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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
VILMAR SOARES DA SILVA
REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O CRIME ORGANIZADO
CURITIBA
2014
VILMAR SOARES DA SILVA
REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O CRIME ORGANIZADO
Monografia de conclusão de curso apresentado aoCurso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicasda Universidade Tuiuti do Paraná, como requisitoparcial para a obtenção do grau de Bacharel emDireito.
Orientador: Prof. Dalio Zippin Filho
CURITIBA
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
VILMAR SOARES DA SILVA
REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO E O CRIME ORGANIZADO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Bachareladoem Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, de de 2014.
_______________________________________Prof. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografias
Orientador: _______________________________________Prof. Dalio Zippin Filho
Universidade Tuiuti do ParanáFaculdade de Direito
_______________________________________Prof.
Universidade Tuiuti do ParanáFaculdade de Direito
_______________________________________Prof.
Universidade Tuiuti do ParanáFaculdade de Direito
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos os professores que contribuíram para minha formação
desde o ensino fundamental até a faculdade. E todos os meus familiares que direta
ou indiretamente deram apoio para não desistir.
Infelizmente o meu tio Adir Soares da Silva não me verá formado, mas,
muito obrigado por sempre acreditar em minha capacidade, Deus o tenha.
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a Lei do Regime Disciplinar Diferenciadoaplicado ao Crime Organizado. O estudo surgiu do interesse em demonstrar que acriação e evolução dos dispositivos ajudam a combater a organização criminosa nopaís. Pretende-se mostrar o progresso da Lei em preencher as lacunas existentes àdefinição e punição do Crime Organizado. Para atender a estes aspectos, é abordado ométodo do RDD previsto na Lei n.o 10.792 de dezembro de 2003, um tratamentoorientado para garantir a segurança e ordem do Sistema de Execução de Pena,isolando o preso de maior periculosidade designado como líder ou participante defacções criminosa. Aborda-se a Lei da Execução Penal de 1984, a Lei do CrimeOrganizado n.o 12.850 de 2 de agosto de 2013. É apontado também o questionamentopor alguns doutrinadores como sendo este tratamento inconstitucional e por outroscomo referencial do combate ao Crime Organizado. Conclui-se que a Lei do RDDn.o 10.792/2003 dirigida ao Crime Organizado, possui instrumentos jurídicos capazesde combater a Organização Criminosa, porém, não respeita os direitos fundamentaisdos apenados.
Palavras-chave: Crime. Organização. Dispositivos. Regime disciplinar diferenciado.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 6
2 ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ...................................................................... 6
2.1 NATUREZA DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL.................................. 6
2.2 A ESTRUTURAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO........................................ 8
2.3 CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO ....................................... 11
2.4 ATUAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO........................................................ 12
3 A EVOLUÇÃO DOS DISPOSITIVOS DE COMBATE AO CRIME
ORGANIZADO .............................................................................................. 14
3.1 PARÂMETROS DA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
N.o 12.850/2013 ........................................................................................... 16
4 LEI DE EXECUÇÃO PENAL N.o 7.210/1984 ................................................ 19
5 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO LEI N.o 10.792/2003 ................... 21
5.1 A ORIGEM DO RDD.................................................................................... 21
5.2 FUDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA DA CONSTITUCIONALIDADE DA
LEI DO RDD N.o 10.792/2003...................................................................... 23
5.3 FUDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA DA INCONSTITUCIONALIDADE
DA LEI DO RDD N.o 10.792/2003................................................................ 26
5.4 RDD VERSO DIREITOS HUMANOS .......................................................... 27
6 CONCLUSÃO ................................................................................................ 31
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 32
6
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de mostrar a evolução normativa da
Lei n.o 12.850/2013 para o combate a Organização Criminosa, analisar como se
procedeu a sua evolução até a presente data. Tal dispositivo foi uma construção que
passou por várias leis que não surtiram o efeito desejado, pois não prescreviam o
conceito e os parâmetros adequados para a investigação criminal de uma Organização
Criminosa. Descreve a importância da referida lei para combater o Crime Organizado
existente dentro das penitenciárias brasileiras que causam resultados fora das muralhas
das penitenciárias. Tal dispositivo tem meios de investigação para buscar provas
lícitas, assim sendo, não deixar lacunas no processo e conseguir a devida sentença.
Juntamente com a Lei de Organização Criminosa n.o 12.850/2013 será
analisado, a Lei n.o 10.792/2003 do Regime Disciplinar Diferenciado, que veio com o
propósito de isolar os líderes ou envolvido em Crime Organizado Lei n.o 12.850/2013.
A Lei n.o 10.792/2003 surgiu por uma resolução do legislativo do Estado de São
Paulo, desta forma, foi atacada pela inconstitucionalidade visto que o Estado de
São Paulo não tinha legitimidade para legislar lei de caráter penal, visto que o
ente competente é a União para tal feito. Contudo, será visto que a União resolveu
a inconstitucionalidade criando a Lei n.o 10.792/2003, tendo por interesse
combater a alta criminalidade que surgia com as Organizações Criminosas dentro
das penitenciárias brasileiras.
Contudo, a Lei n.o 10.792/2003 não fica livre de críticas de inconstitucionalidade,
agora pelos Direitos Humanos dos apenados, tendo por embasamento que o Regime
Disciplinar Diferenciado é desumano e viola vários princípios constitucionais tais como,
Princípio da Legalidade, Princípio da Proporcionalidade, Princípio da Humanidade,
Princípio da Presunção da Inocência e outros.
Assim será realizada uma análise de doutrinadores que defendem a
constitucionalidade da Lei n.o 10.792/2003 e outros doutrinadores que defendem a
inconstitucionalidade da Lei do Regime Disciplinar Diferenciado n.o 10.792/2003, com
pensamentos embasados em Direitos Humanos e defesa da Segurança Pública.
2 ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
2.1 NATUREZA DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL
7
O Brasil tem um histórico de formação de criminosos em penitenciária e por
maior consequência, a formação de facções, ou seja, o Crime Organizado formado
nas penitenciárias brasileiras.
A designação da palavra facção segundo o dicionário (AMORA, 2009): "grupo
de dissidentes de um partido político, de uma doutrina, de uma instituição". Entende-se
que é um grupo de pessoas ou indivíduos relacionados a partidos ou organizações
por uma mesma causa em oposição a outros, instituindo a oposição e supremacia
política por parte do grupo. É um termo que em sua flexão, traduz como a reunião de
pessoas que possuem uma mesma ideologia e que tem por causa à perturbação da
ordem pública, designado como facção criminosa.
O Crime Organizado no Brasil tem sua origem em meio a muitas controvérsias
determinado por diferentes momentos históricos, culturais e políticos. Neto (2006)
comenta sobre o Crime Organizado ter seu início na transição entre o período colonial e
o Império, vindo a agravar-se quando da instalação da República. Ainda ressalta que a
sociedade brasileira nasceu do crime e é organizada por um Estado que se constitui
para abrigar os interesses de uma elite que tem como origem de suas fortunas,
a ilicitude.
O Brasil tem em sua fundação Colonial, à colonização por indivíduos vindos de
Portugal que não apresentavam o perfil condizente aos interesses da Coroa Portuguesa,
sendo deportados para habitar a nova colônia. Os primeiros casos de corrupção pode-se
dizer que partem desta relação entre a Coroa Portuguesa e o Governo Colônia, pois,
há registros de casos de cobradores de impostos reais que embolsavam esses
valores arrecadados, ou, em outras hipóteses, procediam com tal desídia que davam
lugar a uma acentuada e expressiva sonegação (HABIB, 1994).
