserta sobre a culpa (2015, p.225):

É o elemento normativo da conduta. A culpa é assim chamada porque sua verificação necessita de um prévio juízo de valor, em o qual não se sabe se ela está ou não presente. Com efeito, os tipos que definem os crimes culposos são, em geral, abertos, portanto, neles não se descreve em que consiste o comportamento culposo. O tipo limita-se a dizer: ‘se o crime é culposo, a pena será de...’, não descrevendo como seria a conduta culposa.A culpa, portanto, não está descrita, nem especificada, mas apenas prevista genericamente no tipo.

Neste sentido Bitencourt explica (2010, p. 328): ‘’Culpa é a inobservância do

dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não

querido, mas objetivamente previsível’’.

Neste ponto é importante diferenciarmos a culpa consciente da culpa

inconsciente.

A culpa consciente ocorre quando o agente prevê o resultado, mas espera

que ele não ocorra, supondo evitá-lo de alguma forma.

Segundo Capez (2015, p.229):

É aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no

agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de

pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento

lesivo previsto.

Neste diapasão verifica-se que na culpa consciente o agente que pratica a

conduta não assume o risco da produção do resultado, pois acredita que devido a

suas habilidades tal resultado não irá ocorrer.

Já na culpa inconsciente o agente não prevê o resultado que era previsível.

Não há no agente o conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o

bem jurídico alheio.

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Bitencourt (2010, p. 339) esclarece que “ A ação sem previsão do resultado

previsível constitui a chamada culpa inconsciente, culpa ex ignorantia. No dizer de

Hungria.

Logo nesta modalidade de culpa o agente não prevê o resultado que era

previsível, ao passo que na culpa consciente o agente prevê o resultado, mas

acredita que este não irá ocorrer e, em ambos o agente não assume o risco de sua

produção.

1.2 Distinção entre dolo eventual e culpa consciente

Diante dos conceitos e características apresentado percebe-se que o conceito

de dolo eventual e culpa consciente estão muito próximos, todavia na prática, suas

consequências são muito diferentes, pois trazem responsabilidades diferentes.

Nos casos em que envolvem acidentes de trânsito, por exemplo, é comum

existir divergências de posicionamentos, ou seja, os institutos ora mencionados são

aplicados de acordo com o caso concreto, não existe uma regra, e por isso, o seu

exercício exige cautela.

Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 340–341) é brilhante em explicar essa

diferenciação:

Os limites fronteiriços entre dolo eventual e culpa consciente constituem um dos problemas mais tormentosos da Teoria do Delito. Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de superveniência do resultado, e, na esperança convicta de que este não ocorrerá, avalia mal e age.Na hipótese de dolo eventual, a importância negativa da previsão do resultado é, para o agente, menos importante do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, entre desistir da ação ou praticá-la, mesmo correndo o risco da produção do resultado, opta pela segunda alternativa valorando sobremodo sua conduta. Já, na culpa consciente, o valor negativo do resultado possível é, para o agente, mais forte do que o valor positivo que atribui à prática da ação. Por isso, se estivesse convencido de que o resultado poderia ocorrer, sem dúvida, desistiria da ação. Não estando convencido dessa possibilidade, calcula mal e age. Como afirmava Paul Logoz, no dolo eventual, o agente decide agir por egoísmo, a qualquer custo, enquanto na culpa consciente o faz por leviandade, por não ter refletido suficientemente.

Diante do exposto, as duas referências marcantes para diferenciação desses

institutos jurídicos, são: a consciência e a vontade do agente. Haja vista que o traço

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comum é de que ambos conseguem fazer a previsão do resultado proibido.

Para o dolo eventual, a respeito da consciência, o agente prevê o resultado; já

com relação à vontade, o agente não quer, mas assume o risco.

Em outras palavras, o dolo eventual é quando o agente simplesmente assume

o risco de produzir o resultado, não se importando com o resultado que poderia

acontecer, como por exemplo, a morte da vítima.

Então, no dolo eventual o agente não abre mão de renunciar a ação, inclusive

concorda com surgimento do resultado, assumindo o risco de produzi-lo.

No que se refere à culpa consciente, acerca da consciência, o agente também

prevê o resultado; agora a respeito da vontade, o agente não quer, mas assume o

risco e pensa poder evitar.

Ou seja, na culpa consciente o agente repulsa a hipótese de acontecer o

resultado, e espera veemente de que este não ocorrerá, prevê e age mal.

