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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Ciências Geográficas Programa de PósGraduação em Geografia SAULO BARROS DA COSTA CHAPADAS E LUTAS: RESISTÊNCIA CAMPONESA NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE NA ROTA DO AGRONEGÓCIO SILVICULTOR – CONFLITOS TERRITORIAIS E “USOS” DA NATUREZA RECIFE, 2016

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de Ciências Geográficas

Programa de Pós-­Graduação em Geografia

SAULO BARROS DA COSTA

CHAPADAS E LUTAS: RESISTÊNCIA CAMPONESA NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE NA ROTA DO AGRONEGÓCIO SILVICULTOR – CONFLITOS

TERRITORIAIS E “USOS” DA NATUREZA

RECIFE, 2016

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SAULO BARROS DA COSTA

CHAPADAS E LUTAS: RESISTÊNCIA CAMPONESA NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE NA ROTA DO AGRONEGÓCIO SILVICULTOR – CONFLITOS

TERRITORIAIS E “USOS” DA NATUREZA

Tese apresentada ao Programa de Pós-­Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial à obtenção do título de doutor em Geografia. Área de concentração: Regionalização e Análise Regional Orientador: Dr. Claudio Ubiratan Gonçalves Co-­orientador: Dr. Jan Bitoun

RECIFE, 2016

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Maria Janeide Pereira da Silva, CRB4-1262

C837c Costa, Saulo Barros da.

Chapadas e lutas : resistência camponesa no Baixo Parnaíba Maranhense na rota do agronegócio silvicultor – conflitos territoriais e “usos” da natureza / Saulo Barros da Costa. – 2016.

194 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Claudio Ubiratan Gonçalves. Coorientador: Prof. Dr. Jan Bitoun Tese (doutorado) - Universidade Federal de Pernambuco,

CFCH. Programa de Pós-Graduação em Geografia, Recife, 2016. Inclui referências.

1. Geografia. 2. Maranhão – Agronegócio. 3. Baixo Parnaíba

Maranhense. 4. Lei do bacuri verde. 5. Disputas territoriais. 6. Resistência camponesa. I. Gonçalves, Claudio Ubiratan (Orientador). II. Bitoun, Jan. (Coorientador). III. Título.

910 CDD (22.ed.) UFPE (BCFCH2016-61)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO -­ UFPE

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS -­ CFCH DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS -­ DCG

PROGRAMA DE PÓS-­GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA -­ PPGEO

SAULO BARROS DA COSTA

CHAPADAS E LUTAS: RESISTÊNCIA CAMPONESA NO BAIXO PARNAÍBA MARANHENSE NA ROTA DO AGRONEGÓCIO SILVICULTOR –

CONFLITOS TERRITORIAIS E “USOS” DA NATUREZA

Tese aprovada, em 20/06/2016, pela comissão examinadora:

____________________________________________________________

Prof. Dr. Cláudio Ubiratan Gonçalves (1º examinador – orientador – PPGEO/DCG/UFPE)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Carlos Alberto Feliciano (2º examinador – DCG/UFPE)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Marco Antonio Mitidiero Junior (3º examinador – Geociências/UFPB)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Nilo Américo Rodrigues Lima de Almeida (4º examinador – PPGEO/DCG/UFPE)

____________________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Dutra Gomes (5º examinador – PPGEO/DCG/UFPE)

RECIFE – PE 2016

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Aos camponeses do Baixo Parnaíba Maranhense, que buscam outras formas de garantia territorial e tem na natureza, a relação com as formas da existência.

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AGRADECIMENTOS São os frutos de muitas trajetórias que fazem este trabalho ser concretizado, com

muitas contribuições e momentos de celebração. Agradeço a todos!

À Ana Rosa, que me inspirou como mãe e me fez alcançar outros lugares na

caminhada da vida;;

A Antonio Gomes, que quase viu este fruto brotar nos dias quentes maranhenses;;

À Rose-­Anne, que como irmã me apoiou para isso e, agora ao lado de Pedro e Ana

Clara, dando mais alegrias a caminhada;;

À Isabela Freire, companheira presente em formas amorosas da vida se faz

presente em tudo nestes escritos: afinal, as palavras não podem expressar;;

À Johanam Freire, Sueli Ferreira, Creusa Ferreira e Sônia Ferreira, como família que

me aceitou no Recife e para a existência;;

À Izabel Cortêz e a Antonio Pequeno, nos alicerces lagodapedrenses que são

revelados desde a nossa saída do café sem troco, e Zelina Oliveira e Seu Zé

Gomes, lá do Catitu, motivando para que não saíssemos do coco babaçu para

voltar, mas para sempre a vida;;

Aos companheiros e amigos de luta, Pe. Clemir, Inaldo Kuntum Gamela, Irmã

Sandra, Irmã Anni, Meire, Madalena, Rosana, Viviane Vazi e Rafael Silva, sou grato;;

Aos sujeitos sociais do Baixo Parnaíba, que são os motivadores da interlocução e

luta através desta tese: Dona Francisca, Seu Zé Banga, Seu Domingos e Zé

Antonio;;

Aos lutadores dos outros territórios do Baixo Parnaíba, Dona Francisca e Seu José,

do Baixão da Coceira II;;

Aos mártires que tombaram, mas eles não morreram, porque são sementes:

Flaviano, Cabeça, Zé Sapo, Euzébio Ka’apor, Zé Maria do Tomé, Raimundo dos

Santos Rodrigues;;

À Articulação das CPT’s do Cerrado, Isolete Wichinieski;;

À amizade que se iniciou em meio às lutas na CPT, Plácido Jr., Rosa, Camila e Raul;;

Ao Programa de Pós-­Graduação em Geografia da UFPE, pelas condições para

realização do trabalho;;

Ao LEPEC/UFPE, que foi um verdadeiro QG para realização desta tese, com

reflexões, debates e acolhimento na migração de retorno ao Recife, e nova migração

para o Maranhão;;

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À Mercedes Perez, que apoia a caminhada e divide sonhos, reflexões, inquietações;;

À Suana, que em pouco tempo dinamizou os nossos olhares sobre o fazer

geográfico;;

Ao Prof. Dr. Jan Bitoun, pelas orientações e conversas esclarecedoras em dias

turvos;;

A Josoaldo Rego, Samarone Marinho e Claudio Eduardo Castro, das trocas de

experiência e do fazer enquanto professor de Geografia;;

A Claudio Ubiratan, que na orientação motivou e dividiu os caminhos da pesquisa;;

Aos professores Dr. Rodrigo Dutra e Dr. Marco Mitidiero Júnior, pelos debates e

contribuições no momento de qualificação;;

À Profa. Alexandrina Luz Conceição, nas construções e conversas contundentes nas

direções do fazer geografia;;

À Valéria e Linalva, nas trocas finais e construções da tese;;

Ao colega Prof. Ruy Moreira, com admiração e respeito, do pensar e ser em

geografia, como caminho de luta e existência;;

A Guilherme Marini, nas pesquisas de campo e a geografia da pilhagem territorial,

né siô;;

Ao GERUR/UFMA, que contribui para iniciar o desejo pelo tema da pesquisa, as

trocas com toda a equipe e, fundamentalmente, o aprendizado com Profa. Dra.

Maristela de Paula Andrade e Prof. Benedito de Sousa Filho;;

Ao Prof. Dr. Marcelo Carneiro, pelos primeiros passos na caminhada acadêmica;;

Ao NERA/UFMA, que fomentou as conversas e debates sobre a questão agrária no

Maranhão;;

Ao GEDMMA/UFMA, desafiando-­nos nas reflexões e aprumando a luta por dentro

do processo educativo-­militante;;

Aos colegas do Campus Bacabal, da Universidade Federal do Maranhão, pelo

recente acolhimento;;

À FACEPE, pela Bolsa de Mobilidade Discente;;

À CAPES e ao CNPq, pelo auxílio financeiro.

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RESUMO A resistência e autonomia camponesa são elementos presentes nas ações de camponeses do Baixo Parnaíba Maranhense, diante do avanço do agronegócio de soja e eucalipto e, ainda, a contínua transformação do cerrado em florestas e campos. Nos anos 1990, este tipo de desenvolvimento se complexifica no Estado do Maranhão, com a migração de produtores do Sul do Estado para o Leste, como também do aumento das áreas cultivadas com pinos em municípios como Urbano Santos. Diversos conflitos ambientais e territoriais são desenvolvidos, transformando a diversidade de chapadas e baixões em espaços geográficos distantes. Empresas como a Suzano Papel e Celulose S. A. possuem papel central neste contexto, atrelando as áreas de cultivos, equipamentos industriais de transporte e logística, além da recém-­inaugurada planta industrial da empresa, em Imperatriz, Maranhão. Assim, o objetivo desta tese foi explicar as resistências dos camponeses que se estabelecem no âmbito do conflito territorial, frente ao incremento do cultivo de eucalipto no Baixo Parnaíba maranhense, no município de Urbano Santos, com aporte a Associação de Moradores São Raimundo. Como elemento desta pesquisa, a tese investigada foi que a luta e resistência dos camponeses se desenvolve frente à produção agroexportadora de eucalipto, afirmando como fundantes para sua reprodução: os usos da natureza, a posse histórica da terra e seu modelo produtivo, que entrelaça espaços tanto das chapadas quanto dos baixões, em um único território. Como resultado, observou-­se que a resistência concreta camponesa (SCOTT, 2013) possui a dimensão da autonomia e da luta, construída historicamente e materializada em ações que promovem mudanças radicais nas estruturas do Estado, assim como enfretamentos diretos com a empresa Suzano Papel e Celulose S. A. A lei do bacuri verde, que foi criada e aprovada pelo território da comunidade São Raimundo, município de Urbano Santos, Maranhão, em dezembro de 2012, com base nos princípios do extrativismo coletivo e diversificado, tem como princípio a luta contra o avanço dos plantios de eucalipto nos territórios de comunidades encurraladas multilateral e espacialmente na região. Esta lei revela a política que estes sujeitos tecem em suas práticas, demarcando seus modos de vida em vias do avanço do capitalismo agrário, consolidando o território camponês do Baixo Parnaíba a partir das suas representações espaciais das chapadas e dos baixões. Esta diversidade de usos e modos de vida de sujeitos e suas resistências internas pela preservação e uso do cerrado, descrevem outra polifonia na cartografia das resistências e dos territórios comunitários.

PALAVRAS-­CHAVE: resistência camponesa. lei do bacuri verde. Baixo Parnaíba maranhense. territórios em disputa. chapadas e baixões.

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ABSTRACT Peasant resistance and autonomy are elements present in the actions of peasants of Baixo Parnaíba from Maranhão against the soybean and eucalyptus agribusiness advance, and also the continuous change of cerrado in forests and fields. In the 1990s, this type of development is becoming more complex in the state of Maranhão with the migration from southern producers to the East of the state, as well as the increase of cultivated areas with pins in towns as Urbano Santos. Several environmental and territorial conflicts are developed, transforming the diversity of chapadas and baixões in distant geographical areas. Companies like Suzano Papel e Celulose S.A. has a central role in this context, linking to the areas of industrial crops the transport and logistics equipment, in addition to the newly opened industrial plant of the company in Imperatriz, Maranhão. Thus, the objective of this thesis was to explain the resistance of peasants who are established within the territorial conflict, against the increase of eucalyptus cultivation in the Baixo Parnaíba from Maranhão, in the town of Urbano Santos, with the contribution of the Dwellers Association of São Raimundo. As part of this research, the investigation of the thesis was the struggle and resistance developed by the peasants across the agro-­export production of eucalyptus, stating as foundational for their reproduction: the uses of the nature, the historical ownership of land and its productive model, which interweaves spaces of both chapadas and baixões in a single territory. As a result, it was observed that the peasant specific resistance (SCOTT, 2013) has the dimension of autonomy and struggle, historically built and materialized in actions that promote radical changes in state structures, as well as the direct confrontations with the company Suzano Papel and Celulose S.A. The law of the green bacuri, which was created and approved by the territory of São Raimundo’s community, in the town of Urbano Santos, Maranhão, in December 2012, was based on the principles: collective and diverse extraction, has as principle the fight against the advance of eucalyptus plantations in the territories of corralled communities multilateral and spatially in the region. This law reveals the policy that these subjects weave in their practices, demarcating their livelihoods in the process of the agrarian capitalism forward, consolidating the peasant territory of the Baixo Parnaíba from their spatial representations of chapadas and baixões. This diversity of uses and ways of life of individuals and their internal resistances for the preservation, and use of cerrado describe another polyphony in the mapping of resistance and community territories.

KEYWORDS: peasant resistance. law of the green bacuri. Baixo Parnaíba from Maranhão. disputed territories. chapadas and baixões.

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LISTA DE FIGURAS, FOTOS E MOSAICOS DE FOTOS FIGURAS Pág. Figura 01 Localização dos polos produtores de coco babaçu e de carvão

para a cadeia de carvão vegetal 55

Figura 02 Croqui produzido a partir das atividades camponesas realizadas na heterogeneidade da natureza, povoados Baixão da Coceira I e Baixão da Coceira II, Santa Quitéria do Maranhão – MA

84

Figura 03 Croqui de espacialização da natureza no leste maranhense, povoado Baixão da Coceira II, Santa Quitéria do Maranhão – MA

85

Figura 04 Planta baixa do título condominial do território Cajueiro, São Luís, MA, com indicação das praias de Parnuaçu e Andirobal

119

FOTOS Pág. Foto 01 Residência demolida no território Cajueiro em dezembro de

2014 122

Foto 02 Rastro da demolição de uma residência no território Cajueiro em dezembro de 2014

122

Foto 03 Levante do mastro no território Cajueiro pelos movimentos sociais e povos do terreiro, em ato de preservação do Morro do Egito

125

Foto 04 Levante do mastro no território Cajueiro pelos movimentos sociais e povos do terreiro, em ato de preservação do Morro do Egito. Detalhes da presença do Pai de Santo da Ilha de São Luís em primeiro plano e Seu Joca, pescador do Cajueiro, à direita na imagem e em segundo plano

126

Foto 05 Rio Preguiças que corta o território da Comunidade São Raimundo

147

Foto 06 Espaço de beneficiamento da roça das mulheres, na segunda colheita de feijão verde

157

Foto 07 Ata de aprovação da Lei do Bacuri Verde, em 29 de dezembro de 2012, do livro de ata da Associação dos Moradores de São Raimundo

163

Foto 08 Ata de posicionamento sobre o conflito interno sobre a coleta do bacuri verde em relação ao Povoado Bom Princípio, em 07 de janeiro de 2012, livro de ata da Associação dos Moradores de São Raimundo

169

MOSAICO DE FOTOS Pág. Mosaico 01 Acima, placa de identificação do projeto de renda familiar

camponesa de manejo de bacurizeiros em São Raimundo, município de Urbano Santos, MA. Abaixo, criação de animais de pequeno porte, galinha caipira, em Carrancas, município de Buriti de Inácia Vaz, MA, motivado pelo Fórum Carajás

138

Mosaico 02 Mosaico de fotos 2: fotos de atividades de mobilização política e jurídica com comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba,

140

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realizadas nos territórios quilombola Bom Sucesso dos Pretos, Mata Roma, MA e, na comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA

Mosaico 03 Centro Cultural Quilombola Bom Sucesso dos Pretos, Mata Roma, MA, construído pela iniciativa de responsabilidade social da Suzano Papel e Celulose e inaugurado em 08 de março de 2013

141

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LISTA DE MAPAS Pág.

Mapa 01 Mapa de localização dos municípios pesquisados na mesorregião Leste maranhense

26

Mapa 02 Limites e ameaças dos ecossistemas, segundo área-­núcleo 78

Mapa 03 Limites e ameaças dos ecossistemas, segundo área-­núcleo 79

Mapa 04 Classificação dos ecossistemas nacionais 80

Mapa 05 Mapa de localização do povoado Baixão da Coceira II, município Santa Quitéria do Maranhão – MA

83

Mapa 06 Localização do empreendimento Terminal Portuário Grandis e seus acessos rodoviários e ferroviários no Território Cajueiro

115

Mapa 07 Localização do empreendimento de Porto e Retro-­porto da Suzano Papel e Celulose S. A. e da construtora WPR Gestão de Portos e Terminas Ltda.

123

Mapa 08 Localização do povoado São Raimundo em relação à delimitação oficial do IBGE (2009) para o município de Urbano Santos

152

Mapa 09 Demarcação do povoado São Raimundo na bacia do Rio Preguiças como território de reprodução camponesa

156

Mapa 10 Localização da ocupação territorial autônoma da Comunidade São Raimundo

159

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LISTA DE GRÁFICOS, TABELAS E QUADROS Pág.

Quadro 01 Registro das atividades de pesquisa realizadas para subsidiar o estudo de tese

23

Quadro 02 Área plantada com soja dos principais municípios produtores no Leste Maranhense

53

Quadro 03 Número de estabelecimentos por tipo de residência e naturalidade do produtor

53

Quadro 04 Estrutura da empresa Suzano Papel e Celulose de responsabilidade social integral

145

Quadro 05 Dimensões do mundo camponês e ações territoriais no Baixo Parnaíba

173

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LISTA DE SIGLAS AGB Associação dos Geógrafos Brasileiros BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAI Complexos Agroindustriais CEPAL Comissão Econômica para América Latina CFN Companhia Ferroviária do Nordeste CONEEG Conselho Nacional dos Estudantes de Geografia COREGENE Conselho Regional de Estudantes de Geografia do Nordeste CPDA Programa de Pós-­Graduação de Ciências Sociais em

Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade CPT Comissão Pastoral da Terra CPT NE II Comissão Pastoral da Terra Nordeste II DISAL Distrito Industrial de São Luís EFC Estrada de Ferro Carajás EIA Estudo de Impacto Ambiental EMAP Empresa Maranhense de Serviços Portuários FDBPM Fórum de Defesa do Baixo Parnaíba Maranhense FMI Fundo Monetário Internacional GEDMMA Grupo de Estudos sobre Modernidade e Meio Ambiente GERUR Grupo de Estudos Rurais e Urbanos IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis IIRSA Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sulamericana

Energia e Mineração INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITERMA Instituto de Terras do Maranhão ITR Imposto Territorial Rural LECGEO Laboratório de Estudos sobre Espaço, Cultura e Política LEPEC Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaço Agrário e

Campesinato MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA Ministério do Desenvolvimento Agrágrio MPE Ministério Público Estadual MPF Ministério Público Federal MTE Ministério do Trabalho e Emprego NEACA Núcleo de Estudos sobre Agricultura e Campesinato OIT Organização Internacional do Trabalho OMC Organização Mundial do Comércio PAC Programa de Aceleração do Crescimento PAE Projeto de Assessoria aos Trabalhadores/as Agroextrativistas PGE Procuradoria Geral do Estado PPGEO Programa de Pós-­Graduação em Geografia PRODECER Programa de Desenvolvimento do Cerrado PROVITA Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas RESEX Reserva Extrativista RIMA Relatório de Impacto ao Meio Ambiente SEDINC Secretaria de Estado do Desenvolvimento, Indústria e Comércio SEMMA Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão SMDH Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

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SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste UFF Universidade Federal Fluminense UFMA Universidade Federal do Maranhão UFPE Universidade Federal de Pernambuco UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro USP Universidade de São Paulo VAR Variável de Alto Rendimento

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LISTA DE ENTREVISTAS QUALITATIVAS E DEPOIMENTOS 01. Depoimento de Dona Francisca da Silva, Povoado Baixão da Coceira I,

Santa Quitéria, MA 02. Depoimento de Dona Francisca Maria dos Santos Araújo, Povoado São

Raimundo, Urbanos Santos, MA 03. Entrevista com Dona Francisca e Senhor José, povoado Baixão da Coceira

II, Santa Quitéria, MA 04. Entrevista com Dr. Jadilson Cirqueira – Promotor da Educação e Meio

Ambiente em Imperatriz, MA 05. Entrevista com Márcio e José Carlos, ex-­funcionários da empresa

terceirizada JS 06. Entrevista com Raimundo e Francisco – trabalhadores da empresa

ENFLORS, terceirizada da Suzano Papel e Celulose S. A. 07. Entrevista com José Luiz da Silva Costa – Liderança MST Assentamento

Califórnia, Açailândia, MA 08. Entrevista com Ana Paula Soares – Diretora de Responsabilidade Social e

Sustentabilidade da Suzano Papel e Celulose S. A. 09. Entrevista com James Dean – Membro do Centro de Defesa dos Direitos

Humanos “Carmén Bascarãn” de Açailândia, MA 10. Entrevista com Dr. Galvão – ex-­secretário do meio ambiente e atual

secretário do abastecimento de água e saneamento básico de Açailândia, MA

11. Entrevista com Josimar Barros, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Imperatriz, MA

12. Entrevista com Dona Eudimar, Comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA

13. Entrevista com Seu José “Banga”, Comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA

14. Entrevista com Sr. Antonio José, Comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.............................................................................................. 18 CAPÍTULO 1. A GEOGRAFIA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL

CONTEMPORÂNEO: DILEMAS HISTÓRICOS, DESAFIOS E A REPRODUÇÃO CAMPONESA EM FOCO............................. 29

1.1. A dimensão do agrário mercantil: trajetória do modelo colonial e agrícola do século XV para o século XXI............... 30

1.2. A definição do modelo de agronegócio e os novos incrementos técnicos no campo: revolução verde, monocultivos e silvicultura...................................................... 36

1.3. A questão agrária e os bens comuns: perspectivas contemporâneas do debate segundo a reprodução societária.................................................................................... 44

CAPÍTULO 2. A GEOGRAFIA DA RESISTÊNCIA E DO CONFLITO NO

ESTADO DO MARANHÃO: O BAIXO PARNAÍBA EM ANÁLISE..................................................................................... 50

2.1. Agricultura e ocupação territorial: o modelo econômico moderno-­colonial no Maranhão............................................... 52

2.1.1. A trajetória histórica do conflito no Baixo Parnaíba: a silvicultura em foco...................................................................... 58

2.2. A resistência camponesa: história e trajetória dos povos no Maranhão.............................................................................. 61

CAPÍTULO 3. O DILEMA CONCEITUAL DA NATUREZA, TERRITÓRIO E

DESENVOLVIMENTO: ENTRE PARADIGMAS, DOMINAÇÕES E RESISTÊNCIAS............................................. 64

3.1. Da natureza ao modelo de desenvolvimento: demarcações territoriais................................................................................... 65

3.1.1. Natureza como polissemia conceitual......................................... 66 3.1.2. Questões sobre natureza: concepções sobre o meio natural,

política e poder............................................................................ 71 3.1.3. A concepção de natureza: biomas e domínios morfoclimáticos

na caminhada conceitual............................................................. 73 3.2. A dimensão do território: debates, perspectivas e usos....... 86 3.2.1. Território como estância da luta e da resistência no leste

maranhense................................................................................. 88 3.2.2. As políticas públicas no ordenamento territorial nacional: o

PAC e o IRSA em debate............................................................ 93 3.3. Desenvolvimento: a passagem do conceito em meio aos

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movimentos da natureza e do território.................................. 95 3.3.1. Desenvolvimento enquanto crescimento econômico.................. 96 3.3.2. Desenvolvimento enquanto reprodução da vida......................... 99 3.3.3. Desenvolvimento enquanto política pública................................ 102 CAPÍTULO 4. O AGRONEGÓCIO DO EUCALIPTO DA SUZANO PAPEL E

CELULOSE S. A PARA O BAIXO PARNAÍBA: A PRODUÇÃO INDUSTRIAL DA NATUREZA.................................................... 104

4.1. A Suzano Papel e Celulose S. A. como expressão da ocupação territorial agrícola no Baixo Parnaíba.................... 107

4.2. Transporte e logística – Porto e Retro-­porto Cajueiro: ações concentradas por um modelo territorial de desenvolvimento....................................................................... 111

CAPÍTULO 5. A RESISTÊNCIA CONCRETA CAMPONESA NO BAIXO

PARNAÍBA: A COMUNIDADE SÃO RAIMUNDO...................... 128 5.1. Camponeses do Baixo Parnaíba em resistência histórica.... 131 5.1.1. Movimentos sociais, entidades e sindicatos: o Baixo Parnaíba

na disputa de direitos.................................................................. 134 5.2. A comunidade São Raimundo: trajetórias, formação e

formas de resistência................................................................ 147 5.3. A roça das mulheres no empoderamento de camponesas e

usos da natureza....................................................................... 154 5.4. A reprodução camponesa entre “chapadas” e “baixões”:

em busca do bem viver da natureza........................................ 157 5.4.1. A lei do bacuri verde como dimensão concreta da luta

camponesa.................................................................................. 160 5.5. Os confrontos e formas de resistência concreta

camponesa................................................................................. 170

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 172

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................. 178

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18

APRESENTAÇÃO

A caminhada geográfica da vida é repleta de mudanças, rupturas e

enfrentamentos. Tendo como base essa afirmação inicial, o texto a seguir representa

uma das expressões que ocorreram na minha jornada em processo. São horizontes

e movimentos que me dão, constantemente, olhares sobre o sistema-­mundo em que

estou inserido, além de aproximações e leituras sobre o mundo camponês, dos

povos e comunidades tradicionais e da questão agrária, presentes de forma

propositiva nesta tese.

Refletindo sobre minha trajetória acadêmica, início com a minha inserção no

curso de Geografia em nível de graduação. Tal fato me possibilitou um destes

caminhos de aproximações, citados anteriormente. Em 2002, recém-­ingresso na

Universidade Federal do Maranhão (UFMA), pude fazer parte do movimento

estudantil para que, diante de tantos debates, um desvendar de realidades

ocorresse naquele momento. Partiram daí os primeiros questionamentos que tive

diante do modelo do sistema-­mundo, personificado no que chamamos de

Universidade.

Concomitante, em meio à necessidade de trabalho e condições materiais de

sobrevivência na ilha de São Luís, Maranhão (MA), conheci o Prof. Dr. Marcelo

Carneiro – o docente realizava pesquisas acadêmicas juntamente com o movimento

social, nesse caso, junto à Comissão Pastoral da Terra (CPT) – que me convidou

para integrar o Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (GERUR) do Departamento de

Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Ali, pude realizar as

primeiras incursões entre a teoria e a práxis. Também participei da pesquisa

intitulada “Migrações no Maranhão contemporâneo” e, ainda com o Prof. Marcelo

Carneiro e os demais membros da equipe de pesquisa, adentrei na temática do

espaço agrário, refletindo sobre a problemática dos migrantes maranhenses que

eram alvo dos constantes resgates do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e de

sua equipe móvel de trabalhadores. Nesse caso específico, os municípios de Codó,

São José dos Basílios e Açailândia foram alvo desta pesquisa realizada entre os

anos de 2003 e 2005.

Seguindo analisando os elementos que alimentaram esta pesquisa, no ano de

2006, participei da II Conferência inter-­participativa sobre Trabalho Escravo e Super-­

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exploração em Fazendas e Carvoarias. Esse encontro foi realizado no município de

Açailândia (MA) e teve a participação de pesquisadores e militantes da temática da

questão agrária e do trabalho escravo. Os debates que aconteceram na

oportunidade, com Leonardo Sakamoto (jornalista ONG Repórter Brasil) e Prof. Dr.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira (Universidade de São Paulo – USP), fomentaram

elementos para repensar o papel da Universidade em tempos acelerados do capital

no campo. Tive, então, mais subsídios para pensar, tanto na minha inserção quanto

na militância, a partir de espaços ocupados, como a academia até então. Sobre a

vivência acadêmica, enquanto estudante na UFMA, ela não foi longa, chegando ao

fim em 2006.

Entretanto, o suporte para avançar nas pesquisas veio junto com minha

trajetória pessoal. Venho de Lago da Pedra, município do Médio-­Mearim do

Maranhão, de pais migrantes e que viviam na máquina de moer gente, da lida diária

em São Luís. Saindo do plano pessoal para o acadêmico, posteriormente, as

vivências com diversos grupos – entre eles, o movimento estudantil de Geografia, o

Conselho Nacional de Estudantes de Geografia (CONEEG), o Conselho Regional de

Estudantes de Geografia do Nordeste (CEREGENE), além da participação nos

encontros nacionais, regionais e estaduais – me apontaram uma possibilidade de

mudança diante do escopo possível na Geografia instituída na UFMA, ou uma

progressiva e, quem sabe, inevitável mudança para o curso de Ciências Sociais da

mesma instituição. Mas não. Naquele momento, ano de 2007, optei por fazer a

transferência para a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Lá, tanto em

sala de aula, com o Prof. Manuel Correia de Andrade, quanto nos corredores, me

deparei com uma Geografia Agrária dos clássicos. Porém, apesar de insistir, ainda,

na temática da migração, não obtive espaço diante da estrutura do curso de

graduação em Geografia e das temáticas de pesquisa dos laboratórios.

Continuando a narrativa sobre minha trajetória acadêmica, cabe ressaltar a

importância da Associação Brasileira de Geógrafos nesse processo, percebendo a

AGB como um espaço para contribuir com as lutas e as demandas da sociedade.

Diante disso, no ano de 2007, companheiros como Heitor Salvador e Rodrigo Callou,

colaboraram na retomada da entidade que estava sem atividades efetivas e, no ano

seguinte, em 2008, o Prof. Dr. Claudio Ubiratan Gonçalves também cooperou nessa

etapa e nas demais atividades. Assim, pudemos realizar, com a seção local Aracaju

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e as demais seções do Nordeste, o Encontro Regional de Estudos Geográficos,

realizado em Campina Grande, Paraíba (PB), no ano de 2009. A partir desse

momento, um afinamento maior entre questões de trajetória de vida, academia e

militância se aproximavam e demonstravam as escolhas que viriam futuramente.

Naquele momento, a questão agrária e a luta de povos e comunidades apareciam

com mais força nos debates e discursos do contexto citado. Também, a partir daqui

me aproximei, efetivamente, da Comissão Pastoral da Terra, Nordeste II (CPT NE II),

em Recife, para realização de atividades e possibilidades de atuação. Importante

ressaltar que esse elo, também, foi via AGB, no Grupo de Trabalho de Assuntos

Agrários.

No ano de 2009, com a finalização da graduação e a apresentação do

trabalho de conclusão de curso sobre a temática dos modelos de desenvolvimento

para o espaço agrário, me aproximei efetivamente do tema e, em 2010, ingressei no

mestrado em Geografia, na Universidade Federal Fluminense (UFF). Ainda

dialogando com a monografia, o debate sobre o modelo de desenvolvimento do

capital para o espaço agrário e as lutas camponesas nos perímetros irrigados

cearenses foi a temática da pesquisa realizada para a dissertação. Nesse momento,

aproveitei para vivenciar mais construções via AGB e para me aproximar de espaços

como o Programa de Pós-­Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento,

Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

(UFRRJ). No período do mestrado, os debates teóricos sobre a luta no campo, os

conflitos e as resistências, nos municiaram de elementos para avançarmos sobre

perspectivas que pudessem surgir e contribuir com a construção do conhecimento.

Assim, pude articular questões da minha trajetória no campo com a questão agrária

e com as demandas amplas e urgentes.

Posteriormente, em vias da defesa da dissertação, no ano de 2012, percebi

que elementos da minha origem contribuíram para uma reflexão sobre o panorama

do Estado do Maranhão, que estava como campeão de conflitos no campo (CPT,

2012). A partir daí, pensei em como contribuir mais diretamente com essa luta,

diante da quantidade de conflitos aqui existentes e diante da estrutura agrária e

mercantil do Estado. Assim, cheguei à possibilidade de leituras que um trabalho de

doutorado poderia construir. Nesse contexto, adentrei no Programa de Pós-­

Graduação em Geografia (PPGEO) da UFPE. Essa decisão teve níveis de

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contribuição e construções teóricas e coletivas em diálogo com o Laboratório de

Estudos sobre Espaço, Cultura e Política (LECGEO) – um apoio para a estruturação

desta pesquisa e, fundamentalmente, para as construções que o Núcleo de Estudos

sobre Agricultura e Campesinato (NEACA1) desenvolveu sobre a temática.

O acúmulo nesta caminhada até 2012 nos fez refletir sobre os elementos

necessários para a construção de um trabalho acadêmico e seus passos

metodológicos. Esses, diante da ciência geográfica, são desafios históricos e com

grande preço na construção do conhecimento. Tal afirmação reitera o pensamento

de Alentejano e Rocha Leão (2006), ao refletirem que a pesquisa científica em

atenção aos processos territoriais necessita de rigor crítico, pois é feita na leitura e

interlocuções com o contexto social específico.

Diante dessa experiência, percebemos que tanto o método de investigação

quanto a metodologia de pesquisa devem partir do concreto possível, na perspectiva

dialética de construção e, de forma imbricada, tecer delimitações espaço-­temporais

diante do processo analisado. Ainda ponderando sobre metodologia de pesquisa,

Castro (1977) desafia a uma pesquisa que não se inicia com definições, mas que

esteja comprometida com o movimento da sociedade em questão, dando

dinamicidade e elementos de leitura para a complexa contemporaneidade. Seria

esse o desvelar de práticas sociais como exercício do fazer geográfico (MOREIRA,

2008).

Continuando nossas reflexões sobre o fazer científico, Beaud e Weber (2007)

apontam para uma vigilância metodológica e epistêmica na construção do processo

científico, diante da carga histórica e do envolvimento com a pesquisa de campo.

Para tal perspectiva, é necessária a leitura enquanto ciência para poder realizar o

trabalho, com posição crítica e qualidade nas análises realizadas. E, diante disso,

nos perguntamos: como realizar uma pesquisa em nível de tese de doutoramento

que se insere nos seguintes contextos: resistência camponesa no Estado palco de

grandes empreendimentos agrícola-­industriais e de monocultivos, com sujeitos e

grupos sociais exógenos, em questão os gaúchos2 (RIBEIRO JÚNIOR e SANT'ANA

JÚNIOR, 2011;; GASPAR, 2013) e, um local com territórios de lutas históricas dos 1 O NEACA foi desfeito enquanto construção com o LECGEO em 2015, dando origem ao Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Espaço Agrário e Campesinato (LEPEC), de forma autônoma e gestionada coletivamente. 2 A definição gaúcho é debatida nesta tese, enquanto categoria de grupo social atuante no espaço agrário nacional. Ver Gaspar (2010;; 2013).

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povos e comunidades tradicionais, em busca do bem viver3 (CIMI, 2015;; CPT,

2015)?

No ano de 2012, com o intuito de subsidiar a tese, iniciei as leituras e o

acompanhamento dos conflitos no Maranhão. Dentre as questões que surgiram,

tomei conhecimento dos processos de resistência de povos e comunidades frente ao

agronegócio de soja e de eucalipto, especificamente, no Leste Maranhense. Nas

articulações, na produção do conhecimento e nas leituras geográficas em curso, a

Profa. Maristela de Paula Andrade acabara de concluir um extenso relatório sobre o

Baixo Parnaíba (PAULA ANDRADE, 2012). Nesse documento foram identificados

focos de conflitos com gaúchos e empresas, como a Suzano Papel e Celulose S. A.

que, desde o início dos anos 2000, avançou com os seus plantios para o Leste

Maranhense. Ainda quanto ao relatório, percebemos espaços possíveis de contribuir

na leitura ampliada do Leste Maranhense, especificamente, no Baixo Parnaíba.

Em julho de 2013, após a conclusão dos créditos obrigatórios no processo de

doutoramento, participei da Jornada Internacional de Ciências Sociais e da II

Reunião da Rede Brasil-­Estados Unidos: ambiente, sociedade e governança,

realizada na UFMA, onde conheci as lideranças do Baixo Parnaíba que eu já

acompanhava nos relatos e processos de resistência. Uma dessas lideranças, Dona

Francisca, do território São Raimundo, município de Urbano Santos, relatou a luta

que enfrentava para avançar na permanência territorial e, ainda, desenvolver

politicamente mecanismos de autonomia, segundo o bem viver da comunidade. Ela

também declarou que “a empresa [Suzano Papel e Celulose S. A.] e o gaúcho

[Senhor Evandro Loef, antigo proprietário da Fazenda São Raimundo] querem

destruir com o nosso baixão e nossa chapada!” Naquele instante, despertei para a

possibilidade de uma leitura geográfica dos conflitos com foco na resistência desses

sujeitos que combatem o modelo do capital que pleiteia o controle e a destruição dos

territórios. Outro elemento que observei nessas exposições foi que a posição

geográfica de São Raimundo no Baixo Parnaíba é estratégica para que o

agronegócio não domine de forma contínua com os plantios de grãos e de pinos.

Desde então, me interessei no desvelar dos processos sociais e de luta dessas

comunidades. 3 O bem viver, enquanto prática dos povos, estabelece a retomada e insurgência de povos e comunidades originários na América Latina, como desenvolvido nesta tese, de maneira mais sistemática no capítulo 1.

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Desse modo, as atividades de campo, as vivências e as experiências com os

camponeses do Baixo Parnaíba e de territórios na Ilha de São Luís, motivaram esta

pesquisa, trazendo problemáticas, assim como a hipótese e a tese. Dentre tantas

idas ao campo específico no Baixo Parnaíba e o acompanhamento de uma agenda

de luta da questão agrária no Maranhão, através da CPT, do Movimento Quilombola

do Maranhão (MOQUIBOM) e do Movimento em Defesa da Ilha, alcançamos o

horizonte de atividades de pesquisa, como demonstrado a seguir:

Quadro 1: Registro das atividades de pesquisa realizadas para subsidiar o estudo de tese.

DATA LOCAL ATIVIDADE 01 a 02.07.2013 Baixo Parnaíba

maranhense Atividade de campo do GERUR/UFMA e pesquisadores visitantes.

08 a 18.09.2014 Açailândia, Grajaú e Imperatriz, MA

Pesquisa de campo na região tocantina maranhense, com visita à fábrica da Suzano Papel e Celulose S. A., com pesquisador Guilherme Marini (UNESP/PP).

17 a 19.10.2014 Médio Parnaíba maranhense, Parnarama, MA

Visita em comunidades quilombolas com o MOQUIBOM do Médio Parnaíba maranhense, município de Parnarama e Matões, MA.

25.10.2014 Comunidade Cajueiro, São Luís, MA

Acompanhamento de mobilização política da CPT e entidades com as comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

27.10.2014 Comunidade Guarimanduba, São Luís, MA

Acompanhamento de mobilização política da CPT e entidades com as comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

28.10.2014 Secretaria de Urbanismo de São Luís, MA

Reunião com Secretário de Urbanismo e Movimentos Sociais em conflito com a instalação do porto e retro-­porto da Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda., relativo ao uso e ocupação do solo.

31.10.2014 Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão – SEMMA

Acompanhamento de reunião dos movimentos sociais e comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

01.11.2014 Comunidade Cajueiro, São Luís, MA

Acompanhamento de mobilização política da CPT e entidades com as comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

04.11.2014 Comunidade Andirobal, São Luís, MA

Audiência Popular das comunidades em conflito com a instalação do porto e retro-­porto da Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

16.11.2014 Comunidade Guarimanduba, São Luís, MA

Acompanhamento de mobilização política da CPT e entidades com as comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

19.11.2014 Assembleia Legislativa do Maranhão, São Luís, MA

Audiência pública das comunidades em conflitos com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

02 a 04.12.2014 Baixo Parnaíba Acompanhamento das práticas camponesas e

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maranhense formas de resistência nos territórios Santa Rosa e São Raimundo, Urbano Santos, MA.

04.12.2014 Secretaria de Indústria e Comércio do Estado do Maranhão, São Luís

Acompanhamento de reunião dos movimentos sociais e comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

05 a 07.12.2014 Santa Helena, MA Participação do encontro estadual do MOQUIBOM.

29.01.2015

Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular do Estado do Maranhão – SEDIHPOP

Acompanhamento de reunião dos movimentos sociais e comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

30.01.2015 Secretaria de Indústria e Comércio do Estado do Maranhão – SINC

Acompanhamento de reunião dos movimentos sociais, conselho gestor da RESEX Tauá-­Mirim e comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

02.02.2015 Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão – SEMMA

Acompanhamento de reunião dos movimentos sociais e comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

27.02.2015 a 30.03.2015

Território Indígena do Povo Gamela, Viana, MA

II Encontrão da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

15.03.2015 Comunidade do Taim, São Luís, MA

Participação do I Encontro de Comunidades em Conflito da Resex Tauá-­Mirim.

28.03.2015 Comunidade Cajueiro, São Luís, MA

I Encontro de Comunidades Ameaçadas de Despejo Forçado na Ilha de São Luís.

10.04.2015 a 12.04.2015

Baixo Parnaíba maranhense

Acompanhamento de atividades da SMDH no Baixo Parnaíba.

13.04.2015

Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular do Estado do Maranhão -­ SEDIHPOP

Acompanhamento de reunião dos movimentos sociais e comunidades em conflito com a Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

14 a 16.05.2015 Comunidade do Taim, São Luís, MA

Encontro de gestão e autonomia territorial da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão -­ tecendo o bem viver.

17.05.2015 Comunidade do Taim, São Luís, MA

Assembleia Popular de Autodefinição da Resex Tauá-­Mirim.

17 a 20.04.2015 Comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA

Pesquisa de Campo, Comunidade São Raimundo.

22.11.2015 Comunidade Cajueiro, São Luís, MA Levantada do Mastro no Terreiro do Egito.

01 a 02.12.2015 Comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA

Reunião de apresentação do Projeto Socioambiental da não derrubada do bacuri verde, preservação das chapadas, preservação das cabeceiras dos rios.

11 a 13.12.2015 Comunidade Quilombola Santa Maria dos Moreira, Codó, MA

III Encontrão da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

19.02.2016 Comunidade Cajueiro, São Luís, MA

Audiência Popular Comunidade Cajueiro, em conflito com a instalação do porto e retro-­porto da Suzano Papel e Celulose S. A. e WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

18 a 20.03.2016 Comunidade Forquilha, Benedito Leite, MA

Encontro dos articuladores do IV Encontrão da Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão.

Org.: o autor, 2016.