Já na sua fase Imperial, o planejamento para o delito pode ser visto em
várias esferas e camadas da sociedade brasileira, com no ano de 1821, em que
D. João VI retorna para Portugal (depois de chegar em 1808 ao Rio de Janeiro fugido
das tropas de Napoleão) com todo o dinheiro depositado na época no Banco do
Brasil (BENEDITO, 2014) ou mesmo da Igreja que no século XVIII, enviava ouro
para a Europa sem pagar o devido dos tributos à Coroa Portuguesa. Aqueles que
não quisessem pagar os impostos, inclusive padres, colocavam dentro das imagens
religiosas, ouro e pedras preciosas logrando as vistorias; tal atitude reverteu na
expressão, "santo do pau oco".
O autor Habib (1994), define a partir da metade do século XIX, como o período
8
da República sendo de fatos evidentes da corrupção:
É possível constatar, naquele período, a evidência de crimes como o fraudeeleitoral, malversação de verbas públicas, desvios de rendas, tráfico deinfluência, "apadrinhamento", propinas e subornos, interesses políticosescusos, beneficiamento de oligarquias com isenções fiscais, com cargos esalários excessivamente elevados, "coronelismo" – com todo tipo decondescendência criminosa, acobertamento de criminosos, empreitadassinistras, suborno de membros do poder judiciário, do ministério público, dapolícia judiciária, perseguições políticas por interesses inconfessáveis;agenciamento de empréstimos em empresas públicas (p.3).
Há ainda quem indique que o Crime Organizado já tenha ocorrido com o
cangaço, final do século XIX e começo século XX (OLIVIERI, 1995). O bando dos
cangaceiros, de 1922 a 1926, liderados por Virgulino Ferreira da Silva (o Lâmpião),
já se mostravam organizados taticamente com formação de bando, aterrorizando o
sertão nordestino com repetidas ações de crimes. Eram homens que se organizavam
em grupos, subgrupos e por comandos, orientados por questões de hierarquia,
característica semelhante e vista no crime organizado de hoje.
Ainda Silva (2003) expõe ter sido com a proibição do "jogo do bicho", resultando
na primeira infração organizada do país. Todavia, "a ideia ganhou o apreço popular
e logo passou a ser gerenciada por grupos organizados mediante a corrupção de
policiais e políticos" (SILVA, 2003).
2.2 A ESTRUTURAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO
Lopez (1995 apud GOMES, 1997), escreve que existem duas modalidades
para o Crime Organizado: a categoria internacional como a norte-americana e a
italiana e a de categoria regional ou local que tem caráter mais modesto, e que pode
florescer em qualquer país. A primeira categoria é caracterizada como uma organização
mais complexa, com certa continuidade dinástica, com disciplina interna severa,
constantes lutas intensas pela manutenção do poder, extensa utilização da
corrupção política e policial e compreende uma ocupação com distribuição
geográfica por zonas.
É preocupante a sua estruturação e evolução do Crime Organizado no
Brasil, assim descrita por Porto (2008, p.101):
9
O fenômeno da criminalidade organizada atuante no interior dos presídiosbrasileiros é, sem dúvida tema extraordinariamente atual e preocupante.Facções criminosas, antes de inexistentes, se organizaram com eficiência eprofissionalismo criminoso, comandando a criminalidade de dentro para forado sistema penitenciário.
Nas décadas de 70 e 80, a vertente dos movimentos criminosos organizados
no Brasil está nas prisões onde os presos políticos cumpriam "penas" junto com
presos comuns e os presos comuns observando a organização dos presos políticos
começaram a se organizar dando contribuição e composição de grupos criminosos.
Em 1979, aproximadamente, surgiu o grupo criminoso Comando Vermelho que
coloca em choque a intenção voluntária e a intenção involuntária do sistema criminal
organizado. Segundo o jornalista Carlos Amorim (1993):
Durante a convivência entre presos comuns e presos políticos não houveintenção de ensinar guerrilha aos bandidos. [...] a transmissão dessesconhecimentos se deram de maneira involuntária, como resultado espontâneodo convívio eventual nas cadeias. [...] ao longo de doze anos de pesquisas,não encontrei qualquer indício ou prova de que houve uma intenção oumesmo uma estratégia por parte dos presos políticos para ensinarem guerrilhaaos presos comum (apud CARVALHO, 1994, p.2).
No sentido contrário à intenção involuntária: "[...] houve sim uma intenção
firme em propagar a sistemática do crime ou mesmo iniciar os presos comuns nos
ensinamentos próprios dos movimentos de oposição ao regime vigente a partir do
golpe de 64" (CARVALHO, 1994).
Para esses defensores, isso teria ocorrido principalmente no Presídio da Ilha
Grande onde foi efetuada uma tentativa de enquadrar os criminosos comuns na luta
política, por meio de uma constante e sistemática doutrinação comunista. Havia
também neste período a Falange Vermelha conhecida pelos policiais como crime
desorganizado. Os membros da Falange Vermelha foram enviados para o presídio
da Ilha Grande, Angra dos Reis, estado do Rio de Janeiro no mesmo período que a
ditadura militar fez da Ilha Grande um presídio político. Tal erro (a não separação de
preso comum de preso político) deu origem à formação da mais violenta facção
criminosa da Brasil, o Comando Vermelho.
Segundo Carvalho (1994, p.3), o assaltante de bancos Vadinho (Oswaldo da
Silva Calil), que viu tudo de perto na Ilha Grande, "o Crime Organizado foi muito
além do que a luta armada tinha conseguido nos anos 70, tanto em matéria de
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infraestrutura quanto na disciplina e organização interna, os alunos passaram os
professores". O que se percebe é que, os presos comuns, eram excluídos, mas não
destituídos de inteligência.
Considerado um sistema desumano a Ilha Grande, os presos eram jogados
como lixos da sociedade. Grandes personalidades estiveram enclausuradas neste
presídio e muitos a descreveram empiricamente na literatura brasileira entre eles, o
escritor Graciliano Ramos na obra clássica "Memórias do Cárcere":
[...] A gente mais ou menos válida tinha saído para o trabalho, e no curral sedesmoronava o rebotalho da prisão, tipos sombrios, lentos, aquecendo-seao sol catando bichos miúdos. Os males interiores refletiam-se nas caraslívidas, escaveiradas. E os esternos expunham-se claros, feridas horríveis.Homens de calças arregaçadas exibiam as pernas cobertas de algodãonegro, purulento. As mucuranas haviam causado esses destroços, e em vãoqueriam dar cabo delas. Na imensa porcaria, os infames piolhos entravamnas carnes, as chagas alastravam-se, não havia meio de reduzir a praga.Deficiência de tratamento, nenhuma higiene, quatro ou seis chuveiros paranovecentos indivíduos. Enfim, não nos enganávamos. Estávamos ali paramorrer (RAMOS, 1995 apud AMORIM, 2004, p.52).
As penitenciárias não mudaram muito ao longo do tempo, apenas os políticos
mudaram para Brasília com a democratização do país. Há muitos no cenário político
que influenciaram para a criação do Comando Vermelho, como o deputado federal
Fernando Gabeira (escritor e jornalista) o qual passou pelo presídio Ilha Grande no
período da ditadura militar, nas décadas de 70 e 80, por suas ideologias políticas.
Contudo há de se pensar que nem todos os presos políticos se voltaram às
organizações criminosas, somente os que enxergaram nas ações criminosas algo
mais compensador que a política.