O campo das dúvidas reside em saber se, no caso concreto, o agente

preocupou-se ou não com o resultado lesivo, mesmo porque essa circunstância

encontra-se na mente do agente. Desse ponto, é inevitável que se realize uma

rigorosa investigação volitiva dos elementos probatórios no caso concreto.

1.3 CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

O atual Código de Trânsito Brasileiro foi instituído pela Lei nº 9.503, de 23 de

setembro de 1997. A finalidade da referida lei, segundo Nucci (2014, p. 826) ‘’é a

proteção da segurança viária.

É notório que essa lei busca a paz no trânsito, disponibilizando normas a

serem seguidas, de forma a tornar a vias terrestres mais seguras, diminuindo o

número de acidentes, através de uma punição mais rigorosa. No entanto, a

realidade é bem diferente.

O homicídio praticado na direção de veículo automotor está previsto na

modalidade culposa no Código de Trânsito, mais precisamente em seu artigo 302:

Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

No que tange o artigo 302, do CTB é que o bem jurídico tutelado é a

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incolumidade pública, a segurança da coletividade, diferentemente do artigo 121 do

Código Penal cujo bem jurídico tutelado é a vida.

A lei 9.503/97 prevê o homicídio na forma culposa, tal lei, não tem previsão a

respeito do homicídio doloso, todavia, quando surge o elemento dolo, ainda que na

modalidade eventual, deve-se aplicar o Código Penal.

Assim para restar caracterizado o homicídio culposo previsto no CTB é

necessário que aconteça uma das modalidades culposas - imprudência, negligência

ou imperícia, além de se levar em conta as particularidades do caso concreto.

No entanto, é exatamente neste momento que surgem várias dúvidas a

respeito da tipificação correta, e neste ponto entra em cena a figura do dolo eventual

e da culpa consciente. É complexo o trabalho de diferenciar essas modalidades

supracitadas, devido ao elemento subjetivo do agente. Isso traz uma carga negativa

para seara do direito, pois surge a insegurança jurídica. Muito embora, em tese não

seja difícil conceituar os institutos do dolo eventual e da culpa consciente, no campo

prático, exige profunda dedicação e atenção do magistrado.

Como apresentamos entende-se dolo eventual quando o agente assume o

risco de produzir o resultado, não se importando com o mesmo. Já a culpa

consciente acontece quando o agente prevendo o resultado possui a convicção de

que o evitará, em face da sua perícia ou boa sorte. Tanto no dolo eventual quanto na

culpa consciente o elemento previsão existe, pois o agente conseguir antever o

resultado, porém, no dolo eventual o agente anui como resultado lesivo, e na culpa

consciente, embora também haja previsão do resultado, o agente acredita que

realmente não ocorrerá.

Ao considerar um desses institutos, este impactará diretamente na vida e na

liberdade do acusado. No caso do homicídio de trânsito, se o entendimento for de

dolo eventual a pena de reclusão varia de 06 a 20 anos de acordo com o art.121 do

Código Penal, mas se o entendimento for de culpa consciente a pena de detenção

pode ir até 04 anos conforme o art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro. A linha

entre esses institutos é tênue, mas as consequências muito diferentes.

Cumpre dizer, que o assunto exige profunda análise dos fatos, das provas e

do próprio acusado. Na prática, são comuns as divergências dos tribunais sobre a

problemática.

Senão vejamos:

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PENAL. HOMICÍDIO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ. PRESUNÇÃO SIMPLÓRIA DE DOLO EVENTUAL. IMPOSSIBILIDADE SEM MAIORES DEMONSTRAÇÕES QUE LEVEM A CONCLUIR PELO ELEMENTO VOLITIVO. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA RESTABELECER A DECISÃO DO JUÍZO SINGULAR. 1 - Não descritos na denúncia elementos que demonstrem o dolo, ainda que na forma eventual, não se pode ter por escorreito o acórdão que encampa acusação nesses moldes deduzida. 2 - A embriaguez, por si só, sem outros elementos do caso concreto, não pode induzir à presunção, pura e simples, de que houve intenção de matar, notadamente se, como na espécie, o acórdão concluiu que, na dúvida, submete-se o paciente ao Júri, quando, em realidade, apresenta-se de maior segurança a aferição técnica da prova pelo magistrado da tênue linha que separa a culpa consciente do dolo eventual. 3 - Impetração não conhecida, mas concedida a ordem de ofício para restabelecer a decisão de primeiro grau que desclassificou a conduta para homicídio culposo de trânsito. (STJ - HC: 328426 SP 2015/0153353-7, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Publicação: DJ 03/08/2015)

Segundo a jurisprudência acima o mero fato da agente estar embriagado não

implica em dolo eventual e, consequentemente na tipificação do homicídio doloso,

para tanto são necessários outros dados concretos e, em não havendo deve-se

militar pelo que for mais favorável ao réu, ou seja, pela tipificação do homicídio

culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro.