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Com a densidade de atividades, alcançamos o objetivo desta tese, a saber,

explicar as resistências dos camponeses que se estabelecem no âmbito do conflito

territorial, frente ao incremento do cultivo de eucalipto no Baixo Parnaíba

maranhense, no município de Urbano Santos, com aporte a Associação de

Moradores São Raimundo. Como elemento deste trabalho, levantamos a hipótese

de que o avanço do modelo de produção capitalista, referente à produção agrícola-­

exportadora silvicultora do Baixo Parnaíba maranhense, tem como marca: os usos

da natureza, a fragilidade fundiária e o formato produtivo-­ empresarial estrangeiro do

“gaúcho”. Baseado neste tripé, diferentes formas de resistência e reprodução dos

camponeses são desenvolvidas diante do metabolismo hegemônico desenvolvido.

Nesta direção, a tese deste trabalho é que a luta e a resistência dos camponeses do

Baixo Parnaíba maranhense se desenvolve frente à produção agroexportadora de

eucalipto, afirmando como fundantes para sua reprodução: os usos da natureza, a

posse histórica da terra e seu modelo produtivo, que entrelaça espaços tanto das

Chapadas quanto dos Baixões, em um único território.

Sobre a questão agrária no Maranhão, suas diversas escalas, atrelada a

novos (velhos) modelos de desenvolvimento, apontam que o Leste maranhense, em

especial o Baixo Parnaíba, se transforma em locus de modernização agrícola e da

mundialização da agricultura. Neste contexto, estratégias de resistências são

reformuladas todos os dias, com o objetivo da permanência territorial, de

enfrentamento ao grande capital e de continuidade do metabolismo camponês

também no Baixo Parnaíba. As vivências de campo, as trocas com os sujeitos

sociais e a repercussão da luta cotidiana, contribuíram diretamente para atentar aos

processos em curso. Ademais, a leitura dessas escalas de atuação do grande capital

e das resistências realizadas localmente, me motivaram a pesquisar estes processos

neste espaço geográfico do cerrado maranhense que se depara com a

implementação da silvicultura em escala industrial.

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Mapa 1: Mapa de localização dos municípios intencionados em realizar pesquisa na mesorregião

Leste maranhense Fonte: PAULA ANDRADE, 2012.

O relatório de pesquisa Conflitos socioambientais no Leste Maranhense:

problemas provocados pela atuação da Suzano Papel e Celulose e dos chamados

gaúchos no Baixo Parnaíba (PAULA ANDRADE et al., 2012) trouxe novos elementos

para a problemática, diante das denúncias de camponeses e dos conflitos

ambientais em curso, e das formas de resistência em resposta a este problema.

Num mergulho geográfico e de aproximação com os sujeitos sociais do Baixo

Parnaíba, a comunidade São Raimundo foi escolhida como foco da análise devido à

relevância territorial em relação aos processos de expansão do monocultivo de

eucalipto entre os municípios de Urbano Santos, Santa Quitéria e Mata Roma, e

ainda na microrregião de Chapadinha, e devido também à mobilização política

interna e externa, com outras comunidades, como Bracinho, Boa União e Bom

Princípio.

A análise de atas e demais materiais pessoais dos camponeses e da

associação São Raimundo foram disponibilizados para a realização deste trabalho

diante de solicitação à associação São Raimundo, durante a realização dos

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trabalhos de campo. Iniciei o período de campo e de vivência na comunidade em

junho de 2012 e, somente em 18 de abril de 2015, a ata foi concedida – mediante

solicitação do pesquisador e aprovação dos camponeses – com a finalidade de

servir de material de consulta para esta pesquisa. Cabe ressaltar que tal solicitação

só foi realizada após esse longo tempo de convívio na comunidade. Ainda referente

ao trabalho de campo, percebemos que as trajetórias vão se intercruzando, assim

como sonhos, desafios e movimentos, com o objetivo de outro horizonte no espaço

agrário. Com os trabalhos de campo de 2013, 2014 e 2015, observei que no Baixo

Parnaíba não só são realizadas ações concretas de contestação ao capital, como

também existem experiências de lutas que agregam formas de autonomia. Essa

afirmação é embasada tendo como exemplo as leis internas do território São

Raimundo4 que nos revelam a autonomia histórica camponesa em dias de

dominação e destruição dos territórios.

Diante dessa peculiaridade da comunidade de São Raimundo, nos dedicamos

ao conhecimento dos camponeses que ali vivem e que, de forma resistente e

concreta, lutam por seus territórios, problematizando o Estado brasileiro segundo

suas ações processuais civis, segundo a sua luta e denúncias;; e, ainda mobilizando

outros atores nestes desafios e fazendo da questão agrária um presente constante e

de dialética construção e reconstrução, diante do modelo do capital. Desse modo,

nos debruçamos nas formas que o capital se movimenta no território, seja por

empresas agrícola-­industriais, como a Suzano Papel e Celulose S. A.;; seja pela

construção de portos e retro-­portos, para interligar economias na esfera global do

capital;; ou seja pela investida vertical na destruição da organização camponesa,

através de órgãos de responsabilidade social ou da perspectiva da permanência do

“selo verde” nos espaços geográficos em disputa.

Neste cenário, a tese foi desenhada em cinco capítulos. Partimos, no primeiro

capítulo, da abordagem sobre a questão agrária no Brasil contemporâneo, sua

trajetória colonial e a permanência deste modelo colonial nas ações do agronegócio.

Ainda, há uma reflexão sobre as formas de apropriação da natureza enquanto

dimensão fundante para remontagem política e econômica deste modelo combinado

e desigual em debate que adentra de forma complexa no século XXI.

Já no capítulo dois, debatemos a Geografia do conflito e da resistência no

4 Referimo-­nos à Lei do Bacuri Verde e à Lei de Criação de Animais, descritas no interior do texto.

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Estado do Maranhão. Isso demonstra uma reiteração do modelo colonial que se

reafirma contemporaneamente e traz em suas ações, elementos que explicitam a

resistência camponesa, como as ações identitárias e de uso comum da terra,

revelando as estratégias de luta e enfrentamento.

No capítulo três, os conceitos de natureza, território e desenvolvimento são

abordados como tripé epistemológico da Geografia em disputa entre o agronegócio

e a resistência camponesa. Os territórios transformados segundo projetos nacionais

de governo e sociedade, como o PAC e o IIRSA, são abordados como estrutura que

alimenta o modelo do agronegócio e do desenvolvimento, dando uma conotação de

totalidade para as ações do capital, além do elemento da globalização. Aqui, a

natureza é abordada como elemento do metabolismo societário, sendo disputada

entre as formas e processos de transformação em commodities e dimensões da

reprodução camponesa.

O capítulo quatro traz o debate sobre o agronegócio da silvicultura,

corporificado na Empresa Suzano Papel e Celulose S. A., discutido segundo a sua

múltipla funcionalidade espacial, entre os cultivos, as formas de beneficiamento e de

exportação, com base em uma estrutura multimodal de transporte e logística. Desde

a região tocantina maranhense, perpassando os plantios contínuos do Leste

maranhense e a disputa recente pela construção de um porto e de um retro-­porto na

Ilha de São Luís, o que acaba revelando a estratégia do capital com agroestratégias

locais, conflitos e controle de territórios.

Por fim, no capítulo cinco, abordamos as formas de resistência camponesa

que ocorrem no Baixo Parnaíba. A resistência histórica expressa nas formas de

“usos” da natureza, segundo a complementariedade espacial entre baixões e

chapadas, demarca as ações da comunidade São Raimundo, em Urbano Santos,

Maranhão. Uma dessas formas de luta é a lei do bacuri verde que revela a dimensão

concreta da resistência, com mobilização política dos territórios vizinhos, denúncia

ao direito formal brasileiro, expresso no Ministério Público Estadual do Maranhão e a

posição nos direitos da natureza, enquanto condição metabólica de reprodução.

Desse modo, percebemos que são outras geografias descritas na resistência

concreta (SCOTT, 2002) e garantia territorial.

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CAPÍTULO 1. A GEOGRAFIA E A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: dilemas históricos, desafios e a reprodução camponesa em foco

A questão agrária no Brasil é marcada por um padrão que tem seu foco na

exploração da relação entre sociedade e natureza. Esse modelo é caracterizado

como elemento que transforma essa interação – e suas dimensões de reprodução –

em mercadoria, assim como todos os elementos técnicos que possibilitam que essa

dinâmica se concretize. Mesmo com séculos de intensa atuação, o capital na

agricultura continua a usar novas roupagens com o objetivo de alavancar os seus

lucros em infinitas proporções (OLIVEIRA, 2013;; 2014). Referimo-­nos, aqui, aos

recentes processos que se desenvolvem no Nordeste, especialmente, no Estado do

Maranhão. Nos moldes coloniais e, por conta da reserva fundiária presente (SOUSA

SANTOS, 2008), as dinâmicas de mecanização e ocupação territorial que avançam

a toque de correntões e tratores, de violência e destruição, são descritas como

modernas: essa é a contemporânea transformação em vias de megaprojetos

industriais para o campo (GISTELINCK, 1988). São esses alguns elementos da

questão agrária nacional em curso no Maranhão.

Diante de tal cenário, há uma certeza, não temos nada de novo. É somente a

metamorfose conservadora do modelo do capital agrícola com aspectos de

modernização, lucratividade e multiescalaridade. Desse modo, temos a concepção

do modelo de desenvolvimento para o campo de forma intensificada e de

complexidade global, com a inserção de novos sujeitos e objetividade em

permanência em novos territórios, como o bioma cerrado nacional. Antes no litoral,

essa transformação chega, agora, nos imbricados horizontes de expansão.

Percebemos, assim, que são essas as trilhas do agronegócio, na disputa por

continuar escrevendo uma forma agrária em meio a tantos conflitos territoriais.

No entanto, todo o aspecto descrito até agora não é unilateral. Existe luta,

reprodução social e autonomia em meio ao escuro. Por isso, os povos e

comunidades cantam! (CPT, 2015). Uma dessas lutas está nas formas de

reprodução social camponesa e na retomada dos territórios alienados pela

exploração. Desse modo, essas comunidades continuam na busca do

desenvolvimento do bem viver dos povos em meio ao enfrentamento político, aos

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conflitos e às relações com a natureza. É a dimensão ontológica de sujeitos que

aponta para uma questão agrária com protagonismo e força política.

Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é situar o contexto teórico e político

da questão agrária no Brasil com início na visão clássica sobre o tema e, também,

analisar a temática da produção capitalista para o campo, com a resultante no

modelo industrial-­empresarial definido como agronegócio e suas múltiplas

representações. Além disso, nos propomos a descrever as diferentes formas de

reação e mobilização popular frente aos blocos agrícolas do capitalismo

contemporâneo. Faremos, também, uma demarcação teórica e conceitual de uma

questão agrária que possui elementos contundentes, segundo os sujeitos

camponeses, a saber: a natureza como condição da luta pela terra e pela

permanência nos territórios. 1.1. A dimensão do agrário mercantil: trajetória do modelo colonial e agrícola do século XV para o século XXI

A dimensão do agrário tem como visibilidade estratégica para o capital a

dominação e a transformação de tudo em mercadoria e, fundamentalmente, nas

extrapolações expressas nas formas geográficas de reprodução, luta e resistências

dos camponeses.

No formato do modelo capitalista de economia, sociedade e transformação da

natureza, as relações presentes na produção, que ocorrem no contexto agrário,

descrevem um modelo centralizador e dominador, remetendo a um sistema que tem,

por excelência, a mercantilização dos seus resultados. E, mais além, o total

entrelaçado de ideologias e formatos produtivos. É aquilo que foi produzido na

gênese do modelo industrial econômico europeu que tem suas bases nos séculos

XV e XVI.

Para Mészáros (2007), o modelo do capital estabelece para as sociedades, a

dimensão de sociorreprodução do trabalho como fundante para a organicidade. E

como engrenagem que movimenta as formas de organização monetária e social,

descreve caminhos, segundo a racionalidade da produção de mais-­valia. Assim, o

trabalho – nos termos reguladores do sociometabolismo em curso no advento do

capitalismo – desenvolve diversas estruturas de controle e dominação ampliada,

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introduzindo nos sujeitos históricos compreensões díspares do sistema-­mundo,

formado entre os séculos XV e XVI. E, como consequência, para os sujeitos com

princípios não quantificáveis em condições monetárias, como a relação com a terra /

território, é descrita uma geografia que traz fins de consumo, desenraizamento e

circunstâncias de troca-­mercadoria impregnadas de novos modos de compreender o

que seja o trabalho, agora para o capitalismo. Esse entendimento está contido no

formato que aporta na América Latina, com fins de controle e dominação e que

reforça a ideia de que há novas formas de relação terra-­território-­trabalho em curso

com a natureza (MOREIRA, 2014;; THOMAZ JUNIOR, 2015).

A própria concepção de cidades nesse horizonte capitalista foi um dos vetores

de transformações das relações sociais, inclusive as de trabalho. Oliveira (2007)

explica que, com a mudança do feudalismo para o capitalismo, os camponeses

foram conduzidos a uma nova dinâmica de trabalho, pois a pressão que os centros

urbanos aplicaram sobre o campo, se totalizou no modelo hegemônico do seio

capitalista europeu e rompeu com a forma de apreensão de bens comuns. Segundo

o autor,

[o]s camponeses, que antes dispunham em comum dos bosques, tiveram que passar a comprar tudo o que lá outrora buscavam gratuitamente. O mesmo fato aconteceu com as pastagens quando as indústrias urbanas crescentes passaram a exigir mais matérias-­primas, a lã, por exemplo (OLIVEIRA, 2007:16).

Portanto, ainda na leitura do sistema-­mundo, das escalas globais e dos

modelos hegemônicos que regem o mundo moderno, as transformações que

ocorrem nas relações de trabalho, no sentido materializado da terra e dos bens-­

comuns, ainda que não se refiram ao entendimento de ciclos, apontam para um

projeto geopolítico colonial demarcador de territórios pelo capitalismo. Logo, o

elemento da propriedade privada enquanto latifúndio é determinante, pois é

condição para expansão do processo produtivo que subsidia o contexto mercantil e

industrial de matéria-­prima. É o que ainda Oliveira (2007) define enquanto monopólio

territorial, que aliena as relações de poder presentes e mantêm as formas

produtivas.

Ainda com um passo analítico anterior às concepções do modelo agrário

colonial, o entendimento sobre o moderno como forma amplamente difundida no

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globo pela Europa, nos aponta elementos para compreensões sobre o agrário

mercantil, tão enraizado no sistema econômico de produção brasileiro, após os anos

de 1492. Dussel escreve que este modelo moderno europeu tem uma auto-­

centralidade europeia de tomada de decisão e subjugamento ideológico para os

povos e nações. Ele propõe “uma segunda visão da modernidade”, num sentido

mundial, que consistiria em definir como determinação fundamental do mundo

moderno o fato de ser (seus Estados, exércitos, economia, filosofia, etc.) “centro” da

História Mundial (DUSSEL, 2005). Assim, não é efetivamente uma forma de controle

e de definição de sistema-­mundo, mas um centralismo de concepções e referências

de sociedade que, a partir da Europa, do mercantilismo, do capitalismo e das formas

de produção de mais-­valia, temos uma concepção de modelo, incluindo a condição

ontológica do ser social, embebido nessas dimensões.

A expansão do modelo comercial para a América, a partir do referencial

europeu, da modernidade e das diretrizes de acumulação, conduziu países como

Espanha e Portugal no século XV a extrapolar possíveis limites de dominação. O

além-­mar se expressa em diversas expedições, navegações e invasões. Furtado

(2007, p.27) assinala que “o início da ocupação econômica do território brasileiro é

em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e

Espanha pelas demais nações europeias”. Além disso, afirma que o dilema

ideológico de que outras civilizações dominavam as terras, as riquezas, como ouro,

e o processo produtivo, impulsionou a ação de intentona europeia às civilizações

latinas.

Ainda de acordo com o economista, as inúmeras experiências nas ilhas do

Atlântico, da empresa agrícola portuguesa5, resultaram em outros horizontes

técnicos de produção de açúcar e plantio de cana-­de-­açúcar ao serem instalados no

território brasileiro. O resultado da lucratividade, aliado com a exploração da mão de

obra escrava e do sistema de monocultivo, caracteriza o modelo agrícola instalado,

ocasionando o levante econômico para Portugal no cenário mundial e a efetivação

do sistema econômico mercantil capitalista6.

5 Ibidem. 6 Segundo Fontes (2012) e EZLN (2015), não existe disjunção ideológica sobre a dimensão mercantil do sistema econômico e o próprio capitalismo, entendendo-­se que o mercantilismo é uma forma de expansão comercial do pensamento capitalista europeu, fruto de incessantes momentos de dominação e controle dos territórios e que, para o capitalismo enquanto dimensão hegemônica, a comercialização do que é apreendido junto aos mercados de matéria-­ prima e mão de obra, é uma engrenagem fundante da máquina global.

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Com a intensificação desse modelo produtivo na América Latina, surge o

conceito e o princípio de plantage. Para o geógrafo Leo Wailbel (1979), a definição

parte da contribuição de dois autores: Eduard Hahn e Weber, que no artigo “As

formas de economia do mundo”, de 1892, conceituou que o modelo da plantage foi

criado para a satisfação interna europeia com custos da intensificação dos

processos de exploração, como segue:

A plantage é, na realidade, apenas uma forma especialmente evoluída da cultura a enxada, mas em virtude de sua importância histórica das intercomunicações e do comércio mundial, considerei-­a como uma forma de economia à parte. “As plantages são cultivadas a enxada como qualquer cultura do nativo ou do negro, mas a decisiva influência do europeu lhe confere características especiais. O europeu utiliza nelas a sua energia e seu capital, dispondo, sob sua orientação de objetivo certo, para seu próprio benefício, dum grande número de lavradores de enxada. Outra característica está em que a chamada cultura do tipo plantage somente se refere aos chamados produtos tropicais, isto é, café, açúcar, e especiarias”. Nesta definição é fundamental e exato que a plantage é ou foi um empreendimento capitalista do europeu, com o intuito as próprias necessidades de produtos coloniais (WAIBEL, 1979, p.65).

Wailbel (1979, p.66) percebe que Weber contribui na análise sobre este sistema,

como relata:

No tocante à origem das plantages, vamos encontrar, segundo Weber, duas expressões clássicas na antiga plantage cartaginesa-­romana e na plantage dos negros, nos estados sulinos da União Norte-­Americana durante o século XIX. A cultura da plantage é, portanto, muito mais antiga que supõe Hahn;; originou-­se, não nos trópicos, mas, sim, subtrópicos, não podendo, além disso, ter envolvido da cultura por enxada, mas somente da cultura por arado. É preciso considerar que as importantes regiões de plantage do Brasil do século XVII e das Índias Ocidentais, no século XVIII, não são levadas na devida conta por Weber, quando na realidade a cultura da plantage não era aí menos classicamente desenvolvida do que nos estados sulinos da União Norte-­Americana.

Apesar de a plantage excluir outras formas de economia, Waibel (1979) também

demarca, nesta obra citada, como campo conceitual o processo de cultivo ligado a

plantações com concentração de terras e exploração de mão de obra. É um modo

sistemático de plantio, em larga escala, com vias de escoamento da produção para

os seus mantenedores ou financiadores. Nesse modelo, a metrópole tem este papel

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na produção geográfica agrícola de retorno mercantil imediato, descaracterizando o

investimento local e a possível permanência e circulação da produção em escala

regional.

Outros espaços de produção econômica no Brasil foram ocupados por essa

realidade em meados dos séculos XVIII e XIX, entre eles o Estado do Maranhão.

Esses espaços, que não estavam na rota do açúcar, do café e das especiarias,

serviram de espaços geográficos para donatários, como uma forma de reserva

fundiária para outros momentos futuros de necessidade, como a expansão das

áreas produtivas (ANDRADE, 1980;; 1984). Percebe-­se, assim, que a economia no

modelo mercantil é tardia e com formas de complexidade nas estratégias de

exploração da mão de obra, como na migração de trabalhadores negros de colônias

da África, prática esta já em curso naquele momento em países da América central.

Anterior a isto, a mão de obra local indígena foi explorada e subjugada. O modelo de

controle de mão de obra, da migração e do tráfico negreiro, também representou

dentro da cadeia de exploração global, oportunidade de lucros e formas de

dominação.

É possível, diante de tal panorama, perceber a centralidade do trabalho no

modelo de sociedade que estava sendo desenhado. Na simbiose de plantios,

monocultivos e indústrias coloniais agrícolas, o trabalho retoma o centro do debate

quando se tem a possibilidade de novas formas de controle e lucro. Mesmo em meio

à crise do modelo escravista a burguesia dominante da plantation / plantage se

depara com outro desafio: o fim do trabalho escravo. Martins (2010), analisando a

classe burguesa e suas aspirações, coloca que diversas inquietações rondavam

naquele momento, pois

[q]uando, no século XX, ficou claro que a vigência do trabalho escravo estava chegando ao fim, a burguesia agrária, em particular os fazendeiros de café, não se inquietou apenas com a necessidade urgente de substituição do trabalhador cativo pelo livre. A sua principal inquietação foi com a forma que deveria assumir a preservação da dominação burguesa. (...) No regime do trabalho escravo, o trabalhador não precisava de outra justificativa para trabalhar além do cativeiro. A sujeição do cativo ao capital era principalmente física, através de instrumentos e procedimentos de violência física. A sujeição do trabalhador livre, ao contrário, é principalmente ideológica (MARTINS, 2010, p.277-­278).

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Entre outras rupturas, como no mundo do trabalho, um dos grandes

rompimentos causados pelo modelo agrícola mercantil no território foi a formulação

do espaço geográfico nacional segundo o foco dos centros produtivos dos

monocultivos. A plantation, nos termos citados por Moreira (2014), movimenta as

entranhas nacionais para um arranjo espacial colonial. A partir de então, temos uma

nova conformação em revelia dos processos ancestrais de ocupação do território,

agora segundo os arquipélagos de monocultivos e macroformas. O autor revela este

corte: Tomando-­se o momento dos fins do século XVIII, como um corte transversal no tempo, encontramos constituindo a totalidade espacial da formação social brasileira cinco macroformas (formas gerais de espaço): o espaço agrícola, o espaço pastoril, o espaço extrativo-­vegetal e o espaço urbano. O trabalho escravo e o caráter exportador são as relações gerais que dão conformidade unitária ao conjunto desses recortes de espaço. Mas em cada macroforma estas relações se amoldam dentro de determinadas especificidades. Por isto, estas formas gerais ao mesmo tempo se distinguem, e se confundem na totalidade. E superpõem-­se, aqui e ali, numa tessitura de limites imprecisos e natureza diversa (MOREIRA, 2014, p.64).

Nesse desenho, as macroformas do espaço descritas pelo autor relatam o

modelo de sociedade constituída nos moldes produtivos, seus vínculos de origem e

a dinâmica como as concentrações urbanas e rurais são desenvolvidas com objetivo

de dar suporte ao modelo colonial. Tais marcas aparecem na arquitetura, na

paisagem e na disposição dos instrumentos, tanto urbanos como rurais, para

possibilitar a agricultura exportadora necessária ao modelo colonial europeu em

curso.

Esse modelo mercantil implantado em colônias como o Brasil e outras

porções da América Latina, se perpetua nas formas do capitalismo agrícola e se

ganha forças com ações efetivas do Estado constituído. Ao longo dos séculos, as

organizações espaciais, as relações de trabalho e os modelos produtivos se

arrastam descrevendo novas-­velhas formas de exploração e de dominação. E, na

atualidade, o agronegócio desempenha o que a plantage e / ou a plantation

modificaram na constituição territorial-­temporal dos camponeses e dos povos

ancestrais. É o que Zibechi (2015), dialogando com Frantz Fanon, entende sobre

reprodução continuada do modelo colonial internalizado na sociedade

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contemporânea, agora também com as nossas próprias mãos7. Isto é, a

fundamentação do modelo de sociedade do agronegócio em curso tem raízes

coloniais e contemporâneas operando nas estruturas colocadas com o sistema-­

mundo-­moderno-­colonial, em escala glocal (WALLERSTEIN, 1991) de exportação e

produção e, condicionamento da relação sociedade e natureza.

1.2. A definição do modelo de agronegócio e os novos incrementos técnicos no campo: revolução verde, monocultivos e silvicultura

A plantation e a plantage são formas de produção e de relações de trabalho

com delimitações relativas ao valor da terra e, além do mais, com uma definição de

pensamento sobre desenvolvimento, colonialismo e sociedade. Assim, iniciamos

esta seção com definições sobre o agronegócio que arrasta em sua constituição os

traços coloniais de expansão e dominação. E, ao se complexificar ou especializar

enquanto agronegócio e silvicultura, mostra os caminhos construídos pela ciência e

pela revolução verde nos séculos XIX e XX.

Segundo o Dicionário da Educação do Campo, de Caldart et. al. (2012), o

agronegócio é um dos elementos para se pensar a questão agrária no contexto do

capitalismo colonial mercantil. Leite e Medeiros (2012) definem o agronegócio do

seguinte modo:

O termo agronegócio, de uso relativamente recente em nosso país, guarda correspondência com a noção de agrobusiness, cunhada pelos professores norte-­americanos John Davis e Ray Goldberg nos anos 1950, no âmbito da área de administração e marketing (Davis e Goldberg, 1957). O termo foi criado para expressar as relações econômicas (mercantis, financeiras e tecnológicas) entre o setor agropecuário e aqueles situados na esfera industrial (tanto de produtos destinados à agricultura quanto de processamento daqueles com origem no setor), comercial e de serviços. Para os introdutores do termo, tratava-­se de criar uma proposta de análise sistêmica que superasse os limites da abordagem setorial então predominante (LEITE;; MEDEIROS, 2012, p.81).

7 Raúl Zibechi chama para o debate autores como Fanon para pensar a experiência de autonomia possível para os povos e comunidades do globo, com demarcação teórica e política do que fatalmente faz parte do sistema-­mundo moderno colonial de exploração;; algo que carece de progressivos movimentos de contestação, denúncia e descolonização do pensamento. É o modelo de desenvolvimento questionado e colocado em cheque diante das ocupações e dominações coloniais (ver mais em FANON, Frantz. (1999). Los condenados de la tierra. Tafalla: Txalaparta).

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Diante dessa demarcação ampla e sistêmica do mecanismo ideológico

chamado agronegócio, notamos que algumas particularidades para que se dê sua

efetivação passam por alianças que partem de razões como: i) o incremento

intersetorial da economia global, como a produção agrícola, a indústria de máquinas

e os implementos químicos;; ii) a iniciativa pública de abertura para que esse modelo

seja expresso enquanto política e como resposta à iniciativa privada e;; iii) as ações

privadas de máxima lucratividade, como a conexão entre os grandes mercados

globais e a centralização do processo produtivo, base da difusão de tecnologias.

Para que a articulação entre esses fatores se concretizasse, foram criadas diversas

políticas nacionais, com as marcas do modelo colonial, isto é, a exportação e a

máxima produtividade nos territórios.

No contexto brasileiro, as políticas com bases agrícolas foram desenvolvidas

com referências em patamares internacionais, colocando a economia nacional no

cenário mundial. Assim, todo o potencial agricultável descrito no modelo colonial

avança com os séculos, se transformando em uma perspectiva de crescimento

econômico. Esse entrelaçado de agricultura e industrialização foi compreendido

como definição de progresso para as economias descritas enquanto periféricas

(LEITE, 2005). Para isso, diversas teorias e programas políticos foram desenvolvidos

entre estes países coloniais com o objetivo de alcançar o estado ótimo de

desempenho econômico: a retomada no cenário global de posições entre as

economias europeias centrais, como seguem.

O debate do alavanque e da reposição econômica foram discutidos segundo

as implementações políticas nacionais, como as questões retomadas no século XX,

com base no pensamento de esquerda, como a emergência da Reforma Agrária

(DELGADO, 2005). Com os debates do Partido Comunista e da Comissão

Econômica para América Latina (CEPAL), diversas políticas foram colocadas para a

agricultura com o objetivo de aglutinar potencialidades exploradas historicamente,

como as ilhas industriais coloniais8.

Enquanto formada de pesquisadores e teóricos, a CEPAL desenvolveu

diversas linhas de pensamento para os países da América Latina, com questões

ligadas à aplicabilidade do capitalismo e às transformações das economias dos

países centrais. Sobre esse assunto, Delgado (2005) descreve que:

8 Para amplo debate, ver Moreira, 2014.

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A tese central da CEPAL neste período, protagonizada no Brasil pela contribuição de Celso Furtado, diagnosticada no Plano Trienal 1963-­1965, destaca o caráter inelástico da oferta de alimentos às pressões da demanda urbana e industrial. Este problema estrutural do setor agrícola brasileiro justificaria mudança na estrutura fundiária e nas relações de trabalho no campo. Ainda ligada a essa tese de rigidez da oferta agrícola, as teses cepalinas atribuem ao setor agrícola uma tendência a gerar tensões estruturais sobre a inflação e crises frequentes de abastecimento de alimentos (DELGADO, 2005).

A CEPAL, portanto, modela a economia nacional segundo suas proposições e

teses, pensando na mudança da economia colonial, ou seja, são transformações

nas características de decisão segundo a metrópole para que efetivamente sejam

resultantes de perspectivas nacionais, visto que, não modificam estruturalmente o

contexto da exploração e do latifúndio. São marcas desse momento: a ideia de

nação, com base em sua própria economia;; a cadeia de produção e comercialização

de monocultivos dentro do país;; e as perspectivas mercantis segundo demandas

internas, com exportação (1822 – 1930) e, pós-­1930, para mercado interno (MELLO,

1982).

Ainda de acordo com Mello (1982), existem disjunções na perspectiva

cepalina, a saber: a) o capital é fator irrelevante de reprodução, uma vez que se

estrutura a economia segundo a política e não segundo a economia;; b) não há

reciprocidade nas economias mais especializadas e mais manufaturadas e;; c) a

incorporação do debate do trabalho como base do processo industrial do Brasil,

representando entraves para o avanço do modelo econômico em questão.

Como citado anteriormente, além da CEPAL, o Partido Comunista também

desenvolveu um papel estratégico na luta pela terra, na articulação dos

trabalhadores e na proposta de uma questão agrária com bases na reforma agrária

e no fim dos meios de alienação do processo produtivo, por exemplo. Medeiros

(2006) e Lima (2011) apontam para a articulação política como processo de

contraposição ao modelo de agricultura estabelecido no campo brasileiro. Como

exemplo, o surgimento das Ligas na proposta de outra relação e estrutura social no

campo:

No momento das Ligas, o debate sobre a reforma agrária era parte constituinte de uma ampla discussão sobre as perspectivas de transformação econômica, social e política do país. Por alguns, ela

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era entendida como ferramenta central para vencer o chamado "atraso" da agricultura e um instrumento de desenvolvimento econômico. Para o Partido Comunista, era um componente da etapa "democrático burguesa" da "revolução brasileira". Para a direção das Ligas, era um primeiro passo em direção ao socialismo. Para os trabalhadores que se envolviam nas lutas, a palavra sintetizava o sonho do acesso à terra, sem a exploração dos "patrões" (no caso dos foreiros, moradores de engenho etc.) ou pressão dos "grileiros" e suas milícias privadas, nos casos das áreas de expansão da fronteira. Em qualquer de suas versões, a perspectiva de alterações na estrutura fundiária provocou uma rápida organização dos interesses ligados à propriedade da terra. Foram eles uma das importantes bases de sustentação do golpe militar (MEDEIROS, 2006, p.1).

A dimensão política toma força no cenário da questão agrária, à medida que a

produção de economistas e pesquisadores é amplamente difundida na sociedade.

Delgado (2005), ao debater as contradições da política cepalina, que não tem força

política nas formas estruturantes do campo, como camponeses e as próprias Ligas,

descreve que o foco do debate não é a questão agrária difundida por Caio Prado, e

reforça o centralismo econômico político conservador, e uma negação da questão

agrária. São fundamentos que autores, como Delfim Neto, apontam para a oferta

agrícola e os mercados, configurando a produção científica de vanguarda no século

XX, no contexto deste debate (DELGADO, 2005). Para esse autor, o argumento da

ausência da questão agrária ao desconsiderarem a estrutura fundiária e as relações

de trabalho no plano rural, segundo a produção e as funções da agricultura, como

aponta Delfim Neto (apud DELGADO, 2005) seriam: a) a liberação de mão de obra a

ser utilizada no setor industrial, sem diminuir a quantidade produzida de alimentos;;

b) a criação de mercado para os produtos da indústria;; c) expansão das

exportações;; e d) o financiamento de parte de capitalização da economia. Todos

esses elementos descrevem o movimento conservador da economia, que seria

suficiente para justificar e viabilizar questões de modernização da agricultura, com

ampla divulgação do meio técnico e do status concorrencial para toda a

compreendida aptidão nacional agrícola.

A delimitação histórica do contexto da modernização da agricultura e todas as

suas interferências no modelo ideológico das potencialidades cíclicas e naturais,

revelam a definição de uma revolução (verde), como também as relações com a

terra e, ainda, a proposta de uma Reforma Agrária no Brasil no século XX. Para

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Alentejano, esta forma de conceber a questão agrária é delineadora dos rumos

contemporâneos do que sejam agricultura e todas as suas condicionantes, sejam

políticos, econômicos e de saberes de povos e comunidades tradicionais. Ele aponta

que:

Este processo de modernização da agricultura brasileira foi concebido e planejado como contraponto às propostas de Reforma Agrária gestadas no âmbito da esquerda brasileira ao longo dos anos 1950-­1960. De acordo com os defensores da modernização, seria possível desenvolver plenamente a capacidade produtiva da agricultura brasileira sem distribuição da terra, contrariamente ao que defendiam os partidários da Reforma Agrária, para quem a democratização da terra era condição indispensável para o próprio desenvolvimento da agropecuária brasileira (ALENTEJANO, 2012, p.480).

Pensar sobre um projeto que tem como base a distribuição de terras e a

Reforma Agrária é confrontador à condição prioritária do modelo de ciência

largamente desenvolvido, e os pilares da revolução verde, para assim buscar o

conhecimento para os objetos em detrimento da ciência para os sujeitos (ELIAS,

2008).

A modernização agrícola no Brasil é contemporânea da revolução verde, que

tem como principal paradigma, a Variável de Alto Rendimento (VAR) (PEREIRA,

2008). Segundo a autora, a VAR é considerada o símbolo dos monocultivos e

substitui os ciclos ecológicos, sendo reproduzida em laboratório, renegando o

conhecimento e as práticas ancestrais.

As implementações da revolução verde são decorrentes das ações ligadas à

extrema exploração da natureza, à perspectiva dos módulos produtivos limitados e,

diante da disputa da macroeconomia global, à corrida produtiva pela implantação de

um modelo econômico com base agrícola. Essa discussão está centrada nos

modelos econômicos que possuem rumos de efetivação, uma vez que a corrida

industrial, que ocorrera não só no período entre guerras, tornou-­se generalizada e

novas dinâmicas são desenvolvidas para as chamadas aptidões comerciais.

Segundo Mendonça (2010), as formas de modernização agrícola – chamadas de

empresas agrícolas – são, na verdade, novos modelos mercantis aportados no

Brasil em tempos de corrida por mercado consumidor de insumos de tecnologia

(MENDONÇA, 2010). Desse modo, percebe-­se que tanto a revolução verde quanto

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a modernização agrícola decorrem das dinâmicas coloniais.

A revolução verde representa uma ofensiva do capitalismo em direção às

formas e aos processos de organização societária com base na agricultura e nos

modos de vida ancestrais. Ela traz a perpetuação dos caminhos coloniais históricos

de dominação e controle social, como exemplo a concentração de terra. Para

Novaes (et. al., 2015), existe uma dimensão ideológica bem fundamentada desde os

anos 1960 até sua implementação, e alguns autores descrevem a revolução como

uma estratégia de coalização hegemônica, pois esta se articula da seguinte maneira:

Desde os anos 1960 está havendo uma ofensiva do capital no campo denominada pelos ideólogos de revolução verde. O mesmo fenômeno é denominado por Novaes (2012) de economia política do golpe verde. A economia política do golpe verde configura-­se: a) pelo novo ciclo de acumulação primitiva (roubo e grilagem de terras, assassinato de lideranças, roubo de conhecimento indígena);; b) pela concentração ou domínio da terra por corporações transnacionais;; c) pelas fusões e aquisições no ramo das sementes e agrotóxicos, com domínio quase que completo da produção e distribuição das sementes e agrotóxicos por algumas grandes corporações dos países do Norte;; d) por uma “revolução” biotecnológica (novos agrotóxicos e novas sementes transgênicos);; e) pela ausência de autonomia de pequenos produtores, cada vez mais trabalhando para bancos e atrelados a corporações agroindustriais Novaes (et. al., 2015, p.210).

O fragmento sobre a revolução verde é bem elucidativo sobre a direção da

crítica permanente ao modelo contraditório e combinado do agronegócio e as suas

formas de ação e alienação dos processos políticos e ideológicos diante da proposta

de sociedade. A ausência da autonomia de outro modelo descreve claramente qual

objetivo está em questão – hegemonia e manutenção dos quadros do modelo

colonial de dominação. É difundida segundo a escala que alcança aqueles que estão

na outra ponta do modelo de sociedade do capital, como os consumidores.

No contexto das repercussões desse modelo, no século XX, é descrito um

padrão de consumo e de perspectivas de desenvolvimento, intensificado nas

políticas para os biomas, como o Programa de Desenvolvimento do Cerrado

(PRODECER) e no padrão de consumo da sociedade. À esta, que se modifica com

a velocidade da modernização agrícola, também são impostos outros padrões de

natureza (ou ambientalismo) e de consumo. Carvalho (2013) analisa a ampla

distribuição de sementes do pacote verde, com alta rentabilidade e resistentes aos

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vetores e predadores, entendendo que este padrão de consumo de insumos está

presente também no padrão alimentar, ou seja,

Mantido o atual modelo econômico para a agricultura e o comportamento da maioria da população de sentir-­se mais como consumidora do que como cidadã, tudo leva a crer que caminhamos para uma tirania de grandes corporações multinacionais sobre a dieta alimentar (CARVALHO, 2013, p.40).

A escala de produção do formato da modernização agrícola intensifica as

extrapolações possíveis da revolução verde, tendo sido rebatido na dieta da

sociedade. Povos e comunidades tradicionais recebem este embate diante do

controle do acesso aos bancos de sementes, porém buscam formas de ter sobrevida

na engrenagem verde industrial de padrões mercantis. É uma sociedade embebida

no agronegócio que se desenvolve como extensão histórica dos latifúndios, dos

engenhos e das fazendas coloniais ainda presentes no contexto nacional

(HEREIDA;; PALMEIRA;; LEITE, 2010).

Assim como Moreira (2014), HEREIDA et. al. (2010) reflete sobre a estrutura

do agronegócio, da revolução verde e da modernização da agricultura e diz que são

espaços geográficos pensados para subsidiar as atividades agrícolas e mercantis.

São verdadeiros conglomerados para as atividades agrícolas, o armazenamento e o

escoamento de produtos;; e, aliados à presença de sujeitos, definem a lógica local-­

regional. Estes sujeitos são migrantes que trazem consigo a ideologia dos

colonizadores europeus, como também a dimensão do mundo dos negócios.

Estamos nos referindo aos gaúchos, que representam um grupo social dominante

nas fronteiras de expansão do agronegócio (GASPAR, 2013). Os gaúchos são

também grupos de migrantes que avançam para horizontes que possam alcançar,

dentre o protagonismo presente no empreendimento agrícola, terras de baixo custo

e mercados em vias de expansão para novas dinâmicas.

Com esse complexo de sujeitos e novos arranjos espaciais de “sociedades do

agronegócio”, agrotóxicos, insumos e sementes – os monocultivos se espalham

largamente como atuantes do agronegócio. As indústrias do campo, diferente da

plantation / plantage, possuem uma escala de industrialização no ciclo como um

todo, em vias do modelo colonial dos séculos XVII e XVIII, e não só na

comercialização e exploração. Também em larga escala e com base na modificação

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genética, expulsam camponeses e povos tradicionais presentes nos territórios e

maximizam o lucro, sendo inseridos na escala global de comercialização, outrora

somente focada na Europa. Já os mercados asiáticos, alcançam, progressivamente,

espaço na disputa de mercados produtores da indústria de primeira ordem –

celulose, grãos e mineração – com uma competitividade que vai além da coalisão de

forças entre Estados Unidos e Europa.

A mundialização da agricultura (OLIVEIRA, 2014) é desenvolvida como novo

momento nas disputas por mercados, mão de obra e matéria prima. É neste

contexto que monocultivos chegam à dinâmica nacional seguindo os novos cultivos.

E, nesse panorama, a silvicultura aporta no país com a perspectiva de dinâmicas

como flexibilidade econômica e responsabilidade ambiental empresarial – nos anos

1980 (BARCELOS, 2010). Barcelos (2010) ainda aponta como a estruturação da

silvicultura se deu no país a partir do fomento florestal. De acordo com o autor:

Outro aspecto que fortaleceu os programas de “fomento florestal” foi sua inclusão nas linhas temáticas das políticas públicas florestais. Criado em 2000 pelo Decreto 3.420, o Programa Nacional de Florestas, PNF incluiu em seu artigo 2º o objetivo de “fomentar as atividades de reflorestamento, notadamente em pequenas propriedades rurais” para consolidar as metas e objetivos previstos no plano estratégico de ação e expansão da base plantada no país. Para isso, uma das diretrizes de ação para ampliar a base plantada foi o apoio técnico e financeiro aos pequenos e médios produtores rurais, o estimulo as associações ou cooperativas de reposição florestal e a simplificação dos procedimentos legais e administrativos para o plantio, colheita, transporte, processamento e comercialização de produtos e subprodutos florestais oriundos de plantios (MMA, 2000 apud Kengen, 2001, p.29). Estas diretrizes foram recomendadas para apoiar os objetivos traçados para atender a demanda florestal nacional com o “plantio de 800 mil hectares em pequenas e médias propriedades até 2007;; o plantio de 1,2 milhão de hectares por meio de programas empresariais sustentáveis e a recuperação de 200 mil hectares degradados até 2007” BARCELOS (2010, p.18).