Anjos (2002), o Crime Organizado nasce do processo de exclusão social,
pois se de fato tivesse surgido dentro das prisões, na década de setenta do século
passado – com a fusão de presos comuns com os presos políticos – a prisão de
seus líderes, provavelmente teria frustrado a sua expansão.
Como descrito no trabalho acadêmico do mestrando Gonçalves (2012), não
é possível entender o processo de articulação do crime e a dimensão do que hoje
chamamos de Crime Organizado, sem que esteja clara a participação dos diversos
setores da sociedade, num conluio direto ou indireto, neste tipo de delito. A peça
acadêmica ainda ressalta que o Crime e o Estado não podem conviver em harmonia;
o Estado deve exercer satisfatoriamente o seu papel ordenador da sociedade.
11
2.3 CARACTERÍSTICAS DO CRIME ORGANIZADO
É imprescindível afirmar que a Organização Criminosa se diferencia dos
outros crimes por sua relação com o Estado. Gonçalves (2012) expõe no seu trabalho:
Esse tipo de crime tem algumas características muito próprias, principalmentepela flexibilização que demonstra entre a atuação de crimes totalmentedesaprovados pela sociedade (antijurídicos), como assassinatos, roubos,tráfico de entorpecentes, armas, desvio de verbas e fraudes generalizadasetc., e ao mesmo tempo passar a imagem de legalidade e legitimidade,apoiada pelo regime capitalista através de braços do Estado, pela instalaçãode empresas que lavam o dinheiro proveniente de crimes.
Oliveira (2004) ressalta ainda as outras características:
Os especialistas do Fundo Nacional Suíço de Pesquisa Científica afirmamque existe crime organizado, especificamente o transnacional, quando umaorganização tem o seu funcionamento semelhante ao de uma empresacapitalista, pratica uma divisão muito aprofundada de tarefas, busca interaçõescom os atores do estado, dispõe de estruturas hermeticamente fechadas,concebidas de maneira metódica e duradoura, e procura obter lucros elevados.Para as Nações Unidas, organizações criminosas são àquelas que possuemvínculos hierárquicos, usam da violência, da corrupção e lavam dinheiro.
Mingardini (1996 apud GONÇALVES, 2012, p.69) aponta quinze características
do Crime Organizado. São elas:
1. Práticas de atividades ilícitas;
2. Atividade clandestina;
3. Hierarquia organizacional;
4. Previsão de lucros;
5. Divisão do trabalho;
6. Uso da violência;
7. Simbiose com o Estado;
8. Mercadorias ilícitas;
9. Planejamento empresarial;
10. Uso da intimidação;
11. Venda de serviços ilícitos;
12. Relações clientelistas;
13. Presença da lei do silêncio;
14. Monopólio da violência e
12
15. Controle territorial.
As características do Crime Organizado querem dizer que esse tipo de crime
parte de uma associação de pessoas com o objetivo de delinquir, visando unicamente
à acumulação de riqueza indevida, ou seja, o objetivo principal é econômico,
diferentemente do terrorismo que tem finalidades político-ideológico. O Crime
Organizado tem uma hierarquia estrutural como se fosse uma empresa, com funções
e cargos bem definidos, nos moldes e planejamentos de uma firma capitalista
(GONÇALVES, 2012).
Tal estrutura das facções criminosas dificulta a investigação dos crimes
por se comportarem similares a empresas e por não haver um conceito legal na
legislação brasileira que as repreenda de maneira coercitiva. A de se entender que
estas organizações também podem ser consideradas de menor ou de maior poder,
se forem classificadas por seu grau de influência, ou seja, quanto maior ou bem
estruturada forem, terão maior influência e consequentemente mais difícil de serem
desfeitas. Quanto menor for à organização criminosa, mais fácil será de ser quebrada.
2.4 ATUAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO
É preciso considerar que o Crime Organizado no Brasil está inserido em
toda a sociedade; não está restrita somente às áreas mais carentes, mas sim e
principalmente no meio do qual deveria combatê-lo, o sistema público. É um
emaranhado de "culposos", caracterizada por pobres, ricos e a área da segurança
(policiais) que tem em seu centro a alta burguesia que se apropria silenciosamente
dos recursos públicos, estimulados ou acobertados pela mídia (GONÇALVES, 2012).
Isto torna poder público lesado por ter de lidar com o seu próprio meio
corrupto, aonde a organização criminal compra funcionários públicos utilizando-se da
"propina" para manipular informações e ações de seus interesses. É um trabalho
intenso de combate a estas organizações que por muitas vezes coagem os agentes
públicos sobre a ameaça de uma massa corrupta. Por inúmeras ocasiões é possível
notar que há falta do interesse da administração pública no combate por ela mesma
ter envolvimento direto ou indiretamente com o Crime Organizado.
"Isso só será evitado se os países da região fizerem mudanças nos seus
sistemas judiciais, melhorarem os seus programas de segurança pública e suas
capacidades militares, impuserem duras medidas contra a corrupção e cooperarem
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uns com os outros" (ABBOT, 2005 apud FARIA, 2010, p.23).
As milícias, muito atuantes no Estado do Rio de Janeiro, são formações de
integrantes da segurança pública; "[...] elas invadem áreas pobres. Expulsam,
matam ou contratam traficantes. E impõem pagamento por tudo: moradia, comércio,
serviços, transportes" (SOARES et al., 2010, p.11). Soares afirma ainda que o próprio
Governo colabora com o crescimento das milícias, porque muitos dos políticos são
eleitos com a ajuda do tráfico; outros fatores motivadores são acrescidos dos baixos
salários e a falta de estrutura física e das ameaças para se venderem ao crime.
Da atuação do Crime Organizado dentro do sistema penitenciário brasileiro,
as mais conhecidas são PCC (Primeiro Comando Capital) e o CV (Comando Vermelho);
ainda se tem outras originadas como PCP (Primeiro Comando do Paraná), o CVJP
(Comando Vermelho Jovem da Criminalidade), TCC (Terceiro Comando da Capital),
Comando Brasileiro Revolucionário do Crime, Amigo dos Amigos, Terceiro Comando
Puro e outros. É uma infinidade de comandos criados nas penitenciárias brasileiras.
O preso com toda a ociosidade diária, somente pensa em criminalidade, que
colocam em prática dentro e fora das penitenciárias. Na atualidade temos diversas
Organizações Criminosas criadas dentro na estrutura do Estado.
O Primeiro Comando da Capital, o PCC, é a maior e mais influente organização
do Brasil segundo Porto (p.76, 2008). "Estima-se que hoje o Primeiro Comando da
Capital seja formado por quinze mil integrantes só no Estado de São Paulo, espalhados
e 117 unidades prisionais".
O seu registro de fundação data de 31 de agosto de 1993 na Casa de Custódia
e Tratamento de Taubaté e sua principal finalidade era lutar pelo direito dos internos
da penitenciária, tendo como lema "liberdade, justiça e paz". É considerada uma
"multinacional do crime" por ser semelhante á estrutura de uma empresa e por estar
presente além dos limites brasileiros: como Bolívia, Paraguai, Colômbia e México.
É composta por estatuto que regula e disciplina as suas atividades, assim asseguram
a organização efetiva de seus membros como da própria facção. Suas atividades
vão desde o jogo do bicho ao tráfico de drogas.
Já o Comando Vermelho, CV, é tido como a mais antiga, com sua formação
na época da Ditadura Militar nos anos 80, no Estado do Rio de Janeiro no Instituto
Penal Cândido Mendes (Caldeirão do Diabo). Sua origem vem da convivência dos
presos políticos com os presos comuns da época onde se juntaram para lutar por
seus direitos. Sua principal atividade é o tráfico de drogas e também o de armas.