A própria ementa menciona a linha tênue entre o dolo eventual e a culpa

consciente e por isso, a jurisprudência oscila em casos semelhantes para a

tipificação na modalidade dolosa, vejamos:

PENAL. CRIMES DE HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DESCLASSIFICAÇÃO. INVIABILIDADE. QUALIFICADORAS E APLICAÇÃO DA LEI 12.971/2014. MATÉRIAS NÃO ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DUPLA SUPRESSÃO INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO NO PROCESSAMENTO DA AÇÃO PENAL NÃO CONFIGURADO. 1. A imputação de homicídio doloso na direção de veículo automotor supõe a presença de evidências da assunção do resultado danoso por parte do agente. A especial dificuldade na tipificação desses delitos se deve aos estreitos limites conceituais que interligam os institutos do dolo eventual e da culpa consciente. 2. No caso, tanto a inicial acusatória quanto o recebimento da denúncia demonstram que a imputação criminosa atribuída ao paciente não resultou de aplicação indiscriminada do dolo eventual, conferindo-lhe inadequada elasticidade, mas decorreu das circunstâncias especiais do caso, notadamente a aparente indiferença para com o resultado lesivo. 3. Antecipar-se ao pronunciamento das instâncias ordinárias acerca da adequação legal do narrado na inicial, além de exigir investigação fática sobre o elemento volitivo, implicaria evidente distorção do modelo constitucional de competências. 4. O conhecimento dos pedidos de exclusão de qualificadora

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e de aplicação de novel legislação por esta Corte implicaria dupla supressão de instância, pois as matérias sequer foram apreciadas pelo Tribunal de origem, o que não é admitido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 5. Inexiste situação configuradora de violação ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXIII, da CF), apta a caracterizar constrangimento ilegal ao recorrente. 6. Habeas corpus denegado. (STF - HC: 127774 MS - MATO GROSSO DO SUL 0001636-87.2015.1.00.0000, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI, Data de Julgamento: 01/12/2015, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-018 01-02-2016)

No caso acima o juiz entendeu em sede de pronúncia que havia elementos

concretos do animus necandi do agente, que não se baseava apenas na

embriaguez, mas por todo um conjunto probatório como a alta velocidade, a

indiferença para com o resultado morte, dentre outros.

Percebe-se diante das jurisprudências apresentadas a dificuldade em definir

quando o homicídio doloso ou culposo quando ocorrido no trânsito. Ora, em que

pese a relativa facilidade em definir e definir o dolo eventual e a culpa consciente, no

caso prático isto é diferente, o que gera uma incerteza quanto a correta tipificação

penal.

Devido a isto a jurisprudência opta por apenas no caso concreto definir

quando um homicídio no trânsito será culposo ou dolo, entendendo que a mera

embriaguez ou alta velocidade não irá caracterizar o dolo eventual e, por

consequência, tipificar o homicídio doloso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos estudo propostos, evidenciamos a dificuldade em definir

quando haverá o dolo eventual ou a culpa consciente no homicídio decorrente de

acidente de trânsito. Esta dificuldade acaba por gerar inúmeros dissabores, por um

lado, a população que acaba por não entender como diante de situações próximas

há decisões diferentes, e por outro, a do acusado que ficará lançado a própria sorte

diante desta situação.

Para evitar estes dissabores os Tribunais Superiores optam por definir o dolo

eventual ou a culpa consciente apenas no caso concreto, isto porque, nem a

embriaguez, nem manobras perigosas, nem a alta velocidade por si só, são

elementos incisivos para caracterização do dolo eventual.

Pelo exposto, percebe-se que a orientação dos Tribunais Superiores é que

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somente no caso concreto e com os elementos probatórios poderemos aferir a

ocorrência de dolo eventual ou da culpa consciente no homicídio decorrente de

acidentes de trânsito e, por, consequência, poderemos verificar a ocorrência ou não

do homicídio doloso.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 127774 MS - MATO GROSSO DO SUL 0001636-87.2015.1.00.0000. Relator: Ministro Teori Zavascki. Pesquisa de Jurisprudência, Ementa e Acórdãos, 01 fevereiro 2016. Disponível em: < http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/310740509/habeas-corpus-hc-127774-ms-mato-grosso-do-sul-0001636-8720151000000 >. Acesso em: 5 maio. 2016.

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