Os modelos de produção agrícola que afligem a silvicultura e os diversos

monocultivos no Brasil apontam para a questão agrária e sua complexidade diante

de investimentos de megainvergadura mundial, contemplando questões, como

logística e escoamento de produção e, também, as múltiplas formas de desenvolver

a economia política do golpe verde (NOVAES, op. cit.). Em meio a tantos avanços no

agronegócio, à personificação do capital na estratégia estatal e diante da ausência

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de uma reforma agrária, explodem no Brasil embates, conflitos e disputas territoriais,

como resposta dos povos e comunidades tradicionais a esse processo degradante e

envenenador. “O conflito é a dor da sociedade, é a sociedade gritando“ (PORTO-­

GONÇALVES, 2015, p.151).

Assim, a silvicultura é definida como a aliança entre as formas modernas de

alienação da mão de obra para produção de commodities, o monocultivo de

eucalipto e a rentabilidade econômica colocada no patamar de extração da natureza

(PERPETUA, 2015). Este novo-­velho [?] também silvicultor, que gera conflitos no

campo, complexifica a questão agrária e impõe novas lógicas para a reprodução dos

sujeitos no campo, como veremos a seguir.

1.3 A questão agrária e os bens comuns: perspectivas contemporâneas do debate segundo a reprodução societária

Na rapidez da complexidade dos embates no campo, da questão agrária e

dos processos de enfrentamento, temos um debate contemporâneo sobre os

caminhos da luta e da superação do sistema de capital. É a autonomia dos sujeitos

das florestas, dos cerrados e dos camponeses que adquire notoriedade,

protagonismo e disputa.

Outros elementos em certame estão presentes no discurso e nas palavras de

ordem e, no que se refere à questão agrária, está a natureza e suas formas

enquanto recursos. Mitidiero Júnior et. al. (2015), em obra que trata das escalas e

dinâmicas dos conflitos territoriais diante da apropriação privada da natureza (terra,

água, florestas, minérios etc.) – elementos de vitalidade e dinâmica societária –,

também aponta sobre a atualidade da questão agrária diante da condição extensa

de influência sobre os povos e comunidades, que desenvolvem outras dinâmicas – o

bem viver.

Para Martínez (2009), o bem viver é compreendido segundo a própria pauta

do que seja a natureza na perspectiva de reprodução, autonomia e permanência de

povos e comunidades tradicionais. Para o autor, uma das reflexões parte também

das culturas indígenas, do bem viver, da natureza e da relação com a terra.

En las culturas indígenas, tanto agrícolas como recolectoras, la naturaleza mantiene comunicación con las sociedades humanas,

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cosa que no ocorre en las sociedades que han roto su relación con la tierra. Todo Pueblo reconoce lo que puede o no puede hacerse, por lo general, indentifican los riegos y los câmbios que se producen en la naturaleza. Mantienem rituales, restricciones y prohibiciones que responden al conocimiento de los ciclos naturales de las distintas especies y a las leyes naturales (MARTÍNEZ, 2009, p.85).

A dinâmica dos processos de transformação da natureza em mercadoria traz,

em sua junção de relações de poder e política, o aprisionamento direto das formas

de bem viver e da própria natureza. Um desafio recorrente no âmbito da

multiplicidade de formas de ações do capital está na defesa destes princípios e, de

forma contundente, na garantia da reprodução dos povos. Porto-­Gonçalves (2008)

registra esse embate nas múltiplas formas de conceber a natureza e, ainda, na

diversidade de quem a natureza representa, nos múltiplos cerrados por exemplo.

Temos assim, tanto a multiplicidade de formas, sentidos e representações da

natureza, como também os sujeitos sociais que dela se descrevem na história.

Como está imbricado na reprodução da sociedade e da natureza uma relação

de (re)produção, também se encontra nesta inter-­relação estratégias de destruição

dos territórios e dos biomas. Almeida (2010) define a agroestratégia do agronegócio

como aliciamento dos direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais, com

a ligação estreita entre o sistema judiciário e o avanço do capital. Para o

antropólogo:

Compreendem um conjunto de iniciativas para remover os obstáculos jurídico-­formais à expansão do cultivo de grãos e para incorporar novas extensões de terras aos interesses industriais, numa quadra de elevação geral dos preços das commodities agrícolas e metálicas (ALMEIDA, 2010, p.102-­103).

Portanto, as garantias históricas constitucionais nacionais pós-­1988 e a

repercussão internacional, como a Convenção 169 da Organização Internacional do

Trabalho (OIT), com respaldo acadêmico e científico, são banalizadas e modificadas

no horizonte da garantia de territórios para o agronegócio.

A disputa se expande quando, de maneira ampliada, os conceitos também

são recolocados como estratégias de poder. Almeida (2010), no mesmo texto,

acrescenta que o caráter comunitário familiar, base ancestral de significado e força

dos povos, é subjugado ao ser colocado como “agricultura familiar” pelo fato de

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estarem atreladas às relações com a terra / agrícolas. Assim:

As agroestratégias caracterizam-­se ainda por desconsiderarem a lógica de utilização destes recursos naturais, seja pelas unidades de trabalho familiar, classificadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) como “agricultura familiar, seja por povos e comunidades que tradicionalmente ocupam as terras que os interesses dos agronegócios e de mineradora pretendem incorporar a seus grandes empreendimentos”. A denominada agricultura familiar, grosso modo, abrange as famílias que integram os projetos de assentamento, os pequenos proprietários e os posseiros. Os povos e comunidades tradicionais, embora apoiados também nas unidades de trabalho familiar e em diferentes modalidades de uso comum dos recursos naturais, apresentam uma consciência de si como grupo distinto, com identidade coletiva própria, e forma de organização intrínsecas que não se reduzem à ocupação econômica ou à relação com os meios de produção. Para compreender esses povos e comunidades, os fatores agrários e as interpretações de base econômica são insuficientes. Devem ser considerados também os elementos de autodefinição e de consciência de suas próprias necessidades. A partir deles, pode-­se afirmar que fatores étnicos e identitários mostram-­se capazes de delinear suas diferenças em relação a outros grupos. (ALMEIDA, 2010, p.105)

Outra perspectiva da complexa questão agrária contemporânea, que tem no

bem viver sua discussão, é revelada na exploração da natureza enquanto recurso

para indústria de transformação pesada, como a mineração. Em relatório de

insustentabilidade, Atingidos pela Vale (2015) embarca no debate do minério e nas

ameaças aos territórios. A reserva fundiária que povos e comunidades tradicionais

defendem também resguardam as jazidas de maior envergadura no planeta em

potencial de exploração. Além das ameaças de grilagem e violência direta, há as

mudanças no Código Florestal e Código da Mineração9. Nesse contexto, são os

territórios indígenas e quilombolas no foco da destruição que descrevem outro

desafio sistêmico e teórico de análise para estes processos, sejam de ordem

jurídica, para garantia dos territórios e impeditiva de avanços, seja de ordem da

autonomia das lutas que, diante de novas ameaças e avanços do capital industrial

minerador, (re)colocam a autonomia e a luta destes povos nos alvos de análises e

9 Código da Mineração está em conformidade com Plano Nacional de Mineração 2030, que prevê até em cinco vezes o aumento de mineração no território brasileiro, atendendo a demandas da indústria de transformação e o mercado da produção de ferro e alumina, por exemplo. Empresas como Vale e Alumar são grandes pautadoras da política no cenário nacional, em conformidade com a bancada ruralista no Congresso Nacional. São as bancadas das commodities e monocultivos (ATINGIDOS PELA VALE, 2015).

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contribuições conceituais.

Sobre o bem viver, esse aporta na problemática da questão agrária como

leitura para além da contradição do próprio modelo do capitalismo e se constitui

como formas e processos de ruptura epistêmica, com bases na produção e trabalho,

nos significados do território, segundo as territorialidades gestionadas e ainda, no

sentido de comunitário (CECEÑA, 2012). Em países da latinoamérica como Equador

e Bolívia, o bem viver é compreendido como Sumak gamaña e sumak kawsay.

Segundo a autora, o bem viver é a resultante da contradição constituída no conceito

de desenvolvimento, retomando a dimensão da sociedade e da natureza enquanto

relação metabólica e práticas cotidianas, como segue:

El concepto de desarrollo, central en un tipo de comprensión del mundo y en su habilitación en función del dominio de la naturaleza por el hombre, y del hombre por el hombre, tiene que ser desmontado para abrir paso a nuevas formas de vivir, concebir y hacer, para transformar la materialidad de la vida, la territorialidad y las cosmovisiones. Las palabras son conceptos y son relaciones sociales e intersubjetivas. Los conceptos son expresión de los modos de vida, de la percepción y construcción de la objetividad y de la subjetividad, son orientadores de los modos de hacer y de pensar. El desarrollo orienta el modo de dirigirse a la naturaleza, de hacer uso de ella porque ése y no otro es su ethos, y define quiénes deciden el cómo, dónde, cuándo y para qué se establece la relación con las otras formas de vida y con las condiciones materiales planetarias. Seguir haciendo uso de la naturaleza no es convivir con ella. Es radicalmente opuesto a la concepción de la Pacha Mama como totalidad creativa, abierta, intersubjetiva, integrada y en proceso de permanente renovación del ser no delimitado sino explosivo. La vida en sus múltiples formas, con toda su potencia, no puede ser ordenada, ni racionalizada. No puede ser desarrollada, ni dirigida, debe ser dejada en libertad, bajo su propio arbitrio. Finalmente, mientras el capitalismo no insistió en disciplinarla, logró fluir y engrandecerse (CECEÑA, 2012).

Esta concepção de bem viver10 surge na ruptura do modelo colonial e na

retomada de processos originários, como desafios de permanência e garantia dos

territórios, outrora dizimados pelo modelo do capital. Léon (2010) discute esta forma

de conceber as estratégias como silenciadas ou repudiadas diante do modelo

colonial de ocupação vertical na América Latina. Os povos originários e tradicionais

são expulsos da centralidade de suas atividades, como forma de abertura para que 10 Para elementos de reflexão sobre o bem viver, observar Solá Pérez (2016), Gudynas e Acosta (s/d) e Dávalos (2008).

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o modelo colonial alcance o que é representado enquanto recurso pela natureza.

Ainda sobre esses recursos, a geopolítica da água e a disputa pelos territórios

apontam para um acirramento em curso pelo acesso, controle e utilização desses

bens naturais. Este modelo de negócio segundo as “águas” e os ecossistemas que

as contêm, tomam as agendas de investidura do capital, diante do maior consumo

nos processos industriais, seja no campo ou no chão de fábrica. O debate consta

nos escritos históricos de autores como Andrade (1980), refletindo a busca da água

enquanto dinâmica de migração dos povos e comunidades, realidade esta contida

na constituição histórica dos sujeitos no Nordeste. No fim do século XX e virada para

o XXI, a saída mercantil do estancamento econômico nacional a partir da agricultura

e exploração da natureza, acelerou os conflitos desta dimensão. Outro autor,

Thomaz Junior (2010), amarra a análise ao cruzar ações do capital com a oferta

hídrica, destacando que este cruzamento é uma estratégia da geografia canavieira

em curso: O capital tem à disposição elementos imprescindíveis para a marcha expansionista dos seus negócios. Além de contar com os favorecimentos dos investimentos públicos e também privados, e por isso disputa apoios, cabe colocar em evidência que os bons resultados/retornos obtidos são complementados/potenciados pelo acesso às melhores terras (planas, férteis, localização favorável e logística de transportes adequada). Mas não somente, pois o sucesso do empreendimento como um todo requer a garantia de acesso a água, seja superficial (grandes rios, reservatórios de hidrelétricas, lagos), por meio de intervenções, via de regra, represamentos de cursos d’água, seja subterrânea, sobretudo os aquíferos Caiuá-­Bauru e Serra Geral, no Centro-­Sul do País, índices pluviométricos satisfatórios e com regularidade adequada às demandas do ciclo vegetativo da planta (cana-­de-­açúcar, soja etc.) (THOMAZ JUNIOR, 2010, p.3).

Ainda na direção das alianças entre explorações de territórios, recursos

hídricos e mão de obra para produção de monocultivos, a celulose desponta como

grande produto de altíssimo valor agregado e processo biotecnológico de grande

complexidade em suas matrizes para plantação. Perpetua (2012), ao analisar o

modelo combinado e desigual na produção de celulose e papel no Mato Grosso do

Sul, questiona de forma estreita a aliança em conglomerado industrial, produção em

escala global e exploração desmedida dos territórios e mão de obra. Assim, a

celulose apresenta um quadro do modelo do capital que precisa de grandes

territórios para plantio e de exacerbados volumes hídricos para produção e

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intensificação da exploração da mão de obra no espaço agrário, como expressão da

ordem da reprodução sociometabólica do capital, nos termos de Mészarós (2011).

Os bens comuns, como água e o território, encontram-­se numa disputa

ontológica pela hidra capitalista, com ações diacrônicas do Estado de direitos e

disputas diretas pelo que os povos e comunidades tradicionais têm para sua

reprodução sociometabólica em suas vias. Muitas vezes, para o capital, tais formas

de reprodução não possuem expressões ou se quer conexões, uma vez que de

forma direta não agregam valor. Mas as agroestratégias remontam este estado

colonial de dominação, e até mesmo colocam nos títulos das políticas, instâncias tão

fundantes para reprodução destes sujeitos, a saber, o trabalho no grupo familiar.

Neste cenário contemporâneo, a questão agrária é palco das lutas e resistências

contra a hidra do capital11 (EZLN, 2015), pela garantia dos territórios e,

fundamentalmente, seus espaços geográficos da autonomia sócio-­política. Nesse

cenário desenhado, a silvicultura não surge como mais uma ferramenta de

dominação e exploração, mas congrega elementos da concentração fundiária em

suas múltiplas metamorfoses, como a grilagem de terras e territórios, a

contaminação dos corpos d’água e o fracionamento dos espaços do bem viver,

como as chapadas e os baixões no cerrado maranhense do Baixo Parnaíba.

Ainda mais, a questão agrária que aponta para uma distribuição de

instrumentos produtivos não é a pauta do modelo de contestação da hidra do capital

já que ela escraviza mais ainda os escravizados pelo modelo de produção refém dos

mercados e condicionantes das formas e estratégias de organização social. No atual

modelo, as associações recebem assédios diretos pelo capital verde e pela

responsabilidade social, uma vez que no discurso da reforma agrária estatal, há a

recolocação destes sujeitos sociais na escala regional de comercialização e

produção. Nestes termos, a reforma e a questão agrária tomam o centro da disputa

política e ideológica conceitual quando, nas suas estratégias de efetivação, rompem

com a lógica colonial mercantil das commodities e avançam na direção dos bens

comuns e da reprodução metabólica do bem viver que acabam fissurados diante da

construção moderna colonial. 11 Segundo o debate teórico construído pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, a hidra do capitalismo se refere à construção articulada do capital diante da autonomia e diversidade camponesa que, com alvo de controle e dominação, o capitalismo se mostra multi-­articulado em elementos territoriais, identitários e políticos, objetivando o controle do territorial, sendo este, um dos maiores trunfos de poder dos camponeses, por exemplo.

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CAPÍTULO 2. A GEOGRAFIA DA RESISTÊNCIA E DO CONFLITO NO ESTADO DO MARANHÃO: o Baixo Parnaíba em análise

O objetivo deste capítulo é desvelar as raízes históricas de ocupação e

formação da região leste maranhense, com atenção para a microrregião do Baixo

Paranaíba12, alvo de processos e transformações em sua estrutura agrária e

intensificação de conflitos, sobretudo, no desembocar de resistências territoriais.

Uma das pistas de compreensão desses eventos espaciais é a formação

dialética dos sujeitos sociais, suas origens e sua constituição ontológica, a partir da

dimensão do trabalho. Estes trabalhadores são camponeses, segundo seu modo de

reprodução societal e suas específicas instâncias de mediação metabólica com a

natureza.

Outra premissa que se faz salientar são as obras sobre a questão agrária e os

conflitos no Maranhão que possibilitaram essa escrita. Após investida na constituição

do estado da arte da produção para o Estado do Maranhão, segundo a Geografia,

tivemos o trato detalhado com outras ciências, como as Ciências Sociais, a

Economia e a História, por exemplo. Essa estratégia metodológica nos possibilita a

concretude material e histórica dos processos espaciais e suas implicações

territoriais, conflitivas e políticas, à medida que nos parece “um abrir” epistemológico

sobre o que, de fato, representa o Estado do Maranhão, segundo os conflitos

postos.

A justificativa para debruçar estudos sobre a microrregião do Baixo Parnaíba

maranhense é de natureza tanto política quanto ideológica, a partir da necessidade

de compreensão dos processos territoriais no Estado. Estudos como os de Ferreira

(2008), sobre as novas produções espaciais da soja no município de Balsas, sul do

Estado e Figueiredo (2008), ao se deter em pesquisas sobre áreas produtoras de

carvão vegetal para a cadeia industrial guseira a partir do babaçu, demarcam a

produção recente sobre um viés geográfico atento às dinâmicas recentes ditadas

pela lógica do capital, em detrimento, da racionalidade camponesa. Observou-­se

uma lacuna ao apreender tais processos segundo outra epistemologia e produção

12 A conceituação do Baixo Parnaíba maranhense tem o caráter político, segundo atuação dos movimentos sociais, como o Fórum em Defesa da Vida no Baixo Paranaíba. A delimitação extrapola os seis municípios da microrregião do Baixo Paranaíba maranhense, equiparando-­o geograficamente à mesorregião do Leste Maranhense.

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científica, que revele o protagonismo dos sujeitos, os camponeses maranhenses,

segundo eles mesmos.

Nas obras históricas, a partir da ciência geográfica, Orlando Valverde (1957)

nos remete ao Estado do Maranhão como possibilidade de leitura espacial da nação,

objetivando compreender hábitos e costumes das populações em áreas de transição

entre o Semiárido e a Amazônia Legal. Não distante dessa leitura de totalidade,

Ab'Sáber (2003), ao aportar os domínios morfoclimáticos brasileiros, cita o leste

maranhense como “região tampão”, perseguindo as classificações. Essas duas

ideias são noções do espaço geográfico, segundo a relação sociedade e natureza

que acompanha outras realidades, como no restante dos estados do Nordeste, de

acordo com a obra de Manuel Correia de Andrade, A terra e o Homem no Nordeste

(1980). É nesse cenário que pontuamos a abordagem histórica e geográfica,

segundo os sujeitos sociais e não sobre as classificações e regionalizações

propostas. Assim, não adotamos categorias de apreensão da realidade, mas

segundo a dialética marxista, avançamos em um estudo de cunho crítico que

objetive contribuir com a luta e a transformação dos camponeses localizados no

território em disputa. Ou seja, como resultado da análise, temos um giro teórico e

metodológico de compreensão do espaço agrário.

Para possibilitar a leitura do fenômeno geográfico em estudo no Baixo

Paranaíba Maranhense, a entrada territorial é o caminho explicativo, pois na

complexidade das disputas de poder, a lupa de leitura segundo a sociedade e a

natureza é apresentada como caminho de aproximação (e apreensão) com a

realidade. Raffestin (1993) contribuiu ao detalhar o sistema de forças na conjectura

territorial, pois fatores econômicos, políticos, sociais e culturais revelam a dimensão

do processo territorial enquanto um sistema interligado e dinâmico. Essa escolha de

abordagem nos inspira para compreensão da totalidade maranhense, a partir do

Baixo Parnaíba e nos avanços nas leituras geográficas sobre o Estado do

Maranhão.

Sobre os processos territoriais que ocorreram nessa região, pode-­se afirmar

que eles modificaram-­se após os anos 1990, uma vez que houve um avanço de

empresas para a mesorregião do leste maranhense e grande compra de terras com

perfil agricultável e de posição geográfica estratégica para o agronegócio. Desse

modo, segundo Paula Andrade (2012), a expropriação camponesa é a marca do

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modelo produtivo do capital em curso, com a incorporação de suas terras ao

mercado, objetivando usos da natureza como forma de espoliação da sociedade.

Segundo os dados da Comissão Pastoral da Terra (2014), 39% dos conflitos por

terra no Maranhão, em 2013, foram registrados no Baixo Parnaíba, totalizando

11.610 pessoas envolvidas nos conflitos. Sem mais, está posto a urgência de

análises geográficas para tal realidade. 2.1. AGRICULTURA E OCUPAÇÃO TERRITORIAL: o modelo econômico moderno-­colonial no Maranhão

A constituição do modelo de produção agrícola industrial maranhense é

revelada por alguns fatores, como: a intensa migração sulista pelas vias do cerrado

nordestino e central brasileiro (FERREIRA, 2008);; a estratégia localista do processo

produtivo em território de interesse do capital de baixo custo e estrutura técnica

escassa (BITOUN, 1980;; CANEDO, 2008;; FERREIRA, 2008);; a maciça interligação

dos territórios de produção e exportação dos recursos naturais existentes no Estado

(CARNEIRO et al., 2008;; 2013 e MALUF, 1977) e o modelo de produção baseado

em mão de obra de baixa remuneração e grandes territórios, compreendidos como

devolutos (PAULA ANDRADE, 2008;; GASPAR, 2013;; ALMEIDA 1983;; MAY, 1990).

Essas premissas nos ajudam a aprofundar a tese de que seja na produção agrícola

de commodities compreendidas no metabolismo da natureza pelo capital, ou seja,

na exportação dos recursos naturais como carvão vegetal e eucalipto, há um

embricamento político e ideológico na corporificação destes na esfera do modelo do

capital instalado no Estado do Maranhão;; e ainda, fundamentado na dimensão

ontológica do trabalho segundo a mão de obra empregada. Veremos, a seguir,

alguns elementos sobre essas duas delimitações.

Segundo Carneiro (2008), o modelo de agronegócio desenvolvido no

Maranhão possui feições econômicas de grande produtividade, superando os

valores de 85.000 toneladas de soja produzidas no leste maranhense, conforme o

quadro que segue:

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Quadro 2: Área plantada com soja dos principais municípios produtores no Leste Maranhense (2006)

Municípios Área Plantada (hectares) Quantidade Produzida (Toneladas) Anapurus 4.379 14.979 Brejo 7.920 26.611 Buriti 7.383 23.920 Chapadinha 1.380 4.306 Mata Roma 2.670 8.010 Milagres do Maranhão 950 3.135 Magalhães de Almeida 1.480 4.972 TOTAL 26.162 85.933

Fonte: IBGE. Org.: CARNEIRO, 2008.

Esse formato de produção também revela o perfil de um sujeito social do

agronegócio, a saber, dos produtores. Segundo Gaspar (2013), esse produtor

desenvolve atividades na área produtiva do agronegócio, mas se fixa,

majoritariamente, na sede do município, caracterizando uma tipologia de relação

com a terra, diferenciada dos camponeses históricos do leste maranhense, como no

quadro seguinte:

Quadro 3: Número de estabelecimentos por tipo de residência e naturalidade do produtor

Residência da pessoa que dirige o estabelecimento

Naturalidade da pessoa que dirige o estabelecimento

Microrregião de Chapadinha

Anapurus

Chapadinha

Buriti

Brejo

Milagres do

Maranhão

Urbano

Santos

São Benedito

do Rio Preto

Mata Roma

No estabelecimento Rio Grande do Sul 03 02 02 03 02 -­ 01 01 Santa Catarina -­ -­ 01 -­ -­ -­ -­ -­ Paraná 03 -­ -­ 02 -­ 01 -­ -­

No município: zona urbana

Rio Grande do Sul 03 01 -­ -­ -­ -­ -­ -­ Santa Catarina -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­ Paraná 01 -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­

No município: zona rural

Rio Grande do Sul -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­ Santa Catarina -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­ Paraná 01 -­ -­ -­ -­ -­ -­ -­

Fonte: IBGE, 2006. Org.: GASPAR, 2013.

Como subsídio para esse cenário, na perspectiva histórica e geográfica, a

dimensão da estrutura territorial maranhense descreve o legado das potencialidades

e usos feitos com o nordeste nacional, direcionando basicamente para a produção

agrícola de cana-­de-­açúcar e algodão. Segundo Ferreira (2008), as produções ali

atingidas são de cunho agroexportador e tem como característica no processo

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produtivo, a evasão da lucratividade para as colônias, em um regime empresarial

bem definido no século XX.

Mesmo com a potencialidade e a estratégia de cidades ou vilas, Bitoun (1980)

acerta sobre a importância na economia regional das estruturas urbanas em função

do comércio, uma vez que, nas proximidades dos centros rurais de produção, os

serviços não eram desenvolvidos e concentrados no âmbito da comercialização.

Essa característica avança com as décadas e nos anos 2000. Almeida (2014), ao

refletir sobre as cidades do leste maranhense que polarizaram os conglomerados do

agronegócio, como Chapadinha, reforça a dinâmica de serviços díspares em relação

às demandas e às necessidades da população, como a ausência de serviços de

saúde, de educação e de saneamento, em municípios altamente voltados para a

produção agrícola, como o município de Brejo, envolvido na dinâmica de soja.

A produção e a comercialização em larga escala de um tipo de produto

marcam os ciclos econômicos do sistema agrícola nordestino, e em destaque,

sistema agrícola maranhense. Andrade (1980:205-­6), ao descrever o processo de

ocupação territorial do meio-­norte (território compreendido entre o oeste piauiense e

a parte central maranhense) no século XVI, afirma que a economia é baseada entre

os “escambos de produtos da terra por produtos europeus de pouco valor”, como

também em uma economia de subsistência, regida por trabalhadores pobres e

livres. A repercussão desse entendimento se estende pelos séculos, como no século

XX, demonstrado por Valverde (1957) na figura que se segue, localizando os polos produtivos de babaçu no Estado. Para Andrade:

A população pobre e livre pouco trabalhava nos latifúndios, de vez que em região tropical úmida era abundante a oferta de alimentos pela natureza e poucas vantagens oferecidas pelo trabalho para os fazendeiros. Vivendo no meio do babaçual, a população rural pobre obtinha alimento com a caça, a pesca, a coleta de coco babaçu e pequenas roças de mandioca, milho ou arroz. Mantinha-­se isolada pequenas cidades, vivendo em uma economia fechada, de subsistência (ANDRADE, 1980, p.213).

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Figura 1: Localização dos polos produtores de coco babaçu e de carvão para a cadeia de carvão

vegetal Fonte: Valverde, 1957.

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Mesmo com a concentração do processo produtivo em ciclos econômicos, ou melhor, em algum produto específico para exportação – como o caso do babaçu, da cana-­de-­açúcar e do algodão –, essas atividades demandavam grandes quantidades de mão de obra que, devido à escassez, se apresentou como grande possibilidade de lucratividade para os colonos. Segundo Andrade (1980), a corrente de ocupação territorial no Estado, ora pelo litoral, com os franceses e portugueses, ora com os vaqueiros, que avançaram pelos leitos caudalosos dos rios Grajaú, Pindaré, Mearim, Itapecuru e Munim, tinham, em suas comitivas, grandes contingentes de mão de obra para comercialização. E, em meio às necessidades de ampliação dos cultivos e estruturação do processo de escoamento da produção, mais mão de obra se fez necessária, gerando um processo de escravismo indígena local (ANDRADE, 1980). Temos aqui, as marcas do processo de produção territorial com base nos conflitos.

O povoamento limitou-­se inicialmente à porção litorânea e à baixada maranhense, mais facilmente defendida, embora houvesse caminhos que iam a grande distância da costa, por onde os predadores de índios entravam à procura do seu produto comercial e por onde os índios muitas vezes desciam a fim de fazer guerras aos seus inimigos. Estas lutas entre colonos e indígenas seriam causa de tremendas divergências entre os colonos e os jesuítas que, desejando catequizar os indígenas e aldeá-­los, opunham-­se tenazmente à sua escravização (ANDRADE, 1980, p.206).

Esses trabalhadores também são caboclos (VALVERDE, 1957), com

atividades específicas, como a relação metabólica com a natureza, ou seja, há uma

contribuição da reprodução desse sujeito enquanto classe trabalhadora tão

importante para o modelo agrícola que perdura na contemporaneidade. Segundo o

autor, o processo é rudimentar por apresentar razões como o desempenho de

atividades da natureza, segundo a prática da coleta, à medida que revela

necessidades. E, ao mesmo tempo, percebe-­se a soberania desse sujeito social

para além das relações capitalistas observadas, como, por exemplo, a demanda

pelo consumo. Outro aspecto relevante para entender essa dinâmica é a divisão

sexual do trabalho, observada durante a pesquisa de campo do autor, na década de

1950. Para ele, havia uma prática do “mando” estabelecida na relação de gênero

diferentemente da atualidade, como constatamos a seguir:

A extração de amêndoas de babaçu é feita segundo um sistema muito rudimentar de coleta comercial. Quando o caboclo precisa de dinheiro, penetra no babaçual, ou manda a mulher, para trazer coquilhos. Estes são amontoados em frente à casa de moradia, onde as mulheres e crianças fazem a quebra do coco. Para isso usam um

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machado que elas mantêm de gume virado para cima prendendo-­o com as pernas;; enquanto com uma das mãos manejam o coquilho sobre a lâmina, ao mesmo tempo, com a outra, vão dando pancadas com um pedaço de pau. Reunida a produção de um dia, vão os caboclos vendê-­la na venda mais próxima. Se eles trabalham como rendeiros, parceiros ou assalariados são obrigados a vender sua produção de amêndoas ao dono da terra. No caso de trabalharem por conta própria, fazem às vezes negócio com motoristas de caminhão que vêm geralmente de Fortaleza ou do Recife e trocam as amêndoas de babaçu por tecidos, utensílios ou gêneros de alimentação (VALVERDE, 1957, p.387).

Afinal, quem é o sujeito social denominado de caboclo por Valverde?

Tentamos responder a essa pergunta remetendo-­nos a Andrade (1980), que afirma

que com a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-­Pará e do Maranhão,

um intenso mercado negreiro se deu, com maior concentração dos escravos no vale

do Itapecuru-­Mirim. No local também existiam poucos trabalhadores livres, de

característica pobre, que desempenhavam atividades como caça, pesca e

extrativismo, nos vales de babaçuais. Além dos negros, a mão de obra indígena

também era presente, mesmo em menor quantidade, por conta dos extensos

genocídios em curso devido à acumulação de terras e o avanço do litoral. Em

meados de 1888, a população de escravos foi alcançando a liberdade e se

concentrando em meio aos cocais e as florestas, oriundos das extensas plantações

de cana-­de-­açúcar e de algodão. Esta diversa descrição dos sujeitos presentes na

cultura agrícola-­agrária no Maranhão possibilitou a Valverde, no século XX, a

compreensão do caboclo como resultado destas trajetórias culturais, marcado por

traços ligados fundamentalmente a sua relação metabólica com a natureza, a saber:

a produção em áreas comunais;; o trabalho agrícola baseado em lavouras

temporárias;; o trabalho familiar;; o uso complementar dos espaços da natureza (tanto

das Chapadas como Baixões, por exemplo, (PAULA ANDRADE, 2012) e a utilização

dos recursos da natureza para alimentação e manutenção do gênero de vida,

segundo os saberes e tradições herdados historicamente (tanto dos indígenas,

quanto dos negros e de migrantes livres de outras regiões do Brasil).

O quadro maranhense apresentado sobre a agricultura, com foco no leste do

Estado, possibilita subsídios para a compreensão dos conflitos territoriais em curso,

a partir das dimensões metabólicas e do trabalho, como cernes dos embates postos

entre posseiros e quilombolas em direção à Suzano Papel e Celulose S. A., por

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exemplo. O uso da natureza na complementaridade do gênero de vida, mediado

pelo trabalho é diametralmente diferente da racionalidade, da interpretação e da

apreensão dos gêneros de vida para as Empresas que se instalaram historicamente

naquele local. A fragilidade contida na posse da terra é estratégia de ocupação

territorial destas Empresas, uma vez que, como visto, a ocupação por parte das

populações tradicionais e históricas se deu segundo o modelo colonial exportador da

agricultura desenvolvida no Maranhão pelos colonos. Sobre a disputa pela posse de

terras no Estado, essa sempre foi reivindicação daqueles que chegaram,

deflagrando conflitos que há três séculos acompanham a estrutura fundiária do

Estado. O desdobramento de tal embate é desenvolvido adiante, como forma de

exercício da compreensão sobre a qual Estado do Maranhão estamos nos referindo

em meio ao ordenamento territorial do capital em curso.

2.1.1. A trajetória histórica do conflito no Baixo Parnaíba: a silvicultura em foco

Do ponto de vista histórico, o desenvolvimento geográfico da empresa

Suzano Papel e Celulose S. A. nos remete para o ano de 1983 quando esta

concentrou suas atividades em Urbano Santos, na mesorregião leste maranhense·,

tendo como objetivo a implantação de plantios comerciais com o gênero Eucalyptus.

Porém ocorreu uma inadaptabilidade das espécies de eucalipto utilizadas, levando a

empresa a iniciar uma série de pesquisas, visando à seleção de clones adaptados

às condições edafoclimáticas da região.

Atualmente, são cerca de 500 hectares de eucalipto plantados em caráter de

pesquisa, distribuídos em cerca de 10 municípios, em estágios diferenciados de

desenvolvimento, com resultados que possibilitam a seleção de clones com maior

produtividade e melhor capacidade de adaptação, entre outros fatores de

desenvolvimento. Todavia, o avanço de qualquer empresa que tenha a terra como

condição primeira para a expansão do agronegócio da silvicultura não se faz sem

conflitos, sem disputas territoriais.

Mais visível ainda é que, apesar de todo esforço de desenvolvimento que tem

sido empreendido no estado do Maranhão, esta unidade da federação perpetua-­se

como uma das mais contrastantes socialmente no Brasil. Tal característica continua

sendo utilizada por planejadores e empresários como justificativa para a

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continuidade dos ciclos de projetos de desenvolvimento econômico que, porém,

historicamente, nunca trouxeram a prevista distribuição de riquezas e melhor

qualidade de vida à população local, lugar-­comum nos Estudos e Relatórios de

Impactos Ambientais (EIA/RIMAs) desses projetos. À título de ilustração, segundo

Ferreira (2008), mais de 26% dos 6 milhões de habitantes do Estado não são

alfabetizados, mais de 50% dos domicílios não têm acesso a esgotamento sanitário

e, 48,87% dos maranhenses recebem até 1 (um) salário mínimo.

E, na esteira do processo de desenvolvimento, encontramos a Suzano,

empresa que vem na esteira do processo de industrialização e modernização do

Brasil, consequentemente do Maranhão. No entanto, projetar a ideia de progresso

requer a materialização na forma de plantios florestais, plantas industriais, acessos

rodoferroviários, portos, que viabilizam o conteúdo do processo de produção,

distribuição e circulação global do capital. Não obstante, ao fixar dinâmicas de

acumulação, a implantação de tais projetos, bem como a sua conseguinte operação,

não se realiza sem romper o equilíbrio existente no meio ambiente.

Ao pensarmos no meio ambiente, não podemos deixar de citar os sujeitos

sociais que habitam esses locais invadidos pelo agronegócio. Por isso, lançamos

mão dos relatos dos camponeses13 , o que nos permite delinear e compreender a

situação da luta de classes. E, mais do que isso, nos alerta para o fato de que o

processo de regularização fundiária da região, na contemporaneidade, caminha a

passos lentos e, aproveitando-­se dessa situação, a Suzano moveu uma ação contra

os camponeses na qual atestava que a área de alguns povoados era propriedade

dela. Como exemplo de estratégia da empresa para entrar com mais facilidade nos

povoados pesquisados, podemos citar a tentativa de “piçarrar” (aplanar e colocar

piçarra na superfície de estradas, já que o percurso é arenoso) o acesso ao povoado

de Vertente, o que indicaria o início das atividades da Suzano no território da

comunidade, consequentemente o acesso às chapadas.

De acordo com alguns camponeses de Vertente, a Suzano alega ser dona de

aproximadamente 3.000 dos 5.466 hectares do povoado. A empresa alega ter

comprado esse terreno, mas sem comprovante;; o Estado, na figura do Instituto de

13 Em se tratando da luta de classes, como a possibilidade de que os camponeses e trabalhadores com quem travamos diálogos e conversas sejam objeto de ações judiciais por parte da empresa, resolvemos resguardar o anonimato das pessoas que nos ajudaram a compreender sua situação e dos seus grupos frente à territorialização da empresa.

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Terras do Maranhão (ITERMA), por sua vez, aponta que a terra é devoluta. Tais

camponeses contam que, desde meados dos anos 2000, a Suzano intenta desmatar

as áreas de chapada e fazer o plantio de eucalipto. Um dos casos de conflito se dá

no polo Coceira, município de Urbano Santos, onde a situação é a seguinte:

[...] [a] resistência das famílias do chamado Polo Coceira [...] redundou na judicialização do caso e na acusação, pela empresa [Suzano Papel e Celulose], de vários trabalhadores que resistiram à devastação de uma área de chapada que, segundo eles, lhes pertence. Sendo assim, as famílias de Baixão da Coceira I, Lagoa das Caraíbas, Coceira e São José, por seu lado, movem, desde 2006, processo junto ao ITERMA [Instituto de Terras do Maranhão], questionando a legitimidade dos títulos de terra apresentados pela Suzano e afirmam se tratar de terras devolutas (PAULA ANDRADE, 2012:144). Em 20 de agosto de 2012, o ITERMA – o órgão fundiário estadual –, dando seguimento à denúncia feita pelas Associações de Moradores do Polo Coceira, informou às lideranças em audiência que as terras reivindicadas pela Associação de Moradores de Baixão da Coceira I e pela Associação de Moradores de Coceira fazem parte de uma área maior de terra denominada Gleba C, de 13.600 hectares, pertencente ao Estado do Maranhão, tendo sido arrecadada por meio de ação discriminatória administrativa realizada no começo da década de 1980, conforme constam em Portaria 141/81, do ITERMA, e Livro de Registro Geral de Imóveis de nº 2, fls. V.167, Matrícula nº 302-­A, data de 25 de junho de 1983 (Serventia Extrajudicial Comarca de Santa Quitéria do Maranhão/MA). O que significa que boa parte das terras onde a empresa Suzano Papel e Celulose pretende implantar ou já vem implantando suas atividades na região trata-­se de terras devolutas estaduais (CARVALHO, 2012, p. 185).

Diante do açambarcamento de terras devolutas, os camponeses ocuparam e

autodemarcaram áreas de chapadas que utilizam há séculos e que reclamam como

parte essencial do seu território, e, assim, ocorreu o choque de interesses

camponeses versus agricultura capitalista. Estas ações geram (re)ações de natureza

contra-­hegemônica, tais como acampamento e vigília na área autodemarcada,

confronto direto quando houve ameaça iminente à preservação de tais áreas, até

recorrerem, pôr fim, às denúncias pelos movimentos sociais, junto ao Ministério

Público, imprensa, órgãos fundiários e ambientais (OLIVEIRA, s/d).

É comum nos depoimentos dos camponeses relatos de que foram

ameaçados e de que a própria Suzano Papel e Celulose S. A. tenta invalidar

documentos do ITERMA, bem como diz ter adquirido as terras e pagar o Imposto

Territorial Rural (ITR) desde o ano 2001. Com isso, a situação de conflito fundiário

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faz com que os camponeses se queixem da demora na resolução dessa questão,

por parte dos órgãos competentes do Estado, como é o caso do ITERMA – no

âmbito estadual, e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)

– no âmbito federal.

No entanto, os camponeses rebeldes, que não aceitaram a perda da relativa

autonomia que gozam junto ao seu lugar social14, resistiram e resistem à intentona

da empresa e, vários deles, de diferentes povoados, se reuniram para enfrentar a

empresa que se diz proprietária das terras. Esses camponeses ainda alegam que a

Suzano matou muitos animais, caças, destruiu muitos pés de bacuri e pequi, via

correntão.

2.2 A resistência camponesa – história e trajetória dos povos no Maranhão

A ocupação e produção territorial do Maranhão têm marcas precisas, que

perduram em sua trajetória histórica e geográfica. Faz-­se necessário frisar que o

processo produtivo e territorial com marcas no monocultivo e espoliação das

relações de trabalho, além do máximo uso da natureza enquanto recurso, não se

demarca enquanto peculiaridade do Estado. Referimo-­nos ao modelo moderno-­

colonial de lucratividade em curso na contemporaneidade, expressa nos termos de

Mézáros, na ordem de reprodução sociometabólica do capital (MÉZÁROS, 2011).

Desse modo, ao traçarmos uma perspectiva histórica sobre o caso do

Maranhão, dialogamos com diversos autores – Valverde (1957), Andrade (1980) e

Ferreira (2008) – que afirmam que o resgate histórico, , aponta para uma geografia

maranhense segundo as disparidades políticas e territoriais. Ao mesmo tempo, nos

desperta para a presente demanda de produção e sistematização do conhecimento,

segundo a análise geográfica, de uma lacuna de reflexões e intervenções que

demarquem a lógica da questão agrária.

A extrema produção de produtos agrícolas segundo os ciclos revela a

concentração do capital para a produção de um território especializado, com atenção

para a exportação e o controle de diretrizes externas. No âmbito político, o que nos

ressalta, de forma analítica, é a permanência dos centros de decisão na iniciativa

14 Valemo-­nos aqui das observações do geógrafo Armando Corrêa da Silva (1991), quando este sentencia: “O lugar social não existe sem o grupo social que lhe e próprio, como ter, ser, estar e haver”. Por isso, compreendemos que o lugar social é marcadamente humano e o espaço é o âmbito da existência, das produções e reproduções humanas objetivas.

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privada e do capital. E, seja na exploração do babaçu ou do algodão, os fazendeiros

ou empresários descreviam o formato de ordenamento do território, segundo a

validação do capital empoderado. Consequentemente, camponeses, quilombolas e

trabalhadores livres não detinham tais decisões, pois eram alienados à estrutura da

relação de trabalho estabelecida.