14
"A estratégia de crescimento do comando vermelho é a mesma utilizada
pelos cartéis colombianos, de aplicar parte da renda de drogas em melhorias para a
comunidade, como a construção de rede de esgotos e segurança, o que a polícia
nunca deu" (PORTO, 2008, p.87).
3 A EVOLUÇÃO DOS DISPOSITIVOS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO
Antes de adentrar na citação dos meios operantes da Lei do Crime Organizado
n.o 12.850/2013 é necessário realizar um retrospecto do embasamento sob a ótica
das leis que a antecedem.
A primeira Lei que se referiu ao tema Organização Criminosa foi a Lei n.o 9.034,
de 03 de maio de 1995; porém, segundo doutrinadores, não fez uma conceituação
adequada do que era Organização Criminosa.
Assim conceitua o artigo 1.o da referida Lei: "Esta Lei define e regula meios
de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de
ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações
criminosas de qualquer tipo".
Para muitos doutrinadores tal conceituação do artigo 1.o da Lei de Organização
Criminosa n.o 12.850/2013 não definia o conceito de Organização Criminosa, como
cita Nucci (2013, p.5):
[...] O Brasil, nesse rumo, editou a Lei n.o 9.034/1995, com a finalidade deingressar, aparelhado, no esforço legalizado de punir os integrantes dessaespécie de organização. Infelizmente, a referida Lei foi editada com váriasfalhas, dentre elas, a ausência de uma definição de organização criminosa.Por certo, foi de pouca valia nos últimos 18 anos.
Nesse mesmo sentido seguiu a crítica do doutrinador Cunha e Pinto (2013, p.11):
[...] No ano de 1995 o Brasil editou a Lei n.o 9.034 dispondo sobre autilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de açõespraticadas por organizações criminosas. Apesar de louvável a iniciativa veioacompanhada de falhas, chamando atenção à ausência de definição dopróprio objeto da Lei: Organização Criminosa.
Os doutrinadores alegavam que Organização Criminosa não poderia ser
confundida com o artigo 288 do Código Penal Brasileiro, e que não coadunava no
15
mesmo artigo 1.o da Lei n.o 9.034 definir o conceito de Bando e Quadrilha juntamente
com o conceito de Organização Criminosa. Não podemos confundir Organização
Criminosa com o que está disposto no art. 288 do Código Penal Brasileiro que trata
da ação delituosa de quadrilha ou bando, haja vista que Organização Criminosa
possui um modo de agir muito mais complexo do que a simples associação de três
ou mais pessoas com o fim de praticar atos ilícitos.
Neste sentido, ficaram sem um conceito de Organização Criminosa até o
evento do Decreto n.o 5.015, de 12 de março de 2004, que promulgou a Convenção
das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como
Convenção de Palermo, adotada em Nova York em 15 de novembro de 2000.
A Convenção entrou em vigor internacional, em 29 de setembro de 2003, e passou a
vigorar no Brasil, em 28 de fevereiro de 2004.
Tal Decreto, no seu art. 2.o define um conceito para organização criminosa,
assim segue:
Terminologia. Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupocriminoso organizado" – grupo estruturado de três ou mais pessoas,existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito decometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presenteConvenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefícioeconômico ou outro benefício material (BRASIL, 2004).
A Convenção de Palermo passou a delimitar, mesmo que de maneira ampla
e genérica o conceito de organização criminosa para o nosso ordenamento jurídico.
Contudo, visto às críticas da maneira genérica que foi tratado o conceito de
Organização Criminosa pela Convenção de Palermo, surge com a Lei n.o 12.694, de
julho de 2012, que dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau
de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas, a primeira conceituação
legislativa sobre organização criminosa, demonstrado no art. 2.o de tal dispositivo:
Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação,de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada peladivisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ouindiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática decrimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou quesejam de caráter transnacional (BRASIL, 2012).
Contudo, a citada Lei não ficou livre das críticas, como argumenta Gomes (2014):
16
Com o advento da Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, que dispôs sobre oprocesso e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimespraticados por organizações criminosas, alcançamos grande avanço com adefinição da organização criminosa. Mas o legislador não cominou nenhumapena. Logo, continuamos sem contar com o crime de organização criminosa.Só temos a sua definição, que é útil para fins processuais e investigativos.
Destarte, ficou evidente que o dispositivo legal tinha somente caráter
processual e é insuficiente na tentativa de conceituar o delito de Crime Organizado
uma vez que o legislador não cominou nenhuma pena para tal, então, logicamente,
não há até então o delito de Organização Criminosa. Devido à lacuna existente
veio à necessidade de o legislador criar tal dispositivo para que o mesmo não
apenas descreve-se o conceito de Organização Criminosa, mas também se comina
a respectiva sanção.
Assim, surgiu em 2 de agosto a Lei n.o 12.850/2013, a qual define Organização
Criminosa e dispõe sobre investigação criminal, os meios de obtenção da prova,
infrações penais correlatas e o procedimento criminal. A referida Lei além de novas
providências para combater a Organização Criminosa altera o Decreto Lei n.o 2.848 de
7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e revoga a Lei n.o 9.034 de 3 de maio de 1995.
3.1 PARÂMETROS DA LEI DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA N.o 12.850/2013
A Lei de Organização Criminosa n.o 12.850/2013 foi bem conceituada pelos
doutrinadores pelo fato de corrigir lacunas existentes nos dispositivos anteriores, em
seu artigo 1.o, corrigi o conceito de Organização Criminosa:
[...] Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigaçãocriminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e oprocedimento criminal a ser aplicado.§ 1.o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou maispessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas,ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penaiscujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam decaráter transnacional.
Além de conceituar, estipula sanção cabível para a participante de
Organização Criminosa:
[...] Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta
17
pessoa, organização criminosa:Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penascorrespondentes às demais infrações penais praticadas.§ 1.o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma,embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.§ 2.o As penas aumenta-se até a metade se na atuação da organizaçãocriminosa houver emprego de arma de fogo.§ 3.o A pena é agravada para quem exerce o comando, individual oucoletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmenteatos de execução.§ 4.o A pena é aumentada de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços):I - se há participação de criança ou adolescente;II - se há concurso de funcionário público, valendo-se a organizaçãocriminosa dessa condição para a prática de infração penal;III - se o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou emparte, ao exterior;IV - se a organização criminosa mantém conexão com outras organizaçõescriminosas independentes;V - se as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade daorganização.
Como visto acima, a Lei não somente conceituou, mas deu a devida sanção
levando em conta o caráter subjetivo e objetivo do crime tipificado e, além disso, a
Lei previu instrumentos legais para a apuração e os meios de prova para o sujeito
que se se envolve em Organização Criminosa. Em qualquer fase da persecução
penal será possível, visto o que relata o artigo 3.o da Lei n.o 12.850/2013, sem prejuízo
de outros já previstos em Lei, os seguintes meios de obtenção da prova: colaboração
premiada, captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, ação
controlada, acesso a registros de ligações telefônicas e telemáticas, a dados
cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a informações
eleitorais ou comerciais. E ainda, interceptação de comunicações telefônicas e
telemáticas, nos termos da legislação específica, afastamento dos sigilos financeiro,
bancário e fiscal, nos termos da legislação específica, infiltração, por policiais, em
atividade de investigação (na forma do art. 11 da Lei n.o 12.850/2013), cooperação
entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de
provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal.
Sendo assim, a Lei n.o 12.850/2012 atual de combate a Organização Criminosa
está com todo o aparato instrumental para atacar à formação de Organização
Criminosa, tendo conceito, meios de apuração de provas e sanção. Desta maneira,
ficou uma Lei aplicável e sem lacunas de defesa para elementos que participem de
Crime Organizado.
É inegável que tanto com o advento da Lei n.o 10.792/03 do Regime Disciplinar
18
Diferenciado e a Lei do Crime Organizado n.o 12.850/2013 houve uma mudança
estrutural de combate a Organização Criminosa; ambas as Leis concedem um amparo
para a investigação e contenção de Organização Criminosa.
A Lei do Crime Organizado n.o 12.850/2013 foi fundamental para conceituar o
que é uma Organização Criminosa (artigo 1.o), sem conceituar não há como punir, e a
Lei foi além, também estipulou os requisitos de quem participe direta ou indiretamente
em Organização Criminosa e previu a devida sanção. Assim sendo, quem promover,
constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, Organização
Criminosa, caberá a pena de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo
das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas (artigo 2.o da Lei
n.o 12.850/2013); e nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma,
embaraça a investigação de infração penal que envolva Organização Criminosa.
Também caberá aumento de pena até a metade se na atuação da organização
criminosa houver emprego de arma de fogo e é agravada para quem exerce o
comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique
pessoalmente atos de execução. Pode haver também o aumento da pena de 1/6
(um sexto) a 2/3 (dois terços), se há participação de criança ou adolescente, se há
concurso de funcionário público, valendo-se a Organização Criminosa dessa
condição para a prática de infração penal; se o produto ou proveito da infração penal
destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; e se a organização criminosa mantém
conexão com outras Organizações Criminosas independentes; se as circunstâncias
do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
Para os casos de indícios suficientes de que existe funcionário público
integrante de Organização Criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento
cautelar do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a
medida se fizer necessária à investigação ou instrução processual, sendo que, a
condenação com trânsito em julgado acarretará ao funcionário público a perda do
cargo, função, emprego ou mandato eletivo e a interdição para o exercício de função
ou cargo público pelo prazo de 8 (oito) anos subsequentes ao cumprimento da pena.
Nos casos de policial nos crimes de que trata a Lei n.o 12.850/2013, a
Corregedoria de Polícia instaurará inquérito policial e comunicará ao Ministério Público,
que designará membro para acompanhar o feito até a sua conclusão.
Pode-se dizer que a referida Lei instrumentalizou as investigações contra a
Organização Criminosa e não somente deu o conceito e a devida punição, mas
19
também o legislador criou meio de realizar a devida investigação. É inegável que
não adianta haver uma prisão sem uma norma jurídica que ampare o policial ou o
Ministério Público.
A Lei de Organização Criminosa n.o 12.850/2013 concede meios de obtenção
de provas como: colaboração premiada, captação ambiental de sinais eletromagnéticos,
ópticos ou acústicos, ação controlada, acesso a registros de ligações telefônicas e
telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e
a informações eleitorais ou comerciais; interceptação de comunicações telefônicas e
telemáticas, nos termos da legislação específica; afastamento dos sigilos financeiro,
bancário e fiscal, nos termos da legislação específica; infiltração, por policiais, em
atividade de investigação (na forma do artigo 11); cooperação entre instituições e
órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações
de interesse da investigação ou da instrução criminal.
No tocante a colaboração premiada foi uma tática de inteligência em minar as
barreiras da fidelidade dos integrantes de Organização Criminosa dando ao participante
vantagem para delatar seus comparsas. Vantagens estas previstas no artigo 4.o da
Lei n.o 12.850/2013 onde a pena poderá diminuir até 2/3 (dois terços) ou substituí-la
por restritiva de direitos, ou mesmo, poderá ser concedido o perdão judicial.
Com todo o exposto o presente trabalho deixa ressaltado a importância da
Lei n.o 12.850 de 2 de agosto de 2013 para o combate a Organização Criminosa.
4 LEI DE EXECUÇÃO PENAL N.o 7.210/1984
No ano de 1890, na época da República, é elaborado o primeiro Código Penal
do Brasil; em virtude de críticas, foi reformulado no ano de 1932 e mais uma vez
completado e modificado no ano de 1940.
Segundo Mirabete e Fabbrini (2008, p.23), o Código Penal e o Código de
Processo Penal da época não constituíam "lugar adequado para regulamento da
execução das penas e medidas de liberdade".
O STJ (2010) publicou em referência aos 70 anos do Código Penal:
O Código de Processo Penal (CPP) foi instituído pelo Decreto-Lein.o 3.689/1941 para dar suporte aos mandamentos do Código Penal, deconteúdo substancialmente material. Isso significa que a legislação penaltipificava os crimes, mas precisava de um rito a ser seguido em suaaplicação. Isso foi obtido por meio de uma lei processual, que trouxe desde
20
o disciplinamento da jurisdição penal até a definição da sentença, deconteúdo absolutório ou condenatório.
A Lei da Execução Penal foi promulgada em 11 de julho de 1984 pelo presidente
João Figueiredo. Sobre a Lei Penal n.o 7.210/1984 (STJ, 2010):
Mas, além do CPP, havia a necessidade de uma lei de execução quecomplementasse as duas normas anteriores garantindo a eficácia daaplicação penal no caso das sentenças condenatórias. Com esse objetivofoi criada a Lei de Execução Penal (Lei n.o 7.210/1984). A LEP disciplina eclassifica a internação do condenado nos regimes prisionais fechado,semiaberto e aberto. Também estabelece a prestação de assistência aoscondenados, seus deveres e direitos, a progressão de regime, graça, anistiae indulto, além do juízo de execução.
Trata-se de um processo autônomo que é regulamentado pela Lei de
Execução Penal n.o 7.210/1984, com o objetivo de serem juntadas as cópias
imprescindíveis do processo penal para acompanhar o cumprimento da pena e da
concessão de benefícios do apenado.
Segundo Capez (2004 apud FARIA 2010, p.21), a Lei preocupou-se em
reiterar o preso na sociedade citando os artigos 3.o, 5.o, 10, 11 entre outros. Ainda
cita Marcão (2010), retrata a execução da Lei Penal como uma "atividade complexa
que implica no conjunto de deveres e direitos, tendo como partes o Estado e o
condenado que devem submeter-se ao conjunto de normas de execução da pena".
No capítulo IV, a Seção I da Lei da Execução Penal, o artigo 39 traz a
abordagem dos dez incisos dos deveres do condenado. No tocante aos deveres, os
apenados devem ter comportamento adequado no cumprimento da sentença;
obediência ao servidor e respeito a qualquer pessoa com quem deva relacionar-se;
urbanidade e respeito no trato com os demais condenados; conduta oposta aos
movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou a disciplina;
execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas; submissão à sanção
disciplinar imposta; indenização à vítima ou aos seus sucessores; indenização ao
Estado, quando possível, das despesas com a sua manutenção, mediante desconto
proporcional da remuneração do trabalho; higiene pessoal e asseio da cela ou
alojamento; conservação dos objetos de uso pessoal.
Considerando os direitos dos condenados, a Seção II do capítulo IV, com
embasamento na Constituição Federal 1988, disposto no artigo 5.o, III e XLIX,
21
"ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante";
ainda "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral".