No século XX, várias programas e projetos políticos foram desenvolvidos no

Maranhão, um deles foi o PRODECER III. Em meio a tantos investimentos, a

iniciativa privada continua entoando a tônica da utilização dos investimentos, como

na migração dos gaúchos no sentido sul-­leste do Estado (GASPAR, 2013). É uma

estratégia de direcionamento das políticas públicas para que possa, mesmo sem

estrutura e logística adequada para o empreendimento específico, gerar

lucratividade e ocupação territorial. A Suzano Papel e Celulose S. A. expressa esta

dinâmica, uma vez que nos relatos históricos do leste maranhense, já existiu a

compra de terras para fixação territorial (PAULA ANDRADE, 1995). Observamos,

deste modo, que mesmo sem estar corporificada no Estado, as Empresas

subsidiárias já existiam, como a MARFLORA e MARGUSA. É o que poderíamos

chamar de operação do capital em suas múltiplas representações.

Analisando o contraponto, nesse caso, os camponeses, eles já demarcaram

seu gênero de vida e estratégia de reprodução metabólica, frente às transformações

descritas. Detentores de mão de obra única e rara para os empreendimentos

agrícolas instalados foram progressivamente substituídos pela mão de obra escrava,

com os avanços de correntes de ocupação no século XVII (ANDRADE, 1980). E

com as crises dos ciclos econômicos, pode lutar por direitos e permanência na terra,

justificada pela ocupação histórica de territórios de uso comum e utilização

complementar da natureza, como nos baixões e chapadas.

Estas marcas acompanham esses sujeitos nos conflitos agrários no leste do

Estado possibilitando o reconhecimento identitário e fundiário, de espaços de

resistências frente ao avanço do agronegócio sojicultor e de eucalipto. Nesses

casos, o próprio uso da natureza para reprodução, seja no cerrado, seja nos

babaçuais, descreve quem seja este sujeito camponês e quais as suas

reivindicações, mesmo que históricas, na pauta da mobilização territorial.

A apreensão sobre o Maranhão, suas demandas e seus sujeitos, revela uma

geo-­história de conflitos, espoliação e usos da natureza, amparado por um centro de

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decisão externo e de grandes investimentos locais (ACSELRAD;; BEZERRA;; 2010),

aportando caminhos que são locais de emancipação e transformação da estrutura

fundiária;; demonstrando a resistência confirmada pela coleta de material e pelas

reflexões analíticas, junto aos próprios camponeses e o caminho do embate local,

como extensas transformações no imaginário e na constituição política territorial do

Estado.

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CAPÍTULO 3. O DILEMA CONCEITUAL DA NATUREZA, TERRITÓRIO E DESENVOLVIMENTO: ENTRE PARADIGMAS, DOMINAÇÕES E RESISTÊNCIAS

Este capítulo trata de reflexões que se referem a lutas e resistências dos

trabalhadores rurais do Baixo Parnaíba maranhense, desenvolvidas frente à

produção agroexportadora de soja e de eucalipto, afirmando como fundamentais

para sua reprodução, os usos da natureza, a posse histórica da terra e seu modelo

produtivo, que entrelaça espaços tanto da chapada como dos baixões, em um único

território.

Segundo ALMEIDA (2014) e PAULA ANDRADE (1995, 2012), chapadas são

territórios destinados para pesca, extrativismo e pecuária. Além dessas atividades,

há a extração de fontes medicinais e a produção de produtos beneficiados, como o

sabão de coco babaçu. Concomitantemente, são áreas de topografia plana e

equilibrada e foco de investimentos para uso em atividades econômicas

mecanizadas.

Já os baixões são áreas úmidas localizadas nas proximidades das chapadas

e também presentes em sua delimitação territorial, recebendo a classificação de

morros e capões (ALMEIDA, 2014;; PAULA ANDRADE, 2012). Eles representam um

ambiente que completa a dimensão do uso pelos camponeses, em que realizam

lavouras temporárias de mão de obra coletiva ou consorciada.

Ainda enquanto objetivo deste capítulo, pretendemos refletir sobre os usos e

as vinculações entre os conceitos de natureza, território e desenvolvimento, bem

como seus usos, intervenções e, ainda, considerações sobre os enigmas territoriais

dos sujeitos sociais em vias do avanço do modelo capitalista no campo. Afinal,

pensar em utilização conceitual em meio à contestação de modelos hegemônicos se

faz necessário como perspectiva de permanência, reprodução e horizontes de

formas e processos de vida, que não passam estritamente pelos usos da natureza,

produção de territórios homogêneos e, de alguma forma, justifiquem o tipo de

desenvolvimento posto.

Embebidos nesta análise, abordaremos as ideologias empregadas e os usos

desses conceitos. O conceito de natureza, por exemplo, não representa algo para

ser transposto ou elemento fundamental para a produção;; os seus usos e

concepções possuem entendimentos bem delimitados, revelando opções políticas e

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rumos trilhados. Reportamo-­nos aos movimentos conceituais que as grandes

corporações utilizam em suas ações, mediante a realidade social destoante da

lucratividade alcançada nos territórios-­alvo. São os conceitos para embasar a

compreensão de desenvolvimento.

3.1. Da natureza ao modelo de desenvolvimento: demarcações territoriais

O movimento teórico aqui proposto parte da articulação conceitual entre

natureza e desenvolvimento, revelada em ações políticas (e de poder) no território.

São conceitos que trazem consigo história e processos de formação como álibi para

sua utilização. E, em sua concretude e coroamento – de forma territorial –, apontam

caminhos e definições dos sujeitos e dos usos conceituais, ou seja, para que

serve(m) e para onde aponta(m).

A diversidade de usos e empregos dos conceitos revela a construção social

da ciência contemporânea, com uma diversidade de formas e origens, desde

formatos que dialogam com os diversos saberes (ALVES, 2008), passando aos

modelos acadêmicos estruturais (SOUSA SANTOS, 2008) e chegando àqueles

ligados às formas de luta e de contestação social (CRUZ, 2013b;; SOUSA SANTOS

& MENEZES, 2010). É a existência de uma permanente constelação de conceitos15

(HAESBAERT, 2010), ancorada nos movimentos da sociedade, seus rumos e

incongruências, também justificados pelas constantes utilizações com razões e

objetividades, como observado em políticas públicas estatais. Ou ainda, de forma

mais analítica, é a forma derivada dos conceitos, ou seja, são aqueles conceitos que

surgem a partir do conceito central ou nuclear, como resultado e desdobramento dos

usos (CRUZ, 2013a). É a utilização de conceitos de diversas formas como

justificativa de ações e, nem sempre, a apreensão da realidade concreta em

questão.

Em revelia a esse processo contraditório, baseado nos “usos”, existe uma

hermenêutica social, que caracteriza a emergência de uma polifonia política16;; é a

15 A constelação revela as relações entre conceitos, seus entrelaçamentos e a presença de seus “planetas” e “satélites”: acionamentos teóricos para embasar a formulação científica. O autor ainda alerta que os conceitos possuem sua validação frente a uma identificação que lhe é dada, ou seja, é na abstração do outro sobre a essência conceitual que temos a imbricação dos conceitos, ou seja, seus usos (HAESBAERT, 2010). 16 Para Cruz (2013a), o termo se refere à presença de sujeitos sociais após os anos 1980, no contexto das mudanças da dinâmica política dos conflitos sociais do mundo rural na América Latina, como os povos e comunidades tradicionais, na luta por território e significação política, utilizando-­se

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expressão de formas e de entendimentos da epistemologia dos conceitos em

situações conflitantes. É a busca por definições sólidas que se possam estabelecer

compreensões da realidade de maneira clara, objetiva e, de forma enérgica, romper

com os “usos” descomprometidos conceitualmente.

Paralelamente, como em outras ciências, na Geografia temos que esses

entendimentos dizem respeito à potencialidade conceitual, sua relevância e

amplitude de utilização, que são formas e reproduções dessa área da ciência. Desde

uma Geografia posta aos diagnósticos até a compreensão de um conhecimento

científico humanista e integrador, com leituras e interpretações do espaço. O referido

debate sobre os caminhos conceituais que a Geografia tem tomado não é alvo deste

texto, uma vez que focamos nos usos de definições sobre natureza, território e

desenvolvimento para além dos limites da dessa ciência e com âncora nas leituras

políticas em questão.

No mote sobre a dimensão teórico-­conceitual, compreende-­se como essencial

para as análises territoriais, e nas escolhas sobre políticas de desenvolvimento, a

discussão sobre o conceito de natureza, ainda alvo de disputa. No âmbito territorial é

a condição de reprodução dos sujeitos sociais;; na perspectiva do desenvolvimento,

é também o objetivo de sua aplicação e fundamentação, mas acima desses

pressupostos, é a transformação da intenção política em plano de gestão e razão

das ações.

Segundo essas diferenciações iniciais, partimos de um espectro que perpassa

o geográfico para a compreensão sobre natureza e seus embates conceituais, no

dilema político de usos e feições temários.

3.1.1. Natureza como polissemia conceitual

Nas sociedades capitalistas, a unicidade entre o ritmo da natureza e o ritmo da vida humana é rompido (MOREIRA, 2006, p.74).

A dimensão da natureza na Geografia possui centralidade em diversos

debates, como aqueles ligados ao papel dessa ciência, passando pelo o que seja a inteiramente de conceitos históricos e diversos, como camponês, quilombola, atingido, assentado, por exemplo. Tais conceitos outrora não estavam presentes no discurso e no foco das disputas territoriais, decorrente da invisibilidade dada a estes sujeitos.

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natureza e os usos geográficos do natural. Delimitamos também que neste amplo

campo de debate, não nos deteremos em pensar o natural como algo do legado da

Geografia física e humana, pois nessa matriz de pensamento existem problemas

sérios, como aponta Moreira (2008):

(…) lugar do homem: é um homem atópico, não está na natureza (foi excluído da geografia física) e não está na sociedade (foi excluído da geografia humana). Não estando num mundo e noutro, é um homem reduzido a categoria da população e população como expressão estética (pode ser tudo e qualquer coisa) e opaca (nada é social e ou naturalmente definido);; 2) o segundo refere-­se ao lugar correlato da natureza: é uma natureza confundida com os fenômenos naturais do entorno, coisas físicas e fragmentárias;; 3) por fim, o terceiro e último refere-­se ao modo de encaixe da relação: homem e natureza se deparam, numa recíproca relação de externalidade, e então o que era uma relação do início não evolui como tal e se projeta sem nenhum plano de convergência no curso e no fim do processo, movendo-­se como realidades dicotômicas, vagas, sem lenço e sem documento (MOREIRA, 2008, p.111).

O desencaixe é resultado de constantes movimentos tanto científicos quanto

sociais, partindo da dimensão da apreensão da natureza como objetivo de ações e

apropriações territoriais e de desenvolvimento. Ou seja, pensar a natureza deve

representar um movimento científico e político, renegando as suas separações e a

sua exterioridade17 (SMITH, 1988), e em direção à “plenitude” dos ritmos.

O mundo capitalista tem suas próprias dinâmicas e elas produzem tanto o

“consumo físico quanto o intelectual da natureza” (SMITH, 1988:27), decretando o

desafio e a complexidade de sua percepção, em meio a tantas mudanças de ritmos.

Outra leitura de mundo, para além dos consumismos, tem sido alvo de estudos e

investigações de autores contemporâneos, como Aguiar (2007), Lander (2005), Cruz

(2013b), Ploeg (2008) e Sousa Santos e Meneses (2010). Em direção ao re-­encaixe

homem e natureza ou a formas de superação do desencaixe, os autores citados

dedicam escritos para refletir sobre a natureza, segundo experiências e movimentos 17 Para Smith, existe uma diferenciação sobre o conceito de natureza que deve ser considerado ao pensar o processo de produção do espaço, a saber: a natureza que é externa, no significado de “uma coisa, o reino dos objetos e dos processos que existem fora da sociedade” (1988:28). Essa é “a fronteira que o a capitalismo industrial frequentemente faz recuar” (op. cit.);; e universal, que “em contradição à concepção exterior de natureza, a concepção universal inclui o homem com o não-­humano da natureza” (op. cit.). O dualismo apresentado remete aos movimentos de produção espacial, como o território (externo), produto de apropriação e de valores decorrentes da detenção do capital e território (universal), aproximado semanticamente da práxis dos sujeitos da natureza, segundo seus modos de vida e produção.

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de autonomia territorial.

Nesse sentido, a dimensão da natureza tem um caminho revelador, uma vez

que os encontros e desencontros em sua perspectiva são feitos nas relações entre

sujeitos sociais hegemônicos18 e contra-­hegemônicos19, suas trocas e lutas por

permanência e por reprodução. Estamos diante do que autores como Thomaz Jr.

(2006) definem como ser social, aquele que no âmbito da luta reproduz sua

condição enquanto trabalhador e utiliza da natureza como caminho de perpetuação.

Ou seja, a natureza é a dimensão, a priori, para que o ser tenha elementos para

continuidade nas relações que estabelece, seja no conflito territorial, seja em sua

dimensão ontológica de reprodução e trabalho. Dentre as dimensões dos processos

de reprodução, o uso da natureza é central nas leituras segundo o materialismo

histórico e dialético contemporâneo. Ela é concebida como “um objeto do trabalho

no processo de produção” (SMITH, 1988:48), revelando o quanto esta realidade está

imbricada com a sociedade, renegando o dualismo ou externalidade presente nos

textos de Kant (apud SMITH, op. cit.).

Os usos conceituais e materiais da natureza são permanentemente

conflitantes, uma vez que o jogo dos conceitos escreve trilhas dos sujeitos

envolvidos, suas estratégias e suas intenções. Podemos enumerar diversas dessas

estratégias, mas no momento duas são elucidativas: a natureza como expressão do

gênero de vida (MAY, 1990;; HAESBAERT, PEREIRA e RIBEIRO, 2012) e a natureza

usada como agroestratégia (ALMEIDA, 2010).

Na conceituação sobre gênero de vida, categoria histórica para a Geografia e

desenvolvida por Paul Vidal de la Blache (HAESBAERT, PEREIRA e RIBEIRO,

2012), em um texto que data de 1911, o conceito é compreendido nas ações

humanas em relação aos biomas da América, Rússia e Argélia, como segue: (...) as mudanças geográficas trazidas pela substituição de um

18 Hegemonia revela a dimensão territorial de dominação e opressão, condicionando sujeitos sociais segundo interesses, para corresponder uma lógica vertical de concepção de mundo. O modelo posto vertical – e opressor – renega formas, saberes e processos de concepção da natureza, concebendo a práxis do sujeito social oprimido apenas como algo sem condição científica ou de relevância material para a sociedade;; algo vago, vazio e desprezível. 19 Contra-­hegemonia é compreendida segundo a definição que diz respeito ao “(...) reflexo do movimento de mobilização dos atores, diante das relações de poder estabelecida, a fim de ocupar novos espaços e/ou espaços já alicerçados, que resultem assim da postura discordante diante dos eventos colocados” (COSTA, 2012, p.96). A natureza pode representar um movimento contra-­hegemônico uma vez que revela o jogo de poder frente ao movimento do capital, segundo bases sociais, econômicas e políticas.

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gênero de vida por outro. Assistimos nessas áreas a transformações que não constituem apenas na introdução de elementos novos, mas que perturbam todo o equilíbrio anterior da natureza viva, causam um abalo profundo, que se estende até a natureza inorgânica (HAESBAERT, PEREIRA e RIBEIRO, 2012, p.132). (…) Um gênero de vida constituído implica uma ação metódica e contínua, que age fortemente sobre a natureza ou, para falar como geógrafo, sobre a fisionomia das áreas. Sem dúvida, a ação do homem se faz sentir sobre seu meio desde o dia em que sua mão se armou de um instrumento;; pode-­se dizer que, desde os primórdios das civilizações, essa ação não foi negligenciável. Mas totalmente diferente é o efetivo de hábitos organizados e sistemáticos que esculpem cada vez mais profundamente seus sulcos, impondo-­se pela força adquirida por gerações sucessivas, imprimindo suas marcas nos espíritos, direcionando em um sentido determinado todas as forças do progresso (HAESBAERT, PEREIRA e RIBEIRO, 2012, p.132).

A compreensão da natureza enquanto condição de reprodução, ação e realização de

atividades do trabalho é feita como processo histórico e reprodução social. Cabe o

entendimento de que a ação humana, consubstanciada na dimensão do trabalho20,

revela os processos humanos de transformação e usos da natureza, imprimindo

marcas em sua fisionomia. Ação esta que é dinâmica e substituída por outros

gêneros de vida e, de maneira processual e não evolutiva, serve de trilha para

outros modelos de progresso. É inevitável a discordância na construção social dos

empregos dos gêneros de vida, suas práticas e seus resultados, mas a condição de

reprodução social está posta como condição trivial das ações em gênero de vida,

conforme outro momento do texto que segue.

Essa ação é tão forte que corremos o risco de ser enganados por ela. As categorias que se apresentam ao nosso espírito de forma tão clara, como o estado pastoril, o estado agrícola e outras classificações sociológicas, estão longe de corresponder a contrastes tão claros na natureza. Esses contrastes devem-­se ao fato de que pastor e agricultor, para nos atermos somente aos dois gêneros de vida mais evoluídos, são dois seres que se tornam socialmente muito diferentes por um conjunto de hábitos e concepções nascidos

20 Para Thomaz Junior (2003), o trabalho revela a dimensão social da atividade empregada na estrutura social com base na relação metabólica com a natureza, desenvolvendo e sendo desenvolvido como condição de reprodução do sujeito social, seja trabalhador rural ou industrial, por exemplo, ou em sua classe específica no corpo societal. A natureza é condição de reprodução e condicionante – não alienante – para a realização de sua atividade de reprodução, amparado pelo limiar técnico, para seu desempenho.

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precisamente da diferença do gênero de vida que praticam. Há discordâncias irremediáveis na ideia que cada um desses seres sociais faz da propriedade, dos laços de família, de raça e do direito. O direito, para um, é territorial;; para o outro é essencialmente familiar. Mas essas oposições apenas muito indiretamente são fatos da natureza (HAESBAERT, PEREIRA e RIBEIRO, 2012, p.133).

Já o autor Peter May (1990), realizou uma ampla pesquisa sobre os efeitos da

transformação agrária e da inovação industrial, focando no papel histórico e o

potencial de desenvolvimento das florestas de palmeira babaçu (orbignya phalerata)

no Estado do Maranhão. Nos seus escritos, observamos a descrição do gênero de

vida como objeto de disputa econômica e social, uma vez que os trabalhadores

rurais são foco de investidas por latifundiários, em busca do seu gênero de vida

ligado à utilização de sua mão de obra.

(...) Os agricultores itinerantes precisam ter acesso a grandes extensões de terra, para que algumas áreas sejam deixadas em descanso e assim recuperarem os nutrientes através de ciclagem da própria vegetação em decomposição. Somente após um ciclo de descanso suficientemente longo, a produtividade das culturas compensaria o esforço necessário para desbravar as terras novamente a cada um ou dois anos. Em muitas regiões dos trópicos, os ciclos de descanso têm sido reduzido ou eliminado como resultado da pressão populacional ou de obstáculos ao acesso às terras, o que tem acarretado declínio na produtividade agrícola e degradação dos recursos florestais (SANCHEZ, 1979;; KUNSTADTER et al., 1978;; BELSKY, 1985 apud MAY, 1990, p.18).

Assim, seja no desempenho de suas atividades, nas disputas pela apreensão do

sujeito do gênero de vida, ou ainda na realização e perpetuação do ser, a natureza

revela um campo de disputa presente nos debates e nas produções sociais. E os

conceitos acionados a partir da natureza reforçam o jogo político e ideológico,

corporificando até mesmo as agroestratégias que, de acordo com Almeida (2010) é

uma representação da utilização conceitual em dimensões conflitantes. O texto

aprofunda um debate das dimensões do agronegócio no Brasil contemporâneo,

fundamentalmente, com a atuação de agências multilaterais como o Banco Mundial

(Bird), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização Mundial do Comércio

(OMC). Tais agências têm em sua linha de atuação a mobilização da dimensão

natural dos territórios em questão como realidade passível de investimento,

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apreensão e, para além da dimensão econômica, a ideologia de que dos povos e

comunidades tradicionais necessitam de planos de desenvolvimento. Por outro lado,

são aberturas políticas e territoriais para avanço do modelo agroexportador em

curso.

Nesse ensejo, a agroestratégia desconsidera os gêneros de vida presentes e

visa apenas à utilização da natureza. Em permuta conceitual, e com bases em

estudos encomendados, os resultados e as ações são fundamentados em “'gestão

ambiental' e em um 'gerenciamento voltado para a sustentabilidade'” (ALMEIDA,

2010, p. 104). A suas ações são concretamente investidas ao gênero de vida posto,

uma vez que: No que concerne às relações de produção, verifica-­se, ademais, que tais ações gerenciais têm se caracterizado pela intensificação de mecanismos de imobilização da força de trabalho. Em uma situação de expansão dos mercados de commodities, caracterizada, de acordo com técnicos de federações patronais rurais e por cooperativas agrícolas, por uma 'falta de mão de obra no campo' (ALMEIDA, 2010, p.104). As agroestratégia caracterizam-­se ainda por desconsiderar a lógica de utilização destes recursos naturais, seja pelas unidades de trabalho familiar, classificadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) como 'agricultura familiar', seja por povos e comunidades que tradicionalmente ocupam as terras que os interesses dos agronegócios e de mineradoras pretendem incorporar a seus grandes empreendimentos (ALMEIDA, 2010, p.115).

A justificativa é plena no âmbito econômico exportador e, na dimensão

conceitual, é aquela que desvaloriza outras formas de manuseio do conceito. É o

estado de luta pelos conceitos e pela junção de elementos para uma polifonia

política constante e progressiva, ligada a lutas sociais. Desse modo, se faz

necessário uma análise da política e do poder nas concepções e usos do conceito

de natureza.

3.1.2. Questões sobre natureza: concepções sobre o meio natural, política e poder

Compreendemos a natureza segundo os seus usos, que revelam a política e

as relações de poder em meio às decisões dos sujeitos em foco. Assim, ela é

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elemento da “prática humana e da totalidade de tudo que existe” (SCHMIDT, 1977,

p.27), que representa a instância do fazer-­se e do produzir-­se, pois nela está a

materialidade dos processos geográficos e os caminhos de desenvolvimento do

capital (FOSTER, 2010).

No desdobramento sobre os usos da natureza para uma compreensão de sua

epistemologia e, ainda, das formas e dos seus usos podemos referendar essas

ações políticas – e de poder. Dialogando com Tolmasquim (2001, p.324), o teórico

entende a natureza a partir da matriz sobre bem natural, conforme três patamares:

recursos naturais, bens públicos e externalidades. Para o autor,

recursos naturais” ou “ativos naturais” designam a classe de bens que não são produtíveis pelo homem. Uma segunda distinção foi introduzida entre os recursos esgotáveis ou não-­renováveis e os recursos renováveis, cuja inscrição biofísica garante uma regeneração (ciclo das águas, por exemplo) ou crescimento (biomassa) a um horizonte economicamente significativo (op. cit.).

O fato da delimitação enquanto não produtível, não exclui a integração do

debate sociedade-­natureza, revelando a complementaridade dos processos e dos

modelos naturais de mundo. Já como bens públicos são

(...) bens de consumo tipicamente não-­rivais, de maneira que o consumo de um bem por A não impossibilita que B também o consuma, ou seja, todos os membros do grupo podem compartilhar simultaneamente dos mesmos benefícios. (…) torna-­se necessário a existência de um processo político ou um sistema de voto que induza os consumidores a revelarem suas preferências (op. cit.).

Tais preferências são amparadas pelas necessidades locais, rompendo a

escala global de pensamento sobre os bens e, como nos usos de biomas, razão de

luta e mobilização de movimentos sociais em prol dos usos, segundo suas

demandas e necessidades. Aqui, a dimensão política da natureza é central nesta

conceituação. Ainda no mesmo crivo, as externalidades se referem aos

(...) efeitos do comportamento de pessoas ou empresas no bem-­estar de outras pessoas e empresas são chamadas de “externalidades”, positivas quando o comportamento de um indivíduo ou empresa beneficia involuntariamente os outros, e negativa em caso contrário. As externalidades desfrutam de certas características

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(Condor, 1981). A primeira é que elas resultam da definição imprecisa do direito de propriedade, e não do comportamento perverso ou bondoso dos indivíduos e empresas. (…) A segunda característica de externalidade é o seu caráter incidental, involuntário (TOLMASQUIM, 2001, p.325).

A análise da natureza, segundo o exposto acima, adentra o âmbito do

relativismo e até mesmo do descomprometimento, uma vez que está aliada com o

partidarismo ideológico da exploração;; o máximo que conseguimos entender nesse

debate é como as ações revelam forças e poderes ainda em dimensão política e

subversiva de dominação, logo, porque não reforça uma continuidade de

pensamentos que sejam preservacionistas ou conservadoristas. Explorar o natural

em favor da desapropriação com roupagem de relativismo ou descomprometimento

é marcante neste modelo de exploração contemporâneo.

As diferenciações de Tolmasquim (2001) revelam a dimensão da natureza

enquanto meio (natural) de produção política e de poder. Tal assertiva tem validade

mediante as relações no contexto estabelecidas, ou seja, mesmo reconhecendo que

exista uma relativa externalidade não se pode relativizar o que está em jogo: usos

da natureza. Mesmo que em prol de algum grupo, a disputa política e ideológica

revele dimensões de sua produção, uma vez que os interesses sempre são bem

delimitados e justapostos nos acordos e negociações. Temos também que o

movimento conceitual se faz presente, pois para pensarmos em usos da natureza é

necessário um diálogo epistemológico entre as ciências para subsidiar esses

debates. Afinal, as ações relativas à natureza remetem, desde uma fundamentação

conceitual, a uma delimitação política intencional.

3.1.3. A concepção de natureza: biomas e domínios morfoclimáticos na caminhada

conceitual

Para a Geografia, o debate sobre as matrizes de pensamento que denotam

classificações revela uma grande utilização e uso conceitual, com objetivo de gestão

de recursos e delimitação de áreas. Como exemplo, os movimentos humanos se

expressam em constantes demarcações frente à sua permanente necessidade de

transformação da natureza e de reprodução social. É a Geografia dos cheios e

vazios bruniana (BRUNHES, 1962).

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As análises geográficas sobre as demandas humanas dizem respeito não só

à condição que os sujeitos sociais avançam em suas escolhas naturais ou

metabólicas21, dentre os usos e as trocas em jogo, mas também revelam uma

direção política nas suas ações, produzindo normas, legislações e jurisprudências

para os “usos” coletivos e continuados da natureza enquanto condição de

permanência. É a modificação ou a superexploração do caráter de troca da natureza

(e da sociedade) que geram dimensões reguladoras para mediar sua utilização.

Assim, falamos no movimento de “socialização da natureza e naturalização da

sociedade para nos referir a esse processo, no qual a natureza é transformada em

sociedade, à medida que a sociedade é transformada em natureza” (MOREIRA,

2012, p.103), antes condição metabólica e, com o advento do modelo de

lucratividade, rentabilidade e explorações. Esse debate compete à Geografia Política

e ao Meio Ambiente.

O aprofundamento das relações mercantis realizou as transformações da

natureza para acompanhar a corrida por divisas. Nesse processo, novas formas e

rotas de exploração foram criadas com o objetivo de dar fluidez a esse movimento

da sociedade, não mais vistos na retrodefinição, mas como etapas de avanço do

modelo capitalista sobre o natural no século XX. É a metamorfose do natural pelo

ambiental ou pelo meio ambiente22, como tônica das trocas e transformações no

modelo industrial contemporâneo. Antes de adentrarmos nessa seara, a definição de

meio ambiente é necessária, pois segundo Lima (2008), o termo, assim como

território, também reflete uma escolha conceitual, como segue:

Em primeiro plano a apropriação dos meios naturais, fenômeno já reconhecido na literatura como o processo da segunda natureza. Por isso mesmo, meio ambiente, também possui esta apropriação como pressuposto. Isto quer dizer que o meio ambiente não está lá e nós, a sociedade, aqui. Meio ambiente é uma forma de particularização

21 Entendemos como metabolismo a relação biológica material entre sociedade e natureza, mediadas pela categoria trabalho e, na perspectiva geográfica, definidas ontológica e espacialmente no campo de reprodução humana (FOSTER, 2010;; CENTELHAS, 2011;; MOLINA & TOLEDO, 2011). Esse conceito descreve não só como as sociedades se definem, como também as formas de ordenamento para que ela existir enquanto organização social, revelando seus percalços e dilemas no seio da sociedade capitalista (MACHADO, 2014). 22 Segundo Esteva (2000), o ambiental ou meio ambiente são definidos pelas políticas internacionais nos anos 1990, com as novas perspectivas ambientais e conservacionistas do modelo verde empresarial. Reativamente, os movimentos sociais também replicaram no cenário político a questão ambiental na direção da sobrevivência dos povos e comunidades tradicionais, ocasionando novos espaços de luta e disputa social.

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que a sociedade imprime ao meio natural ao meio construído e que, para isso, conta com a mediação de alguns processos da geografia política, tendo esta dimensão, construído historicamente o ‘território’ como mediação (LIMA, 2008, p.6).

A escolha revela os processos da segunda natureza e suas repercussões,

divergindo da premissa da separação entre sociedade e natureza. Já como princípio,

o meio ambiente é o locus da ação humana segundo as suas atividades, quer dizer,

a própria categoria de trabalho.

Princípio: meio ambiente é um sistema aberto que traz a distinção entre meio natural e recurso natural;; o meio ambiente implica a existência humana;; O enfoque geográfico (geossistêmico) do meio ambiente avalia e mede o grau de impacto ambiental em que a problemática do meio ambiente só aparece com a intensidade humana (LIMA, 2008, p.12).

A partir do entendimento desse conceito, meio ambiente como locus da ação

humana e dimensão da gestão no que diz respeito ao ordenamento, os biomas e

domínios morfoclimáticos representam a nossa tessitura conceitual, como também

as paisagens naturais. Esse ordenamento significa “(...) a busca pela 'ordem' na

utilização do espaço sob planejamento” (VICENS, 2012, p.197), revelando melhor

utilização da natureza e subsidiando políticas para tais usos. A questão é que essa

ideia segue uma lógica de delimitação, das definições e compartimentação natural,

que não obedece necessariamente à lógica geográfica bruniana dos cheios e vazios

(MOREIRA, 2008).

O discurso – e utilização conceitual – ligado ao natural é largamente utilizado

como subsídio para desenvolvimento de políticas públicas, como em áreas

degradadas de mata atlântica brasileira (SLOVINSCKI, 2013). Para tal, modelos

geográficos com base nos elementos da paisagem são desenvolvidos como

exemplificação e força motriz de outros movimentos da natureza, como por exemplo,

recomposição da fauna e da flora. Até mesmo corredores chamados ecológicos são

permitidos nas referidas metodologias, como manancial de reposição natural de

espécies.

Segundo Mateo (2004 apud VICENS, 2012), existem fatores que definem as

modelagens de classificação, ligados aos fatores naturais e sua composição. Eles se

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dividem em: i) fatores diferenciadores;; ii) fatores de redistribuição;; iii) fatores

diferenciadores-­indicadores e;; iv) fatores indicadores. Toda essa delimitação de

fatores descreve origens e representações segundo indícios, que são: geológicos,

climáticos, de relevo, hidrológicos, edáficos e bióticos. Segundo a matriz de análise,

eles representam unidades naturais ou de paisagem23, requeridos nos estudos

integrados para gestão do meio ambiente.

Como desdobramento desses patamares de representação de unidades

naturais, temos a definição de biomas e domínios morfoclimáticos, revelando um

norte de leitura do que seja a natureza e suas homogeneizações em curso. Neste

estágio, detemos esforços em mostrar as origens dessas definições, seus usos e,

principalmente, a existência de outra racionalidade do que seja(m) esse(s) meio(s)

natural(is). Citamos a não compartimentação dos espaços em função de uma

concretude territorial, que vai das atividades de trabalho, caça, pesca e reprodução

ontológica do camponês, por exemplo, descrito em estudos realizados no leste do

Estado do Maranhão.

Para Ab'Sáber (2003), a definição de domínio morfoclimático (e fitogeográfico)

resulta de uma construção histórica da humanidade, suas apreensões sobre a

superfície terrestre e formas representadas conjecturais. Mas, para sua

determinação conceitual, uma gama de características devem ser correlatas, como

relevo e condições climáticas. Assim, ele categoricamente define como:

(...) um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial – de centenas de milhares a milhões de quilômetros quadrados de área – onde haja um esquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-­hidrológica. Tais domínios espaciais, de feições paisagísticas e ecológicas integradas, ocorrem em uma espécie de área principal, de certa dimensão e arranjo, em que as condições fisiográficas e biogeográficas formam um complexo relativamente homogêneo e extensivo. A essa área mais típica e contínua – via de regra, de arranjo poligonal – aplicamos o nome de área core, logo traduzida por área nuclear – termos indiferentemente empregados, segundo o gosto e preferência de cada pesquisador (AB'SÁBER, 2003, p.12, grifo nosso).

23 Para Vicens (2012:195-­196), a definição clássica “considera uma área adimensional da superfície terrestre em cujos limites os diferentes componentes naturais (geologia, relevo, clima, águas, solos e biota) – seja em seu estado ou transformado pela atividade humana – se encontram em estreita interação, formando um sistema integrado: o geossistema” (TIMASHEV, 1999). O dilema que qual “estado” de atividade humana é superado pelo entendimento dos usos empregados, uma vez estes usos desembocarão políticas, delimitações e formas de gestão/compartimentação ambiental.

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O autor reconhece a autonomia do pesquisador, segundo as escolhas que

podem ser feitas, diante do emprego das análises geográficas. Ainda nesse

contexto, as delimitações naturais dadas pela classificação são homogeneizantes e

possibilitam a interpretação do natural por ele mesmo, com leituras estreitas de

como o emprego é feito.

O que demarcamos teoricamente também como escolha é que em áreas ditas

paisagens-­tampão (AB'SÁBER, 2003, p.12), para o autor, consubstancia a presença

de dinâmicas da natureza em meios de transição, em que “podem ser multiplicadas

as combinações fisiográficas e ecológicas”. São dinâmicas naturais de grande

complexidade e heterogeneidade. Para as relativas ocupações territoriais, as áreas

de paisagens-­tampão possuem diversidade de recursos e possibilidades de

reprodução das atividades humanas. O gênero de vida lablacheano é potencializado

em territórios de grande oferta de oportunidade de atuação e desenvolvimento de

atuações mediadas pelo trabalho.

THÉRY e MELLO, no Atlas do Brasil: disparidades e suas dinâmicas (2009)

revelam outra exemplificação que classifica a natureza segundo os elementos do

relevo, clima, solos e vegetação. Para eles, o foco não está nos limites dos

ecossistemas, mas em suas constituições mais frágeis e agredidas nucleadas.

Assim: “(...) a área-­núcleo, incontestada, dos grandes domínios os limites

importantes e os principais problemas ambientais do País (exceto o das cidades,

que têm dificuldades específicas”) (2009, p.71) melhor define os usos e dinâmicas

da natureza, conforme o mapa 02 que segue. As classificações de domínios

morfoclimáticos para Ab’Sáber (2003) (mapa 03), como já mencionamos e domínios

enquanto “(...) uma área, subdivisão de uma Região, caracterizada pela presença de

espécies endêmicas” (IBGE, 2012, p.46), e sistemas de classificação fisionômico-­

ecológica – a partir de uma hierarquia de formação (IBGE, 2012) – , para o IBGE,

são focadas nos processos de permanência sobre outras formas naturais e, ainda,

processos de reprodução. Não existe inferência em sua concepção quanto ao uso

estreito. É algo dimensionado enquanto atlas.

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Mapa 02: Limites e ameaças dos ecossistemas, segundo área-­núcleo.

Fonte: THÉRY e MELLO (2009, p.70).

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Mapa 03: Limites e ameaças dos ecossistemas, segundo área-­núcleo.

Fonte: THÉRY e MELLO (2009, p.69).

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Quanto à delimitação de biomas e ecossistemas, segundo o Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA), decorre de

grandes distorções nos seus limites, conforme o mapa 04, abaixo:

Mapa 04: Classificação dos ecossistemas nacionais

Fonte: THÉRY e MELLO (2009, p.68)

Entre o que é proposto por Théry Mello (2009), por Ab'Sáber (2003), pelo

IBGE (2012) e pelo IBAMA (IBGE, 2012), podem permear algumas sobreposições

das áreas analisadas, mas não em sua delimitação, arremetendo apenas para o

centro de sua gênese como dimensão passível de análise e inferência. Segundo

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Théry Mello, o foco deve ser as dinâmicas naturais, seus desdobramentos e

possíveis transformações, como nos casos dos grandes centros urbanos, decorrente

da elevada entropia em atividades ali realizadas. As outras classificações aqui

expostas revelam potencialidades e perspectivas de usos. Qualquer extrapolação é

de cunho político e ideológico, pois no quesito da natureza em questão, são abusos

do uso conceitual como forma de justificativa de ações.

Quanto às outras formas não institucionais de definição de domínios da

natureza, que não estão presas às limitações de extensas áreas, compartimentadas

e com repetidas características biológicas, existem racionalidades que ainda

revelam recortes da natureza, mas com a valorização de uma dimensão inegociável:

a proposta integral dos espaços divididos na diversidade natural.

Na dimensão leste do Estado do Maranhão, fronteiriça com o Estado do Piauí,

a presença de processos de ocupação é desvelada nas práticas e na utilização do

bioma cerrado, segundo a definição clássica de Ab'Sáber (2003). Diante de tal

panorama, avançando no marco histórico (GASPAR, 2013), os camponeses

desenvolvem atividades que refutam a separabilidade ou a identificação de áreas,

segundo especialidade de atividades possíveis de serem desenvolvidas. O mapa 05

localiza o exemplo dessa reflexão que estamos tratando ao focar as atividades e a

aplicação do bioma cerrado em sua totalidade. O povoado Baixão da Coceira II,

localizado no município de Santa Quitéria do Maranhão, no Maranhão, tem um

século e meio de fundação, segundo relatos da ancestralidade dos moradores

(CARVALHO, 2012), e parte da existência de duas matrizes da natureza e seus

respectivos usos: baixão e chapada, conforme os croquis.

Ainda repensando a definição do baixão, representa a área do relevo mais

rebaixada, com a presença de mananciais d'água e formação de lagoas. É uma área

utilizada para a pesca, abastecimento residencial para atividades diárias e, no seu

entorno, plantio de culturas, como arroz e macaxeira. Segundo PAULA ANDRADE et

al. (2012), esse espaço recebe pressão de culturas em desenvolvimento, como a

plantação de eucalipto e soja, além da pecuária extensiva. Para ALMEIDA (2014) e

BOTELHO (2014), o conflito por água marca os embates territoriais dos camponeses

do leste maranhense, no uso da natureza e suas transformações.

Na construção geográfica da chapada, para GASPAR (2010), estes espaços

geográficos são compreendidos para circulação entre os povoados distantes das

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estradas de acesso e as sedes dos municípios. Ainda nestes espaços, atividades

extrativistas são desenvolvidas, coleta de frutos e matéria-­prima para artesanato e

produção de medicamentos presentes na dieta da população. CARVALHO (2012)

revela que na chapada, grande diversidade de trocas e conhecimentos sobre o

modo de vida camponês é reproduzido, através de atividades diárias e formas de

cultivo, objetivando a reprodução da classe, no uso território da natureza. Outros

elementos do território são colocados pela autora (2012), como os carrascos,

capões, morros, matas e lagoas, rios, riachos, grotas e córregos, dimensões estas

da complexidade do uso da natureza, em escala diferente da chapada e baixão.

Os dois espaços geográficos presentes na identidade camponesa, revelam

elementos de pertencimento e territorialidade, haja vista a posição que possuem

dentro do processo de reprodução camponesa e garantia territorial. A unicidade

territorial dentro da diversidade camponesa remonta para dimensões fundantes da

prática desses sujeitos, diante dos bens comuns e dos direitos históricos

costumeiros presentes no território. A chapada possui a escrita da trilha territorial

camponesa em direção ao espaço geográfico plano, de aridez relativa em função

das culturas cultivadas na economia camponesa. Esse elemento que constitui

fundamental prática dos camponeses posseiros, também representa espaço da

criação de animais, do extrativismo, e dos saberes medicinais. A forma de

desenvolver essas práticas é atrelada ao que se desenvolve no baixão, esse

enquanto locus da moradia e das práticas de beneficiamento dos produtos

camponeses e do cerrado, como o bacuri e a janaguba. O ser-­camponês no Baixo

Parnaíba revela uma produção e uso da natureza de maneira diferenciada, quando

comparada com práticas do agronegócio e outras formas de construção e ação de

práticas camponesas, uma vez que a natureza representa mais do que um elemento

da relação de produção camponesa, mas algo constituinte do ser-­camponês.

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Mapa 05: Mapa de localização do povoado Baixão da Coceira II, município Santa Quitéria do Maranhão – MA e indicação do croqui do território camponês

FONTE: OLIVEIRA, 2015.

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Figura 02: Croqui produzido a partir das atividades camponesas realizadas na heterogeneidade da natureza, povoados Baixão da Coceira I e Baixão da Coceira II, Santa Quitéria do Maranhão – MA

Fonte: OLIVEIRA, 2015

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Figura 03: Croqui de espacialização da natureza no leste maranhense, povoado Baixão da Coceira II, Santa Quitéria do Maranhão -­ MA

Fonte: OLIVEIRA, 2015.

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Partindo da perspectiva de um cruzamento cartográfico entre atividades

humanas tradicionais e movimentações econômicas tecnificadas industrialmente,

com objetivos da produção agrícola (GASPAR, 2013), áreas de transição são alvos

de investimentos com grande arcabouço tecnológico, vislumbrando a superação

e/ou transição de ecossistemas propícios para a agricultura. No leste do Estado do

Maranhão, conhecido como novo “eldorado dos gaúchos” (GASPAR, 2013), o que é

produzido historicamente é confrontado com as novas formas de ocupação agrícola

territorial. Assim, a cartografia integrada das ações humanas históricas é

desqualificada mediante o descrédito aos usos possíveis do território. Podemos

afirmar que estamos defronte de uma questão emblemática de guerra cartográfica

em áreas de biomas de alta heterogeneidade com pouca funcionalidade mercantil

(ALMEIDA, 1994;; PORTO-­GONÇALVES, 2014) uma vez que, dentre os seus

diversos fatores, apenas o relevo das áreas de chapada são valorados na corrida

produtiva do agronegócio.