O artigo 41 da Lei de Execução Penal prevê uma diversidade de direitos
fundamentais dos presos como, alimentação suficiente e vestuário; atribuição
de trabalho e sua remuneração; previdência social; constituição de pecúlio;
proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores,
desde que compatíveis com a execução da pena; assistência material, à saúde, jurídica,
educacional, social e religiosa; proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
entrevista pessoal e reservada com o advogado; visita do cônjuge, da companheira,
de parentes e amigos em dias determinados; chamamento nominal; igualdade de
tratamento, salvo quanto às exigências da individualização da pena; audiência especial
com o diretor do estabelecimento; representação e petição a qualquer autoridade em
defesa de direito; contato com o mundo exterior por meio de correspondência
escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e
os bons costumes; atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da
responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Referente aos direitos, o princípio inspirador do cumprimento das penas e
medidas de segurança de privação de liberdade é a consideração de que o interno é
sujeito de direito e não é entendido como excluído da sociedade, mas continua inserido
como parte da mesma. Nas relações jurídicas devem ser impostas ao condenado
tão somente aquelas limitações que correspondam a pena ou medida de segurança
que lhe foram impostas.
5 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO LEI N.o 10.792/2003
5.1 A ORIGEM DO RDD
A origem do Regime Disciplinar Diferenciado iniciou quando ocorreram
diversas rebeliões no Estado de São Paulo, entre tais rebeliões, a maior ocorrida no
município de Taubaté, SP, ocorrência que envolveu quatro cadeias públicas e vinte e
cinco unidades prisionais. Com tais fatos, e um clamor público, surgiu a Resolução
SAP-26, de 04 de maio de 2001, assim foi instituído o Regime Disciplinar Diferenciado
(FURUKAWA, 2003).
22
Contudo, a referida Resolução foi criada por ato do Executivo, ou seja,
viciada de inconstitucionalidade, visto que os artigos 22. I e 24, I, dispõe que cabe à
União legislar sobre tal matéria, vejamos na Lei do RDD:
[...] Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo,aeronáutico, espacial e do trabalho;Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislarconcorrentemente sobre:I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.
Visto a inconstitucionalidade da Resolução SAP-26, o Governo Federal que
já estava à procura de uma medida mais dura para os envolvidos em Facção
Criminosa, constitucionalizou o Regime Disciplinar Diferenciado com a Lei n.o 10.792,
de 1.o de dezembro de 2003.
Com a Lei do Regime Disciplinar Diferenciado em vigor, alterou a Lei
n.o 7.210 de Execução de Pena, de 11 de julho de 1984. Desta forma, deram-se
novos rumos a Execução de Pena, o preso passa a ser analisado por uma Comissão
Técnica de Classificação que elaborará o programa individualizador da pena
privativa de liberdade adequada ao condenado ou ao preso provisório (artigo 6.o da
Lei do RDD).
Nesse regime o preso tem algumas restrições previstas na Lei n.o 10.792/2003,
tendo a prática de fato prevista como crime doloso, constitui falta grave e, quando
ocasione subversão da ordem ou disciplina interna, sujeita o preso provisório, ou
condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado. Este
regime possui as seguintes características: duração máxima de trezentos e sessenta
dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie,
até o limite de um sexto da pena aplicada; recolhimento em cela individual, visitas
semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas; e
o preso terá direito à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol.
Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório
ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação,
a qualquer título, em Organizações Criminosas, quadrilha ou bando, assim previsto
na Lei do Regime Disciplinar Diferenciado n.o 10.792/2003. Há a previsão para a
construção de penitenciárias que tenham o suporte para abrigar esse tipo de preso o
qual requer um cuidado a mais na segurança (artigo 87 parágrafo único da Lei
23
n.o 10.792/2003).
A decisão para incluir o preso no Regime Disciplinar Diferenciado será
motivada pelo diretor da unidade prisional ou outra autoridade administrativa que
deverá ter a manifestação do Ministério Público e da defesa prolatada no prazo
máximo de 15 (quinze) dias. Além de o regime ser mais rígido há a previsão para o
preso ser transferido para uma unidade penal longe de seus familiares, ou seja, da
condenação (artigo 86 parágrafo primeiro) fato esse para dificultar o comando de
atos criminosos fora das penitenciárias.
O RDD visa uma administração capacitada para com isso poder haver uma
prevenção ao crime; não deixando margem para que ocorra o fato criminoso. Pode-se
ver tal análise no que cita Marcelo Lessa Bastos (2007, p.2):
[...] Uma vez identificado o inimigo, Jakobs admite, em relação a ele,basicamente, a criminalização de condutas em estágio prévio da lesão aobem jurídico, antes mesmo que se exteriorize uma ação (por não possuir esteinimigo uma esfera de privacidade a ser tutelada), a majoração desproporcionalda reprimenda (sem levar em conta o iter criminis percorrido), e a flexibilizaçãode garantias processuais.
Desta maneira o RDD dá condições para um regime de controle do crime
intermuros.
5.2 FUDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DO
RDD N.o 10.792/2003
No entender da doutrina majoritária, o RDD veio para suprir lacunas no sistema
de combate ao crime organizado e dar uma Execução de Pena mais propícia aos
líderes de Organização Criminosa. E o preso líder de Organização Criminosa tem
que ser combatido para que esse elemento pare de comandar mesmo preso seus
comparsas, como alude Guilherme de Souza Nucci (2006, p.961):
[...] para atender às necessidades prementes de combate ao crimeorganizado e aos líderes de facções que, dentro dos presídios brasileiros,continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere,além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituososgraves de todos os tipos.
E ao contrário do que alguns analisam como inconstitucional, por ferir os
24
direitos humanos, o Regime Disciplinar Diferenciado da Lei n.o 10.792 de 1.o de
dezembro de 2003, não viola os direitos do apenado em acréscimo ao regime de
sua condenação; de acordo com o que citam Mirabete e Fabbrini (2008, p.149):
[...] o RDD não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimoaos regimes fechado, semi-aberto e aberto, nem uma nova modalidade deprisão provisória, mas sim um novo regime de disciplina carcerária especial,caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições aocontato com o mundo exterior.
É bom destacar que é sábio prevenir do que atacar posteriormente, e a Lei
do RDD, vem além de atacar, prevenir o Crime Organizado, mantendo seus líderes
sem contatos com seus cúmplices; e no sentido de prevenção, já pensava Beccaria
em sua publicação de 1764 na edição de Ridendo Castigat:
[...] É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legisladorsábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boalegislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possamcausar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida.
O apoio à constitucionalidade da Lei n.o 10.792 de 2003 veio pelo fato da
desordem existente no sistema de Execução de Pena, diversas rebeliões e fugas
geravam um descrédito do Executivo em administrar o Regime de Execução de
Pena, e a desumanidade era visto em cada rebelião que acontecia no Estado; não
se pode negar que o Regime da Lei n.o 7.210/84, é, na prática, mais desumano do
que o Regime Disciplinar Diferenciado. Seja visto no artigo do jornal Gazeta do Povo
(2014), relatos de parente de preso morto em rebelião na cidade de Cascavel no
Estado do Paraná:
[...] "Filha diz que pai pode ter sido torturado antes de ser decapitadoRodrigo Batista".A filha de um dos homens mortos durante a rebelião na PenitenciáriaEstadual de Cascavel (PEC) disse que o pai dela pode ter sido torturadoantes de morrer. A vítima é um dos dois presidiários que morreu decapitadonas mais de 40 horas de motim dos presos. "Segundo a jovem, que preferiunão se identificar, ela recebeu informações de que presos do PrimeiroComando da Capital (PCC) tentavam cooptar o pai dela para o grupo, mas ohomem não teria aceitado se subjugar aos criminosos".Segundo a jovem, que mora em Curitiba e tem família em Cascavel, o corpodo pai estava sem as unhas e com os olhos machucados. O homem tinha42 anos e estava na penitenciária há nove meses por ter roubado umautomóvel. Antes disso, ele cumpriu pena por tráfico de drogas durante dois
25
anos antes dessa nova prisão. A vítima da rebelião havia saído do sistemapenitenciário em 2012 e foi presa novamente em 2013. "Ele ficou sememprego por um tempo e depois voltou para o crime, pois ninguém davaemprego para ele", diz a jovem.A respeito da vida dele dentro do presídio, a filha da vítima disse que nãotinha muito contato com o pai, mas soube que ele foi colocado dentro deuma ala que, geralmente, é destinada a detentos que cometeram crimes decomoção popular, como estupro. "Meu pai não era estuprador. Nósentramos com pedido para ele sair daquela ala, mas ainda não tinha tiradoele de lá".Ela também afirmou que o homem costumava se envolver em brigas dentrodo presídio. A previsão era que o pai dela deixasse a penitenciária aindanesta semana, mas a tragédia ocorreu. "Achei um absurdo o que aconteceu".Não espero mais nada, porque sei que vai cair no esquecimento e ninguémvai pagar pelo que fizeram com ele. Só quero que isso não aconteça commais ninguém, diz.
Tais acontecimentos vieram a reforçar a ideia de haver um regime diferenciado
para conter o crime intermuros. Crimes estes cometidos pela negligencia do Estado
e não é por astúcia do líder de facção, conta muito com a ineficácia do Estado, como
cita a procuradora da Justiça do Estado do Maranhão, Themis Maria Pacheco de
Carvalho (2006):
[...] Inegável que a manutenção de extensa vida criminosa mesmo intramurosde prisões não se deve somente a astúcia do delinquente, mas sim, etambém a ineficácia do Estado e de seus agentes para impedir o acesso àprisão de meios que possibilitem o exercício da atividade criminosa cuja sede,em alguns casos, tem por base uma penitenciária do Estado.
O que também concede amparo para o Regime Disciplinar Diferenciado é o
fato de já haver na Constituição Federal (artigo 5.o, XLVI) e no Código Penal previsto
a individualização do apenado. Na sentença há a individualização como manda o
Código Penal, porém, quando partimos para o cumprimento da pena tal individualização
não acontece. Desta forma, o RDD está adequado a Constituição Federal e o Código
Penal Brasileiro no quesito individualizar.
No sentido de colaborar com a tese da constitucionalidade da Lei do RDD,
vem Cléber Masson (2012, p.596) dizer:
[...] Entretanto, não nos parece o caminho correto. O regime é severo,rígido, eficaz ao combate do crime organizado, mas nunca desumano. Muitoao contrário, a determinação de isolamento em cela individual, antes deofender, assegura a integridade física e moral do preso, evitando contra eleviolência, ameaças, promiscuidade sexual e outros males que assolam osistema penitenciário.
26
5.3 FUDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI
DO RDD N.o 10.792/2003
Apesar de ter sido sanado o problema da inconstitucionalidade da incompetência
do Estado de São Paulo legislar para a criação de norma de Execução Penal,
competência da União; a Lei n.o 10.792 de 2003 continua sendo criticada por alguns
doutrinadores de ser inconstitucional, agora, pelo fato que viola os direitos humanos
dos apenados.
A fundamentação da inconstitucionalidade da Lei vem embasada nos
direitos fundamentais dos incluídos nos requisitos da Lei do RDD, segundo alguns
doutrinadores e magistrados a referida Lei trata com desumanidade o recluso.
Segundo a tese de inconstitucionalidade, a Lei severa não vai corrigir problemas
sociais com mandos legislativos.
Neste sentido temos o doutrinador Roberto Bitencourt (2007, p.157):
[...] com o Regime Disciplinar Diferenciado o governo brasileiro passa aadotar o prescrito direito penal de autor, de cunho fascista, ressuscitado pormovimentos sociais do Direito Penal do Inimigo." Afirma ainda que "a Lein.o 10.792/2003 não faz previsões relacionadas a fatos, mas a determinadostipos de autores, submetidos a isolamento não pela prática de algum crime,mas sim, pelo fato de representarem um alto risco, uma ameaça ao convíviosocial, uma avaliação um tanto subjetiva". E continua: "para as instâncias decontrole não importa o que se faz "Direito Penal de Fato", mas sim quem faz"Direito Penal de Autor".
E no mesmo sentido, argumentam Zaffaroni e Pierangeli (1997, p.117-119):
[...] O sentimento de segurança jurídica não tolera que uma pessoa (isto é,um ser capaz de autodeterminar-se), seja privada de bens jurídicos, comfinalidade permanente preventiva, numa medida imposta tão somente pelasua inclinação pessoal pela sua inclinação pessoal ao delito sem levar emconta a extensão do injusto cometido e o grau de autodeterminação que foinecessário atuar. Isso não significa que com a pena nada seja retribuído,mas apenas o estabelecimento de um limite à ação preventiva especialressocializadora que se exerce sobre uma pessoa. De outra parte, ainclinação ao delito, além de não ser demonstrável, possui o sérioinconveniente de, muito frequente, ser resultado da própria ação prévia dosistema penal, com o que se iria na absoluta conclusão de que o efeitoaberrante da criminalização serve para agravar as próprias consequências,e, em razão disso para aprofundar ainda mais sua aberração
Para os que pensam como os doutrinadores citados que defendem que a Lei
n.o 10.792/2003 é inconstitucional, tais doutrinadores, encontram parâmetros nos
27
Direitos Humanos na Constituição Federal, "princípio da dignidade da pessoa humana,
humanidade das penas, proporcionalidade das penas e princípio da legalidade".
Os Direitos Humanos dos apenados são quase que sempre o embasamento
para arguir a inconstitucionalidade da Lei n.o 10.792/2003. Neste sentido temos o
doutrinador Paulo César Busato que entende que a referida Lei viola as garantias
fundamentais, vejamos o que Paulo César Busato (2004) expõe:
[...] A recente entrada em vigor da Lei n.o 10.792, de 1.o de dezembro de2003, que altera a Lei de Execução Penal brasileira (Lei n.o 7.210, de 11 dejunho de 1984) para a inclusão de um regime Disciplinar Diferenciadoaplicado a determinados detentos, produziu uma importante reação doutrináriaem razão das importantes violações que ela supõe a determinadas garantiasfundamentais, em especial no que se refere a humanidade da execução dapena e o princípio de igualdade.
Desta maneira, não se pode, por ser eficiente ao combate ao crime, violar os
Direitos Humanos dos apenados; isso daria uma insegurança jurídica em favor de
suprir o clamor público por justiça. Além do já exposto no presente trabalho há de
citar os princípios constitucionais que a presente Lei n.o 10.792/03 viola. Assim relata
a parte final do artigo 5.o, XXXIX, da Constituição Federal: "não há pena sem prévia
cominação legal", eis o denominado "Princípio da Anterioridade".
Conforme D'Urso (1999):
O princípio da anterioridade impõe a obrigatoriedade prévia, para que todospossam ter conhecimento prévio do que lhe é proibido, do tipo penal. Essecomando enseja o efeito da irretroatividade da norma penal incriminadora,excetuando para beneficiar o réu. Tal entendimento emana do próprio TextoMaior, quando fala em lei anterior e pena prévia cominada legalmente.
Destarte, fica exposto o desrespeito dos Direitos Humanos em aplicar as
medidas existentes no Regime Disciplinar Diferenciado.