É nessa perspectiva que o jogo conceitual possibilita o vislumbrar de

estratégias, inclusive aquelas que permutam a integridade do elemento natural pelo

implemento do meio ambiente, ponderando, segundo fatores, domínios e biomas.

Quiçá, podemos também perceber que a construção histórica da sociedade, suas

representações cartográficas e territoriais não respeitam tal delimitação, pois apenas

validam os investimentos e avanços de fronteiras24 agrícolas para máxima

lucratividade, exploração e mínima permanência das ocupações humanas

tradicionais e camponesas. É o aporte conceitual como forma de reprodução

racional e ideológica de sofismas. Seguiremos na trilha das pistas conceituais do

território, revelando que, assim como a natureza, ele também é utilizado em sua

gênese e empregado como suplantador de políticas de desenvolvimento e usos

conceituais.

3.2. A dimensão do território: debates, perspectivas e usos

Um conceito é definido a partir do seu uso, como forma de leitura da 24 O conceito de fronteira é debatido por Bringel (2013) nas especificidades do “lugar onde a situação de conflito social é latente”. Ainda o autor descreve que nos projetos de modernização agrícola, a fronteira representa o lugar de descoberta do outro, das potencialidades e limites, por exemplo, justapostas pelos conflitos em acontecimento e na busca por ajuste de trajetórias e identidades. Para além da fixidez do conceito-­limite, a fronteira representa a dinâmica dos sujeitos sociais em busca de possibilidades territoriais.

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realidade, além de ser a expressão metodológica de investigação do pesquisador. E,

ademais esse campo de utilização, é uma intervenção clara ao fenômeno em

questão, explicitando a intenção do investigador/teórico em ação. Parafraseando

Lacoste, o conceito faz a guerra como também é uma possibilidade de abstração

dela.

Neste espaço de reflexão, traremos para o centro da análise o conceito de

território para realizarmos o estranhamento como forma de produção científica.

Sobre esse susto inicial, Giarracca (2006) o analisa como um caminho de

apreensões que não são habituais ou corriqueiras, dando a tônica das análises de

maior mergulho conceitual e aprofundamento teórico, como relatado

metodologicamente na realização dos trabalhos de campo25, tema este bastante

caro para a Geografia brasileira.

Entretanto, mesmo reconhecendo a delimitação conceitual como uma “caixa

de ferramenta” metodológica (CRUZ, 2013) (e seus diversos usos), demarcar um

conceito, sua utilização, origem, trajetória e história, por exemplo, é um exercício de

grande relevância para percorrer o caminho da leitura da realidade. A demarcação

aqui posta demonstra uma intenção textual e aponta possibilidades de leituras do

real. Esses são elementos que consubstanciam o fazer científico em meio um largo

espectro de aplicabilidades temáticas e conceituais.

Assim, adotamos um caminho, de certo modo, inverso ao das leituras

encontradas nas obras visitadas para alcançar a análise do conceito de território,

como origens, fundadores e matrizes de pensamento na ciência. Partiremos de uma

leitura a partir dos “usos” para compreender os ancoramentos teóricos estabelecidos

neste conceito. É uma ferramenta de leitura metodológica experimentada que nos

ajuda no desvelar científico.

Optamos por duas concretudes de utilização conceitual, que são: território

como resultado da construção espacial dos movimentos humanos, como no caso de

camponeses e camponesas em conflitos com implementos agrícolas e exportadores

industriais, vistos no leste maranhense e;; território como instância do ordenamento e

planejamento das políticas públicas de utilização do território nacional, como o PAC

(Plano de Aceleração do Crescimento) e o IIRSA (Iniciativa para a Integração da

Infraestrutura Regional Sulamericana, Energia e Mineração) na sua

25 Sobre trabalho de campo na Geografia, ver Alentejano & Rocha-­Leão (2006).

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internacionalização da economia e ocupação de novos territórios para a

agroindústria.

3.2.1. Território como instância da luta e da resistência no leste maranhense

O leste do Estado do Maranhão26 é conhecido como o novo “eldorado”

(GASPAR, 2013) da produção industrial tecnificada ligada à dinâmica agrícola e

agrária. Ademais, são áreas de expressiva composição natural heterogênea e de

transição (AB'SÁBER, 2003) que, em sua constituição, possui desde diversidade de

fauna e flora, até extensas continuidades topográficas de alto interesse de

contingentes empresariais rurais, além da vivência de comunidades tradicionais.

Porém, a diversidade citada está na rota de colisão com o agronegócio, uma

vez que são áreas de ocupação histórica, utilização tradicional e comunal, e

desempoderadas de dispositivos jurídicos de posse da terra (PAULA ANDRADE,

2012). Nesse contexto, é importante percebermos que a racionalidade que configura

a contraposição da ocupação posta é territorialmente recente. Data dos anos 1990,

com implementação e consolidação de áreas de produção. Esse território se cruza

com a configuração do MATOPIBA27 (CARTOGRAFIA GEOGRÁFICA, 2013;; GLOBO

TV, 2013), como um grande projeto nacional de expansão de áreas cultivadas de

grãos para a dinâmica internacional de commodities.

Ainda sobre o leste maranhense, o agronegócio instalado tem origem em

processos consorciados com atividades ligadas à produção de carvão vegetal e ao

plantio de eucalipto, delimitando a ocupação temporal destes modelos (CARNEIRO,

2013). Para o autor, são as atividades industriais no espaço agrário que se referem

aos desdobramentos do Projeto Grande Carajás, instalando aparelhos fixos para

dinâmica de suas atividades de mineração e produção de carvão vegetal, além de

vazão aos outros insumos produzidos, como na sojicultura e na silvicultura.

Carneiro (2013) aprofunda a análise do modelo de modernização no campo

26 Segundo classificação do IBGE (2010), o leste maranhense é formado por seis microrregiões, a saber: Baixo Parnaíba Maranhense, Chapadinha, Codó, Coelho Neto, Caxias e Chapadas do Alto Itapecuru. 27 O MATOPIBA se refere ao conglomerado entre os Estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia, segundo a configuração das áreas de produção de grãos. O MAPITOBA está configurado na dimensão estratégica do modelo territorial, mesmo efetivado fragmentadamente em suas políticas e ações, expressão esta do contexto do agronegócio contemporâneo no norte e nordeste nacional (ALVES, 2006).

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maranhense, ao se referir ao apogeu da política de modernização da grande

propriedade fundiária, das atividades supracitadas, entre as décadas de 1970 e

1980, como primeiro estágio da periodização proposta em sua obra. Esse processo

desencadeou o agravo dos conflitos fundiários. No fim dos anos 1980,

(...) assistimos a emergência de um período em que as lutas camponesas assumem um caráter mais ofensivo, com movimentos de ocupação de terras desenvolvendo-­se em várias regiões do estado. (…) O sucesso dessas lutas deu origem ao alto número de assentamentos de reforma agrária existentes no Maranhão, que, de acordo com informações do INCRA e IBGE, representavam, no final de 2009, cerca de 1/3 da área total dos estabelecimentos agropecuários do estado (CARNEIRO, 2013, p.36).

Em um segundo estágio, há um declínio, nos anos 1990, das lutas sociais no

estado, devido a um estancamento das áreas improdutivas pelo INCRA e aumento

dos meios ilegais de aquisição e registro de estabelecimentos, como os ligados aos

cartórios e instrumentos sem legalidade civil (CARNEIRO, 2013). Nos anos 2000,

em uma terceira temporalidade e contemporânea realização, o autor destaca, por

fim, que com o avanço do agronegócio estabelece novas relações conflitantes de

assalariamento e condições de trabalho. São denúncias de trabalho escravo e

violação de direitos dos trabalhadores em áreas de plantação silvicultora voltadas

para a produção de carvão vegetal ou novas fábricas de papel e celulose, como a

Suzano Papel e Celulose.

No quesito da vivência dos povos tradicionais em áreas de avanço do

agronegócio e instalação de novos celeiros industriais, como em Urbano Santos

(MA), trabalhadores e trabalhadoras estão permanentemente com seus direitos

descumpridos, isso inclui a proibição de circulação e utilização dos recursos naturais

(baixões e chapadas), enquanto estância da reprodução da vida. São exemplos

dessa usurpação de direitos, os mananciais hídricos desativados, as estradas que

interligavam a área de moradia para as áreas de cultivo interceptadas e, em uma

dimensão mais simbólica, os cemitérios sendo soterrados para plantio e utilização

de áreas no avanço do agronegócio, como descreve Paula Andrade (1997) sobre o

povoado Belém, município de Buriti (MA):

Soube a comitiva ainda que, certa ocasião, a empresa passou o trator sobre o cemitério dos chamados “anjinhos” e, que alguns

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deles, haviam sido recentemente enterrados, de modo que seus pequenos corpos tenham sido revolvidos para, em seu lugar, serem plantadas mudas de eucalipto. Algumas crianças tinham sido recém-­enterradas e, segundo depoimento dos trabalhadores, o odor dos pequenos corpos, já em decomposição, subiu ao ar. Com relação a esses cemitérios chamados “dos anjos” ou “dos anjinhos”, convém ressaltar que são comuns em inúmeros povoados camponeses do Maranhão. Para enterras as crianças, os camponeses elaboram regras próprias, que determinam como enterrar, sendo que a posição dos corpos obedece ao movimento do sol, diferentemente de como procedem aos adultos. Ou seja, se observarmos, as criancinhas são enterradas com os pés para uma direção e os adultos para outra. O enterros desses “anjinhos” também é cercado de regras que determinam como enfeitar o pequeno caixão e quem o carrega. (…). No caso do cemitério das crianças, em Belém, a Comitiva constatou que também estavam enterradas, a pedido delas, as duas mulheres mais velhas do povoado: a parteira e a avó da maioria das crianças. Ou seja, ao profanar o chamado cemitério dos anjos a empresa agrediu brutalmente essas famílias, passando por cima literalmente, com seus tratores, de valores, de crenças, enfim, de todo o seu universo cultural e simbólico. Ao plantar mudas de eucalipto sobre os corpos dos chamados “anjinhos” a empresa torturou, em um outro sentido, todo o grupo, agredindo seus mortos, tentando apagar sua memória e os vestígios da antiguidade de sua ocupação (PAULA ANDRADE, 1997, p.55-­56)

A violência simbólica e cultural não representa tão somente o preço para

validação do processo em situações de comunidades atingidas com grande força,

mas o total desrespeito com a vicissitude da vida e suas reproduções. Assim como o

agronegócio com seus tratores e correntões avançam sobre os cemitérios, também

extinguem construções históricas do saber e da identidade camponesa expressas

nos cultivos agrícolas. O fato de as empresas não dotarem a cartografia dos usos –

tanto dos biomas integrados, das representações simbólicas e materiais destes

sujeitos –, revela a verticalidade da ação como instrumento de poder impelido em

cada atividade.

Assim, conceber território e territorialidades não é uma forma estanque, mas

revela os processos, os sujeitos, os pontos de reivindicações e as conquistas em

cada retórica acionada. Passa desde os espaços construídos simbolicamente até

àqueles concebidos segundo a produção política. O território revela a força, o poder

e a direção dos sujeitos sociais, tanto para a resistência quanto para o avanço na

dinâmica econômica globalizada. Revela o local, como condição de reprodução e

continuidade territorial, mas resvala nas outras escalas, como a regional e a

nacional, enquanto identificação e delimitação de trajetórias. Para nós, o conceito de

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território é dinâmico e alvo de disputa de políticas públicas, dos movimentos sociais

e das empresas no contexto imperialista global, como também na conquista local.

O território na dimensão da polifonia política está firmado nas reivindicações e

nas lutas em dimensões do uso espacial conflitivo enquanto teoria geográfica. Em

sua tese de doutoramento, Mondardo (2012) analisa o conflito de povos Guaranis-­

Kaiowás, paraguaios e gaúchos na disputa por territórios que podem se tornar parte

do agronegócio e traz algumas questões que nos ajudam na reflexão da constituição

do conceito de território:

Deste modo, algumas questões se impõem: qual o sentido do território? Que perspectiva abrange e como pode ajudar a problematizar/compreender a condição humana? Como podemos pensar um território no devir, que está sendo, nunca é? Que abordagem pode contemplar a multiplicidade/complexidade das tensões, dos conflitos e ao mesmo tempo das mesclas e trocas culturais entre sujeitos hegemônicos e subalternos? Como se inscreve a territorialidade para grupos culturalmente distintos? Qual abordagem pode revelar a emergência de novas territorialidades, multi/transterritorialidades, como estratégias de resistência, de luta e de trocas e mesclas culturais entre “gaúchos”, Guaranis-­Kaiowás e paraguaios no Mato Grosso do Sul? (MONDARDO, 2012, p.183).

O território não revela apenas a dimensão do questionamento frente às

políticas rígidas impostas ou produzidas socialmente, mas também, estabelece

leituras da realidade. A condição conceitual é parte constituinte dos processos da

sociedade, de seus caminhos e de seus espectros analíticos desempenhados. É

uma ferramenta e uma realidade;; uma possibilidade de leitura e concepção de

sociedade.

Ainda sobre o uso conceitual, até aqui expomos o território como dimensão da

vida – ou do gênero de vida (HAESBAERT;; PEREIRA;; RIBEIRO, 2012) – e da

constituição da ação política, como colocado nas estratégias e ações empresarias

no leste maranhense. O território exprime a vida, na medida em que sua concepção

revela os próprios sujeitos envolvidos. É o espaço-­tempo vivido, realizado e

encarnado em uma lógica múltipla e heterogênea de representações do modo

organizativo camponês. Não admite fragmentações com objetivo de exclusão, mas é

passível de diferenciação segundo a funcionalidade dada. Haesbaert (2007) decorre

que

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(...) enquanto 'espaço-­tempo vivido', o território é sempre múltiplo, 'diverso e complexo', ao contrário do território 'unifuncional' proposto e reproduzido pela lógica capitalista hegemônica, especialmente através da figura do Estado territorial moderno, defensor de uma lógica territorial padrão que, ao contrário de outras formas de ordenação territorial (como a do espaço feudal típico), não admite multiplicidade/sobreposição de jurisdições e/ou de territorialidades (HAESBAERT, 2007, p.21).

Espaço-­tempo vivido não é a lógica executada pelas empresas e contingentes

políticos hegemônicos, pois território é a conexão da ação econômica com o domínio

político, mais próximo da definição conceitual de limite do que a própria conotação

territorial em si desenvolvida. É um continuum de atividades mercantis, com abertura

da condição material mediante ao não pertencimento ideológico, que possibilitasse

qualquer assimilação com o espaço em questão. Realidade que não pondera em

seus desígnios e interesses, questões locais, ao menos o espaço-­tempo vivido

possa beneficiar sua fixação e permanência “territorial”.

Esse jogo conceitual é muito utilizado dentre as teorias geográficas

empregadas no âmbito empresarial, como também a teoria dos locais centrais e da

periferização progressiva segundo a inserção de artefatos técnicos28. Afinal, pensar

no dilema conceitual é um espaço de disputa dos atores do modelo hegemônico e

dos subalternos em busca de direitos. Assim é posta a utilização dos conceitos. Isso

ocorre tanto na esfera do discurso, engendrado na política enquanto esfera de

governança, como também nas práticas contestadoras, que em revelia ao modelo

de sociedade, aspiram a novos horizontes, ou seja, à superação do modelo e

proposição de outra ordem.

O conceito de território toma notoriedade à medida que ele se transforma em

objeto de disputa e matriz de teorias de governança e dominação territorial, em

formato consorciado de diversas formas de produção territorial, como as atividades

da Suzano Papel e Celulose e empresas do ramo da produção de carvão vegetal. O

mesmo conceito, utilizado como forma de apreensão espacial de perspectiva

econômica, revela vida e resistência, como visto no embate sobre o cemitério dos

anjinhos, no povoado Belém, no leste maranhense. 28 Sobre as teorias geográficas mencionadas, ver Santos (1995;; 2007), Santos e Silveira (2001), Claval (2011) e Costa (2012).

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3.2.2. As políticas públicas no ordenamento territorial nacional: o PAC e o IRSA em

debate

Antes de destacar as políticas nacionais de ordenamento territorial segundo o

PAC e o IIRSA, partiremos do entendimento de ordenamento territorial segundo

Lima e Haesbaert, por exemplo.

Em estudos relativos aos grandes projetos com foco na Amazônia, Castro et

al. (1995, p.1-­2) relata atenção ao “espaço regionalizado e às políticas que o têm

procurado ordenar, sobre as novas relações entre saber e poder materializadas na

ocupação do espaço por diferentes atores sociais” como alvo de investimentos

teóricos analíticos, mesmo com fruto de esforços coletivos. Tal preocupação nos

remete à trilha conceitual de como a ordem, segundo um plano de governo ou

política de utilização dos recursos naturais, possui arestas que, mesmo relativizadas

na objetividade da política, revela escolhas metodológicas e teóricas.

A ordem perpassa as vicissitudes temporais do plano de nação, segundo a

ordem e progresso, compreendida inicialmente como uma questão regional, bem

clara nas escolhas teóricas dos anos 60 (CARNEIRO, 1995). Outro horizonte é o

dilema sobre a gestão do território, como campo da Geografia Política, e de

formação dos gestores. Estes são os efetivos ordenadores e também os

responsáveis pela implementação de políticas (GONÇALVES, 2008). Extrapolando

as delimitações espaço-­temporais, a ordem em forma de política se metamorfoseia

em ordenamento, à medida que as demandas da sociedade capitalista imprimem

ritmos e padrões, que serão instalados também em outros espaços. É o jogo

dialógico na construção de um conceito-­chave para compreensão dos conflitos

territoriais.

Ordenar territorialmente, parte do pressuposto de que é necessária uma

intervenção no território e, assim, a “ordem” em vigência não reflete e/ou objetiva

todos os interesses dos sujeitos que demandam a específica política, por exemplo.

Para Lima (2005), a ordem territorial proposta frente à vigente – que é compreendida

a partir da desordem territorial –, traz à tona o debate dos “pares dialógicos”, ou

seja, ordem/desordem, empírico/científico. Desta forma, a ordem (e a desordem em

exercício) representa uma maneira de compreender o território, como também uma

forma de ordenamento (HAESBAERT, 2006). Assim, o território é a materialidade de

interesses e desejos, em um jogo de poder, com objetivo de dominação entre grupos

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e sujeitos envolvidos. Nessa definição é concebida uma ordem, na expressão das

estratégias em jogo, demarcadas territorialmente (RAFFESTIN, 1993).

Ao analisarmos o espaço agrário nos diversos ordenamentos, seja nas áreas

de cultivo homogêneo em grandes propriedades ou na fixação de empreendimentos

industriais, segundo a justificativa estratégica da logística e presença de recursos

naturais em grande escala, percebe-­se o entendimento sobre as razões/intenções

do desordenamento produzido. Variáveis estão em questão, nesse quesito. E como

modelos de desenvolvimento e crescimento econômico tornam-­se expressivas,

resultado de projetos para ordenar territorialmente. A desordem é refletida nas

arestas de modelos exógenos e de relevância regional-­nacional, descreditando as

trajetórias e perspectivas locais.

Diante dos ordenamentos díspares em políticas tão complexas instaladas

constantemente no território nacional, Haesbaert (2006) disserta que o

reordenamento territorial para a realidade brasileira deve estar minimamente

comprometido em quatro pontos: a) diminuir as desigualdades sócio-­espaciais e o

correspondente grau de exclusão sócio-­econômica da população;; b) aumentar o

nível de democratização e representatividade nos espaços políticos;; c) fomentar o

comprometimento público com as iniciativas a serem executadas;; d) trabalhar

sempre num des-­re-­ordenamento que integre múltiplas escalas básicas: a do

município, a da mesorregião, a dos Estados da federação e a da macrorregião. É

uma forma de reordenamento com bases na busca por direitos e distribuição de

recursos.

Sobre o re-­ordenamento, Gonçalves (2004) aborda as mediações dos

agentes do ordenamento territorial no estado do Rio de Janeiro com o objetivo de

organização/mediação da luta. O ordenamento pode ter uma funcionalidade com

horizonte de superação de disparidades, como no acesso à terra e aos recursos de

reprodução de camponeses. Ao mesmo tempo, pode intervir junto a instâncias de

negociação política, mediante o empoderamento técnico das instituições e da

distribuição de recursos para assentamentos rurais. O ordenamento pode, assim,

acionar novas estratégias de luta e avançar nas disparidades ligadas à reforma

agrária.

Já o discurso científico que permeia este debate é repleto de uma

racionalidade pragmática e descartiana, com razões e efeitos para as abordagens

do real, principalmente quando nos referimos ao agrário. Subtende-­se que existe um

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“ordenamento” científico baseado nessas abordagens, que indica para pontos

estáticos e imóveis, como por exemplo: camponês precarizado por não ter

participação diretamente em grandes envolvimentos econômicos e financeiros

(ABRAMOVAY, 2007);; uso desordenado de biomas – como caatinga nas regiões

semiáridas do país – como fruto da não convivência sociedade-­natureza. Agora,

existe outro quesito ligado aos usos que são feitos pelas políticas de ordenamento,

que são as aplicações de políticas públicas para consubstanciar políticas de Estado,

estritamente alinhado ao modelo neoliberal vigente do século XXI. É a máxima

abertura financeira da economia pelo preço de uma mínima estabilidade do

ordenamento territorial nacional, como nas políticas do PAC e do IIRSA29.

3.3. Desenvolvimento: a passagem do conceito em meio aos movimentos da natureza e do território

Na menção do conceito de desenvolvimento, o entendemos como dimensão

da construção política e ideológica do que seja a natureza, assim debatido nos

termos de meio ambiente e, na interlocução com o território, na forma de estratégia

de ordenamento territorial. Desenvolvimento é o conceito que permite a constatação

nas instâncias da sociedade, legada ao nível de avanço e da transformação da

sociabilidade geográfica primeira. Ou seja, é o avanço, o moderno, o progressista,

embebido nas lacunas sociais de emprego, renda, crescimento econômico e, mais

severamente, inserção global na economia mundial.

Ainda assim, o desenvolvimento também é definido como condição de

reprodução da vida social, de permanência com o território e, no rompante, a

dinâmica fragmentada sociedade-­natureza, metabolismo nos usos dos recursos

naturais, dimensão esta de reprodução dos sujeitos sociais. A última outra

concepção destoa da anterior, uma vez que não adquire vazão política e ideológica

no quesito lucratividade, dentre o patamar lucratividade de mercado. É a reprodução

da vida social, continuidade de atividades para subsidiar as estratégias e formas de

29 Para Leroy e Malerba (2010, p.17), “o objetivo do PAC é muito semelhante ao da IIRSA que é de integrar a Amazônia às outras regiões do país, também objetivando garantir o acesso de grandes empresas aos recursos naturais existentes na região, através da construção de estradas, hidrovias, da garantia de energia para as atividades produtivas eletrointensivas, isto é, que necessitam de muita energia como as aciarias e as mineradoras, cada vez mais presentes na região”. São formas consorciadas de ordenamento territorial urbano e ambiental para propiciar as empresas, bancos e governos ali instalados uma máxima lucratividade da natureza.

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territorialidade humana.

Certo desta diferenciação, temos uma terceira esfera de análise, ao nos

referirmos às políticas públicas. Nessa sombra, o desenvolvimento é robusto na

medida em que propõe transformações radicais para as estruturais societárias, na

direção da inclusão e/ou adesão aos padrões ordenados, sobrepondo estratégias

que não apontam para o mercado. É uma mínima inclusão e máxima exploração da

estrutura espacial, enquanto angariador de potencialidades locais, é o antagonismo

posto na produção das estruturas de governo, como PAC e IIRSA.

Avancemos na discussão, realizando um resgate conceitual de escolhas

teóricas de autores dentre as três diferenciações. Isso reafirma que o que

objetivamos é o acúmulo para uma inferência conceitual do jogo de escolhas na

utilização do desenvolvimento enquanto dimensão da sociedade.

3.3.1. Desenvolvimento enquanto crescimento econômico

Inicialmente, delimitamos, segundo Smith (1984) que a forma de produção

geográfica de desenvolvimento no contexto capitalista é uma “teoria oscilatória” e

desigual. É necessário estabelecer inicialmente o parâmetro para se pensar no

contexto capitalista, uma vez que a própria concepção dialética do capitalismo é

advinda do contexto da crise e desigualdade. O autor, segundo uma leitura marxista,

expõe que:

Se a acumulação do capital acarreta o desenvolvimento geográfico e se a direção desse desenvolvimento é guiada pela taxa de lucro, então podemos pensar no mundo como uma “superfície de lucro” produzido pelo próprio capital, em três escalas separadas. O capital se move para onde a taxa de lucro é máxima (ou, pelo menos, alta), e os seus movimentos são sincronizados com o ritmo de acumulação e crise. A mobilidade do capital acarreta o desenvolvimento de áreas com alta taxa de lucro e o subdesenvolvimento daquelas áreas onde se verifica baixa taxa de lucro (SMITH, 1984, p.211).

No contexto citado, a lucratividade vai subsidiar a concepção de

desenvolvimento segundo a taxa de lucro, e da mesma forma o

subdesenvolvimento, no seu déficit ou ausência. A leitura marxista afirma que para

pensar desenvolvimento, devemos ponderar as “oscilações”, ou melhor, as

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variações e diferenciações espaciais que produzem a lucratividade. Quanto mais

investimentos com fins de lucratividade, mais perspectiva de desenvolvimento é

estabelecida de forma ideológica, desde aqueles que promovem a acumulação até

aqueles explorados para tamanha construção. E ainda, a ideologia do

desenvolvimento revela a disputa, pois, a taxa de lucro é definida não por aqueles

que produzem efetivamente, mas para os gerenciadores do modelo aplicado. Aqui

está um jogo oscilatório de conceituação do desenvolvimento, produzindo

disparidades e acúmulos infinitos, a partir da taxa de lucro, ou melhor, da própria

lucratividade.

Cavalcanti (2001) trilha a definição conceitual sobre desenvolvimento partindo

de uma diferenciação, mediante o crescimento. Para ele, o motor do

desenvolvimento é o crescimento econômico, no panorama da crise financeira e

fiscal no século XXI. Ainda assim, o crescimento econômico avança no fio da

navalha (op. cit.), em equilíbrio tênue para estabelecer rentabilidade e acúmulo de

recursos. Nessa perspectiva, desenvolver é crescer, alcançar as metas mercantis e,

ainda assim, poder possibilitar condições de reprodução da estrutura econômica nas

esferas locais, mesmo que desenvolvimento local não esteja vinculado ao

crescimento econômico global.

Ao mesmo tempo, a saída do crescimento em vias da economia,

personificando o que Cavalcanti define como desenvolvimento econômico não

representa mais uma saída ampla, como oportunidade de manobra tanto para as

economias de dimensão imperialista, quanto para aquelas de complexidade local-­

regional. São momentos de reflexão do que seja sustentável para esse

desenvolvimento. Assim,

[o] desenvolvimento econômico não representa mais uma opção aberta, com possibilidades amplas para o mundo. A aceitação geral da ideia de desenvolvimento sustentável indica que se fixou voluntariamente um limite (superior) para o progresso material. Adotar a noção de desenvolvimento sustentável, por sua vez, corresponde a seguir uma prescrição política (CAVALCANTI, 2001, p.165).

A insustentabilidade do desenvolvimento está no estrangulamento das bases

desta perspectiva de sociedade. O limite do modo de produção expresso na

utilização dos recursos naturais descreve a forma contraditória e antagônica do

desenvolvimento. Assim, no momento que ele satura sua forma de ação, reformula o

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conceito, acrescentando uma justificativa conceitual, para perpetuar sua atividade.

Diante disso, nesses termos, temos que a sustentabilidade é o próprio atestado da

inviabilidade do modelo, com permanências e atenções a questões antes

relativizadas, como: reprodução dos recursos naturais;; atenção às comunidades

tradicionais;; responsabilidade fiscal local;; o ambiente como ponto de partida e

chegada de suas atividades mercantis e;; investimento em larga escala em selos que

certifiquem a sustentabilidades dos processos de produção segundo as

padronizações dos modelos empresariais, produzidos pelos próprios gestores do

desenvolvimento (MACHADO, 2014).

Já Binsztok (2012) aborda o desenvolvimento em áreas de expansão e

acumulação do capital flexível no espaço agrário nacional numa perspectiva

sustentada. Em arranjos comerciais, de transições determinadas justas e solidárias,

a inclusão de produtores de pequena escala de países pobres no acesso ao capital,

pode ser resultante da parceria entre produtores e consumidores. Mesmo nas

atividades agrícolas que apresentam atuações de empresas do Grupo Odebrecht,

por exemplo, junto aos pequenos produtores, o processo de certificação ainda é

ponto de corte ou inclusão.

Apesar da progressiva flexibilidade do mercado de trabalho para inclusão de

pontos da rede em emergência – como nos Complexos Agroindustriais (CAI) –, o

desenvolvimento sustentado ainda se apresenta como estigma e desafio, frente à

progressiva responsabilidade de empresas com todas as partes envolvidas na rede

de produção no espaço agrário e, de forma desafiadora para o mercado que

comporta os pequenos produtores, a criação de redes que concorram e

paralelamente se estabeleçam enquanto possibilidade, inclusive com práticas que

permaneçam enquanto disputa posto pelo mercado entre sociedade-­natureza.

Corroborando com Binsztok, Nascimento (2012;; 2013) analisa o

desenvolvimento como resultante progressiva e agressiva dos passivos ambientais.

Ele dedica estudos específicos para revelar questões ambientais ligadas ao

desenvolvimento, como a desertificação. Para o autor, a desertificação não está

contida num cataclismo ambiental cíclico ou amorfo, mas em processos de maiores

determinações de dinâmica humana e econômica. A desertificação está não só

atrelada ao altíssimo avanço sobre os recursos naturais, através de pastagens,

plantios homogêneos que desestabilizam a dinâmica dos mananciais hídricos, como

também aos acordos infrutíferos entre os agentes do modelo capitalista, firmado no

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consumo e benefício de minério e derivados das fontes petroquímicas. Os outros

indicadores são especificados segundo estudos mais clínicos e de dependência

metodológica para que se torne uma assertiva aceitável (BINSZTOK, 2012). Assim,

os processos de desertificação

(...) são resultantes de mudanças climáticas, são influências naturais e socioeconômicas – pressão sobre ecossistemas frágeis, entre os quais as periferias dos desertos (ou áreas transicionais) são de risco maior, devido ao débil equilíbrio ambiental (BINSZTOK, 2013, p.50).

O modelo de desenvolvimento em questão é fundamentado na relativização dos

efeitos sobre a natureza, com a sua máxima utilização e benefício direcionado ao

modelo industrial. Desse modo, dialogamos com o autor na perspectiva

possivelmente irreversível no prisma geracional de superação dos passivos

ambientais, justificados em políticas verticalizadas e distantes das necessidades

locais. A produção conceitual do desenvolvimento é unilateral, uma vez que

responde a uma demanda de mercado e aplicado sobre a natureza. Mais um

elemento do que referendamos como acirramento da relação sociedade-­natureza.

3.3.2. Desenvolvimento enquanto reprodução da vida

Contraposto à proposta conceitual de desenvolvimento, a formulação de

desenvolvimento que objetive a instância da reprodução da vida enquanto dimensão

e processo espacial, em muito difere dos modelos e propostas públicas. Apesar de

também estar alicerçado em crescimento, tem o horizonte fundamental da

reprodução social. Passa pela lucratividade, mas não se transforma em mercadoria

e aniquilador da instância da vida, mas como permanência e continuidade espacial.

Partindo desses princípios, faremos alguns resgates que contribuem com a nossa

investigação.

Enquanto condição abastarda de recursos, o conceito de desenvolvimento

ganha esta conotação com as políticas de estado, como nos Estados Unidos, com

as doutrinas de Truman (ESTEVA, 2000). Segundo o autor, uma progressiva

“inflação conceitual” se desenvolve como resposta às dificuldades e dinâmicas

conflitivas de estabelecer o desenvolvimento como modelo de sociedade. Mas é

reconhecido que o conceito “ocupa o centro de uma constelação semântica

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incrivelmente poderosa” (ESTEVA, 2000, p.61), pois dentro de suas utilizações,

discorre formas e usos da sociedade em relação a sua reprodução.

O formato de produção capitalista, da superprodução e da lucratividade, como

vimos, revela outras dimensões da crise da sociedade, como também do uso

conceitual do desenvolvimento. Ainda para este autor, a sociedade tem dificuldades

de encontrar saídas para enfrentar a “crise do desenvolvimento”, até porque a

própria conceituação é fracionada e segregadora ao permitir que apenas uma

parcela da sociedade desfrute do que seja o desenvolvimento, sua acumulação e

poder de transformação dos recursos naturais, segundo uma lógica progressiva (op.

cit.). Percebe-­se, assim, que os gargalos do uso conceitual acompanham as

definições no século XXI.

A dimensão da crise não é promissora no patamar econômico e conceitual.

Uma demanda de alta complexidade é criada pós II Cúpula da Terra, de 1992, no

Rio de Janeiro, fruto dos debates ali estabelecidos e frente ao modelo em crise de

conceber a sociedade. Para Zhouri e Laschefski (2000), o conceito de

desenvolvimento deve ser pensado a partir dos acúmulos do evento como um

conceito que questione as utilizações da natureza, enquanto recurso. Observa-­se

que Desenvolvimento e conflitos ambientais tomam foco para outra racionalidade,

que perpasse os limites econômicos do conceito e revela o modelo em oscilação de

sociedade capitalista.

Agora, a janela de reflexão foi aberta uma vez que novos elementos foram

colocados para se pensar o desenvolvimento, como os sujeitos sociais e as suas

racionalidades conflitantes ao modelo posto. Autores como Lander (2005) e

Wallerstein (1991) descrevem, em diversas formas, as construções sobre

desenvolvimento com um horizonte comum decolonial de reflexão: o modelo posto

não referenda a diversidade e heterogeneidade da construção fora da perspectiva

da metrópole. Ainda assim, o desenvolvimento parte da própria espacialidade local

emergente, com pautas reivindicatórias para impedir a colonialidade do poder, a

exploração histórica desenvolvida e, que em suas expressões, manifeste a

territorialidade.

Montenegro (2011) descreve o desenvolvimento enquanto instância de

reprodução da vida e que, por isso, deve estar posto com base em seis teses, que

revelam a luta política e ideológica de processos de resistência na

contemporaneidade. São elas:

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i) Los conflictos por la tierra y por el territorio en América Latina;; ii) Al saqueo lo llaman desarrollo;; iii) Y nos damos cuenta de que el desarrollo, en realidad, son desarrollos que al final son siempre “el Desarrollo”;; iv) El proyecto de la modernidad/colonialidad se mantiene hoy en varios;; v) Posibles caminos de la crítica que no cesa;; e vi) Las heridas y el querer vivir bien. (MONTENEGRO, 2011, p.207)

Na última tese, Montenegro toca na centralidade do que seja a definição de

desenvolvimento contemporâneo, como instância de vida e de luta, ao descrever

que é uma disputa por terra e território. Esse foco não só permite a constatação do

processo de desenvolvimento, mas, no prisma do processo conflitivo da sociedade,

encaminha como pauta de luta de diversas expressões da sociedade (e dos

movimentos sociais), a busca pelo querer vivir (2011).

Como la herida colonial (Mignolo, 2007) o ¿por qué no? la herida del desarrollo infringida por un proyecto imposible, reduccionista y perturbador. Frente a esas heridas, lo que percibimos cuando observamos los conflictos por la tierra y por el territorio (desde el punto de vista de aquellos que no tienen duda de que el conflicto es indisociablemente por la tierra y por el territorio) es un “querer vivir” de los pueblos originarios y las comunidades tradicionales y no un vivir de cualquier manera, un “vivir bien”. Por toda América Latina nos encontramos gentes que hacen del querer vivir bien un desafío irreverente. La herida puede ser una metáfora de la vida pero afortunadamente no es la vida, y para muchas gentes no es, ni mucho menos, el querer vivir bien. Por lo menos, no solamente (MONTENEGRO, 2011, p.212).

A expressão do vivir bien é também mencionada por Svampa (2011) ao

descrever o giro eco-­territorial30 como uma nova gramática das lutas dos

movimentos sociais, julgando o vivir bien como o próprio desenvolvimento em

disputa. Dividimos a escolha mencionada, na medida em que o conceito de

desenvolvimento está posto na dimensão política, ideológica e, como parte

integrante das dinâmicas sociais, da própria vida. A reprodução social enquanto 30 A definição do giro eco-­territorial se refere a “(...) la dinámica de las luchas socioambientales en América Latina ha asentado las bases de un lenguaje común de valoración sobre la territorialidad, que da cuenta cada vez más del cruce innovador entre matriz indígena-­comunitario y el discurso ambientalista”. Esta abordagem ampla da dinâmica das lutas corporifica outros processos, como o que seja desenvolvimento e em intância está a luta de classe em relação a este conceito entre os povos latinos americanos (SVAMPA, 2011, p.190).

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modelo de desenvolvimento é uma definição de escolha analítica e conceitual de

grande profundidade e pauta de movimentos sociais. O desenvolvimento é

delineado segundo a verossimilhança entre o que se vive efetivamente, como os

gêneros de vida e os arranjos espaciais, as territorialidades, e como condição de

enfrentamento dos processos econômicos do modelo capitalista.

3.3.3. Desenvolvimento enquanto política pública

Posto esses dois horizontes conceituais sobre o desenvolvimento, o Estado,

na sua instância e concepção de ordenador/gestor, vivencia o modelo dúbio de

gerência: ora como aliado ao modelo econômico, delineando o formato industrial

capitalista, no viés privado;; ora enquanto atento às necessidades e perspectivas

locais, suas limitações e possíveis implementações enquanto esfera pública;; e, por

conseguinte, no que consiste a sua concepção mais estreita do modelo público-­

privado, atendendo às demandas populares segundo as fontes de interesses do

capital privado percolado em atividades sociais ou de relevância de

responsabilidade.

Para compreendermos a tripla contextualização do desenvolvimento enquanto

política pública, apontamos o autor Francisco de Oliveira (2003) que parte do

pressuposto de que, seja na esfera pública ou na privada ou em ambas, o

desenvolvimento parte da definição de subdesenvolvimento, do status moderno de

precariedade e da necessidade, tanto no âmbito da gerência do modelo econômico,

quanto no que se refere às necessidades sociais.

Mesmo os modelos políticos nacionais referendando a forma moderna de

produzir política, o desenvolvimento não alcançou as classes abastardas da

sociedade. Francisco de Oliveira critica bravamente o modelo político brasileiro, suas

mudanças de gestão e, analisa a quase impossibilidade de um poder popular ser

efetivado, em meio ao caos social entalado. É a concepção dura do capitalismo em

sua máxima espoliação da classe dependente subdesenvolvida.

As autoras Lisboa e Conceição (2007), em um texto que retrata uma reflexão

sobre o simulacro existente entre envolvimento e desenvolvimento na perspectiva

geográfica, chamam para o debate o entendimento de que enquanto política pública

de desenvolvimento, que atende demandas locais, temos a composição de um

problema: a legitimação das relações capitalistas que ratificam a pobreza.

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A aliança da política pública com este nível de produção revela as

conceituações do que seja desenvolvimento aliado à máxima lucratividade que, na

escala local, podem ter uma maior percolação social e aderência nas estruturas

sociais. Os discursos que aprofundam e modificam os entendimentos sobre

emprego e renda são colocados como possíveis na medida em que o local, sua

valorização e seus investimentos, é acionado. Agora, para esta “jogada”, o lucro que

parece alcançar as classes abastardas da dinâmica de mercado é, de fato,

alcançado pelas elites e instrumentos sociais, como no leste maranhense

(ALMEIDA, 2014). É o investimento replicado em produção, com a concentração de

serviços e os empregos ligados à agroindústria – geradores da falácia da renda –

em municípios que são verdadeiros centros comerciais, como Chapadinha (MA). Os

demais municípios expostos por Almeida (2014) no leste maranhense não recebem

nenhum investimento, com demandas emergenciais de habitação, educação e

saneamento em progressivo agravamento.

A escala é um conceito utilizado pelas teorias de desenvolvimento, como

forma e dimensão de atuação territorial. O jogo escalar, seja de implementação e

aplicação, seja segundo a produção e gerência, está em pauta. Para a política

pública, a percolação e a aceitação nas esferas da base social são fundantes, não

pelo acordo ideológico-­político (importante para a legitimidade), mas como fonte de

extração das benesses em questão, alvo da macropolítica mercantil. Como vimos

com Binsztok, tanto na inserção mercantil quanto na validação econômica, o local

desenvolve papel determinante. Afinal, do local é que surgem as assinaturas

contratuais, até mesmo no papel eleitoral, para perpetuação dos planos de gestão

de governos.

Então, a política pública é aqui posta como perspectiva de desenvolvimento,

envolvendo escalas, interesses e estratégias mercantis de fixação em mercados,

concebendo exclusão e reafirmando quadros de miséria. Compreende-­se que,

assim, que na perspectiva do crescimento, a política pública se aproxima do

desenvolvimento, mas não descreve perspectiva de reprodução da vida e diretos a

serem conquistados. É a aliança público-­privado-­público engendrando a estrutura

social com o acionamento conceitual do desenvolvimento.

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CAPÍTULO 04. O AGRONEGÓCIO DO EUCALIPTO DA SUZANO PAPEL E CELULOSE S. A. PARA O BAIXO PARNAÍBA: A PRODUÇÃO INDUSTRIAL DA NATUREZA

A produção capitalista industrial agrícola existente na concepção econômica

das grandes empresas e corporações mundiais – que objetivam a dinâmica do

espaço agrário nacional, descrito em investimentos vultuosos – possui, entre as

suas marcas, o controle produtivo em todos os processos, desde a alocação

espacial, como também na logística do que é produzido. São estes comandos que

complexificam a dinâmica do capitalismo e que detêm nossa atenção no processo

produtivo de celulose.