5.4 RDD VERSO DIREITOS HUMANOS
O Princípio da Humanidade tem sua origem em postulados que desembocaram
na "Declaração Universal dos Direitos do Homem" onde ninguém será submetido à
tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante visto também,
a convenção Americana Sobre Direitos Humanos dispondo que ninguém deve ser
28
submetido à tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Toda pessoa, privada da sua liberdade deve ser tratada com respeito, devido à
dignidade inerente ao ser humano assim escrito na Seção II do capítulo IV, com
embasamento na Constituição Federal 1988, disposto no artigo 5.o, III e XLIX.
A Constituição Federal de 1988 previu a importância da dignidade humana
em nosso Estado Democrático de Direito, vez que diversos dispositivos de nossa
Constituição cuidam de tal princípio. O disposto no artigo 1.o, inciso III, bem como o
artigo 60, parágrafo 4.o, inciso III, na Constituição Federal de 1988, traz a dignidade
da pessoa humana e os direitos e garantias individuais, como fundamento no Estado
Democrático de Direito.
Por mais que eficiente seja a Lei do Regime Disciplinar Diferenciado, não
pode o sistema de Execução Penal esquecer os Direitos Humanos dos apenados;
não pode o sistema adotar uma solução maquiavélica para confortar os anseios da
população, onde os fins justificam os meios. Para este entendimento reza a Magna
Carta e não se podem olvidar os preceitos constitucionais para impor um regime de
desrespeito ao ser humano. Não será adotada pena cruel assim coaduna a
Constituição Federal no artigo 5.o XLVII: "não haverá penas: a) de morte, salvo em
caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, b) de caráter perpétuo, c) de
trabalhos forçados, d) de banimento, e) cruéis".
Sobre o princípio ora em debate, aduz Bitencourt (2012, p.67):
[...] O princípio da humanidade do Direito Penal é o maior entrave para aadoção da pena capital e da prisão perpétua. Esse princípio sustenta que opoder punitivo estatal não pode aplicar sanção que atinja a dignidade dapessoa humana ou que lesione a constituição físico-psíquica dos condenados.A proscrição de penas cruéis e infamantes, a proibição de tortura e maustratos nos interrogatórios policiais e a obrigação imposta ao Estado de adotarsua infraestrutura carcerária de meios e recursos impeçam a degradação e adessocialização dos condenados são corolários do princípio da humanidade.
Como bem ressalta o doutrinador Bitencourt (2012), o Estado tem por obrigação
adotar de todos os meios da estrutura carcerária para garantir a inviolabilidade do
Princípio da Humanidade. Tem que o sistema prisional encontrar meio de coibir o
Crime Organizado onde sejam respeitados os Direitos Humanos dos suspeitos ou
comprovados pertencentes ao Crime Organizado.
Não basta o legislador prever meramente um conceito de competência de
legalidade formal, há de se ater um comparativo com a Constituição Federal, assim
29
relata Rogério Greco (2005, p.142):
[...] Incontestável a conquista obtida por meio da exigência da legalidade.Contudo, hoje em dia, não se sustenta um conceito de legalidade de cunhomeramente formal, sendo necessário, outrossim, investigar a respeito desua compatibilidade material com o texto que lhe é superior, vale dizer, aConstituição. Não basta que o legislador ordinário tenha tomado as cautelasnecessárias no sentido de observar o procedimento legislativo correto, a fimde permitir a vigência do diploma legal por ele editado. Deverá, outrossim,verificar se o conteúdo, a matéria objeto da legislação penal, não contradizos princípios expressos e implícitos constantes de nossa Lei Maior.
O legislador não pode pensar somente em criar uma lei eficiente para coibir
o crime, tem que analisar se referida lei não vem a ferir princípios constitucionais.
E o sofrimento do apenado não pode ir além do que a lei aufere na condenação.
Não pode haver um segundo castigo qualitativo ou quantitativo da pena, assim
relatam Mirabete e Fabbrini (2008, p. 41):
[...] Tem o Estado o direito de executar a pena, e os limites desse direito sãotraçados pelos termos da sentença condenatória, devendo o sentenciadosubmeter-se a ela. A esse dever correspondente o direito do condenado denão sofrer, ou seja, de não ter de cumprir outra pena, qualitativa ouquantitativa diversa da sentença. Eliminados alguns direitos e deveres dopreso nos limites exatos dos termos da condenação, deve executar-se a penade liberdade, permanecendo intactos outros tantos direitos. A inobservânciadesses direitos significaria a imposição de uma pena suplementar nãoprevista em lei. Está previsto nas regras Mínimas para o tratamento dos presosda ONU o princípio de que o sistema penitenciário não deve acentuar ossofrimentos já inerentes à pena privativa de liberdade. Este parece ser oponto mais levantado atualmente por certos juristas.
Não deixa dúvidas o doutrinador ao expor que o preso não pode ser
submetido a uma pena suplementar, ou seja, ser confinado em uma cela isolado do
mundo exterior como o previsto na Lei n.o 10.792/03 (artigo 51, inciso II) do Regime
Disciplinar Diferenciado, não deixa de ser uma pena degradante e suplementar.
Assim expressa Cunha (2011) em sua publicação no site da JusBrasil::
[...] Eis o teor do acórdão prolatado no Habeas Corpus n.o 978.305.3/0-00oriundo da Primeira Câmara do TJSP:"[...] O chamado RDD (Regime disciplinar diferenciado), é uma aberraçãojurídica que demonstra à sociedade como o legislador ordinário, no afã detentar equacionar o problema do crime organizado, deixou de contemplar osmais simples princípios constitucionais em vigor. [...] Independentemente dese tratar de uma política criminológica voltada apenas para o castigo, e queabandona os conceitos de ressocialização ou correção do detento, paraadotar" medidas estigmatizantes e inocuizadoras "próprias do" Direito Penal
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do Inimigo ", o referido"regime disciplinar diferenciado"ofende inúmerospreceitos constitucionais". E continua o insigne Magistrado, "trata-se de umadeterminação desumana e degradante (art. 5.o, III, da CF), cruel (art. 5.o,XLVI, da CF), o que faz ofender a dignidade humana (art. 1.o, III, da CF). [...]O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ao entender comoinconstitucional o citado regime disciplinar, ainda deixou evidente que amedida" é desnecessária para a garantia da segurança dos estabelecimentospenitenciários nacionais e dos que ali trabalham, circulam e estãocustodiados, a teor do que já prevê a Lei 7.210 /84 ".
A presente decisão e toda análise, expõe que a Lei n.o 10.792/2013 do
Regime Disciplinar Diferenciado pode ser eficaz, porém, nada justifica a violação dos
direitos fundamentais dos encarcerados.
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6 CONCLUSÃO
O referido Projeto tem como embasamento a tese de confirmar que a Lei
n.o 10.792 do Regime Disciplinar Diferenciado é a que mais se aproximou de um
sistema ideal, e analisar que o texto constitucional até a presente data é uma
abstração jurídica; os direitos humanos dos presos primeiro têm que existir no
mundo fático, só depois eles podem ser violados. Não se viola o que não existe.
A presente dissertação acadêmica teve a ambição de expor, via doutrina, que o RDD
pode ser o embrião de uma solução logística de Regime Diferenciado.
Assim sendo caminhou o Trabalho de Conclusão de Curso no sentido de
que deve ser tratado o diferente com diferença para que haja uma organização do
Estado e não do criminoso. Tendo como base expor que o meio utilizado é inócuo e
ilegal, é provado que se gasta muito sem resultado efetivo e se dá margem para o
Crime Organizado se expandir com o aval do Estado. É perfeitamente possível
combater o Crime Organizado que se estrutura intermuros com um regime
diferenciado para membros de facção criminosa.
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