As marcas industriais no modelo produtivo agrícola exportador desenvolvem

uma lógica de produção, com finalidades de lucro e reprodução de um modus

econômico de empreendimento. É o caso das gigantescas fábricas ao ar livre, nas

extensas fazendas de extração de madeira, e dos homogêneos campos plantados.

Mesmo sem paredes, esses espaços são estruturas bem consolidadas e

operacionalizadas com hierarquias e etapas fabris. Ao inferirmos a reflexão do

processo produtivo no contexto do modelo do capital, apontamos para a condição de

geração de mercadoria, segundo o incremento de mão de obra, recursos financeiros

e o direcionamento para o mercado internacional, daquilo que é produzido. É a

lógica sociedade -­ natureza em meios de rentabilidade, com geração de lucro e

dominação dos mecanismos que possibilitam o capitalismo na égide de

transformação do natural em lucrativo (PORTO GONÇALVES, 2008;; SMITH, 1988).

Assim, as empresas de caráter fabris, sem limites físicos de operação na

agricultura – verdadeiros conglomerados de formas de produção tecnológica – são

operacionalizadas por contingentes de trabalhadores, com foco na sua autonomia

produtiva, diante dos objetivos e mercados em disputa. Para aquelas que trabalham

com commodities, no caso em questão, as silvicultoras, além das estruturas

operacionais em extensas áreas plantadas, há a necessidade de estratégias para

viabilizar o escoamento.

Para Almeida (2010), são as estruturas das agroestratégias, que contam com

agências multilaterais financeiras (bancos, fundos de investimentos e

conglomerados financeiros), e justificam avanços segundo a ausência de políticas

públicas mundiais, federais, estaduais e municipais. São elas também as

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responsáveis pela transformação de espaços geográficos em locais improdutivos,

atuam como geradoras de divisas, e dinamizam a balança comercial, o Produto

Interno Bruto (PIB) municipal / estadual, como também a imagem da relativa

empregabilidade de mão de obra.

Na perspectiva da operacionalidade da agroestratégia ou como ela é

constituída, Harvey (2005) analisa a produção capitalista do espaço, segundo as

dinâmicas locacionais, alinhada ao excedente do capital e da força de trabalho, em

que esses fatores motivam constantes mudanças dentre as dinâmicas e as crises do

capital. Ao se referir à produção da organização espacial, descreve:

Marx, não estava necessariamente equivocado ao priorizar o tempo em relação ao espaço. Na circulação do capital, o propósito e o objetivo dos envolvidos deve ser controlar o tempo do trabalho excedente, e transformá-­lo em lucro dentro do tempo do trabalho excedente, e transformá-­lo em lucro dentro do tempo de rotação socialmente necessário. Do ponto de vista da circulação do capital, portanto, o espaço aparece, em primeiro lugar, como mera inconveniência, uma barreira a ser superada. O capitalismo, conclui Marx, em um notável insight, é caracterizado necessariamente por um esforço permanente da superação de todas as barreiras espaciais e da "anulação do espaço pelo tempo" (HARVEY, 2005, p.143).

Atrelamos a esta análise do autor as agroestratégias supracitadas, pois as

consideramos como parte integrante do modelo produtivo de controle espacial do

capital agrícola. Esse, que é o agronegócio em definição, tem na esfera locacional

de exploração, suas atuações diretas, em um formato multiescalar e espacial de

produção de mais-­valia.

O modelo de desenvolvimento em bases do agronegócio no Estado do

Maranhão tem firmamentos em processos de produção do território e em guias da

máxima rentabilidade entre sociedade – natureza. Como vimos no capítulo primeiro

desta tese, e temos também no texto de Andrade (1984), a aptidão mercantil

agrícola exportadora maranhense tem escrito capítulos de extensas décadas de

produção, como também de marcas territoriais sobre os povos e as populações.

Empresas como a Suzano Papel e Celulose S. A., a Vale S. A. e a Alumar S.

A. expressam a corrente modificação no espaço geográfico maranhense pós-­1970.

Agora, em novas investidas e implementações, elas se aliam a conglomerados

multinacionais, como o IIRSA, para atualizar, constantemente, a sua forma e o seu

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processo de exploração, controle e manuseio dos recursos. Um desses resultados

foi a implementação do MATOPIBA em maio de 2015 (CAMPOS, 2015). Sobre esse

projeto, afirmamos que ele é constituído por ações interligadas nos estados do

Maranhão, Piauí, Bahia e Tocantins e que tem como objetivo, além da total

apropriação dos territórios produtivos tradicionais, a transformação, em larga escala,

dos espaços produtivos existentes em verdadeiros clusters de inovação e

tecnologia. Esses elementos estão presentes seja no espaço agrário, ou no urbano,

com o intuito de propiciar a construção hegemônica de sociedades do agronegócio

(HEREIDA;; PALMEIRA;; LEITE, 2010).

Esse Programa de Desenvolvimento Agrícola (PDA) nomeado como

MATOPIBA é referendado segundo o decreto federal nº 8.447, de 6 de maio de

2015, disponível no Diário Oficial da União nº 85, de 7 de maio de 2015 e foi criado

como Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA e seu Comitê Gestor.

Com participação do Ministério da Pesca, Agricultura e Pecuária (MAPA), do

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e com serviços de Inteligência

Territorial produzidos pela Embrapa, o PDA do MATOPIBA entra em vigor sobre

territórios dos estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia. Com ações

diretas sobre a atividades agrícola e pecuária, o Programa totaliza 143 milhões de

hectares, 31 microrregiões destes estados e 90,94% do bioma cerrado existente

delimitado. Um conglomerado de instrumentos de infraestrutura está previsto para

suprir as demandas do PDA, como a macrologística de rodovias, hidrovias, portos e

retro-­portos, atendendo, diretamente, ao objetivo da maior fluidez das commodities

produzidas (EMBRAPA, 2015). A definição e a caracterização do modelo agrícola

citado representa o formato operacional do capital de amplitude industrial para o

campo nacional, descrevendo o atual contexto de modernização.

A repercussão desse processo de modernização do espaço agrário, sua

interferência nos territórios e no controle da natureza, tem reflexões que vão além do

Baixo Parnaíba enquanto locus de produção, e, ainda, refletem na expansão do

modelo, como vimos nas comunidades da Estrada do Arroz, na região tocantina

maranhense, na Ilha de São Luís, no território Cajueiro e nas disputas por

permanência e efetivação da Reserva Extrativista Tauá Mirim (MOREIRA, 2015;;

SANT’ANA JÚNIOR, ALVES e MENDONÇA, 2007), como abordaremos.

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4.1. A Suzano Papel e Celulose S. A. como expressão da ocupação territorial agrícola no Baixo Parnaíba

Das dinâmicas econômicas ligadas ao modelo de desenvolvimento industrial

capitalista, usos e transformações da natureza, além das definições de territórios de

controle industrial – para efetiva consolidação espacial de um modelo que atrela

capital internacional e exploração local –, são estratégias estabelecidas espaço-­

temporalmente por empresas pós-­revolução industrial no Brasil e, em sequência,

nas escalas díspares do contexto nacional. Estabelecido nas grandes fazendas

latifundiárias da plantation e da extração progressiva de matéria-­prima para a

industrialização europeia, o controle do território e da natureza são marcas do

modelo de industrialização histórica realizada no território nacional (WAIBEL, 1979).

São intervenções de natureza territorial, tanto jurídica quanto do ordenamento,

estabelecendo (velhas) novas formas de exploração e de controle. O dilema está no

avanço em escala global e nas articulações, violências e expulsões de povos e

comunidades, revelando a atualidade do sistema-­mundo-­moderno-­colonial (PORTO

GONÇALVES, 2002).

Desse modo, nota-­se que, enquanto modelo agrícola industrial, a silvicultura

no Maranhão possui elos de modificação de cadeias produtivas de escala de

exploração histórica, com elementos da tessitura das questões ligadas à formação

histórica de transformação territorial maranhense. Isso ocorre reverberando a

territorialização do capital (OLIVEIRA, 2014) em outros territórios, como de forma

concomitante na América Latina (ZIBECHI, 2007). Ademais, a marca da violência

perpassa as ocupações e desvela ações com objetivos de hegemonia, reproduzindo

elementos que comprometem a reprodução de campesinos, indígenas e povos

tradicionais, o que caracteriza a dimensão do avanço do capital no contexto recente.

Sobre o modelo de produção territorial do agrário espaço maranhense, há

uma perspectiva histórica em curso na qual se encontra a máxima exploração dos

recursos naturais e da espoliação da classe trabalhadora, no caso, camponeses de

diversas trajetórias e específico gênero de vida. Nesse contexto, a política agrária no

Estado possui três momentos importantes na conjuntura das transformações, pois

segundo Carneiro (2013, p.22): i) o intervalo de anos de 1970 a 1985, “pode ser

caracterizado pela importância e posterior declínio das políticas de incentivos fiscais

(FINAM, FINOR) e pela política de crédito agrícola farto e barato”;; ii) entre 1980 e

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1995, “a diminuição do financiamento estatal para a grande propriedade e a redução

do crescimento econômico, o que fortaleceu a política de reforma agrária” e;; iii) de

1995 em diante, “teremos um cenário completamente diferente, com crescimento da

demanda global por commodities agrícolas e a consequente expansão dos

interesses empresariais e do mercado de terras”, marcado pela divisão internacional

do trabalho.

O terceiro e contemporâneo momento supracitado, aprofundou as alianças no

fazer do capitalismo para a estrutura agrária, uma vez que o Estado desponta como

promissor e há a corrente possibilidade de render relativa lucratividade para a

balança comercial nacional. Carneiro (2013) compreende que a progressiva

transformação de um Maranhão agrícola, de baixa remuneração e pouca

lucratividade para um cenário de plataforma de exportação é referendado, também,

pelo mercado de terras em expansão. De acordo com o autor,

Nesse novo cenário, o Maranhão ganha destaque, enquanto “plataforma de exportação” de commodities agrícolas e florestais, com a ampliação da área plantada de soja, que, inicialmente concentrada no sul, expande-­se para as regiões centrais e leste do estado;; o crescimento dos plantios de eucalipto para o abastecimento da produção de ferro gusa e, mais recentemente, para o suprimento de duas unidades industriais de produção de celulose e de uma unidade de produção de pallets de madeira anunciada pelo grupo Suzano Papel e Celulose (CARNEIRO, 2013, p.23).

Empresas como MARGUSA, MARFLORA e Suzano Papel e Celulose ocupam

lugar central nesse processo. Segundo Paula Andrade (1995), a MARGUSA

(Siderúrgica Maranhão Gusa S. A.) foi fundada em 1985 por empresários

maranhenses com incentivos da SUDENE (Superintendência de Desenvolvimento

do Nordeste) e vendida, posteriormente, ao grupo japonês Yanmar do Brasil S/A. No

ano de 2003, a MARGUSA foi comprada pelo grupo siderúrgico GERDAU. Já a

MARFLORA atua como representação florestal da MARGUSA.

Em pesquisa realizada, Paula Andrade (1995) constatou o cercamento de

áreas de cerrado – as chapadas31 – e a destruição da cobertura vegetal, por parte

de agentes econômicos, que visavam se apropriar de elementos da natureza (flora,

31 Segundo Paula Andrade (2011), são formações florestais típicas do cerrado onde os camponeses exercem atividades de caça, extração de mel, de plantas medicinais, de materiais para a construção de casas e, sobretudo, de criação de animais soltos.

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fauna, corpos hídricos), sobre os quais as famílias camponesas exercem o

extrativismo, a caça e a pequena criação de animais. Uma vez cercadas as áreas de

uso comum, as famílias camponesas têm seu modo de viver ameaçado.

Posteriormente, após a destruição considerável do cerrado nativo, com vistas

à siderurgia, no Baixo Parnaíba, projetos de desenvolvimento têm sido operados por

grupos econômicos que objetivam a produção madeireira, como é o caso da Suzano

Papel e Celulose S. A. Com a máxima apreensão dos recursos naturais, a política

agrária e agrícola tema de grande expressão da empresa, se faz como uma

emblemática ação de territorialidade do capital.

Além dos monocultivos de eucalipto no Leste Maranhense, como parte da

estratégia de expansão industrial e florestal, a partir de novas fábricas32 do Grupo

Suzano, o Maranhão tem sido palco de outros projetos de desenvolvimento desse

mesmo Grupo que, paulatinamente, vêm sendo implantados e expandidos, como a

recém-­inaugurada fábrica de papel e celulose em Imperatriz33. Soma-­se a esses

empreendimentos, a base florestal circundante de eucalipto, nas microrregiões de

Imperatriz, Porto Franco, Alto Mearim e Grajaú, Chapada das Mangabeiras e Gerais

de Balsas (SIQUEIRA, 2010). Há também o Terminal Portuário Grandis, em São

Luís, ainda em fase de projeto, como ponta de um modelo monopolizador dos meios

de produção, infraestrutura e distribuição, bastante difundido na indústria de papel e

celulose: terra-­base florestal-­fábrica-­rodoferrovias-­porto concentrados nas mãos de

empresas.

Essa dinâmica ocorre de maneira complexa e multivariada, diante da

presença de vários atores. No caso citado anteriormente, tal monopólio se dá de

forma intercalada e integrada estrategicamente por relações comerciais

complementares, algumas vezes totalmente interdependentes, entre a Suzano Papel

e Celulose S. A. e a Vale do Rio Doce, onde o Estado surge como mediador

fundamental desde o processo de passar o controle de acesso à terra às empresas

32 Ambas em fase de projeto: uma para produção de celulose, a ser construída nas proximidades de Teresina, no Piauí, e outra para pellets, projetada inicialmente para ser instalada no município de Chapadinha, no Leste Maranhense. Essa última faria parte da Suzano Energia Renovável (SER). Pellets são partículas desidratadas e prensadas com alto poder calorífico que servem como combustível para caldeiras residenciais, industriais e usinas termoelétricas. Disponível em: <www.suzano.com.br>. Acesso em 27 ago. 2011. 33 Em dezembro de 2013, a Suzano colocou em operação, no município de Imperatriz (MA), sua mais nova unidade industrial para produção de papel e celulose de mercado a partir de eucalipto (MARTIN, 2014). Para o Leste maranhense, são previstos a instalação da planta fabril de pallets em Chapadinha, MA, e outra para produção de bioenergia, em Teresina, PI.

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– facilitado por debilidades jurídicas, financiamentos bilionários e incentivos fiscais –

até aos demais fatores locacionais, como viabilização ou melhoria da infraestrutura.

Segundo Martin (2014) e Pöyry (2010), o escoamento de produção da fábrica em

Imperatriz está em maior parte garantido por um contrato de logística (até 2043) com

a Vale do Rio Doce. Nesse mesmo local, a Suzano Papel e Celulose S. A. construiu

um ramal ferroviário de cerca de 28 km que vai de dentro da fábrica até a próxima

ferrovia, a Norte–Sul. Daí em diante, o transporte ferroviário é operado pela Vale do

Rio Doce, de onde a carga percorre mais 100 quilômetros até a Ferrovia Carajás,

totalizando 630 km de trecho ferroviário até o porto de Itaqui, o que dá uma

vantagem de três a quatro dias de transporte para a América do Norte e a Europa

em relação aos demais portos das regiões Sul e Sudeste do país.

Outra parceria da Suzano com a Vale foi estabelecida na formação da base

florestal de eucalipto para fábrica de Imperatriz, através do programa Vale Florestar

(em implantação no Pará) e de ativos florestais da Vale no sudoeste do Maranhão

que, juntos, compõem aproximadamente 84.500 ha de terra, dos quais cerca de

34.500 são campos de eucalipto, em consonância com mais 71.745 ha de terras

próprias da Suzano, na microrregião de Imperatriz, sendo 30.700 de área plantada

com eucalipto e 2.100 de áreas de infraestrutura. Importante observar que o aval

financeiro para consolidação e plena expansão dessa base florestal, sobre a outrora

Amazônia da tríplice fronteira Maranhão/Tocantins/Pará, foi (e continua sendo)

possível por recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) financiados à Suzano, no valor de US$575 milhões, para compor uma área

plantada circundante da ordem de 154 mil ha de eucalipto (68% de áreas próprias e

32% de terceiros), área mínima necessária para produção anual máxima da fábrica

de Imperatriz, de 1,5 milhão de toneladas de celulose branqueada, sendo que parte

será convertida para gerar 500 mil toneladas de papel por ano. A planta da fábrica

ocupa uma área total de 1,5 milhão de m², sendo 96 mil de área construída, ao custo

de US$2,4 bilhões financiados junto ao BNDES.

Tais investimentos em infraestrutura (fábricas, portos, instalações, acessos

rodoferroviários) estão atrelados ao Novo Ciclo de Crescimento da Suzano, lançado

em 2008. Além disso, os projetos da empresa são defendidos pelo Estado do

Maranhão tendo como argumento as suas possíveis consequências positivas, como

emprego e renda para população:

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A Suzano Papel e Celulose é o carro-­chefe do novo Pólo Industrial de Imperatriz. A Suzano pretende investir R$ 4 bilhões e iniciar em 2011 a construção de sua fábrica de celulose no estado. A nova unidade terá capacidade de produzir 1,5 milhão de toneladas de celulose de eucalipto por ano e deve gerar 3,5 mil empregos diretos, sendo mil na área industrial, além de 15 mil postos de trabalho indiretos. Oito mil empregos deverão ser gerados durante a fase de construção da fábrica. A produção deverá ser toda voltada para exportação. A escolha da cidade de Imperatriz para abrigar a nova unidade permitirá à Suzano a utilização da Estrada de Ferro Carajás -­ EFC para escoar a produção pelo terminal portuário a ser construído em São Luís. A nova fábrica deverá ser transformada na principal referência em produção de celulose no mundo. Além disso, a Suzano criou uma nova empresa -­ Suzano Energia Renovável -­ que já iniciou negociações para a implantação, no interior do estado, de duas unidades de produção de pellets de madeira com capacidade de 1 milhão de toneladas/ano, cada (MARANHÃO, 2011, p.10).

4.2. Transporte e logística – Porto e Retro-­porto Cajueiro: ações concentradas por um modelo territorial de desenvolvimento

O porto do Cajueiro, localizado no município maranhense de São Luís,

representa o novo investimento da empresa Suzano Papel e Celulose S. A. com

objetivo de desempenhar novas ações e funções econômicas e mercantis, com fins

internacionais, como acelerado desempenho em logística e transporte, estocagem

em grande volume e independência privada da realização destas atividades no

cenário mundial. A associação a outras empresas aparece como elemento da

multifuncionalidade econômica do setor, atendendo demandas também de

estocagem de combustíveis, grãos e sistemas de transporte modal, entre as

rodovias, as ferrovias e o porto. Além de escoamento da produção, que representa o

ápice do sistema produtivo e da economia industrial internacional do Estado, há uma

outra característica nesse empreendimento, fortalecer a lógica de transporte e

logística em portos e retro-­portos objetivada pelo IIRSA na América Latina

(ESPINOZA, 2009;; LEROY e MALERBA, 2010;; CECEÑA et. ali, 2007). Razão esta

que aquece as tomadas de decisões em diversas escalas, como veremos a seguir.

A ação do capital para desempenho que objetive a máxima lucratividade é

resultante da articulação escalar e política entre Estado e iniciativa privada, desde

relações que possibilitem a instalação de empreendimentos – de cunho comercial e

industrial –, como também do desenvolvimento do modus operandis nos moldes

modernos da concepção das políticas públicas. Essa forma de operação descreve a

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dinâmica nacional da industrialização, com funções atreladas à subordinação

internacional, baseadas em seus produtos, como as commodities ligadas aos

recursos naturais e agrícolas.

O porto do Cajueiro, nesse sentido, demandado pela empresa Suzano Papel

e Celulose S. A., está acoplado de interesses e investimentos das empresas

Petrobrás, Cargil e Bunge e é, inicialmente, mencionado pela política pública

enquanto um dos projetos estruturantes do Distrito Industrial de São Luís (DISAL).

Por definição e objetivo, de acordo com o Relatório de Impacto e Meio Ambiente

(RIMA), o DISAL é

(...) o Loteamento do Distrito do Solo Urbano para fins Industriais/Distritos Industriais, localizado no município de São Luís, no estado do Maranhão. O DISAL faz parte de uma política governamental de desenvolvimento do setor industrial do Maranhão, que tem como um dos objetivos a adequação das áreas destinadas à implantação de indústrias no Estado (MARANHÃO, 2013, p.9).

Segundo o mesmo documento, o DISAL é fundamentado pelos decretos de lei

abaixo:

• O Distrito foi criado por meio do Decreto nº 7.632 de 23 de maio de 1980,

sendo que o Decreto 7.646 de 06 de Junho 1980, o declarou como “utilidade

pública, para fins de desapropriação total ou parcial, os bens que especificam,

situados no município de São Luís, necessários à implantação de parte do

DISAL”, propondo um perímetro de 59.974 metros, o qual incluía uma área de

13.120 hectares;;

• O Decreto Estadual nº 18.842 de 2002 reformulou o Distrito, que passou a

ocupar uma área de 17.776 hectares dentro de um perímetro de 70.075

metros;;

• No entanto, o Decreto Estadual nº 20.727 de 2004 reformula novamente o

DISAL, o qual passa a ocupar uma área de 18.861 hectares dentro de um

perímetro de 83.053 metros.

Os aproximadamente 18.000 hectares em questão são destinados a

empreendimentos diversos, como portos e retro-­portos, podendo receber

empreendimentos, como indústrias de grande envergadura e transformação, que

têm entre seus produtos, alumínio e fertilizantes. Mesmo com toda a dinâmica

proposta pelo DISAL, a arena de novos atores é remontada, permanentemente, com

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oportunismos e intervenções de novos empreendimentos e horizontes de

lucratividade (MOREIRA, 2015).

O aparato industrial e portuário que o Estado do Maranhão aponta em seus

decretos e decisões sobre o território é corroborado com a própria visão de

empresas, como a Suzano Papel e Celulose S. A. Segundo Leon Feffer (apud

RIBEIRO JUNIOR, 2014), um dos fundadores do Grupo Suzano no Brasil, a garantia

das condições de produção e exportação, na compreensão do ciclo industrial e

mercantil (HARVEY, 2005), dão subsídios para processos de construção de

conglomerados industriais de pinos, como expresso na caminhada inicial da

empresa Suzano nacionalmente:

A trajetória da nossa Empresa é marcada pelo pioneirismo, inovação e compromisso com o desenvolvimento econômico e social. Até os anos 1950, toda a produção brasileira de papel era feita a partir de celulose de pinus, matéria-­prima importada, cujo abastecimento era sujeito a interrupções e períodos de escassez. Percebendo nesse inconveniente uma grande oportunidade de negócio, Leon Feffer e seu filho Max Feffer conduziram um processo de pesquisa, em parceria com a Universidade de Gainsville – Flórida, com diversas espécies florestais, além de outras culturas como sisal e o bagaço de cana, em busca de novas fontes de matéria-­prima. O eucalipto apresentou os melhores resultados (SUZANO, 2008, p.32 apud RIBEIRO JUNIOR, 2014:, p.8).

O carácter de produção de celulose e papel na esteira do que a Suzano

implementa também possui outra característica, a saber, o financiamento e a

isenção de impostos para instalação, desenvolvimento e funcionamento da empresa,

além da dimensão da pesquisa e da inovação que é assim descrita enquanto

diferencial, qualidade e modernidade em sua atuação.

Em 1940, Leon Feffer ―inaugurou a sua fábrica de papel Companhia Suzano de papel e celulose, na cidade de Suzano-­SP117ǁ‖ (JOLY, 2007, p.31). Em 1946, já sob a denominação de Indústria de Papel Leon Feffer S.A., a Suzano possuía três conjuntos industriais em operação, utilizando como matéria-­prima celulose importada. Todavia, era o Estado brasileiro que garantia as condições gerais de produção nesse momento. Como bem mostrou Joly (2007), ele garantia isenção de impostos, importação de máquinas, insumos, ferramentas, auxílio financeiro para construção de fábricas e instalação de laboratórios de pesquisa. Vê-­se que a dimensão empreendedora, ou o pioneirismo de Feffer foram substancialmente ajudados pelo Estado que fornecia os elementos necessários para o desenvolvimento privado (RIBEIRO JUNIOR, 2014)?

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No cenário local, a instalação da fábrica da Suzano Papel e Celulose S. A. em

Imperatriz, coroa o movimento econômico, político, industrial e fiscal, que se inicia

com o governo Roseana Sarney. Sobre a construção da fábrica e seu

funcionamento, salientamos que essas atividades estão acopladas a um sistema de

transportes e de escoamento de produção da região tocantina em direção a Ilha de

São Luís, que ainda utiliza o porto do Itaqui, administrado pela Empresa

Maranhense de Serviços Portuários (EMAP).

Contudo, a utilização da estrutura portuária existente no Maranhão não

representa efetivamente a necessidade da Empresa Suzano Papel e Celulose S. A.

no quesito circulação de mercadorias, haja vista que a sua própria hegemonia neste

item, representaria uma maior rentabilidade no contexto comercial. Sendo assim, em

2011, foi lançada a proposta de construção do Terminal Portuário Grandis e seus

acessos ferroviários e rodoviários, no território Cajueiro, praia de Parnauaçu, São

Luís. O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) da empresa descreve que o principal

objetivo é “receber, armazenar e expedir a celulose produzida, no Estado do

Maranhão, pela fábrica da Suzano Papel e Celulose, localizada em Imperatriz”

(SUZANO, 2011, p.09). Afirma, ainda, que é uma articulação entre a Estrada de

Ferro Carajás (EFC) e a Transnordestina Logística S. A. (antiga Companhia

Ferroviária Nacional – CFN), que revela as novas formas de economia industrial no

ramo portuário e de logística, atrelando iniciativa pública e privada.

Segundo o mapa que segue (Mapa 1), questões locacionais são

estabelecidas na cartografia, assim como articulação com o atual modelo existente

de transporte e logística no entorno da Estrada de Ferro Carajás e do Terminal

Portuário do Itaqui. Esse novo empreendimento poderá representar ameaça aos

atuais contratos público-­privados de exportação e logística, que também acarretará

na arena política um volume de exportação de commodities, assim como a

efetivação do IIRSA na escala brasileira, partindo do Estado do Maranhão. Essas

questões representam a tomada de decisão pela sua implementação, como também

a direção para os sujeitos sociais no que se refere aos conflitos pela sua criação.

Dilema este que, segundo o Decreto nº 30.610, de 30 de dezembro de 2014,

disponível no Diário Oficial do Estado do Maranhão nº 254, transitoriamente,

desapropriou uma área equivalente a 18.861,04 ha, para construção do

empreendimento.

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Mapa 06: Localização do empreendimento Terminal Portuário Grandis e seus acessos rodoviários e ferroviários no Território Cajueiro. Fonte: Suzano Papel e Celulose S. A., 2011:05. Organização: Próprio autor

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O processo de instalação tem sua trajetória marcada, inicialmente, por duas

contradições, a saber: ora por se tratar de mais um empreendimento industrial para

a Ilha de São Luís, que já possui números além do concebido enquanto limites da

emissão de gases e poluentes (ZAGALLO, 2015);; outro, quanto ao quesito legal e

político existente, ligado à implementação da Reserva Extrativista de Tauá-­Mirim34

(MOREIRA, 2015;; PEDRO, no prelo). Quanto à contradição primeira, Zagallo35

descreve que os poluentes emitidos dizem respeito ao valor de 43.506 ton/ano,

sendo 31.419 ton/ano de responsabilidade das indústrias presentes (ENEVA, 2005

apud ZAGALLO, 2015). Taxas além do permitido pela legislação, descritas na

resolução CONAMA nº 382, de 26 de dezembro de 2006, e que não são consultadas

pelas Empresas WPR São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. e BC3 HUB

Multimodal Industrial Ltda., descritos no EIA do Terminal Portuário de São Luís36

(WPR, 2014a;; 2014b).

A segunda contradição pertinente diz respeito ao reconhecimento do território

da Reserva Extrativista Tauá-­Mirim (Resex) e à demarcação do empreendimento. A

construção popular, a partir do conselho gestor da Resex, delimitou que dentre as 12

comunidades que a compõe, a comunidade do Cajueiro possui parte do seu território

pertencente à reserva que diz respeito à Praia de Parnauaçu e à praia do Andirobal.

São esses os espaços geográficos em disputa para a instalação do porto e retro-­

porto. O conflito ocorre pelo fato de que esses locais estão situados entre os portos

existentes na Ilha de São Luís e, estrategicamente, possuírem um acesso facilitado

à rodovia e à ferrovia, mediante a sua distância da malha urbana da cidade e da 34 Em 15 de março de 2015, em assembleia popular, foi declarada a Reserva Extrativista de Tauá-­Mirim, independente do dispositivo jurídico da anuência do Governo do Estado do Maranhão, para sua criação. A assembleia de criação ocorreu na comunidade do Taim, território da Resex, na Casa das Águas. 35 Contribuições de Guilherme Zagallo para realização de audiência popular no território Cajueiro, em 29 de outubro de 2014, com objetivo de denunciar a violência na construção do Porto Grandis no Cajueiro, além de municiar os moradores quanto às informações do que se refere o empreendimento. Quanto aos elevados dados, apenas são citados da termoelétrica ENEVA MPX, não considerando dados da Alumar e da Vale, também em funcionamento na Ilha de São Luís 36 Denúncias foram feitas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo Grupo de Estudos sobre Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), quanto à produção e disponibilidade do EIA e do RIMA, relativo a esse empreendimento, durante o processo de realização de audiências públicas e emissão da licença de instalação, além da licença que diz respeito ao uso ocupação do solo, estas, sendo outorgadas na sequência, pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão (SEMMA) e pela Secretaria de Urbanismo do Município de São Luís. Ainda quanto ao EIA e ao RIMA, o nome Terminal Portuário de São Luís é o mesmo nome do Terminal Grandis, detendo as mesmas características, área de ocupação e empreendimentos que serão viabilizados a partir da obra. Essa constatação ocorreu após compararmos os EIAs e os RIMAs disponibilizados (WPR, 2014a;; 2014b;; SUZANO, 2011;; MARANHÃO, 2013), cruzando, assim, os processos de ocupação do território.

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proximidade com a entrada da Ilha (vide Mapa 2). A iniciativa autônoma enquanto

Resex do Tauá-­Mirim prevê a conservação da dinâmica da natureza da ilha com fins

de permanência dos povos e comunidades tradicionais, além de representar uma

recarga hídrica fundamental para os mananciais locais (PEREIRA, 2006). Desse

modo, o que está em jogo é um determinado modo de vida, em conflito diante da

relação sociedade e natureza, seus rumos e suas perspectivas de permanência, a

partir do que os povos e as comunidades tradicionais apontam como fundante para

a manutenção do bem viver.

Ainda diante da possibilidade de implantação do projeto, a CPT e o GEDMMA

apresentaram ao Ministério Público Federal (MPF), ao Ministério Público Estadual

(MPE) e às promotorias de Meio Ambiente e de Questões Agrárias, como também

aos órgãos de meio ambiente do Estado e do Município, um parecer técnico sobre o

Cajueiro, a Resex Tauá-­Mirim37 e a pressão que está sendo feita nas comunidades,

para que se dê a instalação da planta industrial. São denúncias que relatam a

presença de milícia armada, assédio moral, invasão de propriedade privada, e

também, a grilagem de título condominial que a comunidade detém (imagem 1 que

segue).

Na circunscrição do título condominial, a posse do território é descrita para

fins de manutenção de práticas tradicionais, como pesca e roçado, excluindo a

possibilidade de uso industrial, uma vez que seu objetivo tem como finalidade a

reforma agrária estadual. Em laudo do Ministério do Meio Ambiente relativo à criação

da Reserva de Tauá-­Mirim (MMA, 2007), há a descrição da dinâmica local, a posse

da terra diante dos títulos condominiais e as práticas tradicionais, como elementos,

suficientes e comprovatórios para a criação da Resex. Ainda, em ofício nº

196/2014/CNPT-­SEDE/ICMBio, de 03 de novembro de 2014, em resposta à consulta

sobre a instalação do porto e retro-­porto, a coordenadora Kátia Barros discorre em

destaque que: 3) Fazendo uso das imagens disponíveis foi possível realizar o seguinte procedimento para a averiguar a sobreposição ou não: • Através do uso do uso de recurso de superposição de imagem

37 As comunidades que compõem o conselho gestor da Resex são: Rio dos Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Portinho, Ilha Pequena, Embaubal, Jacamim, Amapá e Tauá-­Mirim. Além delas, outras comunidades que estão fora do projeto da Reserva Extrativista, também integram o território tradicional, compartilhando de modos de vida e ameaças territoriais similares, como as comunidades de Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila Maranhão, Sítio São Benedito, Vila Conceição, Mãe Chica e Camboa dos Frades

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do Google Earth foi possível sobrepor os limites citados no EIA/RIMA utilizando a figura 3 da página 14 do RIMA, a figura 2, da página 11 e o mapa de proposta atual da RESEX (fonte: ICMBio). Utilizou-­se os limites hidrográficos para minimizar o máximo de erros. Apesar disso, não há dúvidas quanto à existência de sobreposição. Dados obtidos: i) parte terrestre, aproximadamente 56 ha sobrepostos (área administrativa, terminal de cargas e contêineres e área verde);; ii) parte marítima com aproximadamente 47 ha de sobreposição (píer sul). 4) Com isso, verifica-­se que há sobreposição na parte sul e sudeste (parte de terra) do empreendimento com a proposta da UC, essa parte compreende a área verde, terminal de cargas geral e administração do terminal conforme descrição das instalações prevista para o Terminal Portuário (figura 2, página 11, RIMA).

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Figura 04: Planta baixa do título condominial do território Cajueiro, São Luís, MA, com indicação das

praias de Parnuaçu e Andirobal Fonte: Pesquisa de campo, 2014

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Na denúncia feita pelo GEDMMA, o foco da contradição e das consequências

incalculáveis aos povos e comunidades é explícito na perspectiva de que,

intervenções territoriais como essas expressam, além do desrespeito, um crime

ambiental.

Sendo assim, a retirada de uma dessas comunidades, como está ocorrendo com Cajueiro seguramente interferirá em todo território étnico, descaracterizará ambiental e culturalmente a área requerida pelas comunidades para a RESEX de Tauá-­Mirim, trará desestabilização e insegurança àqueles que defendem seus modos e meios de vida próprios de extrativistas marinhos, e, ainda, irá contra a determinação judicial que impede qualquer deslocamento de populações para fins de instalação de empreendimentos industriais ou de infraestrutura na área, até que o estado se manifeste, definitivamente, sobre o desejo dos moradores em fazer do seu território a RESEX de Tauá-­Mirim (decisão judicial, proferida em 14.10.2014, no processo de ação cautelar, autos nº 0046221-­97.2014.8.10.0001 (494772014)) (GEDMMA, 2014, p.06).

Corroborando as denúncias, a CPT também realizou a produção de uma nota

técnica relativa a essa disputa, com demarcações sobre a questão agrária, fundiária

e sobre os modos de vida em jogo, diante da eminência da instalação da empresa.

No documento, trechos demarcam a chegada da Suzano Papel e Celulose S. A.,

ainda em 2010, segundo relato da comunidade. O fato é semelhante ao aliciamento

anterior, que implementou a Ferrovia Carajás e as empresas do consórcio

ALCOA/ALUMAR. Ou seja, a prática é antiga e revela o modelo histórico de controle

dos territórios pelo grande capital. Tramita em juízo, a decisão quanto ao caráter da

área de disputa pelo empreendimento, uma vez que a comunidade do Cajueiro se

localiza em área rural, segundo a Lei de Zoneamento municipal de São Luís (Lei

3.253, de 29 de dezembro de 1992). Nesse quesito, o documento que a CPT

apresenta, remonta que:

[a]té hoje essa liminar não foi cumprida. O Estado do Maranhão, por intermédio da Procuradoria Jurídica do Estado (PGE), alega que a liminar da justiça federal não é válida para o caso da WPR e Cajueiro, pois a área em disputa estaria situada no distrito industrial (DISAL), não sendo área rural. Além disso, até o final da gestão do governo do Estado, encerrada em 2014, a posição daquele governo era totalmente contrária à RESEX, o que faz com que não seja reconhecida, politicamente, a validade dos acordos supracitados. Tanto o Estado do Maranhão (SEMA e SEDINC) quanto a empresa

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WPR alegam desconhecer os limites do traçado da RESEX de Tauá-­Mirim. A União, por sua vez, permanece inerte quanto à criação da RESEX (CPT, 2015, p.14).

O que nos desperta o debate colocado pela entidade é que, mesmo com a

ausência de decisão judicial referente ao litígio pelo perímetro, e com a ausência da

permissividade da Lei de Zoneamento com caráter decisório para a instalação de

empreendimentos dessa natureza, tanto a iniciativa privada – para a construção

daqueles que almejam efetivamente utilizar o empreendimento – quanto o Estado,

que defende a pauta diante da dinâmica do MATOPIBA e do IIRSA, demonstram que

a efetividade dessa iniciativa é algo posto e colocado em prática pelo atual modelo

do agronegócio industrial.

As formas de ação do modelo industrial presentes na Ilha de São Luís,

diretamente ligadas ao território do Cajueiro e à Resex Tauá-­Mirim, são expressas

em demolições criminosas e em invasões desordenadas. Em 2014, dezesseis

moradias foram demolidas, revelando o jogo de poder realizado com marcas da

violência, como nas fotos que seguem. Detalhe para a marcação em vermelho que

consta nas casas, esse sinal diz respeito ao controle das residências que a WPR

Gestão de Porto e Terminais de São Luís e a BC3 Multimodal possuem como alvo

para serem demolidas e negociadas. Os proprietários da casa, da fotografia abaixo,

não aceitaram a proposta de compra pelas empresas e a residência foi demolida

criminalmente.

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Foto 01: Residência demolida no território Cajueiro em dezembro de 2014.

Fonte: autor, pesquisa de campo, 25 de outubro de 2014

Foto 02: Rastro da demolição de uma residência no território Cajueiro em dezembro de 2014.

Fonte: autor, pesquisa de campo, 25 de outubro de 2014

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Mapa 07: Localização do empreendimento de Porto e Retro-­porto da Suzano Papel e Celulose S. A. e da construtora WPR Gestão de Portos e

Terminas Ltda. Fonte: WPR, 2014:08.

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O empreendimento avança sobre o território do Cajueiro de forma complexa e

“sinuosa”. Mediante a pesquisa de campo, nos deparamos com fatos brutais, como a

apresentação de título de terras adquirido pela WPR São Luís Gestão de Portos e

Terminais Ltda. e pela BC3 HUB Multimodal e que está registrado no mesmo cartório

do título condominial da comunidade (Imagem 1, território Cajueiro demarcado no

título condominial). A dinâmica da sobreposição das áreas e também dos títulos é

compreendida como estratégia do grande capital para sua permanência e controle,

desencadeando conflitos de ordens distintas, que possam garantir, em revelia ao

que se tem historicamente sobre controle da comunidade, a inserção (nos âmbitos

legais e jurídicos) na esfera pública. Dialoga-­se, nesse contexto, com a definição

que Feliciano traz sobre o próprio Estado, enquanto sua prática patrimonial territorial

(BONAVIDES, 1967 apud FELICIANO, 2015). São dispositivos que contrapõem a

lógica, até mesmo, do direito instituído pelo Estado de direito, diante da garantia

mínima de permanências e atenções pela jurisprudência e pela preservação.

As práticas dos povos e comunidades tradicionais do Maranhão são diversas

e complexas e descrevem trajetórias e caminhos, tanto da identidade como também

das formas e estratégias de reprodução do bem viver. Especificamente, o território

Cajueiro representa uma dinâmica ancestral dos povos de matriz africana, com

elementos místicos e históricos presentes nesse território. Como exemplo de

religiosidade ligada ao território temos o Morro do Egito, terreiro mais antigo do

Maranhão e um dos mais simbólicos do país, que fica localizado nesta região e

representa um elemento imaterial único na vivência dos povos de matriz africana.

Diante de sua intentona por ocupação industrial, Pai Euclides, babalorixá da Casa

Fanti-­Ashanti, era o guardião do terreiro do Egito, responsável pelos cultos e suas

celebrações (FERRETI, 2009 apud GEDMMA, 2014). Em entrevista, Pai Euclides

revela elementos do território também expresso no Morro do Egito.

Pergunta: Pai Euclides, qual é o período de visita que tem para o Morro do Egito? Tem um período específico que as pessoas se juntam e vão até lá? Pai Euclides: Não, qualquer momento o pessoal pode ir, mas como eu fiquei aqui talvez um pouco isolado, eu sempre aproveito o mês de Julho que a gente tá em festa, a festa maior daqui de casa e desses dias eu tiro de preferência no último dia de toque aqui ai eu reúno o pessoal, o grupo aqui e ai a gente vai pra lá e ai a gente lá canta, reza as que são pra cantar às vezes leva algum pouquinho de oferenda pra colocar em algumas árvores porque até isso foi desmatado, ali era um terreiro que não tinha esse negócio de quarto

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de Beiji, os assentamentos, os feitiços lá eram exatamente nas árvores consagradas a determinadas divindades, tinha árvores pra várias entidades lá e aí a gente fazia todo o processo de imolação não sei o que, a gente cortava as pindobas que lá tem bastante e a gente fazia tipo um círculo em volta do pé de árvores e ali a gente fazia a imolação de animais, não sei o que... recolhia as pessoas para a iniciação era tudo isso, outras pessoas de fora não podiam chegar “ah não vai pra ai agora, não vai pra ai não sei o que” tinha todo o respeito, o povo além de respeitar tinha aquele medo da coisa e essa história toda assim (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014) (GEDMMA, 2014, p.04).

Foto 03: Levante do mastro no território Cajueiro pelos movimentos sociais e povos do terreiro, em

ato de preservação do Morro do Egito. Fonte: Fotógrafo Pablo Gabriel, 22 de novembro de 2015.

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Foto 04: Levante do mastro no território Cajueiro pelos movimentos sociais e povos do terreiro, em ato de preservação do Morro do Egito. Detalhes da presença do Pai de Santo da Ilha de São Luís em

primeiro plano e Seu Joca, pescador do Cajueiro, à direita na imagem e em segundo plano. Fonte: Fotógrafo Pablo Gabriel, 22 de novembro de 2015.

A intentona contra esse território enquanto ameaça à identidade dos povos de

terreiro aliou diversos seguimentos que questionavam as tentativas que a Suzano

Papel e Celulose S. A. fez em adquirir esse espaço de representação e culto. Não se

refere apenas ao preço ou às formas de aquisição do território, mas ao fator

simbólico representado nas ações que o capital acessa aos espaços da cultura, da

identidade, do sagrado, pela transformação mínima ao elemento mercantil, ou ainda,

a relativa ação sublime que transforma identidades de séculos em portos e retro-­

portos de exportação. É a drenagem dos territórios em vias do modelo de

comercialização.

Assim, o formato de acesso aos territórios que o referido empreendimento

desprende revela a violência que está em jogo, com sua destruição e, ainda, sua

irreformabilidade, incontrolabilidade e destrutividade (MÉSZÁROS, 2009:57),

pormenores de sua atuação em vias de um projeto de hegemonia globalizante do

capital. Desde ações concatenadas do Estado e do capital, como a alegação

voluntária de documentos e títulos, e também, a contraposição de ações autônomas

de permanência territorial – como a deflagração da atuação e existência da Resex

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Tauá-­Mirim –, não restam elementos que constam no processo blocado de

justificativas multiescalares de controle e dominação territorial.

Ainda, em meio ao contexto de destruição de povos e comunidades, a

articulação territorial entre os povos, a criação da Resex e a retomada da pauta

identitária de matriz africana, revelam a insurgência de processos de luta e

contraposição social popular em curso na ilha de São Luís, desvelando as ações do

capital, segundo o agronegócio e a ação da Empresa Suzano Papel e Celulose S. A.

Por fim, tanto na esfera dos espaços produtivos no Baixo Parnaíba, na

construção do porto e retro-­porto na Ilha de São Luís quanto na dinâmica presente

em torno das comunidades de municípios de Imperatriz e Cidelândia,

especificamente, na Estrada do Arroz, é visível a escala de atuação do capital. Haja

vista esses processos, a questão agrária histórica no contexto maranhense, continua

sob formas violentas, ações diretas de desterritorialização e mudança permanente

na trajetória dos modos de vida e formas tradicionais. Essas são questões que

acompanham o formato do processo de desenvolvimento, na dimensão sociedade e

natureza, e suas diversas representações, diante da autonomia de povos e

comunidades e verticalização hegemônica do processo produtivo industrial, no

âmbito do agronegócio contemporâneo.

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CAPÍTULO 5. A RESISTÊNCIA CONCRETA CAMPONESA NO BAIXO PARNAÍBA: A COMUNIDADE SÃO RAIMUNDO

A busca pela autonomia e pela permanência territorial de comunidades

camponesas no estado do Maranhão é recorrente na perspectiva histórica que

concebe o espaço agrário, suas constantes transformações que advém das

intervenções do capital e da monopolização dos processos, com alvo em

consolidação de estruturas produtivas (COSTA e PAULA ANDRADE, 2008a, 2013;;

CARNEIRO, 2008;; SOUZA FILHO, 2014). O cenário de conflitos não finalizou a luta

de povos e comunidades tradicionais camponesas contra esse modelo colonial, ao

contrário, ecoa em novas formas de contestação social e organização espacial.

O Maranhão, em sua dinâmica das lutas no campo, segundo os povos e

etnias tradicionais camponesas, indígenas e quilombolas, é marcado por dois

grandes processos sociais ligados à centralidade da terra e da questão agrária, a

saber: o conflito diante do avanço do latifúndio improdutivo, que condiz com a

histórica grilagem de terra ainda presente no século XXI (MATTOS JUNIOR, 2010) e

com a violência contra as sociedades camponesas (PAULA ANDRADE, 2008b),

diante das relações de trabalho nelas concebidas, como o foro, e a precarização da

mão de obra no campo e na cidade (CARNEIRO, 1996 apud CARNEIRO, 2013).

Esses dois pilares sustentam a produção capitalista no campo, com fins do

monocultivo (im)produtivo e a fixação de grandes complexos agroindustriais, suas

estruturas de logística e exploração da natureza. Assim, o modelo em vigor no

espaço agrário acirra as disputas territoriais e espolia, de forma vilipendiada, as

sociedades camponesas, reforçando lutas e embates políticos de resistência.

Ainda sobre o debate, a prática da cobrança do foro é descrita enquanto

relação que subsidia as formas trabalhistas nas propriedades rurais maranhenses,

direcionando partes ou quantias da produção para o proprietário das terras.

Segundo Andrade (1984), com os implementos agrícolas da Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência de

Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a derrubada da vegetação nativa para

substituição pela pastagem para gado de raça motivou essa relação, com a

concentração das áreas de extração, cultivo e coleta, que são a base das formas

produtivas desse campesinato. Segundo Franklin (2014) e Soares e Antunes (2010),

diante da relação de cobrança do foro, diversos grupos camponeses no Maranhão

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se organizaram com o objetivo de questionar a estrutura agrária e as formas de

exploração, descrevendo que a mais-­valia produzida já subsidiava a forma

capitalista de trabalho, não necessitando de outra forma de alienação camponesa,

culminando na dívida e na forma análoga ao trabalho escravo, haja vista as

condições empregadas aos camponeses pelos patrões.

Para Carneiro (2013), as atividades mais recentes, após os ciclos do babaçu

e do arroz (a partir dos anos 1980), são atreladas aos investimentos diretos do

governo federal, segundo dois mecanismos principais:

(...) via implantação de empreendimentos diretos (obras de infraestrutura e projetos/programas econômicos) e via mecanismos indiretos de incentivo à implantação de atividades econômicas, caso das políticas de incentivos fiscais e de redução de tributos incidentes sobre a exportação (Lei Kandir). No primeiro caso, temos atividades relacionadas com a implantação do Projeto Ferro Carajás, da Vale, cuja a infraestrutura ferroviária e portuária e a atuação da mineradora como articuladora de ações, permitiram o desenvolvimento da siderurgia a carvão vegetal e a expansão da produção sojícola para os cerrados maranhenses. No segundo, temos a expansão da atividade agropecuária e da produção sucroalcooleira, sujos empreendimentos, implantados com a maior força a partir dos anos 1970, beneficiaram-­se de um vasto leque de incentivos fiscais (Arcangeli, 1987) e, mais recentemente, vêm sendo apoiado pela política de estímulo às exportações e de incremento do consumo do álcool combustível (CARNEIRO, 2013, p.20).

Estes dois marcos espaço-­temporais apontam para diversas expressões de

violência, mas também, de resistência no campo. O primeiro mecanismo analisado

por Carneiro (2013) resultou em inúmeras expulsões e conflitos com camponeses e

comunidades tradicionais de seus territórios. Segundo dados do Caderno de

Conflitos da Comissão Pastoral da Terra (2013), analisados em Faustino e Furtado

(2013), no ano de 2012, dos 36 conflitos registrados, 24 ocorrem no Maranhão,

afetando 3.705 famílias em decorrência da duplicação da ferrovia Carajás da Vale S.

A., demonstrando a realidade dos “Reféns da riqueza dessa terra: impactos da

mineração sobre as comunidades” (BOSSI, 2010 apud FAUSTINO;; FURTADO,

2013). Outra dinâmica foi a expansão de produtores para o leste maranhense,

atraídos pela logística e pela presença de outros projetos de desenvolvimento como

a comunicação de transporte com a ferrovia da Vale S. A., e os plantios em extensas

áreas e “terras devolutas” (GASPAR, 2013). É a violência Estado-­capital ancorada

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sobre os territórios ancestrais e tradicionais.

A lógica estabelecida nesses espaços, no caso dos monocultivos, possui

consequências drásticas para os camponeses, pois é um pensamento que está

substanciado pela extração dos biomas e pela radicalidade predatória no uso. O

cerrado maranhense, especificamente do leste do estado, é alvo de avanços

constantes do agronegócio, regados por pulverização aérea e contaminação dos

mananciais hídricos. Segundo Paula Andrade (2012), as atividades sucroalcooleiras

descritas acima por Carneiro, transformaram o leste maranhense em espaços

produtivos homogêneos de soja e em florestas invisíveis de eucaliptos plantados em

larga escala com fins da cadeia de celulose do estado em expansão.

Segundo o relatório de pesquisa que foi realizado entre os municípios

maranhenses de Urbano Santos, Santa Quitéria e Mata Roma, os camponeses têm

perdido, com o fruto do avanço dos monocultivos, estratégias históricas de

reprodução, como as mudanças nos caminhos do roçado, das matas de extrativismo

e a dimensão territorial, como consequência das modificações estabelecidas sobre a

relação sociedade-­natureza (PAULA ANDRADE, 2012).

Diante da complexidade que se estabelece no espaço agrário maranhense,

povos e comunidades tradicionais reformulam suas lutas na centralidade do território

e nos modos de vida, objetivando o bem viver. Afinal, o estado de conflitualidade

gerado das epistemes diferenciadas em questão faz parte do cotidiano camponês,

diante da expansão do capital em busca por “(...) apropriação privada das terras

devolutas e das públicas, assim como de todas as demais terras privadas que não

estejam direta ou indiretamente sob seu controle político e econômico” (CARVALHO,

2015:1).

Sobre o entendimento acima,

(...) compreendemos a conflitualidade como uma relação inerente ao processo de desenvolvimento do capitalismo no campo. Essa relação ocorre pelo enfrentamento entre os principais territórios da questão agrária brasileira: o território do campesinato e os territórios do latifúndio e do agronegócio. Compreendemos o latifúndio e o agronegócio como territórios do capital por causa de suas similaridades e diferencialidades excludentes: a grande propriedade, a especulação imobiliária, os grandes impactos ambientais, a superprodução e superexploração e a concentração do poder político e econômico. O latifúndio exclui pela improdutividade e especulação imobiliária privando os camponeses de acesso à terra. O agronegócio exclui pela produção em larga escala e intensa

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territorialização, impossibilitando o camponês de acesso à terra (GIRARDI e FERNANDES, 2009 apud CARVALHO, 2015).

Carvalho (op. cit.) ainda aponta que a resistência camponesa se desenvolve

no processo contraditório ao modelo dos monocultivos e do agronegócio que, em

suas ações afirmadas pelas políticas públicas, buscam apagar a diversidade

camponesa, como também seus territórios. Falamos da luta política e ideológica de

dominação unilateral de concepção do mundo camponês.

Opondo-­se a esse modelo de destruição, encontramos o bem viver uma

ferramenta de resistência dessas comunidades que desponta como demarcação

política de práticas e conhecimentos, com base na espiritualidade e nas trajetórias

ancestrais. É a lógica de produção, organização e formulação do processo social

que não é descrita nos manuais, mas no contato e na partilha. Esta forma de ser

camponês fortalece e demarca os territórios, retoma espaços invadidos e mobiliza

as construções políticas organizativas desses sujeitos38. São as formas e os

caminhos de resistência insurgentes no campo, articuladas por coletivos e teias,

como a Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão39.

A Geografia escrita pelo modelo de desenvolvimento que avança na

contemporaneidade apela para os rastros de destruição e hegemonia do capital,

com elos de aniquilação camponesa ou incorporação desses sujeitos à cadeira

produtiva dos monocultivos. Esta é a resposta plausível que o capital fornece em

situações de embate. Em revelia, descrevemos outras epistemes camponesas

perante a instância da resistência, com fins de permanência e autonomia territorial

(SALGADO, 2013). 5.1. Camponeses do Baixo Parnaíba em resistência histórica

A luta de camponeses no espaço agrário maranhense é histórica e com

38 Para a construção social de identidades em disputa e transformação ver Souza (2012), no capítulo “A Especificidade da Desigualdade Periférica”. 39 A Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão é uma articulação entre indígenas, camponeses, quilombolas, pescadores, quebradeiras de coco babaçu e geraizeiros, no formato de teia, tecendo formas e processos de resistências em pautas coletivas em todo estado. O bem viver dos povos e comunidades é horizonte da ação, com encontros formativos e mobilizadores que fundamentem, a partir do bem viver, basicamente: autonomia e gestão territorial em processos descoloniais. Na Teia estão presentes as entidades: Comissão Pastoral da Terra, Conselho Indigenista Missionário, Articulação Nacional de Quilombos, Movimento Quilombola do Maranhão, Reserva Extrativista Tauá-­Mirim e o Conselho Pastoral dos Pescadores e Justiça nos Trilhos.

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marcas de exclusão e violência que podemos assinalar diante dos diversos

momentos de invasão e destruição. Isso nos remete às marcas coloniais em nosso

território (SANTOS;; SILVEIRA, 2001;; MOREIRA, 2014).

Ao realizar uma leitura na escala do Maranhão e do Baixo Parnaíba, um dos

grandes diferenciais deste processo de luta e resistência no campo são as práticas e

saberes que compõem as formas e os processos do bem viver dos povos e das

comunidades. Carneiro et. al. (1996), que ao analisar os processos de

assentamentos e de reforma agrária nos anos 1990, já descreve esse importante

diferencial na dimensão camponesa. Assim reflete:

Como expusemos, estamos, por um lado diante de diversos casos em que se reformou a miséria, desapropriando-­se áreas cujas dimensões e cuja fertilidade do solo são insuficientes para a reprodução das famílias ditas assentadas. Por outro lado, observamos, uma vez mais, o que denominamos de “a miséria da Reforma”, ou seja, a reprodução de práticas – procedimentos e programas de assistência aos assentados – que incorrem num erro básico: o desconhecimento e o desrespeito à organização preexistente e saberes acumulados dos seguimentos aos quais se dirige (CARNEIRO, 1996, p.30).

São os modos de vida citados, os saberes e as organizações preexistentes

que complexificam os conflitos territoriais, pois a destruição também significa a perda

do sistema originário de sociedade camponesa em questão. Dentre o processo de

violência no campo, característico do avanço do capital – concentração de terras e

uso descomunal da natureza – o cenário maranhense também é palco de

empreendimentos de escala global, como a Ferrovia Carajás, o Distrito Industrial de

São Luís, a produção de monocultivos de soja, de eucalipto e de cana-­de-­açúcar e a

recente planta industrial da empresa Suzano Papel e Celulose.

Para efetivação desses processos, armas de dominação foram articuladas

para controle dos territórios, como o acionamento do mercado de terras na esfera da

grilagem, milícias e torturas, como descreve Oliveira (2014), entendendo como

forças co-­participantes de monopolização do território na agricultura. Já Paula

Andrade (1997), ao analisar as microrregiões do Baixo Parnaíba Maranhense,

Coelho Neto e Chapadinha, descreve a investida desses empreendimentos diante

da resistência camponesa, questionando:

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Como é possível a uma empresa [empresas ligadas ao Grupo João Santos] que transgride a legislação florestal, destruindo recursos florestais de forma devastadora, conforme apontados nos sucessivos laudos de vistorias e auditorias técnicas do próprio IBAMA;; que emprega pistoleiros para coagir trabalhadores;; que pratica tortura, participa com suas milícias privadas de despejos ilegais;; destrói casas, escola, posto de saúde;; profana cemitérios;; continuar suas atividades basicamente apoiada em recursos públicos? O caso do Grupo João Santos aponta para as bases segundo as quais vem se dando a implantação desses grandes grupos econômicos no campo Maranhense, quais sejam: -­ A concessão de incentivos e subvenções de vários tipos;; -­ A desorganização da economia dos pequenos produtores agrícolas que residem e cultivam nessas regiões há gerações;; -­ O emprego de milícias privadas e de pistoleiros tanto para coagir a força de trabalho, como para limpar áreas ocupadas pelas famílias camponesas. (PAULA ANDRADE, 1997, p.73)

Frente a tantas violações, a dinâmica de enfrentamento dos camponeses se

define por duas questões iniciais, a saber: a força e a articulação política que

existem nestes sujeitos camponeses, expressos de forma fundamental em conflitos,

tomadas de decisão e posturas nos enfrentamentos e a posição estratégica que os

mesmos camponeses produziram no processo de efetivação dos seus territórios, na

relação sociometabólica de reprodução e modos de vida.

Estudos históricos sobre o leste maranhense e o Baixo Parnaíba descrevem

que o controle e a dominação das relações com a terra desencadearam diversas

formas de resistência que ainda repercutem na contemporaneidade. Autores como

Shiraishi Neto e Paula Andrade (1995) argumentam que a grilagem das chapadas –

para instalação de baterias que produziriam carvão como marcas do monocultivo de

pinos se instalando no Baixo Parnaíba Maranhense nos anos de 1990 – foi um dos

primeiros momentos de violência e enfrentamento com os camponeses. Em revelia,

a produção camponesa que depende, necessariamente, do locus da chapada fica

comprometida. A contrapartida dos fazendeiros e grileiros são os equipamentos para

o território, como escolas e postos de saúde, sendo entendidas pelos empresários

como necessidades básicas camponesas.

Novas relações de trabalho são introduzidas pelos fazendeiros, como vigias

de bateria de carvão, apontadores e cortadores de lenha (PAULA ANDRADE, 1995).

Com a diminuição das áreas nas chapadas, utilizadas para o roçado e a criação de

animais, a subordinação na condição da relação de trabalho é montada como

elemento presente nas novas relações camponesas, como os funcionários da firma

(op. cit.). Diante do contexto apresentado, as diversas formas de aliciamento geram

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adesão ao modelo empresarial, mas também resistências. O descontentamento com

as relações coloca os trabalhadores em estado de tensão e em busca de novas

formas de organização, frente à necessidade da resistência concreta em vias de

eclodir.

Esse cenário é um dispositivo na dimensão das relações de trabalho e de

pressão sobre os territórios utilizados por empresas como MARFLORA e

MARGUSA40, e reproduzido nas ações da Suzano Papel e Celulose S. A. Com o

progressivo avanço nos territórios, o condicionamento das relações de trabalho e a

destruição das possibilidades de produção histórica, o quadro de resistência é

montado, na perspectiva do enfrentamento político.

Na mesma perspectiva das empresas supracitadas, e também da busca por

direitos e formas de resistências camponesa, nos anos 1990 aportam no Baixo

Parnaíba Maranhense entidades / organizações com o objetivo de, diante do quadro

de avanço dos monocultivos, violência no campo e destruição do cerrado, articular

formas de compensação ambiental e de ajustes jurídicos fiscais, como presentes na

perspectiva da responsabilidade empresarial social.

5.1.1. Movimentos sociais, entidades e sindicatos: o Baixo Parnaíba na disputa de

direitos

Na objetividade de ordenamentos territoriais e novas formas de compreensão

do que seja a autonomia e a luta camponesa, diante do processo de avanço do

modelo do capital, os mediadores surgem como elos de interlocução das pautas de

lutas e formas de permanência territorial (GONÇALVES, 2004). Sobre as questões

que se colocam, inferimos que são estratégias que se intercruzam tanto de

possibilidade de dominação do território na direção do capital quanto artimanhas que

se colocam na pauta das esferas públicas, ou seja, mesmas formas, velhos modelos

que afrontam a autonomia camponesa.

Diante da efervescência das questões territoriais, diversas entidades

desenvolvem ações concretas no Baixo Parnaíba. São entidades de esfera local,

regional e estadual. E, mesmo com questões direcionadas aos camponeses, as

40 MARFLORA é a representação florestal da MARGUSA (YANMAR DO BRASIL S. A.), e esta por sua vez foi subsidiada pela SUDENE em 1986, para instalação de projetos de florestamento e monocultivos desta natureza no Maranhão (ver SHIRAISHI NETO, 1995).

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formas e as estratégias são diferenciadas. Razões como a responsabilidade social

de empresas que investem seu capital com o objetivo de devolver, de forma indireta,

dimensões materiais da exploração da natureza. Ou, na direção do esverdeamento

– que se refere à perspectiva ambiental dos investimentos diretos não rentáveis de

empresas e corporações – do capital social fiscal de corporações, ou ainda, na

divulgada preocupação com as questões ambientais, que atende à necessidade da

lei fiscal de países como o Brasil. É o esverdeamento no homogêneo processo

cinzento de produção de campos de commodities e monocultivos de árvores, as

florestas invisíveis.

Apesar de existirem demandas de diversas naturezas e diante dos conflitos

territoriais, oriundos da destruição causada pelo agronegócio no Baixo Parnaíba, o

cenário é promissor para a instalação de projetos, de programas e de assessorias.

São as diversas naturezas das atuações das entidades / instituições com fins de

transformação e permanência de suas ações, com o discurso social. Questionamos

essa dimensão diante da extensa reprodução e históricas formas de vida dos povos

e comunidades camponesas, segundo o seu bem viver e a organização comunitária,

ou seja, é persistente esse tipo de intervenção?

Uma dessas entidades é o Fórum Carajás, que atua desde 1992 nos estados

do Maranhão, Tocantins e Pará, com foco na formação popular e nas ações que

objetivam a maior democratização dos recursos, focado em comunidades no entorno

da ferrovia Carajás (Fórum Carajás, 2015). Com a aplicação de recursos financeiros

de bancos e empresas, o Fórum Carajás desenvolve ações de assessoria de

comunidades rurais e mediação para projetos de transferência de tecnologia, por

exemplo. Comunidades como São Raimundo receberam ações do Fórum como a

criação de galinha caipira e outros animais de pequeno porte, além de manejo de

bacurizeiros. Estas ações são descritas pelo Fórum com objetivo de implementação

de outras fontes de renda camponesa.

Em meio aos implementos, questões como a permanência do projeto são

levantadas, diante da necessidade de investimento em sua manutenção, nos

insumos como ração para os animais, necessários para reprodução do

empreendimento e nas formas de inclusão do produto no mercado em questão. Um

desses projetos prevê a venda de galinha caipira. No entanto, é preciso perceber

que a galinha caipira necessita de mercado consumidor específico para compra do

produto final, caso contrário, não repercutirá para além do território. A comunidade

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de São Raimundo, que dista aproximadamente 40 km da sede do município de

Urbano Santos, teria que desenvolver formas de transporte da mercadoria para o

consumidor, como nos carros de linha, o transporte semanal da comunidade ao

município. Em São Raimundo, constatamos que apenas a família de Dona Francisca

e Seu José Banga ainda possuem o galinheiro, e os demais camponeses não mais

detêm as matrizes para reprodução.

Quanto ao projeto agroextrativista – como na placa que segue no mosaico de

fotografias – este objetiva a reprodução das matrizes de bacurizeiros para

reflorestamento de espaços degradados da chapada. É uma espécie de cercamento

das árvores para reprodução e que de modo endêmico ocupará de forma frondosa o

cerrado em questão. Em visita a essa delimitação, em dezembro de 2014, em

companhia do membro do Fórum Carajás Mayron Régis e a liderança da

comunidade, Dona Francisca, outras possíveis áreas foram identificadas, como

também com fins de criação de caprinos. A prática camponesa de criação de

animais já é marca dos processos ligados ao bem viver e ao seu manejo. A

perspectiva que o Fórum coloca aos camponeses não é algo novo, mas

contemplado segundo os passos técnicos e dos manuais. Assim, é possível angariar

mais recursos para efetivar ações na dimensão da criação de animais e atrair

entidades / instituições investidoras.

Nesse cenário, percebe-­se uma investida no fascínio de diversas entidades e

instituições para com os camponeses. O discurso da inserção mercadológica e do

acesso à remuneração de forma sistemática é pauta das conversas, como

observamos na visita a novas áreas de criação em formato de cercamento. É o

mesmo mecanismo utilizado pela esfera pública nos quesitos de distribuição de

renda e de formatos produtivos. A roça das mulheres também é alvo deste mesmo

assédio. Segundo Dona Eudimar, camponesa de São Raimundo, em entrevista de

abril de 2015, a prefeitura de Urbano Santos desenvolve diversas ações nesta

perspectiva, como relata:

Isso foi incentivo da Francisca. Ela foi pra Urbano Santos e se deu com o povo que deram essa ideia pra ela, que era muito bom. Ai ela veio e deu a proposta para nós, e procurou quem queria. Trabalhamos juntos e começamos. Primeiro trabalhamos todos juntos na massa de buriti, mas não foi adiante. Só foi uma vez mesmo que trabalhamos, porque deu problema. Agora nos reunimos para esta roça. São oito mulheres que tem no grupo. Solicitamos que

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o homem [técnico da prefeitura municipal de Urbano Santos] viesse aradar o chão, e como não tava mais no tempo de fazer a horta, nós combinamos de plantar feijão, milho, arroz e toda coisa. Limpamos um pedaço e outro tá lá no mato. [risos]. Mas nós já apanhamos algumas bagens de feijão e ainda tem. Agora nós estávamos combinando aqui de limpar agora para plantar de novo.

Um dilema posto é a potencialidade do processo reprodutivo e produtivo

camponês em meio ao modelo técnico, questão que avança para desempoderar a

dinâmica territorial. Outra questão é o alinhamento produtivo no campo em relação a

uma maior rentabilidade, que compromete as formas coletivas de produção. São os

mercados cercando os territórios, seja pelas entidades e instituições, seja pelo capital corporificado na estrutura do Estado.

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Mosaico de Fotos 1: Acima, placa de identificação do projeto de renda familiar camponesa de manejo de bacurizeiros em São Raimundo, município de Urbano Santos, MA. Abaixo, criação de animais de pequeno porte, galinha caipira, em Carrancas, município de Buriti de Inácia Vaz, MA,

motivado pelo Fórum Carajás. Fonte: autor, pesquisa de campo 2014.

Ainda sobre as entidades e instituições. Outra organização que atua nessas

comunidades, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), foi criada em

1979 com objetivo de apurar denúncias de violências sobre direitos humanos, no

campo e na cidade. Articulação política e de assessoria jurídica para realidades

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diversas do território maranhense são algumas das ações contempladas pela SMDH

e de ampla repercussão. Projetos como Programa de Proteção a Vítimas e

Testemunhas Ameaçadas (PROVITA), Central Estadual de Denúncias de Tortura e

Projeto de Assessoria aos Trabalhadores/as Agroextrativistas (PAE) também são

exemplos de ações efetivas da SMDH, após anos 1990 (SMDH, 2015).

A SMDH tem como principais áreas de atuação: Terra e Direitos Territoriais de

Comunidades Tradicionais;; Meio Ambiente;; Educação Ambiental;; Segurança Pública

e Integridade Física da Pessoa Humana e Sistema de Proteção aos Direitos

Humanos. Nessa perspectiva, projetos são angariados em parcerias com entidades

e instituições com fins de mobilização popular e articulação política, baseado

também no dispositivo jurídico.

O acompanhamento jurídico e fiscal, atrelado à mobilização política, se

constitui ação efetiva da SMDH no Baixo Parnaíba, como nas imagens que seguem.

Em abril de 2015, acompanhamos algumas ações da SMDH na região, em diversas

pautas populares. Entre elas, novos estágios de eleição do corpo diretor da

Associação do Quilombo Bom Sucesso dos Pretos, em Mata Roma, MA. Na

oportunidade, a assessoria jurídica também era realizada para resolução de

questões fiscais e tributáveis da associação. Já nas comunidades São Raimundo e

Bom Princípio, a pauta se estabeleceu em torno da articulação política para um

encontro em que os camponeses em conflito pautariam questões junto ao Governo

do Estado do Maranhão e suas secretarias e junto às Promotorias do Estado

atuantes na comarca dos municípios e Instituto de Terras do Maranhão (ITERMA). O

encontro ocorreu em 02 de outubro de 2015, em articulação com o Fórum de Defesa

do Baixo Parnaíba Maranhense (FDBPM), na Diocese de Brejo, MA. Na ocasião, foi

entregue um mapa dos conflitos do Baixo Parnaíba.

Em entrevista realizada com Roseane Dias, da SMDH, em fevereiro de 2015,

ela relatou que o acompanhamento jurídico que a entidade faz junto às comunidades

camponesas é de grande valia, diante da omissão do Estado para as questões de

conflitos, grilagens e especulação da terra. No caso específico de São Raimundo, a

entidade acompanha o processo junto ao INCRA e os diversos processos judiciais

que garantem o uso e a propriedade do território. Esse trabalho tem contribuído nas

decisões judiciais que impedem que gaúchos e empresas ocupem o território de

maneira violenta. Isso tem fortalecido e motivado os camponeses a permaneceram

na luta por direitos, relata a entrevistada.

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Diante da urgência da resolução dos conflitos, pautas que buscam ser

atreladas à aliança com o Estado para sua efetividade são problemáticas na reflexão

do processo de luta e de autonomia política territorial. São pautas de diálogo que

têm como objetivo adentrar a agenda de ações cabíveis ao Estado, mesmo diante

da perversidade das ações do capital, que se legitimam intencionalmente por esse

mesmo Estado. Enquanto comunidades do Baixo Parnaíba são mobilizadas para as

rodadas de conversas, empresas como a Suzano Papel e Celulose S. A. também

alcançam suas pautas em rodadas metodologicamente semelhantes e realizadas

com o Governo do Estado do Maranhão, por exemplo. A diferença está em efetivas

alianças e soluções, uma vez que mitigar é a palavra de ordem diante dos conflitos e

jamais muda o rumo do modelo de produção da sociedade. É o antagonismo nas

ações de entidades e instituições no Baixo Parnaíba que está em direção às

comunidades. E essas, ao mesmo tempo, lutam pelo seu bem viver e autonomia no

enfrentamento ao capital.

Mosaico de fotos 2: fotos de atividades de mobilização política e jurídica com comunidades tradicionais do Baixo Parnaíba, realizadas nos territórios quilombola Bom Sucesso dos Pretos, Mata

Roma, MA e, na comunidade São Raimundo, Urbano Santos, MA. Fonte: autor, pesquisa de campo 2015.

Outras empresas / entidades que atuam de forma sistemática no Baixo

Parnaíba ligadas aos passivos ambientais e à responsabilidade social são a Suzano

Papel e Celulose S. A. e a Vale. São ações de natureza social e com formatos

populares, com o objetivo de realizar as metas necessárias diante da disputa da

lucratividade e da produção espacial global.

O Instituto de Responsabilidade Social da Suzano Papel e Celulose S. A. e o

Instituto Ecofuturo são formas de a Suzano atuar em subsídios educacionais para as

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comunidades, como também de estrutura física para o funcionamento de

organizações ligadas diretamente aos territórios-­alvo. Para Harvey (2004) e

Machado (2014), essa forma de corporificação das empresas em processos sociais

descrevem duas dimensões: i) uma de caráter participativo de empresas instaladas

nos territórios, trazendo a perspectiva de proximidade espacial dos centros de

decisão do capital para o mercado em disputa por dominação e controle e ii)

permanecer nas delimitações territoriais algum passivo de remuneração extraída da

exploração das relações de trabalho e da natureza. Essas são faces do imperialismo

do capital corrente.

Em 2013, o território quilombola Bom Sucesso dos Pretos recebeu a

construção da sede da associação pela Suzano Papel e Celulose S. A. A edificação

descrita na imagem que segue, fez parte do acordo da ocupação de parte do

território para plantio de eucalipto denominado Juçaral. Segundo a comunidade, o

prédio diz respeito a outras promessas ao território, como campo de futebol, outro

centro para uso coletivo e quadros de empregos. O senhor Francisco Reis Chagas,

liderança do quilombo, relata que, constantemente, ao transitar pelo território,

questiona Fernanda (assistente social da empresa), sobre as promessas, que não

se efetivam. Segundo ele, existem diversas delas que até foram ventiladas ao serem

realizados exames laboratoriais para contratação de funcionários. Os únicos

empregos existentes no setor florestal são nas terceirizadas e nas empresas

latifundiárias que arrendam terras – em questão, a Florestal –, que coletam o

eucalipto plantado no fim dos anos 1990 e, ali mesmo, é transformado em carvão,

para mercado de guzeiras da região tocantina maranhense.

Mosaico de fotos 3: Centro Cultural Quilombola Bom Sucesso dos Pretos, Mata Roma, MA, construído pela iniciativa de responsabilidade social da Suzano Papel e Celulose e inaugurado em 08

de março de 2013. Fonte: autor, pesquisa de campo 2015.

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A prática de diversidade de iniciativas para o Baixo Parnaíba tem diferentes

escalas de atuação da Suzano Papel e Celulose S. A. Existem outras expressões

dessa investida como a construção de um campo agrícola e agroecológico na

comunidade Ingá, em Urbano Santos, MA. Para o mobilizador social Jarden, da

Pastoral Rural do Baixo Paranaíba, são parcerias realizadas entre as comunidades e

a empresa, com objetivo de permanência da juventude no campo, uma vez que

desempenham um processo migratório constante, resultante da perca de seus

territórios para o agronegócio do eucalipto e da soja. Assim, tem-­se uma

contravenção diante dos efeitos diretos das ações da própria empresa nos

territórios.

Entretanto, há outros elementos para que essa engrenagem funcione com

efetividade diante do planejamento estratégico da empresa. Falamos do papel

desempenhado por assistentes sociais. Assim apresentada, essa profissão tornou-­

se fundamental, diante da necessidade do convencimento popular. Ainda segundo

Jarden, as assistentes sociais Fernanda e Luciana, trazem para os territórios as

vantagens descritas pela empresa mediante o arrendamento de terras ou a venda

das propriedades. E esse assédio não se dá de forma aleatória. Os territórios mais

focados são aqueles que desempenham papel tampão contra o avanço do

agronegócio para territórios em disputa. Essa impertinência também se expressa

nos momentos festivos e de celebração que, patrocinados pela empresa, são

realizados em grande escala, com repercussão municipal e de grande visibilidade. O

modus operandi da empresa também é registrado nas mesmas dimensões na região

tocantina maranhense, como relata em entrevista o presidente do Sindicato dos

Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Imperatriz, MA, Josimar Barros.

O extenso processo de cooptação dos territórios no Baixo Paranaíba pela

empresa se dá pelo longo investimento histórico nas bases territoriais e políticas.

Esse relativo desempenho é analisado por Oliveira (2015) ao descrever que a

contratação de militantes para atuar junto aos interesses empresariais desmobiliza

e, em alguns casos, une a estrutura social e política, abrindo espaço para a sua

consolidação. É o jogo político colocado em questão diante dos interesses de

aprisionamento e monetarização dos empreendimentos agrícolas e florestais.

Reforçando a reflexão anterior, Ribeiro Junior (2014) traz uma perspectiva de

sociedade colocada pela empresa ao se instalar, desempenhar e atuar de forma

máxima em curtos cenários espaciais, suas formas de alienação. É uma aliança

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estreita dentro da visão de mercado multimodal estratificado em controle da

natureza e de suas formas responsáveis;; precedentes jurídicos, ambientais e sociais

para uma instalação e funcionamento do negócio de monocultivos verdes lucrativos

com alcunha de social. O autor revela que, em todos os projetos apontados para

instalação e para aqueles que ainda serão disputados para sua viabilidade, o capital

voltado para o social está presente. Nos empreendimentos: Projeto Florestal na

região de Porto Franco (MA), nos ramais de logística ferroviário e rodoviário, na

Planta Industrial de Imperatriz (MA), no projeto Florestal em Timon (MA), na

projetada indústria de pallets em Chapadinha (MA) e no terminal portuário do

Cajueiro / GRANDIS em São Luís, MA, estão presentes essas descrições de

natureza social (op. cit., 2014).

Já a empresa Suzano, ao declarar seu modelo de negócio, compreende:

Nossa crença é ser Forte e Gentil e, para isso, atuamos sob os valores Integridade e Segurança, Responsabilidade Socioambiental, Excelência, Visão Global, Liderança, Empreendedorismo, Relações de Qualidade e Paixão. Nosso compromisso com o meio ambiente e a sociedade – considerado em todas as decisões – está aliado à busca pelo crescimento financeiro (SUZANO, 2015, p.18).

É uma espécie de visão do empreendimento para galgar os patamares

desejáveis no âmbito dos arrochos internacionais de comercialização. Isso está

expresso no quadro que segue e que expressa esse modelo de negócio. Atentemos

para os itens de “capital natural” e “capital social”.

O “capital natural” se refere aos usos que são feitos no processo de ocupação

dos territórios, com fins produtivos e industriais. Ações que objetivam os resultados

de uma agricultura de baixo carbono e a recuperação de áreas degradadas e

compreende o interesse normativo dos padrões econômicos globais. A perspectiva

citada expõe, perfeitamente, o que está sendo feito no fim da esteira produtiva, não

considerando os processos em curso nos territórios para que o selo seja mantido na

produção e a visualidade social se mantenha em construções ditas impecáveis.

Paula Andrade (2012) revela outros pormenores que questionam o modelo de

desenvolvimento baseado no que entendemos como modelo corretivo-­restritivo

verde. Ou seja, é um dispositivo legal do ponto de vista ambiental, pois corrige ônus

aos territórios em disputa e condiciona, desde então, ao modelo de recuperação e de compensação ambiental e social, dentro da responsabilidade empresarial.

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Já o “capital social” tem marcas fortes, como gestão territorial e fomento de

desenvolvimento de projetos em parcerias. É a presença concreta da empresa e sua

lógica no arranjo organizativo das comunidades, modificando histórias e modos de

vida. Em relatório, o MIQCB (2013), descreve toda a dinâmica presente nesse

modelo de negócios, uma vez que a questão identitária como elemento político do

território é colocada em questionamento diante dos interesses regionais.

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Quadro 4: Estrutura da empresa Suzano Papel e Celulose de responsabilidade social integral. Fonte: Suzano, 2015:18-­19. Organização: próprio autor.

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No contraponto ao modelo empresarial, o Fórum de Defesa do Baixo

Parnaíba Maranhense (FDBPM) atua, diretamente, com as organizações de base do

Baixo Parnaíba, com caráter de mobilização popular e de denúncia, diante dos

inúmeros conflitos na delimitação leste do Maranhão. Segundo Vieira (2009), o

FDBPM se intitula como

um espaço de articulação política, de debates, de mobilização social e de formulação de propostas das diversas organizações populares que atuam na região. É composto por representantes das organizações populares da sociedade civil, a partir da adesão voluntária (VIEIRA, 2009, p.18).

Para a SMDH, o Fórum em Defesa da Vida do Baixo Parnaíba Maranhense é

uma articulação política de organizações com trajetória na luta por direitos na região do Baixo Parnaíba Maranhense, com o objetivo de garantir a proteção e a promoção dos Direitos Humanos entre as populações tradicionais da região, além de realizar o monitoramento de situações de violação destes direitos (SMDH, 2015).

Dessa forma, tanto o monitoramento quanto a mobilização de base são

marcas do processo desempenhado pelo Fórum. Diversas ações foram realizadas

como a criação de um Grupo de Trabalho que monitorasse e debatesse os conflitos

promovidos pelo agronegócio. A ação foi efetivada em parceria com a SMDH e o

Ministério Público Federal, aliado com pesquisas realizadas por grupos de pesquisa

da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que dedicam atenção a essas

questões.

Em contato direto com STTRS e associações nos territórios do Baixo

Parnaíba, o Fórum propicia uma dinâmica política escalar de ações, em

questionamento ao modelo do capital e, de acompanhamento popular e, destoando

de demais entidades / instituições, utilizam o espaço para atrair investimentos,

projetos e parcerias com empresas que são efetivamente causadoras de destruição

e conflitos com os camponeses. Entretanto, ainda compreende que pelas pautas de

diálogo com o Estado é possível alcançar uma transformação nos quesitos da

reforma agrária e do acesso aos recursos financeiros.

Comunidades como São Raimundo têm feito outro caminho de contestação

ao modelo, descrevendo seus próprios espaços de decisão política e perspectiva de

reprodução camponesa, a partir dos seus modos de vida, do uso integrado das

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compartimentações do cerrado maranhense e, de forma enérgica, posicionado com

as formas de resistência concreta, frente ao avanço do agronegócio.

5.2. A comunidade São Raimundo: trajetórias, formação e formas de resistência

Foto 05: Rio Preguiças que corta o território da Comunidade São Raimundo.

Fonte: pesquisa de campo do autor, 2015

Diante da dinâmica do Baixo Parnaíba, a justificativa da escolha da

comunidade São Raimundo se coloca pela relevância territorial em relação aos

processos de expansão do monocultivo de do eucalipto entre os municípios de

Urbano Santos, Santa Quitéria e Mata Roma e na microrregião de Chapadinha,

como também a mobilização política interna e em relação a outras comunidades,

como Bracinho, Boa União e Bom Princípio.

A comunidade São Raimundo fica encravada no cerrado maranhense, na

porção leste do estado (vide Mapa 1). Com diversidade fisionômica, o bioma do

cerrado em transição (MAZZETTO, 2006), também classificado como mata dos

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cocais, possui variedade biológica específica, segundo as palmeiras de coco babaçu

(Orbignya phalerata), espécie endêmica nos cursos d’água presentes. Para o saber

local, a comunidade é cercada por extensos tremendais, baixões e chapadas,

espaços de desenvolvimento dos saberes e práticas.

Para May (1990), as palmeiras de babaçu, sua produção do ecótono de

transição entre bioma Cerrado e Amazônia, está presente na dinâmica das

sociedades camponesas, como uma das bases de reprodução. Por exemplo, as

atividades desenvolvidas pelas quebradeiras de coco, com fins de autonomia

camponesa. Apesar da larga coleta e beneficiamento de forma livre, a relação

capitalista presente no espaço agrário contemporâneo, impõe, para os camponeses,

relações de dependência, como foro (ver também em MIQCB, 2013).

Para Paula Andrade (2012), Silva (2014) e Oliveira (2015), as definições da

diversidade da natureza no território de comunidades do Baixo Paranaíba revelam

usos e processos metabólicos de reprodução camponesa, a saber: baixão como

local de produção à margem dos corpos d’água, favorável para abastecimento e

produção de diversidades que necessitam de complementariedade hídrica;;

tremendal, localizado nas proximidades dos baixões com a presença de extensos

palmeirais de babaçu e carnaúba, que se conecta com as chapadas;; já as chapadas

são espaços do cerrado com maior homogeneidade topográfica, favorável para

plantios de diversas naturezas, como a macaxeira, e importante na reprodução

camponesa enquanto locus do extrativismo do bacuri e das ervas medicinais.

Porto-­Gonçalves (2008:106) descreve que as áreas de transição dos biomas

possuem diversidade e dinâmica única, possibilitando outros arranjos espaciais dos

povos e das comunidades, como processo de ocupação e formação do cerrado

nacional. O extrativismo nas chapadas e a produção nos baixões demonstra bem

essa dinâmica no Baixo Parnaíba maranhense.

O contexto natural edafoclimático em que a comunidade São Raimundo está

inserida revela uma construção social diante dos usos espaciais da diversidade ali

presente. Da construção de moradias à ocupação com cultivos e criação de animais,

a riqueza natural descreve a dimensão única e particular de comunidades do Baixo

Paranaíba maranhense. É a construção-­reconstrução de povos e de comunidades

cerradeiras, em um específico bem viver expresso em uma geografia sem cercas ou

limites territoriais (BRUNHES, 1962;; WAIBEL, 1979;; MAZZETTO, 2006;; MOREIRA,

2014).

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A concepção territorial desenvolvida por comunidades do Baixo Parnaíba

toma notoriedade diante da configuração do cerrado maranhense diante das formas

e processos de ocupação, dos usos metabólicos da natureza e das formas de luta e

resistência desenvolvidas. Para Oliveira (2015:66), em estudo sobre a comunidade

Baixão da Coceira, em Santa Quitéria (MA), a apropriação territorial expressa nas

“(...) chapadas, carrascos, capões, morros, baixas, baixões, matas, matos, lagoas,

rios, grotas e veredas (...)”, descreve as instâncias da luta territorial e, assim como

em São Raimundo, concretiza a autonomia e as formas de poder em disputas

territoriais. Esses são modos de autonomia territorial e luta na construção

camponesa em questão que, em questões como avanço da soja (VIEIRA, 2009) e

implementação do plantio de eucalipto, apontam para uma apreensão destas

dimensões enquanto estratégia de luta.

Para Moraes (2009), em estudo realizado com comunidades do cerrado

piauiense, a luta se encontra segmentada em baixões e chapadas. No estudo em

questão, a diversidade camponesa é expressa em um processo de formação

histórica territorial antiga, que se ressignifica na contemporaneidade com processos

de uso da terra de maneira tradicional em sua organização, como a “roça-­de-­toco”.

Segundo a autora, nesse sistema de cultivo, “(...) a vegetação baixa é cortada (ou

roçada), as árvores maiores são derrubadas e, após a queima, a madeira é

aproveitada. A lenha e o carvão também são utilizados, sendo este produto do resto

das árvores e arbustos enleirados para a conclusão da queima” (2009:142). Nesse

sistema, a temporalidade de ciclos quadri-­anuais é estabelecida como descanso e

reposição do metabolismo da natureza.

Outro elemento é a ocupação diferenciada dos espaços classificados como

baixões e chapadas que, alvo de iniciativas privadas e usos celetistas, revela a

dimensão da crise ecológica (WOLF, 1984;; MORAES, 2009). A mensuração dos

espaços no território, diante da investida do agronegócio, mobiliza a atribuir à

chapada a dimensão do pouco valor, como explica:

Embora os apossamentos comuns dos recursos naturais combinados com a apropriação familiar não sejam estranhos ao mundo rural brasileiro, essa prática tradicional do uso comum de terras de “chapada”, sem cercamento, tem alimentado uma visão etnocêntrica de técnicos, planejadores e até pesquisadores, para quem tais áreas não eram utilizadas pelos camponeses e camponesas por lhes

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atribuírem “pouco valor” (Andrade, 1995), uma vez que, no sistema agrícola tradicional, a “chapada” não era lugar de agricultura. Dissemina-­se, assim, o ideário produtivista da “chapada” como espaço vazio, justificando discursos de não expulsão de camponeses(as) dessas áreas pelos grandes projetos agropecuários (MORAES, 2009, p.135-­136).

Esta sistematização do tipo de uso do território segundo a classificação,

motivada pela invasão do agronegócio – como na mensuração do “pouco valor” (op.

cit.) para as chapadas, estabelece simbólica e ideologicamente, uma diferenciação

interna no território e uma possibilidade de permanência do pensamento

homogêneo, da transformação das chapadas em plantios contínuos, como também

o esquecimento da riqueza e da diversidade em todos os elementos que compõem o

território. A autora ainda fala sobre uma dicotomia produzida nesse cenário entre

atraso e progresso.

Tal perspectiva revela-­se, no entanto, limitada quanto ao conhecimento dos usos do “baixão” e da “chapada” pelas populações camponesas dos cerrados. Presa à dicotomia de atraso/progresso, ela deixa de captar a complexidade de sistemas operacionais agrícolas tradicionais e os seus processos de resistência e adaptação às transformações em curso, bem como os processos mais amplos de reprodução camponesa, a relação entre a terra, a família e o trabalho, os sistemas de produção – em especial quanto à relação com as variadas possibilidades agroecológicas que os diversos ecossistemas dos cerrados ofereciam aos(às) cultivadores(as) tradicionais, e os limites e favorabilidades da reprodução social dessas populações ante a incorporação das “chapadas” pela agricultura intensiva. Enfim, assim referido, escapa a reorientação das estratégias de sobrevivência das ditas populações camponesas, guiadas pela lógica do aprovisionamento (MORAES, 2009, p.136, grifo nosso).

A lógica dual entre atraso e progresso não revela a perspectiva encarnada

pelos camponeses em São Raimundo, haja vista a concepção, a partir da

materialidade territorial e da territorialidade de bem viver e pertencimento. Além de

lógicas diametralmente diferentes diante do modelo progressivo do agronegócio, são

também ameaças para a perda do território. A postura da valorização dos espaços

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no território representa uma compreensão das relações naturais e sociais, que é

ameaçada pelo capital no formato do agronegócio e que acarreta, entre tantas destruições, a erosão do conhecimento ancestral.

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Mapa 08: Localização do povoado São Raimundo em relação à delimitação oficial do IBGE (2009) para o município de Urbano Santos. Fonte: Organização do autor, 2015.

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A ocupação camponesa, relatada pelos entrevistados da pesquisa, remonta a

primeira metade do século passado, com a chegada ao território de São Raimundo,

aproximadamente em 1950. A família mais antiga, a do Senhor Maciel, relembra sua

caminhada vindo do município de Tutóia, no Baixo Parnaíba maranhense, diante das

necessidades por trabalho. Os homens eram os desafiados a irem em busca de

novos espaços de roçado e criação de animais, próximos a fontes d’água e leitos

dos rios, “grotas” e açudes, enquanto as mulheres também se dedicavam à

reprodução familiar dos modos de vida camponês.

A comunidade Boa União, que se localiza nas proximidades do território São

Raimundo, servia como entreposto de comercialização. Seu Maciel relata “(...) deixei

uma farinha na Boa União e depois de 8 dias voltei. Daqui lá era longe, mas

caminho necessário para nossa passagem para o São Raimundo e outros lugares”.

A sua chegada efetiva foi em busca das raízes familiares que, na empreitada por

trabalhos, após o falecimento de sua mãe, descobriu com outro trabalhador o

paradeiro do seu pai:

Perguntei se naquele caminho de trabalho tinham visto meu pai. Um senhor me respondeu que ele estava em um lugar chamado São Raimundo, a beirada deste rio, mais encima, trabalhando. Fui até lá. Chegando, perguntei novamente e me responderam: ele já chega! Tá pro outro lado trabalhando, mas não demora. Ai ele chegou (...). Ficamos aqui eu e um irmão meu. Meu irmão morreu. Morava no Urbano Santos, mais novo que eu. E eu estou aqui. Estuo aqui este tempo todo [70 anos].

A centralidade da ocupação camponesa no decorrer dos corpos hídricos

indica o formato de ocupação territorial específico, como descreve, acima, Seu

Maciel. A proximidade dos afluentes do Rio Preguiças proporciona a construção das

moradias e a organização social. Além de ser importante na reprodução desses

camponeses, o referencial do Rio representa um demarcador espacial (vide Mapa

2). Perguntado sobre tal dimensão, Seu Antonio José relata a necessidade de uso

dos espaços, além das formas e de processos de reprodução camponesa, segundo

a garantia do território São Raimundo:

Entrevistador Saulo Costa: Entre o cocal e aqui temos o que?

Seu Antonio José: É um rio largo. Muito largo. Dá muito peixe. Hoje não podemos mais criar porque vieram algumas pessoas que foram

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chegando para perto de nós e foi o jeito. Mas você cria um leitão solto daquele lado mesmo e engordar para depois engordar para comer, pois só na massa do coco? Se nós quisermos comprar café da barraca, nós compramos, se não quiser compra só o açúcar. Vai lá, corta o coco, torra e faz o café. Vai lá, pego o tucum e torra. (...). Ai vem lá de fora uma pessoa, que não tem necessidade disso e vem matar multidão e multidão de gente. Para onde nós iremos? Urbano Santos é suficiente para mim criar 14 filhos? São 5 filhos casados e 7 netos. Como sustentar todos estes lá? Não tenho R$ 20.000,00 para comprar um terreno com uma casa! Como viver? Meus filhos vão fazer o que na cidade? Tem que comer, vestir e eu não tenho para dar. Vão dar trabalho para a polícia? Para mim? Aqui a gente pesca, vai para roça e vive. Ai chega aqui um rapaz desse [gaúcho], com o gogo grosso, espantando a gente? Ele que tem que voltar para lá, de onde ele veio, porque pra lá ele tem terra. Eles têm este horror de terra para lá [Mato Grosso do Sul] e perturbar onde estão 60 famílias?

A eminência de novos conflitos é permanente diante do depoimento do

camponês Antonio José. E, por mais que a defesa do território permaneça na

dimensão da totalidade, os usos compartimentados são defendidos pelos invasores.

Nesse cenário, é possível constatar que o jogo de poder no território é concreto

nesta dimensão.

Finalizando esse sub-­item, ressaltamos que, por mais que até aqui tenhamos

realizado a descrição de relatos masculinos, é o protagonismo das mulheres que

aponta para as instâncias de luta e resistência. E é a “roça das mulheres” mais um

elemento de ocupação territorial, autonomia e, além disso, delimitação do espaço no

mundo do trabalho.

5.3. A roça das mulheres no empoderamento das camponesas da natureza

A resistência concreta (SCOTT, 2002;; 2013;; MENEZES, 2002;; PEDON, 2013)

possui elementos que descrevem a força e a inserção de permanências no território.

Uma delas diz respeito às diversas posições no âmbito das relações de trabalho em

ocupação, como o próprio protagonismo feminino.

Com objetivo de inserir as mulheres camponesas em atividades capitaneadas

por elas diretamente, além de desenvolver atividades que possam atribuir outra

renda para além das já estabelecidas, a roça das mulheres teve início em 2015,

diante do contexto da abertura para outras atividades, como uma roça comunitária,

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desenvolvida modestamente. As relações de parceria entre famílias já é atividade

marcante como parte da reprodução camponesa, mas algo que foi desenvolvido por

elas nesse território se tornou novidade. Dona Eudimar relata que o projeto foi

desenvolvido por um coletivo de oito mulheres com alvo em estruturação em um

campo agrícola, segundo os incentivos municipais em curso.

Entrevistador Saulo Costa: Como foi que começou este projeto?

Dona Eudimar: Isso foi incentivo da Francisca. Ela foi pra Urbano Santos e se deu com o povo que deram essa ideia pra ela, que era muito bom. Ai ela veio e deu a proposta para nós, e procurou quem queria. Trabalhamos juntos e começamos. Primeiro trabalhamos todos juntos na massa de buriti, mas não foi adiante. Só foi uma vez mesmo que trabalhamos, porque deu problema. Agora nos reunimos para esta roça. São oito mulheres que tem no grupo. Solicitamos que o homem [técnico da prefeitura municipal de Urbano Santos] viesse aradar o chão, e como não tava mais no tempo de fazer a horta, nós combinamos de plantar feijão, milho, arroz e toda coisa. Limpamos um pedaço e outro tá lá no mato. [risos]. Mas nós já apanhamos algumas bagens de feijão e ainda tem. Agora nós estávamos combinando aqui de limpar agora para plantar de novo.

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Mapa 09: Demarcação do povoado São Raimundo na bacia do Rio Preguiças como território de reprodução camponesa Fonte: Organização do autor, 2015

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A sociabilidade e partilha presentes nos momentos de trabalho coletivo são

marcas do bem viver desenvolvida pelas camponesas durante as suas atividades. A

roça das mulheres toma notoriedade devido à articulação entre as mulheres para

investimento nas atividades, as trocas de saberes e experiências e na mobilização

coletiva. Assuntos como o papel da associação, os caminhos para a titularidade do

território e as demandas colocadas em assembleias, são retomados nesses

momentos, como percebemos em trabalho de campo.

Foto 06: Espaço de beneficiamento da roça das mulheres, na segunda colheita de feijão verde.

Fonte: Arquivo pessoal do autor em pesquisa de campo, 2015. 5.4. A reprodução camponesa entre chapadas e baixões: em busca do bem viver da natureza

Nas caminhadas pelo território de São Raimundo, a presidente da associação

Dona Francisca e seu marido, Seu José “Banga”, nos revelavam elementos do

empoderamento político e social, marcado na natureza, formas de ocupação

autônoma do território em vias de espacialização da resistência.

A configuração espacial da comunidade é disposta com perímetro central de

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moradia, reuniões, cultos e trânsito entre as comunidades ao redor, ocupando

proximidades entre o baixão e a chapada., áreas planas que possibilitam o

desenvolvimento de atividades nos quintais, local de pequenas produções e criação

de animais. Em direção ao baixão, em que existe a densidade dos corpos hídricos,

“grotas” são formadas com o movimento de drenagem superficial do terreno em

direção a áreas mais rebaixadas. As “grotas” também significam para o saber

camponês delimitações de espaços que são possíveis ou não de plantio, por

exemplo. Ao chegar ao baixão, extensos babaçuais se encontram, configurando o

chamado tremendal. Nesse local, assim como na chapada, é possível a atividade

camponesa de extrativismo do coco babaçu, atividade esta que resiste ao processo

de mercantilização e alienação ao mercado final e na qual a resistência é observada

na perpetuação dessa atividade entre as camponesas. Esta descrição nos subsidia

na análise dos processos de reprodução camponesa segundo o que intitulamos

como bem viver da natureza.

Para Coelho (2015), os quintais representam a extensão e a representação

de formas de convívio e de prática social, podendo conter elementos ligados à

medicina tradicional e é um espaço da divisão do trabalho familiar. Assim, os quintais

tomam notoriedade na lógica das sociedades camponesas.

Sobre o bem viver da natureza (SVAMPA, 2011;; ESCOBAR, 2003), diante da

dimensão da retro-­alimentação metabólica, esse é um elemento que possibilita a

continuidade sistêmica do processo. Por um lado, é a demanda e a necessidade de

empoderamento político comunitário dos camponeses em expor a permanência da

natureza como parte constitutiva do campesinato;; por outro lado, além do que tange

à integralização ao sistema metabólico, é a demarcação de que o bem viver da

natureza é a oposição ao modelo de desenvolvimento que consome a natureza,

como parte da engrenagem da lucratividade. E, para os camponeses de São

Raimundo, a natureza é a bandeira de luta no enfrentamento aos tratores e aos

gaúchos que ousam avançar em seu território.

Com as peculiaridades do que é compartilhado no território, a natureza é

desenhada segundo os usos que podem ser feitos, suas possibilidades e, na

centralidade da sociedade camponesa, parte integrante dos elementos de direito:

sociedade e natureza. Ou seja, a natureza na espacialização territorial tem

importância específica com as atividades ali atribuídas: extrativismo, roçado, pesca,

medicamentos, construção e alimentação.

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Mapa 10: Localização da ocupação territorial autônoma da Comunidade São Raimundo Fonte: Organização do autor, 2015

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5.4.1. A lei do bacuri verde como dimensão concreta da luta camponesa

A lei do bacuri verde surge como uma estratégia de permanência territorial e

reprodução dos modos de vida camponês. Inaugurada em 29 de dezembro de 2012,

diante da aprovação em ata (Figura 07, páginas 161-­163) pela associação de

camponeses de São Raimundo, tem, como principal teor, apontar problemas ligados

à derrubada do bacuri verde, conforme ata que segue. Esta necessidade surge da

forma descontrolada da derrubada do bacuri verde, comprometendo outras famílias

que precisam ter acesso ao fruto, fundamental na economia camponesa entre os

meses de novembro e março.

A coleta do bacuri é realizada com a catação dos frutos maduros, que se

espalham pela chapada, no período de safra. O conhecimento camponês aponta

que os frutos maduros são suficientes para a economia camponesa e a partilha

entre as famílias durante sua catação. Essa técnica é desenvolvida sobre os

espaços de chapada, conduzindo os camponeses por todo o território, haja vista a

vasta presença da fruta no cerrado.

As longas caminhadas pelo território para a coleta do bacuri possibilitam a

identificação de espaços de produção, seja de áreas agricultáveis, seja de áreas de

caça e, ainda, de criação de animais. A dimensão integral do território entre

chapadas, baixões, carrascos e capões, por exemplo, permite o uso de diversas

potencialidades do cerrado e, ainda, a compreensão das dimensões da sua proteção

e sua preservação. A catação não é estanque, é desempenhada nas veredas e nos

caminhos do território. Segundo o mapa que segue. Ao trilharmos o território com o

Senhor José “Banga”, cruzamos com outros camponeses que, com a mesma prática

da trilha, buscam espaços de caça de animais e manejo de criações. O território se

transforma em um entrelaçar de processos e práticas camponesas.

Com o trançado no território, São Raimundo também é visitado por outros

camponeses de outros territórios, como os de Bom Princípio e Boa União. A busca

pelos bacurizeiros e as práticas camponesas diversas rompem com os limites

formais organizativos e possibilitam a troca entre as comunidades. Os quase

1.600ha se transformam em território de trânsito entre os camponeses, diante da

preservação histórica que São Raimundo tem feito, propiciando a reprodução de

muitas espécies da fauna e flora, já destruídas pelo agronegócio em outros

territórios.

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Foto 07: Ata de aprovação da Lei do Bacuri Verde, em 29 de dezembro de 2012, do livro de ata da Associação dos Moradores de São Raimundo

Fonte: Pesquisa de campo, 2015.

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A lei do bacuri verde também descreve a problemática da devastação. No ato

da criação oficial, Dona Francisca, presidente da associação, se remeteu à

importância de continuar no processo de conservação do território, mesmo diante

dos conflitos com agronegócio e a devastação que outros territórios realizam, como

Bom Princípio. Esse debate já foi pauta de outro documento, como também

expresso na sequência, de 07 de janeiro de 2012, nas imagens que seguem ao texto

(Figura 08, páginas 167-­169).

A relação entre os dois territórios consta na ata de reunião realizada em 07 de

janeiro de 2012, diante das divergências das perspectivas e usos territoriais. O

debate também é motivador da criação da lei do bacuri verde, uma vez que

regulamenta a relação entre os territórios no quesito do extrativismo do bacuri. Uma

das preocupações de São Raimundo é o compromisso firmado na reunião

extraordinária, produzindo um regimento legal para o território, com o teor, como

extraído da ata: “Portanto, fica decidido que os sócios e não sócios em suas

consciências não vão mais derrubar os bacuris verdes, assim chegando em um

acordo de economia familiar e consciência de desenvolvimento sustentável

alternativo” (Ata do dia 29 de dezembro de 2012).

Esse desenvolvimento sustentável alternativo é representado como

demandado localmente, para além da esfera de jurisdição ambiental, como o

IBAMA, o que demonstra uma autonomia interna do território. A mesma autonomia

descreve formas de intercruzar a prática cotidiana entre os camponeses do Baixo

Parnaíba. Não existem cercas de divisão dos territórios, apenas marcos simbólicos e

políticos. A presença de cercas foi questionada ao território Bom Princípio, algo que

rompe a lógica histórica camponesa. Mas o questionamento estava no âmbito do

acesso aos frutos do cerrado e seu consumo enquanto verde, como consta do

documento do dia 07 de dezembro de 2012.

A lei do bacuri verde, subsidiada pela ata anterior, do dia 07 de dezembro,

reforça a autonomia do território, dos seus representantes legais e da instância

máxima da assembleia da associação. Diante do problema com a associação Bom

Princípio, esses elementos tomaram maior centralidade nas estruturas de poder,

entendendo, na instância da associação e sua representação popular de

assembleia, o espaço político de tomada de decisão e posição. Na oportunidade,

foram refutadas medidas que saíssem deste consenso, como lutas e disputas

individuais, que esfacelam o território e o caráter político.

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A lei do bacuri verde já tem suas medidas no âmbito da punição efetivada.

Segundo a presidente da associação de São Raimundo, Dona Francisca, famílias

foram denunciadas ao Ministério Público do Estado do Maranhão, segundo a

infração da lei presente no território. O processo, que se encontra na Comarca de

Urbano Santos, já traz em sua natureza a definição da lei do bacuri verde,

enquadrando para o judiciário, a transgressão de crime ambiental. Na decisão

proferida pela juíza titular da comarca de Urbano Santos, Odete Maria Pessoa Mota

Trovão,em 13 de março de 2014, para esse processo, ela descreve o caso como

crime ambiental, inclusive fazendo referência ao processo administrativo que se

desenvolve também na esfera do Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária (INCRA), sob numeração de processo administrativo 54230.003406/2005-­

82, para comprovação de fatos sobre a ação de posse definitiva do território, como

posto nos autos e atos turbativos:

(...) A ação de manutenção de posse tem por objetivo impedir que se renovem atos turbativos contra os possuidores, sendo possível a concessão de liminar inaudita altera pars, em relação ao pedido de conservação possessória. Para tanto, basta que a parte autora comprove, de plano, a presença dos requisitos legais, quais sejam: a comprovação da posse, a turbação sofrida e a respectiva data de ocorrência desta, consoante dicção do art. 927 do CPC. O primeiro requisito restou satisfatoriamente demonstrado, pois se verifica que os associados substituídos são trabalhadores rurais e detêm a posse do imóvel em questão, nos termos do art. 1.196 c/c o art. 1.200 do CC, pois há várias décadas exercem o plantio de diversas culturas agrícolas na área, bem como efetuam a criação de pequenos animais, conforme fora atestado, inclusive, pelo relatório social elaborado pelo INCRA, no processo administrativo nº 54230.003406/2005-­82, referente à desapropriação para fim de reforma agrária (fls. 73/74). A turbação encontra-­se demonstrada pelas fotografias de fls. 32/33, que demonstram a derrubada das árvores descritas na exordial, bem como em função dos boletins de ocorrência de fls. 21/22, os quais comprovam que os associados continuam na posse do bem, mesmo após os atos turbativos praticados pelos réus. Por derradeiro, a turbação foi perpetrada a menos de ano e dia, uma vez que esta ocorrera em fevereiro de 2014 (fls. 21/22), atendendo-­se, portanto, o requisito do art. 924 do CPC. Sendo assim, a concessão da medida liminar é medida de prudência e bom senso, revelando-­se ainda necessária para resguardar o direito dos possuidores, que, ao longo do tempo, residem e utilizam o imóvel nos limites da sua função social. DO EXPOSTO, com fulcro no art. 928 do CPC, CONCEDO a medida liminar, para garantir que aos membros da associação requerente e suas respectivas famílias, sejam mantidos na posse da área de terra de aproximadamente 1.635 hectares, localizada no Povoado São Raimundo, na zona rural do Município de Urbano Santos/MA, até o

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julgamento final da demanda. Determino ainda que os requeridos se abstenham de turbar a posse do referido imóvel, sob pena de incidência de multa diária, ora fixada no patamar de R$ 200,00 (duzentos reais), para o caso de descumprimento. Expeça-­se mandado de manutenção de posse, ficando de logo autorizado o auxílio policial, em caso de resistência. Citem-­se os requeridos para, no prazo 15 dias, contestarem a presente ação, caso queiram, sob pena de presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial. Intimem-­se. Urbano Santos, 13 de março de 2014. Odete Maria Pessoa Mota Trovão -­ Juiza Titular da Comarca de Urbano Santos -­ Resp: 163337.

Esse dispositivo motivou a compreensão efetiva da lei do bacuri verde para

aqueles que questionavam internamente sua legitimidade e aplicação. Foi uma

recepção do dispositivo formal jurídico de outra decisão interna autônoma

camponesa, em meio ao processo de disputa e garantia territorial. A outra decisão,

como consta na sentença da juíza é a manutenção da posse em territórios de

conflito, como São Raimundo, que é ameaçado de invasão por diversas empresas e

gaúchos que realizam atividades ligadas aos monocultivos no Baixo Paranaíba.

Assim, a lei do bacuri verde teve um efeito normativo interno e externo pelos direitos territoriais.

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Foto 08: Ata de posicionamento sobre o conflito interno sobre a coleta do bacuri verde em relação ao Povoado Bom Princípio, em 07 de janeiro de 2012, livro de ata da Associação dos Moradores de São

Raimundo. Fonte: Pesquisa de campo, 2015.

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5.5. Os confrontos e formas de resistência concreta camponesa

A comunidade São Raimundo desenvolve estratégias de resistência para os

embates na sua trajetória histórica, como a lei do bacuri verde e a roça das

mulheres, com objetivo de alcançar a autonomia territorial e garantir a reprodução do

bem viver. Diante da sua concepção enquanto camponês posseiro (FELICIANO,

2009), a luta pelo direito e a permanência no território se faz presente como lema e

caminho da luta.

Uma das formas de resistência descrita na comunidade foi a lei do bacuri

verde. Aprovada em 29 de dezembro de 2012, a lei vem regimentar os processos de

usos do território que não objetivassem a partilha e o bem viver camponês, como

expresso em ata anteriormente. Entre os meses de outubro e março, camponeses

do Baixo Paranaíba acomodam em sua economia o extrativismo do cerrado dos

frutos do bacuri. O fruto é catado maduro e caído ao solo, retirado a “massa” – parte

comestível e comercializado pelos camponeses – e armazenado. Na geografia

desenvolvida pelos camponeses em atividade familiar, a trilha pelo território São

Raimundo e os territórios ao redor é desenvolvida.

Na descrição acima, de modo amplo como a atividade do extrativismo do

bacuri acontece, temos duas questões que motivaram a criação desta lei. Em

primeiro lugar, essa lei foi criada para que os camponeses e as camponesas

acessem ao fruto e possam comercializá-­lo. Isso é importante para que se permita

que outras famílias também possam realizar essa atividade, preservando o fruto

verde até que amadureça e caia para a coleta. Em seguida, há a importância dessa

lei porque nas trilhas territoriais que ocorrem permanentemente o plantio, a caça e a

coleta, por exemplo, a lógica anterior deve ser assegurada, uma vez que sujeitos de

outros territórios também realizam tais atividades, haja vista que os territórios são

compreendidos no modelo de integração, não restringindo o acesso e o uso pelo

coletivo.

No desembocar de processos, a lei do bacuri verde representa uma

perspectiva de gestão interna camponesa do território para aqueles que fazem o

São Raimundo gerir-­se. E, externamente, estabelece formas de relação e de contato

entre os territórios, segundo o bem viver da natureza.

Como desdobramento, a lei do bacuri verde já judicializou alguns sujeitos

sociais que não “obedeceram” à autonomia e à demanda territorial concreta

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estabelecida e aprovada em assembleia na instância política reconhecida para

decisões, que é a associação de moradores de São Raimundo. Mediante a

recorrência no flagrante de derrubada do bacuri verde, foi feito, formalmente, junto

ao Ministério Público Estadual, na comarca de Urbano Santos, uma denúncia contra

o autor da ação. Após deferimento, a denúncia se transformou em processo de

crime ambiental, infringindo diretamente o bem viver da natureza e dos camponeses.

Na atualidade, o processo está com status de instrução e possível condenação, em

que a família em questão possivelmente pagará multa pelo crime ambiental.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o objetivo de contribuir com a produção científica e acadêmica, com

relevância social, o estudo de tese aqui proposto teve como foco explicar as

resistências dos(as) camponeses(as) que se estabelecem no âmbito do conflito

territorial, frente ao incremento do cultivo da soja e eucalipto no Baixo Parnaíba

maranhense, nos municípios de Santa Quitéria, Urbano Santos e Chapadinha.

Diversos dilemas foram encontrados: produzir uma tese com o viés contra-­

hegemônico, vivenciada e escrita pelos sujeitos em destaque do Baixo Paranaíba;;

produção científica e acadêmica: qual a aproximação com a sociedade?;;

descolonizar a escrita ao invés de reproduzir formas e modelos coloniais perpétuos

no que diz respeito à formação do cientista na academia brasileira e;; formação e

envolvimento de uma geografia militante, com total engajamento e qualidade no que

se produz, uma vez que sabemos da potencialidade dos resultados.

A produção científica e acadêmica sobre a Geografia (agrária e política) do

Maranhão se mostra um tanto limitada, razão que se compreende pela recente

formalização dos cursos de ensino superior no Estado, que são dos anos 1980.

Assim, está posto o desafio de uma produção interdisciplinar e de protagonismo nos

resultados, apontando também para a relevância e a responsabilidade com os

resultados.

Quanto aos camponeses, esses sujeitos vivenciam embates constantes com

o grande capital e, progressivamente, o choque de racionalidades é posto como

estratégia de luta e resistência, como nos usos do bioma cerrado em área de

transição do Meio Norte. A heterogeneidade coloca uma arma frente à

homogeneidade do modelo agroexportador de soja e eucalipto, revelando o

imanente nos conflitos, que é a própria dimensão sociometabólica camponesa. O

gênero de vida ainda nos parece pouco explicativo, uma vez que, enquanto chave

de leitura das práticas e produções territoriais, unifica os processos de reprodução

camponesa. Vimos que, além dos usos da natureza enquanto recurso, a dinâmica

aponta para uma possível recomposição metabólica que se deu com a própria

reprodução do capital, expresso nas grilagens de terras, no desmatamento

indiscriminado, no cercamento de mananciais hídricos e áreas de uso comum dos

trabalhadores tradicionais. Estratégias como a reserva extrativista e o

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reconhecimento de comunidades tradicionais apontam caminhos de força e

permanência nos territórios em conflitos, segundo a condição destes camponeses

enquanto posseiros e quilombolas, em grande expressividade (CPT, 2014).

Diante da diversidade do camponês-­posseiro do Baixo Parnaíba,

compreendemos sua dimensão segundo uma tiponímia resultante das ações ligadas

as trilhas territoriais, a saber:

Quadro 05: Dimensões do mundo camponês e ações territoriais no Baixo Parnaíba Dimensão camponesa Espaço de atuação Camponês posseiro Baixão, Chapada e Tremendal Camponês extrativista Chapada e Tremendal Camponês assalariado Baixão e Chapada Camponês criador de animais Chapada Camponês “médico41” Chapada Camponês da roça Baixão

Fonte: autoria própria

A ampla conceituação que foi exposta, segundo uma toponímia construída segundo

relatos de campo e entrevista, aponta para a diversidade camponesa e re-­invensão

do campesinato, diante da invisibilidade do agronegócio e a negação das práticas

tradicionais costumeiras. São os conflitos postos diante da lógica do capitalismo

frente as práticas resistentes históricas no Baixo Parnaíba maranhense.

Assim, se revelam novos processos de luta e permanência nos territórios,

com identificação e reconhecimento de camponeses enquanto classe e identidade

étnica, como manutenção territorial (ALMEIDA, 2010;; PAULA ANDRADE, 1997).

Mas afinal, quem são esses camponeses? Quilombolas? Posseiros? O que está

posto não nos permite esta definição, e, além disto, não é nosso objetivo o

enquadramento teórico e epistemológico dos sujeitos, mas a construção coletiva e

autônoma daqueles que lutam pelo Baixo Paranaíba.

Quanto ao modelo do capital para o Baixo Parnaíba, esse não contempla as

demandas dos camponeses, como expressão da política agrícola e agrária

contemporânea na América Latina. São formas de drenagem dos territórios,

agroestratégias de ordenamento territorial e máxima lucratividade, segundo a mão

de obra de baixo padrão e espaçadas expressões de descontento e resistência ao

41 Em pesquisa de campo, observou-­se que o saber camponês ligado as ervas medicinais do cerrado, titulado os mais velhos como “médicos”, detentores da oralidade e manipulação da natureza, servindo como referência para a comunidade diante da necessidade de usos medicinais.

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modelo. Nos três municípios em questão, temos algumas experiências que revelam

a força e a mobilização política frente ao modelo do capital, contribuindo pela luta e

pela permanência territorial em áreas de chapadas e baixões, nos termos

camponeses de apreensão territorial.

O legado histórico maranhense é marcado por fortes políticas que

potencializam a reprodução metabólica do capital, diante das transformações da

natureza e da lucratividade colocada nas atividades econômicas, com fins

exteriores. Como no formato colonial, ainda reproduzido na contemporaneidade,

este sistema moderno-­colonial objetiva novas áreas no leste maranhense, por

questões como localização junto aos equipamentos de exportação (ferrovias e

portos), baixo custo de terras (com expressivos casos de grilagem (CARNEIRO,

2013) e alto índice de potencialidades naturais para transformação em mercadoria, a

partir do meio de produção do capital ligado ao agronegócio. Essa lógica presente

no sul do Estado e que, desde os anos 1990, vem ocupando e avançando em áreas

do leste, baseando o que chamamos de expansão sul-­leste maranhense.

Ainda, os embates teóricos e políticos aqui propostos apontam para um

mergulho quanto à produção sociometabólica do território camponês, com foco no

descolamento da dimensão que representa o sujeito social, para uma compreensão

descolonial e marxista frente ao modelo capitalista, arraigado historicamente no

Maranhão. A visibilidade e a cartografia do conflito são passos importantes, mas se

faz necessário a luta e a própria práxis camponesa na grafia dos escritos para nos

aproximarmos da totalidade da questão e possibilitarmos outras escritas da trajetória

política e agrária maranhense, expressando possibilidades e caminhos (mesmo

ainda não descritos neste texto), na busca por emancipação política e ideológica,

rompendo com a cultura do empate e/ou apenas convivência dentro do modelo do

capital.

A agressividade do modelo capitalista imposto ao espaço agrário é com fins

de máxima rentabilidade e objetivamente com fins de fissurar os territórios

resistentes. São revoltas e massacres que ao preço do controle do processo

produtivo, da exploração da dimensão social camponesa e da falha metabólica da

relação sociedade-­natureza, é instalado, permanentemente, um quadro de

destruição. O que nos parece que esses elementos têm movimentado a dimensão

camponesa para outros levantes sociais, em resistências materializadas político,

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simbólico e concretamente (SCOTT, 2002).

O território camponês de São Raimundo representa uma desobediência nas

formas de reprodução social contra o modelo de produção de sociedade e

intensificação do modo agrícola exportador. Com bases nas dimensões de

autonomia e resistência, o bem viver camponês permanece e atinge outros

patamares de mobilização e de luta social.

Outro elemento é a complementariedade espacial no território entre baixão e

chapada, como característica do saber e da luta camponesa. Em diversas rodadas

de tentativas de compras de terras, gaúchos, fazendeiros e empresários

condicionam apenas os baixões como necessários para permanência camponesa,

como também exposto por Moraes (2009) e Oliveira (2015). Imediatamente, em

revelia ao processo, a necessidade de uso da chapada é colocada como parte da

economia, segundo o extrativismo sendo que neste espaço existem diversos

elementos para a produção dos medicamentos, no objetivo do bem viver

(MONTENEGRO, 2011).

Algumas dimensões devem ser demarcadas como análise dos rumos e

processos da luta camponesa no Baixo Parnaíba e no território São Raimundo, a

saber: a) a luta camponesa aciona instâncias estratégicas externas à organização

social e política do território, na perspectiva de aumentar o escopo de autonomia e

de permanência territorial, como no processo aberto de regularização fundiária junto

ao INCRA (MA). A mediação por entidades e movimentos sociais – em foco a

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e o Fórum Carajás – proporciona um

imobilismo social e político, uma vez que a abertura que se faz para esses sujeitos

sociais / entidades transfere para tais instituições um relativo protagonismo no que

diz respeito ao tão divulgado “acompanhamento” jurídico do processo. O

tencionamento político para fora entra em arrefecimento nessa conjuntura. Um dos

resultados é que o processo de compra e venda da terra junto, aberto em 2010,

encontra-­se parado como umas das razões descritas. Desse modo, é permanente a

necessidade de retomada desse espaço pela associação de São Raimundo, com o

horizonte de transformação desta realidade;;

b) a defesa do território com as leis do bacuri verde e de criação de animais em

cercados representam, internamente, a autonomia camponesa em questão. Diante

da possibilidade de articulação com outros territórios e de pautar o Estado com essa

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demanda – Ministério Público Estadual, Promotoria do Estado (comarca de Urbano

Santos), 38ª Promotoria de Justiça Especializada Conflitos Agrários (1º Promotor de

Justiça de Conflitos Agrários), Câmara de Vereadores dos municípios de Urbano

Santos e Santa Quitéria e Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão –, revela-­se a

mobilização externa para transformar o modelo social que pauta as comunidades

camponesas e povos tradicionais;;

c) a ameaça imediata que se perdeu (ou talvez se reformulou) ao território mediante

ao avanço dos monocultivos, como eucalipto, da Suzano Papel e Celulose S. A., por

exemplo, ainda é eminente. Com o processo aberto no INCRA, de compra e venda

do perímetro que está contido no território de São Raimundo, os conflitos com os

tratores ou a abertura de variantes se deslocaram para a dimensão ideológica e

política. Constantemente, o proprietário da antiga Fazenda São Raimundo visita a

liderança da associação incentivando os camponeses a irem ao INCRA acelerar a

negociação. Munido da possibilidade de arquivamento, o gaúcho Evandro Loef tenta

utilizar a força que existe na mobilização para almejar um valor maior. Segundo sua

cotação, o valor para os 1.635,71 ha é de R$ 3.319.493,44 (três milhões, trezentos e

dezenove mil, quatrocentos e noventa e três reais e quarenta e quatro centavos), e

não o que avaliou o INCRA, que totaliza R$ 1.521.775,26 (um milhão, quinhentos e

vinte e um mil, setecentos e setenta e cinco reais e vinte e seis centavos). Além da

pressão na ordem financeira, novos investimentos se aproximam para o Baixo

Paranaíba, devido sua imersão na delimitação do MATOPIBA. Diante da ausência

da reforma agrária, o agronegócio se articula em novas rotas para os territórios

camponeses;; e

d) Diante do recuo do capital corporificado em grandes empresas como a Suzano

Papel e Celulose S. A., que é resultado de uma luta camponesa feita nos territórios

do Baixo Parnaíba, novas formas e processos de resistência tomam espaço de

eclosão e permanência. Em entrevista realizada em setembro de 201442 com Ana

Paula Soares, diretora de Responsabilidade Social da Suzano, ela discorre sobre

essa recuada, reconhecendo os conflitos territoriais como impeditivo para uma

contínua monopolização do território na agricultura (OLIVEIRA, 2014):

42 Entrevista realizada na sede da empresa, em Imperatriz, em atuação de campo com o doutorando em Geografia Guilherme Marini Perpetua (UNESP/PP).

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Entrevistador Saulo Costa: Para finalizar, Ana Paula, você dedicou muito tempo da nossa conversa para a Região Tocantina, dessa expansão para o centro-­oeste [do estado], em direção a São Luís. Nessa atual conjuntura, o leste [do estado e o Baixo Parnaíba] estaria estagnado, devido à fábrica do Piauí não ter tomado novas proporções. Então a empresa tem se dedicado somente à manutenção das áreas? Ana Paula Soares: Manutenção das áreas, nós tínhamos uma equipe similar à que a gente tem aqui, nós tínhamos uma equipe lá, equipada com coordenador, com equipe de sustentabilidade;; hoje, devido à redução das atividades, a gente tem uma pessoa de responsabilidade social, até para tocar alguns projetos que já estavam em andamento e para fazer algumas conversações, até porque, devido ao período de arrendamento das áreas também, a empresa anterior ela gerou alguns conflitos na região, que a gente, depois que retomou as áreas lá vieram como passivo, e aí tem algumas coisas que são de conhecimento nacional, saem notícias e essas coisas todas, e hoje a gente tem essa única pessoa que faz esse trabalho lá. Se houver a possibilidade de, eu acredito que, à medida que se chegar na situação de fazer colheita e trazer o material para cá, nós vamos precisar fazer um trabalho lá também. Aí eu não sei se revitaliza a equipe, se a equipe daqui vai se subdividir para ir para lá, mas assim, hoje nós estamos focados mesmo mais nessa região onde as operações acontecem, mas assim, temos um “pezinho” lá e a pessoa que era coordenadora de responsabilidade social, hoje ela é coordenadora em São Paulo, mas ela vem mensalmente para cá, para o Piauí, para acompanhar o trabalho da pessoa que ficou também [grifo nosso].

Assim, o modelo agrário exportador em desenvolvimento histórico no

Maranhão possui diretrizes básicas para o fim do campesinato, com a concentração

fundiária e a erosão das formas de reprodução camponesa, de saberes e das

práticas, desqualificando-­as enquanto formas de resistência e de luta. É objetivo do

modelo hegemônico, a progressiva e violenta exploração dos camponeses em

diversos mecanismos, mesmo com a superação de modelos com a cobrança do foro

e a relativa condição de fim da escravidão. Os monocultivos são formas de

retomadas destes modelos e enfretamento com camponeses. Em meio a este

cenário, a condição camponesa revela uma contra-­hegemonia em curso, com

autonomia e emancipação, principalmente, no que diz respeito ao bem viver, uma

vez que possibilita, diante da ancestralidade, a re-­organização social e a re-­tomada

dos territórios. São os territórios livres para o bem viver dos povos e comunidades da América Latina.

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Material jornalístico consultado e sites

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